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A AMOREIRA: A MORTE NOS CLÁSSICOS INFANTO-JUVENIS Cristian Rolin da Silva (PPGL/UFSC) [email protected] Roberta Cantarela (PPGL/UFSC) [email protected]

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Page 1: Cristian Rolin da Silva (PPGL/UFSC) cristianrs@unochapeco.edu.br Roberta Cantarela (PPGL/UFSC) robertaphoenix@yahoo.com.br

A AMOREIRA: A MORTE NOS CLÁSSICOS INFANTO-JUVENIS

Cristian Rolin da Silva (PPGL/UFSC)[email protected]

Roberta Cantarela (PPGL/UFSC)[email protected]

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Resumo

Nos clássicos infanto-juvenis sempre houve em seu cerne a moral como temática. Entre elas, a moral da morte, encenada em clássicos como A Sombra, Roberto do Diabo e Tereza Bicuda. No entanto, a morte nunca esteve tão presente, de forma tão cruel como em A Amoreira, conto alemão dos Irmãos Grimm, datado do século XVIII. A narrativa de tradição oral coletada e descrita pelos Irmãos Grimm é marcada pela brutalidade do infanticídio e pela ingenuidade do pai, que se torna canibal sem sabê-lo. O assassinato do menino por sua madrasta e a vingança do morto são o enredo desse conto, e a amoreira, que oculta o segredo, será o túmulo da assassina. Assim, nota-se que esta história infantil traz em sua trama elementos sobre a vida e a morte, que este estudo pretende analisar. Dessa forma, este trabalho é subsidiado pelos estudos da literatura infantil, a partir dos debates teóricos de Ferraz

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Literatura Infanto-juvenil

Nelly Novaes Coelho (1997) afirma que “a Literatura Infantil é, antes de tudo, literatura, ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra” (p. 24).

Ela continua “Em se tratando de literatura infantil, é preciso lembrar, de início, que além de ser um fenômeno literário ela é um produto destinado às crianças que em suas origens nasceu destinado aos adultos.” (p. 35)

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Irmãos Grimm

“Os irmãos Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) procuraram resgatar a oralidade e o folclore da cultura alemã e dinamarquesa e, num sentido mais amplo, um painel das crenças populares da Europa. Recolheram as tradições orais (contos, lendas e mitos) das antigas narrativas germânicas. Mesmo tendo escrito uma Gramática alemã (1819), eles se tornaram mundialmente conhecidos pela publicação da obra Contos da criança e do lar, editada em 1815, com várias reedições nos anos seguintes, contendo quase 200 narrativas.

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Irmãos Grimm

Tais contos e lendas foram compilados para adultos, mas foram os Irmãos Grimm, pela temática envolvendo o maravilhoso, que dedicaram as compilações para as crianças. Surge, assim, a literatura para crianças, que encantou (e encanta) leitores do mundo todo.” (FERRAZ, 2008a, p. 08)

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Irmãos Grimm

Os Contos de Grimm não são propriamente contos de fadas, distribuindo-se em:

1. Contos de encantamento (histórias que apresentam metamorfoses, ou transformações, a maioria por encantamento);

2. Contos maravilhosos (histórias que apresentam o elemento mágico, sobrenatural, integrado naturalmente nas situações apresentadas);

3. Fábulas (histórias vividas por animais); 4. Lendas (histórias ligadas ao princípio dos tempos ou da comunidade

e em que o mágico aparece como “milagre” ligado a uma divindade); 5. Contos de enigma ou mistério (histórias que têm como eixo um

enigma a ser desvendado); 6. Contos jocosos (humorísticos ou divertidos). (FERRAZ, 2008a, p. 03)

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Conto maravilhoso

Para Todorov (1975, p. 174), o gênero que aplica a falta de hesitação, é o maravilhoso, que existiu desde sempre na literatura e “que implica que estejamos mergulhados num mundo de leis totalmente diferentes das que existem no nosso; por este fato, os acontecimentos sobrenaturais que se produzem não são absolutamentes inquietantes”. (TODOROV, 1975, p. 179 e 180).

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Olhar do psicanalista

Os contos maravilhosos são, [...] histórias familiares,feitas para que possa ser expressa a ambivalência habitualmente oculta. Quer o aspecto ameaçador e detestado da mãe seja exposto, muitas vezes fazendo ela morrer no parto (o que, de resto, era norma no século passado) e substituindo-a por uma madrasta muito má ou bruxa – à qual se opõe um personagem benéfico protetor, fada boa, madrinha, tia, ou um dispositivo mais simbólico como as três crianças que são a contrapartida benéfica das três damas da noite –, quer o pai mande o filho correr o mundo para mostrar seu valor, pondo em risco a sua vida, ou é substituído em seu papel fecundante por uma árvore maravilhosa que ressuscita o herói (conto “A amoreira”),tudo isso remete claramente às fantasias inconscientes dos pequenos leitores, às angústias pré-genitais e às diversas formas do complexo de Édipo. (DIATKINE, 1997, p. 02)

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Conto maravilhoso x morte

“A ação heróica exige sacrifício, maturidade, superação da dor e do sofrimento, persistência, coerência. O conto maravilhoso, em última instância, sempre narra um renascimento. Ser “feliz para sempre” significa vencer a morte. E se morte já é coisa séria o suficiente, vencê-la é questão de competência mágica, determinada pela proximidade com o sagrado, ou seja, com uma coisa igualmente séria. No conto maravilhoso, é o luminoso que torna possível negar a visão trágica da vida.” (MATA; MATA, 2006, p. 19).

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A Amoreira

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Sobre o conto

Diatkine diz que a criança tem enorme atração por fantasmas. Segundo o autor, as crianças não o dizem claramente,mas o fascínio por esse tipo de personagem está ligado à questão da morte. Nesse sentido, faz referência ao conto dos Irmãos Grimm intitulado A amoreira, em que a madrasta mata o menino e o prepara para o jantar do pai. A irmã junta os ossos e os enterra. A criança morta transforma-se em pássaro que canta sempre a mesma canção. (NASCIMENTO et al., 1999, p. 73).

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O papel do pai

“O personagem paterno está no centro da ação, mas sobre ele é mantido silêncio. Cada leitor pode imaginar o que quiser, ou não representar nada sobre esse personagem central se suas disposições internas o levarem a deixar qualquer imagem paterna no campo pré-consciente”. (DIATKINE, 1997, p. 04)

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Olhar do psicanalista

“[...] mesma gota de sangue na neve e a árvore maravilhosa parece fecundar a mãe. A continuação do conto é uma narrativa dupla, uma de pura alegria por parte da amoreira, a outra, a triste história resumida no famoso lamento. As crianças gostam dessa história, que os adultos geralmente acham horrível, pois são sensíveis a tudo o que não está dito mas está implícito sobre a supremacia de Eros sobre Tânatos [personificação da morte].” (DIATKINE, 1997, p. 09)

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Sobre a mãe

“Há muito tempo havia um homem rico casado com uma mulher muito bonita e religiosa; eles se amavam muito mas não tinham filhos, e por mais que desejassem tê-los, não apareciam. À frente da casa havia uma amoreira. Em certo inverno a mulher estava debaixo da amoreira descascando uma maçã e cortou o dedo; o sangue escorreu e caiu na neve. “Ah”, disse a mulher com profundo suspiro, olhando tristonha para aquele sangue, “se eu tivesse um menino vermelho como o sangue e branco como a neve!” Mal acabara de falar sentiu-se serena como se tivesse um pressentimento.” (GRIMM)

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Sobre o mal

“O mal sempre esteve presente na literatura para crianças. Destacamos aqui o Lobo destruindo a casinha dos três porquinhos, as terríveis madrastas da Branca de Neve, da Gata Borralheira e de Joãozinho e Maria, o astuto Lobo Mau e a ingênua Chapeuzinho Vermelho, e a Fada Má da Cinderela. Numa das versões da Branca de Neve, sua madrasta, como castigo, é obrigada a dançar com sapatos de ferro aquecidos. Existirá no mundo universo mais diabólico do que o universo das chamadas estórias pra crianças?” (FERRAZ, 2008a, p. 04)

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O demônio

“O demônio lhe inspirava os piores sentimentos; passou a odiar o rapazinho, a enxotá-lo de um canto para o outro, a esmurrá-lo e empurrá-lo, de maneira que o pobre menino vivia completamente aterrorizado e não encontrava um minuto de paz”. (GRIMM)

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O demônio

“Quando o menino entrou ela lhe disse, com fingida doçura: “Meu filho, queres uma maçã?” e lançou-lhe um olhar arrevezado. “Oh, mamãe” disse o menino “que cara assustadora tens! Sim, dá-me a maçã.” “Vem comigo” disse ela animando-o, e levantou a tampa “tira tu mesmo a maçã.” Quando o menino se debruçou para pegar a maçã, o demônio tentou-a e paff! ela deixou cair a tampa cortando-lhe a cabeça, que rolou sobre as maçãs”. (GRIMM)

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Segundo Cousté (1996, p. 72), o Diabo tem suas limitações, não pode obrigar ninguém a fazer aquilo a que, por natureza ou circunstância, já não esteja de algum modo disposto.

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“As figuras nos contos de fadas não são ambivalentes – não são boas e más ao mesmo tempo, como somos todos na realidade. Mas dado que a polarização domina a mente da criança, também domina os contos de fadas. Uma pessoa é boa ou má, sem meio termo. Um irmão é tolo, o outro esperto. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras são vis e preguiçosas. Uma é linda, as outras são feias. Um dos pais é todo bondade, o outro é malvado.” (BETTELHEIM, 1985, p.17)

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O enterro

“Marleninha, por que choras?” perguntou ele. “Teu irmão voltará logo. Oh mulher, como está gostosa esta comida! Dá-me mais um pouco.” Mais comia mais queria comer, e dizia: “Dá-me mais, não sobrará nada para vocês; parece que é só para mim.” E comia, comia, jogando os ossinhos debaixo da mesa. Marleninha foi buscar seu lenço de seda mais bonito, na última gaveta da cômoda, recolheu todos os ossos e ossinhos que estavam debaixo da mesa, amarrou-os bem no lenço e levou-os para fora, chorando lágrimas de sangue.” (GRIMM)

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“Enterrou-os entre a relva verde, sob a amoreira, e tendo feito isso se sentiu logo aliviada e não chorou mais. A amoreira começou então a se mover, os ramos se apartavam e se reuniam de novo, como quando alguém bate palmas de alegria.Da árvore se desprendeu uma nuvem e dentro da nuvem parecia ter um fogo ardendo; do fogo saiu voando um lindo passarinho, que cantava maravilhosamente e alçou vôo rumo ao espaço; quando desapareceu a amoreira voltou ao estado de antes e o lenço com os ossos havia desaparecido.” (GRIMM)

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“Minha mãe me matou,meu pai me comeu,

minha irmã Marleninhameus ossos juntou,

num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!”

(GRIMM)

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“Quando transpôs a soleira da porta pac! o pássaro lhe atirou na cabeça a pesada mó, que a esmigalhou. O pai e Marleninha, ouvindo isso, correram e viram se desprender do solo fogo e fumaça, e quando tudo desapareceu eis que surge o irmãozinho, estendendo as mãos para o pai e Marleninha; e muito felizes entraram os três em casa, sentaram-se à mesa e começaram a comer.” (GRIMM)

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“As figuras e situações dos contos de fadas também personificam e ilustam conflitos internos, mas sempre sugerem sutilmente como estes conflitos podem ser solucionados e quais os próximos passos a serem dados na direção de uma humanidade mais elevada”. (BETTELHEIM, 1985, p.34)

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Amoreira por Van Gogh

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Referências Bibliográficas

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria – análise – didática. São Paulo: Ática, 1997.

DIATKINE, René. As linguagens da criança e a psicanálise. Ide (São Paulo) [online]. 2007, vol.30, n.45, pp. 35-44. ISSN 0101-3106.

FERRAZ, Salma. O diabo na literatura para crianças. www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/.../Salma%20Ferraz.pdf

http://www.uefs.br/nep/labirintos/edicoes/02_2008/12_artigo_salma_ferraz.pdfLAJOLO, M. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001.MATA, Sergio; MATA, Giulle Vieira da . Os irmãos grimm entre romantismo,

historicismo e folclorística. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Abril/ Maio/ Junho de 2006 Vol. 3 Ano III nº 2 ISSN: 1807-6971 .Disponível em: www.revistafenix.pro.br

NASCIMENTO et al. Morte e Criança. Rev. Min. Enf., 3(1/2):68-74, jan./dez., 1999.TODODOV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. Trad. CASTELLO, Maria Clara

Correa. São Paulo: Perspectiva S. A., 1975. (Coleção Debates).