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FAROESTE CABOCLO, UM FENÔMENO DE ATUALIZAÇÃO DA

TRADIÇÃO TRÁGICA?

CURITIBA 2012

Flávia Laisse Farias

FAROESTE CABOCLO, UM FENÔMENO DE ATUALIZAÇÃO DA TRADIÇÃO TRÁGICA?

Monografia apresentada a Pós graduação de Língua Portuguesa e Estudos literários da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial da Especialização em Língua Portuguesa e Estudos Literários. Orientador:Prof. Dr. Cleverson Ribas Carneiro

CURITIBA

2012 SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................5

2CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DE FAROESTE

CABOCLO.............................................................................................7

2.1 ASPECTOS DA TRAGÉDIA GREGA.............................................10

3 FAROESTE POR FAROESTE – ANÁLISE DA LETRA

FAROESTE CABOCLO......................................................................13

4 ANÁLISE DOS ELEMENTOS NARRATIVOS EM FAROESTE

CABOCLO............................................................................................21

4.1 NARRADOR......................................................................................21

4.2 PAPEL DO CORO............................................................................22

4.3 PERSONAGENS.............................................................................25

4.4 TEMPO............................................................................................29

4.5 ESPAÇO...........................................................................................32

4.6 RITMO.............................................................................................33

5 A SAGA DE JOÃO DE SANTO CRISTO X ÉDIPO REI..................35

5.1 O DESTINO ÉDIPO REI E EM FAROESTE CABOCLO...................37

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................41

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................44

8 ANEXOS............................................................................................46

5

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe a analisar a letra da canção Faroeste Caboclo a partir da

ideia de que se trata de uma composição que retoma e atualiza a estrutura da tragédia

grega. A música composta por Renato Russo, em 1979, apresenta a trajetória de João de

Santo Cristo desde a infância pobre no interior da Bahia até a riqueza criminosa em

Brasília, passando pela redenção amorosa nos braços de Maria Lúcia e pelo duelo mais

famoso do rock nacional, contra o vilão Jeremias.

A parte mais importante do trabalho, porém, é analisar a estrutura composicional,

para isso utilizo como referencial teórico os estudos de Peter Szondi e Angélica

Soares. A obra Ensaio sobre o Trágico de Peter Szondi é dividida em duas partes; na

primeira, o autor esboça concepções sobre o trágico baseando-se em diferentes definições

de doze filósofos e poetas, entre eles Hegel e Goethe. Na segunda parte, o autor faz uma

análise de quatro famosas tragédias da antiguidade grega. Peter Szondi fundamenta o que

é a tragédia e como ela está presente em diferentes obras, exemplificando esta presença.

Usando este embasamento, será traçado como ela, a tragédia, está atualizada ou não em

Faroeste Caboclo e se sim, que características do herói trágico são encontradas na saga de

João de Santo Cristo.

O livro Gêneros Literários, da autora Angélica Soares (2007), de uma forma

dialética e sucinta, conceitua diferentes gêneros e os elementos que caracterizam cada um.

O texto de Angélica Soares será usado na análise de elementos narrativos, como

6

personagens, narrador, tempo, entre outros. A análise destes elementos pretende explicitar

e explicar se há ou não traços trágicos na obra de Renato Russo.

No primeiro capítulo será contextualizada a música Faroeste Caboclo, citando o

contexto histórico político da época, a repercussão da música e trabalhos realizados sobre

ela.

O capítulo seguinte irá tratar de uma análise minuciosa do enredo desenvolvido

na letra de Faroeste Caboclo. Em sequência, uma análise dos elementos narrativos que

compõem a canção.

O último capítulo fará uma análise sobre o destino trágico, comparando a saga de

João de Santo Cristo, de Faroeste Caboclo, e Édipo, de Édipo Rei, destacando aspectos da

narrativa de Faroeste Caboclo que levaram a crer que esta música é uma atualização de

alguns elementos da tradição trágica.

7

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DE FAROESTE CABOCLO

Faroeste Caboclo foi composta em 1979 e registrada em LP no ano de 1987,

época politicamente conturbada, com a transição do governo militar para o governo

democrático e que culmina com a era Sarney, momento em que os brasileiros sofreram

com a hiperinflação e o alto índice de desemprego. Neste contexto, a música Faroeste

Caboclo narra a história de um jovem com um sonho ilusório de mudar a realidade

política de seu país. Fato que faz com que mesmo depois de mais de duas décadas, a letra

seja conhecida por outras gerações, muitos anos após a diluição da banda. Porém, a saga e

peripécias de João de Santo Cristo são fatos que vivem fortemente no imaginário popular.

A canção Faroeste Caboclo, de Renato Russo, Marcelo Bonfá e Dado Villa-

Lobos, pode ser considerada hoje um clássico da música brasileira. De acordo com o

encarte do disco Que pais é este – 1978-1987, essa canção é de 1979:

Com duração de nove minutos, apresentada pela primeira vez (sob vaias dos punks) no Morro da Urca, em 1983. A música é de 1979, anterior a “Eduardo e Mônica”, seguindo a mesma linha: uma estória completa com personagens, começo, meio e fim. A letra (como todas as outras do disco) permanece no original, rimas pobres e tudo. (LEGIÃO URBANA, 1987).1

Apresentada pela primeira vez em 1983, a música teve enorme sucesso, na esteira

do grande hit que se tornou a canção Eduardo e Mônica, cantada por toda a juventude

brasileira que estava, na época, sintonizada com o movimento do rock’n roll brasileiro (e

brasiliense em grande medida). Nos anos seguintes, e principalmente após a morte de

Renato Russo, Faroeste Caboclo e Eduardo e Mônica tornaram-se um caso único de 1 Esse texto está presente no encarte do CD, sem indicação de autoria. Preferimos dessa forma considerá-lo um texto da banda. LEGIÃO URBANA. Que país é este – 1978/1987. EMI, 1998. Encarte. 1 CD digital estéreo remasterizado.

8

música narrativa inserida dentro da estrutura e dos acordes do rock com forte influência

do punk. Talvez por isso mantenham-se ainda hoje, mesmo entre a geração que não foi

contemporânea do Legião Urbana, como canções clássicas, presentes nas rádios que

atendem o público rock’n roll e sacralizadas por uma nova tradição que se constrói ao

redor dos nomes das bandas dos anos 80. O trecho abaixo mostra a repercussão do álbum

Que país é este no qual foi lançada a canção Faroeste Caboclo:

Que país é este chegou ao topo da parada de LPs mais vendidos, com mais de 240 mil cópias (...) Tão incrível quanto a vendagem do disco era o fato de Faroeste Caboclo ter se tornado – a despeito dos 9 minutos de duração... – a música mais pedida na programação da maior parte das FMs cariocas (...) . No Brasil de 1988, qualquer criança de sete anos cantava os 157 versos de cor e salteado. (DAPIEVE, 2000, p. 93-94.)

Hoje há várias publicações que tratam da emergência das bandas de rock’n roll

dos anos 80 no Brasil. Elevada à posição de ícone, a banda Legião Urbana é reconhecida

como uma das mais influentes do rock nacional. Nesse sentido, a figura de Renato Russo

tem grande preponderância. O músico foi motivo de biografias como O trovador

solitário- de Arthur Dapieve, Renato Russo de A a Z, de Simone Assad, e O filho da

Revolução, de Carlos Marcelo. A narrativa de Faroeste Caboclo, pelo seu caráter

cinematográfico, inspirou muitas releituras para peças teatrais, encontradas facilmente em

sites de busca. Além das diversas peças encontradas na internet, a canção também está virando filme,

o qual está sendo gravado desde 2011.

Também alguns trabalhos de cunho acadêmico foram realizados sobre essa

canção. Como o artigo A dança dos nomes: Análise de um nome próprio na cena

9

Faroeste caboclo, de Claúdia Aparecida de Oliveira Leite, no qual a autora faz uma

análise linguística do nome próprio em Faroeste Caboclo.

Outro trabalho interessante é um artigo com o tema: Faroeste Caboclo: Épico da

redemocratização do país. O autor Marcos Cavalho Lopes, aborda a carência de herois na

sociedade e a necessidade dos mesmos e neste mesmo contexto faz uma análise da

trajetória de João de Santo Cristo comparando-a com a de Jesus Cristo.

Além disso, a canção já foi tema de uma apresentação em congresso, como

na 61ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência):

Faroeste apresenta, ao longo de seus 159 versos: 1) uma narrativa longa, forte, com características da cultura oral, especialmente da literatura oral, lembrando um cordel; e 2) uma mistura de influências musicais vindas de diversos gêneros musicais, da música caipira ao punk rock, passando pelo reggae e pop. A narrativa apresenta uma releitura do cangaço, ambientada no espaço urbano e seu universo simbólico, sendo um relato do nascimento, vida e morte cômico-trágica do sujeito/anti-herói. Faroeste, composta em 1979, também possui o mérito de dar o tom da década que estava por se iniciar, a chamada “Década Perdida”, termo cunhado pelos economistas para descrever os anos 1980: a ênfase era nas grandes quebradeiras nos então denominados “países de terceiro mundo”, com destaque para as crises econômicas no México e no Brasil. Faroeste Caboclo nos apresenta uma visão distópica (típica das bandas dos 1980) e debochada sobre o Brasil – oposta ao romantismo revolucionário dos artistas de esquerda dos anos 1960 -, sobre a trajetória e o destino do povo brasileiro, por meio da narrativa sobre um menino pobre e sem perspectivas de um futuro melhor que deixa o nordeste brasileiro e parte para a capital do país, em busca de uma vida melhor, busca que, de saída, já se revela frustrada. (ROSA MARLI, UNICAMP)

Essas publicações, no entanto, não apresentam análises mais profundas sobre a

estrutura dessa canção. São leituras da obra, análises do significado dos nomes dos

personagens ou textos relacionados ao contexto político da época e a função da música e a

intertextualidade bíblica.

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De qualquer forma, essas abordagens demonstram a importância dessa obra. Essa

importância ecoa em análises de sua estrutura a partir da comparação com a literatura de

cordel e em análises sobre a utilização de referências bíblicas na canção. Essa canção,

porém, pode revelar também uma atualização de antigas estruturas composicionais que

remetem à tragédia grega e, nesse sentido, essa obra estaria inserida dentro da tradição

literária ocidental, justamente em uma de suas recorrências mais concretas, a retomada

dos aspectos do trágico grego.

2.1 ASPECTOS DA TRAGÉDIA GREGA

As grandes tragédias gregas caracterizam-se pela sua estrutura e características

específicas, sendo que sua estrutura apresenta-se da seguinte forma: o prólogo, primeira

cena antes da entrada do coro; párodo, primeira ode do coro; episódios, cenas no palco

intercaladas entre os cantos corais; estásimos, cantos e danças do coro na “orquestra” que

separam os episódios, marcando pausas na ação, e por fim o êxodo, que assinala a saída

do coro, e pode haver uma fala no final, a qual é denominada epílogo.

Para Aristóteles, a tragédia é a imitação de uma ação completa e elevada, em uma

linguagem que tem ritmo, harmonia e canto. Sua função é provocar por meio da

compaixão e do temor a expurgação ou purificação dos sentimentos, a catarse. O

sentimento de compaixão e temor causado nos espectadores fazem com que a história

assistida (ou lida) sirva-lhes como um remédio para suas almas, para que pudessem

expelir suas dores e angústias num processo de purificação.

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Toda tragédia apresenta um personagem de condição elevada, como um rei, um

deus ou herói e é contada em uma linguagem elevada e digna que acaba por narrar um

final triste. As histórias sempre narram a destruição e loucura de um personagem

sacrificado por seu orgulho em tentar se rebelar contra as forças do destino.

Assim acontece nos clássicos de Sófocles, como Édipo Rei, de Ésquilo,

Prometeu acorrentado, e de Eurípedes, Medéia. Édipo, marcado por uma maldição do

destino, casa-se com sua própria mãe, Jocasta, e com ela tem seus filhos. Quando

descobre a falta que cometeu, fura seus próprios olhos e condena-se a viver exilado.

Prometeu, por sua vez, desafia os deuses quando rouba o “fogo divino” e o entrega aos

homens e, por este motivo, é condenado a viver preso entre rochedos enquanto

diariamente um abutre come seu fígado. O sentimento de uma mulher traída pode

despertar uma ira mortal, como aconteceu com Medéia, que, trocada por Jasão pela

princesa de Corinto, mata a família real e seus próprios filhos. Vinga-se de seu amor

matando aqueles que carregavam a descendência da família.

Nas três histórias citadas temos um personagem com personalidade forte e um

final trágico. Um dos personagens é traído por seu destino, outro desafia Zeus e por fim

Medéia é movida pela ira. Porém, todos assumem uma posição perante os

acontecimentos. Édipo castiga-se, Prometeu permanece desafiando Zeus e Medéia vinga-

se. Todos os personagens enfrentam seus desafios levando suas ações às últimas

consequências, renunciando a si próprios para cumprirem um propósito.

As tragédias gregas marcam o conflito entre um personagem elevado e uma

instância maior, seja ela um deus, a sociedade, o destino ou a lei.

12

A estrutura das tragédias gregas clássicas foram estabelecidas por volta do século

V a.c., porém, ainda podemos reconhecê-las em algumas obras se as observamos com

mais atenção e cuidado. Esta é a intenção deste trabalho, mostrar e provar que a estrutura

da tragédia grega está presente e é aplicável em escritos contemporâneos, e mesmo com o

passar de anos ela não perdeu seu valor. Ao contrário, a estrutura trágica tem-se tornado

constante nas produções literárias, até mesmo em produções populares como em Faroeste

Caboclo. Buscaremos demonstrar isso com uma análise comparativa do destino cruel de

Édipo, em Édipo Rei, e João de Santo Cristo, de Faroeste Caboclo. Dois heróis, duas

histórias e um destino, a destruição.

13

3 FAROESTE POR FAROESTE – ANÁLISE DA LETRA DE FAROESTE

CABOCLO

O nome do personagem que compõem toda a narrativa, João de Santo Cristo, é

formado pelo prenome João, nome comum e popular, seguido do sobrenome Santo

Cristo, o qual faz uma referência bíblica. Pois Santo é o termo designado para adjetivar

àquele que promove benfeitorias e o nome próprio Cristo faz intertextualidade com a

história da trajetória messiânica de Jesus Cristo. Desta forma o compositor busca

representar através de João de Santo Cristo o povo brasileiro oprimido que almeja uma

salvação.

Em Faroeste Caboclo, o destino de Santo Cristo (iremos nos referir ao

personagem usando a sigla SC) é marcado por fatos dignos de serem narrados desde sua

infância, fatos narrados por um narrador onisciente, o qual tem total conhecimento do que

é contado. Estes acontecimentos tecem o seu destino, ele é construído à medida que os

acontecimentos vão tomando maiores dimensões. O ódio carregado pelo personagem

cresce na mesma proporção que esses acontecimentos. Os deuses não têm mais o poder de

decidir a vida de um humano, o destino é social, fatos ocorridos fizeram diretamente ou

indiretamente com que João de Santo Cristo fosse levado às ações que realizou.

No início da narrativa, há a apresentação de um sujeito com ódio no coração,

sentimento que lhe foi dado por Jesus. Quando criança, só pensava em ser bandido e esta

vontade aumentou quando seu pai foi morto por um soldado. Suas atitudes não condiziam

14

com as regras da sociedade, então, aos quinze anos, ele foi destinado a uma instituição de

recuperação de menores delinquentes. Foi discriminado pela sociedade devido à sua cor e

classe social.

“...Comia todas as menininhas da cidade De tanto brincar de médico, aos doze era professor Aos quinze foi mandado pro reformatório Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror. Não entendia como a vida funcionava Discriminação por causa da sua classe e sua cor Ficou cansado de tentar achar resposta E comprou uma passagem, foi direto a Salvador”

Nas entrelinhas, desenhamos Santo Cristo como um negro pobre, morador de

uma pequena cidade, que sofreu desde criança por estas condições, rebelava-se por isto e

por ver seu pai morto pelo soldado, um representante duma entidade que tem o dever de

zelar por vidas e não matá-las. Sendo assim, ele sonhava em ver as belezas de seu país, as

quais só via na televisão. Até então essas paisagens eram virtuais, algo que havia apenas

na sua imaginação e na TV, para ele não poderiam ser reais. Santo Cristo carregava

consigo o sonho e o ódio, a vontade de tornar real o que via na TV e o sentimento de

horror vivido na sua infância.

“Ele queria sair para ver o mar E as coisas que ele via na televisão Juntou dinheiro para poder viajar De escolha própria, escolheu a solidão.”

Quando no verso o narrador afirma sobre a decisão de SC : “...De escolha própria,

escolheu a solidão”, percebemos que o responsável pelas decisões é o próprio SC, que

2 Este e todos os próximos fragmentos da canção foram retirados do encarte do CD: URBANA, Legião. Como é

que se diz eu tem amo. V.2. Rio de Janeiro: EMI, 2010.

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decidiu e escolheu seu caminho. Ele foi para Salvador conhecer o mar, porém, quando

chega lá, encontra uma pessoa que mudou o rumo de seu percurso:

“E lá chegando foi tomar um cafezinho E encontrou um boiadeiro com quem foi falar E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem Mas João foi lhe salvar Dizia ele: “Estou indo pra Brasília Neste país lugar melhor não há Tô precisando visitar a minha filha Eu fico aqui e você vai no meu lugar”

SC aceita a proposta do boiadeiro e segue para Brasília:

“Meu Deus, mas que cidade linda No ano novo eu começo a trabalhar” Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro Ganhava cem mil por mês em Taguatinga”

O encontro de João e o boiadeiro foi algo inusitado, talvez uma casualidade do

destino. Mas isso muda a vida de João, primeiramente ele se encanta com a beleza da

cidade e faz planos de como viveria daquele momento em diante.

Entretanto, seus planos não aconteceram como ele previa, o dinheiro ganho como

trabalhador honesto não foi suficiente e ele conheceu um neto bastardo de seu bisavô:

“...Seu nome era Pablo, e ele dizia Que um negócio ele ia começar E o Santo Cristo até a morte trabalhava Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar E ouvia às sete horas o noticiário Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar

16

Mas ele não queria mais conversa E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar Elaborou mais uma vez seu plano santo E sem ser crucificado, a plantação foi começar.”

SC estava cansado de trabalhar e ouvir promessas do governo e decide mudar de

vida por sua conta. Mais uma vez planejou uma alternativa para seu sustento, sem culpar-

se pelo que estava fazendo. Deste momento em diante, João envolve-se cada vez mais em

roubos e no tráfico, torna-se um “bandido de verdade”, como quando desejava quando era

criança.

E o ódio que sentia aumentava cada vez mais, sentindo na pele as consequências

do caminho que havia escolhido.

“ Já no primeiro roubo ele dançou E pro inferno ele foi pela primeira vez Violência estupro do seu corpo “vocês vão ver eu vou pegar vocês” ”

Desta vez, quem aparece na vida de SC é Maria Lúcia, a mulher por quem ele se

apaixona e faz com que ele volte ao seu trabalho honesto de carpinteiro: “...Maria Lúcia

pra sempre vou te amar/ E um filho com você eu quero ter...”. Ela marca a possibilidade

de redenção para SC, pelo amor ele deixa o mundo do crime. Este seria o momento da

reviravolta, inclusive marcado pela mudança de ritmo na música. Em termos do trágico,

seria esse o momento único da possibilidade de uma escolha, Santo Cristo poderia ter-se

casado e virado carpinteiro levando uma vida simples, sem lances trágicos, sem heroísmo.

O trágico, porém, tem como característica a opção pelo fardo da vida, do destino fatal.

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Dessa forma, passa-se algum tempo e para desestabilizar novamente a vida de SC

um senhor de alta classe bate à sua porta:

“O tempo passa e um dia vem na porta Um senhor de alta classe com dinheiro na mão E ele faz uma proposta indecorosa E diz que espera uma resposta, uma resposta de João

“não boto bomba em banca de jornal Nem em colégio de criança isso eu não faço não E não protejo general de dez estrelas Que fica atrás da mesa com o cú na mão”

Santo Cristo recebe a proposta indecorosa e nega-se a cumpri-la, colocando assim

seu futuro em risco, pois o senhor de alta classe, enfurecido com a resposta, faz uma

profecia: “...Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse: Você perdeu sua vida

meu irmão”. E João tomando consciência de sua atitude reflete:

“Você perdeu sua vida meu irmão Você perdeu sua vida meu irmão Essas palavras vão entrar no coração Eu vou sofrer as consequências como um cão”

No dia seguinte, o “destino incerto” citado pelo narrador se realiza. As coisas

começaram a desmoronar, ele não foi trabalhar como de costume, embebedou-se e no

meio da bebedeira descobre que há outro trabalhando em seu lugar. A vida estável, o

simples emprego de carpinteiro e o amor por Maria lúcia seguem outro caminho. Então,

ele fala com Pablo e volta a trabalhar no tráfico. Mas desta vez aparece Jeremias, um

traficante de renome e de caráter duvidoso. Disputando seu espaço, ele fica sabendo dos

planos de SC “...E decidiu que, com João ele ia acabar”.

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Sabendo das intenções de Jeremias, Pablo, o primo bastardo de João, entrega a

ele uma arma, Winchester 22. Mas João decide usá-la apenas quando realmente houvesse

a necessidade, pois seus pensamentos estão voltados para Maria Lúcia, já que há muito

tempo ele não a via:“...“Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia/ Já tá em tempo de a

gente se casar”.

Quando João volta para casa, ele vai para o inferno pela segunda vez, pois

encontra sua amada casada e grávida de Jeremias. Seus sonhos foram frustrados

novamente, e a esperança de encontrar a felicidade é destruída.

Sentindo-se traído e humilhado, tomado pelo ódio e já não tendo mais o que

perder, SC desafia Jeremias para um duelo, um confronto final entre ele e seu algoz.

Promete também matar Maria Lúcia:

“E você pode escolher as suas armas Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor E mato também Maria Lúcia Aquela menina falsa pra quem jurei meu amor”

O confronto final prevê a vitória apenas de um, de modo que João lavaria sua

alma, pois o que estava em jogo era o seu sentimento de justiça, lutar contra Jeremias era

defender o que deveria ter pertencido a SC. Lutando, ganhando ou perdendo, ele estaria

honrando seu nome com o próprio sangue.

João fica assustado quando percebe que o duelo honroso torna-se um evento

midiático, a TV anuncia a hora, o local e a razão. Antes em seus sonhos estava a vontade

de conhecer as belas paisagens da TV, agora ele estava sendo assistido por todos. De

19

forma que a TV não mais lhe parecia algo que apenas mostra coisas bonitas, mas também

sabe aproveitar-se das fraquezas humanas e fazer disso um espetáculo.

Mais uma vez, João foi traído com um tiro pelas costas, olha tudo à sua volta e

lembra-se de quando era criança e “de tudo que vivera até ali” e em um momento de

lucidez decide: “ Se a via-crúcis virou circo, estou aqui”. Se tudo o que SC havia vivido

desde que deixou o marasmo da fazenda até chegar ao Planalto Central, se toda a sua via-

crúcis resumir-se-ia no duelo mortal como um show, ele estava pronto para assumir isto,

esta era a sua sina.

Nesse momento, a luz do sol o “cegou e então Maria Lúcia ele reconheceu”, ela

trazia a arma que o primo Pablo havia dado para João, a Winchester 22.

SC pegou a arma e matou Jeremias com cinco tiros, Maria Lúcia arrependida

morre com João seu protetor.

“Agora o povo declarava que SC era santo porque sabia morrer e a alta burguesia

não acreditava na história que eles viam na TV”. A saga de SC segue uma dimensão

heróica e lendária, ele projeta a imagem do homem que honra suas virtudes. Apenas no

final sabemos o real motivo da vinda de SC para Brasília, o sonho utópico de “falar pro

presidente pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer”.

João constitui um personagem contraditório, inicia a história como uma vítima da

vida, após como um bandido e morre como um herói, revelando uma essência boa ao

revelar seu sonho. Por mais que em alguns momentos sua vida tenha mudado de rumo e

seguido um percurso ruim, a construção do herói na canção deixa claro que não foi tudo

por sua própria culpa. O destino o corrompia e não o deixava prosseguir seu caminho.

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João matou como bandido e morreu como herói, o que faz de seu personagem um herói e

um anti-herói ao mesmo tempo.

A forma como os fatos se desenrolam na vida de João não é uma escolha apenas

dele, pois as pessoas que ele encontra nesse caminho são fundamentais para tudo o que

lhe aconteceu, são pessoas que aparecem como predestinadas para que a sina de SC possa

cumprir-se, como que enviadas pelo seu destino. Como exemplo, temos o momento

quando João muda seu rumo inesperadamente, o encontro com o boiadeiro que lhe

oferece a passagem para Brasília e pede para que SC visite sua filha, faz com que o

mesmo siga outro caminho. Em outro momento, o encontro com o primo bastardo, Pablo,

que é quem insere SC no mundo do tráfico. E quando ele estava totalmente perdido, sem

esperanças, Maria Lúcia lhe aparece como uma promessa de redenção.

A canção reflete um princípio popular de que o bandido é produto da sociedade e

não de suas próprias escolhas. Nas grandes tragédias, a sentença do destino imutável era

agregada aos deuses, que determinavam o que aconteceria, como se a história já estivesse

predeterminada. Porém, na letra de Faroeste Caboclo este papel cabe à sociedade

corrompida, como se as escolhas de SC fossem traçadas pelo sistema falho da sociedade e

não por ele. Isto acontece de uma forma veemente na narrativa, tanto que nos faz acreditar

nesta hipótese.

A construção da história constitui-se de acasos. Seguindo uma linha em zig-zag,

de idas e vindas que tecem a narrativa, toda vez que SC tomava uma decisão algo

acontecia para mudá-la. Por exemplo, no início da narrativa sua intenção era conhecer o

mar, mas quando chega a Salvador o encontro com o boiadeiro muda seus planos. O

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encontro com Maria Lúcia e a paixão despertam em João a vontade de constituir uma

família, mudar para um trabalho mais seguro e estabilizar-se, e é isto que ele faz. Mas

quando tudo parece estar tranquilo, o senhor de alta classe aparece fazendo desmoronar os

sonhos de João. Constantemente, momentos como este tornam a acontecer, reafirmando

que se trata de uma sequência de narrativa em zig-zag.

22

4 ANÁLISE DOS ELEMENTOS NARRATIVOS DE FAROESTE CABO CLO

4.1 O NARRADOR

A mini epopeia de Russo, narrada em terceira pessoa, traduz o testemunho de

alguém contando as peripécias de João de Santo Cristo. Dessa forma, a narrativa cantada

traz ao ouvinte a possibilidade de criar as imagens do que é ouvido e aumenta a dimensão

épica e cinematográfica da letra. À medida em que ela é narrada, podemos construir as

imagens do drama vivido pelo personagem.

Há o narrador e entradas da voz do herói em momentos cruciais, que aumentam a

intensidade dramática. O momento em que isso fica mais claro é quando ele reflete sobre

o que o general fala para ele. Esse é o recurso denominado “discurso citado direto”, ou

seja, em que a fala dos personagens é apresentada diretamente.

“... Dizia ele: “Estou indo pra Brasília/ Neste país lugar melhor não há / Tô precisando

visitar a minha filha / Eu fico aqui você vai no meu lugar”, esta estrofe marca o encontro

de João com o boiadeiro, no qual o boiadeiro pede para que João viaje em seu lugar.

A divisão entre a fala do narrador e do personagem é percebida com mais nitidez

na letra escrita, pois temos os recursos gráficos visuais que nos permitem fazer esta

distinção através do uso de dois pontos e aspas, lemos e sabemos que o uso destes sinais

de pontuação indicam a fala de outro personagem. Porém, quando ouvimos a letra , a

mesma voz articula a narrativa e o discurso indireto, ou seja, os dois papéis; o seu, o de

narrar a história, e o papel do personagem primário, João de Sando Cristo, pronunciando

performaticamente as falas do mesmo. De qualquer modo, ao ouvirmos a canção é

23

possível perceber o recurso de indicação em ordem direta de quem fala, como em “dizia

ele...”, tal recurso tem função clara tanto na expressão oral quanto escrita, mas a

composição de Renato Russo é projetada para “ganhar vida” em uma performance

musical, ou seja, oral.

Toda a narrativa é dominada pelo narrador. Sabemos da história de João de Santo

Cristo pelo viés do narrador, portanto, podemos dizer que temos um narrador onisciente,

pois o mesmo demonstra conhecer o que se passa no mais íntimo de Santo Cristo, sabe de

suas angústias, temores e sonhos, o narrador onisciente sabe tudo sobre o personagem. É

como se ele narrasse uma história que foi ouvida ou ele que próprio testemunhou.

No primeiro e segundo versos da música, “Não tinha medo o tal João de Santo

Cristo/ Era o que todos diziam quando ele se perdeu”, o narrador mostra saber qual foi o

destino de Santo Cristo, porém, no primeiro momento, isto não é claro ao leitor ou

ouvinte. A partir da segunda estrofe até a quinta, o narrador nos conta do passado de João

de Santo Cristo, como foi sua infância e por quais motivos ele saiu da cidade. De certa

forma o narrador explica as escolhas de Santo Cristo, se é que podemos chamá-las de

escolhas. Se foram escolhas ou se o destino o guiou para tais acontecimentos, isto é uma

dicotomia a ser resolvida pelo leitor/ouvinte.

4.2 PAPEL DO CORO

Dentro das tragédias, o coro também fazia um personagem, o qual narrava e fazia

reflexões sobre os problemas apresentados no enredo das peças, representando uma voz

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coletiva e instigando o público à catarse. Um dos principais temas do coro era o

esfacelamento das cidades, o que era o temor do povo grego. Na peça Édipo Rei, o coro

lamentava a situação da cidade:

CORO: Ai de nós, sem conta são nossos sofrimentos! O povo doente, impotente o nosso espírito, fenecem os frutos da terra e as mães gemem estéreis; vidas a irem-se embora, como pássaros leves, mais céleres que o raio vibrado pelos céus, para os confins da noite... Despojada de seus filhos, a cidade perece, e, sem quem os vele e sem uma única lágrima, jazem os corpos pelo chão, espalhando o contágio; as viúvas e as mães encanecidas, nos degraus dos altares, enchem os ares de lamentos pungentes por tanta desventura, a que se fundem lúgubres cânticos. Dileta filha dourada de Zeus, envia-nos teu auxílio! (Sófocles, 2004, p. 34)

Em alguns momentos da narrativa de Édipo o coro representa o equilíbrio, a

ponderação, como quando Édipo, acusa Creonte por estar conspirando contra ele:

“..facilmente erra quem apressadamente julga...não condenes por mera suspeita um amigo

que se votou, ele próprio, à eterna maldição.”

Desta forma, o coro representa a voz da população do lugar, inconscientemente as

vozes da sociedade de uma determinada época.

Em Faroeste Caboclo, no entanto, o coro não está explícito como nas tragédias

clássicas, mas está representado nas entrelinhas ao desenrolar da narrativa. Na primeira

estrofe, o narrador transporta o ouvinte/ leitor para o tempo mítico da narrativa, ou seja,

os fatos já aconteceram e se tornaram lenda, entraram para aquele tempo antigo de

heroísmo e luta, exatamente como fazem as peças gregas, o que distancia a história do

tempo real do leitor/ouvinte e nos leva para o tempo mítico da narrativa, no qual o enredo

se desenvolveu.

25

Nessa mesma estrofe, o narrador faz uma referência direta ao discurso citado, ou

seja, ele diz que essa frase estava na voz do povo:...Não tinha medo o tal João de Santo

Cristo/Era o que todos diziam quando ele se perdeu...”

A palavra todos é abrangente e imprecisa, não sabemos ao certo quem eram

todos, mas podemos deduzir que seriam as pessoas de sua antiga cidade, as quais intuem

o destino incerto de SC, quando afirmam seu caráter destemido. Essa é uma atualização,

reduzida, da clássica estrutura do coro grego. No caso de Faroeste Caboclo, a voz popular

de certa forma abre a narrativa ao se referir às lembranças que “todos”, esse povo

indeterminado, tinham de SC. Na verdade, poderíamos falar aqui na estrutura do prólogo

grego, quando a voz popular apresenta o tema da tragédia e determina o fio narrativo.

No duelo final entre SC e Jeremias, temos outra passagem referindo-se ao

julgamento do povo: “E o povo declarava que João de Santo cristo/ Era santo porque

sabia morrer/ E a alta burguesia da cidade / não acreditou na história que eles viram na tv”

Nesse trecho, é possível identificar mais uma vez o coro. A voz do coro é

apresentada pelo narrador: “E o povo declarava que...”, a partir dessa última partícula

entra a voz do coro: “João do Santo Cristo era santo porque sabia morrer”. O coro, voz do

povo, voz do tempo heroico, diferencia-se da voz menos popular, a voz da burguesia, que

é apresentada em discurso indireto: “E a alta burguesia da cidade não acreditou na história

que eles viram na TV”. Dessa forma, pode-se perceber que a constituição de uma “voz

popular” é um elemento discursivo dentro do texto, que define o “povo” (ou coro) como

uma entidade próxima de Santo Cristo e por isso mais identificada com sua história do

que a distanciada burguesia. Dentro da composição, assim, o coro serve como forma

26

discursiva para diferenciar a percepção da realidade entre ricos e pobres, num esforço de

denúncia social, ao gosto dos anos 80.

De certa forma, podemos afirmar que de acordo com a lenda de SC, o menino

pobre passou de bandido a herói quando entrou no imaginário popular como um herói

trágico que “soube morrer”, ou seja, soube suportar seu fardo. Teríamos assim, duas

participações importantes do coro, em forma reduzida, é claro, dentro da estrutura da

composição.

4.3 PERSONAGENS

Podemos dividir os personagens presentes na narrativa de Faroeste Caboclo em

primários, secundários e terciários;

a) Primários: João de Santo Cristo

Todo o foco da narrativa está no protagonista, João de Santo Cristo, pois a

história gira em torno dele. Nosso nome carrega uma identidade e nossa linhagem. O

primeiro nome João tem origem bíblica e é muito comum na sociedade brasileira. O

sobrenome, por sua vez, de Santo Cristo, compõe-se do nome próprio Cristo precedido

da titulação de Santo, fazendo referência à nomeação expedida pela instituição da igreja,

santo, aquele que faz milagres, e ao mesmo tempo fazendo referência à história de Cristo,

o Salvador, a qual é marcada pela passagem de glória, paixão e morte na Terra.

Assim observamos como o nome do personagem principal é carregado de

textualidade e referências a outras histórias. Durante a trama, várias predicações são feitas

a SC, como exemplo: “... quando criança só pensava em ser bandido...” “...agora Santo

27

Cristo era bandido/ Destemido e temido no Distrito Federal/ Não tinha nem um medo de

polícia, playboy ou general...”

O pensamento de criança tornou-se real, porém, não foi uma escolha, mas os

fatos o encaminharam para isto. A caracterização do personagem como o Salvador e o

Bandido oscila durante toda a narrativa e marca a sua morte.

O contexto histórico do ano em que a música Faroeste Caboclo foi escrita faz

parte de uma década politicamente conturbada, na qual havia uma carência de herois. SC

subverte padrões sociais e vai até Brasília em busca da ajuda do presidente para o povo

sofredor brasileiro. Segundo o roteiro da música, o fato da subversão dos valores não foi

culpa de SC, mas da sociedade que o fez assim. Ele é uma vítima do sistema político

regente na época. Por este motivo, ele é tido como um herói no final de sua saga.

b) Secundários: Maria Lúcia, Boiadeiro, Soldado, Pablo, Jeremias, General.

Os personagens secundários são pessoas que passaram pela vida de SC e esta

passagem marcou uma mudança no percurso de sua vida.

O primeiro a fazer isto é o soldado, cujo o espaço dentro da narrativa é mínimo,

porém, as consequências que a sua ação causou na vida de SC foram imensas. O soldado

assassinou o pai de SC e ele viveu esta morte brutal: “...Quando criança só pensava em

ser bandido/ ainda mais quanto com um tiro de soldado o pai morreu...”

A perversidade de SC foi alimentada pelo ódio, quem deveria protegê-lo era

quem o prejudicou. Após isto, ele começou a ser o “terror da cercania onde morava” e

28

“sentiu que aquilo ali não era o seu lugar”, “ficou cansado de tentar achar resposta” e

decidiu comprar uma passagem para Salvador.

Na capital baiana, ele encontra o boiadeiro, o qual tinha uma passagem e iria

perder a viagem, mas João foi salvá-lo:

“...Dizia ele (boiadeiro): Estou indo pra Brasília/ neste país lugar melhor não há/

Tô precisando visitar a minha filha/ Eu fico aqui e você vai no meu lugar....”

E assim aconteceu, o encontro casual com o boiadeiro mudou a rota de sua

viagem e, consequentemente, o resto de sua história.

Chegando a Brasília, fez planos para trabalhar e ganhar seu dinheiro honesto: “...

“Meu Deus, mas que cidade linda,/ No ano novo eu começo a trabalhar”/ Cortar madeira,

aprendiz de carpinteiro/ Ganhava cem mil por mês em Taguatinga”.

Porém, o dinheiro que estava ganhando era pouco para seu sustento, então SC

conheceu Pablo, um primo distante que trabalhava com o tráfico. E ele decide trabalhar

como seu primo:

“....E o Santo Cristo até a morte trabalhava / Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar/ e ouvia sete horas no noticiário/ que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar/ Mas ele não queria mais conversa/ e decidiu que como Pablo ele ia se virar/ Elaborou mais uma vez seu plano santo/ e sem ser crucificado a plantação foi começar...”

O fato de SC ter conhecido seu “primo bastardo” no momento em que se

encontrava em dificuldades financeiras e ver como o mesmo ganhava dinheiro fácil,

despertou no herói a esperança de também poder sair da pobreza, cegando seus olhos para

os atos ilícitos que ele iria cometer.

29

SC agora era um bandido temido e destemido no Distrito Federal, já havia

passado pelo tráfico e pelo roubo e tinha sido castigado, de certa forma, por causa disso:

“...Já no primeiro roubo ele dançou/ e pro inferno ele foi pela primeira vez/ violência e

estupro do seu corpo...”

Nesse contexto conturbado, aparece Maria Lúcia, “uma menina linda” que

promete a redenção a SC, era desta maneira que ele a via. Arrependido de seus pecados “o

coração dele pra ela SC prometeu”, estava decidido a mudar de vida e constituir uma

família. Abandona o mundo do crime e volta a ser carpinteiro, mas novamente seus

planos não se cumprem, SC é ameaçado de morte quando se nega a fazer um favor a um

senhor de alta classe. No contexto da canção, entende-se que este senhor era alguém com

forte influência negativa e o não proferido por SC lhe trouxe a impossibilidade de uma

vida estável e tranquila e coloca em risco a sua própria existência, pois este senhor o

perseguiria e tentaria destruir sua vida. Após isso, sua vida desanda novamente; SC

embebeda-se, não vai trabalhar e perde seu emprego. Decide então voltar ao tráfico, aliar-

se a Pablo para trazer o contrabando da Bolívia e revender em Planaltina.

Disputando o mercado, aparece outro traficante trabalhando em seu lugar,

Jeremias, que fica sabendo dos planos de SC e decide com ele acabar. Jeremias torna-se o

algoz de SC, pois além de roubar sua posição no tráfico, também rouba seu grande amor.

Quando SC descobre as intenções de Jeremias, arma-se para proteger-se e vai em busca

de Maria Lúcia, mas quando chega até ela, seu inimigo casa-se com sua amada e tem um

filho com ela.

30

Os personagens descritos acima, e como a passagem de cada um aconteceu na

história de João de Santo Cristo, mostram de que forma eles mudaram favoravelmente ou

não o percurso da vida de SC.

c) Terciários:

Os personagens terciários fazem o papel de figurantes durante a trama. São

pessoas citadas ao longo da narrativa, como o professor, boyzinhos da cidade, entre

outros. São na verdade figurantes que servem para a constituição dos diferentes cenários

pelos quais SC passa.

4.4 TEMPO

A narrativa de Faroeste Caboclo é apontada pelo discurso do narrador e pela

realidade da narrativa em si, como se subdividíssemos a narração em dois planos: o plano

do narrador, marcado pelo discurso de testemunho, e num segundo plano o mundo

ficcional narrado por ele. As palavras de Angélica Soares ilustram esta explanação:

“...Maurince-Jean Lefebvre diferenciou a narração, ou seja, o discurso (passível de uma

análise linguístico-estilística), da diegese (“.... a realidade definida e representada pela

narração, como um mundo existente)”. Ou seja, o discurso e a realidade da própria

narrativa são coisas distintas, porém estão amarradas, pois a fala do narrador cria a

dimensão gráfica que nos permite criar um mundo ficcional.

Dessa forma, na primeira estrofe de Faroeste Caboclo o coro inicia falando de

uma figura lendária: “ Não tinha medo o tal João de Santo Cristo/ Era o que todos diziam

quando ele se perdeu...”. O termo em negrito destaca que o coro não estava falando de

31

qualquer pessoa, refere-se a SC usando o pronome definido, diferentemente de quando

refere-se a outro personagem “... um tal de Jeremias”. Assim sendo, a primeira estrofe

marca uma preparação para o início da narrativa e insere o leitor/ ouvinte no tempo

mítico, no qual a narrativa acontece. Ou seja, assim como nas antigas tragédias gregas, o

coro nos leva ao tempo em que a lenda ocorreu, no qual SC segue sua saga.

Em seguida, na segunda estrofe, após a alusão ao coro, o narrador faz uma

regressão falando do passado de SC, narrando desde quando ele era criança, adolescente,

até chegar à fase adulta. Esta última fase é marcada pela primeira fala do personagem

principal em primeira pessoa: “... Meu Deus mas que cidade linda/ No ano novo eu

começo a trabalhar”.

Até então o discurso estava no passado, os verbos no pretérito dominam a

narrativa e as poucas falas do personagem principal em primeira pessoa no presente

aumentam a intensidade dramática:

- 10ª estrofe- “Meu Deus mais que cidade linda/ no ano novo eu começo a trabalhar”

-17ª estrofe- “Vocês vão ver, eu vou pegar vocês”

-19 estrofe “Maria Lúcia pra sempre vou te amar/ E um filho com você eu quero ter”

-22 estrofe “ Não boto bomba em banca de Jornal...”

-37estrofe “ Se a via-crúcis virou circo, estou aqui.”

-38estrofe: “ Jeremias eu sou homem . Coisa que você não é./ E não atiro pelas costas

não...”

A fala em primeira pessoa de SC intercalada com o discurso onisciente do

narrador aumenta a dimensão cinematográfica da narrativa, enfatizando os

32

acontecimentos e dando verossimilhança ao texto. As passagens de falas de SC

proporcionam uma verdade para a ficção.

A narrativa apresenta uma sequência cronológica do tempo de acordo com a

ordem dos fatos, como por exemplo, a narração das fases da vida de SC e dos

acontecimentos em cada uma delas. Porém, esta sequência é quebrada na estrofe 36,

quando João está perto de seu fim: “ E se lembrou de quando era uma criança/ E de tudo o

que vivera até ali/ E decidiu entrar de vez naquela dança “Se a via-crucis virou circo, eu

estou aqui”. Neste momento, SC retoma o caminho percorrido e isso também remonta à

estrutura tradicional da tragédia grega. O herói trágico, como Édipo e Antígona, na

verdade todos eles, pois essa é uma das características da tragicidade, tem o seu momento

de revelação, aquele momento em que a verdade e a consciência de que toda a sua miséria

é resultado de seus próprios atos vêm à tona. Da mesma forma, SC, ferido de morte,

percebe que seus atos e sua trajetória o trouxeram até ali, mas deve-se perceber ainda que

esse momento de rememoração tem também um outro aspectos discursivo muito

importante: esse é o momento de alívio narrativo que antecede o desfecho. No próprio

ritmo da música, isso é perceptível e serve para aumentar a expectativa do ouvinte/leitor.

As lembranças da infância ganham ênfase nesse trecho, ou seja, sua humanidade, e

servem também para aumentar a empatia do público pelo herói trágico.

Nesse momento em que a sequência cronológica é interrompida, há a menção da

lembrança de quando o herói era uma criança e de tudo que havia acontecido até o

presente momento, como se a linha do tempo de sua vida houvesse passado rapidamente

33

pela sua imaginação. Isto fez com que SC afirmasse sua vontade de enfrentar o duelo final

com Jeremias.

4.5 ESPAÇO

O espaço representa os lugares que nos situam na narrativa, estes lugares podem

ser ambientes físicos ou psicológicos. O ambiente físico não apenas nos situa

geograficamente, pois o elemento físico articula-se com o social, envolvendo aspectos

culturais; costumes, tradições, valores morais e sentimentais. O psicológico, por sua vez,

abarca vivências, pensamentos e sentimentos do personagem. Para Angélica Soares:

Também denominado ambiente, cenário ou localização, o espaço é o conjunto de elementos da paisagem exterior (espaço físico) ou interior (espaço psicológico), onde se situam as ações dos personagens. É ele imprescindível, pois não funciona apenas como pano de fundo, mas influencia diretamente no desenvolvimento do enredo, unindo-se ao tempo. (ANGÉLICA SOARES, 2007, p.51)

Sendo o espaço o lugar onde se situam as ações dos personagens, já no título,

Faroeste Caboclo, o autor nos remete ao cenário dos filmes de bang-bang, nos quais há

muita morte e conflito e lembram uma paisagem seca e bucólica. O termo caboclo nos

lembra a imagem de um sertanejo. Fazendo a analogia entre a possível interpretação do

significado do título e a cidade para onde SC vai, Salvador, subentendemos que sua

infância se passa no agreste nordestino. Da estrofe 1ª até a 5ª, o cenário descrito pelo

narrador é uma cercania pacata, na qual SC era o terror dos moradores, o que se deve aos

atos ilícitos que cometera.

Porém, ele não se sentia feliz lá, “sentia que aquele ali não era o seu lugar”.

Percebia-se deslocado do ambiente onde estava. Brasília marca para o protagonista a terra

34

prometida e a ilusão da mudança de sua vida. SC conhece a cidade satélite e também uma

realidade diferente da qual imaginava, a realidade do tráfico e da pobreza, desmitificando-

se assim a primeira impressão que teve: “Ele ficou bestificado com a cidade... “Meu

Deus mas que cidade linda...”.

Segundo Angélica Soares, o espaço “não funciona apenas como pano de fundo,

mas influencia diretamente no enredo.” A escolha do espaço demonstra isto. A sua terra

natal representa um lugar pacato e sem perspectivas, visão contrária do que ele imaginava

ser Brasília.

4.6 RITMO

Toda a música é composta basicamente de dois acordes, possuindo um som

monótono em um tom melódico que varia de suave para brusco de acordo com os

acontecimentos vividos pelo personagem. Os acordes lembram a toada usada por

repentistas. As nuances do som acompanham as nuances da narrativa de acordo com os

fatos que a constroem.

Da primeira estrofe até a 14ª, nas quais é narrada a história de SC desde a infância

até sua chegada a Brasília, a música segue em um ritmo leve e tranquilo. A partir da

estrofe 15ª, o som começa a ficar um pouco acelerado, quando SC chega até o Planalto

Central e adentra no mundo das drogas, a música foge dos dois acordes principais e passa

a seguir um rock mais pesado, ou seja, a narrativa mais tensa é marcada pela mudança do

ritmo.

35

Ao encontrar Maria Lúcia (a qual o guia e é a sua luz), novamente a música volta

à sua calmaria, simbolizando a paz e os sonhos que Maria traz para João.

Com o aparecimento do general corrupto que ameaça SC quando ele se nega a

cumprir os serviços solicitados, o tom denso das guitarras ressurge quebrando a harmonia

e anunciando mais esta intriga, permanecendo até a estrofe 23. Nas duas estrofes

seguintes, há um tom baixo e linear que marca o cumprimento da profecia do próprio SC.

Da estrofe 26 até 37, o ritmo permanece acelerado e em tons fortes, estas estrofes

narram a entrada de Jeremias na narrativa (o qual se torna o algoz de SC) e as prévias do

duelo final.

Na estrofe 38, a cadência de tons melódicos volta e permanece até o fim do

duelo, os quais, os tons melódicos, culminam com a morte de SC e Jeremias.

Durante toda a música, essas nuances do som estão presentes de acordo com as

nuances da narrativa, temos uma narrativa cantada que traz para o ouvinte a possibilidade

de criar as imagens do que é ouvido.

As rimas presentes na música são em sua maioria simples, há um uso sistêmico

de rimas pobres, algo que lembra realmente as toadas tradicionais nordestinas, mas estão

relacionadas também à musicalidade punk, algo importante na trajetória do Legião e de

praticamente todas as grandes bandas dos 80.

36

5 A SAGA DE JOÃO DE SANTO CRISTO X ÉDIPO REI

A palavra saga designa um conjunto de histórias lendárias, neste capítulo será

traçado semelhanças e diferenças no caminho percorrido por Édipo Rei e por João de

Santo Cristo .

Para Peter Szondi, na obra Ensaio sobre o trágico (2004), a tragédia possui uma

estrutura dialética e ambígua, de forma que o processo trágico define-se através da

unidade trágica: salvação e aniquilamento.

Tanto em Édipo Rei quanto em Faroeste Caboclo, a salvação de seus

protagonistas tornou-se a própria aniquilação. Nas duas narrativas temos o declínio dos

personagens principais e o final trágico. Édipo tenta fugir de seu destino para a cidade que

acreditava ser a sua legítima pátria (e que ironicamente era mesmo, porém ele não sabia) e

é expulso desta e vítima de suas próprias palavras. Santo Cristo sai de sua cidade natal e

vai à procura da terra que ele acreditava ser o paraíso, o Planalto Central. Nesta mesma

cidade, o seu destino incerto citado no início da música cumpre-se. Para ambos, a terra

prometida esconde a semente do aniquilamento, pois os dois reduzem-se a nada tentando

lutar contra o destino.

As mulheres presentes na vida desses protagonistas, Jocasta e Maria Lúcia,

também transformam-se de suas salvações para aniquilações, pois Jocasta representa um

pilar importante no reino, mas quando a verdade vem à tona, ela passa a ser a mãe e

esposa ao mesmo tempo. Édipo, enganado pelo destino, deita-se com a mulher que lhe

colocou no mundo. Maria Lúcia em um primeiro momento representa a paz e harmonia

37

para SC, e faz com que ele tenha a vontade de se redimir de suas culpas e iniciar uma vida

sem pecados. Porém, ela engravida do algoz de João de Santo Cristo, Jeremias, e com ele

se casa. Fato culminante para o duelo mortal entre os dois.

Tanto Jocasta quanto Maria Lúcia têm um final trágico, a morte. Jocasta enforca-

se quando a verdade é descoberta e a culpa e o arrependimento tomam conta de seu ser.

Pelos mesmos motivos, por culpa e arrependimento, Maria Lúcia escolhe a morte como a

sua redenção.

Porém estes personagens, SC e Édipo, seguem caminhos inversos. Édipo

conquista o povo de Tebas e é tido como herói antes de sua cegueira e exílio e no final da

tragédia, ele se transforma no bandido, o causador da mancha impura que atingia a

cidade. Já João de Santo Cristo, no início da narrativa, é apresentado como bandido e no

final é reconhecido como herói pelo povo: “....E o povo declarava que João de santo

Cristo era santo porque sabia morrer.” A palavra santo carrega uma conotação de

heroísmo na morte de SC, como se sua “santa morte” o redimisse dos atos impuros de

antes, e para Édipo o que acontece é o contrário; o povo o considerava o ‘Rei salvador’ e

seu exílio e morte como herói para os Tebanos caracterizam o castigo por ter manchado a

pureza de Tebas. O salvador de Tebas revela-se o seu destruidor.

As palavras de Szondi traduzem o percurso dos personagens:

“...Pois não é o aniquilamento que é trágico, mas o fato de a salvação tornar-se aniquilamento; não é no declínio do herói que se cumpre a tragicidade, mas no fato de o homem sucumbir no caminho que tomou justamente para fugir da ruína. Essa experiência fundamental do herói, que se confirma a cada um de seus passos acaba por remeter a uma outra experiência: a de que é apenas no final do caminho para a ruína que estão a salvação e a redenção.” (Peter Szondi, 2004)

38

Ambos procuravam fugir de seus destinos, porém, onde acreditavam estar a

salvação estava a destruição, ironicamente o destino faz com que eles busquem a

redenção através da própria aniquilação. O caminho que acreditavam ser a rota de escape

acaba por levá-los à ruína.

Eles buscam por sua identidade, acreditando ser esta descoberta a salvação para

suas mazelas. SC guardava consigo o ódio que Jesus lhe dera e sentia que a cercania onde

morava não era o seu lugar, então sai em busca de um encontro consigo mesmo. Édipo,

por sua vez, não se sente em paz enquanto não encontra as respostas para todas as suas

dúvidas. Incontrolavelmente busca a verdade sobre sua própria identidade, mas a verdade

que ele acredita ser a sua salvação acaba por virar a sua destruição.

A imagem da morte no percurso da narrativa marca a redenção dos personagens

e a solução para seus problemas. Para SC, a morte lhe traz o heroísmo e o fim de sua

sofrida saga. Para Édipo, a cegueira e seu exílio, os quais simbolizam a morte como o Rei

Édipo, trazem-lhe a redenção pelos pecados cometidos. O sacrifício de ambos os redimem

de suas vidas pecadoras e instiga no público a compaixão e o medo ao mesmo tempo,

dando lugar à catarse.

Todas as ações dos próprios personagens, juntamente com a força do destino, os

levaram à ruína. E chegando nela, o que lhes restou foi o cumprimento de suas

aniquilações, pois onde estava a salvação também estava a destruição.

39

5.1 O DESTINO EM ÉDIPO REI E EM FAROESTE CABOCLO

Ao procurar o significado da palavra destino no dicionário, encontramos a

seguinte descrição:

“1. Sucessão de fatos que podem ou não ocorrer, e que constituem a vida do homem, considerados como resultantes de causas independentes de sua vontade; sorte, fado. 2. O futuro. 3. Aplicação, emprego. 4. Lugar onde se dirige alguém ou algo; direção. (FERREIRA, 2001, p. 249).

Na descrição acima, entende-se que o que chamamos de destino é uma sequência

de fatos que não estão sob o nosso controle, e que estes acontecimentos determinam o

caminho a ser seguido por alguém ou algo.

O destino é um fator de grande valia tanto na vida de Édipo quanto na de João de

Santo Cristo. Ele está presente na trajetória de ambos, porém apresenta-se de forma

diferente e compõe distintamente cada uma das histórias. Em Édipo, assim como nas

tragédias gregas clássicas, o destino é algo imposto pela divindade. Os cidadãos gregos

acreditavam que suas vidas eram regidas pelos deuses, os oráculos sempre estavam

presentes em suas vidas e suas profecias eram seguidas com muita fé. A vida dos gregos

antigos era comandada pelos deuses, sendo assim esses deuses eram os “culpados” pelo

destino de cada um.

Quando Édipo nasceu, seu pai recebeu um oráculo de sacerdotes, o qual lhe foi

contado por Jocasta, sua mãe e mulher, na intenção de acalmá-lo sobre a dúvida que o

afligia, porém não sabia ela que estava proferindo a real história de Édipo:

40

“...Não te aflijas, pois com tais dizeres; saiba que nenhum mortal pode perscrutar o futuro. Vou provar-te o que afirmo. Laio certa vez recebeu um oráculo – não do próprio deus, mas dos sacerdotes – vaticinando que seria morto pela mão do filho dela e meu. No entanto – e de todo o mundo sabe – certo dia Laio foi morto por salteadores, em uma encruzilhada de três estradas. O filho que tivemos, com três dias de vida, Laio amarrou-lhes os tornozelos com um grampo, e ordenou que mãos estranhas o precipitassem em uma montanha inacessível. Com isso, Apolo não pode realizar o que predisse!... Laio não veio, pois, a morrer de vítima do próprio filho, coisa que tanto o apavorava! Eis como as coisas acontecem, de acordo com as profecias oraculares! Não te inquietes, pois; se um deus tiver algo importante a dizer, ele o revelará pessoalmente!” (Sófocles, 2004, p.51)

Jocasta reconhece que desafiar as profecias divinas não era tarefa para nenhum

mortal, apesar de ela mesma estar duvidando dos oráculos inconscientemente. Laio, ao

saber de seu triste destino, luta pela mudança do mesmo ao tentar matar seu próprio filho.

Mas o que ele achava ser a sua salvação se transformou na sua aniquilação, a tentativa de

salvação torna-se a sua sentença, as mãos estranhas a quem ele confiou a morte de seu

filho não tiveram a coragem de matar Édipo e mais tarde a profecia se cumpriu.

Édipo, por sua vez, também é vítima de suas próprias ações, quando é avisado de

que Tebas se encontra em desgraça e o deus exige que os assassinos de Laio (rei

antecessor de Édipo) sejam punidos, o atual rei profere as seguintes palavras ao Corifeu:

“... Falo-vos como uma pessoa alheia que nada sabe sobre o acontecido: sou estranho ao crime, e a tudo o que dele se conta. Pouco proveito terá nossa busca, se não me fornecerdes alguns indícios. Só depois do crime é que vim ser cidadão entre vós; por isso, a todos vos tebanos, proclamo: A quem souber qual a mão que matou Laio, intimo-o a vir já à minha presença para mo dizer; e o criminoso, mesmo com o medo da denúncia, que fale...Se porém calais, ou se por medo de alguém ocultar quiça um amigo, ou a si próprio, eis a minha sentença, que ele deve saber de mim; que nenhum filho deste reino, cujo o comendo está em minhas mãos, dê abrigo a esse indivíduo...Ao contrário, que o expulsem...pois ele é a mancha que nos torna impuros, conforme acaba de nos revelar o oráculo do deus. Eis o meu devotamento a esta causa e ao rei morto. E invoco aos céus, solenemente, perante a maldição sobre o assassino! Quer tenha ele agido só ou com cúmplices, que seja duramente punido com uma vida miserável até o fim de seus dias....” (Sófocles, 2004, p.35)

41

Por ironia do destino, Édipo proferiu sua própria maldição, jamais imaginara que

seria vítima de suas próprias palavras.

Assim, o destino apresenta-se na tragédia grega clássica como algo implacável e

traiçoeiro. Quando as profecias divinas se cumprem, os deuses demonstram sua

supremacia para que os mortais não indaguem suas sentenças, o sentimento que prevalece

é a impotência.

A tragédia por si possui uma estrutura similar na trajetória dos heróis, assim como

acontece com Édipo, a cada momento que ele imaginava livrar-se da ameaça de ser o

assassino de seu próprio pai, uma nova notícia aparecia. No desenrolar do percurso de

Édipo e SC, sempre aparecia uma nova situação de conflito, e quando esta se resolvia

outra aparece simultaneamente, os problemas são solucionados no conflito final, com a

destruição e morte do personagem principal.

É visível que o destino em Édipo Rei e Faroeste Caboclo são distintos, no

primeiro a soberania dos deuses é o que prevalece e no segundo os fatos sociais que

circundam a vida de SC se sobressaem no que irá acontecer com ele. Entretanto, esta

afirmação não nega a presença do acaso na vida de SC, os acontecimentos que a

sociedade lhe impõem amparam a sua sina para que ela possa cumprir-se. Antes, refletem

uma atualização da estrutura da tragédia grega tradicional num formato popular.

Em ambas as sagas o papel do acaso é preponderante para o desenvolvimento da

trama. A forma com que personagens e acontecimentos inesperados aparecem e mudam o

rumo de suas vidas é irrefutável.

42

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se escolhemos nossos caminhos ou se o destino nos leva até eles, não sei ao

certo, nos resta a dúvida. Mas que ele, o destino, se fez cumprir na trajetória de João de

Santo Cristo e Édipo isto é certo.

No início deste trabalho, o questionamento foi o seguinte: Faroeste Caboclo,

fenômeno da tradição trágica? Durante o desenvolvimento deste texto a conclusão para

esta pergunta é a resposta afirmativa: sim, Faroeste Caboclo é um fenômeno da

atualização da tradição trágica, pois nas análises realizadas foi observada a presença de

elementos trágicos na narrativa de Faroeste Caboclo e no personagem principal que a

compõe, João de Santo Cristo.

Em ambas as histórias, a tragédia se faz presente, apresentada de maneira

diferente e peculiar em cada uma. É obviamente mais forte em Édipo Rei do que em

Faroeste Caboclo, pois Édipo é uma tragédia clássica, de maneira que apresenta as

características do gênero, porém Faroeste Caboclo é uma canção com traços trágicos na

saga do protagonista.

A tragédia não está presente na canção a partir da grandiosidade ou da elevação

dos personagens, como nos grandes clássicos do gênero, porém, a aproximação entre um

destes clássicos, Édipo Rei, com a narrativa da música foi possível, de forma que a letra

apresenta resquícios da tragédia.

O intuito deste texto não é comparar a grandiosidade de herois, mas demonstrar

pontos em comum entre eles, semelhanças nas suas sagas, que em um primeiro momento

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não poderiam ser permitidas aos nossos olhos, mas com um olhar atento e cuidadoso é

possível salientá-las.

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6 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS

DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: O trovador solitário.4.ed. Rio de Janeiro: Relume-

Damará, 2000.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio século XXI. 5.ed.Rio de

Janeiro:Editora Nova Fronteira, 2001.

SZONDI, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Trad.: Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2004.

SÓFOCLES. Édipo Rei. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2004.

SOARES, Angélica. Gêneros Literários. 7.ed. São Paulo: Editora Ática, 2007.

URBANA, Legião. Como é que se diz eu te amo.v.2. Rio de Janeiro: EMI Music Brasil

Ltda, 2010, 1CD.

Sites:

CARVALHO LOPES, Marcos. Faroeste Caboclo: épico da (re)democratização do país.

Disponível em: www.overmundo.com.br/download_banco/faroeste-caboclo. Acessado em: 20 de

março 2012

MARLI, Rosa. Renato Russo e um Retrato debochado de um Brasil perdido. Disponível em:

http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/resumos/resumos/6473.htm. Acessado em:14 março 2012.

RIBEIRO J.R, W.A. Prometeu Acorrentado de Ésquilo. Portal Grécia Antiqua. Disponível em:

http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0074. Acessado em 9 de fev. 2012

45

RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo. Disponível em:http://letras.mus.br/legiao-urbana/22492/

Acessado em: 10 jan.2012.

RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo/ letra cifrada. Disponível em:

http://www.cifraclub.com.br/legiao-urbana/faroeste-caboclo/. Acessado em nov. 15 jan. 2012

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7 ANEXOS

LETRA DA MÚSICA

Faroeste Caboclo Legião Urbana

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo Era o que todos diziam quando ele se perdeu Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu

Quando criança só pensava em ser bandido Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu Era o terror da sertania onde morava E na escola até o professor com ele aprendeu

Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar Sentia mesmo que era mesmo diferente Sentia que aquilo ali não era o seu lugar

Ele queria sair para ver o mar E as coisas que ele via na televisão Juntou dinheiro para poder viajar De escolha própria, escolheu a solidão

Comia todas as menininhas da cidade De tanto brincar de médico, aos doze era professor. Aos quinze, foi mandado pro o reformatório Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.

Não entendia como a vida funcionava Discriminação por causa da sua classe e sua cor Ficou cansado de tentar achar resposta E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.

E lá chegando foi tomar um cafezinho E encontrou um boiadeiro com quem foi falar E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem Mas João foi lhe salvar

Dizia ele: "Estou indo pra Brasília Neste país lugar melhor não há Tô precisando visitar a minha filha Eu fico aqui e você vai no meu lugar"

E João aceitou sua proposta E num ônibus entrou no Planalto Central

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Ele ficou bestificado com a cidade Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal

"Meu Deus, mas que cidade linda, No Ano-Novo eu começo a trabalhar" Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro Ganhava cem mil por mês em Taguatinga

Na sexta-feira ia pra zona da cidade Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador E conhecia muita gente interessante Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia E muitas coisas trazia de lá Seu nome era Pablo e ele dizia Que um negócio ele ia começar

E o Santo Cristo até a morte trabalhava Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar E ouvia às sete horas o noticiário Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar

Mas ele não queria mais conversa E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar Elaborou mais uma vez seu plano santo E sem ser crucificado, a plantação foi começar.

Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade: "Tem bagulho bom ai!" E João de Santo Cristo ficou rico E acabou com todos os traficantes dali.

Fez amigos, frequentava a Asa Norte E ia pra festa de rock, pra se libertar Mas de repente Sob uma má influência dos boyzinho da cidade Começou a roubar.

Já no primeiro roubo ele dançou E pro inferno ele foi pela primeira vez Violência e estupro do seu corpo "Vocês vão ver, eu vou pegar vocês"

Agora o Santo Cristo era bandido Destemido e temido no Distrito Federal Não tinha nenhum medo de polícia Capitão ou traficante, playboy ou general

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Foi quando conheceu uma menina E de todos os seus pecados ele se arrependeu Maria Lúcia era uma menina linda E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu

Ele dizia que queria se casar E carpinteiro ele voltou a ser "Maria Lúcia pra sempre vou te amar E um filho com você eu quero ter"

O tempo passa e um dia vem na porta Um senhor de alta classe com dinheiro na mão E ele faz uma proposta indecorosa E diz que espera uma resposta, uma resposta do João

"Não boto bomba em banca de jornal Nem em colégio de criança isso eu não faço não E não protejo general de dez estrelas Que fica atrás da mesa com o cu na mão

E é melhor senhor sair da minha casa Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião" Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse: "Você perdeu sua vida, meu irmão"

"Você perdeu a sua vida meu irmão Você perdeu a sua vida meu irmão Essas palavras vão entrar no coração Eu vou sofrer as consequências como um cão"

Não é que o Santo Cristo estava certo Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar Se embebedou e no meio da bebedeira Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro E também tinha dinheiro e queria se armar Pablo trazia o contrabando da Bolívia E Santo Cristo revendia em Planaltina

Mas acontece que um tal de Jeremias, Traficante de renome, apareceu por lá Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo E decidiu que, com João ele ia acabar

Mas Pablo trouxe uma Winchester-22 E Santo Cristo já sabia atirar E decidiu usar a arma só depois Que Jeremias começasse a brigar

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Jeremias, maconheiro sem-vergonha Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar Desvirginava mocinhas inocentes Se dizia que era crente mas não sabia rezar

E Santo Cristo há muito não ia pra casa E a saudade começou a apertar "Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia Já tá em tempo de a gente se casar"

Chegando em casa então ele chorou E pro inferno ele foi pela segunda vez Com Maria Lúcia Jeremias se casou E um filho nela ele fez

Santo Cristo era só ódio por dentro E então o Jeremias pra um duelo ele chamou Amanhã às duas horas na Ceilândia Em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor E mato também Maria Lúcia Aquela menina bosal pra quem jurei o meu amor

E o Santo Cristo não sabia o que fazer Quando viu o repórter da televisão Que deu notícia do duelo na TV Dizendo a hora e o local e a razão

No sábado então, às duas horas, Todo o povo sem demora foi lá só para assistir Um homem que atirava pelas costas E acertou o Santo Cristo, começou a sorrir

Sentindo o sangue na garganta, João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e A gente da TV que filmava tudo ali

E se lembrou de quando era uma criança E de tudo o que vivera até ali E decidiu entrar de vez naquela dança "Se a via-crucis virou circo, estou aqui"

E nisso o sol cegou seus olhos E então Maria Lúcia ele reconheceu Ela trazia a Winchester-22 A arma que seu primo Pablo lhe deu

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"Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é E não atiro pelas costas não Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão"

E Santo Cristo com a Winchester-22 Deu cinco tiros no bandido traidor Maria Lúcia se arrependeu depois E morreu junto com João, seu protetor

E o povo declarava que João de Santo Cristo Era santo porque sabia morrer E a alta burguesia da cidade Não acreditou na história que eles viram na TV

E João não conseguiu o que queria Quando veio pra Brasília, com o diabo ter Ele queria era falar pro presidente Pra ajudar toda essa gente que só faz...

Sofrer...

LETRA CIFRADA

(estrofe 1) G D Não tinha medo o tal João de Santo Cristo G/F# G D Era o que todos diziam quando ele se perdeu G D Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda G/F# G D Só pra sentir no seu sangue o ódio que jesus lhe de u G D Quando criança só pensava em ser bandido G/F# G D Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morr eu G D Era o terror da cercania onde morava G/F# G D E na escola até o professor com ele aprendeu (estrofe 2) G D Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro G/F# G D Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar G D Sentia mesmo que era mesmo diferente G/F# G D Sentia que aquilo ali não era o seu lugar G D G/F# Ele queria sair para ver o mar G D E as coisas que ele via na televisão G D G/F#

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Juntou dinheiro para poder viajar G D E de escolha própria escolheu a solidão (estrofe 3) G D Comia todas as menininhas da cidade G/F# G D De tanto brincar de médico aos doze era professor G D Aos quinze foi mandado pro reformatório G/F# G D Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror G D Não entendia como a vida funcionava G/F# G D Discriminação por causa da sua classe e sua cor G D Ficou cansado de tentar achar resposta G/F# G D E comprou uma passagem foi direto a salvador (estrofe 4) G D E lá chegando foi tomar um cafezinho G/F# G D E encontrou um boiadeiro com quem foi falar G D E o boiadeiro tinha uma passagem G/F# G D Ia perder a viagem mas João foi lhe salvar G D G/F# Dizia ele - estou indo pra Brasília G D Nesse país lugar melhor não há G D G/F# Estou precisando visitar a minha filha G D Eu fico aqui e você vai no meu lugar (estrofe 5) G D E João aceitou sua proposta G/F# G D E num ônibus entrou no Planalto Central G D Ele ficou bestificado com a cidade G/F# G D Saindo da rodoviária viu as luzes de natal G D G/F# - Meu Deus mas que cidade linda! G D No ano novo eu começo a trabalhar G D Cortar madeira aprendiz de carpinteiro G/F# G D Ganhava cem mil por mês em taguatinga (estrofe 6) G D Na sexta-feira ía pra zona da cidade

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G/F# G D Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador G D E conhecia muita gente interessante G/F# G D Até um neto bastardo do seu bisavô G D G/F# Um peruano que vivia na bolivia G D E muitas coisas trazia de lá G D G/F# Seu nome era pablo e ele dizia G D Que um negócio ele ia começar (estrofe 7) G D E Santo Cristo até a morte trabalhava G/F# G D Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar G D E ouvia às sete horas o noticiário G/F# G D Que sempre dizia que seu ministro ia ajudar G D Mas ele não queria mais conversa G/F# G D E decidiu que como pablo ele ia se virar G D Elaborou mais uma vez seu plano santo G/F# G D E sem ser crucificado a plantação foi começar (estrofe 8) G D Logo logo os maluco da cidade G D Souberam da novidade: "- tem bagulho bom aí!" G D E joão de santo cristo ficou rico G D E acabou com todos os traficantes dali G D Fez amigos, freqüentava a asa norte G D Ia pra festa de rock pra se libertar G D Mas de repente, sob uma má influência dos G D Boyzinhos da cidade começou a roubar (estrofe 9) C9 G/B Já no primeiro roubo ele dançou A7(4) G E pro inferno ele foi pela primeira vez C9 G/B Violência e estupro do seu corpo A7(4) G "- vocês vão ver, eu vou pegar vocês!" (estrofe 10) G D

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Agora santo cristo era bandido G/F# G D Destemido e temido no distrito federal G D Não tinha nenhum medo de polícia G/F# G D Capitão ou traficante, playboy ou general (estrofe 11) G G4(9) Foi quando conheceu uma menina G G4(9) E de todos os seus pecados ele se arrependeu G G4(9) Maria lúcia era uma menina linda G G4(9) E o coração dele pra ela o santo cristo prometeu G G4(9) Ele dizia que queria se casar G G4(9) E carpinteiro ele voltou a ser G G4(9) "- maria lúcia eu pra sempre vou te amar G G4(9) e um filho com você eu quero ter" (ri ff 1 sem repetir) (estrofe 12) G5 Ab5 O tempo passa e um dia vem na porta um senhor F5 G5 De alta classe com dinheiro na mão Ab5 E ele faz uma proposta indecorosa F5 G5 E diz que espera uma resposta, uma resposta de joão (estrofe 13) G D "- não boto bomba em banca de jornal G D E nem em colégio de criança, isso eu não faço não G D E não protejo general de dez estrelas G D Que fica atrás da mesa com o cu na mão G D E é melhor o senhor sair da minha casa G D Nunca brinque com um peixes de ascendente escorpião " G5 C5 Mas antes de sair, com ódio no olhar o velho disse: G5 F5 "- você perdeu a sua vida, meu irmão!" (estrofe 14) G D G/F# "- você perdeu a sua vida, meu irmão!" G D "- você perdeu a sua vida, meu irmão!" G D G/F# Essas palavras vão entrar no coração G D "- eu vou sofrer as conseqüências como um cão."

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(estrofe 15) G D Não é que o santo cristo estava certo G/F# G D Seu futuro era incerto, e ele não foi trabalhar G D Se embebedou e no meio da bebedeira G/F# G D Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar G D Falou com pablo que queria um parceiro G/F# G D Que também tinha dinheiro e queria se armar G D Pablo trazia o contrabando da bolívia G/F# G D e Santo Cristo revendia em Planaltina (riff 1 sem repetir) (estrofe 16) G5 Ab5 Mas acontece que um tal de jeremias F5 G5 Traficante de renome apareceu por lá Ab5 Ficou sabendo dos planos de santo cristo F5 G5 E decidiu que com joão ele ia acabar. G D/F# Mas pablo trouxe uma winchester 22 Em E santo cristo lá sabia atirar C G/B E decidiu usar a arma só depois Am7 D Que jeremias começasse a brigar (estrofe 17) G5 Ab5 O jeremias maconheiro sem vergonha F5 G5 Organizou a roconha e fez todo mundo dançar Ab5 Desvirginava mocinhas inocentes F5 G5 E dizia que era crente mas não sabia rezar G D/F# E santo cristo há muito não ia pra casa Em E a saudade começou a apertar C G/B "- eu vou me embora, eu vou ver maria lúcia Am7 D Já está em tempo de a gente se casar" (estrofe 18) C G/B Chegando em casa então ele chorou Am7 G E pro inferno ele foi pela segunda vez C G/B Com maria lúcia jeremias se casou Am7 G

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E um filho nela ele fez (estrofe 19) G5 Ab5 Santo cristo era só ódio por dentro F5 G5 E então o jeremias pra um duelo ele chamou Ab5 "- amanhã, as duas horas na ceilândia F5 G5 Em frente ao lote catorze é pra lá que eu vou Ab5 E você pode escolher as suas armas F5 G5 Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor Ab5 E mato também maria lúcia F5 G5 Aquela menina falsa pra que jurei o meu amor" (estrofe 20) G D/F# E santo cristo não sabia o que fazer Em Quando viu o repórter da televisão C G/B Que deu a notícia do duelo na tv Am7 D Dizendo a hora, o local e a razão G5 Ab5 No sábado, então as duas horas F5 G5 Todo o povo sem demora foi lá só pra assistir Ab5 Um homem que atirava pelas costas F5 G5 E acertou o santo cristo e começou a sorrir Ab5 Sentindo o sangue na garganta F5 G5 João olhou as bandeirinhas e o povo a aplaudir Ab5 E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e F5 G5 A gente da tv que filmava tudo ali G D/F# E se lembrou de quando era uma criança Em E de tudo o que viveu até ali C G/B E decidiu entar de vez naquela dança Am7 D "- se a via-crucis virou circo, estou aqui." (estrofe 21) C G/B E nisso o sol cegou seus olhos Am7 G E então maria lúcia ele reconheceu C G/B Ela trazia a winchester 22 Am7 G

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A arma que seu primo pablo lhe deu (estrofe 22) G D G/F# "- Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é G D Eu não atiro pelas costas, não. G D Olha pra cá filha da puta sem vergonha G/F# G D Dá uma olhada no meu sangue, e vem sentir o teu per dão" G D G/F# e Santo Cristo com a Winchester 22 G D Deu cinco tiros no bandido traidor G D G/F# Maria lúcia se arrependeu depois G D E morreu junto com joão, seu protetor (estrofe 23) C G/B E o povo declarava que joão de santo cristo Am7 G Era santo porque sabia morrer C G/B Am7 E a alta burguesia da cidade não acreditou na histó ria G Que eles viram da tv C G/B E joão não conseguiu o que queria Am7 G Quando veio pra brasília com o diabo ter C G/B Ele queria era falar com o presidente Am7 D Pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer... ( C5 Bb5 G5 ) (6x) C5 G

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