desenvolvimento econÔmico, desenvolvimento...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
RODRIGO CESAR DE ARAÚJO SANTOS
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO: a formulação conceitual de Caio Prado Júnior
(1954-1958)
GUARULHOS
2014
1
RODRIGO CESAR DE ARAÚJO SANTOS
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO: a formulação conceitual de Caio Prado Júnior
(1954-1958)
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Universidade Federal de
São Paulo como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em História.
Orientadora: Marcia Barbosa Mansor
D’Aléssio.
GUARULHOS
2014
2
Cesar, Rodrigo.
Desenvolvimento econômico, desenvolvimento histórico: a
formulação conceitual de Caio Prado Júnior (1954-1958) / Rodrigo Cesar de
Araújo Santos. – Guarulhos, 2014.
139 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em historia) –
Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Departamento de História, 2014.
Orientadora: Márcia Barbosa Mansor D’Aléssio.
Título em inglês: Economic developmen, historical development: the
conceptual formulation of Caio Prado Júnior (1954-1958).
1. Caio Prado Júnior. 2. Desenvolvimento. 3. Historiografia. 4.
Economia Política. I. D’Aléssio, Márcia Barbosa Mansor. II.
Desenvolvimento econômico, desenvolvimento histórico.
3
RODRIGO CESAR DE ARAÚJO SANTOS
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO: a formulação conceitual de Caio Prado Júnior
(1954-1958)
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Universidade Federal de São
Paulo como requisito parcial para a
obtenção do grau em bacharel em História.
Orientadora: Marcia Barbosa Mansor
D’Aléssio.
Aprovado em: 06 / 08 / 2014
Prof.: Márcia Barbosa Mansor D’Aléssio
Prof.: Fábio Franzini
Prof.: Janes Jorge
4
A Herotildes (in memorian), Anita,
Arminda, Alcina e Jorge (in memorian),
com carinho e admiração.
5
AGRADECIMENTOS
À Deise e ao Ricardo, pela vida, o exemplo, o amor; agradeço a vocês por tudo. À
Carolina e ao Daniel, pela companhia, a amizade e o carinho. Ao pequeno Emilio, por vir ao
mundo e fazê-lo mais feliz.
À querida prof.ª Márcia D’Aléssio, pela sabedoria, compreensão e orientação atenta e
cuidadosa. Ao prof. Janes Jorge, pelo incentivo, apoio e os valiosos comentários.
Aos prof. André Machado, Fabiano Fernandes, Wilma Peres Costa e Samira Osman,
pelos comentários valiosos e, principalmente, pelas críticas pertinentes e construtivas. Ao
prof. Luigi Biondi, pela iniciação na pesquisa acadêmica. Às prof.ª Maria Fernanda Lombardi
Fernandes e Gabriela Nunes Ferreira, pela indicação de bibliografia e a motivação. À prof.ª
Maria Luiza F. de Oliveira, pelas oportunidades proporcionadas.
Ao prof. Marcus Orione, pela disponibilidade, atenção e contribuição.
Ao Dainis Karepovs, pela confiança depositada.
Ao Valter Pomar e ao Bruno Elias, pelo estímulo, o companheirismo e o apoio. À Edma
Walker e ao Cloves Castro, por me inspirarem. À Iole Ilíada, pelos comentários motivadores.
Ao Carlos H. M. Menegozzo, pelas conversas construtivas. À Aline Maciel, ao Sarkis
Alves, ao Fábio Dantas, à Vanessa Nadotti e à Luana Soncini pelo convívio amistoso e pela
sintonia.
À Elisabete M. Ribas, em nome de quem agradeço toda a equipe do Arquivo do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), pelo belo trabalho
realizado, o profissionalismo e a gentileza. À Agostinha C. Bastista, ao Jair F. Balduino e à
Sônia Maria D’Angelis, trabalhadores da Biblioteca Central da Faculdade de Direito da USP,
pela assistência, atenção e dedicação. Ao Geraldo e à Márcia, do Arquivo Geral da Faculdade
de Direito da USP, pela paciência e ajuda.
Aos estudantes, professores e funcionários da Unifesp, pelo aprendizado.
Aos companheiros e companheiras de militância, pelos sonhos compartilhados.
Aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras, por suas lutas e conquistas.
6
A história precisa ser reescrita a cada geração,
porque embora o passado não mude, o presente se
modifica; cada geração formula novas perguntas
ao passado e encontra novas áreas de simpatia à
medida que revive distintos aspectos das
experiências de seus predecessores.
Christopher Hill
O mundo de ponta-cabeça
Em rigor, numa investigação histórica, é estudado
um desenvolvimento (ou um declínio),
desenvolvimento ou declínio de um grupo
definido, entre duas datas definidas. Aquilo que
se procura no estudo metodológico é o
instrumento de análise que torne possível a
edificação racional de cada estudo particular. Em
suma, para que a ciência histórica progrida, o que
conta é a aplicação do instrumento ao caso, e não
o instrumento em si; este não deve transformar-se
em objeto de contemplação.
Pierre Vilar
Desenvolvimento econômico e análise histórica
7
RESUMO
Neste trabalho analisamos o conceito de desenvolvimento de Caio Prado Júnior entre 1954 e
1958. Com isso, visamos contribuir para aprofundar o conhecimento sobre sua obra e levantar
questões sobre as relações estabelecidas entre o autor e diferentes setores do pensamento
econômico e social. Para tanto, investigamos em que medida os debates sobre o
desenvolvimento nos anos 1950 contribuem para sua formulação conceitual, bem como o
modo como se relacionam historiografia e economia política em seu pensamento. Neste
sentido, são úteis as reflexões de Pierre Vilar sobre desenvolvimento econômico e análise
histórica e de Eric Hobsbawm sobre a relação entre economistas e historiadores. Tendo em
vista que as experiências concretas que viveu foram indispensáveis para a formação de seu
pensamento, buscamos compreender a produção de seus textos à luz de diferentes dimensões
da realidade ao seu redor, entre elas: a conjuntura política e econômica nacional, o
pensamento econômico e social brasileiro, o movimento comunista, a Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e o concurso para a cátedra de Economia Política.
8
ABSTRACT
In this work, we analyze Caio Prado Júnior’s concept of development between 1954 and
1958. Thus, we aim to contribute to further knowledge about his work and raise questions
about the relations between the author and various sectors of economic and social thought. To
do so, we investigate to what extent the development debates in the 1950s contribute to his
conceptual formulation, as well as the way by which historiography and political economy
relate in his thought. Therefore, Pierre Vilar’s reflections on economic development and
historic and Eric Hobsbawm’s analysis on the relationship between economists and historians
are useful. Given that the concrete experiences that he lived were indispensable in the
formation of his thought, we seek to understand the production of his texts in the light of
different dimensions of the around him, including: policy and economic national situation, the
Brazilian economic and social thought, the communist movement, the São Paulo University
Law School and the exam for the chair of Political Economy.
9
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 10
1. AS ARCADAS .................................................................................................................... 16
Caio Prado Júnior e as Arcadas ........................................................................................................ 16
Tempos de Caio Prado Jr.: Tempos de memória, Tempos de história (1554, 1827, 1932, 1954) ... 22
Comunistas, trabalhistas, udenistas e militares ................................................................................ 33
2. O CONCURSO .................................................................................................................... 46
O ensino de economia política ......................................................................................................... 46
Procedimentos polêmicos, suspeitas e disputas acirradas ................................................................ 54
Avaliação e resultados: economia ou política? ................................................................................ 61
3. HISTORIOGRAFIA E ECONOMIA POLÍTICA ............................................................... 68
Tempo e análise econômica ............................................................................................................. 68
Economia na dialética da história .................................................................................................... 75
Teoria e prática na história ............................................................................................................... 80
4. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E ANÁLISE HISTÓRICA ................................. 85
Produção e consumo ........................................................................................................................ 85
Estado e mercado ............................................................................................................................. 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 102
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 104
Bibliografia .................................................................................................................................... 104
Fontes ............................................................................................................................................. 113
ANEXOS ................................................................................................................................ 117
IMAGENS .............................................................................................................................. 127
10
APRESENTAÇÃO
O presente momento histórico é profundamente marcado por três processos
interligados: a crise capitalista internacional, a instabilidade geopolítica mundial e as
mobilizações sociais de massas. Temos, assim, um terreno fértil para debates e reflexões
sobre os rumos estratégicos dos povos, nações, continentes e até mesmo do planeta e da
humanidade. Nas discussões, destaca-se entre os formuladores de políticas, tanto do poder
público quanto da sociedade civil, a questão das vias de desenvolvimento econômico e social.
No Brasil, intensificaram-se as controvérsias sobre o tipo de desenvolvimento a adotar,
inclusive a manutenção ou transformação do padrão monopolista e dependente de
desenvolvimento capitalista do Brasil no século XX. Recentemente, os debates envolvendo o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), as taxas de investimento, o papel do Estado na
economia e a larga escala de inserção de setores sociais marginalizados ao mercado de
consumo de massas, reanimam a questão do desenvolvimento.
Com base em diferentes teorias econômicas e modelos de desenvolvimento, forças
sociais de variados matizes do espectro político e inseridas em diversas instituições públicas e
privadas participam da discussão, opinando sobre temas que dizem respeito à economia
política do desenvolvimento. Entre os debatedores, muitos seguem inspirando-se em
formulações produzidas pela intelectualidade nacional e internacional entre as décadas de
1940 e 1970, que tratou de assuntos semelhantes, mas em tempos bem diferentes, obviamente.
É vasta, causou forte impacto político e acadêmico e segue exercendo influência a literatura
produzida neste período a respeito das teorias do desenvolvimento econômico, da economia
política do desenvolvimento, do subdesenvolvimento, da teoria da dependência, do
capitalismo tardio etc.
Entre estas formulações encontram-se as de Caio Prado Júnior, que foi não apenas um
historiador proeminente de seu próprio tempo como segue sendo referência indispensável para
quem deseja conhecer a formação histórica brasileira. Mas foi também um homem de ação,
militante político, membro ativo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), marxista declarado.
Neste sentido, compreender o modo como encarava a “questão do desenvolvimento”, como
ele mesmo se refere, pode contribuir para aprofundar o conhecimento sobre sua análise
historiográfica e levantar questões sobre as relações estabelecidas entre o autor e diferentes
setores do pensamento econômico e social, o que pode ajudar a estimular reflexões sobre as
11
influências do desenvolvimentismo sobre uma parcela da esquerda brasileira na conturbada
década de 1950.
Em uma primeira aproximação, estudar Caio Prado Júnior hoje, depois de tantas
pesquisas realizadas e polêmicas travadas, pode parecer pouco promissor se o que se pretende
é trazer alguma contribuição minimamente relevante para o conhecimento histórico. Mas se a
construção da realidade histórica tem por base a solução de problemas elaborados com
questões do tempo presente, cada momento histórico lançará questões próprias sobre um
objeto que já foi estudado em períodos anteriores. Assim, considerando que no período em
que mais se produziu textos que analisam o pensamento de Caio Prado Júnior a “questão do
desenvolvimento” não esteve tão presente quanto atualmente, estudar o conceito de
desenvolvimento deste autor pode contribuir para levantar novas questões e abrir algumas
sendas interessantes, seja no debate sobre a historiografia brasileira, sobre o pensamento
econômico brasileiro ou sobre uma das principais referências intelectuais de setores da
esquerda que discutem o desenvolvimento hoje.
Neste trabalho, analisamos o conceito de desenvolvimento de Caio Prado Júnior
formulado entre 1954 e 1958. Neste sentido, cabe observar que nosso objeto não é o conceito
de desenvolvimento presente no conjunto da obra de Caio Prado Júnior, mas particularmente
de um período específico, principalmente a partir de duas obras: Diretrizes para uma política
econômica brasileira (1954) e Esboço dos fundamentos da teoria econômica (1957).
Consideramos que o estudo do conceito de desenvolvimento utilizado por um historiador do
século XX pode contribuir na compreensão de sua produção historiográfica. Contudo,
prosseguir neste caminho exige enfrentar algumas questões importantes: qual a influência que
os compromissos políticos do historiador exercem sobre a leitura que faz do processo
histórico? Em que medida as discussões políticas de seu tempo sobre o modelo de
desenvolvimento a ser implementado participa da construção de seu conhecimento histórico?
De que maneira a ideia do desenvolvimento como passaporte para o futuro pode interferir na
sua interpretação do passado? Se admitirmos que a construção da realidade histórica tem por
base problemas elaborados com questões contemporâneas, podemos considerar a posição do
historiador diante do desenvolvimento um fator importante no momento de sua produção
historiográfica?
No caso particular de Caio Prado Júnior – que não se limitou à produção de narrativas
historiográficas, mas cruzou muitas “fronteiras” teórico-metodológicas que diferenciam
disciplinas e campos do conhecimento, e orientou sua investigação científica por uma
12
inquietação prática e política – outras perguntas se fazem necessárias: é possível identificar no
autor influências de correntes do pensamento desenvolvimentista? Em que termos ocorreu o
diálogo entre ele e as doutrinas econômicas que formularam conceitos de desenvolvimento
nos anos 1950? Em que medida os debates e a trajetória do PCB no período condicionaram
suas posições a respeito do desenvolvimento brasileiro? Quais as teorias e interpretações a
respeito do desenvolvimento que Caio Prado Júnior pretendeu desconstruir? Com quem
estabeleceu relações de concordância e de divergência quando se tratava de compreender
processos de desenvolvimento e propor ações para realizá-los conscientemente? Como se
relacionavam desenvolvimento histórico e desenvolvimento econômico nos referidos textos?
Quais as influências exercidas pelos conflitos e contradições vividas por Caio Prado Júnior
durante o processo de concepção e redação destas obras?
Não pretendemos que todas estas perguntas tenham respostas objetivas e conclusivas no
âmbito desta pesquisa: elas servirão mais para nos orientar na investigação do que como
questões que precisam ser encerradas. Portanto, ao contrário de querer formular as respostas
certas, a preocupação maior consiste em fazer as perguntas que nos permitam percorrer os
caminhos mais promissores. Com nossa pesquisa pretendemos contribuir para aprofundar a
compreensão sobre a historiografia caiopradiana, levantar questões sobre as relações
estabelecidas entre o pensamento econômico desenvolvimentista e o autor, bem como
estimular a reflexão sobre a influência do pensamento político e econômico na produção
historiográfica. Neste sentido, nos propomos a trazer à discussão algumas impressões que
possam servir como estímulo para a realização de debates e novas pesquisas. Se conseguirmos
gerar inquietações, indagações e questionamentos nos leitores, e se formos capazes de
estimulá-los a demandar mais conhecimento sobre o tema, nossos objetivos terão sido
cumpridos.
Mas para que não pairem dúvidas sobre nossos procedimentos, cabe um esclarecimento
metodológico preliminar. Segundo Koselleck, estudioso da semântica dos tempos históricos, a
história dos conceitos, sobretudo o método por ela preconizado, é imprescindível para
problematizar a relação entre a história dos fatos e a compreensão que os sujeitos históricos
tiveram destes fatos por eles vividos. Decifrando a temporalidade das experiências e
evidenciando a estratificação de significados atribuídos a elas ao longo do tempo, a história
dos conceitos problematiza as durações, as diferenças entre acontecimentos e estruturas.
13
Assim, a profundidade histórica de um conceito entra em questão e se torna uma exigência
sistemática. 1
Nosso trabalho se dedica a estudar um conceito que, apesar de ter sido compartilhado
por diferentes gerações na curta duração do período que analisamos, foi alvo de disputas em
torno de seu significado. Nos limitamos a buscar compreender melhor um dos agentes desta
disputa, ou melhor, a formulação que este agente produziu para dar significado próprio a este
conceito. Portanto, caso quiséssemos estudar a história deste conceito a partir de Koselleck e,
portanto, sua duração, suas alterações, sua relação com as experiências no tempo, a restrição a
um período tão curto não seria recomendável. Ademais, se não se pode depreender a realidade
histórica apenas a partir do conceito, mesmo que a compreensão deste conceito nos estimule a
refletir sobre esta co-incidência,2 levar a cabo o desafio de relacionar uma realidade vivida
historicamente com o conceito elaborado para apreender esta realidade exigiria muito mais
que a compreensão do conceito de um indivíduo. Em suma, se por um lado não devemos
deixar de levar em conta a consciência que determinada sociedade do passado tem dela
mesma para entender esta sociedade, por outro lado não podemos pretender que os conceitos
que exprimem a consciência desta sociedade possam ser explicados com base em um conceito
produzido de um ponto de vista monográfico. Com isso, não queremos dizer que a história
dos conceitos não compõe nossas preocupações, mas tão somente dizer que nossos propósitos,
mais modestos, não nos permitem incorporar de conjunto as premissas teóricas que envolvem
a produção de uma história dos conceitos.
Considerando que a formulação conceitual de Caio Prado Júnior está vinculada com as
experiências por ele vividas no momento de sua elaboração, buscamos relacionar a trajetória
de vida do autor no contexto político, social e cultural pelo qual circulou com o pensamento
expresso nas obras que então produziu. Neste sentido, ainda que nosso objeto esteja mais
vinculado ao pensamento do autor que às experiências concretas que viveu, sua biografia será
abordada como elemento constituinte e, portanto, indispensável para compreender as
reflexões que realizou. Assim, na abordagem de nosso objeto, pretendemos relacionar quatro
dimensões distintas de um contexto histórico de curta duração: a conjuntura política e
econômica nacional, o pensamento econômico e social brasileiro, o marxismo e o movimento
1 Cf. Reinhart KOSELLECK. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Contraponto; Editora PUC-RIO, 2006, p. 114-5. 2 Ibidem, p. 114.
14
comunista e a Faculdade de Direito da USP no momento em que o autor prestou concurso
para a cátedra de Economia Política. Ademais, as discussões a respeito do método mais
adequado para a apreensão da realidade e a formulação de interpretações históricas, modelos
teóricos e orientações políticas são elementos cruciais da obra de Caio Prado Jr. A análise de
nossas fontes principais visando à compreensão do conceito de seu desenvolvimento deverá
passar, portanto, pelas considerações metodológicas nelas presentes.
No primeiro capítulo, à luz da conturbada conjuntura política e econômica brasileira do
período, das memórias da chamada “Revolução Constitucionalista” de 1932 e do
quadricentenário da cidade de São Paulo (1554-1954), analisamos os traços principais do
ambiente no qual Caio Prado Júnior pretende voltar a integrar, agora na condição de docente,
à Faculdade de Direito da USP, na qual gradou-se em 1928. Iniciamos nosso trabalho com
este foco específico, uma vez que ambas as fontes principais de nossa pesquisa foram
elaboradas em função do concurso para a cátedra de Economia Política da Faculdade: o
primeiro deles, a tese que apresentou à banca examinadora do concurso, Diretrizes para uma
política econômica brasileira (1954), e o segundo, um livro que é uma espécie de acerto de
contas, redigido possivelmente em função de ter sido o último colocado entre os candidatos,
Esboço dos fundamentos da teoria econômica (1957).
No segundo capítulo, apresentamos uma narrativa sobre o referido concurso, tendo em
vista que a historiografia sobre Caio Prado Jr. é unânime em considerar que a banca
examinadora do concurso não lhe concedeu a cátedra por motivações políticas, mas teria lhe
concedido o título de livre docente por reconhecê-lo como um importante intelectual
brasileiro. Por um lado, a análise das atas da Congregação da Faculdade de Direito apontam
em outra direção, pelo menos no que se refere à livre docência: tanto na votação para a
habilitação quanto para a concessão do título de livre docente, a maioria reprovou Caio Prado
Júnior. Entretanto, por outro lado, outras fontes como a Revista e os Relatórios Anuais da
Faculdade de Direito apresentam Caio Prado Júnior como livre docente da instituição. Além
de tentar elucidar tal controvérsia, pretendemos enfrentar a seguinte questão: as motivações
para a reprovação teriam sido apenas políticas, ou havia uma crítica teórica no campo da
economia às teses apresentadas pelo autor no concurso? Para tratar destas questões,
procedemos a uma análise detalhada das disputas, interesses e conflitos envolvendo os
protagonistas do concurso: concorrentes, banca examinadora e direção da Faculdade.
O terceiro capítulo discute as relações de conflito e diálogo, ao longo dos anos 1950,
entre Caio Prado Júnior e alguns setores da intelectualidade. Sua crítica metodológica a outras
15
escolas de pensamento econômico, na medida em que indicam a negação e a afirmação de
formulações alheias, também informam, em certa medida, as formulações teóricas e
metodológicas do próprio autor. Portanto, nossa interpretação de seu conceito de
desenvolvimento inclui uma análise das considerações metodológicas no âmbito da
historiografia e da economia política presentes nos textos de 1954 e 1957 do autor. Para fazê-
lo, buscaremos relacioná-las com as ideias e propostas sobre o desenvolvimento brasileiro que
circulavam na época, inclusive as monografais apresentadas pelos candidatos no concurso da
Faculdade de Direito. Questões relacionadas à teoria e prática, objetividade e subjetividade,
bem como o lugar da história na análise do desenvolvimento econômico da periferia do
capitalismo ocuparão lugar privilegiado.
No capítulo final, analisaremos de que modo Caio Prado Júnior relaciona sua análise
histórica do desenvolvimento econômico brasileiro com sua formulação conceitual de
desenvolvimento. Mais precisamente, estudaremos o modo como Caio Prado Júnior insere as
categorias do desenvolvimento econômico à análise do processo histórico, sugerindo a
hipótese de que, em seu pensamento, desenvolvimento econômico e desenvolvimento
histórico formam uma unidade indivisível, implicando na necessidade de formular teorias do
desenvolvimento econômico que respondessem aos dilemas colocados pelas especificidades
do desenvolvimento histórico de cada sociedade.
16
1. AS ARCADAS
Caio Prado Júnior e as Arcadas
Entre os dias 20 e 28 de maio de 2013, realizou-se na Sala da Congregação da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP) o Ciclo de Debates Caio Prado
Júnior, que contou com quatro mesas de discussão. No primeiro dia, 20 de maio, o tema em
debate foi a trajetória intelectual e política de Caio Prado Júnior. Em seguida, no dia 22,
foram analisadas suas contribuições à história econômica e ao direito econômico. A terceira
mesa, em 24 de maio, tratou do lugar e da contribuição de Caio Prado Jr. ao pensamento
brasileiro. Por fim, no dia 28, debateu-se a trajetória de Caio Prado Júnior e a relação entre as
obras Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e A Revolução Brasileira (1966). 3
O evento foi idealizado e organizado pelo Grupo de Estudos Direitos Humanos,
Trabalho e Marxismo, composto por Marcus Orione, juiz federal e professor livre docente da
Faculdade de Direito, e por seus orientandos. Inicialmente, o grupo propunha-se a realizar o
estudo das obras de marxistas brasileiros, entre eles Caio Prado Júnior, somente depois de ter
finalizado a leitura das obras de Marx e dos marxistas do final do século XIX e início do
século XX. Mas este planejamento trazia um problema, pois “demoraria muito”, uma vez que
o grupo ainda não havia terminado de estudar as obras de Marx. O professor, então,
apresentou uma proposta: “na medida em que nós estamos agora discutindo tanto a questão da
memória, da verdade e assim por diante, por que não resgatar o Caio Prado lá na escola?”
Concretamente, sugeriu que o primeiro evento organizado pelo grupo fosse sobre Caio Prado
Júnior, o que foi aceito rapidamente pelo coletivo. 4
Em seguida, deu-se inicio à organização do evento. Contudo, tendo em vista o
conservadorismo predominante na direção e no corpo docente da FD-USP, buscou-se um
caminho que pudesse “evitar alguns espaços de embate”. Ainda que atualmente o ambiente
acadêmico talvez pudesse permitir sua realização com as formalidades necessárias para tornar
o evento uma atividade de extensão – o que envolveria o trâmite e a aprovação de uma
proposta em diversas instâncias da Faculdade – optou-se “pela forma mais fácil, a maneira
mais informal possível [...] a forma mais intimista possível”. Assim, por exemplo, não houve
a emissão de certificados aos participantes e realizou-se a atividade na Sala da Congregação,
que comporta até 60 pessoas, aproximadamente, e vinha recebendo os eventos menores da
3 A programação completa do evento pode ser consultada no Anexo 1 deste trabalho. 4 Marcus ORIONE, entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2013.
17
Faculdade. De acordo com Orione, o Ciclo de Debates, além da qualidade nas discussões
sobre a vida e a obra do autor, teve o mérito de servir como um registro da ligação entre Caio
Prado Júnior e a Faculdade, que em geral passa despercebida naquele espaço, inclusive entre
os que conhecem sua obra e reconhecem sua contribuição para o pensamento social brasileiro.
Como exemplo, podemos citar um episódio peculiar relatado pelo professor Marcus Orione:
ao sugerir que uma sala da Faculdade de Direito da USP fosse nomeada em homenagem a
Caio Prado Júnior foi questionado, sob o argumento de que haveria outros nomes ilustres que
tiveram uma ligação mais estreita com a casa para serem homenageados. Aos defensores da
proposta interessa saber por que as ligações e passagens de Caio Prado Júnior pela Faculdade
de Direito são tão pouco conhecidas atualmente pelos que circulam nestes ambientes. Por
quais motivos “os fatos não se encontram muito na fala dos poucos interlocutores que
conhecem a história do Caio Prado”? 5
Se por um lado a memória não atribuiu significados sobre a presença de Prado Jr. na
FD-USP, por outro a historiografia recebeu um importante aporte para se refletir a respeito da
relação entre o autor e a academia, particularmente a Faculdade de Direito de São Paulo e a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-USP), fundada juntamente à USP em 19346.
Trata-se da tese de doutoramento de Paulo Henrique Martinez, defendida em 1999 e
publicada em livro em 2008: Dinâmica de um pensamento crítico: Caio Prado Jr. (1928-
1935). Neste livro, Martinez apresenta a trajetória militante e intelectual de Prado Júnior no
período indicado, analisando inclusive seu percurso como estudante da USP em três
momentos distintos. Primeiro, como aluno de graduação da Faculdade de Direito de São
Paulo, onde obteve o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1928. Depois,
como aluno do curso de Doutorado desta mesma Faculdade, no qual fez matrícula em 1932
junto à 2ª Seção (Teoria Geral do Estado e Economia e Legislação Social), mas não o
concluiu – possivelmente em função do levante armado de 1932, que levou à interrupção do
ano letivo em função da participação de professores e estudantes no movimento paulista, ou
pela reorientação de seus interesses políticos, pessoais e intelectuais nos anos seguintes. Por
fim, como estudante de graduação da 5ª Seção (Geografia e História) da FFCL-USP, na qual
matriculou-se em 1934, prosseguiu os estudos em 1935, mas não concluiu o curso, “pois foi
5 Ibidem. 6 Fundada em 11 de agosto 1827, a Faculdade de Direito foi incorporada à Universidade de São Paulo em 1934,
quando da sua criação.
18
preso naquele mesmo ano, na onda de repressão ao movimento comunista de novembro,
embora não tivesse participação efetiva na preparação e eclosão dos levantes armados”. 7
Outros autores que pesquisaram Caio Prado Júnior também abordam sua relação com o
ambiente acadêmico. Para Paulo Miceli, apesar dos textos e reflexões do autor terem exercido
enorme influência sobre professores e estudantes, suas relações com a universidade “nunca
foram de muita cordialidade”.8 Segundo Lincoln Secco, ele “não tinha lugar na academia, não
só porque ela era incipiente no Brasil, mas também porque, sendo comunista militante, sua
entrada nela estava interditada.” Em seguida, arremata com um contrafactual: “Se tivesse sido
um professor universitário, seu fazer intelectual teria sido restringido pelas formas e limites da
investigação acadêmica.” 9
É sempre bom lembrar que jamais saberemos o que aconteceria se o que não aconteceu
tivesse, de fato, acontecido. Como não aconteceu, mesmo os historiadores não podem fazer
mais que especular a respeito. A princípio, fazer afirmações a respeito das consequências de
um contrafactual sobre o fazer intelectual de um sujeito histórico seria mera abstração,
raciocínio lógico. Mas refletindo sobre como elas podem ajudar ou atrapalhar os historiadores
e de que maneira o ato de especular pode ser legitimamente empregado na investigação
histórica, veremos que o recurso do contrafactual pode nos ajudar a pensar sobre as
alternativas consideradas possíveis na época e, assim, compreender melhor o período
analisado a partir das avaliações de seus contemporâneos.10 Neste sentido, se por um lado aos
historiadores de hoje pode parecer evidente que a entrada de Caio Prado Júnior na
universidade como docente estava de fato interditada, por outro, se considerarmos que o
próprio tentou se tornar professor universitário em pelo menos três ocasiões11 e que foi
7 Paulo Henrique MARTINEZ. A dinâmica de um pensamento crítico: Caio Prado Jr. (1928-1935). São Paulo:
Edusp, Fapesp, 2008, p. 166. A trajetória de Caio Prado na FD e na FFCL é narrada principalmente nos capítulos
“Viveiro de Ideais” (p.40-66), “Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras” (p. 164-83) e “5ª Subseção: Geografia
e História” (p. 183-218). 8 Paulo MICELI. “Sobre história, Braudel e os vaga-lumes: a escola dos Annales e o Brasil (ou vice-versa)”. In:
Marcos Cezar de FREITAS (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 260.
9 Lincoln SECCO. Tradução do marxismo no Brasil: Caio Prado Júnior. Mouro: Revista Marxista – Núcleo de
Estudos d’O Capital. São Paulo, ano 1, n. 2, jan. 2010, p. 14-5; idem. Tradução do marxismo no Brasil: Caio
Prado Júnior. In: PINHEIRO, Milton (org.) Caio Prado Júnior: história e sociedade. Salvador: Quarteto, 2011,
p. 65. 10 Cf. Eric HOBSBAWM. “Podemos escrever a história da Revolução Russa?”. In: Sobre história. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013, p. 332-46. 11 A primeira tentativa foi em 1954, quando se inscreveu em concurso para professor catedrático de Economia
Política da FD-USP, mas não foi aprovado. Analisaremos detalhadamente este episódio ao longo de nosso
trabalho. Depois, em 1963, quando foi convidado a dar aulas na Faculdade Estadual de Araraquara – na época,
um dos institutos isolados que posteriormente passariam a fazer parte da Universidade Estadual Paulista, a
Unesp – mas teve sua contratação vetada pelo governo estadual mesmo depois de seu nome ter sido aprovado
19
estimulado por amigos a fazê-lo, podemos dizer que aqueles que viveram a história faziam
uma leitura diferente de quem hoje a escreve. A persistência de Caio Prado evidencia que, de
acordo com sua avaliação, ainda que improvável, seria possível compor o quadro docente de
uma instituição acadêmica. De qualquer modo, o fato de nunca ter lecionado nestas
instituições pode ter contribuído para que as memórias coletivas destes lugares tivessem
pouco ou nenhum registro deste personagem. Mas isso não explica tudo.
Há cerca de trinta anos, dizia Pierre Nora:
A curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a
este momento particular da nossa história. Momento de articulação onde a
consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma
memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente
para que se possa colocar o problema de sua encarnação. 12
Assim, o sentimento de que Caio Prado Júnior foi esquecido pela Faculdade de Direito torna-
se fator de estímulo para que hoje sua memória seja reivindicada, na tentativa de (e como
justificativa para) reestabelecer nexos entre o sujeito e o espaço. Daí a realização de um
evento na instituição como maneira de “resgatar” o personagem e a proposta de nomear uma
sala em sua homenagem. Eis a simbologia e a importância de tais iniciativas:
O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória
porque não há mais meios de memória. [...] Se habitássemos ainda nossa memória,
não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares. Não haveria lugares porque não
haveria memória transportada pela história. 13
Os lugares de memória “nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que
é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar
elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais.” A necessidade dos
lugares de memória é, portanto, característica de nossa sociedade “certamente arrancada de
sua memória pela amplitude de suas mudanças, mas ainda mais obcecada por se compreender
historicamente”. 14
pela Congregação da Faculdade. Cf. Lincoln SECCO. Caio Prado Jr.: o sentido da revolução. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 107. Por fim, em 1968, quando se inscreveu em concurso para a livre docência de História do
Brasil na FFCL-USP, mas teve sua pretensão frustrada em função do cancelamento do concurso após a
decretação do Ato Institucional nº 5. 12 Pierre NORA. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez.
1993, p. 7-8. Traduzido de Les lieux de mèmoire. I La République. Paris: Galimard, 1984, p. XVIII-XLII. 13 Ibidem, p. 8. Nesta passagem, observamos novamente o emprego dos contrafactuais, mas não de modo a nos
aproximar das avaliações dos sujeitos que promoveram o surgimento dos lugares de memória no tempo passado,
e sim como recurso retórico no tempo presente que carece de meios de comprovação. 14 Ibidem, p. 13-21.
20
A este respeito, é exemplar a homenagem prestada a Caio Prado Júnior no dia 1º de
março de 1984. No ano em que foi comemorado o cinquentenário da USP, uma das salas de
aula do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas foi
batizada com seu nome (Figura 1). Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a universidade
“se redimiu do equívoco” de nunca ter contado com Caio Prado em seu quadro de
professores. Na solenidade, estiveram presentes Florestan Fernandes, Edgard Carone,
Fernando Novaes, Simão Matias, Aziz Simão, Carlos Guilherme Mota, Antônio Cândido,
Severo Gomes, Eduardo Maffei, Paulo Sérgio Pinheiro, entre outros. O ex-dirigente do
Partido Comunista Brasileiro Luis Carlos Prestes e o publicitário Carlito Maia enviaram
congratulações. Em retribuição aos elogios e às palavras de reconhecimento Caio Prado disse:
“Essas coisas todas que disseram me tocaram muito, é minha vida. Estou muito
emocionado”.15 A sala Caio Prado Júnior segue sendo a maior do Departamento de História.
Este episódio nos evidencia um dos domínios aos quais pertence os lugares de memória. “O
que os constitui é um jogo da memória e da história, uma interação dos dois fatores que leva a
sua sobredeterminação recíproca.” 16 Material, simbólica e funcionalmente, a Universidade de
São Paulo passava a ser um lugar de memória a respeito de Caio Prado Júnior.
No jogo entre memória e história há desequilíbrios e disparidades, mas também
semelhanças. Ao lado da escassez de memória está a limitada historiografia a respeito da
relação de Caio Prado Júnior com a Universidade de São Paulo. Uma das poucas informações
que atualmente circulam no ambiente acadêmico uspiano a esse respeito provém de um livro,
de autoria da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), O controle
ideológico na USP (1964-1978), publicado originalmente em 1978 e reeditado em 2004, por
ocasião dos 40 anos do golpe de 1964. Note-se, ainda, que o próprio livro indica a falta de
conhecimento que à época se tinha sobre os vínculos de Caio Prado com a USP, até mesmo
entre as autoridades. No dia 28 de abril de 1969, o ex-reitor da USP Gama e Silva, como
ministro da Justiça, assinava com o presidente Costa e Silva e o ministro da Educação Tarso
Dutra, um decreto que aposentava compulsoriamente servidores de órgão da Administração
Pública Federal, mas incluíam na lista três professores da USP, uma universidade estadual.
Hélio Lourenço de Oliveira, Vice-Reitor em exercício substituindo Gama e Silva, protestou.
Em resposta, no dia seguinte novo decreto foi assinado, desta vez dirigido especificamente
contra a USP, no qual se aposentava, ou demitia quando fosse o caso, o Reitor e mais 23
15 "USP presta homenagem ao historiador Caio Prado Jr.", Folha de S. Paulo, 2 mar. 1984, p. 23. A íntegra da
reportagem consta no Anexo 2. 16 Pierre NORA. Entre memória e história: a problemática dos lugares, p. 22.
21
professores. Caio Prado Júnior constava na lista, mas se tratava novamente de uma grave
incorreção no próprio texto do Decreto, pois entre os 24 professores da USP, seis não eram da
instituição. Caio Prado Júnior não tinha cargo na universidade, possuía apenas o título de
livre-docente, que lhe dava o direito de poder vir a disputar um concurso de cátedra, tornando-
o uma ameaça latente e constante aos olhos dos professores conservadores da USP. Em
função do equívoco, os atos foram republicados “por terem saído com incorreções”. Neste
sentido, o Diário Oficial da União de 20 de maio de 1969 republicou o texto do decreto de 29
de abril com um adendo: "determinar a cessação de quaisquer outros vínculos com a mesma
Administração, ainda que não tenham caráter empregatício”. Segundo a Adusp, “a correção
ainda não corrige, porque faz cessar vínculos inexistentes”.17
O caso repercutiu na imprensa. No 1º de maio, o Diário Popular divulgou uma lista
com os professores aposentados pelo decreto presidencial. No mesmo dia, o Correio da
Manhã divulgou matéria contendo pequenas notas biográficas de alguns dos professores da
USP “com fama no mundo” que foram aposentados compulsoriamente. Entre eles estava Caio
Prado Júnior, que teve vários dos seus livros “traduzidos para o inglês e o russo” e “foi eleito
o intelectual do ano em 1966, recebendo o troféu ‘Juca Pato’ das mãos do poeta Cassiano
Ricardo”. No dia 22 do mesmo mês, o Estado de S. Paulo lançou a notícia “Modificado ato
punitivo”, no qual é destacada a ausência do nome de Caio Prado como uma das diferenças do
novo decreto e uma nota da redação: “Os professores agora excluídos da medida punitiva não
mantinham, a rigor, vínculos com a administração pública estadual. O prof. Caio Prado Jr.
tem apenas o título de Docente livre da Faculdade de Direito.” O jornal Última Hora do
mesmo dia, por sua vez, dá mais destaque ao autor com reportagem intitulada “Caio Prado vai
continuar na USP”, na qual é transcrito o novo decreto.18 Nota-se, assim, não apenas a
projeção alcançada então por Caio Prado Júnior ou o interesse de parte da imprensa em cobrir
a crise política e institucional da USP após a decretação do Ato Institucional nº 5. Estava em
questão o tipo de vínculo que o “professor” mantinha com a universidade e a administração
pública estadual.
De qualquer modo, importa notar que a narrativa produzida pela Adusp, na medida em
que compõe o repertório de um dos atuais professores da Faculdade de Direito interessados na
memória do autor19, contribuiu para que a história se torne também um dos domínios dos
17 Cf. ASSOCIAÇÃO dos docentes da USP, O controle ideológico na USP (1964-1978). São Paulo: Adusp,
2004, p. 45-59. Trataremos da questão do vínculo de Caio Prado Júnior com a USP no próximo capítulo. 18 Cf. Dossiê 30-K-33, fundo DEOPS, Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP). 19 Marcus ORIONE, entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2013.
22
lugares de memória. Realizar um ciclo de debates e propor que uma das salas da Faculdade
seja nomeada em homenagem a Caio Prado são ações que compõem um mesmo movimento
em direção à construção de um lugar de memória: debatendo sua vida e sua obra, salienta a
contribuição política e intelectual do autor, atribuindo-lhe valor cultural; demarcando o
espaço, induz a experiência sensível de quem o frequenta, atribuindo-lhe valor histórico.
Ainda assim, estas histórias e memórias são marginais na FD-USP.
Para os nossos propósitos de analisar o conceito de desenvolvimento de Caio Prado
Júnior a partir de textos diretamente vinculados ao concurso para a cátedra de Economia
Política da Faculdade de Direito da USP, a reflexão a respeito da memória dos dias atuais em
torno do autor naquele espaço pode nos ajudar a compreender a própria instituição e, portanto,
um aspecto importante do processo de criação dos referidos textos. Neste sentido, é
importante compreender as Arcadas no período que se inicia quando o concurso é aberto
(1954), passa pela proclamação de seu resultado final (1956), e termina com a publicação de
Esboço dos fundamentos da teoria econômica (1957).
Tempos de Caio Prado Jr.: Tempos de memória, Tempos de história (1554, 1827, 1932,
1954)
Na cronologia da história brasileira, o ano de 1954 é lembrado principalmente como
aquele em que Getúlio Vargas se suicidou. O fato tão marcante da trajetória política e social
do país parecia confirmar que, ao menos para as massas que saíram às ruas para protestar
contra as forças políticas de oposição que queriam derrubar o governo, o mês de agosto,
quando a tragédia se consumou, era realmente o mês do desgosto, como diz o ditado popular.
Esse momento crítico da história foi abordado de diversas maneiras. Entre as mais difundas,
temos o livro Agosto, publicado em 1990. Trata-se de romance de Rubem Fonseca que mescla
ficção e realidade em uma trama que narra a crise que levou Vargas ao suicídio. O sucesso da
obra lhe rendeu em poucos anos uma adaptação para a televisão. Emblematicamente, no dia
24 de agosto de 1993 foi ao ar o primeiro capítulo da minissérie homônima da Rede Globo,
que levou ao grande público uma visão policialesca e romanceada da conjuntura política
brasileira no fatídico mês.
Em 2004, no aniversário de 50 anos da morte de Vargas, ocorreu uma variedade de
seminários, exposições, debates, construção de monumentos e memoriais, artigos em revistas
especializadas, cadernos especiais de jornais, programas de rádio e televisão etc. Por uma
23
infinidade de maneiras, a efeméride serviu como um campo de disputa sobre a memória e o
legado de Vargas, na busca por exercer um controle sobre o passado e, assim, comandar o
presente. Mas a trajetória de comemorações (no sentido de construir memórias) não é recente.
O ano de 1964, quando se completou a primeira década do acontecimento, foi marcado pela
noção de “queda do império getuliano” e a “segunda morte de Vargas”. A deposição de João
Goulart, então seu principal herdeiro político, proporcionou uma conjuntura adversa para o
cultivo de uma memória positiva a respeito de Getúlio. Por sua vez, em 1974 deu-se uma
divisão entre três modos de apropriação da memória de Vargas: “a do regime, que filtrava os
conteúdos estatistas e os usava a seu favor, a dos populares, fragmentada num culto à carta-
testamento, e a da oposição, que utilizava a imagem ditatorial de Vargas para espelhar a
realidade política do país”.20 A década seguinte foi antecedida pelo centenário de seu
nascimento, em 1983. Uma exposição foi organizada pelo Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC/FGV); Paulo Brandi lançou o livro Vargas: da vida para a história; em abril o
Jornal do Brasil lançou um caderno especial; em outubro estreou no Rio de Janeiro a peça
Vargas, de Dias Gomes e Ferreira Gullar; vários artigos, matérias e biografias foram
publicados nos jornais e revistas. Em agosto de 1984, em meio à efervescência da Campanha
das Diretas Já que meses antes havia feito um comício com mais de um milhão de pessoas no
Rio de Janeiro, Tancredo Neves e Leonel Brizola, junto com outros líderes, organizaram uma
caravana à São Borja para prestar homenagem à Vargas. Em 1994, a frase corrente de que “a
Era Vargas acabou” e o processo de abertura da economia, privatizações, redução da ação do
Estado e ajuste fiscal levaram alguns analistas a considerar o momento como “a terceira morte
de Vargas”. 21
No corrente ano, com o 60º aniversário da morte de Vargas, sua memória volta a ser
debatida. Simbolicamente, no 1º de maio que marca seu anúncio de 100% de aumento do
salário mínimo em 1954, estreia o filme Getúlio, de João Jardim. Assim como o livro e a
minissérie Agosto, mas não de modo romanceado, o longa metragem relata o atentado de 5 de
agosto na Rua Toneleros e a crise que em seguida se intensificou até o suicídio do presidente.
Em agosto, João Goulart já não era mais ministro do trabalho, havia caído antes de ver
se concretizar sua proposta de aumento salarial. Nome importante nas atuais rememorações
dos 50 anos do golpe de 1964 e principal herdeiro político de Vargas, Jango não figura entre
20 Marieta de Moraes FERREIRA. Getulio Vargas: uma memória em disputa. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006, p.
5-6. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1592.pdf>. Acessado em: 19 abr. 2014. 21 Cf. Ibidem.
24
os personagens da trama. Em destaque estão Tancredo Neves, então ministro da Justiça;
Alzira Vargas, Chefe de Gabinete e filha de Getúlio; Zenóbio da Costa, Ministro da Guerra;
Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal da Presidência; e Carlos Lacerda, jornalista e
principal liderança da oposição udenista.
Contudo, ressaltamos o destaque dado ao evento para, paradoxalmente, lhe restringir o
alcance em um primeiro momento. Somente em seguida, retomaremos sua influência nos
contextos em que Caio Prado Júnior estava inserido. Afinal, antes da tragédia, que ademais
nunca esteve anunciada, o ano de 1954 transcorria sem esta marca histórica. Com isso em
vista, poderemos compreender como era a Faculdade de Direito da USP quando Caio Prado
Júnior se pôs a escrever Diretrizes para uma política econômica brasileira, monografia que
deveria entregar no ato de inscrição do concurso para a cátedra de Economia Política e foi
concluída em agosto daquele ano. Do mesmo modo, cientes de que o acontecimento foi tão
inesperado quanto surpreendente aos seus contemporâneos, e que já nos primeiros momentos
que lhe sucederam foi aberto um conflito em torno de seu significado, poderemos
compreender aspectos importantes da instituição à qual Caio Prado queria acessar na condição
de professor catedrático.
Deste modo, devemos levar em consideração que em São Paulo, 1954 teve início com
atenção para o IV Centenário da Cidade. A sociedade paulistana estava mobilizada para
celebrar a fundação da cidade, datada de 25 de janeiro de 1554. Na ocasião, tratava-se de
lembrar a primeira missa da então vila de São Vicente, celebrada por Manoel de Paiva, José
de Anchieta e Manuel da Nóbrega por ocasião da inauguração de uma casa de catequese
jesuíta – que posteriormente viria a ser o Real Colégio de Piratininga – em dia
deliberadamente escolhido por ser aquele em que a Igreja Católica celebrava a conversão do
apóstolo Paulo. 22
Mas os preparativos não eram apenas para realizar festejos. Para as autoridades, era
preciso garantir sua segurança. Em 14 de janeiro de 1954, o delegado auxiliar da 5ª Divisão
Policial, Manoel Ribeiro da Cruz, encaminhou o seguinte comunicado a ser expedido via
22 Com diferentes níveis de detalhamento, inúmeros portais eletrônicos fazem referência a este episódio como
momento de fundação de São Paulo, entre eles os de instituições como o Governo do Estado de São Paulo e o
Museu Anchieta. Em uma publicação de 2008 do serviço educativo do Arquivo Histórico de São Paulo (AHSP),
administrado pela prefeitura da cidade, lê-se o seguinte: “A história da fundação de São Paulo começa com a
fundação de uma casa de catequese pelos jesuítas. Estes eram padres que vieram de Portugal com o objetivo de
transmitir aos índios os ensinamentos da Igreja católica. No dia 25 de janeiro de 1554, os padres Manuel da
Nóbrega, José de Anchieta e Manuel de Paiva celebraram a missa que oficializou a instalação dessa casa, só
depois elevada a Colégio.” SÃO PAULO. Conhecendo o Arquivo Histórico Municipal: os primeiros séculos na
cidade de São Paulo. DPH, 2008, p. 18. Como veremos, o consenso em torno deste marco de fundação de São
Paulo carrega um significativo simbolismo que vem se reproduzindo ao longo do tempo.
25
rádio a diversas divisões da polícia paulista, inclusive ao comandante da força pública de São
Paulo, coronel Oscar de Melo Gaia:
Aproximando o dia em que se comemora a fundação de São Paulo, os comunistas
tentarão colocar faixas e fazer pixamento [sic] de paredes; assim, solicito a finesa
[sic] de alertar seus auxiliares no sentido de ser reprimida toda e qualquer
manifestação por parte dos vermelhos, prendendo e fazendo apresentar neste
departamento, juntamente com o material usado, todo aquele que for apanhado
naquelas práticas.23
Dois dias depois, a chefia do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-
SP) enviou solicitação aos delegados de ordem política e social de Belo Horizonte, Curitiba e
Goiânia para “verificar e informar se comunistas desse Estado se dirigem para essa Capital
por ocasião dos festejos do quarto centenário que se iniciarão este mês”. Em seguida, no dia
19 de janeiro, Manoel Ribeiro da Cruz, assinando agora como diretor do DOPS-SP, remete
um novo pedido para que os delegados de Curitiba, Belo Horizonte e Niterói o informassem
“se tem sido notada a vinda de mais elementos comunistas”, indicando que muito
provavelmente havia recebido resposta positiva das primeiras solicitações feitas.24 Na véspera
da segunda solicitação, o Boletim nº 13 do DOPS-SP – informativo de circulação interna que
resumia os atos publicados no Diário Oficial do Estado de São Paulo relacionados à
instituição, sumariava os trâmites burocráticos adotados e organizava os trabalhos de toda a
equipe do Departamento – havia publicado a seguinte recomendação de Cruz:
Praticamente inicia, hoje, o DOPS, a sua tarefa árdua de policiamento dos festejos
do “IV CENTENÁRIO DE SÃO PAULO”. RECOMENDO às autoridades e
funcionários que na manutenção da ordem ou na repressão se conduzam como
sempre se tem conduzido, cuidando do interesse da sociedade sem excessos
reprováveis, mas tendo em vista que São Paulo vive este ano, um ano de privilégio
para os seus habitantes que assistem a passagem de uma data centenário [sic] da
sua existência. 25
Para cuidar do interesse da sociedade, as forças policiais deveriam reprimir os
vermelhos, mas sem excessos reprováveis. Entretanto, para o cumprimento de sua
incumbência de garantir a ordem nos festejos, não bastava a obediência à voz de comando,
seria importante que os oficiais estivessem convictos da importância da ocasião. Assim, no
Boletim nº 16 convocava-se todo o Departamento a comparecer ao Salão Vermelho do Centro
23 RHP 12, p. 184, Dossiê 50-Z-013, fundo DEOPS, APESP. Disponível em:
<http://www.arquivoestado.sp.gov.br/upload/Deops/Boletins/>. Acessado em: 19 abr. 2014. Mais adiante,
teremos a oportunidade de verificar que não seriam os “vermelhos” (ou pelo menos não apenas eles) que
pretendiam protestar. 24 Ibidem, p. 193-4. 25 Ibidem, p. 190.
26
de Estudos do DOPS, no sábado (23), “a fim de assistir a uma solenidade em comemoração à
data de fundação de São Paulo”. 26
Na avaliação das autoridades, tudo transcorreu bem. Cinco mil policiais foram
mobilizados e não houve conflitos com manifestantes, o que era motivo de júbilo. No dia
seguinte às comemorações, o Boletim nº 19 relata que o diretor do DOPS passou um rádio ao
Secretário de Segurança Pública ressaltando a “excelente demonstração de eficiência,
compreensão e civismo” da polícia durante os festejos, ocasião na qual o povo “em sua quase
totalidade, saiu às ruas para viver em comum as horas de glória que a sua terra vive ao
completar mais um século de existência”. A edição seguinte do informativo transcreveu a
resposta de Elpidio Reali, que agradeceu a gentileza e ressaltou a “colaboração eficientíssima”
prestada pelos oficiais que, “demonstrando verdadeira compreensão de seus deveres, não
pouparam esforços, com seu chefe à frente, para que os festejos comemorativos do IC
Centenário da fundação de São Paulo decorrecem [sic] em absoluta ordem e disciplina, sem
um mínimo incidente.” Motivado pelo sucesso, o secretário de segurança emitiu a Portaria nº
7, publicada no Diário Oficial de 27 de janeiro, na qual elogiava os titulares das repartições
envolvidas na ação e autorizava-os a transmitir os elogios a seus subordinados. 27
Este janeiro de 1954 evidencia, como muitos outros momentos da história brasileira, a
relação entre o autoritarismo presente na nossa sociedade e os mitos fundadores da nação. Ao
caso da cidade de São Paulo acrescenta-se ainda aos marcos fundamentais de memória
nacional a ideia de sua fundação como originária da ação católica jesuítica e o mito dos
bandeirantes, atribuindo-lhes o papel de formadores da nação pelo desbravamento e conquista
de seu território. Não se resumindo a uma mera narração dos feitos lendários da comunidade,
o mito tem também o sentido de atribuir a esta narrativa uma solução imaginária às
contradições e conflitos que não são resolvidos concretamente. Particularmente, o mito
fundador impõe um vínculo interno com o passado de origem, ou seja, um passado que não
cessa, conservando-se sempre presente, não permitindo que a diferença temporal possibilite a
compreensão do presente como tal. Assim, pela repetição de algo imaginário, o mito fundador
cria um bloqueio à percepção da realidade e impede os sujeitos de lidarem com ela. A
fundação, se referindo a um momento do passado como instante originário que se mantém
vivo no curso do tempo, aparece emanando da sociedade e, ao mesmo tempo, engendrando a
própria sociedade da qual ela emana. Com isso, os elementos de representação da realidade
oferecidos pelo mito fundador podem ser reorganizados, readequados e repostos a cada
26 Ibidem, p. 195. 27 Ibidem, p. 198-201.
27
momento da formação histórica, o que lhe permite repetir-se indefinidamente, sempre
encontrando novos meios, linguagens, valores e ideias para se renovar mantendo-se, ao fim e
ao cabo, a repetição de si mesmo.28
Deste modo, reaparece o 25 de janeiro de 1554 em diversas ocasiões, sendo o IV
Centenário da Cidade a oportunidade maior de exaltação do mito fundador. Não por acaso,
portanto, o professor Ernesto de Souza Campos encerra com os seguintes dizeres a introdução
ao livro sobre a história da Universidade de São Paulo que o Conselho Universitário, em
sessão de 28 de março de 1951, o havia incumbido de escrever por ocasião dos 400 anos da
fundação da cidade:
Em 1954, comemora-se o IV Centenário de São Paulo e 20º aniversário de nossa
Universidade. A nossa casa, jovem ainda, porém vigorosa e produtiva traz, de par
com a ufania de suas duas décadas de proveitosa existência, contribuição
comemorativa do mais alto grau para a Metrópole paulistana, porque a
Universidade é o espelho da civilização moderna, é a fonte primordial da energia
que impulsiona para a frente e para o alto as nações contemporâneas.
São Paulo, 25 de janeiro de 1954 29
Por sua vez, no prefácio da obra, o então reitor Ernesto de Moraes Leme, professor da
Faculdade de Direito, evidencia os vínculos que se pretendiam estabelecer entre 1554, 1827,
1934 e 1954:
Se o rigor da cronologia faz com que se inicie a história da Universidade de São
Paulo a 25 de janeiro de 1934, quando o decreto nº 6.283 veiu dar-lhe existência
efetiva, poderíamos remontar-lhe a origem a 11 de agosto de 1827, quando se
criou, juntamente com Olinda, a primeira das Faculdades que a integram.
Foi, em verdade, ao se inaugurar em São Paulo o curso jurídico, tão cheio de
tradições, que nasceu a Universidade, instituída por Armando de Salles Oliveira
cerca de cento e sete anos depois. Na Faculdade de Direito vai ela encontrar suas
raízes. [...] 30
Tamanha é a força do mito fundador, que Campos faz a seguinte afirmação sobre a Faculdade
de Direito: “Tão vigoroso impulso imprimiu ao quase vilarejo que em vertiginoso crescimento
chegamos à magestosa [sic] Metrópole de hoje, no seu IV Centenário de fundação”.31 Ou seja,
teria sido a vida social dinâmica proporcionada pela Faculdade a responsável pela
transformação de São Paulo em uma grande metrópole, dotando seu aniversário de 400 anos
de grande significado.
28 Marilena CHAUÍ. “Brasil: mito fundador e sociedade autoritária”. In: Manifestações ideológicas do
autoritarismo brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica Editora; São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013,
p. 152-3. 29 Ernesto de Souza CAMPOS. História da Universidade de São Paulo. São Paulo, Edusp, 2004. 30 Ernesto de Moraes LEME. “À guisa de prefácio”. In: Ernesto de Souza CAMPOS. Idem. 31 Ernesto de Souza CAMPOS, idem, p. 311.
28
Mas não é apenas nos textos que se expressa a repetição do mito fundador: a cultura
material se inclui entre uma das formas de expressão desta sucessiva reposição do passado.
Nas escadarias da Faculdade de Direito da USP, encontra-se, no térreo, um vitral central
representando o antigo convento franciscano que abrigou os cursos jurídicos a partir de 1827
(Figura 2). Em terreno doado pela Câmara em 1642, o convento foi construído em 1647 e
abrigou um pequeno núcleo franciscano na Vila de São Paulo de Piratininga. Datam deste
período o pátio e as famosas arcadas com suas pilastras de alvenaria feitas com argamassa de
saibro e blocos de pedra-ferro, tão característicos das construções eclesiásticas, que viriam
marcar indelevelmente a identidade da futura Faculdade. Depois de proclamada a Lei de 11 de
agosto de 1827 que criava os primeiros cursos jurídicos no Brasil, José Arouche de Toledo
Rendon, nomeado diretor da Academia, emitiu parecer a favor da escolha do convento de São
Francisco para sediar o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, em detrimento dos conventos
do Carmo e São Bento. 32
Contudo, no início dos anos 1930 é posta em discussão a capacidade da antiga
construção de continuar abrigando a Faculdade, mesmo depois de passar por reformas na
década de 1890. Em 5 de dezembro de 1931, Alcântara Machado, então Diretor da Faculdade,
encaminha ofício ao diretor geral do Departamento Nacional de Ensino na tentativa de
convencê-lo da necessidade de ampliação e reforma do edifício, alegando falta de espaços
adequados e condições de higiene, bem como problemas no telhado, nas calhas e nos forros.
As instalações eram consideradas inadequadas para o funcionamento das atividades
administrativas e das aulas, motivando o diretor a fazer constar no relatório referente ao ano
de 1932 que em função da deficiência das acomodações, não foi possível iniciar os cursos
pré-jurídicos – conhecido como Curso Anexo, preparatório aos que prestariam exames para
ingressar na Faculdade. Mas Waldemar Ferreira, diretor que responsável pelo relatório anual
de 1934, alegava que as novas reformas planejadas e executadas logo se mostraram
insuficientes. Mas a polêmica proposta de demolir o velho convento e em seu lugar construir
um novo edifício não se amparava apenas na questão da adequação física das instalações: a
inevitabilidade do progresso do século XX exigia que aquele estorno ao progresso material
fosse substituído por uma construção moderna e monumental, que correspondesse aos anseios
de grandiosidade pretendidos pela Faculdade de Direito. Apesar de objeções, predominou a
noção de que o pesar pelo desaparecimento da velha tradição da cidade – considerada por
32 Cf. Ana Luiza MARTINS; Heloisa BARBUY. Arcadas: História da Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco (1827-1997). São Paulo: Alternativa, 1998, p. 14-29; Ernesto de Souza CAMPOS, História da
Universidade de São Paulo, p. 309.
29
alguns como uma de suas mais preciosas relíquias – seria compensado pelo otimismo do
progresso material e pelo simbolismo de um amplo, moderno e majestoso edifício que fizesse
jus à instituição. Ainda assim, a força da tradição não sucumbiu. Premido pela ideia de que o
prédio, como suporte de memória e portador da tradição que representava os primeiros
estertores de independência intelectual no Brasil, o engenheiro e arquiteto encarregado pelo
projeto do novo edifício, Ricardo Severo – conhecido como precursor do estilo arquitetônico
neocolonial –, buscou conciliar tradição e modernidade na formulação e execução da
proposta. Tratava-se, pois, de conferir um novo sentido aos elementos do passado como
processo de recriação das tradições no novo prédio. Neste sentido, pelo menos três dimensões
do novo edifício garantiriam que estivesse ancorado na tradição: o estilo arquitetônico que
propunha uma estética de retomada da arquitetura colonial brasileira; a presença de artefatos e
elementos da cultura material que evocavam a história da Faculdade; e a recriação de espaços
simbólicos do velho convento, como o pátio das arcadas.33 Neste local, por ocasião da
chamada Festa da Tradição no dia 11 de agosto de 1935, ainda em meio aos escombros da
obra inconclusa, um dos oradores da solenidade matutina, ainda que lamentando o
“desaparecimento do velho claustro”, revelava que a tensão entre modernidade e tradição não
estava apenas na edificação, mas também no sentimento de quem havia frequentado a
Faculdade anteriormente:
De fato, o espírito de quem se detém ante a contemplação daquele sítio, de onde
desapareceu a simplicidade vetusta do antigo convento, e a perspectiva de nele ver
levantar-se o aparato de um palácio, oscila entre o constrangimento saudoso pela
destruição da velha mole, seio de tantas reminiscências gloriosas, e a necessária
conformação com as inelutáveis contingências da vida moderna. 34
Compreende-se, portanto, que aquilo que motivou a preservação das Arcadas no novo
edifício também pesou para o programa decorativo dos vitrais nas escadarias da Faculdade.
No intuito de vincular a instituição com a história de São Paulo, além do antigo convento
franciscano, estão representadas, no primeiro andar, a missa que é considerada seu momento
de fundação (Figura 3), o Pátio do Colégio que é considerado seu local de fundação (Figura 4)
e a partida das monções, simbolizando as bandeiras, seu movimento de expansão (Figura 5).
Indo além, buscava-se relacionar a formação da nação soberana com a fundação da
Faculdade. Na pintura presente em uma das paredes da Sala da Congregação – na qual,
lembremos, ocorreu o Ciclo de Debates Caio Prado Júnior em 2013 – se encontra transcrito o
33 Diego Amorim GROLA. A memória nas arcadas: construção material, simbólica e ideológica do edifício da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2012, p. 27-53. 34 Rodrigo OTÁVIO. Foi um dia um convento. O Estado de S. Paulo, 17 ago. 1935, p. 4 apud Ana Luiza
MARTINS e Heloisa BARBUY. Arcadas, p. 177.
30
artigo 1º da lei de 11 de agosto de 1827, que cria os cursos jurídicos no Brasil. A seu respeito,
Martins e Barbuy fazem o seguinte comentário:
Um valor simbólico é atribuído não só à data de criação dos Cursos Jurídicos mas
também ao fato de sua viabilização através de texto legal, o que no caso das
Academias de Direito, significava o primeiro passo para uma ordem jurídica no
estado nacional. Se a proclamação da Independência, às margens do Ipiranga, em
1822, tinha significado simbólico de emancipação política do país, o
estabelecimento dos Cursos Jurídicos representava sua emancipação intelectual. 35
Certamente, este era o entendimento dos projetistas do novo edifício. Nesta mentalidade se
enquadra o vitral central do segundo andar das escadarias da Faculdade. Criada a partir da
famosa pintura de Pedro Américo, a obra representa o grito da Independência, servindo não
apenas como repositório da memória nacional, mas também como uma ponte entre a nação e
a tradição das arcadas. (Figura 6)
Contudo, entre as memórias que compunham aquele espaço no período de 1954 a 1957,
não havia apenas 1554, 1882 e 1827. Sobre todos esses, mais um sedimento se somava: o
movimento constitucionalista de 1932. Contribuía para isso a presença do monumento “Aos
acadêmicos de direito mortos por S. Paulo em 1932” (Figura 7), inaugurado na referida Festa
da Tradição, em 11 de agosto de 1935. Ademais, no capítulo referente à Faculdade de Direito
do livro de Campos sobre a história da USP, o autor lembrava a “vibrante e comovida oração
de Alcantara Machado”:
Conclamou o espírito das grandes personalidades que saíram dos bancos
acadêmicos da Faculdade de Direito ou ilustraram suas cátedras, para uma
imaginária sessão comemorativa da fundação dos cursos jurídicos, em XI de agosto
de 1932. Saudava os moços que nas linhas de frente se batiam pela
constitucionalização do Brasil. 36
Em seguida, listando as efemérides que registram o que considerou os principais
acontecimentos da Faculdade de Direito, Campos relata à sua maneira os acontecimentos de 9
de julho de 1932:
Nesta data gloriosa para a história de São Paulo, congregaram-se no edifício da
Faculdade, pela madrugada, os moços de São Paulo para a luta que se travou pela
constitucionalização do país. Jovens pertencentes a um Estado cuja população
sempre foi pouco afeita aos serviços de guerra, muitos empunhavam armas pela
primeira vez. Mas não vacilaram em dar seu sangue e sua vida pela redenção
constitucional do Brasil. E ali, na velha escola, orientadora dos destinos jurídicos
de nossa terra, reuniram-se estudantes de todos os setores da vida estudantil e
intelectual de São Paulo, irmanados por um só pensamento, o de repor o Brasil
entre as nações democráticas. A luta foi árdua. O desfecho aparentemente negativo.
35 Ana Luiza MARTINS e Heloisa BARBUY. Arcadas, p. 27. 36 Ernesto de Souza CAMPOS. História da Universidade de São Paulo, p. 317.
31
Todavia, esta foi a semente que mais tarde germinou, restabelecendo a ordem
política, dentro de normas democráticas. Eis uma data que não poderia ficar
esquecida nestas efemérides. E situa-se na Faculdade de Direito, de onde partiu o
grito inicial. 37
O tom de exaltação evidencia não apenas a posição individual do autor e, por se tratar de uma
publicação oficial, a posição da USP: trata-se, sobretudo, de travar uma disputa pela memória
do movimento de 1932.
No mesmo ano em que o livro foi lançado, inaugurou-se uma placa nos muros do
saguão de entrada da Faculdade (Figura 8), uma homenagem do Instituto Argentino-luso-
brasileño de Cultura de Santa Fé “A La Facultad de Derecho de San Pablo, ‘alma mater’ de la
cultura jurídica e de la educación cívica brasileñas.” Não temos informações sobre o Instituto,
mas a julgar pela inscrição “Daqui sahiram campanhas gloriosas” – numa evidente referência
ao 9 de julho e à formação de batalhões no interior da Faculdade –, observa-se a intenção de
fortalecer determinada memória em relação ao evento. Soma-se a isso, a data gravada na
placa: 28 de agosto de 1954, poucos dias depois do suicídio de Getúlio Vargas, contra quem
se insurgiu o movimento paulista em 1932.
No mês anterior à inauguração da placa, circulou o manifesto “9 de Julho” do Centro
Acadêmico XI de Agosto, assinado por Victor Augusto Fasano, seu presidente.38 Em tom
poético e dramático, o documento se propunha a demarcar politicamente com quem
consideravam traidores de duas “revoluções”, a de 1930 e a de 1932. Os primeiros seriam
traidores porque “a Constituinte não vinha, não vinha nunca”, o que marcava “o início da
carreira de traição e mentira do homem que se tornou beneficiário dela”, numa nítida alusão a
Vargas. Os segundos, “homens que aderiram, que transigiram, que traíram porque isto lhes
pareceu mais vantajoso do que continuar fiéis aos ideais de 32”, numa possível alusão a
Miguel Reale – professor da Faculdade de Direito que foi Reitor da USP no período 1949-
1950 e teve participação no movimento de 1932, mas que depois de abandonar o integralismo
apoiou o Estado Novo e, em 1951, defendia a fusão de seu partido, o Partido Trabalhista
Nacional (PTN), com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Vargas.39 Para os autores do
manifesto o “Nove de Julho foi esquecido. (...) 32 está longe e é fácil esquecê-lo”, sendo
37 Ibidem, p. 322.
38 Em eleição realizada no dia 16 de outubro de 1953 que contou com 1331 votos válidos, Fasano, do Partido
Acadêmico Libertador, concorreu com os estudantes Maurício dos Santos, Wladimir Ximenes e Wanderley
Racy, elegendo-se presidente com 668 votos, perfazendo 50,18%. Cf. Dossiê 20-C-011, (320), fundo DEOPS,
APESP. 39 Cf. Dossiê 24-Z-003 (76), fundo DEOPS, APESP; ver também entrevista de Miguel REALE em Ana Luiza
MARTINS e Heloisa BARBUY. Arcadas, p. 236-44.
32
necessário lembrar que “foi uma epopeia, o marco inicial de uma grande epopeia”. A disputa
política imediata, portanto, era travada também pelo combate ao esquecimento. 40
Em 1957, quando se completavam 25 anos do movimento constitucionalista, as
celebrações tiveram grande pompa. No dia 7 de julho foi feito, em cortejo fúnebre e com a
presença do Governador de São Paulo, o translado dos restos mortais dos “heróis de 32” que
eram expostos na Praça da República para o saguão da Faculdade de Direito. No dia seguinte,
com a presença de veteranos de 1932, familiares dos mortos, autoridades civis e militares,
estudantes, professores e demais cidadãos paulistanos, foi feito novo translado dos restos
mortais para a Catedral Metropolitana, onde ficariam até o dia seguinte. Na manhã de 9 de
julho, em solenidade especial, o toque de alvorada foi dado pelos veteranos de 1932. Pela
noite, no pátio das arcadas, foi realizada sessão solene com a presença do Secretário de
Segurança Pública de São Paulo, o Reitor da USP, o Diretor da Faculdade e demais
convidados. Segundo relatório investigativo do DOPS, os oradores afirmaram que “a
revolução ainda não terminou” e conclamaram os presentes a manterem “sempre acesa a
chama que iluminou o espírito dos revolucionário de 32” e cultuarem “a tradição para que
esse movimento jamais seja esquecido.” No encerramento do evento, o Diretor Gama e Silva
inaugurou uma placa gravada com poema de Ibrahim Nobre, onde se lê: “As gerações que
viverem as arcadas / Saberão transmitir e sustentar / Sob a clara memória desses idos / A
flama excelsa e viva dessa fé.” (Figura 9). Novamente o recurso à memória e o combate ao
esquecimento. Novamente a presença do movimento constitucionalista.
De acordo com o Anuário da Faculdade de Direito de 1932, Caio Prado Júnior
encontrava-se matriculado no curso de Doutorado da Faculdade de Direito, cujo envolvimento
no levante militar daquele ano foi intenso, levando à paralisação das atividades acadêmicas.
Mas Prado Jr. não aderiu à causa dos constitucionalistas e, segundo sua primeira esposa,
Hermínia Cerquinho, optou por retirar-se para uma das propriedades rurais da família durante
os meses de conflito. 41 Décadas depois, em junho de 1978, quando perguntado se teve algum
envolvimento em 1932, respondeu:
40 Cf. Dossiê 20-C-011 (353), fundo DEOPS, APESP. Não podemos deixar de transcrever o parágrafo inicial do
manifesto, atestando que seus autores estavam fielmente embalados pelo mito fundador do Brasil e de São Paulo:
“Pelos anos de 1500 houve em Portugal o tempo em que os portugueses desvendavam os mares. Tempos dos
navegantes. E nossas terras foram descobertas então. Mas como se não bastassem as aventuras do navegado mar,
pelo fascínio da terra e o desejo de fazer um povo, em nome de El Rey, em nome de Cristo, surgiu um novo
homem, a quem chamaram paulista e uma nova aventura a que a história denominou o tempo das Bandeiras.” 41 Cf. Paulo Henrique MARTINEZ, A dinâmica de um pensamento crítico, p. 78.
33
Nessa época já estava no Partido Comunista e fui contra. Contra os dois lados. Era
contra Getúlio, porque já havia passado dois anos desde a Revolução e não se
fizera nada do que eu imaginava que se deveria fazer. As viagens pelo Brasil me
mostraram que vivíamos num país de miseráveis, de pobreza e sofrimento. E
imaginara que a Revolução fosse realmente começar a modificar a situação, a fazer
alguma coisa. Talvez fosse um pouco apressado, por ser moço ainda e desejar
realizar tudo de um dia para o outro. Eu era contra o governo, mas muito mais
contra a gente daqui de São Paulo. O comando de 32 explorou o ressentimento
paulista. 42
Na avaliação de Caio Prado, a massa do povo foi contra o movimento de 1932 por ser
simpático à Revolução de 1930 e enxergar em Getúlio a encarnação de uma aspiração de
mudanças, sendo que os setores reacionários temiam justamente isso em Vargas.
São Paulo, 25 de janeiro de 1554; 11 de agosto de 1827; 9 de julho de 1932. De certa
maneira, as memórias emuladas por estas datas confluíram para o dia 24 de agosto de 1954 no
Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, e seus desdobramentos. Mas para compreender melhor
este processo, devemos nos debruçar sobre as conexões entre as tensões e conflitos políticos
nacionais e o modo como esta conjuntura se desdobrava na cidade de São Paulo e na sua
tradicional Faculdade de Direito.
Comunistas, trabalhistas, udenistas e militares
A conjuntura política brasileira do período que estamos analisando já foi vastamente
abordada pela historiografia. Mesmo que isso não signifique que o assunto esteja esgotado,
podemos dizer que o conhecimento sobre o assunto é suficiente para nossos objetivos. Não
pretendemos sumariar, debater exaustivamente ou simplesmente reproduzir a produção
historiográfica disponível, pois isso fugiria de nossos propósitos. Tomando-a como base
buscaremos relacionar, de um lado, a dinâmica da luta política e as movimentações de seus
principais atores nacionalmente e, de outro, as ações e reações dos sujeitos que frequentavam
o “majestoso” prédio do Largo do São Francisco. Com isso, nos aproximaremos um pouco
mais de parcela dos ambientes geral e específico nos quais e para os quais Caio Prado Júnior
produziu os textos. Neste mesmo sentido, por ser marxista e militante comunista, daremos
atenção especial à atuação do PCB nesta conjuntura. Ainda que as posições de Caio Prado não
coincidissem necessariamente com as de seu partido, importa saber como agiu o grupo do
qual fazia parte.
42 “É preciso deixar o povo falar”. Entrevista. Em Lourenço Dantas MOTA (coord.). A história vivida. São
Paulo: O Estado de S. Paulo, 1981, p. 305 (v. 1).
34
Se o alvorecer de 1954 em São Paulo teve o IV Centenário como principal atrativo, na
Faculdade de Direito não foi diferente. O DOPS-SP, preocupado com o sucesso dos festejos,
ou seja, com a garantia da ordem, não deixou de investigar como se preparavam os estudantes
do Largo de São Francisco para a ocasião. Por meio de seus relatórios é possível perceber o
grau de tensão política que existia com a possibilidade do presidente Getúlio Vargas participar
das celebrações. Diversas reuniões estudantis vinham se realizando para organizar uma
passeata no dia 25 de janeiro em protesto à presença de Vargas: no caso, os estudantes
deveriam repetir em voz alta por várias vezes a palavra de ordem “Fora Corrupção” quando
passassem pelo palanque oficial. O estudante Marcos Pereira alegava que desde o momento
em que assumiu a presidência, Getúlio “tudo fez para prejudicar São Paulo [...]; não é justo
portanto que ele venha a uma festa à nossa casa.” Outro aluno, José Gregório, propôs que caso
o presidente de fato fosse a São Paulo, que o Centro Acadêmico XI de Agosto pusesse
“bandeira em funeral e os alunos de gravata preta”. Contudo, prevaleceu a posição moderada
de Alfredo Arduini apresentada em reunião da diretoria da entidade estudantil no dia 11 de
janeiro:
São Paulo estará em festas. Turistas em quantidade estarão presentes. E nós
devemos dar mais do que ninguém uma demonstração de respeito aos homens que
dirigem nosso país. Podemos não admirar o Sr. Getúlio Vargas, porém devemos
respeitar em nossa festa magna, a figura do Presidente da Nação, seja ele quem for.
Não gostamos do homem, mas valorizamos o título e a posição que ele ocupa.
Principalmente e considerando-se que o “XI de Agosto” tomará parte nos festejos,
fazendo realizar uma serenata, serenata esta que foi lembrada especialmente pelo
Senhor Governador; indicando os alunos desta casa para relembrar São Paulo da
serenata, da garoa, do paulista. 43
Mas isso não impediu que posteriormente o estudante de filosofia Luiz Alves Trancoso
fizesse um pronunciamento enfático em reunião do dia 16 com a presença de estudantes das
faculdades de Direito, Filosofia e Politécnica:
Meus colegas! Poderá ser antipática minha argumentação. Poderá causar espécie
meu ponto de vista, mas sou, como paulista, e disso muito me orgulho, contrário à
pessoa do Senhor Vargas. Este homem, colegas, dorme procurando em seu sono
satânico, um “que” com que possa prejudicar São Paulo. [...] Vem este homem
arruinando o país há 20 anos, e a base de sua perseguição é São Paulo, que cometeu
o crime de colocar-lhe na garganta um espinho em 1932. Não há miolo de pão
brasileiro que lhe arranque esse espinho. Por isso São Paulo terá que pagar. Se
houvesse uma figueira, capaz de enforcar um Estado, São Paulo seria a vítima; e o
tambor seria o repicar da dentadura de Vargas no seu sorriso maquiavélico. É
ferrenho inimigo dos Paulistas. [...] É esse o homem que vem a São Paulo, no dia
25. Por certo virá sorrir satanicamente dos mesmos homens que o enfrentaram em
43 Dossiê 20-C-011 (333) (332), fundo DEOPS, APESP.
35
32. Não devemos permitir que ele venha. Se vier façamos seu enterro. O caixão
está pronto. O defunto vai chegar. 44
Aprovou-se que caso Vargas fosse a São Paulo haveria protesto com uma passeata na qual
seria carregado um caixão. Os professores que acabavam de sair de uma reunião da
Congregação da Faculdade tomaram conhecimento da decisão e buscaram demover os
estudantes da posição, sob o argumento de que deveriam ser dadas demonstrações de
solidificação do regime e respeito às autoridades, o que foi conseguido.
Mas a oposição estudantil à Vargas que se manifestava entre os muros da Faculdade não
se restringia a ela. Anteriormente, no dia 12 de dezembro de 1953, no Monumento do
Ipiranga, havia sido realizado comício de lançamento do Movimento Cívico de Recuperação
Nacional, impulsionado pelo XI de Agosto. O local foi estrategicamente escolhido: “Ao lado
de um símbolo de liberdade política de São Paulo também partirá o grito da liberdade
espiritual contra as forças da degradação moral”, dizia o panfleto que convocava o ato.45
Fizeram uso da palavra no comício o político Otávio Mangabeira, o prefeito Jânio Quadros, o
jornalista Carlos Lacerda e o escritor Paulo Duarte. Apesar de aparentemente expressivo, o
movimento, na avaliação do investigador do DOPS, não encontrou a repercussão desejada por
seus organizadores. Trabalhistas, ademaristas e comunistas seriam contrários e outros tantos
consideravam que a iniciativa não deveria servir para satisfazer meia dúzia de udenistas e
outro tanto de janistas.46 Como vimos, sob a direção de Victor Fasano o Centro Acadêmico
XI de Agosto mantinha relações políticas com importantes lideranças conservadoras. Mas os
contatos não se limitavam ao meio civil.
A partir da ditadura do Estado Novo, depois da repressão dos comunistas, dos
integralistas e das oligarquias regionais, os militares passaram a ser os fiadores, mais do que
da defesa nacional, também da ordem interna e da política de desenvolvimento econômico
industrial. A partir de 1947, o advento da guerra fria inaugurou um período em que os setores
conservadores das Forças Armadas visavam uma intervenção mais orgânica dos militares na
política, em termos institucionais e não apenas individuais. Com a criação da Escola Superior
de Guerra (ESG) entre 1948 e 1949, que surgiu mais como uma escola de altos estudos
sociais, políticos e econômicos do que apenas uma escola de guerra, estreitaram-se os laços
entre elites militares e civis no combate ao comunismo. Assim, desde o final dos anos 1940 as
Forças Armadas redefiniram suas doutrinas e modelaram uma corporação que tratava de
44 Dossiê 20-C-011 (334), fundo DEOPS, APESP. 45 Dossiê 20-C-011 (328), fundo DEOPS, APESP. 46 Cf. Dossiê 20-C-011 (331) (330) (329) (328), fundo DEOPS, APESP.
36
expandir seu papel ativa e dinamicamente, inclusive na atividade política. Nesse contexto, o
Clube Militar ganhava gradativa importância ao longo dos anos 1950, e os problemas
nacionais encontravam eco nas chapas que polarizavam as disputas pela sua diretoria. Setores
progressistas e nacionalistas se confrontavam com anticomunistas e favoráveis ao
alinhamento do Brasil com os EUA nos quadros da guerra fria. Estes últimos, derrotados nas
eleições de 1950 do Clube Militar e atuando como corrente de oposição à diretoria eleita,
fundaram em fins do ano seguinte uma organização para coordenar sua ação política: a
Cruzada Democrática. Em seu manifesto de criação, defendia-se a proscrição do Clube de
“atividades que afetem a Ordem e a Segurança interna e os compromissos internacionais da
Nação Brasileira; as atividades que possam ser exploradas num sentido político-partidário,
visando gerar dissensões de qualquer natureza entre os sócios; as iniciativas que possam ser
interpretadas como pressões indébitas, quer sobre a opinião pública, quer sobre os poderes
constituídos.” Nas eleições de 1952 a chapa organizada pela Cruzada Democrática foi
vitoriosa. Já em 1954, o agravamento da crise política que resultaria no suicídio de Vargas e a
eficácia das pressões exercidas nos quartéis garantiram uma vitória ainda mais esmagadora na
reeleição. 47
Esta crise havia sido aberta depois da divulgação, em fevereiro de 1954, do “Memorial
dos Coronéis” – documento assinados por quase uma centena de coronéis e tenentes-coronéis
que refletia as posições do alto comando do Exercito e da corrente que se organizava em torno
da Cruzada Democrática no Clube Militar. Seu impacto político imediato resultou na queda
dos ministros do Trabalho e da Guerra do governo Vargas. João Goulart foi afastado para
recuperar a confiança da oficialidade e de quem tinha dúvidas em relação ao compromisso de
Vargas com o plano de estabilização econômica de Oswaldo Aranha, Ministro da Fazenda. 48
Mas Zenóbio da Costa, o novo Ministro da Guerra que substituiu o General Espírito Santo
Cardoso, mesmo conhecido por sua aberta oposição à presença de comunistas nas Forças
Armadas, parecia não agradar os setores anticomunistas do Clube Militar. Em função de uma
declaração desta autoridade de que não havia perigo comunista no Brasil, pois tal movimento
não teria proporções suficientes para provocar consequências ameaçadoras ao país, a Cruzada
Democrática enviou em maio uma carta ao Centro Acadêmico XI de Agosto apresentando
argumentos e documentos que contrariavam a avaliação do Ministro. Alegaram que estavam
47 Cf. João Roberto Martins FILHO. “Forças Armadas e política, 1945-1964: a ante-sala do golpe”. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de A. Neves (org.). O tempo da experiência democrática: da
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (O Brasil
republicano, v. 3), p. 97-126. 48 Ibidem, p. 117. Thomas SKIDMORE. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Saga, 1969, p. 166-7.
37
perplexos com tal declaração e sentiam-se “na obrigação de fazer chegar aos moços
estudantes de São Paulo o que de verdade existe.” Por ser um “baluarte democrático”, a
academia poderia “aquilatar por seu espírito moço o perigo que realmente ameaça nossa
pátria.” 49
Apesar da Escola Superior de Guerra não se confundir com a corrente anticomunista do
Clube Militar organizada em torno da Cruzada Democrática, os oficiais da ESG procuravam
preservar com este grupo boas relações, cientes de que constituiriam a base de apoio
indispensável para seu propósito de definir uma doutrina e uma linha de ação de segurança
nacional para as Forças Armadas no contexto de bipolarização da guerra fria. E no sentido de
formular tal doutrina, confirmando que se tratava de uma instituição de altos estudos políticos,
econômicos e sociais, em meados de 1956 a Escola Superior de Guerra e a USP, e
particularmente a Faculdade de Direito, entraram em entendimento no sentido de promover
altos estudos referentes aos problemas, à organização e à segurança nacionais, realizando
conferências seguidas de debates, que contariam com a presença de conferencistas da ESG.
Tratava-se de uma iniciativa proposta pelo Prof. Soares de Melo que, depois de ter cursado a
Escola Superior de Guerra entre março e dezembro de 1955 como representante da USP,
retornou à Faculdade de Direito e, em fevereiro de 1956, informou à Congregação que a
direção da ESG pretendia instituir um curso de defesa nacional em diversos institutos
universitários brasileiros. Compreendendo que a Faculdade deveria se associar à ideia,
recomendou que fosse formada uma comissão para fazer as tratativas com a Escola e
estabelecer um intercâmbio de professores com o objetivo de melhor esclarecer à
Congregação sobre o referido curso. 50
Assim, de acordo com o parecer dos professores Candido Mota Filho, Braz de Souza
Arruda, José Soares de Melo e Ernesto de Moraes Leme apresentado à Congregação da
Faculdade de Direito, deveria ser criado nos seguintes termos um Instituto para concretizar a
proposta:
A direção será constituída de três representantes da Faculdade, designados pela
Congregação, de um representante da Escola Politécnica, Faculdade de Medicina,
Faculdade de Filosofia e Faculdade de Ciências Econômicas, sob a presidência do
Reitor da Universidade. E por um Conselho composto de representantes do
Instituto de Engenharia, Ordem dos Advogados, Associação Paulista de Medicina,
Federação das Indústrias, Federação do Comércio, Sociedade Rural Brasileira,
Faresp, um representante do clero, um representante da 2ª Região Militar, um
49 Dossiê 20-C-011 (347), fundo DEOPS, APESP. 50 Cf. Ata da 2ª sessão da Congregação em 24 de fevereiro de 1956, Livro 17, p. 2.
38
representante da Academia Paulista de Letras e da Sociedade Brasileira de
Filosofia [Instituto Brasileiro de Filosofia]. 51
Na reunião, o prof. Soares de Melo salientou ainda que, depois da apresentação do parecer,
teve conhecimento de um artigo publicado na Military Review sobre a escola civil de guerra
de Harvard, nos mesmos moldes do que se pretendia fazer em São Paulo.
A iniciativa prosperou. Em consequência, em setembro do mesmo ano já se realizava na
Faculdade de Direito o curso de extensão universitária “Problemas fundamentais do Brasil”,
sob os auspícios da ESG e em cooperação com a USP. Na programação estavam previstos
tema como inflação, petróleo, produção industrial e agrícola, transportes, energia elétrica,
entre outros, tendo a primeira aula do curso versado sobre as relações entre Brasil e Estados
Unidos. 52
Tanto a Congregação da FD-USP quanto o Centro Acadêmico XI de Agosto tiveram
contato com militares em um momento de intensa participação das Forças Armadas na
política nacional. Getúlio Vargas governou sob constante pressão dos quartéis e para evitar
um golpe suicidou-se; Carlos Luz – presidente da Câmara dos Deputados que, na linha
sucessória, assumiu a presidência da República depois que Café Filho renunciou por
problemas de saúde – foi derrubado por um golpe preventivo comandado pelo General
Henrique Teixeira Lott em novembro de 1955; e Juscelino Kubitschek enfrentou permanente
rebeldia e revolta militares. Havia uma profunda divisão no país em torno de dois projetos
distintos: de um lado, o trabalhismo e o getulismo propondo o desenvolvimento nacional com
base na industrialização com o fortalecimento do Estado e das empresas estatais; de outro, o
udenismo, o antigetulismo e o anticomunismo propondo o equilíbrio fiscal e a abertura
econômica em moldes profundamente liberais e conservadores. Pelo menos três fatores
fundamentais contribuíram para que a participação orgânica dos militares na política nos anos
1950 contrastasse com as décadas anteriores: o fortalecimento e as transformações pelas quais
passaram as Forças Armadas depois de 1935 e principalmente durante o Estado Novo; a ativa
participação política militar na deposição de Vargas em outubro de 1945; e a criação da
Escola Superior de Guerra no final dos anos 1940. Mas apesar da correlação de forças na
Marinha, no Exército e na Aeronáutica nos momentos de crise institucional do período ter
sido um fator importante nos seus desfechos, os diferentes projetos em disputa mobilizavam,
51 Ata da 5ª sessão da Congregação em 22 de junho de 1956, Livro 17, p. 35-6. 52 “Notas à margem de um curso. Relações Brasil-Estados Unidos”. Notícias de Hoje, 27 set. 1956. Ver Dossiê
50-Z-013, documento 434, fundo DEOPS, APESP.
39
dirigiam e organizavam forças políticas e sociais nos mais diversos espaços – inclusive nas
universidades.
A hegemonia conservadora na Faculdade de Direito no início dos anos 1950 era
incontestável, o que dificultava sobremaneira a ação dos comunistas em seu interior. Porém,
entre os saudosistas de 1932 e os militantes do PCB havia um ponto em comum: fazer
oposição a Vargas. No caso dos comunistas esta orientação remontava aos documentos que
ficaram conhecidos como o Manifesto de Janeiro (1948) e o Manifesto de Agosto (1950).
Depois de cassado o registro do PCB em 1947 e malogrados os esforços para reverter a
situação perante o Tribunal Superior Eleitoral, constatou-se a inadequação da política de
“União Nacional”. Basicamente, no plano internacional tal orientação era consubstanciada na
política de coexistência pacífica da URSS com os EUA no imediato pós-guerra visando
“desmascarar os provocadores de guerra e garantir as condições para a marcha pacífica dos
povos no caminho do progresso e da democracia”. Internamente, se refletia na posição “em
face ao governo de apoio franco e decidido aos seus atos democráticos e de luta intransigente,
se bem que pacífica, ordeira e dentro dos recursos legais, contra qualquer retrocesso.”53 Em
1948 o Manifesto de Janeiro fez uma autocrítica da política que vinha sendo empregada e, em
1950, estas posições seriam aprofundadas e consolidadas no Manifesto de Agosto, que
caracterizava o governo Dutra como de “traição nacional” e “serviçal do imperialismo” que
deveria ser derrubado por uma Frente Democrática de Libertação Nacional para instituir um
“governo democrático e popular”. Em consequência o PCB defendeu o voto em branco para
as eleições presidenciais de 3 de outubro de 1950, da qual saiu vitorioso Getúlio Vargas
(PTB) com 48,7% dos votos, contra 29,7% de Eduardo Gomes (UDN) e 21,5% de Cristiano
Machado (PSD).54
O posicionamento em relação ao governo Dutra não se alterou no que se refere ao
governo Vargas. O Projeto de Programa aprovado pelo Comitê Central do PCB em dezembro
de 1953 considerava que o governo Vargas era “um instrumento servil dos imperialistas
norte-americanos”, implementava uma “política de traição nacional”. Em suma, era “inimigo
53 Resoluções da III Conferência Nacional do PCB, 15 jul. 1946. In: Edgar CARONE. O PCB. São Paulo: Difel,
1982, (v. 2, 1943 a 1964) p. 65-8.
54 Cf. Lúcio Flávio Rodrigues ALMEIDA. “Insistente desencontro: o PCB e a revolução burguesa no período
1945-64”. In: Antonio Carlos MAZZEO; Maria Izabel LAGOA (orgs.). Corações Vermelhos: os comunistas
brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003, p. 89-94; Jose Antônio SEGATTO. “PCB: a questão nacional
e a democracia”. In: Jorge FERREIRA; Lucília de A. Neves DELGADO (orgs.). O tempo da experiência
democrática, p. 224-7; Antônio Carlos MAZZEO. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil.
Marília: Unesp-Marília-Publicações; São Paulo: Boitempo, 1999, p. 73; Thomas SKIDMORE. Brasil: de Getúlio
a Castelo, p. 108. Para o Manifesto de Janeiro (1948) e o Manifesto de Agosto (1950) ver Edgard CARONE. O
PCB, p. 72-89 e 108-12, respectivamente.
40
do povo”, devendo ser “destruído e substituído por um novo regime, o regime democrático
popular” a partir de um “governo democrático de libertação nacional”. 55 Ao longo de todo o
ano de 1954, nas páginas do jornal Voz Operária, órgão do PCB, foram veiculadas matérias e
editoriais com o tom e o sentido do Manifesto de Agosto (1950) e do Projeto de Programa
(1953) – que deveria ser debatido e submetido ao IV Congresso do partido, convocado para
novembro de 1954. Nos preparativos para as eleições estaduais de outubro, dizia-se que um
dos objetivos era derrotar os candidatos de Vargas. Em relação à política externa, dizia-se que
o presidente amestrava diplomatas para servir aos americanos. Na campanha contra o
aumento dos preços, Getúlio era considerado o “pai da carestia” e seu governo o “fabricante
da carestia”. Na campanha pela legalidade do PCB, faziam-se contundentes denúncias da
perseguição aos comunistas e repressão contra os direitos sindicais e as liberdades
democráticas. Nos preparativos para o 1º de maio, avaliava-se que o governo concederia um
aumento de apenas 40% a 50% no salário mínimo, sendo que a reivindicação era “Nem um
centavo a menos que os 100% de aumento no atual salário mínimo!”. Mesmo depois de
Vargas anunciar o atendimento da reivindicação, no primeiro de maio, a avaliação do governo
não sofreu nenhuma mudança. 56
Em meio à tensão entre as tentativas de estabilização e os mecanismos que garantissem
o crescimento econômico e o desenvolvimento, tamanho aumento dos salários não foi um
gesto menor. A situação econômica do Brasil durante o Governo Vargas emitia sinais de
dificuldades, herdadas de seu antecessor, Eurico Gaspar Dutra. O saldo do balanço de
pagamentos vinha sofrendo queda desde 1949, que só passou a ser revertida em 1951 e saiu
do negativo apenas em 1954. A deterioração do salário mínimo vinha desde o final do Estado
Novo sem um reajuste substantivo, o que veio a ocorrer somente em dezembro de 1951,
repondo-o aos níveis pouco superiores aos de 1943, e em maio de 1954. Em 1953, a inflação
deu um salto do patamar anterior, avaliado em torno de 12%, para 20,8%. No mesmo ano, o
PIB cresceu apenas 2,5%, contrastando com os 4,9% de 1951 e os 7,3% de 1952. Ademais, a
campanha desencadeada nos Estados Unidos contra o café brasileiro resultou na queda dos
preços internacionais e na redução das exportações do principal produto brasileiro,
complicando a balança comercial.57
55 Projeto de programa do partido Comunista do Brasil, Voz Operária, n. 242, 2 jan. 1954, p. 1-5. 56 Voz Operária, edições de 13 e 20 fev., 27 mar., 10 e 17 abr. e 8 mai. 57 Cf. Pedro Cezar Dutra FONSECA. “Nem ortodoxia nem populismo: o segundo governo Vargas e a economia
brasileira”. In: Marcos Costa LIMA (org.). Os boêmicos cívicos: a assessoria econômico-política de Vargas
(1951-54). Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2013, p. 61-
41
A crise econômica atingia o governo, mas a relação com a crise política era indireta: os
liberais conservadores, liderados pela UDN simplesmente não aceitavam a presença do
ditador do Estado Novo na presidência da República. Tentaram inviabilizar a posse de Vargas
em 1950 com o argumento de que o candidato não havia obtido maioria absoluta dos votos,
mas isso não era um requisito previsto pela legislação. A partir de 1953, a opção pelo golpe,
que vinha sendo amadurecida pelos conservadores, tornou-se irreversível, sendo a
desestabilização do governo a principal arma da oposição de direita. A situação de Getúlio já
vinha se agravando ao longo de 1954, mas foi o atentado contra Carlos Lacerda na Rua
Toneleros, em Copacabana, que resultou na morte do major da Aeronáutica Rubens
Florentino Vaz, na primeira hora do dia 5 de agosto, que abriu caminho à ofensiva final dos
udenistas. Embora desconhecesse que a iniciativa tinha partido de seu fiel chefe de segurança,
Gregório Fortunato, o presidente não teria como escapar das responsabilidades. Na primeira
página de seu jornal, Tribuna da Imprensa, Lacerda declarou: “[...] acuso um só homem como
responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões. Esse homem é Getúlio Vargas”. Diante
das circunstâncias, ciente de que o acontecido era de grande impacto político, o presidente
teria comentado: “Esta bala não era dirigida a Lacerda, mas a mim.” 58
O fato causou profunda indignação na Faculdade de Direito. No dia 10 de agosto, os
estudantes realizaram um comício que tomou o Largo do São Francisco quase por completo.
Na ocasião, diversos oradores condenaram o ocorrido e responsabilizaram Vargas. O
presidente do CA XI de Agosto, Victor Fasano, pronunciou discurso em que, além disso,
defendeu a deposição de Getúlio da presidência da república e dizia acreditar nas Forças
Armadas. O desejo de que o presidente renunciasse ou que as forças armadas o depusesse
esteve presente nas falas mais contundentes.59 No dia seguinte, o 11 de agosto, aniversário da
Faculdade, foi marcado por uma missa de sétimo dia do major Vaz na Catedral da Sé, com a
presença de centenas de pessoas, entre militares, estudantes, professores e populares. Ao final
da missa, já na porta da catedral, foram dados gritos de viva a Carlos Lacerda e morra a
Getúlio Vargas.60
2; Sérgio Bresserman VIANNA. “Duas tentativas de estabilização: 1951-1954”. In: Marcelo de Paiva ABREU
(org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana (1889-1989). Rio de Janeiro:
Elsevier, 1990, p. 123-50. 58 Cf. Thomas SKIDMORE. Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 176; Jorge FERREIRA. “Crises da República: 1954,
1955 e 1961”. In: Jorge FERREIRA; Lucília de A. Neves DELGADO (orgs.). O tempo da experiência
democrática, p. 306-8. 59 Dossiê 20-C-011, (360) (364), fundo DEOPS, APESP. 60 Dossiê 20-C-011 (362), fundo DEOPS, APESP.
42
Por outro lado, em 21 de agosto foi publicada entrevista de Luis Carlos Prestes,
secretário geral do PCB, sobre o atentado na capa da Imprensa Popular, jornal de grande
circulação editado pelos comunistas. Lembrando de operários torturados e assassinados
durante o segundo governo Vargas e afirmando que nunca esqueceriam do Estado Novo,
Prestes afirmou que os “trabalhadores brasileiros há muito tempo conhecem os instintos
sanguinários do sr. Vargas e de seus policiais.” Quando perguntado sobre a possibilidade de
um golpe de Estado ou militar, primeiro considerou que os comunistas precisam “unir e
organizar nossas forças para por abaixo o governo Vargas e substituí-lo por um governo
democrático de libertação nacional”. Em seguida, disse que “Vargas já confessou
repetidamente que não se sente bem nas suas roupagens de presidente constitucional, mas
falta-lhe ainda a força indispensável para realizar o golpe de Estado, liquidar os últimos
vestígios constitucionais e implantar a ditadura terrorista que almeja.” Entretanto, avaliava
que “a ameaça maior vem agora do outro bando, o dos politiqueiros da UDN, que cinicamente
ainda pretendem passar por ‘oposicionistas’ e que tem à frente um grupelho de generais
fascistas.”61 Fica evidente que a orientação política do Manifesto de Agosto (1950) e do
Projeto e Programa (1953) ofuscavam a capacidade da direção do partido de compreender as
condições concretas da disputa política em curso.
No dia 22, Vargas recebeu um documento assinado por trinta brigadeiros da Força
Aérea Brasileira (FAB) exigindo sua renúncia, que recebeu apoio de oficiais da Marinha no
dia seguinte. À noite, um grupo de generais do Exército se somou e entregou um manifesto
assinado por dezenove generais. Vargas presidiu sua última reunião ministerial nas primeiras
horas do dia 24, em que decidiu aceitar a proposta de se licenciar até que fosse esclarecido o
crime na rua Toneleros. Redigiu-se uma nota e pouco antes das cinco da manhã a notícia foi
divulgada. Entretanto, duas horas depois um grupo de generais chegou ao Palácio do Catete
exigindo que a licença se transformasse em renúncia. Diante daquilo que era, na verdade, sua
deposição, Vargas se recolheu a seus aposentos e redigiu sua carta testamento. Entregou-a em
um envelope a João Goulart para que fosse mostrado seu conteúdo à imprensa em Porto
Alegre ou em Buenos Aires em caso de necessidade. Minutos depois, Vargas se suicidou. Por
volta das nove da manhã a rádio Nacional divulgava o conteúdo da carta ao país. 62
61 Imprensa Popular, n. 1282, 21 ago. 1954, p. 1. 62 Jorge FERREIRA. Crises da república..., p. 309-10; João Roberto Martins FILHO. Forças Armadas e
política..., p. 118.
43
Enquanto no Rio de Janeiro os oficiais das Forças Armadas preparavam sua investida
contra Getúlio com seus manifestos, Carlos Lacerda fazia visita a São Paulo para realizar
conferências e participar de reuniões visando fortalecer a campanha oposicionista. No dia 20
participou de programa de televisão na Rádio Difusora, no Alto do Sumaré, na qual tratou do
atentado e pediu a renúncia de Vargas e sua substituição pelo vice-presidente Café Filho. Na
manhã seguinte, às 11 horas, participou de conferência no Instituto de Engenharia, onde
lançou a campanha do “R”, que significaria “réu”, “renúncia” e “rua” para Getúlio. Em
seguida, almoçou com jornalistas e proprietários de jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Ao final do almoço, fez discurso, transmitido pela Rádio Difusora, mais uma vez clamando
pela renúncia do presidente. Depois, rumou para a sede estadual da UDN, onde ocorria
convenção do partido, que aprovou uma moção de solidariedade a Lacerda. À noite,
participou de assembleia dos estudantes no Centro Acadêmico XI de Agosto. O jornalista e
alguns estudantes portavam um “R” no peito. Na ocasião, teria dito:
Dia 25 é um grande dia. Já soube que nesse dia os senhores vão organizar um
comício e uma passeata. [...] Será outro dia do Fico. Só quem ficará será o povo
livre dessa família de estrangeiros que infestou o Brasil. Não há mais o que negar.
A culpa está provada. O dia 25 deve ser o da renúncia. Façam como quiserem. O
estado Bandeirante terá recebido o seu maior presente de IV Centenário.
Confiamos no patriotismo e bons propósitos da Formas Armadas. Elas querem o
apoio do povo e este já o tem dado. 63
Às 10 da manhã do dia 22 decolou em direção ao Rio de Janeiro. 64
No dia 23, nova assembleia dos estudantes de direito ocorreu, na qual foi decidido que
deveriam ir ao Rio de Janeiro solicitar a Vargas pessoalmente sua renúncia. Caso voltassem
sem o resultado esperado, promoveriam uma greve geral de todos os estudantes de São Paulo.
Durante a madrugada o Centro Acadêmico estava agitado. Cedo pela manhã, receberam a
notícia de que o presidente havia renunciado. Animados, compraram fogos de artifício para
comemorar. Enquanto estouravam, chegava a inesperada e surpreendente notícia do suicídio.
Em respeito ao falecido, decidiu-se que a escola se silenciaria.65
Naquela manha e durante todo o dia, o povo revoltado com a morte de Vargas
manifestou não apenas seu lamento, mas sobretudo sua raiva violentamente. No Rio, os
símbolos da oposição foram alvo da revolta popular: material de propaganda da UDN, a
Embaixada dos Estados Unidos, a sede da empresa Standard Oil, as sedes dos jornais O
63 Dossiê 20-C-011, (371), fundo DEOPS, APESP. 64 Cf. Dossiê 20-C-011, (370) (371), fundo DEOPS, APESP. 65 Cf. Dossiê 20-C-011 (368), fundo DEOPS, APESP.
44
Globo, Tribuna da Imprensa, A Notícia e O Mundo – não por acaso, o único a escapar foi o
Última Hora, solitário defensor do governo Vargas. Em diversas capitais a cena se repetiu:
Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Natal, Fortaleza, Aracajú,
Teresina. O suicídio de Vargas paralisou os golpistas e a reação popular os fizeram recuar. 66
As forças políticas se movimentavam diante do ocorrido. O Comitê Central do PCB
lançou manifesto no dia 1º de setembro, no qual condenavam o golpe: “Pela força das armas,
os piores inimigos do povo chegaram ao poder”. Ademais, saudavam “com orgulho patriótico
as grandes e corajosas manifestações populares contra os generais fascistas e seus patrões
norte-americanos” e se dirigiam “particularmente aos trabalhadores getulistas, nossos irmãos”
para dizer que o momento “exige que trabalhistas e comunistas se deem fraternalmente as
mãos” para lutarem juntos “em defesa das leis sociais conquistadas”. Por fim, repetiam para
Café Filho, a mesma orientação em relação a Dutra e Vargas: “lutamos pela derrubada do
atual governo e por um governo democrático de libertação nacional”, com a ressalva de que
estariam dispostos a entrar em acordo com forças políticas, líderes e correntes patrióticas “que
queiram unir-se em torno de uma plataforma democrática a fim de derrotar eleitoralmente as
forças da reação e do entreguismo.”67 Nesta resolução já se encontrava esboçada a linha
política que fundamentaria o artigo de Prestes de 2 de outubro defendendo uma aliança com o
PTB e o apoio à chapa Juscelino-Jango nas eleições presidenciais de 1955, representando uma
nova guinada na política do PCB que se solidificaria com a Declaração de Março (1958) e se
estenderia até o golpe de 1964. Aparentemente, portanto, as mobilizações antigolpistas de
agosto despertaram os comunistas para a realidade viva da conjuntura. 68
Por sua vez, Lacerda faz nova passagem por São Paulo em setembro e comentou o
suicídio de Vargas, afirmando que a atitude foi um grito de desespero de quem, depois de
destruir a dignidade da nação, destruiu-se a si próprio. Em seus discursos tratou de afastar a
acusação de que seriam culpados pela morte de Getúlio.69 Nas eleições de outubro, elegeu-se
deputado federal, mas a bancada da UDN caiu de 84 para 74 cadeiras, enquanto o PTB passou
de 51 para 56 vagas na Câmara e o PSD aumentou sua representação ligeiramente, de 112
para 114 cadeiras.70 Mas sua influência sobre a Faculdade de Direito já não era a mesma na
66 Cf. Jorge FERREIRA. Crises da república..., p. 310-15. 67 Voz Operária, n. 278, 11 set. 1954. 68 CF. Raimundo SANTOS. A primeira renovação pecebista: reflexos do XX Congresso do PCUS no PCB
(1956-1957). Belo Horizonte: Oficina de livros, 1988, p. 87 69 Cf. Dossiê 20-C-011 (345), fundo DEOPS, APESP. 70 Cf. Thomas SKIDMORE. Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 183.
45
crise de 1955. Lacerda questionava as razões que levavam os chefes os militares a permitirem
a realização das eleições de 3 de outubro, pois a considerava fraudulenta. No dia 5 de agosto,
em solenidade comemorativa de um ano da morte do major Rubens Vaz, o presidente do
Clube Militar e chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Canrobert Pereira da Costa fez
discurso no qual dizia que os militares deveriam decidir entre uma pseudolegalidade
corrompida e o restabelecimento da moralidade democrática mediante intervenção militar.
Lacerda saudou o discurso de Canrobert. Estava dado o novo sinal. Não conseguindo
inviabilizar, buscou-se adiar as eleições, também sem obter sucesso. Juscelino angariou 36%
dos votos, Juarez Távora recebeu 30%, Ademar de Barros 26% e Plínio Salgado obteve 8%.
O apoio de comunistas a Juscelino, a acusação de fraudes eleitorais e a já utilizada tese da
“maioria absoluta” foram levantadas para tentar impedir a posse do presidente eleito.71 Mas
na Faculdade de Direito a campanha não colou. Em reunião, a Congregação aprovou a
seguinte moção:
A Congregação da Faculdade de Direito, da Universidade de S. Paulo, fiel às
gloriosas tradições democráticas do Brasil, as quais sempre cultuou, quer
proclamar, neste momento angustioso da vida nacional, decidido apego às fórmulas
constitucionais e firme aversão a quaisquer soluções ou tentativas de solução de
divergências entre brasileiros por meios subversivos da ordem legal e,
especialmente, à preconização e ao uso de métodos violentos, que repugnam a
índole pacifica do nosso povo e a consciência jurídica da nação. São Paulo, 17 de
outubro de 1955 72
Entre os estudantes, não foi diferente. Desde agosto vinham organizando debates sobre o
golpe e, no dia 21 daquele mês, publicaram um manifesto assinado pelos presidentes das
entidades estudantis que compunham a comissão executiva do Conselho Estadual de
Universitários Paulistas, entre elas o XI de Agosto, que lançava o Movimento Universitário
Contra o Golpe e conclamava o povo a cerrar fileiras na luta pela sobrevivência do regime
democrático.73
Nesse contexto conturbado ocorreu o concurso para a cátedra de Economia Política da
Faculdade de Direito. Apesar de saber das dificuldades que enfrentaria para regressar à
instituição onde se graduou-se bacharel em Direito agora na condição de professor catedrático
de Economia Política, Caio Prado Júnior seguiu em frente e foi até o fim.
71 Cf. Jorge FERREIRA. Crises da república..., p. 315-19.
72 Ata da 11ª sessão da Congregação em 20 de outubro de 1955, Livro 16, p. 89. Assinavam a moção: Braz de
Sousa Arruda, Honorio Monteiro, Noé Azevedo, Siqueira Ferreira, Miguel Reale, Luis Eulalio de Bueno
Vidigal, Luis Antônio da Gama e Silva, Gofredo da Silva Teles Jr., Alvino Lima, José Carlos de Ataliba
Nogueira, Gabriel de Rezende Fº, Lino de Moraes Leme, Jorge Americano, Vicente Ráo, Genesio de Almeida
Moura, Canuto Mendes de Almeida, Nicolau Nazo, Cardoso de Melo Neto 73 Dossiê 20-C-011 (431), fundo DEOPS, APESP.
46
2. O CONCURSO
O ensino de economia política
No Brasil, o ensino de Economia Política teve início com o decreto de 23 de fevereiro
de 1808, assinado pelo Príncipe Regente, que se tornaria mais tarde D. João VI. Com sua
promulgação, lançou-se a base jurídica para que se estabelecesse no Rio de Janeiro a primeira
Cadeira e Aula Pública dedicada ao assunto, tendo sido designado como seu professor José da
Silva Lisboa, o futuro Visconde de Cairu, autor dos Princípios de Economia Política (1804),
considerado, assim, o pioneiro do ensino da Economia Política no país. No segundo quarto do
século XIX, além das chamadas Aulas de Comércio da Corte – mantidas e fiscalizadas pela
Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação – apenas as Faculdades de Direito
de São Paulo e Recife, criadas conjuntamente em 1827, ministravam o ensino de Economia
Política. Em 1856, as Aulas de Comércio da Corte foram transformadas no Instituto
Comercial do Rio de Janeiro, marcando uma maior especialização das disciplinas. Ainda
assim, mantinha-se a clássica associação entre o Direito e a Economia Política, já observada
no currículo das Aulas de Comércio, e que também era característica das referidas Faculdades
de Direito. Contudo, a integração da Economia Política no quadro das disciplinas voltadas à
formação do jurista se dava a partir do domínio firmado do jurídico sobre o econômico. Sob o
predomínio do ponto de vista do jurista, nas Faculdades de Direito o estudo da Economia
Política era entendido como formação da cultura geral. 74
O século XIX se encerrou contando basicamente com três vertentes do ensino de
Economia Política: o das Faculdades de Direito, sob o ângulo do jurista; o das Escolas
Politécnicas e de Engenharia, atenta aos aspectos técnicos; e o do ensino comercial, voltado à
formação dos homens de negócios. Foi somente na primeira década do século XX que o
ensino de Economia e da Administração surgiu como ramo autônomo da graduação no ensino
superior, precedido e acompanhado de vigorosa expansão do ensino comercial e como seu
desdobramento – integrando-se, portanto, na tradicional vertente comercial, que remonta às
Aulas de Comércio da Corte. A Academia de Ciências Comerciais do Rio de Janeiro, fundada
em 1902, serviu como paradigma para o padrão de ensino oficial de Comércio. Assim, cerca
de doze escolas distribuídas em oito estados tinham seus diplomas equiparados aos da
74 Cf. Alice Piffer CANABRAVA (coord.). História da Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo (1946-1981). São Paulo: FEA/USP, 1984, p. 23-7. De acordo com o decreto de 11 de
agosto de 1827, nas Faculdades de Direito de São Paulo e Recife a Economia Política seria a primeira cadeira do
quinto e último ano, o que significa que não fazia parte da formação básica dos futuros juristas.
47
Academia do Rio de Janeiro, em 1923. Estreitamente vinculada às Ciências Sociais, uma nova
vertente veio a se constituir já nos anos 1930, com o ensino de Economia Política na
Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais, de 1931; na Escola de Sociologia e Política de
São Paulo, fundada em 193375; e no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo, fundada em 1934. 76
Antes do surgimento dos cursos de ensino superior de Ciências Sociais, este campo do
conhecimento era em geral vinculado às Ciências Jurídicas e seu ensino ocorria nas
Faculdades de Direito. Podemos dizer que um primeiro momento de dissociação entre estas
áreas se deu com a chamada Reforma do Ensino Livre, que instituiu uma nova
regulamentação para o ensino primário e secundário da Corte e para o ensino superior em
todo o Império. O Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879 dividiu as Faculdades de Direito
em duas seções, uma de Ciências Jurídicas e outra de Ciências Sociais, sendo que a cadeira de
Economia Política compunha o currículo desta última. Com a proclamação da República e os
debates constituintes, novas modificações foram introduzidas nos cursos de Direito. A
reforma de 1891 introduziu uma terceira seção, chamada “notariado”, e o Decreto nº 11.530
de 1915, ao reorganizar o ensino superior da República, determinou que no curso de Direito a
cadeira de Economia Política e Ciências das Finanças passaria a ser lecionada no 2º ano do
curso de Direito. 77
Junto à fundação da USP, com o objetivo declarado de “promover a alta cultura
econômica e comercial e fornecer preparação científica para as profissões e ofícios de direção,
atinentes à atividade econômica e comercial”,78 criou-se o Instituto de Ciências Econômicas e
Comerciais da USP, mas que, diferentemente da FFCL, não foi instalado. Nos anos 1940,
75 Sobre a Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ver Iris KANTOR, Débora A. MACIEL, Júlio Assis
SIMÕES (orgs.). A Escola Livre de Sociologia e Política: os anos de formação (1933-1953): depoimentos. São
Paulo: Sociologia e Política, 2009. A obra clássica de Roberto Simonsen, História Econômica do Brasil (1500-
1820), publicada em 1937, resultou da série de conferências ministradas na cadeira homônima daquela Escola.
São significativas as primeiras palavras de Simonsen na introdução de seu livro: “Em princípios de 1933, numa
atribulada fase da vida paulista, considerável plêiade de intelectuais lançava, nesta cidade, um manifesto, que se
há de tornar memorável com o correr dos tempos. Nesse documento, demonstravam que não tendo podido ver
triunfante pela força das armas o seu ponto de vista, compreendiam, mais do que nunca, a profunda desarmonia
existente entre as nossas aspirações e a realidade político-econômico-social do país. Pregavam a urgente
necessidade de se criarem escolas de formação de ‘elites’, em que se divulgassem as noções de política,
sociologia e economia, despertando e criando uma consciência nacional, capaz de orientar a administração
pública, de acordo com a realidade do nosso meio, concorrendo, assim, para fazer cessar, dentro do Brasil, a
incompreensão reinante de que São Paulo era, e é, a vítima principal.” Roberto SIMONSEN. História
Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978, p. 19. 76 Cf. Alice Piffer CANABRAVA (coord.). História da Faculdade de Economia e Administração..., p. 28-30. 77 Cf. Memorial das Arcadas, exposição permanente na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 78 BRASIL. Decreto nº 6.283 de 25 de janeiro de 1934, que cria a Universidade de São Paulo.
48
diversos cursos de Economia foram criados no Brasil. “Ainda que com dificuldades, esses
cursos nasceram porque se desejava difundir no país o ensino de Economia como ciência
positiva, construída de um modo ou outro sob o fundamento da racionalidade instrumental”,
afirma Euletério F. S. Prado.79 Neste sentido, o ano de 1945 é um marco também para o
pensamento econômico brasileiro, na medida em que é promulgado o decreto-lei 7.988 de 22
de setembro que estipula o padrão oficial no ensino superior de Economia e Administração.
De acordo com Alice Piffer Canabrava:
O texto marca um ponto de inflexão nos quadros mentais do país, com a tomada de
consciência quanto à complexidade que havia alcançado a economia brasileira
como fato do novo Brasil emergente, e seu condicionamento à formação de
profissionais especializados no estudo dessa realidade. (...) Dificilmente o Brasil
poderia manter os níveis já alcançados quanto ao desenvolvimento econômico e
aumentar o seu ritmo, sem a formação de pessoal credenciado para seu estudo, do
ponto de vista científico, técnico e empresarial. Revelava a nova mentalidade dos
grupos dirigentes e de setores das elites intelectuais, desenvolvimentistas e
nacionalistas, voltada para as possibilidades materiais e humanas do país. Enfim, a
nova consciência consagrava a importância do fator “econômico” no processo
social associado à imagem do Brasil “moderno”, ou seja, industrial e urbano, que
está a se projetar, sob os nossos olhos, em contraste com o do passado, agrário e
rural. 80
Emblemático, neste sentido, é o famoso debate entre Roberto Simonsen e Eugênio
Gudin em 1944 e 1945, que tinha uma face explícita (a planificação da economia brasileira) e
uma implícita (o modelo brasileiro de desenvolvimento e o papel da industrialização).
Enquanto o primeiro destacava a importância da industrialização e da planificação da
economia para o desenvolvimento e a produção de riqueza, o segundo era avesso ao
planejamento e buscava adaptar os postulados clássicos do liberalismo para o ganho de
produtividade da economia primário-exportadora brasileira, alinhando-se com os defensores
da vocação agrária do país. Em certo sentido, podemos dizer que este debate foi o precursor
dos confrontos entre desenvolvimentistas e monetaristas que se aguçou nos anos 1950, se
prolongou por décadas e, guardadas as particularidades do tempo histórico, em certa medida
chega até os dias atuais. Naquela ocasião, por um lado, em contraste e oposição ao Estado
Novo, havia uma intensificação de manifestações em favor de um maior liberalismo
79 Euletério F. S. PRADO. “A ortodoxia neoclássica”. In: Tamás SZMERECSANYI; Franciso da Silva
COELHO. (orgs.). Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora
Atlas, 2007, p. 7. 80 Alice Piffer CANABRAVA (coord.). História da Faculdade de Economia e Administração..., p. 31-2.
49
econômico; por outro lado, a ideologia desenvolvimentista resistiu a este clima liberalizante e
reforçava a conscientização sobre a importância histórica do avanço industrial. 81
Ambas as posições se manifestavam em veículos de expressão pública, que cresciam em
quantidade e importância nas discussões. Em meados dos anos 1940, o crescente interesse por
assuntos econômicos pode ser visto na profusão de artigos, palestras e conferências,
acompanhando a grande valorização da reflexão econômica e o prestígio dos próprios
economistas. Incentivava-se a criação de instituições, assessorias técnicas e grupos de estudos
e pesquisas de organizações públicas e privadas, e ressaltava-se com frequência a necessidade
de elevar o padrão técnico das análises econômicas, seja em relação ao suporte teórico como à
elaboração e utilização de estatísticas.82 Isso pode ser visto como uma expressão nacional e
incipiente de um fenômeno mais amplo que se intensificaria com o tempo: na segunda metade
do século XX, “a Economia como ciência ganhou um caráter técnico e profissional no mundo
todo à medida que o sistema capitalista em permanente expansão foi se tornando
gradualmente mais e mais regulado”. Trata-se de uma mudança que não ocorreu isoladamente
nos meios científicos produtores da ciência econômica, mas se deu “também, em simbiose,
nos centros dedicados à Economia Aplicada e nas instituições de ensino de graduação e pós-
graduação”. 83
Contudo, no início dos anos 1950, o ensino de Economia Política na Faculdade de
Direito mantinha-se relativamente hermético às novas orientações das ciências econômicas.
Hermético, pois era o Direito e as ciências jurídicas que permaneciam como fio condutor da
formação acadêmica. Mas o era apenas relativamente, pois não estava completamente alheia
aos debates econômicos que a circundavam e, sobretudo no momento do concurso para a
cátedra de Economia Política, viriam a atingi-la diretamente, como veremos nos próximos
capítulos. Neste momento, o ensino de Economia Política já fazia parte das disciplinas
lecionadas no primeiro ano do bacharelado,84 o que indica que os saberes econômicos
passaram a ser considerados elementos importantes da formação básica dos juristas.
81 Cf. Ricardo BIELSCHOWSKY. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do
desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 266-7. Sobre o debate Simonsen-Gudin, ver Roberto
SIMONSEN, Eugênio GUDIN. A controvérsia do planejamento na economia brasileira. Brasília: Ipea, 2010; e
Aloísio TEIXEIRA, Gilberto MARINGONI, Denise Lobato GENTIL. Desenvolvimento: o debate pioneiro de
1944-1945. Brasília: Ipea, 2010. 82 Cf. Ricardo BIELSCHOWSKY, idem, p. 267. 83 Euletério F. S. PRADO. “A ortodoxia neoclássica”, p. 7 84 Cf. SÃO PAULO. Lei estadual nº 3.023, de 15 de julho de 1937.
50
Fez-se necessário realizar concurso para selecionar um novo professor catedrático da
cadeira de Economia Política, pois José Joaquim Cardoso de Melo Neto, então titular da
cadeira, aposentou-se em fins de 1953: um mês depois de gozar de 60 dias de licença prêmio,
o professor foi compulsoriamente aposentado por decreto do Governador de São Paulo, de 26
de agosto daquele ano. O professor Lino de Moraes Leme, que o substituiu quando do
afastamento, passou a exercer interinamente o cargo de titular da referida cadeira após a
aposentadoria de Cardoso de Melo Neto.85 No ano em que se aposentaria, o professor proferiu
a aula de abertura dos cursos jurídicos, em 10 de abril, com o tema Almeida Nogueira e a
cadeira de Economia Política na Faculdade de Direito, ocasião em que lembrou a todos que
o homenageado tinha “o propósito permanente de levar a seus discípulos a convicção de que a
matéria lecionada não sendo Direito, sem ela o Direito se esvaziava daquele conteúdo social
que o coloca no ápice das ciências, porque o faz a ciência da coexistência humana”.
Entretanto, se por um lado o Direito perderia seu conteúdo social caso fosse destituído do
componente econômico de seus propósitos, por outro, em seu ensino era necessário “colocar,
nítida e inconfundivelmente, a Economia no campo do Direito Público”, não importando que
isso fosse feito “com a preocupação de reduzir as funções do Estado à atividade jurídica.”86
Assim, considerando-se privilegiado por ser sucessor de José Luis de Almeida Nogueira,
Melo Neto inseria seu mestre (e a si mesmo, portanto) em uma tradição:
A cadeira de Economia Política, nesta Faculdade, sempre esteve entregue a
homens dedicados aos estudos de economia e finanças, na parte em que tais
conhecimentos são indispensáveis ao desenvolvimento dos fenômenos jurídico-
políticos. Professores todos adeptos da escola clássica e por isso mesmo
procurando incutir em seus discípulos a regra de não intervenção do Estado na
ordem econômica. (...) Mas, o certo é que, na consecução de seu desiderato,
estudavam a produção, circulação e consumo da riqueza em função do Estado.
Eram juristas, forrados de economistas e como tais, jamais encararam o fenômeno
econômico isolado e sempre e só conjugado com o ato jurídico. 87
Nenhum deles deixou de “dar a seus alunos a impressão de que a Economia Política,
como sua própria denominação o indica, era matéria essencial num curso de Direito”. Mas
rejeitavam a noção de Economia Política pura, que inventou o chamado homo economicus,
bem como os economistas a ela vinculados que se encontravam “insulados muitos deles em
seus teoremas, como se possível fora enquadrar o fenômeno humano da produção e circulação
85 Cf. Relatório das atividades da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1953). Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 49, 1954, p. 552-5. 86 José Joaquim Cardoso de MELO NETO. Almeida Nogueira e a cadeira de Economia Política na Faculdade de
Direito. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 48, 1953, p. 106-11. 87 Ibidem, p. 111.
51
da riqueza dentro de uma fórmula matemática”. Aos ingressantes da turma de 1953, o
catedrático que logo viria a se despedir das Arcadas registrou que Almeida Nogueira – e por
extensão a tradição do ensino de Economia Política da Faculdade de Direito – reconhecia a
legitimidade da intervenção do Estado na economia. O homenageado, ainda que apresentasse
seu livro fundamental como sendo “inspirado pelos ideais do mais puro liberalismo, na
melhor acepção da palavra”, não levava “a extremas consequências o princípio individualista,
quando em conflito com os interesses fundamentais da comunhão social”. 88
Tais interesses, temo-los também como direitos da coletividade, oriundos da
solidariedade humana. Deve, pois, a sociologia, consagrar princípios tendentes a
operar a harmonia dos direitos da sociedade com a liberdade humana, e não menos
os direitos da humanidade com a liberdade social.
Se a produção da riqueza não é fenômeno que possa resultar do exclusivo esforço
da atividade particular, mas antes da ação do indivíduo com a colaboração,
aparente ou oculta, da sociedade, não é lógico nem equitativo contestar-se a
legitimidade da interferência do Estado nos fenômenos da distribuição, circulação e
consumo das riquezas. 89
O centenário do nascimento de Almeida Nogueira serviu, assim, para reafirmar uma
orientação teórica para o ensino de Economia Política. Mais precisamente, como lembraram
os editores da Revista da Faculdade de Direito, a aula inaugural serviu para alertar não
apenas os estudantes, mas também o próximo catedrático da cadeira, de que Melo Neto se
preparava para entregar “à nova geração a preciosa herança da cátedra de Economia Política”,
a quem caberia a tarefa de “conservá-la, aumentando-a”.90
O conteúdo da aula inaugural ganhava em importância devido à proeminência que o
orador dispunha entre seus pares da Congregação da Faculdade de Direito, o que ademais lhe
rendeu o título de Professor Emérito, concedido durante a solenidade de encerramento do
curso jurídico do ano letivo de 1953, realizada na manhã de 14 de novembro. Tanto nesta
ocasião quanto no almoço que lhe foi oferecido em 24 de outubro, por motivo de sua
aposentadoria, proferiu discursos que deixavam evidente a referência que tinha em seu
mestre, Almeida Nogueira. Mas não só isso: fez questão de lembrar que foi governador de
88 José Luis de Almeida NOGUEIRA. Curso didáctico de economia política ou sciencia do valor. São Paulo:
Graphica São José, 1936 (5ª Ed.), p. 8. A primeira edição da obra data de 1913 e a edição que utilizamos foi
revista por J. J. Cardoso de Melo Neto. Caio Prado Júnior não teve aulas com Almeida Nogueira, que faleceu em
1914. Contudo, em 1925, no 2º ano da Faculdade, teve aulas de economia política e ciências das finanças com
Melo Neto, que muito provavelmente as ministrou com base no Curso didáctico. Em seu histórico escolar consta
que Caio Prado foi aprovado “plenamente” em Economia Política. Cf. Paulo Henrique MARTINEZ. A dinâmica
de um pensamento crítico, p. 265. 89 José Luis de Almeida NOGUEIRA. Curso didáctico..., p. 8 90 Revista da Faculdade de Direito, v. 48, 1953, p. 115.
52
São Paulo durante um período do Estado Novo e que, antes disso, em 1933, na presidência do
Partido Democrático, pôde
[...] decisivamente, colaborar para a formação da “Chapa Única por São Paulo
Unido” que, vitoriosa, elegeu à Assembleia Nacional Constituinte a bancada, cuja
primeira e essencial contribuição para o restabelecimento do regime democrático,
no Brasil, constituiu em levar ao chefe do governo provisório os nomes dos
paulistas, dentre os quais deveria ser escolhido, como o foi, o daquele que passaria
a governar São Paulo, integrando assim e desde logo, na posse de si mesmo. 91
Sua filiação política à causa paulista estava reiterada e anunciada.
O sucessor interino de Cardoso de Melo Neto, Lino de Moraes Leme, ministrou as aulas
de Economia Política no curso de bacharelado entre 18 de maio de 1953 e 9 de agosto de
1956, quando tomou posse o candidato aprovado no concurso. Durante parte deste período,
mais precisamente a partir de outubro de 1954, sob a sua indicação e com a aprovação da
Congregação, passou a contar com o bacharel Adib Casseb como auxiliar de ensino.92 E
quando escolhido como paraninfo da turma de bacharelandos de 1955 elegeu o marxismo
como um dos alvos de seu discurso e pôs-se a defender a propriedade privada. Para ele, “os
fundamentos da propriedade são a liberdade, o trabalho e a inteligência” e o direito de
propriedade garantiria não o interesse individual, mas o interesse coletivo. Não considera
necessário, portanto, “suprimir a propriedade individual, para se atender aos interesses
gerais.” Daí o tom crítico ao dizer que em relação à propriedade haveria “duas posições
extremadas – defendendo uns a propriedade coletiva, outros, a individual, sem concessões
recíprocas.” Neste contexto, a ética serviria para buscar “realizar o equilíbrio social, que é
condição de vida e desenvolvimento da sociedade e do indivíduo”; equilíbrio este que “se
encontra na cooperação, imposta pelas necessidades gerais”. Neste sentido, a vida social seria
a síntese entre a “força egoística” do interesse econômico e a “força altruística” da
solidariedade e da cooperação. “O homem, para trabalhar, precisa de estímulos; ora, a
supressão da propriedade individual viria priva-lo desses fundamentos do progresso”, afirma
91 José Joaquim Cardoso de MELO NETO. Uma escola de civismo. Revista da Faculdade de Direito, v. 49,
1954, p. 356. Ver também: Discurso de Agradecimento do Professor Dr. J. J. Cardoso de Melo Neto, à
homenagem que lhe prestou a Congregação da Faculdade conferindo-lhe o Título de Professor Emérito. Revista
da Faculdade de Direito, v. 49, 1954, p. 348-52.
92 Cf. Relatório das atividades da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1953), p. 552-5; Ata da 8ª
sessão da Congregação, 9 set. 1954, Atas das sessões da Congregação, Livro 16, p. 26; Relatório das atividades
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1954), Revista da Faculdade de Direito, v. 50, 1955, p.
436. Em sessão da Congregação de 17 de fevereiro de 1954, o prof. Waldemar Ferreira propôs que fosse
contratado um professor para reger a cadeira de Economia Política, mas depois de debate e votação, prevaleceu
por 17 votos contra 2 a proposta do prof. Siqueira Ferreira de manter Lino de Moraes Leme na sua regência. Em
24 de fevereiro de 1956, a Congregação decidiu manter a designação de Leme como regente de Economia
Política. Cf. 1ª Sessão da Congregação, 17 fev. 1954, Atas das sessões da Congregação, Livro 15, p. 87; 2ª
Sessão da Congregação, 24 fev. 1956, Atas das sessões da Congregação, Livro 17, p. 2.
53
Leme, em defesa de um dos polos da contradição para a existência do equilíbrio. O interesse
econômico proporcionado pela propriedade privada seria, assim, uma espécie de mal
necessário, a ser apaziguado pelo direito. 93
Tomar em consideração o interesse coletivo, é atitude que o direito sempre adotou,
reconhecendo a necessidade de cooperação, sem a qual não haverá vida social; e se
atualmente se observam reformas jurídicas feitas ou em andamento, nada mais
representam do que a preocupação em se restabelecer o equilíbrio social, que exige,
para todos os homens, um mínimo de bem estar, aquele a que têm direito todos os seres
humanos, delas privados pelo predomínio das forças egoísticas. 94
Dessa forma Lino Leme buscou sustentar a ideia inicial de seu discurso, segundo a qual
os bacharelandos, durante seus estudos, teriam visto “como o direito organiza a vida social,
dando-lhe a estabilidade, que a mantém”. Neste sentido, adverte: “Falar em transformações
orgânicas ou sociais, é recordar que elas resultam do princípio da solidariedade, e, pois, da
cooperação. Sem ela não se fará o produto; é ela que lhe dá valor, e não o trabalho individual,
como pretendeu Marx.” 95 Entretanto, nos parece que o preconceito ideológico impediu o
professor de Economia Política de considerar com a devida precisão dois aspectos
elementares do pensamento do principal crítico da Economia Política. Em primeiro lugar,
para Marx é principalmente o trabalho social, não o trabalho individual, que gera valor:
[...] a lei geral da valorização só se realiza completamente para o produtor
individual tão logo ele produza como capitalista, empregue muitos trabalhadores,
ao mesmo tempo, pondo assim em movimento, desde o início, trabalho social
médio.
Mesmo não se alterando o modo de trabalho, o emprego simultâneo de um número
relativamente grande de trabalhadores efetua uma revolução nas condições
objetivas de trabalho. 96
Em segundo lugar, é justamente o conceito de cooperação que permite a Marx compreender a
magnitude das transformações da produção capitalista e, pois, o processo de valorização do
capital:
A forma de trabalho em que muitos trabalham planejadamente lado a lado e
conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em processos de produção
diferentes, mas conexos, chama-se cooperação.
[...] Se o processo de trabalho é complicado, a simples massa dos que trabalham
juntos permite distribuir as diferentes operações entre diferentes braços e, portanto,
93 Cf. Lino de Moraes LEME. Discurso de paraninfo, pronunciado pelo Exmo. Sr. Professor Lino de Moraes
Leme, aos bacharelandos de 1955. Revista da Faculdade de Direito, v. 50, 1955, p. 275-7. 94 Ibidem, p. 277. 95 Ibidem, p. 272. 96 Karl MARX. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 258.
54
executá-las simultaneamente, e em virtude disso encurtar o tempo de trabalho
necessário para fabricar o produto global. [...]
Em comparação com uma soma igual de jornadas de trabalho isoladas individuais a
jornada de trabalho combinada produz maiores quantidades de valor de uso,
diminuindo por isso o tempo de trabalho necessário para produzir determinado
efeito útil. [...] Ao cooperar com outros de um modo planejado, o trabalhador se
desfaz de suas limitações individuais e desenvolve a capacidade de sua espécie. 97
Mesmo destituída de fundamentos científicos, a crítica moral e ideológica não deixava
de surtir efeitos e criar um ambiente hostil ao marxismo. Nele, muitas atenções se voltavam
para saber quem sucederia definitivamente o Professor Emérito na cátedra de Economia
Política da FD-USP. Mas para alguns não se tratava de mera curiosidade: a disputa pela
ocupação deste espaço animou preconceitos e vivos debates, da preparação à conclusão do
concurso, inclusive quando um candidato marxista e comunista ousou se inscrever.
Procedimentos polêmicos, suspeitas e disputas acirradas
A primeira polêmica surgiu quando o presidente do Conselho Regional de Economistas
Profissionais encaminhou ofício ao então Diretor da Faculdade de Direito, Braz de Souza
Arruda, solicitando a modificação do edital do concurso para professor catedrático de
Economia Política, para que fossem admitidos os bacharéis ou doutores em Ciências
Econômicas, nos termos da lei federal 1.411, de 1º de agosto de 1951. Ao receber a
solicitação dos economistas, o diretor encaminhou o assunto para o Conselho Técnico-
Administrativo (CTA) da Faculdade, que decidiu por incumbir o prof. Teotônio Monteiro de
Barros Filho de emitir um parecer. Diante da posição favorável de Barros Filho ao
atendimento do pedido do Conselho de Economistas, aprovou-se por unanimidade que o
edital do concurso fosse considerado sem efeito, para que a Congregação resolvesse o
assunto. A questão tratada no CTA em 15 de dezembro de 1953 veio a ter um desfecho
somente em sessão do dia 25 de maio de 1954 da Congregação. Na ocasião, três posições se
consolidaram. A mais restritiva, que impedia a participação de economistas, foi defendida por
Lino Leme e apoiava-se na lei estadual nº 3023 de 15 de julho de 1937, que regia a Faculdade
de Direito e exigia do candidato a professor catedrático a apresentação, no ato da inscrição, de
“diploma de bacharel ou doutor em direito, ou tratando-se de medicina legal, diploma de
doutor em medicina, conferido por faculdade brasileira, oficial ou equiparada”. A posição que
concordava com o parecer solicitado pelo CTA, permitindo a inscrição de economistas, foi
97 Ibidem, p. 259-62.
55
defendida por Cesarino Júnior, com base na lei federal 1.411 de 1º de agosto de 1951, que
dispunha sobre a profissão de Economista e facultava “aos bacharéis em Ciências Econômicas
a inscrição dos concursos para provimento das cadeiras de Estatística, de Economia e de
Finanças, existentes em qualquer ramo de ensino técnico ou superior e nas dos cursos de
ciências econômicas.” Expressando a posição mais aberta, Siqueira Ferreira defendeu que
fosse permitida a inscrição de todos quantos apresentem diploma de curso superior, onde se
tenha lecionado a disciplina em concurso nos termos do decreto federal 19.851, e 11 de abril
de 1931, segundo o qual o candidato deveria “apresentar diploma profissional ou científico de
instituto onde se ministre ensino da disciplina a cujo concurso se propõe, além de outros
títulos complementares referidos nos regulamentos de cada instituto”. Aparentemente, porém,
Ferreira ignorou que o artigo onde consta este item afirma que este seria o requisito mínimo,
devendo o candidato “atender a todas as exigências instituídas no regulamento do respectivo
instituto universitário”. A fragilidade jurídica de sua proposta parece ter sido fundamental
para receber 16 votos contrários e apenas o seu voto favorável. Ainda que a lei federal
1.411/51 revogasse todas as disposições em contrário – o que incluía o item citado da lei
estadual 3023/37 evocado por Leme, dando sustentação jurídica à posição de Cesarino Júnior
– a proposta de se permitir a inscrição dos economistas foi aprovada por uma maioria
apertada, com dez votos favoráveis e sete contrários.98 Diante do resultado, Lino de Moraes
Leme fez constar em ata sua declaração de voto, apresentando as seguintes razões para a sua
decisão:
1. Não é licito à Congregação dispensar na lei; no caso, o requisito de o candidato
ser bacharel ou doutor em direito, como exige o Regulamento.
2. A lei invocada se aplica aos estabelecimentos federais. A nossa Universidade se
rege por seus Estatutos e pelo Regulamento, expedido com base neles.
3. O que a lei federal exige, em relação aos estabelecimentos equiparados é o
provimento das cátedras por concurso. Quem deve ser admitido a inscrição,
para ele, é a lei estadual que o diz.
4. Com efeito: é a lei estadual que estabelece os requisitos a ser exigidos para
ingresso ao funcionalismo público estadual. 99
Note-se que o que está em discussão não é somente a pertinência ou não de ter economistas
participando da formação de juristas – algo caro para a tradição das Arcadas em termos de
ensino de Economia Política – mas, no limite, o confronto entre distintas interpretações sobre
o federalismo brasileiro. Afinal, estava em questão qual dos entes da República, o estado ou a
98 Cf. Ata da 1ª sessão da Congregação, 17 fev. 1954, Atas das sessões da Congregação, Livro 15, p. 87; Cf.
Relatório das atividades da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1953), p. 549; Ata da 5ª sessão
da Congregação, 25 mai. 1954, Atas das sessões da Congregação, Livro 16, p. 18. 99 Ata da 5ª sessão da Congregação, 25 mai. 1954, p. 18.
56
União, tinha a prerrogativa legislativa a respeito da matéria. Ademais, cabe notar que a lei
estadual havia sido assinada em 1937 pelo então governador José Joaquim Cardoso de Melo
Neto, recém-homenageado como professor emérito quando se discutia a questão, enquanto a
lei federal vinha assinada por Getúlio Vargas, cuja reputação na FD-USP já era alvo de duro
questionamento há três meses de seu suicídio.
Duas semanas depois, Pascoal Barbosa, que cursava o segundo ano do doutorado no
Largo do São Francisco, enviou carta a Caio Prado Júnior informando-lhe o pleito dos
economistas e a decisão da Congregação, bem como o incentivando – na verdade, o
pressionando – a inscrever-se no concurso:
O pessoal está certo de que você se inscreverá. E, por outro lado, tenho
“espalhado”, na Faculdade que você irá concorrer ao concurso. Acredito que você
deverá se inscrever. De notar que não há nenhum “peixe” da congregação. Não há,
sequer, docente livre da cadeira. 100
De fato, não havia docentes livres de Economia Política na Faculdade, que poderiam
receber tratamento diferenciado por parte dos membros da banca examinadora. Odilon de
Araújo Grellet, um dos inscritos, era docente livre de Direito Civil e obteve a sexta e
penúltima posição ente os candidatos, o que, a princípio, revelaria o acerto da análise de
Barbosa de não haver “peixe” da Faculdade. Contudo, mesmo diante da suposta ausência de
privilegiado, ele alertava seu amigo para as dificuldades que enfrentaria: “Não tenhamos
ilusão: não darão, tudo indica, a você a cadeira. Uma docência livre, porém, você terá chance
de ganhar...”, considerou. Caio Prado Júnior estava ciente das dificuldades e era um
conhecedor do ambiente das Arcadas, em que prevalecia uma aversão ao marxismo e ao
movimento comunista, do qual fazia parte.
Não foi por acaso, portanto, que enfrentou obstáculos já no ato de inscrição. O prazo
havia se encerrado no dia 4 de outubro de 1954. No dia seguinte, a Congregação se reuniu e
verificou que haviam sido recebidas as inscrições de sete candidatos: José Pinto Antunes,
Odilon Grellet, Roberto Pinto de Souza, Caio Prado Jr., José Gláucio Veiga, João Paulo de
Almeida Magalhães e José Luis de Almeida Nogueira Porto. Uma série de exigências eram
100 Carta de Pascoal Barbosa a Caio Prado Júnior, 7 jun. 1954, código CPJ-CP-BARB005, Arquivo do Instituto
de Estudos Brasileiros (AIEB). O inteiro teor da carta pode ser visto no Anexo 3. Em suas memórias, Elias
Chaves Neto, que viria a ser editor-chefe da Revista Brasiliense, afirma: “Companheiros de Caio Prado Júnior
insistiam para que ele se apresentasse ao concurso aberto pela Faculdade de Direito de São Paulo para a cadeira
de Economia Política. Os comunistas sabiam que lutando contra o imperialismo lutavam pela solução dos
problemas do nosso povo; mas o povo disto não tinha compreensão. Era preciso explicar; explicar no que
consistia o imperialismo e porque o imperialismo era responsável pelo atraso e miséria de amplas camadas de
nossa população. Caio Prado Júnior aceitou a incumbência”. Elias CHAVES NETO. Minha vida e as lutas de
meu tempo: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, p. 139.
57
requeridas pela lei estadual 3023/37, que apesar de não prevalecer no caso da inscrição dos
economistas, estava sendo aplicada na realização do concurso. Junto com a petição, o
candidato deveria apresentar certificado de reservista do Exército, prova de cidadania
brasileira, título de eleitor, recibo de pagamento da taxa de inscrição, atestado médico, entre
outros documentos. Depois de verificar se os candidatos cumpriam com tais requisitos e
decidir sobre a idoneidade moral de cada um deles, passou-se a votação separada para cada
concorrente, decidindo por aceitar ou rejeitar as respectivas inscrições, conforme previsto na
lei. Cinco tiveram suas inscrições aceitas por unanimidade pelos 14 membros da Congregação
presentes. Os outros dois eram José Glaucio Veiga, que recebeu 3 votos contrários e 11
favoráveis, e Caio Prado Júnior, que recebeu 5 votos contrários e 9 favoráveis. Mais de um
terço dos votantes foi contrário à sua inscrição, o que demonstra a animosidade que, de
antemão, já se antepunha diante da mera possibilidade de que Prado Júnior concorresse à vaga
de professor catedrático na Faculdade de Direito. 101
A mesma sessão da Congregação que validou as inscrições dos candidatos deliberou
sobre a composição da banca examinadora. A lei estadual 3023/37 estipulava que deveria ter
cinco membros a comissão responsável por estudar os títulos e teses apresentadas pelos
candidatos, acompanhar as provas, classificar os habilitados e indicar à Congregação o
candidato a ser provido do cargo, bem como propor para a livre docência aqueles que ela
assim entendesse. Dois membros deveriam ser designados pela Congregação, dentre os seus
membros, e três pelo Conselho Técnico-Administrativo, devendo estes ser professores de
outras instituições de ensino ou profissionais especializados de notória competência. Neste
sentido, a Congregação escolheu como examinadores do concurso para professor catedrático
de Economia Política os professores Lino de Moraes Leme e Teotonio Monteiro de Barros
Filho, tendo Honorio Monteiro como suplente. 102
Entre 5 de outubro de 1954 e 31 de maio de 1955, por algum motivo que
desconhecemos, Barros Filho se retirou da comissão e foi substituído por Honório Monteiro,
deixando vaga a suplência. Diante da situação, Miguel Reale, então Diretor da Faculdade de
Direito, propôs incluir a eleição de um novo suplente na pauta da sessão seguinte da
Congregação, o que foi aprovado. Contudo, aproveitando o ensejo, o professor Siqueira
Ferreira – o mesmo que anteriormente havia defendido que se deveria aceitar inscrições de
101 Cf. Ata da 9ª sessão da Congregação, 5 out. 1954, Atas das sessões da Congregação, Livro 16, p. 27. 102 Ibidem, p. 28.
58
todos que apresentassem diploma de curso superior onde se tenha lecionado Economia
política – fez uso da palavra para levantar um questionamento:
[...] uma vez que é trazido a debate o concurso para provimento da cadeira de
Economia Política, devo declarar que estranhei que, sendo um dos candidatos
professor da Faculdade de Direito de Belo Horizonte, tenha o Conselho Técnico-
Administrativo convidado para examinadores justamente dois professores desse
estabelecimento. Acresce que fui informado que um desses professores conquistou
a cátedra aprovado por Comissão de que fazia parte o atual candidato. Peço mesmo
ao Sr. Diretor que, se possível, me esclareça a respeito dessa informação que me
foi dada pois ignoro se corresponde ou não à verdade. 103
Em relação ao candidato, Siqueira Ferreira se referia a José Pinto Antunes, que bacharelou-se
em Direito na Faculdade de Direito de São Paulo na mesma turma de Caio Prado Júnior, em
1928, e assumiu a cátedra de Direito Industrial e Legislação do Trabalho na Faculdade de
Direito da Universidade de Minas Gerais, em 1941. Em relação ao examinador, não se sabe se
fazia referência a Alberto Deodato ou Oscar Dias Corrêa, ambos da Faculdade de Direito de
Minas Gerais, escolhidos pelo CTA para compor comissão examinadora. De qualquer modo,
Miguel Reale confirmou as informações recebidas por Ferreira. Contudo, a maioria da
Congregação não se deixou abalar pela revelação: diversos professores se manifestaram
considerando que não havia impedimento em um professor examinar outro que,
anteriormente, o examinou. O terceiro professor de outra instituição a se incorporar na
comissão foi Edgar Luis Schneider, da Faculdade de Direito do Rio Grande do Sul.104 Logo se
vê que não estavam de todo dissipadas as suspeitas de que poderia sim haver um “peixe”, que
não era professor da casa, mas nela obteve o título de bacharel. Isso talvez explique porque as
notas atribuídas a Pinto Antunes pelos três professores de outras instituições tenham sido
significativamente maiores que as notas dadas pelos professores da casa que finalmente
compuseram a Comissão Examinadora, e porque esse padrão inverteu-se na avaliação do
segundo colocado, Luís de Almeida Nogueira Porto. 105
Conforme solicitação de Reale, a sessão seguinte da Congregação escolheu um novo
suplente: o professor Mário Masagão. Definidos os cinco membros da Comissão
Examinadora e seu suplente, foi marcado para o dia 5 de novembro daquele ano o início do
concurso.106 Mas novos percalços impediram que tais deliberações se concretizassem:
103 Ata da 3ª sessão da Congregação, 31 mai. 1955, Livro 16, p. 52. 104 Cf. Ibidem. 105 As notas dos candidatos constam na Ata da 6ª sessão da Congregação, 25 jun. 1956, Livro 17, p. 42-5. 106 Cf. Ata da 6ª sessão da Congregação, 25 jun. 1955, Livro 16, p. 63. Caio Prado Júnior recebeu carta assinada
pelo secretário da Congregação, Flávio Mendes, informando a data do início do concurso e a composição da
59
Honório Monteiro e o recém-escolhido Mário Masagão solicitaram à Congregação que
fossem dispensados da comissão. Alegando motivos de saúde, Monteiro foi dispensado, mas
para seu lugar foi escolhido Masagão, a quem a Congregação decidiu encaminhar um apelo
para que aceitasse a decisão.107 O apelo não surtiu efeito, e Waldemar Ferreira, segundo
colocado na votação, foi solicitado a assumir a vaga como titular da comissão e se preparar
para a arguição. Contudo, W. Ferreira informou à Congregação, em sessão de 4 de outubro,
que em função de seus afazeres docentes, sobretudo o estudo de fontes e bibliografia para o
ensino de História do Direito Nacional no curso de doutorado, não teria tempo suficiente para
analisar as teses dos sete concorrentes nos poucos dias que os separavam do início do
concurso. Somado a isso, mesmo disposto a aceitar a incumbência caso se prorrogasse a data
para o ano seguinte, havia um novo impedimento nesta alternativa: sua aposentadoria
compulsória estava prevista para os primeiros dias de dezembro, fato que recomendava sua
substituição em definitivo. A Congregação aceitou ambas as suas recomendações: substituí-lo
e adiar o início do concurso – para que o novo examinador dispusesse de tempo para se
dedicar ao trabalho, certamente. Com isso, decidiu-se adiar o concurso para junho do ano
seguinte. Concorrendo com outros onze professores – inclusive Mário Masagão que
surpreendentemente, mesmo depois de todo o exposto, recebeu um voto, e Mário Reale,
diretor da Faculdade, que recebeu quatro votos – Goffredo da Silva Telles Júnior foi votado
por onze membros da Congregação e, assim, escolhido o novo membro da Comissão
Examinadora, seguido por Ataliba Nogueira, que obteve 5 votos e assumiu a suplência. 108
Estava definitivamente formada a banca que iria examinar os candidatos: Lino de
Moraes Leme e Goffredo da Silva Teles Jr., eleitos pela Congregação, e Edgar Luis
Schneider, Alberto Deodato e Oscar Dias Corrêa, escolhidos pelo Conselho Técnico-
Administrativo. Mas os problemas não haviam se encerrado, pois a questão legislativa não
havia sido de todo superada. Se diante do pedido dos economistas a legislação federal havia
prevalecido, isso não significava que as bases legais do concurso haviam sido integralmente
resolvidas.
A partir de proposta do professor Luis Eulálio de Bueno Vidigal, decidiu a Congregação
designar um grupo de professores para estudar com urgência qual a lei aplicável ao concurso,
Comissão Examinadora. Cf. Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 24 jun. 1955, código CP-
USPFD002, AIEB.
107 Cf. Ata da 8ª sessão da Congregação, 05 ago. 1955, Livro 16, p. 76
108 Ata da 9ª sessão da Congregação, 4 out. 1955, livro 16, p. 79. Novamente, Caio Prado recebeu
correspondência informando a composição da Comissão Examinadora e a nova data do início do concurso. Cf.
Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 6 out. 1955, código CPJ-CP-USPFD003, AIEB.
60
se a federal ou a estadual. Jorge Americano, Miguel Reale e Bueno Vidigal ficaram
responsáveis de emitir parecer sobre o assunto e o concurso ficou de ser realizado trinta dias
depois, ou seja, a partir do dia 9 de junho.109 Confrontando os textos da lei estadual nº
3.023/37 e do decreto federal nº 19.851/31, e considerando que cabe ao estado estabelecer,
nos dispositivos regulamentares dos institutos equiparados, o processo de concurso para
provimento de suas cátedras, e que não se pode negar a União o poder de legislar sobre a
mesma matéria, desde que o faça por entender que as suas normas constituem bases ou
diretrizes da educação nacional, concluiu-se que a legislação federal deveria regular a
aprovação do parecer da comissão examinadora, enquanto a legislação estadual regularia as
formalidades de declaração de vacância de cadeira, publicação de editais, prazo de inscrição
dos candidatos, documentos exigidos, composição da comissão examinadora e provas do
concurso. 110
Houve divergência, revelando interpretações distintas a respeito das competências da
União e dos estados em matéria legislativa. Vicente Ráo, apoiou-se no preceito constitucional
de que compete à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e de que entre
os princípios a serem adotados na legislação do ensino está a exigência do concurso de títulos
ou provas para o provimento das cátedras no ensino superior. Assim, só por lei federal
poderiam ser disciplinadas as matérias relativas aos requisitos a serem preenchidos pelos
candidatos e ao processo a ser observado nos concursos. Argumentou Ráo que apenas a
legislatura federal pode complementar as normas constitucionais da União que não forem
autoexecutáveis, não sendo os estados competentes para legislarem livremente e esse respeito,
o que poderia resultar na inobservância ou burla da exigência constitucional caso isso fosse
permitido. De acordo com a Constituição, os estados teriam poderes para legislação supletiva
e complementar, mas não concorrente, indicando a primazia da lei federal sobre a estadual.
Arrematando sua declaração de voto, argumentou o professor que assim tem decidido o
Tribunal Federal de Recursos e o Supremo Tribunal Federal. 111
Apesar de Cesarino Júnior e Siqueira Ferreira se colocarem ao lado de Vicente Ráo, a
maioria das intervenções no debate seguiram o parecer. Uns afirmavam que a Constituição
Federal permitia variantes regionais no sistema de ensino, enquanto outros consideraram que
se deveria recorrer à lei federal apenas nos casos omissos, havendo ainda quem evocasse a
109 Cf. Ata da 3ª sessão da Congregação, 8 mai. 1956, livro 17, p. 21.
110 Cf. Ata da 4ª sessão da Congregação, 29 mai. 1956, livro 17, p. 32. 111 Ibidem, p. 33.
61
tradição da Faculdade, lembrando que assim se faz de 1938, para argumentar que a aprovação
do parecer se impunha. Passando-se à votação, o parecer foi aprovado por treze votos a dois,
observando-se a abstenção de S. Ferreira. Em seguida, foram definidos os temas para a prova
escrita.112 Assim como os demais candidatos, Caio Prado Júnior já havia sido convocado a
comparecer à Faculdade de Direito no final da tarde do dia 29 de maio para receber a relação
dos pontos para a prova escrita do concurso. 113
Que os temas da Economia Política tenham sido menos foco de polêmica que a
legislação a ser adotada na realização do concurso é um indício de que a Congregação da
Faculdade de Direito estava mais atenta aos procedimentos administrativos do concurso que
aos critérios teóricos e científicos que balizariam o julgamento e a seleção dos candidatos. Por
um lado, isso pode demonstrar que era resguardada autonomia teórica e científica a Comissão
Examinadora. Por outro, pode evidenciar interesse em induzir a seleção por outros meios que
não os restritamente relacionados à avaliação das monografias, dos títulos, da arguição e da
prova escrita dos candidatos.
Avaliação e resultados: economia ou política?
Desde junho de 1954 a Congregação havia definido que o Salão Nobre da Faculdade
deveria ser utilizado para a realização do concurso para professor catedrático de Economia
Política – sem unanimidade, diga-se de passagem.114 O concurso teve início com a realização
de prova escrita pelos candidatos no dia 9 de junho e encerrou-se no dia 25, com a leitura das
provas, a decisão da Congregação e o anúncio dos resultados. A arguição de Caio Prado
Júnior estava agendada para o dia 13 de junho de 1956, às 14 horas.115 Segundo Elias Chaves
Neto:
O concurso foi um acontecimento. Na sala João Mendes da Faculdade de Direito
de São Paulo uma multidão se apinhava: estudantes, intelectuais, curiosos, as
famílias dos candidatos, todos ávidos de ver como o conhecido escritor e ex-
deputado comunista defenderia uma cultura sobre a qual já tinham suas ideias
formadas... 116
112 Ibidem.
113 Cf. Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 22 mai. 1956, código CPJ-CP-USPFD004, AIEB. A
lista de temas para a prova escrita pode ser vista integralmente no Anexo 4. Chama a atenção a quantidade e a
amplitude de temas. 114 Cf. Ata da 6ª sessão da Congregação, 7 jun. 1954, livro 16, p. 20. 115 Cf. Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 8 jun. 1956, código CPJ-CP-USPFD008, AIEB. 116 Elias Chaves NETO, Minha vida e as lutas de meu tempo, p. 141.
62
Entre o público, havia quem estivesse interessado em ouvir o candidato movidos por
interesses investigativos: até mesmo agentes do DOPS acompanharam sua arguição. Caio
Prado Júnior vinha sendo investigado desde 1935 pelo menos, quando foi preso por ocasião
do levante comunista. Caio Prado Jr. participava ativamente das mobilizações da Aliança
Nacional Libertadora (ANL) naquele ano, fazendo discursos em comícios, publicando
folhetos, organizando reuniões e concedendo entrevistas à imprensa. Então com 28 anos de
idade, era vice-presidente da seção paulista da ANL.117 Foi detido no Rio Grande do Sul em
27 de novembro daquele ano, acusado de ter se reunido na sede do jornal A Platéa com o
médico José Maria Gomes e o advogado Danton Vampré e de ser portador de ideias
extremistas. Segundo o correspondente em Porto Alegre do periódico O Jornal, havia sido
preso, “a pedido da polícia paulista, o sr. Caio Prado, membro da Ação Libertadora de São
Paulo e que aqui se encontrava a passeio”.118 Caio Prado Júnior ficou preso até meados de
1937, primeiro no presídio Maria Zélia e depois no Paraíso.119
Nova prisão veio em 1948. Depois de ter publicado um manifesto com outros
parlamentares pecebistas que tiveram cassados seus mandatos, Caio Prado Jr. foi detido.
Passados aproximadamente dois meses de reclusão, prestou depoimento na 2ª vara criminal ao
juiz Elias Cruz Martins. De acordo com reportagem da Folha da Manhã, depois de declarar
ser o seu próprio advogado no processo, alegou que desde que foi preso “não teve nenhuma
informação segura sobre a autoridade que ordenou a prisão e os motivos dela”. Depois,
evocou artigos da Constituição para responsabilizar a autoridade policial “pela ação ilegal
praticada contra o depoente, não apenas prendendo-o e mantendo-o preso sem ordem legal,
como deixando de comunicar ao juiz competente a prisão efetuada”. Para Caio Prado, a
denúncia não passava de “mera perseguição política” e seria obscura, “pois o promotor tirou
conclusões em desacordo com o texto do manifesto”.120 O habeas-corpus foi concedido no dia
17 de junho daquele ano e o recurso contra a prisão preventiva decretada por Martins foi
considerado procedente. Tomada a decisão, na noite do mesmo dia, os advogados João
117 O documento de sua detenção assinalava que o acusado era presidente do Diretório Estadual da ANL. Cf.
Lincoln SECCO. Caio Prado Júnior: o sentido da revolução, p. 51. Caio Prado lembra que foi “um dos
dirigentes da Aliança em São Paulo, como vice-presidente. O general Miguel Costa era o presidente, mas nunca
atuou muito.” “É preciso deixar o povo falar”. Entrevista, p. 307-8. 118 Prisões efectuadas em Porto Alegre, O Jornal, Rio de Janeiro, 29 nov. 1935, p. 7. Disponível em:
<http://bndigital.bn.br/expo/caioprado/index.htm>. Acessado em: 15 fev. 2013. 119 Cf. Paulo Teixeira IUMATTI, Caio Prado Júnior: uma trajetória intelectual. São Paulo, Brasiliense, 2007, p.
31-2; Lincoln SECCO. Caio Prado Júnior: o sentido da revolução, p. 50-1. Sobre a militância de Caio Prado
Júnior na ANL, indicamos a análise de MARTINEZ, A dinâmica de um pensamento crítico, p.238-51. 120 Concluído o interrogatório dos signatários do manifesto comunista, Folha da Manhã, São Paulo, 1 jun. 1948,
p. 5. Disponível em: <http://bndigital.bn.br/expo/caioprado/index.htm>. Acessado em: 15 fev. 2013.
63
Bernardes da Silva e Rio Branco Paranhos foram ao quartel da 1ª Companhia Independente da
Força Pública acompanhados do escrivão do Tribunal de Justiça e restituíram a liberdade dos
detidos. 121
Certamente, suas passagens pelas celas pesaram no julgamento de sua idoneidade moral
e foram decisivas para que recebesse os cinco votos contrários à aceitação de sua inscrição no
concurso. Afinal, exigia-se que no ato de inscrição os candidatos apresentassem folha corrida
do juízo criminal da justiça local e da polícia. Tanto para uma parcela da Congregação quanto
para o DEOPS, a ficha criminal de Caio Prado Júnior recomendava tratamento especial.
Assim, por determinação da chefia do serviço secreto do DOPS, um de seus agentes assistiu à
arguição do investigado e escreveu um breve relatório das discussões, que dá especial atenção
às opiniões de Caio Prado em relação ao marxismo, o socialismo e o capitalismo, e encerra
com uma observação de que comunistas da Faculdade e também não vinculados a ela
estiveram presentes no Salão Nobre, mas não se manifestaram durante a prova.122 Ser
comunista era uma questão de polícia, não de política.
A imprensa também se fez presente, colhendo informações para matéria veiculada no
dia seguinte em O Estado de S. Paulo. Afirmou o jornal que a prova despertou interesse
inusitado nos círculos jurídicos de São Paulo – resultando em enorme assistência, que deixou
lotado o Salão Nobre da Faculdade – porque Caio Prado Júnior era “dirigente de prol do
extinto Partido Comunista Brasileiro e de se ter inscrito no concurso com uma monografia
que reflete suas ideias políticas”. O texto do candidato, então, “sofreu cerradas críticas, do
ponto de vista do fundo e de forma, dos cinco membros da comissão examinadora”. Insistindo
na noção de que dissertação era “uma decorrência de suas convicções políticas”, O Estado de
S. Paulo informava que Caio Prado Júnior posicionava-se “contra as aplicações de capital
estrangeiro no Brasil, a favor do monopólio estatal do comércio exterior, e de uma reforma
agrária, com a modificação do estatuto da propriedade fundiária”.123 Em suma, era tudo o que
um liberal clássico do Brasil da década de 1950 rechaçava.
121 Na ocasião, foram libertados: Caio Prado Júnior, Celestino dos Santos, Mario de Souza Sanches, Milton
Caires de Brito, Roque Trevisan e João Talbo Cadorniga, Mario Schemberg, Armando Mazzo e Nestor Veras.
Cf. Postos em liberdade os ex-parlamentares comunistas, Folha da Manhã, São Paulo, 8 jun. 1948, p. 5.
Disponível em: <http://bndigital.bn.br/expo/caioprado/index.htm>. Acessado em: 15 fev. 2013. 122 Cf. Dossiê 50-Z-013 (430), fundo DEOPS, APESP. O relatório de investigação do DOPS sobre o exame oral
prestado por Caio Prado Jr. no concurso encontra-se integralmente transcrito no Anexo 5. 123 O Estado de S. Paulo, 14 jun. 1956, p. 11.
64
Só não podemos dizer que a historiografia é unânime em considerar que Caio Prado não
tornou-se catedrático por motivos políticos em função de algumas, digamos, abstenções.
Francisco Iglésias foi talvez o primeiro a apresentar esta interpretação:
É conhecido o conservadorismo, senão o reacionarismo das escolas de direito, mais
vivo na de São Paulo. [...] Para essa congregação, era inconcebível um comunista
como professor de Economia Política. Caio foi desafiado a fazer o concurso por
companheiros do partido, bem como por amigos intelectuais não-comunistas, na
suposição de ser chegado o momento de quebrar a rigidez intolerante. Aceitou
submeter-se à provocação. Para o concurso escreveu tese bastante arrojada –
Diretrizes para uma política econômica brasileira. Não podia ser aprovado.
Disputando com vários outros candidatos, não tiveram a coragem de reprová-lo:
não lhe deram o cargo de catedrático, mas o título de livre-docente. 124
Em depoimento prestado aos ouvintes da II Jornada de Ciências Sociais da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), realizada de 26 a 28 de maio de 1988 em Marília, Heitor Ferreira
Lima reproduziu a narrativa de Iglésias. Mais tarde, ambos os autores foram as referências de
Paulo Teixeira Iumatti ao afirmar que a tentativa de se tornar professor catedrático de
Economia Política malogrou em função do conservadorismo da Faculdade, “que não admitiria
um professor de economia com seus posicionamentos políticos”. Lincoln Secco também traça
a mesma narrativa do episódio: Caio Prado Júnior “obteve o título de livre-docente mas não a
cadeira como professor (por razões políticas)”. Entretanto, apresenta como referência o livro
de memórias de Elias Chaves Neto, que apesar de tratar do concurso nada diz a respeito de
seu resultado. Por sua vez, escrito em coautoria, o trabalho de Luiz Bernardo Pericás e Maria
Célia Wider é o que mais reúne fontes primárias e também um dos mais recentes sobre Caio
Prado Júnior. Os autores abordam o concurso com base nas matérias de O Estado de S. Paulo,
mas não ensaiam nenhuma explicação para o fato de que o candidato não venceu a disputa
pela cadeira. Em trabalho anterior, Wider também havia discorrido sobre o episódio sem
indicar os motivos que levaram Caio Prado a ser preterido como titular da disciplina.125
Como temos demonstrado, são fortes e praticamente irrefutáveis os indícios de que
houve um julgamento político dos candidatos na escolha do novo professor catedrático de
Economia Política. Reforçam este argumento alguns trechos das reportagens sobre a arguição
124 Francisco IGLÉSIAS. “Um historiador revolucionário”. In: Caio PRADO JÚNIOR. Caio Prado Júnior:
história. São Paulo: Ática, 1982, p. 19-20.
125 Cf. Heitor Ferreira LIMA. “Caio Prado e seu tempo”. In: Maria Angela D’INCAO (org.). História e ideal:
ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo: Editora UNESP; Brasiliense; Secretaria de Estado da Cultura, 1989,
p. 21; Paulo Teixeira IUMATTI, Caio Prado Júnior: uma trajetória intelectual, p. 177; Lincoln SECCO, Caio
Prado Júnior: o sentido da revolução, p. 101; Luiz Bernardo PERICÁS e Maria Célia WIDER, “Caio Prado
Júnior”. In: Luiz Bernardo PERICÁS e Lincoln SECCO (orgs.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e
renegados. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 202; Maria Célia WIDER, Caio Prado Jr.: um intelectual irresistível.
São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 17.
65
do candidato vencedor, José Pinto Antunes. Uma das matérias indica que Antunes, “definindo
sua posição no campo da Economia Política, declarou ser neo-liberal, fazendo profissão de fé
de sua convicção liberal”.126 Uma outra, publicada no dia seguinte à sua arguição, afirma que
essa é uma posição “que já deixara antever ao dedicar sua monografia aos professores
Cardoso de Melo Neto, Pierre Fromont e René Courtin, agradecendo a estes a ‘sua convicção
liberal’”.127 Como prefácio de sua monografia, Pinto Antunes escreveu o que poderia ser
considerado um verdadeiro manifesto anticomunista e antisoviético. Contrapondo-se à
“ditadura”, ao “totalistarismo” e ao “autoritarismo” do regime de Moscou, não hesita em
afirmar que “nossa tese econômica se enquadra na filosofia de vida liberal”; que o
“liberalismo econômico é a democracia na ordem econômica”; que seu texto é uma “tese
liberal”; que “nós somos convictamente liberais”; e que nas páginas seguintes seriam dadas
“as razões dessa convicção”. 128
O resultado do concurso foi definido pela Congregação em sessão do dia 25 de junho.
José Pinto Antunes foi aprovado, tomou posse como professor catedrático de Economia
Política em 9 de agosto de 1956 e lecionou na Faculdade de Direito até falecer no dia 13 de
abril de 1975, tendo sido seu diretor no início dos anos 1970.129 Obteve média geral 9,2 no
concurso, a mesma que o segundo colocado, o economista José Luís de Almeida Nogueira
Porto, que apresentou monografia intitulada Contribuição para a teoria do lucro. Cabe notar
que Nogueira Porto era bacharel em direito formado na turma de 1937 da FD-USP e neto de
José Luiz de Almeida Nogueira, professor de Economia Política da Faculdade de Direito
homenageado na aula inaugural de 1953, a quem dedicou sua monografia. Ficou em terceiro
lugar, com a tese A teoria moderna do crescimento econômico e o problema do
desenvolvimento, o bacharel em direito e doutor em economia João Paulo de Almeida
Magalhães, com média geral 8,95.130 Note-se, portanto, que os candidatos que mais
ameaçaram Pinto Antunes não dependeram da votação da Congregação que reconheceu os
termos da lei nº 1.411/51 e garantiu a inscrição de economistas. Apesar do empate entre os
126 O Estado de S. Paulo, 26 jun. 1956, p. 12. 127 O Estado de S. Paulo, 12 jun. 1956, p. 12. 128 Jose Pinto ANTUNES. A produção sob o regime da empresa: as razões da iniciativa privada – economia e
direito. São Paulo: Edição Saraiva (3ª Ed.), 1964, p. XVIII-XIX. O prefácio à primeira edição encontra-se
integralmente transcrito no Anexo 7. 129 Em sua homenagem foi fixada uma placa na parede do pátio das Arcadas (Figura 10). Atualmente, sua
passagem pelo Largo do São Francisco como catedrático também pode ser lembrada a partir de seu retrado no
Museu da Faculdade (Figura 11). 130 As médias gerais dos candidatos constam na Ata da 6ª sessão da Congregação, 25 jun. 1956, Livro 17, p. 42-
5.
66
dois primeiros colocados, a Comissão Examinadora, em seu parecer, indicou José Pinto
Antunes para a cátedra, o que foi aceito pela Congregação em votação apertada: 4 votos
favoráveis e 3 contrários. A baixa votação – apenas sete membros – se justificava pela
definição da lei estadual 3.023/37 de que não poderiam votar os membros da Congregação
que compuseram a banca examinadora, e de que poderiam votar apenas os membros que
tivessem assistido integralmente às provas do concurso, tendo sido o baixo comparecimento
motivo de debates na Congregação.131
De qualquer modo, se por um lado foi aceita a indicação dos examinadores para a
cátedra, o mesmo não se pode dizer sobre a livre-docência. A Comissão Examinadora
habilitou no concurso por unanimidade de votos os candidatos José Pinto Antunes, João Paulo
de Almeida Magalhães, José Glaucio Veiga, José Luis de Almeida Nogueira Porto e Roberto
Pinto de Sousa; e por quatro votos contra um, os candidatos Caio Prado Junior e Odilon de
Araujo Grellet. Porém, na Congregação, em relação à habilitação, José Gláucio Veiga recebeu
um voto contrário à concessão da habilitação, Grellet recebeu dois e Prado Júnior recebeu
quatro votos contrários e três favoráveis. Todos os que não obtiveram a cátedra foram
indicados a se tornar livre docentes, com exceção de Caio Prado, que obteve cinco votos
contrários e apenas dois favoráveis na Congregação. Mesmo sob os protestos de Vicente Ráo,
na votação do parecer obedeceu-se à lei estadual, segundo a qual os candidatos habilitados no
concurso e propostos para a livre docência teriam rejeição ou aprovação, um a um, mediante
maioria simples dos votos. Portanto, de acordo com a ata da sessão da Congregação que
definiu o resultado do concurso, Caio Prado Júnior não deveria obter a livre docência. Note-se
que, por exigência legal, a mesma foi lavrada, lida e assinada na mesma sessão, o que nos
assegura de que o resultado da votação nela inscrito corresponde ao ocorrido na reunião. 132
Mas se é assim, porque a imprensa divulgou a informação de que todos os demais
candidatos foram habilitados e receberam o título de livre docente? Por que no relatório anual
da Faculdade de Direito referente às atividades de 1956 consta o nome de Caio Prado Júnior
como membro do corpo docente da Faculdade, na condição de livre-docente? E por que no
mesmo relatório não consta o nome de João Paulo de Almeida Magalhães? Por que consta no
relatório que Caio Prado Júnior colou grau de doutor em Ciências Jurídicas e Sociais no dia 5
de setembro daquele ano? Por que, na mesma data, o Diretor da Faculdade, Alvino Lima,
emitiu a portaria nº 13/22 nomeando o “doutor” Caio Prado Júnior livre-docente da Cadeira
131 Cf. Ibidem, p. 37-45. 132 Cf. Ibidem, p. 37-42.
67
de Economia Política? Em suma, o que aconteceu entre a votação na Congregação e a
divulgação dos resultados do concurso, para que as informações de documentos oficiais da
Faculdade sejam tão contraditórias? Ademais, resta uma última pergunta: se Caio Prado Júnior
obteve apenas um voto contrário à habilitação entre os membros da comissão examinadora, por que
Lincon Secco diz que Goffredo da Silva Telles Júnior deu o voto decisivo a favor de Caio Prado
Júnior, evitando que ele fosse reprovado? 133
Infelizmente, não temos respostas. É possível que tenham lhe conferido o título de livre
docente para evitar acusações de que a Faculdade, autoproclamada defensora da liberdade,
havia retaliado um candidato por motivos ideológicos. Podem ter levado em conta a ideia de
que há inimigos que são mais perigosos mortos do que vivos... Mas na medida em que não
temos evidências a respeito, estas são apenas hipóteses a espera de novas pesquisas. De todo
modo, este foi certamente um concurso controverso. Membros da Congregação chegaram a
sugerir a possibilidade de que ele fosse anulado.134 Caio Prado Júnior encontrava-se envolto
por disputas que ultrapassavam, de longe, o campo da Economia Política. Entretanto, foi neste
terreno que buscou responder às retaliações que sofreu. Tratou de estudar as monografias de
seus concorrentes e, em diálogo crítico com as principais correntes do pensamento econômico
dos anos 1950 no Brasil e no mundo, pôs-se a escrever Esboço dos fundamentos da teoria
econômica. Os livros em que, até então, o autor mais profundamente desenvolveu sua
formulação conceitual sobre o desenvolvimento eram textos de combate, que refletiam o
pensamento engajado de um intelectual militante.
133 Cf. O Estado de S. Paulo, 26 jun. 1956, p. 12; Folha da Manhã, 26 jun. 1956, p. 17; Relatório das atividades
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1956; Lincoln SECCO. Caio Prado Júnior: o sentido
da revolução, p. 101. Em suas memórias, o prof. Telles Jr. afirma que entre 1956 e 1980 participou de quarenta e
quatro Comissões Julgadoras de candidatos à cátedra e à livre-docência, bem como aos títulos de doutor e
mestre, e apresenta uma lista de candidatos por ele examinados e aprovados, entre os quais se encontra Caio
Prado Júnior, ao lado de José Pinto Antunes, José Luiz de Almeida Nogueira Porto, João Paulo de Almeida
Magalhães, Gláucio Veiga e Odilon de Araújo Grellet. Chama a atenção a ausência de Roberto Pinto de Souza.
Cf. Gofredo TELLES JÚNIOR. A folha dobrada: lembranças de um estudante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2004, p, 543-4. 134 Cf. Ata da 6ª sessão da Congregação, 25 jun. 1956, Livro 17, p. 40.
68
3. HISTORIOGRAFIA E ECONOMIA POLÍTICA
Tempo e análise econômica
Caio Prado Júnior já era um intelectual renomado quando se preparava para inscrever-se
no concurso para a cátedra da Faculdade de Direito da USP. Em 1953 foi lançada a 3ª edição
de História econômica do Brasil (1945), a 4ª edição de Formação do Brasil Contemporâneo
(1942) e 3ª edição de Evolução política do Brasil (1933) – desta vez acrescida de textos sobre
a cidade de São Paulo, estudos históricos e estudos demográficos, sob o título Evolução
política do Brasil e outros estudos.135 Intelectual renomado, mas não unânime. Pelo contrário,
despertava polêmica. Inclusive em sua família. Nascido em 1907, em São Paulo, no seio de
uma família rica e tradicional importante, ao optar pelo comunismo e tornar-se militante do
PCB ocorreu, conforme destacou Florestan Fernandes, “uma quebra de lealdade, uma ruptura
com a classe a que pertencia”; por “se devotar ao movimento revolucionário mais temido e
odiado”, ele “converteu-se em um traidor da classe.” 136 Sua filha certa vez afirmou que
“havia uma sanção da família muito grande a ele; gente que não frequentava a casa da minha
avó enquanto ele estivesse presente.” 137 Ainda assim, circulava com desenvoltura pelos
ambientes intelectuais. Em 1954, Caio Prado recebeu convite de Paulo Duarte138, então
presidente da Sociedade Paulista de Escritores (SPE), para participar do Congresso
Internacional de Escritores, uma iniciativa da Comissão do IV Centenário da cidade de São
Paulo. Na ocasião, foi um dois oito escritores escolhidos por votação pela Comissão
Organizadora do Congresso para debater com Romulo Gallegos o tema “O Velho Mundo
visto pelos americanos”139; tema que ocupa lugar importante nas reflexões de Caio Prado Jr.
135 Cf. Caio Prado JÚNIOR. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1953, p. 2-3. 136 Florestan FERNANDES. “A visão do amigo”. In: Maria Angela D’INCAO (org.). História e ideal: ensaios
sobre Caio Prado Júnior. São Paulo: Editora UNESP; Brasiliense; Secretaria de Estado da Cultura, 1989, p. 33-4. 137 Yolanda Cerquinho PRADO. Entrevista a Paulo Teixeira Iumatti. AIEB-USP. Apud Paulo Teixeira
IUMATTI. Caio Prado Júnior: uma trajetória intelectual, p. 129. 138 Em 1948, em função de um movimento reivindicatório dos trabalhadores do jornal O Estado de S. Paulo,
Paulo Duarte havia demitido Elias Chaves Neto, primo e amigo de Caio Prado Júnior que em 1955 se tornou
editor-chefe da Revista Brasiliense, uma iniciativa editorial de Caio Prado. Sobre este episódio, ver Elias
CHAVES NETO. Minha vida e as lutas de meu tempo, p. 95-100. Sobre a Revista Brasiliense ver Fernando
Papaterra LIMONGI. “Marxismo, nacionalismo e cultura: Caio Prado Jr. e a Revista Brasiliense”. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 5, n. 2, p. 27-46, 1987; Paula BIEGUELMAN. A Revista Brasiliense e a
expressão teórica do nacionalismo econômico brasileiro. In: Maria Angela D’INCAO (org.). História e ideal, p.
449-74; e Ângela Maria SOUZA. O Brasil de Caio Prado Júnior nas páginas da Revista Brasiliense (1955-
1964). Dissertação de Mestrado, São Paulo, PUC-SP, 2004. A análise dos artigos de Caio Prado Júnior
publicados na Revista Brasiliense em muito contribuiriam para os nossos propósitos de compreender seu
conceito de desenvolvimento, mas em função dos limites deste trabalho, preencheremos esta lacuna em
pesquisas futuras. 139 Cf. Carta de Paulo Duarte a Caio Prado Júnior. São Paulo, 6 jun. 1954, código CPJ-CP-SPES001, AIEB-USP.
No Congresso Internacional de Escritores estava prevista a presença de Claude Lévi-Strauss para tratar do tema
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sobre o desenvolvimento, na medida em que compõe o quadro mais geral das relações entre o
centro e a periferia do capitalismo.
Mas não era apenas entre os intelectuais vinculados às ciências humanas e sociais que o
autor circulava. Neste período, Caio Prado transitava também no ambiente em que
predominavam economistas – que, como vimos, cada vez mais se destacavam e constituíam
um campo específico do conhecimento. Meses depois de finalizado o concurso, em dezembro
de 1956, foi convidado a compor o Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio
para debater os “problemas nacionais” ao lado de nomes como Eugênio Gudin, Otávio
Gouveia de Bulhões, Roberto Campos e San Thiago Dantas, para citar apenas alguns dos mais
conhecidos. Nas palavras de Basílio Machado Neto, buscava-se compor uma assembleia com
“unidade na variedade”.140 A menção a figuras tão díspares do ponto de vista teórico confirma
o intento. Contudo, ainda que se verificasse uma heterogênea composição ideológica, entre
seus conselheiros economistas predominavam os neoliberais. 141
Segundo Bieschowsky, a corrente neoliberal do período, que incluía Gudin e Bulhões
Define-se por contraste com os desenvolvimentistas e compreende os economistas
que defendiam a prioridade da livre movimentação das formas de mercado como
meio para atingir a eficiência econômica. Não necessariamente se opunham
abertamente à industrialização e, muitas vezes, diziam-se favoráveis a alguma
diversificação industrial. Sua marca característica, contudo, era a oposição, ou pelo
menos omissão, quanto à propostas desenvolvimentistas. [...] Os economistas
neoliberais preocupavam-se, primordialmente, em defender o sistema de mercado,
fórmula básica de eficiência econômica. Eram, portanto, primordialmente liberais.
O prefixo ‘neo’ tem um significado muito preciso: representa o fato de que os
liberais brasileiros, em sua maioria, passavam a admitir, na nova realidade pós-
1930, a necessidade de alguma intervenção estatal saneadora de imperfeições de
mercado, que, segundo reconheciam, afetavam economias subdesenvolvidas como
a brasileira. 142
A terminologia é da própria época, como atesta a formulação de José Pinto Antunes:
[...] admite-se, no sistema liberal, a intervenção do Estado na atividade econômica.
E para acentuar essa atitude, muitos liberais se denominam, a sim mesmos,
“O Novo Mundo visto pela Europa”, autor com quem Caio Prado Júnior polemizou no trabalho O estruturalismo
de Lévi-Strauss, escrito entre 1970 e 1971, na prisão, e publicado em livro, depois de negada a sua publicação na
revista francesa La Pensée. 140 Participavam também: Gustavo Corção, Edmundo Macedo Soares e Silva, Glycon de Paiva, Seabra
Fagundes, Temístocles Cavalcanti, Silvio Fróes de Abreu, Carlos Medeiros Silva, Adroaldo Junqueira Aires,
Hermes Lima, Luiz Simões Lopes, Antonio Camilo de Oliveira, Antonia Viana de Souza, Dario de Almeida
Magalhães, Edmundo Barbosa da Silva, José Augusto Bezerra de Medeiros, Manoel Azevedo Leão e Marcial
Dias Pequeno. Cf. Carta de Basílio Machado Neto a Caio Prado Júnior. Rio de Janeiro, 27 dez. 1956, código
CPJ-CP-CNC001, AIEB-USP. 141 Cf. Ricardo BIELSCHOWSKY. Pensamento econômico brasileiro, p. 369. 142 Ibidem, p. 33-5.
70
neoliberais ou intervencionistas liberais. Outros, ainda, se chamam
intervencionistas de funcionamento, porque aceitam a intervenção do Estado para
melhor funcionamento da própria liberdade de iniciativa e organização. 143
De qualquer modo, o predomínio dos neoliberais não impediu Caio Prado Júnior de
aceitar o convite e tornar-se membro do Conselho Técnico da Confederação no biênio 1956-
1958, o que lhe valeu agradecimentos polidos e elogiosos de Machado Neto pelo “nobre teor
de sua contribuição aos nossos trabalhos” e pela “colaboração de tão alta categoria” ao
término do referido período. 144
As diversas cartas de que recebeu em meados de 1957 agradecendo o envio de seu livro
Esboço dos fundamentos da teoria econômica atestam que Caio Prado esforçou-se para
difundir sua mais nova obra entre seu círculo de amizades e contatos. Entre as respostas
obtidas, encontra-se a de Eugênio Gudin, de setembro daquele ano, em que se justificava de
ainda não ter lido o livro por estar ocupado “com uma conferência da Ass. Economia
Internacional no fim de janeiro, de minha responsabilidade”, agradecendo ao final “a oferta de
Esboço de Teoria Econômica, que lerei na minha volta com muito interesse.”145 As relações
que o autor estabeleceu com os demais conselheiros parecem ter sido, portanto, realmente
cordiais.
Não nos enganemos: a amplitude das relações e canais de diálogo de Caio Prado não
implicava concessões ideológicas. Mesmo sem sectarismos, sem corresponder a barreiras
intelectuais e valorizando o pluralismo político e ideológico, “ele não se vergava e não
quebrava”.146 Atesta-o a própria atitude de oferecer a ninguém menos que Eugênio Gudin, um
dos principais defensores da livre iniciativa e das leis de mercado, um exemplar do livro que
pretende demonstrar a inadequação da chamada Economia Política ortodoxa como base
teórica de uma política econômica que permitisse aos países subdesenvolvidos “romperem
com o círculo vicioso em que se encontra engajada sua economia” e “superarem o estatuto em
essência e fundamentalmente colonial de sua economia, e se reestruturarem em bases
propriamente nacionais”.147 A crítica de Prado Júnior é contundente:
143 José Pinto ANTUNES. A produção sob o regime da empresa, p. 27. 144 Carta de Basílio Machado Neto a Caio Prado Júnior. Rio de Janeiro, 23 dez. 1958, código CPJ-CP-CNC003,
AIEB-USP. Os textos das conferências e debates das reuniões do Conselho no referido biênio foram publicados
no boletim Carta Mensal. Contudo, seu estudo excederia os limites da presente pesquisa. 145 Carta de Eugênio Gudin a Caio Prado Júnior. 7 set. 1957, código CPJ-CP-GUD001, AIEB-USP. 146 Florestan FERNANDES. A visão do amigo, p. 30. 147 Caio PRADO JÚNIOR. Esboço dos fundamentos da teoria econômica. São Paulo: Brasiliense, 1957, p. 211-
2. Daqui em diante identificaremos esta obra simplesmente pela sigla EFTE.
71
A teoria econômica ortodoxa, [...] quando transposta para os países
subdesenvolvidos, resulta em suas consequências normativas e práticas na
manutenção das economias subdesenvolvidas em sua condição de elementos
periféricos e complementares daquele sistema. É que a teoria ortodoxa se funda se
não no “livre jogo dos fatores naturais” (que seria a livre ação de todos os
indivíduos participantes das atividades econômicas, situação essa que já hoje
pertence ao passado), na ação de interesses privados representados em primeiro e
principal lugar por estas imensas e poderosas organizações econômicas e
financeiras que são os trustes internacionais. No plano de um teoria dessas, as
economias subdesenvolvidas não passam e não podem passar de campo de ação
daqueles trustes, na qualidade de fornecedores dos produtores primários com que
os mesmos trustes transacionam, operam e produzem; bem como de mercados
suplementares e marginais para essa produção.148
Francisco Iglesias é um dos primeiros comentadores de Caio Prado a indicar que se
evidencia em seu pensamento “a necessidade para os periféricos de uma teoria econômica que
seja expressão autêntica de suas experiências, fundada pois em seu processo histórico”.149
Para João Antônio de Paula, porém, o autor não estava sozinho. Seria preciso inserir as
contribuições de Caio Prado Júnior neste sentido como manifestações de uma época na qual
foi redescoberto que não eram leis naturais e inexoráveis que promoviam a desigualdade
econômica política e social entre os países, mas assimetrias e desigualdades construídas
historicamente a partir de relações econômico sociais. Nas palavras do autor:
Esse tempo, marcado pela urgência e pelo compromisso, foi tanto o da eclosão de
várias perspectivas críticas – que buscaram apontar os limites do pensamento
econômico convencional, a tradição liberal-neoclássica, em dar conta do fenômeno
assim batizado de subdesenvolvimento – quanto da busca de instrumentos teóricos
e práticos, técnicos e políticos, capazes de superá-lo mediante a construção do
desenvolvimento econômico-social como processo de universalização dos frutos do
progresso científico e tecnológico. 150
Trata-se, portanto, de formulações em comum com as obras de Gunnar Myrdal, Albert
Hirschman, W. Arthur Lewis, Raul Prebisch e Celso Furtado, todas elas divergentes em
relação à ortodoxia do pensamento econômico de então, que desconsideravam as
peculiaridades dos diferentes desenvolvimentos históricos de países e regiões periféricas e
subdesenvolvidas. 151
Reconhecidamente influenciado pela obra de Keynes – que segundo Golçalves teria
trazido de volta à teoria econômica o elemento tempo, atravessando a barreira artificial e
juntando história e teoria – Celso Furtado considera que o desenvolvimento econômico
148 Ibidem, p. 223-4. Analisaremos mais detidamente os fundamentos e significados desta conclusão do autor no
próximo capítulo.
149 IGLÉSIAS, Francisco. Um historiador revolucionário, p. 37. 150 DE PAULA, João Antônio. Caio Prado Júnior e o desenvolvimento econômico brasileiro, p. 3. 151 Cf. Ibidem, p. 3.
72
entende-se como processo histórico, que não se esgota pela capacidade explicativa das
categorias puramente econômicas. Assim evidencia-se por que suas primeiras obras
privilegiam a história: L’Economie Coloniale Brasiliene (1948), tese de doutoramento
apresentada na Universidade de Paris; A economia brasileira (1954); e a mais conhecida
Formação econômica do Brasil (1959). Este economista afirmou, inclusive, que se uma teoria
do desenvolvimento deve ser explicada pelo processo de acumulação de capital, deve-se
identificar os elementos específicos do processo histórico que estabeleceram as formas de
distribuição e utilização da renda, os sistemas de organização da produção, enfim, e não por
meio de categorias abstratas com pretensões à universalidade.152 Há, aqui, um importante
ponto de contato entre os pensadores da Comissão Econômica para a América latina (CEPAL)
e Caio Prado Júnior. Celso Furtado passou a integrar os quadros da CEPAL a partir de 1949 e
entrou em contato com uma escola de pensamento político e econômico liderada pelo
argentino Raul Prebisch, que o marcou de maneira profunda e definitiva.153 O triângulo se
fecha quando Caio Prado cita e considera como um “grande acerto” a afirmação de Prebisch
de que “uma da falhas mais sérias de que padece a teoria econômica geral, contemplada da
periferia, é seu falso sentido de universalidade”. 154
Por outro lado, no pensamento econômico brasileiro, não era ponto pacífico a noção de
que Keynes conjugava o elemento tempo à sua teoria econômica. Em sua dissertação para o
concurso, José Gláucio Veiga, que ficou em penúltimo lugar, endossava a então recente
crítica do economista Paul Sweezy a Keynes por “não reconhecer a historicidade do
presente”. Neste sentido, afirmou que a teoria keyneseana seria na verdade “atemporal,
portanto, estacionária”. Enquanto, por um lado, “a exposição marxista está construída,
substancialmente, na perspectiva temporal”, considera que “as categorias econômicas portam
um carimbo histórico” e, portanto, “o capitalismo é processo histórico”; por outro lado, “para
Keynes, o capitalismo não é um processo histórico”. 155
152 Cf. José Sérgio Rocha de Castro GONÇALVES. “Celso Furtado: pensamento e ação”. In: FURTADO, Celso.
Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo, Abril Cultural, 1983, p. IX e XVIII. (publicada
originalmente em 1967). Ricardo BIELSCHOWSKY (O ciclo ideológico do desenvolvimentismo, p. 132-79) e
Guido MANTEGA (A economia política brasileira. São Paulo: Pólis; Petrópolis: Vozes, p. 32-47) também
destacaram a relação entre Celso Furtado e a história. 153 Cf. José Sérgio Rocha de Castro GONÇALVES. “Celso Furtado: pensamento e ação”, p. XIII. 154 Raul PREBISCH. O desenvolvimento econômico da América latina e seus principais problemas. Revista
Brasileira de Economia, set. 1949, p. 54. Apud EFTE, p. 213. Esta mesma citação tinha sido feita em Diretrizes
para uma política econômica brasileira. São Paulo, 1954, p. 53-4, obra doravante designada DPEB. 155 José Gláucio VEIGA. Revolução keyneseana e marxismo. Recife, 1954, p. 6, 51 e 71-2. A referência de
Sweezy que Veiga apresenta é a seguinte: Paul M. SWEEZY. “Keynes, the economist”. In: Seymour E.
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A princípio, questão da temporalidade nos estudos econômicos parece importar pouco
para outro candidato, João Paulo de Almeida Magalhães, então chefe da seção de Análises e
Pesquisas do Departamento econômico da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e
doutor em ciências econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Paris, que ficou
melhor posicionado no resultado do concurso, alcançando o terceiro lugar. Segundo
Bieslchowsky, ele compunha a chamada corrente desenvolvimentista do setor privado, que
propugna uma industrialização com proteção estatal ao capital industrial nacional. A partir de
meados dos anos 1950, Magalhães tornou-se um dos principais economistas da CNI e
colocou-se a serviço do órgão em oposição às políticas ortodoxas de estabilização, propostas
principalmente por Gudin e Bulhões, que eram percebidas pela CNI como portadoras de
recessão.156 Em sua monografia, apesar de valorizar a análise dinâmica, “que só teve início
quando foi aperfeiçoada uma teoria capaz de apreender as mutações da realidade econômica”,
não descarta o papel da estática, que “é a parte da economia em que o tempo não é incluído de
modo essencial”. O candidato acreditava que “haverá sempre determinados fenômenos, ou
certos modos de encarar estes fenômenos para os quais o fator tempo terá apenas uma
influência secundária.” Nestes casos, a introdução deste fator “seria, pois, uma complicação
inútil.” Mas Magalhães era adepto da perspectiva dinâmica em economia. O problema seria
justamente como equacionar a influência da história nas variações econômicas. Em sua
avaliação, à época era dominante a noção de que seria possível e necessário separar dados
constantes e variáveis econômicas, resultante da distinção entre uma linha de causalidade
econômica, regida pelo determinismo, e outra, de causalidade histórica, que não interessa ao
economista. Nesta concepção, o economista se dedicaria a pesquisas em um mundo
artificialmente fechado, não se interessando ou considerando como dados constantes as
estruturas e as instituições. Para Magalhães, seria um problema adotar uma visão muito geral
das flutuações econômicas, sob o risco de se inserir em “um enorme campo oscilante, o da
história total”, podendo-se “ligar, assim, a teoria econômica à filosofia da história”. O
problema dos limites da ciência economia viria à baila, portanto, na medida em que fosse
adotada certa perspectiva da dinâmica global que “transforma eventualmente todos os dados
em variáveis”. 157
HARRIS (ed.) The new economics: Keyne’s influence on theory ans public policy. New York: Alfred A. Knopf,
1952, p. 102-9. 156 Cf. Ricardo BIELSCHOWSKY. O ciclo ideológico do desenvolvimentismo, p. 100. 157 João Paulo de Almeida MAGALHÃES. A teoria moderna do crescimento econômico e o problema do
desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1954, p. 9-19. A respeito da relação entre economia e história, cabe mencionar
uma perspicaz observação de Eric Hobsbawm: “É plausível que os economistas possam concordar quanto ao
74
Magalhães, para quem “a dinâmica global e a dinâmica parcial podem e devem existir
lado a lado”, parecia estar plenamente consciente do problema. Daí sua sugestão de que as
noções de dinâmica global que buscam incluir a dinâmica dos sistemas, e não apenas a
dinâmica dentro dos sistemas, devesse “ser substituída por uma outra, que conceituaria a
dinâmica global como aquela que estuda não apenas o movimento das variáveis econômicas,
mas também das estruturas”. Contudo, o economista não extraiu daí todas as consequências,
pois afirmava que “a dialética das classes parece ser desnecessária para um estudo puramente
econômico da dinâmica das estruturas”. 158 A análise que Pierre Vilar faz da contribuição
teórica de Marx sobre os limites de aplicação dos modelos econômicos nos ajuda a
compreender melhor a questão:
Ele [Marx] pensou que se a objetivação do subjetivo existe dentro do econômico,
não há motivo para que os outros tipos de interesse humano – do mais sórdido ao
mais elevado – não se manifestem também, entrando em combinação e em luta,
numa objetivação nos fatos que constituem simultaneamente a racionalidade e a
necessidade da história. Deste modo, tudo o que é humano, no espaço e no tempo,
pode passar a fazer parte da análise científica. 159
Portanto, se quisesse ser consequente no propósito de captar o movimento das estruturas,
Magalhães teria de repensar a própria formulação e aplicação de teorias e modelos
econômicos:
Em particular, se os modelos econômicos abstratos surgem perturbados por fatores
“exógenos”, não há que ter pressa, como fazem os economistas “puros”, em relegar
esse “exógeno”, precisamente como “histórico”, para o campo do “contingente”.
Mesmo ele pode ter a sua necessidade interna, no interior de um modelo mais
complexo. E se as “leis” econômicas conhecidas pelos clássicos não são universais
nem no espaço nem no tempo, isso deve-se ao fato de vigorarem dentro de um
contexto – técnico, institucional, psicológico – suficientemente estável, é certo,
para formar uma “estrutura”, mas de modo nenhum eterno. Existe portanto uma
ciência da dimensão histórica, que é precisamente a ciência destas estruturas, mas
valor da história para sua disciplina, mas não que os historiadores concordem quanto ao valor da economia para
a sua. Em parte, isso se deve ao fato de que a história abarca um campo muito mais amplo. Como vimos, uma
desvantagem óbvia da economia como matéria que lida com o mundo real é o fato de que ela seleciona como
“econômicos” alguns e apenas alguns aspectos do comportamento humano e deixa os demais para outrem. [...] A
história, por outro lado, não pode decidir excluir nenhum aspecto da história humana a priori, embora optando
de tempos em tempos por se concentrar em alguns e negligenciar outros. Com base na conveniência ou
necessidade técnica, os historiadores tenderão a se especializar [...]. Porém, basicamente, toda história aspira
àquilo que os franceses chamam de ‘história total’.” Eric J. HOBSBAWM. “Historiadores e economistas: II”. In:
Sobre história. p. 157. 158 Ibidem, p. 18-21 e 42. 159 Pierre VILAR. “A história depois de Marx”. In: Desenvolvimento econômico e análise histórica. Lisboa:
Editorial Presença, 1982, p. 220. Artigo originalmente publicado em Revue de l’enseignement supérieur, n. 44-
45, 1969, p. 15-26.
75
que o é também do seu nascimento, da sua transformação e do seu
desaparecimento. 160
Tanto para Pierre Vilar como para Caio Prado Júnior, é a mudança que interessa, ou
melhor, a tensa relação entre continuidade e mudança, as permanências e transformações no
tempo e no espaço, o devir histórico engendrado pelas interações humanas. Afinal, tomar em
consideração o fator tempo “nos põe em guarda contra todo o imobilismo, todo o
‘estruturalismo’ no sentido restrito do termo, contra qualquer aplicação de fórmulas invocadas
sub specie aeternitatis”. 161
Economia na dialética da história
Na busca por uma abordagem de conjunto da economia brasileira, para o que seria
necessário um ponto de vista diferente do proporcionado pela teoria econômica ortodoxa,
Caio Prado Júnior afirma que estaria em jogo “o próprio método geral e clássico de
tratamento das relações econômicas”. Neste tratamento correria “uma deformação que tem
raízes profundas”, que dizia respeito à posição em que a economia se colocava como ciência,
considerando “as categorias econômicas, e não o sistema de relações humanas em que tais
categorias se configuram”. Assim, se fazia necessário considerar as categorias econômicas
“em função e como expressão de tais relações nelas disfarçadas”. Sem isso, escaparia o
essencial, ou seja, “o sistema geral e fundamental de certo tipo de ações e de relações entre os
homens, isto é, as de natureza econômica, de que tais categorias são apenas expressão
conceitual e abstrata.” Ao analisar e interpretar a realidade brasileira, o desafio consistiria em
fazer com que as categorias que exprimem os fatos econômicos adquirissem seu real
conteúdo, o que não seria alcançado pelos métodos da economia clássica, que seriam
inadequados para esse fim. Para tanto, seria necessário adquirir uma perspectiva própria:
“esse ponto de vista é o da história, onde os fatos econômicos naturalmente se relacionam
entre si e com o conjunto da existência da coletividade considerada”.162
Os fatos econômicos são essencialmente dinâmicos, e as situações em que se
configuram e onde vamos analisá-los, representam sempre o termo de um processo,
um momento apenas, em si insignificante e privilegiado unicamente por ser o
último de uma série anterior onde se gerou e onde adquire a individualidade e
160 Ibidem, p. 220-1. 161 Pierre VILAR. “Introdução”. In: Desenvolvimento econômico e análise histórica, p. 8. 162 DPEB, p. 13-9. “Não se trata certamente de ‘inventar’ uma ciência econômica nova e original, e sim utilizar o
que nos proporciona a experiência teorizada de outros povos e feita em Ciência, na constituição de uma
Economia que seja expressão teórica de nossa experiência própria”. Ibdem, p. 53.
76
particularidade que o caracterizam. Só aquele processo que se revela através da
história e na sua perspectiva, nos pode dar assim a compreensão do que representa
e significa realmente um fenômeno econômico, permitindo-nos com isso penetrar-
lhe o dinamismo e dirigí-lo para os fins que nos interessam. 163
Neste sentido, a partir do diagnóstico de que “a ausência de uma suficiente perspectiva
histórica” tem embaraçado o progresso das linhas de pesquisa e interpretação econômica que
vinham se desenvolvendo no Brasil, Caio Prado Júnior faz “uma referência especial” à
corrente do pensamento econômico liderada por Raul Prebisch, “porque ela tem sem dúvida o
mérito de colocar os problemas dos países latino-americanos em termos novos e que escapam
das habituais concepções da Economia clássica”. Reconhece, ademais, que Prebisch propõe a
análise do desenvolvimento dos países latino-americanos em termos de “processo” – introduz,
pois, o fator tempo em sua análise, vale dizer. “É assim num plano em princípio pelo menos
histórico, que a Teoria do Desenvolvimento dos países subdesenvolvidos propõe os
problemas estruturais de economias de nosso tipo, isso é, que se encontram num estágio
rudimentar de progresso capitalista”. Entretanto, o autor considera sensível a insuficiência da
perspectiva histórica da corrente teórica de Prebisch, isso porque em seu conjunto se
acentuam os fatores do tempo presente que constituem empecilho ao desenvolvimento. 164
Não recua suficientemente no tempo, ou lhe faz apenas referências ocasionais, o
que é decisivo para limitar-lhe as perspectivas, pois daí resulta que a teoria, depois
de apontar, com grande segurança aliás, os fatores que estão na base do
desequilíbrio econômico dos países subdesenvolvidos, fica limitada praticamente a
registrá-los, e não os explica em sua essência, de maneira adequada e com vistas à
remoção deles. Restringe-se à consideração estática de uma situação dada, e que
embora analisada e interpretada muitas vezes com grande penetração [...] não abre
perspectivas. 165
Tal crítica parte do entendimento de que, como quaisquer outros, os fatos econômicos “não se
explicam por si, e sim por aquilo que os precedeu; ou antes, pelo processo que os engendrou”.
Isso seria a perspectiva histórica em economia.166 Como não leva em devida conta tal
perspectiva, como é insuficiente neste aspecto, a chamada Teoria do Desenvolvimento
[...] se coloca num ponto de vista estático, que é o do equilíbrio presente da
economia dos países subdesenvolvidos e dos fatores atualmente nela em jogo. Não
considera assim o que produziu aquele equilíbrio e condiciona portanto os fatores
nele atuantes. Escapa por isso à sua perspectiva o sentido e valor de muitos
elementos que dinamicamente considerados tomam um aspecto bem diferente
daquele que em si apresentam. [...] Em suma, a Teoria do Desenvolvimento [...]
163 DPEB, p. 5. 164 Cf. Ibidem, p. 21-2 165 Ibidem, p. 22-3. 166 Ibidem, p. 29.
77
não utiliza senão muito insuficientemente a experiência histórica desses países
subdesenvolvidos. E não o faz sobretudo porque, segundo penso, ainda se deixa
levar pelos métodos clássicos da Economia Política. Taís métodos consistem
essencialmente numa visão estática dos fatos econômicos e fora do conjunto
histórico a que pertencem. 167
Não surpreende, portanto, que Caio Prado Júnior tenha criticado Formação econômica
do Brasil (1959), de Celso Furtado, na bibliografia comentada das edições de História
econômica do Brasil (1945) posteriores à publicação da obra seminal de Furtado. Em seu
comentário, Prado Jr. considerou-a uma “interpretação sobretudo monetária da história
econômica” e, no sentido de evidenciar a insuficiência da perspectiva histórica da obra, cita
uma passagem da introdução, na qual o autor informa o leitor de que o campo específico do
estudo é simplesmente a “análise dos processos econômicos e não a reconstituição dos
eventos históricos que estão por trás desses processos”.168 Ora, como vimos, para o
historiador é justamente aí que reside a explicação para os fenômenos econômicos.
Do mesmo modo, como crítico dos economistas que postulavam “sem maior indagação
crítica a ideia de uma progressão, dentro do sistema capitalista, unilinear e homogênea” – na
qual os países “se distribuiriam por diferentes níveis de desenvolvimento que se escalonam
numa trajetória econômica que todos acompanham ou devem acompanhar”, ainda que com
ritmos distintos mas qualitativamente semelhantes, “de natureza e caráter igual” – Caio Prado
Júnior tinha em mira Raul Prebisch e os economistas da CEPAL, Celso Furtado aí incluído,
obviamente. Na medida em que considerava que a Economia Política “desenvolvida na obra
dos economistas ortodoxos não passa geralmente de uma análise da ‘renda nacional’”; e na
medida em que buscava desconstruir a noção de “progresso econômico” mensurável pela
renda nacional per capita; deliberadamente ou não, ele dialogava com um artigo do
economista paraibano publicado pouco antes. 169
Do ponto de vista econômico, desenvolvimento é, basicamente, aumento do fluxo
de renda real, isto é, incremento da quantidade de bens e serviços, por unidade de
tempo, à disposição de determinada coletividade. Trata-se, portanto, de conceito
relacionado com elementos quantificáveis. [...] O objeto central da análise
econômica consiste no estudo do fluxo da renda social. 170
167 Ibidem, p. 55-6. 168 Caio Prado JÚNIOR. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1969, p. 335. Creditamos a
Lincoln SECCO, em Caio Prado Júnior: o sentido da revolução, p. 167, a menção à esta bibliografia comentada. 169 Cf. EFTE, p. 180 e 189 170 Celso FURTADO. “O processo histórico do desenvolvimento”. In: Desenvolvimento e subdesenvolvimento.
Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado, 2009, p. 105-6. O livro foi originalmente
publicado em 1961, e o capítulo em questão foi originalmente publicado na Revista Econômica Brasileira, jan.-
mar., 1955. Preocupado em medir o “fluxo da renda social”, para “comparar os produtos de duas comunidades”
78
Tratava-se, porém, de concepção relativamente disseminada, que pode ser encontrada
em outros autores, entre eles, os concorrentes de Caio Prado Júnior no concurso da FD-USP.
João Paulo de Almeida Magalhães, por exemplo, afirma que “se o problema do
desenvolvimento é o de um aumento da renda ‘per capita’ e se o aumento desta renda se faz
através do crescimento e é inerente a ele, segue-se que o problema do desenvolvimento
enquadra-se no estudo geral do crescimento.” 171 Por sua vez, José Pinto Antunes dizia em sua
monografia: “O grande problema, dizia já um economista, não é dividir o bolo, mas aumentar
o bolo...”. Referia-se, provavelmente, ao francês Henri de Man. E como o problema seria o
tamanho do bolo, “para a ordem pública, o melhor regime produtivo será aquele que maior
quantidade de utilidades possa oferecer à satisfação dos desejos do maior número de
pessoas”.172
Era problemática, segundo Caio Prado, a consideração do desenvolvimento por análises
puramente quantitativas e mensuráveis simplesmente pela renda nacional dos países em
consideração.
Em suma, a teoria corrente do desenvolvimento considera apenas o aspecto
quantitativo desse desenvolvimento (a “quantidade” de progresso econômico), sem
dar maior atenção às diferenças qualitativas do desenvolvimento, a saber, o tipo ou
categoria de situação ou de evolução econômica em que se enquadra cada país ou
grupo de países. 173
Esta consideração de Caio Prado Júnior não significa qualquer desprezo à importância
da quantificação para a análise e a escrita da história. A esse respeito, ele viria a explicitar sua
opinião precisamente apenas em 1975. Diante do crescimento da “literatura que se rotula de
‘quantitativa’”, afirmou o seguinte:
Os dados numéricos, as estatísticas trazem sem dúvida, como sempre trouxeram
quando disponíveis, contribuição capital para a elaboração historiográfica. Mas
isso como informação adicional, complementação e auxiliar certamente precioso
dessa elaboração; e não como elemento fundamental, base e norma metodológica
em que assentasse e de onde partisse elaboração. 174
Seria preciso muito mais que repertórios de dados quantitativos, por mais abundantes e
rigorosos que sejam para elaborar o conhecimento histórico. O essencial “consiste em
compreender esses dados e o que está por detrás deles; alcançar o seu conteúdo e sentido
– no caso a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – o parâmetro que Furtado utiliza é justamente a renda per capita,
calculada tanto com os preços relativos de um país como do outro. Cf. Ibidem, p. 105-6. 171 João Paulo de Almeida MAGALHÃES. A teoria moderna do crescimento econômico..., p. 94. 172 José Pinto ANTUNES. A produção sob o regime da empresa, p. 9. 173 EFTE, p. 189. 174 Caio Prado JÚNIOR. História quantitativa e método da historiografia. Debate e crítica, n. 6, jul. 1975, p. 1.
79
profundo, e aquilo que representam”. 175 Se, por um lado, foi apenas em 1975 que o autor
discorreu sobre a relação entre a crítica ao mero quantitativismo e a historiografia, por outro, a
exposição das bases filosóficas sobre a qual assentam aquele pensamento remontam a 1952,
quando publicou Dialética do conhecimento. O mecanicismo da concepção metafísica da
qualidade, buscando enquadrar os fatos e, assim, conceituá-los em relações expressas pela
numeração resultaria numa concepção quantitativa do Universo, que “se choca evidentemente
com a mais elementar experiência humana, que ao contrário dela apresenta uma Realidade
cambiante e de feições largamente variadas e variáveis. É o mundo das qualidades, cuja
existência concreta se impõe a cada passo da vida e experiência humana.” 176 Aplicada aos
fatos humanos, a “deformação quantitativa” resulta num esquema em que
a história humana se reduz exclusivamente a um crescimento (progresso) ou
diminuição (regresso, decadência); e os fatos sociais constituem exclusivamente
‘grandezas’[...]. Numa história como essa não há transformação propriamente; o
mecanismo é sempre o mesmo: ele poderá funcionar num ou noutro sentido, para
diante ou para trás; mais ou menos rapidamente; terá inclusive suas paradas. Mas o
funcionamento se desenrola sempre idêntico a si mesmo. 177
Diferentemente de tal concepção, Caio Prado Júnior postula, a partir da dialética de Hegel, a
noção de que a quantidade é um momento por meio do qual se passa para o relacionamento
das qualidades, particularmente para a passagem de uma para a outra. A observação da
História à luz da transformação dialética da quantidade em qualidade diferente da anterior
daria, assim, “a chave explicativa do essencial da dinâmica dos fatos sociais, da sucessão
histórica e da transição de uma situação para outra”; o que permite abrir perspectivas para o
entendimento de que “é precisamente do crescimento ou desenvolvimento de uma situação
que resulta a nova situação que a virá substituir”. A passagem de uma qualidade para outra,
ou no caso de uma situação histórica para outra, se processaria em função de um fator ou
momento: “o aspecto negativo da própria qualidade anterior; isto é sua quantidade ou antes
medida, aspecto que suprimindo-a, dá origem a nova qualidade emergente”. Daí o aspecto
essencialmente revolucionário que Caio Prado Júnior atribui à interpretação dialética da
História: “Cada um dos momentos dessa história, cada uma de suas fases ou situações traz no
seu seio a transformação que a destruirá; transformação que não vem do seu exterior, que não
é diferente dela própria, mas é ela mesma no seu desenvolvimento.” As revoluções que
assinalam o transcurso da evolução humana seriam, assim, os momentos decisivos em que a
175 Ibidem, p. 2. 176 Caio Prado JÚNIOR. Dialética do conhecimento. São Paulo: Brasiliense, 1963, t. II, p. 429-32. 177 Ibidem, p. 433.
80
medida limite é ultrapassada e se realiza o salto qualitativo: “o instante no qual uma situação
pré-existente alcança seu desenvolvimento máximo, e quando em consequência esse
desenvolvimento se transforma em nova situação contrária à anterior.” 178
Como se vê, em Caio Prado Júnior, o conceito de desenvolvimento não se limita à
noção de crescimento econômico e, portanto, não se define por critérios quantificáveis. Aliás,
à medida que aprofundamos nossa análise, fica cada vez mais evidente que a compreensão do
desenvolvimento escapa mesmo aos limites da economia política e penetra em cheio nas
questões inerentes à teoria da história. A economia, ou mais precisamente, o desenvolvimento
econômico, assim como todos os aspectos da vida humana, deveria, assim, ser considerado na
dialética da história. Neste sentido, muito provavelmente, Caio Prado Júnior concordaria com
o raciocínio de Hobsbawm, no qual supõe-se que “divorciada da história, a economia é um
navio desgovernado e os economistas sem a história não têm muita noção de para onde o
navio navega”. Segundo o historiador inglês, a parte da economia que às vezes se arroga o
monopólio de definir o objeto, sempre foi vítima da história, que estimula uma grande dose de
presunção quando a economia parece estar transcorrendo por um período de prosperidade. Daí
o alerta: “Se a economia não pretende permanecer vítima da história, constantemente tentando
aplicar seu estojo de ferramentas, geralmente com atraso, a desenvolvimentos de ontem que se
tornaram suficientemente visíveis para dominarem a cena de hoje, ela precisa desenvolver ou
redescobrir essa perspectiva histórica.” 179
Teoria e prática na história
Há um extenso e polêmico debate na literatura a respeito do marxismo de Caio Prado
Júnior. Para uns, trata-se de um “marxismo estranho”; outros o consideram um legítimo
representante do “marxismo de matriz comunista”; há ainda quem ressalte seu êxito em
promover a “nacionalização” ou “tradução” do marxismo no Brasil.180 Ainda assim, parece
178 Ibidem, p. 435-8. Foi principalmente Jorge Grespan que nos chamou a atenção para este aspecto do
tratamento dialético que Caio Prado Júnior dá ao desenvolvimento histórico. Cf. Jorge GRESPAN. A teoria da
história de Caio Prado Júnior: dialética e sentido. Revista do IEB, São Paulo, n. 47, p. 57-74, set. 2008. Sobre a
dialética em Caio Prado Júnior, ver também Sérgio SCHAEFER. A lógica dialética: um estudo da obra filosófica
de Caio Prado Júnior. Porto Alegre: Movimento; Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985. 179 Eric J. HOBSBAWM. “Historiadores e economistas: I”. In: Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras,
2013, p. 136-56.
180 Sobre o “marxismo estranho”, ver Raimundo SANTOS. Caio Prado Júnior na cultura política brasileira.
Rio de Janeiro: Mauad; FAPERJ, 2001. Sobre o “marxismo de matriz comunista”, ver André KAYSEL. Dois
encontros entre o marxismo e a América Latina. São Paulo: Hucitec, Anpocs; Fapesp, 2012. Sobre a
“nacionalização” do marxismo, ver Bernardo RICUPERO. Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no
81
haver um consenso: mesmo que uns destaquem mais sua trajetória intelectual e outros seu
perfil militante, é certo que este personagem da história brasileira foi um sujeito que não se
limitava a interpretar o mundo, agia para transformá-lo. Em sua crítica ao marxismo de Louis
Althusser, escrita na mesma ocasião e circunstância em que produziu seu trabalho sobre Lévi-
Strauss, fez referência às hoje conhecidas Teses sobre Feuerbach181, texto no qual Marx
delineia seu conceito de práxis:
A questão de atribuir ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma
questão teórica, mas sim uma questão prática. É na práxis que o homem precisa
provar a verdade, isto é, a realidade e a força, a terrenalidade do seu pensamento. A
discussão sobre a realidade ou a irrealidade do pensamento – isolado da práxis – é
puramente escolástica. (...) Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes
maneiras; do que se trata é de transformá-lo. 182
Apesar da menção tardia (1971), Caio Prado parecia carregar em sua vida cotidiana este
elemento essencial do marxismo desde os primeiros contatos com o materialismo histórico
dialético. E o levou também para sua obra. Assim, destaca que o objetivo de Esboço dos
fundamentos da teoria econômica é “situar o fato econômico e a teoria que dele se ocupa, na
confluência precisamente destes dois elementos que compõem em conjunto o verdadeiro
objeto da Economia, a saber: de um lado, a ação que constitui propriamente o fato, e de outro,
o pensamento que conduz a ação e inspira a teoria orientadora da prática”. 183
Os fatos econômicos, ou melhor, os processos econômicos, inseridos na história e
constituintes, portanto, dos fenômenos sociais em sua integralidade, são simultaneamente
produzidos e observados pelos sujeitos históricos: “o homem é ao mesmo tempo ator e
espectador”. Como agente, dá origem aos fatos e processos; como espectador, observa, pensa
e considera, produzindo o conhecimento e a ciência. Aparentemente, existiriam duas
qualidades possíveis de se distinguir no homem: o indivíduo pensante e o indivíduo agente. A
esfera subjetiva poderia, pois, ser exterior à esfera objetiva e dela separada. Contudo, “os
fatos e o conhecimento deles interferem constantemente uns nos outros, e nunca se podem
isolar inteiramente entre si”. O que há é uma mútua interação entre objetividade e
subjetividade: “os fatos sociais não se concebem sem o conhecimento desses mesmos fatos;
Brasil. São Paulo: Departamento de Ciência Política da USP. Fapesp, Editora 34, 2000. Sobre a “tradução” do
marxismo, ver Lincoln SECCO, Tradução do marxismo no Brasil: Caio Prado Júnior. In: PINHEIRO, Milton
(org.) Caio Prado Júnior: história e sociedade. Salvador: Quarteto, 2011. 181 Cf. Caio PRADO JÚNIOR. O estruturalismo de Levy-Strauss. O marxismo de Althusser. São Paulo:
Brasiliense, 1971, p. 108. 182 Karl MARX. Teses sobre Feuerbach. In: Karl MARX; Friedrich ENGELS. A ideologia alemã. São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. 99-103. 183 EFTE, p. 11.
82
tanto quanto o conhecimento dos fatos sociais não se concebe sem esses fatos que através da
experiência que proporcionam aos indivíduos, proporcionam também aquele conhecimento”.
As instituições e relações econômicas, que se originam em práticas estimuladas por certas
necessidades, apesar de puramente empíricas a princípio, foram em algum momento
concebidas, sistematizadas e transformadas em normas de ação. Os problemas colocados pela
vida prática são, assim, traduzidos em pensamento que então passam da esfera subjetiva para
a objetiva e se tornam prática e fato econômico. A soma, conjugação e composição de ações
individuais resultam, portanto, nos processos econômicos mais amplos e complexos. Por isso,
não é possível isolar a esfera objetiva da subjetiva. 184
Em síntese, nas palavras de Pierre Vilar, seria preciso penetrar na subjetividade dos
homens “para chegar a uma concepção objetiva das relações entre o objetivo e o subjetivo,
última etapa da confluência de ciência e filosofia”. Para tanto, seria essencial “estar
firmemente convicto de que o objetivo e o subjetivo se criam recíproca e continuamente,
dialeticamente, pois se trata da mesma relação que liga matéria e espírito”.185
Objetividade e subjetividade participam combinadas da elaboração da ciência e da
teoria econômica, que resulta da proposição de problemas práticos derivados da ação. Neste
sentido, toda teoria econômica tem uma natureza pragmática, se prende às circunstâncias de
ordem prática. Por mais abstrato que seja o plano em que se coloca, a ciência econômica,
como qualquer outra, “constitui sempre uma teorização e sistematização mais ou menos
adequada e completa da experiência humana que antecede e acompanha sua elaboração”, Por
isso, jamais pode ser “total e absoluta, com princípios e leis aplicáveis generalizadamente a
todos os tempos e lugares”.186 Ou seja, tanto as relações e processos econômicos como o
pensamento elaborado a partir deles e para conduzir ações solucionem os problemas deles
decorrentes, tudo isso acontece no tempo e se desenvolve na história.
Assim se compreende a crítica de Caio Prado Júnior à “economia vulgar”, que enquadra
o que chamam de “fator psicológico” como elemento externo à sua sistemática. Mesmo
reconhecendo que alguns economistas têm empreendido esforços para levar em consideração
o “fator psicológico” em seus modelos, ele considera que “os resultados tem sido
praticamente nulos”. Seu alvo principal era a escola marginalista, que define o valor dos bens
184 Cf. EFTE, p. 13-20 185 Pierre VILAR. “História social e filosofia da história”. In: Desenvolvimento econômico e análise histórica, p.
190. Artigo originalmente publicado em AA. VV., L’histoire et l’historien. Paris: Fayard, 1964, p. 44-62. 186 EFTE, p. 213.
83
a partir de um fator subjetivo, sua utilidade. A capacidade de satisfazer as necessidades
humanas seria, assim, o parâmetro do valor, e como a necessidade é uma característica
subjetiva, a utilidade e o valor dos bens variariam de acordo com o indivíduo que a
consomem. 187 Segundo Caio Prado, o marginalismo “procura derivar os fatos econômicos, e
em última análise explicá-los na base de um esquema psicológico que se propõe como
elemento irredutível e último, como um dado primordial e espontâneo da natureza humana”.
Contudo, o problema não é apenas este, pois sobre tal subjetivismo “o marginalismo constrói
uma ‘mecânica’ econômica em que o homem e sua consciência desaparecem para darem lugar
ao autômato rigidamente determinado pelos mecanismos econômicos: mercado, preços,
volume monetário etc.”. Nem os keyneseanos, escapariam desta interação entre subjetivismo
e mecanicismo econômico, uma vez que substituem os tipos econômicos dos neoclássicos por
faculdades psicológicas, como a propensão para consumir ou a preferência pela liquidez. Ao
se assentar a Economia na Psicologia, incorre-se no equívoco de partir a análise da separação
das esferas subjetiva e objetiva. Contudo, sendo o homem em sua integralidade um ser
pensante porque agente e agente porque pensante, “nem a Psicologia pode excluir o agente,
nem a Economia o pensante”. 188
Por fim, cabe dizer que apesar de muitas formulações teórico-metodológicas terem sido
aprofundadas e explicitadas apenas no livro de 1957, o que reforça a tese de que ele é uma
espécie de acerto de contas, na monografia de 1954 elas já estavam presentes:
Cingindo-me aos fatos humanos e econômicos de que me ocupo aqui, aquela
mudança da quantidade do desenvolvimento em qualidade ou tipo de
desenvolvimento não ocorre e não pode ocorrer, como a experiência histórica
evidencia, senão através de uma recomposição do sistema geral em que se processa
o desenvolvimento; e a transposição dele para outro plano e sistema.
Recomposição e transposição essas que não constituem eventualidades decorrentes
espontaneamente e necessariamente da evolução econômica “natural”, no sentido
de um determinismo mecânico além da consciência e ação intencional dos
indivíduos dela participantes. E em todo caso, uma tal transformação se fará tanto
mais suavemente e com menos choques e desperdício de energias, quanto maiores
forem aquela consciência, compreensão e intencionalidade acertadamente
orientada. Em outras palavras, na medida em que os indivíduos participantes do
processo deixarem de ser unicamente atores de sua história e vida coletiva, para se
fazerem também os seus autores. 189
Do mesmo modo que a questão do desenvolvimento penetra em cheio na história,
consciência, intenção e ação devem penetrar em cheio no problema do desenvolvimento
187 Cf. Paulo SANDRONI (et. al.). Dicionário de economia. São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 256. 188 EFTE, p. 24-5. Para uma apreciação mais detida de Caio Prado Júnior a respeito da preferência pela liquidez
e a propensão para consumir de Keynes, ver Ibidem, p. 126-8. 189 DPEB, p. 155-6
84
econômico. Assim, no próximo capítulo estudaremos o modo como Caio Prado Júnior
conjuga as categorias do desenvolvimento econômico e a análise do processo histórico.
85
4. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E ANÁLISE HISTÓRICA
Produção e consumo
Expressão do antagonismo entre capital e trabalho, a contradição entre a anarquia da
produção e a apropriação capitalista, evidenciada brilhantemente por Marx, foi assim descrita
por Caio Prado Júnior:
A produção existe e somente pode existir em função do consumo; embora no
capitalismo essa função não se integre no dinamismo do sistema que não visa
atender o consumo dos indivíduos, e sim proporcionar lucro para os detentores do
capital.
Reside nisso a grande contradição do sistema capitalista que não se apoia e
fundamenta naquilo precisamente que lhe dá vida e o faz possível. Noutras
palavras, o capitalismo não regula seu funcionamento por aquele fator que
fundamentalmente lhe condiciona a existência, a saber, o consumo final dos bens
econômicos. Seu princípio regulador essencial e imediato é o lucro [...]
Resulta daí a tendência permanente para o desequilíbrio entre a produção e o
consumo. Isto é, um excesso de capacidade produtiva, estimulada pela perspectiva
de lucro, com relação à capacidade de consumo, cujo desenvolvimento é retardado
por uma distribuição desfavorável de poder aquisitivo. Essa tendência para o
desequilíbrio se observa facilmente neste fato conhecido e sempre recorrente no
curso de toda a história do capitalismo, e que é a superprodução. 190
Em síntese, portanto, “o fato de a capacidade de consumo não acompanhar o desenvolvimento
da capacidade de produção, constitui característica orgânica do sistema capitalista e
irremediavelmente o compromete”. 191
Apesar de Caio Prado ser evidentemente adepto da análise de Marx sobre a contradição
fundamental do capitalismo, João Antônio de Paula enxerga no autor uma explícita vocação
eclética, pois não hesitava em reconhecer certa validade – limitada, é certo – às teses
keynesianas e estaria adotando o ponto de vista da centralidade do mercado interno no
processo de desenvolvimento econômico, o que teria significado inserir certas teses
keynesianas na interpretação marxista da realidade econômica brasileira, como a do
predomínio da categoria da demanda.192 Cesar Mangolim de Barros, por sua vez, apesar de
não traçar a mesma identificação de Prado Jr. com algumas teses keynesianas, considera que
ele teria uma “fixação mercadocêntrica” que o impediria de perceber que não é a demanda do
consumidor que impulsiona o desenvolvimento do capitalismo. Segundo Barros, o autor não
teria se dado conta de que mesmo mantendo vastas parcelas da população em gritantes níveis
190 EFTE, p. 92. Grifo nosso. 191 Ibidem, p. 98. 192 João Antônio DE PAULA. Caio Prado Júnior e o desenvolvimento econômico brasileiro, p. 6-7.
86
de pobreza e miséria, o capitalismo no Brasil desenvolve-se criando tanto um mercado interno
para as camadas altas e médias da população como um mercado intercapital que propiciavam
as condições para a acumulação e reprodução de capital.193 Entretanto, Barros parece
minimizar, relativizar ou mesmo passar desapercebido pelas inúmeras considerações de Caio
Prado Júnior de que é o lucro e, pois, a acumulação de capital, não o consumo, que constituem
a mola mestra ou motor do capitalismo. Considerações estas que incluem, por exemplo, junto
à afirmação de que “é essencialmente do lucro que se forma o capital invertido na produção”
e que isso constitui um traço característico do sistema capitalista, uma citação direta de Marx:
“é falso ver na produção capitalista o que ela não é, a saber, uma produção que tem por fim
imediato o gozo ou a produção de meios de gozo para o capitalista. Esquece-se totalmente
com isso o caráter específico dessa produção”. 194
De todo modo, é preciso reconhecer que Caio Prado Júnior oscila entre a superprodução
e o subconsumo como principal contradição capitalista. Em outra passagem, ele afirma que o
“verdadeiro mal que aflige o capitalismo” seria o “subconsumo”, que “por força do próprio
funcionamento normal do sistema, não acompanha o desenvolvimento da produção,
resultando daí um desequilíbrio latente que se resolve periodicamente, e cada vez com mais
gravidade, em crises de superprodução e prolongados períodos de recessão.” 195
É justo dizer que produção e consumo, o excesso de um e a insuficiência de outro,
constituem a dialética unidade dos contrários no capitalismo. Toda e qualquer avaliação de
um desenvolvimento econômico onde prevalece o modo de produção capitalista deve
considerar esta peculiaridade. O problema se prolonga na medida em que se passa a refletir a
respeito da predominância, nesta contradição, de um polo sobre o outro.
Guido Mantega e Maria Moraes consideram que na segunda metade dos anos 1960
havia uma quase unanimidade entre os setores de oposição à ditadura militar quanto às graves
consequências econômicas que trariam o permanente estrangulamento do mercado interno, o
que deixa entrever a existência da aceitação geral das teses subconsumistas, desenvolvidas na
virada do século por Rosa Luxemburgo e por vários reformistas que, de ângulos variados,
procuraram fazer a crítica aos esquemas marxistas de reprodução do capital.
A grosso modo, as teses subconsumistas afirmam que a produção capitalista estaria
fadada a enredar-se numa contradição fundamental: à medida em que se expande às
193 Cf. BARROS, Cesar Mangolim. Desenvolvimento e revolução no pensamento de Caio Prado Júinor. Ipech
Digital, n. 1, 2007. 194 Karl MARX. Le Capital. Paris, 1928, X, p. 177. Apud EFTE, p. 83. 195 EFTE, p. 131. O grifo em “superprodução” é nosso.
87
custas da pauperização da classe operária, a produção capitalista, mesmo tendo
lucros crescentes, priva-se do principal mercado consumidor de seus produtos. [...]
[No caso do] subconsumismo no Brasil, essa tese baseava-se na falsa premissa de
que as classes populares constituíam o grosso do mercado consumidor, quando na
verdade este era formado, em grande parte, pela própria classe capitalista (seja sob
a forma de demanda de bens de capital, seja sob a forma de demanda de consumo
duráveis) e pela parcela mais abastada da classe média. 196
Atualmente, esta crítica é amplamente aceita. E ao menos em parte, ela cabe ao pensamento
de Caio Prado Júnior nos anos 1950. Seu alinhamento às teses de Rosa Luxemburgo sobre a
expansão do capitalismo é evidente. Para esta marxista, nas condições históricas de
acumulação de capital ao longo da formação do capitalismo, a relação do capital com seus
entorno não capitalista não se limitaria às relações comerciais, mas à expansão contínua e
acelerada do seu modo de produção a estas áreas, destruindo as formações economias
previamente existentes, até que todo o mundo se tornasse capitalista, situação na qual o
capitalismo encontraria seu ponto de saturação. Nas palavras da própria autora:
O capitalismo é a primeira forma econômica capaz de propagar-se vigorosamente:
é uma forma que tende a estender-se por todo o globo terrestre e a eliminar todas as
demais formas econômicas, não tolerando nenhuma outra a sua lado. Mas é
também a primeira que não pode existir só, sem outras formas econômicas de que
alimentar-se; que, tendendo a impor-se como forma universal, sucumbe por sua
própria incapacidade intrínseca de existir como forma de produção universal. O
capitalismo é, em si, uma contradição histórica viva; seu movimento de
acumulação expressa a contínua resolução e, simultaneamente, a potencialização
dessa contradição. 197
Caio Prado, por sua vez, elabora a questão da seguinte maneira:
Pode-se dizer que o capitalismo se desenvolveu à custa do não-capitalismo. O que
assegurou a estabilidade a longo prazo, e o desenvolvimento do sistema foi
originariamente a instituição de relações capitalistas de produção em substituição a
outro tipo de relações que as precedeu; e em seguida a extensão e aprofundamento
das mesmas. As forças propulsoras essenciais do capitalismo não se encontram no
interior do sistema, mas fora dele, no seu exterior e terreno circundante em meio do
qual e a custa de que o sistema se desenvolveu. 198
Na fase inicial de expansão do sistema capitalista, a produção que não era absorvida pelo
consumo final, o era pelo consumo de bens de produção induzido pelas inversões. Portanto, se
de um lado o subconsumo inerente ao funcionamento do capitalismo proporciona seu
desequilíbrio, por outro “aquele desequilíbrio se corrige pela ação de fatores gerais e
196 MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. A economia política brasileira em questão (1964-1975). São Paulo:
Editora Aparte, s/d, p. 16. 197 Rosa LUXEMBURGO. A acumulação do Capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo. São
Paulo: Nova Cultural, 1988, t. II, p. 98. 198 EFTE, p. 106.
88
exteriores que assegurando um fluxo crescente de inversões, restabelecem o equilíbrio entre a
capacidade de produção e a de consumo”. 199
Privilegiando a observação da contradição do capitalismo pela perspectiva do
subconsumo, Caio Prado conclui que o problema a ser resolvido e justamente o do consumo.
Assim, na polêmica a respeito do desenvolvimento econômico brasileiro do pós-guerra que
colocava de um lado aqueles que punham ênfase no aparelhamento material das atividades
produtivas e no planejamento da economia brasileira para alcançar este fim, e de outro lado os
defensores de medidas para promover o processo de capitalização, em função da carência de
capitais; nesta polêmica, o autor considerava que apesar da existência de uma divergência de
fundo ambas as tendências davam prioridade “ao aspecto particular da produção e da
produtividade”. Apesar de afirmar que “essas questões não podem ser excluídas de qualquer
solução a ser dada, no momento atual, aos problemas brasileiros”, ele tinha reservas em
relação ao pouco ou nenhum destaque que nesta discussão é dado, sem a consideração
preliminar, conjunta ou no mesmo plano à “questão do consumo e do mercado”. Neste
sentido, Caio Prado afirma que, no caso do Brasil, “entre os dois polos do mecanismo
econômico, a produção e o consumo, a oferta e a procura, escolheria o segundo como ponto
de partida e baliza do assunto”. Daí seu elogio parcial à “essência do keynesianismo”, que
seria “provocar o que pela lei de Say deveria resultar automaticamente da produção, isto é, o
mercado para ela”. 200
Embora as condições do Brasil sejam tão profundamente distintas daquelas para as
quais teorizaram e medicaram os economistas da “revolução keyneseana”, essa
“revolução” e a autoridade que traz no seu bojo podem servir entre nós pelo menos
para facilitarem o deslocamento do ponto de vista de muitos economistas e
orientadores da política econômica do país, da questão da produção para a do
consumo; o que no Brasil, e nas condições atuais é particularmente importante [...] 201
Assim, se em 1954, sob a influência das teses keyneseanas, Caio Prado Júnior assume o
“estímulo ao consumo” como “ponto de partida” e “prática essencial” de uma teoria
econômica “a ser elaborada para nossas condições, nossos fins e propósitos”, já em 1957,
mesmo sem abrir mão desta perspectiva para a realidade brasileira, o pêndulo tende ao
199 Ibidem, p. 105-6. 200 DPEB, p. 192-7. Georges Tapinos ressalta a ambiguidade da fórmula “a oferta cria sua própria procura”, uma
vez que há passagens da obra de Jean-Baptiste Say em que se atribui à demanda a responsabilidade de todo o
equilíbrio econômico. Cf. Georges TAPINOS. “Prefácio”. In: Jean-Baptiste SAY. Tratado de Economia
Política. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 10. Atualmente, salvo engano, seria difícil encontrar economistas
que concordassem com essa observação de Tapinos. 201 DPEB, p. 197.
89
ceticismo quando se trata do sistema capitalista. Isso porque a ação do Estado, que deveria
“suprir a deficiência do mecanismo econômico capitalista” que não se realiza
espontaneamente, “não vai e não pode ir muito longe” na restituição do equilíbrio econômico,
uma vez que “o Estado não é uma entidade que vive fora e além do sistema econômico”. 202
Em suma, a intervenção do Estado no sentido de compensar o desequilíbrio entre a
produção e o consumo, substituindo o consumidor e inversos privados quando a
ação destes se mostra insuficiente, não tem e não pode ter influência decisiva.
Poderá contemporizar, suavizar a incidência das crises e depressões, adiar o
desenlace, manter em equilíbrio precário e cada vez mais difícil de sustentar. Mas
não eliminará as raízes do mal. 203
Se de um lado a ação do Estado não seria capaz de superar a contradição entre produção
e consumo, por outro, igualmente incapaz seria a tentativa do capitalismo monopolista de
subverter a função demanda-produção em produção-demanda, ou seja, a tendência, nesta fase
do desenvolvimento histórico do capitalismo de “tomar a produção como dado inicial, e a ela
conformar o consumo”. A partir de uma “política de vendas”, a chamada “produção
trustificada do capitalismo” – na qual a concentração e a centralização de capitais induziram a
formação de trustes e grandes empresas monopolistas que controlam parte expressiva da
produção – teria por objetivo “menos satisfazer uma demanda espontânea e preexistente, que
provocar essa demanda”. O controle da produção proporcionaria, em tese, o domínio também
do consumo e o “livre jogo dos fatores naturais” abriria espaço para execução de “planos
conscientes e pensadamente estabelecidos”, através dos quais seria possível “realizar o
ajustamento da produção e do consumo, e o equilíbrio econômico”. Entretanto, esta seria uma
“situação extrema que de fato não se chega a realizar plenamente, nem é realizável no regime
capitalista, pois implica uma só vontade e portanto um interesse homogêneo, o que não é e
nunca será o caso naquele regime”. Afinal, se por um lado “o elemento ‘concorrência’ que
compõe toda a atividade do antigo capitalismo liberal, assume feição nova em que se acentua
cada vez mais um elemento de planificação”; por outro lado, do que se trata é de uma
“planificação naturalmente desconexa porque se trata efetivamente de vários planos, um para
cada empresa, e por isso chocando-se e se contrariando em muitos pontos”. 204
Não há pois, para o conjunto da economia, unidade de vistas, de esforços, de ação.
O equilíbrio entre produção e consumo que as empresas realizam no papel e que
procuram traduzir nos fatos, é perturbada pela multiplicidade dos planos e
202 Ibidem, p. 199-200; EFTE, p. 179-81. 203 EFTE, p. 184. 204 Ibidem, p. 166-77.
90
divergência de interesses. Essas perturbações são mais ou menos graves. Em 1929-
30 desencadeiam a maior crise da história. 205
Assim, longe de constituírem solução ao problema, os monopólios o agravam. Na medida em
que a centralização e a concentração de capitais permitem uma ainda maior produção e
produtividade e a “política de vendas” mostra-se incapaz de proporcionar o mercado
suficientemente amplo para a realização do capital, a crise torna-se ainda mais grave.
José Pinto Antunes parece se preocupar igualmente com o problema da concentração de
capital, mas sua ótica é obviamente, muito distinta. Ela que poderia se dar de quatro formas: o
“aumento natural”, em que a prosperidade dos negócios permite a ampliação da empresa; a
“fusão” de empresas por compra ou conjugação; a concentração “por participação financeira”,
em que uma empresa compra a maioria das ações de outras; e a “cartelização”, ou seja, a
aliança parcial e limitada entre empresas. Para todos os casos, trata-se de algo positivo: “As
concentrações das empresas são, em princípio, de interesse público”, pois a produção em
larga escala que é proporcionada “acarreta a baixa no custo da produção e, por sua vez, a
possibilidade da baixa do preço de venda”. O raciocínio fica ainda mais interessante: “todo
processo que propicie o abaixamento do custo de produção é de interesse geral e fator que
reforça o fundamento da ordem pública”. 206 Por quê? Simples:
[...] todas as vezes que o progresso técnico das empresas consegue baratear o
produto, em virtude do rebaixamento do custo de produção, uma grande parte da
sociedade, até então de desejos insatisfeitos, é beneficiada com a transformação e
de aquieta, comumente abandonando as reivindicações contra a ordem social ou
perdendo a energia inicial de luta. 207
Abordamos esta questão não para revelar o caráter de classe da teoria econômica de José
Pinto Antunes, ou não apenas para isso, mas principalmente para mostrar uma visão oposta
sobre as relações entre produção e consumo. Para este autor, “a liberdade na procura do maior
lucro e o consequente reconhecimento da propriedade dos excessos da produção ao próprio
consumo são fatores decisivos para o equilíbrio difícil, mas necessário, entre a produção
parcial e o consumo geral”.208 A equação se inverte: haveria mais consumo que produção. Na
passagem a seguir, torna-se explicito antagonismo de posições entre o marxismo de Prado
Júnior e o liberalismo de Pinto Antunes:
205 Ibidem, p. 177. 206 José Pinto ANTUNES. A produção sob o regime da empresa, p. 135-6 207 Ibidem, p. 136. 208 Ibidem. Grifo nosso.
91
[...] enquanto o consumo é de todos (todos comem) a produção é de poucos – a dos
homens válidos, que ainda precisam de descansos periódicos e nem sempre todos
os capazes trabalham. Então, é sobre os poucos produtores que repousa o problema
da ordem econômica, pois cabe a eles a produção maior que o próprio consumo, a
fim de que, com as sobras, alimentemos a grande maioria dos que comem
(consomem) e não produzem. 209
Logo, sendo o problema a subprodução e o superconsumo, a “produção sob o regime da
empresa”, ou seja, o capitalismo, seria o processo produtivo mais adequado, pois “assegura a
maior produtividade”, realizando da melhor maneira “a finalidade social de toda a produção,
que é satisfazer o maior número possível de desejos humanos”. 210
Por suas bases teóricas, tal perspectiva não seria capaz de reconhecer que a
transformação histórica proporcionada pelo capitalismo, que impulsionou o desenvolvimento
das forças produtivas de modo exponencial. Se a produção de excedentes nas formações
econômicas anteriores era um objetivo a ser permanente alcançado, no capitalismo ela tornou-
se uma constante. Mas a abundância não eliminou a escassez. E para Caio Prado Júnior, o
problema é a posição do Brasil nesta transformação. Como os momentos iniciais da formação
do Brasil se processaram como parte de um “conjunto que não é senão um capítulo da história
do comércio europeu”; como no “seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a
colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial”; como é com um
“objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o
interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras”;211 então
se justificaria a atenção privilegiada sobre o mercado na análise histórica do desenvolvimento
econômico brasileiro.
Estado e mercado
Caio Prado Júnior chega aos anos 1950 com uma concepção já formada sobre o papel
do comércio e o mercado na formação do Brasil. Elaborou-a no clássico Formação do Brasil
contemporâneo (1942) e a utilizou ao longo da vida: “A análise da estrutura comercial de um
país revela sempre, melhor que a de qualquer um dos setores particulares da produção, o
caráter de uma economia, sua natureza e organização. Encontramos aí uma síntese que a
209 Ibidem, p. XXI-XXII. Esta formulação consta no prefácio da 2ª edição da monografia de José Pinto Antunes,
ou seja, a primeira publicada em livro, datado de 1º de janeiro de 1957. Aqui a utilizamos por sintetizar melhor a
tese que consta em outras passagens do texto apresentado ao concurso. 210 Ibidem, p. 245. 211 Caio PRADO JÚNIOR. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1942, p. 16-26.
92
resume e explica.” 212 Como indicou Florestan Fernandes em 1988, Caio Prado Júnior “não se
impôs uma revisão crítica”, uma vez que “estava convicto da veracidade de suas descobertas e
do seu retrato da evolução histórica do Brasil e de outras sociedades periféricas e
marginais”.213 A monografia apresentada à FD-USP foi marcada por tal convicção.
O Brasil viveu no curso de toda sua história, e ainda vive em função das flutuações
de mercados longínquos que podem fazer a sua fortuna ou miséria, sem que ele
nada possa dizer na matéria. Somos obrigados a sofrer passivamente as vicissitudes
de uma conjuntura completamente estranha; e sempre fomos com relação aos
fenômenos econômicos que nos tocam mais de perto, como o primitivo em frente
aos acontecimentos meteorológicos que comandam soberanamente e sem recurso a
sua própria integridade física. 214
As tempestades econômicas invariavelmente assolavam o Brasil. Entretanto, devemos
registrar que Caio Prado Jr. não pensava unilateralmente a presença marcante da esfera da
circulação e do mercado externo no desenvolvimento histórico brasileiro. Para Pedro Cezar
Dutra da Fonseca, o autor teria sido “precursor da Teoria da Dependência ao afirmar que são
os processos sociais internos os responsáveis pela dinâmica histórica, e que, primordialmente,
configuram seu sentido.” 215 De modo análogo, afirma Antonio Carlos Mazzeo que mesmo
reconhecendo a presença “de certo superdimensionamento do papel da esfera da circulação
[...], lembramos que o fundamental da análise caiopradeana não é apresentar a esfera da
circulação desconectada da esfera produtiva”.216 A dependência externa, digamos, se
internaliza: “a economia brasileira se organizou e evoluiu em função do comércio externo;
mais particularmente, da exportação de produtos primários”. Consequentemente, “tudo mais
que nela se encontra é acessório e deriva direta ou indiretamente daquele setor fundamental,
isto é existe para ampará-lo e o manter em funcionamento”.217
A interação dialética entre o interno e o externo seria uma das virtudes metodológicas
do autor. Maria Odila Leite da Silva Dias nos indica o modo como Caio Prado desenvolve sua
análise, que considera uma “manifestação magistral da tão propugnada história global, que
desafia as forças dos historiadores, dedicados a reconstruir totalidades expressivas do
212 Ibidem, p. 226. (grifo nosso) 213 Florestan FERNANDES. Os enigmas do círculo vicioso. In: PRADO JR. Caio. História e desenvolvimento.
São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 7. 214 DPEB, p. 43 215 Pedro Cezar Dutra da FONSECA. Homenagem a Caio Prado Jr. Análise Econômica, ano 8, n. 14, nov. 1990,
p. 151-55 (grifo nosso). 216 Antonio Carlos MAZZEO. “O Partido Comunista na raiz da teoria da Via Colonial do desenvolvimento do
capitalismo”. In: Antonio Carlos MAZZEO; Maria Izabel LAGOA (orgs.). Corações Vermelhos: os comunistas
brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003, p. 164. 217 DPEB, p. 59.
93
passado”. Para ela, a busca pela especificidade e a diversidade de formas sociais é o princípio
norteador de seu trabalho de “remontar ao passado, devassar o vir a ser das formações sociais
do Brasil tanto nas relações de dependência internacional, quanto e sobretudo, no seu contexto
nacional, interiorizadas nas subordinações regionais.” 218
As desigualdades do território nacional se fazem gritantes em virtude da maneira como
aquela dependência do mercado externo afetou os diferentes núcleos produtivos e
populacionais. Assim, a complexidade da estrutura econômica brasileira deve-se não é apenas
o convívio íntimo entre o pauperismo e o luxo, a abundância e a escassez, pois é preciso
“acrescentar-lhe ainda a confusão em que se apresenta a distribuição geográfica” de formas
econômicas de contraste chocante. Diferentemente do “ritmo irregular e espasmódico que o
país em conjunto não pôde acompanhar”, em uma evolução mais regular elas pertenceriam a
épocas muito afastadas entre si. Mas esta não seria a realidade brasileira: “A nossa história
ainda é, por isso, em muitos casos, uma atualidade”. Assim, a julgar pelos critérios e
categorias da economia clássica, pode-se dizer que o Brasil é “uma colcha de retalhos”. 219
Descontinuidades espaciais entrelaçaram-se com continuidades temporais:
Não somente o nosso curto passado, como também e sobretudo a unidade e
uniformidade de nossa evolução, não interrompida por fatores intervenientes de
monta e perturbadores do ritmo normal do desenvolvimento, permitem-nos hoje
acompanhá-la num desdobramento linear nitidamente marcado. Aliás a nossa
história, e particularmente a nossa história econômica, é antes uma sucessão de
episódios muito semelhantes, de ciclos que se repetem monotonamente no tempo e
no espaço. E continuam repetindo-se. 220
Trata-se da reiteração de um círculo vicioso. Produção e consumo, oferta e procura
ocorrem no mercado, e “o traço distintivo mais profundo da economia brasileira” é a
dualidade de mercado. Não apenas a distinção entre mercado interno e mercado externo, o
que se verifica em qualquer país, mas a “duplicidade de mercados bem separados um do outro
e nitidamente configurados”. Tendo a economia brasileira se formado para atender o mercado
exterior, a ocupação e povoamento de seu território, bem como a organização de sua estrutura
produtiva, obedeceram a este impulso. 221
Temos assim, de um lado, o mercado externo, em função do qual se organiza e
processa a economia brasileira; e doutro, o interno, que deriva e se constitui por
força da atividade produtiva orientada para aquele primeiro setor. Daí a
218 Maria Odila Leite da SILVA DIAS. “Impasses do inorgânico”. In: Maria Angela D’INCAO (org.). História e
Ideal, p. 382. 219 DPEB, p. 6-17. 220 Ibidem, p. 30. 221 Ibidem, p. 107-8.
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importância secundária e subordinada do mercado interno em confronto com o
externo; importância essa que não se mede unicamente por dados quantitativos,
mas que se exprime sobretudo qualitativamente. Não é possível observar o
mercado brasileiro, nem mesmo abordar a análise de qualquer aspecto da nossa
economia, sem a prévia consideração daquela duplicidade estrutural que cinde o
mercado brasileiro e as atividades produtivas do país em setores distintos e
nitidamente demarcados; e sem estar atento para a dependência direta ou indireta,
mas sempre próxima, do mercado interno com relação ao externo. 222
Esta circunstância que atravessa a história brasileira gerou um problema crônico: com
uma economia estruturada para exportar produtos primários, o atendimento do mercado
interno de produtos manufaturados deveria ser feito mediante importações. Para fazê-las, seria
necessário divisas, que não são obtidas senão a partir das exportações daquelas matérias
primas e produtos primários. A posição dominante dos compradores do centro capitalista nas
posições chave do comércio e das finanças internacionais, bem como a instabilidade dos
preços das mercadorias no mercado externo resultaria na deterioração progressiva dos termos
de troca no comércio internacional em prejuízo da periferia capitalista e dos países
subdesenvolvidos. Caio Prado Júnior credita a Raul Prebisch e à CEPAL esta abordagem da
situação. 223
Entretanto, o problema do circulo vicioso é mais profundo. Na medida em que o
capitalismo dos países centrais se desenvolveu, o inerente e permanentemente estimulado
progresso científico e avanço da técnica produtiva ampliaram a participação do capital fixo
em detrimento do capital variável na composição orgânica do capital, gerando a queda
tendencial da taxa de lucros. Afinal, o desenvolvimento econômico no capitalismo caminha
para uma redução relativa da demanda por força de trabalho e, portanto, para a redução da
massa de mais valia extraída. Assim, os capitais acumulados que já não tinham as mesmas
perspectivas de reprodução em suas fronteiras buscaram “uma brecha escapatória: é a válvula
que se abre para o exterior do sistema”. Os países da periferia capitalista assumem então o
papel de “eventual área de expansão capitalista e de inversões destinadas a assegurar o
equilíbrio econômico do sistema”. 224
Entretanto, estas inversões não sanaram os desequilíbrios nem no centro nem na
periferia do sistema. Na perspectiva dos países subdesenvolvidos, há um problema básico
nestes investimentos estrangeiros destinados a instalar de filiais e empresas subsidiárias
222 Ibidem, p. 108-9. 223 Cf. Ibdem, p. 96-7; EFTE, p. 203-4. 224 EFTE, p. 186. As questões abordadas neste parágrafo se encontram detalhadamente desenvolvidas nos
capítulos 5 e 6 da referida obra.
95
visando se aproximar do mercado consumidor e com isso garantir melhores posição
competitiva e facildiades de vendas, bem como aproveitar o menor preço da força de
trabalho.225
Inversões desse tipo – a que devemos acrescentar outras de efeitos mais graves
ainda que são as de natureza comercial e sobretudo financeira – determinam logo
que adquirem certo vulto, e por efeito dos pagamentos externos a que dão lugar
sem um correspondente e compensador aumento dos meios de satisfazer tais
pagamentos, situações de crônico e frequentemente agudo desequilíbrio do balanço
de contas externas dos países subdesenvolvidos. Desequilíbrio esse que atua como
fator limitante das próprias inversões, pois reduz e torna essencialmente precária a
capacidade daqueles países de saldar regularmente seus débitos internacionais. 226
Mas é apenas um lado da questão. Soma-se a ele, o fato estatisticamente comprovado
em International Capital Movements in the Interwar Period (1949), de que “as inversões
estrangeiras em países coloniais e semicoloniais” foram sobretudo em atividades ligadas às
produção primária de artigos de exportação, que representa o “reforço que o capital financeiro
internacional traz ao sistema colonial de países do nosso tipo”. 227 Para reforçar seu
argumento, Caio Prado Júnior se apoia no economista Ragnar Nurkse:
O capital estrangeiro em países subdesenvolvidos dirigiu-se para as
indústrias extrativas cuja produção foi destinada a países industriais
adiantados [...] As inversões estrangeiras em vez de desenvolverem as
economias de países agrícolas, serviram para enrijecerem e fortalecerem o
sistema sob o qual esses países se especializaram na produção de matérias-
primas e gêneros alimentícios para exportação. 228
Neste sentido, a modernidade, ao invés de contribuir para superar, reitera e reforça a estrutura
agrária herdada da colônia.
Com a profundidade com que o problema do desenvolvimento brasileiro se coloca sua
resolução, não poderia se dar termos parciais: “É pela base que se há de solucionar o nosso
caso, arrancando definitivamente o país do círculo vicioso em que há séculos e desde o início
da colonização se acha empenhada a sua vida. E isso representa uma nova perspectiva pata
todos brasileiros”. 229 Segundo Caio Prado, no Brasil, “o capitalismo, ou antes os fatores de
225 Cf. Ibidem, p. 194-5. 226 Ibidem, p. 195. 227 DPEB, p. 87-8 228 Ragnar NURKSE. Problemas da formação de capitais em países subdesenvolvidos. Revista Brasileira de
Economia, dez. 1951, p. 118. Apud DPEB, p. 88. 229 DPEB, p. 51.
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que resulta ou poderia resultar o capitalismo brasileiro, não derivam do desenvolvimento
próprio das forças produtivas do país e da decomposição do sistema econômico vigente”.230
Impôs-se mais por contingência estranhas ao país, e não resultou da maturação de
fatores próprios; e o que é mais, constituídos em função e oposição ao sistema
econômico brasileiro, isto é, sistema de país periférico e de economia
complementar. Pode-se dizer que o capitalismo entre nós “acrescentou-se” ao
sistema existente e que vinha de muito antes. Ou se preferirem, esse sistema
ajustou-se mais ou menos convenientemente a um novo tipo de relações que forças
estranhas lhe impuseram. 231
Se o capitalismo se sobrepôs à economia colonial, será sobre as bases do capitalismo
dependente e periférico, no qual se observa a flagrante desproporção entre as necessidades da
população e os estreitos limites impostos ao desenvolvimento das forças produtivas, que se
assentará uma estrutura de novo tipo:
[...] uma economia propriamente nacional em que se entrosem e articulem
diretamente entre si aquelas necessidades do país e as suas forças produtivas; em
que a produção e o consumo se integrem num conjunto e unidade onde evoluam
paralela e harmonicamente, sem serem condicionados, cada qual do seu lado, pelo
fator estranho de um mercado externo em que a oferta e a procura independem
deles. [...] uma atividade produtiva que se estruture e desenvolva em função das
necessidades próprias do país, capaz por conseguinte de mobilizar toda a sua
população válida, e portanto de transformar aquelas necessidades em demanda
efetiva e estímulo daquela mesma produção. Uma produção em suma
condicionando o consumo, e este último condicionando a produção. 232
A orientação geral do desenvolvimento econômico deverá, pois, “atender ao problema
fundamental dos países subdesenvolvidos”, que é justamente “libertá-los da posição periférica
que ocupam no sistema internacional do capitalismo, posição essa onde se encontram os
fatores profundos de perturbação de sua vida econômica”. Trata-se, com isso, de fazê-los
“reestruturarem sua economia em bases nacionais”. Neste sentido, “elevar os baixo padrões
de vida da grande massa da população”233 faz parte de um horizonte estratégico: a integração
econômica do Brasil a partir da formação de um amplo mercado interno.
Sem perder de vista as ligações com o sistema capitalista internacional em formação,
Caio Prado Júnior observava a relação de complementaridade e subordinação com o mercado
interno, visto como virtualidade de uma futura integração nacional. O nacional assumiria uma
conotação econômica, a eventual satisfação das necessidades básicas do povo, e se referiria a
uma organização da produção que, opostamente à Colônia, teria por finalidade o bem-estar da
230 Ibidem, p. 78 231 Ibidem, p. 78-9. 232 Ibidem, p. 160. 233 EFTE, p. 221.
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população brasileira.234 A construção da nação, como expressão do tempo histórico no qual
seu significado foi concebido e utilizado, seria a construção do Estado-nação, uma
delimitação de espaço e uma integração de regiões em função do triplo movimento
“produção-circulação-consumo”, que institui e é instituído pela industrialização moderna. Isso
teria significado a primazia do mercado na esfera econômica, sendo o espaço econômico da
nação moderna construído internamente. 235
Se há no sistema colonial brasileiro uma articulação entre seus elementos constitutivos,
que cria um todo social orgânico, existe também, como vimos, uma desarticulação entre a
produção, voltada para fora, e o consumo da maior parte da população, elemento inorgânico
do sistema. Em contraste com os países capitalistas centrais, onde a produção, de forma geral,
criou o consumo, no Brasil e em países como o nosso, havia uma desarticulação entre
produção e mercado interno, por ter sido o externo o mercado principal. Assim, Caio Prado
Júnior pensa a relação entre Colônia e Nação em uma perspectiva dialética, ou seja, não
apenas de oposição. Reconhece, portanto, que apesar de todos os seus problemas e gostando
disso ou não, foi no passado colonial brasileiro que se inscreveram os fundamentos da
nacionalidade e seria a partir dele que se poderia seguir em direção contrária.236
Mas isso não seria possível caso a economia permanecesse sob a égide do “livre jogo
dos fatores naturais”, como diz Caio Prado Júnior, pois este é justamento um dos elementos
fundamentais da reiteração do circulo vicioso. Ao Estado caberia, portanto, libertar a ação da
iniciativa privada das contingencias e limitações impostas pelos desajustes e desequilíbrios da
economia colonial, “libertar as forças anticolonialistas já presentes no interior da atual
estrutura econômica do país” e possibilitar a “estruturação de uma economia nacional”.237 O
comércio exterior e suas variações, como vimos, tem dimensões e consequências importantes
234 Cf. Maria Odila Leita da SILVA DIAS. “Impasses do inorgânico”, p. 385 e 390. “Economia colonial e
economia integrada nacionalmente, eis o binômio que define os limites (passado e futuro) do capitalismo
periférico”. Sérgio SILVA. “A crítica ao capitalismo real”. In: Maria Angela D’INCAO (org.). História e Ideal,
p. 304. 235 Cf. Marcia Barbosa Mansor D’ALESSIO. História e Historiografia: inquietações em torno do conhecimento
histórico. 2011, Tese (Livre Docência em História) Departamento de História da EFLCH da Universidade
Federal de São Paulo, Guarulhos, p. 83. 236 Cf. RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil, p. 140, 155 e 133-4.
Ao assumir a Colônia como um pressuposto para a construção da Nação, Prado Jr. nos mostra que assimilou uma
célebre passagem de Marx: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas
pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.” MARX,
Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997, p. 21.
237 DPEB, p. 236-7.
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para a estrutura econômica do país. Seu desenvolvimento industrial é em grande medida
estimulado pela necessidade de substituir com a produção interna o que por falta de divisas
não é mais possível obter da importação. Para fazê-lo, porém, faz-se necessário importar
equipamentos e bens de produção, contribuindo para tornar mais agudas as contradições e
embaraços da economia. O controle de tarifas alfandegárias, quotas de importação e demais
medidas emergenciais e circunstanciais, além de insuficientes, contribuem no mais das vezes
para perturbar ainda mais a economia. Neste sentido, o monopólio estatal do comércio e das
transações financeiras com o exterior em geral proporcionaria um verdadeiro controle das
contas externas do país e, assim a destinação conveniente das importantes divisas obtidas com
as exportações. 238
Mas afinal, como as diferentes categorias do desenvolvimento econômico se conjugam
ao esforço da análise histórica? Até o momento, temos visto Caio Prado Júnior reiterar com
insistência o inverso: a contribuição da história para a análise do desenvolvimento econômico.
Portanto, como o autor estabelece a relação recíproca?
No período que estamos analisando (1954 e 1958), a leitura de Caio Prado Júnior sobre
a história brasileira não era aceita pela linha dominante em seu partido, o PCB. Afinal, não
trabalhava com a tese de que havia resquícios feudais no país a serem demovidos para dar
espaço ao desenvolvimento capitalista industrial. Em 1933, ainda aos 26 anos de idade, dizia:
“Podemos falar num feudalismo brasileiro apenas como numa figura de retórica, mas
absolutamente não para exprimir um paralelismo que não existe entre nossa economia e a da
Europa Medieval”.239 Sua crítica à estratégia comunista que ficou conhecida como etapismo –
crítica esta que desenvolveu no debate sobre o balanço da derrota de 1964 em A revolução
Brasileira (1966) – provém da leitura da formação histórica brasileira de que nunca houve
feudalismo no Brasil. Com isso, rejeitava a interpretação daqueles que chamou de
“pseudomarxistas”, segundo a qual a humanidade em geral e cada país em particular deveria
passar por etapas sucessivas em uma evolução histórica que se processaria invariavelmente
até dar afinal no socialismo. 240
238 EFTE, p. 200-21. 239 Caio PRADO JÚNIOR. Evolução política do Brasil. São Paulo: Empresa Gráfica “Revista dos Tribunais”,
1933, p. 27. 240 Cf. Idem. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966, p. 38-9.
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O fio histórico que liga 1933 a 1966 passa por 1954, mas não pela via da crítica ao
pensamento dominante no PCB. Aliás, em meados dos anos 1950 Caio Prado ainda opera
com uma concepção dual da formação econômica brasileira. Mas seu dualismo não confronta
feudalismo e capitalismo, e sim colônia e nação.241 O que nos interessa mais diretamente,
porém, é que sua crítica ao etapismo pecebista assemelha-se metodologicamente de sua crítica
a outra espécie de concepção etapista de desenvolvimento, esta vinculada às teorias
econômicas convencionais. Nas palavras do autor: “O mais grave da interpretação unilinear e
simplista do desenvolvimento brasileiro, tal como ele se apresenta nas concepções mais
correntes, é que ela se enquadra num plano prefixado pelo desenvolvimento da economia
europeia e dos Estados Unidos”. 242 Seu alvo é a CEPAL, cujos economistas a ela vinculados,
em sua opinião, tem uma noção de desenvolvimento como simples difusão da técnica
industrial moderna. Por isso o autor se põe a criticar o raciocínio de Raul Prebisch de que esta
propagação tem início na Grã-Bretanha, espalha-se pela Europa, alcança os Estados Unidos,
manifesta-se no Japão e chega então aos países periféricos. Portanto, de acordo com o
economista argentino: “Examinando de perto, verifica-se que o desenvolvimento econômico
dos países que formam a periferia constitui uma nova fase de propagação universal dos novos
métodos da técnica produtiva, ou melhor, no processo de desenvolvimento orgânico da
economia mundial”. 243 Portanto, Caio Prado Júnior critica a noção de progressão
predeterminada na história para os diferentes países e o faz a partir do entendimento de que o
desenvolvimento das forças produtivas destes países e seu consequente crescimento
quantitativo não são sinônimos de desenvolvimento. Como vimos, em sua opinião,
desenvolvimento da capacidade produtiva sem a correspondente capacidade de consumo
resulta em profunda desarticulação.
Apesar desta originalidade que o afasta tanto da matriz desenvolvimentista quanto do
comunismo influenciado pelo industrialismo, Caio Prado Júnior não está de todo
241 “Devemos notar muito bem o dualismo que observamos na economia brasileira, a saber, de um lado o sistema
colonial que nele prevalece; doutro e esboçando-se no interior daquele sistema, novas formas econômicas que
apontam na direção de um desenvolvimento diferente daquele que sempre tivemos no passado. Essa distinção é
essencial para se ter um panorama adequado da economia brasileira e para nele se orientar, pois doutro modo
resulta a ilusão, tão frequente na observação e interpretação de nossa economia, que podemos passar como que
automática e espontaneamente de uma para outra linha de desenvolvimento [...]”. DPEB, p. 169. A superação do
dualismo no pensamento econômico e social brasileiro teve seus primeiros esboços em Caio Prado Júnior, mas
somente a partir de 1966, quando o autor considera que o setor atrasado, ao invés de impedir, estimula o
desenvolvimento do setor moderno por meio da superexploração da força de trabalho. Cf. A revolução
brasileira, p. 97, 106. 242 Ibidem, p. 71. 243 Raul PREBISCH. Interpretação do processo de desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Economia,
mar. 1951, p. 8. Apud DPEB, p. 170.
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desvinculado da noção de mudanças históricas por etapas. Particularmente, não se afasta da
ideia de que tais transformações teriam as forças produtivas como fator decisivo. Mais uma
vez, recorremos às permanências dos pressupostos contidos nas teses apresentadas em 1933.
Em Evolução política do Brasil, o autor considera que a emancipação política do país teria
resultado de seu desenvolvimento econômico, que fez ceder o regime de colônia que o
impedia de avançar: “é a superestrutura política do Brasil-Colônia que, já não correspondendo
ao estado das forças produtivas e à infraestrutura econômica do país, se rompe, para dar lugar
a outras formas mais adequadas, às novas condições econômicas e capazes de conter a sua
evolução”. 244 Em 1954, ao ser arguido no concurso para a cátedra de Economia Política da
FD-USP, agentes do DOPS tomavam notas. Mesmo levando em conta eventuais imprecisões
pontuais, dificilmente poderíamos contestar que o sentido geral do relato a seguir de fato
corresponde em linhas gerais ao que Caio Prado Jr. defendeu:
No correr dos trabalhos, afirmou Caio Prado Jr. que, pela tese da concentração dos
capitais, os Estados Unidos se encontravam no seu mais absoluto desenvolvimento,
onde as propriedades se concentravam nas mãos de poucos particulares e que, por
este fato, encontravam-se os Estados Unidos mais próximo do que o Brasil do
regime socialista, pois, bastava que o Estado substituísse os particulares na direção
das empresas privadas. Esta facilidade não seria possível no Brasil, como não esta
sendo possível na China, pois, estes ainda não chegaram a tal ponto de
desenvolvimento. 245
Note-se que o parâmetro fundamental para definir a possibilidade de determinada formação
social seguir rumo ao socialismo é o nível de desenvolvimento de suas forças de produção.
Tal capacidade de produção deveria encontrar seu mercado para a efetivação do consumo para
então, o capital se realizar e reiniciar seu ciclo em patamar superior. Na época da
“concentração de capitais” do “capitalismo trustificado”, os EUA buscariam isso com a
exportação de capitais, enquanto o Brasil deveria seguir caminho próprio, formando seu
mercado interno de massas.
244 Caio PRADO JÚNIOR. Evolução política do Brasil, p. 91. A semelhança com a formulação de Marx é aqui
evidente e foi sem dúvidas deliberadamente incorporada em sua análise da Independência brasileira: “Em uma
certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as
relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade
no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De forças evolutivas das forças produtivas que eram,
essas relações convertem-se em entraves. Abre-se então uma época de revolução social. A transformação que se
produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura”.
Karl MARX. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 47-8. Depois
de notar esta semelhança, tivemos contato com o artigo de Bernardo Ferreira, que também a destaca. Cf.
Bernardo FERREIRA. Do Brasil colônia de ontem ao Brasil nação de amanhã: “revolução da Independência” e
história do Brasil em Caio Prado Jr. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 2, 2008, p.
497. Agradecemos à professora Maria Fernanda Lombardi Fernandes pela indicação desta referência. 245 Relatório de investigação do DOPS sobre o exame oral prestado por Caio Prado Jr. no concurso à cátedra de
Economia Política da Faculdade de Direito da USP. Dossiê 50-Z-013 (430), fundo DEOPS, APESP.
101
Produção e consumo, Estado e mercado são forças históricas colocadas em movimento
pelos sujeitos históricos, dotados de consciência e poder de decisão. Portanto, a história
também se faz por meio das decisões econômicas. No caso do Brasil e dos países
subdesenvolvidos, a análise econômica se encontrava, em 1957, diante de dois caminhos por
onde se engajar e se propor uma teoria e uma prática: integrando-se ao sistema internacional
do capitalismo e sofrendo as contingências daí decorrentes, ou libertando-se desse sistema e
estruturando uma economia própria e nacional. Contudo, não se trata de decisões apenas
econômicas: “A decisão entre esses dois caminhos pertence a fatores políticos e sai do terreno
estrito da Economia”.246 Entra no terreno da História. A consciência que os indivíduos
adquirem de seu eventual destino orienta as suas ações em uma ou outra direção e configura o
sentido da ação e dos fatos sociais. O sentido assume, então, a conotação de significado e a
consciência que os sujeitos tem dele ganha força social na medida em que se exprime como
norma de ação. O sentido da mudança histórica deixa de ser, assim, uma força cega e passa a
ser um valor compartilhado por sujeitos históricos.247
246 EFTE, p. 224. 247 Jorge GRESPAN. A teoria da história em Caio Prado Jr.: dialética e sentido, p. 69
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Interpretando a concepção de Caio Prado Júnior sobre o marxismo e a dialética, Lincoln
Secco afirma que “sua teoria está toda entranhada na narrativa histórica”. Note-se que entre o
artigo homônimo publicado em 2010 e o texto de onde extraímos esta citação, de 2011, Secco
adiciona a palavra “toda” na mesma formulação, reforçando a indissociabilidade entre teoria e
historiografia no pensamento do autor.248 Não se trata de afirmar que toda a concepção
teórico-metodológica de Caio Prado encontra-se em sua narrativa histórica, uma vez que em
diversos artigos, trechos de livros e até mesmo livros inteiros – como as obras filosóficas que
escreveu nos anos 1950 ou a crítica que teceu ao estruturalismo francês no início dos anos
1970 – o autor discorreu sobre as questões epistemológicas, conceituais, teóricas e
metodológicas que balizam seu pensamento. Trata-se, na verdade, de indicar que é na tensa e
dinâmica relação entre teoria e historiografia que poderemos encontrar o caminho para a
compreensão do pensamento caiopradiano em sua unidade e totalidade. É no método de
investigação e nas suas implicações para a produção da narrativa histórica que se manifestam
concretamente a lógica dialética. Assim, Jorge Grespan afirma que, para Caio Prado Júnior, a
interpretação da história não é arbitrária, ela deve traduzir o sentido real no movimento
próprio do pensamento, em um autodinamismo dialético, devendo expressar não apenas o
redomínio de uma das forças em luta, mas a luta mesma das forças opostas, da qual resulta um
sentido sempre mutável.249 A relação entre a economia política do desenvolvimento e a
análise da história em seu devir constitui elemento indispensável na formulação conceitual de
Caio Prado Júnior sobre o desenvolvimento.
Ainda assim, em Caio Prado Júnior é pronunciada a tendência a explicar a história a
partir e por meio dos processos econômicos e, pois, utilizando-se das categorias de análise
econômica. Isso poderia obstaculizar o objetivo de finalmente construir a tão almejada
“história total”. Mas aquela tendência, jamais chega a termo se observarmos o conjunto da
obra historiográfica de Caio Prado Júnior: história política, história social, história da
filosofia, história e geografia etc.; múltiplas perspectivas são lançadas sobre a História pelo
olhar de historiador de Caio Prado. Ao lado do economista, do filósofo, do sociólogo e do
geógrafo, a qualidade de historiador somente pode se destacar na medida em que é a análise
248 Cf. Lincoln SECCO. Tradução do marxismo no Brasil: Caio Prado Júnior. Mouro: Revista Marxista – Núcleo
de Estudos d’O Capital. São Paulo, ano 1, n. 2, jan. 2010. Idem, Tradução do marxismo no Brasil: Caio Prado
Júnior. In: PINHEIRO, Milton (org.) Caio Prado Júnior: história e sociedade. Salvador, Quarteto, 2011, p. 61. 249 Cf. Jorge GRESPAN. A teoria da história de Caio Prado Júnior, dialética e sentido, p. 71.
103
da realidade em sua totalidade no tempo que predomina em seu pensamento. Obviamente, as
interações dos homens, seres sociais, para a produção e reprodução de sua vida material no
espaço e no tempo, tem grande relevância, senão prioridade mesmo, nas narrativas que
produziu. Mas como agentes e pensantes, os seres sociais, relacionados entre si pelas
complexas interações humanas, não se reduzem à vida material por eles forjada. As forças
históricas são múltiplas. Como homem de ação, Caio Prado Júnior não tomou consciência
disso retirando e lendo os livros das estantes. O conselho dado aos 60 anos de idade a jovens
formandos é de quem soube observar muito bem as experiências que a vida lhe proporcionou:
“Estou seguro que deixando de estudar nos livros, para estudarem no grande livro da vida,
vocês continuarão voltados para o ideal de um Brasil melhor, habitado por um povo mais
feliz”. 250
250 Discurso de paraninfo da turma de 1967 da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
(FCEA/USP), 7 de mar. 1967, código CPJ-CA012, AIEB-USP.
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Voz Operária
Dossiês do DEOPS – Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP)
Dossiê 20-C-011
Dossiê 20-K-124
Dossiê 24-Z-003
Dossiê 30-C-001
Dossiê 30-K-033
Dossiê 50-Z-009
Dossiê 50-Z-013
Livros, artigo, entrevista e discurso de Caio Prado Júnior
Evolução política do Brasil. São Paulo: Empresa Gráfica “Revista dos Tribunais”, 1933
Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1953.
Diretrizes para uma política econômica brasileira. São Paulo, 1954.
Esboço dos fundamentos da teoria econômica. São Paulo: Brasiliense, 1957.
Dialética do conhecimento. São Paulo: Brasiliense, 1963.
A revolução brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1966.
História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1969.
O estruturalismo de Levy-Strauss. O marxismo de Althusser. São Paulo: Brasiliense, 1971
114
História quantitativa e método da historiografia. Debate e crítica, n. 6, jul. 1975.
“É preciso deixar o povo falar”. Entrevista. Em Lourenço Dantas MOTA (coord.). A história
vivida. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1981.
Discurso de paraninfo da turma de 1967 da Faculdade de Ciências Econômicas e
Administrativas (FCEA/USP), 7 de mar. 1967, código CPJ-CA012, Arquivo do IEB-USP.
Correspondência de Caio Prado Júnior
Carta de Pascoal Barbosa a Caio Prado Júnior, 7 jun. 1954, código CPJ-CP-BARB005,
Arquivo do IEB-USP.
Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 24 jun. 1955, código CP-USPFD002,
Arquivo do IEB-USP.
Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 6 out. 1955, código CPJ-CP-USPFD003,
Arquivo do IEB-USP.
Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 22 mai. 1956, código CPJ-CP-USPFD004,
Arquivo do IEB-USP.
Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 8 jun. 1956, código CPJ-CP-USPFD008,
Arquivo do IEB-USP.
Carta de Paulo Duarte a Caio Prado Júnior. São Paulo, 6 jun. 1954, código CPJ-CP-SPES001,
Arquivo do IEB-USP.
Carta de Basílio Machado Neto a Caio Prado Júnior. Rio de Janeiro, 27 dez. 1956, código
CPJ-CP-CNC001, Arquivo do IEB-USP.
Carta de Basílio Machado Neto a Caio Prado Júnior. Rio de Janeiro, 23 dez. 1958, código
CPJ-CP-CNC003, Arquivo do IEB-USP.
Carta de Eugênio Gudin a Caio Prado Júnior. 7 set. 1957, código CPJ-CP-GUD001, Arquivo
do IEB-USP.
Monografias apresentadas ao concurso para a cátedra de Economia Política da FD-USP
GRELLET, Odilon de Araújo. Estudo sobre o trabalho. São Paulo, 1954.
ANTUNES, José Pinto. A produção sob o regime da empresa: as razões da iniciativa provada
– economia e direito. São Paulo: Edição Saraiva, 1964.
PORTO, José Luis de Almeida Nogueira. Contribuição para a teoria do lucro. São Paulo,
1954.
MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. A teoria moderna do crescimento econômico e o
problema do desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1954.
VEIGA, José Gláucio. Revolução keyneseana e marxismo. Recife, 1954.
Legislação
115
BRASIL. Lei de 11 de agosto de 1827.
BRASIL. Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931.
BRASIL. Decreto nº 6.283 de 25 de janeiro de 1934.
BRASIL. Lei federal 1.411, de 1º de agosto de 1951.
SÃO PAULO. Lei estadual nº 3.023, de 15 de julho de 1937.
Atas da Congregação da FD-USP
Ata da Congregação, 17 fev. 1954, 1ª sessão, Livro 15.
Ata da Congregação, 25 mai. 1954, 5ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 09 set. 1954, 8ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 05 out. 1954, 9ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 31 mai. 1955, 3ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 05 ago. 1955, 8ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 04 out. 1955, 9ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 20 out. 1955, 11ª sessão, Livro 16.
Ata da Congregação, 24 fev. 1956, 2ª sessão, Livro 17.
Ata da Congregação, 08 mai. 1956, 3ª sessão, Livro 17.
Ata da Congregação, 29 mai. 1956, 4ª sessão, Livro 17.
Ata da Congregação, 22 jun. 1956, 5ª sessão, Livro 17.
Ata da Congregação, 25 jun. 1956, 6ª sessão, Livro 17.
Relatórios anuais da FD-USP
Relatório das atividades da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1953).
Revista da Faculdade de Direito, v. 49, 1954.
Relatório das atividades da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1954),
Revista da Faculdade de Direito, v. 50, 1955.
Relatório das atividades da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1956).
Artigos e discursos publicados na Revista da Faculdade de Direito
LEME, Lino de Moraes. Discurso de paraninfo, pronunciado pelo Exmo. Sr. Professor Lino
de Moraes Leme, aos bacharelandos de 1955. Revista da Faculdade de Direito, v. 50,
1955.
MELO NETO, José Joaquim Cardoso de. Almeida Nogueira e a cadeira de Economia Política
na Faculdade de Direito. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
v. 48, 1953.
116
________. Uma escola de civismo. Revista da Faculdade de Direito, v. 49, 1954.
________. Discurso de Agradecimento do Professor Dr. J. J. Cardoso de Melo Neto, à
homenagem que lhe prestou a Congregação da Faculdade conferindo-lhe o Título de
Professor Emérito. Revista da Faculdade de Direito, v. 49, 1954.
Resoluções e documentos do Partido Comunista do Brasil (PCB)
III Conferência Nacional do PCB, 15 jul. 1946. In: CARONE, Edgar. O PCB. São Paulo:
Difel, 1982, (v. 2, 1943 a 1964), p. 65-71.
Manifesto de Janeiro, jan. 1948. In: CARONE, Edgard. O PCB, São Paulo: Difel, 1982, (v. 2,
1943 a 1964), p. 72-89.
Manifesto de Agosto, ago. 1950. In: CARONE, Edgar. O PCB. São Paulo: Difel, 1982, (v. 2,
1943 a 1964), p, 108-12.
Publicações
FURTADO, Celso. “O processo histórico do desenvolvimento”. In: Desenvolvimento e
subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado,
2009.
NOGUEIRA, José Luis de Almeida. Curso didáctico de economia política ou sciencia do
valor. São Paulo: Graphica São José, 1936.
SÃO PAULO. Conhecendo o Arquivo Histórico Municipal: os primeiros séculos na cidade de
São Paulo. DPH, 2008.
SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1978.
SIMONSEN, Roberto, GUDIN, Eugênio. A controvérsia do planejamento na economia
brasileira. Brasília: Ipea, 2010.
117
ANEXOS
Anexo 1
CICLO DE DEBATES - CAIO PRADO JR.
Faculdade de Direito da USP
1) Caio Prado Jr: Trajetória Intelectual e Política
- Bernardo Ricupero (FFLCH-USP)
- Sofia Padua Manzano (USJT-SP)
§ Mediador: Jorge L. Souto Maior (FD-USP)
§ 20/05, segunda-feira, das 19h às 22h
§ Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico
2) Caio Prado Jr: Contribuições à História Econômica e ao Direito Econômico
- Lincoln Secco (FFLCH-USP) 251
- Gilberto Bercovici (FD-USP)
§ Mediador: Marcus Orione (FD-USP)
§ 22/05, quarta-feira, das 19h às 22h
§ Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico
3) Caio Prado Jr. e o Pensamento Brasileiro
- Alexandre de Freitas Barbosa (IEB-USP)
- Rubem Murilo Leão Rêgo (IFCH-UNICAMP)
§ Mediador: Alessandro Octaviani (FD-USP)
§ 24/05, sexta-feira, das 19h às 22h
§ Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico 252
4) Caio Prado Jr.: da Formação à Revolução Brasileira
- Rodrigo Ricupero (FFLCH-USP)
- Angélica Lovatto (UNESP)
§ Mediador: Marcus Orione (FD-USP)
§ 28/05, terça-feira, das 19h às 22h
§ Local: Sala da Congregação, Faculdade de Direito da USP, 1º Andar, Prédio Histórico
251 Lincoln Secco não compareceu ao Ciclo de Debates por motivos de trabalho.
252 Neste dia, em função do tamanho do público presente, os debates foram transferidos para um auditório da
Faculdade de Direito.
118
Anexo 2253
USP presta homenagem ao historiador Caio Prado Jr.
A Universidade de São Paulo nunca contou com o historiador Caio Prado Jr. em seu quadro de
professores. Ontem, ela se redimiu do equívoco no ano em que comemora 50 anos de existência,
prestando-lhe uma homenagem. Uma das salas do Departamento de História da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas foi batizada com seu nome. Para homenagear Caio Prado Jr., que confessou estar
emocionado com o reconhecimento do seu trabalho e com a presença de amigos, estiveram presentes o
sociólogo Florestan Fernandes, os professores Edgard Carone, Fernando Antônio Novaes, Simão
Matias, Aziz Simão, Carlos Guilherme Mota, Antônio Cândido, o senador Severo Gomes, o
historiador Eduardo Maffei, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, entre outros. O ex-dirigente do
Partido Comunista Brasileiro e o publicitário Carlito Maia enviaram congratulações.
O sociólogo Florestan Fernandes pediu o reconhecimento da obra de Caio Prado Jr., para ele um
pioneiro, “um intelectual da raiz do cabelo à ponta do pé”, que soube aliar a criatividade intelectual, a
audácia política (foi deputado pelo PCB) ao trabalho sistemático. Lembrou ainda seu trabalho ligado a
diversas áreas, entre a geografia, sociologia, história, economia, além de analista dos aspectos políticos
da sociedade brasileira.
Fernandes sugeriu ao Departamento de História da USP que promova uma análise mais
profunda de sua obra. O professor Antônio Cândido elogiou a bravura e o inconformismo do
historiador que, aliados ao seu sendo da realidade “o levaram a conhecer o Brasil como poucos”. O
professor de História Moderna Fernando Antônio Novaes observou que, com a tendência de retomar o
estudo a historiografia atual, não só a obra como a bibliografia de Caio Prado Júnior devem ser
retomadas. “Há um consenso de que sua obra é um marco. Mas sugiro aos estudiosos que precisem
seu lugar no contexto da geração de 30, na historiografia brasileira e na história do marxismo
americano. A melhor homenagem que se pode prestar é refletir sobre sua obra.”
Ainda, o professor Edgard Carone ressaltou a visão do historiador, para quem a sociedade é
analisada com um todo. E o professor Aziz Simão, da geração de Caio Prado, citou sua obra
“Formação do Brasil Contemporâneo” e “Evolução política do Brasil”, como trabalhos significativos.
“Caio Prado sempre foi um homem sereno, cortês. Se me dissessem que era um bolchevique eu não
acreditaria. Ele tinha um espírito democrático que acompanha todo o seu trabalho”, disse, fazendo rir
uma plateia lotada de jovens. No final, Caio Prado Júnior só foi capaz de agradecer às homenagens.
“Essas coisas todas que disseram me tocaram muito, é minha vida. Estou muito emocionado”, disse.
253 Folha de S. Paulo, 2 mar. 1984, p. 23.
119
Anexo 3 254
ADVOCACIA
CÂNDIDO TEOBALDO DE SOUZA ANDRADE
RAIMUNDO PASCOAL BARBOSA
HELIO FIORILLO
Meu caro amigo Caio Prado:
Está, agora, aberto o concurso para a Cátedra de Economia Política, na nossa Faculdade
de Direito. Junto, lhe envio a página do Diário Oficial que publica o edital respectivo.
O concurso fora, anteriormente, suspenso, em virtude do recurso feito pelos
economistas, os quais se julgavam com direito à inscrição, sem apresentar o título de bacharel
ou doutor em direito. Foram atendidos e, conforme você poderá notar da leitura do edital, têm
eles direito à inscrição, com a simples apresentação do título de economista.
O pessoal está certo de que você se inscreverá. E, por outro lado, tenho “espalhado”, na
Faculdade que você irá concorrer ao concurso. Acredito que você deverá se inscrever. De
notar que não há nenhum “peixe” da congregação. Não há, sequer, docente livre da cadeira.
Não tenhamos ilusão: não darão, tudo indica, a você a cadeira. Uma docência livre,
porém, você terá chance de ganhar...
Temos que vencer estas “barreiras”, pois não acreditamos em “ilegalidade”. Fiz o
primeiro ano do curso de doutorado e fui plenamente aprovado, principalmente nas duas
cadeiras nas quais apresentei teses, cuidando de assuntos ligados aos princípios que adoto
para explicar o destino social do mundo. E os mestres (Mota Filho e Basileu Garcai [sic]),
nem sequer tocaram no assunto. Discordaram de outras coisas...
Portanto, prepare-se. Algum esclarecimento procure o Flávio Mendes (creio que você o
conhece). É pessoa muito distinta e amigo meu.
Um abraço do
Pascoal Barbosa
7.6.1954
PRAÇA DA BANDEIRA, 40 - 5º PAVIMENTO – CONJUNTO 5-D
CAIXA POSTAL, 538 – TELEFONES 34-9367 E 35-1299
SÃO PAULO
254 Carta de Pascoal Barbosa a Caio Prado Júnior, 7 jun. 1954, código CPJ-CP-BARB005,
Arquivo do IEB-USP.
120
Anexo 4 255
CONCURSO DE ECONOMIA POLÍTICA
Pontos para a prova escrita
1. Classificação das doutrinas econômicas contemporâneas.
2. Das flutuações e dos ciclos econômicos.
3. A especialização das funções econômicas.
4. A política econômica e a técnica na produção.
5. O problema da unificação do mercado mundial.
6. Os principais fatores do desequilíbrio econômico.
7. O salário, o valor e os sistemas monetários.
8. Os preços, a concorrência e os monopólios.
9. Teorias sobre a variação entre os diversos ramos de renda, e crítica às mesmas.
10. Protecionismo e livre câmbio.
11. O equilíbrio econômico do consumidor, e suas variações.
12. A produtividade do capital.
13. Os custos e as rendas.
14. O funcionamento das sistemas monetários e o mecanismo do câmbio.
15. A concentração da indústria.
16. O custo de produção decrescente nas grandes empresas.
17. O desenvolvimento dos mercados internos. A força de defesa da economia nacional.
18. O capitalismo comercial e a sua teoria.
19. Os preços e os mercados.
20. Popança e inversão – hipóteses, objetivos, oportunidades, comparações.
21. Equilíbrio econômico interno e internacional.
22. Interpretações orgânicas das crises, após a 2ª guerra mundial.
23. A evolução dos fenômenos econômicos.
24. A produção e o consumo.
25. A conjuntura econômica nacional.
SECRETARIA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO,
29 de maio de 1956.
Flavio Mendes
- Secretário -
255 Carta da Faculdade de Direito à Caio Prado Júnior, 22 mai. 1956, código CPJ-CP-USPFD004, AIEB.
121
Anexo 5 256
Ilmo. Sr.
Delegado Chefe do “S.S”
DOPS.
Prezado senhor:
Cumprindo determinações dessa Chefia, assisti ao exame oral verificado ontem, dia 13, na
Faculdade de Direito de S. Paulo quando concorria à cátedra de Economia Política o bacharel Caio
Prado Junior, e do observado tenho a informar o seguinte:
Inicialmente, Caio Prado Junior foi examinado pelo professor Correia, de Minas Gerais, quando
confessou claramente que era comunista e que acreditava piamente nas doutrinas de Karl Marx.
Durante seu exame fez diversas considerações do atual regime da União Soviética, afirmando que o
socialismo era consequência natural do capitalismo e que não havia necessidade de forçar nenhuma
conjuntura para se chegar a tal fim.
No correr dos trabalhos, afirmou Caio Prado Jr. que, pela tese da concentração dos capitais, os
Estados Unidos se encontravam no seu mais absoluto desenvolvimento, onde as propriedades se
concentravam nas mãos de poucos particulares e que, por este fato, encontravam-se os Estados Unidos
mais próximo do que o Brasil do regime socialista, pois, bastava que o Estado substituísse os
particulares na direção das empresas privadas. Esta facilidade não seria possível no Brasil, como não
esta sendo possível na China, pois, estes ainda não chegaram a tal ponto de desenvolvimento.
Ao ser arguido pelo catedrático Gofredo da Silva Telles Jr., que apresentou questões relativas à
metafísica e dialética, houve forte discordância de opiniões, pois, como se sabe Gofredo da Silva
Telles Jr. é elemento reconhecido como integralista, e não poderia haver acordo de doutrinas.
O exame findou aproximadamente às 20,45 hrs., tendo sido o último examinador o catedrático
Lino Leme, que fez diversas considerações vernaculares da tese apresentada. O prazo regulamentar
findou quando o examinando fazia justificações técnicas de seu trabalho.
O salão nobre da Faculdade apresentava-se com inúmeros elementos comunistas da Faculdade e
também estranhos a ela.
Durante a prova não houve manifestação alguma da parte dos comunistas.
Era o que tinha a informar.
256 Relatório de investigação do DOPS sobre o exame oral prestado por Caio Prado Jr. no concurso à cátedra de
Economia Política da Faculdade de Direito da USP. Dossiê 50-Z-013 (430), fundo DEOPS, APESP.
122
Anexo 6 257
Concurso para provimento da cadeira de Economia Política
Despertou grande interesse nos círculos jurídicos, a arguição, ontem, do candidato Caio
Prado Júnior – Os trabalhos de hoje.
Com a arguição do candidato Caio Prado Júnior prosseguiram ontem os trabalhos do concurso
para o provimento da cátedra de Economia Política, da Faculdade de Direito. Pelo fato de ser o
candidato dirigente de prol do extinto Partido Comunista Brasileiro e de se ter inscrito no concurso
com uma monografia que reflete suas ideias políticas, a prova despertou inusitado interesse nos
círculos jurídicos desta Capital. Perante enorme assistência, que lotava o salão nobre da Faculdade,
iniciaram-se os trabalhos às 15 horas, prolongando-se até cerca de 21 horas.
A monografia do sr. Caio Prado Júnior, intitulada “Diretrizes para uma política econômica
brasileira”, sofreu cerradas críticas, do ponto de vista do fundo e de forma, dos cinco membros da
comissão examinadora, professores Dias Correa, Alberto Deodato, Edgard Schneider, Godofredo Silva
Teles e Lino de Moraes Leme.
Em seu trabalho, que é uma decorrência de suas convicções políticas, o sr. Caio Prado Júnior
aponta como principal diretriz para uma política econômica brasileira a estruturação dos mercados, a
política dos mercados. Todavia, esclarece o autor que não foi seu objetivo traçar, na monografia, um
programa para a política de mercados, apresentando apenas indicações esquemáticas e exemplos, mais
ou menos coordenados, que pretendem unicamente oferecer alguns aspectos concretos daquela
política. Para o sr. Caio Prado Jr. nas circunstâncias atuais da economia brasileira, qualquer
modificação substancial da sua linha de evolução depende, principalmente, do deslocamento da base
em que ela ainda assenta, e que é o mercado externo, para o mercado interno. Nessas condições, trata-
se de organizar esse mercado, pois falta-lhe ainda estrutura suficiente e substância; e de tê-lo
constantemente em vista na planificação e orientação de qualquer política econômica. O objetivo que
se deve ter em mira, sempre, é construir no Brasil uma nova estrutura econômica que em todas as suas
partes se harmonize para a realização do fim a que realmente se deve destinar: produzir para a
satisfação das necessidades dos indivíduos que dela participam e a fazem funcionar.
Segundo o sr. Caio Prado Jr., a transformação do sistema de nossa economia não é e não pode
ser fruto de um processo espontâneo e sim, há de se realizá-lo por meio de uma política expressamente
orientada com conhecimento dos fins que se objetivam. Ela importa, assim, numa ação deliberada
sobre os fatos da vida econômica e social e numa intervenção muitas vezes profunda, porque as
circunstâncias em jogo são de vulto, no dinamismo daqueles fatos. Falando sobre as implicações
257 O Estado de S. Paulo, 14 jun. 1956, p. 11.
123
jurídicas disso, afirma o sr. Caio Prado Jr. que, fundamentalmente, não se trata de modificações
substanciais de nossa estrutura jurídica, isto é, das relações de propriedades e, particularmente, da
propriedade privada dos meios de produção, em que se funda o regime atualmente em vigor no Brasil.
Mesmo porque, diz o sr. Caio Prado, a política econômica por ele preconizada o é dentro das relações
capitalistas de produção.
O sr. Caio Prado Júnior manifesta-se, em sua dissertação, contra as aplicações de capital
estrangeiro no Brasil, a favor do monopólio estatal do comércio exterior, e de uma reforma agrária,
com a modificação do estatuto da propriedade fundiária, cujo titular deverá ser aquele que
efetivamente inverta na exploração da terra o seu trabalho e os seus recursos. No plano político-
jurídico, a destruição do atual sistema colonial da economia brasileira requererá uma nova estruturação
jurídico-legal das novas relações econômicas que se propõem no processo de transformação do
sistema colonial.
A destruição do sistema colonial, com a liberação das forças anticolonialistas já presentes no
interior da atual estrutura econômica do País, não será obra para o sr. Caio Prado Júnior, das forças do
socialismo, que apenas se esboçam entre nós, mas sim, ainda das próprias forças do capitalismo,
configuradas, politicamente por um proletariado industrial em franco desenvolvimento, por um
campesinato já esboçado e por uma burguesia industrial e comercial livre de compromissos para com
o imperialismo e capital financeiro internacional, bem como de contingentes e da pressão desse
capital.
Na opinião do sr. Caio Prado Jr. por força das circunstâncias dominantes na economia brasileira,
a ação das forças econômicas impulsionadas pelo livre jogo da iniciativa particular e condicionadas
unicamente pelos estímulos do interesse individual imediato não são suficientes para superar as
contingencias do sistema colonial e não se encaminharão para a reestruturação da economia brasileira
na base de um capitalismo nacional. Diz, ainda nessa ordem de ideias, que a insuficiência e a
inconveniência desse livre jogo da iniciativa particular deixada a si própria (e cuja expressão político-
jurídica é o liberalismo) e se observa particularmente bem porque o processo de contradições do
sistema colonial se precipitou no setor das relações financeiras internacionais, onde as restrições à
liberdade de transações – intercâmbio comercial e troca de moeda – mostram que os fatos foram mais
fortes que os preconceitos e oposições do liberalismo.
Todavia, o sr. Caio Prado Júnior diz que isso não implica um intervencionismo do Estado que
exclua a iniciativa privada e a ela se substitua.
Julga o sr. Caio Prado Júnior que não é administrativamente nem politicamente que se realizará
a reforma do atual sistema colonial da economia brasileira. Não há condições para isso, nem
econômicas nem muito menos políticas. “Supor por exemplo – diz ele – que seja possível no Brasil e
nas circunstâncias atuais um regime socialista com a entrega a órgãos estatais da responsabilidade pela
124
direção e manejamento total das forças produtivas do País, é se não fantasia de visionário, certamente
maneira disfarçada de entravar as reformas que desde já se impõem e que não precisam aguardar um
socialismo ainda irrealizável.”
Os trabalhos de hoje
Prosseguirão hoje, os trabalhos do concurso, às 14 foras, com a arguição do bacharel Gláucio
Pinto Veiga258, que apresentou monografia intitulada “Revolução keyneseana e marxismo”.
258 O jornal se refere, na verdade, a José Gláucio Veiga.
125
Anexo 7 259
Prefácio à 1ª edição
Stálin, decidindo sobre os projetos do manual oficial de economia soviética, que lhe foram
apresentados, definiu, em documento datado de 21 de abril de 1952, como sendo característico
fundamental da sociedade socialista a “garantia da máxima satisfação das necessidades materiais e
culturais, sempre crescentes, de toda a sociedade, por meio do ininterrupto aumento e aperfeiçoamento
da produção, segundo uma técnica superior.”
Ora, se assim fosse, não existiria diferença entre a economia soviética e a liberal, porque esta
também visa à maior e melhor satisfação dos desejos humanos, materiais e culturais, pelo
aperfeiçoamento continuado da técnica produtiva. Seriam ambas idênticas, como economias do bem-
estar.
A distinção fundamental entre uma economia e outra está no fato de o liberalismo considerar
atingível aquele objetivo pela iniciativa privada, por conseguinte, de forma natural, pelo livre jogo dos
interesses pessoais que, por fim, coincidem com o coletivo. Por isso, ao Estado cabe somente presidir
a esse processo produtivo individualista, para que o interesse pessoal não degenere em egoísmo, a
liberdade, em licença ou luta destruidora de energias produtivas. E maior intervenção estatal somente
se justifica quando é omissa. Insuficiente ou inadequada a iniciativa privada.
No socialismo, isto é, na economia soviética, não se deposita confiança na atividade do
indivíduo, porque ele é tido como psicologicamente corrompido pelo capitalismo. O homem que aí
está, dizem, deixado na sua liberdade de iniciativa, não realiza o bem comum, ao contrário, sacrifica
tudo ao seu interesse pessoal.
Segue-se então, a consequência política – é necessário que os privilegiados senhores do ideal
comunista, preliminarmente, se apoderem de tudo e de todos, a fim de condicionarem o meio social
para a parturição do homem novo, a quem, então, poderá ser restituída a liberdade integral e anárquica,
característica da uma sociedade sem Estado ou comunitária. Assim, também, a economia obedece ao
plano construtivo geral, enquadrada em ordens sucessivas deste Poder revolucionário, porque criador
de uma ordem totalmente nova, até pela psicologia individual dos elementos humanos que a formarão.
Enfim, a distinção fundamental entre socialismo-soviético e capitalismo está no problema da
liberdade. O liberalismo respeita e exalta a pessoa humana pelos atributos que caracterizam a sua
dignidade. Desse modo, põe confiança na sua liberdade de ação. O sovietismo, ao contrário, descrê da
dignidade do homem atual e pensa fazê-lo de novo, ao modelo psicológico do seu Estado-Pedagogo.
259 ANTUNES, José Pinto. A produção sob o regime da empresa: as razões da iniciativa provada – economia e
direito. São Paulo: Edição Saraiva, 1964.
126
Daí o fato de a concepção democrática, de aplicação imediata, caracterizar o liberalismo na
ordem política; daí, também, a ditadura, o governo totalitário, o autoritarismo, em uma palavra – o
Estado-Providência ser a realidade nos países sob o signo da foice e do martelo. No liberalismo
político todos são iguais, imediatamente iguais. No regime soviético a elite governante ainda educa e
prepara o povo para a igualdade, porque somente o homem novo, feito à imagem dos homens do
Poder, possuirá as condições psicológicas para gozar da liberdade e igualdade generalizadas; a
democracia será a forma futura da convivência social, mas, por enquanto, é regime impróprio para
essa humanidade feita de homens corruptos.
São duas filosofias de vida, contraditórias pelos próprios princípios.
A nossa tese econômica se enquadra na filosofia de vida liberal.
Somente em um mundo livre é a empresa instrumento eficiente da produção.
A liberdade política condiciona a liberdade econômica.
O liberalismo econômico é a democracia na ordem econômica. E a Produção sob o regime da
Empresa constitui a forma avançada do liberalismo econômico, condicionado pelas liberdades
públicas.
Trata-se, pois, de tese liberal. Liberal em economia e política, porque a liberdade é uma só.
E nós somos convictamente liberais. Nas páginas seguintes, daremos, também, as razões dessa
convicção.
Não faz muito tempo, há pouco mais de vinte anos, ninguém ousaria, sem ápodos generalizados,
confessar a sua crença nas excelências da liberdade.
Mas a experiência sofrida pelos povos escravizados pelos Estados totalitários fez renascer, na
doutrina e no coração dos homens, a confiança nas instituições livres e o seu amor por elas.
E na economia, igualmente, já começam todos a confiar na liberdade como condição da maior e
melhor produção.
A liberdade, assegurada a todos por igual, dignifica e disciplina; também é fecunda na criação
de riquezas.
O ultra-antigo é, bem assim, o ultramoderno. Voltou à moda o credo liberal. Assiste-se já, no
mundo democrático, à “aurora de um novo liberalismo” econômico.
Lorena, no Estado de S. Paulo, em 1º de julho de 1953
J. Pinto Antunes
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IMAGENS
Figura 1: Sala Caio Prado, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP, batizada com o nome do autor em 1º de março de 1984.
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Figura 2: Vitral central da escadaria da Faculdade de Direito da USP (térreo), de Conrado
Sorgenicht, representando o antigo convento franciscano, demolido para a construção do novo
prédio da Faculdade.
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Figura 3: Vitral central da escadaria da Faculdade de Direito da USP (1º andar), de Conrado
Sorgenicht, representando a missa que é considerada o marco de fundação de São Paulo,
criado a partir de pintura de Oscar Pereira da Silva, pertencente ao Acervo do Museu
Paulista/USP.
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Figura 4: Vitral lateral esquerdo da escadaria da Faculdade de Direito da USP (1º andar), de
Conrado Sorgenicht, representando o Pátio do Colégio.
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Figura 5: Vitral lateral direito da escadaria da Faculdade de Direito da USP (1º andar), de
Conrado Sorgenicht, representando a Partida das Monções, criado a partir de pintura de José
Ferraz de Almeida Júnior, pertencente ao acervo do Museu Paulista/USP.
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Figura 6: Vitral central da escadaria da Faculdade de Direito da USP (2º andar), de Conrado
Sorgenicht, representando o grito da Independência, criado a partir de pintura de Pedro
Américo, pertencente ao acervo do Museu Paulista/USP.
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Figura 7: Monumento aos acadêmicos de direito mortos em 1932, de Adriana Janacópolus.
No bloco de mármore que serve de suporte a um busto de voluntário, lê-se os seguintes versos
de Tobias Barreto: “Quando se sente bater / No peito heroica pancada, / Deixa-se a folha
dobrada / Enquanto se vae morrer.” Em seu verso, estão gravados os nomes dos estudantes
que tombaram: José Maria de Azevedo, Cezar Penna Ramos, José Preisz, Argemiro Alves
Sylvestre, Ary Carneiro Fernandes, Nelio Baptista Guimarães e Hermes de Oliveira Cezar.
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Figura 8: Placa afixada em um das paredes do saguão de entrada, oferecida pelo Instituto Argentino-luso-brasileño de
Cultura de Santa Fé, em homenagem à Faculdade de Direito de São Paulo.
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Figura 9: Placa alusiva ao movimento de 1932, gravada com poema de Ibrahim Nobre,
afixada em uma das pilastras do pátio das arcadas e inaugurada nas festividades de 9 de julho
de 1957.
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Figura 10: Placa afixada em uma das paredes do pátio das Arcadas, em homenagem à José Pinto Antunes.
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Figura 11: Retrato de José Pinto Antunes, na parede do Museu da Faculdade de Direito.