colonizadores do seridó

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História das primeiras fámilias colonizadoras do Seridó.

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  • Recebido em 21/07/2011. Aprovado em 10/09/2011

    COLONOS PORTUGUESES E LUSO-BRASLICOS NA FORMAO DE AGRUPAMENTOS FAMILIARES NA

    FREGUESIA DO SERID (1788-1811)

    HELDER ALEXANDRE MEDEIROS DE MACEDO

    (Universidade Federal de Pernambuco1)

    Resumo: O objetivo deste artigo reconstituir a origem de portugueses em agrupamentos

    familiares construdos no territrio da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Serid, que

    era formada por ribeiras das Capitanias do Rio Grande e Paraba, ocupadas pela pecuria desde

    o final do sculo XVII no contexto da ocidentalizao. Parte de uma reviso da literatura

    regional que se dedicou pesquisa dos troncos genealgicos do Serid e toma como fonte

    prioritria os registros de batizados, casamentos e enterros da freguesia, no perodo de 1788 a

    1811, analisados pelo mtodo da demografia histrica e como recorte de anlise os

    agrupamentos familiares formados por colonos de origem portuguesa.

    Palavras-chave: Serid Mestiagem Genealogia Famlias Colonos luso-braslicos

    Abstract: This article objective is to trace the origin of the Portuguese in family pools

    constructed in the territory of the Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Serid, which

    was formed by riversides by Capitanias of Rio Grande and Paraba, occupied by livestock since

    the end of the 17th century in the context of Westernization. Part of a regional literature review

    dedicated to the research of the Serid genealogical trunks and takes as priority source records

    of baptisms, marriages and burials of the parish, in the period 1788 to 1811, analysed by the

    method of historical demography and clipping of analysis as the family groupings formed by

    settlers of Portuguese origin.

    Keywords: Serid Mestizaje Genealogy Families Settlers luso-braslicos

    Introduo

    Na passagem do sculo XV para o seguinte, segundo Serge Gruzinski, na

    medida em que a cultura ocidental se alastrava por outras partes do globo sobretudo

    na Amrica e destrua territrios nativos, em cima de seus escombros fundava novas

    territorialidades, semelhantes, em tese, s deixadas no Velho Mundo. Mortes, fugas e

    escravizao so alguns dos acontecimentos que caracterizaram esse processo, o da

    ocidentalizao na Amrica, notadamente o encobrimento dos povos autctones que

    habitavam nesse continente h milnios sob a cultura do conquistador. Encobrimento

    que se manifestou atravs da violncia expressa, da explorao do trabalho indgena,

    das guerras de conquista, da aculturao 2, de grandes fomes, de hecatombes e de fugas

  • CLIO REVISTA DE PESQUISA HISTRICA n. 29.2 (2011) ISBN 0102-9487

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    para novas regies 3. E, tambm, da imposio de quadros e modos de vida da Europa

    Ocidental, sobretudo da Pennsula Ibrica, elaborados durante os sculos precedentes

    conquista 4.

    Estabelecidos na Amrica, os europeus dedicaram-se com afinco na rdua tarefa

    de edificar rplicas da sociedade que haviam deixado do outro lado do Atlntico.

    Desejavam transmigrar o mundo ibrico, com suas instituies e imaginrios, como se

    fossem duplicar o Velho Mundo dos lusos e dos castelhanos cuja centralizao

    poltica precoce favoreceu ambos os reinos a lanarem-se aos mares nas terras

    descobertas aps 1492 5. A ocidentalizao corresponde, portanto, ao movimento de

    difuso/imposio da cultura ocidental nas colnias dos imprios ultramarinos em

    outras palavras, conquista das almas, dos corpos e dos territrios do Novo Mundo.

    Esse movimento 6, levado frente por castelhanos e portugueses, produz situaes de

    choque e relaes de poder entre os recm-chegados (os europeus) e os que se

    encontravam na terra firme (os nativos). Segue mais ou menos o mesmo padro o da

    imposio da cultura ocidental sobre os modos de vida e as cosmogonias nativas ,

    porm, cria especificidades dependendo da poro do continente que estava sendo

    ocupada, determinada pela linha de Tordesilhas, bem como do tipo de sociedade que

    habitava nessas terras.

    Nos domnios lusitanos de alm-mar diversas formas de resistncia 7 estiveram

    presentes, desde os momentos posteriores chegada dos europeus. Na Capitania do Rio

    Grande a cada passo dado pelos conquistadores revelavam-se reaes adversas e, por

    vezes, de passividade e acomodao por parte dos nativos. Compreendemos melhor esse

    esquema explicativo se encararmos a ocidentalizao enquanto um processo gradativo,

    cujos resultados dependem do maior ou menor grau de aceitao ou incorporao, pelos

    indgenas, da idia de coexistncia com um territrio colonial construdo sobre seus

    antigos habitats. Ainda mais, como um processo historicamente marcado por tentativas

    de natureza diversa com o objetivo essencial de integrar os espaos situados na poro

    norte da colnia portuguesa na Amrica como a donataria do Rio Grande ordem

    ocidental8. No compartilhamos da idia, todavia, de que a ocidentalizao tenha

    transmigrado os valores da cultura ocidental e bem assim, suas instituies de

    maneira inclume para o Novo Mundo. Mas, sim, que o Ocidente foi construdo, nas

    terras situadas no ultramar, atravs de mestiagens provenientes de um dado momento

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    histrico de encontros interculturais entre povos de quatro partes do mundo, nos sculos

    XVI, XVII e XVIII.

    A ocidentalizao, pois, no se d momentaneamente. A difuso da cultura

    ocidental se faz pari passu s variegadas frentes de expanso que so dedilhadas pela

    Coroa portuguesa no solo da Capitania do Rio Grande. Frentes que equivalem a

    correntes de povoamento, onde a cruz e a espada andaram juntas no sentido de

    implementarem um novo mundo nos trpicos: desde o litoral, com a constituio de

    uma economia voltada prioritariamente para a atividade aucareira, at o serto, que se

    v inundado, no perodo ps-expulso dos holandeses, por milhares de cabeas de gado

    em suas ribeiras, visando o abastecimento do mercado interno. A observao de

    diferentes acontecimentos ligados ao alargamento das fronteiras coloniais, atravs da

    historiografia clssica potiguar 9, permite-nos distinguir trs momentos bastante ntidos

    do processo de ocidentalizao na Capitania do Rio Grande. Correspondendo, grosso

    modo, aos trs primeiros sculos de colonizao, esses momentos histricos podem ser

    definidos como o de prospeces (sculo XVI), o de experimentos (sculo XVII) e o de

    consolidao do Ocidente nos trpicos (sculo XVIII).

    Neste artigo estabelecemos uma trajetria at esta ltima fase da

    ocidentalizao, que culmina no serto da Capitania do Rio Grande, onde diferentes

    instncias administrativas foram sendo construdas pela metrpole no solo percorrido

    pelo gado, na tentativa de se consolidar cada vez mais a ocupao e o povoamento

    colonial. Uma dessas instncias, de cunho eclesistico, foi a Freguesia da Gloriosa

    Senhora Santa Ana do Serid (doravante, Freguesia do Serid), criada em 1748 com o

    objetivo de cuidar da espiritualidade do aprisco localizado nas ribeiras da poro centro-

    meridional da capitania. Escolhemos a freguesia como o recorte espacial desse estudo

    por se tratar da primeira delimitao do espao que viria a ser conhecido como

    Serid, no mais representado apenas pelo curso dgua homnimo, mas, por uma

    malha de rios: Acau, Serid, Espinharas e Piranhas. Estende-se seu espao de

    abrangncia, um territrio que deveria acomodar um domnio institucional, um locus

    esquadrinhado para que o poder se exera10. Objetivamos, especificamente, reconstituir

    a origem de portugueses que participaram de agrupamentos familiares que surgiram na

    Freguesia do Serid, na tentativa de verificar se, como afirmou a historiografia regional,

    a composio das famlias era predominantemente marcada por elementos de origem

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    portuguesa. Num primeiro momento empreendemos uma discusso historiogrfica

    acerca da relao entre famlia e genealogia em algumas obras consideradas basilares

    para o entendimento da histria e da cultura do Serid, onde percebemos uma primazia

    dada presena lusitana no processo de colonizao das reas sertanejas.

    Posteriormente, a partir de pistas apontadas por estudos da historiografia regional e

    tomando como base uma amostra das fontes paroquiais da freguesia, discutimos a

    origem de colonos luso-braslicos nas famlias instaladas nesse recorte do serto da

    Capitania do Rio Grande no perodo de 1788 a 1811.

    Preeminncia portuguesa na colonizao: enfoques da historiografia regional

    O ponto de partida dessa discusso a historiografia regional11

    produzida por

    pesquisadores e eruditos da regio do Serid ou que se debruaram sobre seu passado

    , cujas obras nos legaram, de maneira geral, uma imagem de que as principais famlias

    da freguesia tinham, predominantemente, componentes de origem portuguesa em sua

    estrutura. Uma tradio que freqente entre esses estudos a de traar um elo entre as

    famlias que povoaram as ribeiras do serto do Rio Grande e os seus descendentes

    incluindo os autores , fazendo aluses s estirpes que colonizaram a freguesia.

    Alguns desses trabalhos assemelham-se a tratados de genealogia, relatando as

    descendncias de patriarcas com numerosa prole, estabelecendo as conexes entre as

    famlias, sua disperso e, em alguns casos, sua representatividade na vida poltica da

    regio.

    A primeira obra a considerar, em observncia ao critrio cronolgico, Homens

    de outrora, de Manoel Dantas. Embora publicado em 1941, rene estudos isolados

    feitos pelo jurista e jornalista seridoense que chegou a exercer o cargo de chefe do

    Poder Executivo de Natal, voltados para a recuperao da memria do Serid e de fatos

    ligados aos principais homens lembrados pela tradio. O primeiro captulo que,

    homnimo, tambm denomina o livro foi escrito em 1898, no qual o autor, ao cultuar

    a memria dos antepassados12, reconstitui narrativas orais ouvidas enquanto criana

    sobre homens importantes dentre os tipos primitivos dos povoadores13 do Serid.

    Uma dessas narrativas menciona a presena de um casal de portugueses, Joo

    Maria Vale e sua esposa, que aportaram na costa de Natal dentro de embarcao de um

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    pirata mourisco, como prisioneiros, nos primeiros anos do sculo XIX. O resgate desse

    casal foi conseguido atravs de uma subscrio ofertada pelos moradores da Cidade do

    Natal, aps o que teria sido levado pelo padre Francisco de Brito Guerra, vigrio da

    freguesia, para o Caic, onde deixaram descendncia. Joo Maria Vale exerceu, a, o

    cargo de tabelio do cartrio por muitos anos, alm de ter sido piloto demarcador de

    terras em praticamente todo o serto do Rio Grande do Norte. Embora se trate de uma

    referncia cronologicamente situada muito alm da dcada apontada por Olavo de

    Medeiros Filho como sendo a de incio efetivo do povoamento colonial no Serid

    (1720), a primeira meno na historiografia regional presena de elementos lusos

    dentre as famlias que deixaram prognie na regio. As outras narrativas colhidas por

    Manoel Dantas e registradas em seu Homens de Outrora, todavia, tendem a enfatizar a

    importncia de sacerdotes e patriarcas luso-braslicos para a histria da regio, em

    detrimento de outros grupos sociais14

    .

    O extremo realce sobre os elementos brancos enquanto predominantes na

    constituio dos grupos familiares que povoaram o Serid encontramos em Famlias

    Seridoenses (1940), de Jos Augusto, considerado o primeiro estudo genealgico

    propriamente dito sobre a regio a ser publicado. Homem ligado poltica e educao,

    Jos Augusto deslinda, em seu texto, os troncos genealgicos das famlias que

    povoaram o Serid: Arajo Pereira, Dantas Corra, Azevdo Maia, Batista, Medeiros,

    Lopes Galvo, Bezerra de Menezes e Fernandes Pimenta, destinando captulos

    especficos para esmiuar as suas origens. Baseado em pesquisa documental, o autor

    levanta uma hiptese, a acreditar na tradio [ oral ]: a de que Jos Dantas Corra (pai

    do patriarca Caetano Dantas Corra), Tomaz de Arajo Pereira (patriarca da famlia

    de mesmo nome, considerada, pelo autor, a que mais estendeu ramos pela regio) e os

    irmos Rodrigo e Sebastio de Medeiros eram portugueses que teriam vindo para a

    colnia e, no caso dos trs ltimos, se enraizado no serto15

    .

    Observando o conjunto dos captulos de Famlias Seridoenses, fica-nos a

    impresso de que todas as famlias da regio correspondem aos troncos genealgicos ali

    apresentados, dado o recorte a que a obra se prope a abranger o Serid. Impresso

    que corrobora o pensamento de Olvia Morais de Medeiros Neta, quando afirma,

    partindo da anlise da obra de Jos Augusto, que seus escritos, ao proporem uma

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    interpretao do Serid, conectam famlia e espao16

    . Vejamos fragmento de um outro

    texto do autor, publicado em 1961, em que esse pensamento emerge:

    TOMAS DE ARAJO PEREIRA, CAETANO DANTAS CORREIA,

    RODRIGO DE MEDEIROS, CIPRIANO LOPES GALVO, todos os

    povoadores iniciais do Serid, troncos das tradicionais famlias que

    ainda hoje vivem na regio, em que trabalham e a que servem, foram

    criadores de gado, opulentos fazendeiros, proprietrios de grandes

    rebanhos17

    .

    Essa conexo entre as genealogias que se formaram no Serid e o territrio por

    elas ocupado tambm se torna perceptvel nas crnicas escritas por Jos Adelino Dantas

    nos anos de 1950, que foram reunidos no livro Homens e Fatos do Serid Antigo

    (1962). O autor, que foi bispo da Diocese de Caic, empreendeu pesquisa documental

    em vrios arquivos do Serid e do Nordeste, na busca por explorar determinados

    aspectos dos homens e dos fatos que marcaram o processo histrico da regio.

    Embora o objetivo de Jos Adelino Dantas no fosse o de escrever sobre

    genealogia, as suas crnicas abordam o papel das famlias tradicionais enquanto

    repositrios de tradies (os patriarcas Tomaz de Arajo Pereira o 2 e Caetano

    Dantas Corra so titulares de captulos especficos do livro), bem como fazem

    sobressair o papel dos colonos luso-braslicos na histria (sobretudo, religiosa) da

    regio. Diferentemente de Jos Augusto, todavia, os textos de Jos Adelino Dantas

    mencionam grupos sociais de diversas naturezas, a julgar pela diversidade de fontes que

    utilizou em suas pesquisas. Na crnica que abre o livro, por exemplo, ao demonstrar a

    validade do uso dos livros de assentos paroquiais para pesquisa, cita os registros de

    enterros que vo de 1788 a 1857, afirmando que neles esto inscritos

    duas mil e muitas criaturas, crianas, moos e velhos; sacerdotes,

    comandantes superiores, capites-mores, patrircas e matriarcas;

    brancos, pretos e ndios; plantadores de currais, de fazndas, de

    matrizes, de capelas, de cidades, de vilas e de povoaes, escravos e

    senhores, todo um cortjo imobilizado pela morte, mas que a mo do

    padre escriba arrancou do esquecimento e fixou para perpetuidade18

    .

    Um desses patriarcas era o coronel Caetano Dantas Corra (1710-1797), que

    Jos Adelino Dantas tomou por objeto de estudo anos depois, em grande parte devido

    ao fato de ser um de seus ancestrais. Em O Coronel de Milcias Caetano Dantas

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    Correia: um inventrio revelando um homem (1977), o autor parte de um documento

    post-morten, o arrolamento e partilha dos bens do patriarca, para historicizar a sua

    origem, descendncia, relao com as atividades econmicas e ainda as diversas

    tradies (pitorescas, diga-se de passagem) transmitidas pela oralidade em relao

    pessoa do coronel. Cruzando fontes de diversas tipologias, Jos Adelino Dantas

    conseguiu estabelecer uma anlise que poderamos, guardadas as devidas excees,

    chamar de microhistrica, com foco em um personagem da elite que, curiosamente,

    era filho de pai portugus e me mameluca.

    A maioria dos estudos que enfocaram histrias locais dos municpios do Serid

    dotou de importncia fazendeiros do sculo XVIII, de origem luso-braslica, que

    deixaram descendentes na regio, tornando-se, pois, na memria familiar, patriarcas

    de extensas rvores genealgicas. Um bom exemplo de estudos como esses Acari:

    fundao, histria e desenvolvimento (1974), de Jayme da Nbrega Santa Rosa,

    qumico industrial e amplo conhecedor do modus vivendi sertanejo. Ao tratar da

    historicidade poltico-administrativa do municpio de Acari, fez sobressair-se, nesse

    processo, os colonizadores de origem luso-braslica, herdeiros de uma longa tradio

    que combinava a cultura e a organizao; o esprito de aventura e de conquista; e a

    prtica da cincia, das artes e dos ofcios, emanados, respectivamente, dos romanos,

    godos e rabes, sociedades que participaram da formao dos territrios da Pennsula

    Ibrica19

    .

    Tratando dos primeiros anos da ocupao do gado no interior do Rio Grande,

    aps as guerras de conquista, o autor afirmou que do litoral vinham para os campos

    livres do serto os portugueses e descendentes prximos com a conscincia de raa mais

    viva e o esprito de aventura construtiva mais forte, sendo descendentes de famlias do

    Minho.20

    Pernambuco e Bahia constituam-se enquanto centros de origens dos colonos

    j nascidos na Amrica portuguesa que se irradiaram pelo serto no perodo ps-

    expulso dos holandeses, durante e aps as Guerras dos Brbaros. Jayme Santa Rosa

    anotou, dentre o que chamou de novos povoadores na Ribeira do Acau, os

    procedentes de Pernambuco: Nicolau Mendes da Cruz, que estabeleceu a fazenda Saco

    dos Pereiras, depois vendida para o seu parente Manuel Esteves de Andrade, sargento-

    mor; Cipriano Lopes Galvo, casado com dona Adriana de Holanda de Vasconcelos, da

    fazenda Totor; Antonio Pais de Bulhes, que estabeleceu-se com fazenda no rio So

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    Jos. Provindo da Bahia, Antnio Garcia de S Barroso, do stio Acari. Vindos do

    Reino, Tomaz de Arajo Pereira, da fazenda dos Picos de Baixo; Alexandre Rodrigues

    da Cruz, da fazenda Acau Velha e Antonio de Azevdo Maia, da fazenda Conceio.

    Procedente da Paraba, Caetano Dantas Corra, da fazenda dos Picos de Cima. E,

    finalmente, sem procedncia definida, Francisco Cardoso dos Santos, do Bico da Arara;

    Francisco Fernandes de Sousa, que requereu terras entre os rios Serid e Coati, alm de

    Cosme de Abreu Maciel, da fazenda Passaribu.

    Essa mesma supervalorizao dos elementos luso-braslicos (em especial os de

    origem reinol) tambm pode ser encontrada na obra Velhas Famlias do Serid (1981),

    de autoria de Olavo de Medeiros Filho, considerada a bblia dos genealogistas

    seridoenses. Fruto de uma intensa pesquisa documental em acervos de diversas

    naturezas no Serid e at mesmo fora do Rio Grande do Norte, o arcabouo do livro

    assemelha-se ao Famlias Seridoenses de Jos Augusto, por tratar da constituio

    genealgica dos habitantes da regio usando-se de captulos especficos para cada uma

    das famlias escolhidas para compor a obra. Esta se desdobra em onze captulos, dos

    quais nove se referem a fazendeiros que moraram na Ribeira do Serid ou de seus

    afluentes, cujas histrias e descendncia vm descritas no livro. Destes, sete eram de

    origem lusitana21

    a julgar pelas evidncias documentais ou da tradio oral coletadas

    pelo autor e dois eram j nascidos na colnia22.

    Assim como no livro de Jos Augusto, Velhas Famlias nos passa a idia de uma

    proeminncia das famlias brancas (com componentes portugueses) na formao do

    territrio seridoense. Embora Olavo de Medeiros Filho, vez por outra, mencione a

    presena de ndios e negros, esta minimizada face ao desenrolar de extensas

    genealogias chegando a ultrapassar trs geraes onde os patriarcas so colonos

    de origem luso-braslica, como j mencionamos no pargrafo anterior. Todavia, alm da

    transcrio de inmeros registros de batizado, casamento e enterro encartados nos

    verbetes dos descendentes dos patriarcas relevante servio para os historiadores que

    vieram a posteriori , o autor forneceu duas chaves explicativas para a compreenso de

    aspectos relacionados emigrao luso-braslica para o serto da Capitania do Rio

    Grande do Norte.

    A primeira est relacionada ao entendimento da superioridade desses colonos

    sobre outros grupos sociais, manifestada, especialmente, no que tange formao de

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    agrupamentos familiares, quando Olavo de Medeiros Filho assinalou que Alm de

    pessoas anteriormente radicadas nas capitanias do Rio Grande, Paraba e Pernambuco,

    afluram ao Serid elementos advindos do reino, os quais se tornaram os fundadores de

    estirpes, que viriam a se constituir na elite social, econmica e poltica da regio.23 Da

    o fato de que a leitura e compreenso de Velhas Famlias como um todo nos passe a

    impresso de que, consultando a obra, estaremos tendo acesso ao espectro dos

    agrupamentos familiares que estiveram presentes na formao do territrio do Serid.

    A segunda chave explicativa tem haver com a regio portuguesa que mais

    ofereceu migrantes para o povoamento do serto do Rio Grande do Norte, que, segundo

    o autor, foi o norte de Portugal e os Aores, a considerar pela amostragem tomada dos

    livros de assento da Freguesia de Santa Ana, que organizamos na tabela abaixo:

    Tabela 01

    Procedncia dos migrantes lusitanos que constituram famlia ou tiveram descendentes na Freguesia do

    Serid

    Regio Freguesia ou Vila Patriarcas

    Aores S. Pedro da Ribeira Seca, Ilha de S.

    Miguel

    Rodrigo de Medeiros Rocha e Sebastio

    de Medeiros Mattos

    Ilha de S. Miguel (sem indicar

    freguesia)

    Jos Incio de Matos, Jos Tavares da

    Costa, Antonio Garcia de S e Manuel

    Pereira Bolco

    Ilha de S. Jorge e matriz da mesma Manuel Vieira do Esprito Santo

    Minho (Braga*) Barcelos Jos Dantas Corra

    Vilar da Veiga Joaquim Barbosa de Carvalho

    Viana do Castelo Tomaz de Arajo Pereira

    Sem indicao Antonio de Azevdo Maia

    Douro (Porto**) Santo Tirso Antonio da Silva e Souza

    S. Vicente de Loredo Jos Ferreira dos Santos

    S. Mamede, Vila da Feira Manoel Pereira de Freitas

    Santa Maria de gua Santa Manoel e Rodrigo Gonalves de Melo

    Vila do Faral Antonio Fernandes Pimenta

    Estremadura Bispado de Leiria Manuel Rodrigues da Silva

    Santa Maria de Lourdes do

    Patriarcado de Lisboa

    Bartolomeu dos Santos

    Trs-os-Montes Torre de Moncorvo Antonio da Rocha Gama

    fonte: MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famlias do Serid, p. 4.

    * Arcebispado; ** Bispado

    Nas obras at aqui apresentadas de autoria de Manuel Dantas, Jos Augusto,

    Jos Adelino Dantas, Jayme Santa Rosa e Olavo de Medeiros Filho constatamos, em

    algumas mais, em outras menos, o reforo da proeminncia de famlias com

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    componente portugus em sua constituio na qualidade de principais sustentculos do

    processo de territorializao do espao antes ocupado pelos nativos. Grupos sociais

    minoritrios, como os ndios, afro-descendentes, ciganos e cristos-novos24

    portanto,

    aparecem com pouca freqncia nessa historiografia regional que produziu

    determinadas verses da constituio familiar da Freguesia do Serid em que outras

    histrias foram, de certa maneira, eclipsadas por uma maneira ocidentalizante de

    produzir o conhecimento histrico. Uma feliz exceo o livro Os lvares do Serid e

    suas ramificaes (1999), de autoria de Sinval Costa, que empreende um estudo sobre a

    famlia Alves no Serid, tratando-se de uma coletnea de informaes genealgicas

    referentes descendncia do portugus Domingos Alves dos Santos.

    Embora trate da histria genealgica de um portugus radicado na Freguesia do

    Serid, Sinval Costa demonstra os entrelaamentos (inclusive, sem a bno da Igreja

    Catlica) entre os descendentes do patriarca e outros grupos sociais minoritrios.

    Alm disso, inclui em apndice um riqussimo conjunto de informaes contendo dados

    sobre casamentos de outros portugueses, ndios e negros25

    coletados nos livros de

    assento da freguesia , o que nos leva a inferir que o autor acredita na possibilidade de

    ter havido agrupamentos familiares de outra natureza na Ribeira do Serid durante os

    tempos coloniais, envolvendo pessoas que no apenas os brancos e/ou descendentes de

    elementos vindos do Reino.

    Colonos portugueses e luso-braslicos no Serid

    Essa outra possibilidade contida na obra de Sinval Costa nos inspirou a

    empreender uma busca no arquivo da antiga Freguesia do Serid. Escolhemos os livros

    de assento de batizados, casamentos e enterros por se tratarem de documentos onde,

    certamente, a origem portuguesa dos colonos estaria patente. Pretendamos examinar os

    registros contemporneos poca da criao da freguesia (1748), mas, os livros que a

    Casa Paroquial So Joaquim dispe apenas iniciam em 1788. Tomamos como amostra

    os livros mais antigos da freguesia: batizados, de 1803 a 1806; casamentos, de 1788 a

    1809; enterros, de 1788 a 1811.

    A anlise que efetuamos tomou como base o instrumental metodolgico da

    demografia histrica, sobretudo o mtodo francs da reconstituio de famlias, que,

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    sem deixar de lado a contagem da populao, anota a maior quantidade de dados

    possvel dos assentos, de modo que haja condies posteriores de se remontar a

    estrutura e a dinmica de uma ou mais famlias26

    . Montamos fichas de catalogao dos

    livros, baseadas no modelo proposto por Fleury-Henry e adaptadas realidade da

    Freguesia do Serid, contendo como campos os dados que aparecem no assento. O

    preenchimento das fichas, a partir da leitura dos livros, nos permitiu analisar, com maior

    rapidez, a estrutura dos assentos e as histrias que eles nos permitem reconstituir. Ao

    todo foram 2.214 assentos lidos e fichados (698 de batizado, 538 de casamento e 978 de

    enterro). Antes de tecermos nossas consideraes sobre eles, cabe admoestar que: 1)

    trata-se de uma anlise por amostragem, ou seja, no pretende fornecer concluses

    acerca da estrutura familiar que predominava no territrio da freguesia na longa

    durao, mas, atm-se apenas s datas-limite fornecidas pelos livros; 2) a anlise dos

    assentos cobre o recorte temporal de 1788 a 1811, perodo, portanto, bastante afastado

    dos anos primeiros da formao de famlias no serto do Rio Grande; 3) o foco da

    leitura dos registros incidiu sobre a populao de origem portuguesa radicada na

    freguesia, bem como nos seus descendentes ou familiares relacionados.

    A primeira constatao que chegamos, ao examinar os registros, diz respeito ao

    nmero de portugueses no territrio da freguesia. Em quase meio sculo de informao

    que os registros de parquia nos proporcionam, encontramos, apenas, 20 portugueses

    habitando nas ribeiras da freguesia, sendo um deles solteiro e os demais casados, com

    famlia constituda. evidente que os documentos paroquiais no constituem os nicos

    produzidos na Ribeira do Serid e mesmo que tais informaes so descontnuas, no

    representando os registros da presena portuguesa nas famlias sertanejas e, to

    somente, alguns desses registros. Contudo, trata-se de um nmero muito pequeno de

    portugueses se estivermos de acordo com a historiografia regional que comentamos no

    item anterior, a qual salientava a forte presena lusitana, quantitativa e qualitativa, na

    formao genealgica do Serid. Esses 20 indivduos eram todos do sexo masculino,

    confirmando a superioridade numrica dos homens em detrimento das mulheres no

    processo de emigrao da metrpole para a colnia27

    razo que fez muitos dos

    colonizadores, no incio do sculo XVIII, a procurar companheiras em ndias28

    e em

    mulheres j nascidas do outro lado do Atlntico.

  • CLIO REVISTA DE PESQUISA HISTRICA n. 29.2 (2011) ISBN 0102-9487

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    Perscrutando o lugar de origem desses portugueses, verificamos que a maioria

    era procedente de freguesias do norte de Portugal: Porto (6), Braga (3), Leiria (2) e

    Trs-os-Montes (1). A regio das ilhas atlnticas (So Miguel e So Jorge) vem em

    segundo lugar (4) no quesito origem dos fregueses radicados no serto do Serid. Trs

    colonos eram provenientes de Lisboa e um outro foi apenas identificado no seu

    assento de enterro como natural de Portugal, sem maior distino do lugar de onde

    proveio. A primazia do norte portugus e das ilhas atlnticas como espaos de

    naturalidade dos colonos radicados no serto j havia sido sentida por Olavo de

    Medeiros Filho, no estudo anteriormente comentado, no qual o autor se debruou sobre

    as primeiras geraes de famlias construdas no solo da Ribeira do Serid29

    .

    Charles Boxer tambm apontou essas regies as ilhas atlnticas e duas das

    provncias nortenhas, Douro e Minho como sendo de alta taxa de emigrao,

    considerando que, por terem como caractersticas a tradio da pequena propriedade e

    da famlia extensa, costumeiramente liberavam mo-de-obra migrante em busca de

    novas oportunidades no alm-mar30

    .

    O cotidiano dessas populaes que se estabeleciam nos rinces da Amrica

    portuguesa era permeado pela esfera da religiosidade. Assim como os sinos das capelas

    erguidas nos povoados mais longnquos ditavam os momentos de maior ateno f

    missas, ofcios, batizados, por exemplo , o tempo cristo preenchia a vida das pessoas

    integradas ao mundo colonial, desde o momento do nascimento at a morte. Tempo

    cercado de pequenos ritos que marcavam as etapas do evolver dos indivduos na sua

    vida privada: o batismo, o casamento e a morte31

    . No bastava nascer para tornar-se

    aceito na sociedade colonial. Era necessrio nascer para a Igreja, atravs da imposio

    dos santos leos na cerimnia batismal32

    . Tratando sobre o tema, Sheila de Castro Faria

    afirmou que o batismo, no mbito da Igreja, era o momento mais expressivo em termos

    de significado ritual, ultrapassando, na prtica, o limite da religiosidade e firmando-se

    como um importante instrumento de solidariedade e de relaes sociais, atravs do

    compadrio33.

    Examinando o livro de assentos de batizados da Freguesia do Serid que vai de

    1803 a 1806, percebemos certa indefinio no que concerne cor ou origem social dos

    catecmenos, vez que cerca de 62% deles no tinham qualquer identificao. 38% dos

    batizandos, por sua vez, foram distinguidos do restante da populao por cor ou ainda

  • CLIO REVISTA DE PESQUISA HISTRICA n. 29.2 (2011) ISBN 0102-9487

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    pelo lugar social, figurando como brancos, negros (com diversas subdenominaes),

    pardos e ndios (ver Tabela 02). Esse painel demogrfico, conquanto represente apenas

    o intervalo de quatro anos, denota o quanto o territrio da freguesia no era habitado

    somente por brancos, mas, por indivduos com diferentes origens sociais inclusive

    relacionando-se entre si34

    . Devemos, todavia, ficar atentos para a massa de 425

    indivduos que simplesmente foram anotados no livro de assento sem qualquer distino

    apenas como fregueses de Santa Ana no momento do batizado , sendo possvel que

    dentre eles houvesse brancos, negros, pardos ou at mesmo ndios.

    Tabela 02

    Batizados da Freguesia do Serid por cor ou lugar social (1803-1806)

    Sem indicao Branco Negros Pardos ndios

    N % N % N % N % N %

    425 62,04 77 11,24 111 16,20 64 9,34 8 1,16

    fonte: Livro de Batizados da Freguesia do Serid, 1803-1806 (universo amostral: 685 registros)

    Recuperamos, nesse livro de assentos, 14 registros de batizados de filhos e 1 de

    neto de portugueses, com ascendncia reinol declarada, dentro dos quatro anos que

    cobrem a data-limite da fonte documental. Das oito meninas e sete meninos batizados,

    apenas trs foram expressamente especificados como brancos, sendo uma do sexo

    feminino e dois do sexo masculino. Identificamos as origens dos padrinhos de 12 desses

    catecmenos: seis foram apadrinhados por colonos j nascidos do outro lado do

    Atlntico e em seis casos os padrinhos das crianas eram portugueses, suas esposas ou

    filhos. Dado que nos permite inferir que havia uma espcie de rede de solidariedade

    firmada entre os colonos oriundos do Velho Mundo e enraizados no territrio sertanejo,

    possibilitada atravs dos laos do compadrio. Tal situao bastante perceptvel

    observando-se a trajetria do comandante Joaquim Barbosa de Carvalho, natural do

    Arcebispado de Braga e que casou em 1789 com Joana Maria da Conceio, filha do

    portugus Manuel Gonalves de Melo, sargento-mor, j estabelecido com fazenda de

    criao de gado na Ribeira do Sabugi. Em 1803, no batizado de Francisca, filha de

    Joaquim Barbosa de Carvalho, foram padrinhos o cunhado Manuel Gonalves de Melo

    (o 2) e esposa, Madalena Maria Teixeira. Trs anos depois, ao batizar a filha Joana, o

    comandante Joaquim Barbosa de Carvalho escolhera como padrinhos o capito Tomaz

    de Arajo Pereira (neto de um homnimo, portugus) e dona Francisca Bernarda

    Sanches, solteira.

  • CLIO REVISTA DE PESQUISA HISTRICA n. 29.2 (2011) ISBN 0102-9487

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    O capito Tomaz de Arajo, pessoa de influncia poltica na Ribeira do Serid,

    apadrinhou outra criana em 1804, junto com Crdula Maria. Trata-se do prvulo

    Antonio, branco, filho do coronel Antonio da Silva Souza e de Teresa Maria da

    Rocha. Estabeleamos as relaes genealgicas e com o Reino, para que possamos

    compreender o contexto em que se deu o apadrinhamento. Antonio da Silva Souza, que

    foi o primeiro Presidente do Senado da Cmara da Vila Nova do Prncipe (1788), era

    natural da Freguesia de Santo Tirso, Bispado do Porto, sendo filho de Joo da Silva

    Jaques e Margarida Dias Fernandes. Teresa Maria da Rocha, esposa do coronel, era

    irm de Crdula Maria (madrinha do pequeno Antonio), ambas filhas do portugus

    Antonio da Rocha Gama, natural da Torre do Moncorvo de Trs-os-Montes, casado

    com Isabel Maria. Um ano depois, ao batizar o filho Francisco, branco, o coronel

    Antonio da Silva e Souza escolhera para padrinhos no patrcios lusitanos ou seus

    descendentes, mas, uma autoridade eclesistica, o padre Francisco de Brito Guerra,

    vigrio colado e proco da freguesia, que, anos depois, exerceria o cargo poltico de

    Senador do Imprio. As redes do compadrio, assim, tanto se estendiam em direo a

    portugueses domiciliados na freguesia quanto a autoridades poltico-religiosas

    influentes na regio.

    A prioridade dada unio daqueles provindos do alm-mar com gente

    descendente de seus compatriotas, pelo instrumento do casamento, tambm foi

    constante nos matrimnios de portugueses que encontramos no livro de assentos da

    freguesia que vai de 1788 a 1809. Nesses 21 anos, de 537 casamentos celebrados no

    territrio da Freguesia do Serid, foram registrados apenas oito casamentos envolvendo

    elementos vindos do Reino, todos do sexo masculino o que confirma a assertiva de

    Maria Beatriz Nizza da Silva, j citada, quando afirmou que a migrao lusa era

    predominantemente de homens, muitos dos quais deixavam suas esposas em Portugal,

    no voltando a ter com elas aps conhecerem o Novo Mundo. O casamento era

    determinado pelas Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), que

    fixavam o ordenamento jurdico do Cristianismo nas possesses lusitanas na Amrica,

    vigorando at o ano de 1917 quando da publicao do Cdigo de Direito Cannico.

    Elas tm suas razes no Conclio de Trento (1545-1563), o qual determinou a

    formalizao da prtica dos registros de batizados, comunhes, crismas, casamentos,

    mortes ou enterros em livros separados e ainda a supervalorizao da famlia

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    institucionalmente constituda atravs do casamento em detrimento de conversaes

    ilcitas, adultrios, concubinatos, amasiamentos e demais formas de convivncia sexual

    e conjugal que no o sagrado matrimnio35.

    Dos oito casamentos mencionados, conseguimos identificar a origem de cinco

    das nubentes36

    . Quatro delas eram filhas de portugueses que anteriormente j haviam

    estabelecido suas fazendas de gado nos lugares Sabugi, Lajes, Caic e Conceio,

    respectivamente, Manuel Gonalves de Melo, Domingos Alves dos Santos, Manuel de

    Souza Forte e Antonio de Azevdo Maia. Uma outra era filha do coronel Caetano

    Dantas Corra, da fazenda dos Picos de Cima, na Ribeira do Acau, este, filho do

    portugus Jos Dantas Corra e de Isabel da Rocha Meirelles (esta, fruto do

    relacionamento de um outro portugus, Manuel Vaz Varejo, com uma ndia da Paraba,

    da qual a tradio no nos legou o nome). Quanto aos noivos, cinco deles eram

    procedentes de freguesias do norte de Portugal, dois das ilhas atlnticas e um de Lisboa,

    dado que refora a predominncia de adventcios vindos da poro nortenha do Reino

    para o serto do Rio Grande.

    Um exemplo que certamente repetiu-se em outros espaos e pocas o dos

    Gonalves de Melo. Histria que se inicia, at onde os registros permitem-nos inferir,

    em Santa Maria de gua Santa, no Bispado do Porto, onde morava o casal Antonio

    Gonalves de Melo e Ana Josefa do Nascimento. Dois filhos emigraram para a colnia.

    O primeiro, Manuel Gonalves de Melo, que chegou a ocupar o posto de sargento-

    mor da Ribeira do Serid e que casou com Joana Maria dos Santos, edificando fazenda

    de criao de gado na Ribeira do Sabugi, onde mantinha oratrio particular. O segundo,

    Rodrigo Gonalves de Melo, que casou em 1807, no oratrio da fazenda do irmo, com

    dona Maria Bernarda da Apresentao. Joana Maria da Conceio, filha do sargento-

    mor Manuel Gonalves de Melo, contraiu matrimnio com um portugus natural da

    Freguesia de Vilar da Veiga, do Arcebispado de Braga, Joaquim Barbosa de Carvalho,

    filho de Joo de Carvalho e de Rosa Barbosa unio donde provieram Francisca e

    Joana, nascidas em 1803 e 1806, respectivamente. Os assentos de casamento e de

    batizado, dessa maneira, nos permitem reconstituir uma genealogia que inicia no

    longnquo Portugal e prossegue com suas ramificaes num dos rinces da Amrica

    lusitana, a Freguesia do Serid.

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    Por fim, sondando os 979 registros de enterros dessa freguesia, no livro cujo

    recorte temporal vai de 1788 a 1811, foram recolhidos dados sobre as exquias de

    apenas trs portugueses: 1) o celibatrio Manuel Fernandes Jorge, enterrado com

    honrarias em 1789 na Matriz de Santa Ana do Serid, por ter sido benfeitor da mesma.

    Nascido em aproximadamente 1691, era parente de Petronila Fernandes Jorge que

    desconfiamos ser uma das primeiras mulheres lusitanas a aportar na Ribeira do Serid ,

    que casou com o tambm portugus Manuel de Souza Forte; 2) Antonio Carneiro da

    Silva, natural de Lisboa (nasceu, provavelmente, em 1697) e que era casado, na

    freguesia, com Domingas Mendes da Cruz; 3) Joo Gualberto Rosa, nascido em Lisboa

    em cerca de 1719, branco conforme o seu assento, capito e vivo de Andreza Maria,

    j falecida na poca de sua morte, em 1799. Acreditamos que, por tratar-se de livro

    dedicado ao ltimo registro da vida dos fregueses, o assento no necessariamente

    precisasse conter informaes sobre a origem do defunto. Podemos aventar a hiptese,

    tambm, de que para os sacerdotes responsveis por anotar os dados das defunes

    nos livros no fosse necessria a informao exata acerca da procedncia do morto,

    desde que fosse cristo e tivesse sido sepultado com os sacramentos.

    Consideraes finais

    A produo do territrio da Freguesia do Serid deu-se a partir dos ltimos anos

    do sculo XVII, avanando pelos anos de 1700, poca em que a pastorcia comeou a

    exercer uma posio social e cultural na Amrica Portuguesa, consolidando a obra da

    conquista37

    . O surgimento das freguesias no sculo XVIII, por conseguinte,

    acompanhava o ritmo do povoamento e o territrio, possuindo, aquelas, uma forte

    homogeneidade econmica e social38. Assim, a instalao de um cruzeiro no dia de

    Santa Ana de 1748, na Povoao do Caic, significava mais que a delimitao de um

    territrio da cristandade: era a prpria reafirmao de posse da terra pela Coroa

    portuguesa, amalgamada com a Igreja Catlica pelos liames do Padroado rgio.

    Explorando a historiografia regional que se ocupou de estudar as genealogias

    formadoras do povo que habitava nessa freguesia, percebemos que suas obras exprimem

    uma sobrevalorizao das famlias brancas e com elementos portugueses em sua

    constituio em detrimentos de outros grupos sociais. Lendo Famlias Seridoenses

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    (1940) e Velhas famlias do Serid (1981), de Jos Augusto e Olavo de Medeiros Filho,

    respectivamente, a impresso que nos fica, de maneira geral, a de um territrio

    colonizado prioritariamente por brancos, de origem portuguesa, que construram suas

    vivncias e sua prole nas ribeiras situadas na poro centro-sul do Rio Grande do Norte.

    ndios, negros, pardos e mestios, portanto, no encontram o mesmo lugar que brancos

    e/ou seus descendentes nessas obras que encenam uma maneira ocidentalizante de

    produzir o conhecimento histrico, em que os atores europeus e/ou sua posteridade so

    alados ao patamar de patriarcas e mesmo fundadores de empreendimentos pastoris

    que tornar-se-iam, no futuro, sedes das municipalidades da regio do Serid norte-rio-

    grandense. Os lvares do Serid e suas ramificaes (1999), de Sinval Costa, ainda que

    se detenha sobre a descendncia da famlia Alves dos Santos originada do portugus

    Domingos Alves dos Santos , nos apresenta cenrios genealgicos outros para a

    compreenso das relaes sociais e familiares na Freguesia do Serid, sobretudo, nos

    tempos coloniais. Cenrios esses onde negros, ndios, pardos e mestios, tanto quanto os

    portugueses e luso-braslicos constituram famlias, trabalharam na faina pastoril ou

    no eito das roas de subsistncia, de mandioca e de milho, alm de terem seus ritos de

    passagem inscritos no rol de assentos dos fregueses de Santa Ana.

    O contato com essa obra induziu-nos a explorar os documentos paroquiais da

    Freguesia do Serid, que, analisados sob a perspectiva metodolgica da demografia

    histrica, tomando como amostra os livros de batizado (1803-1806), casamento (1788-

    1809) e enterro (1788-1811) mais antigos e disponveis no acervo, permitiram-nos

    aduzir que a composio demogrfica da freguesia era muito mais mestia do que a

    historiografia regional expusera em suas obras: brancos (portugueses e luso-braslicos),

    negros (africanos de vrias naes/procedncias e crioulos, escravos e forros), pardos

    (escravos e forros), ndios e mestios nasceram, casaram, morreram e tiveram suas

    vivncias cruzadas no territrio banhado pelo rio Serid e afluentes no perodo em

    apreo. A quantidade de populao expressamente declarada como originria do Reino

    ou descendente dessa encontrada nos registros paroquiais foi muito pequena, em

    relao imagem que os historiadores regionais haviam asseverado em suas obras: a de

    uma primazia demogrfica de portugueses na formao genealgica da Freguesia do

    Serid.

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    Vejamos que, dentre pouco mais de dois mil assentos fichados, para o perodo de

    quase meio sculo (1788-1811), encontramos apenas 20 colonos com origem reinol

    declarada nos registros. Evidentemente estamos lidando com um perodo que se propaga

    quarenta anos aps o que Olavo de Medeiros Filho demarcou como sendo o marco da

    instalao de famlias na Ribeira do Serid, a dcada de 1720 quando, certamente, a

    corrida em busca de terras para a criao de gado seria mais propcia, tendo em vista

    grande parte dos campos estarem livres aps os sangrentos conflitos das Guerras dos

    Brbaros. Tambm no podemos esquecer que a anlise est sendo feita sobre os

    registros da Igreja Catlica, ou seja, outras esferas poltico-administrativas (civil,

    judiciria, militar), que tambm produziam documentao, no esto sendo aqui

    contempladas39

    . Esses dados, todavia, apontam para uma presena reduzida de

    portugueses na constituio das famlias da Freguesia do Serid, que eram originrios,

    em sua maioria, de freguesias do norte de Portugal, das ilhas atlnticas e de Lisboa. Essa

    ltima, segundo Charles Boxer, configurou-se como o espao de proveio, durante todo o

    perodo colonial, a maioria dos emigrantes lusitanos 2.400 pessoas por ano, sendo

    prioritariamente homens vlidos, jovens e solteiros para o Novo Mundo, embarcados

    voluntariamente ou, s vezes, forados. As duas outras regies a nortenha e a insular

    , por sua vez, emergiam como reas de alta taxa de emigrao, como anteriormente

    assinalado40

    . Os portugueses radicados no Serid, pois, desenraizados de sua terra-me,

    reconstruram seu mundo no alm-mar, em uma freguesia situada na aridez do serto do

    Rio Grande do Norte, cenrio onde conviveram com ndios remanescentes das guerras

    de conquista, pretos e pardos (forros e escravos) e mestios, sendo partcipes da vida

    poltica, social e religiosa da regio.

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    1 Mestre em Histria UFRN e doutorando em Histria PPGH/UFPE, sob orientao da Prof. Dr.

    Tanya Maria Pires Brando. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]. 2 Estamos tomando o conceito de aculturao com base na problematizao de WACHTEL, Nathan. A

    aculturao. In: LE GOFF, Jacques ; NORA, Pierre (dir). Histria: novos problemas, p. 113-28. 3 Os nmeros do processo depopulativo na Amrica so assustadores, embora as cifras exatas ainda sejam

    controversas. Manuela Carneiro da Cunha, citando Sapper (1924), Kroeber (1939), Rosenblat (1954),

    Steward (1949), Borah (1964), Dobyns (1966), Chaunu (1969) e Denevan (1976), atribui faixa de 1 a 11

    milhes a populao apenas das terras baixas da atual Amrica do Sul, enquanto que para toda a vastido

    do continente os nmeros iriam de 8 a 100 milhes de habitantes (CUNHA, Manuela Carneiro da (org.).

    Histria dos ndios no Brasil, p. 14). 4 Octavio Ianni, em A era do globalismo, ao tratar desse processo de difuso planetria desde a poca das

    navegaes ultramarinas dos sculos XV-XVI, denomina de transculturao o fato de a globalizao ser,

    concomitantemente, um processo de ocidentalizao do mundo e de orientalizao. Sustenta, por

    conseguinte, que a propagao das culturas em nvel global no se d verticalmente, tomando como ponto

    de partida apenas o Ocidente, mas, propiciando que elementos de culturas africanas, indo-americanas e

    afro-americanas circulem pelo mundo (apud GROPPO, Lus Antonio. Transculturao e novas utopias.

    LuaNova, n. 64, p. 63). Essa posio de entendimento da formao das culturas do Novo Mundo a partir

    da mescla de elementos orientalizantes e ocidentalizantes pode ser vista em trechos da obra de Gilberto

    Freyre (sobretudo Casa-Grande & Senzala). Ao considerar a Pennsula Ibrica ponto de transio entre

    Oriente e Ocidente, Gilberto Freyre assegurou que muitos dos hbitos e costumes em voga no Perodo

    Colonial seriam heranas, sobretudo, dos muulmanos e dos rabes (BASTOS, Elide Rugai. Brasil: um

    outro Ocidente? Gilberto Freyre e a formao da sociedade brasileira, p. 1-16). 5 O conceito e a problemtica da ocidentalizao esto sendo tomados, aqui, de GRUZINSKI, Serge. O

    Pensamento Mestio, p. 63-110. 6 Antes de Serge Gruzinski problematizar os reflexos da ocidentalizao e da mestiagem cultural fruto

    desse amplo processo, a temtica dos intercursos culturais entre povos de diferentes origens, no Brasil, j

    encontrara refgio na obra do historiador Srgio Buarque de Holanda. Referimo-nos a Caminhos e

    Fronteiras (publicado em 1957), onde o autor discute a proposta de aculturao tanto dos indgenas

    quanto dos portugueses. Essa atitude de aculturao do europeu ocasionou-se, segundo o autor, devido ao

    meio hostil e inseguro que fez com que os marinheiros (como eram chamadas as pessoas que vinham do

    Velho Mundo pelo mar) renunciassem a uma vida nobilirquica e sedentria, assimilando os usos e

    costumes indgenas para sobreviver o que acarretava um novo estilo de vida, mestio, parte europeu, parte nativo. Para um aprofundamento desse assunto, consultar HOLANDA, Srgio Buarque de.

    Caminhos e fronteiras. 7 Estamos tratando como resistncia, neste ponto, as diversas formas de oposio do nativo ao

    empreendimento colonial, desde as resistncias mudas ou sub-reptcias at as que tomaram o confronto

    armado como meio de resoluo de suas queixas contra o europeu. Exemplos dessas resistncias podem

    ser vistos em TODOROV, Tzvetan. A conquista da Amrica: a questo do outro, quando analisa as

    reaes e adaptaes das sociedades indgenas da Amrica frente aos conquistadores, bem como em

    BRUIT, Hctor. O visvel e o invisvel na conquista hispnica da Amrica. Cadernos CEDES: a

    conquista da Amrica. 8 PORTO, Maria Emlia Monteiro. Jesutas na Capitania do Rio Grande (sculos XVI-XVIII): arcaicos e

    modernos, p. 15-6. Ao problematizar a relao entre arcasmo e modernidade/tradio e inovao nos

    documentos produzidos pelos inacianos a respeito da Capitania do Rio Grande, a autora afirma que, no

  • CLIO REVISTA DE PESQUISA HISTRICA n. 29.2 (2011) ISBN 0102-9487

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    geral, esse territrio passou por dois momentos para ser integrado na ordem ocidental: um representado

    pela conquista do litoral e outro pela dos interiores. Partindo desse raciocnio, acreditamos que essa

    conquista dos interiores pode ser dividida em dois instantes, um representado pela experincia dos

    holandeses com os nativos, como se o serto fosse um laboratrio do processo de ocidentalizao, e outro

    que se configura como a implantao do Ocidente, tambm no serto, situada historicamente no perodo

    da Restaurao Portuguesa e assinalada com a construo, paulatina, de diferentes nveis da

    administrao lusitana. 9 Entendemos como historiografia clssica potiguar, na veia de Denise Monteiro Takeya, os primeiros

    estudos realizados sobre o Rio Grande do Norte em viso totalizante, com a tentativa de abarcar todos os

    acontecimentos que se deram nesse territrio desde a ocupao colonial at a data de publicao das

    obras. Como primeiros testemunhos dessa historiografia assinalamos as obras de Manuel Ferreira Nobre,

    Vicente de Lemos e Augusto Tavares de Lira. Segue-se a produo de uma histria-sntese do estado,

    bem ao gosto da historiografia emanada do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB) e de suas

    filiais nas unidades da federao, novamente com Augusto Tavares de Lira e acrescendo-se de Rocha

    Pombo e Lus da Cmara Cascudo (TAKEYA, Denise Monteiro. Histria do Rio Grande do Norte:

    questes metodolgicas Historiografia e Histria Regional. Caderno de Histria UFRN, v. 1, n. 1, p. 9). 10

    MACDO, Muirakytan Kennedy de. A penltima verso do Serid: uma histria do regionalismo

    seridoense, p. 67-8. 11

    Historiografia regional est sendo tomada, aqui, como o conjunto das obras publicadas na regio do

    Serid e que versam sobre temas de sua histria e sua cultura, no necessariamente tendo origem

    acadmica. 12

    DANTAS, Manoel. Homens de outrora, p. 5. 13

    Idem, p. 6. 14

    Exceo seja feita para uma breve aluso ao preto Feliciano Jos da Rocha, que migrou para o Serid, onde conseguiu carta de liberdade e constituiu famlia, tendo adquirido fazenda de gado

    (DANTAS, Manoel. Homens de outrora, p. 25-30). 15

    AUGUSTO, Jos. Famlias seridoenses, p. 29; 17; 50. 16

    MEDEIROS NETA, Olvia Morais de. Ser(To) Serid em suas cartografias espaciais, p. 31. 17

    AUGUSTO, Jos. A regio do Serid, p. 20. 18

    DANTAS, Jos Adelino. Homens e Fatos do Serid Antigo, p. 10. 19

    SANTA ROSA, Jayme da Nbrega. Acari: fundao, histria e desenvolvimento, p. 18. 20

    Idem, p. 20. 21

    Pedro Ferreira das Neves, da fazenda da Cacimba da Velha, na Ribeira do Quipau; Tomaz de Arajo

    Pereira, da fazenda So Pedro dos Picos de Baixo; Alexandre Rodrigues da Cruz, da fazenda da Acau;

    Antonio Garcia de S, da fazenda do Quimpor; Domingos Alves dos Santos, da fazenda das Lajes;

    Antonio de Azevdo Maia, da fazenda da Conceio; e Antonio da Rocha Gama, da Vila do Prncipe. 22

    Cipriano Lopes Galvo, pernambucano, da fazenda Totor e Manoel Pereira Monteiro, descendente de

    baianos, da fazenda da Serra Negra. 23

    MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas Famlias do Serid, p. 4. 24

    Segundo Olavo de Medeiros Filho, considerando as informaes fornecidas pela tradio oral, a

    Freguesia do Serid teria sido colonizada, tambm, por cristos-novos imiscudos dentre os

    conquistadores vindos do Reino. Dentre estes, a tradio apontaria como sendo pertencentes gente da

    nao as pessoas de Daniel Gomes de Alarcn, Maria Francisca de Oliveira, Manuel Hiplito do

    Sacramento, Manuel da Costa Vieira, Antonio Fernandes Pimenta e Joana Filgueira de Jesus

    (MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famlias do Serid, p. 5). 25

    COSTA, Sinval. Os lvares do Serid e suas ramificaes. 26

    CARDOSO & BRIGNOLI. Os mtodos da histria, p. 162-203; HENRY, Louis. O levantamento dos

    registros paroquiais e a tcnica de reconstituio de famlias. In: MARCLIO, Maria Luza (org.)

    Demografia Histrica: orientaes tcnicas e metodolgicas, p. 41-63. 27

    SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Histria da famlia no Brasil colonial, p. 151. 28

    MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Desvendando o passado ndio do serto: memrias de

    mulheres do Serid sobre as caboclas-brabas. Vivncia, p. 145-57. 29

    MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famlias do Serid, p. 4. 30

    BOXER, Charles. O Imprio martimo portugus: 1415-1825, p. 66-8. 31

    Partimos da problematizao feita acerca dos pequenos ritos cotidianos do nascer, casar e morrer e de

    sua presena na vida colonial de acordo com PRIORE, Mary del. Ritos da vida privada. In: SOUZA,

  • CLIO REVISTA DE PESQUISA HISTRICA n. 29.2 (2011) ISBN 0102-9487

    25

    Laura de Mello e (org.). Histria da vida privada no Brasil 1: cotidiano e vida privada na Amrica

    Portuguesa, p. 275-330. 32

    Segundo Mary del Priore, A Igreja recomendava aos pais batizar seus filhos assim que possvel. O batismo de crianas livres ou escravos era ministrado por procos ou capeles, sem delongas, para

    garantir aos inocentes que morressem a chance de ir direto ao Cu sem passar pelo Purgatrio (Id., p. 311). 33

    FARIA, Sheila de Castro. A colnia em movimento: fortuna e famlia no cotidiano colonial, p. 304. 34

    Ver, a respeito do tema, MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Ocidentalizao, territrios e

    populaes indgenas no serto da Capitania do Rio Grande, p. 209-68. 35

    PRIORE, Mary Lucy Murray del. Brasil Colonial: um caso de famlias no feminino plural. Cadernos de

    Pesquisa, n. 91, p. 71. 36

    No conseguimos identificar a origem das trs outras noivas. Uma delas era viva (da o cura ter

    omitido nome do falecido esposo e mesmo dos pais) e outras duas no possuam filiao aposta ao

    registro. 37

    LINHARES, Maria Yedda Leite. Pecuria, alimentos e sistemas agrrios no Brasil (Sculos XVII e

    XVIII). Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, Le Portugal et lEurope Atlantique, le Brsil et lAmrique Latine. Mlanges offerts Frderic Mauro, v. 34, p. 5. 38

    SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; LINHARES, Maria Yedda L. Regio e histria agrria. Estudos

    histricos, v. 8, n. 15, p. 4. 39

    Custa-nos, em trabalho posterior, cruzar as informaes produzidas no mbito da freguesia com as que

    foram armazenadas pelo aparelho judicirio da Comarca de Caic (inventrios post-mortem, aes cveis,

    processos criminais e, dentre outros, testamentos) para adensar a investigao. 40

    BOXER, Charles. O Imprio martimo portugus: 1415-1825, p. 66-8.