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    TUDES ROMANES DE BRNO34, 2, 2013

    JAN HRICSINA

    EVOLUO DO SISTEMA VOCLICO DO LATIM CLSSICOAO PORTUGUS MODERNO (TENTATIVA DA VERIFICAO

    IN CORPORA)1

    Os objetivos do presente estudo so dois: o primeiro recapitular a evoluodo sistema voclico do Portugus, uma lngua que no mudou to profundamentecomo as demais lnguas romnicas (Francs, Espanhol, Italiano, Romeno). Porexemplo, o sistema das vogais tnicas do Portugus atual apresenta-se como umdos mais arcaicos no conjunto destas lnguas; o segundo objetivo vericar fe-nmenos que se apresentam como hipotticos (por exemplo, o alteamento dasvogais tonas no Portugus Antigo). Para tal, procederemos ao corpuseletrnico

    do Portugus www.corpusdoportugues.org.2O presente artigo est dividido em cinco partes: 1. O sistema voclico no La-

    tim Vulgar, 2. O sistema voclico no Portugus Antigo, 3. O sistema voclico noPortugus Clssico e Moderno, 4. Mudanas ocorridas no sistema voclico nosculo XIX e 5. Concluses.

    1. O sistema voclico no Latim Vulgar

    O ponto de partida da nossa descrio ser representado pelo sistema voclicodo Latim Clssico (uma lngua que nos bastante conhecida). No descreve-remos, porm, este sistema, ao invs, passaremos desde j a recapitular as mu-danas ocorridas no assim chamado Latim Vulgar, ou seja, numa lngua faladapelo povo, pouco inuenciado ou no-inuenciado pelos modelos escolares noterritrio da Romnia do sculo I ao sculo VII da nossa era (sobre a denio

    1 Este artigo faz parte do projeto Program rozvoje vdnch oblast na Univerzit Karlov .P10Lingvistika, subprograma Romnsk jazyky ve svtle jazykovch korpus.

    2 O corpus elaborado por Mark Davies (BYU) e Michael J. Ferreira (Georgetown University)contm mais de 45 milhes de palavras dos textos provenientes dos sculos XIV-XX escritosem ambas as variantes principais do Portugus, respetivamente no Portugus Europeu e nodo Brasil.

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    do Latim Vulgar ver Neto 1957:1137). Sabe-se muito pouco sobre a estrutu-ra desta lngua. As suas descries baseiam-se principalmente na comparaodas lnguas romnicas atuais ou nos poucos factos conhecidos (Appendix Probi,Grafti de Pompeia, algumas obras literrias de Petrnio, Plauto etc.). A questodo Latim Vulgar e a sua evoluo so bastante complexas e complicadas e nonos possvel entrar em pormenores neste estudo (ver Vnnen 1981, Haadsma1963, Neto 1957, Castro 2006). O certo que o Latim Vulgar no era uma lnguaestvel e homognea. A lngua falada em Roma era diferente da falada na Penn-sula Ibrica. No presente estudo, descreveremos s as mudanas gerais e aponta-remos para aquelas que afetaram s os dialetos falados no extremo oriente da Pe-nnsula Ibrica, ou seja, no territrio em que depois nasceu a lngua portuguesa.

    1.2 O acento

    Primeiro recordamos brevemente quais as regras da posio do acento no La-tim Vulgar:

    a. As palavras monossilbicas so sempre tnicas (exceto as preposiese conjunes):pax, rus3.

    b. Nas palavras dissilbicas o acento recai sempre na penltima slaba: ego,equa.

    c. Nas palavras de trs slabas e mais aplica-se a assim chamada regra de quan-

    tidade da penltima slaba: se a penltima slaba longa, o acento recai nela.Esta slaba pode ser longa por natureza (amre) ou por posio seguem-sepelo menos duas consoantes (exceto a combinao oclusiva+lquida ma-gistra). Se a penltima slaba breve, o acento recai na antepenltima fe-mina.

    No Latim Vulgar, na maioria das palavras o acento ca na mesma slaba como noLatim Clssico. Existem s algumas excees a esta regra.

    a. O acento muda de posio nos innitivos dos verbos da terceira classe. Naslnguas romnicas (exceto no Italiano4) estes verbos passaram seja paraa segunda classe (perdere>perder)seja para a quarta classe (petere>pedir).

    b. No Latim Vulgar o acento recai na penltima slaba tambm nas palavras emque esta breve (seguida de oclusiva+lquida) integra>inteira.

    c. Outra mudana que afetou o Latim Vulgar j em meados do sculo I a. C.,reside na passagem do acento nas vogais /i/, /e/ e /u/ que cam no hiato, para

    3 As letras em negrito representam as vogais acentuadas.4 Em Italiano, existem trs classes de verbos. segunda pertencem geralmente os verbos com

    o acento seja na antepenltima slaba (vendere) seja na penltima (temere).

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    a vogal seguinte. O hiato passa assim ao ditongo /mulieres/>/mulje:res/5,consuere>/konswe:re/.

    d. Ao contrrio do Latim Clssico, no Vulgar os verbos formados pelo prexorespeitam a regra de quantidade da penltima slaba (o acento recai na pe-nltima) repeto>repeto.

    A mudana principal que afetou o acento no Latim Vulgar, foi a substituiodo acento quantitativo-meldico pelo acento de intensidade, ou seja, a passagemdum tipo de acento para outro. Enquanto que no Latim Clssico a slaba acentua-da se pronunciava num tom mais agudo e era mais longa do que a no-acentuada,no Latim Vulgar, provavelmente desde o sculo III a. C., comea a expandir-se o acento de intensidade (cf. Vnnen 1981:32). A slaba acentuada passaa pronunciar-se, assim, com mais intensidade e energia. Em consequncia, esta

    energia que falta ao pronunciarem-se as vogais tonas que passam a ser pronun-ciadas de maneira reduzida ou com um timbre modicado. A qualidade destasvogais modica-se e, nalgumas lnguas, este fenmeno pode levar queda detoda a slaba (Portugus, Romeno).

    1.3 Vogaistnicas

    A mudana mais importante que afetou o sistema voclico do Latim Vulgar, a perda da quantidade voclica (ver mais em detalhe Vnnen 1981: 2938;

    Neto 1957: 175183). No Latim Clssico havia cinco vogais breves (, , , ,)6e cinco vogais longas (, , , , ). A quantidade voclica representava umtrao fonolgico, ou seja, era capaz de distinguir as palavras (legit/lgit, malum/mlum). Esta quantidade voclica que existia originalmente no Latim Clssico,foi substituda pela qualidade voclica. Quer dizer isto que as vogais passarama pronunciar-se ou de maneira fechada ou de maneira aberta. A regra principal eraa seguinte: as vogais tnicas breves abriram-se e as tnicas longas fecharam-se(exceto a vogal A). Esta transformao levou alguns sculos. Os especialistas emquesto armam que a mudana se processou no perodo entre o sculo II e o s-culo VI. Vejamos o quadro que ilustra o acima mencionado:

    /i/ /e/ // /a/ // /o/ /u/Quadro I

    5 Para a representao fonolgica de palavras seguimos a transcrio fontica API. As palavras

    cam sempre entre barras. Para representar os grafemas usam-se parnteses angulares.6 O smbolo que ca em cima duma letra, signica que a respetiva vogal breve, o repre-

    senta a pronncia longa duma vogal.

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    Como reao perda da quantidade voclica original formou-se no Latim Vul-gar uma nova quantidade voclica, de carcter posicional, que no era fonologi-camente relevante (no era possvel distinguir palavras por meio dela). Trata-seda lei de Ten Brink que se baseia na regra seguinte: no Latim falado em Romatodas as vogais tnicas na slaba aberta eram longas e na slaba travada breves.Todas as vogais tonas eram breves. No Latim Vulgar falado na Pennsula Ibrica(iberorromance), a situao era diferente: cada vogal tnica era longa (cantus/kantum/>/ka:ntu/, mare /mare/>/ma:re/)7. A consequncia desta mudana foia substituio duma oposio fonolgica (vogal breve/longa) pela outra (vogalaberta/fechada). Vrios pares mnimos caram na lngua, s que um trao fono-lgico diferenciador foi substitudo por outro (populus (povo)/ppulus(lamo) >/p:polu/ /po:polu/).

    As vogais // e // tiveram uma evoluo diferente em vrios idiomas falados

    na Pennsula Ibrica. Em Castelhano, Aragons e Asturiano ditongaram //>/je/a //>/we/, nap. tierra, fuego(em Castelhano). Nos outros idiomas (Portugus,Galego e Catalo) a ditongao no ocorreu. As vogais passaram para estas ln-guas inalteradas (em Portugus e Galego- terra, fogoou em Catalo- terra, foc).

    Algumas vogais que se articulavam de modo semelhante, fundiram-se numas, por exemplo, /i/ aberto fundiu-se com /e/ fechado. Esta mudana ocorreu pro-vavelmente j no incio da nossa era (pilus/pilum/>/pe:lu/, tla/te:lam/>/te:la/).O /u/ aberto fundiu-se com o /o/ fechado. Este fenmeno passou-se no perododo sculo II ao sculo IV (gutta/guttam/>/go:ta/,glria/glo:riam/>/glo:rja/).

    Outra tendncia existente no Latim Vulgar era a monotongao de vrios di-tongos8. Esta mudana afeta principalmente os ditongos originais (primrios)9.Os ditongos em questo so os seguintes: /ae/>// (do sculo II), /oe/>/e/ (desdea segunda metade do sculo I) a /au/>/o/ (esta mudana foi registada em Romaj em meados do sculo II a. C.) (caecus caecum> /kko/ > /k`go/ > /tsgo/,poenapoenam> /pena/, aut (nebo) > /out/ > /ou/ > /o/). Na Pennsula Ibrica,este fenmeno expandiu-se mais tarde do que nas outras partes da Romnia. sem nais do sculo X que nos documentos escritos podemos registar os monoton-gos. Esta tendncia est bem documentada, por exemplo, nas Glosas Silenses10(pauca>poca, causa>cosa). Nestas palavras, o ditongo /aw/ original (primrio).Deste ditongo primrio distinguem-se os ditongos secundrios, ou seja, ditongosque se formaram ou por meio de sncope (queda) duma consoante ou pela voca-lizao da consoante /l/ que seguia a vogal /a/ na slaba travada (cantvit(zpval)>/kantaw:t/>/kantaw:/>/kanto:/, alteru(jin)>/a:ltru/>/aw:tru/>/o:tru/). Em mui-

    7 Na reconstruo de palavras partimos sempre do acusativo (o caso mais frequente no LatimClssico).

    8 A monotongao a mudana dum ditongo para monotongo.

    9 So os ditongos que provm diretamente do Latim Clssico.10 As Glosas Silenses so comentrios escritos no romance peninsular por copistas medievais

    nas margens dum texto latino. Datam do nal do sculo XI.

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    tas palavras, o ditongo primrio /aw/ passou a ser monotongo (augustus>agustus,auscultare>ascultare).

    No Latim Vulgar falado no territrio em que hoje ca Portugal, a monoton-gao do ditongo /aw/ no ocorreu, tendo-se este transformado no ditongo /ow/pela atuao da assimilao (a vogal /w/ alta fez elevar a /a/ baixa /a/>/o/ causa>cousa, autro>outro, cantau>cantou).

    Outra tendncia tpica do Latim Vulgar foi a crase de hiatos11. Nas situaes dehiato composto por vogais semelhantes, a crase ocorreu logo no Latim Clssico(mihi>m(mn),prehendere>prndere).

    1.4 Vogais tonas

    Em linhas gerais, podemos constatar que o subsistema das vogais tonas do La-

    tim Vulgar foi simplicado e reduzido a apenas cinco fonemas /a/, /e/, /i/, /o/ a /u/(Vnnen 1981:30). Vejamos o quadro ilustrativo deste subsistema:

    /i/ /e/ /a/ /o/ /u/Quadro II

    Como j foi acima referido, as vogais tonas, em geral, so caracterizadas pelasua instabilidade, mudanas de timbre e pelas tendncias reduo. Em certasposies, tambm podem cair. No seu subsistema, podemos, porm, encontraruma certa hierarquia fonolgica: a posio mais estvel a inicial e as posiesdentro da palavra so caracterizadas como menos estveis. Trata-se de vogaispretnicas12e postnicas13. De todas as vogais tonas a /a/ que se consideracomo a mais estvel.

    Apresentamos agora trs mudanas principais que afetaram muitas palavrasdo Latim Vulgar e eram importantes para a evoluo das lnguas romnicas:

    Sncope(do gregosynkpe encurtamento) = trata-se da queda duma vogaldentro duma palavra cuja consequncia a perda duma slaba (ocorre comfrequncia nas palavras com as lquidas /l, r/) (calidus calidum> /kalido/>/kaldo/,positus positum> /psito/ > /psto/).

    Prtese(do gregoprothesis colocar diante) = trata-se da adio dum fone-ma no incio da palavra (tpico do Latim Vulgar adio do /i/ antes do gru-po /s/+uma consoante) (schola scholam> /skla/ > /iskla/ > /eskla/,spathaspatham> /spata/ > /ispada/ > /espada/).

    11 A crase fuso de dois elementos voclicos em um s.12 A vogal pretnica aquela que precede a slaba acentuada.13 A vogal postnica aquela que se segue a slaba acentuada.

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    Apcope(do grego apokop amputao) = trata-se da supresso dum fo-nema ou duma slaba no nal da palavra (qumod> qumo)

    2. O sistema voclico no Portugus Antigo

    Recapitulamos agora a evoluo do sistema voclico no Portugus Antigo e M-dio14. Este perodo encontra-se delimitado aproximadamente pelo m do sculoXII (aparecimento dos primeiros documentos escritos em Portugus) (sobre osprimeiros documentos escritos em Portugus ver Hricsina 2013) e pela metadedo sculo XVI (edio das primeiras gramticas do Portugus e de Os Lusadas).Este perodo pode ser ainda dividido em duas subfases o Portugus Antigoe o Mdio. A fronteira entre estes perodos situa-se em meados do sculo XIV, ou

    seja, numa poca caracterizada pelo declnio da poesia galego-portuguesa e con-sequentemente pela diviso do Galego-Portugus ou delimitada simbolicamentepela batalha de Aljubarrota em 1385 (sobre a periodizao da histria da lnguaportuguesa ver Cardeira 2006:8287). Por contraposio com o captulo anterior,aqui ocupar-nos-emos de um perodo linguisticamente bem documentado.

    2.1. Vogais tnicas

    Pode-se constatar que o Portugus Antigo tinha um carcter conservador, pos-

    suindo um sistema de vogais tnicas bastante idntico ao do Latim Vulgar. Noocorreram quaisquer ditongaes destas vogais como nas demais lnguas romni-cas (Francs, Italiano, Espanhol, Romeno etc.) (ver Zavadil 1998: 8990).

    A nica diferena em comparao com o Latim Vulgar encontra-se representa-da pela evoluo do fonema /a/ que naquela poca, muito provavelmente, possuaduas variantes de pronncia. Segundo alguns especialistas no domnio da histriada lngua portuguesa, este fonema pronunciava-se antes das consoantes nasais demaneira reduzida, ou seja, como a vogal central // que conhecemos do PortugusAtual (Mattos e Silva 2008: 4867; Teyssier 2001: 25). Um argumento a favordesta teoria pode ser representado pela tendncia das vogais nasalisadas (candoantes duma consoante nasal) a fecharem-se. Tambm os autores das primeirasgramticas do Portugus, Ferno de Oliveira15 e Joo de Barros16distinguema pronncia do assim chamado apequeno na palavra amoe o agrande na palavra

    Almada. Ao contrrio, Clarinda Azevedo de Maia recorda que nos dialetos seten-trionais atuais do Portugus e em Galego o fonema /a/ sempre aberto (tambmantes das consoantes nasais), acrescentando que so estes dialetos que apresen-

    14 A denominao de Portugus Mdio foi pela primeira vez utilizada por Lindley Cintra (Cas-

    tro 1999).15 Ferno de Oliveira, Grammatica da lingoagem portuguesa, 1536.16 Joo de Barros, Grammatica da lingua portuguesa, 1540.

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    tam os traos mais arcaizantes e por isso, em muitos aspetos, devem reetir a si-tuao que existia nas fases arcaicas da lngua (Maia 1986: 3189).

    O facto de o Portugus Antigo ter retomado o sistema das vogais tnicas do La-tim Vulgar, no signica que a qualidade das vogais nas palavras tenha permane-cido idntica. O Portugus pertence s lnguas em que ocorrem vrias mudanasdo fenmeno chamado metafonia (harmonia voclica, alteamento distncia). um tipo especial de assimilao distncia. O processo assimilatrio o seguin-te: uma vogal tona nal (alta ou baixa) atua sobre a vogal tnica temtica (dentroda palavra) e faz aproximar a qualidade dela sua, ou seja, ou fecha-a ou abre-a.Este fenmeno pode ser encontrado tambm noutras lnguas romnicas (Leons,Romeno). diferenca dalgumas lnguas em que este fenmeno atua regularmen-te (Hngaro, Turco), em Portugus, no inuenciou todas as palavras, mas apenasuma parte do vocabulrio. Este fenmeno tem a ver com a exo dos substantivos

    e verbos. As mudanas metafnicas podem dividir-se em dois tipos:

    a. a vogal nal alta modica a vogal temtica: e/>/i/ e /o/>/u/ (/esto/ > /isto/, /todo/ > /tudo/)

    b. a vogal nal alta ou baixa s inuencia o timbre da vogal temtica (sejaa fecha, seja a abre): (/mdo/>/medo/, /mda/>/moda/, /fgo/>/fogo/, /for-moza/>/formza/)

    No primeiro caso, as mudanas metafnicas ocorreram mais tarde (ainda no

    sculo XVI, registam-se oscilaes grcas em algumas das palavras em ques-to). Apesar disso, Edwin Williams acha que este processo comeou j no sculoXIII (Williams 1986:1067). Segundo os dados fornecidos pelo corpus eletr-nico www.corpusdoportugues.org17, parece que o perodo em que esta mudanaocorreu, a transio entre os sculos XV e XVI. Encontramos tambm algumasformas metafonizadas j no sculo XIV, facto que prova a armao de EdwinWilliams que o processo deve ter comeado mais cedo. Veja a tabela das ocorrn-cias dos pronomes demonstrativos entre os sculos XIV e XVII.

    esto isto esso isso aquelo aquilosc. XIV 4 194 94 461 16 226 15sc. XV 6 029 708 307 351 484 23sc. XVI 777 3 715 78 2 551 26 210sc. XVII 23 2 398 14 1 304 0 103

    Tabela I

    muito mais difcil vericar quando comeou o segundo tipo de evoluo me-tafnica, porque este no diretamente deduzvel da graa. Os linguistas apoiam-se principalmente na anlise da poesia medieval, por exemplo, no Cancioneiro da

    Vaticana17rima-se a palavra medocom cedo(Williams 1986:107). Isto signica

    17 Cancioneiro da Vaticana uma colectnea medieval de 1200 cantigas trovadorescas escritas

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    que naquela altura nas duas palavras se pronunciava muito provavelmente /e/.Clarinda de Azevedo Maia aponta para as diferenas sociolingusticas possveisna pronncia das palavras afetadas pela metafonia (Maia 1986:508519).

    O sistema das vogais tnicas compreendia ento sete fonemas. O fonema /a/tinha muito provavelmente a sua variante posicional (antes da consoante nasal)//. Vejamos o quadro ilustrativo.

    Vogais anteriores centrais posterioresfechadas i usemifechadas e omdias ()semiabertas

    abertas aQuadro III

    2.2 Vogais tonas

    A lngua portuguesa pertence ao grupo das lnguas em que existe uma hierar-quia entre as vogais tnicas e tonas. Estas ltimas tendem a pronunciar-se deuma maneira reduzida, com um timbre modicado. Ao mesmo tempo, temosque distinguir tambm as vogais tonas nais (cando no nal da palavra) e as

    no-nais, nomeadamente as pretnicas (cando antes do acento). Em Portuguse noutras lnguas romnicas, a evoluo de ambas foi diferente.

    2.2.1 Vogais tonas nais

    A nica vogal que na fase mais remota da histria da lngua portuguesa no tevenenhuma tendncia para a reduo, foi o fonema /a/. No foram registadas ne-nhumas oscilaes da graa nas palavras com este fonema. A nica exceo estrepresentada nela construo em cas de

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    beve, escolhe, entende, recebe). No pretrito perfeito simples existia uma opo-sio entre a primeira pessoa do singular fezi(isto, esso>issonebo aquelo>aquilo). O alteamento das vogais em questo no teria acontecido,se se tivesse pronunciado /o/ no nal destas palavras. Clarinda de Azevedo Maia,analisando os documentos provenientes dos territrios da Galiza, do Minho e daregio do Douro, arma que no norte deste territrio no encontra as palavrasmetafonizadas, mas o fenmeno existia com certeza no sul da zona estudada. Elaconclui que a pronncia do /o/ nal era com muita probabilidade dialetalmentediferenciada. No norte de Portugal e na Galiza, a pronncia era mais aberta (noGalego moderno pronuncia-se sempre /o/ no nal de palavra) do que nas zonasmeridionais em que se pode registar uma tendncia clara a fechar a vogal /o/>/u/j na fase mais remota da histria do Portugus (Maia 1986: 5256). S restasaber se j no Portugus Antigo o se pronunciava como /u/. Paul Teyssieradmite s a pronncia do /o/ (Teyssier 2001: 25). O linguista brasileiro AnthonyJulius Naro admite o alteamento do /o/ nal, mas acha que ainda no se realizavao fonema /u/ (Naro 1973:42). Em muitas palavras, pode-se registar o grafema em vez do etimolgico. Nestes casos trata-se muito provavelmente de

    18 O arquifonema representa uma classe de fonemas que perderam a sua capacidade de distin-guir palavras numa certa posio.

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    latinismos (Portu, fazemus). O repertrio dos fonemas realizados na posio to-na nal no Portugus Antigo e Mdio era o seguinte:

    Vogais anteriores centrais posterioresfechadas (i)semifechadas e omdiassemiabertasabertas a

    Quadro IV

    2.2.2 Vogais tonas no-nais

    A realizao do grafema na slaba pretnica (ou dentro de palavra ou no inciode palavra) ca ainda por resolver. Os primeiros gramticos da lngua portuguesa,Ferno de Oliveira e Joo de Barros, informam-nos indiretamente que no sculoXVI, j existiam dois fonemas /a/ e //. Nas suas gramticas, mencionam aspalavras aquelee aaquele(preposio a+ aquele) cuja pronncia era diferente.Na primeira palavra pronunciava-se o assim chamado apequeno // e na segunda,o agrande /a/ (Mattos e Silva 2008: 4978). Isto, porm, reete a situao do sculoXVI. Ningum sabe responder pergunta seguinte: qual era a pronncia do nafase mais remota do Portugus Antigo? possvel ter havido uma certa oscilaodo timbre do /a/ na slaba tona ou no incio de palavra ou dentro de palavra devido variao grca registada em muitas palavras (Anrique/Enrique, antre/entre, ale-

    fante/elefante, salrio/selrio, sagrado/segrado, piadade/piedade). Estas variaesforam provadas pela anlise no Corpus. Curioso o facto de que nalgumas palavrascomeadas pelo e-etimolgico, a variante com a-no-etimolgico que predomina.

    enrique anrique entre antre piedade piadade segrado sagrado

    sc. XIV 0 2 225 766 83 103 0 20sc. XV 2 33 154 1 933 266 60 0 26

    Tabela II

    A realizao dos grafemas e no incio de palavra caracterizada pormuitas confuses entre os respetivos fonemas /e/ e /i/. s vezes, o elemento vo-clico pode ser ditongado /ej/. Estas oscilaes esto documentadas em textosprovenientes da respetiva poca (idade/edade/eidade, igreja/eigreja, escritura/iscritura) (Mattos e Silva 2008: 4989). No Corpus, este tipo de variao foiprovado no caso da palavra igreja.

    igreja egreja eigreja

    sc. XIV 248 61 2sc. XV 374 252 11

    Tabela III

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    As mesmas oscilaes esto registadas tambm na realizao destes grafemasdentro da palavra, mas neste caso as mudanas so motivadas pela metafonia.Isto quer dizer que a vogal na posio pretnica se eleva sempre que na slaba t-nica existe uma vogal alta /i/ ou /u/. Segundo os dados fornecidos pelo primeirosgramticos do Portugus, estas mudanas esto estabelecidas no Portugus faladona Corte real. Muitas oscilaes ou variaes nestes fonemas podem ser encon-tradas em textos provenientes de uma poca mais remota (vendita/vindita, vegiar/vigiar, veuva/viuva, pidimos, pidi, ridas, sirvia, mininos, pirigos) (Mattos e Sil-va 2008:499). No Corpus, as variaes na graa foram encontradas, por exemplo,nas palavras veuva/viuva, pedir/pidir e menino/minino.

    veuva viuva pedir pidir menino mininosc. XIV 0 2 161 17 1 0

    sc. XV 1 13 227 60 66 57Tabela IV

    Ao contrrio das vogais acima mencionadas, a realizao dos grafemas no incio de palavra mais estvel, mesmo que tambm aqui ocorram v-rias oscilaes na pronncia e na ortograa. Todas estas confuses documentadasso provavelmente resultado de metafonia (todas as palavras tm a vogal tnicaalta) oliveira/uliveira, homilde/humilde, orgulho/urgulho (Mattos e Silva 2008:499500). No Corpus, as variaes na graa encontraram-se apenas na palavra

    homilde/humilde.As vogais /o/ e /u/ que cam dentro de palavra, tm a mesma evoluo queas vogais /e/ e /i/. Se na slaba tnica h uma vogal alta, a vogal tona eleva-se.Este processo afeta as palavras em questo j no sculo XIV. No sculo XVI,Ferno de Oliveira arma que a diferena entre as vogais /o/ e /u/ to pequenaque os falantes as confundem. Eis vrios exemplos bogia/bugia, costume/cus-tume, recordir/recurdir, logar/lugar, molher/mulher (Mattos e Silva 2008: 500).No Corpus, estas oscilaes foram provadas. interessante que no sculo XV naspalavras costumee logar, a variante com -u- j seja predominante. Veja a tabelaseguinte:

    costume custume logar lugar molher mulher sc. XIV 70 937 1 421 270 1 026 78sc. XV 254 461 801 2 010 2 372 69

    Tabela V

    Segundo Paul Teyssier, no sculo XV, aparecem em Portugus na posio to-na os fonemas // a // como resultado da crase de duas vogais idnticas no hiato,ou seja, uma sequncia voclica que se formou pela queda duma consoante in-

    tervoclica excadescere /eskaetser/>/eskeetser/>/esktser/,colorare/koorar/>/krar/ (Teyssier 2001:42). Criam-se, assim, algumas novas oposies fonolgicas /prgar/

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    curar/kurar//kojta/2. pela apcope das consoantes nais:partivit>/partiwi/>/partiw/3. pela sncope duma consoante sonora intervoclica: magis>/majs/4. pela mettese20:primariu>/primajro/>/primejro/ (a slaba tnica atrai o di-

    tongo e segue-se a assimilao da vogal /a/ ao iode)

    No sculo XV, comearam a formar-se novos ditongos abertos /j/, /j/e /w/. Estes ditongos eram resultado da queda de consoantes intervoclicas crudeles>cruees/krujs/,soles>soes/sjs/ e caelu>cu/sw/ (Teyssier 2001: 43). muito provvel que devido graa destas palavras, estas sequncias voclicas sepronunciassem originalmente como hiatos. S mais tarde ocorreu a sua ditongao.

    interessante vericar que j no Portugus Antigo podemos encontrar v-rias oscilaes dos ditongos /oj/ e /ow/ numa palavra. Este fenmeno persistiuem muitas palavras at hoje. Porm, os dois ditongos tm etimologia diferente:

    19 A vocalizao consiste na mudana dum elemento consonntico ao voclico.20 A mettese a transposio de fonemas na mesma slaba dentro de uma palavra.

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    217EVOLUO DO SISTEMA VOCLICO DO LATIM CLSSICO AO PORTUGUS

    o ditongo /ow/ formou-se seja do ditongo latino /aw/ causa>cousa, seja pelavocalizao da consoante /l/ na sequncia /al/ alteru>/awtro/>/owtro/. O outroditongo /oj/ formou-se pela vocalizao da consoante /k/ na sequncia /kt/ ou /ks/ cocta>coita, coxu>coixoou pela mettese do iode russeu>/rojo/>/rojo/.Estas oscilaes so frequentes nos documentos escritos desde o sculo XIII moiro/mouro, coisa/cousa, coiro/couro (Mattos e Silva 2008: 507). As variaesentre os dois ditongos esto documentadas no Corpus. evidente que nos sculosXIV e XV, as formas etimolgicas so muito mais frequentes.

    mouro moiro cousa coisa coiro couro

    sc. XIV 273 0 2 627 0 2 0sc. XV 351 12 5 296 2 25 4

    Tabela VI

    No Portugus Antigo, existiam s dois ditongos crescentes /ju/ e /ja/ que seformaram base dos hiatos latinos pluvia>chuvia>chuva, ravia>raiva. Emmuitos casos o ditongo tornou-se monotongo (o primeiro exemplo) ou passoupara a primeira slaba (o segundo exemplo). Existem, porm, vrios casos emque o ditongo se tornou monotongo no Portugus Antigo para ser restitudo maistarde gardar, calquer, agardente.Analisando estas palavras no Corpus, camosa saber que estas formas nunca foram muito frequentes (sendo relativamente vi-tais apenas no sculo XV).

    guardar gardar qualquer calquer

    sc. XIV 425 39 153 0sc. XV 839 107 812 3sc. XVI 435 15 1 479 0

    Tabela VII

    No Portugus Antigo, havia tambm muitos hiatos que se formaram tambmpela queda de consoantes intervoclicas populu>poboo, color>coor, mala>maa,pede>pee. Este fenmeno era uma das caractersticas principais deste perodo da

    lngua.A crase destes hiatos ocorreu j no sculo XIII, ou seja, no Portugus M-dio. Os hiatos formados pelas vogais diferentes (criados tambm pela queda dumaconsoante intervoclica) credo>creo, candela>candea, persistiram em Portu-gus at ao sculo XVI em que ditongaram pela insero do iode creio, candeia(Teyssier 2001: 445). No Portugus Antigo, havia tambm os hiatos primrios(provenientes diretamente do Latim) aprehendere>apreender, retrahere>retrair.

    2.4 Vogais nasais

    As vogais nasais ou nasalizadas formaram-se nas palavras em que uma consoantenasal (m, n, mm, nn) se seguia a uma vogal. A nasalizao em Portugus quasesempre regressiva, ou seja, a consoante nasal inuencia (nasaliza) a vogal prece-

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    dente. As consoantes que fornecem a nasalidade s vogais nasais, encontram-seem vrios contextos fonolgicos:

    a. em posio implosiva (vogal + consoante que trava a slaba): dente, mandarb. em posio intervoclica (presena duma consoante que gura entre duas

    vogais, nasalizao resultante da queda da consoante nasal): lana>l,manus>mo

    c. em posio implosiva no nal de palavra: amam, comd. em posio intervoclica (a consoante nasal no cai, inuencia uma vogal

    que lhe precede): ano, amar, chama

    O inventrio das vogais nasais existentes no Portugus Antigo era o seguinte(cf. Castro 2004: 1467).

    Vogais anteriores centrais posterioresfechadas semifechadas mdias semiabertasabertas

    Quadro VI

    No que diz respeito ao caso a), ou seja, realizao das vogais nasais pela in-uncia de consoantes que cam em posio implosiva, no h um acordo unni-me entre os especialistas na histria da lngua portuguesa. Joseph Huber e CelsoCunha interpretam a vogal como nasal (Huber 2006: 1367). Os outros linguistasdeixam esta questo em aberto ao referir que provvel que no se realizassea vogal nasal pura, mas apenas um glide nasal21. Este poderia ter sido ou dental(sinto/sinto/), bilabial (campo/kmpo/), ou velar (longo/longo/.

    No que toca ao caso b), a queda da consoante nasal /n/ representa um dostraos caractersticos das lnguas faladas no noroeste da Pennsula Ibrica (Gale-go e Portugus). Supe-se que esta mudana tem o seu incio no sculo X ou XI,

    expandindo-se plenamente s no sculo XII. No princpio, este processo afetouapenas os dialetos setentrionais do Portugus e Galego, mas no Morabe, lnguafalada no sul de Portugal, no ocorreu. Este facto est documentado, por exem-plo, pela toponimia no Alentejo e Algarve onde o /n/ intervoclico permaneceuconservado (Teyssier 2001: 156). O processo da nasalizao da vogal em ques-to o seguinte: a consoante intervoclica cai e deixa a sua nasalidade na vogalprecedente que inuencia a vogal seguinte bono/bo/>/b/, tener/ter/>/tr/.No caso da sequncia de duas vogais idnticas, primeiro realiza-se um hiato na-sal e no sculo XIII, estas vogais fundem-se (crase) /tr/>/tr/. A graa destes

    hiatos era variada: b, b, boo.Estes hiatos nasais no persistiram na lngua

    21 A realizao voclica nasal acompanhada pela presena da consoante nasal anloga.

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    muito tempo. Havia trs possibilidades avanadas para a simplicao destassequncias:

    a. desnasalizao do hiato e crase das vogais: /tr/>/teer/>/ter/b. crase das vogais nasais resultante na presena duma s vogal nasal: /b/>/

    b/c. ditongao da vogal nasal, se esta casse no nal da palavra: /b/>/b/

    No caso da queda da consoante nasal /n/ entre duas vogais diferentes, o /n/nasalizou s a primeira vogal e formou-se o hiato nasal-oral. Estas sequnciasnasais-orais foram modicadas no Portugus Mdio. Existiram vrios processosfonolgicos que mudaram estes hiatos (ver mais em Mattos e Silva 2008: 5178).

    a. desnasalizao da primeira vogal que resulta na formao do hiato oral: /perdar/>/perdoar/, /kora/>/koroa/ (a forma original latina s vezes resti-tuda meos>menos).

    b. desnasalizao da primeira vogal que resulta no hiato oral que se torna o di-tongo oral pela insero do iode: /aljo/>/aljeo/>/aljejo/, /so/>/seo/>/sejo/

    c. nasalizao da primeira vogal substituda pela consoante palatal nasal //:/vo/>/vio/, /fara/>/faria/

    No que diz respeito ao caso c), as vogais nasais formaram-se pela apcope de

    vogais nais que ocorreu j no Latim Vulgar. Por este processo as consoantesnasais deslocaram-se para o nal de palavra e nasalizaram as vogais preceden-tes coratione/koratson/>/korats/, cane/kan/>/k/. Outro tipo de formao devogais nasais a queda do /n/ intervoclico que cava entre duas vogais idnticase a crase destas unu//>//,ne/fe/>/f/>/f/.

    O caso d) um fenmeno muito discutvel. No Portugus Moderno, a nasali-zao em tal contexto (ano, chama) existe ao nvel dialetal (trao tpico do Portu-gus do Brasil). A questo que se coloca se esta nasalizao existia tambm noPortugus Antigo. Visto que o contexto fonolgico propcio para tal, de suporque tambm nesta fase do Portugus a nasalizao pode ter existido.

    2.5 Ditongos nasais

    No Portugus Antigo, existiam dois modos de formao de ditongos nasais:a. pela queda do /n/ intervoclico (o hiato nasal original tornou-se muito cedo

    ditongo): manu /m/> /mw /, canes /ks/>/k s/b. pela ditongao das vogais nasais nais em nomes e verbos e pela sua con-

    vergncia para o ditongo universal /w /: corao/korats/>/koratsw /, co/k/>/kw /, amam/am/>/amw /

    A convergncia de vrias vogais nasais para o nico ditongo nasal passa a serfrequente no Portugus lisboeta no sculo XVI. Este processo, porm, teve o seu

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    incio mais cedo, porque as palavras que contm este ditongo, aparecem no Can-cioneiro Geral de Garcia de Resende22(Mattos e Silva 2008: 519). O ditongo,porm, no se expandiu por todo o territrio de Portugal. No norte, aparece ounaquela altura ou hoje em dia o ditongo /w

    /. No sculo XVI, Duarte Nunes deLeao rejeita o uso deste ditongo, considerando-o como dialetal.

    H vrias explicaes para esta convergncia. Segundo alguns linguistas (No-biling, Leite de Vasconcelos, J. Bourciez), a causa principal deste fenmeno re-side na evoluo espontnea das vogais nasais nais. Outros, como por exemploEdwin Williams ou G. Tilander, opinam que a convergncia foi causada por ana-logia. Eis a explicao por eles avanada: o ditongo /w / /w /). A desvantagem eviden-te desta teoria o facto de ela no explicar de maneira convincente a passagemda vogal /o/ nas sequnciasoneeuntem //. O fenmeno pode ser explicadotambm pela oscilao entre as vogais // a // o pretrito perfeito simples amarom (

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    3.1. Vogais tnicas

    O subsistema das vogais tnicas passou do Portugus Antigo e Mdio para o Por-tugus Clssico sem mudana. A vogal // ainda no funcionava como fonema,porque ainda no tinha a capacidade de formar oposies funcionais. Realizava-se como uma variante posicional do fonema /a/, gurando antes das consoantesnasais ano, amo, banho cama. O Portugus de ento ainda no conhecia a opo-sio entre a primeira pessoa do plural do presente do indicativo e a primeirapessoa do plural do pretrito perfeito simples que existe no Portugus Atual amamos /mmu/ ammos /mamu/ (Castro 2004: 193; Teyssier 2001: 42).Na slaba tnica podem ocorrer sete fonemas e um alfono.

    Vogais anteriores centrais posteriores

    fechadas i usemifechadas e omdias ()semiabertas abertas a

    Quadro VII

    3.2 Vogais tonas

    O subsistema das vogais tonas mudou profundamente na transio do PortugusClssico para o Moderno. Quase todas as vogais tonas elevaram-se em um grau (/e/>/i/, /o/>/u/ e /a/>//). Este alteamento, porm, no ocorreu ao mesmo tempoe as mudanas afetaram as vogais pretnicas e nais duma maneira diferente. Porisso, descreveremos os dois subsistemas separadamente.

    3.2.1 Vogais tonas nais

    Como foi mencionado atrs, a vogal tona nal /e/ elevou-se dum grau e comeoua pronunciar-se como /i/. Ao mesmo tempo, a vogal tona nal /o/ elevou-se para

    /u/. Os primeiros testemunhos desta mudana datam do ano de 1734 em que foieditada a Gramtica do Italianoda autoria de Lus Caetano Lima que aconselhaos Portugueses a pronunciarem o nal como /o/ e o nal como /e/ e nocomo em Portugus, respetivamente /u/ e /i/. Alguns anos mais tarde, o escri-tor portugus Lus Antnio Verney descreve esta nova pronncia com exatido(Teyssier 2001: 5759). Visto que esta pronncia era frequente e considerada,naquela altura, como normal, de supor que o processo do alteamento das vogaistonas comeasse, pelo menos, um sculo mais cedo, ou seja, j no sculo XVII.Alguns especialistas na histrida do Portugus acham que esta mudana se ter

    iniciado j no sculo XVI ou no Portugus Antigo. Porm, estas opinies soraras. A maioria dos linguistas est de acordo que o incio deste processo remontaao sculo XVII (Castro 2004: 195).

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    Enquanto que o alteamento do fonema /o/ para /u/ no tinha outra fase, o pro-cesso da modicao do /e/ tono nal ainda no acabou. Na segunda metadedo sculo XVIII, registam-se os primeiros sinais da reduo do /i/ tono nalem //, ou seja, uma vogal centro-posterior fechada (emudo). Como refere PaulTeyssier, na comdiaEntremez do Barbeiro Pobredo ano de 1769 aparece a gu-ra dum marinheiro que provm do Alentejo e ele pronuncia nesta posio o fone-ma /i/, facto que cria um efeito cmico e se distingue, assim, da pronncia normaldaquela poca (//) (Teyssier 2001: 5960). Segundo outros testemunhos, evi-dente que depois do ano de 1800, a pronncia do // nesta posio era consideradacomo normal (Castro 2004: 195). Um facto importante para a periodizao destamudana tambm a ausncia desta vogal no Portugus do Brasil em que se rea-liza na posio tona nal s a vogal /i/.

    Apesar de nem Lima nem Verney no mencionarem a passagem do /a/ para

    a vogal //, de supor que esta mudana ocorresse ao mesmo tempo do alteamen-to das vogais /e/ e /o/. O inventrio dos fonemas na posio tona nal na primei-ra fase do Portugus Moderno (1800) era o seguinte.

    Vogais anteriores centrais posterioresfechadas i usemifechadasmdias semiabertas

    abertasQuadro VIII

    3.2.2 Vogais tonas no-nais

    Como foi mencionado em 2.2.2, o fenmeno do alteamento das vogais pretnicasexistia j no Portugus Antigo. Naquela altura, as mudanas eram antes casuais,sendo motivadas pelos processos metafnicos menino>minino, molher>mulher,fremosura>fremusura.A elevao regular da vogal pretnica /o/ para /u/ comeoumuito provavelmente j no sculo XVII. Como refere Paul Teyssier, na Gramticade Portugusescrita por um francs em 1682, o autor diz que a letra na palavracortarse pronuncia em Portugus como /o/ e s vezes como /u/ (Teyssier 2001:61). evidente que a mudana em questo j estava em andamento, mas o processoterminou s por volta do ano de 1800, ou seja, j no Portugus Moderno.

    Muito provavelmente na segunda metade do sculo XVIII, ocorreu a passagem davogal pretnica /e/ para //. Parece, porm, muito difcil averiguar se esta mudanapassou pela vogal intermdia /i/, como foi o caso das vogais nais. Como referePaul Teyssier, existem muitos sinais que provam esta hiptese. Nalgumas peas deteatro provenientes daquela poca, aparecem palavras como por exemplo diclaro,

    pissoa, arribentaretc. Trata-se quase exclusivamente da pronncia anormal decertas guras que aparecem nestas peas (Teyssier 2001: 62). A elevao da vogalpretnica /a/ para a vogal mdia central // situa-se no mesmo perodo.

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    Relembremos que o alteamento das vogais afetou s os fonemas fechados /e/e /o/. As vogais abertas // e //, que se formaram no Portugus Mdio pela crasede duas vogais idnticas (ver 2.2.2), passaram para o Portugus Moderno intactas (corar, pregar).

    Outra mudana que afetou o subsistema das vogais tonas (e tnicas), foia monotongao do ditongo /ow/ em /o/ adourar/dorar/,Douro/doru/. Segun-do Paul Teyssier, este processo concluiu-se provavelmente em meados do sculoXVIII. de supor que a mudana tenha ocorrido j no sculo anterior, ou seja, noPortugus Clssico. Segundo alguns linguistas, este fenmeno tem a ver com asconfuses entre os ditongos /ow/ e /oj/. Este fenmeno est documentado nos tex-tos provenientes do sculo XVI (por exemplo nas peas de teatro de Gil Vicente).

    Simultaneamente com a mudana anterior ocorreu a monotongao do ditongo/ej/ em /e/ beira/bera/,peixe/pe/.

    As duas mudanas afetaram s os dialetos centro-meridionais. No norte dePortugal os dois ditongos esto conservados. As fronteiras da expanso deste fe-nmeno, porm, no so idnticas. Enquanto que a monotongao de /ow/ passoua fazer parte da pronncia do Portugus lisboeta, a monotongao de /ej/ noafetou Lisboa, realizando-se a sul da capital portuguesa. O subsistema das vogaispretnicas por volta do ano de 1800 era o seguinte (Teyssier 2001: 634).

    Vogais anteriores centrais posterioresfechadas i u

    semifechadasmdias

    semiabertas

    abertas aQuadro IX

    4. Mudanas ocorridas no sistema voclico no sculo XIX

    S no sculo XIX, ocorreu a mudana dissimilatria do ditongo /ej/ em /j/ feira/fjr/,sei/sj/ (Teyssier 2001: 64). Neste caso trata-se do afastamento deduas partes do ditongo. Esta mudana foi registada pela primeira vez em Lisboadonde se foi expandindo por todo o territrio portugus. Hoje em dia, faz partedo Portugus padro. No norte de Portugal, este processo, no entanto, ainda nofoi terminado.

    Simultaneamente com a primeira mudana ocorreu outra evoluo assimilat-ria. O ditongo // passou a pronunciar-se / / tem/t /,falem/fal / (Teyssier2001: 64). A pronncia das terminaesemeenseee estornou-se idn-tica. Tambm esta mudana tem a sua origem no Portugus lisboeta, donde se vai

    expandindo pelas outras regies portuguesas.A ltima mudana que afetou o sistema voclico do Portugus, a pronnciado grafema como // antes das consoantes palatais /lj/, //, // e // velho/

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    vlju/, venho/vu/,fecho/fu/, vejo/vu/ (Teyssier 2001: 65). Em Lisboa, esteprocesso foi nalizado em nais do sculo XIX em que Gonalves Viana23armaque todos os habitantes da capital portuguesa pronunciam desta maneira. dife-rena das duas mudanas anteriores, esta sempre sentida como uma pronnciatipicamente lisboeta.

    5. Concluses

    No artigo apresentado, descrevemos a evoluo do sistema voclico no Portu-gus Europeu nas suas vrias etapas: Latim Clssico, Latim Vulgar, PortugusAntigo e Mdio, Portugus Clssico e Moderno. Servimo-nos, assim, das fontessecundrias que nos foram disponveis. Vericmos tambm no corpus www.

    corpusdoportugues.org algumas questes que ainda no foram resolvidas satisfa-toriamente. Em muitos casos, a anlise in corporaconrmou uma hiptese maio-ritria (variaes grcas ocorridas nas palavras com e ou e respetivamente, nas slabas tonas no Portugus Antigo). Noutros casos, a nossaanlise ajudou a precisar as teorias avanadas (a metafonia das vogais temticase/>/i/ e /o/>/u/ ocorreu na transio entre os sculos XV e XVI, no Portugus An-tigo e Mdio, as formas monotongadas gardar, calquer foram raras ).

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    23 Aniceto dos Reis Gonalves Viana (18401914) considerado fundador da fontica portu-guesa.

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    Abstract and key words

    This study has two objectives: rstly, to recapitulate the evolution of the Portuguese vowelsystem and to show the state of this system in various phases of its history (vulgar Latin, old Por-

    tuguese, classical Portuguese and modern Portuguese). Secondly, to verify linguistic changes thathave occurred in this system and that are mentioned as hypothetical in the linguistic literature, in thediachronical corpus of Portuguese language (www.corpusdoportugues.org).

    Portuguese language; diachronic linguistics; vowel system; corporal linguistics

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