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DIÁLOGOS ENTRE O ENSINO DE QUÍMICA E A JUREMA SAGRADA: POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO RESUMO Neste estudo, buscamos promover estratégias que possibilitassem a sensibilização para atitudes antirracistas e contra a intolerância religiosa a partir de diálogos entre a Jurema Sagrada e o ensino de Química junto a Licenciandos em Química. Participaram da pesquisa 11 licenciandos da Universidade Federal Rural de Pernambuco que cursavam a disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório IV. Foi elaborado um texto didático que articulou aspectos inerentes à Jurema Sagrada e ao ensino de Química; realizada uma discussão do texto junto aos licenciandos e proposta a realização de um planejamento de atividades por parte dos licenciandos envolvendo a temática discutida. Na elaboração do texto, procedeu-se com uma revisão da literatura utilizando as palavras-chave: Jurema, Ensino de Ciências, Ensino de Química, selecionando seis produções que subsidiaram a construção do material. O texto contemplou aspectos inerentes à religiosidade da Jurema Sagrada e questões químicas e biológicas em relação à Jurema Preta ( Mimosa tenuiflora). A elaboração do texto, no tocante à Jurema, permitiu um conhecimento acerca da religião afro-indígena que está presente em cerca de 70% dos terreiros da Região Metropolitana do Recife. Foi possível observar as características dessa expressão religiosa que difere dos primórdios devido à adaptação ao cenário urbano. Os 11 licenciandos se envolveram ativamente na discussão do texto elaborado. Cinco lincenciandos participaram da etapa de planejamento de atividades relacionada ao tema. Os conteúdos químicos elencados por 4 dos licenciandos estavam relacionados à Química Orgânica explorando aspectos da N,N-dimetiltriptamina (DMT) nas atividades propostas. Observamos que três licenciandos propuseram atividades contemplando as questões referentes à Jurema Sagrada e o ensino de Química, de modo a propiciar um contexto do “conhecer” questões relativas à tradição religiosa, podendo ser mais um elemento para superação de preconceitos no tocante à Jurema e fomentar reflexões de como o racismo é determinante para a violência contra o povo de terreiro. A pesquisa nos trouxe oportunidades de um ensino de Química humanizado que tece diálogos com diferentes questões que permeiam o contexto social e cultural. Acreditamos que estudos nesse sentido, sejam subsídios para que junto com outras questões, seja possível superar a intolerância religiosa que está bastante atrelada ao racismo estrutural tão presente em nosso país e que violenta a humanidade de negras e negros diariamente. Palavras-Chave: Jurema Sagrada, Ensino de Química, Religiosidade

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DIÁLOGOS ENTRE O ENSINO DE QUÍMICA E A JUREMA SAGRADA:

POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DA HISTÓRIA E CULTURA

AFRO-INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO

RESUMO

Neste estudo, buscamos promover estratégias que possibilitassem a sensibilização para

atitudes antirracistas e contra a intolerância religiosa a partir de diálogos entre a Jurema

Sagrada e o ensino de Química junto a Licenciandos em Química. Participaram da

pesquisa 11 licenciandos da Universidade Federal Rural de Pernambuco que cursavam a

disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório IV. Foi elaborado um texto didático que

articulou aspectos inerentes à Jurema Sagrada e ao ensino de Química; realizada uma

discussão do texto junto aos licenciandos e proposta a realização de um planejamento de

atividades por parte dos licenciandos envolvendo a temática discutida. Na elaboração do

texto, procedeu-se com uma revisão da literatura utilizando as palavras-chave: Jurema,

Ensino de Ciências, Ensino de Química, selecionando seis produções que subsidiaram a

construção do material. O texto contemplou aspectos inerentes à religiosidade da Jurema

Sagrada e questões químicas e biológicas em relação à Jurema Preta (Mimosa tenuiflora).

A elaboração do texto, no tocante à Jurema, permitiu um conhecimento acerca da religião

afro-indígena que está presente em cerca de 70% dos terreiros da Região Metropolitana

do Recife. Foi possível observar as características dessa expressão religiosa que difere

dos primórdios devido à adaptação ao cenário urbano. Os 11 licenciandos se envolveram

ativamente na discussão do texto elaborado. Cinco lincenciandos participaram da etapa

de planejamento de atividades relacionada ao tema. Os conteúdos químicos elencados por

4 dos licenciandos estavam relacionados à Química Orgânica explorando aspectos da

N,N-dimetiltriptamina (DMT) nas atividades propostas. Observamos que três

licenciandos propuseram atividades contemplando as questões referentes à Jurema

Sagrada e o ensino de Química, de modo a propiciar um contexto do “conhecer” questões

relativas à tradição religiosa, podendo ser mais um elemento para superação de

preconceitos no tocante à Jurema e fomentar reflexões de como o racismo é determinante

para a violência contra o povo de terreiro. A pesquisa nos trouxe oportunidades de um

ensino de Química humanizado que tece diálogos com diferentes questões que permeiam

o contexto social e cultural. Acreditamos que estudos nesse sentido, sejam subsídios para

que junto com outras questões, seja possível superar a intolerância religiosa que está

bastante atrelada ao racismo estrutural tão presente em nosso país e que violenta a

humanidade de negras e negros diariamente.

Palavras-Chave: Jurema Sagrada, Ensino de Química, Religiosidade

INTRODUÇÃO

Em 9 de janeiro de 2003 foi promulgada a Lei nº 10.639 que alterava a Lei nº

9394, de 20 de novembro de 1996 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da

temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Posteriormente,

com a Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008 ocorre uma reformulação, sendo a temática

a ser tratada no currículo oficial: “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

Dessa forma, o Artigo. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a

vigorar com a seguinte redação:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,

públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-

brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos

aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população

brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da

África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a

cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade

nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e

política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos

indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,

em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras

(BRASIL, 2008).

Observamos que a temática em questão deverá ser ministrada no âmbito de todo

o currículo escolar. São ressaltadas algumas áreas como educação artística e literatura e

história brasileiras, contudo, observamos que essa discussão deve estar presente nas

diferentes áreas.

Apesar de desde 2003, a Lei 10639 estabelecer a obrigatoriedade do ensino de

história da África e das culturas africana e afro-brasileira na educação básica, contudo,

temos observado pouco avanço nos currículos escolares. Por outro lado, questões como

o racismo ficam cada dia mais evidente no nosso cotidiano. Muitas vezes, utilizando a

“ciência” como forma de ratificar determinadas posturas e crenças.

Com a Resolução nº 1 de 17 junho de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Afro Brasileira e Africana (BRASIL, 2004) no seu Artigo 1º é explicitado:

A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro Brasileira e Africana, serem observadas pelas Instituições de ensino, que

atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por

Instituições que desenvolvam programas de formação inicial e continuada de

professores

Inciso 1

As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e

atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação da Relações

Étnicos-Raciais, bem como o tratamento das questões temáticas que dizem

respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer/CP 3/2004

(BRASIL, 2004)

Fica evidente a importância que estas questões sejam abordadas na Formação

Inicial de professores de forma disciplinar e em outras atividades ao longo do processo

formativo, fornecendo elementos para que o futuro docente possa promover discussões

no contexto da Educação Básica.

Nesse sentido, temos observado publicações na área do Ensino de Química que

visam destacar as questões sinalizadas anteriormente:

MOREIRA, Patrícia F. S. D., FILHO, Gulemes .R., JACOBUCCI, Daniela. F. C.,A

Bioquímica do Candomblé- Possibilidades Didáticas de Aplicação da Lei Federal

10639/03. Química Nova na Escola, v. 33, n. 2, p. 85-92 2011

OLIVEIRA, Roberto Dalmo Varallo Lima; QUEIROZ, Glória Regina Pessoa Campello

(Org). Tecendo Diálogos sobre Direitos Humanos em Educação em Ciências. São

Paulo: Física, 2016.

OLIVEIRA, Roberto Dalmo Varallo Lima; QUEIROZ, Glória Regina Pessoa Campello

(Org). Conteúdos Cordiais- Química Humanizada para uma Escola sem Mordaça. São

Paulo: Física, 2017.

SILVA, Juvan P.; ALVINO, Antônio C. B.; SANTOS, Marciano A.; SANTOS, Vander

L.; BENITE, Anna M. C. Tem Dendê, Tem Axé, Tem Química: Sobre história e cultura

africana e afro-brasileira no ensino de química. Química Nova na Escola, v. 39, n.1, p.

19-26, 2017.

SILVA, Erasmo M. S.; FRANCISCO JÚNIOR, Wilmo E. Arte na Educação para as

Relações étnicos-Raciais: Um Diálogo com o Ensino de Química. Química Nova na

Escola, v. 40, n.2, p-79-88, 2018

________________________________________________________________

• Recorte da pesquisa de Pós-Doutoramento Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob

a supervisão da Profa Dra Márcia Gorette da Silva e colaboração do Me. Alexandre Alberto Santos

de Oliveira (L’OMI L’ODÒ)

Em particular, buscamos eleger um dos princípios relacionados às Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro Brasileira e Africana (BRASIL, 2004): “Fortalecimento de

Identidade e de Direitos”, esse princípio deve orientar para:

- o desencadeamento de processo de identidades, de historicidade negada e

distorcida;

- o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de

comunicação, contra os negros e os povos indígenas;

- o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana

universal; -o combate à provação e violação de direitos;

- a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira

e sobre a recriação de identidades, provocadas por relações étnico-raciais;

- as excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser

oferecidas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, em todos os

estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urbanas e

nas zonas rurais. (BRASIL, 2004, p. 19)

Subsidiar os futuros professores a olhar crítico sobre as diferenças sociais que ao

nosso ver pode contribuir para uma sensibilização na superação de crenças, opiniões que

promovam o preconceito e desigualdades. Neste trabalho, enfocando a religiosidade

como elemento da resistência da Cultura Afro-Indígena.

Esse texto apresenta um recorte de uma pesquisa realizada no Estágio Pós-

Doutoral na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentando como objetivo

geral: analisar a mobilização/construção de saberes a partir de diálogos entre a Jurema

Sagrada e o Ensino de Química na Formação Inicial de Professores de Química

contemplando aspectos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. E como objetivos

específicos: estabelecer diálogos entre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química

sinalizando as contribuições ao processo formativo de professores de química

contemplando as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e sinalizar as possibilidades e/ou

dificuldades no desenvolvimento sequências de ensino que contemplem contemplando

aspectos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008

2 METODOLOGIA

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A pesquisa foi norteada por aspectos relacionados à abordagem qualitativa, a qual

é caracterizada pela interpretação dos fenômenos e atribuição de significados, buscando

explicações em profundidade dos dados coletados (OLIVEIRA, 2003; GIL, 2007), bem como, a

preocupação com o processo e não simplesmente com o produto, como destaca Triviños (1987).

A investigação partiu de um contexto mais geral em termo de temática relacionada

às Leis 10639/2003 e 11645/2008 que desencadeavam ações para obrigatoriedade do

ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da História e Cultura dos Povos

Indígenas, respectivamente e a partir de pesquisa de campo e pesquisa bibliográfica foi

definido o aspecto da religiosidade desses povos, como elemento de identidade e

resistência de sua cultura para dar o recorte nas nossas discussões, discutindo a Jurema

Sagrada e os diálogos com o ensino de Química.

2.2 OS LICENCIANDOS PARTICIPANTES DA PESQUISA: UFRPE

Onze licenciandos participaram da pesquisa e estavam cursando, no primeiro

semestre de 2018, a disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório IV que, na matriz

curricular, é a última disciplina oferecida no curso de Licenciatura em Química pelo

Departamento de Educação da UFRPE.

Elegemos a disciplina como lócus da pesquisa, visto que os licenciandos já

estariam finalizando seu processo formativo inicial. Os licenciandos que participaram da

pesquisa indicaram disponibilidade em estar presentes em todas as etapas envolvidas.

Entre esses licenciandos, seis eram mulheres e cinco homens que denominaremos como

L1-L11. No tocante à idade, no intervalo de 22 a 26 anos observamos oito licenciandos e

os demais licenciandos tinham 29, 33 e 55 anos.

Em relação à discussão no decorrer do Curso de Licenciatura sobre às Relações

Étnicos-Raciais e à História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, quatro licenciandos

(L2, L8, L10 e L11) indicaram não ter tido aproximação com a temática e sete

licenciandos sinalizaram ter tido algum tipo de discussão ao longo do Curso.

“Estudo das Relações Étnicos-Raciais: cadeira optativa do curso

-Discussão sobre racismo, como não legitimar esses discursos;

-Religiões africanas e indígenas: conhecer para não discriminar;

-Perceber-se negro (pele clara ou escura) e perceber-se com privilégios

(brancos);

-Estudo de autores negros e indígenas negligenciados;

-Estudos das Leis educacionais que assistem a essa população.” (L1)

“Em uma intervenção feita por um estagiário da pós-graduação em ensino de

Química, na aula de Instrumentação para o ensino de Química, sobre Cultura

Afrodescendente, CTS e o ensino de Química.” (L9)

Buscamos nessa fase de diagnose, identificar também as ideias prévias que o

grupo tinha em relação à Jurema. Quatro licenciandos associaram o termo Jurema à

religião (L1, L2, L3 e L11), outras associações foram feitas em relação à planta, ao nome

próprio, bebida alucinógena, corrida de capoeira pelos licenciandos (L2, L4, L7, L9) e 4

licenciandos (L5, L6, L8 e L10) não se posicionaram.

2.3 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA

Em um primeiro momento, tivemos o intuito de construir um material que permitisse

estabelecer diálogos entre o ensino de Química e a Jurema Sagrada, buscamos, assim, um

levantamento bibliográfico e a aproximação com pessoas envolvidas nessa tradição

religiosa.

No segundo momento da pesquisa, foi vivenciada uma intervenção junto aos

licenciandos perfazendo um total de 3h e 30 minutos dos quais 1:30 foi destinada a

discussão do Texto elaborado sobre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química.

Na Intervenção, inicialmente, foi entregue o Termo de Livre Consentimento Livre e

Esclarecido aos licenciandos e explicado que a pesquisa envolvia uma temática

relacionada com a História e Cultura Afro-Indígena, levantando elementos que

subsidiassem futuros professores de química a contemplar as questões indicadas nas Leis

10639/2003 e 11.645/2008. Em seguida, foi aplicado um questionário de caracterização

e de resgate das ideias iniciais que o grupo tinha sobre a Jurema Sagrada e realizada uma

exposição dialogada relacionada à Jurema Sagrada e o Ensino de Química

Ao final da discussão do texto, foi proposta a elaboração de um plano de aula que

envolvesse a temática discutida

2.4 ANÁLISE DOS DADOS

A análise referente às questões de estudo utilizou o cruzamento dos dados coletados

nos diferentes instrumentos de pesquisa (questionários e plano de atividades). Segundo

Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2001), esse procedimento é característico da técnica

de triangulação, pois busca diferentes maneiras para investigar um mesmo ponto. Os

autores ainda afirmam ser essa uma característica da pesquisa qualitativa. A análise

realizada norteou-se por alguns dos procedimentos inerentes à análise de conteúdo

conforme discutido por Bardin (1977).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 DIALOGANDO COM O 1º OBJETIVO DA PESQUISA

Após uma busca em no Banco de tese e dissertações da CAPES e em consulta a

periódicos utilizando as palavras-chave: Jurema, Ensino de Ciências, Ensino de Química,

selecionamos seis produções que subsidiaram a construção do texto intitulado

“DIÁLOGOS ENTRE O ENSINO DE QUÍMICA E A JUREMA SAGRADA:

POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-

INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO”

1- CAMARGO, Maria Thereza Lemos de Arruda. Contribuição ao estudo

Etnofarmacobotânico da bebida ritual de religiões afro-brasileiras denominada “ninho da

Jurema” e seus adtivos psicoativos. Revista Nures, Ano X, nº 26, jan-abr, 2014

2- CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira; JORON, Clelia Moreira Pinto. JUREMA; culto,

religião e espaço público. Estudos de Religião, v. 32, n. 1, jan-abr, p. 45-60, 2018.

Disponível em : https://www.metodista.br/revistas/revistas-

ims/index.php/ER/article/download/7624/6227. Acesso em 20 de maio de 2018.

3- NEVES, Maiane dos Santos. Estudo fitoquímico e avaliação da atividade

anticolinesterásica de extratos da casca da raiz da Mimosa tenuiflora (Wild.) Poiret. 2015,

Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana,

2015. Disponível em: http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/226. Acesso em 10 abr 2018.

4- L’ODÒ, Alexandre Alberto Santos Oliveira L’Omi. Juremologia: Uma Busca

Etnográfica para a Sistematização de Princípios da Cosmovisão da Jurema Sagrada. 2017,

Dissertação (Mestrado). Universidade Católica de Pernambuco. Recife, 2017. Disponível

em: http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/933/2/Ok_alexandre_lomi_lodo.pdf.

Acesso em 10 abr 2018.

5- __________Teologia da Jurema. existe alguma? COLÓQUIO DE HISTÓRIA:

Perspectivas Históricas- Historiografia, pesquisa e Humanidade. 5, 2014. Recife. Atas,

Recife: UNICAP 2014. Disponível em: http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-

content/uploads/2013/11/5Col-p.1083-1106.pdf. Acesso em 18 abr 2018

6- SILVA, Talita Maria Araújo; SANTOS, Valéria Verônica dos; ALMEIDA, Argus

Vasconcelos de. Etnobotânica Histórica da Jurema do Nordeste Brasileiro. Etnobiología,

n. 8, p. 1-10, 2010. Disponível em:

http://asociacionetnobiologica.org.mx/revista/index.php/etno/article/view/129/0. Acesso

em: 15 abr de 2018.

Partimos, principalmente, do referencial de L’ Odò (2014, 2017) para a discussão

sobre aspectos inerentes à religiosidade da Jurema Sagrada por ser um teórico da área e

ao mesmo tempo fazer parte da tradição religiosa. Os aspectos químicos e biológicos

tiveram como referenciais Camargo (2014), Neves (2015) e Silva, Santos e Almeida

(2010).

A elaboração do texto no que se refere à Jurema permitiu um conhecimento acerca

da religião afro-indígena que está presente em cerca de 70% dos terreiros da região

metropolitana do Recife. Foi possível observar as características dessa expressão religiosa

que difere dos primórdios devido à adaptação ao cenário urbano.

Além de partirmos do referencial teórico que consideramos confiável para a

escrita sobre a Jurema, procuramos ao final da produção, apresentar o texto ao autor que

foi o nosso principal referencial teórico Alexandre Alberto Santos de Oliveira (L’OMI

L’ODÒ).

Para a apresentação do texto ao teórico e Sacerdote da Jurema Alexandre L’Odò,

realizamos uma entrevista para apresentação e sugestão sobre as questões presentes no

texto. No momento inicial, ele teve oportunidade de ler o material, fazer anotações e,

posteriormente, dialogamos sobre os aspectos referentes à Jurema Sagrada. Entre as

questões foram destacadas a intolerância religiosa atrelada ao povo de terreiro que

expressa o racimo estrutural que caracteriza a sociedade brasileira, a identidade da Jurema

enquanto expressão religiosa e não como apêndice de outras tradições religiosas e a

relevância da importância de trabalhos educativos que tenham por objetivo superar a

intolerância religiosa.

Ao final da entrevista, Alexandre L’Odò nos autorizou a utilizar trechos de sua

Dissertação de Mestrado em que apresenta a Cosmovisão da Jurema assinando o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido.

Aspectos químicos, biológicos e bioquímicos foram abordados no texto com o

intuito de permitir aproximações com o ensino em diferentes níveis de escolaridade.

O texto elaborado apresentava os elementos abordados por L’Odò (2017) como a

Cosmovisão da Jurema Sagrada; Panteão da Jurema em ordem hierárquica, a Ciência da

Jurema, as Cidades da Jurema, Malunguinho: ponto central de sustentação do Cosmo da

Jurema e a natureza: espaço sagrado material

3.2 DIALOGANDO COM O 2º OBJETIVO DE PESQUISA

Para elucidar o 2º Objetivo, foi entregue uma cópia do texto elaborado “Diálogos

entre o ensino de Química e a Jurema Sagrada: possibilidades para a abordagem da

História e Cultura Afro-Indígena no ensino médio” e realizada uma exposição dialogada

com a utilização de Power-Point.

Na discussão, partiu-se do texto elaborado, a partir principalmente da Dissertação

de Mestrado de Me Alexandre Alberto Santos de Oliveira (L’ODÒ, 2017), que buscou

fundamentar os aspectos relacionados à religiosidade Afro-Indígena, como destacamos

anteriormente.

Além dos aspectos ligados à religiosidade, foram abordados aspectos relacionado

à taxinomia da Jurema (Planta) cujo nome científico é Mimosa tenuiflora, aspectos

químicos dos componentes da referida planta e questões bioquímicas relacionadas à ação

da Dimetiltriptamina (DMT) - alcaloide psicoativo presente no “Vinho da Jurema”/ “Chá

da Jurema”, utilizado em alguns rituais da Jurema em regiões que ainda conservam os

aspectos dos rituais iniciais e encontrado na raiz da planta. Outros componentes químicos

encontrados na planta também foram indicados no texto.

Figura 1- Alcaloides isolados da M. tenuiflora

Fonte: Souza (2008 apud NEVES, 2015, p.25)

A partir das discussões, houve uma aproximação inicial com as questões expostas

no texto e foi colocada a importância do tema a ser discutido por pessoas com propriedade

intelectual e vivencial acerca das questões para não se distorcer aspectos referentes à

Cultura Afro-Indígena no tocante à religiosidade Jurema Sagrada.

Após exposição dialogada sobre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química foi

solicitado que os licenciandos elaborassem um plano de aula, o que nos daria indícios da

contribuição das atividades vivenciadas para o processo formativo dos licenciandos.

O material com as questões foi entregue aos licenciandos e solicitado que

entregassem ao final da disciplina (cerca de 1 mês do encontro). Enviamos,

posteriormente, as questões por e-mail e nos disponibilizamos para dúvidas que pudessem

existir sobre as atividades propostas. Cinco licenciandos (L2, L3, L4, L5 e L7) entregaram

a atividade ao final da disciplina.

Os licenciandos L2, L3, L4, L5 e L7 elaboraram um plano de aula a partir das

orientações que foram fornecidas. O objetivo da atividade seria nos permitir analisar

como os licenciandos articulariam as discussões com o ensino de Química, o que nos

daria indícios de saberes construídos e mobilizados ao longo do processo.

Os conteúdos elencados referem-se em sua maioria à Química Orgânica com

exceção de L5 apresentou questões da Química Geral.

Embora, os objetivos elencados pelos licenciandos tenham se relacionados com

atividades voltadas ao professor e não com as aprendizagens esperadas após as aulas

propostas, a análise permite observar as articulações entre o que foi vivenciado no

decorrer da intervenção e a proposta de vivência no ensino de Química.

L2 e L7 indicam objetivos específicos que articulam as questões inerentes a

cultura afro-indígena e o ensino de química. L4 também busca a articulação, embora

pareça sinalizar apenas aspectos da cultura indígena à Jurema e discussões mais

desatreladas. L3 e L7 buscam a discussão articulando questões que não envolvem

aspectos ligados a tradição religiosa.

“-Apresentar as funções orgânicas oxigenadas e nitrogenadas.

-Reconhecer as funções em compostos presentes no chá da Jurema.

-Estimular uma reflexão sobre a influência das questões históricas e

sociológicas da Jurema com a participação de representantes para explanar.

-Utilizar um texto como recurso didático sobre os compostos presentes na

Jurema para fazer a identificação de funções nas estruturas extraídas do chá.”

L2

“-Identificar características regionais sobre a árvore Jurema e sua relação com

o Nordeste

-Contextualizar a química presente nos produtos naturais provenientes da

Jurema

-Investigar as crenças existentes no ritual em que é utilizado o chá da Jurema.”

L7.

O conhecimento específico relacionado à química está presente nos objetivos

específicos elencados pelos licenciandos, embora L4 e L7 tenham apresentado de forma

mais geral, não indicando o conteúdo químico.

A partir das proposições dos licenciandos, pudemos observar diferentes

articulações entre as questões discutidas e a elaboração de uma proposta a ser vivenciada

no ensino de Química. Em termos de saberes pedagógicos gerais, observamos a

proposição de atividades diferenciadas com proposição de trabalhos em grupos, debates,

pesquisas, exposição dialogadas entre outras.

1º Momento: exposição dialogada sobre as funções orgânicas nitrogenadas

2º Momento: Perguntas sobre a nomenclatura das funções orgânicas

nitrogenadas, seguidas de questões como: O que é Jurema? Qual a relação da

Jurema com as funções oxigenadas e nitrogenadas? Por que os índios utilizam

a Jurema para fazer rituais? Existe preconceito com relação ao uso da Jurema

nos rituais indígenas e em religiões de raiz africana?

3º Momento: Discussão do texto 02

4º Momento: Participação de representantes da tradição religiosa

5º Momento: Os alunos teriam que identificar funções orgânicas na estrutura

da DMT. L2

Na estruturação de L2 e L7, é possível identificar mais elementos que coadunam

com a discussão realizada durante a intervenção, no sentido da abordagem dos conceitos

químicos tendo como contexto a Jurema Sagrada com o objetivo de propiciar espaços de

respeito a cultura afro-indígena. A proposta de L4, apesar de menos detalhada também

contribui nessa direção.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos nesta pesquisa analisar a mobilização/construção de saberes a partir de

diálogos entre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química na formação inicial de

licenciandos em Química contemplando aspectos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008.

Em relação ao 1º objetivo elencado, produzimos um texto que aborda em um

primeiro momento elementos da Jurema sagrada tendo como aporte a Dissertação de

Mestrado de L’Odò (2017) e, uma segunda parte, que envolve aspectos químicos,

biológicos e bioquímicos relativos à planta Jurema.

Apesar de nos apoiarmos em uma referencial de autoridade teórica e prática para

a discussão da Jurema Sagrada, acreditamos que nós, enquanto leigos, podemos introduzir

essas questões, mas é imprescindível que pessoas que fazem parte da tradição religiosa

falem a respeito dela.

Destacamos ainda em relação a esse objetivo, a importância de que se conheça a

nossa Cultura e, nesse contexto, a religiosidade como forma de superar ideias errôneas,

pré-concebidas, ou seja, preconceitos para que não se transformem em discriminação,

impedindo a violência atrelada à intolerância religiosa que está bastante ligada ao racismo

estrutural presente em nosso país.

Em relação ao 2º objetivo, buscamos analisar de que forma os licenciandos

planejariam uma atividade voltada para o ensino de Química.

Observamos que 3 licenciandos propuseram atividades para o ensino de Química

contemplando as questões referentes à Jurema Sagrada e ao ensino de Química, o que ao

nosso ver, é um importante subsídio para disseminar novos olhares às tradições religiosas

de matrizes africana e indígena, o que pode diminuir a intolerância religiosa.

A pesquisa nos trouxe oportunidades de aproximar o ensino de química de

contextos diferentes da ciência e nos revelou a possibilidade diálogos e modos de ter um

ensino de Químico humanizado e que tece diálogos que diferentes questões que permeiam

o contexto social. Em particular, nos debruçamos em aspectos relativos à Cultura Afro-

Indígena, nos debruçando nos elementos da tradição religiosa da Jurema Sagrada e como

as questões químicas, biológicas e bioquímicas podem dialogar do ensino, o que

possibilita que novas investigações seja feita nessa direção.

REFERÊNCIAS

ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER. 2 ed. O método nas ciências

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