bruno latour - vírus

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    captulo 5A historicidade das coisasPor onde andavam os micrbiosantes de Pasteur?

    "Ento", dir a pessoa de bom senso, num tom ligeiramen-te exasperado, "os fermentos existiam antes de Pasteur faz- los"?No h como f u g i r resposta: "No, no existiam antes de Pas-teur surgir" resposta bvia, natural e mesmo, como mostrare-mos, de muito bom senso! Vimos no captulo 4 que Pasteur de-parou com uma substncia vaga, nebulosa e c inzen ta pousada hu -mildemente nas paredes de seus frascos e transformou-a no fer-mento esplndido, b e m - d e f i n i d o e articulado a voltear m a g n i f i -centemente pelos sales da Academia. Que o relgio haja bada-lado 12 vezes desde a dcada de l850 e seu cocheiro ainda no te-nh a voltado a ser rato em nada muda a circunstncia cie, antes daapario do Prncipe Encantado, essa Cinderela ser pouco maisque um subproduto invisvel cie u m processo qumico inanima-do. Sem dvida, meus contos de fadas so to inteis quanto osdos guerreiros da cincia, para quem o fermento era uma parte darealidade "l fora" qu e Pasteur "descobriu"graas sua percucien-te observao. No, temos no s cie repensar o que Pasteur e seusmicrbios andavam fazendo antes e depois do experimento cornor emode la r os conceitos que o arranjo moderno no s transmitiupara estudarmos tais eventos. A d i f i cu ldade filosfica, suscitadapela pronta resposta que dei pergunta acima, no reside, porm,na historidade do s fermentos e sim na palavrinha "fazer".Se , por "histor ic idade", entendermos apenas que nossa "re-presentao" contempornea dos mcrorgan smos data de mea-dos do sculo XIX, no haver problema. Teremos simplesmen-te voltado lin ha divi sri a entre questes epistemolgicas e on-

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    tolgicas, qu e decidramos abandonar. A fi m de el im inar essa l i -nha, asseguramos histor icidade ao s microrgan i smos e no apenasaos humanos qu e os descobriram. Isso pressupe qu e sejamos ca -pazes de dizer que no apenas os micrbos-para-ns-humanos,como tambm os micrbos-para-s i-mesmos mudaram desde osanos 1850. Se u encontro co m Pasreur mudou-os i gua lmente .Pasteur, digamos, "aconteceu" para eles.Se, de outra perspectiva, entendermos po r "historicidade"un icamente o fato de os fermentes "evolurem no tempo", comoos episdios infames do vrus da gripe ou o HIV, tambm nohaveria di f i cu ldad e . Como a de todas as espcies vivas ou, nocaso, o Bi g Bang , a his tor ic idade de um fe rmento se enraizar iaf i rmemente na natureza. Ao i nvs de estticos, os fenmenos se-riam definidos como dinmicos. Esse t ipo de histor icidade*, noentanto, no i n c l u i a histr ia da cincia e dos cientistas. ape-nas outra maneira de pin ta r a natureza , como mov im ento e nocomo natureza morta. Novamente, a l inha d iv is r ia entre o quepertence his t r i a humana e o que pertence his t r i a na tura lno seria cruzada . A epistem ologia e a ontolog ia permaneceriamseparadas, n o importa quo agitado ou catico se mostrasse o

    m u n d o de cada lado do abismo.; O que tenciono fazer neste captulo, no meio de um l ivro: sobre a realidade dos estudos centficos,_ reformatar a quest_Q\ da histo_rjcic[ade uti l izando-as noes de .proposio e articulaojque, de m3~rnt abstrato, defini no F i m U doji l t imo cap tu -\ Io como as nicas figuras de retrica aptas a atender a todas as'.especificaes arroladas para a f igura 4.3. O que era impra t i c-ve l e absurdo no conto de fadas do suje itoobjeto torna-se, seno fcil, pelo menos concehvd com o par humanono-humano.Na primeira seo, farei um levantamento do novo vocabulr iode que precisamos para no s desembaraar da categoria moder-nista - recorrendo ainda ao mesmo exemplo do captulo 4, como r isco de min is t ra r ao le i tor u ma dose excessiva de fe rmento docido lctico. Em seguida, a fi m de testar a utilidade desse vo-cabulr io, passarei a outro exemplo cannico da vida de P asteur ,o debate com Pouchet sobre a gerao espontnea descendo as-sim dos fermentes para os micrbios.

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    As substncias no tm histria, mas asproposies tmVo u submeter uma curta srie de conceitos a u m duplo tes-te de toro, como fazem os engenheiros para verificar a resistn-cia cie seus materiais. Ser esse, po r assim dizer, me u teste labora-torial. Temos agora duas listas cie instrumentos: objeto, sujeito,lacuna e correspondncia, cie um lado; humanos, no-humanos,diferena, proposio e articulao, de outro. Q ue transformaessofrer a noo de histr ia quand o for instal ada nesses d ois cen-rios diferentes? O que se tornar exeqvel ou inexeqvel qu an-do a tenso passar de um grupo de conceitos para o outro?Sem a noo de articulao, era impossvel responder"no" pergunta "Os fermentos (ou os micrbios) exist iam an-tes de Pasteur"?, pois assim incidir amos numa espcie de idea-l i smo. A dicotomia suje itoobjeto distr ibua atividade e passi-v idade de tal ma n e i r a que o que fosse tomado por um seria per-dido pelo outro. :Se Pasreur faz os micrbios - isto , i nven ta -os -, ento os micrbios so passivos. Se os micrbios "condu-ze m o raciocnio de Pasteur", ento Pasteur o observador pas-

    sivo da a t iv idade deles. ,Ns, porm, comeamos a entender que-o par h u m ano -no -h u m ano n o envolve um cabo_de_guerrjLi-tre duas foras opostas. AO contrrio, quanto mais atividadehouver~por causa de_urna4 mais .atividade haver po r causa deout ra . Quan to mais Pasteur azafamar-se em seu laboratrio,mais autnomo se tornar seu fermento. O idealismo represen-tou u m esforo impo ssvel para devolver a ariviclade aos hum a-no s se m desmantelar o pacto de Yalta, que a transformara numjogo zerado e sem redef in i r a prpria noo de ao, como ve-remos no captulo 9- Em suas var iadas formas - i n c l u s i v e , cla-ro, o cons tru t iv i smo social , o realismo ostentou um a excelen-te vir tud e pol mica perante aqueles qu e atr ibuam independn-cia excessiva ao mu ndo empr ico. M as s at a a polm ica se re-vela engraada. Se paramos de tratar a atividade como um arti -go raro, qu e apenas um a equipe pode possuir , deixa de ser en-graado contem plar pessoas tentando privar-se uma out ra da -quilo que todos os jogadores deveriam ter em abundncia.

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    A dicotomia sujei toobjeto apresentava outra desvanta-g em . N o apenas era um jogo zerado como havia, necessariamen-te, apenas duas espcies ontolgicas: natureza e me n t e (o u socie-dade). Isso tornava qualquer relato de obra cientfica absoluta-mente implausvel. Como poderamos dizer que, na histria dosfe rmen tos (captulo 4), na histria da reao atmica em cadeia(captulo 3) ou na histria da fronteira florestasavana (captulo2) existem somente dois t ipos de atores, natureza e sujei tos eque, alm disso, tudo o que um ator no faz o segundo deve as -s u m i r ? O meio de cu l t u r a de Pasteur, por exemplo: para que ladovai ele? E o pedocomparador de Ren Boulet? E os clculos da se- o t tansversal de Halban? Perrencem sub je t i v idade, objet i -v idade ou a ambas? A n enhum a delas , sem dvida; no entanto ,cada u m a dessas pequenas m ediaes indispensvel para o sur-g i m en t o do ator i ndependente qu e const i tui , n o obstante, o re-sul tado da obra dos cient istas.j\grande vantagem dasproposies que elas noprecisamser ordenadas em apenas d i t a s . t & f t g r d s . Da s proposies se pode dizer,s em nenh u m a dificuldade, que so muitas. Desdobram-se e nolhes necessrio ordenar-se, nu ma du al idade. Graas ao novo qua-

    dro que tento pintar, o t radicional cabo de guerra desmanteladoduas vezes: no h vencedores ou perdedores, mas tambm no hduas equipes. Assim/se digo que Pasteur inventa um meio de cul-t u ra que torna o fermento vis vel, posso at r i bu i r a t i v idade aos imelemenros durante o trajeto todo. Se acrescentar o laboratrio deL i l l e tetei quatro atores; se disser que a Academia mostrou-se con-vencida, terei cinco e assim po r diante , sem me sent i r preocupado eaterrado idia de que posso fug i r dos atores ou m isturar as duasreservas e somente as duas da qual eles tm de sair.Certamente, a dicotomia sujei toobjeto apresenta umagrande vantagem: d sent ido claro ao valor de verdade de uma as-sertiva. Diz-se que uma assertiva faz referncia se, e somente se,houver um estado de coisas que lhe corresponda. Entretanto,como vimos nos trs l t imos captulos, essa vantagem decisivat ransformou-se nu m pesadelo quando a prt ica cientf ica come-o u a ser estudada em pormenor. A despei to dos milhares de l i -vros que os filsofos cia l i n g u ag em foram despejando no ab i smoent re l i ng u ag em e mundo, esse abismo n o parece te r sido atu-

    lhado. O mis t r io da referncia entre as duas e somenre as duas esferas da l i n g u ag em e do m u n d o c o n t i n u a t o impenet rvelquanto antes, exceto pelo fato de agora disporm os de uma versoincrivelmente sofist icada do que acontece num dos plos in -guagem, mente, crebro e at sociedade - e de uma vetso abso-l u t amente empobrecida do que acontece no ou t ro - ou seja, nada.Com as proposies, ningum precisa ser to avaro e a so-f ist icao pode ser dividida igualmente entre todos os que con-t r i b ue m para o ato de referncia. N o tendo de preencher u m aimensa e radical lacuna entre duas esferas, mas apenas transirarpor i nmeras lacunas menores entre ent idades at ivas l igeira-mente di ferentes , a referncia j no uma correspondncia nabase do tudo-ou -nada. Como vimos sacedade, a palavra refe-rnc ia* apl ica-se estabilidade de um movimento ao longo dei n m e r a s mediaes e implementos d i ferentes . Q uando d i zemosque Pasteur fala com veracidade sobre um estado cie coisas real,n o mais lh e pedimos qu e salte da s palavras para o m u n d o . D i-zemos algo como "o trnsi to na direo do centro da cidade estlento esta manh", qu e o u v i m o s no rdio antes de enf rentar oengar rafamento . "Refere-se a algo qu e est l " ind ica a seguran-a , a f lu idez , a rastreabi l dade e a estabi l idade de uma sriet ransversal de i n termedir ios a l i nhados , no uma correspondn-ci a impossvel entre dois domnios ve r t ica i s bastante distancia-dos um do outro. Naturalmente, isso no vai mu i to longe e te-rei de mostrar mais tarde como recapturar, a custo menor, a di -ferena normat i va ent re verdade e falsidade por meio da d i s t i n- o entre proposies bem-ar t icu ladas e desar t i cu l adas .Seja como for, a frase "O s fermentos_i^sjaiii_anxesde..P_as-t eu r faz-los" s ignif ica d^uas_coisasjn te]_ramente djyersas_, q u an -do _capturada entre os dois plos da d i cotomia sujei toobjeto equando i nser ida na s r i e de hum anos e nao-humanos articula-dos. Chegamos agora ao x da questo. aqu i qu e descobriremosse nosso teste de toro se sus tenta ou se esfacela.

    N a teoria da correspondncia da verdade, os f e rm en t o s es -to no mundo exterior ou no; no primeiro caso, sempre est ive-ram l e no segundo, nunca. No podem aparecer e desaparecercomo os sinais luminosos de um farol . As assert ivas de Pa steur,ao contrrio, correspondem ou no a um estado cie coisas, e p-

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    dem aparecer e desaparecer segundo os caprichos da histria, opeso das pressuposies ou as dif iculdades da tarefa. Se utiliza-mo s a dkotomia sujeitoobjeto, ento os dois - e a p _ e . n a s _ o s dojs -pro-tagonistas no podem partilhar igualmente a histria. A assertiva dePasteur talvez tenha uma histria ocorreu em 1858 e no an-tes , mas o mesmo no se pode dizer do fermento, pois elesempre esteve ou nunca esteve "l fora". Uma vez que apenasfuncionam como alvo f ixo da correspondncia, os objetos notm meios de aparecer e desaparecer, isto , de variar.E is a razo para o laivo de exasperao na pergunta desenso comum proposta no incio deste captulo. A tenso entreobjeto sem histria e assertivas com histria to grande que,quando eu digo "Os fermentos certamente no existiam antesde 1858", estou tentando realizar uma tarefa to impossvelquanto manter o HMS firitannia amarrado ao cais depois queseus motores foram ligados. No haver sentido na expresso"h i s t r i a da cincia" se, de alguma forma, no afrouxarmos atenso entre esses dois plos, de vez que s nos resta uma his-tria de cientistas enquanto o mu ndo l fora permanece inaces-svel outra histria mesmo que se possa dizer ainda que anatureza dotada de dinamismo, o que representa ourro tipototalmente diverso de historicidade.F e l i z m e n t e , graas noo de re f e rnc i a circulante, no hnada mais simples do que afrouxar a tenso entre aquilo quetern e aquilo que no tem histria. Se a corda que segura oHMS Britannia se romper, porque o cais permaneceu fixo.Mas de onde vir essa fixidez? Unicamente do acordo que anco-ra o objeto de referncia como uma das extremidades frente assertiva postada do outro lado do abismo. No entanto, a frase"Os fermentos existem" no qualifica umdo s p/os - o cais e sima srie toda de transformaes que co nstitu em a referncia.Como eu disse, a exatido de referncia indica a f l u i dez e a es-t a b i l i d a d e de uma srie transversal, no a ponte entre dois pon-tos estveis ou a corda entre um ponto f ixo e outro que se des-loca. De que modo a referncia circulante nos ajuda a definir ahis toric icTade das coisas? E muito simples: toda mudana na s^rie de transformaes que compe a referncia far uma diferen-a e as diferenas so tudo o que exigimos, de comeo, para pr

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    em movimento uma historicidade vivida -.to vivida quanto,afe rmentao do cido lctico!Embora isso soe um tanto abstrato, de muito mais bomsenso que o modelo que vem substituir. Um fermento de cidolctico, crescido numa cultura no laboratrio de Pasteur em Lille ,no ano de 1858, no a mesma coisa que um resduo de fermen-tao alcolica no laboratrio de Liebig em Munique, no ano de1852. Por que no a mesma coisa? Porque no feito dos mesmosartigos, dos mesmos membros, dos mesmos atores, dos mesmosimplementos, das mesmas proposies. As cluas sentenas no serepetem uma outra. Elas articulam algo d i fer en te . A prpriacoisa, porm, onde est? Aqui, na lista mais longa ou mais curtados elementos que a constituem. Pasteur no Liebig. Lille no Munique. O ano de 1852 no o ano de 1858. Aparecer nummeio de cultura no o mesmo que ser o resduo de um proces-so qumico etc. O motivo de essa resposta parecer engraada aprincpio que ns ainda imaginamos a coisa como algo que sesitua na extremidade, esperando l fora para servir de base refe-rncia. Todavia, se a referncia aquilo qu e circula pela srie in -teira, toda mudan a em qualquer elemento da srie provocar ou-tra na referncia. Ser coisa bem diversa estar em L i l l e e em Mu-nique, ser cultivado com lvedo ou sem lvedo, ser visto ao mi-croscpio ou atravs de culos, e por a alm.Se meu ato de afrouxar a tenso parecer uma distoromonstruosa do senso comum, ser porque queremos ter umasubstncia* alm de atributos. Essa uma exigncia perfeita-mente razovel, j que sempre partimos dos desempenhos* paraa atribuio de uma competncia*. No entanto, como vimos nocaptulo 4, a relao entre s ubstn cia e atribut os no possui a ge-nealog ia que a dicotomia sujeito-objeto nos forou a imaginar:primeiro u m a substncia exterior, fora da histria, e depois fe -nmenos observados por uma mente. O que Pasteur deixou cla-ro para ns - o que deixei claro no trnsitode Pasteur por entrem l t i p l a s ontologias que ns passamos lentamente de u m asrie de atributos para "uma substncia. fermento comeoucomo atributos e terminou como substncia., isto , uma coisa clara-mente delimitada, com nome, com renitncia^ p_ _gu e era maisque a soma de suas partes. A palavra "substncia"'no designa

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    aqui lo "que est por baixo", inacessvel histria, mas aquilol _ ., t ..._- ... - -- .. -^- - jqu e arregimenta urna ^multipl icidade de agentes nu m todo est-v el e coerente. A substncia lembra mais um fio que mantmjun tas as prolas de um colar do que o alicerce sempre igual, noimporta o que seja edif icado sobre ele. Assim como a refernciaexata qual i f ica um t ipo de circulao suave e fcil, a substncia o nome que designa a estabilidade de um conjunto .Tal estabilidade, no entanto, no precisa ser permanente. E amelhor prova disso foi dada quando, nos anos 1880, a enzimolo-g a prevaleceu, para grande surpresa de Pasteur. Os fermcntos,comoorganismos-vivos-contra-a-teoria-qumica-de-Liebig, torna-ram-se outra vez agentes qumicos que podiam ser fabricados atmesmo por sntese. D iferen temen te articulados, eles se fizeram di -ferentes, embora continuassem m antidos juntos por uma substn-cia, um a nova substncia: pertenciam agora ao edifcio slido daenzimologia, depois de terem pertencido durante vrias dcadas,sob outra forma, ao slido edifcio da bioqumica emergente.Como veremos, o melhor termo para designar u m a subs-tncia insti tu iro11 * . N o faria sentido empreg-lo antes, poisele provm ob via men te do vocabulrio da ordem social e no po-deria significar nada mais que a imposio arbitrria de uma for-ma mat r ia . Contudo, no novo acordo qu e estou esboando, jno somos pris ioneiros da origem viciosa de sem elhantes concei-tos. Se a hist ria pode ser conferida a fermentos, pode ser confe-. . . _ / . " - ~ ~r ida tambm a insti tu ies/Dizer que Pasteur aprendeu, por in-termdio de uma srie de gestos de rotina , a produz ir vontadefermentao lctica v i v a m u i to diferente da s outras fermenta-es cerveja e lcool no pode ser considerado um enfraque-cime nto da pretenso do ferme nto realidade. Signif ica, ao con-trrio, que estamos falando agora a respeito do fermento comode fatos concretos* JQ estado de coisas, que a filosofia da lingua-gem tentou inu ti lm ente alcanar por sobre a estreita ponte dacorrespondncia, est em toda parte, slido e duradouro na pr-pria estabil idade das insti tu ies. Aqui, alis , chegamos bemmais perto do senso comum: diz er que os fermentos comearama ser firmemente in sti tuci onaliz ados em L l e no ano de 1858no pode, decerto, funcionar seno como trusmo. E dizer quee / e s o conju nto todo eram diferentes no laboratrio de Liebig

    em Munique, u m a dcada antes, e que tais tipos de diferenaconstituem o que entendemos po r histria n o deve, obviamen-te, ser usado como munio para as guerras de cincia.Portanto, f izemos alguns progressos. A resposta negativa pergunta qu e abriu o captulo parece agora mais razovel. As as-sociaes de entidades possuem u m a histria quando pelo m e-no s um dos artigos que a constituem se altera. Infelizmente,nada resolvemos enquanto n o qual i f icamos de maneira corretao tipo de histariddae que no momento distr ibumos, com extre-m a equanimidade, entre todas as associaes qu e cons t i tuemuma substncia. A histria, por si s, no assegura que algumacoisa interessante acontea. Superar a linha divisria modernis-ta no o mesmo qu e garantir a ocorrncia de eventos*. Se atri-bumos um signifi cado racional pergunta "Os fermentos exis-tiam antes de Pasteur?", ainda no nos l ivramos da categoriamodernista. Seu mpeto no apenas ma ntid o pela polmica l i-nha divis ria entre sujei to e objeto como reforado tambm pelanoo de causalidade. Se a histria no tem outro s ig nificado ano ser concretizar um a potencialidade* sto , efetivar o quej existia na causa , ento, independentemente da sarabanda deassociaes qu e ocorrerem, nada, ou pelo menos nenhuma coisanova, acontecet jamais, porquanto o efeito j estava oculto nacausa como potencial. Os estudos cientficos no s deveriamabster-se de u t i l i zar a sociedade j>ara explicar a natureza, e vice-versa, como abster-se.de utilizar a causalidade para explicar sejal o que for. A causalidade vejn d e p o i s do s eventos^ no antes,, con-forme tentarei deixar claro na ltima seo deste captulo./ No esquema sujeito-objeto, a ambi valn cia, a ambig ida-de, a incerteza e a plasticidade inquietavam apenas os h u m ano sque abriam caminho rumo a fenmenos em si mesmos garanti-dos. Mas a ambivalncia, a ambig ida de, a incerteza e a plasti-cidade acompanham igualmente criaturas s quais o laboratriooferece a possibil idade de existncia, uma oportunidade histri-ca. Se Pasteur hesita, temos de dizer que a fermentao tambmhesita. O s objetos n o hesitam ne m t remem. As proposies,s i m . - A fermentao experimentou outras vidas antes de 1858,em outros lugares, mas sua nova concrescncia*, para empregarmais u m termo de Whitehead, uma vida nica, datada e loca-

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    l izada, oferecida por Pasteur el e prpr io t r ansformado por suasegunda descoberta e por seu laboratr io. E m par te a lgum a douniverso que no obv iamente na tureza* encon t ramos um acausa, um mov imento compuls r io que nos permi ta recap i tu l arum evento a fim de explicar sua emergncia. A no ser assim,n i n gum se veria diante de um evento*, de uma diferena, m asapenas da singela ativao de um potencial j existente. O tem -po de nada servir ia e a histr ia ser ia v. A descoberta-inveno-construo do ferme nto lctico exige que cada um dos artigos desu a associao receba o slaus de mediao*, isto , de ocorrnciaque no seja nem uma causa completa nem uma completa con-seqncia, nem i n te i r amente um meio nem i n te i r amente umf im . Como sempre ocorre em filosofia, n s e l iminamos a lgumasdif iculdades art if iciais apenas para deparar co m out ras mais en -ganosas. M as estas, pelo menos, so mais frescas e realistas epodem ser tratadas empir icamente.

    Um invlucro espcio-temporal para asproposiesSe eu quiser trazer a pergunta "Onde estavam os fermentos an -tes de Pasteur?" para a esfera do senso comu m, terei de mostrar qu eo vocabulr io por mim esboado explica melhor a histria da s coi-sas quando estas so encaradas exatamente como quaisquer outroseventos histricos, no como u m leito estvel sobre o qual a hist-ria social se desenrola e que s pode ser justificado pelo apelo a cau-sas j presentes. Para tanto, recorrerei ao s debates entre Lu s Pasteure Flix Archimde Pouchet sobre a existncia da"gerao espont-'nea. Esses debatesao toconhecidos que vm a calhar para meu pe-queno exp erimento em h istoriog rafia comp arada (Farley, 1972,1974; Geison, 1995; Moreau, 1992; sobre Pouchet, ver Cantor,1990- O teste bastante simples: o aparecimento e o desapareci-mento da gerao espontnea so aclarados com mais nit idez pelo

    modelo du alista ou pelo modelo das proposies articuladas? Q ualdessas duas abordagens funciona melhor em nosso teste de toro?Pr ime i ro, porm, vejamos alguns pormenores desse caso,que se arrastou por quatro anos depois do que estudamos no ca-ptulo 4. A gerao espontnea representava um fenmeno dos

    mais importantes numa Europa sem refr igeradores e outros re-cursos para preservar alimentos, fenmeno que qua lquer umpode reproduzir faci lm ente em sua cozinha e que se tornou ind is-cutvel depois da disseminao do microscpio. Ao contrr io, anegao de sua existncia por Pasteur exist ia unicamente nos es-trei tos confin s de seu laboratr io da rua de Ulm, em Paris, e ape-na s enquanto ele pudesse impedir , no experimento do "pescoode cisne [tubo em S]", a entrada em seus frascos de cul tura da-q u i l o que chamava de "germes transportados pelo ar". QuandoPouche t tentou reproduzir esses experimentos em Ruo, o novomater ial de c u l t u r a e as novas habil idades inventadas por Pasteurrevelaram-se frgeis demais para viajar de Paris Normandia, desorte qu e Pouchet detectou a ocorrncia de gerao espontneaem seus frascos fervidos to faci lmente quanto antes.A di f i cu ld ade encon t rada por P ouche t em reproduz i r osexperimentos de Pasteur foi vista como prova contra as preten-ses deste lt imo e, portanto, como prova da existncia do co-nhecid ss imo fenmeno u n ive r sal da gerao espontnea. O xi -to de Pasteur em retirar o fenmeno comum de Pouche t do es-pao-tempo requeria uma extenso gradual e meticulosa da pr-t ica laboratorial a cada terreno e a cada reivindicao de seu ad-versrio. "Finalm ente", a total idade da bacter iologia emergente,da agro ind str ia e da medicina, fiada nesse novo conjun to deprticas, erradicou a gerao espontnea, transformando-a emalgo que, posto houvesse sido uma ocorrncia comum durantesculos, representava agora a crena num fenmeno que "nunca"exist i ra "em lugar nenhum" do mundo. Essa erradicao, no en-tanto, pressu pun ha a redao de man uai s, o al inhav o de narrati -va s histr icas, a fundao de i nm eras ins ti tu i es , da s un iver -sidades ao Mu seu Pasteur, e mesmo uma extenso de cada umdo s c inco c i r cu i tos do sistema circulatr io da c i nc ia (di scut idono captulo 3). Muito trabalho t inha de ser fei to para manter apretenso de Pouchet como crena* num fenmeno inexi s ten te.E de fato mu ito trabalho precisou se r feito. Ainda hoje, se ole i tor reproduz ir o experimento de P asteur de man eira defei tuosapo r n o passar, como eu, de um experimentador medocre, no as-sociando suas habi l idades e cultura m ater ial discipl ina r igorosada assepsia e da cul tura de germes aprendida nos laboratrios de

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    microbiologia, o mesmo fenmeno que amparou as pretenses dePouchet reaparecer. Os adeptos de Pasteur chamaro a isso, ob-viamente, "contaminao" e se eu escrever um art igo corrobo-rando a posio de Pouchet e revivendo su a tradio com base emmin has prprias observaes, ning um o publ icar. Entretanto, seo corpo coletivo de precaues, a padronizao e a di sc ip l i naaprendidas nos laboratrios pasteurianos tivessem de ser interrom-pidos, n o apenas po r m i m , o mau experimentador, mas por todaum a gerao de tcnicos habilidosos, ento a deciso sobre quemperdeu e quem ganhou tornar-se-ia novamente incerta. Uma so-ciedade que j no soubesse cul t ivar micrb ios e controlar conta-minaes se veria em apuros para d i r i m i r a causa dos dois adver-srios de 1864. No h na hi s tr i a nenhum ponto em que uma es-pcie de fora inercal possa assum ir o trabalho duro dos cient is-tas e t ransmit i - lo eternidade. Essa outra extenso, agora para ahistria, da referncia circulante qu e comeamos a acompanhar nocaptulo 2. Para os cientistas, no h Dia de Descanso!O que me interessa aqui no a acuidade desse relato e sima homologia ent re a narrat iva da disseminao da s habi l idades m i -crobolgicas e aquela qu e teria descri to, digamos, a ascenso do

    Part ido Radical , na obscuridade so b Napoleo II I, para a proemi -nnci a durante a Terceira Repbl ica, ou a aplicao de motoresdiesel ao s submarinos . A queda de Napoleo III no signif ica qu eo Segundo Imprio jamais exist iu, nem o aparecimento dos m o-tores diesel significa qu e eles i ro durar para sempre. Assim tam -b m , a lenta expulso da gerao espontnea de Pouchet por Pas-teu r n o significa que ela nunca fo i parte da natureza. Mesmo emnossos dias ainda podemos enco ntrar algu ns bonapartstas, embo-ra sua chance de alcanar a presidncia seja nula; da mesma forma,topo s vezes com adeptos da gerao espontnea qu e defendem apostura de Pouchet associando-a, por exemplo, prebit ica, que o estudo das eras prst inas da v i d a , e querem reescrever a histriasem jamais conseguir publicar seus ensaios "revisionistas".Tanto os bonapartistas quanto os defensores da gerao es-pontnea foram levados parede, mas sua simples presena cons-t i t u i u m indicador interessante de que o "f inalmente" graas aoqual os f i lsofos da cincia puderam, no primeiro modelo, l ivrarpara sempre o m u n d o da s ent idades que se haviam revelado erro-

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    neas excessivamente brutal . E no apenas brutal : ele ignoratambm a quant idade de t rabalho que ainda precisa ser fe ita , to-dos os dias, para at iv ar a verso "defin it iva" da histria. Afinal decontas, o Part ido Radical desapareceu, como desapareceu a Ter-ceira Repbl i ca em j u n h o de 1940, po r falta de invest imentossuf icientes na cul tura democrt ica que, como a microbiologia, ti-nh a de ser ensin ada, prat icada, preservada, entran hada. Sempre perigoso imaginar que, em a l g u m m o m en t o da histria, a inrciabasta para preservar a real idade de fenmenos que s com m u i t ad if icu ldade foram produzidos. Quando um fenmeno exisre "emdefinitivo", isso n o quer di zer qu e exist i r eternamente ou inde-pendentemente de toda prt ica e discipl ina, mas que foi inseridonu m a i n s t i tu i o de massa mu i to dispendiosa, que tem de sermoni torada e protegida com o mximo cuidado.Ass im, na metafsica da histria qu e desejo pr no lugar datradicion al, deveramos ser capazes de falar serenamente sobre exis-tncia relat iva*. Talvez esse no seja o tipo de existncia que osguerreiros da cincia desejam para objeto da natureza*, mas otipo de existncia que os estudos cientficos gostariam que as pro-posies usufrussem. Existncia relativa s ignif ica qu e acompanha-mo s as entidades sem as comprim ir, enquadrar, espremer e seccio-nar com as quatro expresses adverbiais ''nunc^^errTpFfelilgu-ma", "sempre" e "em toda parte". Se utilizarmos tais expresses, agerao espontnea de Pouchet jamais ter existido em lugar ne-nhum do mundo; ter sido mera i luso o rempo todo; no se lheconcede ter feito parte da populao de ent idades qu e const i tuemo espao e o tempo. Os fermentos de Pasteur transportados pelo ar,no entanto, est iveram sempre ali e em oda parte, sendo membros bonafide da populao de entidades que constituem o espao e o tempo.Certamente, nesse t ipo de esquema, os historiadores po-de m contar-nos algumas coisas divert idas sobre os motivos quei n d uz i a m Pouchet e seus adeptos a acredi tar erroneamente naexistncia da gerao espontnea e sobre os mot ivos pelos quai sPas teur perambu lou durante anos antes de encontrar a respostacerta; mas o rastreamento desses z iguezagues no nos daria ne-n h u m a informao essencial a respeito da s ent idades em apreo.E m b o ra fornea informao sobre a sub jer i v idade e o s passos do sagenres humanos, a histria, nesse tipo de interpretao, no se

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    apl ica a no-humanos. Ao solici tar que uma en t idade exi s ta -ou , mais exatamente, qu e tenha exist ido em par te a lguma enunca , ou sempre e em toda parte, o ve lho acordo l imi ta a his-tor i c idade aos sujei tos e despoja de la os no-humanos. Porm,exist indo de a lguma forma, possu indo um pouco de real idade,ocupando espao e tempo definidos, e contando com antecesso-res e sucessores, esses so os meios t picos de de l imi ta r aqui loqu e chamare i de invlucro* espcto-temporal da s proposies.Mas por que parece to di f c i l d i v i d i r a h i s t r i a i g ua l -mente en t re todos os atotes e traar volta deles o i nv luc rode exi s tnc ia r e la t iva sem adic ionar ou sub t ra i r a lgu ma coi sa?Porque a h i s t r i a da c i nc ia , como a h i s t r i a propr iamentedi ta , e s t en redada num problema mora l que precisamos ata-ca r pr ime i ro - antes de nos havermos, nos cap tu los 7 e 8, como problema pol t ico que est em jogo e a inda mais grave . Sepurgarmos nossos relatos das quatro expresses adverbiais ab-solutas, os histor iadores, moralistas e epistemologistas recea-ro que f iquemos para sempre incapac i tados de qua l i f i ca r averdade ou a fa l s idade da s assertivas.Q ue fazem o Fafner do nunca-em-parre-alguma e o Fasoltdo sempre-em-toda-parte -ou, mais precisamente, que rosnamameaadoramente esses dois gigantes encarregados de proteger otesouro na saga dos Nibelungos? Que os estudos cient f icos per-f i lharam um relativismo singelo ao clamar que todos os argu-mentos so histr icos, conting entes, local izados e temporais, n opodendo por isso ser diferenciados. Nenhum deles capaz, mes-mo se lhe for concedido muito tempo, de levar os outros no-existncia. Sem sua ajuda, gabam-se os gigantes, somente umm ar indiferenciado de reivindicaes igualmente vl idas surgir,engolfando ao mesmo tempo democracia, senso comum, decn-cia, moralidade e natu reza. A n ica maneira de escapar ao relati -vismo , segundo eles, redrar da his tria e da localizao todo fatoque se revelou correto e armazen-lo na segurana de uma nature -za* no- histr ica, onde sem pre esteve e j no pode ser alcana-do por nenhuma espcie de reviso. A demarcao* entre o quetem e o que n o tem hi stri a representa, para eles, a chave da vir-tude. Por isso, a histor icidade assegurada apenas aos hum anos,partidos radicais e imperadores, enquanto a natureza vai sendo

    per iod icamente escoim adade todos os fenmenos no-existentes.Segundo essa viso demarcacionista, a his t r i a no passa de ummeio provisr io, para os humanos, de re r acesso natureza no-histrica: trata-se de um intermedir io conveniente, de um malnecessrio que, entretanto, no dever ser, na opinio dos doisguardas do tesouro, um modo sustentado de existncia para os atos.Essas reivindica es, embora fei tas com mu ita freq ncia,s o ao mesmo tempo inexatas e perigosas. Per igosas porque,como eu disse, esquecem-se de pagar o preo da manuteno da sins t i t u i es necessrias para que os faros con t inuem a exi s t i r econf i am, antes, na i nrc ia gra tu i ta da a-historcdade. Mas, oque mais importante, elas so t a mbm inexatas. No h nadamais fcil qu e diferenciar, em p ormenor , as pretenses de Pas-t e u r e Pouchet. Essa diferenciao , contrr ia s reivindicaesde nossos rebarbativos guardas, ainda mais ef ic ien t e quandor enu nc i am o s ao jactancioso e vazio pr ivi lgio que eles queremque os no-humanos tenham sobre os acontecimentos humanos.Para os estudos c ien t f i cos , a demarcao inimiga da diferencia-o* . Os dois gigan tes compor tam-se como os aristocratas fran-ceses do sculo XVII I, para quem a sociedade civi l desm orona-ria caso no mais fosse suportada por seus nobres espinhaos epassasse responsabi l idade dos ombros h u m i l d e s do s plebeus.Como se sabe, a sociedade c iv i l mais bem conduz ida pelosombros numerosos dos cidados do que pelos contorcionismos Atlas daqueles pi lares da ordem cosmolgca e social. Pareceque a m esma demon strao pode ser levada a cabo para diferen-ciar os inv luc ros espado-temporais exibidos pelos esrudoscientf icos quando redi s t r ibuem a a t iv idade e a his tor ic idadeenrre todas as en t idades envolv idas . Os histor iadores comunsparecem fazer um t raba lho muito melhor do que os epi s temo-log i s tas eminen tes ao preservar as diferenas locais cruc ia is .Faamos, por exemplo, o mapa dos destinos das pretensesde Pouche t e Pasteur, a fim de mostra r quo n i t i dam ente podemeles ser discernido s desde que n o estejam demarcados. Emb oraa tecnologia, como tal , n o entre aqui em questo entrar nop r x i m o captulo , pode se r r i l fornecer u m modelo r u d i m e n -tar das proposies e articulaes que se valem das ferramentasdesenvolvidas para o acompanhamento de projetos* tecnolgi-

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    cos. J que no existe nenhuma dificuldade metafsica impor-tante em conceder aos motores desel e aos sistemas de metruma existncia apenas relativa, a histria da tecnologia bemmais "solta" do que a da cincia, at onde a existncia relativa es-te ja em jogo. Os historiadores dos sistemas tcnicos sabem quepodem ter seu bolo (realidade) e com-lo (histria).Na figura 5.1, a existncia no uma propriedade do tipotudo-ou-nada, mas urna propriedade relativa concebida como aexplorao de um espao bidimensional fe ito de associao e subs-tituio, E e OU. Uma entidade ganha em realidade quando associada a muitas outras, vistas como suas colaborado rs. Perdeem realidade quando, ao contrrio, tem de dispersar associadose colaboradores (humanos e no-humanos). Assim, essa figurano inclui uma etapa final onde os historiadores sejam supera-dos, com a entidade entregue eternidade p or inrcia, a-historicida-de e naturalidade - embora fenmenos bastante conhecidos comoregistro, socializao, institucionalizao, padronizao e treina-mento pudessem explicar os meios inconsteis e corriqueirosgraas aos quais eles seriam preservados e perpetuados. Como jvimos, estados de coisas tornam-se fatos e, em seguida, possibi-l idades. Na base da figura 5-1, a realidade dos germes transpor-tados pelo ar, de Pasteur, obtida por meio de um nmero ain-da maior de elementos ao s quais est associada mquinas, ges-tos, manuais, instituies, taxonomias, teorias etc. Os mesmostermos podem ser aplicados s pretenses de Pouchet que, naverso n + 2, tempo t + 2, so mais frgeis porque perderamquase toda a sua realidade. A diferena, to importante para nos-sos dois gigantes, entre a realidade ampliada de Pasteur e a rea-lidade contrada de Pouchet pode ser agora adequadamente vi-sua l izada . Essa diferena to grande quanto a relao entre osegmento curto esquerda e o segmento longo direita. No uma demarcao absoluta entre o que nunca e o que sempre exis-

    tiu, pois ambos so relativamente reais e relativamente existen-tes, isto , subsistentes. Jamais dizemos "existe" ou "no existe"e sim "esta a histria coletiva implcita na expresso geraoespontnea ou germes transportados pelo ar".

    verso n,tempo t

    verson+1,tempo t+1

    verson+2,tempo t+2Figura 5.1 A existncia relativa pode ser mapeada de acordo com duasdimenses: assocacao_(E)? isto , quantos elementos se juntam emdado momento, fsaEstituicg OU);istci", quantos Tmencs de umaassociao precisam ser modificados para permit ir qu e outros elemen-tos ingressem no projeto. O.resultado uma curva na qual toda modi-ficao nas associaes "paga" por urn movim ento na outra dimenso.A gerao espontnea de Pouchet torna-se cada ve z menos real e o m-todo de cu l tu ra de Pasteur torna-se cada vez mais real aps sofrer in-meras transformaes.

    Exposio ASuponhamos que uma entidade seja de f in ida por um perfi l

    associativo de outras entidades chamadas atores. Suponhamostambm que esses atores sejam tirados de uma lista que os dis-pe, por exemplo, em ordem alfabtica. Em seguida, que cadaassociao, chamada programa, tenha a neutraliz- la os ant ipro-gramas*, que desmantelam ou ignoram a associao em apreo.

    85* */ *

    MiitBUiiilit"'"""''

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    (I)ABC(2) ABCDE(3) EFG(4) FG H(5) CHI)(6) GHIJK(7) GHIJl KL(8) i....lKLMNOPQ

    OUFigura A.Finalmente, digamos qu e cada elemento, a fi m de passar do ant i -programa para o programa, exija algun s elementos para abando-na r o programa e outros, com os quai s j esteve durado uram enteassociado, para acompanh-lo (Latour, M aug uin et ai., 1992).Temos agora de def in i r duas dimenses que se cruzam: aassociao* (semelhante ao s in tagma* l ing s t i co) e a subst i tu i -o (ou paradigma* para os l ing istas). A fim de s implif icar, po -demos considerar isso a dimenso.E, que ser nosso eixo hori-zontal , e a dimenso OU, qu e ser nosso eixo vertical . Q ualqu erinovao ser traada tanto por sua posio no s eixos E-OUquan to po r comparao com o registro das posies E e OU q u esucessivamente a definiram. Se substi tuirmos, por conveno,todos os diferentes atores por diferen tes letras, poderemos traaro caminho tomado por uma enr idade , de acordo com umapro-gresso sem elhante da f i gu ra A.l.A dimenso vertical corresponde explorao de substitui-es, enquanto a horizontal corresponde ao nmero de atores quese ligaram inovao (convencionalmente, lemos esses diagramasde cima para baixo).Toda narrativa histr ica pode, pois, ser codificada assim: doponto de vista de X, entre a verso (1),em tempo (1) e a verso(2), em tempo (2),o programa ABC se t ransforma e m AB C D E . )Quanto dinmica da narrativa, pode se r codif icada assim:A fim de t razer F para o programa, ABCD precisa sair e Gprecisa entrar , o que propicia a verso (3) em t empo (3): EFG.

    Depois de muitas dessas verses, considera-se que osele-mentos unid os "existem": podem se r registrados juntos e receberuma identidade, ou seja, u m a etiqueta, como o caso do sintag-ma [GHIJ] depois da verso (7), chamado instituio*. Os ele-mentos qu e foram dissociados aps as mlriplas verses perde-ram a existncia.Para def in i r uma entidade no se busca uma essncia nemum a correspondncia com um estado de coisas, mas a lista detodos os s in tagmas ou associaes do elemento. Essa definiono-essencial ista permitir u m amplo leque de variaes, assimcomo um a pa lavra definida pela l ista de seus empregos: "ar",q ua n do associada a "Ruo" e "gerao espontnea", diferentedo que quando associada a "rua de Ulm", "exper imento do 'pes-coo de ci sne '" e "germes"; s ign i f icar "transporte de fora vital"nu m caso e "transporte de ox i g n i o e transporte de germes pelapoeira" em ou t r o . M as t a mbm o imperador ser diferentequando associado po r Pouche t a "apoio ideolgico da geraoespontnea para preservar o poder cr iat ivo de Deus" e por Pas-teur a "ajuda financeira dos laboratr ios sem envolvimento dostemas da c inc ia" . Qual a essncia do ar? Todas essas associa-es. Q uem o imperador? Todas essas associaes.Para fazer um juz o sobre a existncia ou no-existncia re-lat iva de uma associao, por exemplo "o atual imperador daFrana careca", comparam os essa verso com ourras e "calcula-mos" a estabi l idade da associao em outros sintagmas: "Napo-leo III, imperador da Frana, tem bigode", "o presidente daFrana careca", "os cabeleireiros no tm uma panacia para acalvcie", "os fi lsofos l ingistas gostam de empregar a frase 'oatual rei de Frana careca"1. A extenso das associaes e a es-tabi l idade das conexes ao longo de diversas substi tuies e mu-danas de ponto de vista explicam suficientemente o que en ten -demos por existncia e real idade. prim eira vista, essa abertura da real idade a qualqu er en-tidade parece desafiar o bom senso, porquanro as M on t a n ha s deOu ro, o flogst ico, os unicrnos, os reis calvos de Frana, as qui-meras, a gerao espontnea, os buracos negros, os gatos no ta-pete e outros cisnes negros ou corvos brancos ocuparo o mesmoespao-tempo qu e Hamlet, Popeye e Ramss II . Essa equan im i -

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    dade parece sem dv ida excessivamente democrtica para evitaros perigos do relativismo; tal crtica, no entanto, esquece quenossa definio de existncia e realidade extrada, no de umacorrespondncia direta entre u m a assertiva isolada e um estadode coisas, mas de um a assina tura nic a elaborada por associaese substituies atravs do espao conceitu ai.Como os estudos cientficos tantas vezes demonstraram, ahistria coletiva que nos permite avaliar a existncia relativa deu m fenmeno; no h um tribunal superior acima do coletivo ealm do alcance da histr ia, embora no raro a filosofia se pres-tasse a inventar semelhante tribunal (ver captulo 7). Esse dia-grama sucinto das narrativas pretende unic amen te chamar nos-sa ateno para uma al ternat iva que no renuncia ao s objet ivosmorais da diferenciao: cada existncia relativa possui apenasum invlucro tpico.

    A segunda dimenso aquela que captura a histor icidade.A histria da cincia n o d o c u m e n ta a viagem, ao longo do tem-po, de uma substncia preexistente. T al movimento implicariaaceitar muito do que os gigantes exigem. O s estudos cientficosdocumentam as modificaes dos ingredientes que compemuma articulao de entidades. A gerao espontnea de Pouch et,por exemplo, no comeo constituda de vrios elementos: ex-perincia de senso comum, an t darwin i smo, repub l icanismo,teologia protestante, hist ria natural, habil id ade em observar odesenvolvimento do ovo, um a teoria geolgica das criaes ml-tiplas, o equipamento do museu de h istria natural de Ruo etc.Ao enfrentar a oposio de Pasteur, Pouchet altera muitos des-ses elementos. Cada alterao, substitu i o ou translao s igni-fica um movimento para c ima ou para baixo da dimenso verti-cal da figura 5.1. Para associar elementos num todo durv el e as-si m ganhar existncia, el e precisa modificar a l is ta qu e cons t i tu iseu fenmeno. Entretanto, os novos elementos no iro necessa-r i amente adaptar-se ao s antigos, caso em que haveria um movi -mento descendente na f igu ra - por causa da substitu io e po-deria registrar-se um desvio para a esquerda devido falta de as-sociaes entre os elementos recm-"recrutados".

    Por exemplo, Pouchet tem de aprender boa parte da prticalaboratorial de seu adversrio a fim de atender s exigncias da co-misso nomeada pela Academia de Cincia para dirimir a dispu-ta. Se no o conseguir, perder o apoio da Academia em Paris eter de confiar mais e mais nos cientistas republicanos da provn-cia. Suas associaes p odem ser ampliadas haja vista que ele gozade certo prestgio junto imprensa popular antbonapartis ta ,mas no mais contar com o esperado apoio da Academia. Aocompromisso entre associaes e substituies chamo de explora-o ao coletivo. Toda entidade uma explorao desse tipo um asrie de eventos, u m experimento, u m a proposio do que tem ave r com o qu, de quem tem a ver com quem, de quem tem a vercom o qu, do que tem a ver com quem . Se Pouchet aceitar os ex-perimentos de seu adversrio, m as perder a Academia e conquis-tar a imprensa popular de oposio, sua entidade a gerao es-pontnea-ser uma entidade d i f e r e n t e . Ela no uma substnciaqu e atravessa, imutve l, o sculo XIX; uma srie de associaes,um sintagma constitudo por compromissos variveis, um para-digma* - no sentido l ing stico, no kuhn ano do termo queexplora aqu ilo que o coletivo oitocen tista pode suporrar.

    Para desalento de Pouchet, parecia no haver meio de elemanter , trabalhando em Ruo, todos os seus atores unidosn u m a nica rede coerente: protestantsmo, republicanismo, aAcademia , frascos de fervura, ovos aparecendo de novo, seu ra-len to como historiador n atural , sua teoria da criao catastrfi-ca. Mais exata men te, se ele quiser preservar o conjun to ter demuda r de pblico e conceder sua associao um tempo-espa-o completamente diferente. Comear ento um a batalha ferozcontra a c inc ia oficial, o catolicismo, a in to lernc ia e a hege-m o n i a da qum ica sobre a histri a natural. No nos esqueamosde que Pouchet n o est fazendo cincia perifrica, mas senoempurrado para a periferia. Na poca, Pouchet qu em parece ca-paz de controlar o que cientfico insistindo em que os "gran-de s problemas" da gerao espontnea deveriam se r abordadossomente pela geologia e a histria do mun do, n o pelos frascosde Pasteur ou por preocupaes de somenos.Pasteur tambm explora o coletivo do sculo XIX , mas asua uma associao de elementos que, no comeo, diferem am -

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    piamente dos de Pouchet. Ele mal comea a combater a teoriaqu mica da fermentao, de Liebg , como vimos no captulo 4 .Esse novo sintagrna* inclui inmeros elementos: um a modifica-o do vitalismo contra a qumica, um reemprego de habilida-de s cristalogrficas como semeadura e cu l t ivo de entidades, um aposio, em Lille, com mu itas conexes com a agric ultu ra basea-das na fermentao, um laboratrio novo em folha, alguns expe-rimentos para extrair vida de material in erte, uma viagem tor-tuosa para chegar a Paris e Academia etc. Se os fermentos qu ePasteur est aprendendo a cultivar em diferentes meios, cadaqual com sua especificidade - um para a fermentao alcolica,outro para a fermentao lctica, outro ainda para a fermentaobutr ica -, puderem tambm aparecer espontaneamente, comoalega Pouchet, isso constituir ento o fi m da associao das en-tidades que Pasteur j reuniu. Lebig estar certo ao dizer qu ePasteur retrograda ao vitalismo; culturas nu m meio puro se re-velaro impossveis devido contaminao incontrolvel; e aprpria contaminao ter de ser reformatada para tornar-se agnese das novas formas de vida observveis ao microscpio; aagricultura no mais se interessar pela prtica laboratorial, tofortui ta quanto a dela mesma, e assim por diante.Nessa breve descrio, no trato Pasteur diferentemente dePouchet, como se o primeiro estivesse lutando com fenmenosreais no-contaminados e o segundo, com mitos e fantasias. Am -bo s fizeram o melhor que puderam para manter unidos tantoselementos quantos conseguissem e assim obter realidade. Entre-tanto, no eram os mesmos elementos. Os microrganismos ant-Liebg e an ti-Pouchet autorizaro Pasteur a sustentar a causa dafermentao viva e a especificidade dos fermentos, permitindo-lh e control-los e cultiv-los dentro do s limites altamente disci-plinados e artificiais do laboratrio, e colocando-o prontamenteem contato com a Academia de Cincia e a agroindstria. Tam-b m Pasteur explora, negocia, tenta descobrir o que tem a vercom o qu, quem tem a ver com q u e m , o que tem a ver comquem e quem tem a ver com o qu. No h outra maneira de ob-ter realidade. Mas as associaes que ele escolhe e assubstituiesque ele investiga geram um conju nto socionatural diferente, co mcada um de seus movimentos modifican do a definio das enti-

    dades associadas: o ar e o imperador, o uso do equipamento de la-boratrio e a interpretao de conservas (isto , alimentos conser-vados), a taxonomia do s micrbios e os projetos agroindustriais.A instituio da substncia

    Mostrei que podemos esboar os movimentos de Pasteur ePouchet de forma simtrica, recuperando tantas diferenas entreeles quantas quisermos sem ut i l i zar a demarcao entre fato efico. Tambm ofereci um mapa rudimentar a fim de substituirjuzos sobre existncia ou no-existncia pela comparao dosinvlucros espcio-temporais obtidos do registro de associaese substituies, sintagmas e paradigmas. Que ganhamos nscom semelhante m ovim ento? Por que deveramos preferir a ex-plicao dos estudos cientficos sobre a existncia relativa de to-das as entidades noo de uma substncia eterna? Por que oacrscimo do estranho pressuposto da historicidade das coisas historicidade das pessoas iria simpli f icar as narrativas de ambas?A primeira vantagem que no precisamos considerarcertas entidades por exemplo, fermentos, germes ou ovosaflorando existncia como coisas radicalm ente diferentes deu m contexto de colegas, imperadores, dinheiro, instrumentos,habil idades manuais etc. A dvida acerca da distino entrecontexto e contedo, qu e discu t imos no f inal do captulo 3 ,tem agora a metafs ica de sua ambio. Todo conjunto quecompe uma verso na figura A. l uma lista de associaes he-terogneas qu e inclui elementos humanos e no-humanos .Existem inmeras dificuldades filosficas nessa maneira de ra-ciocinar, mas, como vimos no caso de Joot, ela apresenta agrande vantagem de no exigir de ns a estabil izao nem dal ista que constitu i a natureza nem da l is ta que constitu i a so-ciedade. Trata-se de uma vantagem decis iva, qu e compensa osdefeitos possveis, pois, como veremos mais tarde, natureza* esociedade* so os artefatos de um mecan ismo poltico inteira-mente diverso, que nada tem a ver com a descrio exata da pr-t ica cientfica. Q uanto menos familiares forem, para a dcoto-m ia su jei to-objeto, os termos que empregarmos para descreverassociaes huma nas e no-hum anas, melhor.

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    Assim como no so obrigados a imaginar uma naturezanica sobre a qual Pasteur e Pouchet teceriam diferentes "inter-pretaes", os historiadores tambm no precisam imaginar umsculo XIX nico, que imprimiriasua marca nos atores histri-cos. O que est em jogo em cada um dos dois conjuntos o queDeus, o imperador, a matria, os ovos, os recipientes, os colegasetc. podem fazer. Todo elemento tem de ser de f in ido por suas as-sociaes e constitui um evento criado por ocasio de cada umadessas associaes. Isso verdadeiro para o fermento do cido lc-tico, tanto quanto para a cidade de Ruo, o imperador, o labora-trio da rua de Ulm, Deus e a posio, a psicologia e as pressu-posies de Pasteur e Pouchet. Os fermentos transportados peloar so profundamente modi f i cados pelo laboratrio da rua deUlm, mas o mesmo ocorre a Pasteur, que se torna o vencedor dePouchet, e ao ar, que fica agora diferen ciado, graas ao clebre ex-perimento do "pescoo de cisne", em meio que transporta oxig-nio e meio que carrega poeira e germes.A segunda vantagem, conforme indiquei, que no preci-samos tratar os dois invlucros de maneira assimtrica, conside-rando que Pouchet tateia no escuro cata de entidades no-exis-tentes, ao passo que Pasteur se aproxima aos poucos de uma en-tidade que brinca de esconde-esconde enquan to os historiadoresacompanham a busca com advertncias do tipo "Voc est frio","Est esquentando", "Agora est pegando fogo"! Veremos, no ca-ptulo 9, de que modo essa simetria poder ajudar-nos a superara noo impossvel de crena. A d i fer ena entte Pouchet e Pas-teur no que o primeiro acredira e o segundo sabe: tanto umquanto o outro esto associando e substituindo elementos, pou-cos dos quais so similares, e testando as exigncias contradit-rias de cada entidade. As associaes reunidas por ambos os pro-tagonistas so similares apenas porque cada uma tece um inv-lucro espcio-temporal que permanece local e temporalmentesituado, e empiricamente observvel. A demarcao pode serreaplicada com toda a segurana s pequenas diferenas entre asentidades s quais Pasteur e Pouchet se associam, mas no grande diferena entre crentes e sabedores.Em terceiro lugar, a similaridade no implica que Pasteure Pouchet estejam urdindo as mesmas redes e partilhando a mes-

    m a histria. Os elementos das duas associaes quase que noapresentam interseo - arora o cenrio experimental desenhadopor Pasteur e assumido por Pouchet antes de ele f u g i r das pesa-das exigncias da comisso da Academia. Acompa nha r ambas asredes em pormenor nos levaria a def in i es completamente dis-paratadas do coletivo do sculo XIX. Isso s i gn i f i ca que a inco-m e n s u r a b i l i d a d e da s duas posies ncomensurabilidade qu eparece to importante para emitir um juzo ao mesmo tempomoral e epistemolgico - , em si mesma, o produto da lenta di-ferenciao do s dois conjuntos. Sim, no f ina l da s contas f inallocal e provisrio -, as posies de Pasteur e Pouchet se torna-ram incomensurveis. No h dificulda de em reconhecer as di-ferenas entre as duas redes depois que se aceita sua similarida-de bsica. O invlucro espcio-temporal da gerao espontnearem limites to precisos quanro os dos germes transporradospelo ar, que contaminam as c u l t u r a s microb ianas . O abismo en-tre as pretenses que nossos dois giganres nos obrigaram a ad-mitir sob pena de castigo est de fato a, mas com um bnusad ic iona l : a linha de demarcao definitiva onde a histriaparava ea ontologia natural a substitua desapareceu. Como veremos nos ca-ptulos f inais deste livro, a implementao da l i n h a de demarca-o pode agora ser analisada pela primeira vez, independente-mente dos problemas suscitados pela descrio cie um evento.Em suma, libertamos a diferenciao de seu seqestro por umdebate moral e poltico que nada tinha a ver com ela.Essa vantagem importante porque nos permite c o n t i n u a rqual if icando, situando e -his toric izando at mesmo a extenso deuma realidade "final". Quando dizemos que Pasteur derrotou Pou-chet e que desde ento os germes transportados pelo ar esto "emtoda parte", esse "em toda parte" pode ser documentado empirica-men te . Vista da perspectiva da Academia de Cincia, a gerao es-pontnea desapareceu em 1864, graas ao trabalho de Pasteur.Maspartidrios da gerao espontnea a inda c o n t i n u a r a m a exist ir po rmuito tempo, convictos de que haviam derrubado a "ditadura"qumica de Pasteur (chamavam-na assim) forando-a a refugiar-sena f rgi l fortaleza da "cincia oficial". Julgavam ter dominado ocampo, embora Pasteur e seus colegas pensassem o mesmo. Agorapodemos comparar os dois "campos ampliados" sem estabelecer

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    um a diferena entre "paradi gmas" incompatveis e intraduzveis -aqui, no sentido kuhniano , qu e iria afastar para sempre Pasteurde Pouchet. Republicanos, provincianos e historiadores naturaisque tm acesso imprensa antibonapartista popular preservam aextenso da gerao espontnea. Dezenas de laboratrios de micro-biologia expulsam a existncia da gerao espontnea da natu rezaereformatam o fenmeno do qual ela era constituda mediante asprticas gmeas do meio puro de cu ltu ra e da proteo contra acontaminao. Esses dois paradigmas no so incompatveis .Qu e m os fez assim foi a srie de associaes e substituies de cadaum dos dois conjuntos de protagonistas. Eles simplesmente foramtendo cada ve z menos elementos em comum.Talvez achem os esse raciocnio difcil porque supomos qu eos micrbios devam ter mais substncia que a srie de suas man i-festaes histri cas. Talvez estejam os prontos a ad m i t i r que o con-jun to de desempenhos permanece sempre no interior das redes equ e eles so delineados por um i nv lucro espcio-temporal preci-so; mas no conseguimos sup rim ir a sensao de que a sub stnciaviaja com m enos coaes que os desempenhos. E la parece ostentarvida prpria e, como a Virgem Maria no dogma da ImaculadaConceio, ter existido desde sempre, mesmo antes da queda deEva, esperando no Cu para ser implantada no ventre de Anaquando chegasse a hora. H, com efeito, um suplemento na noode substncia, mas ele mais bem esclarecido, conforme sugeri napr imei ra seo deste captulo, pela noo de insti tu io*.Esse remanejamento da noo de substncia importanteporque toca num po nto mu ito ma l explicado pela histr ia dacincia: de que modo os fenmenos continuam a existir sem uma leide inrcia:1 Por que no podemos dizer que Pasteur estava certo ePouchet errado? Bem, podemos dizer isso, mas desde qu e explici-temos com toda a clareza e preciso os mecanismos insti tuci onaisqu e ainda operam para conservar a assimetria entre as duas postu-ras. A soluo para esse problema formu lar a pergunta da se-gui nte man eira: em que m undo estamos vivendo agora, no mu n-do de Pasteur ou no m u n d o de Pouchet? No sei quanto ao leitor,mas eu t-stou vivendo dentro da rede pasteuriana sempre qu etomo iogurte pasteurizado, leite pasteurizado ou antibiticos. Emoutras palavras, para justificar at mesmo uma vitria duradoura

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    n o precisamos atribuir extra-historicidade a um programa depesquisa como se de repente, nu m ciado ponto, ele n o mais pre-cisasse de manuteno. Aquilo qu e f o i um evento deve continuara s-lo. Basta-nos prosseguir historicizando e localizando a rede,para descobrir quem e o que ir formar seus descendentes.Nesse sentido, participo da vitria "final" de Pasteur sobrePouchet, da mesma forma qu e participo da vitria "final" do smodos republicanos sobre os modos autocrtcos de governo vo-tando no prximo pleito presidencial, ao invs de me abster ouno tirar o t tu lo de eleitor. Declarar qu e semelhante vitria n oexige nenhum outro t rabalho, nenhu ma ou tra ao e nenhu maoutra instituio seria insensato. Posso di zer s implesmente qu eherdei os micrbios de Pasteur, que sou descendente desse even-to - o qual, por seu tu rno , depende daqu i lo que eu f izer delehoje (Stengers, 1993). Af irmar que o "sempre e em toda parte"de tais eventos cobre po r in te i ro o campo espcio-temporal se -ria, na melhor das hipteses, um exagero. Afastemo-nos das re-des atuais e definies completam ente diferentes do iogurte, doleite e das formas de governo aparecero, mas desta fe ita no es-pontaneamente... O escndalo no consiste no fato de os estudoscientficos pregarem o relativismo, mas de, nas guerras de cin-cia, aqueles para quem o esforo de preservar as ins t i tu ies daverdade pode se r in ter rompido se m riscos de passarem po r mode-los de moralidade. Mais tarde compreenderemos de que manei-ra eles realizaram esse truque e consegu i ram vi rar as mesas damoralidade em cima de ns.

    O enigma da causao retroativaA i nd a h, bem o se, inmeras pontas soltas nesse uso ge-neral izado das noes de evento e proposio em lugar de ex-presses como "descoberta", "inveno", "fabricao" ou "cons-truo". U m a delas a prpria noo de construo (tirada da

    prtica tcnica), qu e ir, po r assim dizer, desconstruir-se nopr x i mo captulo. Outra, a pronta resposta que de i no in c iodeste captulo pergu nta "Os micrb ios existiam antes de Pas-teur"? Sustentei qu e min ha resposta, "Claro qu e no", era dita-

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    da pelo senso comum. No posso encerrar o captulo sem de-monst rar por que penso assim.Q u e s ignif ica dizer que havia micrbios "anres" de Pasteur?Cont rar i amen te pr imei ra impresso , no ex is te nenhu m mis t -ri o metafsico nesse muito tempo "antes" de Pasteur, m as apenasu m a i luso de ptica bastante simples qu e desaparece quando otrabalho de am p l i a r a existncia no tempo documentada to em-pi r i camente quanto su a ampl i ao n o e s p a o , Minha soluo, emoutras palavras, historicizar mais e no menos. Logo que esta-b i l i zou sua teoria dos germes transportados pelo ar, Pasteur re in-terpretou as prt icas ant igas a uma nova luz, af i rmando que oque saa errado na fermentao da cerveja, por exemplo, era acontaminao fortui ta dos toneis por outros fermentos;

    Sempre que um l qu ido albiiminoso de composio adequada con-tm Lima substncia como o acar, capaz de sofrer diversas transfor-maes qumicas conforme a natureza desce ou daquele fermento, osgermes desses ermentos tenckm todos a propagar-se ao mesmo tem-po. Em geral, desenvolvem-se simultaneamente, a menos que umdos fermentos invada o meio mais depressa que os outros. exata-mente a ltima circunstncia que determina o emprego dtsie mtodo de dim-

    organismo j formado e pronto para se reproduzir. (1 6)Agora possvel , para Pasteur, at inar retrospect ivamentecom o que a ag r i cu l t u r a e a inds t r i a andavam fazendo sem sa-ber. A diferena entre passado e presente que Pasteur dominoua cul tura de organismos ao invs de se deixar manipular por fe-n m e n o s i nv i s ve i s . Di sseminar germes nu m meio de cu l t u r a a reart iculao, por Pasteur, daqui lo que outros antes dele semsaber do que se tratava chamaram de doena, invaso ou aci-dente. A arte da fermen tao do cido lct ico torna-se uma cin-ci a de laboratrio. No laboratrio, as condies podem ser con-troladas vontade. Quer dizer, Pasreur reinlerpretou as prticasantigas da fermentao como uma busca, nas trevas, de ent ida-

    des contra as quais podemos agora nos proteger.Como chegamos a essa viso retrospectiva do passado? Oque P asreur fez foi produ zir em 1864 uma nova verso dos anos1863, 1862 e 1861, que agora inclua um novo elemento: "m icr-bios combatidos inconsc ientem ente por prt icas falhas e casuais".

    Essa retroprodLio d a histria const i tui u m t rao bastante fami-liar aos historiadores, sobretudo os historiadores da histria (No-v ick , 1988). No h nada mais fcil de entender do que a manei-ra como os cristos, aps o sculo I, reformataram todo o VelhoTestamento a f im de confirmar uma longa e ocul ta preparaopara o nascimento de Cristo; ou a maneira como as naes euro-pias tiveram de reinterpretar a h i s tr i a da cu l tu ra a l em aps aSegunda Guerra Mundial . Foi exatamente o que ocorreu a Pas-teur. Ele retroadaptott o passado com sua prpr ia mcrobiologia: oan o de 1864, elaborado d e p o i s de 1864, n o t i n h a os mesmos com-ponentes, textura s e associaes produ zid os pelo ano de 1864 em1864. Tento s imp l i f i car esse ponto ao mxi mo na f igura 5.2.Se essa gigantesca obra de retroadaptao que inclui nar-rat iva, redao de m anu ai s , fabr i cao de i ns t rum entos , t re ina-mento fsico, e criao de lealdades e genealogas profissionais -for ignorada, ento a pergunta "Os micrbios exist iam antes dePasteur?" assu mir um aspecto paral isante, capaz cie obnubi l ar amente por um m i n u t o ou dois. Depois desse lapso de tempo, po -rm, a pergunta se torna e m p r c a m e n t e respondvel ; Pasteurtambm procurou ampliar sua produo local para outros tem-pos e lugares, fazendo dos micrb ios o substrato das aes invo-lun t r ias de outras pessoas. Agora com preend emos melh or a cu-riosa et imologia da palavra "substncia", que nos vem apoquen-tando nestes dois captulos sobre Pasteur. Substncia no s i gni -f ica exis tncia de um "subs t rato" durve l e a-histrico p or baixodo s atributos, m as possibi l idade , graas sedimentao do tem-po, de t rans formar uma ent idade nova naqu i lo que snbjaz a ou -tras entidades. Sim, existem substncias que sempre estiverampor a, mas condio de serem o substra to de at ivida des, tantono passado quanto no espao. Portanto, temos agora dois sig ni -f icados prt icos da palavra substncia*: a ins t i t u io* que man-tm u nido um amplo con junto de es tru tu ras , como j v imos , eo t rabalho de retroadaptar, que considera um evento mais recen-te como aqui lo que "subjaz" a um mai s ant i go .O "sempre e em toda parte" pode ser alcanado, mas a umalto custo, e sua extenso local izada e temporal permanece intei -ramente mostra. Talvez demoremos a man ipu lar sem esforo to-

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    da s essas datas (e datas de datas), mas no h inconsistncia lgi-ca em falar sobre a extenso, no tempo, de redes ci entficas, comono h discrepncias em acompanhar su a extenso no espao. atpossvel dizer que as d i f i cu ldades em l i dar co m esses paradoxosaparentes so minsculasem comparao com a mais insignifican-te das apresentadas pela fsica relativista. Se a cincia no houves-se sido seqestrada para fins inteiramente diversos, no teramosnenhum problema em descrever o surgimento e o desaparecimen-to de proposies que nunca deixaram de ter uma histria.

    1863 1864 1H 5 1866

    Primeira dimenso:sucesso lineardo tom p1867/ 7 1998

    Movimentoirrevcisveldu tempo

    Segunda dimenso:sucesso sedimentardo tempoFigura 5.2 A seta do tempo a resul tante de duas dimenses, no deurna: a pr ime i ra dimenso sucesso l inear do tempo - sempre semove para a frente (1865 ve m d e p o i s de 1864); a segunda dimenso sucesso sedimentar do tempo rnove-se para trs (1865 ocorre antesde 1864). Quando fazemos a pergunta "Onde estava o fermento antesde 1865?", no at ingimos o segmento superior da coluna qu e consti-tu i o ano de 1864, ma s apenas a linha transversal qu e assinala a con-t r ibuio do ano de 1865 para a elaborao do ano de 1864. Isso, po-rm, no implica idealismo ou causao retroativa, j que a seta dotempo sempre se move i rrevers ivelmente para a frente.

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    Agora que lob r igamos a possibilidade de estudar a prticacient f ica, estamos apetrechados para descobrir os motivos desseseqestro e mesmo o esconderijo cio culpado. Antes, porm, te-mos ainda um longo desvio a percorrer, maneira do mestre doslabirintos: Ddalo, o engenheiro. Se m comear a r e fund i r parte dafilosofia da tecnologia e parte do mito do progresso, no consegui-remos sacudir o fardo moral e poltico que o acordo modernistacolocou de modo to i n j us to sobre os ombros cios no-humanos.Os no-humanos nascem livres e esto por toda parte encadeados.

    Exposio BUm ano tem de ser d e f i n i d o ao longo de dois eixos e node um. O prim eiro eixo registra a dimenso linear do tempo, ouseja, a sucesso de anos. Nesse sentido, 1864 ocorre antes de1865. Mas no tudo o que se pode dizer a respeito do ano cie1864. Um ano no apenas um algarismo num a srie de nme-ros inteiros, tambm uma coluna ao longo de um segundoeixo, que registra a sucesso sedimentar do tempo. Nessa segun-da dimenso, h tambm uma poro cio que aconteceu em1864 produzidadepois de 1864 e que se torna, retrospectivamen-

    te, parte do c o n j u n t o que gera, desde ento, a soma do que acon-teceu no ano de 1864.No caso ilustrado pela figura 5.2, o ano de 1865 forma-do por tantos segmentos quantos anos decorreram a partir de en-to. Se 1864 "de 1864" contm a gerao espontnea como fen-meno geralmente aceito, 1864 "de 1865" i n c l u i a i n d a um i n t e n -so conf l i to a respeito dela. Esse conflito j no existe um anoma is tarde, depois que a comunidade cie ntfica aceitou em defi-nitivo a teoria dos germes transportados pelo ar, de Pasteur.1864 "cie 1866" i n c l u i , pois, um a crena residual na gerao es -pontnea e um Pasteur t r i u n f a n t e .Esse processo de sedimentao nunca acaba. Se avanarmos130 anos, haver a i n d a um ano 1864 "de 1998" ao qual foramacrescentados inmeros traos -no apenas uma nova e fartahis tor iogra f ia da disputa entre Pasteur e Pouchet, mas ta lveztambm uma reviso completa da polmica que, ao fim, Pou-chet venceu porque antecipou alguns resultados da prebitica.

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    O que d f umos de profundidade pergunta "Onde esra-va m os germes transportados pelo ar antes de 1864?" uma con-fuso bastante simples entre a dimenso l i near e a dimenso se-dimentar do t empo. Se considerarmos apenas a primeira, a res-posta ser "e m parte alguma", pois o pr ime i ro segmento da co-l un a qu e c on s t i t u i o ano de 1864 inteiro n o nc lu i nenhum ger-m e aerotransportado. A conseqncia, porm, no uma formaabsurda de id eal ismo , j que boa parte dos outros seg mentos se-dimentares de 1864 inclui esses germes. Portanto, l c i to afir-ma r sem contradio tanto que "Os germes transportados peloar foram criados em 1864" quanto que "Eles sempre estiverampor a" st o , na coluna ve r t i ca l qu e recapitula todos os com-ponentes do ano de 1864 produzidos desde ento.Nesse sentido, a pergunta "Por onde andavam os micrbiosantes de Pas t eur?" no levanta mais objees fundamentai s qu eesta ou tra, "Por onde andava Pasteur antes de 1822 (o ano cie seunascimento)?" pergun ta que , claro, a n ingu m ocorre ria fazer.Sustento, pois, que a ni ca resposta f undada no bom senso: "Depois de 1864, os germes transportados pelo ar estiverampor a o tempo todo". Essa soluo implica tratar a extenso notempo de mane i ra to r igorosa quanto a extenso no espao.Para se estar em toda parte no espao e e te rnamente no t empo, preciso trabal har, fazer conexes, _ a c _ e i t a r retroadaptaes.Se as respostas a esses pretensos quebra-cabeas foremmuito diretas, a pergunta j no ser por que levar a sr io se-me lhan tes "mistrios", mas por que as pessoas os tomam po re n i gma s filosficos profundos, que condenariam os estudoscientf icos ao absurdo.

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    captulo 6Um coletivo de humanos e no-humanosNo labirinto de Ddaio

    O s gregos d i s t i n g u i a m o c a m i n h o reto da razo e do sa-be r cientfico, episteme, da vereda tortuosa e esquiva do conhe-cimento tcnico, metis. Agora qu e v im os quo indi re tas , e r r-t icas, mediadas, intetconectadas e vascu lar i zadas so as sendaspercorr idas pelos fatos cientficos, poderemos descobrir u m agenealogia diferente tambm para os artefatos tcnicos. Isso tanto m ais necessr io quan to bo a parte do s estudos cientficosrecorre noo de "construo", tomada do e mpr e e n d i me n t otcnico. Conforme veremos, no entanto, a filosofia da tecnolo-gia no mais prontamente ti l para def in i r conexes huma-na s e n o -huma n a s do que o foi a epistemologia, e pela mesmarazo: no acordo modernista, a teoria no consegue capturar aprtica, por m otivos que s se tornaro claros no captu lo 9- Aao tcnica, portanto, nos impinge quebra-cabeas to bizar-ros quanto os implcitos na articulao de fatos. Tenclo perce-bido como a teoria clssica da objetividade deixa de fazer j u s -t ia prtica da cinci a, exam inarem os agora por que a noode "ef icincia tcnica sobre a matr ia" de fo rma a lguma expl i -ca a sut i l eza do s engenhe i ros . E m seguida poderemos, f ina l -mente , compreender esses no-hu manos qu e so, como venhopostulando desde o incio, atores cabais em nosso coletivo;compreenderemos, enf im, por que no v i v emos n um a socieda.-'de qu e olha para u m mundo na tura l exte r ior ou num m u n d o ,na t u r a l qu e i n c l u i a sociedade como um de_seus componentes.Agora qe~s~"n-"lurnanps i_ no se confundem com objetos,talvez seja possvel imaginar u m c o l e t i v o n o q ua l os huma n osestejam mesclados co m eles.

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