diÁlogos entre o ensino de quÍmica e a jurema sagrada ...secure site · sagrada e questões...
TRANSCRIPT
DIÁLOGOS ENTRE O ENSINO DE QUÍMICA E A JUREMA SAGRADA:
POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DA HISTÓRIA E CULTURA
AFRO-INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO
RESUMO
Neste estudo, buscamos promover estratégias que possibilitassem a sensibilização para
atitudes antirracistas e contra a intolerância religiosa a partir de diálogos entre a Jurema
Sagrada e o ensino de Química junto a Licenciandos em Química. Participaram da
pesquisa 11 licenciandos da Universidade Federal Rural de Pernambuco que cursavam a
disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório IV. Foi elaborado um texto didático que
articulou aspectos inerentes à Jurema Sagrada e ao ensino de Química; realizada uma
discussão do texto junto aos licenciandos e proposta a realização de um planejamento de
atividades por parte dos licenciandos envolvendo a temática discutida. Na elaboração do
texto, procedeu-se com uma revisão da literatura utilizando as palavras-chave: Jurema,
Ensino de Ciências, Ensino de Química, selecionando seis produções que subsidiaram a
construção do material. O texto contemplou aspectos inerentes à religiosidade da Jurema
Sagrada e questões químicas e biológicas em relação à Jurema Preta (Mimosa tenuiflora).
A elaboração do texto, no tocante à Jurema, permitiu um conhecimento acerca da religião
afro-indígena que está presente em cerca de 70% dos terreiros da Região Metropolitana
do Recife. Foi possível observar as características dessa expressão religiosa que difere
dos primórdios devido à adaptação ao cenário urbano. Os 11 licenciandos se envolveram
ativamente na discussão do texto elaborado. Cinco lincenciandos participaram da etapa
de planejamento de atividades relacionada ao tema. Os conteúdos químicos elencados por
4 dos licenciandos estavam relacionados à Química Orgânica explorando aspectos da
N,N-dimetiltriptamina (DMT) nas atividades propostas. Observamos que três
licenciandos propuseram atividades contemplando as questões referentes à Jurema
Sagrada e o ensino de Química, de modo a propiciar um contexto do “conhecer” questões
relativas à tradição religiosa, podendo ser mais um elemento para superação de
preconceitos no tocante à Jurema e fomentar reflexões de como o racismo é determinante
para a violência contra o povo de terreiro. A pesquisa nos trouxe oportunidades de um
ensino de Química humanizado que tece diálogos com diferentes questões que permeiam
o contexto social e cultural. Acreditamos que estudos nesse sentido, sejam subsídios para
que junto com outras questões, seja possível superar a intolerância religiosa que está
bastante atrelada ao racismo estrutural tão presente em nosso país e que violenta a
humanidade de negras e negros diariamente.
Palavras-Chave: Jurema Sagrada, Ensino de Química, Religiosidade
INTRODUÇÃO
Em 9 de janeiro de 2003 foi promulgada a Lei nº 10.639 que alterava a Lei nº
9394, de 20 de novembro de 1996 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Posteriormente,
com a Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008 ocorre uma reformulação, sendo a temática
a ser tratada no currículo oficial: “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Dessa forma, o Artigo. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da
África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a
cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras
(BRASIL, 2008).
Observamos que a temática em questão deverá ser ministrada no âmbito de todo
o currículo escolar. São ressaltadas algumas áreas como educação artística e literatura e
história brasileiras, contudo, observamos que essa discussão deve estar presente nas
diferentes áreas.
Apesar de desde 2003, a Lei 10639 estabelecer a obrigatoriedade do ensino de
história da África e das culturas africana e afro-brasileira na educação básica, contudo,
temos observado pouco avanço nos currículos escolares. Por outro lado, questões como
o racismo ficam cada dia mais evidente no nosso cotidiano. Muitas vezes, utilizando a
“ciência” como forma de ratificar determinadas posturas e crenças.
Com a Resolução nº 1 de 17 junho de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro Brasileira e Africana (BRASIL, 2004) no seu Artigo 1º é explicitado:
A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro Brasileira e Africana, serem observadas pelas Instituições de ensino, que
atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por
Instituições que desenvolvam programas de formação inicial e continuada de
professores
Inciso 1
As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e
atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação da Relações
Étnicos-Raciais, bem como o tratamento das questões temáticas que dizem
respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer/CP 3/2004
(BRASIL, 2004)
Fica evidente a importância que estas questões sejam abordadas na Formação
Inicial de professores de forma disciplinar e em outras atividades ao longo do processo
formativo, fornecendo elementos para que o futuro docente possa promover discussões
no contexto da Educação Básica.
Nesse sentido, temos observado publicações na área do Ensino de Química que
visam destacar as questões sinalizadas anteriormente:
MOREIRA, Patrícia F. S. D., FILHO, Gulemes .R., JACOBUCCI, Daniela. F. C.,A
Bioquímica do Candomblé- Possibilidades Didáticas de Aplicação da Lei Federal
10639/03. Química Nova na Escola, v. 33, n. 2, p. 85-92 2011
OLIVEIRA, Roberto Dalmo Varallo Lima; QUEIROZ, Glória Regina Pessoa Campello
(Org). Tecendo Diálogos sobre Direitos Humanos em Educação em Ciências. São
Paulo: Física, 2016.
OLIVEIRA, Roberto Dalmo Varallo Lima; QUEIROZ, Glória Regina Pessoa Campello
(Org). Conteúdos Cordiais- Química Humanizada para uma Escola sem Mordaça. São
Paulo: Física, 2017.
SILVA, Juvan P.; ALVINO, Antônio C. B.; SANTOS, Marciano A.; SANTOS, Vander
L.; BENITE, Anna M. C. Tem Dendê, Tem Axé, Tem Química: Sobre história e cultura
africana e afro-brasileira no ensino de química. Química Nova na Escola, v. 39, n.1, p.
19-26, 2017.
SILVA, Erasmo M. S.; FRANCISCO JÚNIOR, Wilmo E. Arte na Educação para as
Relações étnicos-Raciais: Um Diálogo com o Ensino de Química. Química Nova na
Escola, v. 40, n.2, p-79-88, 2018
________________________________________________________________
• Recorte da pesquisa de Pós-Doutoramento Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob
a supervisão da Profa Dra Márcia Gorette da Silva e colaboração do Me. Alexandre Alberto Santos
de Oliveira (L’OMI L’ODÒ)
Em particular, buscamos eleger um dos princípios relacionados às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro Brasileira e Africana (BRASIL, 2004): “Fortalecimento de
Identidade e de Direitos”, esse princípio deve orientar para:
- o desencadeamento de processo de identidades, de historicidade negada e
distorcida;
- o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de
comunicação, contra os negros e os povos indígenas;
- o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana
universal; -o combate à provação e violação de direitos;
- a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira
e sobre a recriação de identidades, provocadas por relações étnico-raciais;
- as excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser
oferecidas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, em todos os
estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urbanas e
nas zonas rurais. (BRASIL, 2004, p. 19)
Subsidiar os futuros professores a olhar crítico sobre as diferenças sociais que ao
nosso ver pode contribuir para uma sensibilização na superação de crenças, opiniões que
promovam o preconceito e desigualdades. Neste trabalho, enfocando a religiosidade
como elemento da resistência da Cultura Afro-Indígena.
Esse texto apresenta um recorte de uma pesquisa realizada no Estágio Pós-
Doutoral na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentando como objetivo
geral: analisar a mobilização/construção de saberes a partir de diálogos entre a Jurema
Sagrada e o Ensino de Química na Formação Inicial de Professores de Química
contemplando aspectos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. E como objetivos
específicos: estabelecer diálogos entre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química
sinalizando as contribuições ao processo formativo de professores de química
contemplando as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e sinalizar as possibilidades e/ou
dificuldades no desenvolvimento sequências de ensino que contemplem contemplando
aspectos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008
2 METODOLOGIA
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A pesquisa foi norteada por aspectos relacionados à abordagem qualitativa, a qual
é caracterizada pela interpretação dos fenômenos e atribuição de significados, buscando
explicações em profundidade dos dados coletados (OLIVEIRA, 2003; GIL, 2007), bem como, a
preocupação com o processo e não simplesmente com o produto, como destaca Triviños (1987).
A investigação partiu de um contexto mais geral em termo de temática relacionada
às Leis 10639/2003 e 11645/2008 que desencadeavam ações para obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da História e Cultura dos Povos
Indígenas, respectivamente e a partir de pesquisa de campo e pesquisa bibliográfica foi
definido o aspecto da religiosidade desses povos, como elemento de identidade e
resistência de sua cultura para dar o recorte nas nossas discussões, discutindo a Jurema
Sagrada e os diálogos com o ensino de Química.
2.2 OS LICENCIANDOS PARTICIPANTES DA PESQUISA: UFRPE
Onze licenciandos participaram da pesquisa e estavam cursando, no primeiro
semestre de 2018, a disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório IV que, na matriz
curricular, é a última disciplina oferecida no curso de Licenciatura em Química pelo
Departamento de Educação da UFRPE.
Elegemos a disciplina como lócus da pesquisa, visto que os licenciandos já
estariam finalizando seu processo formativo inicial. Os licenciandos que participaram da
pesquisa indicaram disponibilidade em estar presentes em todas as etapas envolvidas.
Entre esses licenciandos, seis eram mulheres e cinco homens que denominaremos como
L1-L11. No tocante à idade, no intervalo de 22 a 26 anos observamos oito licenciandos e
os demais licenciandos tinham 29, 33 e 55 anos.
Em relação à discussão no decorrer do Curso de Licenciatura sobre às Relações
Étnicos-Raciais e à História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, quatro licenciandos
(L2, L8, L10 e L11) indicaram não ter tido aproximação com a temática e sete
licenciandos sinalizaram ter tido algum tipo de discussão ao longo do Curso.
“Estudo das Relações Étnicos-Raciais: cadeira optativa do curso
-Discussão sobre racismo, como não legitimar esses discursos;
-Religiões africanas e indígenas: conhecer para não discriminar;
-Perceber-se negro (pele clara ou escura) e perceber-se com privilégios
(brancos);
-Estudo de autores negros e indígenas negligenciados;
-Estudos das Leis educacionais que assistem a essa população.” (L1)
“Em uma intervenção feita por um estagiário da pós-graduação em ensino de
Química, na aula de Instrumentação para o ensino de Química, sobre Cultura
Afrodescendente, CTS e o ensino de Química.” (L9)
Buscamos nessa fase de diagnose, identificar também as ideias prévias que o
grupo tinha em relação à Jurema. Quatro licenciandos associaram o termo Jurema à
religião (L1, L2, L3 e L11), outras associações foram feitas em relação à planta, ao nome
próprio, bebida alucinógena, corrida de capoeira pelos licenciandos (L2, L4, L7, L9) e 4
licenciandos (L5, L6, L8 e L10) não se posicionaram.
2.3 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA
Em um primeiro momento, tivemos o intuito de construir um material que permitisse
estabelecer diálogos entre o ensino de Química e a Jurema Sagrada, buscamos, assim, um
levantamento bibliográfico e a aproximação com pessoas envolvidas nessa tradição
religiosa.
No segundo momento da pesquisa, foi vivenciada uma intervenção junto aos
licenciandos perfazendo um total de 3h e 30 minutos dos quais 1:30 foi destinada a
discussão do Texto elaborado sobre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química.
Na Intervenção, inicialmente, foi entregue o Termo de Livre Consentimento Livre e
Esclarecido aos licenciandos e explicado que a pesquisa envolvia uma temática
relacionada com a História e Cultura Afro-Indígena, levantando elementos que
subsidiassem futuros professores de química a contemplar as questões indicadas nas Leis
10639/2003 e 11.645/2008. Em seguida, foi aplicado um questionário de caracterização
e de resgate das ideias iniciais que o grupo tinha sobre a Jurema Sagrada e realizada uma
exposição dialogada relacionada à Jurema Sagrada e o Ensino de Química
Ao final da discussão do texto, foi proposta a elaboração de um plano de aula que
envolvesse a temática discutida
2.4 ANÁLISE DOS DADOS
A análise referente às questões de estudo utilizou o cruzamento dos dados coletados
nos diferentes instrumentos de pesquisa (questionários e plano de atividades). Segundo
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2001), esse procedimento é característico da técnica
de triangulação, pois busca diferentes maneiras para investigar um mesmo ponto. Os
autores ainda afirmam ser essa uma característica da pesquisa qualitativa. A análise
realizada norteou-se por alguns dos procedimentos inerentes à análise de conteúdo
conforme discutido por Bardin (1977).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 DIALOGANDO COM O 1º OBJETIVO DA PESQUISA
Após uma busca em no Banco de tese e dissertações da CAPES e em consulta a
periódicos utilizando as palavras-chave: Jurema, Ensino de Ciências, Ensino de Química,
selecionamos seis produções que subsidiaram a construção do texto intitulado
“DIÁLOGOS ENTRE O ENSINO DE QUÍMICA E A JUREMA SAGRADA:
POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-
INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO”
1- CAMARGO, Maria Thereza Lemos de Arruda. Contribuição ao estudo
Etnofarmacobotânico da bebida ritual de religiões afro-brasileiras denominada “ninho da
Jurema” e seus adtivos psicoativos. Revista Nures, Ano X, nº 26, jan-abr, 2014
2- CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira; JORON, Clelia Moreira Pinto. JUREMA; culto,
religião e espaço público. Estudos de Religião, v. 32, n. 1, jan-abr, p. 45-60, 2018.
Disponível em : https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/ER/article/download/7624/6227. Acesso em 20 de maio de 2018.
3- NEVES, Maiane dos Santos. Estudo fitoquímico e avaliação da atividade
anticolinesterásica de extratos da casca da raiz da Mimosa tenuiflora (Wild.) Poiret. 2015,
Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana,
2015. Disponível em: http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/226. Acesso em 10 abr 2018.
4- L’ODÒ, Alexandre Alberto Santos Oliveira L’Omi. Juremologia: Uma Busca
Etnográfica para a Sistematização de Princípios da Cosmovisão da Jurema Sagrada. 2017,
Dissertação (Mestrado). Universidade Católica de Pernambuco. Recife, 2017. Disponível
em: http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/933/2/Ok_alexandre_lomi_lodo.pdf.
Acesso em 10 abr 2018.
5- __________Teologia da Jurema. existe alguma? COLÓQUIO DE HISTÓRIA:
Perspectivas Históricas- Historiografia, pesquisa e Humanidade. 5, 2014. Recife. Atas,
Recife: UNICAP 2014. Disponível em: http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-
content/uploads/2013/11/5Col-p.1083-1106.pdf. Acesso em 18 abr 2018
6- SILVA, Talita Maria Araújo; SANTOS, Valéria Verônica dos; ALMEIDA, Argus
Vasconcelos de. Etnobotânica Histórica da Jurema do Nordeste Brasileiro. Etnobiología,
n. 8, p. 1-10, 2010. Disponível em:
http://asociacionetnobiologica.org.mx/revista/index.php/etno/article/view/129/0. Acesso
em: 15 abr de 2018.
Partimos, principalmente, do referencial de L’ Odò (2014, 2017) para a discussão
sobre aspectos inerentes à religiosidade da Jurema Sagrada por ser um teórico da área e
ao mesmo tempo fazer parte da tradição religiosa. Os aspectos químicos e biológicos
tiveram como referenciais Camargo (2014), Neves (2015) e Silva, Santos e Almeida
(2010).
A elaboração do texto no que se refere à Jurema permitiu um conhecimento acerca
da religião afro-indígena que está presente em cerca de 70% dos terreiros da região
metropolitana do Recife. Foi possível observar as características dessa expressão religiosa
que difere dos primórdios devido à adaptação ao cenário urbano.
Além de partirmos do referencial teórico que consideramos confiável para a
escrita sobre a Jurema, procuramos ao final da produção, apresentar o texto ao autor que
foi o nosso principal referencial teórico Alexandre Alberto Santos de Oliveira (L’OMI
L’ODÒ).
Para a apresentação do texto ao teórico e Sacerdote da Jurema Alexandre L’Odò,
realizamos uma entrevista para apresentação e sugestão sobre as questões presentes no
texto. No momento inicial, ele teve oportunidade de ler o material, fazer anotações e,
posteriormente, dialogamos sobre os aspectos referentes à Jurema Sagrada. Entre as
questões foram destacadas a intolerância religiosa atrelada ao povo de terreiro que
expressa o racimo estrutural que caracteriza a sociedade brasileira, a identidade da Jurema
enquanto expressão religiosa e não como apêndice de outras tradições religiosas e a
relevância da importância de trabalhos educativos que tenham por objetivo superar a
intolerância religiosa.
Ao final da entrevista, Alexandre L’Odò nos autorizou a utilizar trechos de sua
Dissertação de Mestrado em que apresenta a Cosmovisão da Jurema assinando o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido.
Aspectos químicos, biológicos e bioquímicos foram abordados no texto com o
intuito de permitir aproximações com o ensino em diferentes níveis de escolaridade.
O texto elaborado apresentava os elementos abordados por L’Odò (2017) como a
Cosmovisão da Jurema Sagrada; Panteão da Jurema em ordem hierárquica, a Ciência da
Jurema, as Cidades da Jurema, Malunguinho: ponto central de sustentação do Cosmo da
Jurema e a natureza: espaço sagrado material
3.2 DIALOGANDO COM O 2º OBJETIVO DE PESQUISA
Para elucidar o 2º Objetivo, foi entregue uma cópia do texto elaborado “Diálogos
entre o ensino de Química e a Jurema Sagrada: possibilidades para a abordagem da
História e Cultura Afro-Indígena no ensino médio” e realizada uma exposição dialogada
com a utilização de Power-Point.
Na discussão, partiu-se do texto elaborado, a partir principalmente da Dissertação
de Mestrado de Me Alexandre Alberto Santos de Oliveira (L’ODÒ, 2017), que buscou
fundamentar os aspectos relacionados à religiosidade Afro-Indígena, como destacamos
anteriormente.
Além dos aspectos ligados à religiosidade, foram abordados aspectos relacionado
à taxinomia da Jurema (Planta) cujo nome científico é Mimosa tenuiflora, aspectos
químicos dos componentes da referida planta e questões bioquímicas relacionadas à ação
da Dimetiltriptamina (DMT) - alcaloide psicoativo presente no “Vinho da Jurema”/ “Chá
da Jurema”, utilizado em alguns rituais da Jurema em regiões que ainda conservam os
aspectos dos rituais iniciais e encontrado na raiz da planta. Outros componentes químicos
encontrados na planta também foram indicados no texto.
Figura 1- Alcaloides isolados da M. tenuiflora
Fonte: Souza (2008 apud NEVES, 2015, p.25)
A partir das discussões, houve uma aproximação inicial com as questões expostas
no texto e foi colocada a importância do tema a ser discutido por pessoas com propriedade
intelectual e vivencial acerca das questões para não se distorcer aspectos referentes à
Cultura Afro-Indígena no tocante à religiosidade Jurema Sagrada.
Após exposição dialogada sobre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química foi
solicitado que os licenciandos elaborassem um plano de aula, o que nos daria indícios da
contribuição das atividades vivenciadas para o processo formativo dos licenciandos.
O material com as questões foi entregue aos licenciandos e solicitado que
entregassem ao final da disciplina (cerca de 1 mês do encontro). Enviamos,
posteriormente, as questões por e-mail e nos disponibilizamos para dúvidas que pudessem
existir sobre as atividades propostas. Cinco licenciandos (L2, L3, L4, L5 e L7) entregaram
a atividade ao final da disciplina.
Os licenciandos L2, L3, L4, L5 e L7 elaboraram um plano de aula a partir das
orientações que foram fornecidas. O objetivo da atividade seria nos permitir analisar
como os licenciandos articulariam as discussões com o ensino de Química, o que nos
daria indícios de saberes construídos e mobilizados ao longo do processo.
Os conteúdos elencados referem-se em sua maioria à Química Orgânica com
exceção de L5 apresentou questões da Química Geral.
Embora, os objetivos elencados pelos licenciandos tenham se relacionados com
atividades voltadas ao professor e não com as aprendizagens esperadas após as aulas
propostas, a análise permite observar as articulações entre o que foi vivenciado no
decorrer da intervenção e a proposta de vivência no ensino de Química.
L2 e L7 indicam objetivos específicos que articulam as questões inerentes a
cultura afro-indígena e o ensino de química. L4 também busca a articulação, embora
pareça sinalizar apenas aspectos da cultura indígena à Jurema e discussões mais
desatreladas. L3 e L7 buscam a discussão articulando questões que não envolvem
aspectos ligados a tradição religiosa.
“-Apresentar as funções orgânicas oxigenadas e nitrogenadas.
-Reconhecer as funções em compostos presentes no chá da Jurema.
-Estimular uma reflexão sobre a influência das questões históricas e
sociológicas da Jurema com a participação de representantes para explanar.
-Utilizar um texto como recurso didático sobre os compostos presentes na
Jurema para fazer a identificação de funções nas estruturas extraídas do chá.”
L2
“-Identificar características regionais sobre a árvore Jurema e sua relação com
o Nordeste
-Contextualizar a química presente nos produtos naturais provenientes da
Jurema
-Investigar as crenças existentes no ritual em que é utilizado o chá da Jurema.”
L7.
O conhecimento específico relacionado à química está presente nos objetivos
específicos elencados pelos licenciandos, embora L4 e L7 tenham apresentado de forma
mais geral, não indicando o conteúdo químico.
A partir das proposições dos licenciandos, pudemos observar diferentes
articulações entre as questões discutidas e a elaboração de uma proposta a ser vivenciada
no ensino de Química. Em termos de saberes pedagógicos gerais, observamos a
proposição de atividades diferenciadas com proposição de trabalhos em grupos, debates,
pesquisas, exposição dialogadas entre outras.
1º Momento: exposição dialogada sobre as funções orgânicas nitrogenadas
2º Momento: Perguntas sobre a nomenclatura das funções orgânicas
nitrogenadas, seguidas de questões como: O que é Jurema? Qual a relação da
Jurema com as funções oxigenadas e nitrogenadas? Por que os índios utilizam
a Jurema para fazer rituais? Existe preconceito com relação ao uso da Jurema
nos rituais indígenas e em religiões de raiz africana?
3º Momento: Discussão do texto 02
4º Momento: Participação de representantes da tradição religiosa
5º Momento: Os alunos teriam que identificar funções orgânicas na estrutura
da DMT. L2
Na estruturação de L2 e L7, é possível identificar mais elementos que coadunam
com a discussão realizada durante a intervenção, no sentido da abordagem dos conceitos
químicos tendo como contexto a Jurema Sagrada com o objetivo de propiciar espaços de
respeito a cultura afro-indígena. A proposta de L4, apesar de menos detalhada também
contribui nessa direção.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos nesta pesquisa analisar a mobilização/construção de saberes a partir de
diálogos entre a Jurema Sagrada e o Ensino de Química na formação inicial de
licenciandos em Química contemplando aspectos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008.
Em relação ao 1º objetivo elencado, produzimos um texto que aborda em um
primeiro momento elementos da Jurema sagrada tendo como aporte a Dissertação de
Mestrado de L’Odò (2017) e, uma segunda parte, que envolve aspectos químicos,
biológicos e bioquímicos relativos à planta Jurema.
Apesar de nos apoiarmos em uma referencial de autoridade teórica e prática para
a discussão da Jurema Sagrada, acreditamos que nós, enquanto leigos, podemos introduzir
essas questões, mas é imprescindível que pessoas que fazem parte da tradição religiosa
falem a respeito dela.
Destacamos ainda em relação a esse objetivo, a importância de que se conheça a
nossa Cultura e, nesse contexto, a religiosidade como forma de superar ideias errôneas,
pré-concebidas, ou seja, preconceitos para que não se transformem em discriminação,
impedindo a violência atrelada à intolerância religiosa que está bastante ligada ao racismo
estrutural presente em nosso país.
Em relação ao 2º objetivo, buscamos analisar de que forma os licenciandos
planejariam uma atividade voltada para o ensino de Química.
Observamos que 3 licenciandos propuseram atividades para o ensino de Química
contemplando as questões referentes à Jurema Sagrada e ao ensino de Química, o que ao
nosso ver, é um importante subsídio para disseminar novos olhares às tradições religiosas
de matrizes africana e indígena, o que pode diminuir a intolerância religiosa.
A pesquisa nos trouxe oportunidades de aproximar o ensino de química de
contextos diferentes da ciência e nos revelou a possibilidade diálogos e modos de ter um
ensino de Químico humanizado e que tece diálogos que diferentes questões que permeiam
o contexto social. Em particular, nos debruçamos em aspectos relativos à Cultura Afro-
Indígena, nos debruçando nos elementos da tradição religiosa da Jurema Sagrada e como
as questões químicas, biológicas e bioquímicas podem dialogar do ensino, o que
possibilita que novas investigações seja feita nessa direção.
REFERÊNCIAS
ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER. 2 ed. O método nas ciências
naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. Pioneira: São Paulo, 2001.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº 10639. 645 de 09 de janeiro de 2003. Brasília,
2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm.
Acesso em 15 mai de 2018.
__________, Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro
Brasileira e Africana, 2004.
__________Ministério da Educação. Lei nº 11. 645 de 10 de março de 2008. Brasília,
2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em 15 mai de 2018.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
L’ODÒ, Alexandre Alberto Santos Oliveira L’Omi. Juremologia: Uma Busca
Etnográfica para a Sistematização de Princípios da Cosmovisão da Jurema Sagrada. 2017,
Dissertação (Mestrado). Universidade Católica de Pernambuco. Recife, 2017. Disponível
em: http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/933/2/Ok_alexandre_lomi_lodo.pdf.
Acesso em 10 abr 2018.
NEVES, Maiane dos Santos. Estudo fitoquímico e avaliação da atividade
anticolinesterásica de extratos da casca da raiz da Mimosa tenuiflora (Wild.) Poiret. 2015,
Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana,
2015. Disponível em: http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/226. Acesso em 10 abr 2018.
OLIVEIRA, M. M. Como fazer: projetos, relatórios, monografias, dissertações e teses.
Recife: Edições Bagaço, 2003.
TRIVIÑOS, A. N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa
em educação. 1.ed. São Paulo: Atlas, 1987.