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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA
ANÁLISE DA ESCRITA ORTOGRÁFICA DE CRIANÇAS EM
DIFERENTES CONTEXTOS DE PRODUÇÃO DE TEXTO
por
Ana Caroline Ferreira de Carvalho e Souza
Dissertação apresentada ao Curso de Pós Graduação e Mestrado em
Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
Souza, Ana Caroline Ferreira de Carvalho e Análise da escrita ortográfica de crianças em diferentes contextos de produção de texto / Ana Caroline Ferreira de Carvalho e Souza. – Rio de Janeiro, 2006. ix, 95 f.: il.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto de Psicologia, 2005.
Orientador (a): Jane Correa
1. Ortografia. 2. Produção escrita de histórias. 3. Psicologia – Teses.
I. Correa, Jane (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
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Ana Caroline Ferreira de Carvalho e Souza
Análise da escrita ortográfica de crianças em difer entes contextos de
produção de texto
Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Aprovada por:
______________________________________________
(Jane Correa, professora doutora da UFRJ)
______________________________________________
(Alina Galvão Spinillo, professora doutora da UFPE)
_______________________________________________
(Anna Helena Moussatché, professora doutora da UERJ)
Membros Suplentes
Leila Sanches de Almeida, professora doutora da UFRJ
Paula Rui Ventura, professora doutora da UFRJ
Rio de Janeiro,_____________________de _______
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O papel e a tinta
Certo dia, uma folha de papel que estava em cima de uma mesa,junto com
outras folhas exatamente iguais a ela, viu-se coberta de sinais. Uma pena,
molhada de tinta preta, havia escrito uma porção de palavras em toda a folha.
__ Será que você não podia me poupar esta humilhação? __ disse, furiosa, a
folha de papel para a tinta.
__ Espere! __ respondeu a tinta __ Eu não estraguei você. Eu cobri você de
palavras. Agora você não é mais apenas uma folha de papel mas sim uma
mensagem. Você se transformou num documento precioso.
E, realmente, pouco depois, alguém foi arrumar a mesa e apanhou as
folhas de papel para jogá-las na lareira. Mas subitamente reparou na folha escrita
com tinta, e então jogou fora todas as outras, guardando apenas a que continha
uma mensagem escrita.
Texto de Leonardo da Vinci, do livro Fábulas e Lendas.
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Agradecimentos
À Direção, aos alunos e as professoras Tânia Campos Lopes e Luiza
Helena Bertrand Cavalcante de Oliveira da Escola Municipal Minas Gerais, que
apoiaram a realização deste trabalho.
À querida amiga Ana Paula Perdigão Pessoa pela união e trocas
constantes, essenciais à realização desta pesquisa.
Á querida amiga Thaís Araújo pela valiosa colaboração na pesquisa e pelo
carinho constante.
À querida amiga Ana Lúcia Sampaio Ferreira Gomes, que me mostrou
este caminho onde pude compartilhar tanto conhecimento e pela ajuda em
momentos importantes.
Aos meus pais Emir Carvalho de Souza e Maria Amélia Ferreira de Souza
pelo incentivo e valorização do meu trabalho.
Ao meu marido Leandro Figueira Baptista, pelo carinho, incentivo e
colaboração nos momentos difíceis.
À professora Jane Correa, pela sua garra, dedicação e conhecimento.
Ao MCT/CNPq pelo apoio concedido ao Projeto Escrita e Segmentação
Lexical, do qual esta dissertação resulta.
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Resumo
SOUZA, Ana Caroline Ferreira de Carvalho e. “Análise da escrita ortográfica de crianças em diferentes contextos de produção de tex to”. Orientadora: Jane Correa. Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia). O presente estudo procura investigar se a reprodução escrita de um texto conhecido pode facilitar o desempenho ortográfico de crianças da 1a e 2a série do ensino fundamental. Para isso foram analisadas as histórias escritas de crianças em dois contextos diferentes de produção textual: a reprodução escrita de histórias e a escrita livre. O texto tomado como base para a reprodução escrita foi o conto “Chapeuzinho Vermelho”. Os dados foram analisados de duas formas: análise da freqüência de erros ortográficos e análise do tipo de erro cometido pelas crianças. Participaram 55 crianças cursando a 1a e 2a séries do ensino fundamental de uma escola pública do Rio de Janeiro. Os resultados indicaram que o contexto de reprodução escrita de histórias não influenciou o desempenho ortográfico das crianças das séries iniciais em termos do número médio de erros apresentados. Embora a escolaridade fosse o fator que mais influenciou o desempenho ortográfico das crianças, observou-se que a natureza dos erros ortográficos cometidos pelas crianças em cada série mostrou-se sensível à diferença entre os contextos.
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Abstract
SOUZA, Ana Caroline Ferreira de Carvalho e. “Analysis of children’s spelling in different text production contexts”. Orientadora: Jane Correa. Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2006. Dissertação ( Mestrado em Psicologia). The present study aims at investigating whether the written reproduction of a known text can facilitate the spelling performance of children in the 1st and 2nd grades of elementary school. For such purpose, the stories written by children in two different text production contexts were analyzed: the written reproduction of stories and free writing. The text taken as a basis for written reproduction was the tale “Little Red Riding-Hood”. Data were analyzed in two ways: an analysis of spelling error frequency and an analysis of the type of error made by the children. The participants were 55 children enrolled in the 1st and 2nd grades of elementary school at a public school in Rio de Janeiro. Results indicated that the context of story written reproduction did not influence the spelling performance of children in the initial grades in terms of the error frequency presented. Although school level was the factor which most influenced the children’s spelling performance, it was noticed that the types of spelling errors made by the children in each grade was sensitive to the difference between the contexts.
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Sumário
RESUMO 6
ABSTRACT 7
APRESENTAÇÃO 10
CAPÍTULO I: A ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA 14
CAPÍTULO II: A AQUISIÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA
PELA CRIANÇA 21
CAPÍTULO III: O CONHECIMENTO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA PELA CRIANÇA 30
CAPÍTULO IV: A PRODUÇÃO TEXTUAL 41
1. DEFINIÇÃO DE TEXTO 41
2. A NARRATIVA DE HISTÓRIAS 42
3. A ESCRITA DE HISTÓRIAS POR CRIANÇAS 44
4. AS SITUAÇÕES DE PRODUÇÃO E O DESENVOLVIMENTO
DO ESQUEMA NARRATIVO POR CRIANÇAS 48
5. A REPRODUÇÃO ESCRITA DE HISTÓRIAS 53
CAPÍTULO V: O ESTUDO EMPÍRICO 58
1. QUESTÕES ACERCA DA PESQUISA 58
2. METODOLOGIA 60
2.1. PARTICIPANTES 60
2.2. TAREFAS PROPOSTAS 60
2.3. PROCEDIMENTO 61
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CAPÍTULO VI: RESULTADOS 62
1. ANÁLISE DA FREQUÊNCIA DE ERROS ORTOGRÁFICOS 62
2. ANÁLISE DO TIPO DE ERRO ORTOGRÁFICO 65
CAPÍTULO VII: DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 89
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Apresentação
A escrita ortográfica não resulta simplesmente da aquisição da relação
grafema-fonema pela criança. A partir do momento que a criança começa a
dominar o princípio alfabético, ela irá percorrer um longo caminho até conseguir
escrever ortograficamente.
Assim, após o entendimento do princípio alfabético de escrita, a criança se
depara com um novo desafio: a aprendizagem das regras ortográficas. O estudo
do desenvolvimento ortográfico nas crianças vem mostrando que aprender
ortografia não é um processo reprodutivo (Carraher, 1985, Nunes, Bryant,
Bindman, 1995, Morais, 2003). Pelo contrário, as crianças têm um papel ativo no
processo de construção e reconstrução da língua escrita.
Primeiramente, a criança trabalha com a hipótese de uma regularidade
absoluta entre fonema e grafema. Aos poucos a criança começa a compreender
que as relações grafofônicas não são apenas de natureza biunívoca (cada letra
corresponde a um som e cada som corresponde a uma letra), começando então a
problematizar a grafia das palavras. Escrever ortograficamente, portanto, irá
exigir da criança diferentes níveis de conhecimento e habilidades cognitivas.
Não há dúvidas da importância da ortografia para uma melhor
compreensão da linguagem escrita. Porém como levar até as crianças este
conhecimento? Com o domínio do princípio alfabético a criança começa a
escrever de forma convencional seus primeiros textos, porém ainda desconhece
muitas normas ortográficas. Como a escrita ortográfica resulta de uma convenção
social, sua aprendizagem dependerá da ajuda de alguém mais experiente, que já
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domine a norma. Entretanto , a criança não deixará de ter um papel ativo neste
processo de aprendizagem.
No caso da ortografia, seu aprendizado será um trabalho construtivo. Isto
significa que quanto mais a criança lê e está em contato com a linguagem escrita,
fazendo uso dessa linguagem, mais chances terá de compreender e internalizar
as normas ortográficas. Sua aprendizagem implica um processo gerativo, onde a
criança cria hipóteses sobre a escrita e depois reflete sobre estas hipóteses a
partir das informações que recebe. Portanto, a criança produzirá a escrita de uma
palavra considerando as normas e não simplesmente através da reprodução
memorizada das formas corretas. Para um maior domínio da ortografia será
necessário que a criança compreenda outros aspectos da língua, além do
fonológico. Após dominar o sistema alfabético de escrita, é importante que a
criança volte sua atenção também para os aspectos morfossintáticos da língua.
Nesta fase, a consciência morfossintática será de grande importância para a
aquisição dos aspectos ortográficos da língua. A partir da análise da estrutura
gramatical das frases e da formação das palavras, a criança poderá ter mais
facilidade em gerar grafias corretas.
Muitas pesquisas têm se ocupado em investigar a aquisição de normas
ortográficas em ditados (Rego e Buarque, 2000, Guimarães, 2003), gerando uma
série de conhecimentos importantes acerca dos tipos de erros cometidos pelas
crianças bem como hipóteses sobre sua ocorrência. O uso de textos como
instrumento para a avaliação do conhecimento ortográfico da criança, embora não
ofereça ao pesquisador o controle do contexto ortográfico a ser examinado,
permite a observação de outras categorias de erros como por exemplo, o
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aparecimento de segmentações não-convencionais das palavras e dificuldades no
uso da pontuação, que não seriam possíveis pela utilização da tarefa de ditado.
Além disso, o texto se configura numa situação comunicativa e a partir dele a
criança estará de fato fazendo uso da linguagem escrita e, conseqüentemente,
das normas ortográficas de forma contextualizada.
O presente estudo procurou investigar o desempenho ortográfico de
crianças nas séries iniciais do aprendizado da leitura e da escrita em sua
produção textual, em diferentes contextos de produção. Inicialmente, o presente
trabalho aborda a ortografia da Língua Portuguesa, seu funcionamento e suas
especificidades (regularidades e irregularidades). Em seguida, abordamos a
aquisição do sistema de escrita pela criança. No terceiro capítulo foram descritos
alguns estudos sobre o conhecimento que a criança adquire sobre as normas
ortográficas da Língua Portuguesa.
Posteriormente, tratamos da produção textual, abordando especificamente
a narrativa de histórias. tomando como base a escrita espontânea e a reprodução
escrita de histórias. Neste capítulo examinamos o desenvolvimento do esquema
narrativo pela criança e o papel do contexto de produção na escrita da criança.
Em seguida, iniciamos a apresentação do estudo empírico que realizamos,
avaliando o desempenho ortográfico das crianças em dois contextos de produção
textual: a escrita espontânea e a reprodução escrita de histórias. A hipótese
investigada, conforme depreendida a partir de Pontecorvo e Ferreiro (1996), seria
a de que, no contexto de reprodução escrita de histórias a criança poderia obter
um melhor desempenho ortográfico, pois tendo um texto-modelo que lhe
desocupasse da organização da narrativa, poderia se ocupar preferencialmente
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das escolhas lingüísticas, e, portanto, da parte ortográfica da escrita. Neste
capítulo descrevemos as questões da pesquisa e o método.
No capítulo seguinte apresentamos os resultados de nossa investigação.
Foram feitas, primeiramente uma análise da freqüência de erros dos alunos e
posteriormente uma análise do tipo de erro cometido pelas crianças. Os
resultados foram analisados e discutidos à luz das evidências empíricas
presentes na literatura. Por fim, foram discutidas as implicações educacionais
deste estudo para o ensino da ortografia, o que esperamos contribuir para a
construção de situações didáticas mais adequadas à aprendizagem da ortografia
pelas crianças das séries iniciais do ensino fundamental.
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Capítulo I: A ortografia da Língua Portuguesa
Apesar dos avanços tecnológicos atuais, a escrita continua sendo
importante meio de comunicação e registro nas sociedades letradas. Através da
escrita, armazenamos dados, expressamos idéias, trocamos informações, e o que
talvez seja o principal, criamos.
O ato de escrever envolve um conjunto de habilidades lingüísticas e
psicológicas, que vão desde a capacidade de registrar unidades de som até a
capacidade de transmitir significado de forma adequada a um leitor (Soares,
2004). Para escrever trazemos à tona nosso conhecimento de mundo e de
escrita, nossas vivências com diferentes tipos de textos e com diferentes leituras.
A escrita engloba competências diversas incluindo a habilidade motora
(caligrafia), a ortografia, o uso da pontuação, a habilidade de selecionar idéias,
organizar idéias num texto escrito, habilidade de adequar o texto ao público
desejado, estabelecendo relações entre as idéias para dar um sentido ao texto
(Soares, 2004).
A ortografia é de extrema importância para compreendermos o texto escrito
e nos comunicarmos melhor. A ortografia pode ser definida como a maneira
correta de se grafar as palavras, resultante de uma convenção social (Morais,
2003). Escrever ortograficamente significa escolher uma única forma para a
escrita de determinada palavra de uma língua, evitando assim o problema da
variação lingüística (Cagliari, 1999). A dificuldade encontrada na escrita
ortográfica pode vir a comprometer o próprio entendimento do texto e a
compreensão leitora.
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A ortografia surge da tentativa de unificarmos a forma como escrevemos a
fim de facilitar a comunicação. Como existem diferentes formas de se pronunciar
uma palavra e vários fatores que influenciam esta pronúncia (localização regional,
nível sócio-cultural, época, idade) a ortografia é um recurso que irá uniformizar a
escrita, facilitando seu entendimento.
A ortografia é um tipo de saber resultante de uma convenção, de
negociação social e que assume um caráter normatizador, prescritivo. (Morais,
2000). É portanto um saber historicamente construído. No caso do português, o
sistema ortográfico só foi instituído na primeira metade do século XX, primeiro em
Portugal e depois no Brasil (Morais, 2000). Com o passar do tempo, a ortografia
vem sofrendo diversas modificações até os dias de hoje.
A aprendizagem da ortografia também vem passando por diversas
mudanças no decorrer dos anos. Inicialmente, a aprendizagem da ortografia era
vista como um processo reprodutivo, baseado em treino e memorização. As
crianças eram levadas a fazer cópias e ditados a fim de decorar a grafia correta
das palavras.
Atualmente, propõe-se uma visão gerativa da ortografia (Cardoso-
Martins,1995; Morais, 2000, 2003; Lemle 2003). Isto significa que as crianças
geram a grafia das palavras de acordo com sua concepção e conhecimento da
língua escrita. Logo, a criança é capaz de gerar a escrita de uma palavra a partir
da consideração das normas ortográficas e do contexto e não através de simples
memorização.
As regras ortográficas não são da mesma natureza e envolvem diferentes
competências para sua aquisição. A criança que aprende terá que refletir sobre a
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língua escrita a fim de compreender seus diferentes aspectos: fonológicos,
morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. Aos poucos a criança irá
perceber que não podemos escrever exatamente da mesma forma que as
palavras são pronunciadas, o que a fará refletir sobre as irregularidades da
Língua Portuguesa.
Ao estudarmos a ortografia, é importante definir primeiramente como se
estrutura o sistema ortográfico da Língua Portuguesa. A representação ortográfica
da Língua Portuguesa é alfabética com memória etimológica (Faraco, 2003). A
Língua Portuguesa é regida pelo sistema alfabético de escrita. Isto significa dizer
que na nossa escrita cada unidade gráfica (letra) representa uma unidade sonora
(som). Porém este sistema não é um sistema puro, onde cada letra corresponde a
um único som e vice-versa. Do ponto de vista ortográfico, nossa língua possui
aspectos regulares e irregulares (Morais, 2000; Lemle, 2003; Faraco, 2003).
Por outro lado, a Língua Portuguesa também é regida pelo princípio da
memória etimológica (Faraco, 2003), ou seja, neste caso o critério utilizado na
escrita será a origem da palavra e não a correspondência letra-som. Isso justifica
a escrita de certas palavras como homem, que no latim era escrito homo e outras
de origem grega, tupi, etc.
Sendo o sistema gráfico capaz de operar dessas duas formas, com o
princípio alfabético e a memória etimológica, podemos concluir que existem dois
tipos de representações, as regulares e as arbitrárias (Faraco, 2003).
As representações regulares se baseiam apenas no princípio alfabético
(correspondência letra-som). Já as representações arbitrárias serão fonte de
maior dificuldade para os que estão iniciando no mundo da escrita. A
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aprendizagem das representações arbitrárias exigirá estratégias cognitivas
próprias, como a memorização.
Para compreendermos melhor o sistema ortográfico da língua portuguesa,
analisaremos as classificações apresentadas por Lemle (2003); Faraco (2003) e
Morais (2000). Segundo Lemle (2003) as relações entre letra e som podem
acontecer de três formas: casamento monogâmico, poligamia ou poliandria e
concorrência. No caso do casamento monogâmico entre letra e som, cada letra
possui um som e cada som possui uma letra. Se enquadram neste caso as letras
p, b, t, d, f, v. No segundo caso, a poligamia ou poliandria, algumas letras são
“casadas” com sons diferentes, de acordo com a sua posição na palavra. Ou
seja, certas letras representam sons diferentes quando numa determinada
posição na palavra e cada som possui uma letra numa determinada posição. Por
exemplo, nas palavras sacola, casa, massa a letra S apresenta diferentes sons de
acordo com sua posição na palavra. No caso da concorrência, duas letras estão
aptas a representar o mesmo som, no mesmo lugar e não em lugares diferentes,
como vimos anteriormente. Ou seja, mais de uma letra para o mesmo som na
mesma posição. Este é o caso mais difícil. Por exemplo, as palavras seco e
cebola apresentam um caso de concorrência.
Faraco (2003) faz uma divisão similar apresentando dois tipos de relações
possíveis entre letra e som de acordo com nosso sistema ortográfico. As
primeiras são as relações biunívocas, onde uma determinada unidade sonora
corresponde a uma certa unidade gráfica (como as letras P, B e T, D, F, V ou
dígrafos LH/NH) e esta unidade gráfica só representa aquela unidade sonora.
Essas relações apresentam regularidade absoluta. As segundas seriam as
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relações cruzadas, onde uma unidade sonora, por exemplo, o som /S/,
corresponde a mais de uma unidade gráfica, “S” e “Ç” e, uma unidade gráfica “S”
representa mais de uma unidade sonora /S/ e /Z/.
De acordo com este autor, o fato de serem relações cruzadas não significa
a ausência total de regularidade. A diferença entre a regularidade relativa e
absoluta é que na primeira a previsibilidade é determinada pela POSIÇÃO da letra
ou som na sílaba ou na palavra, ou ainda pelo elemento que a segue, ou seja,
pelo contexto.
Faraco (2003) aponta uma última categoria chamada de variação
imprevisível das relações cruzadas. Nesta categoria não existiria um princípio
gerativo que indique a grafia correta das palavras, ou seja, não existe uma regra a
ser seguida. Neste caso teremos que recorrer à etimologia da palavra para
buscar sentido para sua grafia.
Já Morais (2000) afirma que a norma ortográfica da Língua Portuguesa
está organizada de duas formas: correspondências regulares e correspondências
irregulares. A primeira forma poderia ser internalizada pela criança através da
compreensão das regras subjacentes. A segunda depende de memorização.
Segundo este autor, existem três tipos de relações regulares: diretas, contextuais
e morfológico-gramaticais.
Na relação regular direta, cada letra corresponde a apenas um som e vice-
versa, independente de sua posição na palavra. São exemplos desta relação as
letras p, b, t, d, f, v.
As relações regulares contextuais são aquelas onde é possível se prever a
escrita correta da palavra de acordo com a posição do fonema na palavra. São
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exemplos desta relação a nasalização da sílaba que vem antes das letras P e B
através do uso da letra M.
Nas relações morfológico-gramaticais a criança terá que refletir sobre a
categoria gramatical da palavra e outros aspectos de sua morfologia para chegar
à grafia correta. Por exemplo, as palavras chinesa e consulesa se escrevem com
ESA e não EZA, pois são adjetivos derivados de substantivos. Já as palavras
realeza e pureza se escrevem com EZA pois são substantivos derivados de um
adjetivo.
Em relação às irregularidades, estas exigirão que o aprendiz utilize
principalmente a memorização. Elas se encontram na escrita do som do S, G, Z e
X, no uso do H inicial, na disputa das vogais E, I, O, U em sílabas átonas que não
estão no final das palavras, na escolha do L ou LH diante de certos ditongos e a
dificuldade na escrita de certos ditongos que têm uma pronúncia reduzida.
Essas três perspectivas servem como base para entendermos o
funcionamento da ortografia da Língua Portuguesa. A divisão de Morais (2000)
mostra-se bastante completa, por abordar as regularidades morfológico-
gramaticais.
Podemos concluir que o professor deve levar o aluno a compreender as
regras ortográficas (no caso das regularidades) e não simplesmente decorá-las.
No caso das irregularidades, é importante colocar o aluno cada vez mais em
contato com a escrita impressa (livros, jornais, revistas) e estimular a produção de
textos, pois só se aprende a escrever, escrevendo.
Portanto, a partir do estudo do sistema ortográfico da nossa língua o
professor estará mais apto a compreender os erros ortográficos cometidos por
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seus alunos, e conseqüentemente desenvolverá melhor o trabalho em sala de
aula. Sabemos que os erros ortográficos cometidos pelas crianças têm causas
distintas. No próximo capítulo abordaremos a questão da aquisição da linguagem
escrita pela criança.
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Capítulo II: A aquisição do sistema de escrita pel a criança
Podemos analisar a escrita por diferentes perspectivas. A primeira delas
seria a linguagem escrita, que tem por objetivo analisar o discurso, o texto e seus
gêneros, tomando a escrita como um processo essencialmente de produção de
textos. A segunda perspectiva denomina-se sistema de escrita ou escrita da
linguagem, cujo objetivo é focalizar os sistemas de escrita, sua natureza, os
aspectos notacionais, a aquisição do sistema e as relações entre oralidade e
escrita (Pontecorvo, 1997 citado por Spinillo, Correa e Leitão, 2001). Ambos os
aspectos são fundamentais para um efetivo domínio da escrita. O presente estudo
se insere no âmbito da escrita da linguagem, pois focaliza a atenção
principalmente nos aspectos ortográficos do sistema de escrita.
O domínio do sistema de escrita é uma tarefa complexa para a maioria das
crianças. A partir da interação sujeito – objeto de conhecimento (língua escrita) a
criança começa a formular hipóteses a respeito da escrita e a produzir formas
próprias de escrever (Ferreiro & Teberosky,1985; Nunes, Buarque & Bryant,
1997).
A língua escrita é um sistema de representação e sua aprendizagem irá
exigir o domínio de seus diferentes usos e funções por parte do aprendiz. A
escrita engloba desde a habilidade de transcrever a fala até uma série de
habilidades e conhecimentos diversos, incluindo a habilidade motora, a ortografia,
o uso adequado de pontuação, a seleção de idéias sobre determinado assunto, a
caracterização do possível leitor do texto, o estabelecimento de metas para a
escrita, a organização das idéias num texto, o estabelecimento de relações entre
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estas idéias e sua expressão da melhor forma possível (Soares, 2004). Durante o
processo de alfabetização a criança terá que utilizar diferentes habilidades
cognitivas a fim de se apropriar da escrita como objeto de conhecimento. Para
aprender a ler e a escrever, a criança terá que construir, portanto, competências e
conhecimentos de naturezas diversas.
A alfabetização é um processo longo e gradual que começa antes mesmo
do ingresso da criança na escola. A partir dos estímulos que recebe no ambiente
familiar a criança começa a despertar para a aprendizagem da língua escrita. As
crianças transformam a escrita convencional dos adultos e começam a produzir
grafias próprias. Segundo Azenha (1994), esta produção escrita é fruto da
utilização dos esquemas de assimilação da criança ao novo objeto de
aprendizagem, a escrita.
A aprendizagem da escrita envolve portanto muito mais do que o ensino
das letras (Ferreiro & Teberosky,1985). É necessário que a criança esteja
engajada nas práticas sociais de leitura e escrita para que esta aprendizagem
ocorra de forma contextualizada. O conceito de letramento, que envolve não
apenas o processo de ler e escrever, mas a importância de fazer uso dessas
habilidades de forma significativa, corrobora esta idéia (Soares, 2004).
A aprendizagem da escrita irá exigir que a criança se aproprie das
convenções próprias do sistema. Certamente, estas convenções não são
evidentes para a criança. Para que esta aprendizagem ocorra, a criança terá que
internalizar alguns conceitos, como os de fonema e letra. Fonemas e letras são
construções mentais, sendo estas construções fruto de uma intensa atividade
cognitiva ( ver Correa, 2001, para revisão).
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O aprendizado da escrita não se resume, portanto, à reprodução de um
código de transcrição gráfica (Ferreiro & Teberosky,1985). Neste aprendizado, a
criança se depara com diferentes obstáculos. Os erros produzidos pelas crianças
nesta etapa são evidências de suas tentativas de compreensão da escrita. As
trocas de letras, por exemplo, são bastante comuns durante o processo de
aquisição da escrita. Porém estas trocas não ocorrem de forma aleatória. Em
geral, as crianças confundem os fonemas sonoros por surdos, devido à sua
semelhança ao serem produzidos. Os fonemas sonoros (/b/,/d/, /g/ e /v/) são
produzidos a partir da vibração das cordas vocais; nos fonemas surdos (/p/, /t/,
/k/,/f/) não há vibração de cordas vocais.
O tipo de alfabeto adotado também pode levar a criança a cometer erros de
escrita. No alfabeto script, por exemplo, as letras são muito parecidas, sendo
diferenciadas pela direção e sentido (b, p, d, q). Torna-se difícil para a criança
compreender que aquele objeto (a letra) mudou de significado apenas porque foi
colocado numa posição diferente. A partir do confronto com essas dificuldades a
criança começa a despertar para alguns aspectos relevantes do mundo da
escrita. Neste caso, a criança começa a perceber que direção e sentido são
fundamentais na hora de ler e escrever.
Vários estudos (Nunes, Buarque & Bryant, 1997; Correa, 2001, para
revisão) apontam para evidências que corroboram a idéia de que a aquisição da
língua escrita é um processo gradual que passa por várias fases distintas, onde a
criança irá produzir escritas bastante diferenciadas.
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A escrita pré-fonética
A partir das interações que a criança vivencia com a escrita, dentro e fora
do ambiente escolar, ela começa a adquirir uma série de conhecimentos sobre a
linguagem escrita, mesmo que de forma intuitiva. Aos poucos a criança começa a
diferenciar a escrita do desenho, dos números e de outros sistemas simbólicos
(Ferreiro & Teberosky,1985; Teberosky, 1994).
A criança, então, começa a perceber algumas particularidades do sistema
de escrita. Primeiramente, a criança, na tentativa de começar a escrever, percebe
duas propriedades da escrita: a linearidade e a descontinuidade (Teberosky,
1994) . Assim, a criança percebe que escrevemos em linhas, da esquerda para a
direita e que existe uma separação entre os elementos escritos. Nesta etapa, a
criança ainda não estabelece relações entre os aspectos fonológico e ortográfico
da língua, ou seja, não faz uma correspondência entre letra e som, por isso sua
escrita pode ser compreendida como pré-fonética (Correa, 2001, para revisão).
O próximo passo será a diferenciação das formas gráficas. A criança
começa a imitar letras e a reproduzir as letras de seu nome e de seus familiares
em diversas palavras. Muitas vezes as crianças começam escrevendo vogais,
pois o ensino das vogais é bastante comum no ambiente familiar. A partir da
escrita do seu nome, a criança começa a produzir palavras, formadas pelas letras
que habitam com freqüência seu universo. A partir deste momento, a criança volta
sua atenção para outras propriedades da escrita e começa a perceber que existe
uma quantidade mínima de caracteres para se escrever uma palavra e uma
variação interna de formas gráficas numa mesma palavra. Segundo Ferreiro &
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Teberosky (1985), esta quantidade mínima de caracteres fica em torno de, no
mínimo, três letras. Em relação à variação interna de formas gráficas, as crianças
começam a escrever palavras diversas, através de diferentes combinações de
letras. Palavras com letras repetidas, mesmo com três caracteres, não podem ser
lidas.
Nesta etapa da aprendizagem, as crianças em geral, adotam as
características físicas dos objetos como critério para decidir sobre a grafia de
determinada palavra. Sendo assim, a palavra formiga deve ser escrita com menor
número de letras do que a palavra trem, porque um trem é muito maior do que
uma formiga. Esta característica do pensamento infantil é denominada de
“Realismo Nominal”. A superação do realismo nominal pela criança irá
representar um grande progresso na aquisição da escrita (Carraher & Rego,
1981).
A fonetização da escrita e a escrita parcialmente a lfabética
Com o avanço do conhecimento sobre a escrita, a criança começa a fazer
relações entre as representações fonológica e ortográfica da língua. A criança
começa a perceber que as palavras escritas podem ser lidas e que elas estão
escritas na mesma ordem em que foram enunciadas. A criança também desperta
para o fato de que a quantidade de letras varia em função da quantidade de
elementos sonoros presentes na palavra (Correa, 2001, para revisão). Porém, a
criança ainda não percebe que as letras representam unidades mínimas de som.
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O processo de fonetização da escrita pela criança ocorre de forma gradual
e ele dependerá de fatores, tais como as experiências que a criança tem dentro e
fora da escola, a ortografia da sua língua materna, entre outros. Abaixo veremos
alguns exemplos de escrita das palavras cavalo, pente e dente feitos por uma
criança que se encontra nesta fase.
Ferreiro & Teberosky (1985) realizaram inúmeras pesquisas que retratam
o processo de construção da escrita pela criança. Segundo Ferreiro & Teberosky
(1985), as crianças iniciam a fonetização da escrita estabelecendo a sílaba como
unidade. Neste caso, a criança representaria cada sílaba com uma letra,
caracterizando assim a hipótese silábica. A princípio, estas letras não teriam um
valor sonoro convencional, o que só ocorreria mais tarde. Sendo assim, as
crianças que ainda se encontram na fase anterior à fonetização, estariam na fase
pré-silábica. As crianças que começam a dominar o princípio alfabético, estariam
na fase alfabética. As crianças que oscilam entre uma escrita silábica e alfabética,
estariam numa fase de transição chamada de silábico-alfabética.
27
Apesar da aquisição do sistema de escrita pela criança ocorrer de forma
gradual conforme também advogado por Ferreiro & Teberosky (1985), a
universalidade de uma etapa silábica como precursora da escrita alfabética pode
ser contestada, tendo em vista as diferenças nas ortografias de diversas línguas e
as variadas formas de ensino as quais as crianças são submetidas (Correa,
2001). Logo, é possível que as crianças produzam uma escrita que faça lembrar a
escrita silábica, porém, sem a intenção de representar uma letra para cada sílaba.
Alguns estudos apresentam evidências empíricas que contrariam a
existência de uma etapa silábica na aquisição da língua escrita. Rego (1995)
realizou um estudo com 57 crianças inglesas que cursavam a primeira série de
uma escola da rede pública. O objetivo do estudo foi examinar a relação entre a
compreensão que as crianças inglesas demonstravam sobre o princípio
alfabético, através de sua escrita espontânea, e o desempenho em leitura após
freqüentarem uma classe de alfabetização. O resultado do estudo mostrou que
para as crianças inglesas, a fonetização da escrita começa com a representação
do som inicial das palavras, seguida de uma representação parcial onde aparece
o som final das palavras e finalmente a escrita alfabética. No estudo, não houve
registro de representações silábicas. No processo de aquisição da escrita,
observa-se a nítida preferência das crianças inglesas em representar os sons
consonantais iniciais (Rego, 1995), diferentemente das crianças portuguesas e
espanholas, que representam com mais freqüência os sons vocálicos. A partir do
momento que a criança estabelece uma relação entre letra e som de forma mais
sistemática, ela começa a internalizar o princípio alfabético e sua escrita se
transforma, tornando-se mais próxima das convenções lingüísticas.
28
A escrita alfabética
Inicialmente, o tipo de correspondência entre letra e som que a criança faz
é estritamente biunívoca, ou seja, cada letra representa um fonema e cada
fonema é representado por apenas uma letra (Lemle, 2003). Como nosso sistema
de escrita contém de irregularidades e regularidades não explicadas apenas
fonologicamente, isto representará um grande obstáculo para a criança. Em
conseqüência, a criança cometerá vários erros que expressam a sua dificuldade
em lidar com as convenções ortográficas da língua.
Como a criança ainda não tem conhecimento sobre as convenções
ortográficas, sua escrita apresentará erros de diferentes naturezas, que
demonstram suas maiores dificuldades nesta etapa da aprendizagem, como:
erros por transcrição da fala, dificuldade no uso da nasalização, dificuldade com
as regularidades contextuais, dificuldade com as regularidades morfossintáticas,
acentuação, dificuldade na escrita de sílabas mais complexas, entre outros.
A partir do contato com a escrita convencional e da reflexão sobre como
escrever determinada palavra, a criança descobre que a escrita inclui
regularidades que não sejam de natureza fonológica, como as regularidades
morfossintáticas, bem como, irregularidades. Assim, a criança começa a
despertar para a escrita ortográfica.
29
A escrita ortográfica
Nesta fase a criança percebe que algumas letras representam mais de um
som e que alguns sons são representados por mais de uma letra. A criança
começa então a problematizar a escrita das palavras, a fim de compreender as
relações existentes na nossa língua (Morais, 2003). Nesta etapa são comuns os
questionamentos das crianças em relação à escrita das palavras (como se
escreve, com que letra, etc). Ao aprender determinada norma ortográfica é
comum que a criança se autocorrija ou que faça generalizações indevidas da
norma aprendida (Correa, 2001 para revisão; Nunes, 1992). Isso mostra o quanto
a criança é ativa durante o processo de aquisição da escrita.
O desenvolvimento da escrita ortográfica dependerá de vários fatores. De
maneira geral, o avanço da escolaridade irá melhorar a capacidade da criança de
aprender a norma ortográfica assim como a oportunidade de estar em contato
com a escrita tanto na escola quanto no ambiente familiar (Morais, 2003).
Ao tentar escrever ortograficamente, a criança irá pensar sobre a ortografia
e utilizar estratégias gerativas para escrever corretamente (Rego e Buarque,
2000). É necessário portanto que a criança vivencie situações didáticas que a
estimulem a refletir e gerar hipóteses sobre a escrita, explorando, comparando,
generalizando, a fim de que possa compreender os princípios que regem a nossa
ortografia. No próximo capítulo veremos algumas pesquisas que mostram como
as crianças pensam a ortografia.
30
Capítulo III: O conhecimento ortográfico da Língua Portuguesa pela criança
As crianças pensam ativamente sobre a grafia das palavras. Geralmente,
quando o aluno erra ao criar certas regularidades ao escrever, significa que ele
está elaborando suas próprias hipóteses sobre a escrita das palavras, baseado no
seu conhecimento de língua escrita. Morais (2000) realizou pesquisas sobre
desempenho ortográfico de crianças, baseado no modelo psicológico proposto
por Annette Karmiloff – Smith. Segundo esta autora, os avanços de um indivíduo
em determinada área do conhecimento estariam relacionados ao nível de
explicitação que o indivíduo elaborou sobre este domínio. Morais (2000) procurou
verificar se as diferenças ortográficas observadas em diferentes grupos de alunos
estariam de fato relacionadas ao nível de explicitação que estes alunos teriam
sobre seus conhecimentos ortográficos. Para verificar esta hipótese o autor
realizou uma pesquisa com 116 crianças brasileiras de Recife. Os alunos,
oriundos de 2ª série, 3ª série e 4ª série, participaram de três tarefas realizadas em
três momentos distintos da investigação.
A primeira tarefa foi um ditado de texto cujas palavras (familiares e não-
familiares) continham a maioria das correspondências letra/som (regulares e
irregulares) de nossa língua. O objetivo desta tarefa era examinar o desempenho
ortográfico das crianças. A segunda tarefa, solicitada às mesmas crianças, foi a
brincadeira de “escrever errado de propósito” . O autor pediu que as crianças
reescrevessem o mesmo texto, mas com erros propositais. O objetivo era
observar que conhecimentos ortográficos as crianças tinham elaborado em um
nível explícito. Finalmente, num terceiro momento foram feitas entrevistas com
31
cada criança a fim de verificar o que o aluno entendia sobre ortografia, se ele
considerava importante escrever certo e como explicaria os erros na segunda
tarefa. O objetivo era saber se as crianças saberiam verbalizar as regras
ortográficas. Os erros ortográficos observados foram categorizados da seguinte
forma: erros de correspondência letra e som, erros de acentuação (ex. é – ê),
erros de segmentação das palavras no texto (ex. me disseram – medisseram) e
erros de concordância gramatical (ex. disseram – disserão). Na categoria erros de
correspondência entre letra e som, os erros mais comuns foram os de troca de
letra (ex. bacharel - bachareu; cidade - cidadi) e omissão de nasalização (ex.
sempre - sepre).
Os resultados da pesquisa demonstram que o rendimento ortográfico
melhora de uma série para outra, embora exista grande heterogeneidade numa
mesma série. Em relação às transgressões intencionais (terceira tarefa) a
pesquisa confirmou as hipóteses do autor, de modo que os alunos com melhor
desempenho ortográfico no ditado conseguiram formular mais erros intencionais.
Isso significa que os alunos que erraram menos no ditado conseguiram produzir
mais erros propositais por terem um maior conhecimento das normas ortográficas.
Foi observado também que os alunos com melhor rendimento conseguiam
verbalizar as regras ortográficas utilizadas ou transgredidas com maior facilidade.
Algumas regras, entretanto, foram mais difíceis de serem verbalizadas devido a
sua maior complexidade.
Ao final da entrevista o autor perguntou às crianças se era importante
escrever correto e por quê. As respostas afirmavam a importância da ortografia,
mas sempre relacionada ao seu uso escolar. Poucas crianças mencionaram o uso
32
da ortografia como facilitadora da comunicação e compreensão de textos. Morais
(2003) ressalta que as práticas escolares que envolvem a ortografia não têm
abordado de forma significativa sua utilização, conforme explicitado pelas próprias
crianças entrevistadas.
Morais (2003) realizou três atividades com crianças de 3a série com o
objetivo de fazer com que as crianças pudessem refletir sobre a ortografia a partir
de textos. As atividades foram: ditado interativo, releitura com focalização e
reprodução escrita com transgressão ou correção. No ditado interativo, foi ditado
pausadamente à turma um texto já conhecido e foram selecionadas e
posteriormente discutidas algumas questões ortográficas relacionadas durante a
atividade. O texto utilizado já havia sido previamente lido e discutido com as
crianças a fim de que o texto tivesse uma unidade de sentido para elas. Durante
o ditado do texto, o professor fez interrupções perguntando as crianças se havia
alguma palavra cuja grafia era mais difícil e a razão de tal dificuldade. Algumas
vezes o professor escolhia as palavras; outras, os próprios alunos ressaltavam
que palavras consideravam mais difíceis de escrever. A partir daí, foram feitas
discussões sobre a grafia destas palavras. Esta atividade foi realizada com
crianças numa turma de 3a série de uma escola pública. As crianças
apresentavam muita dificuldade no uso do G ou GU, o que levou a professora a
fazer um ditado interativo com um texto onde aparecia esse tipo de dificuldade
ortográfica. Durante a realização do ditado interativo, o professor pode ser mais
diretivo, focalizando a atenção dos alunos para as palavras cuja grafia apresenta
dificuldades ortográficas, ou deixar que as próprias crianças apontem as palavras
que elas consideram mais difícil.
33
Outra atividade descrita por Morais (2003) foi a releitura com focalização.
Nesta atividade foi feita a releitura coletiva de um texto já conhecido. Durante a
releitura foram feitas interrupções para debater certas palavras, focalizando sua
grafia. Na mesma turma de 3a série, a professora estimulou as crianças a
refletirem sobre o emprego do R e RR tomando como base uma fábula de Esopo,
“A cigarra e a formiga”. O texto já havia sido lido, comentado e reescrito na
semana anterior. A professora focalizou a atenção da turma para as palavras
desejadas, de modo a discutir sobre o emprego do R e RR. Os alunos
verbalizaram seus conhecimentos que, mais tarde, foram registrados sob a forma
de regras. Esta atividade foi feita durante duas semanas e foi enriquecida com a
classificação e formação de palavras e palavras inventadas que continham R e
RR.
A terceira atividade, reprodução escrita com transgressão ou correção,
envolveu uma situação de reflexão ortográfica a partir das revistas em quadrinhos
do Chico Bento. O texto foi escolhido por já apresentar diversas transgressões
ortográficas, pois conta as travessuras de um menino cuja fala reflete o uso de
uma variante da Língua Portuguesa comum às zonas rurais do Brasil.
Primeiramente, as crianças leram os gibis e se familiarizaram com o personagem.
Aos poucos, as crianças detectaram as transgressões ortográficas no texto,
como por exemplo, a omissão do R no final dos verbos (apagá, fritá, fazê). A
situação foi seguida de uma reescrita do texto com correção, no formato de uma
narrativa. Outra forma de enfocar a atividade foi pedir para que as crianças
reescrevessem os diálogos da história com mais erros ainda. Um dos erros feitos
pelas crianças foi transgredir o gerúndio ao trocar, por exemplo, pegando por
34
“pegano” e levando por “levano”. A atividade gerou também discussões em
relação às diferentes pronúncias existentes em nosso país. Segundo Morais
(2003), as crianças gostaram da atividade e puderam rever, a partir dela, seus
conhecimentos ortográficos.
Carraher (1985, ver também Nunes, 1992) conduziu uma pesquisa com o
objetivo de analisar os erros ortográficos de crianças com escolaridade entre a 1ª.
à 4ª. série do ensino fundamental, baseada na hipótese de que os erros
cometidos pelas crianças refletiriam um apego às correspondências biunívocas
entre letra e som. Acreditava-se que estes erros eram previsíveis e que poderiam
ser categorizados segundo sua natureza.
Carraher (1985) entrevistou dez crianças em cada uma das quatro séries,
pedindo-lhes que escrevessem palavras ditadas por uma examinadora, que tinha
a pronúncia local. Foi solicitado à examinadora que ditasse as palavras de forma
natural e não pausadamente como ocorre na maioria dos ditados. As palavras
ditadas estavam agrupadas da seguinte forma: palavras reais que apresentavam
dificuldades ortográficas específicas (ex. blusa, peixe) e palavras inventadas a
partir das palavras reais utilizadas (ex. bluseiro, peixoso).
Os erros cometidos pelas crianças foram classificados de acordo com sete
categorias:
1. Erros de transcrição de fala – neste caso a criança erra porque escreve a
palavra da forma como esta é pronunciada. Ex. bulacha, nuveim, cauça.
2. Erros de supercorreção – a partir da percepção de que não há uma relação
biunívoca absoluta entre escrita e fala, ou seja, que nem sempre é possível
representar fielmente os sons da fala, a criança começa a corrigir estes
35
erros, generalizando grafias que julga corretas. Ex. vassolra (vassoura),
fragio (frágil).
3. Não utilização de regras de contexto – As regras de contexto determinam a
utilização de certas letras de acordo com sua posição na palavra e de
acordo com a letra antecedente e subseqüente. Por exemplo, antes de P e
B utilizamos a letra M, que é um marcador de nasalização. Um exemplo de
não utilização desta regra é a escrita camtor (cantor).
4. Não utilização dos marcadores da nasalização – Se refere à não utilização
dos marcadores de nasalização pelas crianças, como na escrita de oça
(onça) e roma (romã).
5. Erros relacionados à origem da palavra – Para as grafias irregulares a
única motivação para a grafia da palavra encontra-se na origem das
próprias palavras (etimologia), pois o contexto ou o som não indicam a
grafia correta. Carraher (1985) afirma que neste caso o melhor recurso a
utilizar é a memorização. Ex. omem (homem) se escreve com h porque é
uma palavra originária do latim.
6. Erros nas sílabas complexas – O processo de alfabetização de nossas
escolas em geral privilegia as sílabas de estrutura CV (consoante-vogal).
Quando a criança se depara com sílabas mais complexas, isso resulta em
erro pois vai de encontro as expectativas e a própria prática da criança,
além de dificultar a análise fonológica. Ex: pato (prato).
7. Erros por troca de letras – Geralmente as crianças fazem trocas entre
letras que possuem som semelhante. As trocas mais freqüentes são entre
36
as letras que representam os fonemas sonoros (b, d, g, v) por surdos (p, t,
c, f).
Nesta pesquisa, 80% dos erros encontrados foram classificados nas sete
categorias expostas acima. Carraher (1985) observou que os tipos de erros
variaram bastante entre as séries e que a mais importante variação foi entre os
erros de transcrição da fala e de supercorreção. Nestas categorias os erros
tendem a diminuir de acordo com o avanço da escolaridade. Carraher (1985)
também observou que não houve diferenças nas categorias de erros cometidos
em palavras reais e inventadas e notou uma tendência do aluno a escrever
sufixos de palavras inventadas de forma correta na 4ª série, confirmando assim
que as crianças podem gerar a grafia de uma palavra de acordo com seus
conhecimentos prévios.
Curvelo, Meireles e Correa (1998) examinaram o conhecimento ortográfico
utilizado pela criança no jogo de forca. Participaram do estudo 60 crianças
alfabetizadas, com escolaridade entre a 2a e a 4a séries do ensino fundamental de
uma escola pública da zona norte do Rio de Janeiro. Foram realizadas entrevistas
individuais com as crianças onde a tarefa era resolver o jogo de forca. A cada
jogada era pedido à criança que justificasse a escolha de determinada letra. As
crianças demonstraram já ter conhecimento sobre a brincadeira, não
necessitando de muitas explicações sobre a tarefa. As mesmas palavras foram
apresentadas a todas as séries. Foram selecionadas seis palavras em função de
seu padrão silábico e do número de sílabas que apresentavam, a fim de refletir os
37
diferentes tipos de dificuldades ortográficas presentes em nossa língua: dígrafo,
encontro consonantal, encontro vocálico, sílaba travada e vogal nasal.
A primeira análise focalizou o número médio de jogadas para cada palavra
apresentada, com o objetivo de avaliar o grau de dificuldade apresentado pelas
crianças. Constatou-se que o número médio de jogadas era influenciado pela
palavra apresentada, mas não pela escolaridade da criança. Posteriormente, foi
feita uma categorização das respostas dadas pelas crianças em função das suas
justificativas. Os resultados mostraram que, em relação ao número médio de
jogadas necessárias para se concluir o jogo com sucesso, não houve diferença
significativa entre o desempenho de crianças de diferentes níveis de escolaridade.
As respostas das crianças foram influenciadas principalmente pelo tipo de palavra
apresentada, ou mais especificamente, pelo tipo de dificuldade ortográfica contida
na palavra.
Concluiu-se que dois tipos de conhecimento parecem ser importantes para o
êxito no jogo de forca: o nível de conhecimento ortográfico adquirido pela criança
e o vocabulário que a criança possui. O estudo mostrou que as jogadas das
crianças não foram aleatórias e que parecem refletiram os seus conhecimentos
lingüísticos no plano ortográfico.
Rego e Buarque (1997) realizaram um estudo longitudinal com quarenta e
seis crianças. O objetivo do estudo era verificar a influência da consciência
fonológica (capacidade de refletir e manipular os sons das palavras) e da
consciência sintática (habilidade de refletir e manipular a estrutura gramatical e o
significado das sentenças) na aquisição de regras ortográficas de naturezas
distintas.
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Foram utilizadas palavras e pseudopalavras que possuíam regularidades
contextuais, como por exemplo o uso dos dígrafos rr e qu e também regularidades
morfossintáticas. As crianças foram avaliadas em tarefas de consciência
fonológica e de consciência sintática no início da 1ª. série e em ortografia, no final
da 1ª. e da 2ª. séries.
Os resultados encontrados mostraram que a aquisição de regras ortográficas
que envolvem análise gramatical é facilitada pelo desenvolvimento da consciência
sintática. Já a consciência fonológica contribuiria para a aquisição de regras
ortográficas que envolvessem uma análise do contexto grafofônico.
Monteiro (2000) investigou como ocorre a aprendizagem de regras contextuais
na leitura e na escrita em crianças da alfabetização até a 4ª série. Foi investigado
especificamente o uso do “S” intervocálico. A primeira tarefa consistiu de um
ditado de palavras que incluía também palavras inventadas. A segunda tarefa foi
a leitura dessas mesmas palavras. Foi feita a inclusão do S e do Z em início de
palavras para verificar a aplicação correta da regra pela criança.
A partir da análise dos resultados e da observação das respostas das crianças
foram estabelecidas três categorias:1- a criança utiliza uma letra para cada som –
a letra “Z” representando o som /z/ e a letra “S” representando o som /s/. Ex:seco,
sono, meza, pezado. 2- a criança percebe que a letra “S” pode representar mais
de um som e percebe a existência de outras grafias. Ex:aviso, disse. 3- a criança
apresenta um maior domínio da regra, podendo ainda cometer erros, porém não
ocorrem generalizações inadequadas. Ex:mesa, zelador, nosso.
Monteiro (2000) observou estratégias similares na leitura. O estudo revela que
as crianças buscam uma regularidade no sistema de escrita. A partir do confronto
39
entre a escrita das crianças e os dados da realidade, essa regularidade vai dando
espaço as diferentes hipóteses de escrita. Também ficou demonstrado que a
tarefa de leitura foi mais fácil de ser realizada em todas as séries.
Meireles e Correa (2005) examinaram as diferenças em complexidade
apresentadas por alguns contextos ortográficos da língua portuguesa.
Participaram desse estudo 52 crianças cursando a 2a e a 4a série do ensino
fundamental. As crianças realizaram um ditado de palavras de baixa frequência
que incluía regras de natureza morfossintática, uso dos sufixos esa, oso e eza, e
regras contextuais relacionadas ao uso do r e do rr e nasalização antes de
consoantes.
Em relação ao uso do r e rr, observou-se que nos contextos /R/ inicial e /r/
intervocálico as crianças de 2ª e 4ª série obtiveram elevado número de acertos, o
que significa que a partir da 2ª série as crianças começam a dominar estas
representações. Houve influência da escolaridade, uma vez que a 4ª série
apresentou melhores resultados do que a 2ª série.
Quanto ao uso da nasalização, a escolaridade também influenciou o
desempenho das crianças. Foi observado que a regra de uso do m antes de p e b
seria de maior domínio das crianças com maior escolaridade. Já o uso do n como
marcador de nasalização seria usado com sucesso pelas crianças desde a 2ª
série.
Quanto ao uso das regras morfossintáticas, a 4ª série obteve melhores
resultados do que a 2ª série. Observou-se uma dificuldade relativa entre os
sufixos, sendo o sufixo oso o mais fácil e o sufixo eza representando maior
dificuldade entre as crianças.
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Os resultados indicaram, portanto, que alguns contextos ortográficos são mais
fáceis de serem aprendidos pelas crianças do que outros. De forma geral, as
regras morfossintáticas seriam mais complexas para as crianças do que as regras
contextuais. Esta hierarquia na aprendizagem das regras ortográficas aponta para
uma aprendizagem que ocorre de forma gradual. Inicialmente a criança aplicaria
em sua escrita uma parte das representações relacionadas à regra ortográfica, ou
seja, primeiramente ela vai considerar alguns aspectos referentes à regra. Com o
avanço da idade e da escolaridade a criança passaria a dominar o uso da regra e
a utilizá-la somente nos contextos adequados.
41
Capítulo IV : A Produção Textual
1. Definição de Texto
O texto se caracteriza como um enunciado qualquer, oral ou escrito e não
uma simples sucessão de frases (Guimarães,1995). A relação entre as frases
forma o sentido do texto, que irá se constituir num conjunto de informações.
Guimarães (1995) aponta que, para ser considerado texto, basta apenas termos
uma palavra, situada num contexto específico, como, por exemplo, a palavra
“Silêncio”.
Bernárdez (1982, citado por Sautchuk 2003) define texto como sendo a
unidade comunicativa fundamental, produto da atividade humana e que possui um
caráter social. Para Bernárdez (1982, citado por Sautchuk 2003), o texto se
estrutura mediante dois conjuntos de regras: as próprias de nível textual e as do
sistema da língua.
Segundo Sautchuk (2003) o ato de escrever é uma atividade verbal que
exige domínio do código escrito, onde o sujeito que escreve irá ativar seus
conhecimentos linguísticos e extralingüísticos. De acordo com esta visão, o ato de
escrever é algo dinâmico, que envolve dois interlocutores que atuam no momento
da produção: um escritor e um leitor interno. Esses dois enunciadores travam um
diálogo interno que irá orientar a produção do texto escrito.
Segundo Sautchuk (2003), para o usuário da língua, alguns aspectos são
necessários durante a produção de um texto, sendo eles:
42
• Uma motivação inicial – a existência de um interesse ou
necessidade.
• Uma finalidade – informar, comunicar, produzir sentido.
• Um plano de ações – organizar o código lingüístico para atingir a
finalidade.
• Uma realização – realizar as operações lingüísticas e textuais
necessárias.
• Uma dependência constante da situação – controlar os aspectos que
irão determinar a aceitação ou não de um enunciado.
O texto se estrutura através de duas formas de organização: a macro e a
microestrutura (Fávero e Koch, 2002, Sautchuk, 2003). A macroestrutura envolve
os componentes que possibilitam dar sentido ao texto, estando relacionada,
portanto, aos elementos que visam manter a coerência do texto. Já a
microestrutura está ligada aos elementos responsáveis pela estruturação
lingüística do texto, como a coesão e a ortografia. Assim, é necessário que o
sujeito ao escrever tenha um certo domínio sobre a língua, para que possa
organizar e dar sentido ao texto.
2. A Narrativa de Histórias
O ato de contar e ouvir histórias estiveram sempre presentes na vida de
todos nós, adultos e crianças. Desde pequenos estamos de certa forma
“aprendendo” a produzir textos narrativos.
43
Atualmente observa-se o surgimento de um grande interesse pelo estudo
da narrativa. A narrativa surge como um discurso contextualizado, constituído por
parâmetros lingüísticos específicos. De acordo com Brockmeier e Harré (2003) a
narrativa reúne um conjunto de estruturas linguísticas e psicológicas transmitidas
cultural e historicamente. Mas afinal, o que faz de um texto uma narrativa?
O texto narrativo possui características próprias, sendo marcado
principalmente pelo fato e pela ação, que se desencadeiam na progressão do
tempo. A narrativa possui elementos fundamentais sem os quais não pode existir.
São eles: enredo, personagens, tempo, espaço e narrador (Gancho, 2002;
Spinillo, 2001).
O enredo se caracteriza como sendo o conjunto de fatos de uma história. O
personagem ou a personagem é um ser fictício responsável pelo desempenho do
enredo. O tempo envolve diversos aspectos: época em que se passa a história,
duração da história, o tempo cronológico e o tempo psicológico. O espaço é o
lugar onde se passa a ação numa narrativa. A narrativa é organizada em torno de
conflitos e possíveis soluções para os mesmos. Gancho (2002) afirma que conflito
é qualquer componente da história (personagens, fatos, ambiente, idéias,
emoções) que se opõe a outro, criando uma tensão que organiza os fatos da
história e prende a atenção do leitor. Portanto, não basta que a história tenha
começo, desenvolvimento e um desfecho; o conflito é fundamental pois é o
elemento estruturador da história.
A narrativa de histórias (Gancho, 2002; Spinillo, 2001) apresenta em geral
a seguinte estrutura: apresentação (estabelecimento de uma situação),
complicação (etapa do conflito entre as personagens), clímax (momento
44
culminante de tensão) e desfecho (desenlace ou conclusão, acontecimentos que
levam ao final da história). Na apresentação/exposição ou introdução são
apresentados os fatos iniciais, os personagens, o tempo e o espaço no qual a
trama se desenvolve. Na segunda etapa, complicação ou desenvolvimento, o
conflito (ou conflitos) se desenvolve, dependendo da narrativa. O clímax é o
momento culminante da história no qual o conflito chega a seu ponto máximo.
Finalmente, no desfecho (desenlace ou conclusão) ocorre a solução dos conflitos.
Segundo Kaufman e Rodríguez (1995), os textos nos quais predomina a
trama narrativa apresentam fatos ou ações em uma seqüência temporal e causal.
O texto narrativo irá priorizar a ação, os personagens que a realizam e o
momento em que esta ação é concluída. Kaufman e Rodríguez (1995) ressaltam
que a ordenação temporal dos fatos e a forma dos verbos adquirem um papel
fundamental na organização dos textos narrativos.
Na narrativa de histórias são relatadas as mudanças progressivas de
estado que vão ocorrendo com as pessoas e as coisas através do tempo. Neste
sentido, o texto é marcado por uma relação de anterioridade ou de posterioridade,
mesmo que esta venha alterada na sua seqüência linear.
3. A escrita de histórias por crianças
A aquisição da linguagem escrita envolve não só o domínio do código
alfabético, mas principalmente a capacidade de produzir textos. Pontecorvo,
Orsolini & Resnick (1996, citado por Lins e Silva e Spinillo, 2000) sugerem que
45
somente quando estamos aptos a produzir e a compreender textos é que estamos
de fato letrados. Produzir textos, porém, é uma atividade complexa.
Desde cedo, as crianças começam a desenvolver a habilidade de contar
histórias. Embora este fato pareça bastante natural, ele faz parte de um processo
de aprendizagem que começa no próprio ambiente familiar e depois se amplia
com o ingresso na escola. Crianças que começam a ouvir histórias bem cedo e
entram logo em contato com livros e revistas poderão ter maior facilidade na hora
de produzir suas histórias. Segundo Spinillo (2001) a habilidade de produzir
histórias apresenta um desenvolvimento gradual influenciado por alguns fatores
como idade, escolaridade e as interações sociais vivenciadas pela criança. A
produção de histórias é, portanto, uma habilidade que depende de
desenvolvimento e vivência pessoal para se aprimorar.
A aquisição da estrutura narrativa em crianças ocorre de forma gradual,
sendo influenciado por fatores como a idade cronológica, o nível pedagógico e
contato com textos no ambiente familiar. Hudson e Shapiro (1991, citado por
Spinillo, 2001) solicitaram que crianças de 4, 6, e 8 anos produzissem oralmente
narrativas diversas: relatos de experiência pessoal, scripts e histórias. Observou-
se que as crianças de 4 anos produziram textos com poucos componentes
próprios de histórias como marcadores lingüísticos de abertura e fechamento,
seqüência temporal nítida, um problema e um desfecho. Já as produções de
crianças de 6 anos incluíam com maior freqüência uma situação-problema e um
final definidos, porém nem sempre articulado com a trama da história. Finalmente,
as crianças de 8 anos produziram histórias com introdução, situação-problema,
resolução e um final bem articulado com a trama da história. Concluiu-se então
46
que a habilidade de produzir histórias aumenta de acordo com a idade
cronológica da criança.
Rego (1986) a partir da análise de histórias escritas por crianças na faixa
etária dos 6/7 anos, identificou diferentes níveis de desenvolvimento na aquisição
de um esquema narrativo de história. Este desenvolvimento pode ser descrito da
seguinte forma:
Categoria I – produções escritas que apresentam apenas a introdução da história,
observando-se o uso de marcadores lingüísticos convencionais para início de
histórias.
Categoria II – histórias em que, além da introdução, está presente uma ação que
sugere o que seria uma situação-problema, embora esta não esteja clara.
Categoria III – a história possui um desfecho e a situação-problema apresenta
uma resolução, embora esta não esteja explicitada. A situação-problema é
subitamente resolvida.
Categoria IV – as histórias são completas e possuem uma estrutura narrativa bem
elaborada. O desfecho da trama é explicitado.
Estas categorias apontam para uma progressão na habilidade de produzir
histórias. Spinillo (1991, 1993 citado por Spinillo, 2001) e Spinillo e Pinto (1994)
trabalharam com crianças brasileiras, inglesas e italianas com idade entre 4 e 8
anos, adotando estas mesmas categorias. Os resultados indicaram que as
crianças de 4 e 5 anos produziam histórias mais simples, que se encaixavam nas
categorias I e II. As crianças entre 6 e 7 anos apresentaram produções variadas,
distribuídas entre as categorias II e IV. Já as crianças de 8 anos produziram
histórias elaboradas, se encaixando na categoria IV. Estes resultados revelam
47
que a relação entre idade e categoria de produção não é tão simples. Foram
encontradas variações entre crianças da mesma idade e séries distintas em
relação à qualidade narrativa da história. Assim como também foi encontrada
grande variação nas histórias produzidas por crianças com a mesma idade e
escolaridade.
A competência para produção de narrativas com qualidade depende não
somente da idade e escolaridade, mas também das experiências e oportunidades
vivenciadas pela criança, como ler, ouvir e contar histórias, em seu ambiente
familiar (Rego, 1985; 1986, Spinillo, 2001). Esta questão nos leva a refletir sobre a
falta dessas situações enriquecedoras em ambientes familiares carentes ou de
baixa renda.
Lins e Silva e Spinillo (1998, citado por Spinillo, 2000), compararam a
produção escrita de histórias entre crianças de baixa renda e classe média, nos
anos seguintes à alfabetização a fim de examinar se haveria um desenvolvimento
posterior à alfabetização ou se a aquisição da leitura e da escrita apenas levasse
a um mesmo domínio da estrutura narrativa. A pesquisa teve também o objetivo
de investigar se haveria diferenças significativas entre crianças de baixa renda e
de classe média quanto à habilidade de produzir histórias.
Os resultados do estudo mostraram que em ambos os grupos houve uma
progressão na escrita de histórias, sendo este avanço mais tímido logo após a
alfabetização. Verificou-se que o efeito dos anos escolares sobre a qualidade
narrativa das histórias é mais marcante entre as crianças de classe média e que
este efeito positivo está associado às experiências, oportunidades e contato com
48
diferentes tipos de textos e práticas relacionadas à leitura e escrita no ambiente
familiar.
4. As Situações de Produção e o Desenvolvimento do Esquema Narrativo
por Crianças
Um outro aspecto a ser observado em relação à escrita de histórias estaria
relacionado aos diferentes contextos ou situações de produção. Muitas pesquisas
abordam a questão da influência destas situações na produção oral de histórias
por crianças, porém pouco foi pesquisado em relação à produção de textos
escritos (Lins e Silva & Spinillo, 2000).
Em relação às situações de produção, podemos considerar primeiramente
alguns aspectos: a qualidade narrativa das histórias é sempre a mesma,
independente da situação de produção a qual a criança esteja exposta ? Existe
um contexto de produção que favoreça o aparecimento de uma estrutura narrativa
mais elaborada ? Será que o efeito dessas variações é o mesmo para todas as
crianças ?
Pesquisas recentes (Rego, 1986; Spinillo & Pinto, 1994; Lins e Silva &
Spinillo, 2000) apontam para uma grande variedade de metodologias que são
utilizadas com o objetivo de favorecer a produção de histórias em crianças.
Algumas destas situações são expostas por Spinillo (2001), sendo elas:
49
• Histórias produzidas a partir de uma gravura ou de uma seqüência delas –
algumas gravuras podem apresentar uma seqüência de eventos em ordem
cronológica , outras apresentam uma situação –problema a ser resolvida.
• Histórias produzidas a partir de desenhos feitos pelas próprias crianças.
• Histórias produzidas a partir de um filme.
• Histórias produzidas a partir de um tema ou título, apresentado oralmente
ou por escrito.
• Histórias produzidas a partir de brinquedos, envolvendo dramatização dos
objetos apresentados como forma de estímulo
• Histórias produzidas a partir de uma história ouvida em um gravador, lida
em voz alta pelo examinador ou lida pela própria criança.
• Histórias produzidas livremente, sem que nenhum recurso visual ou verbal
seja fornecido.
Em relação às histórias produzidas a partir de um desenho, Spinillo (1991,
citado por Spinillo, 2001) comparou um mesmo grupo de crianças entre 4 e 8
anos , em duas situações: produção a partir de um recurso visual (desenho feito
pela criança) e produção sem este recurso. A autora constatou que as histórias
produzidas a partir do desenho eram menos elaboradas do que as produzidas
sem o recurso visual.
Spinillo e Pinto (1994) realizaram um estudo com crianças inglesas e
italianas comparando quatro situações de produção: produção a partir de um
desenho da criança, produção a partir de uma seqüência de gravuras em ordem
cronológica, produção livre (sem apoio visual) e ditar uma história para o
50
examinador (sem apoio visual). Os resultados mostraram que as histórias
produzidas a partir do apoio visual eram mais elementares do que as histórias
produzidas sem esse recurso.
Cain e Oakhill (1996, citados por Spinillo, 2001) encontraram resultados
diferentes quando trabalharam com crianças de 7 e 8 anos nos seguintes
contextos de produção: produção de uma história a partir de uma seqüência de
gravuras e produção de uma história a partir de um título fornecido pelo
examinador, mostrou resultados diferentes. As histórias elaboradas a partir de
gravuras foram muito mais ricas do que as histórias elaboradas a partir de um
título.
A diferença entre estes resultados é explicada pelo fato de que não é a
presença ou não de apoio visual que irá influenciar no nível de produção da
história e sim a escolha de gravuras apropriadas, que estimulem a produção de
uma narrativa mais elaborada.
Gravuras que apresentam uma seqüência de eventos que sugerem uma
situação-problema suscitam uma produção de histórias mais elaboradas pelas
crianças. Isto pode ser evidenciado no estudo realizado por Shapiro e Hudson
(1997, citados por Spinillo, 2001). Crianças de 4 e 6 anos foram solicitadas a
contar uma história a partir de dois tipos de gravuras: uma seqüência com
eventos que obedeciam a uma ordem cronológica e uma seqüência que envolvia
uma situação-problema. Os resultados mostraram que as histórias produzidas a
partir de gravuras que sugeriam uma situação-problema eram mais elaboradas do
que aquelas que ilustravam a cronologia dos acontecimentos. As gravuras em
seqüência cronológica levaram as crianças a apenas descrever as cenas. Já as
51
gravuras que apresentavam uma situação-problema, levaram as crianças a
desenvolver melhor a trama da história, criando alternativas para a resolução do
problema. Enfim, não é a presença ou não de apoio visual que propicia um melhor
desenvolvimento de histórias pelas crianças e sim o tipo de gravura apresentado.
Lins e Silva e Spinillo (2000) investigaram a influência de diferentes
situações na escrita de histórias com crianças de 7 a 10 anos, freqüentando da 1ª
a 4ª série do ensino fundamental, onde as crianças foram solicitadas a escrever a
partir de quatro situações: produção livre, produção oral seguida da escrita desta
mesma história, produção escrita a partir de uma seqüência de gravuras e a
reprodução de uma história ouvida.Os resultados da pesquisa mostraram que as
histórias mais elaboradas foram as produzidas a partir da seqüência de gravuras
e a partir de uma história ouvida. Nas séries mais adiantadas, as condições de
produção tiveram pouca influência, pois em todas elas as crianças apresentaram
histórias com uma estrutura narrativa bem elaborada.
Lins e Silva e Spinillo (2000) verificaram, portanto, que a influência dos
contextos de produção não é a mesma para todas as crianças. Esta influência
dependerá do domínio que a criança possui da estrutura narrativa. Crianças que
produziram histórias elementares e incompletas, ou seja, que apresentavam ainda
conhecimento elementar sobre a estrutura narrativa, não foram influenciadas pelo
contexto de produção. As crianças que já possuíam maior domínio do esquema
narrativo, escrevendo histórias completas e bem estruturadas, também não
sofreram grande influência dos contextos de produção. Já as crianças que
estavam em um nível intermediário no domínio do esquema narrativo de histórias,
sofreram maior influência dos contextos de produção.
52
Pontecorvo e Morani (1996, citados por Lins e Silva e Spinillo, 2000)
conduziram um estudo com 8 crianças de seis e sete anos. Neste estudo, as
crianças foram solicitadas a escrever histórias em diversos contextos, sendo eles:
reproduções de um conto de fadas feitas em dupla; histórias inventadas
individualmente e ditadas para o examinador; histórias orais feitas em dupla a
partir de uma gravura e ditadas ao examinador e histórias inventadas e escritas
em dupla a partir de uma gravura e tema fornecidos. Os resultados mostraram
pouca diferença entre inventar e reescrever. Em ambas as situações as histórias
eram bem articuladas, principalmente quando produzidas em dupla. Por ser um
estudo piloto com poucas crianças, os dados apresentados não devem ser
tomados conclusivos sobre a relação entre as condições de produção e a escrita
de histórias.
Teberosky (2003) investigou a reprodução escrita de vários gêneros de
textos (histórias, notícias jornalísticas e descrição) com crianças de seis a dez
anos de idade. A autora comparou os textos-modelo com os textos reescritos
pelas crianças e concluiu que, em geral, na reprodução escrita de textos, a
criança imita as características essenciais desse texto, absorvendo informações
que não estão ligadas somente ao seu conteúdo, mas também informações
relacionadas as suas características lingüísticas e estruturais.
As evidências empíricas presentes na literatura indicam portanto que a
influência das situações de produção não é igual para todas as crianças e que
outros fatores como a escolaridade podem influenciar na produção escrita de
histórias. Portanto, à medida que as crianças avançam na escolaridade e
53
adquirem maior domínio do esquema narrativo de histórias, menos sensíveis elas
estarão em relação aos contextos de produção.
5. A Reprodução Escrita de histórias
Para as crianças recém - alfabetizadas a atividade de escrita espontânea
de textos irá exigir um grande esforço cognitivo, pois ao escrever uma história a
criança terá que dar conta de várias exigências: selecionar as idéias que irão para
o papel, ordená-las, escolher a melhor forma de expressão, pensar na forma
correta de grafar as palavras, entre outras (Morais, 2003).
Entretanto, ao elaborar a escrita de uma história conhecida, a criança
poderá liberar-se de algumas tarefas e focalizar sua atenção em outros aspectos
do texto, como os lexicais, sintáticos e ortográficos, uma vez que os personagens
e a trama da história já estão dados (Pontecorvo e Ferreiro,1996).
A reescrita ou reprodução escrita de textos tem sido uma atividade
bastante utilizada nos contextos escolares atualmente. Isso se deve ao fato de
que ao reescrever uma história conhecida, a criança receberá o tema e a
estrutura narrativa da história. Sendo assim, é possível que a demanda cognitiva
da elaboração da reprodução escrita de uma história seja menor do que se a
criança tivesse que criar uma história inédita.
Outro aspecto relevante seria o fato de que a reprodução escrita de
histórias conhecidas é uma grande fonte de motivação para as crianças, que se
sentem à vontade neste tipo de atividade. Em especial, a reprodução escrita de
contos tem despertado grande interesse por parte de professores e
54
pesquisadores, pois este tipo de narrativa faz parte do universo infantil desde
muito cedo. A familiaridade com a estrutura narrativa de contos pode auxiliar na
tarefa de reprodução escrita. É possível que o contato com esse tipo de texto
possa também auxiliar o aluno a produzir futuramente textos mais complexos. O
trabalho com a reprodução escrita de histórias permite ainda que a criança entre
em contato com bons textos, favorecendo a apropriação desse determinado
gênero textual.
Na literatura encontramos os dois termos relacionados a esta escrita de
textos: reescrita de história e reprodução escrita de história, ora com o mesmo
significado, ora com significados distintos. O termo reescrita pode ser encontrado
na literatura indicando a reprodução escrita de um texto-modelo (Teberosky,
2003) ou a correção de um texto já escrito. Já Lins e Silva e Spinillo (2000)
utilizam a expressão reprodução escrita de história para indicar a escrita da
criança a partir de um texto-modelo. Para evitar possíveis dúvidas, optamos no
presente estudo pelo termo reprodução escrita de histórias, pois acreditamos que
este termo representa de forma mais adequada o contexto que foi aplicado.
Teberosky (2003) aponta a atividade de reprodução escrita como
importante meio para estimular que as crianças escrevam. De acordo com esta
autora, a reprodução escrita se baseia na imitação de um texto modelo, o que
permite às crianças fazer uma série de manipulações no texto original, porém
envolvendo uma adesão aos elementos textuais. No ato da reprodução escrita, a
criança fará modificações e omissões de trechos da história, mas observa-se a
manutenção da estrutura do texto, os temas e as formas próprias do gênero.
Sendo assim, existirão aspectos obrigatórios e aspectos opcionais em cada texto-
55
modelo. A autora ressalta que no ato da reprodução escrita, é facilitada a seleção
de idéias, fazendo com que a criança possa se ocupar do “escrever do ponto de
vista da composição e da colocação no seu formato gráfico” (Teberosky 2003, p.
102). Teberosky (2003) aponta a importância do conhecimento técnico-notacional
na hora de compor um texto, conhecimento este que inclui o funcionamento do
sistema de escrita, as regras da notação e as normas ortográficas.
Teberosky (2003) realizou um estudo onde a reprodução escrita foi feita a
partir de três textos: a reprodução escrita de uma narrativa, com crianças de seis
e sete anos; a reprodução escrita de reportagens por crianças entre seis e nove
anos e a reprodução escrita de um texto descritivo do tipo literário por crianças de
dez anos. O estudo foi feito com crianças cuja língua materna era o espanhol e o
catalão. No primeiro caso tratava-se de reproduzir um conto por escrito. A tarefa
envolveu leitura prévia do conto, trabalho sobre o tema, estrutura, gênero e
característica do texto. De acordo coma autora, esta atividade levaria a criança à
reconstrução e memorização da parte verbal do conto, organização temporal e
causal, acesso à estrutura complexa de episódios, reprodução da estrutura do
gênero dado e reprodução de formas fixas de expressão.
O estudo mostrou que as crianças mantiveram a coerência temática interna
do texto. Os textos apresentavam introdução, desenvolvimento e final, havendo
preservação do assunto do texto modelo.
Em relação à reprodução escrita de reportagens, as crianças da faixa etária
estudada conseguiram escrever textos respeitando as características de um texto
jornalístico. Foi observado que as crianças respeitaram o tópico do gênero,
56
apresentaram a organização textual da notícia e os textos apresentavam a
disposição gráfica das notícias.
O terceiro estudo foi a reprodução escrita de um texto descritivo do tipo
literário. A pesquisa mostrou que a maioria das crianças (77,27%) respeitou o
gênero descritivo, fazendo uma descrição pura; 22,72% das crianças produziram
textos com características descritivas e narrativas. Observou-se que todas as
crianças respeitaram o tópico do texto-modelo.
Os resultados desta pesquisa indicaram que um dos aspectos principais na
elaboração da reprodução escrita de textos pelas crianças foi à adesão ao
gênero. Outro aspecto relevante foi a fidelidade ao tópico pertencente ao texto-
modelo. As crianças também se valeram das características sintáticas de modo,
tempo e pessoa utilizadas no texto.
Nóbrega (1997) apresenta um trabalho de reprodução de textos narrativos
com crianças de segunda série do ensino fundamental. A atividade envolveu a
leitura de histórias feita pelas crianças ou leitura em voz alta feita pela professora,
seguindo-se uma conversa sobre o texto, reprodução oral feita pelas crianças e
finalmente a reprodução escrita. Ao comparar os textos produzidos pelas crianças
com o texto original das histórias, Nóbrega (1977) verificou que as variações que
ocorriam no texto não incidiam sobre a superestrutura, nem tampouco sobre a
seqüência temporal. As variações ocorriam em aspectos particulares da narrativa:
o modo como era tratado determinado personagem e as motivações dos fatos,
embora os fatos narrados fossem os mesmos.
Nóbrega (1997) afirma que durante a reprodução escrita de um texto,
algumas marcas do autor, ou alguns aspectos de seu estilo, despertam mais a
57
atenção das crianças. A partir desses aspectos e da interpretação que a criança
faz da história, ela irá construir o sentido do seu texto.
58
Capítulo V: O Estudo Empírico
1. Questões acerca da pesquisa:
O presente estudo tem o objetivo de analisar o desempenho ortográfico de
crianças nas séries iniciais do aprendizado da leitura e da escrita em sua
produção textual, tomando como base dois contextos de produção: a escrita
espontânea e a reprodução escrita de histórias. Dessa forma, investigaremos a
afirmativa de Pontecorvo e Ferreiro (1996) acerca da importância da utilização da
reprodução escrita de histórias como instrumento para o desenvolvimento da
ortografia na criança. De acordo com Potercovo e Ferreiro (1996), a escrita de
uma história conhecida pode facilitar a tarefa de escrever uma história,
principalmente para escritores principiantes. Desta forma, no caso da reprodução
escrita de histórias, a criança poderá focalizar sua atenção nos aspectos
particulares do texto, ou seja, nos seus aspectos microtextuais como a coesão e a
ortografia, uma vez que não necessita se ocupar da elaboração da trama da
narrativa.
Teberosky (2003) afirma que a situação de reprodução escrita de textos é
um importante meio para que as crianças escrevam. Através da reprodução
escrita, as crianças imitam um texto-modelo e fazem uma série de manipulações
no texto original. Através da reprodução escrita de um texto, as crianças podem
se preocupar mais com a composição do texto e com a colocação em seu formato
gráfico.
59
Assim, procuraremos examinar se na reprodução escrita de um conto a
criança teria um melhor desempenho ortográfico do que na escrita espontânea de
uma história. No caso da reprodução escrita de história, por se tratar de uma
história já conhecida pelas crianças, a criança poderia estar menos preocupada
com as questões ligadas à coerência textual, estando mais atenta às questões
relacionadas à ortografia das palavras. Por outro lado, na escrita espontânea a
criança poderia estar mais preocupada com a construção da coerência textual,
podendo estar menos atenta às questões envolvendo a ortografia das palavras.
Especificamente, algumas questões se apresentam no que diz respeito à
pesquisa sobre desempenho ortográfico na reprodução escrita e escrita
espontânea de histórias:
• Em que medida o contexto de reprodução escrita de histórias poderia
efetivamente facilitar o desempenho ortográfico das crianças, propiciando a
ocorrência de um menor número de erros ortográficos na produção escrita
da criança?
• Qual a influência da escolaridade sobre o desempenho ortográfico das
crianças nos contextos de produção analisados em termos da freqüência
de erros ortográficos nos textos escritos pelas crianças ?
• Qual a influência dos contextos nos tipos de erros ortográficos cometidos
pelas crianças?
• Qual a influência da escolaridade nos tipos de erros ortográficos cometidos
pelas crianças ?
60
2. Metodologia
2.1. Participantes:
A pesquisa contou com 55 crianças da rede pública de ensino do município
do Rio de Janeiro, sendo 29 crianças do 2º ano do Primeiro Ciclo (equivalente a
1ª série) e 26 crianças do 3º ano do Primeiro Ciclo (equivalente a 2ª série),
compreendendo assim uma faixa etária média de 7 anos e 7 meses para a 1ª.
série e 8 anos e 7 meses para a 2ª. série. A escola fica localizada na zona sul
da cidade do Rio de Janeiro e as crianças são oriundas, em geral, de classe
média. Optamos por investigar a 1ª série e a 2ª série pois nestas séries iniciais do
ensino fundamental as crianças se encontram numa fase de transição da escrita
alfabética para uma escrita ortográfica.
2.2. Tarefas propostas:
Contextos de Produção de Texto
1. Contexto de escrita livre de história : os alunos receberam uma folha de
papel pautada e foi solicitado que escrevessem uma história inédita, com tema
livre. As crianças tiveram o tempo suficiente para concluir a tarefa.
2. Contexto de reprodução escrita de história: a história escolhida foi o
conto “Chapeuzinho Vermelho” por ser uma história bastante conhecida pelas
61
crianças e por apresentar uma estrutura narrativa clara, ou seja, com início,
desenvolvimento e desfecho, tendo uma situação-problema bem definida. Os
alunos ouviram a história, que foi contada pelo examinador com o auxílio de um
livro. Este procedimento foi adotado como forma de estabelecer que todas as
crianças da turma tivessem conhecimento do conto. Depois os alunos receberam
uma folha de papel pautada e foi solicitado que reproduzissem por escrito a
história. As crianças também tiveram o tempo suficiente para concluir a tarefa.
2.3. Procedimento:
Foi solicitado às crianças que escrevessem uma história com tema livre e
na semana seguinte foi solicitado que fizessem a reprodução escrita de um conto
clássico que foi contado pelo pesquisador. A escolha de aplicarmos
primeiramente a tarefa de escrita livre foi feita para que a criança não fosse
influenciada por um modelo de história, no caso, o conto. As atividades foram
realizadas na sala de aula com a colaboração da professora da turma. As
crianças não tiveram restrição em relação ao número de linhas ou palavras.
62
Capítulo VI - Resultados
Os textos produzidos nas tarefas de Escrita Livre e Reprodução Escrita do
Conto foram analisados de duas formas: análise da freqüência de erros e análise
do tipo de erro cometido pela criança. A avaliação do desempenho ortográfico
das crianças nos diferentes contextos de produção investigados no presente
estudo levou em consideração apenas os erros relativos à grafia das palavras .
Dessa forma, erros relativos à pontuação e erros de concordância não foram
considerados.
1. Análise da Freqüência de Erros Ortográficos
Inicialmente foi realizada a contagem do número de palavras por texto,
conforme apresentado na Tabela 1, como um índice na comparação da extensão
dos textos escritos pelas crianças nas duas situações de produção.
Tabela 1. Média do número de palavras por texto nos diferentes Contextos
Escrita Livre Reprodução do
Conto
1ª série 74,07 102,17
(52,58) (58,33)
2ª série 118,31 174,88
(53,95) (50,93)
Nota: Os valores entre parênteses estão indicando o Desvio Padrão
63
As médias do número de palavras escritas por texto foram submetidas à
Análise de Variância, visando examinar o efeito da escolaridade e do contexto de
produção sobre a extensão do texto escrito pelas crianças. Os resultados da
Análise de Variância mostraram que o desempenho das crianças variou
significativamente de acordo com a escolaridade (F(1,53) = 22,51, p < ,01). As
crianças da 2ª. série produziram histórias mais longas do que as crianças que
cursavam a 1ª. série. O exame das médias apresentadas na Tabela 1 parecem
sugerir também que a influência do contexto Reprodução Escrita do Conto sobre
o número de palavras escritas no texto parece ser maior para as crianças da 1ª.
série do que para as crianças da 2ª. série. A extensão da história também variou
significativamente segundo o contexto de produção (F(1,53) = 29,10, p < ,01). Os
textos com maior número de palavras foram produzidos no contexto de
Reprodução Escrita do Conto. A interação dos fatores escolaridade e contexto de
produção não foi estatisticamente significativa (F(1,53)=3,29, p=.08).
Em seguida, foi feita a marcação dos erros ortográficos cometidos pelas
crianças. Em relação ao contexto de Escrita Livre, não foram marcados os nomes
próprios utilizados pelas crianças durante a elaboração do texto, pois isto poderia
gerar várias dúvidas em relação à sua grafia. Quanto à Reprodução Escrita do
Conto, o nome “Chapeuzinho Vermelho” foi computado uma única vez, tanto para
a contagem de erros de ortografia quanto para a contagem do número de
palavras, uma vez que a criança ao recontar a história é levada a escrever o
nome da personagem por várias vezes. Por exemplo, uma criança que escreveu 8
vezes a palavra Chapeusinho terá computado apenas 1 erro de ortografia. Caso
64
contrário, a contagem de erros ortográficos não estaria retratando
verdadeiramente o desempenho desta criança. O mesmo foi feito para a
contagem do número de palavras escritas no texto, ou seja, a palavra
Chapeusinho foi computada como se houvesse sido escrita uma única vez. Foi
tomada como medida de desempenho ortográfico das crianças a proporção média
do número de erros dividido pelo número de palavras escritas no texto (Tabela 2).
A decisão de tomarmos como medida de desempenho ortográfico a
proporção média de erros por palavras escritas ao invés de tomarmos como base
apenas o número médio de erros por texto decorre de duas razões básicas.
Empiricamente, pela associação possível entre o número de erros e a quantidade
de palavras escritas, uma vez que há maior probabilidade da criança errar a grafia
das palavras escritas quanto mais ela escreva. Outra razão seria em relação à
comparação dos escores. A comparação da freqüência absoluta de erros
ortográficos cometidos pelas crianças poderia levar a um erro na avaliação da
competência ortográfica destas crianças. Por exemplo, imaginemos duas crianças
que apresentam um total de seis erros de ortografia, sendo que a primeira criança
produziu um texto com dezoito palavras e a segunda com sessenta palavras. O
desempenho da segunda criança estaria certamente sendo subestimado, uma
vez que seu número de palavras escritas teria sido muito maior.
65
Tabela 2. Proporção média de Erros Ortográficos nos dois Contextos de
Produção
Escrita Livre Reprodução
escrita do Conto
1a série 0,23
(0,14)
0,23
(0,15)
2a série 0,12
(0,08)
0,10
(0,08)
Nota: Os valores entre parênteses estão indicando o Desvio Padrão.
Para examinar o efeito da escolaridade e do contexto de produção sobre o
desempenho ortográfico das crianças, as proporções médias da freqüência dos
erros ortográficos por palavras escritas foram submetidas à Análise de Variância,
visando testar o efeito da escolaridade e do contexto de produção sobre a escrita
ortográfica das crianças.
Os resultados da Análise de Variância mostraram que o desempenho
ortográfico das crianças variou significativamente de acordo com a escolaridade
(F(1,53) = 17,29, p < ,01). As crianças da 2ª. série produziram histórias com
menos erros ortográficos do que as crianças que cursavam a 1ª. série. Por outro
lado, não houve diferença significativa relacionada ao contexto de produção ou
mesmo à interação entre série e contexto de produção.
Observou-se também que, de acordo com a análise dos Coeficientes de
Correlação de Pearson, houve uma associação significativa entre o desempenho
ortográfico na Escrita Livre e na Reprodução Escrita do Conto, tanto para as
66
crianças na 1ª série (r = 0,61, p < 0,001) como na 2ª série (r = 0,79, p < 0,001).
Desta forma, constatou-se que as crianças que tiveram mais erros ortográficos na
tarefa de Escrita Livre também cometeram mais erros ortográficos na tarefa de
Reprodução Escrita do Conto.
2. Análise do Tipo de Erro Ortográfico
Num segundo momento foi feita uma análise qualitativa com o objetivo de
examinar a natureza dos erros ortográficos encontrados nas produções escritas
das crianças. Estes erros foram classificados de acordo com as categorias
revistas por Meireles (2004), a partir das classificações de erros de ortografia
adotadas por Carraher (1985), Correa (2001) e Morais (1998). As categorias
utilizadas foram as seguintes:
1. Troca entre letras com sons foneticamente semelhantes – a criança troca
letras que possuem alguma semelhança fonética. As trocas mais comuns
são os fonemas sonoros pelos surdos. Exs: chocolade (chocolate), era
uma fez (era uma vez), laco (lago).
2. Dificuldade no uso de marcadores de nasalização – a criança pode omitir,
trocar ou usar de modo incorreto a nasalização. Exs: criaças (crianças),
bamho (banho), demte (dente). O uso da nasalização, embora seja uma
regra contextual, conforme observado por Morais (1998), foi colocada
como uma categoria isolada, pois a nasalização apresenta uma grande
67
fonte de dificuldade para as crianças. Isso ocorre porque existem cinco
situações distintas onde podemos observar o uso da nasalização:
a) Usando o M em posição final de sílaba
b) Usando o N em posição final de sílaba
c) Usando o til
d) Usando o dígrafo NH
e) Casos em que a nasalização se dá por contigüidade, sem que se
empregue nenhuma das alternativas anteriores, pois a sílaba
seguinte já começa com uma consoante nasal
3. Dificuldade com as regularidades contextuais – neste caso a criança terá
que levar em consideração o contexto, ou seja, a posição da letra na palavra,
para escolher a letra ou dígrafo corretos. Exs: coragosa (corajosa), pasear
(passear), serreias (sereias).
4. Dificuldade nas regularidades morfossintáticas – a criança comete o erro
por não levar em consideração os aspectos morfossintáticos da língua,
aspectos estes relacionados à categoria gramatical das palavras, ao processo
de formação das palavras e de sua colocação na frase. Exs: acharão
(acharam), falace (falasse).
68
5. Dificuldade na marcação de acentos gráficos – a criança omite o acento ou
acentua a palavra de forma indevida. Exs: nao (não), la (lá), historia (história).
6. Dificuldade na escrita de sílabas complexas – a criança encontra dificuldade
na escrita de sílabas complexas, que fogem do padrão consoante-vogal (CV)
da nossa língua. Esta dificuldade pode aumentar no caso de encontros
consonantais, dígrafos ou sílabas travadas. Exs: sempe (sempre), bincando
(brincando), melor (melhor).
7. Segmentação – a colocação de espaços em branco entre as palavras é
baseada nas classes morfológicas. Neste caso, ao cometer o erro a criança
pode agrupar as palavras indevidamente (hipossegmentação) ou desmembrar
as palavras em dois ou mais segmentos (hipersegmentação). Exs: sichamava
(se chamava), em controu (encontrou), nafloresta (na floresta).
8. Modificações na palavra – a criança omite, adiciona ou desloca letras de
forma aleatória, dificultando a compreensão da palavra. Exs: espe (sempre),
emtarro (entraram).
9. Transcrição da Fala – nas hipóteses iniciais da criança acerca da relação
entre a língua falada e a língua escrita, as relações entre as letras e fonemas
são concebidas de maneira biunívoca. Sendo assim, a criança erra ao tentar
reproduzir em sua escrita a palavra da mesma forma como esta é
69
pronunciada, fazendo uso da hipótese da regularidade de natureza biunívoca
entre fonemas e letras. Ex: veis (vez), mininas (meninas), ispanto (espanto).
10. Dificuldade na escrita das irregularidades da língua– a motivação para a
escrita destas palavras está ligada à sua origem, envolvendo portanto alguma
forma de memorização. A criança erra por optar por uma letra que não é a
forma correta de grafar a palavra, embora seja uma escolha possível entre as
representações para o fonema que pretende grafar. Exs: ora (hora), comesou
(começou).
11. Hipercorreção – ao compreender cada vez mais a distinção entre língua
falada e língua escrita, a criança começa a se autocorrigir. Neste caso, a
criança pode fazer generalizações indevidas para contextos onde certa regra
não deveria ser empregada. Exs: resistio (resistiu), paes (pais), does (dois).
12. Troca de letras por semelhanças na grafia – a criança troca uma letra por
outra que possui semelhança na grafia. Exs: mome (nome), geriam
(queriam).
13. Omissão de letra – a criança omite uma letra, sem nenhum motivo
aparente. Exs: dis (disse), digitalido (digitalizado).
70
Os erros ortográficos das crianças foram classificados por dois juízes
independentes. O coeficiente de acordo entre os juízes foi de 89%. A distribuição
dos erros ortográficos cometidos pelas crianças de 1ª e 2ª séries nas categorias
descritas acima para o contexto de Escrita Livre e o contexto de Reprodução
Escrita do Conto está indicada respectivamente nas Figuras 1 e 2 a seguir.
Figura 1. Porcentagem de Erros Ortográficos cometidos pelas crianças no
contexto de Escrita Livre
Percentagem de Erros - Escrita Livre
0
5
10
15
20
25
som
seme
lhante
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ularid
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hiperc
orreç
ão
grafi
a se
melhan
te
omiss
ão le
tra
1a. série
2a. série
71
Figura 2. Porcentagem de Erros Ortográficos cometidos pelas crianças no
contexto de Reprodução Escrita de História
P e r c e n t a g e m d e E r r o s - R e p r o d u ç ã o E s c r i t a d e H i s t ó r i a
0
5
10
15
2 0
2 5
so m sem
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o mis são
let ra
1 a . s é r ie
2 a . s é r ie
72� Análise do Contexto de Escrita Livre
Embora os erros ortográficos, no contexto de Escrita Livre, pudessem ser
classificados nas mesmas categorias tanto para a 1ª série quanto para a 2ª.
série, observamos que a incidência de alguns erros ocorreram de forma
relativamente mais freqüente para uma série do que outra. Neste sentido vimos
que as crianças na 1ª. série tiveram relativamente maiores ocorrências dos
seguintes erros quando comparadas às crianças da série seguinte: trocas de
letras por semelhança no som, dificuldades com a segmentação das palavras nas
frases, dificuldades na escrita de palavras irregulares, hipercorreções,
dificuldades na marcação da nasalização e modificação das palavras. Por outro
lado, quando comparadas às crianças da série anterior, as crianças da 2ª. série
apresentaram relativamente maior número de erros relacionados à tentativa de
transcrição da fala, à acentuação, às regularidades de natureza morfossintáticas,
à troca de letras por semelhança na grafia e à escrita de sílabas complexas. As
crianças nas duas séries apresentaram freqüência expressiva de erros que
revelam sua dificuldade das crianças com as regras de contexto.
73� Análise do Contexto de Reprodução Escrita do Conto
Da mesma forma que na Escrita Livre, os erros ortográficos que
apareceram nos textos das crianças da 1ª. e da 2ª. séries no contexto de
Reprodução escrita do Conto puderam ser classificados nas mesmas categorias,
entretanto, alguns erros foram relativamente mais freqüentes em uma série do
que em outra. As crianças na 1ª. série tiveram relativamente maiores ocorrências
dos seguintes erros quando comparadas às crianças da 2ª. série: dificuldades
com a segmentação das palavras nas frases, tentativa de transcrição da fala,
dificuldades na marcação da nasalização e trocas de letras por semelhança no
som. Por outro lado, quando comparadas às crianças da 1ª. série, as crianças da
2ª. série apresentaram relativamente maior número de erros relacionados à
acentuação e às regularidades de natureza morfossintáticas. As crianças nas
duas séries apresentaram freqüência expressiva de erros que revelam suas
dificuldades com as irregularidades da língua.
De forma a poder melhor examinar a influência do contexto de produção na
natureza dos erros ortográficos ocorridos nos textos das crianças apresentamos
nas Figuras 3 e 4 a comparação entre os contextos de Escrita Livre e Reprodução
Escrita do Conto respectivamente para as crianças da 1ª. e 2ª. séries.
74
Figura 3. Porcentagem de Erros Ortográficos cometidos pela 1ª série nos
contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita de História
P e r c e n t a g e m d e E r r o s O r t o g r á f i c o s - E s c r i t a L iv r e e R e p r o d u ç ã o E s c r i t a d e H is t ó r ia
0
5
1 0
1 5
2 0
2 5
so m s e m e l h a n t e
n a s a l i za ç ã o
c on t e x t o
m o r f o s s i n t a x e
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s í l ab a s co m p l e x a s
s e g m e n t a ç ã o
m o d i f i c a ç ã o n a p a l a v ra
t r a n s c r i ç ã o d a f a l a
i r r e g u l a r i d a d es
h i p e r c o r r e ç ã o
g r a f i a s e m el h a n t e
o m i s sã o l e t r a
1 a . S é r ie E s c r i t a L iv r e
1 a . S é r ie - C o n t o
75
Figura 4. Porcentagem de Erros Ortográficos cometidos pela 2ª série nos
contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita de História
P e r c e n t a g e m d e E r r o s O r t o g r á f i c o s - E s c r i t a L i v r e e R e p r o d u ç ã o E s c r i t a d a H is t ó r i a
0
5
1 0
1 5
2 0
2 5
s o m s e m
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s s i n t a xe
a ce n tu a ç ão
s í lab as
c o m p le xa s
s e gme n ta ç ã o
mo d i f i
c a ç ão na p a l a
v ra
t ran s c r i ç
ã o d a fala
i r re g u l a r id a de s
h i p er c o r r e ção
g ra f i a s em
el ha n te
o mis sã
o l et ra
2 a . S é r ie - E s c r it a L iv r e
2 a . S é r ie - C o n t o
76
� Análise dos Contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita do Conto na
1ª. Série
Observa-se que comparativamente ao contexto de reprodução escrita,
as crianças da 1ª. série ao elaborarem uma história com tema livre produziram
mais erros ortográficos classificados nas seguintes categorias, em ordem
decrescente de sua freqüência: troca de letras por semelhança sonora,
dificuldade no uso de regras contextuais, hipercorreções, omissão de letras,
troca de letras por grafia semelhante, e modificação na palavra. Por outro lado,
foram relativamente mais freqüentes no contexto de reprodução escrita do
conto: as dificuldades na grafia de palavras irregulares, transcrição da fala,
dificuldades na acentuação das palavras, marcação da nasalização e
dificuldades na grafia de regularidades morfossintáticas. Ressalta-se a
dificuldade que as crianças tiveram em ambos os contextos com a
segmentação das palavras nas frases.
� Análise dos Contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita do Conto na
2ª. Série
Comparativamente ao contexto de reprodução escrita, as crianças da
2ª. série no contexto de Escrita Livre tiveram seus erros mais freqüentes
classificados nas seguintes categorias, em ordem decrescente de sua
ocorrência: transcrição da fala, dificuldade no uso de regras contextuais e a
troca de letras por grafia semelhante. Por sua vez, foram relativamente mais
77
freqüentes no contexto de reprodução escrita do conto: dificuldades quanto à
acentuação, dificuldades na grafia de palavras irregulares, dificuldades na
segmentação das palavras nas frases e marcação da nasalização. Ressalta-
se a dificuldade que as crianças tiveram em ambos os contextos com a grafia
de regularidades morfossintáticas.
78
Capítulo VII – Discussão e Considerações Finais
O presente estudo pretendeu analisar o desempenho ortográfico de
crianças nas séries iniciais do aprendizado da leitura e da escrita tendo como
base dois contextos de produção: escrita livre e reprodução escrita de histórias. O
objetivo principal desta investigação foi o de examinar se o contexto de
reprodução escrita de contos poderia facilitar o desempenho ortográfico de
crianças das séries iniciais do ensino fundamental. De acordo com Pontecorvo e
Ferreiro (1996) a reprodução escrita de uma história conhecida facilita a tarefa de
escritores principiantes. Desta forma, a criança pode concentrar-se em outros
aspectos da produção de texto como as eleições lexicais, sintáticas e ortográficas.
Na reprodução escrita do texto comparativamente à escrita de história com tema
livre, criança veria diminuídas as exigências em relação aos aspectos
macroestruturais do texto podendo se ocupar mais com os aspectos da
microestrutura do texto, incluindo aí os aspectos ortográficos.
Especificamente, pretendemos neste estudo responder as seguintes
questões:
• Em que medida o contexto de reprodução escrita de histórias poderia
efetivamente facilitar o desempenho ortográfico das crianças, propiciando a
ocorrência de um menor número de erros ortográficos na produção escrita
da criança?
79
• Qual a influência da escolaridade sobre o desempenho ortográfico das
crianças nos contextos de produção analisados em termos da freqüência
de erros ortográficos nos textos escritos pelas crianças ?
• Qual a influência dos contextos no tipo de erro cometido pelas crianças?
• Qual a influência da escolaridade nos tipos de erros cometidos pelas
crianças?
80
� Influência dos Contextos de Produção no Desempenho Ortográfico :
Em que medida o contexto de reprodução escrita de histórias poderia
efetivamente facilitar o desempenho ortográfico das crianças, propiciando a
ocorrência de um menor número de erros ortográficos na produção escrita
da criança?
Contrariando as observações de Ferreiro e Pontecorvo (1996), o contexto
de reprodução escrita de história não favoreceu o desempenho ortográfico das
crianças quando comparado ao contexto de escrita livre. No presente estudo, não
houve diferença significativa na proporção de erros ortográficos cometidos pelas
crianças nos dois contextos de produção. A familiaridade com o texto
“Chapeuzinho Vermelho” e com a estrutura de contos de fada não influenciou o
desempenho ortográfico das crianças das séries iniciais do ensino fundamental
em termos da freqüência relativa de ocorrência dos erros ortográficos. Nossos
resultados sugerem que os erros ortográficos ocorridos durante a escrita de um
texto pela criança não parecem ser derivados nem em parte por uma sobrecarga
do processamento cognitivo no ato da escrita.
A partir deste resultado podemos concluir que nas séries iniciais do
aprendizado da escrita e aquisição de regras ortográficas, as grafias produzidas
pelas crianças nesta etapa da aprendizagem parecem refletir o seu conhecimento
lingüístico independente do contexto em que a produção de texto ocorre. O
desempenho ortográfico das crianças que participaram de nosso estudo não foi
81
influenciado, conforme sugerido por Ferreiro e Pontecorvo (1996), pelo
conhecimento prévio dos aspectos macroestruturais do texto a ser escrito.
Algumas hipóteses podem ser sugeridas na tentativa de compreender os
resultados obtidos na presente investigação. Ao escrever um texto, a criança tem
que gerar e articular suas idéias expressando-as através de escolhas lingüísticas
adequadas. No contexto da escrita livre, as crianças tiveram a possibilidade de
escolher para sua história um tema que lhes fosse familiar, o que atenuaria as
demandas cognitivas impostas pela organização da trama, tendo, portanto, mais
liberdade para escrever o que desejassem. Além disto, por tratarem de um tema
relacionado ao seu conhecimento de mundo, as escolhas lingüísticas feitas pelas
crianças recairiam sobre palavras cujas grafias já se tornaram familiares para
elas, implicando em relativamente menos erros ortográficos.
Por outro lado, apesar do ato de reescrever um texto envolver a
reprodução de um texto-modelo (Teberosky, 2003), que serve como estímulo para
que as crianças escrevam e se apropriem dos elementos textuais, este contexto
de produção pode impor a criança um universo vocabular com o qual a criança
não esteja familiarizada. Além disto, as palavras que melhor expressem os
acontecimentos da história podem incluir palavras cujas grafias incluam contextos
ortográficos considerados de difícil aquisição na faixa de escolaridade
considerada. Desta forma, o conhecimento prévio da trama, apesar de permitir
que a criança focalize a atenção em aspectos particulares do texto não seria
necessariamente um fator facilitador do seu desempenho ortográfico
considerando as escolhas lexicais que a trama imponha as crianças.
82
Outra hipótese explicativa para os resultados encontrados neste estudo
resulta do fato do domínio da ortografia dependa efetivamente da aquisição de
regras ortográficas específicas estando relacionado com a escolaridade e o
desenvolvimento de habilidades cognitivas específicas a este domínio, não sendo,
portanto, influenciado por aspectos mais particulares e contingentes relacionadas
ao contexto de produção de texto.
� Influência da Escolaridade no Desempenho Ortográfic o: Qual a
influência da escolaridade sobre o desempenho ortográfico das crianças
nos contextos de produção analisados em termos da freqüência de erros
ortográficos nos textos escritos pelas crianças ?
Os resultados mostram que com o avanço da escolaridade as crianças
alcançam um melhor desempenho ortográfico. As crianças da segunda série
apresentaram um número significativamente menor de erros ortográficos do que
as crianças da série anterior em ambos os contextos de produção considerados
neste estudo. Este resultado constitui uma importante evidência para a hipótese
de que o desempenho ortográfico seja fortemente influenciado pela escolaridade
e habilidades cognitivas da criança do que por fatores de natureza contextual
relacionados à produção da escrita.
83� Influência dos Contextos de Produção na Natureza do Erro
Ortográfico : Qual a influência dos contextos no tipo de erro cometido
pelas crianças?
O contexto de reprodução escrita de história não facilitou o desempenho
ortográfico das crianças, uma vez que não houve diferença significativa na
freqüência de erros cometidos pelas crianças na reprodução escrita do conto e
não produção livre. Embora a escolaridade seja o fator mais importante para a
compreensão do desempenho ortográfico da criança, observamos que os tipos
de erros ocorridos na escrita das crianças em cada uma das séries se
revelaram de certa forma sensíveis à diferença dos contextos de produção.
De maneira geral, na reprodução escrita do conto observa-se maior
porcentagem de erros relacionados à grafia das irregularidades da língua,
erros quanto às regularidades morfossintáticas e erros de acentuação. Isso
provavelmente se deve ao fato de que o contexto de Reprodução escrita do
Conto leva a criança a escrever palavras novas ou pouco freqüentes e em
ambos os casos com maior complexidade ortográfica. Geralmente, no
contexto de escrita livre, os erros ortográficos parecem estar ligados ao
domínio das correspondências grafofônicas. Observa-se maior incidência de
erros relacionados às regularidades contextuais, erros relacionados às trocas
de letras (por semelhança no som e na grafia) e erros de hipercorreção. Estes
resultados podem ser compreendidos pelo fato de no contexto de Escrita Livre
as crianças tentaram escrever palavras que lhes eram mais familiares.
84
Podendo escolher o tema, a criança pôde também escolher as palavras para
expressá-lo.
� Influência da Escolaridade na Natureza do Erro Orto gráfico: Qual a
influência da escolaridade nos tipos de erros cometidos pelas crianças?
Da mesma forma que para a freqüência de erros, a escolaridade teve
influência sobre o tipo de erro cometido pelas crianças. Foi observado que alguns
tipos de erros tendem a diminuir com o avanço da escolaridade. Os erros que
denotam dificuldades no domínio das correspondências grafofônicas (erros de
troca de letra por som semelhante, modificação das palavras na frase,
dificuldades na marcação da nasalização) bem como as dificuldades em
estabelecer na escrita o limite entre as palavras (erros de segmentação) tendem a
diminuir com o avanço da escolaridade, e conseqüente, maior experiência com a
leitura e a própria escrita.
De forma geral, os erros ainda freqüentes na 2ª. série são aqueles que
expressam a dificuldade das crianças nos primeiros anos após a alfabetização no
uso de regularidades ortográficas que vão requerer da criança domínio de outros
níveis de conhecimento e sensibilidade à Língua Portuguesa além das
correspondências grafofônicas. Assim, vemos na 2ª. série, freqüência
relativamente alta de erros que expressam dificuldades relacionadas a maior
sensibilidade aos aspectos morfossintáticos da língua – regularidades
85
morfossintáticas – ou aos aspectos relacionados à tonicidade – como nas
dificuldades de acentuação.
A distribuição dos erros pelas séries está de acordo com os resultados obtidos
por Carraher (1985), Morais (2003), Meireles (2004), Meireles e Correa (2004).
Inicialmente, os erros da criança mostram as dificuldades que enfrentam ao
aprenderem sobre as correspondências grafofônicas. Daí ainda encontrarmos na
1ª. série, ano seguinte ao da alfabetização, com freqüência maior que na 2ª. série:
erros de troca de letra por som semelhante, modificação das palavras na frase,
dificuldades na marcação da nasalização e segmentação não-convencional das
palavras. Uma vez que a criança domine as regularidades grafofônicas, ela tenta
representar literalmente todos fonemas da palavra falada, utilizando as
correspondências fonema-fonema que conhece. Observa-se, então, um aumento
dos erros por transcrição de fala. Ao mesmo tempo erros como troca de letra por
som semelhante, modificação das palavras na frase, dificuldades na marcação da
nasalização tendem a diminuir. A maior experiência da criança com a leitura e a
própria escrita faz com que ela produza textos que incluam palavras cujas grafias
não obedecem às regularidades grafofônicas que domina. Não havendo ainda
conhecimento das novas possibilidades de grafar tais palavras, aumentam os
erros relativos à grafia de sílabas complexas, às regularidades de contexto e
morfossintáticas e às dificuldades com a acentuação. Tais dificuldades são
aquelas relativamente mais freqüentes entre as crianças da 2ª. série.
Concluindo, pesquisas futuras são necessárias no sentido de investigarmos a
aquisição da ortografia por crianças. Podemos considerar a importância de novos
estudos que utilizem diferentes contextos de produção, com apoio do texto
86
escrito, observando a influência da leitura do texto na escrita ortográfica das
crianças.
� Implicações Pedagógicas
A partir dos resultados obtidos no presente estudo, pode-se discutir aspectos
relevantes para a aquisição da ortografia por crianças das séries iniciais. Estudos
recentes mostram que as crianças geram a grafia de certas palavras e que a
aquisição de regras ortográficas pode variar de dificuldade, de acordo com a
norma em questão (Morais, 2000,2003; Nunes, Bryant e Bindman,1996).
Inicialmente as crianças elaboram suas escritas baseadas nas relações
grafofônicas. Aos poucos, as crianças percebem que as correspondências entre
letra e som não são suficientes para permitir uma escrita correta. A criança, então,
começa a perceber a existência de determinada regra ortográfica, mas a princípio
a utiliza indiscriminadamente. A partir da reflexão sobre a escrita, com auxílio de
alguém mais experiente, a criança percebe que cada regra deve ser utilizada em
determinados contextos e passa a aplicá-la de forma correta.
O presente estudo procurou investigar se a Reprodução Escrita de História,
ou seja, se mediante a apresentação de um texto-modelo, a criança poderia
produzir histórias com menos erros ortográficos quando comparada à Escrita
Livre de histórias. Apesar dos contextos de Escrita Livre e Reprodução Escrita de
Histórias não terem influenciado o desempenho ortográfico das crianças das
séries pesquisadas em termos da proporção de ocorrência de erros ortográficos,
vale ressaltar a importância da produção de textos em sala de aula como
87
importante meio de avaliação da escrita ortográfica das crianças, auxiliando o
professor a identificar em que etapa do processo de aquisição de normas
ortográficas o aluno se encontra.
O estudo também aponta a influência dos contextos de produção na
natureza do erro cometido pela criança. Dessa forma, o professor pode planejar
melhor que tipo de contexto de produção deseja aplicar com o objetivo de levar
seus alunos a refletirem sobre determinados aspectos da ortografia. É normal que
alunos nos primeiros anos do Ensino Fundamental cometam vários erros de
ortografia ao escreverem seus textos. Porém é de fundamental importância que o
professor saiba da natureza de cada erro e saiba, principalmente, entender o que
motiva o erro de seu aluno. É importante que o professor discuta com seus alunos
sobre a escrita de determinadas palavras, a origem de certas grafias e onde
aplicar determinadas normas ortográficas. Também é importante ressaltar para a
criança que os erros ortográficos podem comprometer a compreensão de um
texto, daí a importância de se aprender a ortografia.
Não há dúvidas da importância do ensino sistemático das regras
ortográficas na escola, porém este ensino deve levar a criança à reflexão das
grafias produzidas em relação às convenções ortográficas. Confrontando a sua
escrita com a norma ortográfica, as crianças terão a oportunidade de fazer
descobertas em relação à ortografia, pois estarão avaliando suas hipóteses de
escrita. É essencial que as crianças leiam e escrevam bastante e que
principalmente reflitam não só sobre sua própria escrita como sobre a escrita de
forma geral. Assim a aquisição das regras ortográficas ocorrerá mais facilmente.
88
Estimulando a curiosidade do aluno a respeito das normas ortográficas, o
professor poderá criar diferentes atividades, enfocando a ortografia de uma forma
prazerosa e significativa para a criança. A produção de textos com tema livre e a
reprodução escrita de histórias são situações didáticas que podem oferecer ao
professor uma boa fonte de avaliação do nível de conhecimento sobre ortografia
que seus alunos possuem e podem ser atividades geradoras de diferentes
reflexões sobre ortografia e o ato de escrever.
89
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95
ANEXO 1
História utilizada na tarefa de Reprodução Escrita
“Chapeuzinho Vermelho”
Era uma vez uma linda menina chamada Chapeuzinho Vermelho, pois
usava sempre uma capa com capuz vermelho. Certo dia, a mãe de Chapeuzinho
Vermelho preparou alguns doces e pediu-lhe que os levasse para a vovozinha,
que estava um pouco doente. A avó morava do outro lado do bosque. Antes de
partir, a mãe recomendou-lhe: - Não pare para conversar com estranhos.
Quando atravessava o bosque, Chapeuzinho Vermelho encontrou um lobo.
-Aonde você vai ? – perguntou ele.
- Vou à casa da vovó, levar-lhe esses docinhos – respondeu a menina.
-E onde mora a sua avó ? – perguntou, fingindo-se de bonzinho.
- Logo depois do bosque – disse a menina, sem desconfiar das más intenções do
lobo. Satisfeito com a informação, o lobo despediu-se apressado.
Mais que depressa, o lobo pegou um caminho mais curto e foi para a casa
da vovó. Ao chegar bateu à porta: toc, toc, toc...
- Quem está aí ? – perguntou a avó.
- É Chapeuzinho Vermelho – disse o lobo, imitando a voz da menina.
A bondosa senhora, que estava de cama, gritou: - Puxe a tranca e abra a porta !
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O lobo entrou, avançou sobre ela e engoliu-a inteirinha. Em seguida, vestiu as
roupas da vovó, deitou-se na cama dela e ficou esperando Chapeuzinho
Vermelho.
Pouco depois, a menina bateu à porta: toc, toc, toc...
- Quem está aí ? – perguntou o lobo, com a voz meio grossa.
Chapeuzinho Vermelho assustou-se com a voz da avó, mas, pensando que ela
estivesse rouca, respondeu:
- É Chapeuzinho Vermelho. Vim trazer-lhe alguns doces.
- Puxe a tranca e abra a porta. – gritou o lobo.
A porta se abriu e Chapeuzinho Vermelho entrou. Achando a vovó
diferente, logo perguntou:
- Que olhos grandes são estes, vovó ?
- São para ver você melhor, minha netinha.
- E este nariz enorme ?
- É para cheirar você – respondeu o lobo.
- Mas, vovozinha, para que esta boca tão grande? – disse, afastando-se,
desconfiada.
- É para comer você !
E o lobo saltou sobre Chapeuzinho Vermelho, mas ela conseguiu escapar.
Um caçador escutou os gritos da menina e foi até lá. O lobo tentou fugir,
mas o caçador o matou. Em seguida, abriu a barriga do lobo e tirou a vovó ainda
com vida ! Todos comemoraram muito contentes !
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