desenvolvimento sustentável de territórios rurais · implantação do programa nacional de...
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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE (UNIVALE)
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais:A experiência do Território Médio Rio Doce em Minas Gerais.
Edina Maria da Silva
Governador ValadaresFevereiro de 2010
EDINA MARIA DA SILVA
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE TERRITÓRIOS RURAIS:A EXPERIÊNCIA DO TERRITÓRIO MÉDIO RIO DOCE
EM MINAS GERAIS.
Monografia apresentada ao curso de Ciências Sociais da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito à obtenção do título de graduação em Ciências Sociais.
Orientadora: Profª. Cláudia Gonçalves Pereira
Governador Valadares
Fevereiro de 2010
2
Dedico este trabalho a minha família. Aos meus pais
Zilda e José Matilde que são os responsáveis por ser quem sou
e por um dia terem sonhado me ver alcançando esse lugar.
Aos meus irmãos Edimar, Edvâneo, Edeir, Tiago e Carlos
Henrique pela partilha dos primeiros passos nesta vida que
entre erros e acertos seguimos aprendendo a viver melhor e ao
meu filho Samuel pelo imenso amor e compreensão.
3
Agradeço a Deus pela vida e por me permitir subir esse
degrau, ao Centro Agroecológico Tamanduá por ter me
proporcionado a oportunidade de estágio na elaboração do
PTDRS que foi a origem do meu interesse por estudar o tema
do desenvolvimento territorial e por ter disponibilizado seus
arquivos para o desenvolvimento da pesquisa, e à Angélica,
Edvâneo e professora Cláudia pelo auxílio na localização de
bibliografia.
4
RESUMO
A promoção do desenvolvimento vem a décadas sendo protagonizada por grandes empresas
e instituições internacionais que implantam modelos de desenvolvimento sob a justificativa
de acabar a pobreza e elevar os níveis econômicos dos países do terceiro mundo. Esse
processo que ocorreu com ações localizadas e/ou setorial teve influência direta no campo e
sobre os camponeses e pode ser dividido em 3 fases, sendo a primeira de cunho puramente
economicista baseada no PIB nos anos de 1950, a segunda onde se agrega a partir dos anos
de 1960 a preocupação em melhorar qualitativamente a produção – é nesse momento que
inicia a inserção dos pacotes tecnológicos – e a terceira fase tem início nos anos de 1980
quando os habitantes passam a serem percebidos como integrantes do sistema e, portanto
fundamentais para atingir o desenvolvimento ao lado dos recursos naturais e do capital.
Estas fases vão se sucedendo à medida que os programas de desenvolvimento
implementados pelas instituições correspondentes vão fracassando. Assim, a partir de
avaliações e de reivindicações sociais, desde o ano de 2003 o governo brasileiro vem
implementando um novo modelo de desenvolvimento para o campo desta vez com enfoque
territorial. O que se propõe nesse trabalho é descrever e analisar a experiência de promoção
do desenvolvimento rural sustentável com enfoque territorial no Médio Rio Doce em Minas
Gerais. Para tanto, procura-se identificar o contexto histórico que resultou na formulação e
implantação do programa nacional de desenvolvimento sustentável de territórios rurais do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, descrever o contexto histórico da região sobre a
qual vem sendo implantada a política de desenvolvimento territorial e descrever e analisar a
experiência de implantação do Território Médio Rio Doce.
Palavras-chave: Território e desenvolvimento.
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SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................ 7
Capítulo I
O Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais................................ 9
1. Antecedentes.................................................................................................................. 9
2. A formulação e implantação do PRONAT.................................................................... 15
Capítulo II
O Território Médio Rio Doce: Contexto histórico............................................................ 24
Capítulo III
A implantação do PRONAT no Território do Médio Rio Doce........................................ 37
Considerações Finais....................................................................................................... 47
Referências....................................................................................................................... 50
Anexo: Declaração do Fórum Terra, Território e Dignidade............................................ 54
6
INTRODUÇÃO
A política de desenvolvimento com enfoque “territorial” adotada recentemente pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA como estratégia para a promoção do
desenvolvimento de espaços rurais brasileiros é experimentada no Médio Rio Doce a partir
do ano 2003. Esta estratégia que tem como foco a redução da pobreza no campo, o
fortalecimento da Agricultura Familiar e a promoção da gestão e do controle social das
políticas públicas, vêm sendo posta em prática pela Secretaria de Desenvolvimento
Territorial – SDT – uma instância criada na estrutura do MDA – através do Programa
Nacional de Desenvolvimento de Territórios Rurais – PRONAT.
Este trabalho descreve e analisa a experiência de promoção do desenvolvimento rural
sustentável com enfoque territorial no Médio Rio Doce, sendo este integrante de um
conjunto de 12 territórios criados através do PRONAT em Minas Gerais e cerca de 120 no
país. A metodologia adotada baseou-se na pesquisa bibliográfica e documental utilizando
relatórios, atas e outros registros produzidos no processo de articulação e organização do
Território, em informações e dados disponibilizados por instituições locais principalmente
pelo Centro Agroecológico Tamanduá – CAT quem assume diretamente o trabalho de
articulação e acompanhamento das ações desde o início em 2003.
Para compreender em que consiste a proposta de desenvolvimento rural com enfoque
Territorial e como esta vem sendo desenvolvida no Território Médio Rio Doce, este trabalho
foi dividido em três capítulos sendo que o primeiro busca identificar o contexto histórico
que resultou na formulação e implantação do programa nacional de desenvolvimento
sustentável de territórios rurais pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, retomando às
experiências desencadeadas a partir da 2ª Guerra Mundial quando os Estados Unidos da
América (EUA) em 1949 assumiu para si a tarefa de promover o desenvolvimento visando
melhorar o padrão de vida das populações dos países não desenvolvidos. A partir de então,
foram sendo aperfeiçoadas noções teóricas e operativas, bem como criadas instituições que
respaldariam o modelo desenvolvimentista que se impunha no contexto internacional e
assim, esse modelo vem sendo reformulado na medida em que os programas de
desenvolvimento implementados pelas instituições correspondentes vão fracassando.
No segundo capítulo procura-se descrever o contexto histórico da região do Médio
Rio Doce, sobre a qual vem sendo implantada a política de desenvolvimento territorial.
7
Nesse sentido, é feito um breve histórico do processo de ocupação da região (com enfoque
no rural) apontando seus resultados até os dias atuais com forte efeito sobre a população
mais pobre que foi ao longo da história sendo excluída do acesso às oportunidades
propagadas como de desenvolvimento e de redução da pobreza.
É importante, salientar que o processo de ocupação e desenvolvimento dessa região
vem sendo marcado pela disputa de pelo menos dois projetos de desenvolvimento
antagônicos, sendo um de caráter economicista e outro com forte conotação sócio ambiental,
construído pelos diferentes atores sociais da região. O primeiro desterritorializa a população
camponesa para dar lugar à criação de gado, a monocultura de eucalipto para fabricação e
exportação de celulose e, para a construção de barragens hidroelétricas, por exemplo. O
segundo propõe a construção coletiva de um modelo de desenvolvimento que seja
sustentável e solidário com base no fortalecimento da agricultura familiar, na recuperação e
conservação ambiental, na produção agrícola diversificada e no resgate e valorização da
diversidade cultural existente no meio rural.
Por fim, o terceiro capítulo descreve e analisa a experiência de implantação do
Território Médio Rio Doce, trazendo a sua concepção, principais instituições envolvidas,
estrutura organizativa, metodologia para definição dos projetos apontando avanços e
problemas na execução do PRONAT e na promoção de fato do desenvolvimento sustentável
com justiça social.
Além de descrever e analisar a experiência de promoção do desenvolvimento rural
sustentável com enfoque territorial no Médio Rio Doce, este trabalho pode também
despertar no meio acadêmico o interesse em desenvolver estudos que contribuam para a
compreensão do Território em diversos aspectos vindo servir inclusive de subsídio para
orientar intervenções futuras.
8
CAPÍTULO I
O Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais
1. Antecedentes
Após a 2ª Guerra Mundial havia uma situação de pobreza1 extrema das colônias que
se tornavam independentes e a necessidade de reconstrução dos países industrializados
afetados pela guerra. Tal contexto aliado às idéias de John Maynard Keynes2 apontavam
para a necessidade de uma intervenção na economia com vistas a elevar os níveis de
desenvolvimento dos países.
As idéias de John Maynard Keynes influenciaram a macroeconomia moderna, tanto
na teoria quanto na prática. Ele defendeu uma política econômica de Estado
intervencionista, através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para
mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos. Após a eclosão da Segunda Guerra
Mundial, suas idéias foram adotadas pelas principais potências econômicas do Ocidente.
Hanry S. Truman ao fazer o seu discurso inaugural como Presidente dos Estados
Unidos em 1949, apresenta uma visão de desenvolvimento baseada no progresso industrial.
No discurso, o presidente utiliza pela primeira vez, o termo “áreas subdesenvolvidas” se
referindo aos países com baixo nível de progresso industrial. A partir dessa data os Estados
Unidos assumiram para si a tarefa de promover o desenvolvimento, visando melhorar o
padrão de vida das populações dos países não desenvolvidos como forma de assegurar a paz.
Com isso, foram se aperfeiçoando noções teóricas e operativas, bem como criadas
instituições3 que respaldariam o modelo desenvolvimentista que se iniciava em um contexto
internacional.
Illich e Escobar (2000) dividem este processo em três fases de limites difusos que
vão se sucedendo à medida que os programas de desenvolvimento implementados pelas
instituições correspondentes vão fracassando: a 1ª fase começaria nos anos de 1950 e
culminaria em 1962 com uma maior ênfase no crescimento, visando a “operacionalização da
pobreza”, com a Organização das Nações Unidas – ONU tendo papel de destaque nesta
1 Pobreza entendida como algo “além da privação de rendimentos. Seria a negação de escolhas e oportunidades para viver uma vida aceitável”. (Relatório de Desenvolvimento Humano – 1997, publicado pelo PNUD - Programa das Nações Unidas). 2 Considerado um dos mais importantes economistas do século XX.3 Exemplos: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco interamericano de Desenvolvimento e Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento.
9
empreitada. É nesta fase que se escolhe o Produto Nacional Bruto – PNB como indicador
para separar “países pobres” de “países ricos”. A 2ª fase começa no período de 1960 e 1970,
quando fracassa esta visão que associava crescimento com incorporação ao “grupo dos
países desenvolvidos”. Em 1973 o Banco Mundial reconhece que o PNB não é o melhor
indicador de crescimento, pois exacerba as desigualdades na distribuição de renda,
admitindo que apenas o crescimento econômico não significava desenvolvimento, sendo
necessário melhorar qualitativamente a produção para melhorar o nível de vida das
populações dos chamados “países subdesenvolvidos”. A 3ª fase tem início nos anos de 1980,
quando os habitantes passaram a ser percebidos como variáveis endógenas para atingir o
desenvolvimento ao lado dos recursos naturais e do capital. A partir de então o
desenvolvimento econômico aparece ligado ao desenvolvimento social.
De acordo com Gomes (2002) o planejamento do desenvolvimento iniciado em
1950 em escala nacional, se reduz nos anos de 1960 e 1970 à escala regional, e em 1980
centra-se na escala local. É também em 1980 que ocorre a incorporação das mulheres e das
questões ambientais no planejamento do desenvolvimento, agora adjetivado com o termo
sustentabilidade conforme Escobar (2000). Nos anos 1990 houve uma definição e aporte de
recursos para incentivar o planejamento do desenvolvimento local. Ainda de acordo com
Gomes (2003) o enfoque local foi mais uma ferramenta para promover o desenvolvimento
na lógica do capital, na medida em que “anula” o conflito capital versus trabalho via
participação e consenso de “todas as forças sociais”.
A promoção do desenvolvimento é desencadeada por profundas transformações na
agricultura em todo o mundo. É a partir de 1960 que foi colocado em prática um plano
baseado na invenção e disseminação de sementes e práticas agrícolas que permitiriam um
aumento significativo na produção agrícola em países menos desenvolvidos. O novo modelo
se baseia na intensiva utilização de sementes melhoradas (sementes híbridas), insumos
industriais (fertilizantes e agrotóxicos), mecanização e diminuição do custo de manejo, uso
extensivo de tecnologias para plantio e colheita, assim como no Gerenciamento de
produção. Esse plano passou a ser chamado de “Revolução Verde” que de acordo com
Görgen (2004), seus idealizadores a chamaram assim, porque com o plano, prometiam
esverdear a terra e aumentar a produção agrícola, produzindo tantos alimentos que
acabariam com a fome no planeta. Na realidade, Revolução Verde é uma expressão genérica
que serviu para abarcar o processo de transformações tecnológicas e econômicas no meio
rural.
10
As invenções usadas na 2ª Guerra Mundial, especialmente máquinas e produtos
químicos também passaram a serem utilizados em larga escala na produção agrícola. Essas
mudanças começaram a chegar ao Brasil com maior intensidade por volta de 1960 com o
apoio dos Estados Unidos iniciando um processo de “modernização” das formas tradicionais
de produção agrícola. Grandes investimentos científicos foram feitos nas áreas de mecânica,
química e biologia com o objetivo de introduzir a mecanização agrícola, os insumos
químicos (fertilizantes e agrotóxicos) para as plantas, sementes melhoradas, medicamentos
veterinários e cruzamentos genéticos entre animais.
O fato é que a fome não acabou e, ao contrário do que se prometia, ampliaram-se as
desigualdades sociais, aumentaram-se os latifúndios concretizando o uso da terra como
simples mercadoria. Desde então, a agricultura vem sofrendo com as sucessivas
transformações desse modelo tecnológico de produção, as quais promoveram a saída de
milhões de brasileiros do campo dando lugar aos grandes latifúndios de pecuária extensiva e
monoculturas, em sua maioria destinadas ao mercado externo, pois os pequenos agricultores
não conseguiram financiar os gastos necessários para acompanhar a Revolução além de
terem se tornado dependentes das sementes modificadas uma vez que elas não se
reproduzem. Dos pacotes agroquímicos também resultaram a forte degradação ambiental e
cultural dos agricultores tradicionais.
Em todo o mundo, os verdadeiros beneficiados nesse processo foram as grandes
corporações farmacêuticas, agroquímicas e petrolíferas que monopolizaram o controle sobre
o mercado de fertilizantes, agrotóxicos, equipamentos e transformaram a produção de
sementes em um grande negócio, deixando os agricultores de modo geral dependentes dos
seus produtos.
A exemplo da Monsanto,4 grandes corporações investem no controle sobre os
processos biológicos e na matéria-prima da vida com a produção de produtos homogêneos
manipulados geneticamente – os transgênicos. Nessa mesma lógica, amplia-se a
mercantilização e privatização de todos os recursos da natureza, pois, tudo é considerado
fonte de riqueza e dessa forma, toda matéria prima passa a ser processada por uma
tecnologia para que seja agregado valor. Segundo Pacheco (2005) em entrevista concedida à
Revista Proposta, esse caminho vem resultando na consolidação do controle da cadeia
alimentar por um grupo cada vez mais reduzido de empresas agroindustriais transnacionais.
4 A Monsanto é uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia. É conhecida como líder mundial na produção do herbicida glifosato, vendido sob a marca Roundup e na produção de sementes geneticamente modificadas (os transgênicos).
11
Ainda de acordo com Pacheco (2005), desde a década de 1980, os Estados Unidos
passaram exigir a propriedade intelectual para invenções industriais e exigir também o
direito de monopólio através de patentes sobre seres vivos e o conhecimento. Assim, a
primeira lei de patente sobre ser vivo (micro organismo geneticamente modificado) foi
aprovada neste país em 1980.
De lá pra cá, diversas ações vem sendo feitas pelas indústrias farmacêuticas e
bioquímicas no sentido de ampliar seus direitos e monopólios a exemplo da empresa Rocher
Yves Vegetale que registrou nos EUA, Europa e Japão a patente sobre a produção de
cosméticos ou remédios que usem o extrato da andiroba (Carapa guianensis Aubl) muito
usada pelos povos da Amazônia como repelente de insetos, contra febre e como cicatrizante;
da empresa Asahi Foods que patenteou o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), considerado
uma fruta exótica da Amazônia, muito comum em Porto Velho, para produzir o cupulate,
chocolate de cupuaçu e da empresa britânica The Body Shop que patenteou o extrato da sua
fruta para produção de cosméticos e; do laboratório americano Abbott que sintetizou para
fins comerciais uma toxina analgésica retirada do sapo (Epipedobetes tricolor), 200 vezes
mais potente do que a morfina. Esse sapo vive nas árvores da Amazônia (inclusive
Rondônia)5.
Pode-se perceber a partir das ações citadas, que o pano de fundo das propostas
desenvolvimentistas está baseado nos interesses econômicos de poucas e ao mesmo tempo
grandes corporações multinacionais. Assim, as ações prioritárias são aquelas que irão de
alguma forma atender os interesses do capital. Neste sentido, já pode ser percebida no
discurso do desenvolvimento a utilização de alguns termos que visam justificar e tornar
impercebível a apropriação e coisificação de tudo como, por exemplo, os termos: capital
social, capital humano, capital natural, capital físico e capital político. Para se ter idéia, o
conceito de capital natural cunhado pelo Banco Mundial em 1993, inclui todos os recursos
utilizados pela humanidade a exemplo do solo, água, minerais, árvores e do ar. e também os
sistemas como savanas, florestas, oceanos. Percebe-se que o conceito pode abarcar qualquer
coisa e dessa forma, tudo pode virar capital.
Até mesmo a reforma agrária6 como proposta política de promoção de mudanças
estruturais no campo, passou a ser nas últimas décadas, encarada pelos governos como
mercadoria, predominando a chamada reforma agrária de mercado, com programas de 5 Notícia veiculada no Jornal Estadão do Norte (versão on-line) dia 07/08/2007. http://www.estadaodonorte.co m.br/canal.php?canal=45&id=41848. Acesso em 10/10/09.6 O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964) considera “Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.
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crédito propostos e financiados pelo Banco Mundial a exemplo do Cédula da Terra, Banco
da Terra e por último, o Crédito Fundiário adotados pelo governo brasileiro. Esses
programas visam proporcionar um alívio da pobreza e promover uma reforma agrária
pacífica, sem conflitos. Segundo os teóricos da Via Campesina7, os programas eliminam o
conceito de luta de classes ao utilizar o mecanismo de compra e venda negociada de terras.
Além disso, os programas não excluem os latifúndios improdutivos contrariando o preceito
legal que determina a desapropriação como principal instrumento para obtenção de terras
improdutivas. A Constituição Brasileira estabelece no capítulo III, Artigo 184 que as terras
agrícolas devem cumprir sua função social, ou seja, devem produzir alimentos e respeitar as
leis ambientais e trabalhistas. Caso contrário, o governo deve desapropriar estas áreas com
tamanho superior a 15 módulos fiscais,8 para fins de reforma agrária e assentamento de
famílias sem terra.
Enquanto tudo isso é considerado como avanço das “ciências da vida”,
paradoxalmente assisti-se profundas transformações como o aquecimento global, que
colocam em questão a própria vida no planeta terra. Isso vem demonstrar que o modelo de
desenvolvimento até então adotado não é sustentável.
Quando no início de 1990 os movimentos sociais principalmente os do ocidente e
movimentos de base da Índia faziam campanha por um desenvolvimento alternativo,
ecologicamente sustentável e a favor dos pobres em contraposição ao modelo hegemônico
imposto pela nova ordem mundial (globalização)9, “temiam exatamente que juntamente com
a fome e a pobreza da maioria da população, pudessem ser conduzidas políticas que
provocassem mundialmente, uma rápida redução dos recursos naturais” (Sheth, 2003. p. 92).
O fato é que a globalização logo incorporou o discurso da sustentabilidade tornando-a
palavra-chave dos mega projetos, no entanto, para além do discurso ideológico, a prática
continuava carregando a velha idéia de desenvolvimento.
Com o novo discurso, muitos movimentos e organizações não governamentais foram
de certa forma cooptados, perdendo seu impulso de transformação social ao terem adquirido
uma base financeira sustentada pelos fundos de agências financiadoras internacionais que 7 A Via Campesina é um movimento internacional que agrega diversas organizações de campesinos objetivando defende os valores e os interesses dos seus membros. Consultar em: http://www.viacampesina.org/main_sp/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=27&Itemid=44. Acesso em 14/06/09.8 Na região do Território Médio Rio Doce 15 (quinze) módulos fiscais equivale a 450 hectares.9 Segundo Santos (2002) trata-se de um processo complexo que atravessa as mais diversas áreas da vida social, da globalização dos sistemas produtivos e financeiros à revolução nas tecnologias e práticas de informação e comunicação, da erosão do Estado nacional e redescoberta da sociedade civil ao aumento exponencial das desigualdades sociais, das grandes movimentações fronteiriças de pessoas como emigrantes, turistas ou náufragos, ao protagonismo das empresas multinacionais e das instituições financeiras multilaterais, das novas práticas culturais e identitárias aos estilos de consumo globalizado.
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buscam influenciar os discursos nos países periféricos. Isso facilitou que o modelo de
desenvolvimento globalizante seguisse seu curso impondo uma cultura de consumismo,
desfazendo comunidades, culturas e modos de subsistência dos pobres. Em contraponto a
isso, Sheth (2003. p. 95) afirma que os indianos encaram e resistem à globalização
considerando-a como a “encarnação da velha idéia de desenvolvimento criando novas
formas de exclusão social”.
No Brasil, os movimentos sindicais e sociais que atuam no campo se movimentaram
na década de 1990 propondo políticas alternativas que pudessem promover o
desenvolvimento local sustentável. A partir dessas mobilizações e negociações, foi criado no
período o Ministério do Desenvolvimento Agrário com a função de promover a reforma
agrária, atuar no reconhecimento, demarcações, identificações, titulações e delimitações de
áreas ocupadas por descendentes de comunidades de características de quilombos, além de
promover o Desenvolvimento Sustentável no Brasil na área da agricultura familiar. Além
disso, foi criado no período o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
– PRONAF, composto por várias linhas de crédito e recursos para infra-estruturas e serviços
a fundo não reembolsável. Para ser beneficiado, é necessário comprovar o enquadramento
na categoria de agricultor familiar que basicamente consiste em residir na área rural ou em
local próximo, utilizar mão-de-obra familiar, que tenham renda familiar predominantemente
originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento quer sejam
proprietários, arrendatários, parceiros, assentados da Reforma Agrária, remanescentes de
quilombos e indígenas. Além disso, estes não podem deter a qualquer título, área maior do
que 4 (quatro) módulos fiscais, sendo que esse critério, não se aplica às formas coletivas de
propriedade.
Para que os municípios (prefeituras) pudessem acessar os recursos do PRONAF
infra-estrutura e serviços10, também foram definidos critérios técnicos estabelecidos pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF, na Resolução n.º
27, de 28/11/2001 entre os quais podemos citar a predominância de agricultores familiares,
o baixo índice de desenvolvimento humano – IDH e a deficiência em infra-estrutura
produtiva. Além disso, os municípios deveriam elaborar um Plano de Desenvolvimento
Local Sustentável – PDLS, que é um documento norteador das ações a serem executadas,
visando o desenvolvimento rural do município e criar o Conselho Municipal e
Desenvolvimento Rural Sustentável – CMDRS com a finalidade de analisar e aprovar o
PMDRS, sugerir mudanças nas políticas municipais, estaduais e federais, promover
10 Modalidade não reembolsável destinada a investimento e custeio de ações com caráter de maior amplitude.
14
articulações para implementação do Plano, e auxiliar no acompanhamento e fiscalização da
aplicação dos recursos públicos. O Conselho é um fórum permanente de debate dos
interesses dos agricultores(as) familiares, formado por representações/instituições ligadas
aos mesmos, e por instituições que atuam no município. A proposta era pensar o
desenvolvimento a partir do local, das condições socioculturais, ambientais, enfim,
promovendo uma participação dos atores locais na definição das políticas públicas para o
meio rural. Atualmente, de acordo com a Resolução Nº 48 de 16/09/2004 do CONDRAF, o
Conselho deve ter como seus membros no mínimo 50% de representantes dos agricultores
familiares.
2. A formulação e implantação do PRONAT
Em uma avaliação feita no início de 2003 pelo governo federal em conjunto com as
organizações sociais que atuam no campo, detectou-se entre outros, que os recursos do
PRONAF destinados para infra-estruturas e serviços de apoio a agricultura familiar11 não
estavam atendendo os objetivos propostos. Identificou-se que os CMDRS não funcionavam
adequadamente, sendo em muitos casos, cooptados para atender aos interesses dos prefeitos;
que os projetos eram em sua maioria definidos pelos prefeitos e o CMDRS apenas
referendavam, ficando insignificante ou quase inexistente a participação social nos
processos; que ainda não eram definidas formas de gestão dos projetos e dessa forma,
muitos dos investimentos eram desviados para outras finalidades, e; os projetos tinham
pouco efeito prático, pois eram desenvolvidas ações isoladas de uma estratégia regional.
O documento “Referências para uma estratégia de Desenvolvimento Rural
Sustentável” elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT/MDA avalia
que as políticas públicas implementadas para o Desenvolvimento Rural no Brasil, ou foram
insuficientes ou não pretendiam mesmo proporcionar melhorias na qualidade de vida das
populações que habitam no interior brasileiro. Segundo o mesmo documento, análises
apontam para o aumento da pobreza, das desigualdades regionais, setoriais, sociais e
econômicas. Ficando nítida a necessidade de uma proposta inovadora capaz de promover
uma articulação das políticas nacionais com as iniciativas locais.
11 Os critérios que definem o que é agricultura familiar foram determinados pela Lei nº 11.326 aprovada em 2006.
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Sérgio Sepúlveda Rodríguez e Rafael Echeverri Perico – citados por Montenegro
Gómez (2008. sp) –, afirmam que o enfoque territorial apresenta questões decisivas para se
expandir o desenvolvimento territorial rural sustentável como:
Integracíon de los territorios rurales a su interior y com el resto de la economia nacional, su revitalizacíon y reestructuracíon progresiva, y la adopcíon de nuevas funciones y demandas, a partir de la integracíon de espacios, agentes, mercados y políticas públicas de intervencíon.12
O enfoque territorial é também defendido pelos movimentos sociais. “Terra,
Território e Dignidade”, foi o slogan do fórum que reuniu representantes de organizações
campesinas, em Porto Alegre num Fórum paralelo à Conferência Internacional de Reforma
Agrária e Desenvolvimento Rural promovida pela Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação – FAO, no período de 06 a 09 de março de 2006. Em declaração
do Fórum, as organizações campesinas defendem a inclusão da concepção de território no
processo de reforma agrária.
Isso implica o reconhecimento de suas leis, tradições, sistema de propriedade e instituições, assim como o reconhecimento das fronteiras territoriais e culturais dos povos. Tudo isso constitui o reconhecimento da livre autodeterminação e autonomia dos povos.
Revista Proposta (2005/06. p.109)
Entre as palavras de ordem do Fórum, podemos destacar: “Terra, Mar e Território
para viver. Terra, Mar e Território para sonhar. Terra, Mar e Território para afirmar
nossa dignidade, já”.
Teóricos que discutem a educação do campo também legitimam a idéia de território
como referência para os povos do campo.
(...) estamos estabelecendo a partir das próprias experiências vivenciadas pelos movimentos sociais uma série de reflexões teóricas que nos ajudam a interpretar e reorganizar as práticas em novos patamares de ação. Entre eles, está a necessidade de um Política Pública de Educação do Campo que contribua para reafirmar o campo como território legítimo de produção da existência humana e não só da produção agrícola.
Molina e Jesus (2005, p. 10)
12 “Integração dos territórios rurais e seu interior com o resto da economia nacional, sua revitalização e sua reestruturação progressiva, e a adoção de novas funções e demandas, a partir da integração de espaços, agentes, mercados e políticas públicas de intervenção”.
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Na realidade, é dos fracassos das fases anteriores definidas por Illich e Escobar
(2000) que surge a proposta de pensar o desenvolvimento rural considerando o território,
através de um processo de transformação produtiva e institucional de um determinado
espaço rural, mais uma vez com a finalidade de reduzir a pobreza rural.
As agências internacionais de apoio à cooperação e ao desenvolvimento, fundos de
financiamento e organismos multilaterais como o Instituto Interamericano de Cooperação
Agrícola - IICA, Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, Rede Internacional de
Metodologias de Pesquisas de Sistemas de Produção Agrícolas - RIMISP, Comissão
Econômica para a América Latina - CEPAL, FAO e o Banco Mundial, não só incorporaram
o discurso, como também têm como objetivo disseminar as novas bases do
Desenvolvimento Territorial Rural por toda América Latina. De acordo com Montenegro
Gómez (2008) desde o ano 2000, estes organismos vêm se reunindo através do Grupo
Interinstitucional para o Desenvolvimento Rural na América Latina –– um grupo de
trabalho onde se estabelecem agendas e ações comuns, visando qualificar as intervenções.
Os objetivos destas instituições convergem em torno de reformas institucionais,
aprofundamento dos mecanismos de mercado, o combate à pobreza, sustentabilidade e
participação da sociedade civil.
Segundo Montenegro Gómez (2008), a instituições internacionais dedicadas a
promoção do desenvolvimento propõem uma nova panacéia para o meio rural chamada
Desenvolvimento Territorial Rural, como um meio de consensuar o livre mercado com as
políticas sociais e por outro lado um consenso entre o modelo baseado no agronegócio e o
modelo baseado nas reivindicações dos movimentos sociais campesinos. A proposta tem
como referência, estudos, trabalhos e programas instaurados na União Européia e Estados
Unidos na década de 1990 que consideram o território de vital importância para o
desenvolvimento.
Estas instituições têm grande influência na definição das políticas principalmente dos
países periféricos ao capitalismo. Elas, além de financiarem projetos, produzem
conhecimentos científicos, fornecendo base às suas ações e têm um papel articulador que
envolve interesses e competências que vão desde o campo acadêmico, ao político e
econômico.
Ao que se percebe, o desenvolvimento com o enfoque territorial trata-se de uma
nova fase atualizada do mesmo modelo sendo promovido pelas mesmas instituições
responsáveis pelos fracassos anteriores. Ocorre que desta vez há todo um discurso de
respeito à pluralidade, as diferenças e a diversidade com um tratamento especial à
17
participação social na apresentação de demandas e no estabelecimento de consensos os quais
possibilitam a legitimidade dos processos e a pretensão de eliminar os conflitos.
Nesse sentido, propõe-se constituir uma nova institucionalidade capaz de incorporar
o estado, o mercado e a sociedade civil; diversificar a produção no meio rural baseando-se
nas potencialidades locais e fomentar a identidade territorial fortalecendo o capital social
como forma de consolidar o consenso entre diferentes grupos sociais permitindo um
desenvolvimento duradouro. De acordo com a concepção de Desenvolvimento Rural com
enfoque territorial adotada pelas instituições internacionais citadas anteriormente, o
território deve se constituir como um espaço plural, flexível, de cooperação, de
solidariedade e de articulação dos diferentes atores em torno do bem comum. Assim, o
desenvolvimento rural passa por um processo de transformação produtiva e institucional de
um determinado espaço rural cuja finalidade é reduzir a pobreza.
Nota-se que mais uma vez, os critérios que orientam as formulações das políticas de
desenvolvimento rural, são definidos fora dos contextos locais, são de cima para baixo. De
fato, imaginar um meio rural plural, flexível, onde as instituições de diferentes âmbitos e
interesses se disponham a conversar e a pactuar interesses em torno do bem comum, é no
mínimo uma visão simplista da realidade. Um território apresenta conflitos estruturais
próprios da sociedade capitalista, resultantes das políticas até então implementadas e outras
questões étnicas e religiosas, que não deixarão de existir em passe de mágica em função de
uma nova proposta trazida de fora.
Portanto, para que esse modelo de desenvolvimento proposto aconteça, a
participação social e a busca pelo consenso se fazem necessárias para o governo, pois se
espera com isso, promover o entendimento através do diálogo causando uma certa
tranqüilidade social, ou seja, evitando reações sociais contrárias ao governo e,
conseqüentemente diminuindo os conflitos. Se por um lado, a participação social na
construção de um projeto comum é democrática e permite estabelecer consensos, por outro
ela está sujeita a ser cooptada e usada como meio de legitimar o Estado e ainda diminuir a
autonomia e o poder de pressão das organizações sociais.
Para Montenegro Gómez (2008), o desenvolvimento rural com enfoque territorial é
mais uma proposta neoliberal13 com “rosto humano” servindo como uma anestesia para os
efeitos negativos das políticas anteriores, e também, muito óbvia para quem não pretende
promover mudanças estruturais. Segundo o mesmo, a prática da participação social é um dos
13 Ideologia baseada no liberalismo econômico, que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa empresarial rejeitando a intervenção do Estado na economia. (Boito Júnior, 1999).
18
pilares dessa proposta, sendo fundamental porquê legitima o processo com a sociedade
intervindo diretamente, opinando, decidindo enfim, constrói conjuntamente com Estado o
projeto; atende à limitação das funções do Estado ao substituir quadros próprios para
utilizar pessoal das instituições sociais (muitas vezes voluntários), o que permite uma
redução do papel do Estado e por fim, o controle social. Com a participação social, permite
ao Estado conhecer as instituições, os projetos e os interesses de quem participa; por outro
lado essa participação é restrita a poucas possibilidades, servindo na realidade apenas para
ratificar perante um público mais amplo, os interesses de uma minoria hegemônica, pois, o
Estado não destina recursos financeiros nem humanos suficientes para enfrentar seus
problemas, mesmo porque o interesse é manter o controle sobre o processo e sobre a
sociedade.
Esta proposta se sustenta principalmente nas reivindicações dos movimentos sociais
– como os que integram a Via Campesina – que propõem o reconhecimento da concepção
de território e a participação dos beneficiários das políticas no processo de elaboração e
implementação das mesmas conforme consta na declaração do Fórum: Terra, Território e
Dignidade, realizado em 2006 na cidade de Porto Alegre. No entanto, a política tal como
está elaborada e organizada parece vir atender aos interesses do Estado, pois é ele quem
define as regras do jogo e com isso garante o controle sobre os processos como, por
exemplo, a institucionalização dessa participação como algo praticamente obrigatório
através de conselhos municipais e outras instâncias inter institucionais ao nível territorial.
Contudo, o MDA espera com essa proposta livrar da pobreza cerca de 1/4 da
população, estabelecendo mecanismos de estímulo à sua inclusão de forma digna no
processo de desenvolvimento do Brasil. Espera-se ainda que não sejam repetidos os mesmos
erros do passado, atendendo a alguns setores ou regiões.
No documento “Referências para uma estratégia de desenvolvimento rural
sustentável no Brasil” o MDA afirma que para enfrentar as assimetrias que persistem nos
níveis de desenvolvimento de vastas camadas sociais e de diversas regiões brasileiras – as
quais sempre assolaram o meio rural – é fundamental “reconhecer a importância da
agricultura familiar e do acesso a terra como dois elementos capazes de enfrentar a raiz da
pobreza e da exclusão social no campo” (2005, p. 10).
A agricultura familiar tem capacidade de absorver mão-de-obra e gerar renda, pois
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2006), embora
ocupando apenas 24,3% da área total dos estabelecimentos rurais, o setor produz 38% do
19
Valor Bruto da Produção (VBP) nacional e ocupa 74% do total de pessoas que trabalham na
agricultura.
A partir do exposto, a reforma agrária deve ser considerada o elemento central de
uma política de correção das desigualdades sociais, sendo que o direito a terra é inalienável,
pois esse é o principal passo para que os agricultores e suas famílias tenham acesso a
habitação, aos mecanismos de apoio a produção e aos serviços públicos essenciais.
Para o MDA, os territórios devem buscar estratégias de encaminhamento para
resolver as questões fundiárias, considerando as demandas sociais, as políticas e os
instrumentos disponibilizados pelos governos Federal e Estadual. No entanto, de nada
resolve distribuir a terra, se não for aliado a isso, políticas de investimentos e
disponibilidade de serviços públicos que viabilizem as condições para que a agricultura
familiar se desenvolva como fomentadora do desenvolvimento territorial sustentável.
Embora essa proposta do governo brasileiro seja recente, outros países a exemplo da
Espanha, México e União Européia já desenvolvem políticas nacionais de Desenvolvimento
Rural com enfoque Territorial. No Brasil, a abordagem Territorial surge através do MDA, a
partir de todos esses acúmulos e das reivindicações de setores públicos e de organizações da
sociedade civil que avaliaram a necessidade de articular as políticas nacionais com as
iniciativas locais. Em 2003 o governo federal decidiu pela criação Secretaria de
Desenvolvimento Territorial – SDT no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário e
pela formulação do PRONAT para o qual foram direcionados os recursos do PRONAF
infra-estrutura e serviços.
No nível conceitual, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial define Território
como:
Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo cidades e campos, caracterizados por critérios multi-dimensionais, tais como o ambiente, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial.14
Este conceito adotado pela SDT está ligado à idéia de domínio ou de gestão de
determinada área. Assim, também está associada à idéia de território as idéias de poder, quer
14 Documento “Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil” publicado pela SDT/MDA em 2005, p. 28.
20
seja público, estatal, quer da iniciativa privada que estendam seus interesses por grandes
áreas territoriais, além das fronteiras políticas.
Com a abordagem, o foco das políticas passa a ser o território, pois nesse é possível
combinar proximidade social, o que favorece a solidariedade e a cooperação, com a
diversidade de atores sociais, melhorando a articulação das ações e dos serviços públicos,
organizando o acesso aos mercados e construindo uma identidade própria visando favorecer
a coesão social e territorial. Ela tem uma visão integradora dos espaços, atores sociais,
agentes, mercados e políticas públicas de intervenção e busca desenvolver ações que
contemplem em seus resultados uma combinação de 4 dimensões do Desenvolvimento
Sustentável: econômica, sociocultural, ambiental e político-institucional.
O PRONAT como um programa estratégico, tem o papel de facilitar a integração das
políticas públicas ao nível territorial buscando organizar as demandas em torno da
construção e gestão de um Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS e de
fortalecimento dos atores sociais para a gestão social.
Segundo o Secretário de Desenvolvimento Territorial, Humberto Oliveira: “o
desenvolvimento rural, não acontecerá espontaneamente como resultado da dinâmica das
forças políticas, econômicas, sociais e culturais que atuam no Território”·.15 É preciso que
sejam elaboradas políticas públicas capazes de promovê-lo. Assim, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário através da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, incorpora e
assume um novo padrão proposto de desenvolvimento com base local, buscando a
sustentabilidade.
Com esse objetivo, o PRONAT visa apoiar a organização e o fortalecimento
institucional dos atores sociais locais e promover a gestão participativa do desenvolvimento
sustentável dos territórios rurais, e, para tanto, propõe ordenar o processo de formulação do
direcionamento que se pretende dar ao conjunto de medidas e políticas públicas, projetando
as condições que se aspiram alcançar durante e após o processo de intervenção. A proposta
metodológica é promover uma articulação entre Estado/Governo e a Sociedade/Instituições
em um processo que vai desde um diagnóstico, à formulação e validação, articulação com
outros atores e implementação, de forma que haja uma participação integral dos atores
sociais locais, permitindo que possam ser feitos aperfeiçoamentos ajustando os instrumentos
às condições locais.
15 Documento “Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil” publicado pela SDT/MDA em 2005, p. 4.
21
Com esse ordenamento, esperam-se induzir reações ascendentes que expressem o
desenvolvimento e o protagonismo dos atores locais envolvidos. Como estratégia
metodológica, a implementação do programa compõe-se de 3 fases, sendo que na primeira
está previsto a construção do PTDRS, mobilização e capacitação dos atores sociais,
investimentos em infra-estrutura pública, formação de institucionalidades para gestão social,
formulação de programas ajustados às características do território, dinamização da sua
economia e formulação de projetos específicos; na segunda, o apoio deve concentrar no
fortalecimento das institucionalidades e dos empreendimentos solidários, oferecendo
capacitação e consolidando a gestão social; na terceira, serão enfatizadas parcerias externas,
participação em rede e cooperação interterritorial. Está previsto uma média de 5 anos para a
implementação de cada uma destas fases, através das quais os atores vivenciarão um ciclo
de planejamento e de gestão e se capacitarão para adaptar e aperfeiçoar este processo.
O ciclo deve articular políticas públicas e desenvolvimento territorial de forma a se
completar quando os impactos e resultados passarem a integrar um processo de revisão e
aperfeiçoamento do ordenamento. O ideal é que esse processo seja contínuo, permitindo
uma permanente sintonia entre as demandas sociais e as ofertas das políticas públicas.
Para orientar as ações territoriais, a SDT através do PRONAT estabelece quatro
diretrizes:
→ Ampliação e fortalecimento da Agricultura familiar;
→ Reforma Agrária;
→ Inclusão social e combate à pobreza rural e;
→ Promoção do desenvolvimento sustentável dos
territórios rurais.16
Nessa estratégia, são estabelecidos momentos em que o PRONAT atua como
apoiador (ofertando recursos) e o território deve reagir com auto-organização (apresentando
demandas, projetos).
Por ser um programa de abrangência nacional, é mais que correto considerar que os
territórios são heterogêneos e compostos por uma diversidade de atores, de interesses e
outras características, as quais os distinguem uns dos outros. Para integrar os espaços,
atores sociais, agentes, mercados e políticas públicas de intervenção buscando o
desenvolvimento harmônico com todos os atores locais envolvidos em uma estratégia
16 Documento “Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil” publicado pela SDT/MDA em 2005, p. 19.
22
comum, é fundamental estimular e favorecer a coesão social e territorial. Nesta perspectiva,
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF através da
Resolução 52 de 16 de fevereiro de 2005 recomenda a constituição de uma nova
institucionalidade de nível territorial com o objetivo de promover a participação social e
ampliar os espaços de gestão e controle social das políticas públicas.
Essa nova institucionalidade de nível territorial tem nomenclatura variada de
território para território, porém, elas têm formatos semelhantes ou iguais a de um conselho,
ou seja, são espaços colegiados que congregam diferentes atores e interesses para definir de
forma compartilhada, os rumos que devem perpassar o desenvolvimento do território. A
partir delas, são feitos planejamentos, definem-se projetos, modelos de gestão dos
empreendimentos públicos, estabelece-se momentos de avaliação e medidas corretivas ao
processo.
23
CAPÍTULO II
O Território Médio Rio Doce: Contexto histórico
O Território do Médio Rio Doce atualmente conta com uma população rural de
aproximadamente 52.000 pessoas é compreendido pelos municípios de Açucena, Alpercata,
Coroaci, Frei Inocêncio, Galiléia, Governador Valadares, Marilac, Mathias Lobato, Nacip
Raydan, Periquito, Santa Efigênia de Minas, São Geraldo da Piedade, São José da Safira,
Sardoá, Sobrália, Tumiritinga e Virgolândia conforme mapa a seguir.
Mapa – Dividido por micro-regiões.
O Território ocupa uma área de 7.534 km² e está situado na região Leste de Minas
Gerais sendo banhado pelo Rio Doce e dois de seus principais afluentes, o Rio Suassuí
Grande e o Rio Corrente. É uma região com baixo IDH com uma média de 0,740 enquanto
24
que a média do Estado é 0,773 e a nacional é 0,766. Destaca-se com o piores índices os
municípios de Nacip Raydan com 0,611, seguido por São José da Safira com 0,614.17
O Território que era coberto por floresta e ocupado por povos indígenas (Botocudos)
considerados ferozes e antropófagos18 despertou nos colonizadores uma “crença enraizada
de que a mata escondia fabulosas riquezas minerais em ouro e pedras preciosas” (Espindola,
2005, p. 418) motivo pelo qual se justifica todos os investimentos rumo à ocupação
territorial que pretendia através de um projeto – sem sucesso – de navegação fluvial no Rio
Doce, abrir o acesso de Minas Gerais para o mercado mundial.
Assim, a densidade das florestas, as febres, a dita bravura dos povos indígenas que
ali habitavam e mesmo interesses políticos, dificultaram desde 1550 as tentativas de
ocupação e exploração das riquezas minerais existentes na região e em seus arredores.
A ocupação do Território só veio concretizar recentemente (século XIX) e foi
estimulada, inicialmente, pelo estabelecimento de um circuito mercantil, ligando o Rio Doce
ao mar no Estado do Espírito Santo, pela exploração da madeira, mantendo-se os interesses
de exploração econômica dos recursos naturais. Na seqüência, a construção da Estrada de
Ferro Vitória a Minas, iniciada em 1903 e concluída na década de 1930 e a construção da
Rodovia Rio-Bahia aumentaram o povoamento na região, especialmente ao longo das
margens do Rio Doce.
A intensidade dessa atividade transformou o cenário da região, antes coberta por
floresta tropical. Observa-se que a ocupação se deu de forma bastante espoliadora dos
recursos naturais e concentradora de terra e riquezas. Concomitante à atividade madeireira, a
exploração mineral, especialmente a mica, ocupou lugar de destaque, com grande relevância
econômica nas décadas de 1940 a 1960.
Após o ciclo da madeira, especialmente nas décadas de 1950 a 1970, a atividade
agropecuária tornou-se relevante no Território, estimulada pela política nacional de
modernização da agricultura e expansão de fronteiras. Logo as áreas desmatadas foram
sendo substituídas por pastagens naturais ou introduzidas, e por outras culturas. O solo fértil
da região, recém desmatada, facilitou a expansão da pecuária extensiva e de culturas como a
cana-de-açúcar, o café e o milho.
Em 1960 foi implantado na região o Parque Siderúrgico, hoje conhecido como “Vale
do Aço”, que associado à construção da Ferrovia Vitória a Minas e da rodovia Rio-Bahia –
que cortam o Território – contribuíram para a aceleração do processo de ocupação.17 Fonte: SDT/MDA e Instituto Potiguar, a partir de coleta de dados do Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil (PNUD e IPEA, 2004).18 Aquele que se alimenta de carne humana.
25
Segundo Espindola (2005), a maior parte da população que se dispôs a enfrentar o
Território era formada de mestiços (pardos) e negros pobres, vivendo de culturas de
subsistência, da caça, pesca e coleta. Também vieram gente ambiciosa que devastou as
matas e se enriqueceu com o comércio de madeira nativa, peles e animais vivos, tornando-se
fazendeiros.
Aventureiros, oportunistas de todo tipo, jagunços, garimpeiros, prostitutas, fabricantes de aguardente, taberneiros, canoeiros do comércio de sal, tropeiros entre outros, juntaram-se aos praças das divisões militares, aos índios aculturados na saga do sertão. À medida que se intensificava o povoamento de determinada área, entravam em cena os especuladores de terras, gente que conseguia sesmarias ou abria posse com o único objetivo de, posteriormente, vendê-las por um preço especulativo.
(Espindola. 2005. p. 419)
Verifica-se que assim, as vias do desenvolvimento adotadas na região passaram pela
exploração econômica dos recursos naturais (madeira, pedras preciosas e mica), pela
concentração fundiária, centralização política, pela atividade pecuária e monocultura de
produtos como a cana-de-açúcar em meados do século XX e o eucalipto nas últimas
décadas. Práticas extrativistas e predatórias ainda permanecem sendo adotadas nas
atividades produtivas e econômicas resultando no desaparecimento da floresta, esgotamento
dos solos, comprometimento dos cursos d’água e reduzindo a capacidade de
sustentabilidade econômica.
Essas atividades juntamente com a ineficiência ou inexistência de investimentos em
infra-estrutura, educação, transporte, saneamento, incentivos à produção agrícola e a geração
de renda, que de fato beneficiasse as populações camponesas, contribuíram para o aumento
do êxodo rural que acentuou nas últimas décadas. Dados de 2000 revelam que a população
rural que representava 44,67% da população total do Território em 1970 reduziu para
14,16% em 2000 significando 49.123 pessoas na zona rural e 297.963 na zona urbana, ou
seja, em 30 anos a população rural reduziu em 30,41%. Além disso, o Território apresenta
altos indicadores de pobreza e de analfabetismo chegando em alguns municípios a uma
situação extrema, com 50% ou mais dos domicílios em situação de pobreza, ou seja, estes
apresentam saneamento inadequado e seus responsáveis têm renda de até 1 salário mínimo/
mês e freqüentaram escola por menos de 4 anos.19
Uma vez excluídas as oportunidades de geração de ocupação e renda no meio rural,
escasseiam-se as possibilidades de êxito no campo. Isso vem reforçando a migração campo-19 Fonte: SDT/MDA e Instituto Potiguar, a partir de coleta de dados do IBGE, 2000.
26
cidade ou campo-estrangeiro (Estados Unidos e Europa) como a alternativa que mais se
ajusta à solução das necessidades imediatas das famílias. Está aí um aspecto importante
relacionado à mobilidade social que se apresenta no Território, tanto no espaço urbano como
rural, proporcionado pela migração internacional. Nota-se que o processo migratório aponta
os primeiros emigrantes em 1964 e a partir da segunda metade da década de 1980 é que esse
processo passou a ocorrer com grande intensidade. Esse fenômeno migratório vem atingir a
população rural a partir das décadas de 1990 e 2000 e, embora com menor intensidade,
permanece até os dias atuais. De acordo com CAT (2004), a migração vem sendo no meio
rural, uma importante fonte de renda dos agricultores familiares, ao lado dos benefícios
previdenciários (aposentadorias e salário maternidade) e do gado de corte e leite.
O fenômeno da migração pode ser visto como resultado do modelo de
desenvolvimento adotado no país que exclui a população rural do acesso a direitos
essenciais como saúde, saneamento básico, lazer e educação de qualidade.
De acordo com Molina e Jesus (2005, p. 82),
a visão que ainda prevalece na sociedade é a que considera o campo lugar atrasado, do inferior, do arcaico. Essa falsa imagem consolidou um imaginário que projeta ou espaço urbano como caminho natural único do desenvolvimento, do progresso, do sucesso econômico, tanto para indivíduos como para a sociedade. (...) Camponeses, indígenas e quilombolas são vistos por setores da sociedade como inferiores, não merecedores dos direitos e das garantias legadas aos moradores de grandes centros urbanos. Essa negação de direitos é facilmente constatada a partir da precariedade de condições de vida em que se encontram populações de áreas rurais.
Pode-se notar que na prática, os educadores das escolas do campo carregam forte
influência desta visão e conseqüentemente, contribuem para desqualificar a cultura
camponesa. Tudo isso tem contribuído com a diminuição da auto-estima daqueles que
vivem no campo e do campo e alimentando nestes, a idéia de ter uma vida melhor nas
cidades e no exterior, o que muitas vezes resulta em decepção, pois não estão qualificados
para atender a lógica do mercado e, portanto não encontram os meios necessários à
realização dos seus “sonhos”.
Dentre as dificuldades que são comuns aos municípios do Território destacam-se a
intensa degradação do solo, que pode ser atribuída a vários fatores, dentre eles: a
predominância do relevo montanhoso, o tipo de ocupação e uso do solo (ou seja, eliminação
quase total da vegetação primitiva), da monocultura20, o pastoreio intensivo, o uso de
20 Plantio de um único produto numa vasta região.
27
queimadas, a exploração mineral e a ausência de práticas adequadas de manejo e
conservação do solo. E, recentemente há um volume grande de projetos de barragens a
serem implantados atingindo vários municípios do Território, no entanto, ainda não se sabe
a dimensão dos impactos que podem surgir dessa ação. Só no município de Coroaci são 5
projetos com licença para instalação, em Açucena 2 barragens em fase de construção, 1 em
Frei Inocêncio, 1 em Virgolândia, 1 em Marilac, 2 em Governador Valadares sendo que 1 já
foi inaugurada, dentre outros.
Outro aspecto que merece destaque é a conseqüente perda do potencial produtivo e
genético das sementes dos agricultores. A introdução de variedades híbridas manipuladas
geneticamente pelas indústrias do setor agroquímico tem provocado a perda de materiais
genéticos selecionados e conservados ao longo do tempo pelas famílias de agricultores.
Essas variedades de híbridos são exigentes em insumos e não estão adaptadas às condições
dos agricultores familiares. Porém, com o apoio da mídia regional e nacional, do Estado
através dos serviços de assistência técnica que no caso de Minas Gerais é prestado pela
Empresa de Assistência Técnica – EMATER e dos bancos que condicionavam a liberação
de financiamentos ao plantio de determinados produtos incentivando a monocultura e a
aquisição dos insumos (adubos e venenos), utilização de maquinário, equipamentos de
irrigação e outros componentes do “pacote tecnológico”. Segundo Görgen (2004), as
empresas que controlam esse mercado conseguiram propagar suas idéias prometendo maior
produtividade. Assim, os agricultores adquiram essas sementes e acabaram por perder ou
“contaminar” os seus próprios materiais genéticos adaptados às suas condições e
selecionados historicamente pelos seus antepassados (as denominadas sementes crioulas21).
Além disso, a formação acadêmica, estudos e pesquisas na área agrícola foram e ainda são
em sua maioria voltadas para atender aos interesses das grandes empresas que buscam
controlar o setor.
Contudo, a agricultura familiar em todos os municípios do Território se encontra em
condições de difícil viabilidade, tanto pela dependência em relação às indústrias produtoras
de sementes e insumos químicos, quanto pela evasão das famílias para a periferia das
cidades e para o exterior, principalmente dos mais jovens diminuindo assim a capacidade de
mão-de-obra e conseqüentemente de produtividade.
Desde a ocupação da região, a agricultura familiar é um setor que vem sofrendo com
a pressão do latifúndio (extensa propriedade rural) – que tem como marca a atividade 21 São sementes adaptadas às condições locais e selecionadas em campo pelos próprios agricultores os quais detém os conhecimentos e domínio sobre as mesmas. O método antigo e tradicional é o que mais assemelha à seleção natural na forma como ocorre em ecossistemas naturais.
28
pecuária extensiva – e com a ausência de políticas públicas voltadas para o setor. Entretanto,
apesar dos entraves que se apresentam ao seu desenvolvimento, a agricultura familiar – que
está distribuída em aproximadamente 350 comunidades entre elas, 9 assentamentos, 2
acampamentos e 4 remanescentes de quilombolas22 – se destaca na produção de alimentos
básicos e na ocupação da mão-de-obra no espaço territorial do Médio Rio Doce e tem se
fortalecido nos últimos anos a partir da ocorrência, no Território, de Assentamentos da
Reforma Agrária e da presença de Movimentos Sociais representativos da categoria, a
exemplo do Movimento Sem Terra – MST, do Movimento dos Pequenos Agricultores –
MPA e do Movimento de Mulheres Camponesas – MMC, além do Movimento Sindical e
Associativo.23
Nota-se que no Território existe hoje, pelo menos dois setores com projetos de
desenvolvimento e modos de produção antagônicos no meio rural, de um lado está
agricultura familiar e de outro o agronegócio (latifúndios e empresas rurais). Estes setores
surgem basicamente a partir da colonização no Brasil onde a Coroa Portuguesa e
posteriormente o Império concediam as terras – até então ocupadas por povos indígenas –
aos latifundiários, na forma de Sesmarias24. Assim, a prática do latifúndio concentrava as
melhores terras tendo sua produção baseada na monocultura de alguns produtos para
exportação, enquanto que os índios, os caboclos25 e camponeses foram sendo excluídos do
acesso a terra como um meio de torná-los submissos e de explorarem o seu trabalho.
Portanto, desde as suas origens, estes dois modelos apresentam conflitos entre si que
perpassam por toda a história do Brasil.
Para compreender melhor essa diferenciação entre o setor da agricultura familiar e o
agronegócio, segue uma descrição a respeito de cada um deles.
A agricultura familiar – entendida neste trabalho como uma forma de reprodução das
unidades produtivas familiares rurais brasileiras – é caracterizada por uma forma de produzir
no campo, por um modo de viver e de se relacionar com a natureza. Neste modelo, a
produção ocorre em pequenas áreas de terra, o trabalho é desenvolvido pelos membros da
família, sem a contratação de mão-de-obra assalariada. A produção é diversificada e
22 Conforme o Art. 2º do Decreto Federal nº 4.887 de 20 de novembro de 2003, “Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos (...), os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. Conforme o Art. 2º do Decreto Federal nº 4.887 de 20 de novembro de 2003.23 Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável. (CAT. 2004) e informações fornecidas por liderança do MST.24 Antiga medida agrária, usada para áreas de campo de criação.25 Indivíduo nascido de índia e branco (ou vice-versa), fisicamente caracterizado por ter pele morena ou acobreada e cabelos negros e lisos.
29
combina criação animal com criação vegetal e voltada para a subsistência (autoconsumo
familiar). O excedente dessa produção é direcionado ao mercado interno. De acordo com
Görgen (2004) – ao reportar às origens da agricultura “camponesa” – os agricultores
familiares detêm o controle da tecnologia utilizada, desde a seleção e conservação das
sementes e mudas, o controle de doenças, o conhecimento dos ciclos agrícolas, as aptidões
do solo, o beneficiamento (caseiro) de produtos, a construção de equipamentos e domínio de
técnicas utilizadas na construção de casas, galpões, cercas, pontes e “pinguelas”. Tudo muito
simples, porém eficaz e o mais importante é que são conhecimentos que estão sob o controle
dos próprios agricultores.
No Território – embora não fossem encontrados para esse trabalho, estudos com esse
foco – já é visível a parcela da agricultura familiar que vem perdendo essas características,
em virtude do avanço tecnológico promovido pelas grandes empresas controladoras do
mercado de sementes e insumos a exemplo da Monsanto. Os agricultores vêm perdendo o
controle dos conhecimentos populares se tornando dependentes das grandes empresas
(pacote tecnológico: sementes melhoradas, adubos químicos, agrotóxicos e equipamentos).
Como conseqüência do uso de tecnologias inadequadas, monocultura e criação
extensiva de gado, vem sendo constante o desgaste do solo e dos recursos hídricos, e,
conseqüentemente a diminuição da produção, empobrecimento e êxodo rural.
Nesse sentido, em 2006 o MPA desenvolveu um processo de formação e
mobilização no Território com o objetivo de estimular o resgate de sementes crioulas,
debater a questão ambiental e a situação vivida pelos agricultores. Também o CAT e a
Pastoral da Juventude Rural – PJR desenvolveram com o apoio do MDA e em parceria com
os sindicatos de trabalhadores rurais e associações um projeto de Assistência Técnica e
Extensão Rural – ATER que capacitou agentes locais que atuam junto às comunidades
fomentando a produção agroecológica (baseada na diversificação da produção e em
harmonia com o meio ambiente), resgatando a cultura, fortalecendo a agricultura familiar e
promovendo o desenvolvimento local sustentável.
Um elemento importante que também é característico da agricultura familiar é a
vivência em comunidade. Nela há espaço para a organização, para as festas, expressões
religiosas, culturais, políticas, trocas de experiências, para o aprendizado, para a existência e
solução de conflitos, para a celebração da vida e para a convivência com a morte. Tudo
adquire significado. Todos se conhecem e todos têm importância na comunidade, portanto,
há uma integração entre os membros/moradores. Mesmo num Território relativamente
pequeno, como é o caso do Médio Rio Doce, pode ser percebido a diversidade cultural
30
presente nas comunidades. Elas convivem e se adaptam às especificidades locais:
geográficas, ambientais, condições do solo e clima. É em meio a essa diversidade que se
constitui identidade, preserva tradições e produz sujeitos políticos que lutam pela
sobrevivência e por perspectivas de futuro.
A expressão agricultura familiar tem sido utilizada pelos governos e por muitas
organizações da sociedade civil. Segundo Carvalho (2005), as expressões pequeno produtor
rural, pequenos produtores e agricultura familiar adquiriram desde o início da década de
1990 conotações ideológicas, não por serem insuficientes para contemplar a diversidade das
formas de reprodução das unidades produtivas familiares rurais, mas porque foram
disseminadas no interior de um discurso teórico e político que afirmava o fim do
campesinato em duas categorias: aquela que seria transformada em empresa capitalista pelo
desenvolvimento das forças produtivas e aquelas que se proletalizariam ou permaneceriam
dependentes de apoios sociais das políticas públicas.
Assim, o conceito de camponês e campesinato defendido pela Via Campesina propõe
resgatar e afirmar a perspectiva teórica da reprodução social do campesinato na sociedade
capitalista a partir das teses da centralidade da reprodução da família camponesa e da sua
especificidade no contexto da formação econômica e social capitalista. Com esses conceitos,
objetiva-se abranger a totalidade das formas de reprodução das unidades produtivas
familiares rurais brasileiras. Embora Görgen (2004, p. 14), também teórico ligado à Via
Campesina tenha afirmado que
Não existe agricultura camponesa em estado puro. Ela está sempre marcada por contradições e enfrentamentos para a sua própria afirmação, assim como as permanentes pressões para o seu desaparecimento. Vive um processo contínuo de afirmação e de tentativas de varrê-la do mapa. Sua existência é sua resistência e sua luta permanente.
Por hora, como este trabalho se refere a um programa do governo federal o
PRONAT, que utiliza a terminologia agricultura familiar, o termo continuará sendo usado a
partir das características apresentadas anteriormente sem, portanto, considerar qualquer
componente ideológico que difere do modo de viver e conviver na terra, culturalmente
construído pelas populações tradicionais que ocupam o campo brasileiro. Nem tão pouco, há
intenção de contradizer o conceito defendido pela Via Campesina.
O outro setor, atualmente intitulado agronegócio, representa a nova fase do modelo
capitalista de produção – funcional aos grandes proprietários de terra. Este foi o setor que
31
mais adotou as medidas propostas pela Revolução Verde e é caracterizado pela concentração
da terra em grandes propriedades; utilização de mão-de-obra externa em muitos casos,
explorando os trabalhadores como demonstra os levantamentos da Comissão Pastoral da
Terra – CPT onde em 2004, foram denunciados casos envolvendo 6.075 trabalhadores em
situação de trabalho escravo em fazendas no Brasil; produção em larga escala (monocultura)
para atender o mercado (principalmente o externo) visando o lucro; aplicação intensiva de
adubos químicos e defensivos (venenos) no controle de doenças; utilização de sementes
geneticamente “melhoradas” buscando a resistência em relação às doenças e aos defensivos
químicos e o aumento da produtividade; melhoramento genético na criação de animais de
raça e utilização de máquinas e equipamentos sofisticados nas atividades. Percebe-se
também, que nesse modelo, há pouco vínculo por parte dos agricultores com a terra e com a
cultura local. Muitos vivem nas cidades e tem a terra apenas como meio de exploração
lucrativa.
Agronegócio é o nome fantasia escolhido para designar a nova onda de modernização conservadora do latifúndio brasileiro, comandado agora por grandes empresas multinacionais, no bojo da terceira fase da Revolução Verde. Modernização porque introduz novas e modernas técnicas de cultivo – mecânicas, químicas e biológicas. Conservadora, porque não altera em nada – antes aprofunda – a concentração da terra, as relações sociais e as relações de trabalho. O resultado concomitante é o aumento da produção junto com o aumento da miséria, da exclusão social, do trabalho escravo e da degradação ambiental.
(Görgen, 2004, p. 39).
No Território este setor tem apresentado prejuízos sócio ambientais e culturais
podendo ser identificados nas seguintes áreas: extração mineral, pecuária, monocultura de
eucalipto e barragens hidroelétricas. A extração mineral (pedras preciosas e cerâmica) ainda
praticada na região, embora constitua rentabilidade econômica foi e permanece sendo
desastrosa para o meio ambiente. Com ela, muitas nascentes desapareceram e
conseqüentemente, córregos e lagoas. Os que ainda resistem, estão completamente
assoreados, ou seja, suas calhas estão repletas de areia, argila e outros detritos que vão
levando ao seu desaparecimento. Não muito diferente ocorre com a pecuária de corte e leite.
Para a sua implantação foi necessário derrubar a mata, atear fogo, introduzir o capim e
ampliar o tamanho das propriedades e para tanto, muitos agricultores e posseiros foram
32
expulsos de suas terras pelos “grileiros”26 conforme relata Carlos Olavo Pereira no livro “As
Terras do Rio Sem Dono”.
Nas últimas décadas ampliaram-se as extensões de terra cobertas pela monocultura
do eucalipto produzido para fabricação de celulose pela CENIBRA – Celulose Nipo-
Brasileira S.A. – hoje totalmente controlada por um grupo de empresas Japonesas a Japan
Brasil Paper and Pulp Resources Development Co., Ltd. – JBP.
Por meio de parcerias bem sucedidas e sempre procurando superar as expectativas
dos clientes quanto a qualidade da celulose e dos serviços, a CENIBRA comercializou em
2007 1.133.788 toneladas de celulose branqueada de fibra curta de eucalipto. Deste total
92% das vendas foram destinadas ao mercado externo e 8% ao mercado interno.
Fundada em 1973, a CENIBRA maneja uma área própria que chega a 250.829,31
hectares no Vale do Rio Doce incluindo 6 municípios do Território. Considerando que uma
pequena propriedade rural se viabiliza em uma área de produção de aproximadamente 20
hectares, a CENIBRA detém hoje o que poderia viabilizar a vida, o sustento e o trabalho de
mais ou menos 12.500 famílias de pequenos agricultores. Além disso, a empresa alicia os
agricultores a produzirem eucalipto através de um programa denominado Fomento Florestal
e já alcançou com isso uma área plantada de mais de 22.000 hectares.27
Embora a empresa propague o seu objetivo de contribuir com o desenvolvimento
regional e a preservação das matas nativas (fauna e flora) enfim, sabe-se que essa prática
inviabilizaria o seu negócio uma vez que depende da concentração de terra e da
monocultura, ou seja, o que caracteriza a natureza é a biodiversidade e isso é não é possível
de se fazer presente numa monocultura totalmente permeada pelos milhares de litros de
herbicidas que ali são derramados e pelas toxinas resultantes do branqueamento do papel.
Isso agride as plantas, os bichos e os seres humanos. Além disso, os lucros não são
investidos na região ou no país, visto que os donos do negócio são estrangeiros e que quase
a totalidade da produção de celulose é destinada ao comércio externo evidenciando que o
interesse da empresa é meramente comercial e lucrativo.
Por meio de parcerias bem sucedidas e sempre procurando superar as expectativas dos clientes quanto a qualidade da celulose e dos serviços, a CENIBRA comercializou em 2008 1.154.644 toneladas de celulose branqueada de fibra curta de
26 É o nome designado às pessoas que se apossam de terras de forma ilegal por meio de documentos falsificados. O termo vem da técnica usada por tais pessoas, que colocam escrituras falsas dentro uma caixa com grilos deixando os documentos amarelados e roídos dando-lhes uma aparência de antigos e com isso, verdadeiros.
27 Dados do site http://www.cenibra.com.br/cenibra/Cenibra/Empresa.aspx?&codigo=divFilhos3.1&familia=2&nível=3&item=2. Acesso em 05/04/09.
33
eucalipto. Deste total 92,5% das vendas foram destinadas ao mercado externo e 7,5% ao mercado interno.”.
(http://www.cenibra.com.br/cenibra/Comercial/Mercado.aspx). Acesso em 08/11/09.
Por fim, e bem recente, está prevista a implantação de vários projetos de construção
de barragens (anteriormente citados) para geração de energia elétrica na região. Somente no
Território, já foram identificados 10 projetos a serem implantados nos rios, Suassuí Grande,
Doce e Corrente, atingindo diretamente cerca de oito municípios segundo informações da
CPT. O maior destes projetos é a Usina Hidrelétrica de Baguari que já se encontra em fase
inicial de operação no Rio Doce Município de Governador Valadares.
Embora o Brasil tenha um potencial energético bastante rico em ventos, sol,
biomassa e mesmo pequenos aproveitamentos nos rios, o governo brasileiro optou por
produzir energia através de barragens.
De acordo com documentos do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, o
modelo energético baseado na produção de energia hídrica é responsável por 92% da
energia produzida no Brasil, tendo expulsado de suas terras mais de um milhão de pessoas.
E ainda, o governo federal pretende até 2015 construir mais 494 Usinas Hidrelétricas, tendo
como estimativa a expulsão de 800 mil pessoas de suas terras.28
Percebe-se que em todas as situações apresentadas, o agronegócio prioriza o avanço
tecnológico e econômico desconsiderando as populações locais que estão sendo dizimadas
de suas terras, comunidades, cultura e valores para dar lugar aos interesses do mercado
capitalista. Vilas, e até mesmo assentamentos da Reforma Agrária estão sendo atingidos,
além do desastre ambiental, pois grande parte da fauna e flora está em constante
desaparecimento ora sendo submersos pelas águas represadas, ora substituídos por capim
(branqueara) e eucalipto.
Um outro fator relevante no Território é que o poder político local esteve e ainda está
em sua maioria sob controle da elite agrária (os grandes fazendeiros e empresários), que tem
nas prefeituras, câmaras legislativas e poder judiciário, um meio de garantir os interesses do
setor. A pouca ou quase inexistente participação social na definição das políticas públicas de
educação, transporte, saneamento, cultura, créditos e outros investimentos, faz com que
estas de fato, atendam a interesses de pequenos grupos, ficando a maioria da população
excluída do acesso às oportunidades propagadas como de desenvolvimento e de redução da
pobreza.28 Texto “O Atual Modelo Energético”. Disponível em: http://www.mabnacional.org.br/modenergetico.html. Acesso em 27 de agosto de 2008.
34
Essa situação não difere nos níveis estadual e nacional. Em toda a história de
promoção do desenvolvimento rural no Brasil, grandes investimentos governamentais na
área de pesquisa e subsídios foram e continuam sendo destinados à elite agrária. Para se ter
idéia, nos planos agrícolas para a Safra 2008/2009, o governo federal disponibilizou para a
agricultura empresarial (agronegócio) R$ 65 bilhões de reais e apenas R$ 13 bilhões para a
agricultura familiar.
Tudo isso resulta no que pode ser constatado no Território Médio Rio Doce, onde
são notórias as diferenças entre latifúndio/agronegócio e agricultura familiar. O gráfico a
seguir revela como essa desigualdade se apresenta em relação ao acesso a terra.
Gráfico 1: Percentuais das Propriedades Rurais do
Território do Médio Rio Doce X Área de Ocupação
Fonte: Dados Censo Agropecuário – 1995/1996.
De acordo com o Censo Agropecuário (1996), nota-se que das 5.154 propriedades
rurais existentes no Território, 3.844 são menores que 100 hectares e 1.310 são maiores.
Porém, as propriedades menores que 100 hectares ocupam apenas 19% da área, enquanto
que, as propriedades maiores que 100 hectares ocupam 81% do Território conforme o
gráfico 1.
Também é notório conforme apresenta a tabela seguir, que é no grupo dos menores
estabelecimentos (agricultura familiar) que está o maior percentual da mão de obra ocupada
no campo: mais de sessenta por cento.
25%
75%81%
19%
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Menor 100 ha Maior 100 ha
Propriedades Rurais Área de Ocupação
35
Tabela 1: Perfil da estrutura fundiária do Território
Grupos de área dos estabelecimentos ruraisParticipação no total (%)
Nº de Estab. Área Pessoal Ocupado
Valor da Produção
1. Até 10 hectares 20,13 0,92 13,92 4,252. Mais de 10 a 20 hectares 15,16 2,03 12,20 4,423. Sub - Total (1+2) 35,29 2,95 26,12 8,674. Mais de 20 a 50 hectares 24,16 7,18 20,82 10,995. Mais de 50 a 100 hectares 15,52 10,12 16,01 11,206. Sub - Total (3+4+5) 74,97 20,25 62,96 30,857. Mais de 100 a 200 hectares 12,22 15,51 13,15 12,708. Mais de 200 a 500 hectares 8,54 24,49 12,63 23,829. Sub - Total (7+8) 20,76 40,01 25,78 36,5210. Mais de 500 a 1000 hectares 2,89 18,26 6,82 18,8211. Mais de 1000 hectares 1,38 21,49 4,43 13,8112. Sub - Total (10+11) 4,27 39,75 11,26 32,62Fonte: SDT/MDA e Instituto Potiguar, a partir de coleta de dados do IBGE: Censo Agropecuário 95/96.
Aqui vale repetir o comentário: os estabelecimentos até 100 ha, que somados
representam um percentual de setenta e cinco por cento das propriedades, ocupam vinte por
cento da área. Outro destaque é a proporção do latifúndio, pois mais de vinte por cento da
área é ocupada por estabelecimentos com mais de mil hectares, que somados representam
menos de um e meio por cento dos estabelecimentos.
É sob esta situação que foi constituído o do Território Médio Rio Doce como um
território prioritário para investimentos do MDA. Trata-se de um espaço de descentralização
e de participação política em que são constituídos alguns arranjos institucionais de caráter
informal envolvendo vários seguimentos em questão, visando a consertação de interesses na
promoção do Desenvolvimento Sustentável do Território.
36
CAPÍTULO III
A implantação do PRONAT no Território do Médio Rio Doce
O Médio Rio Doce foi incluído como território rural no PRONAT no ano de 2003.
Sua proposição ocorreu porque um agente local tomou conhecimento da proposta e a
socializou com organizações locais com atuação junto ao público alvo do programa
(agricultores e agricultoras familiares).
Percebendo que a região atendia alguns critérios pré-definidos pelo programa – tais
como: existência de assentamentos da reforma agrária29, existência de articulação entre os
atores sociais locais e concentração de agricultores familiares – as organizações
representativas dos agricultores familiares (MPA, MST, Sindicatos dos Trabalhadores
Rurais e Associações Comunitárias) e as entidades de assessoria/apoio (CAT, CPT, PJR e
Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS) elaboraram a proposta que foi apresentada
ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRS em 27/08/03. Em
seguida, 09/10/07 o CEDRS homologou os 5 primeiros territórios em Minas Gerais entre os
quais figurava o Território Médio Rio Doce.
Preocupados com o acompanhamento à implementação dos projetos, os municípios
que integram o Território foram selecionados considerando também a área de atuação dessas
organizações envolvidas no processo.
A partir de então, iniciou-se a implementação da primeira fase prevista no programa
com investimentos em infra-estrutura pública, mobilização e capacitação dos atores sociais,
construção do Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS e formação de
institucionalidades para gestão social.
A primeira oficina territorial realizada em 2003 com a participação de representantes
dos municípios, teve como objetivo nivelar as informações em relação ao programa. Nesta
mesma oficina, já foram aprovadas as linhas de ação para elaboração dos primeiros projetos
e foi constituída a Comissão de Implementação das Ações Territoriais – CIAT que foi
“batizada” com o nome de Grupo Gestor. Á época, o Grupo Gestor foi constituído por treze
membros, sendo nove representantes da sociedade civil: Associação Comunitária de Ilha
Funda em Periquito – ACIF, ADS, CAT, Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
Sustentável de Governador Valadares – CMDRS/GV, CPT, MPA, PJR, Sindicato dos 29 À época (2003) havia 6 assentamentos no Território.
37
Trabalhadores Rurais de Governador Valadares e Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Estado de Minas Gerais – FETAEMG; e, quatro representantes de órgãos
públicos: EMATER/MG, Instituto Estadual de Florestas – IEF, Instituto Mineiro de
Agropecuária – IMA e Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e
Abastecimento de Governador Valadares – SEMA30.
O Grupo Gestor seguiu reunindo regularmente e coordenando o processo de
articulação e organização até que em 2005, definiram pela aprovação de um regimento
interno onde são definidos objetivos critérios de participação e a estrutura organizativa do
Território que é composta por três instâncias sendo primeira a Plenária Territorial como
nível de deliberação máxima e responsável pela orientação geral e pela condução dos
programas, projetos e planos, com base em diretrizes e objetivos gerais estabelecidos pelas
políticas e programas federais e estaduais. A Plenária é constituída por dois representantes
de cada município que compõe o território sendo uma pessoa representando o Poder Público
Municipal e outra, representado a Sociedade Civil mais os membros do Grupo Gestor. A
segunda instância é o Grupo Gestor como nível decisório gerencial dos programas, projetos
e planos está incumbido da implementação de ações e articulação de parcerias. O Grupo
Gestor é constituído por representantes do poder público e da sociedade civil sendo um/a
efetivo/a e um/a suplente garantindo na maioria a representação de representantes dos
agricultores e agricultoras familiares. Por fim vem a Secretaria Executiva como nível
operacional. Esta conta com uma pessoa contratada para exercer a função de Articulação
Territorial e mais uma pessoa de apoio administrativo que tem como atribuição oferecer o
apoio técnico e administrativo às ações territoriais, dando suporte permanente ao
funcionamento das instâncias.
Além dessas instâncias, em cada município deve existir e funcionar o Conselho
CMDRS. Este vem ser de fundamental importância na definição de projetos e
acompanhamento da implantação dos mesmos objetivando garantir o cumprimento da
finalidade e a gestão participativa. Inicialmente havia poucos municípios com conselhos
criados ainda assim, a maioria destes não funcionava. Desde 2006, o CAT vem com o apoio
da Secretaria de Desenvolvimento Territorial desenvolvendo oficinas com o objetivo de
auxiliar na formação e reformulação desses conselhos. Atualmente, mais de 70% dos
municípios estão com os conselhos formados e reunindo regularmente.
30 Esta é a formação inicial do Grupo Gestor, definida em 2003. Atualmente a composição está da seguinte forma: ACIF, CAT, CMDRS/GV, CPT, APJR, STR/Gov. Valadares, FETAEMG, FETRAF, MMC e Cooperativa Regional de Economia Solidária da Agricultura Familiar Agroecológica – CRESAFA representando a sociedade civil e EMATER, IEF, e SEMA como órgãos públicos.
38
No ano de 2004, foi realizado um diagnóstico nos municípios utilizando técnicas do
método Diagnóstico Rápido e Participativo – DRP, resultando na elaboração dos PMDRS’s
e PTDRS. Em todo o processo, foram envolvidas mais de mil pessoas entre agricultores/as,
jovens, lideranças comunitárias, técnicos/as e membros do poder público.
A elaboração do PTDRS tem como objetivo orientar as estratégias de ação, projetos
e programas a serem implementados com uma visão de futuro a ser alcançado. Nesse
sentido foram definidos Eixos Temáticos através dos quais se evidenciam os principais
problemas e apontam-se as soluções as quais vem orientando a elaboração dos projetos. São
os Eixos: Produção, Trabalho e Renda; Meio Ambiente; Transporte e Comercialização;
Saúde e Saneamento; Educação, Cultura e Lazer; Moradia, Energia, Comunicação e
Segurança.
Os projetos propostos em sua maioria vêm priorizando a produção através de
assistência técnica e bancos de sementes, a comercialização através da estruturação de feiras
locais e da estruturação de uma Central de Comercialização da Agricultura Familiar e, a
recuperação ambiental através de cercamento de nascentes e implantação de viveiros de
mudas. Outros eixos vem sendo discutidos através da realização de encontros territoriais a
exemplo do Encontro de Educação do Campo – onde foi constituída uma Rede de Educação
do Campo do Vale do Rio Doce – e do Encontro de Quilombolas com a participação da
Fundação Cultural Palmares que se dispôs em estar visitando comunidades e apoiar a
realização de um outro encontro.
A definição dos projetos Territoriais é feita em encontro da Plenária Territorial com
representação de todos os municípios (agricultores/as, poder público e organizações sociais)
a partir do PTDRS e das avaliações e estudos já realizados no processo.
Com a realização de um estudo propositivo e com as avaliações feitas pelos atores
envolvidos no Território em 2005, verificou-se sérios problemas referentes à gestão dos
investimentos feitos e a dificuldade em garantir o controle social dos mesmos. Detectou-se
que vários projetos de investimento em infra-estrutura foram feitos, sem que antes fossem
definidas formas de gestão e capacitação dos gestores. Desta situação já resulta em vários
municípios a existência de distorções caracterizadas pelo desvio de finalidade dos projetos, a
exemplo dos veículos destinados à prestação do serviço de assistência técnica à agricultura
familiar que eram – e em alguns municípios ainda são – utilizados a serviço do Executivo,
da saúde, para o transporte escolar, dentre outros. Também, projetos de vários municípios
chegaram a ser cancelados por não terem sido executados nos prazos predeterminados, ou
porque as prefeituras não cumpriram as exigências legais para tal. (Ver tabela a seguir).
39
Tabela 2: VOLUME DE INVESTIMENTOS DO PRONATPERÍODO DE 2003 a 2008
MUNICÍPIO CONTRATADO CANCELADO NÃOCONTRATADO
TOTALAPROVADO
Açucena 350.745,00 83.420,00 434.165,00Alpercata 164.340,00 83.420,00 160.136,60Coroaci 219.060,15 23.765,00 213.212,60Frei Inocêncio 197.247,10 23.765,00 192.053,70Galiléia 194.560,15 83.420,00 189.447,60Governador Valadares 1.366.774,24 1.088.030,00Marilac 219.060,15 23.765,00 213.212,60Mathias Lobato 163.580,00 159.396.60Nacip Raydan 218.660,00 23.765,00 212.824,60São José da Safira 36.340,00 83.420,00 119.396,60Periquito 217.840,00 176.055,00 212. 031,60Santa Efigênia de Minas 274.975,00 83.420,00 357.495,00São Geraldo da Piedade 102.550,00 35.976,60 135.449,60Sardoá 173.667,94 163.948.60Sobrália 163.390,00 39.818,50 159.215,10Tumiritinga 279.032,00 59.402,00 271.385,60Virgolândia 225.610,00 219.565,60TOTAL 4.566.531,73 537.175,50 286.236,60 5.389.943,83
Fonte: Arquivos do CAT
Uma das causas para a não execução desses projetos está ligada ao desinteresse dos
gestores por determinados projetos e a pouca mobilização social em torno dos mesmos.
De acordo com os relatórios e justificativas dos projetos territoriais, acredita-se que
um dos motivos que vem dificultando o controle social é a pouca participação dos
beneficiários no processo de definição dos projetos, ou seja, esta participação vinha
ocorrendo através da representação dos agricultores por parte de suas lideranças as quais não
tem feito tornar públicas e visíveis as decisões tomadas. Assim, os projetos têm chegado aos
municípios sem que haja uma organização por parte dos agricultores para receber e
participar ativamente do processo de gestão desses projetos, deixando em aberto as
possibilidades de desvio de finalidades dos mesmos.
Dessa situação, a partir de 2007 o Grupo Gestor Territorial optou por experimentar
um processo novo em que as ações fossem levantadas a partir das comunidades, com
aprovação dos CMDRS’s e que os projetos fossem definidos em micro regiões definidas
(municípios próximos), objetivando integrar as ações e municípios, estimular parcerias e
promover um maior envolvimento dos beneficiários desde a concepção dos projetos. Assim,
foram definidos critérios e um calendário de atividades em que previa o levantamento de
40
demandas em comunidades, a discussão e priorização dos projetos no CMDRS, a definição
dos projetos a serem elaborados em reuniões micro regionais, análise dos projetos pelo
Núcleo Técnico Territorial e Grupo Gestor e por fim a aprovação na Plenária Territorial a
qual também coloca os projetos em ordem de prioridade em função da pouca
disponibilidade de recursos. Imagina-se que dessa forma, os agricultores e agricultoras terão
mais condições de se apropriarem dos projetos permitindo também um maior envolvimento
nos processos de gestão e de controle social. Dessa experiência ainda não foi possível
avaliar os resultados, pois os projetos foram contratados em dezembro de 2007 e ainda não
foram totalmente executados.
Mas, também é possível identificar limites na atuação do grupo gestor territorial
como a falta de estrutura (recursos humanos e financeiros para uma ação mais conseqüente e
contínua), que resulta em deficiência de comunicação ou repasse de informações sobre o seu
trabalho, tanto para as demais instâncias constituídas quanto para a diversidade de atores do
território, principalmente prefeituras municipais. Determinados temas são pautados apenas
no grupo gestor, não passando pela deliberação da instância máxima que é a plenária. Nota-
se também que a falta de estrutura se reflete na incapacidade de acompanhamento e
monitoramento dos projetos territoriais. Sua atual estrutura tem funcionado a base de
solidariedade e de militância. O que tem possibilitado a sua permanência é o trabalho da
secretaria executiva, mantida precariamente, porém, favorecendo a comunicação existente
entre os atores, repassando informações, viabilizando as reuniões, pauta para as discussões,
sistematização das informações e garantindo a memória do território, por meio da
elaboração de relatórios e atas.
Dessa forma, mesmo que sejam feitas avaliações dos projetos, o grupo gestor não se
consegue chegar aos municípios para identificar problemas mais localizados, influências ou
impactos positivos dos projetos. O monitoramento permanece como ideal, porém sem
perspectivas de implantação. Além disso, pode-se perceber pelas Atas das reuniões que o
grupo gestor pouco discute questões técnicas dos projetos territoriais, dedicando muito
tempo à discussão política da ação no território.
Outra questão percebida é a pouca representatividade do grupo gestor, sendo
identificada à presença majoritária da representação da sociedade civil. Na prática, uma
prefeitura foi eleita para representar as demais, no entanto, essa representação não vem
ocorrendo. Não há comunicação entre as prefeituras para representação de interesses
partilhados ou mesmo para expressão de alguma divergência. Esta assimetria na
41
representação pode ser uma das causas do desinteresse das instâncias governamentais,
principalmente das prefeituras que não se vêem representadas no grupo gestor,
comprometendo a sua participação nas demais instâncias e ações do território. Isso pode ser
percebido na instância da plenária quando os representantes das prefeituras (gestores)
comparecem às reuniões basicamente para as discussões sobre alocação de recursos em
projetos, não se envolvendo nos debates políticos nem na construção estratégica para o
desenvolvimento do território. A maior parte das vezes, as prefeituras se fazem representar
nas reuniões através de técnicos que em geral não podem tomar certas decisões.
Contudo, a questão da gestão compartilhada e do controle social ainda é no
Território um desafio novo para os agricultores familiares e suas organizações acostumadas
a praticar o exercício de denunciar as más gestões públicas e de reivindicar políticas e
resolução de problemas pontuais. Participar ativamente de todo o processo (diagnósticos,
planejamentos, elaboração de projetos, acompanhamento, elaboração de instrumentos de
controle e gestão compartilhada), requer disposição, mudança de hábito, capacitação e
organização social. Neste sentido, o território ainda depende de apoio governamental para os
processos de capacitação e organização e, até o segundo semestre de 2008 não foram
disponibilizados por parte do MDA recursos suficientes para custear esse tipo de atividade,
o que vem dificultando a organização e a qualificação para a gestão dos projetos
implantados. Até então, apenas 5% do total dos recursos disponibilizados pelo MDA ao
Território era direcionado para esse tipo de ação.31 Percebe-se aí um desequilíbrio que já
está comprometendo no Território os objetivos e princípios do Programa.
Também, há por parte do poder público uma resistência histórica em relação aos
movimentos sociais e vice-versa, o que vem sendo um problema nos processos de
negociação e estabelecimento de consensos que são fundamentais dentro da proposta do
programa. Os gestores estão acostumados a decidir e executar os projetos que julgam ser o
melhor para o município e/ou para atender a interesses de grupos. Executar projetos
discutidos e definidos pelos beneficiários e que devem ser geridos de forma compartilhada
surge como algo difícil, moroso, mas que na realidade nada mais é que a descentralização de
poder, difícil de ser aceita para quem o detém.
Contudo, a existência do território e suas instâncias, como espaço de expressão
pública de demandas, leituras da realidade social e elaboração coletiva de projetos é, em si,
avaliada pelos atores envolvidos como algo positivo, um avanço em relação às políticas 31 Fonte: ofícios circulares da SDT/MDA e do CEDRS com os critérios e orientações para a elaboração e apresentação dos projetos.
42
públicas e as relações estabelecidas com o Estado. É percebido que houve, neste curto
período de tempo, considerável aprendizado para os atores envolvidos. Hoje os atores se
reconhecem como parte de um território e o próprio território se constitui, apesar das
dificuldades, como um espaço, que passou a ser reconhecido pelas pessoas do lugar. De
alguma forma, o território mexeu com as estruturas políticas estabelecidas possibilitando
inclusive uma relação de diálogo entre as instituições.
Enquanto proposta de promoção do desenvolvimento, nota-se que embora o
PRONAT tenha uma visão macro a do território, ela tem um público prioritário os pobres
rurais – aqui identificados pela Agricultura Familiar – e todo o planejamento para o
desenvolvimento vem sendo pensado a partir de olhar deste setor podendo ser verificado no
PTDRS em que é identificada a situação, os problemas e aponta possíveis soluções que
venham atender aos anseios e necessidades específicas da agricultura familiar contemplando
também, acampados e assentados da reforma agrária e comunidades de quilombolas.
Por um lado, é importante o investimento na Agricultura Familiar uma vez que de
acordo com o IBGE (2006)32, o setor embora ocupando apenas 24,3% da área total dos
estabelecimentos rurais no Brasil, é responsável por 38% do Valor Bruto da Produção
(VBP) nacional. Os dados do IBGE apontam que em 2006, a agricultura familiar foi
responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46%
do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% de suínos, 50% das aves, 30% dos
bovinos e ainda, 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi
a soja (16%).
O IBGE também revela que 12,3 milhões de trabalhadores ocupados no campo estão
em estabelecimentos da agricultura familiar, o que significa 74,4% do total de ocupados no
campo. Ou seja, de cada dez ocupados no campo, sete estão na agricultura
familiar que emprega em média 15,3 pessoas por 100 hectares.
Contudo, nota-se pelos dados que o Território é constituído de pobres e ricos – estes
últimos podendo ser identificados pelo agronegócio (agricultura comercial) que dominam
em propriedades 75,7/% da área rural. O agronegócio apresenta interesses muito
contraditórios aos da agricultura familiar conforme apresentado no capítulo anterior. Essas
contradições podem ser assim exemplificadas: enquanto agricultores lutam pelo acesso a
terra, o agronegócio desterritorializa comunidades inteiras e até assentados da reforma
agrária para dar lugar a projetos econômicos como é o caso das barragens hidroelétricas;
32 Resultados Preliminares do Censo Agropecuário 2006.
43
enquanto agricultores familiares produzem alimentos, o agronegócio produz eucalipto para
produção e exportação de celulose; enquanto agricultores familiares buscam preservar o
meio ambiente e gerar qualidade de vida, o agronegócio derrama veneno sobre a natureza,
eliminando micro organismos, vegetações que não geram valor comercial, contaminando
solo, a água, os animais e as pessoas.
Essas diferenças também são visíveis no tratamento por parte do governo a exemplo
do volume de recursos disponibilizados pelos Planos Agrícolas para a Safra 2009/2010. De
acordo com informações divulgadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (2009), de um total de R$ 107,5 bilhões, apenas R$ 15 bilhões foram
destinados para a agricultura familiar ficando a maior parte R$ 92,5 bilhões para a
agricultura empresarial (agronegócio).
Além disso, o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do Governo Federal
vem disponibilizando grandes volumes de recurso para o setor de produção de
biocombustíveis e de energia em todo o país que apesar dos benefícios esperados, também
está desterritorializando comunidades rurais diminuindo a capacidade de produção de
alimentos, dentre outros efeitos. Enfim, praticamente não há articulação e
complementaridade entre o PRONAT e os demais projetos, programas e políticas públicas
considerando os três níveis federativos. Isso vem de encontro à afirmação de Gómez (2008)
que vê o desenvolvimento com enfoque territorial como uma proposta muito óbvia para
quem não pretende promover mudanças estruturais.
No território do Médio Rio Doce, as empresas florestais (que plantam eucalipto para
produção de celulose) e as grandes obras hidroelétricas têm interferido diretamente no meio
ambiente, modificado as paisagens, a estrutura fundiária e relocado os agricultores
familiares de duas terras. Apesar deste poderio, econômico e político, esta estratégia de
desenvolvimento e suas conseqüências econômicas e sócio-ambientais passam ao largo da
capacidade decisória das instâncias do território. Estabelece-se desta forma uma marcante
incoerência entre projetos de desenvolvimento. O território para as empresas florestais e
hidroelétricas não estabelece nenhum diálogo com o território do “desenvolvimento rural
sustentável” preconizado pelo PRONAT. Nesta relação assimétrica de poder, o território,
por meio de suas instâncias, vê-se de “mãos atadas”, sem capacidade de influenciar ou
decidir. Sua capacidade de gestão social, quando bem exercida, estaria restrita, no máximo,
ao território das organizações da sociedade civil que representam interesses da agricultura
familiar. Esta situação demonstra nitidamente um limite ao exercício e ao fortalecimento da
44
gestão social e principalmente o limite do PRONAT na promoção do desenvolvimento do
território.
Neste contexto, de exercício do poderio econômico e político por parte de grandes
empresas e ainda com apoio governamental, as propostas de desenvolvimento local e
sustentável perdem força de convencimento e credibilidade, seus projetos são modestos e
sofrem com a pouca disponibilidade de recursos públicos.
De fato, o desenvolvimento ainda parece longe de chegar aos mais pobres do campo,
pois questões estruturantes como o acesso à terra continuam sem planejamentos e ações
concretas necessitando de pressão popular onde os Sem Terra arriscam a própria vida pela
conquista de um pedaço de chão para viver e alimentar seus filhos.
O que pode ser compreendido neste contexto é que a participação social na
implantação do PRONAT tem legitimado o processo construindo o projeto conjuntamente
com Estado diminuindo assim, as possibilidades de mobilizações e críticas contrárias ao
governo. Também, a participação social, permite ao governo conhecer as instituições, os
projetos e os interesses de quem participa e, além disso, poucas são as possibilidades de
avanços em função do pequeno aporte de recursos. Enfim, parece mesmo servir apenas para
ratificar os interesses do próprio Estado que é quem na realidade tem o controle sobre o
processo. Esta situação tem sido no Território criticada pelos movimentos de camponeses
ligados à Via Campesina que ora participam dos processos ora optam por afastamento
justificando não poderem compactuar com tais práticas.
Contudo, relatórios de reuniões mais recentes (segundo semestre de 2008) já
apontam resultados positivos tanto dos projetos executados quanto na organização social
como:
→ O aumento do fluxo de água de nascentes que foram cercadas, sendo que em
alguns municípios estas estão servindo para realização de atividades de educação
ambiental envolvendo estudantes;
→ Implantação de feira livre em vários municípios;
→ Contratação de assistência técnica na maioria dos municípios;
→ Criação e funcionamento dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural
Sustentável, sendo que em pelo menos 13 municípios os conselhos estão
reunindo regularmente;
45
→ Mobilização em torno da implantação do projeto de uma Central de
Comercialização da Agricultura Familiar que está sendo construída em
Governador Valadares para atender os 17 municípios.
Para além dos projetos mencionados, o território vem avançando na discussão da
Educação do Campo, onde já foi realizado um encontro territorial no qual foi constituída a
Rede de Educação do Campo do Vale do Rio Doce composta por várias organizações que
atuam no campo e por secretarias de educação de algumas prefeituras. A proposta é
viabilizar a implantação nos municípios, das Diretrizes Operacionais para Educação nas
Escolas do Campo e das resoluções que a sucederam, visando uma educação
contextualizada e que de fato venha atender a diversidade que é a realidade do campo.
Também, cerca de 20 jovens do campo ligados aos movimentos sociais do Território estão
cursando licenciatura em educação do campo pela Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG numa parceria com o Ministério da Educação, o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA e a Rede Mineira de Educação do Campo. Ainda nesse sentido,
44 comunidades rurais foram no período de 2007 e 2009 beneficiadas pelo programa “Arca
das Letras” numa parceria entre o Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento
Agrário e outras instituições de âmbito Federal e Estadual. O programa disponibiliza
bibliotecas para as comunidades sob total controle das mesmas.
Uma outra discussão que iniciou nesse ano é a dos Quilombolas. Há várias
comunidades no Território que apresentam características de remanescentes quilombolas de
acordo com o Decreto Presidencial 4.887 de 20 de novembro de 2003. Nesse sentido, já foi
realizado um encontro com a participação da Fundação Cultural Palmares e esta se dispôs
em visitar as comunidades e apoiar a realização de encontros e organização das
comunidades para viabilizar o reconhecimento das mesmas.
Vale ainda destacar que embora os projetos implantados e/ou em implantação visem
a melhoria das condições de vida no campo, até o momento não foi proposto nenhum
projeto que estivesse diretamente focado para o problema da migração. Portanto, pensar o
desenvolvimento numa abordagem territorial requer para além do crescimento econômico,
da autonomia e controle dos agricultores camponeses sobre as políticas públicas
direcionadas ao campo pensar estrategicamente todo um conjunto de questões que de
alguma forma estão interligadas para que seja possível garantir o equilíbrio e a
sustentabilidade das ações.
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Criado como uma alternativa aos programas de desenvolvimento até então
destinados ao meio rural, o PRONAT vem sendo alvo constante de críticos que como
Gómez (2008), acreditam que o enfoque territorial é mais uma proposta neoliberal com rosto
humano servindo como uma anestesia para os efeitos negativos das políticas anteriores.
Além disso, nota-se claramente a legitimação do processo com a participação da sociedade
intervindo diretamente e, conseqüentemente os movimentos sociais perdendo seu poder de
mobilização e de enfrentamento às políticas governamentais. Essa situação, em parte
contradiz o que propõe o programa que é o fortalecimento institucional dos atores sociais.
Novas institucionalidades de abrangência territorial são constituídas com caráter
semelhante ou igual a de um conselho em que congregam os diferentes atores e interesses
sem contudo, agregar o setor do agronegócio. Dessa forma, cada setor (agronegócio e
agricultura familiar) continua pensando o desenvolvimento separadamente conforme o olhar
e os interesses de cada um. Por um lado, pode-se dizer que fortalecer a agricultura familiar
da forma proposta – apesar de ser idealizada de cima para baixo – é sem dúvida um grande
avanço no que diz respeito ao envolvimento e conhecimento dos agricultores e mesmo das
suas organizações no que diz respeito à elaboração, planejamento, negociação e
implementação de políticas públicas e por abrir possibilidades de crescimento de um setor
que a décadas sofre com políticas que só destruíram as condições de sobrevivência no
campo. Por outro lado, fica muito difícil promover o desenvolvimento de fato de um
Território, com investimentos feitos para dois setores com interesses tão antagônicos, em
que dificilmente encontram-se convergências.
O Território Médio Rio Doce vem sendo um espaço de concertação, formulação e
implantação de políticas e projetos que visam atender e fortalecer a agricultura familiar.
Mesmo com interesses divergentes, é a primeira vez que agricultores, movimentos sociais e
poder público sentam juntos para pensar o desenvolvimento da região. Embora, pelos
critérios definidos, há sempre garantem um número maior de representantes da sociedade
civil (agricultores) que do poder público. Assim, em sua maioria os interesses dos
agricultores tem prevalecido, sendo este um dos motivos pelos quais algumas prefeituras
não se interessam pela execução dos projetos e acabam tendo os contratos cancelados. Na
maioria das vezes, a motivação e o envolvimento das prefeituras quando existem, se
restringem ao momento da partilha de recursos para investimento em projetos. Mesmo
sendo percebido o pouco envolvimento do poder público, ainda não foi construído nenhum
47
“arranjo institucional” (como acordos e, ou, contratos entre agentes, por meio dos quais
estes irão cooperar numa dada situação a partir de regras conhecidas e compartilhadas),
como uma forma de viabilizar o envolvimento das prefeituras em torno da idéia do
desenvolvimento territorial.
Nota-se também uma baixa capacidade operacional do grupo gestor territorial para
realizar a avaliação dos projetos em andamento devido a falta de estrutura (recursos
humanos e financeiros). Assim, não foram construídos mecanismos ou instrumentos para
monitoramento dos processos e projetos.
Analisando o território a partir da abordagem política e econômica de ocupação do
espaço conforme Andrade (1995), vamos perceber que no Médio Rio Doce quem de fato
tem o domínio sobre o território é a produção para fins comerciais representada pelo
agronegócio (empresas de eucalipto, consórcios de hidroelétricas e fazendeiros). Estes
dominam as terras, a economia, a política local e até mesmo o conhecimento influenciando
na definição de cursos que vem atender as demandas do setor, ficando evidente a falta de
legitimidade e poder político das instâncias do território e da própria política de
desenvolvimento territorial diante da complexidade dos atores e dos interesses que estão em
jogo no território.
Ainda é cedo para se ter uma avaliação mais consistente dos resultados do programa
e seus projetos no Território, contudo, merece destaque o processo que vem sendo articulado
com investimentos sendo feitos em torno da garantia de espaços para a comercialização dos
produtos originários da agricultura familiar. Há projetos implantados e em fase de
implantação que buscam viabilizar a comercialização ao nível local através de feiras livres,
do Programa de Aquisição de Alimentos via CONAB e merenda escolar – conforme decreto
lei nº 6.447, de 7 de maio de 2008 – e, ao nível do território através da Central de
Comercialização da Agricultura Familiar – CECAF, que está sendo construída em
Governador Valadares. Espera-se que estes projetos articulados com a assistência técnica (já
apoiada pelo Programa), com os financiamentos do PRONAF e outros apoios que o
Território vem articulando, ocorra um avanço no sentido de melhorar a recuperação e
preservação ambiental, aumentar a produção agrícola, o trabalho, a renda das famílias e
conseqüentemente, diminuir a necessidade de sair do campo em função de aumentar a renda.
Por fim, pensar o desenvolvimento sustentável de um território além da importância
de construir uma política de forma participativa e inclusiva, esta deve considerar todos os
atores presentes no território, que os recursos naturais são finitos, que desenvolvimento
48
significa evolução, mudança de uma determinada realidade e para que esta seja sustentável
faz-se necessário um compromisso em evitar a ruína destas condições no presente e no
futuro. Portanto, para promover o desenvolvimento sustentável implica em primeiro lugar,
reconhecer a necessidade de mudança no modelo de desenvolvimento atual e segundo,
construir coletivamente as mudanças necessárias de forma que os atores envolvidos se
apropriem do processo e como tal, sejam protagonistas das ações a serem desenvolvidas.
49
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53
Fórum “TERRA, TERRITÓRIO E DIGNIDADE”*Porto Alegre, março 6-9 de 2006
Por uma Nova Reforma Agrária com base na Soberania Alimentar!
Nós, representantes de organizações de campesinas/camponeses, povos indígenas, pescadores/as artesanais, trabalhadores/as rurais, migrantes, pastores/as, defensoras de direitos humanos, desenvolvimento rural, meio ambiente e outros, provenientes do mundo inteiro, participamos do Fórum “Terra, Território e Dignidade” para defender nossa terra, nosso território e nossa dignidade.
Os Estados e o sistema internacional têm sido incapazes de derrotar a pobreza e a fome no mundo. Reiteramos nosso chamado aos governos e à FAO, às demais instituições das Nações Unidas, a outros atores que estão presentes na Conferência Internacional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR) e a nossas sociedades, a comprometerem-se decisivamente com uma nova reforma agrária baseada na Soberania Alimentar, que nos garanta a campesinas/os, povos indígenas, comunidades de pescadores artesanais, pastores/as trabalhadoras/es rurais, comunidades afrodescendentes e demais comunidades o acesso e controle efetivo dos recursos naturais e produtivos para o exercício de nossos direitos humanos.
SOBERANIA ALIMENTAR
A nossa reforma agrária deve reconhecer a função social da terra, mar e recursos naturais no contexto da soberania alimentar, o que deve comprometer a mais alta vontade dos Estados. Compreendemos que a soberania alimentar implica políticas de redistribuição, acesso e controle justo e eqüitativo aos recursos naturais e produtivos (crédito, tecnologia apropriada, etc.) por parte de campesinas/os, povos indígenas, comunidades de pescadores artesanais, pastores/as e demais comunidades rurais; políticas de desenvolvimento rural baseadas em estratégias agroecológicas centradas na agricultura campesina e familiar e de pesca artesanal; políticas de comércio contra o dumping e a favor da produção campesina e indígena para mercados locais, nacionais e internacionais; e políticas públicas complementares como de saúde, educação e infra-estrutura para o campo.
O uso dos recursos naturais deve estar primeiramente a serviço da produção de alimentos. A nova reforma agrária deve ser prioritária na agenda pública. No contexto da soberania alimentar, a reforma agrária beneficia a sociedade em seu conjunto, dotando-a de alimentos sadios, acessíveis e culturalmente apropriados, e de justiça social. A reforma agrária poria fim ao êxodo massivo e forçado do campo para a cidade que faz com que as cidades cresçam em condições desumanizantes e insustentáveis; daria uma vida com dignidade para todos os membros de nossas sociedades; abriria as possibilidades de um desenvolvimento econômico local, regional e nacional que seja inclusivo e em benefício da maioria da população; e terminaria com uma agricultura intensiva de monoculturas que monopoliza a água, que envenena a terra e os rios. É preciso uma nova política de pesca que reconheça o direito das comunidades de pescadores e detenha a pesca industrial que esgota a vida no mar. A nova reforma agrária é válida tanto para os países do sul chamados “em vias de desenvolvimento” como para os do norte, chamados “desenvolvidos”.
A soberania alimentar se baseia no direito humano à alimentação, a livre determinação, nos direitos indígenas ao território e nos direitos dos povos a produzir alimentos para sua subsistência e para mercados locais e nacionais. A soberania alimentar defende uma agricultura com camponeses e campesinas, uma pesca com famílias pescadoras artesanais, florestas com comunidades florestais, estepes com famílias pastoras nômades.
Ademais, a reforma agrária deve garantir os direitos à educação, à saúde, à moradia, ao trabalho, à seguridade social e ao lazer. A reforma agrária deve assegurar a criação de espaços de vida para manter nossas culturas, para dar lugar aos nossos meninos/as e jovens, para que nossas comunidades possam desenvolver-se em toda sua diversidade e construir uma cidadania a partir da relação com a terra, o mar, as florestas.
*Tradução Sandra Mayrink Veiga e Fausto Oliveira
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PAPEL DO ESTADO
O Estado tem que ter um papel forte nas políticas de reforma agrária e produção de alimentos. O Estado tem que aplicar políticas de reconhecimento de direitos e democratização do acesso a terra, a zonas costeiras, florestas e outros, em casos onde haja concentração destes recursos em poucas mãos. Além disso, o Estado tem que garantir o controle dos recursos naturais às comunidades campesinas, pescadoras, pastoras, florestais e aos povos indígenas de modo que elas possam seguir vivendo e trabalhando no campo e nos litorais, através dos direitos coletivos e comunitários. A reforma agrária deve criar empregos dignos e fortalecer os direitos trabalhistas dos/as trabalhadores/as rurais. Os Estados têm o direito e a obrigação de definir soberanamente e sem condicionamentos externos suas próprias políticas agrárias, agrícolas, pesqueiras e alimentares de maneira que elas garantam o direito à alimentação e os demais direitos econômicos, sociais e culturais de toda a população. Os/as pequenos/as produtores/as têm que acesso a créditos a baixos juros, preços e condições de comércio justas. A pesquisa e os sistemas de provisão e distribuição nos mercados locais devem ter forte apoio do Estado e garantir assim o bem comum.
RECONHECIMENTO DA CONCEPÇÃO DE TERRITÓRIO
A concepção de território tem estado historicamente ausente do debate sobre reforma agrária. Nenhuma reforma agrária é aceitável baseada apenas em distribuição de terras. Consideramos que a nova reforma agrária deve incluir as visões do território das comunidades indígenas, sem terra, povos indígenas, trabalhadores rurais, pescadores nômades, tribos, afrodescendentes, minorias étnicas e pessoas desalojadas, que baseiam seu trabalho na produção de alimentos e que sustentam uma relação de respeito e harmonia com a Mãe Terra e com os oceanos.
Todos os povos originários, indígenas, minorias étnicas, tribos, pescadores, trabalhadores rurais camponeses, sem terra, pastores nômades e pessoas desalojadas têm o direito a manter sua relação espiritual e material, e a ter a posse, desenvolver, controlar, utilizar e reconstruir suas estruturas sociais; administrar política e socialmente suas terras e territórios, compreendido aí o meio ambiente, o ar, as águas, os mares, os gelos marinhos, a flora, a fauna e outros recursos que tradicionalmente são seus, ou que tenha ocupado ou utilizado de outra forma. Isso implica o reconhecimento de suas leis, tradições, sistema de propriedade e instituições, assim como o reconhecimento das fronteiras territoriais e culturais dos povos. Tudo isso constitui o reconhecimento da livre autodeterminação e autonomia dos povos.
IMPORTÂNCIA DA REPRODUÇÃO SOCIAL E A EXPRESSÃO DE GÊNERO NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA
A reprodução social está em risco. Os povos do mundo inteiro estão enfrentando endividamento graças aos insumos comerciais muito caros, tais como agro-tóxico, sementes (sobretudo transgênicas) etc., assim como o auto custo do acesso a terra. A migração cresce rapidamente, aumenta a pobreza, se perde a identidade e se proliferam os comportamentos de alto risco. Se deteriora a saúde, assim como também crescem as enfermidades, e a AIDS, em particular, está no auge.
Reconhecemos o papel fundamental das mulheres na agricultura, na pesca e no uso da gestão dos recursos. Não há reforma agrária genuína sem eqüidade de gênero. Por isso exigimos que a nova reforma agrária assegure às mulheres plena igualdade de oportunidades e de direito a terra e aos recursos naturais, e repare as discriminações e desvantagens sociais a que as mulheres estão submetidas no campo. Reconhecemos também que sem juventude no campo não há futuro para nossas sociedades. A nova reforma agrária deve dar prioridade aos direitos da mulher e garantir um futuro digno para a juventude rural.
NÃO À PRIVATIZAÇÃO DO MAR E DA TERRA, A CONTRA-REFORMA AGRÁRIA, AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS DO BANCO MUNDIAL SOBRE A TERRA E O ACESSO A RECURSOS, E O MODELO DOMINANTE DE PRODUÇÃO E DESENVOLVIMENTO
Junto à privatização da terra e das zonas costeiras, avança a preservação da biodiversidade do planeta. A vida não é uma mercadoria. Seguiremos resistindo com toda nossa capacidade às políticas neoliberais impostas pelo Banco Mundial, a OMC e outros atores, e implementadas por nossos governos, de administração de terras, cadastro, demarcação , titulação e repartição da terra com fins de privatização; às políticas de descoletivação, os mercados de compra e venda de terras, os bancos de terra, a recuperação de terras por posseiros, a reconcentração de terra, a privatização da água, do mar, das sementes, das florestas, das áreas de pesca e outros recursos, assim como dos serviços de extensão, crédito, apropriação, comercialização, infra-estrutura de estradas, saúde
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de educação etc, e o desmantelamento do apoio público à produção e à comercialização da agricultura camponesa. Nos opomos com veemência à introdução de sementes transgênicas e à tecnologia de sementes suicidas, ou Terminator, que retirarão das comunidades rurais o controle das sementes, transferindo-o a empresas transnacionais.
Continuaremos nos opondo ao modelo dominante de produção e desenvolvimento, com seus processos de globalização neoliberal, transformação e inserção nas cadeias de corporações transnacionais da agricultura, a exploração florestal e a pesca de hoje (produção por contrato, monoculturas de agroexportação, plantações, pesca, exploração de florestas e agricultura industrial, combustíveis vegetais, biotecnologia e transgênicos, nanotecnologia, etc.), e o desalojamento de populações locais pelo agronegócio e a monocultura, os mega-projetos (represas, aeroportos, portos canais, estradas etc.), a mineração, as “reservas naturais”, os projetos de turismo, a “reconstrução” depois de desastres naturais e guerras, os neoliberalismos verdes (ecoturismo, biopirataria, pagamento por serviços ambientais etc.) e políticas de comércio que promovem o êxodo rural (aquelas promovidas pela OMC, TLCs, PAC, APE, Lei Agrícola, fluxos financeiros etc.).
CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Denunciamos a repressão que enfrenta, em quase todos os países do mundo, qualquer lutador ou lutadora por reforma agrária. Denunciamos a militarização e a ocupação militar que desaloja nossos povos de seus territórios, a “guerra contra o terrorismo” que serve de pretexto para reprimir-nos, e a criminalização de nossos movimentos. Lutar por nossa dignidade é uma obrigação, e é um direito humano poder fazê-lo.
OCUPAÇÕES, RECUPERAÇÕES E DEFESA DE TERRITÓRIOS. MOBILIZAÇÃO SOCIAL, UMA ESTRATÉGIA DE LUTA E CONSTRUÇÃO DE PROPOSTAS
Reivindicamos nossas ações de ocupação, recuperação e/ou defesa de nossas terras, territórios, sementes, florestas, áreas de pesca, moradia etc. como necessárias e legítimas para a defesa e conquista dos nossos direitos. Nossa experiência cotidiana nos mostra que na luta por uma vida com dignidade para todos/as, ações diretas de ocupação de terra, de recuperação e defesa ativa de territórios são necessárias para estimular os governos a cumprir com suas obrigações e implementar políticas e programas efetivos de reforma agrária. Continuaremos usando essas ações não violentas pelo tempo que seja necessário para conseguir um mundo com justiça social que dê a cada um a possibilidade real de ter uma vida digna. Sem a mobilização e participação plena dos movimentos sociais, não haverá reforma agrária genuína. A soberania alimentar não é somente uma visão comum, mas também uma plataforma de lutas que nos permite seguir construindo unidade na diversidade. Consideramos que o acesso e controle dos recursos naturais, a produção de alimentos e o aumento do poder de decisão são os três eixos principais que nos unificam.
A reforma agrária e a soberania alimentar comprometem uma luta maior pela mudança do modelo neoliberal dominante. Necessitamos construir alianças com outros setores da sociedade, um poder cidadão que garanta reformas profundas. Nos comprometemos a impulsionar as ações comuns, articulações, intercâmbios e todas as formas de pressão que estão em curso, especialmente através das campanhas internacionais que nossos setores e redes têm em curso ou estão concretizando. Estamos convencidos de que só o poder dos povos organizados e a mobilização podem lograr as mudanças necessárias, por isto nossa tarefa principal é informar, conscientizar, debater, organizar e mobilizar. Convocamos a todos os nossos setores e forças sociais aqui representados para que sigamos construindo nossa unidade, e levaremos estas conclusões para debater com nossas bases e para a usar estas idéias para as políticas dos organismos internacionais como a FAO e os governos. Pede-se ao mecanismo do CIP que assuma como trabalho prioritário dar seguimento as estas conclusões.
TERRA, MAR E TERRITÓRIO PARA VIVER. TERRA, MAR E TERRITÓRIO PARA SONHAR. TERRA MAR E TERRITÓRIO PARA AFIRMAR NOSSA DIGNIDADE, JÁ!
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