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GUARDA SABÁTICA: A APLICAÇÃO CONCRETA DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE RELIGIOSA
SABBATH GUARD: THE CONCRETE APPLICATION OF THE PRINCIPLE OF RELIGIOUS LIBERTY
Clóvis Francisco Barbosa Júnior – graduando em Direito - [email protected] - UNISALESIANO – Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – Lins/SP
Prof. Me. Cristian de Sales Von Rondow - [email protected] UNISALESIANO – Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – Lins/SP
RESUMO
O presente trabalho apresenta a dificuldade encontrada por alunos membros de denominações religiosas que tem em sua doutrina a guarda do sábado, e ao ingressarem em universidades encontram dificuldades por não frequentarem as aulas das matérias ministradas neste período, sendo alegado como motivo por estas universidades uma lacuna legislativa infraconstitucional federal que ofereça medidas alternativas, mesmo sendo garantido pela Constituição Federal. Analisa o direito a crença dentro de um Estado laico, bem como o direito a educação e seu posicionamento na Constituição, uma vez que na problemática apresentada há a colisão entre ambos os direitos. Verifica a criação de leis estaduais visando a resolução deste conflito, além de precedentes judiciais que apresentam resultados diferentes mediante problemas equivalentes, ofendendo assim o princípio da igualdade.
Palavras-chave: LIBERDADE RELIGIOSA. CRENÇA. EDUCAÇÃO. MEDIDAS ALTERNATIVAS. GUARDA SABÁTICA
ABSTRACT
The present work shows the difficulty faced by students that are members of religious denominations that have in their doctrines the Sabbath keeping, these students when entering universities find difficulties because they cannot attend classes in the subjects taught during this period, and as a motive for these universities, is alleged that there is a gap in federal infra-constitutional legislation that deals with the subject, offering a credit for their absence, even this being a fundamental right guaranteed by the Federal Constitution. Analyzes the right to belief in a laic country, besides the right to education and its position in the Federal Constitution, since in the problem presented there is a collision between these rights. It verifies the creation of state laws aimed at the resolution of this conflict, as well as judicial precedents that present different results through equivalent problems, offending the principle of equality.
Keywords: RELIGIOUS FREEDOM. BELIEF. EDUCATION. ALTERNATIVE MEANS. SABBATH KEEPING.
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INTRODUÇÃO
A presente pesquisa retrata a problemática de alunos que encontram dificuldades
para cursar uma faculdade por haver uma colisão entre dois direitos fundamentais
garantidos pela Constituição Federal, o direito a crença e a educação, pelo fato
destes alunos serem membros de denominações religiosas que tem em suas
doutrinas a guarda do sábado como dia sagrado, de adoração a Deus. Eles buscam
o abono de faltas nas aulas ministrada nas sextas feiras à noite, ocorrendo a recusa
destes pedidos, alegando as universidades não haver previsão legal justificando tais
medidas, cabendo ressaltar que a Constituição é considerada a Lei suprema do país
e se encontra na parte mais alta do ordenamento jurídico.
Para a criação da presente, foi utilizado o método analítico-descritivo, sendo a
análise bibliográfica utilizada como principal fonte para o estudo científico do tema.
Se inicia abordando o direito a crença e a guarda sabática, tendo o sábado como dia
santo e sagrado, sem a prática de qualquer atividade secular. Analisa também o
direito a educação na Constituição Federal, sendo dever do Estado proporcionar
educação a toda à sociedade. Aborda a lacuna legislativa existente, uma vez que
não há lei infraconstitucional federal que determine a resolução desta problemática,
analisando a criação de leis estaduais visando suprir essa lacuna e também aborda
o poder judiciário que acaba por ferir o princípio da igualdade tomando decisões
diferentes mediante casos idênticos, além de apresentar modelos de medidas
alternativas na busca da resolução deste conflito.
1 A GUARDA SABÁTICA E O DIREITO A CRENÇA
Dentre as várias liberdades constantes na Constituição Federal a liberdade de
crença comumente descrita como “liberdade religiosa” prevista no artigo 5º, inciso VI,
deriva de elemento essencial do conceito de dignidade da pessoa humana por se
tratar de preceito legal cuja análise tem como ponto de ser ponto de partida sempre
a pessoa humana como ser em busca da autorrealização, responsável pela escolha
dos meios aptos para realizar as suas potencialidades.
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Vale destacar também, que o mesmo artigo 5º em seu inciso VIII prescreve que
“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (BRASIL, 1988).
Dentro do conceito de liberdade religiosa incluemse a liberdade de crença, de aderir
a alguma religião, e a liberdade do exercício do culto respectivo cujo objetivo
constitucional é proteger a liberdade de religião e por conseguinte facilitar que as
pessoas possam viver a sua fé.
Leciona BRANCO e MENDES (2014) que “o reconhecimento da liberdade religiosa
pela Constituição denota haver o sistema jurídico tomado a religiosidade como um
bem em si mesmo, como um valor a ser preservado e fomentado.” E arremata
dizendo: “A Constituição assegura a liberdade dos crentes, porque toma a religião
como um bem valioso por si mesmo, e quer resguardar os que buscam a Deus de
obstáculos para que pratiquem os seus deveres religiosos.”
Deste modo, a liberdade religiosa opera como limite no sentido de não tolerar
interferências no âmbito da livre opção religiosa e também como dever por parte do
Estado e particulares em assegurar a proteção deste livre exercício de crer.
Cabe ressaltar que o Brasil é considerado um Estado laico, ou seja, não possui uma
religião oficial (WALTRICK, 2010), respeitando assim todas as religiões que venham
a ser seguidas, sem que haja distinção no tratamento às mesmas.
Para algumas denominações religiosas, o sábado é considerado como um dia
sagrado, devendo ser guardado e respeitado, não sendo praticada durante este dia
nenhuma atividade considerada secular, ou seja, eles não praticam atividades que
lhes tragam benefícios, devendo ser um dia de adoração a Deus (SOARES, 2016).
Tendo como base a Bíblia Sagrada, na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA),
para os religiosos o sábado é conhecido como dia santo por ser instituído como o
quarto dos dez mandamentos criado para o povo de Israel, que requer a
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observância do sétimo dia como dia de descanso e adoração, de comunhão com
Deus e uns com os outros (GRELLMANN, 2003) conforme exposto:Lembra-te do dia do sábado, para santificá-lo. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou, portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou. (Êxodo 20:8-11 ARA).
Eles acreditam que Deus abençoou e santificou o sábado, separando-o dos demais
dias da semana, com o propósito de enriquecer a relação entre Deus e os humanos
(WHITE, 1995).
Segundo estes religiosos, é importante que haja um afastamento de toda e qualquer
atividade secular, que possa vir a reduzir a efetiva guarda deste dia (WHITE, 1995).
A Bíblia mostra que durante o sábado deve-se cessar toda atividade (Êxodo 20:10
ARA), evitando realizar todo trabalho voltado para si próprio, e também todo tipo de
transação comercial (Neemias 13:15-22 ARA). A razão disso é manter uma honra a
Deus, não seguindo o que é do próprio agrado.
Outro direito importante que serve de base para o estudo da presente pesquisa, é o
direito a educação, conforme exposto a seguir.
2 A GUARDA SABÁTICA E O DIREITO A EDUCAÇÃO
Assim como o direito à crença é um fundamento constitucional brasileiro, a
educação também o é na medida em que, busca ideais de igualdade,
independentemente qualquer diferença, no sentido do desenvolvimento individual,
sendo concedido a todos sem distinção (PESSOA, 2011).
Este direito se encontra na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º como um
direito social, sendo dever do Estado garantir educação de qualidade a toda a
sociedade. (DIMOULIS; MARTINS, 2014).
O artigo 205 da Constituição Federal também vem declarando o seguinte:
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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Fica nítido a intenção do legislador de melhorar a condição humana, além de buscar
cidadania e assegurando ao homem condições de respeito e igualdade.
Ligando este aspecto com o tema do presente artigo, a grande problemática está na
busca dos religiosos que guardam o sábado a uma legislação que sane a dificuldade
que encontram para o exercício regular do direito à educação. Contudo, sob o
argumento do laicismo, a União Federal tem adotado uma postura neutra com
relação a assuntos que envolvem religião.
Cabe ressaltar que o artigo 19, inciso I da Constituição Federal impõe a neutralidade
do Estado, porém não decreta que o mesmo deva agir com indiferença perante as
religiões, mas sim com postura positiva em certas circunstâncias com a finalidade de
afastar obstáculos de ordem prática que acabam por impossibilitar a livre opção
religiosa (PAIM, 2015).
Com relação a problemática apresentada, o Ministério da Educação (MEC) já e
posicionou algumas vezes, porém, sempre declarando que “não há amparo legal ou
normativo para o abono de faltas a estudantes que se ausentem regularmente dos
horários de aulas devido às convicções religiosas.” (BRASIL, 1999), porém, embora
o MEC apresente posicionamentos não favoráveis, pode-se perceber, ao analisar o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), uma grande mudança ao longo dos anos
que vem se adaptando às necessidades dos alunos que guardam o sábado.
Até o ano de 2008, o Enem era aplicado em um domingo, porém, em 2009 ocorreu
uma mudança na forma de aplicação desta prova, passando a ocorrer em dois dias
seguidos, sábado e domingo, durante a parte da tarde, não prevendo medida
alternativa para os alunos que tinham o sábado como dia de guarda. Após certa
movimentação, o Inep, órgão do MEC responsável pelo Enem, permitiu a realização
da prova do Enem em horário alternativo para alunos que guardam o sábado,
devendo os mesmos comparecerem no local de prova no mesmo horário que os
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demais participantes, sendo colocados em salas especiais e permanecendo
incomunicáveis até o horário do pôr do sol, e assim realizar a prova.
No ano de 2017, o Ministério da Educação abriu uma consulta pública visando à
possibilidade de mudar os dias de prova. Após o seu encerramento, houve mais de
600 mil participantes, sendo que 42,3% destes participantes optaram pela aplicação
em dois domingos seguidos, enquanto apenas 23,6% optaram pela permanência do
formato atual. (MEC, 2017). Até mesmo o Enem, prova popular no Brasil se
enquadrou com a intenção de igualar todos os alunos, independente da ausência de
algum dispositivo infraconstitucional que regulasse tal alteração, porém, instituições
de ensino continuam passando por cima da Constituição, declarando ser insuficiente
se basear apenas na lei superior do Brasil para adotar medidas alternativas para
estes alunos.
3 VÁCUO LEGISLATIVO FEDERAL E A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA GUARDA SABÁTICA
Como se pôde ver até o momento, o tema em questão apresenta a importância de
dois direitos fundamentais inerentes ao ser humano e que entram em conflito
mediante a problemática. Ambos os direitos são importantes e juridicamente
tutelados pelo Estado que deve garantir o pleno exercício destes.
Entretanto, tais direitos quando em conflito têm causado mais prejuízos aos
estudantes do que à instituição de ensino que queda-se inerte não proporcionando
alternativas aos sabatistas para reporem as aulas não assistidas ou provas não
realizadas, em nome de um calendário escolar.
De acordo com a lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de dezembro
de 1996), seu artigo 47 estabelece que o ano letivo regular seja composto de, no
mínimo, 200 dias letivos, sendo de presença obrigatória, bem como o artigo 24,
inciso VI exige a frequência mínima de 75% dos alunos por disciplina para sua
aprovação por presença. (WALTRICK, 2010, p.65)
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Porém, alunos que guardam o sábado encontram dificuldade, uma vez que não
frequentam as aulas ministradas durante o período compreendido entre o pôr do sol
de sexta ao pôr do sol de sábado, portanto acabam não obtendo a frequência
mínima de presença para sua aprovação.
Isso gera uma dificuldade na formação do aluno no tempo correto de duração do
curso, uma vez que para obterem essa formação, acabam tendo que optar por
abrirem mão da fé que professam ao mesmo passo que atrasam sua formação caso
continuem firmes seguindo sua doutrina.
Há portanto uma lacuna legal, ou seja, um vácuo legislativo infraconstitucional de
âmbito federal que garanta de maneira uniforme proteção àqueles que separam um
dia da semana, notadamente os sabatistas no exercício de sua fé, sem que sofram
negativas consequências na vida escolar.
3.1 Ausência de legislação infraconstitucional federal
O artigo 5º, inciso VIII da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) é bastante
incisivo e suficientemente apto para a resolução deste problema; porém o maior
argumento usado para a recusa de solicitações destes alunos pelas universidades é
a ausência de lei infraconstitucional regulamentando as prestações alternativas.
Isso gera grande confusão no Judiciário, uma vez que em princípio cada caso deve
solucionado de forma pontual, violando o princípio da igualdade se assim não o for
conforme advoga Isabela Cristina Soares das Dores:O princípio da igualdade está em dispensar tratamento igual para situações equivalentes. O grande problema reside no fato de os sabatistas não estarem em condições equivalentes à dos outros candidatos. E a ausência de legislação que defina isto, deixa o critério de avaliação e interpretação de caso a caso para o magistrado. O que se verifica é um desastre do ponto de vista do princípio da igualdade! Algumas decisões são favoráveis aos sabatistas e outra não, e, neste caso sim, existe quebra do princípio da igualdade, já que pedidos em situações equivalentes alcançam resultados diferentes. O cidadão não pode passar uma incerteza jurídica acerca de seus direitos. Ou o tem, ou não o tem. E o número de demandas judiciais sobre o tema não pode ser considerado irrisório ou pouco significante. (DAS DORES, 2016, p. 35) (grifo nosso).
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A ausência de legislação infraconstitucional de âmbito federal faz com que cada juiz
defenda um posicionamento, e por conseguinte resultados diferentes para casos
com o mesmo objeto (pedido e causa de pedir). Cabe ressaltar que, mesmo na
ausência de legislação infraconstitucional federal, a Constituição é a lei suprema
dentro do país e deve ser usada como parâmetro (DAS DORES, 2016). O aluno ao
buscar tratamento diferenciado não está se eximindo de uma obrigação legal, mas
buscando formas alternativas de cumpri-la.
A despeito da lacuna infraconstitucional de cunho federal, alguns Estado da
Federação posicionaram-se a respeito do tema como por exemplo, o Estado de São
Paulo, Paraná (Lei nº 11.662, de janeiro de 1997), Pará (Lei nº 6.140, de junho de
1.998 e sua alteração nº 6.468 de 2002), cabendo ressaltar que a mesma está
sendo contestada no Supremo Tribunal Federal por meio da ADI nº 3.901 e, após
consulta recente, aguarda julgamento (BRASIL, 2018). O Estado de Santa Catarina
também apresenta lei que trata do tema (Lei nº 11.225 de novembro de 1999), bem
como o Estado de Rondônia (Lei nº 1.631 de maio de 2006).
Pode-se observar que alguns Estados tiveram a iniciativa de legislarem sobre o
assunto por conta própria, definindo critérios, buscando assegurar o direito das
minorias em relação à crença e educação (ARAUJO, 2016, p. 34).
Em âmbito federal, diversos projetos de leis foram criados, a exemplo do Projeto de
Lei (PL) nº 2.171 apresentada em outubro de 2003, que “dispõe sobre a aplicação
de provas e a atribuição de frequência a alunos impossibilitados de comparecer à
escola, por motivos de liberdade de consciência e de crença religiosa” (BRASIL,
2003), projeto este que já foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos
Deputados, porém, após tramitação, após consulta recente, se encontra pendente
desde 2009 aguardando para apreciação perante o Senado, bem como o Projeto de
Lei nº 130 de junho de 2009 da Câmara dos Deputados e que foi recentemente
(13/03/2018) aprovada pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte e se
encontra em tramitação para apreciação perante o Supremo Tribunal Federal
(BRASIL, 2018). Em um parecer expedido pelo relator Paulo Paim (2015), o mesmo
relata que esta lei assegura aos alunos o direito de realizar provas em dias distintos
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do período de guarda religiosa, além do direito de não comparecer às aulas durante
este mesmo período, cabendo à escola oferecer alternativas como: oportunidade de
assistir a aula em outro dia/horário, apresentação de trabalhos escritos, entre outros.
(PAIM, 2015).
Ao expor sua análise, o Senador Paim defende que a matéria tratada diz respeito ao
“completo exercício da liberdade de crença”, bem como a “aplicação de medidas
alternativas a aqueles que por motivos religiosos buscam se eximir de obrigação
legal”, como preceitua o artigo 5º, inciso VIII da Constituição Federal. (PAIM, 2015).
No Estado de São Paulo, encontra-se em vigor a Lei nº 12.142 de 08 de dezembro
de 2005, de autoria do ainda Deputado Estadual Campos Machado.
Com relação aos estabelecimentos de ensino, a lei estabelece a aplicação de provas
em dias ou horários diferenciados e que não coincidam com o período de guarda,
além da permissão destes alunos requerer, em substituição à sua presença em sala
de aula, trabalhos alternativos ou outra atividade de pesquisa acadêmica.
A intenção do legislador foi exatamente a adoção de medidas alternativas em
substituição à frequência nas aulas lecionadas, e não o simples privilégio de ser
aprovado em determinadas matérias sem a frequência necessária. Porém, essa lei
está sendo contestada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) através da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.714-SP, ajuizada pela Confederação
Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), pedindo que se suspendam
os efeitos da mencionada lei até o julgamento final de ação.
Segundo o pedido da Ação à época (BRASIL, 2006), a Confenen afirma que a lei
estadual usurpa a competência privativa da União e do governador de São Paulo
além de alegar que a iniciativa deveria partir do Chefe do Executivo, e não de
Deputado Estadual, declarando também que a lei viola a liberdade de crença
religiosa e também ofende o princípio da igualdade, porém, até a presente data, a
ação ainda aguarda julgamento, ou seja, a lei continua surtindo efeito na sociedade
como válida.
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3.2 O Poder Judiciário e a guarda sabática
Apesar da criação de leis estaduais que visam a solução do conflito presente neste
trabalho, esta problemática continua gerando opiniões diversas, e como resultado
disto, o Judiciário acaba tomando posicionamentos diferentes em cada caso, mesmo
que todos busquem um mesmo objetivo. Alguns obtêm resultados favoráveis aos
adventistas, e outros são contrários, violando assim o princípio da igualdade.
Com posicionamentos contrários, no que concerne ao abono de faltas e aplicação
de provas substitutivas em horários diversos, de acordo com o agravo de
instrumento nº 330541-29.2014.8.09.0000, o Desembargador Fausto Moreira Diniz,
do Tribunal de Justiça de Goiás, em relação ao pedido postulado por uma aluna
adventista que requeria a substituição de presença em aulas por atividades
complementares, cabendo ressaltar que foi concedida a tutela parcial pelo juiz de
primeira instância, sendo essa decisão recorrida pela Universidade Estadual de
Goiás, entendendo da seguinte forma:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS. DISCENTE ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. RECURSO SECUNDUM EVENTUS LITIS. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. APLICAÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 17.867/2012 AFASTADA. [...] 2 - Para a concessão de liminar em mandado de segurança mister se faz a presença concomitante do periculum in mora e do fumus boni iuris, requisito este não presente, in casu, pois a realização das provas em horário e dia diversos do estabelecido pelos professores e pela faculdade afronta o princípio da legalidade e da igualdade, haja vista que se estaria privilegiando, de certa forma, alguns alunos em decorrência de suas crenças religiosas, pois eles não se sujeitariam às mesmas regras previstas pela Universidade e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional que são atribuídas a todos. 3 - Ausente um dos requisitos exigidos para a concessão da liminar, reformo o ato atacado para indeferir a medida postulada no writ, afastando, de consequência, a aplicação do artigo 25, parágrafo único, da Lei nº 17.867/2012, por entender não ser esta aplicável ao caso concreto. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. DECISAO : Acordam os integrantes da Segunda Turma Julgadora (TJ/GO, 2ª T, AI nº 330541-29.2014.8.09.0000, Rel. Des. Fausto Moreira Diniz, DJGO 22/01/2015).(GOIAS, 2014) (grifo nosso)
Cabe ressaltar, no entanto, que a intenção desses alunos não é, de modo algum, ter
privilégio sobre uma obrigação a todos imposta, mas sim usufruir da prestação de
medidas alternativas fixadas na Constituição Federal, em virtude de sua crença
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religiosa, afinal os direitos fundamentais devem ser presumidos como de
aplicabilidade imediata.
Porém, existem também decisões no judiciário que se posicionam favoravelmente a
problemática enfrentada por estes alunos.
Uma aluna adventista impetrou mandado de segurança em face de sua
Universidade após correr o risco de ser reprovada por faltas, pelo fato de não estar
comparecendo as aulas de sexta-feira a noite devido à sua profissão de fé. Os autos
nº 0008677-23.2011.403.6108 traz a ação de uma aluna que se prontificou perante
a reitoria da universidade na intenção de abonar suas faltas através da
apresentação de trabalhos, porém houve recusa da faculdade alegando a ausência
de base legal para a mesma. Ela obteve do juiz da 3ª Vara Federal de Bauru (SP)
o direito de faltar as aulas, determinando que a universidade aceitasse da aluna
trabalhos extracurriculares em substituição. O juiz no caso fundamentou sua
decisão com base na Constituição federal, Lei estadual e precendentes judiciais
baseados na mesma decisão, alegando ao final:
A marcação de provas em datas diversas do sábado, e a substituição da presença em sala de aula por trabalhos complementares em nada interferem com os interesses de outros alunos, e não constituemvantagem para a impetrante, não se podendo falar em privilégio. A instituição de ensino, de seu lado, não veria sua situação agravada, em razão de atender os pedidos alternativos da impetrante. Estão ao seupleno alcance formular trabalhos complementares e marcar avaliações para dias distintos do sábado. Trata-se de providências corriqueiras da vidaacadêmica, e que não dificultam o modo pelo qual a Universidade do Sagrado Coração presta seu serviço de ensino superior. Identificado o fumus boni juris, e retirando-se o periculum in mora do dano a que seria submetida a impetrante, em razão de seu não comparecimento às aulas, conclui-se pela admissibilidade da medida liminar. Posto isso, defiro a liminar e determino ao Reitor da Universidade do Sagrado Coração que, em substituição à presença da impetrante em sala de aula, entre as 18h00min das sextas-feiras e as 18h00min dos sábados, e para fins de obtenção de frequência, seja-lhe assegurada a apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de pesquisa acadêmica, observados osparâmetros curriculares e plano de aula do dia de sua ausência.Determino, ainda, que, no período acima referido, não sejam marcadas quaisquer avaliações, em relação à demandante. (TJ-SP – MS: 0008677-23.2011.403.6108 SP, Relator: Marcelo Freiberger Zandavali, Data de Julgamento: 23/02/2012, Data de Publicação: 23/02/2012) (SÃO PAULO,2012) (grifo nosso).
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Mediante o exposto, pode-se verificar uma quebra do princípio da igualdade por
parte do Judiciário, uma vez que, diante de casos parecidos, julgamentos com
fundamentações opostas são realizados, dificultando ainda mais encontrar uma
forma de solucionar a problemática em questão.
A solução então seria achar uma forma de harmonizar ambos os direitos e fazer com
que estes sejam amplamente assegurados, sem a necessidade de afetar ou
restringir um destes direitos. (MAIA, 2012).
Como citado alhures a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de
dezembro de 1996), prescreve a obrigatoriedade de 75% de presença dos alunos
em sala de aula para que os mesmos não sejam reprovados por falta, porém,
existem algumas leis e decretos que não seguem essa regra, evidenciando que esta
lei não tem caráter absoluto e podem ser aplicadas exceções sobre a mesma.
Um exemplo desta exceção é o Decreto-Lei nº 1.044 de Outubro de 1.969 que traz
um regime de compensação de faltas, abordando estudantes de qualquer nível de
ensino que tenham adquirido infecções, traumatismos ou outras doenças que o
impossibilita de frequentar as aulas, bem como a Lei Federal nº 6.202 de abril de
1975 que foi criada com o intuito de compensação para estudantes grávidas,
podendo a estudante compensar a sua ausência nas aulas durante o final da
gestação e após o parto por trabalhos feitos em casa.
Pode-se usar também como modelo, seguindo esta mesma linha de raciocínio, a Lei
Federal nº 4.375 de agosto de 1964, qual seja a Lei do Serviço Militar, que dispõe
que os militares, em qualquer que seja sua área, que estiverem em exercício, terão
sua falta abonada e sem nenhuma necessidade de reposição ou de medidas que
substituem essa ausência.
Nos três casos acima citados, percebe-se a busca de medidas alternativas em prol
do princípio da igualdade, e assim assegurar o acesso e permanência na escola,
afinal, a ausência na sala de aula em nada afeta os direitos dos outros alunos ou
lhes geram desconforto (BAYER, 2016), porém forçar sabatistas a estarem
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presentes em sala viola a dignidade humana tornando quesível a aplicação de
medidas alternativas.
CONCLUSÃO
Fica, pois, claro que existem formas visando à solução do conflito dos direitos
fundamentais em questão sem que um anule o outro, antes, os harmonizem aos
sabatistas o pleno exercício do direito a educação, bem como, o pleno exercício do
direito a crença.
A reflexão impõe um posicionamento da União Federal no sentido de que
regulamente o assunto e assim permita o exercício pleno dos direitos constitucionais
em jogo, quais, sejam: a liberdade religiosa e a livre iniciativa.
Não se pretendem vantagens ou benefícios, mas sim com a regulamentação a
possibilidade de haver uma aplicação de medidas alternativas mediante a
compensação de faltas.
A Constituição Federal deve obedecida por todos prescrevendo que ninguém será
privado de direitos por motivos religiosos. No entanto, alunos sabatistas têm sido
privado do exercício de direitos constitucionais de eficácia plena e efeito imediato,
sob o argumento de ausência de legislação que regulamente o assunto.
Tal argumento é inaceitável num Estado Democrático de Direito que tem como um
dos valores fundamentais a dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
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