direito do consumo (2014)

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E-BOOK DEZEMBRO 2014 DIREITO DO CONSUMO Coleção de Formação Contínua PLANO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA 2013-2014

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  • E-BOOK DEZEMBRO 2014

    DIREITO DO CONSUMO

    Coleo de Formao Contnua

    PLANO DE FORMAO CONTNUA 2013-2014

  • A matria do Direito do Consumo tem vindo a ocupar

    terreno de forma crescente na atividade dos Tribunais

    portugueses, em virtude da proliferao legislativa a

    nvel europeu e nacional, pretendendo-se corresponder

    a exigncias de equilbrio e de justeza na complexidade

    negocial criada pelos mercados e pela vida empresarial

    face aos particulares e ao indivduo.

    No dia 7 de maro de 2014, realizou-se nas instalaes

    do Centro de Estudos Judicirios a ao de formao

    sobre o Direito do Consumidor, organizada pelos

    docentes da Jurisdio Cvel.

    O interesse das matrias, a sua atualidade e a

    qualidade dos textos produzidos justificam plenamente

    a sua edio em formato digital, a qual

    disponibilizada a toda a comunidade jurdica, na

    Coleo Formao Contnua.

  • Ficha Tcnica

    Conceo e organizao:

    Margarida Paz (Procuradora da Repblica e Docente do CEJ)

    Pedro Caetano Nunes (Juiz de Direito e Docente do CEJ)

    Nome:

    Direito do Consumo

    Categoria:

    Formao Contnua

    Intervenientes:

    Lus Filipe Sousa (Juiz de Direito)

    Higina Castelo (Juza de Direito)

    Fernando Gravato Morais (Docente Universitrio)

    Lus Silveira Rodrigues (Membro da Direo da DECO; Advogado)

    Ftima Baptista (Procuradora-Adjunta)

    Jorge Morais Carvalho (Docente Universitrio)

    Reviso final:

    Edgar Taborda Lopes (Coordenador do Departamento da Formao do CEJ, Juiz de

    Direito)

    Joana Caldeira (Tcnica Superior do Departamento da Formao do CEJ)

  • NDICE

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos) - Lus Filipe Sousa ............................................................................................................................................... 7

    Texto da interveno ............................................................................................................... 9

    Videogravao da comunicao ............................................................................................ 27

    Jurisprudncia Europeia ......................................................................................................... 28

    Breve itinerrio pelo Direito Comunitrio do Consumo ........................................................ 87

    Crdito ao consumo e diversidade de tipos contratuais - Higina Castelo ................................ 103

    Sumrio e bibliografia .......................................................................................................... 105

    Sinopse da interveno ........................................................................................................ 108

    Videogravao da comunicao .......................................................................................... 112

    Proteo do consumidor a crdito na celebrao e na execuo do contrato - Fernando

    Gravato Morais ......................................................................................................................... 113

    Sumrio e bibliografia .......................................................................................................... 115

    Texto da interveno ........................................................................................................... 117

    Videogravao da comunicao .......................................................................................... 129

    Prticas comerciais desleais na perspetiva da defesa do consumidor - Lus Silveira

    Rodrigues..131

    Sumrio ................................................................................................................................ 133

    Texto da interveno ........................................................................................................... 134

    Apresentao em powerpoint .............................................................................................. 141

    Videogravao da comunicao .......................................................................................... 165

    A ao inibitria Nacional e Europeia Ftima Baptista. ........................................................ 167

    Texto da interveno ........................................................................................................... 169

    Videogravao da comunicao .......................................................................................... 181

    Limites da taxa de juro e usura Jorge Morais Carvalho ......................................................... 183

    Sumrio e bibliografia .......................................................................................................... 185

    Texto da interveno ........................................................................................................... 186

    Apresentao em powerpoint .............................................................................................. 205

    Videogravao da comunicao .......................................................................................... 229

    NOTA:

    Pode clicar nos itens do ndice de modo a ser redirecionado automaticamente para o tema em

    questo.

    Clicando no smbolo existente no final de cada pgina, ser redirecionado para o ndice.

  • Registo das revises efetuadas ao e-book

    Identificao da verso Data de atualizao

    Verso inicial 19/12/2014

    Nota:

    Foi respeitada a opo dos autores na utilizao ou no do novo Acordo Ortogrfico.

    ATENO:

    Para a visualizao correta dos e-books recomenda-se a utilizao do programa Adobe Acrobat Reader.

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  • Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    [Lus Filipe Sousa]

  • 9

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    CLUSULAS ABUSIVAS NA JURISPRUDNCIA EUROPEIA

    Apontamentos

    Lus Filipe Pires de Sousa

    Juiz de Direito

    CEJ, 7.3.2014

    () o juiz portugus, de um modo geral, ignora o Direito Comunitrio. Com esse seu

    comportamento, ele, antes de mais, est a infringir a subordinao do poder judicial lei, dado

    que, como j se disse, o Direito Comunitrio faz parte do bloco de legalidade que obriga os

    tribunais portugueses. Mas est tambm a estimular a lassido do Legislador e da

    Administrao Pblica () na execuo do Direito Comunitrio. Os tribunais portugueses esto,

    dessa forma, a contribuir, sem o quererem, para subverter a Ordem Jurdica que obriga o

    Estado Portugus e que, por isso, deve ser aplicada em Portugal. Com isso perdem todos: o

    princpio democrtico da legalidade, o Estado Portugus e os particulares. - FAUSTO DE

    QUADROS, Direito da Unio Europeia, Almedina, 2004, p. 544.

    *

    Artigo 67, n1, do Tratado de Lisboa

    A Unio constitui um espao de liberdade, segurana e justia, no respeito dos direitos

    fundamentais e dos diferentes sistemas e tradies jurdicas dos Estados-Membros.

    Segundo o princpio da autonomia processual dos Estados-membros, compete ordem

    jurdica de cada Estado-Membro designar os rgos jurisdicionais competentes e definir as

    modalidades processuais das aes judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos

    que, para os particulares, decorrem do efeito direto do direito comunitrio ( 12 Ac.

    Peterbroek, C-312/93). Isto porquanto no ocorre uma harmonizao do direito processual dos

    Estados-membros.

    O princpio da autonomia processual dos estados-membros comporta duas excees: o

    princpio da equivalncia e o princpio da efetividade.

    Princpio da equivalncia: as modalidades processuais das aes no podem ser menos

    favorveis do que as respeitantes a aes judiciais similares de natureza interna. Ou seja, exige-

    se que os requisitos impostos pelo direito nacional para suscitar oficiosamente uma regra de

    direito da Unio no sejam menos favorveis do que os que regulam a aplicao oficiosa de

    regras do mesmo grau hierrquico de direito interno (48 Ac. Pohotovost, C-76/10).

  • 10

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Em decorrncia do referido princpio, quando o juiz nacional que conhece em sede de

    recurso disponha da faculdade ou tenha a obrigao de apreciar oficiosamente a validade de

    um ato jurdico luz das regras nacionais de ordem pblica, mesmo que essa contrariedade

    no tenha sido suscitada em primeira instncia, deve igualmente exercer tal competncia para

    efeitos de conhecer oficiosamente, luz dos critrios da Diretiva 93/13, do carter abusivo de

    uma clusula contratual abrangida pelo mbito de aplicao desta ltima diretiva (30 Ac.

    Joros, C-397/11).

    Princpio da efetividade: as regras internas de cada estado no podem ser concebidas de

    forma a tornarem impossvel, na prtica, ou excessivamente difcil o exerccio dos direitos

    conferidos pela ordem jurdica da Unio. A finalidade do princpio da efetividade a de que o

    direito comunitrio no deixe de ser aplicado devido ao contedo das normas internas dos

    Estados-membros.

    A impossibilidade do exerccio de direitos deve ser analisada tendo em conta a colocao

    dessa disposio no conjunto do processo, a tramitao deste e as suas particularidades nas

    vrias instncias nacionais. Nesta perspetiva, h que tomar em considerao, se necessrio, os

    princpios que esto na base do sistema jurisdicional nacional, como o da proteo dos direitos

    de defesa, o princpio da segurana jurdica e o da correta tramitao do processo ( 14 Ac.

    Peterbroeck, C-312/93, 34 Ac. Asociacin de Consumidores Independientes de Castilla y Len,

    C-413/12).

    O juiz nacional obrigado a interpretar e aplicar o conjunto das disposies nacionais em

    causa em toda a medida do possvel a fim de assegurar a realizao efetiva dos direitos

    garantidos pelas disposies do direito da Unio (32 Ac. Jors, C-397/11). As caratersticas dos

    processos jurisdicionais entre os profissionais e os consumidores, que decorrem no quadro do

    direito nacional, no podem constituir um elemento suscetvel de afetar a proteo jurdica de

    que os consumidores devem beneficiar ao abrigo das disposies da Diretiva 93/13 ( 62 do Ac.

    Aziz, C-415/11).

    Competncia do Tribunal de Justia e sua articulao com os tribunais nacionais

    A competncia do Tribunal de Justia abrange a interpretao das disposies das

    diretivas bem como os critrios que o rgo jurisdicional nacional pode ou deve aplicar no

    exame de uma clusula contratual luz das mesmas. Compete ao juiz nacional pronunciar-se,

    tendo em conta os referidos critrios, sobre a qualificao concreta de uma clusula contratual

    particular em funo das circunstncias concretas do caso em apreo (cf. 48 do Ac. RWE

    Vertieb AG, C-92/11). S o tribunal nacional tem competncia para verificar e apreciar os factos

    do litgio no processo principal assim como para interpretar e aplicar o direito nacional. Aps

  • 11

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    munir o tribunal nacional dos critrios de interpretao do direito comunitrio, o Tribunal de

    Justia deixa ao tribunal nacional uma margem de apreciao a exercitar de acordo como o

    direito nacional.

    O processo previsto no artigo 267 do TFUE um instrumento de cooperao entre o

    Tribunal de Justia e os rgos jurisdicionais nacionais, graas ao qual o primeiro fornece aos

    segundos os elementos de interpretao do direito da Unio que lhes so necessrios para a

    resoluo dos litgios que so chamados a decidir.

    () de acordo com jurisprudncia assente, a interpretao que o Tribunal de Justia faz

    de uma norma de direito da Unio, no exerccio da competncia que lhe conferida pelo artigo

    267. TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ser ou

    deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se

    conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz a relaes jurdicas

    nascidas e constitudas antes de ser proferido o acrdo que se pronuncie sobre o pedido de

    interpretao, se se encontrarem tambm reunidas as condies que permitem submeter aos

    rgos jurisdicionais competentes um litgio relativo aplicao da referida norma (v.,

    nomeadamente, acrdos de 2 de fevereiro de 1988, Blaizot e o., 24/86, Colet., p. 379, n. 27;

    de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C-402/03, Colet., p. I-199, n. 50; de 18 de janeiro de

    2007, Brzeziski, C-313/05, Colet., p. I-513, n. 55; e de 7 de julho de 2011, Nisipeanu, C-

    263/10, n. 32) ( 58 do Ac. RWE Vertrieb AG, C-92/11).

    Dito de outra forma, o Tribunal de Justia interpreta autenticamente o direito

    comunitrio, utilizando o reenvio interpretativo para desenvolver o direito comunitrio, daqui

    derivando uma partilha da tarefa legislativa entre o legislador e o juiz. A interpretao feita

    pelo Tribunal de Justia incorpora-se na norma interpretada, s podendo ser questionada

    mediante modificao legislativa subsequente ou alterao da interpretao protagonizada

    pelo prprio Tribunal de Justia.

    S a ttulo excecional que o Tribunal de Justia pode, em aplicao do princpio geral

    da segurana jurdica inerente ordem jurdica da Unio, ser levado a limitar a possibilidade de

    qualquer interessado invocar uma disposio por ele interpretada para pr em causa relaes

    jurdicas estabelecidas de boa-f. Para que esta limitao possa ser decidida, necessrio que

    estejam preenchidos dois critrios essenciais, a saber, a boa-f dos meios interessados e o risco

    de perturbaes graves ( 59 Ac. RWE Vertrieb AG, C-92/11).

  • 12

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Invocao das Diretivas

    Em sede de Direito Comunitrio, h que distinguir a aplicabilidade direta do efeito

    direto. Aquela significa que determinados atos entram em vigor na ordem jurdica interna, sem

    necessidade de qualquer ato de transposio por parte dos Estado Membros (caracterstica

    do ato em si, v.g. regulamento, decises dirigidas aos particulares). Por seu turno, o efeito

    direto designa a faculdade que assiste aos particulares de invocar a aplicao pelos tribunais

    nacionais de normas que, contendo direitos, apresentam determinadas caractersticas que

    possibilitam tal invocao (caracterstica da norma em si, a qual pode ocorrer nas normas das

    diretivas).

    No caso das diretivas, tem-se entendido que constituem requisitos do efeito direto:

    a) Tratar-se de uma norma incondicional e suficientemente precisa (Acrdo Ratti, Proc.

    N 148/78, Colect. I-1629);

    b) Ter decorrido o prazo de transposio da diretiva (mesmo Acrdo) ou ser a diretiva

    transposta erradamente ou de modo insuficiente (Acrdo Marshall, Colect. 1986,

    pg. 723).

    O efeito direto pode ser vertical ou horizontal.

    Considerando que as diretivas s podem ter como destinatrios os Estados, aquelas s

    podero impor obrigaes a estes. Conforme refere o Tribunal de Justia no Ac. Marshall Do

    que resulta que uma diretiva no pode, por si s, criar obrigaes na esfera jurdica de um

    particular e que uma disposio de uma diretiva no pode ser, portanto, invocada enquanto

    tal, contra tal pessoa ( 48) .

    Assim, o particular pode invocar contra o Estado (entendido em sentido amplo de modo

    a abranger as empresas pblicas, institutos pblicos, autarquias), perante o tribunal nacional

    ou a administrao pblica, o efeito direto da diretiva (efeito direto vertical). Diversamente,

    tem-se mantido a jurisprudncia do Tribunal de Justia no sentido de que o particular no pode

    invocar contra outro particular o efeito direto da diretiva na medida em que no se admite o

    efeito direto horizontal da diretiva. Escuda-se o Tribunal essencialmente na necessidade de

    manter uma distino entre regulamentos e diretivas (cf. Acrdo Faccini Dori, Colect. 1994, p.

    I-3325).

    Sem embargo de persistir nesta posio da inadmissibilidade do efeito direto horizontal

    da diretiva, a jurisprudncia do Tribunal de Justia tem encontrado diversas vias sucedneas

    que possibilitam a invocao das normas de diretivas, pelas pessoas singulares, perante as

    jurisdies nacionais.

  • 13

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Segundo o princpio da interpretao conforme (tambm designado por princpio do

    efeito indireto), ao aplicar uma lei nacional quer se trate de disposies anteriores ou

    posteriores diretiva, o rgo jurisdicional nacional obrigado a interpretar a respetiva lei

    nacional, na medida do possvel, luz do texto e da finalidade da diretiva, para atingir o

    resultado prescrito pelo Artigo 249 do Tratado [atual artigo 288 do TFUE] cf. Acrdos

    Sabine von Colson, Recueil 1984, p. 1891; Marleasing II, Colect., 1990, p. I 4135; de 5 de

    Maro de 2002, proferido no Processo C-386/00. A exigncia de uma interpretao conforme

    requer, em particular, que o juiz nacional privilegie aquela que lhe permitir recusar

    oficiosamente assumir uma competncia que lhe atribuda por fora de uma clusula abusiva

    cf. 32 do Ac. Oceano Grupo Editorial, C-240/98.

    A interpretao conforme apenas deve atuar quando o sentido da norma nacional for

    ambguo, comportando entre vrios sentidos possveis, uma interpretao que seja conforme

    ao direito comunitrio. Cabe ao tribunal nacional aplicar esta ltima.

    O princpio da interpretao conforme tem limites, quedando a sua pertinncia quando:

    a) Determine ou agrave a responsabilidade penal (princpio da irretroatividade da lei

    penal; Acrdo Arcaro, Colect., 1996, p. I 4719);

    b) Implique uma interpretao contra legem. Conforme se refere no Acrdo Arcaro, o

    Direito Comunitrio no contm um mecanismo que permita ao rgo jurisdicional

    nacional eliminar disposies internas contrrias a uma disposio de uma diretiva

    no transposta, quando esta disposio (da diretiva) no possa ser invocada perante

    o rgo jurisdicional nacional;

    c) Viole uma regra superior de Direito, tal como o princpio da segurana jurdica que se

    inclui entre as fontes de direito comunitrio1.

    O Tribunal de Justia tem, em diversas decises, feito uma distino entre o efeito direto

    de uma disposio de direito comunitrio (entendida no sentido estrito de invocabilidade

    direta pelos particulares das disposies de uma diretiva no transposta), por um lado, e a

    capacidade das diretivas de servirem de parmetro de legalidade de uma disposio de nvel

    inferior na hierarquia das fontes, por outro. Releva aqui o princpio do primado do direito

    comunitrio, proclamado pela primeira vez no Acrdo Costa /Enel, segundo o qual em caso de

    conflito entre uma norma nacional, seja qual for o seu valor hierrquico, e uma norma

    comunitria, deve sempre prevalecer esta ltima pois se os Estados-Membros pudessem

    adotar unilateralmente medidas contrrias aos Tratados, a ordem jurdica por estes criada

    estaria irremediavelmente condenada ao fracasso 2. Por exemplo, no Acrdo Marleasing o

    1 Cfr. JOS LUS CARAMELO GOMES, O juiz nacional e o direito comunitrio, Almedina, 2003, p. 74.

  • 14

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Tribunal de Justia ordenou ao juiz nacional que interpretasse o Cdigo Civil de forma a excluir

    as disposies internas que preveem casos de nulidades do ato constitutivo de uma sociedade

    de capitais no autorizados por uma diretiva no transposta. Ao decidir deste modo, o Tribunal

    reconheceu diretiva no transposta, independentemente da natureza vertical ou

    horizontal da relao, o efeito de excluso relativamente a disposies internas

    incompatveis.

    Na eventualidade do resultado prescrito pela Diretiva no poder ser atingido por

    nenhuma das vias apontadas, impe o direito comunitrio aos Estados-Membros a obrigao

    de reparar os danos causados a particulares pela no transposio desde que: a) a diretiva

    tenha como objetivo atribuir direitos a particulares; b) o contedo desses direitos possa ser

    identificado com base nas disposies da diretiva; c) exista um nexo de causalidade entre a

    violao da obrigao que incumbe ao Estado e o dano sofrido (Acrdo Francovitch, Colect. P.

    I 5357, n 39).

    A Diretiva 93/13/CEE

    Constitui jurisprudncia constante que o sistema de proteo institudo pela Diretiva

    assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situao de inferioridade em relao

    ao profissional no que respeita tanto ao poder de negociao como ao nvel da informao. Tal

    situao de inferioridade leva o consumidor a aderir s condies redigidas previamente pelo

    profissional, sem poder influenciar o seu contedo (cf. 31 Ac. Dirk Frederic Asbeek Brusse, C-

    488/11). A desigualdade econmica e jurdica entre as partes intervenientes no contrato de

    consumo prolonga-se no plano processual, quando sobrevm o litgio.

    A Diretiva constitui, na sua totalidade, uma medida indispensvel para o cumprimento

    das misses confiadas Unio e, em particular, para aumentar o nvel e a qualidade de vida em

    todo o seu territrio (cf. 43 Ac. Dirk Frederic Asbeek Brusse, C-488/11).

    O direito do consumo visa dois objetivos: um direito de proteo que possui a

    particularidade de tambm participar na regulao do mercado. Deste modo, o direito do

    consumo integra uma ordem pblica de direo na medida em que no visa apenas a proteo

    do consumidor mas tambm a regulao do mercado e a proteo de uma certa ordem

    econmica.

    Artigo 3

    1. Uma clusula contratual que no tenha sido objeto de negociao individual

    considerada abusiva quando, a despeito da exigncia de boa-f, der origem a um desequilbrio

  • 15

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigaes decorrentes do

    contrato.

    2. Considera-se que uma clusula no foi objeto de negociao individual sempre que a

    mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor no tenha podido

    influir no seu contedo, em especial no mbito de um contrato de adeso.

    O artigo 3 define s de maneira abstrata os elementos que do carter abusivo a uma

    clusula contratual que no tenha sido objeto de negociao individual.

    Para saber se uma clusula cria, em detrimento do consumidor, um desequilbrio

    significativo entre os direitos e obrigaes das partes decorrentes do contrato, h que ter em

    conta, designadamente, as normas de direito nacional aplicveis na falta de acordo das partes

    nesse sentido. atravs de uma anlise comparativa deste tipo que o rgo jurisdicional

    nacional poder avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situao

    menos favorvel do que a prevista no direito nacional em vigor. De igual modo, afigura-se

    pertinente, para este efeito, proceder a um exame da situao jurdica em que se encontra o

    referido consumidor, atendendo aos meios de que dispe, ao abrigo da legislao nacional,

    para pr termo utilizao das clusulas abusivas (68 Ac. Aziz,C-415/11, 65 Ac. Banco

    Popular Espaol, C-537/12).

    No que respeita questo de saber em que circunstncias o desequilbrio criado a

    despeito da exigncia de boa-f, o juiz nacional deve verificar para esse fim se o profissional,

    tratando de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este

    ltimo aceitasse tal clusula na sequncia de uma negociao individual (69 Ac. Aziz, C-

    415/11, 66 Ac. Banco Popular Espaol, C-537/12).

    A questo de saber se esse desequilbrio significativo existe no pode limitar-se a uma

    apreciao econmica de natureza quantitativa, assente numa comparao entre o montante

    total da operao que foi objeto do contrato, por um lado, e os custos imputados ao

    consumidor por essa clusula, por outro. Um desequilbrio significativo pode resultar

    simplesmente de uma leso suficientemente grave da situao jurdica na qual o consumidor,

    enquanto parte no contrato em causa, colocado por fora das disposies nacionais

    aplicveis, seja ela sob a forma de uma restrio do contedo dos direitos que, segundo essas

    disposies, para ele resultam desse contrato, ou de um entrave ao exerccio dos mesmos, ou

    ainda do facto de lhe ser imposta uma obrigao suplementar, no previstas pelas regras

    nacionais ( 22 e 23 Ac. Constructora Principado, C-226/12).

    Nos termos do Artigo 4, n1, da Diretiva, o carter abusivo de uma clusula contratual

    deve ser apreciado em funo da natureza dos bens ou servios que sejam objeto do contrato

  • 16

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    e mediante considerao de todas as circunstncias que, no momento em que aquele foi

    celebrado, rodearam a sua celebrao. Nesta perspetiva, devem igualmente ser apreciadas as

    consequncias que a referida clusula pode ter no mbito do direito aplicvel ao contrato, o

    que implica um exame do sistema jurdico nacional ( 71 Ac. Aziz, C-415/11).

    Artigo 6 da Diretiva 93/13/CE

    1. Os Estados-membros estipularo que, nas condies fixadas pelos respetivos direitos

    nacionais, as clusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por

    um profissional no vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos

    mesmos termos, se puder subsistir sem as clusulas abusivas.

    Atendendo natureza e importncia do interesse pblico que est na base da proteo

    que a Diretiva 93/13 garante aos consumidores, o artigo 6 deve ser considerado uma norma

    equivalente s regras nacionais que ocupam, na ordem jurdica interna, o grau de normas de

    ordem pblica (52 Ac. Asturcom Comunicaciones, C-40/08). H que considerar que essa

    qualificao se estende a todas as disposies da diretiva que so indispensveis realizao

    do objetivo prosseguido pelo referido artigo 6 (cf. 44 Ac. Dirk Frederic Asbeek Brusse, C-

    488/11).

    O artigo 6-1 constitui uma disposio imperativa que pretende substituir o equilbrio

    formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigaes das partes por um equilbrio

    real suscetvel de restabelecer a igualdade entre estas (36 Ac. Mostaza Claro,C-168/05, 25

    Ac. Pannon, C-243/08).

    A fim de assegurar a proteo pretendida apela Diretiva 93/13, o Tribunal de Justia tem

    repetidamente sublinhado que a situao de desequilbrio entre o consumidor e o profissional

    s pode ser compensada por uma interveno positiva, exterior s partes no contrato que o

    juiz nacional (39 Ac. Pohotovost, C-76/10). Esta interveno consiste no exame do contrato

    por parte do juiz, oficiosamente, com o fim de averiguar se o contrato respeita as exigncias

    comunitrias em matria de proteo do consumidor contra as clusulas abusivas.

    O tribunal nacional deve apreciar oficiosamente o carter abusivo de uma clusula

    contratual abrangida pelo mbito de aplicao da Diretiva e, deste modo, suprir o desequilbrio

    que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos de direito e

    de facto necessrios para esse efeito (46 Ac. Aziz, C-415/11, 41 Ac. Banco Popular Espaol,

    C-537/12, 27 Ac. Joros, C-397/11, 40 Ac. Dirk Frederik Asbeek Brusse, C-488/11).

    A faculdade de o juiz apreciar oficiosamente o carter abusivo de uma clusula constitui

    um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6 da Diretiva

    93/13, isto , para impedir que um consumidor individual fique vinculado por uma clusula

  • 17

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    abusiva, e contribuir para a realizao do objetivo visado no seu artigo 7, uma vez que tal

    apreciao pode ter um efeito dissuasor que contribua para pr termo utilizao de clusulas

    abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (cf. 32 Ac.

    Cofidis, C-473/00, 27 Ac. Mostaza Claro, C-168/05).

    O objetivo prosseguido pelo artigo 6 no poderia ser atingido se os consumidores se

    vissem na obrigao de suscitar eles mesmos a questo do carter abusivo de uma clusula

    contratual, s se podendo garantir uma proteo efetiva do consumidor se ao rgo

    jurisdicional nacional for reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente uma clusula ( 23

    do Ac. Pannon, C-243/08). O conhecimento oficioso do carter abusivo de uma clusula

    constitui um meio que o rgo jurisdicional nacional deve observar para assegurar o efeito til

    da proteo pretendida pelas disposies da Diretiva ( 32 Ac. Pannon, C-243/08).

    Esta faculdade considerada necessria para assegurar ao consumidor uma proteo

    efetiva, tendo nomeadamente em conta o risco no despiciendo do consumidor ignorar os

    seus direitos ou de ter dificuldade em exerc-los. Assim, a proteo da Diretiva estende-se aos

    casos em que o consumidor que celebrou com um profissional um contrato que inclua uma

    clusula abusiva se abstenha de invocar o carter abusivo dessa clusula, seja porque

    desconhece os seus efeitos seja porque dissuadido de o fazer devido aos custos de uma ao

    judicial (34 Ac. Cofidis). Ou seja, o artigo 6, n1 deve ser interpretado no sentido de que uma

    clusula contratual abusiva no vincula o consumidor e que, para o efeito, no necessrio

    que o consumidor impugne previamente e com sucesso tal clusula (28 Ac. Pannon, C-

    243/08).

    Decorre dessa jurisprudncia que a plena eficcia da proteo prevista pela Diretiva

    93/13 requer que o juiz nacional que declarou oficiosamente o carter abusivo de uma clusula

    possa retirar todas as consequncias dessa declarao, sem esperar que o consumidor,

    informado dos seus direitos, apresente uma declarao a pedir que a referida clusula seja

    anulada (cf. 28 Ac. Banif Plus Bank, C-472/11, 42 Ac. Jors, C-397/11).

    Em decorrncia do artigo 6, o juiz nacional deve retirar todas as consequncias que,

    segundo o direito nacional, decorram da declarao do carter abusivo da clusula em

    questo, a fim de se certificar de que o consumidor no est vinculado por essa clusula- 63

    Ac. Banco Espaol de Crdito, C-618/10.

    Em cumprimento das exigncias de uma interpretao do direito nacional conforme com

    a Diretiva e de uma proteo efetiva dos direitos dos consumidores, cabe ao rgo jurisdicional

    nacional fazer na medida do possvel aplicao das suas normas de processo internas de

    forma a atingir o resultado fixado pelo artigo 6, n1. A Diretiva deve ser interpretada no

    sentido de que o rgo jurisdicional nacional que declare oficiosamente o carter abusivo de

  • 18

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    uma clusula contratual deve, na medida do possvel, fazer aplicao das suas normas de

    processo internas de forma a que sejam retiradas todas as consequncias que, segundo o

    direito nacional, decorrem do reconhecimento do carter abusivo dessa clusula a fim de se

    certificar que o consumidor no est por ela vinculado ( 53 Ac. Jors, C-397/11).

    A este propsito o Tribunal de Justia tem especificado que, quando o juiz nacional

    considere abusiva uma clusula contratual, obrigado a no a aplicar, salvo se o consumidor,

    aps ter sido avisado pelo juiz, a isso se opuser (cf. 35 Ac. Pannon, C-243/08).

    Todavia, o princpio do contraditrio impe que o juiz nacional - que reconheceu

    oficiosamente o carter abusivo de uma clusula que disso informe as partes no litgio e lhes

    d a possibilidade de o debater, com observncia do contraditrio, segundo as formas

    previstas a este respeito pelas normas nacionais (31 Ac. Banif Plus Bank, C-472/11 e 52 do

    Ac. Dirk Fredric Asbeek Brusse, C-488/11). Com efeito, as exigncias de uma tutela jurisdicional

    efetiva que as pessoas extraem do direito da Unio, garantida pelo Artigo 47 da Carta dos

    Direitos Fundamentais da Unio Europeia, impem o respeito do princpio do contraditrio.

    Em decorrncia do carter imperativo do Artigo 6, n1, e devendo este ser considerado

    uma norma equivalente s regras nacionais que ocupam, na ordem jurdica interna, o grau de

    normas de ordem pblica, resulta que quando o juiz nacional tenha o poder, segundo as

    normas de processo internas, de anular oficiosamente uma clusula contrria ordem pblica

    ou a uma disposio legal imperativa cujo alcance justifique essa sano (), deve de igual

    modo anular oficiosamente uma clusula contratual cujo carter abusivo reconheceu luz dos

    critrios estabelecidos pela Diretiva - 51 Ac. Dirk Frederik Asbeek Brusse, C-488/11.

    EXEMPLO: ACRDO MOSTAZA CLARO

    O objetivo prosseguido pelo artigo 6, que obriga os Estados-membros a preverem que

    as clusulas abusivas no vinculem os consumidores, no pode ser atingido se, em sede de

    recurso de uma deciso arbitral, o tribunal estiver impedido de apreciar a nulidade dessa

    deciso, pela simples razo de o consumidor no ter invocado a nulidade da conveno de

    arbitragem no mbito do processo arbitral ( 30 Ac. Mostaza Claro, C-168/05).

    Manuteno da validade do contrato

    O objetivo prosseguido pelo legislador da Unio no quadro da Diretiva 93/13 no

    consiste em anular todos os contratos que contenham clusulas abusivas, mas em restabelecer

    o equilbrio entre as partes, mantendo, no entanto, em princpio, a validade de um contrato, no

    seu conjunto (Cf. 31 Acrdo Pereniov e Pereni, C-453/10). O Tribunal formula, assim, a

    regra favor contractus como um princpio retor da Diretiva.

  • 19

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    No tocante aos critrios que permitem apreciar se um contrato pode efetivamente

    subsistir sem as clusulas abusivas, o Tribunal de Justia tem decidido no sentido de que tanto

    a redao do artigo 6., n 1, da Diretiva 93/13, como as exigncias relativas segurana

    jurdica das atividades econmicas militam a favor de uma abordagem objetiva na

    interpretao dessa disposio. Deste modo, a situao de uma das partes no contrato, v.g. o

    consumidor, no pode ser considerada o critrio determinante regulador do destino do

    contrato ( 32 Ac. Pereniov e Pereni, C- 453/10). No Ac. C-453/10, o Tribunal de Justia no

    adotou a proposta das alegaes do Advogado Geral no sentido de que o critrio fundamental

    a ter em conta para manter a validade do contrato seria o de saber se o contrato mantinha os

    seus elementos essenciais, salvo se existisse uma disposio no direito nacional que, de modo

    expresso, ordenasse uma anlise diferente da questo.

    A Diretiva no se ope possibilidade, no respeito do direito da Unio, de uma

    regulamentao nacional que permita declarar nulo no seu conjunto um contrato celebrado

    entre um profissional e um consumidor que contenha uma ou vrias clusulas abusivas sempre

    que se mostre que isso assegura uma melhor proteo do consumidor (cf. 35 Acrdo

    Pereniov e Pereni, C-453/10).

    O tribunal nacional no pode modificar o contrato

    O Tribunal de Justia deduz da redao do artigo 6 que os tribunais nacionais esto

    obrigados a afastar a aplicao de uma clusula contratual abusiva de modo a que no produza

    efeitos vinculativos relativamente ao consumidor, mas no esto habilitados a modificar o seu

    contedo. O Tribunal de Justia no vai ao ponto de admitir que o juiz reescreva uma clusula

    abusiva, provavelmente porque estar reticente em atribuir muitos poderes a um terceiro ao

    contrato como o juiz.

    O contrato deve subsistir, em princpio, sem nenhuma modificao a no ser a resultante

    da supresso das clusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras de

    direito interno, a subsistncia do contrato seja juridicamente possvel (65 Ac. Banco Espaol

    de Crdito). Assim o artigo 6, n1, deve ser interpretado no sentido de que no permite ao juiz

    nacional, quando tiver determinado o carter abusivo de uma clusula penal num contrato

    celebrado entre um profissional e um consumidor, limitar-se, tal como o autoriza o direito

    nacional, a reduzir o montante da pena imposta por essa clusula a esse consumidor, mas

    impe-lhe afastar pura e simplesmente a aplicao da referida clusula em relao ao

    consumidor ( 60 Ac. Dirk Frederic Asbeek Brusse, C-488/11). O juiz deve verificar quais as

    regras nacionais aplicveis ao litgio que lhe foi submetido e fazer tudo o que for da sua

    competncia, tomando em considerao todo o direito interno e aplicando os mtodos de

  • 20

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    interpretao por este reconhecidos, para garantir a plena eficcia do artigo 6, n1, da

    Diretiva 93/13 e alcanar uma soluo conforme com o objetivo por ela prosseguido - 72 Ac.

    Banco Espaol de Crdito C-618/10.

    () se fosse possvel ao tribunal nacional modificar o contedo das clusulas abusivas

    que figuram em tais contratos, tal faculdade poderia afetar a realizao do objetivo a longo

    prazo previsto no artigo 7. da Diretiva 93/13. Com efeito, essa faculdade contribuiria para

    eliminar o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais decorrente da pura e simples no

    aplicao ao consumidor de tais clusulas abusivas (), pois seriam tentados a utilizar as ditas

    clusulas, sabendo que, mesmo que elas viessem a ser invalidadas, o contrato poderia sempre

    ser integrado, na medida do necessrio, pelo tribunal nacional de modo a garantir o interesse

    dos ditos profissionais. Por esta razo, tal faculdade, se reconhecida ao tribunal nacional, no

    garantiria, por si s, uma proteo to eficaz do consumidor como a resultante da no

    aplicao das clusulas abusivas.- 69 e 79 Ac. Banco Espaol de Crdito C-618/10.

    Artigo 7

    1. Os Estados-Membros providenciaro para que, no interesse dos consumidores e dos

    profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pr termo utilizao de

    clusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

    A possibilidade de o rgo jurisdicional nacional apreciar oficiosamente o carter abusivo

    de uma clusula contratual constitui um meio adequado para atingir o objetivo visado no artigo

    7. A natureza e a importncia do interesse pblico em que assenta a proteo que a Diretiva

    garante aos consumidores justificam, alm disso, que o rgo jurisdicional nacional tenha de

    apreciar oficiosamente o carter abusivo de uma clusula contratual ( 41 Ac. Nemzeti

    Fogyasztvdelmi Hatsg, C-472/10).

    Acrdos do Tribunal de Justia sobre clusulas de aforamento

    Ac. Ocano Grupo Editorial SA, C-240/98

    Contratos de compra e venda a prestaes com clusula que atribua competncia

    aos tribunais de Barcelona.

    Questo Prejudicial: O mbito da proteo do consumidor nos termos da Diretiva

    93/13/CEE, relativa s clusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

    permite ao juiz nacional apreciar oficiosamente o carter abusivo duma clusula ao apreciar a

    questo prvia da admissibilidade duma ao proposta nos tribunais comuns?

    Anexo da Diretiva Ponto 1, alnea q)

  • 21

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Resposta do Tribunal de Justia:

    1- A proteo que a Diretiva 93/13, relativa s clusulas abusivas nos contratos

    celebrados com consumidores, garante a estes implica que o juiz nacional possa

    apreciar, oficiosamente o carter abusivo de uma clusula do contrato que lhe foi

    submetido quando examina a admissibilidade de uma ao instaurada perante os

    rgos jurisdicionais nacionais;

    2- Quando aplica disposies de direito nacional anteriores ou posteriores referida

    diretiva, o rgo jurisdicional nacional obrigado a interpret-las, na medida do

    possvel, luz do texto e da finalidade dessa diretiva. A exigncia de uma

    interpretao conforme requer, em particular, que o juiz nacional privilegie aquela

    que lhe permitir recusar oficiosamente assumir uma competncia que lhe

    atribuda por fora de uma clusula abusiva.

    Acrdo VB Pnzgyi Lizing Zrt, C-137/08

    Contrato de mtuo destinando a financiar a compra de um veculo.

    Mutuante apresentou injuno segundo a clusula de aforamento, sendo que a

    morada do muturio no corresponde ao foro clausulado para o litgio. As normas

    nacionais de processo civil preveem que o tribunal competente o correspondente

    ao domiclio do demandado.

    Questo Prejudicial: O rgo jurisdicional nacional, caso constate o carter

    eventualmente abusivo de uma clusula contratual, pode proceder oficiosamente a uma

    instruo para apurar os elementos de direito e de facto necessrios a essa apreciao, apesar

    de as partes no o terem requerido, quando o direito processual nacional s a permite a

    pedido das partes?

    Resposta do Tribunal de Justia: O rgo jurisdicional nacional, deve, oficiosamente,

    adotar medidas de instruo a fim de determinar se uma clusula atributiva de competncia

    jurisdicional territorial exclusiva constante do contrato objeto do litgio que lhe cabe conhecer,

    e que foi celebrado entre um profissional e um consumidor, se enquadra no mbito de

    aplicao da Diretiva 93/13 e, em caso afirmativo, apreciar oficiosamente o carter

    eventualmente abusivo dessa clusula.

  • 22

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Processo de injuno

    Ac. Banco Espaol de Crdito, SA, C-618/10

    Contrato de mtuo de cerca de 30.000 para aquisio de veculo, com TAEG de

    cerca de 8% e taxa de juros de mora fixada em 29%, sendo que esta estava impressa

    no se distinguia do resto do texto no que se refere ao tipo de caracteres, letra

    utilizada ou aceitao especfica pelo consumidor.

    O tribunal espanhol declarou, oficiosamente, a clusula nula tendo em conta o nvel

    da taxa de juro Euribor, o nvel da taxa do Banco Central Europeu, bem como o facto

    de a taxa dos juros moratrios ser superior em mais de 20 pontos taxa de

    remunerao.

    O tribunal de recurso colocou a seguinte questo prejudicial: se a Diretiva 93/13 deve ser

    interpretada no sentido de que se ope legislao de um Estado-Membro, como a que est

    em causa no processo principal, que no permite ao tribunal a quem foi submetido um pedido

    de injuno de pagamento apreciar oficiosamente, in limine litis ou em qualquer outra fase do

    procedimento, o carter abusivo de uma clusula de juros de mora inserida

    num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, quando este no deduza

    oposio.

    Principais fundamentos da resposta:

    Assim, por fora dos artigos 815., N. 1, e 818., N. 1, do Cdigo de Processo Civil, o

    tribunal nacional a quem submetido um pedido de injuno de pagamento goza de uma

    competncia que se limita mera verificao da existncia das condies formais de

    instaurao do procedimento, devendo deferir o pedido que lhe submetido e ordenar uma

    injuno sem poder apreciar, in limine litis ou em qualquer outra fase do procedimento, a

    procedncia do pedido luz das informaes de que dispe, a menos que o devedor se recuse

    a pagar a dvida ou deduza oposio no prazo de 20 dias a contar da data da notificao da dita

    injuno. Tal oposio deve necessariamente ser assinada por advogado no caso de litgios que

    excedam um determinado valor fixado por lei, que era de 900 euros data dos factos que

    deram origem ao litgio no processo principal.

    53. Ora, neste contexto, foroso constatar que tal regime processual, que institui a

    impossibilidade de o tribunal em que apresentado um pedido de injuno de pagamento

    apreciar oficiosamente o carter abusivo das clusulas que constam de um contrato celebrado

    entre um profissional e um consumidor, in limine litis ou em qualquer outra fase do

    procedimento, mesmo quando disponha j de todos os elementos de direito e de facto

    necessrios para o efeito, na falta de oposio deduzida por este, suscetvel de prejudicar a

  • 23

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    eficcia da proteo pretendida pela Diretiva 93/13 (v., neste sentido, acrdo de 21 de

    novembro de 2002, Cofidis, C-473/00, Colet., p. I-10875, n. 35).

    54. Com efeito, tendo em conta toda a tramitao e as particularidades do procedimento

    de injuno de pagamento descrito nos n.os 50 a 52 do presente acrdo, existe um risco no

    negligencivel de que os consumidores em causa no deduzam a oposio exigida quer devido

    ao prazo particularmente curto previsto para o efeito, quer porque podem ser dissuadidos de

    se defenderem tendo em conta os custos que uma ao judicial implica relativamente ao

    montante da dvida contestada, quer porque ignoram ou no se apercebem do alcance dos

    seus direitos, ou ainda devido ao contedo limitado do pedido de injuno apresentado pelos

    profissionais e, portanto, ao carter incompleto das informaes ao seu dispor.

    55. Assim, bastaria aos profissionais instaurarem um procedimento de injuno de

    pagamento em vez de um processo civil comum para privarem os consumidores da proteo

    pretendida pela Diretiva 93/13, o que se afigura igualmente contrrio jurisprudncia do

    Tribunal de Justia, de acordo com a qual as caractersticas especficas dos processos

    jurisdicionais que decorrem no quadro do direito nacional entre os profissionais e os

    consumidores no podem constituir um elemento suscetvel de afetar a proteo jurdica de

    que os consumidores devem beneficiar ao abrigo das disposies desta diretiva (acrdo

    Pannon GSM, j referido, n. 34).

    RESPOSTA DO TRIBUNAL DE JUSTIA:

    A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa s clusulas abusivas

    nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretada no sentido de que se

    ope legislao de um Estado-Membro, como a que est em causa no processo principal,

    que no permite ao tribunal em que apresentado um pedido de injuno de pagamento, e

    na falta de oposio do consumidor, apreciar oficiosamente, in limine litis ou em qualquer

    outra fase do procedimento, o carter abusivo de uma clusula de juros de mora constante

    de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, mesmo quando disponha

    dos elementos de direito e de facto necessrios para esse efeito.

    *

    O legislador nacional esteve atento a esta jurisprudncia sobre o procedimento de

    injuno consoante decorre do processo legislativo que precedeu o atual Cdigo de Processo

    Civil.

  • 24

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Assim:

    Anteprojeto Cdigo de Processo Civil de dezembro de 2011

    Artigo 926.

    Fundamentos de oposio execuo baseada em requerimento de injuno

    Se a execuo se fundar em requerimento de injuno ao qual tenha sido aposta frmula

    executria, a invocao de factos extintivos ou modificativos da obrigao, anteriores

    notificao do requerido, s admissvel se, no procedimento de injuno, o executado tiver

    sido impedido de deduzir oposio por motivo de fora maior ou devido a circunstncias

    excecionais, sem que tal facto lhe seja imputvel.

    Artigo 857 [atual]

    Fundamentos de oposio execuo baseada em requerimento de injuno

    ()

    3.Independentemente de justo impedimento, o executado ainda admitido a deduzir

    oposio execuo com fundamento:

    a) Em questo de conhecimento oficioso que determine a improcedncia, total ou parcial,

    do requerimento de injuno;

  • 25

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    GUIA DE LEITURA DA JURISPRUDNCIA MAIS RELEVANTE:

    Acrdo de 16 de Janeiro de 2014, Constructora Principado, processo C-226/12 (clusula

    que impe ao comprador o pagamento de um imposto que, por lei, no lhe cabe pagar).

    Acrdo de 5 de Dezembro de 2013, Asociacin de Consumidores Independientes de Castilla

    y Len, processo C-413/12 (ao inibitria com fundamento em limitao de

    responsabilidade de um portal de internet que faz anncios de imveis e ofertas de

    emprego)

    Despacho de 14 de Novembro de 2013, Banco Popular Espaol e Banco de Valencia,

    processos apensos C-537/12 e C-116/13 (admissibilidade taxa de juro mnimo em mtuo

    hipotecrio para habitao)

    Acrdo de 30 de Maio de 2013, Asbeek Brusse e de Man Garabito, processo C-488/11

    (admissibilidade de clusula penal aposta em contrato de arrendamento)

    Acrdo de 30 de Maio de 2013, Jrs, processo C-397/11 (contrato de mtuo;

    admissibilidade do mutuante alterar de forma unilateral a taxa de juro e outros custos do

    contrato)

    Acrdo de 21 de Maro de 2013, RWE Vertrieb, processo C- 92/11 (contratos de

    fornecimento de gs na Alemanha; modificabilidade unilateral do contrato pelo fornecedor;

    limitao no tempo dos efeitos do Acrdo)

    Acrdo de 14 de Maro de 2013, Aziz, processo C-415/11 (execuo hipotecria em

    Espanha; limitaes alegao do carter abusivo de clusulas do contrato de mtuo

    hipotecrio para habitao; limites aos juros moratrios)

    Acrdo de 21 de Fevereiro de 2013, Banif Plus Bank, processo C-472/11 (incumprimento

    de mtuo; exigibilidade juros de mora, despesas, prmio de seguro)

    Acrdo de 14 de Junho de 2012, Banco Espaol de Crdito, processo C-618/10 (TAEG, juros

    de mora)

    Acrdo de 26 de Abril de 2012, Invitel, processo C-472/10.

    Acrdo de 15 de Maro de 2012, Pereniov, processo C-453/10 (TAEG; prtica comercial

    desleal)

    Despacho de 16 de Novembro de 2010, Pohotovos, processo C-76/10 (mtuo com

    TAEG superior a 90%)

    Acrdo de 9 de Novembro de 2010, Pnzgyi Lzing, processo C-137/08 (pacto de

    aforamento; injuno; mbito do reenvio prejudicial)

    Acrdo de 6 de Outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, processo C-40/08.

    Acrdo de 4 de Junho de 2009, Pannon, processo C-243/08 (pacto de aforamento)

  • 26

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Acrdo de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter, processo C-2/06 (prazo para requerer

    reviso de deciso administrativa)

    Acrdo de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro, processo C-168/05 (nulidade conveno

    arbitral)

    Acrdo de 27 de Junho de 2000, Ocano Grupo Editorial, processos apensos C-240/98 a C-

    244/98 (pacto de aforamento; interpretao conforme)

    Acrdo de 14 de Dezembro de 1995, Van Schijndel, processo C-430/93 e C-431/93.

    Acrdo de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck, processo C-312/93 (imposto sobre no

    residentes)

    Os acrdos sublinhados so os mais relevantes.

    Acrdos acessveis em www.curia.europa.eu

  • 27

    Videogravao da comunicao

    http://www.justicatv.com/index.php?p=4373

  • 28

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    Jurisprudncia Europeia

    Todos os documentos apresentados podem ser encontrados em

    InfoCuria Jurisprudncia do Tribunal de Justia no link:

    http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt

    Lngua do documento: [portugus \/]

    ACRDO DO TRIBUNAL DE JUSTIA (Quarta Seco)

    4 de Junho de 2009 (*)

    Directiva 93/13/CEE Clusulas abusivas nos contratos celebrados com os

    consumidores Efeitos jurdicos de uma clusula abusiva Poder e dever do rgo

    jurisdicional nacional de examinar oficiosamente o carcter abusivo de uma clusula

    atributiva de jurisdio Critrios de apreciao

    No processo C 243/08,

    que tem por objecto um pedido de deciso prejudicial nos termos do artigo 234. CE,

    apresentado pelo Budarsi Vrosi Brsg (Hungria), por despacho de 22 de Maio de 2008,

    entrado no Tribunal de Justia em 2 de Junho de 2008, no processo

    Pannon GSM Zrt.

    contra

    Erzsbet Sustikn Gyrfi,

    O TRIBUNAL DE JUSTIA (Quarta Seco),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de seco, T. von Danwitz, R. Silva de Lapuerta

    (relator), E. Juhsz e J. Malenovsk, juzes,

    advogada geral: V. Trstenjak,

    secretrio: B. Flp, administrador,

    vistos os autos e aps a audincia de 2 de Abril de 2009,

    vistas as observaes apresentadas:

    em representao da Pannon GSM Zrt., por J. Vitri, C. Petia e M. B. Br, gyvdek,

    em representao do Governo hngaro, por J. Fazekas, R. Somssich, K. Borvlgyi e M.

    Fehr, na qualidade de agentes,

    em representao do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

    http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt

  • 29

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    em representao do Governo espanhol, por J. Lpez Medel Bascones, na qualidade

    de agente,

    em representao do Governo francs, por B. Cabouat e R. Loosli Surrans, na

    qualidade de agentes,

    em representao do Governo austraco, por C. Pesendorfer e A. Hable, na qualidade

    de agentes,

    em representao do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de

    agente, assistido por T. de la Mare, barrister,

    em representao da Comisso das Comunidades Europeias, por W. Wils e B. Simon,

    na qualidade de agentes,

    vista a deciso tomada, ouvida a advogada geral, de julgar a causa sem apresentao de

    concluses,

    profere o presente

    Acrdo

    1. O pedido de deciso prejudicial tem por objecto a interpretao da Directiva

    93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa s clusulas abusivas nos

    contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir directiva).

    2. Este pedido foi apresentado no quadro de um litgio que ope a empresa Pannon

    GSM Zrt. (a seguir Pannon) a E. Sustikn Gyrfi, relativamente ao cumprimento de

    um contrato de assinatura de telefone celebrado entre as partes.

    Quadro jurdico

    Regulamentao comunitria

    3. Nos termos do seu artigo 1., n. 1, a directiva tem por objectivo a aproximao das

    disposies legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados Membros

    relativas s clusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e

    consumidores.

    4. O artigo 3. da directiva determina:

    1. Uma clusula contratual que no tenha sido objecto de negociao individual

    considerada abusiva quando, a despeito da exigncia de boa-f, der origem a um desequilbrio

    significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigaes das partes

    decorrentes do contrato.

    2. Considera se que uma clusula no foi objecto de negociao individual sempre que a

    mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor no tenha

    podido influir no seu contedo, em especial no mbito de um contrato de adeso.

    *+

  • 30

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    3. O anexo contm uma lista indicativa e no exaustiva de clusulas que podem ser

    consideradas abusivas.

    5. O ponto 1, alnea q), desse anexo visa as clusulas que tm como objectivo ou como

    efeito:

    Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar aces judiciais ou seguir outras vias de

    recurso, por parte do consumidor [...]

    6. O artigo 4., n. 1, da directiva dispe:

    Sem prejuzo do artigo 7., o carcter abusivo de uma clusula poder ser avaliado em

    funo da natureza dos bens ou servios que sejam objecto do contrato e mediante

    considerao de todas as circunstncias que, no momento em que aquele foi celebrado,

    rodearam a sua celebrao, bem como de todas as outras clusulas do contrato, ou de outro

    contrato de que este dependa.

    7. Nos termos do artigo 6., n. 1, da directiva:

    Os Estados Membros estipularo que, nas condies fixadas pelos respectivos direitos

    nacionais, as clusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por

    um profissional no vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos

    mesmos termos, se puder subsistir sem as clusulas abusivas.

    8. O artigo 7., n.s 1 e 2, da directiva enuncia:

    1. Os Estados Membros providenciaro para que, no interesse dos consumidores e dos

    profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pr termo utilizao das

    clusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

    2. Os meios a que se refere o n. 1 incluiro disposies que habilitem as pessoas ou

    organizaes que, segundo a legislao nacional, tm um interesse legtimo na defesa do

    consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos rgos administrativos

    competentes para decidir se determinadas clusulas contratuais, redigidas com vista a uma

    utilizao generalizada, tm ou no um carcter abusivo, e para aplicar os meios adequados e

    eficazes para pr termo utilizao dessas clusulas.

    Legislao nacional

    9. Quando da ocorrncia dos factos em causa no processo principal, eram aplicveis o

    Cdigo Civil, na verso resultante da Lei n. CXLIX de 1997 (Magyar Kzlny 1997/115, a seguir

    Cdigo Civil), e o Decreto do Governo n. 18/1999 sobre as clusulas que, nos contratos

    celebrados com o consumidor, devem ser consideradas abusivas (Magyar Kzlny 1998/8), na

    verso em vigor poca do litgio no processo principal.

    10. Nos termos do artigo 209., n. 1, do Cdigo Civil, as partes podem impugnar as

    clusulas contratuais gerais que sejam consideradas abusivas. Segundo o n. 4 do artigo 209/B

  • 31

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    do referido Cdigo, disposies especiais determinam as clusulas consideradas abusivas nos

    contratos de consumo. Por fora do artigo 235., n. 1, do Cdigo Civil, se o contrato for

    validamente impugnado, perder a sua fora jurdica a contar da data da sua celebrao.

    Segundo o artigo 236., n. 1, do Cdigo Civil, a impugnao deve ser notificada por escrito

    outra parte no prazo de um ano.

    11. O Decreto do Governo n. 18/1999, na verso vigente poca dos factos do processo

    principal, classifica as clusulas contratuais em duas categorias. Fazem parte da primeira

    categoria as clusulas contratuais cuja utilizao nos contratos de consumo seja proibida e que,

    por conseguinte, so nulas. A segunda categoria abrange as clusulas consideradas abusivas

    at prova em contrrio, podendo o autor dessas clusulas ilidir essa presuno.

    Litgio no processo principal e questes prejudiciais

    12. Em 12 de Dezembro de 2004, E. Sustikn Gyrfi celebrou com a Pannon um contrato

    de assinatura para o fornecimento de servios de telefonia mvel. O contrato foi celebrado

    com base num formulrio fornecido pela Pannon, que estipulava que, no momento da

    assinatura do contrato, E. Sustikn Gyrfi tomava conhecimento do regulamento de utilizao,

    incluindo as condies gerais do contrato que dele fazem parte integrante, e aceitava o

    respectivo contedo.

    13. Nos termos desse regulamento de utilizao, ambas as partes no processo principal

    reconheciam a competncia do tribunal do foro do domiclio da Pannon para os litgios

    emergentes do contrato de assinatura ou com ele relacionados. Esta clusula atributiva de

    jurisdio no foi objecto de negociao entre as partes.

    14. A Pannon, por considerar que E. Sustikn Gyrfi no cumprira as suas obrigaes

    contratuais, apresentou, ao abrigo da referida clusula, uma injuno de pagamento no

    Budarsi Vrosi Brsg, rgo jurisdicional do lugar da sua sede social.

    15. O rgo jurisdicional proferiu a injuno requerida pela Pannon. E. Sustikn Gyrfi

    deduziu ento oposio, no prazo previsto, a essa injuno, passando assim o processo a ser

    contraditrio.

    16. O referido rgo jurisdicional verificou que a residncia de E. Sustikn Gyrfi no se

    situava na rea da sua comarca. Apurou que a residncia permanente de E. Sustikn Gyrfi,

    que aufere de uma penso de invalidez, se situa em Dombegyhz, no distrito de Bks, ou seja,

    a 275 quilmetros de Budars, e especificou que as possibilidades de transporte entre Budars

    e Dombegyhz so muito limitadas devido inexistncia de uma linha directa de comboio ou

    de autocarro.

  • 32

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    17. O Budarsi Vrosi Brsg observou que as normas processuais aplicveis

    determinam que o rgo jurisdicional territorialmente competente o do local da residncia

    de E. Sustikn Gyrfi, ou seja, o Battonyai Vrosi Brsg (Tribunal Municipal de Battonya).

    18. O rgo jurisdicional de reenvio explicou que o Cdigo de Processo Civil determina

    que o juiz, no domnio em causa, deve suscitar oficiosamente a questo da sua competncia

    territorial. Todavia, como no se trata de uma competncia exclusiva, deixa de ser possvel

    suscitar essa questo depois da primeira apresentao, pela demandada, de contestao sobre

    o mrito da causa. O rgo jurisdicional a quem foi submetido o litgio s pode examinar a

    exactido dos factos invocados para efeitos da determinao da sua competncia territorial,

    quando sejam contrrios a factos notrios ou a factos de que o rgo jurisdicional tem

    conhecimento oficial, ou ainda quando sejam improvveis ou quando a outra parte no litgio os

    conteste.

    19.Nestas condies, o Budarsi Vrosi Brsg, tendo dvidas sobre o carcter

    eventualmente abusivo da clusula atributiva de jurisdio prevista nas condies gerais do

    contrato controvertido, decidiu suspender a instncia e submeter ao Tribunal de Justia as

    seguintes questes prejudiciais:

    1) O artigo 6., n. 1, da Directiva [93/13], segundo o qual os Estados Membros

    estipularo que, nas condies fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as clusulas

    abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional no

    vinculem o consumidor, pode ser interpretado no sentido de que a no vinculao do

    consumidor a uma clusula abusiva estipulada pelo profissional no opera ipso jure, mas

    unicamente no caso de o consumidor impugnar com xito essa clusula, deduzindo pedido

    para esse efeito?

    2) A proteco conferida ao consumidor pela Directiva [93/13] exige que,

    independentemente do tipo de processo e de este ser ou no contraditrio, e mesmo quando

    no tenha sido deduzido pedido para efeitos de impugnao da clusula abusiva, o tribunal

    nacional conhea oficiosamente do facto de o contrato em causa conter clusulas abusivas e,

    em consequncia, aprecie oficiosamente, no mbito da apreciao da sua prpria

    competncia, as clusulas estipuladas pelo profissional?

    3) Em caso de resposta afirmativa segunda questo, que critrios deve o julgador

    nacional ter em conta e ponderar no mbito dessa apreciao?

    Quanto s questes prejudiciais

    Quanto primeira questo

    20. Atravs desta questo, o rgo jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo

    6., n. 1, da directiva, segundo o qual as clusulas abusivas constantes de um contrato

  • 33

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    celebrado entre um profissional e um consumidor no vinculam este ltimo, deve ser

    interpretado no sentido de que s quando o consumidor tiver contestado essa clusula com

    xito que no fica vinculado por ela.

    21. Para responder questo submetida, cabe recordar, a ttulo liminar, que a obrigao

    imposta aos Estados Membros nos termos do artigo 6., n. 1, da directiva visa conceder

    direitos aos cidados, enquanto consumidores, e define o resultado prosseguido pela directiva

    (v. acrdos de 10 de Maio de 2001, Comisso/Pases Baixos, C 144/99, Colect., p. I 3541, n.

    18, e de 7 de Maio de 2002, Comisso/Sucia, C 478/99, Colect., p. I 4147, n.os 16 e 18).

    22. Assim, o sistema de proteco implementado pela directiva assenta na ideia de que o

    consumidor se encontra numa situao de inferioridade relativamente ao profissional, no que

    respeita quer ao poder de negociao quer ao nvel de informao, situao esta que o leva a

    aderir s condies redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu

    contedo (acrdo de 27 de Junho de 2000, Ocano Grupo Editorial e Salvat Editores, C 240/98

    a C 244/98, Colect., p. I 4941, n. 25).

    23. O Tribunal de Justia tambm observou, no n. 26 do referido acrdo, que o

    objectivo prosseguido pelo artigo 6. da directiva no poderia ser atingido se os consumidores

    se vissem na obrigao de suscitar eles mesmos a questo do carcter abusivo de uma clusula

    contratual e que s se pode garantir uma proteco efectiva do consumidor se ao rgo

    jurisdicional nacional for reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente uma clusula

    como essa.

    24. Importa sublinhar, a este propsito, que, embora seja necessrio garantir essa

    faculdade ao rgo jurisdicional nacional, o artigo 6., n. 1, da directiva no pode ser

    interpretado no sentido de que apenas quando o consumidor apresenta um pedido a esse

    respeito que a clusula contratual abusiva no vincula esse consumidor. Com efeito, essa

    interpretao impediria o rgo jurisdicional nacional de apreciar oficiosamente, no quadro da

    apreciao da admissibilidade do pedido que lhe submetido e sem que o consumidor o

    tivesse expressamente requerido, o carcter abusivo de uma clusula contratual.

    25. Quanto aos efeitos jurdicos associados a uma clusula abusiva, o Tribunal de Justia

    precisou, no acrdo de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro (C 168/05, Colect., p. I 10421,

    n. 36), que a importncia da proteco dos consumidores levou o legislador comunitrio a

    prever, no artigo 6., n. 1, da directiva, que as clusulas abusivas constantes de um contrato

    celebrado com um consumidor por um profissional no vincul[a]m o consumidor. Sublinhou

    que se trata de uma disposio imperativa que, tendo em conta a inferioridade de uma das

    partes no contrato, pretende substituir o equilbrio formal que este estabelece entre os

  • 34

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    direitos e obrigaes das partes por um equilbrio real susceptvel de restabelecer a igualdade

    entre estas.

    26. O Tribunal de Justia acrescentou, no n. 37 do referido acrdo, que a directiva, que

    visa reforar a proteco dos consumidores, constitui, em conformidade com o disposto no

    artigo 3., n. 1, alnea t), CE, uma medida indispensvel para o cumprimento das misses

    confiadas Comunidade Europeia e, em particular, para o aumento do nvel e da qualidade de

    vida em todo o seu territrio.

    27. Por conseguinte, a expresso nas condies fixadas pelos respectivos direitos

    nacionais, constante do artigo 6., n. 1, da directiva, no pode ser entendida no sentido de

    permitir que os Estados Membros subordinem o carcter no vinculativo de uma clusula

    abusiva a uma condio como a evocada na primeira questo prejudicial.

    28. Assim, h que responder primeira questo prejudicial que o artigo 6., n. 1, da

    directiva deve ser interpretado no sentido de que uma clusula contratual abusiva no vincula

    o consumidor e que, para o efeito, no necessrio que este impugne previamente e com

    sucesso essa clusula.

    Quanto segunda questo

    29. Atravs desta questo, o rgo jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de

    Justia sobre as obrigaes que incumbem ao rgo jurisdicional nacional, por fora das

    disposies da directiva, a fim de apurar se este, no quadro da apreciao da sua competncia

    e independentemente da natureza do processo, se deve pronunciar, eventualmente ex officio,

    sobre o carcter abusivo de uma clusula contratual.

    30. Para responder a esta questo, cabe recordar que o Tribunal de Justia, no acrdo

    de 21 de Novembro de 2002, Cofidis (C 473/00, Colect., p. I 10875, n. 34), sublinhou que a

    proteco que a directiva confere aos consumidores se estende aos casos em que o

    consumidor que celebrou com um profissional um contrato que inclua uma clusula abusiva se

    abstm de invocar o carcter abusivo dessa clusula, ou porque desconhece os seus direitos ou

    porque dissuadido de o fazer devido aos custos de uma aco judicial.

    31. Importa tambm sublinhar que o Tribunal de Justia, no n. 38 do acrdo Mostaza

    Claro, j referido, declarou que a natureza e a importncia do interesse pblico em que assenta

    a proteco que a directiva garante aos consumidores justificam que o juiz nacional deva

    apreciar oficiosamente o carcter abusivo de uma clusula contratual e, deste modo, atenuar o

    desequilbrio que existe entre o consumidor e o profissional.

    32. O rgo jurisdicional chamado a apreciar a questo deve assegurar o efeito til da

    proteco pretendida pelas disposies da directiva. Por conseguinte, o papel que o direito

    comunitrio atribui assim ao rgo jurisdicional nacional no domnio em causa no se limita

  • 35

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    simples faculdade de se pronunciar sobre a natureza eventualmente abusiva de uma clusula

    contratual, abrangendo tambm a obrigao de examinar oficiosamente essa questo, desde

    que disponha dos elementos de direito e de facto necessrios para o efeito, inclusive quando

    se interroga sobre a sua prpria competncia territorial.

    33. Todavia, no cumprimento dessa obrigao, o rgo jurisdicional nacional no

    obrigado, por fora da directiva, a no aplicar a clusula em causa se o consumidor decidir,

    aps ter sido avisado pelo rgo jurisdicional, no invocar o seu carcter abusivo e no

    vinculativo.

    34. Nestas condies, as caractersticas especficas do processo jurisdicional, cuja

    tramitao se d no quadro do direito nacional entre o profissional e o consumidor, no pode

    constituir um elemento susceptvel de afectar a proteco jurdica de que o consumidor deve

    beneficiar ao abrigo das disposies da directiva.

    35. Assim, deve responder se segunda questo que o rgo jurisdicional nacional

    obrigado a examinar oficiosamente o carcter abusivo de uma clusula contratual, desde que

    disponha dos elementos de direito e de facto necessrios para o efeito. Quando considerar que

    a clusula abusiva, no a deve aplicar, salvo se o consumidor a isso se opuser. Esta obrigao

    tambm incumbe ao rgo jurisdicional nacional quando da apreciao da sua prpria

    competncia territorial.

    Quanto terceira questo

    36. Atravs desta questo, o rgo jurisdicional de reenvio pretende obter indicaes

    sobre os elementos a que o rgo jurisdicional nacional deve atender para apreciar o carcter

    eventualmente abusivo de uma clusula contratual.

    37. Para responder a esta questo, cabe observar que, ao referir se aos conceitos de boa

    f e de desequilbrio significativo entre os direitos e as obrigaes das partes, o artigo 3. da

    directiva enuncia de forma meramente abstracta os elementos que conferem um carcter

    abusivo a uma clusula contratual que no foi objecto de uma negociao individual (acrdo

    de 1 de Abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten, C 237/02, Colect., p. I 3403, n. 19).

    38. Neste contexto, o anexo para o qual remete o artigo 3., n. 3, da directiva apenas

    contm uma lista indicativa e no exaustiva de clusulas que podem ser declaradas abusivas

    (acrdo Freiburger Kommunalbauten, j referido, n. 20).

    39. Alm disso, o artigo 4. da directiva estabelece que o carcter abusivo de uma

    clusula contratual deve ser apreciado em funo da natureza dos bens ou servios que sejam

    objecto do contrato e mediante considerao de todas as circunstncias que, no momento em

    que foi celebrado, rodearam a sua concluso.

  • 36

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    40. Todavia, quanto clusula objecto do litgio no processo principal, importa recordar

    que, nos n.os 21 a 24 do acrdo Ocano Grupo Editorial e Salvat Editores, j referido, o

    Tribunal de Justia declarou que, num contrato celebrado entre um consumidor e um

    profissional na acepo da directiva, uma clusula previamente redigida por um profissional e

    que no foi objecto de negociao individual, que tem por objectivo atribuir competncia, para

    todos os litgios decorrentes do contrato, ao rgo jurisdicional do foro onde est situada a

    sede do profissional, preenche todos os critrios para poder ser qualificada de abusiva luz da

    directiva.

    41. Com efeito, como o Tribunal de Justia sublinhou no n. 22 do acrdo Ocano Grupo

    Editorial e Salvat Editores, j referido, tal clusula obriga o consumidor a submeter se

    competncia exclusiva de um tribunal que pode estar afastado do seu domiclio, o que pode

    dificultar a sua comparncia em juzo. Nos casos de litgios relativos a somas reduzidas, as

    despesas em que o consumidor incorre para comparecer poderiam revelar se dissuasivas e lev

    lo a renunciar a qualquer aco judicial ou a qualquer defesa. O Tribunal de Justia concluiu

    assim, no referido n. 22, que essa clusula se insere na categoria das que tm por objectivo ou

    por efeito suprimir ou entravar a possibilidade de instaurar aces judiciais por parte do

    consumidor, categoria visada no ponto 1, alnea q), do anexo da directiva.

    42. Embora seja verdade que o Tribunal de Justia, no exerccio da competncia que lhe

    atribuda pelo artigo 234. CE, interpretou, no n. 22 do acrdo Ocano Grupo Editorial e

    Salvat Editores, j referido, os critrios gerais utilizados pelo legislador comunitrio para definir

    o conceito de clusula abusiva, no pode, contudo, pronunciar se sobre a aplicao desses

    critrios gerais a uma clusula particular que deve ser apreciada em funo das circunstncias

    prprias do caso (v. acrdo Freiburger Kommunalbauten, j referido, n. 22).

    43. Compete ao rgo jurisdicional de reenvio, luz do que precede, apreciar se uma

    clusula contratual pode ser qualificada de abusiva na acepo do artigo 3., n. 1, da directiva.

    44. Nestas condies, deve responder se terceira questo no sentido de que cabe ao

    rgo jurisdicional nacional determinar se uma clusula contratual como a que objecto do

    litgio no processo principal preenche os critrios exigidos para ser qualificada de abusiva na

    acepo do artigo 3., n. 1, da directiva. Ao faz lo, o rgo jurisdicional nacional deve ter em

    conta o facto de que uma clusula inserida num contrato celebrado entre um consumidor e um

    profissional, que no foi objecto de negociao individual e que atribui competncia exclusiva

    ao rgo jurisdicional do foro onde est situada a sede do profissional, pode ser considerada

    abusiva.

    Quanto s despesas

  • 37

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    45. Revestindo o processo, quanto s partes na causa principal, a natureza de incidente

    suscitado perante o rgo jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto s despesas.

    As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentao de observaes ao Tribunal de

    Justia no so reembolsveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justia (Quarta Seco) declara:

    1) O artigo 6., n. 1, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa

    s clusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no

    sentido de que uma clusula contratual abusiva no vincula o consumidor e que, para o efeito,

    no necessrio que este impugne previamente e com sucesso essa clusula.

    2) O rgo jurisdicional nacional obrigado a examinar oficiosamente o carcter abusivo

    de uma clusula contratual, desde que disponha dos elementos de direito e de facto

    necessrios para o efeito. Quando considerar que a clusula abusiva, no a deve aplicar, salvo

    se o consumidor a isso se opuser. Esta obrigao tambm incumbe ao rgo jurisdicional

    nacional quando da apreciao da sua prpria competncia territorial.

    3) Cabe ao rgo jurisdicional nacional determinar se uma clusula contratual como a

    que objecto do litgio no processo principal preenche os critrios exigidos para ser qualificada

    de abusiva na acepo do artigo 3., n. 1, da Directiva 93/13. Ao faz lo, o rgo jurisdicional

    nacional deve ter em conta o facto de que uma clusula inserida num contrato celebrado entre

    um consumidor e um profissional, que no foi objecto de negociao individual e que atribui

    competncia exclusiva ao rgo jurisdicional do foro onde est situada a sede do profissional,

    pode ser considerada abusiva.

    Assinaturas

    ACRDO DO TRIBUNAL DE JUSTIA (Primeira Seco)

    14 de maro de 2013 (*)

    Diretiva 93/13/CEE Contratos celebrados com os consumidores Contrato de

    emprstimo hipotecrio Processo de execuo hipotecria Competncias do tribunal

    nacional que julga o processo declarativo Clusulas abusivas Critrios de apreciao

    No processo C 415/11,

    que tem por objeto um pedido de deciso prejudicial nos termos do artigo 267. TFUE,

    apresentado pelo Juzgado de lo Mercantil n 3 de Barcelona (Espanha), por deciso de 19 de

    julho de 2011, entrado no Tribunal de Justia em 8 de agosto de 2011, no processo

    Mohamed Aziz

  • 38

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    contra

    Caixa dEstalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (Catalunyacaixa),

    O TRIBUNAL DE JUSTIA (Primeira Seco),

    composto por: A. Tizzano (relator), presidente de seco, A. Borg Barthet, M. Ilei, J. J.

    Kasel e M. Berger, juzes,

    advogado geral: J. Kokott,

    secretrio: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e aps a audincia de 19 de setembro de 2012,

    vistas as observaes apresentadas:

    em representao de M. Aziz, por D. Moreno Trigo, abogado,

    em representao da Caixa dEstalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa

    (Catalunyacaixa), por I. Fernndez de Senespleda, abogado,

    em representao do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de

    agente,

    em representao da Comisso Europeia, por M. Owsiany Hornung, J. Baquero Cruz e

    M. van Beek, na qualidade de agentes,

    ouvidas as concluses da advogada geral na audincia de 8 de novembro de 2012,

    profere o presente

    Acrdo

    1. O pedido de deciso prejudicial tem por objeto a interpretao da Diretiva

    93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa s clusulas abusivas nos

    contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir diretiva).

    2. Este pedido foi apresentado no mbito de um litgio entre M. Aziz e a Caixa dEstalvis

    de Catalunya, Tarragona i Manresa (a seguir Catalunyacaixa), a respeito da

    validade de algumas clusulas de um contrato de emprstimo hipotecrio celebrado

    pelas referidas partes.

    Quadro jurdico

    Direito da Unio

    3. O dcimo sexto considerando da diretiva enuncia:

    Considerando *+ que a exigncia de boa f pode ser satisfeita pelo profissional,

    tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legtimos interesses

    deve ter em conta;

    4. O artigo 3. da diretiva dispe:

    1. Uma clusula contratual que no tenha sido objeto de negociao individual

    considerada abusiva quando, a despeito da exigncia de boa f, der origem a um desequilbrio

  • 39

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigaes das partes

    decorrentes do contrato.

    2. Considera-se que uma clusula no foi objeto de negociao individual sempre que a

    mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor no tenha

    podido influir no seu contedo, em especial no mbito de um contrato de adeso.

    *+

    3. O anexo contm uma lista indicativa e no exaustiva de clusulas que podem ser

    consideradas abusivas.

    4. Nos termos do artigo 4., n. 1, desta mesma diretiva:

    Sem prejuzo do artigo 7., o carter abusivo de uma clusula poder ser avaliado

    em funo da natureza dos bens ou servios que sejam objeto do contrato e

    mediante considerao de todas as circunstncias que, no momento em que aquele

    foi celebrado, rodearam a sua celebrao, bem como de todas as outras clusulas do

    contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

    5. O artigo 6., n. 1, da diretiva tem a seguinte redao:

    Os Estados Membros estipularo que, nas condies fixadas pelos respetivos

    direitos nacionais, as clusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com

    um consumidor por um profissional no vinculem o consumidor e que o contrato

    continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as clusulas

    abusivas.

    6. O artigo 7., n. 1, da diretiva enuncia:

    Os Estados Membros providenciaro para que, no interesse dos consumidores e

    dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pr termo

    utilizao das clusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores

    por um profissional.

    7. O anexo da diretiva enumera, no seu n. 1, as clusulas previstas no artigo 3., n. 3,

    desta ltima. Compreende, designadamente, as clusulas seguintes:

    1. Clusulas que tm como objetivo ou como efeito:

    *+

    e) Impor ao consumidor que no cumpra as suas obrigaes uma indemnizao de

    montante desproporcionalmente elevado;

    *+

    q) Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar aes judiciais ou seguir outras vias

    de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando o a submeter se

    exclusivamente a uma jurisdio de arbitragem no abrangida por disposies legais, limitando

  • 40

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    indevidamente os meios de prova sua disposio ou impondo lhe um nus da prova que, nos

    termos do direito aplicvel, caberia normalmente a outra parte contratante.

    Direito espanhol

    8. No direito espanhol, a defesa dos consumidores contra clusulas abusivas era

    inicialmente garantida pela Lei Geral 26/1984, relativa defesa dos consumidores e

    dos utentes (Ley General 26/1984 para la Defensa de los Consumidores y Usuarios),

    de 19 de julho de 1984 (BOE n. 176, de 24 de julho de 1984, p. 21686).

    9. A Lei Geral 26/1984 foi, em seguida, alterada pela Lei 7/1998, sobre condies

    contratuais gerais (Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratacin), de

    13 de abril de 1998 (BOE n. 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304), que transps a

    diretiva para o direito interno espanhol.

    10. Por ltimo, o Decreto Real Legislativo 1/2007, que aprova o texto reformulado da lei

    geral de defesa dos consumidores e utentes e outras leis complementares (Real

    Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley

    General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes

    complementarias), de 16 de novembro de 2007 (BOE n. 287, de 30 de novembro de

    2007, p. 49181), adotou o texto consolidado da Lei 26/1984, conforme alterada.

    11. Nos termos do artigo 82. do Decreto Real Legislativo 1/2007:

    1. Consideram se clusulas abusivas todas as estipulaes no negociadas

    individualmente e todas as prticas no expressamente consentidas que, contra os ditames da

    boa f, criem em detrimento do consumidor e utente um desequilbrio significativo dos direitos

    e obrigaes que decorram do contrato para as partes.

    *+

    3. O carter abusivo de uma clusula poder ser avaliado em funo da natureza dos

    bens ou servios que sejam objeto do contrato e mediante considerao de todas as

    circunstncias que rodearam a sua celebrao, bem como de todas as outras clusulas do

    contrato ou de outro de que este dependa.

    4. No obstante o previsto nos nmeros anteriores, so sempre consideradas abusivas as

    clusulas que, nos termos do disposto nos artigos 85. a 90., inclusive:

    a) vinculem o contrato vontade do profissional,

    b) restrinjam os direitos do consumidor e utente,

    c) determinem a falta de reciprocidade no contrato,

    d) exijam garantias desproporcionadas ao consumidor e utente ou sobre ele faam recair

    indevidamente o nus da prova,

    e) sejam desproporcionadas relativamente celebrao e execuo do contrato, ou

  • 41

    Clusulas contratuais abusivas na Jurisprudncia Europeia (apontamentos)

    f) sejam incompatveis com as regras relativas competncia e ao direito aplicvel.

    13. Relativamente ao procedimento de injuno de pagamento, o Cdigo de Processo

    Civil (Ley de Enjuiciamiento Civil), na sua verso em vigor data em que foi iniciado o

    procedimento que deu origem ao litgio no processo principal, regula, no seu captulo V do

    ttulo IV, livro III, intitulado Particularidades da execuo de bens hipotecados ou

    penhorados, designadamente nos seus artigos 681. a 698., o processo de execuo

    hipotecria que se encontra no cerne do litgio no processo principal.

    14. O artigo 695. do Cdigo de Processo Civil enuncia:

    1. Nos processos a que se refere este captulo s ser admitida a oposio do

    executado quando baseada nos seguintes fundamentos:

    (1) Extino da garantia ou da obrigao garantida, sempre que resulte de certido do

    registo que certifique o cancelamento da hipoteca ou, se for caso disso, do penhor sem entrega

    do bem empenhado ou de escritura pblica que certifique o pagamento da dvida ou o

    cancelamento da garantia.

    (2) Erro na determinao do valor exigvel nos casos em que a dvida garantida

    corresponda ao saldo de encerramento de uma conta entre exequente e executado. O

    executado dever juntar o seu exemplar do extrato de conta e apenas se admitir a oposio

    nos casos em que o saldo do referido extrato divirja do apresentado pelo exequente.

    *+

    (3) *+ a sujeio *+ a novo penhor, hipoteca *+ ou penhora registad