animismo infantil _entrevista 3 crianças _ método clínico e análise
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Universidade Federal de São Paulo – Campus Guarulhos – Curso Pedagogia
UC: Fundamentos Teórico-Práticos do Ensino de Ciências II.
Profa. Dra. Adriana Braga – Turno Noturno - 2014
Discentes: Bruno; Rildo; Adalberto; Rosely; Denise;José.
Tema: A linguagem e gênese do pensamento e a representação no mundo da criança: o animismo infantil e a
consciência atribuída às coisas. A representação do mundo na criança, examina o desenvolvimento progressivo do
pensamento infantil em suas tentativas de explicar realidades, tais como a do sonho ou dos fenômenos naturais. Nele é
descrito o método clínico, fundamentado na observação e entrevista clínica.
Introdução: O estudo se propõe a esclarecer duas questões centrais:
Quais são as representações do mundo criadas espontaneamente pelas crianças ao longo dos diferentes estágios de
seu desenvolvimento intelectual?
Quais os planos de realidade em que se move esse pensamento? Tem a criança, como nós, a crença num mundo real,
e distingue ela essa crença das diversas ficções de sua brincadeira ou de sua imaginação?
O método clínico consiste em conversar com as crianças, para tentar compreender a sequência dos seus pensamentos.
Ao invés das estatísticas do número de respostas pré-determinadas como corretas, existente no método dos testes,
Piaget prendeu-se na análise das justificativas que as crianças davam ao responder suas indagações. Este método
consiste num diálogo com a criança, de forma sistemática, de acordo com o que ela vai respondendo ou fazendo. Em
certas situações cumpre uma tarefa, em outras explica algum fenômeno físico ou biológico.
“Podemos distinguir (...) quatro estágios sucessivos: Para crianças do primeiro estágio, tudo que tem uma atividade
qualquer é consciente, ainda que seja imóvel. Para as crianças do segundo estágio, a consciência é reservada aos
corpos em movimento. Durante um terceiro estágio, faz-se uma distinção essencial entre o movimento próprio e o
movimento recebido do exterior (...) Por fim, ao longo de um quarto estágio, a consciência é reservada aos animais.”
(PIAGET, 1980 p.146)
ROTEIRO DE ENTREVISTA CLÍNICA E ANÁLISE
Objetivo: Diagnosticar a representação do mundo na criança acerca das sensações e consciência atribuída às coisas
em crianças do primeiro estágio do animismo infantil (onde tudo o que tem uma atividade qualquer é consciente, ainda
que seja imóvel), do segundo estágio (quando a consciência é reservada aos corpos em movimento) e terceiro estágio
(quando os corpos e coisas que parecem dotados de um movimento próprio são tidos como conscientes). Além de
possíveis traços de um quarto estágio (oportunidade na qual a consciência é própria aos animais),
Entrevista com criança em idade de estar no 1º estágio (0 a 6 anos):
Nome: Miguel (3;4)
Pergunta Resposta
Você tem medo de injeção?
Sim.
Por quê?
Porque fica dodói.
Se aplicar agulha de injeção nesta mesa ela
sentirá alguma coisa ou não sentirá nada? Por
quê?
Não, porque ela fica bom.
E se eu picar esta pedra ela sentirá alguma
coisa ou não sentirá nada? Por quê?
Não, porque ela fica bonita.
E se eu picar uma flor ela sentirá alguma Não.
coisa ou não sentirá nada? Por quê?
E se eu picar este metal (ferro) ele sentirá
alguma coisa ou não sentirá nada? Por quê?
NÃO, PORQUE ELE FICA BOM.
E se eu picar a água ela sentirá alguma coisa
ou não sentirá nada? Por quê?
NÃO.
E se eu picar um cachorro ele sentirá alguma
coisa ou não sentirá nada? Por quê?
SIM, PORQUE ELE FICA DODOI
As nuvens sentiriam uma picada? Por quê?
NÃO.
As nuvens sentem o vento ou não? SIM.
Elas sentem o calor?
SIM.
Uma bicicleta sabe que roda? Por quê?
SIM.
Ela sabe disso quando está parada? Como ela
sabe disso? Por quê?
SIM.
O sol sabe que você está aqui?
SIM, PORQUE ELE FICA VENDO.
Para o Miguel (3;4), a mesa, a flor, o metal e a água não sentem, mas o sol sabe que estamos aqui porque ele fica
vendo. As nuvens não sentem a picada, mas sentem o calor. No entanto, o cachorro e a bicicleta estão na mesma
categoria, pois ambos sentem alguma coisa.
Deste modo, o Miguel, apesar da idade não se encontra no primeiro estágio, pois, segundo Piaget, para as crianças do
primeiro estágio tudo é consciente (p.147). Sendo assim ele traz traços do segundo estágio quando a consciência é
reservada aos corpos em movimento, no caso sol e nuvens, mas na justificativa da criança não é o movimento que
atribui animismo ao sol, mas o fato dele (ficar vendo). Dessa forma, talvez a inserção de uma pergunta de contra-
sugestão, tal qual a trazida no texto na qual o entrevistador questiona: Ele tem olhos? Nos desse mais certeza quanto
ao Miguel estar no segundo estágio, mesmo sendo tão novo. Ademais os estágios não possuem rigidez de fixação.
Entrevista com criança em idade de estar no 2º estágio (7 a 9 anos):
Nome: Ana Elisa (7;2)
Pergunta Resposta
O sol sabe que ilumina? Por quê?
Não.
Ele sabe que estamos aqui?
Não, Porque ele não tem olhos pra ver.
Ele sabe que o tempo está bonito?
Sim, Porque ele faz parte do céu.
O vento sabe alguma coisa quando sopra
contra uma casa? Por que?
Não, porque ele é atraído pela chuva.
Uma bicicleta sabe que está andando? Ela
sabe quando corre ou anda devagar? Ela pode
andar sozinha?
Não, não agente que faz ela andar, ela precisa
da gente pra pedalar ela.
Esta cadeira sabe que está na sala? Por quê?
Não, porque ela não tem pé pra sentir.
A cadeira sabe que se você bater nela, você a Não.
quebra?
O sol sabe que se oculta à noite?
Sim, porque o céu fica escuro e ai fica na hora
dele dormir.
A lua sabe que brilha? Por quê?
Não, porque ela não tem espelho pra olhar.
O vento sabe que sopra? Por quê?
Não, porque ele é atraído pelas árvores.
Um carro sabe que anda? Por quê?
Não, porque ele precisa da gente pra ligar o
motor.
Ele é vivo?
É o que ?
Não. Ele é um veículo.
É o motorista que sabe que anda ou é o carro?
O motorista.
Para Ana Elisa (7;2), o sol não sabe que ilumina, nem que estamos aqui, no entanto sabe que o tempo está bonito,
porque faz parte do céu e que se oculta à noite porque fica na hora dele dormir. Neste caso, apesar de o sol não saber
que ilumina nem que estamos aqui, ele tem consciência de pertencimento e necessidades/obrigações cotidianas, tal
como os humanos. A lua não sabe que brilha porque não tem espelho, o que significa que a falta de consciência da lua
deriva da falta de instrumento e não do fato dela não possuir consciência.
Segundo ela, o vento não sabe de nada porque ele é atraído pela chuva e pelas árvores. Apesar dessa afirmação não se
comprovar cientificamente, ela demonstra reconhecer que existe relação entre vento/chuva/árvores e conhecer noções
das propriedades físicas de atração dos corpos.
Para ela, carro, cadeira e bicicleta não sentem nem possuem consciência.
Ana Elisa se encaixa no terceiro estágio para o qual, os corpos e coisas que parecem dotados de um movimento
próprio são tidos como conscientes, porém, o vento tem movimento próprio, mas nem por isso ela atribui consciência
a ele. Deste modo, podemos dizer que ela já possui traços do quarto estágio para o qual o vento, entre outros, não tem
consciência.
Entrevista com criança em idade de estar no 3º estágio (10 a 11 anos):
Nome: Heitor (10;2)
Pergunta Resposta
Uma mesa sentiria se eu a picasse? Por quê?
Não. Porque ela não tem vida.
O fogo sente alguma coisa? Se lhe pomos
água em cima, ele a sente? Por quê?
Nada. Não. Não. Porque ele não tem vida.
O vento sente alguma coisa quando não há
sol? Mesmo quando não tem sol? Ele sabe que
sopra? Porquê?
Não. Não. Sabe. Não sei.
O as estrelas sentem alguma coisa? O que
elas sentem?
Não. Porque elas não têm vida.
A lua sente alguma coisa? O que ela sente?
Não. Nada.
A chuva sente alguma coisa? O que ela
sente?
Não.
O riacho sente alguma coisa? O que ele
sente?
Não.
A bicicleta por exemplo? O que ela sente?
Não.
O carro sente alguma coisa? O que ele sente?
Nada. Nada
O navio sente alguma coisa? O que ele sente?
Nem o navio.
Você tem certeza ou não muita de tudo isso?
Porquê. Você não sabe muito o quê?
Não muita. Porque eu não sei muito. Algumas
coisas.
Você já pensou sobre tudo isso?
Não.
Porque você não tem certeza?
Porque eu não sei.
Você diz que o vento sente algo, mas que não
tem muita certeza. Diga-me o que você acha,
porque pensa um pouco que o vento não sente
que sopra?
Não sei.
Nem uma flor você acha que sente alguma
coisa? Ela sente que é pisada? Se alguém
pisasse numa flor o quê ela sentiria?
Sente, ela tem vida. Ela sente. Ela sentiria
muita dor.
O sol sente o calor? Por quê?
Não. Porque ele não tem vida.
O fogo sente o calor? Ele pode sentir o calor?
Por quê? Ele pode ter calor?
Não. Poderia se tivesse vida.
Os riachos têm calor ou ficam quentes quando
o sol os esquenta? Por quê?
Ficam quentes quando o sol esquenta eles.
Não sei.
Uma nuvem sentiria se fosse picada? Por quê?
Não. Elas têm água e água não sente dor.
Uma bicicleta sabe que anda? Quem precisa
fazer que ela ande?
Não. A gente pedalar.
Para o Heitor, mesa, fogo, bicicleta, carro e navio não sentem nada nem possuem consciência, assim como os astros,
estrelas e a lua, chuva, riacho, bicicleta, navio e nuvem também não sentem nada nem têm consciência.
De modo que ele apresenta muitas características do quarto estágio, pois reconhece que estes corpos, fenômenos, entre
outros, não são dotados de consciência, inclusive expressando claramente, na maior parte das justificativas, que a falta
de sensação ou consciência se deve ao fato deles não terem vida.
Entretanto, suas respostas demonstram que ele está em ‘transição’ do estágio três para o quarto, pois, com relação ao
vento, apesar de não sentir nada ele sabe que sopra, ou seja não sente, mas sabe, então tem consciência. Desse modo,
para sermos mais criteriosos, seria necessário, como contra-sugestão, fazer alguma pergunta, tal qual: O vento tem
vida? Daí, então poderíamos afirmar com mais segurança.
Para ele a flor sente as coisas porque tem vida e, por isso, sentiria muita dor se fosse pisada. Em primeito lugar, essa
resposta demonstra coerência no pensamento dele, para o qual as coisas são categorizadas entre o que tem vida e o que
não tem vida. Ademais, precisa ser analisada com cautela, pois apesar de, à luz do texto, parecer que essa resposta seja
esperada para crianças no primeiro estágio, há em nossos dias, um apelo ambiental conservacionista muito forte,
especialmente nas escolas, nas quais as crianças são ensinadas que a natureza sofre, chora, etc., existindo, inclusive,
adultos que conversam com plantas. Sendo assim, esta é uma resposta ‘fora da curva’ não devido ao estágio em que o
Heitor se encontra, mas ao tempo histórico que ele vive.
Portanto, como na maioria das respostas coisas inanimadas não sentem nem têm consciência, dizemos que, devido
conflito com relação às questões relacionadas ao vento, ele se encontra no quarto estágio com resquícios do terceiro.
MÚSICA PARA FIXAR CONCEITO DE ANIMISMO:
Letra de música do Youtube: (Fonte - Canal do Youtube do Instituto de Psicologia UFRGS 2009/1)
O animismo vem do latim, pelo menos foi isso o que eu aprendi.
É uma crença que dá vida às coisas e quanto aos objetos, são como pessoas.
O animismo se refere a consciência que as coisas tem da sua própria existência.
O animismo nas criancinhas se divide em quatro fases distintas:
Primeiro tem aquela quando tudo é vivo,
basta ter uma atividade para ter ciência da sua vontade.
E depois vem o estágio que é do movimento onde só o que fica parado
não sabe e nem fica chateado.
E num terceiro tempo, também do movimento,
só que agora ele tem que vir de dentro.
Como {uma bicicleta não vai se conscientizar,
porque para que ela se mova é preciso alguém pra pedalar.
Já por outro lado o sol que nasce e se põe, Esse sim é vivo, meu amigo,
e é capaz de ter diversas sensações.} 2X
Nesse momento você deve estar se perguntando,
ah, e o quarto estágio qual é o que ele falou que ia ter?
O quarto estagio é quando só quem sabe e só quem sente é...
um animal como você.
REFERÊNCIA:
PIAGET, Jean, 1896-1980. A representação do mundo na criança: com o concurso de onze colaboradores/Jean
Piaget; tradução Adail Ubirajara Sobral (colaboradores de Maria Stela Gonçalves ) - Aparecida, SP: Ideias e letras,
2005.
Vídeo do YouTube: música animismo
http://www.youtube.com/watch?v=zATI4SgQclw