dossiÊ china: desenvolvimento econÔmico e segu

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7 DOSSIÊ CHINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEGU- RANÇA INTERNACIONAL Apresentação Recebido em 14 de julho de 2011. Aprovado em 14 de julho de 2011. Este dossiê resulta da reflexão coletiva sobre os impactos da inserção internacional da China na ordem econômica internacional e também nas dinâmicas contemporâneas de segurança interna- cional, trabalho desenvolvido durante o I Seminá- rio Sino-Brasileiro: Desenvolvimento Econômico e Segurança Internacional. O seminário foi reali- zado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre, em abril de 2010, como parte da comemoração dos dez anos do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais (Nerint). Desde então, foram realizados mais dois seminários internacionais pelo Nerint e seus pes- quisadores estiveram envolvidos na criação do primeiro curso de Doutorado em Estudos Estra- tégicos Internacionais do país. Somos gratos aos editores e à equipe de apoio da Revista de Sociologia e Política pela acolhida da proposta de publicação deste dossiê e pela paciência ao longo dos últimos 18 meses. O dossfoi inicialmente sugerido pela Professora Danielly Becard, a quem agradeço juntamente aos demais autores dos artigos. Além disso, gostaria também de registrar meu agradecimento pelo trabalho de revisão técnica realizado por Felipe Machado, bem como a toda a equipe que trabalhou na organiza- ção do seminário e aos participantes que, por motivos diversos, não puderam participar do dossiê. A última década foi testemunha de um cresci- mento dos estudos asiáticos no Brasil, especial- mente daqueles sobre a China. No entanto, infe- lizmente, a publicação de trabalhos científicos nos principais periódicos do país ainda está bastante aquém de nossas necessidades de compreensão sobre a realidade chinesa. Destaco, portanto, a importância de reunirmos neste dossiê trabalhos sobre a inserção internacional da China, suas rela- ções com o Brasil e a Arica Latina, os efeitos de sua economia no contexto regional asiático, bem como a análise da racionalidade de suas polí- ticas de segurança. No primeiro artigo do dossiê, o Professor Paulo Visentini (da Ufrgs) analisa o novo perfil de inser- ção internacional da China no século XXI. Nesse novo estágio, segundo o autor, a China estaria aproximando-se de países da periferia em de- senvolvimento, principalmente africanos, com propostas mais abrangentes do que muitos dos antigos parceiros dessas nações, para não nos lem- brarmos do legado das antigas potências coloni- ais no continente. O segundo artigo deste dossiê, de autoria da Professora Danielly Ramos Becard (da Universi- dade de Brasília (UnB)), trata das relações bilate- rais entre Brasil e China ao longo das últimas duas décadas. Partindo de uma análise da evolução histórica das relações entre os dois países, a auto- ra aponta os desafios que perpassam o histórico das relações econômico-comerciais sino-brasilei- ras, bem como alguns dos resultados provenien- tes dessa cooperação. A hipótese central do traba- lho gira em torno do argumento de que os avan- ços das relações entre os dois países advêm, so- bretudo, da crescente interdependência no siste- ma internacional, ressaltando, entretanto, que tais avanços foram limitados pela falta de planejamen- to sistemático e pelas instabilidades internas vivi- das pelos dois países. O artigo de autoria do Professor André Cunha (Ufrgs) analisa os impactos da inserção internaci- onal da China na nova ordem internacional e seus efeitos sobre o Brasil. Nesse sentido, o autor examina o comércio bilateral e os padrões de convergência cíclica entre as economias do Bra- sil e da China, levando em consideração, no en- Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 7-8, nov. 2011

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 7-8 NOV. 2011

DOSSIÊ CHINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEGU-RANÇA INTERNACIONAL

Apresentação

Recebido em 14 de julho de 2011.Aprovado em 14 de julho de 2011.

Este dossiê resulta da reflexão coletiva sobreos impactos da inserção internacional da China naordem econômica internacional e também nasdinâmicas contemporâneas de segurança interna-cional, trabalho desenvolvido durante o I Seminá-rio Sino-Brasileiro: Desenvolvimento Econômicoe Segurança Internacional. O seminário foi reali-zado na Universidade Federal do Rio Grande doSul (Ufrgs), em Porto Alegre, em abril de 2010,como parte da comemoração dos dez anos doNúcleo de Estratégia e Relações Internacionais(Nerint). Desde então, foram realizados mais doisseminários internacionais pelo Nerint e seus pes-quisadores estiveram envolvidos na criação doprimeiro curso de Doutorado em Estudos Estra-tégicos Internacionais do país.

Somos gratos aos editores e à equipe de apoioda Revista de Sociologia e Política pela acolhidada proposta de publicação deste dossiê e pelapaciência ao longo dos últimos 18 meses. O dossiêfoi inicialmente sugerido pela Professora DaniellyBecard, a quem agradeço juntamente aos demaisautores dos artigos. Além disso, gostaria tambémde registrar meu agradecimento pelo trabalho derevisão técnica realizado por Felipe Machado, bemcomo a toda a equipe que trabalhou na organiza-ção do seminário e aos participantes que, pormotivos diversos, não puderam participar dodossiê.

A última década foi testemunha de um cresci-mento dos estudos asiáticos no Brasil, especial-mente daqueles sobre a China. No entanto, infe-lizmente, a publicação de trabalhos científicos nosprincipais periódicos do país ainda está bastanteaquém de nossas necessidades de compreensãosobre a realidade chinesa. Destaco, portanto, aimportância de reunirmos neste dossiê trabalhossobre a inserção internacional da China, suas rela-

ções com o Brasil e a América Latina, os efeitosde sua economia no contexto regional asiático,bem como a análise da racionalidade de suas polí-ticas de segurança.

No primeiro artigo do dossiê, o Professor PauloVisentini (da Ufrgs) analisa o novo perfil de inser-ção internacional da China no século XXI. Nessenovo estágio, segundo o autor, a China estariaaproximando-se de países da periferia em de-senvolvimento, principalmente africanos, compropostas mais abrangentes do que muitos dosantigos parceiros dessas nações, para não nos lem-brarmos do legado das antigas potências coloni-ais no continente.

O segundo artigo deste dossiê, de autoria daProfessora Danielly Ramos Becard (da Universi-dade de Brasília (UnB)), trata das relações bilate-rais entre Brasil e China ao longo das últimas duasdécadas. Partindo de uma análise da evoluçãohistórica das relações entre os dois países, a auto-ra aponta os desafios que perpassam o históricodas relações econômico-comerciais sino-brasilei-ras, bem como alguns dos resultados provenien-tes dessa cooperação. A hipótese central do traba-lho gira em torno do argumento de que os avan-ços das relações entre os dois países advêm, so-bretudo, da crescente interdependência no siste-ma internacional, ressaltando, entretanto, que taisavanços foram limitados pela falta de planejamen-to sistemático e pelas instabilidades internas vivi-das pelos dois países.

O artigo de autoria do Professor André Cunha(Ufrgs) analisa os impactos da inserção internaci-onal da China na nova ordem internacional e seusefeitos sobre o Brasil. Nesse sentido, o autorexamina o comércio bilateral e os padrões deconvergência cíclica entre as economias do Bra-sil e da China, levando em consideração, no en-

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APRESENTAÇÃO

tanto, os desafios para a competitividade externabrasileira nesse novo contexto.

Na seqüência temos dois artigos sobre asimplicações das relações econômicas entre a Re-pública Popular da China e os países da AméricaLatina. No primeiro deles, o Professor Javier Vadell(da Pontifícia Universidade Católica de MinasGerais (PUC-MG)) trabalha com dados sobre ocomércio e investimentos da China nos países daAmérica do Sul, concluindo pela existência de umamodelo alternativo de desenvolvimento, que o au-tor denomina de “Consenso do Pacífico”. Namesma linha, o Professor Matt Ferchen (daTsinghua University, Beijing, China) avalia os im-pactos das relações econômico-comerciais entreos países da América Latina e a China em umaperspectiva temporal em que expõe os prováveisefeitos de curta e longa durações desse formatode cooperação.

No sexto artigo da série, o Professor DiegoPautasso (da Escola Superior de Propaganda eMarketing do Rio Grande do Sul (ESPM-RS))examina o desenvolvimento nacional da China nosúltimos anos e seus impactos na economia regio-nal asiática. O argumento central do trabalho éque uma economia do tamanho da chinesa (conti-nental) produz um efeito gravitacional no conti-nente e acaba por favorecer a inserção internacio-nal da China no sistema internacional.

No sétimo e último artigo do dossiê, MarcoCepik (Ufrgs) busca explicar a política de coope-ração internacional da China para o setor espacial.A partir de uma concepção teórica realista, o au-

tor formula as razões gerais para a cooperaçãointernacional, discute aspectos contextuais, des-creve o programa espacial chinês e analisa duasformas de cooperação: 1) as iniciativas multilate-rais da China, no Comitê da Organização das Na-ções Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exte-rior (Copous) e na recém-criada Organização deCooperação Espacial da Ásia-Pacífico (Apsco);2) a cooperação bilateral com potências regionais,tendo como estudos de caso as relações chinesascom o Brasil e com a África do Sul.

A demanda no Brasil por estudos específicossobre outros países e regiões tem crescido ao lon-go dos últimos anos. Esse processo resulta dopróprio crescimento da inserção internacional bra-sileira, bem como é sinal do amadurecimento e daespecialização crescente da comunidade acadêmi-ca de Relações Internacionais no país. Com foconas relações internacionais da América do Sul, Ásiae África, o Nerint tem contribuído, ao longo demais de dez anos, para uma produção científica esocialmente relevante, bem como para oadensamento de redes de especialistas em temascríticos, tais como a distribuição desigual da ri-queza e do poder no sistema internacional. Entre-tanto, vale destacar que os artigos reunidos aquirepresentam as opiniões sempre provisórias e su-jeitas ao progresso da pesquisa de seus autores,não sendo necessariamente endossadas peloNerint, pelos editores da Revista de Sociologia ePolítica ou pelas instituições em que os professo-res trabalham.

Boa leitura!

Marco Cepik ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesqui-sas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do RioGrande do Sul (Ufrgs).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

RESUMO

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEMINTERNACIONAL

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 9-29, nov. 2011Recebido em 20 de janeiro de 2011.Aprovado em 20 de fevereiro de 2011.

André Moreira Cunha

A ascensão chinesa à condição de potência econômica e política em nível global tem estado no centro dos debatesacadêmicos e políticos. Neste trabalho analisamos alguns impactos desse evento marcante sobre o Brasil. Investigamos ocomércio bilateral e os padrões de convergência cíclica entre as duas economias, considerando uma análise mais amplada competitividade externa da economia brasileira. A partir deste pano de fundo, objetiva-se mapear alguns dos possíveisimpactos para o Brasil da ascensão da China à condição de potência global. A ênfase recai sobre a dimensão econômica,especialmente o comércio internacional. Parte-se da perspectiva de que o processo de crescimento e internacionalizaçãoda economia chinesa está gerando estímulos capazes de condicionar as possibilidades de desenvolvimento do Brasil aolongo das próximas décadas. Os argumentos estão estruturados em três seções: (i) procura-se apresentar uma visãopanorâmica da ascensão chinesa, tomando-se como pano de fundo a dinâmica da "grande divergência"; (ii) faz-se umapanhado da situação contemporânea da economia chinesa; (iii) a análise dos efeitos de sua crescente internacionalizaçãosobre a economia mundial, com ênfase para os casos da América do Sul e Brasil. Concluímos explorando algumasimplicações normativas dos nossos resultados.

PALAVRAS-CHAVE: Brasil; China; comércio internacional; ciclos de negócios.

I. INTRODUÇÃO1

O sistema capitalista e a ordem internacionalque lhe dá sustentação são fenômenos gestadosna Europa e espraiados a partir dela. Em um pri-meiro momento, a liderança da Grã-Bretanha foiexercida a partir de base econômica industrial,do seu poder naval e mercantil e da sua capaci-dade de criar instituições emuladas internacio-nalmente, especialmente o padrão monetário-cam-bial centrado no ouro. As demais potências eu-ropéias, especialmente a Alemanha, e países defora da Europa, como os Estados Unidos daAmérica (EUA) e o Japão, viam na industrializa-ção o meio de reduzir seu atraso relativo(LANDES, 1969; REINHERT, 2007). A disputapor mercados, tecnologias e “espaço vital” deexpansão acelerou a dinâmica de inovações

tecnológicas e de incorporação da periferia dosistema. A “revolução industrial” e o “imperialis-mo” tornaram-se duas faces de uma mesmamoeda (HOBSBAWM, 1989). Nesse contexto,as novas nações independentes da América Lati-na conheceram uma relativa prosperidade comoexportadoras de recursos naturais para o “cen-tro”, especialmente a Grã-Bretanha, que era, defato, uma economia liberal, importadora de ma-térias-primas e exportadora de capitais. Essa ca-racterística reforçou o padrão de concentraçãode poder, renda e riqueza na classe proprietáriarural, algo que já era típico do período colonial.Esse tipo de economia, primário-exportadora, foia base do modelo social e político latino-ameri-cano, universalmente reconhecido como aindaincapaz de produzir sociedades plenamente de-mocráticas e afluentes.

Esse modelo começa a entrar em crise no pe-ríodo entre a I e a II guerras mundiais, quando aprópria ordem internacional liberal liderada pelaGrã-Bretanha desmoronou. Assim, a primeirametade do século XX assiste a transição dehegemonias, do antigo colonizador para a jovem eambiciosa ex-colônia, agora guindada à condiçãode nova potência global. Diferentemente dos bri-

1 Os argumentos aqui delineados atualizam observações járealizadas em outros trabalhos: Cunha e Acioly (2009),Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Lélis, Cunha e Lima(2010). O presente estudo foi apresentados no “I Seminá-rio Sino-Brasileiro – Desenvolvimento Econômico e Segu-rança Internacional”, promovido pelo Núcleo de Estratégiae Relações Internacionais da Universidade Federal do RioGrande do Sul (Nerint-Ufrgs), Porto Alegre, nos dias 12 e13 de abril de 2010.

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tânicos, os estadunidenses também eram grandesprodutores de alimentos, minérios e energia, sen-do a economia dos EUA mais autocentrada e pro-tecionista. Como Prebisch (1950; 1984) já haviaobservado, esse deslocamento do eixo-dinâmicoda economia mundial seria decisivo para o futurodos países latino-americanos. Para ilustrar doisexemplos paradigmáticos, basta lembrar os desti-nos de Argentina e Brasil. A Argentina era uma dasnações mais ricas do mundo no período de suasimbiose com a Grã-Bretanha. Como exportado-ra de recursos naturais para o mundo industriali-zado esse país viveu sua belle époque. O Brasil,por outro lado, assimilou a crise hegemônica, es-pecialmente depois de 1930, como sendo a senhapara a mudança do seu modelo de desenvolvimentoe, conseqüentemente, de estrutura social. O“desenvolvimentismo” baseado na industrializaçãopassa a ser uma ideologia comungada por váriosgovernos, do nacionalista Vargas ao liberal Jusce-lino, passando pelos militares, particularmenteGeisel.

O ideário desenvolvimentista via na especiali-zação produtiva em produtos intensivos em re-cursos naturais uma fonte de atraso e estagna-ção. A diversificação produtiva rumo às ativida-des manufatureiras e o setor de serviços e a ur-banização eram os objetivos centrais da moder-nização periférica brasileira. Tal padrão entrouem crise no começo dos anos 1980, dada a difi-culdade de equacionar o problema da dívida ex-terna. As décadas que se seguiram forammarcadas pela busca da estabilidademacroeconômica e por reformas estruturaisliberalizantes, que prometiam garantir a retoma-da do crescimento, mas que só produziram tra-jetórias instáveis com pequenos surtos de expan-são alimentados por crédito externo seguidos denovas crises financeiras. Os países latino-ame-ricanos, particularmente os sul-americanos, sóirão acelerar seu crescimento na primeira déca-da do século XXI sob os auspícios da crescentedemanda chinesa por matérias-primas, abundan-tes na região.

Portanto, a despeito das expectativas criadascom o final da Guerra Fria, de que o mundo enca-minhava-se para uma ordem unipolar centrada nosEUA, a primeira década do século XXI parece tercristalizado a percepção de que há uma novamultipolaridade em gestão. A “emergência do res-to” (AMSDEN, 2001), particularmente da China,

tem conformado novos vetores de transformaçõesem múltiplas dimensões da vida social. A partir dessepano de fundo, este trabalho tem por objetivomapear alguns dos possíveis impactos para o Bra-sil da ascensão da China à condição de potênciaglobal. A ênfase recairá sobre a dimensão econô-mica, especialmente o comércio internacional. Par-te-se da perspectiva de que o processo de cresci-mento e internacionalização da economia chinesaestá gerando estímulos capazes de condicionar aspossibilidades de desenvolvimento do Brasil ao longodas próximas décadas. Mais especificamente, ocrescimento chinês tem ampliado a demanda glo-bal por recursos naturais (alimentos, minérios eenergia), influenciando, decisivamente, os ciclos depreços das commodities, e criando uma forçagravitacional intensa em torno do modelo de espe-cialização na produção e exportação desses produ-tos. Por outro lado, as exportações de manufaturaschinesas representam uma ameaça concreta aospaíses que, como o Brasil, procuraram desenvol-ver estruturas produtivas mais diversificadas e com-plexas.

Além desta Introdução, os argumentos estãoestruturados em mais quatro seções. Nasequência procura-se apresentar uma visão pa-norâmica da ascensão chinesa, tomando-se comopano de fundo a dinâmica da “grande divergên-cia” (POMERANZ, 2000). Segue o apanhado dasituação contemporânea da economia chinesa ea análise dos efeitos de sua crescenteinternacionalização sobre a economia mundial,com ênfase para os casos da América do Sul eBrasil. As considerações finais retomam os prin-cipais argumentos.

II. PERPECTIVAS SOBRE A ASCENSÃO DACHINA

O capitalismo emergiu e irradiou-se como umprocesso social liderado pelos países ocidentais,especialmente Inglaterra e EUA. Na longa transi-ção do feudalismo para o capitalismo, a Chinaaparecia no imaginário e na realidade econômica epolítica da Europa como um país misterioso e fe-chado, repleto de promessas de rápido enriqueci-mento para quem lograsse penetrar em suas en-tranhas2. Até meados do século XIX havia a per-

2 Uma visão de longo prazo sobre a ascensão, queda ereemergência do mundo asiático está nos trabalhos organi-zados por Arrighi, Hamashita e Selden (2003).

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cepção, expressa por inúmeros contemporâneos,de Adam Smith a Napoleão Bonaparte, de que ograu de desenvolvimento tecnológico e econômi-co chinês rivalizava, senão superava, ao experi-mentado no Ocidente. Todavia, com a consolida-ção da industrialização e suas implicações positi-vas sobre acumulação de poder econômico e mi-litar, o confronto entre as potências européiasemergentes, particularmente a Inglaterra, e o Im-pério do Meio passou a revelar uma nova realida-de: a incapacidade da China em acompanhar o rit-mo de transformações em curso no mundo oci-dental. Não foi sem surpresa, para europeus echineses que, de derrota militar em derrota mili-tar, o Império desfez-se. E, mais importante, in-verteu-se a percepção ocidental sobre a China. Decivilização misteriosa, avançada e próspera, paraum país cronicamente inviável, cuja populaçãoseria material e culturalmente inferior (SPENCE,1999; HUTTON, 2007).

Vários dos mais destacados intérpretes do ca-pitalismo debruçaram-se sobre o que percebiamser o fracasso chinês. Marx via na China o exem-plo mais primitivo do modo asiático de produ-ção, caracterizado pela longa estagnação em umestágio de desenvolvimento agrário e de baixodinamismo, incapaz de criar as pré-condiçõespara a emer gência do capitalismo. Max Weberdestacou características por ele percebidas como

intrínsecas aos chineses, tais comodesonestidade, docilidade excessiva, incapacida-de de estabelecimento de laços mútuos de confi-ança, dentre outros, que seriam incompatíveiscom o “espírito do capitalismo”. Ademais, emcontraste com a Europa protestante, faltariam naChina os incentivos para a poupança e o trabalhometódico e pesado. Tais elementos culturais con-denariam a China ao atraso (SPENCE, 1999).Ecos contemporâneos da visão dos maiores ex-poentes do pensamento social do século XIXaparecem, por exemplo, em North (1995), queidentifica a origem do atraso chinês na ausênciade direitos de propriedade e, portanto, na arbi-trariedade no exercício do poder pelo Estadocontra os indivíduos empreendedores. Landes(1998) reconhece o que é voz corrente entre ossinólogos, ou seja, que a China foi uma civiliza-ção em muitos sentidos eficiente e mais avança-da que as civilizações ocidentais contemporâne-as, mas que não foi capaz de conformar institui-ções adequadas ao pleno funcionamento do ca-pitalismo. Assim como Weber e North, Landesaponta o caráter conservador e fechado da soci-edade chinesa como tendo sido determinante parao atraso relativo do país frente ao mundo oci-dental capitalista.

Os gráficos 1, 2 e 3 fornecem contornos maisprecisos do debate:

GRÁFICO 1 – PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) CHINÊS, 1-2008 D.C. (% DO PIBMUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

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As estimativas de Maddison (1998; 2007) su-gerem que até meados do século XVI, em ter-mos da renda per capita, e até o começo do sé-culo XIX, quando se toma o produto total, a China

GRÁFICO 2 – POPULAÇÃO DA CHINA, 1-2009 D.C. (% DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

FONTE: idem.

GRÁFICO 3 – RENDA PER CAPITA DA CHINA EM RELAÇÃO AO MUNDO E AOS EUA, 1-2008 D.C. (% DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

apresentava um nível de desenvolvimento equiva-lente ou superior o verificado no Ocidente. Umvasto império, com uma área semelhante à daEuropa Ocidental, abrigava, entre os séculos XVI

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e XIX, uma população cerca de duas vezes supe-rior do que o conjunto dos principais países oci-dentais. A visão marxiana de uma sociedade agrá-ria e atrasada não parece ajustar-se a um conjuntoamplo de evidências de que a China possuía umabase produtiva capaz de, em 1750, produzir maisferro do que em toda a Europa (HUTTON, 2007).Não à toa, os imperadores e o mandarinato chinêsenxergavam o país como sendo o centro maisavançado do mundo conhecido, técnica, moral eculturalmente.

Por outro lado, os dados também confirmama incapacidade chinesa de acompanhar o avançomaterial verificado a partir da industrialização ca-pitalista dos países europeus, posteriormente emu-lada por potências emergentes como EUA e Ja-pão. Assim, se no começo do século XIX a eco-nomia chinesa representava 1/3 da economia mun-dial, em 1950 tal participação não ultrapassava 5%.Sua renda per capita era equivalente à média mun-dial e superior à verificada nos EUA até o séculoXVIII. Porém, no século XIX tal quadro já apre-sentava uma reversão completa e, no auge dopoder estadunidense, na segunda metade do sé-culo XX, um chinês possuia um nível de vida equi-valente a 1/20 de um habitante dos EUA e um 1/5da média mundial. E isso ocorreu a despeito dofato de sua população seguir oscilando em tornode 20% do total global.

O atraso econômico transmutou-se em perdade poder militar, que em paralelo à rigidez do sis-tema político doméstico, redundou em derrotasnos enfrentamentos contra potências ocidentais,particularmente a Inglaterra, ou vizinhos podero-sos como Rússia e Japão. Em 1912, o Impériodesfez-se. A jovem república não foi capaz deconter a decadência. Em 1949, sob o comandode Mao Zedong, os comunistas impuseram-se atarefa de recuperar o poderio chinês. Desde en-tão, em vários momentos, manifestou-se o desejode sobrepujar as potências ocidentais. No “Gran-de Salto à Frente” (1958-1963) Mao prometia quea produção siderúrgica chinesa haveria de ultra-passar a britânica. Mesmo hoje, as lideranças chi-nesas apontam que o ano de 2050 marcaria a rea-lização da promessa de Mao de que a China con-cretizaria seu catching-up, deixando para trás maisde cem anos de derrotas e humilhações (WU,2005; BIJIAN, 2005; 2006; MAHBUBANI, 2005;ZWEIG & JIANHAI, 2005; HUTTON, 2007;WOMACK, 2010). É nesse contexto que algunssinólogos sugerem que a proclamação da Repú-

blica e a Revolução Comunista são movimentosiniciais de reafirmação da nação (PINTO, 2000)3.

A consciência de que a estratégia introvertidae baseada na coletivização forçada não havia lo-grado resultados em termos de reafirmação dopoderio chinês que passou a nortear a visão dereformistas como Deng Xiaoping. Uma vez nopoder, eles deram início a um processo de abertu-ra e modernização econômica acelerada. Desdeentão, a China vem apresentando uma vigorosatrajetória de crescimento e internacionalização.

III. A CHINA CONTEMPORÂNEA

A República Popular da China é um país conti-nental, com uma área de 9,6 milhões de quilôme-tros quadrados4 e que abriga a maior população domundo. Desde o final dos anos 1970, o país vemexperimentando um processo intenso de moderni-zação de sua economia, integração aos fluxos in-ternacionais de comércio e investimentos, o queestá gerando uma profunda transformação de suaprópria realidade sócio-econômica, bem como daordem econômica e política internacional.

Sob o comando de Mao Zedong, a China lan-çou-se em um esforço de modernização aceleradano assim chamado “Grande Salto Adiante”5. A criseque se seguiu ao fracasso dessa iniciativa e oesfriamento das relações com a União Soviética

3 Insiders do processo de abertura e modernização naChina enfatizam a linha de continuidade entre as reformaspropostas por Deng Xiaoping e a revolução de MaoZedong. Ver, por exemplo, Wu (2005; 2006) e Bijian (2006).4 Localizada no leste do continente asiático, a China écercada pelo Mar do China Oriental, a Baía da Coréia, oMar Amarelo e o Mar da China Meridional. O país temfronteiras terrestres com 14 outras nações, quais sejam:Afeganistão (76 km), Butão (470 km), Burma (2 185 km),Índia (3 380 km), Cazaquistão (1 533 km), Coréia do Norte(1 416 km), Quirguistão (858 km), Laos (423 km), Mongólia(4 677 km), Nepal (1 236 km), Paquistão (523 km), Rússia(3 605 km ao Nordeste e 40 km ao Noroeste), Tadjiquistão(414 km) e Vietnã (1 281 km). A fronteira interna comHong Kong é de 30 km e com Macau, de 0,34 km. A ilha deTaiwan (Formosa ou Taipei) é considerada pelos chinesescomo parte integrante do seu território. Em termos de re-cursos naturais, o território chinês é rico em carvão, miné-rio de ferro, petróleo, gás natural, mercúrio, tungstênio,antimônio, magnésio, molibdênio, vanádio, magnetita, alu-mínio, zinco, urânio, chumbo etc. Para mais informações,ver CIA (2011).5 Esses e os demais parágrafos estão baseados em Cunhae Silva (2009).

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levou à adoção de uma estratégia isolacionista ede busca de autossuficiência. A radicalização po-lítica derivada da Revolução Cultural desorgani-zou ainda mais a economia. Todavia, a partir dadécada de 1970, o país buscou estreitar mais seuslaços com a economia mundial, particularmentecom os mercados ocidentais (YUFAN HAO, WEI& DITTMER, 2009; WOMACK, 2010).

As lideranças políticas e os ideólogos do Parti-do Comunista da China (PCC) têm se utilizado dediversas expressões-síntese da especificidade dasua própria trajetória de modernização, tais como“socialismo de mercado”, “socialismo com ca-racterísticas chinesas”, “caminho do desenvolvi-mento pacífico”, “abordagem científica do desen-volvimento e a estratégia de construção de umasociedade socialista harmoniosa”, “ascensão pa-cífica à condição de potência”, para citar algumasdas mais representativas. Conforme argumenta umdos intelectuais reformistas mais influentes naChina contemporânea (BIJIAN, 2005; 2006) 6, adecisão chinesa de abraçar em vez de repudiar aglobalização estaria no centro das principais deci-sões políticas dessas últimas décadas, refletindoa compreensão de que o crescimento econômicopor meio de reformas que ampliassem os espaçosdos mercados seria um instrumento central parao “rejuvenescimento da nação”. Vale dizer, sabe-dores do seu enorme atraso relativo e do fracassodas estratégias coletivistas, os líderes da era pos-terior a Mao Zedong adotaram o pragmatismo nacondução de sua estratégia de crescimento, en-tendido este como um objetivo intermediário donorte maior que, desde há muito persegue os chi-neses: a recuperação de uma posição hierarquica-mente superior na ordem internacional (WU, 2005;2006).

Conscientes de que seu sucesso até aqui aindaé insuficiente para a conformação de uma socie-dade “moderadamente próspera”, e de que a pers-pectiva de concretização daquele objetivo maiordescortina-se rapidamente, gerando tensões diver-sas – particularmente nos planos geopolítico egeoeconômico – os líderes da China contemporâ-nea buscam refúgio no conceito da “ascensãopacífica”. Assim, na perspectiva chinesa haveriauma tentativa diferenciação da sua trajetória com

respeito à de outros países, que em momentossemelhantes acabaram provocando conflitos po-líticos e guerras, como nos casos de Alemanha eJapão (BIJIAN, 2005; 2006).

Há, aqui, um diálogo nem sempre explícito coma literatura ocidental de história e política interna-cional, cujas análises procuram modelar o pro-cesso de “ascensão e queda” das grandes potên-cias (KENNEDY, 1987; LANDES, 1998; FIORI,2004). Nesse tipo de abordagem constata-se aconfluência de elementos de acumulação de po-der – hard e soft (militar, político, científico, cul-tural e econômico) – no estabelecimento dehegemonias globais ou regionais. A ascensão deuma nova potência estaria quase sempre associa-da ao declínio de outra, de modo que, recorrente-mente, a guerra acabou sendo o desaguadouro dastensões provocadas pelo choque entre ascenden-tes e decadentes. Os chineses não querem serpercebidos como uma ameaça global, a despeitodo fato de não esconderem sua estratégia políticade longo prazo, que é a de colocar a civilizaçãochinesa em uma posição de centralidade, mas nãonecessariamente de hegemonia, na ordem inter-nacional.

Condicionantes domésticos e externosinteragem na conformação da visão chinesa so-bre os desafios resultantes de sua “ascensão pa-cífica”. Assim, por exemplo, o 1 1o PlanoQüinqüenal (2006-2010) estabeleceu os funda-mentos para o desenvolvimento chinês nas duasprimeiras décadas do século XXI. Seguindo oconceito firmado no 10º Plano de conformaçãode uma “sociedade moderadamente próspera”,explicita-se a preocupação de que o maior desafiodepois de alcançado o crescimento econômico,expresso no aumento da renda per capita, é o detambém fortalecer o bem-estar social. Outro con-ceito importante é o dos “Três Representantes”,em que caberia ao Partido Comunista representaras necessidades de desenvolvimento das forçasprodutivas chinesas, o desenvolvimento da cultu-ra chinesa, e os interesses fundamentais da maio-ria da população chinesa. Por meio desses princí-pios, o desenvolvimento econômico, buscado pormeio de reformas7 e maior abertura, deve ser com-preendido como o principal objetivo instrumental

6 Em 2006, Zheng Bijian era Presidente do Fórum deReformas da China e Vice-Presidente Executivo da Escolado Partido Comunista.

7 Modernização dos transportes, reforma no setor bancá-rio, otimização da utilização dos recursos não renováveis,dentre outros.

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(ou intermediário) do governo chinês. Até porqueo crescimento acelerado e a geração de empregossão condições necessárias para a estabilidade so-cial. A partir da história chinesa emergem fantas-mas sobre desordem e caos, geralmente provo-cados pela revolta popular ante o excesso de rigordo poder central, particularmente em momentosde escassez de recursos (PINTO, 2000;GREENVILLE, 2005; WU, 2005).

Na avaliação de Bijian (2006) existiriam inú-meras condições favoráveis para a concretizaçãode um novo período de prosperidade. Em primei-ro lugar, as mudanças no padrão de consumo in-terno, a partir do incremento da renda per capita,estimulariam a consolidação de uma estrutura pro-dutiva diversificada e mais vinculada aos gastosdomésticos. Em paralelo, haveria ainda amplo es-paço para explorar a abundância de mão-de-obra,cuja qualificação vem expandindo-se, e a maioroferta e qualidade relativa da infraestrutura, espe-cialmente em transportes e comunicações. Nãomenos importante, Bijian ressalta o que consideraser um ambiente de estabilidade política e de con-solidação do socialismo de mercado. Não obstanteas condições favoráveis, o 11o Plano Qüinqüenalnão desconsiderou os desafios a serem enfrenta-dos, particularmente nas áreas de utilização dosrecursos naturais, especialmente a água, busca demaior eficiência energética, proteção do meioambiente e redução das desigualdades provocadaspelo crescimento desproporcionalmente mais ace-lerado de certas regiões urbanas, em detrimentodo hinterland ou do mundo rural em geral, queabriga mais da metade da população.

Para sustentar o crescimento e reduzir os seusimpactos negativos a China deverá contar comuma teia ampla de relações internacionais. Por isso,seguindo ainda a leitura de Bijian (idem) sobre asprioridades estratégias da China, expressas no seumais recente Plano Qüinqüenal, o governo chinêsvê o cenário internacional como um ambiente deinterdependência, de aprofundamento daglobalização e de condições favoráveis ao desen-volvimento do país. Essas condições seriam: (i) amudança nas relações entre as grandes potênciasno período posterior à Guerra Fria; (ii) a possibi-lidade da China, por meio do seu desenvolvimen-to pacífico, oferecer oportunidades de crescimen-to para outras nações; ( iii) em especial, a coope-ração com os países em desenvolvimento e a ga-rantia de uma relação especial e estratégica; ( iv)

as oportunidades de relação com os países vizi-nhos, e a busca pela solução dos conflitos diver-sos; (v) a preferência pela multilateralidade comoimportante forma de relação diplomática, ou al-ternativamente, o repúdio às posturas unilateraisdas potências hegemônicas. O ambiente interna-cional, embora seja favorável, também apresentadesafios, como os desdobramentos protecionis-tas das disputas por mercados, recursos etecnologias (YUFAN HAO, WEI & DITTMER,2009). Além disso, a ascensão da China pode servista como uma ameaça pelas grandes potências,levando o país a ter de reforçar sua idéia de desen-volvimento pacífico. Ressalte-se que, em pratica-mente todas as determinações chinesas em relaçãoàs relações internacionais, podem ser vistos os Cin-co Princípios de Coexistência Pacífica 8.

A “abertura ao mundo exterior” deu-se em eta-pas. Inicialmente foram eleitas quatro regiões es-tratégicas para a introdução de um regime comer-cial e de atração de investimento direto estrangeiro,as chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs).Essas nada mais eram do que as típicas Zonas deProcessamento de Exportações (ZPEs) que já seespalhavam pelas economias em desenvolvimento,particularmente na Ásia. Nas ZPEs, assim comonas congêneres chinesas, são estabelecidas regrasdiferenciadas de tratamento do comércio exterior ,com redução de procedimentos administrativos paraa exportação e importação e, principalmente, a for-te redução – no limite, eliminação – dos impostosde importação sobre insumos utilizados para a pro-dução voltada ao mercado internacional. Adicional-mente, podem ser ofertados subsídios fiscais, naforma de tributação diferenciada, para atrair inves-tidores estrangeiros, que além de fornecerem capi-tais e tecnologia, possuem canais de comercializaçãoem escala global.

As lideranças chinesas escolheram a dedo suasprimeiras ZEEs, de modo a atrair os investimen-tos de chineses ou sino-descendentes residentesna região. A maior ZEE, Shenzen, beneficiou-se

8 Esses princípios têm mais de 50 anos e foram sugeridosoriginalmente por Chu Em-lai, estrategista da diplomaciachinesa, pouco depois da formação da República Popularda China. São eles: (1) respeito mútuo à soberania e integri-dade nacional; (2) não agressão; (3) não intervenção nosassuntos internos de um país por parte de outro; (4) igual-dade e benefícios recíprocos; (5) coexistência pacífica entreestados com sistemas sociais e ideológicos diferentes.

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por sua proximidade com Hong Kong. Empresassediadas nessa que hoje é uma região administra-tiva especial da China continental, passaram a atuarna ZEE e a estabelecer contratos desubcontratação com uma miríade de empresas novale do Rio das Pérolas. A ZEE de Zhuhai locali-zou-se perto de Macau. A ZEE de Shantou foiposicionada em uma região da província deGuangdong, em que há um grupo étnico com for-tes ligações com minorias sino-descendentes quevivem no Sudeste Asiático. Por fim, a ZEE deXiamen foi instalada perto de Taiwan, e aprovei-ta-se da proximidade geográfica e cultural parapotencializar suas atividades.

Com o esforço prévio de entrada na Organiza-ção Mundial do Comércio (OMC) e com o in-gresso efetivo em 2001, o regime de investimentoda China foi adaptando-se aos parâmetros usuaisdas economias de mercado. Os incentivos tribu-tários foram sendo nivelados entre empresas es-trangeiras e nacionais, eliminando parte das van-tagens locacionais das primeiras. Por um lado, osimpostos são, em geral, considerados moderados,a conta corrente é conversível, há acordos de pro-teção de investimento com a maior dos países,bem como provisões legais para a proteção dosinvestidores estrangeiros. Por outro, manteve-seuma forte liberdade dos governos locais na nego-ciação de condições diferenciadas para a aprova-ção de novos projetos de inversão. É importantenotar, também, que originalmente o investimentoestrangeiro entrava, predominantemente, na for-ma de joint-ventures. A partir do final dos anos1990, passou a predominar a modalidade de con-trole integral (ou majoritário) por parte do investi-dor forâneo.

Como resultado desse processo, e tomandopor referência a base de dados da Unctad 9 pode-se verificar que, em 1980, o estoque de Investi-mento Direto Estrangeiro (IDE) na economia chi-nesa era de US$ 1 bilhão. Desde então, e até 1991,os fluxos de entradas anuais de investimento es-trangeiro situavam-se abaixo de US$ 5 bilhões porano. Após a viagem de Deng Xiaoping para asregiões costeiras do Sul, em 1992, em que reafir-mou seu compromisso com abertura da econo-

mia, e, depois disso, com a introdução de novasmedidas liberalizantes, aqueles fluxos passaram auma média superior a US$ 40 bilhões/ano no res-tante da década de 1990, e de mais de US$ 60bilhões/ano, em média, nos anos 2000. Em 2007,a China recebeu US$ 83,5 bilhões e, em 2008,US$ 108,3 bilhões. Em 2009, sob o efeito da cri-se financeira global, tal fluxo foi de US$ 95 bi-lhões, fazendo que o estoque de IDE atingisse amarca de US$ 473 bilhões nesse último ano. Talmontante equivalia a 10% do PIB chinês. Naquelemesmo ano, as reservas internacionais eram deUS$ 2 425 bilhões e, no final de 2008, dívida ex-terna atingia US$ 378 bilhões. Com isso, os ati-vos de reserva equivaliam a mais do que o triplodos estoques de investimento direto e dívida. Aconexão entre IDE e exportações pode ser avalia-da na estimativa da Unctad de que as filiais deempresas multinacionais exportaram US$ 444 bi-lhões em 2005 (60% do total exportado pelo país),contra os US$ 12 bilhões exportados em 1991(17% do total).

Os investimentos chineses no exterior tambémpassaram a crescer. Em 1999, quando várias açõesvisando a ampliação dos investimentos chinesesno exterior foram lançadas com a alcunha de“Going Global Strategy”, o estoque de investimen-to chinês no exterior era de US$ 25 bilhões. Em2009, tal montante passou a US$ 230 bilhões.Somente no ano de 2008, os fluxos de saídas deinvestimento chinês atingiram o recorde de US$52 bilhões, mais de 20 vezes a média do período1990-2000. Em 2009, tais fluxos foram de US$48 bilhões. A política de “Going Global” evidenciaa estratégia chinesa de construir “campeões naci-onais”. Além de nuclear o esforço industrializante,os conglomerados chineses vêm sendo incentiva-dos pelo governo a avançar em seus processos deinternacionalização. Os conglomerados estatais naárea de petróleo e gás, como a Sinopec, Cnooc ea Petrochina, representam a articulação entre abusca de segurança energética, a política externae a estratégia de crescimento de longo prazo. Ain-da na área de commodities há outros gigantes comcontrole ou participação estatal, como a AluminumCorporation of China (Chalco) e a Baosteel. Nosetor de bens de consumo, telecomunicações eprodutos eletrônicos, há empresas como Huawei,TCL, Lenovo, Boe Technology e Galanz. Há, ain-da, corporações que estão em trajetória deinternacionalização em setores como alimentos ebebidas (Tsingtao e Cofco International), comér -

9 Referente ao “W orld Investment Report 2009”(UNCTAD, 2009b) da Conferência das Nações Unidas parao Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ao “CountryProfile – China”, também da Unctad (2010).

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cio e navegação (China Ocean Shipping Group eSinochem Corp) e construção civil (China StateConstruction and Engineering Company). Todasessas empresas aparecem nas listas de maiorestransnacionais oriundas de países em desenvolvi-mento e, algumas estão entre as maiores de seusrespectivos setores em nível internacional, mes-mo quando se incluem empresas dos países in-dustrializados.

Ao considerar-se as empresas de Hong Kong,Taiwan e de sinodescendentes – os chineses deultramar (overseas Chineses) – em países asiáti-cos como Cingapura, Malásia, e Tailândia, nota-se uma influência crescente de capitais chinesesna região e em nível global. Nesse sentido, é pos-sível perceber a lógica da política chinesa de bus-car um aprofundamento das relações econômicasno plano regional, tanto pela via usual dos fluxosde comércio e investimento, quanto pela constru-ção de laços institucionais mais sólidos, em que opaís busca cooptar vizinhos que poderiam, emprincípio, serem deslocados dos mercados glo-bais por força da concorrência chinesa e que pas-sam a ter no próprio mercado chinês uma fontesubstituta de dinamismo, conforme será detalha-do na seqüência. Também dessa forma estar -se-ia retornando a um papel histórico de liderança

regional e que fora amortecido pela ascensão dospaíses europeus na era posterior à revolução in-dustrial (ARRIGHI, HAMASHITA & SELDEN,2003; KANG, 2007; WOMACK, 2010).

Com um crescimento médio de sua renda de10% ao ano (cf. Gráfico 4, a seguir) entre 1979 e2009, a economia chinesa já é uma das três maio-res do mundo10. Os dados mais recentes do Ban-co Mundial (WORLD BANK, 2010), que se refe-rem ao ano de 2009, apontam que com uma po-pulação de 1 331 milhões de habitantes, a rendaper capita chinesa ainda é relativamente modesta:US$ 3 590 em dólares correntes, ocupando a 84ªposição no ranking do Banco Mundial de 159 pa-íses com dados disponíveis; ou de US$ 6 770 percapita, em paridade poder de compra, o que sig-nifica a 80ª posição. Para colocar-se em perspec-tiva, em termos de valores correntes o PIB percapita da China equivalia a 7,6% do PIB per capitados EUA, ao passo em que paridade poder de com-pra tal proporção era de 14,5%. Na classificaçãodo Banco Mundial, a China é considerada um paísde renda médio-baixa (WORLD BANK, 2011b).Em termos de Índice de Desenvolvimento Huma-no (IDH) (UNDP, 2011), a China apresenta umnível médio de desenvolvimento, aparecendo na89ª posição entre os 169 países.

FONTE: WORLD BANK (2011a).

GRÁFICO 4 – CRESCIMENTO DO PIB DA CHINA, 1961-2009 (% AO ANO)

10 Tomando em consideração o ano de 2009, aAgência Central de Inteligência (CIA, na siglaem inglês) coloca a China (US$ 8 748 bilhões)na terceira posição, quando se considera o PIBem paridade poder de compra. NesSe caso, aUnião Européia (US$ 14 430 bilhões) seria a

maior economia, seguida dos EUA (US$ 14 140 bilhões).Ver CIA (2011). Para esse mesmo ano, a Banco Mundialposiciona a China como a segunda maior em paridade po-der de compra (US$ 9 019 bilhões), logo atrás dos EUA.Em valores correntes, sua economia seria, nesse ano, a ter-ceira maior, atrás dos EUA e Japão.

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A velocidade do crescimento chinês veioacompanhada por intensas transformações estru-turais11. Em 1978, o país tinha uma população de982 milhões de habitantes, dos quais 82% vivamna zona rural. Naquele momento, 40% da produ-ção e 70% do emprego originavam-se do setorprimário. A indústria respondia por 30% do PIB e18% do emprego, ao passo que o setor de servi-ços gerava os outros 30% do produto e 12% doemprego. Em 2009, a população era 39% maior ea taxa de urbanização havia subido para 44%.Nessa nova realidade, as atividades econômicastipicamente urbanas também passaram a respon-der pela maior parte da produção – 49% pela in-dústria e 40% pelos serviços – e emprego – 60%(27% na indústria e 33% em serviços)(NAUGHTON, 2007). As atividades primáriasgeravam 11% do produto e 40% do emprego.

A transição de uma economia de planejamentocentral para uma economia cujas decisões econô-micas tornaram-se descentralizadas e, fundamen-talmente, mediadas pelos mercados, também alte-rou radicalmente as formas institucionais da orga-nização do mundo da produção. Assim, por exem-plo, em 1978, 69% dos empregos eram geradospelas fazendas coletivas e 14% por empresas esta-

tais. Os empregos restantes distribuíam-se na ad-ministração direta do governo, em empresas públi-cas das municipalidades, em empresas coletivasurbanas e outras atividades agrícolas. Em 2003, oemprego distribuía-se da seguinte forma: 47% naagricultura familiar, 16% nas empresas municipaisnão estatais, 11% em empresas privadas, nacionaise estrangeiras, bem como negócios familiares, 11%no setor estatal, 13% nos setores informais, alémde 2% de desocupação. Vale dizer, do controle ab-soluto sobre a economia, o Estado passou a ter ainfluência direta sobre uma parcela minoritária dospostos de trabalho gerados na China.

Do ponto de vista da estrutura da demanda,em 2009 a China contava com a seguinte compo-sição: o consumo privado respondia por 35%, oconsumo governamental por 13%, os investimen-tos por 48% e as exportações líquidas por 4%. Éinteressante notar que, nos últimos anos, os in-vestimentos vêm ampliando-se de maneira expres-siva, tendo passado de 30% a 35% no final dosanos 1980, começo dos anos 1990, para mais de40% do PIB nos anos 2000. Em contrapartida, oconsumo privado teve sua participação reduzidaem cerca de 15 pontos percentuais do PIB entre1990 e 2009 (Gráfico 5, a seguir).

FONTE: WORLD BANK (2011).

GRÁFICO 5 – COMPOSIÇÃO DA ABSORÇÃO DOMÉSTICA DA CHINA, 1970-2009 (% DOPIB)

11 Os dados aqui apresentados foram obtidos no NationalBureau of Statistics of China, em seu “China StatisticalYearbook 2007” (NBSC, 2007), no “The Key Indicators

for Asia and the Pacific 2010” (ADB, 2010), em Naughton(2007), Wu Jiglian (2005), e na base de dados do BancoMundial (WORLD BANK, 2011a).

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O consumo público, no mesmo intervalo de tem-po, oscilou entre 13% e 15% do PIB e o setor ex-terno, somadas exportações e importações passa-ram de 35% para mais de 60% do PIB. Quandoconsideradas as exportações líquidas (exportaçõesmenos importações) o setor externo apresentou umpico de participação na estrutura de demanda noano de 2007, com 9%. Assim, é possível caracte-rizar o crescimento chinês como sendo lideradopelos investimentos12. Os demais componentes da

Com a urbanização do país, as famílias quevivem nas cidades passaram a responder por 73%do consumo privado total, contra os 27% das fa-mílias que vivem no campo. Em 1978, tal propor-ção era invertida, ou seja, as famílias urbanas con-tribuíam com 38% dos gastos em consumo, e asrurais por 62%. Ao longo deste período, as ren-das urbanas cresceram mais rapidamente que asrendas do setor rural, ampliando as desigualdades

demanda atuam de forma subsidiária e, no caso doconsumo, com um peso relativo decrescente. Ain-da assim, é importante observar que a China apre-senta um grau de abertura comercial acima da médiaverificada em países grandes (em população e/ouárea) e em países com níveis de renda média (idem).Conforme pode ser observado no Gráfico 6, o co-mércio internacional de bens e serviços, que osci-lava na fiaxa de 5% do PIB no começo dos anos1970, subiu para mais de 60% depois de 2004.

distributivas e a importância relativa destes doissegmentos populacionais. Assim, a despeito do fatoda população rural ainda ser majoritária no país(54% do total) seu peso econômico vem decain-do mais do que proporcionalmente, tanto no em-prego quanto na capacidade de consumo.

Quando se considera a produção industrial,verifica-se que, em 1978, as empresas estataiseram responsáveis por 77% do valor adicionado,com os 23% restantes sendo gerados em empre-sas coletivas. Em 2004, a produção industrial sedividia da seguinte forma: 42% em empresas pri-vadas controladas por nacionais ou joint ventures,38% em empresas estatais ou corporações con-troladas pelos diversos níveis do Estado, 31% em

GRÁFICO 6 – COMÉRCIO INTERNACIONAL DE BENS E SERVIÇOS, 1970-2008 (% DOPIB)

FONTE: WORLD BANK (2011).

12 No que se refere à infraestrutura (transportes, teleco-municações e energia), os investimentos chineses passa-ram de 2% do PIB para mais de 9% entre 1981 e 2008(NAUGTHON, 2007).

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empresas estrangeiras e 5% em empresas coleti-vas13. Outra forma de perceber a desestatizaçãoda economia está no fato de que o lucro das esta-tais correspondia a 14% do PIB, em 1978, man-tendo-se em um patamar abaixo de 4% do PIB,desde o final dos anos 1980.

Além da expansão na quantidade de força detrabalho, verificou-se, igualmente, uma melhoriasignificativa nos níveis educacionais. Em 1982,menos de 1% da população com mais de 15 anosatingia o nível universitário. Ademais, havia 35%da população sem qualquer instrução formal. Em2004, 7% dos chineses adultos tinham curso su-perior completo. Em 2000, somente 9% dos adul-tos não tinham freqüentado a escola. Em paralelo,verificou-se uma intensa queda na pobreza. OBanco Mundial estima que, desde o final dos anos1970, três quartos da redução da pobreza no mun-do localiza-se na China. Entre 1990 e 2005, cercade 400 milhões de pessoas ultrapassaram a linhade pobreza monetária de um dólar por dia.

Com a crise financeira iniciada nos EUA, a Chi-na experimentou uma moderação em seu ritmo decrescimento. Todavia, o forte estímulo fiscal e aexpansão do crédito contribuíram para contraba-lançar os efeitos depressivos da queda na deman-da mundial por produtos chineses, garantindo umcrescimento entre 9% e 10% depois de 2008, abai-xo do desempenho médio de 12% ao ano no perí-odo 2003-2007.

IV. EFEITOS DA ASCENSÃO CHINESA NAPERSPECTIVA LATINO-AMERICANA

Deve-se notar que os possíveis efeitos sobreo sistema internacional da ascensão chinesa, emsuas dimensões econômica e política, têm con-centrado a atenção de especialistas das mais di-versas areas (KANG, 2007). No Brasil é possívelidentificar pelo menos duas perspectivas sobreesse tipo de formulação. Aceitando os riscos deri-vados do excesso de simplificação, sugere-sedenominá-las de visões “otimista” e “pessimis-ta”14. A primeira percebe na ascensão chinesa a

possibilidade de consolidação de uma nova ordeminternacional menos centrada no poder america-no e com maior abertura de espaços para que oBrasil consolide-se como uma potência líder en-tre os países em desenvolvimento, particularmentena América do Sul (e, também, com capacidadede influenciar nações africanas que compartilhama herança comum da colonização portuguesa). Ademanda chinesa por recursos naturais criaria umvetor de dinamismo para a economia brasileira aolongo dos próximos anos, o que permitiria a rup-tura do quadro de semiestagnação derivado dacrise da dívida externa dos anos 1980. Evidente-mente, a demanda chinesa per se não teria essepoder indutor, sendo percebida como uma alavancapara a internacionalização de setores produtivosespecializados na produção e industrialização debens intensivos em recursos naturais.

Por outro lado, a visão “pessimista” olha paraessa mesma possibilidade como sendo um riscode involução, com o Brasil retornando a uma po-sição semelhante àquela dos anos anteriores a1930, de uma economia primário-exportadora.Teme-se aqui a perda de densidade da estruturaindustrial diante das pressões competitivas origi-nadas na China, com efeitos negativos sobre acapacidade de gerar emprego e renda em setoresprodutivos mais complexos. Avalia-se, também,que a crescente presença econômica da China naAmérica do Sul e na África poderia reduzir o po-tencial de internacionalização da economia brasi-leira.

Do ponto de vista do presente artigo, cabedestacar que países sul-americanos em geral, e oBrasil, em particular , respondem à parte dessasnecessidades. A fome chinesa por matérias-pri-mas e mercados já se faz sentir com intensidadeinédita na região, conforme tem sido sugerido porinúmeros trabalhos (ZWEIG & JIANHAI, 2005;TRINH, VOSS & DICK, 2006; CAF , 2005;DEVLIN, ESTEVADEORDAL & RODRIGUEZ,2006; CEPAL, 2006; 2008; 2009; LEDERMAN,OLARREAGA & PERRY, 2008). A ampliação dosfluxos de comércio e investimentos é a face eco-nômica mais evidente desse processo. Tal aproxi-mação dá-se em um momento de reordenamentodos espaços de poder em nível internacional. Pro-jeções feitas nos últimos anos sugerem que a Chi-na deverá tornar-se, ainda na primeira metade doséculo XXI, a maior economia do planeta. No planocomercial, o país é um dos três maiores globalplayers, com a Alemanha e os Estados Unidos.

13 A soma excede 100% porque as categorias não sãomutuamente exclusivas (NAUGTHON, 2007, p. 302-303).14 As referências estão, dentre outros, em Fujita (2001),Castro (2008) e Conferência Nacional de Política Externa ePolítica Internacional (2009). Para o contexto latino-ameri-cano, ver CAF (2005), Devlin, Estevadeordal e Rodriguez(2006), Cepal (2006; 2008; 2009) e Lederman, Olarreaga ePerry (2008).

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Note-se que, em meados dos anos 1980, a Chinarepresentava cerca de 1% das exportações mun-diais – peso equivalente ao do Brasil –, atingindo,em 2008, uma participação de 8,9%. A partir docomeço dos anos 1990, a China tornou-se a na-ção em desenvolvimento que mais absorveu In-vestimento Direto Externo (IDE). Recentemente,além de receptor o país também se tornou fontede investimentos, especialmente em outros paí-ses periféricos. O drive exportador chinês vemimpondo uma crescente pressão competitiva so-bre economias industrializadas e em desenvolvi-mento. Sua demanda por matérias-primas e ener-gia afeta, cada vez mais, a distribuição mundial daoferta e dos preços das commodities, com distin-tos impactos sobre outros países, produtores econsumidores.

É nesse processo de rápida ascensão, carac-terizada por suas lideranças políticas e intelectu-ais como tendo um caráter pacífico, que a Chinaadentrou o século XXI como membro da OMC e,com os EUA, como motor do crescimento glo-bal. Entre 2003 e o primeiro semestre de 2008 aeconomia mundial viveu um ciclo de expansãoexcepcionalmente favorável. Tal caráter “excep-cional” deveu-se à confluência de alguns fatores,principalmente: crescimento elevado – com taxasmédias de variação no PIB global acima de 4% –associado à inflação baixa (pelo menos até mea-dos de 2007); retomada de dinamismo em regiõesque, nos anos 1980 e 1990, apresentaram níveisbaixos de expansão da renda, como América Lati-na, África e Leste Europeu, ou em economiasmaduras como Japão e Alemanha; melhoria subs-tancial nos resultados das contas externas e nasfinanças públicas das economias em desenvolvi-mento previamente caracterizadas por níveis ele-vados de vulnerabilidade externa e fragilidade fis-cal. Essas características brotaram em um mo-mento em que a estrutura da economia revelavauma nova realidade: economias emergentes, comoChina, Índia, Rússia, Brasil, entre outras, passa-ram a ter um peso na renda mundial, nos fluxosde comércio e na determinação do ritmo de ex-pansão equivalentes ou superiores aos das econo-mias centrais (GOLDMAN SACHS, 2007, EL-ERIAN, 2008). Dados do FMI (IMF, 2008; 2009)sugerem que, em 2007 e 2008, mais da metadedo PIB global, medido em paridade poder de com-pra, era gerado nos países em desenvolvimento.

De acordo com tais estimativas (IMF , 2008;2009), a tendência de crescimento do PIB mundi-

al foi acelerando-se suavemente com o avanço daglobalização, tendo na primeira década do séculoXXI um momento de auge. Por seu turno, entre2003 e 2008, o PIB efetivo cresceu em média 4,4%ao ano, bem acima da tendência. Com respeito aocomércio exterior verificou-se o mesmo movimen-to. Esse quadro, por si só, normalmente estariaassociado a um processo de aceleração inflacio-nária, o que não ocorreu. Tanto para as economi-as avançadas, quanto nas em desenvolvimento,os preços ao consumidor final mostraram-se bem-comportados, a despeito da sensível elevação dospreços reais (deflacionados) das matérias-primasnos anos recentes (UNCT AD, 2008; 2009a). Ébem verdade que no caso dos países em desen-volvimento, a alta nos preços de alimentos e ener-gia desdobrou-se em aumento da inflação no anode 2008.

Com explicar essa situação especial? Em gran-de medida ela foi produzida pela convergência defatores conjunturais e de uma transformação es-trutural que, então, explicitou-se com muita in-tensidade. Do ponto de vista conjuntural, as prin-cipais economias avançadas, particularmente osEUA, reagiram ao ambiente de menor crescimen-to e de instabilidade financeira do começo dosanos 2000, por meio de políticas monetárias e fis-cais largamente expansionistas. Nos EUA,Greenspan comandou uma redução da FED FundRate do patamar de 6,5% (maio de 2000) ao anopara 1% (junho de 2003), o que facilitou a diges-tão dos passivos acumulados no período de eufo-ria anterior, evitando que a ruptura financeira ain-da mais grave do que a contração verificada emfunção da bolha especulativa da Nasdaq e dos es-cândalos corporativos. Havia um temor de que osproblemas do mercado acionário contaminassem,ainda mais, o lado real da economia estadunidense.Por sua vez, a gestão fiscal do novo governo re-publicano de George W. Bush (2001-2009) trans-formou a herança de superavits do governo Clinton(1993-2001) em deficits crescentes, dados osaumentos de gastos e as reduções de impostos.

Essa combinação alimentou a continuidade domodelo de simbiose entre EUA e China: por partedo primeiro, o crescimento estava baseado na ex-pansão ainda mais intensa do consumo, comendividamento crescente; do lado do segundo, aacumulação de capital, os ganhos de produtivida-de e os níveis elevados de poupança contribuírampara transformar sua base produtiva em fonte es-tratégica da oferta mundial de manufaturas. Nes-

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se contexto, as economias emergentes, particu-larmente a China, passaram a responder por par-celas crescentes do PIB mundial e, por isso, desua taxa de variação.

Portanto, o eixo central dessa nova ordem glo-bal girava em torno dos EUA e da China. O pri-meiro representava o grande mercado consumi-dor em última instância, e o segundo a nova fábri-ca do mundo. Em contrapartida, aos resultadosfavoráveis daquele ciclo explicitavam-se váriosdesequilíbrios, especialmente nos pagamentos in-ternacionais. A economia estadunidense, com seusníveis recordes de endividamento nas esferas pri-vada e pública, apresentava padrões de gastosdomésticos que excediam, de maneirapreocupante, a renda nacional. Por esse motivo

, ampliavam-se os deficits em conta corrente,que de uma média de 2% do PIB no final dos anos1990, passaram a 4% no começo dos anos 2000e atingiram o pico de 6% a 7% entre 2006 e 2007.O espelho dos deficits em conta corrente é a uti-lização de poupança externa para seu financiamen-to. No caso dos EUA, a absorção de poupançaexterna entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão aoano, ao longo desse ciclo, era possível na medidaem que o resto do mundo, especialmente os go-vernos dos países com superávits em conta cor-rente, passaram a acumular ativos de reserva, tam-bém em níveis inéditos.

Tais desequilíbrios nos pagamentos internaci-onais também provocaram um descolamento en-tre as posições financeiras. Os EUA, que já pos-suíam uma posição líquida de investimento defi-citária em 1997, equivalente a 3% do PIB mundi-al, passaram a ter, em 2008, uma posição devedo-ra líquida da ordem de 8% do PIB mundial. Naoutra ponta, “velhos” – o Japão e os países ex-portadores de petróleo – e “novos” credores – aÁsia, liderada pela China – viram-se na situaçãode ampliação significativa de suas posições. Hou-ve, assim, uma redistribuição do poder e riquezaem nível mundial, representando na posse de ati-vos financeiros, a mesma dinâmica de ascensãoprodutiva e comercial descrita anteriormente.

Nesse mesmo ciclo (2003-2008) as regiõesperiféricas, com exceção do Leste Europeu, expe-rimentaram uma melhoria sensível de seus resulta-dos em conta corrente. A América Latina, usual-mente deficitária, apresentou resultados positivosda ordem de 1% do PIB da região em média, entre2004 e 2007, voltando a apresentar um deficit de

0,7% em 2008, ainda assim um valor moderadodiante dos deficits de 4% do PIB, comuns nos anos1990. Tal inversão nos resultados em conta cor -rente contribuiu para o acúmulo de reservas inter-nacionais. No caso da América Latina, em 2007 e2008, as principais economias da região tinhamreservas da ordem de US$ 300 bilhões – poucomais de 10% do PIB regional. Esse valor era o tri-plo do verificado no começo dos anos 2000, tantoem termos absolutos, quanto relativos à renda. Ten-dência semelhante de crescimento verificou-se naÁsia e, com mais intensidade, no Oriente Médio.Das economias analisadas, somente o Leste Euro-peu experimentou, no ciclo aqui destacado, oaprofundamento dos deficits em conta corrente,reproduzindo o modelo de crescimento com ab-sorção de poupança externa.

Se, ao lado da demanda global, a economiaestadunidense representava a principal fonte de di-namismo, alimentada pelo crédito farto e barato epelo efeito riqueza, ao lado da oferta, as redesglobalizadas de produção e comércio localizadasna China garantiam a ampliação da oferta de manu-faturas a preços baixos. Na verdade, a própria Chi-na foi se tornando uma fonte de demanda cada vezmais importante, particularmente nos segmentosde energia, alimentos e matérias-primas. A forte altano preço das commodities não se traduziu em infla-ção, pelo menos até meados de 2007, pois a China,responsável última por aquele movimento, garantiua manutenção de preços de manufaturas em níveisestáveis ou cadentes. O aparente milagre do cres-cimento acelerado e espraiado, com inflação baixa,tem na China uma explicação fundamental.

A combinação de aumentos recordes nos pre-ços das commodities, desde logo potencializadospela especulação em um ambiente de excesso deliquidez e falta de regulação, e estabilidade nos pre-ços industriais produziu um choque favorável nostermos de intercâmbio dos países em desenvolvi-mento, particularmente na América Latina e Áfri-ca, o que permitiu a rara combinação de retomadade crescimento, com melhoria nas contas externase públicas. Completava-se assim, o quadro da“grande moderação”. Todavia, a crise financeirainiciada nos EUA também foi produto da globalizaçãofinanceira, do crédito farto e da ausência de ante-paros regulatórios capazes de ordenar o mundo dasfinanças, criando, no período atual, a contrafaceda fase anterior. O ciclo “excepcionalmente favo-rável” de crescimento metamorfoseou-se na maiorcrise financeira desde 1929.

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Conforme tem sido destacado pela literaturarecente (CAF, 2005; DEVLIN, ESTEVADEORDAL& RODRIGUEZ, 2006; CEPAL, 2006; 2008; 2009;LEDERMAN, OLARREAGA & PERRY, 2008) ocomércio de mercadorias entre a China e os paíseslatino-americanos vem crescendo a taxas signifi-cativamente superiores àquelas verificadas para ototal transacionado na região. Tomando-se por re-ferência o ano de 2008, e considerando-se o con-junto da América Latina e Caribe, a China repre-sentou 3,9 % das exportações – US$ 31 bilhões deum total de US$ 782 bilhões – e 10,8% das impor-tações – US$ 80 bilhões de um total de US$ 739bilhões – o que implicou um deficit de US$ 49 bi-lhões. Para colocar em perspectiva, no ano de 2000as participações da China nas exportações e impor-tações da região eram de, respectivamente, 0,9% e2,2%. Para os países do MERCOSUL, a China re-presentava, em 2000, 2,4% das exportações e 3,2%das importações. Em 2008, tais proporções eramde, respectivamente, 8,3% e 12,3%.

É importante destacar algumas característicasdas relações comerciais entre os países da regiãoe a China, quais sejam: (i) os fluxos de comérciocrescem de modo mais veloz entre tais economi-as do que a média dos demais destinos de expor-tações e origens de importações; ( ii) há pelo me-nos dois padrões de comércio claramente deline-

ados: aquele identificado com a experiência mexi-cana e centro-americana, em que predominamdeficits com a China, e aquele verificado nos pa-íses sul-americanos, em que é possível identificarperíodos de superavits sustentados pela explosãodas exportações de commodities primárias eenergéticas, além de manufaturas de baixo con-teúdo tecnológico; (iii) nos dois casos o perfil decomércio vem alterando-se ao longo do tempo emum sentido de redução do conteúdo tecnológicodos produtos exportados para a China e amplia-ção daquele conteúdo nas importações.

O caso brasileiro é representativo desse pa-drão. No ano de 2009, a China transformou-se noprincipal parceiro comercial do Brasil, papel antesocupado pelos EUA. O gigante asiático absorveu13,2% das exportações brasileiras e originou12,5% das importações. Em termos da correntede comércio, China e EUA têm proporções seme-lhantes de 13%. No ano de 2000, o peso da Chinano comércio exterior do país era de 2%. Desdeentão, conforme pode ser observado no Gráfico7, a seguir, o ritmo de expansão do comércio bila-teral foi mais intenso do que o verificado no con-junto do comércio exterior brasileiro. No ciclo dealta de preços das matérias-primas, depois de2003, os superavits brasileiros foram crescentes,com exceção dos anos de 2007 e 2008.

FONTE: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2011).

GRÁFICO 7 – COMÉRCIO DE MERCADORIAS ENTRE BRASIL E CHINA (1988-2008)(US$ MILHÕES)

Como também é típico da experiência latino-americana, as exportações brasileiras têm concen-trado-se, cada vez mais, em produtos de baixo con-

teúdo tecnológico. Assim, por exemplo, dois pro-dutos, soja e minério de ferro, vêm representandomais de dois terços do total exportado pelo Brasil.

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O Gráfico 9 apresenta os resultados de umaestimativa sobre o grau de convergência dos ciclosde negócios entre o Brasil e seus três principaisparceiros comerciais realizada por Cunha, Monsuetoe Bichara (2010). Verifica-se que a economia bra-sileira parece estar cada vez mais vinculada àchinsesa, ao passo que a convergência cíclica comos EUA e a Argentina têm perddido densidade. Os

GRÁFICO 8 – COMÉRCIO DE MERCADORIAS ENTRE BRASIL E CHINA PORINTENSIDADE TECNOLÓGICA (1990-2008) % DO TOTAL EXPORTADO)

FONTE: Cepal (2009).

autores estimaram modelos gravitacionais, conclu-indo que aquela convergência estaria associada aoincremento nos fluxos de comércio de mercadoriais.Neste mesmo trabalho foram calculados diversosindicadores de desempenho do comércio interna-cional do Brasil, para avaliar a competitividade dasexportações brasileiras e o padrão de inserção ex-terna do país no plano comercial.

FONTE: WORLD BANK (2010).NOTA: Detalhes metodológicos em Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Baxter e King (1999). Os coefici-

entes de correlação dos ciclos econômicos foram calculados para períodos de 15 anos e estima-dos sucessivamente.

GRÁFICO 9 – CORRELAÇÃO ENTRE PIBS DE ECONOMIAS SELECIONADAS PELOS MÉTODOS BASTER-KING E HODRICK-PRESCOTT (1960-2007; %)

O Gráfico 8 toma a classificação setorial da Cepal(2009) sobre a intensidade tecnológica dos produ-tos e mostra a evolução das exportações brasileiraspara a China e as importações originadas naquelepaís. Em 2008, 90% dos produtos exportados pelo

Brasil eram intensivos em recursos naturais, innatura ou processados. Tal proporção era de 53%em 1990. Por outro lado, as importações evoluí-ram no sentido contrário, com ampliação na parti-cipação dos setores de média e alta tecnologia.

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Cunha, Monsueto e Bichara (2010) consta-tam que o comércio bilateral Brasil-China, quan-do controlado em uma amostra mais ampla depaíses, tende a ser marcado pela especializaçãobrasileira em setores intensivos em recursos na-turais. Por sua vez, Lélis, Cunha e Lima (2010)mostram que tal padrão, associada à busca chi-nesa por mercados capazes de absorver suasexportações de bens industrializados, coloca emxeque a capacidade de o Brasil manter posiçõesde liderança em mercados latino-americanos demanufaturas. Vale dizer, especialmente depois dacrise financeira global, as exportações chinesasde manufaturas vem avançando na região, des-locando os fornecedores brasileiros. Postos emconjunto, o efeito China representa, nessa dimen-são produtivo-comercial, um binômio cada vezmais instável e potencialmente perigoso: de umlado, estimula os setores intensivos em recursosnaturais, o que sinaliza para uma especializaçãoprodutiva que faz eco ao modelo primário-ex-portador anterior a 1930; por outro, e intensifi-cando os riscos dessa especialização regressiva,a concorrência chinesa impõe perdas de merca-do para produtores e exportadores industriais doBrasil.

GRÁFICO 10 – INDICADOR DE INTENSIDADE DE COMÉRCIO EM ECONOMIAS SELECIONADAS (1999-2008)

FONTE: Cunha, Monsueto e Bichara (2010), com dados primários de World Bank (2010).

V. CONCLUSÕES

A ascensão da China à condição de potênciaglobal marca uma novidade: pela primeira vez aordem capitalista global poderá deixar de serhegemonizada pelo mundo ocidental15. O “mila-gre japonês” do período posterior à II GuerraMundial, a despeito de criar o que por muito tem-po foi a segunda maior economia do mundo 16,não significou a contestação da posição decentralidade econômica e política das potênciasocidentais. Por outro lado, o avanço chinês colo-ca-se no centro das atenções dos internacionalistas,

15 No século XX, especialmente no contexto da GuerraFria, havia uma disputa de sistemas econômicos e sociais.No século XXI, na ausência de demarcação clara entremodelos sociais radicalmente alternativos, assume-se que adisputa de poderes se dá a partir de modelos variantesnacionais de uma ordem internacional que é (ainda) capita-lista.16 Até 2009 o Japão costumava figurar como sendo a segun-da maior economia, quando se mede em dólares em valorescorrentes. Em 2010, possivelmente a China passou a ocupartal posição (CHINA OVERTAKES JAPAN, 2010). Já emparidade poder de compra, a China já era considerada a se-gunda maior economia, atrás apenas dos EUA.

O indicador de Intensidade de Comércio (IC),usado para avaliar em que medida o valortransacionado entre dois países quaisquer é maior(ou menor) do que seria esperado quando se levaem consideração sua importância relativa no co-mércio internacional, reafirmou a maior vinculaçãoentre Brasil e China. Ele é definido como sendo aparcela das exportações do “país i” que sedireciona para o “país j” dividido pela parcela das

exportações mundiais que se direcionam a “j”. Umindicador maior (menor) do que um indica que osfluxos bilaterais de comércio são maiores (meno-res) do que o esperado, dado o peso do parceirocomercial no comércio mundial. O Gráfico 10sugere que, por esse critério, o comércio entreBrasil e China tem sido cada vez mais intenso,nos moldes do que já acontecida entre Brasil eEUA, e Brasil e Argentina.

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particularmente nos EUA. Debate-se, intensamentequando a economia chinesa será maior que dosEUA; qual o poder dissuasório e o ritmo de mo-dernização das forças armadas chinesas; se aemergência da China será marcada pela contesta-ção explícita aos marcos institucionais que vêmgovernando as relações internacionais, entre ou-tros temas.

Nesse contexto, o presente trabalho procuroumapear alguns aspectos dessa vertiginosareemergência chinesa e seus impactos potenciaissobre o Brasil. Nossas evidências privilegiaram adimensão comercial das relações sino-brasileiras.Verificou-se a intensificação do comércio, a ten-dência a uma especialização regressiva por partedo Brasil e a maior vinculação entre o ciclo denegócios brasileiro com o chinês. Tais caracte-rísticas têm sido identificadas em outros estudos,fazendo que os analistas posicionem-se, querenfatizando os estímulos positivos da presençachinesa em nossa realidade, quer destacando al-guns riscos potenciais derivados da própriacomplementaridade entre ambas as economias.

Os “otimistas” percebem na ascensão chinesaa possibilidade de consolidação de uma nova or-dem internacional menos centrada no poder ame-ricano e com maior abertura de espaços para queo Brasil consolide-se como uma potência líder entreos países em desenvolvimento, particularmente naAmérica do Sul. A demanda chinesa por recursosnaturais criaria um vetor de dinamismo para aeconomia brasileira ao longo dos próximos anos,o que permitiria a ruptura do quadro desemiestagnação derivado da crise da dívida exter-na dos anos 1980. Evidentemente, a demandachinesa per se não teria esse poder indutor, sendopercebida como uma alavanca para ainternacionalização de setores produtivos intensi-vos na produção e industrialização de bens inten-sivos em recursos naturais. Por outro lado, ospessimistas olham para essa mesma possibilidadecomo sendo um risco de involução, com o Brasilretornando a uma posição semelhante àquela dosanos prévios a 1930, de uma economia primário-exportadora.

Sem a pretensão de resolver esse debate, opresente artigo procurou contribuir com evidên-cias adicionais do padrão de comércio bilateral edo grau de convergência cíclica entre as duaseconomias. Em um primeiro momento procurou-se delinear o papel da economia chinesa no ciclo

recente de expansão e crise da economia mundi-al. Sua participação crescente nos fluxos comer-ciais e financeiros, bem como na determinaçãodo ritmo de crescimento global, têm gerado im-pactos variados sobre os países desenvolvidos eem desenvolvimento. No caso do Brasil, a deman-da chinesa por matérias-primas gerou um ciclode expansão nos preços desses produtos, o que,por sua vez, criou um ambiente propício à acele-ração no crescimento com melhoria na situaçãofiscal e externa das economias com o perfil decomplementaridade à China. Verificou-se a impor-tância crescente desse país como destino de ex-portações e origem de importações do Brasil e dorestante da América Latina.

Por outro lado, e tomando a perspectiva daseconomias ricas em recursos naturais, essacomplementaridade tem gerado um perfil de co-mércio que aprofunda a tendência histórica deespecialização na produção e exportação de pro-dutos intensivos na utilização daqueles recursos,e de importações de manufaturas intensivas emtecnologia. Nesse momento de ascensão chinesa,a maior convergência cíclica entre a economiabrasileira e a do gigante asiático, associada a umamenor convergência com os EUA e as principaiseconomias sul-americanas, particularmente a Ar-gentina, sugere a possibilidade futura derealinhamento na dinâmica de crescimento do país.Os resultados aqui resumidos e detalhados emCunha, Monsueto e Bichara (2010) e em Lélis,Cunha e Lima (2010) não permitem afirmar quetal efeito China seria (ou será) a fonte de expan-são da economia brasileira. Indicam, apenas, quehá uma maior convergência cíclica entre essaseconomias. O destino das relações bilaterais, emsuas múltiplas dimensões, dependerá da formacomo o Brasil vier a encarar o desafio chinês. Aagenda chinesa está cada vez mais clara e parececolocar o Brasil e as demais economias ricas emrecursos naturais como fontes de suprimento dematérias-primas e de destino para suas exporta-ções de manufaturas, reproduzindo, em algumamedida, o padrão Norte-Sul que caracterizava asrelações entre o centro industrializado e a perife-ria subdesenvolvida até a crise de 1929. Aceitarou não esse papel irá moldar as possibilidades defuturo da economia brasileira.

Não se está insinuando aqui que os estímulosderivados da demanda chinesa por recursos natu-rais devam ser desprezados. Pelo contrário, eles

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têm o potencial de gerar renda, empregos e divi-sas. Todavia, não se pode desconhecer as liçõesda nossa história e da própria experiência chinesarecente, em que se afirma a importância para pa-íses complexos e com grandes populações man-terem estruturas produtivas diversificadas. Assim,

não parece ser do interesse brasileiro abrir mãode uma indústria manufatureira integrada e com-petitiva, bem como do controle nacional de seusrecursos naturais. Ao avançar sobre esses doisparâmetros a aproximação chinesa poderá confi-gurar-se mais em ameaça do que em benefício.

André Moreira Cunha ([email protected]) é Doutor em Economia pela Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e Professor de Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011ABSTRACTS

BRAZIL AND CHINA IN THE NEW WORLD ORDER

André Moreira Cunha

China’s rise to the role of global economic and political power has been at the center of recentacademic and political debates. In this paper we analyze the impact that this has had on Brazil. Welook at bi-lateral trade and standards of cyclical convergence for the two economies, considering abroader analysis of the foreign competitiveness of the Brazilian economy. On this basis, we seek tomap out the impact that China’s rise to the position of global power may have on Brazil. We placeemphasis on economic dimensions, international trade in particular. Our premises conceive of theprocess of growth and internationalization of the Chinese economy as generating a stimulus capableof influencing the potentials of Brazilian development over the next few decades. Our arguments fallinto three sections: (i) an attempt at presenting a panoramic view of Chinese ascendance, against thebackdrop of the dynamics of “major divergence”; (ii) an overview of the current situation of theChinese economy; (iii) analysis of the effects of its increasing internationalization on the worldeconomy, with emphasis on the specific cases of South America and Brazil. We conclude by exploringsome of the normative implications of our results.

KEYWORDS: Brazil; China; World Trade; Business Cycles.

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BRAZIL-CHINA RELATIONS: WHAT SHOULD WE EXPECT?

Danielly Silva Ramos Becard

This article looks at recent relations established between Brazil and the People’s Republic of China(PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challengesthat remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the lasttwo decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have movedahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growinginterdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely becauseof (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution ofSino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify asfollows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii)crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations,(iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations(2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening andglobalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China,on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilianforeign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative,developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive tointernationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus wideningthe logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.

KEYWORDS: China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011RESUMÉS

LA CHINE ET LE BRÉSIL DANS LE NOUVEL ORDRE INTERNATIONAL

André Moreira Cunha

L’ascension chinoise à la condition de puissance économique et politique à l’échelle mondiale, estdans le centre des débats académiques et politiques. Dans ce travail, nous analysons quelques impactsde cet événement important, au Brésil. Nous vérifions le commerce bilatéral et les modèles deconvergence cyclique entre les deux économies, en considérant une analyse plus large de la compétitivitéextérieure de l’économie brésilienne. A partir de ce contexte, on vise à établir quelques uns des impactspossibles de l’ascension de la Chine à la condition de puissance mondiale, sur le Brésil. L’accent est missur la dimension économique, spécialement le commerce international. On part de la perspective selonlaquelle, le processus de croissance et internationalisation de l’économie chinoise produit des stimulationscapables de rendre possible le développement brésilien dans les prochaines décennies. Les argumentssont structurés en trois sections : (i) on cherche à représenter une vision panoramique de l’ascensionchinoise, en prennant comme contexte la dynamique de la « grande divergence » ; (ii) on fait un résuméde la situation contemporaine de l’économie chinoise ; et (iii) on fait l’analyse des effets de la croissanteinternationalisation chinoise sur l’économie mondiale, en soulignant les cas de l’Amérique du Sud et duBrésil. Nous concluons en vérifiant quelques implications normatives de nos résultats.

MOTS-CLÉS: le Brésil ; la Chine ; le commerce international ; les cycles d’affaires.

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QUE DEVONS-NOUS ATTENDRE DES RELATIONS ENTRE LE BRÉSIL ET LA CHINE?

Danielly Silva Ramos Becard

L’article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de LaChine (RPC). L’objectif, c’est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans lesrelations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant lesdernières décénnies (1990-2010). On utilise l’hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésilet la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d’une plusgrande liberté d’action promue par l’interdépendance croissante du système international ; malgréles limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii)au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l’hypothèse,l’évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les troispremières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement desrelations (1949-1974), à (ii) l’établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crisedes relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennesont été présentées ; (iv) l’établissement d’un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturationdes relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu’à aujourd’hui). Nous concluonsque, d’un côté, les processus d’ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permisun resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d’un autre côté, les crises de légitimité chinoisedans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit àdes fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politiqueextérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée àl’exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, laChine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistiquede sa politique extérieure et la recherche d’opportunités déjà au début des années 2000.

Mots-clés : la Chine ; le Brésil ; les relations bilatérales ; les relations économiques et commerciales.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

RESUMO

O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

Recebido em 25 de maio de 2011.Aprovado em 25 de junho de 2011.

Danielly Silva Ramos Becard

I. INTRODUÇÃO: RELAÇÕES EMBRIONÁRI-AS ENTRE BRASIL E CHINA (1949-1974)

A história comum entre Brasil e China, cujasraízes remontam aos anos 1950, passou por diver-sas etapas que refletiram sobremaneira os projetosdesenvolvimentistas de ambos os países e sua ca-pacidade de adaptação às transformações em cur-so no sistema internacional. A primeira fase das re-lações sino-brasileiras – que se estendeu da funda-ção da República Popular da China, em 1949, até aassinatura do acordo de reconhecimento diplomá-tico entre os dois países, em 1974 – foi marcadapor grandes objetivos de parte a parte: a vontadechinesa de prosseguir com sua política de liberta-ção nacional e o interesse brasileiro de alargar sualista de parceiros comerciais e aumentar seu pres-tígio internacional. O ápice da fase embrionáriaocorreu em 1961, com a visita do Vice-PresidenteJoão Goulart à China, a primeira até então.

Logo após a sua fundação em 1949 e ao longoda década de 1950, o interesse da República Po-

O artigo trata das relações recentes mantidas entre o Brasil e a República Popular da China (RPC).Objetiva-se apontar os resultados alcançados e os desafios remanescentes nas relações econômico-comer-ciais e na cooperação bilateral sino-brasileira nas últimas duas décadas (1990-2010). Utiliza-se a hipótesede que as relações entre Brasil e China apresentaram avanços durante o período graças, em especial, àmaior liberdade de ação promovida pela interdependência crescente do sistema internacional; embora taisavanços tenham sido limitados devido, sobretudo, (i) às instabilidades internas no Brasil e na China e (ii)à falta de planejamento sistemático da parceria sino-brasileira. Para verificar a hipótese foi examinada aevolução histórica das relações sino-brasileiras, destacando as três primeiras fases das relações bilaterais,referentes à (i) gestação das relações (1949-1974); (ii) fixação das bases das relações (1974-1990); (iii)crise nas relações bilaterais (1990-1993). Em seguida, foram apresentadas as duas últimas fases das rela-ções sino-brasileiras; (iv) o estabelecimento da parceria estratégica (1993-2003) e (v) a maturação dasrelações bilaterais sino-brasileiras (2003 aos dias atuais). Concluímos que, por um lado, os processos deabertura e globalização no início dos anos 1990 permitiram um aumento de laços entre Brasil e China e,por outro, crises de legitimidade chinesa no plano internacional e mudanças na política externa brasileiralevaram a fortes impasses nas relações; por sua vez, enquanto o Brasil hesitou entre uma política externacooperativa e desenvolvimentista e uma política externa neoliberal e autolimitada à exploração de aspec-tos econômicos, e submissa a forças hegemônicas internacionais, a China reforçou o pragmatismo de seucomportamento internacional, ampliando o perfil logístico de sua política externa e a busca por oportuni-dades já no início dos anos 2000.

PALAVRAS-CHAVE: China; Brasil; relações bilaterais; relações econômico-comerciais.

pular da China (RPC) pela América Latina, emgeral, e pelo Brasil, em particular, estava direta-mente ligado à vontade de reconstruir o país eaumentar sua segurança. Diante das dificuldadesenfrentadas no relacionamento com a União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a par-tir do final dos anos 1950, a China decidiu contra-atacar sistematicamente a política soviética no seiodo movimento comunista internacional, com vis-tas a aumentar seu poder político e fazer-se acei-tar mundialmente.

Na década de 1960, a China passou a lutarcontra as forças hegemônicas das duas potênciasda época, Estados Unidos e URSS, apoiando-senos países capitalistas desenvolvidos da EuropaOcidental e nos países subdesenvolvidos e emdesenvolvimento da Ásia, África e América Lati-na para prosseguir na luta de libertação nacional.Porém, e em particular, vários fatores dificultaramo desenvolvimento de uma verdadeira política ex-terna chinesa para a América Latina ao longo das

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 31-44, nov. 2011

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O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

décadas de 1950 e 1960: a falta de recursos finan-ceiros, a diplomacia marcadamente isolacionista ea preponderância dos Estados Unidos na AméricaLatina – inclusive por meio de políticas de conten-ção ao comunismo. Os resultados obtidos peloschineses foram poucos, sendo que os latino-ame-ricanos de “esquerda” preferiram, em sua maioria,continuar sob a influência soviética.

O Brasil, de sua parte, também buscou apro-ximar-se da China nos anos 1960, afirmando quedesacordos ideológicos não deveriam impedir queo país mantivesse relações com todos os povos.Assim, a política de alargamento de parceiros co-merciais e de aumento do prestígio internacionaldo país fez que, durante a presidência de JânioQuadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961), oBrasil aproximasse-se da China. Em agosto de1961, por exemplo, o Vice-Presidente João Goulartvisitou a China, tornando-se o primeiro governantebrasileiro a realizar uma visita oficial ao país.

A partir da instauração do regime militar brasi-leiro, em 1 de abril de 1964, o governo de CastelloBranco afastou-se da política externa praticada atéentão, a chamada política externa independente,e decidiu juntar-se às potências ocidentais, sobre-tudo por meio do alinhamento automático com osEstados Unidos. Romperam-se, de imediato, asrelações com a China, sob a influência de idéiasdiscriminatórias e do repúdio às práticas comu-nistas revolucionárias.

Porém, no início da década de 1970, diferen-tes fatores permitiram uma reaproximação entreBrasil e China. Por um lado, a China diminuiu seuapoio aos movimentos revolucionários na Améri-ca Latina (considerados inaceitáveis pelo regimemilitar brasileiro) e buscou desenvolver uma di-plomacia estratégica de governo a governo – pro-metendo respeitar o princípio de não intervençãoem assuntos internos (também adotado pela di-plomacia brasileira). Interessava à China encerraro isolamento de Pequim no sistema internacional,aumentar sua legitimidade internacional e angariarapoio e reconhecimento, inclusive perante atitu-des independentistas de Taiwan. Frente aos ga-nhos limitados obtidos até então, a política exter-na chinesa também passou a ostentar atitudes me-nos ideológicas e mais pragmáticas, voltando-senão apenas para a busca de segurança e indepen-dência, mas principalmente do desenvolvimentonacional. A opção de participar ativamente dasquestões americano-soviéticas, a partir da década

de 1970, modificou profundamente a situação in-ternacional da China, proporcionando-lhe maissegurança frente à URSS, maior inserção no mun-do dos negócios ocidental e mais chances de al-cançar suas ambições político-econômicas. A ob-tenção de assento permanente, antes ocupado porTaiwan, no Conselho de Segurança da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU), em 1971, em tro-ca da aproximação com os Estados Unidos parafazer face à URSS, trouxe melhoras progressivaspara as relações internacionais da China, tirando-a de seu isolamento político.

Por outro lado, com a retomada do curso his-tórico e nacional-desenvolvimentista da diploma-cia brasileira, o Brasil também passou a adotaratitude mais pragmática e menos ideológica nacondução de sua política externa, sobretudoobjetivando aumentar as possibilidades de diver-sificar seus parceiros e abrir novos mercados.Porém, apesar dos esforços de aproximação em-pregados pelo Brasil frente à China, aspectos liga-dos à ideologia de segurança nacional e ao com-bate ao comunismo persistiram na definição dosinteresses nacionais brasileiros durante o governoMédici (1969-1974), impedindo, mas por poucotempo, a oficialização das relações.

II. FIXAÇÃO DE BASES DAS RELAÇÕESSINO-BRASILEIRAS (1974-1990)

Decorrida uma década desde a instauração doregime militar brasileiro, as relações entre Brasil eChina começaram a ser, de fato, construídas, ago-ra sobre bases mais sólidas.

Com o chamado pragmatismo responsável euma maior flexibilidade ideológica, adotados pelogoverno de Ernesto Geisel (1974-1979), a coope-ração com a China tornou-se possível. Tal relaçãodeveria servir, de acordo com o olhar do Brasil,para afirmar a presença autônoma e aumentar oprestígio brasileiro no sistema internacional. Fo-ram considerados subsídios de peso na decisãoadotada por Geisel perante a China, tanto o pres-tígio internacional adquirido por este país quantoa convergência de interesses e posições políticasinternacionais que passaram a existir entre os no-vos parceiros.

Apesar da vontade de Brasil e China em pro-mover a cooperação bilateral, as relações desen-volveram-se lentamente nos primeiros anos des-de o restabelecimento oficial de laços diplomáti-cos, em agosto de 1974. Na China, mudanças

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políticas internas (após a morte de Zhou En-lai ede Mao Zedong, ambas em 1976) e necessidadesde ajustes nos projetos de reforma econômica ede melhorias de infraestrutura dificultaram as tro-cas entre os parceiros. Assim como o Brasil, aChina carecia, naquele momento, de recursos paraincrementar as relações Sul-Sul. Por sua vez, oentendimento mútuo era dificultado pelas grandesdistâncias físicas e culturais e conhecimentoincipiente das realidades nacionais.

Com a assinatura do primeiro Acordo Comer-cial entre Brasil e China (em 1978), a corrente decomércio começou a evoluir de forma gradual,indo de US$ 19,4 milhões em 1974 para US$ 202milhões em 1979. Produtos primários como algo-dão, açúcar e farelo de soja figuraram entre osmais exportados para a China naquele momento(50% do total), enquanto, sobretudo, elementosquímicos e farmacêuticos (67% do total) foramos produtos chineses mais importados pelo Bra-sil. A partir de 1978, o petróleo passou a repre-sentar mais de 95% dos produtos importados daChina por brasileiros.

Em termos gerais, ademais do reconhecimen-to diplomático, os anos 1970 não trouxeram gran-des resultados para as relações sinobrasileiras, ten-do sido o conhecimento mútuo e os recursos fi-nanceiros insuficientes para fomentar as relações.Brasil e China tiveram de aguardar a década de1980 para que pudessem explorar outras formasde cooperação conjunta.

Ademais, os parcos resultados alcançados emsuas relações internacionais durante a passagemdos anos 1970 para os 1980, particularmente comos países desenvolvidos, levaram o Brasil a inves-tir tanto em sua política regional – tendo avança-do no processo de integração via estabelecimentode um novo eixo bilateral com a Argentina – quantona árdua tarefa de identificação e aprofundamentode oportunidades de cooperação com outros paí-ses do sistema internacional.

Tornaram-se, em igual medida, objetivosprioritários da diplomacia brasileira o estreitamentode relações com países em condições de desenvol-vimento similares às do Brasil fora da América doSul. Nesse sentido, as aberturas política e econô-mica nas relações internacionais do Brasil favore-ceram os contatos com países asiáticos, além doJapão.

A China, de sua parte, também adotou, a partirdos anos 1980, estratégias de desenvolvimentobaseadas na ampliação de suas relações internaci-onais, sobretudo com vistas à aquisição e domi-nação de tecnologias avançadas (parte do projetodas Quatro Modernizações – envolvendo a agri-cultura, indústria, ciência e tecnologia), à conser-vação de sua independência internacional e à aqui-sição de status de “igual aos grandes”. O início daera Deng Xiaoping (a partir de 1978) marcou deforma definitiva o comprometimento chinês coma modernização, passando o desenvolvimento e asegurança a ter maior peso que a ideologia comofatores-chave da política externa.

Em termos gerais, a política externa da Chinapara a América Latina nos anos 1980 foi condicio-nada às possibilidades de contribuição ao própriodesenvolvimento nacional, tendo sido dada priori-dade às realizações menos espetaculares e onero-sas. A opção por não mais rivalizar com as grandespotências e avançar nos projetos de modernizaçãolevou a China a colocar ênfase apenas na coopera-ção “Sul-Sul” que pudesse trazer vantagens eco-nômico-comerciais concretas. Devido a tal condu-ta, a colaboração da China com a maior parte dospaíses da América Latina restringiu-se, naquelemomento, sobretudo ao plano político-institucional.Em particular, além de apoiar processos deintegração e criticar políticas intervencionistas dassuperpotências naquela região, sobretudo dos Es-tados Unidos, a China aumentou a troca de visitascom países latino-americanos e incrementou o pro-cesso de construção do aparato institucional, base-ado na assinatura de acordos em áreas diversas ecriação de grupos de trabalho bilaterais.

Com o Brasil, as possibilidades de ganhos con-cretos nas áreas econômica, científica etecnológica levaram à assinatura de mais de 20atos bilaterais com a China ao longo da década de1980 – incluindo os acordos básicos nas áreas deciência e tecnologia, energia nuclear e coopera-ção cultural e educacional –, permitindo ainstitucionalização das relações e enquadramentode ações futuras.

As viagens à China do Presidente JoãoFigueiredo, em junho de 1984 (primeira de umchefe de Estado e de Governo à China), e a doPresidente José Sarney, em julho de 1988, sinali-zaram o fechamento do ciclo embrionário de dezanos – relativo ao estabelecimento formal das re-

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O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

lações sino-brasileiras – e o início do ciclo de co-operação efetiva nas relações sinobrasileiras, adespeito das turbulências econômicas e aconteci-mentos políticos que iriam afetar o Brasil e a Chi-na nos anos seguintes.

A partir da segunda metade dos anos 1980, asrelações com a China passaram, de fato, a indicara autonomia que o Brasil desejava manter frenteaos países desenvolvidos. Para os chineses, tam-bém interessava manter relações com o Brasil paracontrabalançar as restrições à aquisição detecnologia avançada impostas pelos países desen-volvidos. A proposta de construção conjunta desatélites de sensoriamento remoto (projeto conhe-cido como China-Brazil Earth Resource Satellite(Cbers)), lançada em 1988, inseriu-se de formainequívoca nesse contexto.

Por sua vez, mesmo incipientes, as relaçõescomerciais sinobrasileiras registraram, na primeirametade dos anos 1980, crescimento das vendaschinesas para o Brasil de petróleo, produtos quími-cos e farmacêuticos e de peças para máquinas. Dolado brasileiro, foram exportados para a China mi-nérios e produtos siderúrgicos, óleos vegetais, pro-dutos agropecuários, além de produtos químicos efarmacêuticos. Em meados da década de 1980,assistiu-se ao alcance de índice recorde na corren-te de comércio, de mais de US$ 1 bilhão, e à eleva-ção da China a segundo maior mercado asiáticopara as exportações brasileiras, depois do Japão.

Apesar do cenário promissor para as relaçõessino-brasileiros ao final dos anos 1980, diversosfatores como transporte caro, infraestrutura defi-citária e produtos pouco competitivos – do ladobrasileiro – e necessidade de ajustar o programade reforma econômica e de efetuar melhorias nainfraestrutura portuária e ferroviária – do ladochinês – foram identificados como sendo empe-cilhos à expansão do comércio bilateral. Por suavez, a persistência do desconhecimento recípro-co de hábitos e realidades particulares a cada umdos países e as limitações mútuas no que se refe-re ao financiamento de exportações, ademais daconcentração excessiva em poucos produtos naspautas de importação e exportação (sobretudo dabrasileira) apontavam para a existência de um qua-dro ainda em construção nas relaçõessinobrasileiras.

Na presença de crises financeiras e reformasinternas, o Brasil também teve dificuldades parafazer alavancar a cooperação com a China. As-

sim, passado apenas um ano desde a assinaturado acordo-base na área espacial com a China, em1988, incertezas e indefinições levaram o Brasil adescumprir com suas obrigações financeiras pe-rante o projeto Cbers, que adentrou em uma fasede inércia.

De fato, e apesar da instauração da democra-cia no Brasil, em 1985, e da abertura de novasfrentes diplomáticas com a comunidade interna-cional e regional, houve dificuldade de obterem-se saldos positivos em suas relações econômico-comerciais internacionais devido ao agravamentoda questão da dívida externa, ao ressurgimentode fortes pressões inflacionárias, à moratória de-cretada em 1987 e ao início da redução de gran-des projetos da era Geisel.

Por sua vez, a repressão aos movimentos de-mocráticos na China, em maio e junho de 1989,levou à eclosão de reações vigorosas especialmenteno mundo ocidental, entravando, por um lustro, aabertura econômica da China. O processo de de-sintegração soviética, desencadeado em agosto de1991, também influenciou o isolamento da China,afastando-a do seio do sistema internacional. Osefeitos desses dois grupos de eventos nas rela-ções sino-brasileiras foram terríveis, persistindoao longo dos primeiros anos da década de 1990.

III. CRISES E NOVOS DESAFIOS NA PARCE-RIA SINO-BRASILEIRA (1990-1993)

Mudanças sistêmicas internacionais no iníciodos anos 1990 – como o fim da Guerra Fria e aretomada da expansão do capitalismo internacio-nal – foram densamente sentidas e geraram diver-sas reações no Brasil, a exemplo da introdução demedidas para aumentar a inserção e adaptação dopaís aos novos contornos da economia global. Emtermos gerais, para diversos autores brasileiros(BANDEIRA, 2004; VISENTINI, 2005; CERVO& BUENO, 2008) tais ajustamentos internos, so-bretudo traduzidos por meio da abertura do mer-cado interno de maneira unilateral, foram inicial-mente feitos sem garantias de competitividade eexigências de contrapartidas, prejudicando o avan-ço das políticas desenvolvimentistas brasileiras.

A convergência com países desenvolvidosdurante o governo de Fernando Collor de Mello(1990-1992) – em detrimento de parcerias alter-nativas, como a chinesa – foi justificada diante danecessidade de recuperação de terreno ecredibilidade, perdidos ao longo da década de 1980

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devido à crise de endividamento, da instabilidademonetária e da estagnação econômica brasileira.Naquele momento, a China, ao contrário do Brasilcom relação à Ásia, buscava uma maior aproxi-mação com a América Latina.

Perante a necessidade de romper com o isola-mento em que se encontrava desde o final dosanos 1980, de recuperar a posição estratégica per-dida com o fim do equilíbrio de poder da GuerraFria e de dar prosseguimento ao projeto de mo-dernização, a China inaugurou uma nova platafor-ma de aceleração e ampliação do processo de re-forma e de abertura ao exterior. A importânciaadquirida pelos fatores econômicos no cenáriointernacional também despertou novos interessese abriu distintas possibilidades de manobra para aChina.

Com a América Latina, a China primou peloestabelecimento de políticas governamentais e nãogovernamentais em diferentes âmbitos de carátercrescentemente pragmático. Sendo assim, menosde um ano após os eventos de Tien-an-men, fo-ram reiniciadas as trocas de visitas de altas auto-ridades, além de aprimorados os mecanismos deconsulta política bilaterais em âmbito ministerialcom diversos países latino-americanos.

Mesmo após a superação do isolamento chi-nês, logo nos primeiros anos da década de 1990,continuava a imperar situação contraditória nas re-lações sino-brasileiras, em que o diálogo político-diplomático consolidado e o amplo aparato jurídi-co-institucional – sustentados por mais de 50 atosbilaterais – conviviam com relações comerciaismedíocres e cooperação científica e tecnológicasubmetida a sérios problemas financeiros. Faltavaà parte brasileira decidir-se pela ampliação e diver-sificação de sua inserção internacional e articula-ção de um programa amplo e integrado de trabalhopara a promoção dos laços com a China.

Em particular, no campo comercial, dentre asrazões que também pesaram negativamente nacorrente sino-brasileira, encontravam-se: a apro-ximação crescente entre China e parceiros com-petitivos da região asiática, como Coréia do Sul,Japão e Hong Kong; a contenção das compraschinesas devido a ajustes no programa de refor-ma econômica do país; a substituição de produ-tos siderúrgicos brasileiros por produção chine-sa; a necessidade de diminuir deficits chineses como Brasil como condição para aumentar a corrente

comercial; o preço pouco competitivo do petró-leo chinês, até então importado pelo Brasil; a rare-feita presença tanto de “tradings” quanto de em-presas exportadoras brasileiras em solo chinês; afalta de disponibilidade de oferta exportável dedeterminados produtos brasileiros.

Tanto o Brasil quanto a China tiveram dificul-dades de criar medidas eficazes para ampliar ovolume transacionado e diversificar a pauta deexportação – concentrada na venda brasileira deminério de ferro, produtos siderúrgicos e óleo desoja – e de importação – baseada na venda de pro-dutos chineses pertencentes a quatro setores: pe-tróleo e carvão, produtos químicos e farmacêuti-cos, têxteis e máquinas e material elétrico.

A iniciar-se o governo de Itamar Franco, emoutubro de 1992, a preferência primeiramentedada pela política externa brasileira a países de-senvolvidos foi cedendo espaço para as relaçõescom países em desenvolvimento com grandepotencial cooperativo. Destarte, frente ao retor-no das diretrizes brasileiras de busca por auto-nomia e participação internacional e aumento deganhos pela diversificação de parcerias – assimcomo ao poder de atração de determinados paí-ses no campo da ciência e da tecnologia e dastrocas comerciais – as relações com a Ásia, emgeral, e com a China, em particular, voltaram aser incentivadas.

IV. A CONSTRUÇÃO DA PARCERIA ESTRA-TÉGICA (1993-2003)

A partir de 1993, o governo Itamar Franco tra-tou de imprimir um novo ímpeto ao relacionamentocom a China, seja no plano bilateral, a exemplo dointeresse em dar continuidade ao projeto de cons-trução conjunta de satélites de sensoriamento re-moto, superadas as dificuldades financeiras maissérias; seja no multilateral, com vistas, em parti-cular, à coordenação de esforços em prol dareestruturação da Organização das Nações Uni-das e de seu Conselho de Segurança.

Grandes empresas brasileiras, como a Com-panhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) e aAndrade Gutierrez, estiveram empenhadas emobter espaço no volumoso mercado chinês, parti-cipando em licitações para a construção de hidre-létricas na China. Em particular, os parceiros de-monstraram especial interesse em trocar experi-ências na construção de grandes e pequenas cen-trais hidrelétricas.

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O aprofundamento da cooperação científica etecnológica por meio do projeto Cbers deu-secomo conseqüência natural do reconhecimento,por ambos os países, do amplo potencial de cola-boração existente no setor. Em particular, apósdifíceis anos de negociação, foram registrados seisnovos documentos no setor espacial, permitindoavanços nas fases de produção e fabricação dossatélites sinobrasileiros.

Em suma, o bom entendimento alcançado pe-los parceiros na área espacial, em 1993, e a recu-peração das trocas comerciais, a partir de 1994 –quando as exportações voltaram a registrar valo-res próximos aos de 1985, de aproximadamenteUS$ 820 milhões em exportações e US$ 460 mi-lhões em importações –, colaboraram sobrema-neira para que as relações sinobrasileiras fossemalçadas a um novo patamar de entendimento, le-vando as autoridades de ambos os países a consi-derar a parceria conduzida entre Brasil e Chinacomo sendo estratégica.

De sua parte, a China revelou, por meio de suapolítica externa, o interesse em estabelecer par-cerias com países de vários níveis e profundida-des, sobretudo com o intuito de promover seudesenvolvimento econômico-comercial, mas tam-bém de aumentar sua própria segurança, contra-balançando o peso de países como Japão, Índia eEstados Unidos em seu próprio entorno regional.Multilateralismo e terceiro-mundismo continuarampresentes no discurso diplomático da China, osquais, acreditava-se, colaboravam para a aberturaeconômica e inserção chinesa no mundo em ter-mos de igualdade.

Com a América Latina, em particular, a Chinaestabeleceu como metas primordiais a obtençãode recursos energéticos, matérias-primas e mer-cados para seus exportadores, além da contençãoda influência de Taiwan e de apoio político mútuoem fóruns internacionais. Como fruto de sua pre-sença na região, registrou-se, na primeira metadedos anos 2000, crescimento do comércio entreChina e países latino-americanos de aproximada-mente 70%, com concentração das trocas empoucos países (Brasil, com 30%, e México, Chi-le, Argentina, Panamá, Peru e Venezuela, com 50%do total dos intercâmbios) – e poucos produtos –minérios, alimentos, pesca e petróleo. Os múlti-plos investimentos chineses na região ocorreramprincipalmente em áreas relacionadas à extraçãode matérias-primas e construção de infraestrutura.

O Brasil, de sua parte, procurou conciliar no-vas parcerias internacionais, a exemplo da chine-sa, com as relações tradicionalmente mantidas compaíses desenvolvidos. Durante o governo deFernando Henrique Cardoso (1995-2002), apos-tou-se nas relações com a China, seja no âmbitocomercial, seja nas áreas de investimentos em-presariais conjuntos e projetos de ciência etecnologia.

A partir de 2000, registrou-se um forte cresci-mento da corrente comercial sino-brasileira, o qualpode ser explicado tanto pelo fim do Plano Realno Brasil – e quebra da paridade entre o dólar e amoeda brasileira –, quanto pela superação da cri-se financeira na Ásia e do surgimento de novosfluxos de crescimento na China. De 2000 a 2004,houve aumento, em 351,8%, das compras chine-sas no Brasil, e em 106%, das compras brasilei-ras na China, o que levou este país a transformar-se no quarto principal parceiro comercial do Bra-sil. Uma considerável parte das exportações doBrasil para a China foi composta por matérias-primas e alimentos – minério de ferro, aço e com-plexo de soja – que representaram conjuntamentemais de 70% das vendas em 2004. A ênfase brasi-leira no agronegócio continuou com o passar dotempo, tendo sido feita, ademais, reivindicação deespaço no mercado chinês para outros produtosdesta área, a exemplo das carnes.

De 2001 a 2003, as exportações brasileiras paraa China foram marcadas por significativa presen-ça de mercadorias de baixo conteúdo tecnológico(55%); alto grau de concentração da pauta expor-tadora por setores – agropecuária (32%), minera-ção (21,6%), siderurgia (7,8%), celulose (5,3%)e óleos vegetais (9,1%) em 2004 – e por produtos(soja e minério de ferro). Em 2003, as importa-ções realizadas pelo Brasil no mercado chinês tam-bém foram marcadas por alto grau de concentra-ção em poucos setores produtivos – equipamen-tos eletrônicos e químicos e farmacêuticos –,embora em menor grau do que o verificado paraas exportações (57% dos importados).

Naquele momento, as dificuldades brasileirasde aumentar e diversificar suas exportações paraa China estiveram relacionadas às seguintes ra-zões, em particular: excessiva carga tributária einfraestrutura deficitária presentes no Brasil; polí-tica tímida de identificação de novas oportunida-des comerciais; capacidade de poucos setoresprodutivos (com exceção do extrativo mineral e

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agrícola) de expandir oferta, conforme ritmo dita-do pela onda importadora chinesa; queda no preçode commodities e forte concorrência no mercadochinês. Por sua vez, medidas típicas aplicadas nomercado chinês – como juros baixos e créditosabundantes à disposição dos exportadores chine-ses e aplicação de barreiras não tarifárias e de me-didas para forçar a baixa de preços dos produtoschineses – dificultaram sobremaneira a adaptaçãodo empresário brasileiro ao contexto sínico e ma-nutenção de superavits com o parceiro chinês.

Se, de fato, as exportações brasileiras para aChina, de 2000 a 2004, passaram de US$ 1,6 bi-lhão para mais de US$ 8 bilhões, a posição brasi-leira dentre os principais exportadores para o mer-cado chinês não chegou a dobrar durante esseperíodo, passando o market share brasileiro de0,72% (24º lugar) para 1,55% (14º lugar). En-quanto isso, em 2004, quase 50% das importa-ções chinesas ficaram concentradas em apenasquatro países – Japão (16,81%), Taiwan (11,54%),Coréia do Sul (11,09%) e Estados Unidos (7,96%).Quanto às exportações, quatro países – EstadosUnidos (21,06%), Hong Kong (17%), Japão(12,39%), Coréia do Sul (4,69%) – foram res-ponsáveis por 55,14% sobre o total.

Em se tratando de investimentos, parte dosganhos alcançados por empresas brasileiras e chi-nesas por meio de suas exportações foi direcionadaao financiamento de novos empreendimentos, tan-to em solo chinês quanto brasileiro, de modo aaumentar a capacidade de produção de suas em-presas e gerar melhoria de infraestrutura e trans-porte.

Por fim, nos primeiros anos do século XXI, oexcelente entendimento político entre Brasil e Chi-na foi utilizado em prol da superação de entravesà amplificação das complementaridades das ca-deias produtivas dos dois países, o que foi feitoparticularmente por meio da criação de mecanis-mos político-institucionais, conforme será visto aseguir.

V. RELAÇÕES MADURAS ENTRE BRASIL ECHINA (2003 AOS DIAS ATUAIS)

Ao iniciar-se o século XXI, novas perspecti-vas para as relações sinobrasileiras apresentaram-se, para as quais contribuíram tanto o avanço noprocesso de expansão do capitalismo mundial noleste asiático, quanto as transformações nas polí-ticas externas do Brasil e da China.

Na medida em que a China ganhou destaqueinternacional graças ao seu forte desempenho eco-nômico, o país passou a assumir um papel mais“pró-ativo” na política mundial. Por sua vez, como avanço da modernização chinesa – baseada naindustrialização intensiva – a política externa chi-nesa colocou-se particularmente a serviço da buscapor mercados, capital, tecnologia, energia e ma-térias-primas estrangeiros, considerados elemen-tos basilares do desenvolvimento chinês. Taistransformações aproximaram sobremaneira a Chi-na da América Latina.

De sua parte, o governo de Luiz Inácio Lula daSilva (2003-2010) remodelou a política externa bra-sileira de modo que esta pudesse colaborar para aconstrução de uma identidade de país continental,com ênfase na integração regional como nova for-ma de inserção internacional e na diversificação deparcerias com vistas à transformação do país emglobal trader e player. O reforço da imagem doBrasil como país emergente levou a diplomacia bra-sileira a dar prioridade à busca de mercados emdiferentes regiões do globo, enfatizando-se ouniversalismo como princípio fundamental da po-lítica externa. Justificou-se, dessa forma, a aproxi-mação e reativação das relações com a China.

Percebeu-se, assim, que tanto a China quantoo Brasil procuraram, de maneira progressiva, im-pregnar a prática das relações internacionais depragmatismo e profissionalismo, em prol de re-sultados mais positivos para suas políticasdesenvolvimentistas.

A viagem do Presidente Lula da Silva à Chinaem maio de 2004 foi considerada uma das maisimportantes de sua gestão – e foi acompanhadapor nove ministros de Estado, seis governadores eaproximadamente 400 empresários. O saldo finalda visita foi de nove atos bilaterais e 14 contratosempresariais assinados. Na óptica brasileira, o prin-cipal objetivo da viagem era sinalizar aos chinesesa enorme importância estratégica e comercial queo Brasil visava conferir à China. Sob um clima ex-tremamente otimista quanto à capacidade de cola-boração e cooperação chinesa em termos recípro-cos, acreditava o Brasil que a China estava em con-dições de contribuir com seu progresso, sobretudopor meio de investimentos na infraestrutura e daaquisição de produtos brasileiros.

Poucos meses depois da viagem do Presiden-te Lula à China, o Presidente Hu Jintao esteve noBrasil, em novembro de 2004, quando o governo

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brasileiro decidiu conceder à China o status deeconomia de mercado, sob fortes protestos doempresariado brasileiro, em particular da Federa-ção das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).Em troca de tal reconhecimento, o Brasil espera-va receber o apoio chinês à candidatura brasileiraa membro permanente do Conselho de Segurançada ONU, o que de fato não ocorreu.

No ano de comemoração dos 35 anos das re-lações sinobrasileiras, o presidente Lula realizousua segunda visita oficial à China (18 a 20 de maiode 2009). Naquela ocasião, por meio do comuni-cado conjunto assinado pelos dois governos, fo-ram enumeradas algumas conquistas indicando ocaminho de fortalecimento da relação bilateral.Dentre eles, merecem ênfase algumas ferramen-tas de aproximação bilateral colocadas em práticadesde a inauguração do governo Lula: i) a “Agen-da China”, na área comercial; ii) a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Coope-ração (Cosban), de 2006, responsável pela coor-denação de diversas vertentes da relação bilateral;iii) o Diálogo Estratégico, criado em 2007; iv) oDiálogo Financeiro Brasil-China, em 2008. Para operíodo de 2010-2014, foi estabelecido um Planode Ação Conjunta contemplando todas as áreas decooperação bilateral, aprovado em abril de 2010(BRASIL, 2010). No plano global, tornou-se no-tória a cooperação mútua em foros multilaterais,a exemplo da estreita comunicação mantida no G-5, no grupo BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China)– transformado em Bricsa, com a entrada da Áfri-ca do Sul a partir de 2010 –, na Cúpula do G-20financeiro e no G-20 da Organização Mundial doComércio (OMC).

Em particular, cabe destacar que, nos últimosanos, com vistas a aumentar a competitividade doBrasil na China, o governo brasileiro buscou criarpolíticas de criação de novas oportunidades co-merciais e de incentivo à participação de em-presas brasileiras no mercado chinês. Assim, eapós o lançamento, pelo governo brasileiro, da“Agenda China”, em julho de 2008, os objetivoseconômico-comerciais brasileiros frente à Chinaforam melhor identificados. Fruto da constituiçãodo Grupo de Trabalho China, em dezembro de2007 – integrado por representantes de diversosórgãos e entidades interessados na articulação deiniciativas no âmbito público e privado – a “Agen-da China” objetivou tanto aprofundar a reflexãosobre a parceria sino-brasileira quanto traçar es-

tratégias para dinamizar o comércio bilateral eampliar investimentos mútuos, além de fomentarestudos técnicos e ações de promoção do poten-cial produtor e exportador brasileiro no mercadochinês (AMORIM, 2008). Para o Ministro dasRelações Exteriores do governo Lula, CelsoAmorim, a “Agenda China” é fruto da necessida-de de criar uma estratégia mais coesa do Brasilperante a China, que coloque em evidência nãoapenas a tecnologia brasileira aplicada na áreaenergética e de produtos primários, mas tambémoutros segmentos igualmente sofisticadostecnologicamente e ainda pouco conhecidos peloconsumidor chinês.

Dentre as metas traçadas pela “Agenda Chi-na”, apontam-se: i) aumentar o conteúdotecnológico das exportações ao mercado chinêscom produtos de maior valor agregado do que osjá tradicionalmente exportados; ii) equilibrar demodo quantitativo e qualitativo a balança comer-cial sino-brasileira, por meio do aumento da ex-portação de produtos industrializados brasileiros;iii) incrementar as exportações brasileiras de pro-dutos intensivos no uso de recursos naturais, aten-dendo ao crescimento da demanda por produtosque a China tem dificuldade em garantirautossuficiência e aproveitando a sazonalidade daprodução; iv) aumentar a participação brasileiraem missões, feiras e projetos específicos com aChina, de modo a permitir o incremento de açõescoordenadas entre parceiros de ambos os países.Foram igualmente contempladas pela Agenda ini-ciativas de atração de investimentos chineses parao Brasil, inclusive nas áreas de infraestrutura elogística (BARRAL, 2008).

Em termos gerais, observou-se que, dentre asdiversas áreas de aproximação sino-brasileira, aeconômico-comercial foi inequivocamente a maisfrutífera ao longo dos anos 2000, conforme seráobservado a seguir.

V.1. As relações econômico-comerciais bilaterais

Durante o governo Lula (2003-2010), manti-veram-se constantes os objetivos brasileiros frenteà China, os quais ficaram, porém, bastante con-centrados nos aspectos econômicos da relação.Dentre esses objetivos, destacaram-se: i) aumen-tar as exportações brasileiras por meio da abertu-ra de novos mercados na China; ii) atrair investi-mentos chineses diretos e indiretos para o Brasil;iii) expandir negócios brasileiros, inclusive por

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meio de investimentos diretos na China; iv) tro-car informações na área de ciência e tecnologia eadquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a parce-ria como forma de diminuir a dependência peran-te parceiros tradicionais; vi) aumentar a margemrelativa de manobra e poder de barganha do Brasilem fóruns multilaterais.

Por sua vez, fizeram parte dos objetivos ex-ternos chineses diversificar seus parceiros comer-ciais e reduzir a dependência de um grupo restritode fornecedores de matérias-primas, insumos emaquinários, assim como diversificar os consu-midores de seus produtos. Nesse contexto, o co-mércio da China com a América Latina, em geral,e com o Brasil, em particular, aumentou expressi-vamente nos últimos anos – a participação da Amé-rica Latina no total do comércio chinês tendo pas-sado de 1,9% em 1996 para 4,1% em 2006 –,firmando-se o papel desse asiático como parceirofundamental dos países da região.

Graças ao crescimento chinês nos últimos trin-ta anos, que criou um mercado com tamanho edinamismo impressionantes, oportunidades diver-sas foram abertas para a comercialização de pro-dutos brasileiros.

Nesse sentido, as exportações brasileiras paraa China cresceram significativamente nos últimosdez anos, a contar do início do século XXI, compredomínio de saldos positivos para o Brasil. Porsua vez, dentre os produtos chineses mais impor-tados pelo Brasil, estiveram os eletrônicos, má-quinas e equipamentos, além de brinquedos e ves-tuário (BARBOSA & MENDES, 2006, p. 2).

Em 2008, a China tornou-se o segundo par-ceiro comercial do Brasil, após os Estados Uni-dos. As exportações brasileiras para a China man-tiveram-se, porém, ainda modestas quando com-paradas com as de outros parceiros comerciaischineses.

Condizente com o objetivo de política externachinês de adquirir matérias-primas essenciais parao fomento de seu desenvolvimento, a CompanhiaVale do Rio Doce (CVRD) tornou-se, em 2006, oprincipal fornecedor de minério de ferro para aChina, com 75,7 milhões de toneladas embarcadas– representando 23,2% das importações chinesas(COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009). Porsua vez, em 2008, e em consonância com os ob-jetivos de diversificar seus fornecedores de ener-gia, a China tornou-se o segundo destino das ex-

portações brasileiras de petróleo, com 24,1%. Nafrente da China, ficaram apenas os Estados Uni-dos, que importaram 65,2% dos 574 mil barrispor dia de petróleo brasileiro. Em julho de 2008,Brasil e China, por meio de suas empresasPetrobras e Sinopec, assinaram um memorandode entendimento visando o comprometimentomútuo para aumentar de forma significativa ovolume de negócios entre as empresas(PETROBRAS ASSINA ACORDOS, 2008).

Porém, desde 2004, já se observava uma mu-dança no padrão de comércio, com redução dossaldos comerciais brasileiros em 27% e ganho demercado dos produtos chineses no mercado brasi-leiro em 70%, sobretudo no setor de manufaturas,suscitando indagações quanto à necessidade de ajus-tes em políticas empresariais e governamentais bra-sileiras em presença da forte concorrência chine-sa. Ademais, tais números revelaram a estratégiachinesa de elevar a escala de produção e priorizar ageração de valor agregado de seus produtos.

Entre os anos de 2006 e 2008, apesar de nãoter ocorrido diminuição nas exportações brasilei-ras para a China (que chegaram quase a dobrar,passando de US$ 8,4 bilhões para US$ 16,4 bi-lhões no período indicado), foram decrescentesos saldos comerciais brasileiros, atingindo U$ 3,6bilhões negativos em 2008. Porém, a expectativados dois governos de alcançar o índice de US$ 30bilhões na corrente de comércio em 2010 foi ul-trapassada em 2008 (US$ 36,5 bilhões) graças tantoao aumento das exportações brasileiras para aChina quanto ao aumento das exportações chine-sas vindas para o Brasil (BRASIL, 2009).

Ao final da primeira década do século XXI, aprincipal crítica que se faz às relações comerciaissino-brasileiras é a dificuldade brasileira em di-versificar a pauta de exportações e agregar valoràs vendas realizadas à China, compostas princi-palmente por matérias-primas e alimentos, fato quecontrasta com o perfil global das exportações bra-sileiras. Em 2007, apenas 8% dos produtos brasi-leiros exportados para a China foram de manufa-turados, sendo que insumos como aço, minériode ferro, cobre e soja representaram as maioresexportações brasileiras. Do restante exportado em2007, 18% eram de bens semimanufaturados e74% de produtos primários. Já em 2008, 7% dosprodutos exportados eram manufaturados, 16%semimanufaturados e 77% básicos (SISCOMEX,2009).

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Nesse sentido, mantiveram-se como fortescausas para o baixo dinamismo das exportaçõesbrasileiras para a China a falta de conhecimentodo mercado chinês, os altos custos de transportee logística, a excessiva carga tributária brasileira,infraestrutura brasileira deficitária, além da carênciade um planejamento de médio e longo prazo deinserção no mercado chinês.

V.2. Os investimentos conjuntos

Nos últimos anos, o interesse da China emaprofundar as relações com o Brasil esteve base-ado nas seguintes metas: i) explorar matérias-pri-mas e recursos energéticos considerados neces-sários para dar prosseguimento à expansão daeconomia chinesa; ii) aumentar o lucro dos negó-cios chineses, seja por meio da venda de produ-tos com maior valor agregado, seja por meio dofornecimento de empréstimos a brasileiros; iii)garantir a presença chinesa no mercado brasileiroe, por meio deste, no mercado sul-americano,considerado cada vez mais competitivo, restritivoe protegido por altas tarifas de importação; iv)trocar informações na área de ciência e tecnologiae adquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a par-ceria como forma de diversificar os negócios chi-neses e aumentar o poder de barganha do país nocenário internacional, evitando dependência eassimetrias frente a outros parceiros.

Fez igualmente parte dos interesses da Chinaaumentar seus investimentos diretos, com vistasa garantir segurança energética, sustentabilidadede recursos e expansão de mercados externos.No Brasil, os setores mais proeminentes nessemovimento de internacionalização foram “petró-leo e mineração, seguidos por portos, energias al-ternativas, automotivo, bancário, telecomunicaçõese indústria eletrônica” (BRASIL, 2008, p. 60).

O plano qüinqüenal chinês de 2006-2010 esta-beleceu a meta de direcionar US$ 60 bilhões paraos investimentos externos. No Brasil, os investi-mentos chineses cresceram de maneira contínuadesde 2004, alcançando US$ 24,3 milhões em2007, com concentração de investimentos no se-tor de comércio (56,7%). Investimentos chine-ses aportaram ainda no Brasil por vias indiretas,sobretudo por meio de empresas chinesas pre-sentes em Hong Kong, Macau ou em “paraísosfiscais”. Houve ainda investimentos chineses fei-tos no Brasil por meio de financiamento nacionalou por bancos de fomento como o Banco Nacio-

nal de Desenvolvimento Econômico e Social(Bndes), mas registrados como investimento lo-cal (idem, p. 59).

Nos últimos anos, diversas empresas chine-sas instalaram-se no Pólo Industrial de Manaus(PIM), concentrando seus investimentos nos se-tores eletroeletrônico (84% dos investimentos to-tais de empresas chinesas no PIM) e duas rodas(11%). Até o ano de 2006, foram investidos R$396 milhões nessa região. A título de exemplo,durante a segunda visita oficial do Presidente Lulaa Pequim, foi assinado acordo de investimentoentre a empresa brasileira CR Motors e a chine-sa Zongshen Industrie Group, no valor de US$80 milhões. Com esses recursos, a nova compa-nhia binacional (50% de capital brasileiro e 50%de capital chinês) deverá produzir no Pólo In-dustrial de Manaus, a partir de agosto de 2009,motocicletas, motores de popa e motores estaci-onários (CHINESA DESEMBARCA EMMANAUS, 2009).

Em outras regiões do Brasil, ganharam desta-que projetos nos setores de telecomunicações, si-derurgia e mineração. Em 2007, foi aprovada aparceria entre a chinesa Baosteel e a CompanhiaBrasileira Vale do Rio Doce, direcionada à cons-trução de usina siderúrgica no Espírito Santo paraprodução de placas de aço, com capacidade inici-al de 5 milhões de toneladas anuais. A parceria,que constituiu a Companhia Siderúrgica Vitória(CSV) e prevê investimentos de US$ 5,5 bilhões egeração de três mil empregos diretos quando emoperação, será construída no pólo industrial e deserviços de Anchieta, no Espírito Santo. No inícioda construção da usina, a CVRD terá participaçãode 20% e a Baosteel de até 80% (BRASIL, 2008, p.59; COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009).

Para a produção de coque metalúrgico na Chi-na, a CVRD contou com a colaboração daShandong Yankuang International Coking Co. Ltd.A empresa de joint venture é fruto da parceriaentre a Vale, a produtora de carvão chinesaYankuang Group Co, Ltd. e a trading companydo Japão Itochu. A planta industrial da empresa,na província de Shandong, tem capacidade anualde produção de dois milhões de toneladas de coquee 200 mil toneladas de metanol como subproduto.O investimento da CVRD é de aproximadamenteUS$ 27 milhões, ou 25% do capital total. A pro-dução de coque foi iniciada em 2006 e a de metanolem 2007.

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Em 2005, a Vale adquiriu uma participação de25% na Henan Longyu Energy Resources Ltd.(Longyu), localizada na província de Henan, paraa produção de seis milhões de toneladas de car-vão em parceria com as empresas chinesasYongcheng Corporation Ltda (51%), Baosteel(13%) e acionistas minoritários (11%). A empre-sa produziu, em 2006, 5,4 milhões de toneladasde antracito usado na siderurgia, indústria quími-ca e produção de energia.

No segundo semestre de 2009, o Banco daChina – que contava, no final de 2008, com cercade 800 sucursais em 29 países e regiões – abriusua primeira sucursal no Brasil. O Banco da Chi-na, que já possuía um escritório de representaçãono Brasil desde o final da década de 1990, buscouproporcionar diversos tipos de serviços financei-ros às companhias chinesas no Brasil e às empre-sas brasileiras que desejassem fazer negócios naChina. O capital inicial da instituição foi estimadoem US$ 100 milhões, com possibilidade de ex-pansão do volume, em função da demanda dasempresas e da disponibilidade de recursos da ma-triz (WARTH, 2009).

V.3. A cooperação bilateral

O Programa de Construção de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers), lança-do em 1988, representa, atualmente, não apenas omaior projeto de cooperação conjunta na área deciência e tecnologia entre o Brasil e a China, mastambém entre todos os países em desenvolvimen-to. Durante a primeira década do século XXI, se-gundo os então ministros das Relações Exteriores,Celso Amorim, e da Ciência e Tecnologia, SérgioRezende, o Programa Cbers permitiu alcançar di-versos objetivos: i) quebrar o monopólio das gran-des potências na produção e uso de imagens adqui-ridas por satélites; ii) obter conhecimento na áreade sensoriamento remoto a baixo custo; iii) pro-mover o desenvolvimento sustentável por meio douso de tecnologia de ponta da área espacial.

Brasil e China já lançaram três satélites, osCbers-1 (1999), Cbers-2 (2003) e Cbers-2B(2007) e pretendem ainda lançar os Cbers-3 e 4em 2011 e 2014, respectivamente. Desde 2004, oBrasil forneceu gratuitamente, pela internet, maisde meio milhão de imagens para cerca de 20 milusuários, tornando-se o maior distribuidor de ima-gens de satélite do mundo. A China também se-guiu o mesmo caminho, tendo distribuído, até omomento, mais de 200 mil imagens do satélite

Cbers-2. A partir de 2007, Brasil e China passa-ram a fornecer imagens do Cbers também aospaíses africanos.

A cooperação da China com a Empresa Brasi-leira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tam-bém adquiriu bastante intensidade. Em geral, du-rante visitas ao Brasil, grupos de pesquisadoreschineses participaram, por exemplo, de seminári-os sobre tecnologias agropecuárias e visitaramcampos experimentais da Empresa. A cooperaçãotécnica entre Brasil e China para a produção deálcool a partir de mandioca, em particular, deverápromover avanços na utilização das variedadesmutantes de mandioca na produção de etanol.Enquanto o Brasil possui um piloto do genomafuncional e melhoramento convencional em de-senvolvimento na parceria entre a Embrapa Re-cursos Genéticos e Biotecnologia e a EmbrapaCerrados, “os chineses detêm uma técnicagenômica de alta escala que aumenta a eficiênciana obtenção e sistema de análises do genoma denatureza equivalente da mandioca e em popula-ções, como é o caso das variedades de mandio-cas açucaradas” (AGROSOFT BRASIL, 2008).

Pelo momento, além da troca de informaçõese participação chinesa em pesquisas brasileiras naprodução de etanol, há também pesquisas con-juntas agropecuárias, especialmente na área demelhoramento genético, envolvendo produtoscomo cogumelo, soja, algodão e fruticultura declima temperado.

Para a Embrapa, Brasil e China encontram-seem estágio de desenvolvimento científico similarem diversas áreas, o que, na prática, pode tradu-zir-se em ganhos para a pesquisa agropecuária deambos os países. Assim, no médio prazo, visamos parceiros construir bases para o intercâmbiopermanente e contínuo de pesquisa agropecuária.

VI. PERSPECTIVAS PARA A PARCERIASINOBRASILEIRA NO SÉCULO XXI: CON-SIDERAÇÕES FINAIS

Ao final da primeira década do século XXI,não restam dúvidas de que o crescimento chinêspropiciou a abertura de diversos negócios para ossul-americanos, sobretudo nas áreas de energia,minérios e produtos agropecuários. Os investimen-tos chineses no Brasil nessas áreas, em especial,tornaram-se cada vez mais numerosos e diversi-ficados, mesmo quando desenvolvidos sobre ba-ses aquém do esperado ou anunciado. Em 2010,

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O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

a China foi o principal mercado para as exporta-ções brasileiras e o principal investidor no Brasil.Enquanto as exportações atingiram US$ 30 bilhões,as importações elevaram-se a US$ 26 bilhões(AMARAL, 2011).

Porém, e apesar dos avanços nas relações sino-brasileiras, particularmente durante a primeira dé-cada do século XXI, diversos pontos frágeis sub-sistiram na condução das relações bilaterais, sus-citando reflexões por parte de estudiosos e atoresdiretamente envolvidos em tais relações.

Assim, em primeiro lugar, mesmo na presençade elevado número de acordos assinados entre osdois países, tratando das mais diversas áreas etemas, faltaram à relação bilateral planejamentosconjuntos voltados para a programação e execu-ção de metas comuns. É certo que algumas ferra-mentas de gestão foram criadas recentemente, aexemplo da Agenda China e das reuniões daCosban, principal mecanismo de discussão de te-mas bilaterais, porém com resultados ainda pou-co visíveis. Da parte brasileira, ademais, há aindagrande carência de coordenação entre os diferen-tes órgãos governamentais e destes com setoresempresariais com vistas, sobretudo, a fortalecerposições e priorizar determinadas ações.

Em segundo lugar, e apesar do aumento dacorrente comercial entre os dois países, há co-nhecimento mútuo insuficiente nessa área, difi-cultando a ampliação da cooperação internacionale da pauta comercial entre ambos. A distância lin-güística e a incompreensão cultural são apenasdois dos mais evidentes obstáculos ainda não su-perados entre Brasil e China. A qualidade do inter-câmbio comercial, por sua vez, não foi conside-rada satisfatória, sendo que, em 2009, os produ-tos básicos representaram 77% das exportaçõese os produtos industrializados, 95% das importa-ções. Para o Presidente do Conselho EmpresarialBrasil-China, Sérgio Amaral (2011), as responsa-bilidades para tal estado de coisas podem ser im-putadas a ambos os países: “É o chamado custoBrasil. Como é possível concorrer com o produtochinês, se a taxa de juros aqui é a mais alta domundo, enquanto a da China é negativa? Quando,entre nós, a carga tributária chega perto de 40%do produto interno bruto (PIB), enquanto a delesestá abaixo de 20%? Se a nossa infra-estrutura édeficiente e a da China, super moderna? Enfim,quando o real está apreciado, enquanto o Yuan estádesvalorizado?” (idem).

Por sua vez, ainda segundo Amaral, as razõespara a redução relativa das exportações industri-ais brasileiras foram igualmente atribuídas a atitu-des chinesas, via práticas de escalada tarifária emdeterminados setores, como o da soja; estabeleci-mento de restrições sanitárias injustificadas, comono caso do frango; preferência dada a parceirosda região, via integração de cadeias produtivas naÁsia; benefícios governamentais dados a empre-sas chinesas, gerando concorrência desleal (idem).

Em terceiro lugar, e com exceção das pesqui-sas conjuntas na área espacial, que culminaramcom o lançamento de três satélites binacionais, háainda diversos projetos a serem explorados con-juntamente, a exemplo das pesquisas nas áreas deenergia e agropecuária.

A visita que a Presidente Dilma Rousseff (cujogoverno iniciou-se em janeiro de 2011) realizou àChina entre os dias 11 e 15 de abril de 2011, mes-mo que modelada por um caráter eminentementeeconômico, buscou, em grande medida, fazer faceaos diversos desafios anteriormente citados. Emlinhas gerais, os objetivos da viagem à China esti-veram concentrados nos seguintes pontos: i) abrirnovas oportunidades de negócios para empresasbrasileiras; ii) ampliar e diversificar o comérciobilateral, em especial com vistas a incluir exporta-ções com maior valor agregado; iii) incentivar arealização de investimentos recíprocos; iv) pro-mover a cooperação bilateral, sobretudo na áreade pesquisa científica, tecnológica e inovação; v)propiciar transferência de tecnologia.

Alguns ganhos imediatos obtidos pelo gover-no Dilma por meio de sua primeira visita oficial àChina podem ser relacionados a seguir: i) abertu-ra de novas oportunidades de negócios para em-presas brasileiras, a exemplo da concessão deautorização para que três empresas brasileiras ven-dam carne suína à China, com estimativa de ven-da de 200 mil toneladas de carne por ano; da ven-da de 20 jatos modelo 190 da Embraer para ascompanhias chinesas CDB Leasing e Hebei Airlines;da instalação do banco chinês Industrial andCommercial Bank of China Ltd. no Brasil, comcapital inicial de US$ 100 milhões, a ser utilizadopor empresas brasileiras e chinesas em suas ativi-dades de comércio exterior; ii) proposta de in-vestimentos chineses em Campinas de US$ 300milhões na construção de um centro de pesquisaem tecnologia, a serem realizados pela empresaHuawei; de investimentos chineses de US$ 300

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milhões na cidade de Barreiras (BA) para a im-plantação de uma fábrica de processamento desoja; de investimentos chineses também de U$ 300milhões em uma planta de produção e equipamen-tos de informação no estado de Goiás; de investi-mentos chineses de US$ 12 bilhões para a cons-trução de uma fábrica de telas numéricas de cris-tal líquido para computadores e tablets (ipad) naZona Franca de Manaus pela empresa Foxconn;de investimentos brasileiros na China para cons-trução de uma linha de produção de jatos executi-vos Legacy 600/650; iii) promoção de coopera-ção bilateral na área de inovação por meio da cri-ação do Centro China-Brasil de Mudança Climáti-ca e Tecnologias Inovadoras em Energia na Uni-versidade de Tsinghua de Pequim, vinculada àUniversidade Federal do Rio de Janeiro. O centrotambém deverá permitir o desenvolvimento deprojetos bilaterais em energia eólica e biodiesel coma Academia de Ciências da China

Nos discursos que proferiu durante sua visitaà China, a Presidente Rousseff destacou o inte-resse brasileiro em elevar as relações bilaterais aum novo patamar, pautado não apenas por gran-des saldos comerciais, mas principalmente porinvestimentos, pesquisas, produção ecomercialização de bens de alta qualidade (SALEK,2011). No comunicado conjunto assinado pelosdois países ao final da visita, foi expresso de ma-neira clara o interesse brasileiro em construir umaagenda de maior qualidade para o comércio bila-teral, tendo a parte chinesa manifestado disposi-ção em incentivar suas empresas a ampliar a im-portação de produtos de maior valor agregado doBrasil, assim como a investir na indústria de alta

tecnologia, juntamente com seus sócios brasilei-ros.

Percebe-se que, devido aos constantes e cres-centes desequilíbrios no comércio com Pequim ede dificuldades em realizar investimentos e inserirprodutos de alto valor agregado no mercado chi-nês, a postura brasileira tornou-se, nos últimosanos, mais crítica e exigente. Ademais, a partir daviagem à China, a Presidente Dilma passou a afir-mar que, apesar de a China ser um parceiro-cha-ve nas relações internacionais do Brasil, serão in-centivados no futuro próximo apenas as opera-ções pautadas pela reciprocidade e que levem auma maior simetria entre os dois países.

No futuro próximo, as relações sino-brasilei-ras dependerão, em grande medida, não apenasde conjunturas econômicas favoráveis, mas so-bretudo de boas escolhas técnicas e políticas. Emparticular, o Brasil terá como grande desafio nãoapenas dotar-se de uma estratégia clara para lidarcom a China, mas, em especial, superar seus en-traves estruturais internos, considerados funda-mentais para que assuma uma atitude muito maisproativa em face à China. A superação de taisimpasses serão fundamentais para que as relaçõesBrasil-China alcancem uma maior simetria no fu-turo próximo.

É certo que, ao iniciar-se a segunda década donovo século, a China transformou-se em parceiroimprescindível para o Brasil. Cabe saber se, nospróximos anos, Brasil e China serão capazes detransformar a parceria estratégica em instrumen-to gerador de benefícios mútuos, baseado na maisampla reciprocidade.

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Danielly Silva Ramos Becard ([email protected]) é Doutora em Relações Internacionais pela Uni-versidade de Brasília (UnB) e Professora de Relações Internacionais na mesma universidade.

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O QUE ESPERAR DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA?

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011ABSTRACTS

BRAZIL AND CHINA IN THE NEW WORLD ORDER

André Moreira Cunha

China’s rise to the role of global economic and political power has been at the center of recentacademic and political debates. In this paper we analyze the impact that this has had on Brazil. Welook at bi-lateral trade and standards of cyclical convergence for the two economies, considering abroader analysis of the foreign competitiveness of the Brazilian economy. On this basis, we seek tomap out the impact that China’s rise to the position of global power may have on Brazil. We placeemphasis on economic dimensions, international trade in particular. Our premises conceive of theprocess of growth and internationalization of the Chinese economy as generating a stimulus capableof influencing the potentials of Brazilian development over the next few decades. Our arguments fallinto three sections: (i) an attempt at presenting a panoramic view of Chinese ascendance, against thebackdrop of the dynamics of “major divergence”; (ii) an overview of the current situation of theChinese economy; (iii) analysis of the effects of its increasing internationalization on the worldeconomy, with emphasis on the specific cases of South America and Brazil. We conclude by exploringsome of the normative implications of our results.

KEYWORDS: Brazil; China; World Trade; Business Cycles.

* * *

BRAZIL-CHINA RELATIONS: WHAT SHOULD WE EXPECT?

Danielly Silva Ramos Becard

This article looks at recent relations established between Brazil and the People’s Republic of China(PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challengesthat remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the lasttwo decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have movedahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growinginterdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely becauseof (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution ofSino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify asfollows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii)crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations,(iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations(2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening andglobalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China,on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilianforeign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative,developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive tointernationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus wideningthe logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.

KEYWORDS: China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011RESUMÉS

LA CHINE ET LE BRÉSIL DANS LE NOUVEL ORDRE INTERNATIONAL

André Moreira Cunha

L’ascension chinoise à la condition de puissance économique et politique à l’échelle mondiale, estdans le centre des débats académiques et politiques. Dans ce travail, nous analysons quelques impactsde cet événement important, au Brésil. Nous vérifions le commerce bilatéral et les modèles deconvergence cyclique entre les deux économies, en considérant une analyse plus large de la compétitivitéextérieure de l’économie brésilienne. A partir de ce contexte, on vise à établir quelques uns des impactspossibles de l’ascension de la Chine à la condition de puissance mondiale, sur le Brésil. L’accent est missur la dimension économique, spécialement le commerce international. On part de la perspective selonlaquelle, le processus de croissance et internationalisation de l’économie chinoise produit des stimulationscapables de rendre possible le développement brésilien dans les prochaines décennies. Les argumentssont structurés en trois sections : (i) on cherche à représenter une vision panoramique de l’ascensionchinoise, en prennant comme contexte la dynamique de la « grande divergence » ; (ii) on fait un résuméde la situation contemporaine de l’économie chinoise ; et (iii) on fait l’analyse des effets de la croissanteinternationalisation chinoise sur l’économie mondiale, en soulignant les cas de l’Amérique du Sud et duBrésil. Nous concluons en vérifiant quelques implications normatives de nos résultats.

MOTS-CLÉS: le Brésil ; la Chine ; le commerce international ; les cycles d’affaires.

* * *

QUE DEVONS-NOUS ATTENDRE DES RELATIONS ENTRE LE BRÉSIL ET LA CHINE?

Danielly Silva Ramos Becard

L’article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de LaChine (RPC). L’objectif, c’est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans lesrelations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant lesdernières décénnies (1990-2010). On utilise l’hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésilet la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d’une plusgrande liberté d’action promue par l’interdépendance croissante du système international ; malgréles limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii)au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l’hypothèse,l’évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les troispremières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement desrelations (1949-1974), à (ii) l’établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crisedes relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennesont été présentées ; (iv) l’établissement d’un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturationdes relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu’à aujourd’hui). Nous concluonsque, d’un côté, les processus d’ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permisun resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d’un autre côté, les crises de légitimité chinoisedans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit àdes fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politiqueextérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée àl’exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, laChine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistiquede sa politique extérieure et la recherche d’opportunités déjà au début des années 2000.

Mots-clés : la Chine ; le Brésil ; les relations bilatérales ; les relations économiques et commerciales.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 45-56 NOV. 2011

RESUMO

A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEUEFEITO GRAVITACIONAL

Recebido em 13 de junho de 2011.Aprovado em 13 de julho de 2011.

Diego Pautasso

I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discutircomo a formação de uma economia continentalna China tem se transformado em um fator deprojeção desse país no sistema internacional. Nãose trata de esgotar o multifacetado processo dedesenvolvimento da economia chinesa1, mas deanalisar como isso afeta o peso relativo do país esua estratégia em um mundo em transformação.O argumento central sugerido neste artigo é queo desenvolvimento da economia continental e aampliação da capacidade econômica tornam-seum instrumento da política externa chinesa. Emoutras palavras, a China tende a criar um forteefeito gravitacional em escala global e utilizar-se disso como parte de sua estratégia interna-cional.

O intuito é problematizar com análises recor-rentes sobre o processo de desenvolvimento e deinserção internacional da China. Por um lado, aque-las que (GILPIN, 2004, p. 377) descreveram aeconomia chinesa como “oca”, ou seja, dependen-te dominantemente de investimentos e empresasestrangeiras, no qual o país ocupar-se-ia apenasdas etapas mais simples das cadeias produtivas.Por outro, aquelas que (MEARSHEIMER, 2006)definiram a inserção chinesa como desestabilizadorae, por isso, propensa à guerra e avessa à coopera-ção internacional.

Para tanto, o trabalho foi organizado da seguin-te forma: na primeira parte, discorremos sobre aevolução recente do desenvolvimento chinês,centrando foco nos desafios da formação de umaeconomia de dimensões continentais; na segunda,abordamos como o incremento da capacidade eco-nômica chinesa implica um crescente efeitogravitacional do país em escala global; por fim, ar-gumentamos que a diplomacia da China utiliza-sedessas prerrogativas (capacidade econômica) paradesencadear uma estratégia internacional que per-mita ao país, nesse quadro de transição sistêmica,ampliar seu espaço de atuação internacional bus-cando as linhas de menor resistência.

1 Na interessante tese intitulada “Projeto nacional, desen-volvimento e socialismo de mercado na China de hoje”,Elias Jabbour (2010) ocupa-se de esmiuçar diversos aspec-tos do desenvolvimento chinês, passando pela relação mer-cado-Estado, pela diversidade das estruturas produtivasdo país, pelo papel do sistema financeiro, pelas mudançasno espaço agrário, pelos desafios ambientais e pela proble-mática questão regional.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 45-56, nov. 2011

O presente artigo aborda o desenvolvimento nacional e a inserção internacional da China. O objetivo é discutir como aformação de uma economia continental na China tem se transformado num fator de projeção desse país no sistemainternacional, analisando como a formação de uma economia continental produz uma espécie de efeito gravitacionalfavorecendo a formulação da estratégia internacional chinesa nesta conjuntura de transição sistêmica. O artigo desenvol-ve-se discutindo com análises recorrentes sobre o processo de desenvolvimento e de inserção da internacional da China.O argumento central defendido no artigo é que o desenvolvimento da economia continental e a ampliação da capacidadeeconômica tornam-se um instrumento da política externa chinesa. Em outras palavras, a China tende a criar um forte efeitogravitacional em escala global e utilizar-se disso como parte de sua estratégia internacional. O artigo organiza-se daseguinte forma: na primeira parte, discorremos sobre a evolução recente do desenvolvimento chinês, centrando foco nosdesafios da formação de uma economia de dimensões continentais; na segunda, abordamos como o incremento dacapacidade econômica chinesa implica num crescente efeito gravitacional do país em escala global; por fim, argumenta-mos que a diplomacia da China utiliza-se dessas prerrogativas (capacidade econômica) para desencadear uma estratégiainternacional que permita ao país, nesse quadro de transição sistêmica, ampliar seu espaço de atuação internacionalbuscando as linhas de menor resistência.

PALAVRAS-CHAVE: China; economia continental; efeito gravitacional.

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A ECONOMIA CONTINENTAL CHINESA E SEU EFEITO GRAVITACIONAL

II. DESENVOLVIMENTO CHINÊS E A FORMA-ÇÃO DA ECONOMIA CONTINENTAL

O desenvolvimento da China é parte de um com-plexo processo de superação dos percalços decor-rentes do Século de Humilhações (1839-1949). ARevolução Chinesa de 1949 lançou as bases de umatortuosa reconstrução nacional direcionada à reor-ganização política, à reconstituição da integridadeterritorial e à promoção do desenvolvimento e daintegração da economia sob a liderança do PartidoComunista Chinês (PCCh). A superação do atraso,da vulnerabilidade internacional e da fragmentaçãoterritorial têm sido objetivos centrais das liderançasnacionais ao longo do século XX, com momentoscruciais de conflitos e de correção de rumos em1911, com a proclamação da República, em 1949,com a Revolução, e em 1978, com as reformas.

Como afirma Jabbour , “o desenvolvimento éo ponto de fusão entre o socialismo com caracte-rísticas chinesas e o próprio projeto nacional chi-nês” (JABBOUR, 2010, p. 117). Nesse sentido,não há dúvidas de que a política de Reforma eAbertura (1978) conseguiu corrigir os rumos einaugurar o sólido processo de desenvolvimentoque se estende até a atualidade2. Essa política es-teve voltada à superação tanto de vulnerabilidadesherdadas do Século de Humilhações quanto deconcepções decorrentes da experimentação dasprimeiras décadas de gestão do PCCh, em espe-cial o conturbado período da Revolução Cultural.

O governo chinês teve de apreender com asdificuldades soviéticas e com o dinamismo regio-nal asiático (Japão e tigres asiáticos), assim comoresistir às instabilidades domésticas e internacio-nais do final do século XX: a repressão na Praça daPaz Celestial (1989), a desintegração da União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (1991),o militarismo dos Estados Unidos da América (EUA)na Guerra do Golfo (1991), o veto norte-america-no ao ingresso chinês na Organização Mundial doComércio (OMC), a venda de armas a Taiwan, asprovocações em relação ao Tibet, o bombardeio daOrganização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)à embaixada chinesa em Belgrado (1999), as dis-putas territoriais no Mar da China, a crise financei-ra de 1997 etc. De todo modo, no 3º Pleno do XIV

Comitê Central, em 1993, Deng conseguiu resta-belecer a coesão política, consolidar a direção dasreformas e enfrentar tais instabilidades.

Em razão também da conjuntura adversa, asreformas chinesas foram cautelosas, fortalecendoos instrumentos de planejamento do Estado e esta-belecendo experiências próprias, com umgradualismo distinto da de outros países3 e sem aadoção de políticas liberalizantes tão em voga a partirdos anos 1980. Como destaca Medeiros (1999, p.398-399), as reformas redefiniram a relação entreplanejamento e mercado, promovendo as exporta-ções e protegendo o mercado interno; reformandoempresas e estimulando estatais; combinando pre-ços de mercado com outros regulados etc. Ou seja,a obsessiva busca pela modernização deu-se com aampliação das capacidades estatais e com umaintegração seletiva ao sistema internacional.

O grande desafio do desenvolvimento chinêstem dependido da formação da economia continentale, por isso, de três eixos principais: a integridadeterritorial, a integração física do espaço nacional ea promoção do mercado interno. O primeiro eixo éo desafio do governo chinês de preservar a integri-dade territorial de cerca de 9,5 milhões km², supe-rando vulnerabilidades que remontam ao séculoXIX. Nesse contexto, a China esteve à beira de sercompletamente fragmentada territorialmente, sobdomínio estrangeiro e dos senhores de guerras(SPENCE, 1995, p. 141, 169, 235) e imerso emconvulsões sociais, corrupção política e desorga-nização da economia nacional. Daí o objetivo daNova China (1949) em perseguir a unidadeterritorial, evitando ameaças separatistas no Xinjiange no Tibete e recuperando a ilha de Taiwan, depoisda retomada de Hong Kong (1997) e Macau (1999).

O segundo eixo é a integração física do espa-ço nacional, essencial para superar o isolamentoregional-local de uma sociedade com históricocamponês-feudal; enfrentar as desigualdades re-

2 Para uma visão panorâmica da história recente das rela-ções internacionais da China e da Ásia do Leste, ver Vizentinie Rodrigues (2000).

3 Tanto nos países que abandonaram o socialismo real(Bloco Soviético) quanto em países em desenvolvimento(Brasil, Argentina, México etc.), a adoção dos ajustesneoliberais orientados pelo Consenso de Washington e pe-los organismos multilaterais (Banco Mundial e FundoMonetário Internacional (FMI)) tiveram efeitos trágicoscomo estagnação e/ou declínio da economia. Para uma críti-ca do neoliberalismo, sugere-se Chang (2009). Já para umacomparação entre a trajetória soviético-russa com a chine-sa em relação ao ritmo e enfoque das reformas, cabe lerMedeiros (2008).

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gionais e sociais já herdadas do período anterior àrevolução e aprofundadas com o início da moder-nização e debelar as ameaças separatistas de regi-ões interioranas, em especial as de minorias não-han. Em outras palavras, o governo chinês precisaintegrar territorialmente aquilo que Khanna (2008,p. 387) chama de “as quatro Chinas” nucleadaspor Pequim (Nordeste), por Shanghai (Sudeste),pelo Tibete (Sudoeste) e pelo Xinjiang (Noroeste).

Com efeito, os investimentos públicos em obrasde infraestrutura e as políticas para interiorizar odesenvolvimento têm sido fundamentais, apesarde eventuais resistências das elites ligadas às pro-víncias mais desenvolvidas (litorâneas). No en-tanto, depois da crise financeira asiática de 1997,ficou evidente para o governo chinês a necessida-de e as potencialidades do mercado doméstico faceàs instabilidades da economia internacional. Emrazão disso, em 1999 foi criado o projeto GrandeDesenvolvimento do Oeste, com vistas a reduziras desigualdades regionais e integrar a economianacional, sobretudo com investimentos nas pro-víncias mais longínquas e pobres. Outro exemplodos objetivos do governo chinês para interiorizaro desenvolvimento foi a elevação, em 1997, deChongqing à condição de municipalidade direta-mente administrada pelo governo central, com omesmo status de Pequim, Tianjin e Shanghai. Tudoisso visando transformá-la em um centro daintegração territorial do país, aproveitando-se dopapel do rio Yang-Tsé como hidrovia e centro ge-rador de energia (Três Gargantas) que a conectaa Shanghai4. A metrópole, com quase 33 milhõesde habitantes, é reflexo da prioridade dada à mo-dernização e à integração do espaço nacional. Ofato é que, como aponta o relatório da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU)5, os volumosos

investimentos públicos têm contribuído para di-namizar tais regiões6 e diminuir as disparidadessociais.

O terceiro eixo está relacionado com o desen-volvimento e o fortalecimento do mercado inter-no. Na China da atualidade, o desafio central éenfrentar os desníveis sociais e regionais decor-rentes de uma formação complexa em que convi-ve a economia natural de subsistência, a pequenaprodução mercantil, a indústria rural privada ecoletiva (empresas de Cantão e Povoado), o capi-talismo privado e de Estado e o socialismo(JABBOUR, 2010, p. 143-144). A transformaçãoocorre a partir da decomposição da economia na-tural (autoconsumo e/ou não monetária) por meiode dois vetores fundamentais: de um lado, a espe-cialização da agricultura, a ampliação da produçãode bens agrícolas para a cidade e oaprofundamento da integração com o mercado e,de outro, o êxodo rural e o emprego nos setoresindustriais e de serviços. Como conseqüência, aurbanização provoca o aumento da procura porbens agrícolas e o ganho de produtividade agrí-cola, uma vez que há a substituição do fator tra-balho pelo fator capital, expresso, sobretudo, emnovas tecnologias (RANGEL, 2005, p. 165-167 ep. 185). Cabe ilustrar que na China, nas últimasduas décadas, a melhora das condições técnicas,como a elevação no número de tratores por 100km² de 66 para quase 300, gerou a ampliação de125% na produção de alimentos mesmo com odeclínio de 824 para 740 milhões de habitantesrurais (WORLD BANK, 2011).

No caso chinês, a grande abundância de mãode obra gerada pela decomposição da economianatural não tem sido impeditivo aos elevados in-vestimento em capital fixo e tampouco ao cres-cente aumento de salários, em grande medida de-vido às ações voltadas à ampliação da demandaexterna que garantem o ritmo acelerado de mo-dernização. Na verdade, as altas taxas de cresci-mento, a urbanização e a elevação salarial médiatêm gerado o adensamento do mercado interno,produzindo a necessidade de serviços e produtosque antes não eram colocados no âmbito da eco-nomia natural. É o caso, por exemplo, de apare-lhos e serviços urbanos, como abastecimento deágua, transporte coletivo, iluminação pública (e

4 Para ilustrar, seria um processo similar ao pensado paraBrasília, que serviria de núcleo de conexão com as áreasinterioranas, como o Centro-Oeste e o Norte do Brasil.Não difere muito também do caso de Chicago, nos EUA,que se transformou, na segunda metade do século XIX, nocentro dinâmico do meio-oeste e “ponte” para unificaçãonacional com o Oeste norte-americano. Para informaçõessobre Chongqing, ver o site oficial (CHONGQUINGMUNICIPAL GOVERNMENT, 2011).5 Segundo o relatório Economia e Sociedade da Ásia ePacífico 2008, o desenvolvimento do Oeste da China temsido expressivo, com redução da distância do Produto Inter-no Bruto (PIB) per capita entre o Leste e o Oeste do país,aumento do investimento em infraestrutura e elevação dopadrão de consumo. Ver China Radio Internacional (2008).

6 Recomenda-se a leitura do livro The Economy of Tibet(LI, 2008).

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privada), atendimento de saúde, redes de escolasetc., bem como de bens industriais que antes eramprodutos de autoconsumo, como alimentação eprodutos têxteis. Para ilustrar, entre 1990 e 2010,o consumo de energia per capita foi de 511 paramais de 2 800 kW/h e a quantidade de usuários deinternet e de celular foi de zero para 30% e quase60%, respectivamente (idem).

A ampliação do mercado interno de 35% para55% do PIB foi, inclusive, uma determinação do12º Plano Quinquenal (PQ) (2011-2015). No mes-mo sentido, o 12º PQ prevê a estruturação de umsistema de seguridade social e um conjunto depolíticas sociais para melhorar o padrão de vida,reduzindo os problemas da distribuição de rendae, por sua vez, conferindo mais estabilidade polí-tica ao país. Com efeito, os programas sociaistenderão a liberar parte da elevada poupança parao consumo o que, juntamente com a meta de im-plantação de um sistema de salário mínimo e deampliação de seu poder de compra, deverão for-talecer sobremaneira a economia chinesa(CHINESE GOVERNMENT, 2011). O alargamen-to do mercado interno nas últimas duas décadaspode ser mensurado pela elevação do PIB per capitaem poder de paridade de compra de 800 para maisde sete mil dólares e pelo crescimento da popula-ção urbana de 311 para quase 600 milhões de ha-bitantes urbanos, sendo que saltou de 9% paraquase 18% vivendo em cidades com mais de ummilhão de habitantes (idem).

Enfim, as reformas colocaram em outro pata-mar o desenvolvimento chinês, aproximando o paísdo grande desafio de formar uma economia con-tinental em sintonia com a Terceira Revolução In-dustrial (OLIVEIRA, 1998, p. 5)7. Mesmo comuma renda per capita baixa, a China já se conver-teu em uma locomotiva da economia mundial, nacondição de maior exportador (2009) e segundomaior PIB (2010) do mundo8. No médio prazo,

como o PIB chinês está artificialmente reduzidoem dólares em razão da desvalorização da moeda,a tendência é que a valorização cambial amplie oPIB nominal do país (juntamente com sua capaci-dade financeira) sem, contudo, comprometer odesempenho do comércio exterior chinês (já quese dará em compasso com a evolução dacompetitividade). Conseqüentemente, a consoli-dação de uma economia continental na China for-talece o mercado interno e amplia o peso da eco-nomia9 sobre a região e o mundo. A elevação dospreços das commodities é apenas a “ponta doiceberg” de um mercado de potencial surpreen-dente.

III. CAPACIDADE ECONÔMICA E EFEITOGRAVITACIONAL

O desenvolvimento da economia continental naChina e o fortalecimento de sua projeção internaci-onal têm se dado de maneira articulada. Na verda-de, a capacidade econômica tem sido um instru-mento fundamental à universalização da políticaexterna chinesa (PAUTASSO, 2009). Da mesmaforma, “é esse grande mercado interno o centro degravidade da dinâmica econômica asiática”(MEDEIROS, 2006, p. 77). Portanto, é possívelsugerir que a capacidade econômica da China criauma espécie de efeito gravitacional que, por suavez, permite à diplomacia chinesa explorar essasvantagens sem ter de confrontar a ordem mundial.

De qualquer forma, o fortalecimento da posi-ção internacional do país oriental tem dependidodo seu planejamento das relações econômicas in-ternacionais. Primeiro, o controle do câmbio empatamares competitivos explicam parte do desem-penho exportador do país. Mais do que a ofertade mão de obra a baixo custo, as condiçõesmacroeconômicas como moeda desvalorizada, cré-dito estatal abundante e taxas de juros baixas são,combinadas a um conjunto de políticas industriais,comerciais e tecnológicas, estímulos governamen-tais à conquista de mercados externos. Some-se aisso a opção comercial agressiva voltada para trans-formar nichos em mercados de massa, obtendoganhos de escala com margens de lucro menores.

7 Segundo Oliveira (1998), a “primeira revolução”, queocorreu com a proclamação da República (1911), esteveassociada à resistência ao imperialismo japonês; a “segun-da revolução”, com a Revolução de 1949, coincidiu com oalinhamento com a URSS e posterior isolamento internaci-onal (1962) e a “terceira revolução”, com as Reformas (1978),articulou-se com o inicial alinhamento com os EUA e, que,obviamente, transformou-se em competição.8 Em 2009, a China exportou mais de US$ 1,2 trilhão dedólares, ultrapassando a Alemanha (CHINAULTRAPASSA A ALEMANHA, 2010) enquanto o PIB

alcançou US$ 5,878 trilhões, superando o do Japão, comUS$ 5,474 trilhões (CHINA SUPERA JAPÃO, 2011).9 Segundo China Radio Internacional (2010), no ano dacrise, 2009, a China representou 50% do crescimento mun-dial. E a perspectiva para os próximos anos é que possacontribuir com um terço do crescimento mundial.

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Segundo, a adoção de uma política de atraçãode investimentos externos diretos (IEDs) por meiode uma eficaz regulação estatal. A criação das Zo-nas Econômicas Especiais (ZEEs) talvez elucidede modo mais claro a concepção das reformas eo papel do planejamento. De quatro ZEEs iniciais(Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen) criadasna primeira metade da década de 1980, as áreasespeciais foram diversificando-se em formatoinstitucional e econômico10 e distribuindo-se peloterritório como polos irradiadores da moderniza-ção. No caso dos investimentos externos diretos,também houve experimentação e regulação11, cri-ando restrições aos investimentos exclusivamen-te estrangeiros e estímulos aos investimentos comgestão conjunta (joint ventures). Ao fomentar jointventures com capitais chineses12, o governo esti-mulava as transferências tecnológicas e de técni-cas de gestão, ao mesmo tempo em quecondicionava a geração de saldos comerciais e pre-servava a capacidade decisória em território naci-onal.

Isso significou que o Estado chinês preservoua prerrogativa política sobre o planejamento eco-nômico e pôde criar mecanismos de internalizaçãoe difusão do desenvolvimento, reduzindo asvulnerabilidades e criando uma estratégia deintegração do país à economia mundial. Diferenteda visão de que a China desenvolvia-se como eco-nomia de enclave, baseada na exportação de bens apartir da absorção de investimentos estrangeiros(GILPIN, 2000, p. 378), a dinâmica do país orien-tal permaneceu fortemente assentada no investi-mento público, na exportação de empresas estataise na expansão doméstica do consumo (MEDEIROS,2006, p. 75). Os dados posteriores às reformas de1978 são ilustrativos (Gráfico 1). Em outras pala-vras, o governo chinês tem sabido explorar os in-vestimentos estrangeiros e o mercado mundial paradotar suas empresas de capacidade de competiçãoglobal; isso explica como a China está a ampliar ograu de agregação de valor das exportações, a pre-sença internacional de suas empresas estatais e ovolume de investimentos no exterior13.

GRÁFICO 1 – CONTRIBUIÇÕES AO CRESCIMENTO DO PIB CHINÊS (%)

FONTE: National Bureau of Statistics of China (2011).

10 Foram criadas as Zonas de Desenvolvimento Econômi-co e Tecnológico; as Zonas Francas; as Zonas de Desenvol-vimento de Indústrias de Alta e Nova Tecnologia; as ZonasFronteiriças de Cooperação Econômica e Zonas deProcessamento de Exportação (KE & JUN, 2004,p. 230-240).11 Os documentos “Regulamento de Orientação do Inves-timento Estrangeiro na China” e “Catálogo Guia de Inves-timento Estrangeiro em Setores Econômicos” definiam se-tores a serem estimulados, admitidos, restringidos e proi-

bidos. Da mesma forma, criavam regras para transferênciade tecnologia, fluxos de capitais, entre outros mecanismos(idem, p. 240-248).12 Cabe salientar que a participação de empresas estran-geiras nas exportações chinesas aparece inflacionada nasestatísticas, pois grande parte destas tem sociedade comcapitais nacionais.13 Recomenda-s a leitura do Comunicado n. 84 do IPEA,“Internacionalização das empresas chinesas: as priorida-des do investimento direto chinês no mundo” (IPEA, 2011).

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Em terceiro lugar, o fortalecimento das reser-vas internacionais do país como forma de proteçãodiante de instabilidades financeira internacionais. Noâmbito doméstico, a capacidade econômica (finan-ceira), formada pelos saldos comerciais, pelas re-servas internacionais e pela poupança, cria as con-dições para uma política de crédito expansiva (in-vestimento e consumo) produzindo taxas altas deformação de capital (47% do PIB) e um mercadointerno dinâmico. No âmbito internacional, a capa-cidade econômica chinesa permitiu ao país tornar-se uma alternativa de comércio, investimento e cré-dito para os países periféricos. Mesmo que a eco-nomia norte-americana preserve a primazia, inclu-indo a condição do dólar de reserva e ativo interna-cionais, os países emergentes romperam com oexclusivismo do Ocidente e de seu sistema deBretton Woods (FMI e Banco Mundial). Basta olhara distribuição das reservas internacionais e os cre-dores dos títulos do Tesouro dos EUA.

Assim, a relação entre a formação da econo-mia continental, o incremento da capacidade eco-nômica e o efeito gravitacional chinês têm se feitosentir de maneira mais evidente na esfera regio-nal, por meio do que denominamos de(re)constituição do sistema sinocêntrico(PAUTASSO, 2011a). É na estruturação de umsistema regional sinocêntrico que se percebe comotal relação explica a estratégia de ascensão daChina, a dinâmica de integração asiática e seusdesdobramentos sobre a transição sistêmica.

O protagonismo da China tem sido percebidoem todas as esferas da dinâmica regional. Na es-fera institucional, a diplomacia chinesa passou aingressar em mecanismos de integração regionais,como Asian-Pacific Economic Cooperation(APEC), Asean+3, Asia-Europe Meeting (ASEM),Fórum de Cooperação América Latina-Ásia doLeste (Focalal), e mesmo a liderar outros proces-sos, como a Organização de Cooperação deShanghai (OCS). Na esfera geográfica, aintegração da economia chinesa tem impulsiona-do a conexão entre a Bacia do Pacífico e a Eurásiapor meio da Ásia Central, com obras deinfraestrutura energética e de transportes e ampli-ação do comércio, dando uma feição moderna àantiga interligação da Rota da Seda. Na esferacomercial, a economia chinesa tornou-se o maiorparceiro comercial da maioria dos países da re-gião, sendo que mais da metade do comércio chi-nês está voltado à Ásia-Pacífico (Gráfico 1). Naesfera política, além de ser membro permanentedo Conselho de Segurança da ONU, a China gozade uma autonomia decisória que outros países daregião não possuem, o que explica a liderança emcontenciosos como na península coreana (Grupodos Seis). Na esfera populacional-cultural, é pre-ciso sublinhar que há uma histórica presença depopulações chinesas na Ásia que representam, nãoobstante eventuais tensões, uma rede de negóciose uma influência cultural decisiva, pois estes co-nhecem os sistemas legais, os referenciais de va-lores e o ambiente de negócios14.

GRÁFICO 2 – COMÉRCIO CHINÊS EM 2010 (MILHÕES DE DÓLARES)

Cabe tentar compreender como a reconstituiçãodo sistema sinocêntrico está a sintetizar elemen-tos novos e velhos da região. De um lado, a longatradição do sistema regional asiático baseou-se nabaixa freqüência de guerras entre os estados, nas

14 São cerca de 55 milhões de chineses no Sudeste Asiáticocom recursos financeiros desproporcionais ao seu contin-gente populacional na Malásia, na Tailândia, na Indonésia enas Filipinas, além dos três quartos de população chinesaem Cingapura (ver PINTO, 2000, p. 44).

FONTE: Euromonitor International (2011).

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raras redefinições territoriais15, na ausência decompetição entre si para construir impérios ultra-marinos e no reduzido ímpeto de envolverem-seem corridas armamentistas em comparação como sistema europeu, em que a combinação peculiarentre capitalismo, militarismo e territorialismo criouas condições competitivas para a dominação emescala global (ARRIGHI, 1998, p. 324, 328;FIORI, 2009). Isso explica a razão pela qual odesenvolvimento chinês não revela nem compor-tamento revisionista nem mentalidade expansionista,de modo que a prioridade é a integridade territorialem vez da reprodução do militarismo japonês-ale-mão (GOLDSTEIN, 2003, p. 86)16.

Na atualidade, a integração asiática está basea-da em um sistema hierárquico cujas característi-cas diferem substancialmente do sistemawestphaliano: os estados mais fracos buscam be-nefícios em vez do balanceamento frente ao maisforte; o Estado central busca minimizar os confli-tos com os países mais fracos, provendo meiospara ajustar-se a circunstâncias imprevistas; a hie-rarquia é sustentada não somente pelo poder mate-rial, mas por normas culturais compartilhadas queservem para mitigar o dilema de segurança e au-mentar o nível de comunicação e confiança entreos estados do sistema; por fim, o Estado centraltem baixo nível de interferência nos assuntos dospaíses mais fracos, respeitando a autonomia naorganização doméstica e nas relações exteriores.Portanto, enquanto o sistema regional asiático con-sidera que há uma hierarquia formal e uma igualda-de informal; no sistema europeu reconhece-se umaigualdade formal entre os países e uma hierarquiainformal que expõe na prática poderes despropor-cionais (KANG, 2003, p. 167-168)17.

Enfim, analisando em perspectiva história, épossível elucidar as mudanças na geografia dopoder na região e a estratégia de inserção interna-cional chinesa. A saída dos EUA do Vietnã permi-tiu à China sua reinserção no mundo e a amplia-ção de sua presença na Ásia. Com o Acordo Plaza,em 1985, a China começou a beneficiar-se doimpulso desenvolvimentista na região, gerado pelosistema de subcontratação e transplante da pontade menor valor agregado do sistema produtivojaponês (ARRIGHI, 1998, p. 110-114). Isso ocor-reu porque, mesmo deslocando outros países pro-dutores de bens de consumo de terceiros merca-dos, a China ampliou muito a sua demanda e, con-seqüentemente, as exportações asiáticas, provo-cando um efeito gravitacional ainda mais notável(MEDEIROS, 2006, p. 81). A crise do milagrejaponês a partir dos anos 1980 e o fim da URSS,em 1991 deslocaram, progressivamente, oepicentro para a China devido ao dinamismo eco-nômico-comercial e ao fim das fraturas ideológi-cas oriundas da bipolaridade e da ruptura sino-soviética.

IV. A ESTRATÉGIA INTERNACIONAL CHINE-SA E A TRANSIÇÃO SISTÊMICA

Da mesma forma que o desenvolvimento daeconomia continental norte-americana moldou ahistória do século XX, consagrando instituiçõesinternacionais a ela associadas, o mesmo proces-so na China também produzirá impacto notávelna ordem mundial em meados do século XXI(JABBOUR, 2010, p. 214). Se a transição sistêmicaem curso e a ascensão chinesa são irrefreáveis,resta, isso sim, acompanhar e compreender comoa ordem mundial vai adaptar-se à China e esta irámoldá-la ao fornecer novas soluções sistêmicas(ARRIGHI & SILVER, 2001, p. 296).

Os contextos de transição sistêmica são ca-racterizados pelo rearranjo de forças no sistemainternacional, o que se desdobra na abertura deespaços para os países emergentes. Ironicamen-te, desde a década de 1970, em especial após aGuerra Fria, a máxima expansão sistêmica dosEUA coincidiu com a intensificação da competi-ção entre suas unidades, reflexo da multiplicaçãode estados soberanos, posterior à descolonizaçãoafro-asiática, e da ascensão de novos polos de

15 Conforme Kang (2003, p. 170), em 1500 a Europapossuía cerca de 500 unidades territoriais, já em 1900, cer-ca de 20. O mapa europeu mudou sensivelmente nos perí-odos do Entre Guerras, da Guerra Fria e depois dela, com osurgimento e o desaparecimento de países e impérios. Nocaso da Ásia, os ciclos de violência explicam-se, em parte,em razão da diluição do sistema hierárquico e na conversão“realista” de países como o Japão.16 Conforme Goldsten (2003, p. 86), a China tem adotadouma estratégia neobismarckiana voltada à realização de seusinteresses e com baixo grau de tensionamento; o que nãosugere a inexistência de riscos internacionais, sobretudo.17 O sistema hierárquico da região elucida, por exemplo,as razões pelas quais (i) os países asiáticos reagem de ma-neira diferente à dos EUA na questão de Taiwan (inclusive

o Japão) e (ii) países como Vietnã e Coréia do Norte acei-tam a posição central da China na região (ver KANG, 2003).

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poder, com destaque para a Ásia e a China (FIORI,MEDEIROS & SERRANO, 2008, p. 24, 66). Acrescente competição interempresarial einterestatal é parte da transição sistêmica, eviden-te na readequação das bases territoriais de acu-mulação do capital, na formação de novos arran-jos político-diplomáticos entre os espaços globale nacional e nas transformações sociais decor-rentes de uma ampla reestruturação do capitalis-mo (ARRIGHI & SILVER, 2001, p. 39).

Nesse quadro de reorganização de forças, aChina tem sido mais do que um simples país emdesenvolvimento, mas um típico país emergente,já que está experimentando a ampliação dos re-cursos de poder e da capacidade de contribuir paraa gestão do sistema internacional, ao passo que setorna mais legítimo para desempenhar um papelrelevante na arena internacional (HURRELL, 2009,p. 22). Quer dizer, além da ampliação de suas ca-pacidades materiais, a China tem tido uma inser-ção internacional em escalas regional e global, aomesmo tempo em que se integra plenamente àeconomia mundial e aos organismos multilaterais.Esse maior envolvimento na política e nos negó-cios internacionais vem acompanhado de umamaior autonomia na capacidade de formulação desua estratégia internacional.

Como mais evidente potência emergente, aChina combina ações diplomáticas voltadas à pre-servação da estabilidade e à reforma do sistemainternacional. Isto é, a defesa do status quo per-mite ao país acumular forças e garantir certa se-gurança (hedging) ao passo que busca uma aco-modação à nova realidade internacional (FOOT,2009, p. 125-152). Nesse sentido, a diplomaciachinesa tem estabelecido uma estratégia que com-bina (i) a integração ao sistema internacional, (ii)o envolvimento cada vez mais expressivo com ospaíses do Sul por reformas do sistema e (iii) acondição de líder do espaço regional.

A integração chinesa ao sistema internacionaltem se dado de modo gradual desde a liderança deDeng Xiaoping e, especialmente, após a GuerraFria. Por isso, a China aderiu aos regimes de con-trole de armamentos (Tratado de Não-Prolifera-ção Nuclear; à Convenção de Armamentos Quí-micos; à Convenção de Armamentos Biológicos eao Tratado para a Proibição Completa de TestesNucleares); passou a envolver-se em operaçõesde paz coordenadas pela ONU; apoiou 84% dasresoluções do Conselho de Segurança da ONU,

abstendo-se das demais; realizou concessões subs-tantivas a fim de ingressar na OMC; integrou oBanco Mundial e virou o maior tomador de crédi-tos; assinou pactos voltados à defesa das institui-ções e direitos civis (Pacto Internacional dos Di-reitos Econômicos, Culturais e Sociais, Pacto In-ternacional de Direitos Civis e Políticos), entreoutras ações (idem, p. 24-28).

Isso também revela que a política externa chi-nesa tornou-se crescentemente assertiva e pas-sou a fortalecer sua atuação multilateral desdemeados dos anos 1990. Até então, o ceticismochinês com relação à atuação multilateral devia-seà percepção de que o país sofria nesses fóruns aspressões e as manipulações dos EUA e do Japão.Tal mudança de comportamento representa o ob-jetivo de reduzir as percepções de ameaça e osriscos do isolamento, de diversificar e ampliar ainterdependência com várias regiões do globo ede fortalecer suas forças armadas para desenvol-ver capacidade dissuasória (GOLDSTEIN, 2003,p. 61-85). Apesar da assimetria de poder, as orga-nizações internacionais também poderiam restrin-gir a atuação do Ocidente e dos EUA e equilibrar aordem mundial por meio da aproximação comoutros países do Sul.

A mudança de uma atuação internacional de-fensiva e voltada às relações bilaterais para ummaior ativismo diplomático no âmbito multilateralrevela também outro nível de engajamento da di-plomacia chinesa. Cabe destacar a participação emorganismos internacionais (FMI, Banco Mundiale OMC), o envolvimento em mecanismos deintegração regionais voltados à segurança (OCS)e as ações direcionadas ao combate de ameaçasnão tradicionais (SARS18, terrorismo e tráfico dedrogas) à estabilidade do desenvolvimento chinês(WANG, 2005, p. 159-165).

Paralelamente, o governo chinês atua para li-derar os países do Sul, visando a mudanças e/ouresistência frente assimetrias da ordem mundial.Por isso, a diplomacia da China tem enfatizadotanto a defesa da soberania quanto sua identidadede semicolônia e país subdesenvolvido – emboraseja membro do Conselho de Segurança da ONU,tenha armas nucleares e tenha poder econômicocrescente, incluindo a condição de segundo mai-

18 Severe Acute Respiratory Syndrome (Síndrome Respi-ratória Aguda Severa).

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or PIB mundial (FOOT, 2010, p. 31). O fato éque a China tem buscado um espaço próprio, re-afirmando-se como alternativa ao Ocidente paraos países periféricos, na medida em que defendeum modelo de interação internacional baseado nosganhos mútuos, como são os casos das teses ofi-ciais do “mundo harmonioso” e/ou do Consensode Pequim. Contudo, o desafio dos EUA é que aChina está beneficiando-se tanto da aceitação daspróprias regras formuladas pelo Ocidente(BRESLIN, 2010, p. 55), quanto dos modelos al-ternativos que o país oriental tem proposto.

A política externa chinesa parece ter percebi-do que a cooperação Sul-Sul é cada vez mais umarealidade da diversificação do cenário internacio-nal e uma estratégia para tal. O caso das relaçõessino-africanas é ilustrativo do fortalecimento doeixo Sul-Sul, seja pela evolução da interação eco-nômica (comércio e investimentos), seja pelo in-cremento do diálogo diplomático, como atesta oFórum de Cooperação China-África (PAUTASSO,2010a; 2010b). Enquanto a Europa perdia ímpetoe os EUA priorizavam outras regiões, os paísesemergentes (China, Índia e Brasil) aproveitam asoportunidades que se abriam no continente afri-cano com a virada do século.

Em razão da capacidade limitada de atuar naarena internacional, o espaço regional também re-presentam oportunidade para os países emergen-tes assumirem iniciativas mais ousadas. No casochinês, a região, que até o fim da Guerra Fria erapercebida com desconfiança, passou a represen-tar o foco central do engajamento e da coopera-ção para dirimir ameaças à segurança (isolamen-to, separatismos e epidemias) e impulsionar aintegração econômica regional (BRESLIN, 2010,p. 33-38). A reconstituição de um sistemasinocêntrico revela a reorganização das forças e omaior engajamento chinês na região.

Essas características da integração da Chinaao sistema internacional indicam também que atransição em curso tem particularidades em rela-ção às demais. A ordem mundial constituída apósa II Guerra Mundial, sob liderança dos EUA, pos-sui um sistema de regras e instituições bastantedenso, abrangente e legítimo e, ao mesmo tempo,uma estrutura hierárquica de poder (inclusive nu-clear) muito expressivo. Isso favorece tanto aacomodação quanto limita a subversão da ordemexistente. Com efeito, os EUA não podem impedira ascensão da China, mas podem contribuir para

acomodá-la à nova ordem (IKENBERRY, 2010,p. 71-72, 80). Não interessa, portanto, à Chinasubverter a ordem mundial justamente porque temsido a grande beneficiada do status quo; interessaao país oriental, isso sim, deslocá-la para ocuparuma posição que confira, a um só tempo, segu-rança e protagonismo. Fica evidente o desejo chi-nês de apresentar-se como uma potência coope-rativa, evitando as teses de “ameaça chinesa” e oisolamento proposto pelo Ocidente (sobretudodepois de 1989), ao mesmo tempo em que explo-ra as vantagens que a arena internacional tem pro-piciado.

O desafio chinês é lidar com as incertezas erearranjos de poder que se intensificaram com ofim da Guerra Fria, bem como com uma super-potência (EUA) que tem buscado reafirmar-secomo único poder, expandindo seus domínios in-ternacionais. No campo militar, o expansionismodos EUA deu-se sobre os antigos espaços soviéti-cos ao entorno da nova Rússia, incluindo a ex-pansão da OTAN, a intervenção militar nos Balcãs,as ingerências em países como Ucrânia e Geórgiae a presença na Ásia Central, Paquistão eAfeganistão; a projeção de força sobre o OrienteMédio, com intervenções no Iraque duas vezes ea recente intervenção na Líbia e a ampliação dainfraestrutura militar pelo mundo. No campo eco-nômico, a imposição, via organismos multilate-rais, de seus interesses por meio de agendas eco-nômicas e institucionais de tipo neoliberal fortale-ceu os movimentos sociais de resistência às re-formas impopulares, bem como regimes de cen-tro-esquerda. No campo diplomático, o uso deinstrumentos ideológicos como “intervenção hu-manitária”, “ataque preventivo” e “direito de pro-teger” recrudesceu a arbitrariedade do poder eforçou a criação de articulações de resistência, aopasso que fragilizava as instituições mundiais.

Contudo, as duas últimas décadas não foramapenas de ofensiva diplomático-militar dos EUA,foram também de reestrutura da economia mun-dial, de emergência de novos polos de poder e,por sua vez, formação de novas coalizões e ali-nhamentos internacionais. De um lado, a dificul-dade dos EUA não está somente na China, mas nacapacidade da diplomacia norte-americana em re-novar a liderança sob instituições multilaterais queeles próprios fragilizaram a legitimidade, comoOMC, Conselho de Segurança da ONU, TribunalPenal Internacional, Tratado de Não-ProliferaçãoNuclear, Protocolo de Quioto etc. De outro, a China

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explora essas contradições buscando as linhas demenor resistência para ampliar seu espaço inter-nacional – inclusive por saber que o declínio rela-tivo dos EUA difere de um colapso, uma vez queo país preserva instrumentos de poder cruciais,como primazia militar e financeira19. Em suma, aChina tem se engajado nos organismos multilate-rais e, paralelamente, rejeitado, de maneira enfáti-ca, as tentativas de normatizar o desenvolvimento(câmbio, instituições etc.) e/ou ameaçar a segu-rança (Tibete, Taiwan etc.).

V. CONCLUSÕES

A inserção chinesa é resultado de uma mudan-ça que o país oriental teve de operar na sua estra-tégia internacional para poder viabilizar a corre-ção de rumos no modelo de desenvolvimento na-cional. Não foi apenas mudança de discurso; ogoverno chinês, a partir dos anos 1970, modifi-cou sua diplomacia de maneira substantiva, mes-mo que sem sobresssaltos, para superar o isola-mento internacional e os percalços internos. Istoé, a China explorou novas coalizões e estratégiaspara adequar os desígnios de modernização às al-terações de dinâmica do cenário mundial. A apro-ximação com os EUA nos anos 1970-1980 e ofim da bipolaridade nos anos 1990 exigiu da polí-tica externa chinesa capacidade de reagir a mu-danças drásticas de alianças e de correlação deforças, assim como de disputas internas e de rea-ções internacionais.

A diplomacia chinesa tem, portanto, optadopelo fortalecimento do multilateralismo, por meiodo envolvimento tanto em organismos consagra-dos pela ascendência ocidental quanto em novosmecanismos multilaterais com a região e/ou noâmbito Sul-Sul. A diversificação das alianças e dascoalizões amplia a atuação chinesa no cenário in-ternacional, obtendo instrumentos para promovero desenvolvimento nacional e evitando eventuaistentativas de isolá-la. A estratégia da China com-bina um esforço de desenvolvimento das capaci-dades nacionais e de promoção de novas parceri-as internacionais com um nível de compromissoeconômico e diplomático internacional voltado amaximizar os benefícios de interdependência.

Trata-se de um contexto internacional de ex-pansão competitiva entre os estados, sem, contu-do, formar um único poder global, tampouco eli-minar a importância e o poder das economias na-cionais. E o histórico processo de oligopolizaçãodo poder e da riqueza em escala global (FIORI,2009, p. 173) fortalece as estruturas de poder emdisputa. Isso explica por que se transitou de po-tências no século XIX (Grã-Bretanha e França),para superpotências no século XX (EUA e URSS),e atualmente assistimos a projeção de grandeseconomias nacionais capazes de liderar proces-sos de integração regionais (União das Nações Sul-Americanas (Unasul), OCS, União Européia, Tra-tado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta),Southern African Development Community(SADC), South Asian Association for RegionalCooperation (Saarc)). Embora não seja tarefa fá-cil, é imprescindível decifrar o nexo entre o de-senvolvimento nacional e a estratégia internacio-nal da China e seu impacto em um mundo emtransformação.

Diego Pautasso ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do RioGrande do Sul (Ufrgs) e Professor de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda eMarketing (ESPM).

19 Os EUA ainda possuem ascendência sobre as estrutu-ras hegemônicas de poder nos campos financeiro (FMI,Banco Mundial e dólar), militar (OTAN, Anzus (Australia,New Zealand and United States Treaty) e Seato (SoutheastAsia Treaty Organization)), político (ONU), comercial(OMC) etc.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

THE CHINESE CONTINENTAL ECONOMY AND ITS GRAVITATING EFFECT

Diego Pautasso

The present article looks at national development and China’s international positioning. Our goal isto discuss how the formation of a continental economy in China has become a factor of that country’sprojection within the international system, analyzing how the formation of a continental economyproduces a sort of gravitational effect that favors the formulation of a Chinese international strategywithin this conjuncture of systemic transition. We discuss several recurrent analyses of the China’sdevelopment and international position. Our central arguments is that the development of a conti-nental economy and the widening economic capacity that has accompanied it have become a keyinstrument of Chinese foreign policy. In other words, China tends to have a strong gravitationaleffect at the global level which it uses as part of its international strategy. We organize the text in thefollowing manner: first, we discuss the recent evolution of Chinese development, focusing on thechallenges of forming an economy of continental dimension; second, we look at how growing Chineseeconomic abilities imply an increasing gravitational effect on the country at a global level and finally,we argue that Chinese diplomacy uses these prerogatives (economic capacity) to unleash aninternational strategy that, within this situation of systemic transition, allows the country to widenthe scope of its international performance by searching for the routes of lesser resistance.

KEYWORDS: China; Continental Economy; Gravitational Effects.

* * *

CHINA IN SOUTH AMERICA AND THE GEOPOLITICAL IMPLICATIONS OF THE PACIFICCONSENSUS

Javier Vadell

This article analyzes the political implications of the increasing interdependence of the People’sRepublic of China (PRC) and South American countries. We present data on PRC investment andtrade in the region and highlight several points of diplomatic progress in terms of bi-lateral cooperationfor the 21st century. Our starting point is the issue of whether we face a relationship that couldconstitute a new form of South-South cooperation or whether it is more representative of the typicalNorth-South pattern or system – albeit one with its own peculiarities. We refer to this relationshippattern as Pacific Consensus (PC). Although short term, the China factor may stimulate growth inthe region, it also has different implications for the development of countries with an importantindustrial sector – such as Brazil and Argentina – and those that do not – such as Chile and Peru –which have all signed free trade agreements with the Asiatic giant. We conclude with someconsiderations regarding the consequences that the PC has in terms of Latin American integration.

KEYWORDS: China; South America; Integration, Pacific Consensus.

* * *

THE POLITICS OF CHINESE SPACE COOPERATION: STRATEGIC CONTEXT ANDINTERNATIONAL SCOPE

Marco Cepik

This article explains the People’s Republic of China’s policies of international cooperation for spaceexploration activities. In the first place, given the tri-polar power structure of the international systemand the increasing dependence that all countries have on the use of outer space, we can explainChinese motivation for spatial cooperation as unfolding from the search for security, economicdevelopment and legitimacy. Next, we demonstrate the Chinese spatial program’s current state ofdevelopment, with particular attention to image, navigation, communication and data transmissionsatellites, as well as micro and nanosatellites. Given structural incentives, strategic goals and the

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

L’ECONOMIE CONTINENTALE CHINOISE ET SON EFFET GRAVITATIONNEL

Diego Pautasso

L’article aborde le développement national et l’insertion internationale de la Chine. L’objectif, c’estde discuter comment la formation d’une économie continentale en Chine devient un facteur deprojection de ce pays dans le système international, en analysant la manière dont la formation d’uneéconomie continentale produit une espèce d’effet gravitationnel qui favorise la formulation de lastratégie internationale chinoise dans cette conjoncture de transition systémique. L’article estdéveloppé par la discussion, avec des analyses récurrentes, sur le processus de développement etd’insertion internationale de la Chine. Le principal argument soutenu dans l’article est celui selonlequel, le développement de l’économie continentale et l’agrandissement de la capacité économique,deviennent un instrument de la politique extérieure chinoise. Autrement dit, la Chine tend à créer unfort effet gravitationnel à l’échelle mondiale, et à l’utiliser comme partie de sa stratégie internationale.Voici comment l’article est organisé: dans la première partie, nous examinons l’évolution récente dudéveloppement chinois, en soulignant les défis de la formation d’une économie avec des dimensionscontinentales ; dans la deuxième partie, nous traitons du développement de la capacité chinoise etcomment celle-ci implique un effet gravitationnel croissant du pays à l’échelle mondial ; ultimement,nous argumentons que la diplomatie de la Chine utilise ces prérogatives (la capacité économique), pourdéclencher une stratégie internationale qui permet au pays, dans ce cadre de transition systémique,d’élargir son espace de performance internationale, en cherchant les lignes de moindre résistance.

MOTS-CLÉS: la Chine ; l’économie continentale ; l’effet gravitationnel.

* * *

LA CHINE EN AMÉRIQUE DU SUD ET LES IMPLICATIONS GÉOPOLITIQUES DUCONSENSUS DU PACIFIQUE

Javier Vadell

L’article analyse les implications politiques de la croissante interdépendance économique entre laRépublique Populaire de la Chine (RPC) et les pays de l’Amérique du Sud. Des données sur lecommerce et l’investissement de la RPC dans la sous-région sont présentées, et les progrèsdiplomatiques en matière de coopération bilatéral dans le XXI siècle sont soulignés. Premièrement,nous cherchons à savoir si nous sommes devant un modèle de relation qui pourrait constituer unerelation renouvelée de coopération Sud-Sud, ou bien, un nouveau type de relation Nord-Sud. Selonnotre hypothèse, l’évolution et la dynamique de cette relation ressemblent plutôt à un système ou àun modèle Nord-Sud aves des caractéristiques bien particulières. Nous appelons ce modèle derelation, le Consensus du Pacifique (CP). Malgré que le facteur Chine stimule, à court terme, lacroissance de la sous-région, le CP a des implications différenciées pour le développement des paysqui détiennent un secteur industriel important – ex. Le Brésil et l’Argentine – et ceux qui n’en ontpas – ex. le Chili et le Pérou, qui ont même signé des traités de libre commerce avec le géantasiatique. L’article est conclu avec quelques observations sur les conséquences du CP dans leprocessus d’intégration sud-américaine.

MOTS-CLÉS: la Chine ; l’Amérique du Sud ; l’intégration ; le Consensus du Pacifique.

* * *

LA POLITIQUE DE LA COOPÉRATION SPATIALE CHINOISE : LE CONTEXTESTRATÉGIQUE ET L’ATTEINTE INTERNATIONALE

Marco Cepik

L’article explique les politiques de coopération internationale de la République Populaire de la Chine,liées aux activités dans le domaine spatial. Premièrement, en ayant la structure de pouvoir tripolaire

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 57-79 NOV. 2011

RESUMO

A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕESGEOPOLÍTICAS DO CONSENSO DO PACÍFICO

Recebido em 23 de janeiro de 2011.Aprovado em 23 de fevereiro de 2011.

Javier Vadell1

O artigo analisa as implicações políticas da crescente interdependência econômica entre a República Popular da China(RPC) e os países da América do Sul. Apresentam-se dados sobre o comércio e investimento da RPC na sub-região edestacam-se os avanços diplomáticos em matéria de cooperação bilateral no decorrer do século XXI. Parte-se da questãode se estaríamos perante um padrão de relacionamento que poderia constituir uma renovada relação de cooperação Sul-Sul ou, pelo contrário, um novo tipo de relacionamento Norte-Sul. A nossa hipótese é que a evolução e a dinâmica desserelacionamento se assemelham mais a um sistema ou padrão Norte-Sul com características bem particulares. Denominamosesse padrão de relacionamento de Consenso do Pacífico (CP). Embora no curto prazo o fator China estimule o crescimentoda sub-região, o CP traz implicações diferenciadas para o desenvolvimento dos países que possuem um setor industrialimportante – ex. Brasil e Argentina – e aqueles que não o possuem – ex. Chile e Peru, que inclusive assinaram tratados delivre comércio com o gigante asiático. O artigo conclui com algumas considerações a respeito das conseqüências que o CPtem no processo de integração sul-americana.

PALAVRAS-CHAVE: China; América do Sul; integração; Consenso do Pacífico.

I. INTRODUÇÃO

América do Sul experimentou, de 2002 a 2010,um crescimento econômico destacável, após osmagros resultados das reformas econômicasliberalizantes implementadas nos países da Améri-ca Latina, com maior ou menor radicalidade, nadécada de 1990. O Consenso de Washington (CW),como modelo e programa político de desenvolvi-mento para a América Latina, fracassou em trêspontos fundamentais: em primeiro lugar, nos índi-ces de crescimento e nos indicadores sociais, con-solidando ainda mais a desigualdade social histori-camente presente na região. Em segundo lugar, ofracasso faz-se evidente no colapso institucional efiscal dos estados dos países da região. Aplicandoa receita privatista e de abertura comercial e finan-ceira unilateral, os países endividados da região ecom economias débeis ficaram sem respostas pe-rante a crise de finais da década de 1990, com ain-da poucas opções políticas e dependentes de orga-nizações financeiras internacionais – Fundo Mone-tário Internacional (FMI) e Banco Mundial – para

obter empréstimos. Em terceiro lugar, o fracassodo CW manifesta-se também no plano ideacional.Sustentado pela ideologia liberal (MORAES, 2001;VADELL, 2002; HARVEY, 2008), esse modelo dedesenvolvimento para a América Latina partia dopressuposto que, aplicando o receituário dos dezpontos que Williamson destacou no seu famosoartigo, os países da América Latina iriam finalmen-te não só seguir a trilha correta do capitalismo vito-rioso da Guerra Fria, mas também achar o atalhoque os conduziria para o primeiro mundo de umamaneira mais rápida, embora em certos casos do-lorosa.

Esse modelo mostrou-se não só pífio como utó-pico. O ano 2001 marca, talvez, o momento sim-bólico de ruptura desse processo na América Lati-na. Em termos mais precisos, 2001 é um ano emque aconteceram algumas mudanças políticas eeconômicas no plano global de grande destaque: acrise econômica de 2001 na região é resultado deuma crise do capitalismo global de finais da décadade 1990 atingindo de maneira dramática o México,o sudeste asiático, a Turquia e a Rússia. Na região,o caso paradigmático foi a crise Argentina de de-zembro de 2001, país que seguiu a receita neoliberalde maneira radical. No ano de 2001 também acon-teceram os atentados terroristas do grupo Al Qaedanos Estados Unidos da América (EUA), fato que

1 O autor agradece a colaboração dos alunos de graduaçãodo Curso de Relações Internacionais da Pontifícia Univer-sidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG): Camila Men-donça, Daniele Cardoso e Hugo Markiewicz Fernandes.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 57-79, nov. 2011

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A CHINA NA AMÉRICA DO SUL E AS IMPLICAÇÕES GEOPOLÍTICAS

reconfigurou a política de segurança da superpo-tência e, também, a sua política econômica baseadanos juros baixos (1% ao ano) e de estímulo ao gas-to, que se acelerou ainda mais após as intervençõesarmadas no Afeganistão e Iraque. Em 2001 aconte-ce o ingresso da República Popular da China (RPC)na Organização Mundial do Comércio (OMC) e suacrescente presença no comércio internacional. As-sim, se, por um lado, os EUA começam a priorizargeopoliticamente a região de Oriente Médio e a Rússiae, geoeconomicamente, as relações comerciais e fi-nanceiras com a China e o Sudeste Asiático, é ver-dade que, para a América Latina – mas principal-mente para a América do Sul – surge, em plena criseeconômica, uma nova opção no horizonte: a cres-cente presença da RPC no comércio internacionalcomo compradora de recursos naturais e energéticos,cujos preços, por razões de maior demanda,especulativas e geopolíticas, experimentaram subs-tantivas elevações pelo menos até a crise de 2008.

A RPC, potência mundial e ator fundamentaldas novas mudanças geopolíticas e geoestratégicas

no século XXI, tem se tornado um motor econô-mico global, crescendo a uma taxa de mais de9,5%, em média, nas últimas duas décadas (verGráfico 1). Com sua imensa população, seu po-der militar e seu arsenal nuclear, sua crescentenecessidade de recursos energéticos e de diver-sas commodities, produto de seu elevado cresci-mento econômico, que está transformando rapi-damente sua estrutura social, a China tem criadoas condições para sua expansão global, mudandoo cenário geopolítico e geoeconômico. Assim, aclássica visão da interdependência entre o atorestatal China com as potências Ocidentais, queoutrora poderia ser considerada de “vertical”, ouNorte-Sul, está sendo questionada nos dias de hoje– p. ex., a relação RPC-EUA, RPC-União Euro-péia e RPC-Rússia – devido ao peso que a Chinatem nas questões de segurança global e, sobretu-do, na economia internacional. Assim, levando emconsideração essa premissa, fica claro o status daRPC como uma potência global e não como maisuma “potência emergente”.

De tal modo, na geoeconomia global, o cres-cimento da China e sua expansão valorizaram osprodutos produzidos na periferia, fato que aumen-tou o poder de barganha dos países da AméricaLatina e da África na divisão internacional do tra-balho. Por outro lado, na geopolítica internacio-nal, a ascensão da RPC tem criado novas fontesde conflito com os poderes centrais e, podería-mos adicionar, com algumas potências regionais.

A dinâmica conflito-cooperação também está li-gada ao abastecimento dos recursos naturais eenergéticos, que provocou a elevação dos preçosa partir de 2002 e da crescente necessidade des-ses recursos por parte da China para sustentarseu espetacular crescimento (VADELL, 2007;2010). “Isso tem provocado respostas por parteda China no sentido de conformar novas aliançascom o intuito de aproximar o sistema internacio-

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir dos dados do National Bureau of Statisticsof China.

GRÁFICO 1 – TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB DA CHINA (%)

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nal para uma ordem multipolar”. Dessa maneira,parte-se da premissa de que a RPC está modifi-cando a balança de poder entre o centro e a peri-feria gerando um conjunto de desdobramentos que,por um lado, podem provocar novas formas decooperação e novas configurações geoeco-nômicas, mas também provocar novas fontes detensões e conflitos geopolíticos (idem).

Por essa mesma razão, questionamos neste tra-balho o tipo de relacionamento que para o olharmenos cauto apresenta-se como uma clássicainterdependência ou cooperação Sul-Sul, como é ocaso da cada vez mais profícua relação entre a RPCe os países da América Latina e da África. Nessesentido, se considerarmos que a RPC projeta-secomo potência econômica e política global no sé-culo XXI, devemos analisar, mais detidamente, otipo e padrão de relacionamento que essa potênciaestá desenvolvendo com os países da América La-tina e a África no novo quadro geopolítico global.Nessa direção, a nossa proposta pretende focar acrescente relação entre a China com os países daAmérica do Sul, a fim de explorar as implicaçõespolíticas regionais derivadas desse estreitamento devínculos econômicos e as conseqüências para apolítica externa do Brasil na região.

É importante mencionar que a crescente pre-sença da RPC na América Latina tem três desdo-bramentos políticos de extrema importância: (i) amudança da relação dos EUA com a região a par-tir da maior presença da China, configurando umaparticular relação triangular de relevância crescen-te na geopolítica hemisférica (TOKATLIAN,2008);(ii) a importância da RPC no impulso do cresci-mento econômico da região a partir de 2001-2002,fator fundamental para entender a recuperaçãoeconômica de muitos países da América do Sulapós o fracasso das políticas econômicasneoliberais e (iii) o papel do Brasil, como líderregional e ator diretamente ligado aos desdobra-mentos positivos e negativos do relacionamentocrescente com a RPC. O fato de a China passar aser o principal parceiro comercial do Brasil em2009, tirando os EUA dessa posição, assinala umnovo cenário geoeconômico, que parece acentu-ar-se após a crise econômica de 2008.

Contudo, por motivo de espaço, nosso artigocentra-se nos pontos ii e iii e as perguntas cen-trais são: quais implicações políticas sub-regio-nais podem-se apontar a partir da crescente

interdependência econômica entre a RPC e ospaíses da América do Sul? Estar-se-ia criando umpadrão de relacionamento que poderia constituiruma renovada relação de cooperação Sul-Sul ou,pelo contrário, um novo tipo de relacionamentoNorte-Sul? Quais implicações essa relação traz parao Brasil e para a integração na América do Sul?Nosso recorte histórico vai de 2001 a 2008, quandoaconteceu a crise financeira global que impactoude maneira dramática as economias dos paísesdesenvolvidos do Ocidente.

O trabalho está dividido em cinco seções alémda introdução. Na segunda parte, abordamos aquestão mais geral da relação entre a RPC e aAmérica Latina, apontando as principais motiva-ções chinesas dessa interdependência crescente.A terceira parte do artigo foca especificamente asrelações comerciais e de investimento entre a RPCe os principais países da América do Sul, media-das por uma ativa diplomacia que se consolida nodecorrer da primeira década do século XXI. Naquarta parte do trabalho, pretendemos definir oconceito: Consenso do Pacífico (CP), com o ob-jetivo de caracterizar esse crescente relacionamen-to de bases fundamentalmente, mas não exclusi-vamente, comerciais, que apresenta mais traçosde uma relação Norte-Sul, do que uma coopera-ção Sul-Sul, embora com características peculia-res. Finalmente, nas conclusões, abordamos al-guns pontos em relação às implicações que o CPteria, no médio prazo, no processo de integraçãosul-americana.

II. A ESTRATÉGIA POLÍTICA DA RPC NOSEU PROCESSO DE EXPANSÃO ECONÔ-MICA GLOBAL: AS IMPLICAÇÕES PARAA AMÉRICA DO SUL NO SÉCULO XXI

As relações econômicas entre a China e ospaíses latino-americanos começam a intensificar-se efetivamente a partir de 2001 e 2002 (VADELL,2007). Esses progressos mostraram-se mais con-sistentes em 2004 e 2005, quando o PresidenteHu Jintao e o Vice-Presidente Zeng Qinhong visi-taram vários países da América do Sul e assina-ram dezenas de acordos comerciais, de investi-mentos e de cooperação em várias áreas. Desdeentão, as autoridades chinesas em muitas oportu-nidades não se cansam de afirmar que a priorida-de do relacionamento com todos os países daAmérica Latina é estritamente de caráter econô-mico. Os dados que apresentaremos confirmam

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essa tendência – ainda que não devamos descar-tar as implicações e fins políticos sempre presen-tes nas relações internacionais.

Se olharmos um pouco a história do séculoXX, e especificamente durante a Guerra Fria,observaremos que o relacionamento da RPC comos países da América Latina esteve marcado pelopragmatismo, independentemente do tinte políti-co dos governos da região. No Chile, o governodemocrático de Salvador Allende estreitou víncu-los e foi o primeiro país latino-americano a reco-nhecer a RPC. Posteriormente, a ditadura dePinochet continuou a estreitar os laços com a RPC,especialmente quando esse governo começou aficar cada vez mais isolado internacionalmente. Omesmo podemos dizer da ditadura argentina dadécada de 1970. Argentina e a China assinaramacordos de comércio e cooperação em 1978 e1980 e o Presidente de facto, Jorge R. Videla, foio primeiro Presidente argentino que visitou a RPC.O compromisso político no âmbito da Organiza-ção das Nações Unidas era o seguinte: a Chinareconheceria e apoiaria as reclamações argentinasde soberania nas ilhas do Atlântico Sul e, em tro-ca, a Argentina reconheceria oficialmente a RPCe Taiwan como província parte deste país.

De fato, as lideranças de extrema direita e asforças armadas da América Latina não viam a Chi-na como um problema de segurança no contextoda Guerra Fria. As relações diplomáticas e comer-ciais foram estimuladas entre os países da regiãopor governos ditatoriais e de direita (DOMÍNGUEZ,et al., 2006, p.6). O alto grau de pragmatismo dorelacionamento consolidou-se durante o período dasreformas na China, na década de 1980. As lideran-ças chinesas, por exemplo, chegaram a denunciarenfaticamente que o grupo guerrilheiro peruanoSendero Luminoso, de inspiração maoísta, era“revisionista e contrarrevolucionário” (ibidem).

A característica pragmática do mútuo relacio-namento atravessa o século XX e aprofunda-seno século XXI, ainda que em um cenário de polí-tica internacional muito diferente, assim como ocontexto da economia global e o papel da RPCnessa conjuntura. A variável comercial hoje é muitomais relevante e crucial no novo estreitamento devínculos, embora a questão “Taiwan” apareça re-correntemente, mas não ao ponto de quebrar opragmatismo. Dessa maneira, consideramos im-portante apontar para quatro objetivos fundamen-tais que a RPC, no processo de estreitamento das

relações com a América Latina e com os paísesda África, persegue.

Em primeiro lugar, a RPC necessita de recur-sos naturais e commodities. Ao passo que a Chinamanteve um crescimento médio de mais de 9%nos últimos 30 anos, esse país passou a dependercada vez mais de recursos energéticos e outrascommodities. Os países dos continentes america-nos e da África, ricos em recursos, apresenta-ram-se como fornecedores quase “naturais” parao gigante asiático, estimulando o comércio queexperimentou um crescimento surpreendente apartir do ano 2001.

Em segundo lugar, a China empreendeu umacruzada diplomática para o reconhecimento da RPC,em detrimento de Taiwan, já que muitos países daAmérica Latina e da África reconhecem Taipei enão Pequim2. O isolamento de Taiwan é um objeti-vo da RPC que se manifesta em sua política global.Contudo, o fato de um país não reconhecer oficial-mente a RPC não implica que não se estabeleçamrelações comerciais. Por trás desse jogo de reco-nhecimento existe toda uma “diplomacia do dólar”,investimentos em áreas de infraestrutura e social eaumento do comércio que envolve uma complexatrama de relações entre as elites dos países em de-senvolvimento com os investidores chineses – deTaiwan ou da RPC (TAYLOR, 2006; 2009;ALDEN, 2007; ELLIS, 2009).

Em terceiro lugar, outro ponto importante queestimula a expansão da RPC para o ‘Sul’ é o apoionos foros e instituições multilaterais. O bom relaci-onamento diplomático com os países do Sul temcomo finalidade ganhar apoio – e votos – nas orga-nizações internacionais e em outros foros diplomá-ticos, mas, principalmente, na Assembléia Geral dasNações Unidas, em que o voto de cada Estado temo mesmo peso (ALDEN, 2007; ELLIS, 2009).

Finalmente, a América Latina apresenta-se comoum potencial grande mercado consumidor de pro-dutos chineses. Após a crise econômica de 2008,os EUA e a União Européia sofreram uma contra-ção econômica importante, de modo que ficou maispatente a necessidade de a RPC diversificar as suasexportações para evitar uma diminuição do cresci-

2 Atualmente, são 13 os países que não reconhecem a RPCna América Latina: Paraguai, na América do Sul; Panamá,Nicarágua, El Salvador, Honduras, Guatemala e Belize, naAmérica Central; República Dominicana, Haiti, St. Kitts eNevis, St. Vincent e as Grenadinas e St. Lucia, no Caribe.

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mento, como expressou o Professor Jiang Shixue:“A expansão para os mercados da América Latinatem sido parte dos objetivos da China de reduzir asua dependência em relação aos Estados Unidos,Japão e a Europa” (JIANG, 2008, P. 46). Os des-dobramentos dessa política manteve aquecido o co-mércio entre RPC e a América Latina, agora comuma entrada cada vez mais expressiva de produtosmanufaturados chineses, o que derivou em doisproblemas que vamos abordar posteriormente: emprimeiro lugar, afetou os setores industriais, princi-palmente de países como o Brasil, a Argentina e oMéxico; em segundo lugar, aumentou o deficitcomercial de muitos países da região em relação àRPC, ainda que em graus diferenciados. SegundoGallagher e Porzecanski (2010), o caso maispreocupante talvez seja o México.

III. A ENTRADA DO DRAGÃO, A RECUPERA-ÇÃO ECONÔMICA E AS IMPLICAÇÕESPARA A AMÉRICA DO SUL

III.1. A explosão do comércio

O substantivo aumento do comércio entre ospaíses da América do Sul e a RPC a partir de 2001deve ser interpretado no contexto das mudançasda economia global e do aumento do comércio da

China com o mundo. Na realidade, em maior oumenor medida, a maior parte dos países da Amé-rica Latina beneficiaram-se com o crescimentodo comércio bilateral com a China a partir de 2002.Várias pesquisas e publicações recentes têm comopreocupação central entender quais os desdobra-mentos políticos e econômicos do crescenteestreitamento comercial – e, em menor medida,de investimentos – entre a China e a América La-tina (BLÁZQUEZ-LIDOY et alii, 2006; ELLIS,2006; ARSON et alii, 2008; GALLAGHER &PORZECANSKI, 2009; 2010; SANTISO, 2009).No entanto, não há estudos específicos das con-seqüências para a América do Sul, como espaçogeo-econômico diferenciado do resto da AméricaLatina. Em outros termos, levando em considera-ção a explosão comercial da China com a Améri-ca Latina, o intercâmbio entre os países da sub-região de México e América Central mostra umcenário e perspectivas diferentes em relação aointercâmbio RPC-América do Sul, em dois senti-dos. Em primeiro lugar, como mostram os gráfi-cos 3 e 4, o comércio da China com a América doSul apresenta-se muito mais equilibrado do que ocomércio entre a China e México-América Cen-tral, que têm um deficit na balança comercial coma China muito preocupante.

GRÁFICO 2 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO COMERCIAL DA AMÉRICA LATINA E O CARIBECOM A RPC (EM MILHÕES DE US$)

FONTE: Bárcena e Rosales (2010), a partir dos dados da Comisión Económica para aAmérica Latina e o Caribe (Cepal).

Exportações ImportaçõesSaldo comercial

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FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir dos dados da Cepal.

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir dos dados da Cepal.

GRÁFICO 3 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO COMERCIAL DA AMÉRICA DO SULCOM A RPC (EM MILHÕES DE US$)

GRÁFICO 4 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO COMERCIAL DO MÉXICO E DAAMÉRICA CENTRAL COM A RPC (EM MILHÕES DE US$)

Em segundo lugar, a explosão das ex-portações latino-americanas, a partir de2002, concentra-se em commodities e re-cursos energéticos e minerais. Emcontrapartida, as importações vindas daRPC estão concentradas em produtos

manufaturados. Por essa razão, os países da Amé-rica do Sul, abundantes em recursos, foram e es-tão sendo os mais favorecidos com o aumentodas exportações. Nessa direção, Gallagher ePorzecanski (2010) realizaram um interessante es-tudo dos impactos diretos e indiretos da relação

Exportações ImportaçõesSaldo comercial

Exportações ImportaçõesSaldo comercial

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econômica entre a RPC e América Latina e apre-sentam um cenário preocupante para a indústriada região. Os autores apontam que os benefíciosdo comércio entre os países da América Latina eChina estão altamente concentrados em poucosestados e setores. Embora os autores tenham comofoco toda a região, eles apontam que, em 2006,dez setores e seis estados representavam 74% detodas as exportações da América Latina para a China

e o 91% de todas as exportações de commoditiesda América Latina para esse país (GALLAGHER& PORZECANSKI, 2010, P. 17). Dos seis paísesdestacados por Gallagher e Porzecanski, só o Mé-xico não pertence à sub-região da América do Sul.Um quadro mais atualizado de 2009 mostra oscinco países – todos da América do Sul – e os oitosetores que dominam o comércio entre a AméricaLatina e a China, como ilustra a Tabela 1.

Levando em consideração os dados apresen-tados, é importante observar na Tabela 2 os paí-ses da América do Sul em separado, para termosuma visão mais detalhada das particularidades da

TABELA 1: – CINCO PAÍSES E OITO SETORES DOMINAM O COMÉRCIO AMÉRICA LATINA E CHINA

Fonte: Gallagher (2010) a partir da base de dados do United Nations Commodity Trade Statistics (Comtrade).

sub-região e observarmos o grau de especializa-ção da produção que o comércio bilateral entre aRPC e os estados da América do Sul implica.

TABELA 2 – CINCO PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO À RPC, MÉDIA 2006-2008 (PERCENTAGENSDO TOTAL)

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Em contrapartida, as exportações da Chinapara a América Latina são compostas, fundamen-talmente, por produtos eletrônico e mecânicos.Por essa razão, os países da América do Sul comoo Brasil e a Argentina, que possuem um parqueindustrial considerável, são os mais prejudicadoscom o desenvolvimento dessa especialização co-mercial. As rispidezes derivadas da concorrênciachinesa foram mais visíveis em janeiro de 2005como o fim do Acordo Multifibras, “que garantiaalguns países latino-americanos uma quota nomercado estadunidense e cuja finalização afetousuas exportações têxteis e favoreceu substantiva-mente às da China” . Isso afetou de maneira dra-mática os países membros do Acordo de Livre-Comércio da América Central (Cafta), além doMéxico. Mais precisamente, a sub-região que as-sinou acordos de livre-comércio com os EstadosUnidos. Todavia, é na América do Sul onde existeuma maior complementaridade, embora a recenteentrada de produtos manufaturados chineses afe-te diretamente os setores industriais brasileiros eargentinos. O impacto foi sentido pelas maiores

FONTE: Cepal, a partir da base de dados da Comtrade.

economias do Mercado Comum do Sul (Mercosul)e foi só em agosto de 2010 que ambos paísesesboçaram uma reação conjunta para negociar coma RPC (SIMÃO, 2010). Retomaremos esse pon-to na última seção de nossa análise, prevendo no-vos desdobramentos como resposta à especiali-zação clássica centro-periferia, que estaria confi-gurando-se a partir do comércio entre os paísesda América do Sul e a RPC.

III.2. Os investimentos externos diretos da RPCna América do Sul

Outro ponto importante a ser destacado é ocrescimento dos fluxos de investimento direto(IED) da China para a América do Sul (ver tabela3). Todavia, resulta complicado analisar em deta-lhe algumas cifras extraídas do site do Ministériode Comércio da China, já que os dados indicamque, do fluxo total de investimentos para AméricaLatina em 2007 (US$ 4,902 bilhões), US$ 4,478bilhões foram para paraísos fiscais como as IlhasCaimã e as Ilhas Virgens Britânicas, conforme aTabela 4.

TABELA 3 – INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO CHINA-AMÉRICA LATINA (EM MILHÕES DE US$)

FONTE: Ministério de Comércio da China.

TABELA 4 – INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO (IED) (EM MILHÕES DE US$)

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Não obstante, se observarmos o destino dosIEDs chineses poderemos ter uma visão mais pre-cisa sobre a expansão da RPC no subcontinente.Uma recente pesquisa de Scissors (2011), daHeritage Foundation, foi de muita ajuda para pre-cisar o tipo, o montante e o destino dos investi-mentos chineses na América do Sul. Segundo aTabela 5, a sub-região é o destino principal dosIEDs chineses, que podem ser divididos em trêsprincipais categorias, de acordo com seus propó-sitos: a) “orientados aos recursos naturais” (na-tural resource-seeking); b) “orientados ao merca-do” (market-seeking) e c) “orientados à eficiên-

FONTE: o autor, a partir de dados do Ministério do Comércio da China.

cia” (efficiency-seeking). Como mostram as ta-belas 3, 4 e 5, a grande maioria dos IEDs comdestino à América do Sul são orientados à explo-ração de recursos naturais, em setores de grandedemanda da RPC, como cobre, aço, petróleo esoja. Ademais, podemos observar investimentosem infraestrutura ligados a facilitar o escoamentodesses produtos. Segundo os dados dessa pes-quisa, não só os países da América do Sul foramos mais beneficiados com os IEDs oriundos daRPC – como mostra a Tabela 5 –, mas o Brasilaparece como o principal receptor da região e domundo em 2010, segundo os dados totaisSCISSORS (2011).

TABELA 5 – INVESTMENTOS EXTERNOS DIRETOS DA RPC NA AMÉRICA LATINA

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FONTE: Scissors (2011).

Argentina: As companhias estatais chinesas tem interesse no setor petroleiro argentino. A companhiaestatal argentina Energía Argentina Sociedad Anónima (Enarsa) tem mostrado intenção em colaborarcom as companhias chinesas para exploração de petróleo offshore na costa do Atlântico Sul. Ainda em2010, foram ratificados investimentos na ordem de US$ 600 milhões por parte da Companhia Tierradel Fuego Energia e Química, de capital chinês, para a exploração de gás na patagônia argentina(RATIFICAN UMA INVERSIÓN, 2010). Em relação ao setor de minério, os investimentos foram modes-tos, mas em 2005 foi dado um primeiro passo quando uma companhia chinesa comprou a minadesativada de Sierra Grande, na província de Rio Negro. Essa mina contém jazidas de ferro, cobalto eoutros minerais. No setor de infraestrutura, o governo argentino mostrou-se interessado em revitalizare ativar as rotas para o oceano Pacífico por meio da Cordilheira dos Andes. Especificamente, oschineses mostraram interesse nas passagens do Cristo Redentor e de Águas Negras, que seriam asprioridades.

Brasil: O foco dos investimentos tem sido nos setores da mineração do ferro e do aço assim como nopetróleo. A empresa de mineração brasileira de capital privado, Vale do Rio Doce, tem iniciado conver-sas em 2004 com a companhia chinesa Baosteel para a exploração de ferro. Além disso, a mesmaVale tem se aproximado da Monmetals, outra empresa chinesa. Em 2006, a companhia chinesaMetals and Metallurgical Construction Group of China investiu US$ 235 milhões em um acordo com aMineradora Gerdau S.A. No que se refere ao petróleo, a empresa estatal brasileira Petrobrás assinou,desde 2004, vários acordos com as estatais petroleiras chinesas: em 2004 com a Sinopec para aextração de petróleo cru, refinamento e construção de oleodutos no Brasil; em julho de 2005 com aSinochem para vender 12 milhões de barris de petróleo por dia por um montante de US$ 600 milhões;em 2010, a Sinopec também investiu US$ 7,1 bilhões na empresa Repsol no Brasil (HOOK, 2010).Além disso, a RPC investiu US$ 4,8 bilhões para modernizar o sistema de transporte ferroviáriobrasileiro para facilitar o escoamento das exportações.

QUADRO 1 – INVESTIMENTOS MAIS DESTACADOS

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Chile: Em 2006, a companhia chinesa Minmetals e o Banco de Desenvolvimento da China fecharamum acordo com a empresa estatal de cobre chilena Codelco para incrementar sua capacidade produ-tiva com o objetivo de aumentar as exportações para a RPC. A maior parte dos investimentos chinesesfocam-se no setor de mineração.

Peru e Bolívia: os investimentos chineses predominam na área de mineração, infraestrutura e, emmenor medida, no setor petroleiro e de pesca. O mais destacado na área de mineração envolve oconsórcio chinês Shandong Luneng com o Peru e a Bolívia. Em 27 fevereiro de 2006, o Congressoperuano aprovou um importante projeto que envolve um investimento de aproximadamente US$ 2bilhões por parte desse consórcio chinês para reformar o porto de Tacna e US$ 8 bilhões para aconstrução de uma rodovia e um estrada de ferro que conecte a mina de El Mutún, jazida que fica noleste da Bolívia, com o porto de Tacna, na costa do oceano Pacífico.

III.3. Interdependência assimétrica

Embora o relacionamento crescente da RPCcom os países da América do Sul tenha de fatocontribuído para a recuperação econômica da sub-região, esse vínculo é marcadamente assimétrico.Em outros termos, para manterem-se na trilha docrescimento, os países da América do Sul depen-dem mais da RPC do que a China deles.

“A China está entre os três principais sócioscomerciais de vários países latino-americanos. Nãoobstante, devido à assimetria no seu tamanho emrelação aos países latino-americanos, a China émuito mais importante economicamente para Amé-rica Latina do que a região é para a China. Por

FONTE: Ellis (2009) e Gallagher e Porzecanski (2010), atualizados pelo autor.

exemplo, o Brasil, que é o maior exportador daAmérica Latina para a China, ocupa o décimo quartolugar entre seus provedores, representando somente1,5% do total das suas importações, e nenhumoutro país da região figura entre os vinte principaisna fonte de importação” (JENKINS, 2009, p. 2).

Mesmo levando em consideração a AméricaLatina e o Caribe como uma totalidade, ela recebesomente 3% do total das exportações da RPC paraa região e abastece com o 3,8% do total de suasimportações (JENKINS, DUSSEL PETERS &MESQUITA MOREIRA, 2008, p. 237). A China,em contrapartida, é um dos cinco principais des-tinos exportadores de Argentina, Brasil, Chile,Cuba e Peru.

TABELA 6 – LUGAR QUE OCUPA A CHINA EM PAÍSES SELECIONADOS DA AMÉRICA LATINA

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A Tabela 6 mostra o grau de importância que aRPC passou a ter para os países latino-america-nos, sobretudo para os sulamericanos, em umperíodo relativamente curto de oito anos. Estecenário de interdependência assimétrica, se bemse mostrou uma interessante alternativa frente aosrígidos constrangimentos do “Consenso de Wa-shington”, tem que ser levado em consideraçãopara as estratégias políticas de longo prazo.

III.4. A Diplomacia da aproximação na Américado Sul

O estreitamento de vínculos diplomáticos en-

FONTE: Cepal.

tre a RPC e os países da América do Sul, em con-sonância com a bonança comercial, aconteceu em2004, após a visita do Presidente Hu Jintao a cin-co países latino-americanos – Chile, Argentina,Brasil, Venezuela e Cuba –, no marco da reuniãode cúpula da Cooperação Econômica da Ásia e doPacífico (APEC), realizada no Chile. O resultadoda visita do Presidente chinês foi a assinatura de39 acordos comerciais3 e o compromisso de in-vestir US$ 100 bilhões na região nos dez anos se-guintes. O país da região que mais investimentosreceberia seria a Argentina, com um montante deUS$ 20 bilhões (ELLIS, 2005; LANDAU, 2005).

TABELA 7 – NÚMERO DE VISITAS PRESIDÊNCIAS ENTRE A RPC E A AMÉRICA LATINA

FONTE: Bárcena e Rosales (2010) a partir do Governo Central da República Popular da China (PEOPLE’SREPUBLIC OF CHINA, 2011), atualizado pelo autor.NOTAS: * Reunião da APEC;

** Visitas suspensas a causa do terremoto na província chinesa de Qinghai;*** O Presidente Alan Garcia prorrogou a sua visita marcada para finais de abril de 2010;**** A Presidente Cristina F. de Kirchner cancelou a visita oficial a China marcada para janeiro de

2010. A visita foi efetivada em julho de 2010.

3 Os acordos seriam sobre comércio, investimento, avia-ção, tecnologia espacial, turismo e educação.

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Além disso, os maiores sucessos diplomáti-cos da China foram, em primeiro lugar, ter con-seguido o reconhecimento como “economia demercado” no âmbito da Organização Mundial doComércio (OMC), primeiro por parte do Brasil,seguido por outros países incluindo a Argentina,e, em segundo lugar, a assinatura de dois tratadosde livre-comércio com o Chile e com o Peru. Noque se refere ao primeiro ponto, esse reconheci-mento tem implicações jurídicas importantes noâmbito da OMC, além das econômicas e políticas(TORTORIELLO, 2004). Reconhecer a Chinacomo economia de mercado implica dar ao paísas condições de utilizar as regras plenas da OMC,em vez de obrigá-la a sujeitar-se às regras especi-ais para economias que não sejam de mercado.Isto é, eventuais litígios comerciais devem ser le-vados à OMC e evitar que um país aplique repre-sálias comerciais ou medidas antidumping unila-teralmente contra a China. Na prática, isso signi-fica que as possibilidades de utilizar instrumentosde defesa comercial contra a entrada de produtoschineses diminuem e aumentam os empecilhos –ou os custos – para a abertura de painéis contra aChina. A RPC, em troca, concedeu ao Brasil bene-fícios nos setores aeronáutico, no caso da Embraer,e agrícola, na exportação de soja, como afirmou oentão Chanceler brasileiro Celso Amorim(SEVARES, 2006; LAMAS, 2007; VADELL, 2007).

Em relação à assinatura dos TLCs, a RPC,estimulada por suas necessidades de recursosnaturais e pelo ambiente propício para os negóci-os, firmou acordos com dois países da Américado Sul e, recentemente, com um da América Cen-tral4. Primeiro foi com o Chile em 20065, acordoratificado em 2007. Depois veio o acordo com oPeru em 2009, tratado que foi ratificado em 2010.Esses acontecimentos, além das implicações pu-ramente econômicas, assinalam desdobramentosgeopolíticos regionais de maior complexidade queserão apontados na última seção.

IV. O PERÍODO POSTERIOR AO CONSENSODE WASHINGTON NA AMÉRICA LATINA

O cenário futuro parece ser de continuidade econsolidação das parcerias comerciais entre aChina e os países da América do Sul, principal-

mente aqueles produtores de commodities e re-cursos energéticos. Assim, a crescente presençada RPC na sub-região abriu o leque de oportuni-dades e potencialidades para os países em desen-volvimento ricos em recursos. Esses países, quevinham de duros golpes econômicos, começaram,no decorrer do novo século, a olhar mais para o“Pacífico” do que para o “Atlântico”. O fracassodas reformas neoliberais sustentadas pelo CW e acrise financeira global de 2008 parecem ter rom-pido a possibilidade de receitas unívocas de re-formas para os países do Sul. É nesse cenárioque a RPC surge como principal fator na recupe-ração dos países sul-americanos, como um atorpresente na sub-região e como um desafio paraos projetos de integração regional.

Para caracterizar o que denominamos comoConsenso do Pacífico seria interessante retomara noção de consenso assim como apresentada porWilliamson (1990). O objetivo de Williamson nes-se trabalho é identificar, em primeiro lugar, o quesignifica “reformas econômicas” para Washing-ton, em um contexto de reestruturação da dívidados países latino-americanos e de crise fiscal doEstado. Em segundo lugar, o autor explica que oconceito “Washington” era mais complexo do queo nome da capital dos EUA.

“Washington”, para Williamson, aglutinaria umconjunto de instituições nacionais (dos EUA) e in-ternacionais articuladas por meio de uma ideologiacomum – a ideologia dominante –, sustentadas nosalicerces do poder econômico e político global, nocenário otimista do fim da Guerra Fria. Assim, oCongresso dos EUA, os membros da alta adminis-tração tecnocrática das instituições financeiras in-ternacionais, as agências do governo dos EUA, oBanco Central dos EUA e um conjunto de thinktanks formariam o bloco hegemônico de “Washing-ton”, cujo projeto global condensa-se no populartermo “globalização” (ARRIGHI, 2008). Contudo,deve-se fazer a ressalva de que esse projeto espe-cífico era pensado e aplicado para a América Lati-na, podendo ser estendido para o conjunto dos pa-íses em desenvolvimento de outros continentes, masnunca para os EUA, porque, como lembra o autor,Washington “não pratica sempre o que prega paraos estrangeiros” (WILLIAMSON, 1990, P. 2). Issoindica que o CW não significou uma mecânica im-posição do modelo de mercado ocidental – dospaíses desenvolvidos para os países em desenvol-vimento –, mas a articulação hegemônica de ummodelo de ajuste e de reformas aceleradas que in-

4 A RPC assinou um TLC com a Costa Rica em 2010.5 O conteúdo integral do acordo entre o Chile e a RPCpode ser consultado em Diário Oficial de la Republica deChile (2006).

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cluíam a liberalização comercial e financeira e asprivatizações realizadas em tempo recorde com ointuito de adaptar e disciplinar esses países no “ca-minho certo” da modernidade e do primeiro mun-do. Dessa maneira, o CW é, sobretudo, um espe-cífico padrão de interdependência assimétrica en-tre atores internacionais e transnacionais historica-mente delimitada e mediada por um conjunto deinstituições internacionais. Caracteriza-se como umarelação “Norte-Sul” imbuída da ideologia econômi-ca neoliberal, apresentada como a única via para odesenvolvimento no formato de um pacote de po-líticas para os países em desenvolvimento e subde-senvolvidos.

Os elementos consensuais desse modelo ad-quiriram força depois do fim da Guerra Fria como subseqüente discurso do “fim da história”, ofracasso dos modelos econômicos e políticos au-toritários do “socialismo real” e a perda de confi-ança nas políticas de planejamento estatal abala-das pela crise fiscal do Estado nos países em de-senvolvimento, principalmente depois da crise dadívida externa na década de 1980. O Consenso deWashington foi implementado segundo o receitu-ário, de maneira mais ou menos acabada, por go-vernos em sua maioria eleitos democraticamente,e intermediados pelas instituições financeiras in-ternacionais: FMI e Banco Mundial. Os emprésti-mos e linhas de créditos dessas instituições foramoutorgados aos países condicionados a políticasde ajuste econômico cujos pilares foram: (i) umaampla liberalização financeira; (ii) abertura comer-cial unilateral; (iii) privatização das empresas pú-blicas; (iv) desregulamentação e (v) políticas decorte de gastos e ajuste orçamentário6.

Na virada do milênio, os magros resultadosapos uma década de reformas e uma nova criseeconômica dos países em desenvolvimento esti-mularam uma onda crítica do CW, inclusive poreconomistas do mainstream. Nesse cenário, já noséculo XXI, houve o apelo para a formação denovos e alternativos “consensos”, incluindo o

Consenso de Monterrey, o Consenso deCopenhagen, o Consenso de México e o Consen-so de Buenos Aires7. Segundo Kennedy (2010, P.467), os mal-entendidos, as emendas e os desafi-os enfrentados pelo CW conformaram o cenáriocrítico em que surge, também, a idéia de “Con-senso de Pequim”.

Em 2004, em época de plena recuperação eco-nômica global e de crescimento dos países daAmérica Latina, Joshua Cooper Ramo publicou umpequeno livro intitulado The Beijing Consensus, cujarepercussão foi imediata. A partir dessa obra popu-larizou-se o termo “Consenso de Pequim” paracompreender o estilo ou modelo de desenvolvimentoque a RPC estaria implementando, a partir de umasérie de reformas econômicas. Nas palavras doautor: “China is marking a path for other nationsaround the world who are trying to figure out notsimply how to develop their countries, but also howto fit into the international order in a way that allowsthem to be truly independent, to protect their wayof life and political choices in a world with a singlemassively powerful centre of gravity. I call this newcentre and physics of power and development theBeijing Consensus”8 (RAMO, 2004).

O Consenso de Pequim, na versão de Ramo,estaria baseado, pois, em três características que

7 O Consenso de Monterrey foi promovido pela Organi-zação das Nações Unidas e pelo antigo secretário geral daOMC, Michael Moore, com o objetivo de reduzir a pobre-za. O Consenso de Copenhagen consistia em uma série dequestões feitas a economistas a respeito de dez propostasou passos a seguir para incrementar o bem-estar global. OConsenso de México apontava para as questões de igual-dade de gênero na América Latina e no Caribe. O Consensode Buenos Aires foi um documento assinado em 2003 pe-los presidentes do Brasil e da Argentina, Luiz Inácio Lulada Silva e Nestor Kirchner. Os países líderes do Mercosulcomprometiam-se com a integração e com o desenvolvi-mento de tecnologia, participação conjunta em foros multi-laterais, negociação com a Área de Livre-Comércio dasAméricas (ALCA), meio ambiente e gestão da dívida pú-blica. Ver matéria da revista Foreign Policy (TOO MUCHCONSENSUS, 2004) e o documento do Consenso deBuenos Aires (BRASIL, 2003).8 “A China está desenhando um caminho para outras na-ções ao redor do mundo que estão tentando descobrir nãoapenas como desenvolver seus países, mas também comoencaixar-se na ordem internacional de um modo que ospermita ser verdadeiramente independentes, para protegerseu estilo de vida e suas escolhas políticas em um mundocom um centro de gravidade maciçamente poderoso. Euchamo esse novo centro e física de poder e desenvolvimen-to de o Consenso de Pequim”.

6 Consideramos esses quatro pilares os fundamentais paraentender as reformas liberalizantes. As dez famosas reco-mendações apontadas por Williamson (1990) são: (i) a dis-ciplina fiscal; (ii) a reestruturação do gasto do Estado; (iii)as reformas impositivas; (iv) a liberalização das taxas dejuros; (v) a implementação de uma taxa de câmbio compe-titiva; (vi) a liberalização comercial; (vii) a liberalização dosinvestimentos; (viii) as privatizações; (ix) asdesregulamentações; (x) uma forte proteção aos direitos depropriedade.

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determinariam a maneira como uma nação emdesenvolvimento pode achar o seu lugar na eco-nomia global e a sua própria inserção no sistemainternacional. A primeira característica seria a ino-vação e a constante experimentação. A segundaé a ênfase que a China dá à qualidade de vida –fundamentalmente sustentabilidade e eqüidade –para tratar os assuntos de desenvolvimento, dei-xando em segundo lugar as medições de PIB percapita. A terceira característica está relacionadacom o enfoque da “autodeterminação” (idem),deixando de lado as imposições do Banco Mun-dial e do FMI. Ramo, citando um acadêmicochinês, afirma que o respeito pela autodetermi-nação dos Estados está ligado à resistência aohegemonismo, e isso constitui uma importantedimensão política da expansão econômica chi-nesa. Segundo o autor, “as nações em desenvol-vimento são a principal força para conter ohegemonia e salvaguardar a paz mun-dial”. Em-butida nesse argumento está a estratégia de “re-duzir o status de superpotência absoluta dos EUA,promovendo um mundo multipolar” (RATLIFF,2009), pelo menos no que concerne às relaçõeseconômicas internacionais. Esse é um fator que,em grande medida, faz com que o modelo dePequim se apresente como atrativo para outrasnações em desenvolvimento, o que Ramo deno-mina de “carisma intelectual do Consenso dePequim” (RAMO, 2004).

Nessa direção, de acordo com a interpretaçãode Ramo, o Consenso de Pequim seria um mode-lo particular de desenvolvimento que a RPC con-seguiu implementar com relativo sucesso, cujaestratégia estaria sujeita a emulação pelos outrosEstados em desenvolvimento e, implicitamente,teria um forte elemento contra-hegemônico. A in-terpretação de Ramo apresenta uma série de pos-tulados normativos em relação à proposta chinesade desenvolvimento, deixando em um segundoplano as dinâmicas que esse mesmo processoacelerado de crescimento e transformação pro-voca no sistema internacional. Reforçando a ca-racterística da “inovação” e eqüidade, a China ofe-receria às outras nações idéias para seus própriose particulares desafios no que tange ao desenvol-vimento econômico e social.

Assim, a China agiria como uma influênciapositiva, espalhando essa dinâmica em três dire-ções: a primeira, como reação às ideias ultrapas-sadas de Washington sobre o desenvolvimento.

Em segundo lugar, apresentando uma “novafísica”9 que envolveria uma espécie de reação emcadeia de crescimento endógeno, onde quer quefosse copiado. Finalmente, o crescimento econô-mico da China serviria como ímã para alinhar asoutras nações aos interesses econômicos da Chi-na. Segundo Ramo, “for both reasons of nationalpride and security, China wants to project its modelabroad”10 (idem, p. 28).

A caracterização de Ramo, se bem pretendemais descrever o “modelo chinês” de desenvolvi-mento (KENNEDY, 2010) do que um padrão deinterdependência, fica presa a um utopismo ba-seado em um raciocínio de bases fortementenormativas. Essa descrição da potencial imitaçãode processos produtivos e de um modelo de de-senvolvimento específico não nos ajuda na com-preensão das implicações geopolíticas egeoeconômicas – que envolvem a questão do de-senvolvimento – dos países da América Latina eda África que experimentam uma interdependênciacomercial sem precedentes com a RPC. Ramonão consegue enxergar essa nova dinâmica Nor-te-Sul no contexto do capitalismo contemporâ-neo. De fato, a tendência contemporânea de apro-ximação entre a América do Sul e a China estámuito longe de qualquer emulação de modelos dedesenvolvimento. Trata-se, nesses casos, de umacomplementaridade comercial dinamizada pelaexpansão comercial e financeira chinesa, o cres-cimento mundial e a elevação dos preços dascommodities e dos recursos energéticos.

Essa nova relação Norte-Sul, assimétrica ecomplementar, na era posterior ao Consenso deWashington, entre a RPC e algumas regiões emdesenvolvimento, como é o caso dos países da

9 No original: “new physics”. Dirlik faz uma crítica aoargumento de Ramo que, por razões de espaço, não pode-mos aprofundar neste artigo. “The problem is that Ramo’sphysics is a faulty as his political economy and, in the end,the Beijing Consensus appears, more than anything, to bea soles gimmick – selling China to the World, while sellingcertain ideas of Development to the Chinese leadership”(DIRLIK, 2007, p. 2). (“O problema é que a física deRamo é tão faltosa quanto sua economia política e, no fim,o Consenso de Pequim parece, mais do que tudo, ser ape-nas um truque – vender a China para o mundo, enquantovendendo certas idéias de desenvolvimento para a lideran-ça chinesa”).10 “A China, seja por razões de reputação nacional ousegurança, deseja projetar seu próprio modelo para fora”.

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América do Sul – é a que denominamos comoConsenso do Pacífico. O CP não pretende des-crever o funcionamento ou as características deum modelo de desenvolvimento específico, masum tipo de relacionamento Norte-Sul na sua fasecomercial-financeira, cujo desenvolvimento é umaconseqüência direta das transformações globais,da ascensão chinesa e das próprias característi-cas do desenvolvimento da RPC. Para os paísesda América do Sul e da África não se trata deemulação do modelo de desenvolvimento chinês.Esse não é o secreto do crescimento econômicoexperimentado por esses países nos últimos anos,como vários analistas têm apresentado. Eis o pontonevrálgico da nossa questão. Trata-se, pelo con-trário, de novas possibilidades de inserção inter-nacional por parte dos países em desenvolvimen-to, a partir de um comércio complementar com aRPC, que pode acelerar a cristalização de um tipode especialização nos moldes de um sistema cen-tro-periferia e, como conseqüência, o surgimentode um renovado modelo de desenvolvimentocommodity-exportador para os países periféricos.

Se realizarmos um exercício de análiseprospectiva para a América do Sul, resulta muitodifícil pensar em projetos de integração e de estra-tégias de inserção internacional, sem levar em con-sideração o gigante asiático como o mais impor-tante ator extra-regional na região. Como destaca-do, esse relacionamento, sustentado nas trocascomplementares e no comércio internacional, as-semelha-se mais a um tipo de vínculo Norte-Sul doque Sul-Sul, porém muito diferente da divisão in-ternacional do trabalho do século XIX, cujo centroera a Grã-Bretanha, o típico modelo Ocidental cen-tro-periferia. Dessa maneira, com o objetivo deesclarecer a questão, podemos apontar as caracte-rísticas mais salientes desse novo consenso: (i) oCP abre as margens de manobra política para paí-ses em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Oenvolvimento da China na América Latina, mas tam-bém na África, no século XXI, apresenta-se comouma nova opção para os estados do “Sul”, emcontraposição aos constrangimentos rígidos do CW.Seja mediante novas possibilidades de comércio,seja em investimentos na área de infraestrutura ena indústrias extrativas ou com ajudas financeiraspara quitar dívidas externas.

(ii) A interdependência crescente entre a RPCe os países em desenvolvimento não se apresen-ta, no curto prazo, como uma ameaça para osEUA, e isso vale sobretudo para o hemisfério oci-

dental. Não obstante, os Estados Unidos têm sepreocupado com a presença chinesa na região etêm pressionado para deixar clara essa relação.Foi assim que, em abril de 2006, em uma reuniãoem Pequim, o então Subsecretário de Estado parao Hemisfério Ocidental dos EUA, ThomasShannon, o vice-Ministro de Relações Exterioresda China, Dan Bingguo e o Chefe do Departa-mento de Assuntos Latino-Americanos, ZengGang, junto a outros funcionários, assinaram umacordo para criar um mecanismo regular de con-sulta sobre a região (CORNEJO & NAVARROGARCIA, 2010, p. 82). Isso significa que a Chinacomprometeu-se a fazer uma prestação de contasperiódica das suas atividades hemisféricas. Nessesentido, as autoridades chinesas têm reiteradofreqüentemente que o objetivo da RPC é defendero princípio de não intervenção nos assuntos inter-nos de outros países e que o foco do relaciona-mento com os países da América Latina é estrita-mente econômico e não de natureza política. Esseprincípio é o principal argumento chinês no intuitode evitar disputas com a superpotência e manter asredes comerciais e de investimentos. A mesma de-fesa do princípio de “não intervenção em assuntosinternos” está casada com a intenção explícita daChina de não tentar impor ideologia alguma ou pro-mover revoluções. O paradoxo é que a defesa doprincípio de “não intervenção” adotada pela RPCentra em conflito com os interesses dos EUA emalgumas outras regiões, como na África ou na Ásia,nos casos específicos do Sudão e do Irã.

(iii) Em terceiro lugar, a China tem como ob-jetivo manter e promover a estabilidade nas maisdiversas regiões para, dessa maneira, garantir asegurança nos investimentos e os contratos dasrelações comerciais (RATLIFF, 2009).

(iv) Em quarto lugar, a RPC está surgindo comouma nova possibilidade de financiamento para ospaíses com problemas financeiros da América doSul. A diferença mais saliente em relação ao mo-delo de empréstimos das instituições financeirasinternacionais como o FMI e o Banco Mundial éque a RPC não impõe condicionalidades políticasem troca de investimentos e ajuda11. As duas prin-

11 Talvez a única exceção vale para a questão do reconhe-cimento oficial da RPC em detrimento de Taiwan. Contu-do, como expressam Cornejo e Navarro García (2010, p.85) e já foi mencionado anteriormente, o fato que um paísmantenha relações diplomáticas com Taiwan não afeta ne-cessariamente o intercâmbio econômico com a China.

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cipais instituições chinesas de financiamento sãoo Banco Chinês de Desenvolvimento e o Bancode Exportação e Importação Chinês12 que, se-gundo uma pesquisa feita pelo jornal FinancialTimes, emprestaram entre 2009 e 2010 aproxi-madamente US$ 110 bilhões a governos e em-presas de países em desenvolvimento. Isso ul-trapassou o montante de empréstimos do BancoMundial, de meados de 2008 até meados de 2010,que foi de US$ 100,3 bilhões DYER, ANDERLINI& SENDER, 2010) . Ambas as instituições ban-cárias chinesas provêem empréstimos com ta-xas preferenciais e com muitas melhores condi-ções do que os oferecidos pelo Banco Mundial eestão fortemente apoiados pela política oficial dePequim. Nesse ponto, o CP contrasta com a po-lítica das instituições financeiras internacionais,muito ativas com o CW. As ajudas e emprésti-mos chineses, além de serem mais atraentes eco-nomicamente, também o são politicamente. Nãohá cláusulas de condicionalidades envolvidas nosacordos, nem pressão para reformasinstitucionais domésticas. Em termos doFinancial Times, os empréstimos impõem me-nos condições onerosas de transparência (idem).Cabe destacar que, além dessas duas instituições,também o Banco Central da China mostra-semuito ativo oferecendo ajuda financeira. Confi-ante nas possibilidades de ajuda chinesa, porexemplo, o Banco Central da Argentina assinouem 2009 um acordo de cooperação com o Ban-co Central da China13.

(v) Finalmente, uma característica interessan-te do padrão de relacionamento do CP é a estra-tégia bilateral de negociação, seja nas assinatu-ras dos TLC com três países da região, seja nanegociação com os países membros doMercosul. Foi seguindo esse padrão bilateral quea RPC articulou politicamente o reconhecimentocomo economia de mercado da RPC por partedo Brasil e da Argentina14.

V. CONCLUSÕES: A BIFURCAÇÃO DO CP EALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O FUTU-RO DA INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA DOSUL

Uma conseqüência direta dessas transforma-ções geopolíticas e geoeconômicas que envolvema RPC e a América do Sul é a bifurcação do CP,desdobramento diretamente ligado ao impacto di-ferenciado nos diferentes estados da sub-região.É, nesse sentido, que a expansão chinesa apre-sentar-se-á como um dos maiores desafios para oprocesso de integração na América do Sul. Comofoi destacado, a explosão do comércio com a Chinaestá cristalizando a especialização comercial en-tre, por um lado, países produtores de commoditiese de recursos energéticos e, por outro, o produ-tor de manufaturas, nesse caso a própria China.Dessa maneira, observando mais detidamente, oCP tem implicações diferenciadas em países comníveis de desenvolvimento diferentes. Trata-se deuma bifurcação dos impactos, que apresentará suascontradições à medida que essa particular relaçãoNorte-Sul aprofunde-se.

Em primeiro lugar, para os países que não pos-suem um parque industrial importante ou não ex-perimentaram um processo de industrialização nasua trajetória de desenvolvimento, não haverá umimpacto negativo no curto prazo; muito pelo con-trário, a parceria com a RPC está em seu pontomais elevado. Os casos de Chile e do Peru são oexemplo mais destacado. Não obstante, o futurodesses países estará determinado pela nova rela-ção Norte-Sul, uma típica relação centro-periferiana qual prima o aspecto funcional das economiassubdesenvolvidas no mercado mundial baseadasna especialização na produção de commodities ede recursos naturais. Nesse cenário, a China temum peso cada vez mais proeminente nessa dinâ-mica comercial em processo de consolidação. Arelação que o Chile e o Peru têm atualmente coma RPC parece ser uma lua de mel que começounos alvores do século XXI e que parece não terfim, superando, em grande medida, os impactosnegativos da crise financeira global de 2008.

Em segundo lugar, a outra face da moeda sãoos países como a Argentina e o Brasil, os paíseseconomicamente maiores da sub-região, que têmum setor industrial considerável e, além disso,certa responsabilidade na condução e liderança dosprocessos de integração regional na América doSul. Para eles, a realidade tornar-se-á mais com-

12 Em inglês: China Development Bank e China Export-Import Bank, respectivamente.13 Para mais detalhes dessa iniciativa da Argentina, ver:CHINA PONE A DISPOSICIÓN (2009); FIRMAN UNACUERDO (2009).14 O fato de o Paraguai não reconhecer a RPC dificultatambém qualquer tipo de negociação partindo do Mercosulcomo bloco.

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plexa. No Mercosul, por exemplo, os produtosindustrializados oriundos da China ameaçam o se-tor industrial da Argentina e, ao mesmo tempo,ameaçam a indústria brasileira, que perde merca-do no país vizinho, criando atritos entre ambos osparceiros regionais. A titulo de ilustração, vale apena lembrar um recente episódio envolvendo ne-gociações comerciais entre a Argentina e o Brasiljustamente para tentar equacionar esse problema.No dia 26 de março de 2010, em um encontro emBrasília, o Secretário de Comércio Exterior do Bra-sil, Welber Barral, e o subsecretário de Política eGestão Comercial do Ministério da Produção daArgentina, Eduardo Bianchi, acordaram posiçõesem conjunto em face da política comercial da Chi-na para a região (LEO, 2010; SIMÃO, 2010). Asduas maiores economias da região deram o pon-tapé inicial para levar adiante uma iniciativa deintegração das cadeias de produção e uma políticacomercial e de proteção industrial comum em re-lação à China, com uma intenção de promoverprodutos brasileiros e argentinos também de ma-neira conjunta.

Esse acontecimento mostra, em grande me-dida, a preocupação dos setores industriais deambos os países frente à impossibilidade de com-petir com os produtos chineses. Pouco teve quese esperar para uma resposta chinesa. No dia 3 deabril de 2010, a decisão da RPC de frear o ingres-so de óleo de soja de origem argentino por razõessanitárias15 criou uma rispidez nas relações bila-terais (MALESTAR OFICIAL CON CHINA, 2010;EXIGEN SOLUCIONES A LA CRISE, 2010) queestava amadurecendo, não só por meras razõesconjunturais do comércio internacional, mas tam-bém por razões estruturais, que também se re-montam as trajetórias históricas do desenvolvi-mento da Argentina e do Brasil. Ambos os países,mas principalmente o Brasil, conseguiram formarsetores industriais de peso, cujos interesses refle-tem-se na estrutura do Estado e na elaboração daspolíticas públicas e, portanto, na sua política ex-terna. A partir de 2008 e 2009, no meio da criseeconômica, o conflito de interesses latente saltouà luz (OLIVEIRA & PAUL, 2009; RODRÍGUEZ,2009; MOURA E SOUZA, 2010).

Embora, o comércio com a RPC seja uma novaopção para os países do Sul, o CP apresenta im-pactos diferenciados na sub-região e desdobra-mentos geopolíticos da maior importância e com-plexidade para a integração sul-americana. Comofoi destacado, trata-se de uma relação fundamen-talmente, mas não exclusivamente, econômica, naqual a China precisa de estabilidade política regio-nal e de bom relacionamento com os EUA; o vín-culo comercial crescente está baseado, sobretu-do, em uma relação de complementaridade comperigo de cristalizar-se em uma especialização es-tilo centro-periferia; e no âmbito dessa relação, aRPC está implementando, em vários casos, pro-gramas de ajuda e de cooperação – além dos in-vestimentos em infraestrutura que foram citados–, não impondo condicionalidades políticas espe-cíficas de curto prazo. Esse conjunto de políticasconforma o padrão de relacionamento que deno-minamos de Consenso do Pacífico e que se apre-senta como uma variável de extrema relevânciapara compreender os futuros desdobramentos doprocesso de integração sul-americana. Uma dasconseqüências mais destacadas talvez seja o re-forço dos princípios do regionalismo aberto16 nasub-região, o que, em grande medida, conflita coma estratégia de política externa brasileiraimplementada na última década e aprofundada,sobretudo, durante o governo de Luiz Inácio Lulada Silva.

O indício mais destacado do ressurgimento doregionalismo aberto17 na América Latina nasceuda iniciativa do Peru, um dos três países que assi-

15 O óleo de soja de origem argentina teria uma proporçãode resíduo de solvente além da permitida por novas normastécnicas de qualidade incorporadas pela RPC(DELLATORRE, 2010).

16 O “regionalismo aberto” é um modelo de integraçãoregional dominante na década de 1990, preconizado espe-cialmente pela Cepal. A integração sob essa perspectiva éconcebida como “um cimento que favoreça uma economiainternacional mais aberta e transparente, em vez de conver-ter-se em um obstáculo que o impeça, limitando assim asopções de alcance dos países da América Latina e do Caribe.Isso significa que os acordos de integração deveriam tendera eliminar as barreiras aplicáveis à maior parte do comérciode bens e serviços entre os signatários no marco de suaspolíticas de liberalização comercial frente a terceiros, aotempo que se favorece a adesão de novos membros aosacordos” (CEPAL, 1994).17 O regionalismo aberto tem como princípio basilar criarum espaço comercial em uma região específica em conso-nância com o regime multilateral de comércio e que permitaaos países membros assinarem acordos de livre-comérciode maneira individual, modelo que o Chile e o Peru já vêmaplicando.

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naram um TLC com a RPC (PERU, 2010). O“Foro del Arco del Pacífico Latinoamericano” éum acordo que aglutina estados da América doSul, América Central e o México18 com clarosinteresses no estímulo do comércio via oceanopacífico, sem a intenção de ir além de um tratadode livre comércio19. Briceño Ruiz (2010) destacaque o Foro do Arco do Pacífico Latino-america-no (Fapla) surgiu não só para legitimar a políticaexterna comercial de países como Peru ou Chile,mas também como uma resposta às debilidadesda Comunidade Andina de Nações (CAN) e comouma maneira de contrapor-se à proposta “anti-sistêmica” da Alternativa Bolivariana para as Amé-ricas (ALBA)20 liderada por Hugo Chávez. Con-tudo, acreditamos que o Fapla é uma resposta re-gional às transformações econômicas globais e aopapel cada vez mais importante da China e doSudeste Asiático no comércio e nos investimen-

tos na região21. Essas mudanças abriram mais ain-da o leque de opções desses países, fortalecendoainda mais os princípios do regionalismo aberto ecolocando mais um desafio para a liderança brasi-leira nos projetos de integração na América do Sul,seja o Mercosul ou a Unasul.

Concluindo, o projeto da globalização não po-derá ser escrito só com as regras de Washington,simplesmente porque a economia global está con-formando-se como um sistema multipolar, no quala RPC tem o papel mais destacado dentre as no-vas potências regionais. A crise econômica de 2008foi o efeito catalisador para a China ocupar espa-ços cada vez mais importantes nas instituiçõesinternacionais e para a sua expansão de investi-mentos nas mais diversas regiões do planeta. ARPC não se apresenta como uma potênciarevisionista ou um poder contra-hegemônico nosistema econômico mundial. O gigante asiáticopretende acelerar a integração da economia glo-bal, mas ao seu modo e a seu ritmo. Isso implicadesenvolver e aumentar as relações comerciais efinanceiras com outras regiões, o que, por suavez, está conformando outra geografia da econo-mia política global. Isso significa que, nessa novaconfiguração, o papel da RPC será o centro – nãoda economia global como uma totalidade onde apreeminência dos EUA, embora diminuída, per-manece – de uma rede global de conexões co-merciais e financeiras que abrange diversas regi-ões, entre as quais a América do Sul é uma delas.

21 A saída da Venezuela da CAN em 2006 acelerou aindamais a crise desse bloco.

18 Peru, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salva-dor, Honduras, Nicarágua e México foram os signatáriosdo acordo.19 “La iniciativa del ARCO-FAPLA – se encuentra emproceso de consolidación como un espacio de diálogo polí-tico y concertación en torno a temas de caráter econômicoy comercial. Los países participantes han reconocido afini-dades no solo por compartir la Cuenca Latinoamericana delPacífico, sino también por La necesidad compartida de for-talecer los vínculos y ampliar La cooperación con los paí-ses de Ásia Pacífico”. Ver o acordo inicial em Foro DelArco del Pacífico Latinoamericano (2008).20 Além da Venezuela, também Bolívia, Cuba e Nicaráguacompõem o bloco.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

THE CHINESE CONTINENTAL ECONOMY AND ITS GRAVITATING EFFECT

Diego Pautasso

The present article looks at national development and China’s international positioning. Our goal isto discuss how the formation of a continental economy in China has become a factor of that country’sprojection within the international system, analyzing how the formation of a continental economyproduces a sort of gravitational effect that favors the formulation of a Chinese international strategywithin this conjuncture of systemic transition. We discuss several recurrent analyses of the China’sdevelopment and international position. Our central arguments is that the development of a conti-nental economy and the widening economic capacity that has accompanied it have become a keyinstrument of Chinese foreign policy. In other words, China tends to have a strong gravitationaleffect at the global level which it uses as part of its international strategy. We organize the text in thefollowing manner: first, we discuss the recent evolution of Chinese development, focusing on thechallenges of forming an economy of continental dimension; second, we look at how growing Chineseeconomic abilities imply an increasing gravitational effect on the country at a global level and finally,we argue that Chinese diplomacy uses these prerogatives (economic capacity) to unleash aninternational strategy that, within this situation of systemic transition, allows the country to widenthe scope of its international performance by searching for the routes of lesser resistance.

KEYWORDS: China; Continental Economy; Gravitational Effects.

* * *

CHINA IN SOUTH AMERICA AND THE GEOPOLITICAL IMPLICATIONS OF THE PACIFICCONSENSUS

Javier Vadell

This article analyzes the political implications of the increasing interdependence of the People’sRepublic of China (PRC) and South American countries. We present data on PRC investment andtrade in the region and highlight several points of diplomatic progress in terms of bi-lateral cooperationfor the 21st century. Our starting point is the issue of whether we face a relationship that couldconstitute a new form of South-South cooperation or whether it is more representative of the typicalNorth-South pattern or system – albeit one with its own peculiarities. We refer to this relationshippattern as Pacific Consensus (PC). Although short term, the China factor may stimulate growth inthe region, it also has different implications for the development of countries with an importantindustrial sector – such as Brazil and Argentina – and those that do not – such as Chile and Peru –which have all signed free trade agreements with the Asiatic giant. We conclude with someconsiderations regarding the consequences that the PC has in terms of Latin American integration.

KEYWORDS: China; South America; Integration, Pacific Consensus.

* * *

THE POLITICS OF CHINESE SPACE COOPERATION: STRATEGIC CONTEXT ANDINTERNATIONAL SCOPE

Marco Cepik

This article explains the People’s Republic of China’s policies of international cooperation for spaceexploration activities. In the first place, given the tri-polar power structure of the international systemand the increasing dependence that all countries have on the use of outer space, we can explainChinese motivation for spatial cooperation as unfolding from the search for security, economicdevelopment and legitimacy. Next, we demonstrate the Chinese spatial program’s current state ofdevelopment, with particular attention to image, navigation, communication and data transmissionsatellites, as well as micro and nanosatellites. Given structural incentives, strategic goals and the

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

L’ECONOMIE CONTINENTALE CHINOISE ET SON EFFET GRAVITATIONNEL

Diego Pautasso

L’article aborde le développement national et l’insertion internationale de la Chine. L’objectif, c’estde discuter comment la formation d’une économie continentale en Chine devient un facteur deprojection de ce pays dans le système international, en analysant la manière dont la formation d’uneéconomie continentale produit une espèce d’effet gravitationnel qui favorise la formulation de lastratégie internationale chinoise dans cette conjoncture de transition systémique. L’article estdéveloppé par la discussion, avec des analyses récurrentes, sur le processus de développement etd’insertion internationale de la Chine. Le principal argument soutenu dans l’article est celui selonlequel, le développement de l’économie continentale et l’agrandissement de la capacité économique,deviennent un instrument de la politique extérieure chinoise. Autrement dit, la Chine tend à créer unfort effet gravitationnel à l’échelle mondiale, et à l’utiliser comme partie de sa stratégie internationale.Voici comment l’article est organisé: dans la première partie, nous examinons l’évolution récente dudéveloppement chinois, en soulignant les défis de la formation d’une économie avec des dimensionscontinentales ; dans la deuxième partie, nous traitons du développement de la capacité chinoise etcomment celle-ci implique un effet gravitationnel croissant du pays à l’échelle mondial ; ultimement,nous argumentons que la diplomatie de la Chine utilise ces prérogatives (la capacité économique), pourdéclencher une stratégie internationale qui permet au pays, dans ce cadre de transition systémique,d’élargir son espace de performance internationale, en cherchant les lignes de moindre résistance.

MOTS-CLÉS: la Chine ; l’économie continentale ; l’effet gravitationnel.

* * *

LA CHINE EN AMÉRIQUE DU SUD ET LES IMPLICATIONS GÉOPOLITIQUES DUCONSENSUS DU PACIFIQUE

Javier Vadell

L’article analyse les implications politiques de la croissante interdépendance économique entre laRépublique Populaire de la Chine (RPC) et les pays de l’Amérique du Sud. Des données sur lecommerce et l’investissement de la RPC dans la sous-région sont présentées, et les progrèsdiplomatiques en matière de coopération bilatéral dans le XXI siècle sont soulignés. Premièrement,nous cherchons à savoir si nous sommes devant un modèle de relation qui pourrait constituer unerelation renouvelée de coopération Sud-Sud, ou bien, un nouveau type de relation Nord-Sud. Selonnotre hypothèse, l’évolution et la dynamique de cette relation ressemblent plutôt à un système ou àun modèle Nord-Sud aves des caractéristiques bien particulières. Nous appelons ce modèle derelation, le Consensus du Pacifique (CP). Malgré que le facteur Chine stimule, à court terme, lacroissance de la sous-région, le CP a des implications différenciées pour le développement des paysqui détiennent un secteur industriel important – ex. Le Brésil et l’Argentine – et ceux qui n’en ontpas – ex. le Chili et le Pérou, qui ont même signé des traités de libre commerce avec le géantasiatique. L’article est conclu avec quelques observations sur les conséquences du CP dans leprocessus d’intégration sud-américaine.

MOTS-CLÉS: la Chine ; l’Amérique du Sud ; l’intégration ; le Consensus du Pacifique.

* * *

LA POLITIQUE DE LA COOPÉRATION SPATIALE CHINOISE : LE CONTEXTESTRATÉGIQUE ET L’ATTEINTE INTERNATIONALE

Marco Cepik

L’article explique les politiques de coopération internationale de la République Populaire de la Chine,liées aux activités dans le domaine spatial. Premièrement, en ayant la structure de pouvoir tripolaire

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 81-104 NOV. 2011

RESUMO

A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA:CONTEXTO ESTRATÉGICO E ALCANCE INTERNACIONAL

Recebido em 10 de abril de 2011.Aprovado em 10 de maio de 2011.

Marco Cepik

O artigo explica as políticas de cooperação internacional da República Popular da China relacionadas àsatividades no campo espacial. Em primeiro lugar, dada a estrutura de poder tripolar no sistema internacionale a dependência crescente de todos os países em relação ao espaço, explica-se que as razões chinesas paraa cooperação espacial são a busca de segurança, desenvolvimento econômico e legitimidade. Em seguida,demonstra-se o estágio atual de desenvolvimento do programa espacial chinês, particularmente nos camposde satélites de imagem, navegação, comunicação e retransmissão de dados, bem como nas áreas de satélitesmicro e nano. Dados os incentivos estruturais, os objetivos estratégicos e o nível atual de desenvolvimentotecnológico, é possível interpretar corretamente as iniciativas multilaterais da China no contexto global,junto ao Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Cpous), bem como no contextoregional, com a recentemente estabelecida Organização de Cooperação Espacial da Ásia-Pacífico (Apsco).Do mesmo modo, é possível compreender o significado, potencialidade e limites práticos da cooperaçãobilateral chinesa com o Brasil e a África do Sul, potências regionais fora da Ásia. Conclui-se que a políticade cooperação espacial chinesa visa a aumentar a influência internacional de Beijing sem gerar reaçõesexageradas das outras grandes potências, postergando uma eventual militarização do espaço e procurandoconstruir parcerias com potências regionais ainda incipientes no espaço, mas tendo em vista o futuro e asexpectativas quanto ao impacto da digitalização.

PALAVRAS-CHAVE: cooperação espacial; Programa Espacial Chinês; segurança internacional.

I. INTRODUÇÃO1

As razões que levam o governo de um país acooperar com outros governos nacionais são três:(i) a maximização dos ganhos absolutos de de-senvolvimento, (ii) a minimização dos riscos re-lativos de segurança e (iii) o objetivo comum esolidário rumo à expansão da fronteira do conhe-cimento humano. Constrangimentos sistêmicos,interações estratégicas repetidas com n participan-tes e incompletude informacional endêmica tor-nam o balanceamento entre os três objetivos difí-cil e os resultados de cada esforço cooperativosempre incerto2.

Como parte de um grande esforço iniciado em1956, a República Popular da China (RPC) estábuscando desenvolver seu setor espacial primaria-mente para alcançar seus objetivos mais gerais dedesenvolvimento econômico e social, agora nocontexto das quatro modernizações lançadas em1979 (HAGT, 2006). Além disso, o desenvolvimentoe alocação de ativos no espaço é parte inseparáveldo conjunto de interações estratégicas chinesas nosistema internacional e, portanto, influenciam de-cisivamente a segurança internacional no séculoXXI. Conseqüentemente, a cooperação espacial daChina também obedece a imperativos de seguran-ça que não podem ser ignorados na análise (BLAIR& CHEN, 2006; CHAMBERS, 2009).

Para explicar a cooperação técnica e comercialda China no setor espacial é preciso, portanto, si-tuar o contexto político internacional no qual elaestá inserida, o que será feito na seção II. Em se-

1 Agradeço o apoio de Felipe Machado, meu assistente depesquisa na área de Segurança Internacional na Universida-de Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs); na pessoa dele,agradeço a toda a minha equipe de trabalho. Agradeço aindaao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq) pela concessão da Bolsa de Produti-vidade em Pesquisa (PQ) e à Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) o financia-mento do Seminário onde iniciamos a discussão desse tema.2 Para uma revisão do debate entre realistas einstitucionalistas liberais acerca da cooperação internacio-nal, ver Jervis (2003). Sobre a rationale da cooperação

tecnológica no setor espacial, bem como suas exigênciasorganizacionais e políticas específicas no contexto sul-sul,mas que não enfatiza os condicionantes estratégicos inter-nacionais, ver a importante contribuição de Costa Filho(2006).

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 81-104, nov. 2011

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guida, na seção III, serão descritos alguns progra-mas do projeto espacial chinês, particularmente noscampos de imagem, navegação, comunicação, co-leta de dados e satélites micro e nano. Estabeleci-dos o contexto e o conteúdo do programa espacialchinês, na seção IV do texto serão comentadas asiniciativas multilaterais de cooperação da China nocontexto global, junto ao Comitê das Nações Uni-das para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Cpous),bem como no contexto regional, com a recente-mente estabelecida Organização de Cooperação Es-pacial da Ásia-Pacífico (Apsco), criada em dezem-bro de 2008, em Pequim, por Bangladesh, China,Irã, Mongólia, Paquistão, Peru e Tailândia. Por fim,na seção V discute-se a cooperação bilateral compotências regionais fora da Ásia, especificamentecom o Brasil e com a África do Sul, de modo ademonstrar o alcance internacional e o fato de queas razões econômicas e de segurança da coopera-ção convivem com razões solidárias de desenvolvi-mento científico, ainda que subordinadas às primei-ras e enfrentando significativos limites práticos.

II. CONTEXTO ESTRATÉGICO E OBJETIVOSDA COOPERAÇÃO ESPACIAL

O principal componente do contexto políticointernacional a informar as políticas de coopera-ção espacial chinesas é dado pela distribuição in-ternacional de poder. A distribuição de poder vi-gente no sistema internacional desde o final daGuerra Fria pode ser caracterizada como sendomultipolar e desequilibrada (MEARSHEIMER,2001). Vivemos, desde 1991, em um sistematripolar com grandes assimetrias a favor dos Es-tados Unidos da América (EUA), em comparaçãocom as outras duas grandes potências, uma de-cadente (Rússia) e a outra ascendente (China)3.

Na tripolaridade assimétrica, a grande estraté-gia dos Estados Unidos, organizada em torno daidéia de renovar sua liderança em um mundo emcrise e com maior difusão de poder (EUA, 2010a),tem esbarrado menos na existência de alianças in-ternacionais contrabalançantes do que nas disputasinternas em curso no país, bem como nos custosherdados da tentativa frustrada de obtenção da pri-mazia nuclear e da construção de uma ordem inter-nacional unipolar, a qual caracterizou sobremanei-ra os dois mandatos do presidente George W. Bush.Por sua vez, a atual grande estratégia chinesa, ba-seada no trinômio soberania, segurança e desen-volvimento (CHINA, 2011), também enfrenta dis-putas internas e a herança da abordagem anterior,sintetizada pela expressão ascensão pacífica(peaceful rising). Quando o mundo tomou consci-ência do crescimento consistente das capacidadeseconômicas e militares chinesas, na virada do sé-culo, muitos governos e grupos de interesse pas-saram a listar a China como uma ameaça potencial,enfatizando a sua ascensão e desconfiando das suasintenções pacíficas no médio prazo (BUZAN, 2010).Finalmente, é importante mencionar a recuperaçãodas capacidades russas e a adoção de uma posturainternacional muito mais assertiva desde a décadade 2000. Embora sem conseguir alterar a realidadede um declínio estrutural secular e a inconstânciade suas políticas externa, de segurança e defesa, arecuperação russa foi suficiente para que as outrasduas grandes potências e as regiões adjacentes daantiga área soviética (sobretudo a Europa) voltas-sem a considerar muito seriamente a Rússia emseus cálculos estratégicos (CEPIK, AVILA &MARTINS, 2009).

Um segundo componente importante do con-texto político internacional posterior à Guerra Friatem sido o aprofundamento dos processos deintegração regional, mais ou menosinstitucionalizados, capitaneados por potências re-gionais e/ou grupos de potências regionais. Essetem sido, até agora, o principal fator de estabiliza-ção e de construção de alternativas à lógica da ba-lança de poder e dos dilemas de segurança associ-ados com a ordem multipolar desequilibrada.(CHAN, 2010)4.

3 Segundo o Banco Mundial (2011), em 2010 o ProdutoInterno Bruto (PIB) dos Estados Unidos era de US$ 14,6trilhões, enquanto o da China era de US$ 5,9 trilhões e o daRússia, US$ 1,5 trilhão. No mesmo ano, segundo o IISS(2011), os efetivos militares na ativa eram de 1,58 milhãonos Estados Unidos (0,94% da População Economicamen-te Ativa (PEA)), 2,28 milhões na China (0,28% da PEA), e1,05 milhão na Rússia (1,38% da PEA). Ainda segundo oIISS (2011, p. 34), em 2010 os Estados Unidos possuíam450 mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), 155bombardeiros nucleares estratégicos e 14 submarinos nu-cleares capazes de lançar mísseis balísticos intercontinen-tais (SLBMs). A China possuía 66 ICBMs, 132 bombar-deiros estratégicos e 3 submarinos SLBM, enquanto aRússia, por sua vez, ainda detinha 376 ICBMs, 251 bom-bardeiros estratégicos e 14 submarinos SLBM.

4 Ao longo da última década, mas particularmente após oinício da crise econômica de 2008, a desigualdade relativade riqueza e poder entre os Estados Unidos e a Chinadiminuiu, mas não deixou de existir. Um dos resultadosainda incertos da crise mundial é o seu impacto sobre osprocessos de integração regional.

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Juntamente com a distribuição tripolar eassimétrica de poder e com os processos deintegração regional, há um terceiro componentedo contexto político internacional importante paraexplicar a política de cooperação espacial chine-sa. Trata-se da chamada expansão conceitual daagenda de segurança. Inicialmente proposta demodo normativo e ambíguo para focalizar as ame-aças não militares à segurança dos indivíduos, aampliação da agenda de segurança internacionalno começo do século XXI decorre, na verdade,de uma dupla pressão estrutural. Por um lado, atransição demográfica e seus impactos sobre amatriz energética mundial tornam mais críticosos requerimentos logísticos de sustentação dagrande estratégia de todos os estados. Por outrolado, o avanço do processo de digitalização impli-ca a crescente dependência de todos os paísesem relação ao ciberespaço e às tecnologias asso-ciadas ao espaço sideral. Petróleo, alimentos, mi-nerais, internet e satélites são termos-chave paraa criar um sentido renovado de dilemas de segu-rança em áreas de atividade humana diferentes dasameaças militares convencionais.

Na medida em que o espaço exterior à atmos-fera terrestre passa a ser mais decisivo para aconfiguração da ordem internacional, a interaçãoentre os diversos atores com interesses no espa-ço adquire contornos de um dilema de segurança(BLAIR & CHEN, 2006). O poder militar é, por-tanto, uma parte inerente de qualquer política ouprograma espacial de qualquer país, quer arma-mentos venham ou não a ser mobilizados no es-paço no futuro. Isso não significa que a coopera-ção em temas espaciais seja impossível, apenasdestaca que ela é difícil e deve ser considerada demaneira realista5.

Somente assim é possível compreender, porexemplo, as vicissitudes enfrentadas pela propos-ta encaminhada conjuntamente pelos governos da

Rússia e da China para a Conferência sobre De-sarmamento da Organização das Nações Unidas(ONU) em 2008, chamada de versão preliminarpara um Tratado sobre a Prevenção da Instalaçãode Armas no Espaço Exterior e do Uso ou Ameaçade Uso da Força contra Objetos no Espaço Exte-rior6. Tampouco se poderá apreciar o amplo sig-nificado da nova Política Espacial dos EstadosUnidos, a menos que se adote um ponto de parti-da realista (EUA, 2010b). Afinal, em ambos oscasos constrangimentos estruturais e interaçõescompetitivas limitaram a disposição expressa pe-los proponentes de cooperar e ampliar a base le-gal da confiança mútua internacional estabelecidapelo Tratado do Espaço Exterior, assinado em1967 e atualmente com 98 países signatários.

As razões de segurança são, em decorrênciado que foi exposto até aqui, uma parte integral dapolítica de cooperação espacial da China, tantodireta quanto indiretamente.

Diretamente, em função da assimetria de for-ças convencionais e nucleares em favor dos Esta-dos Unidos e seus aliados. Afinal, ao longo dosúltimos 15 anos a correlação de forças nos estrei-tos de Taiwan e os planos norte-americanos dedesenvolvimento de uma capacidade de defesaantimísseis balísticos e de controle militar do es-paço foram um importante elemento no cálculoestratégico chinês. Tais capacidades poderiamefetivamente neutralizar a capacidade chinesa dedissuasão nuclear e levar o país a uma instável eindesejável corrida armamentista (HAGT &DUNIN, 2009). Para os militares chineses, o es-paço é o coração da corrente revolução em as-suntos militares e sua importância para a GrandeEstratégia chinesa vem aumentando consistente-mente (SWAINE & TELLIS, 2000; BLASKO,2006; CORDESMAN & KLEIBER, 2007).

Indiretamente, as razões de segurança ema-nam da própria maturação tecnológica, dos mo-delos de negócios e do volume de recursos inves-tidos nas operações comerciais envolvendo o es-paço. Em primeiro lugar, são poucos os países

5 O espaço exterior já era importante por razões estratégi-cas durante a Guerra Fria, uma vez que a dissuasão mútuadependia dele para a guiagem dos mísseis balísticos inter-continentais, bem como de sensores de imagens e sinaisembarcados em satélites para a vigilância mútua. O quemudou depois de 1989 foi a crescente dependência do es-paço para a realização de todas as operações militares epara a economia civil (space-enabled digital networks). Parauma discussão aprofundada sobre o significado dadigitalização e do comando do espaço para o equilíbrio depoder no plano global e regional, ver Martins (2008).

6 O texto completo do “Draft Treaty on Prevention of thePlacement of Weapons in Outer Space and of the Threat orUse of Force against Outer Space Objects (PPWT)”, bemcomo o restante da documentação da Conferência sobreDesarmamento da ONU, podem ser encontrados no sítiodo Escritório das Nações Unidas em Genebra (UNOG,2008).

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com capacidade de lançamento de satélites (Esta-dos Unidos, Rússia, Agência Espacial Européia,China, Índia, Japão e Israel). Dado o potencialuso dual civil-militar dos veículos espaciaislançadores, um Regime de Controle da Tecnologiade Mísseis (MTCR) perpassa hoje a atividade.Ademais, segundo o IISS (2007), os custos delançamento variavam entre 15 e 125 milhões dedólares, freqüentemente igualando ou excedendoo valor da carga (payload). Finalmente, forçasarmadas e agências de inteligência compram ser-viços e produtos em um mercado espacial emfranca expansão. Durante a invasão do Iraque em

2003, por exemplo, 77% das faixas de freqüênciae uma parte considerável do tempo de transponderutilizados nas comunicações das forças armadasdos Estados Unidos provinham de fornecedoresprivados, dentre os quais vários estrangeiros(O’HANLON, 2004).

O Gráfico 1, a seguir, indica que os ativos es-paciais da China ainda são muito menores do queos da Rússia e dos Estados Unidos, sendo queeste responde por 90% de todo o gasto militarcom o espaço anualmente, sem falar na propor-ção maior de ativos (assets) de uso misto e nosmais de 300 satélites de uso civil-comercial.

FONTE: UCS (2009).

GRÁFICO 1 – ATIVOS ESPACIAIS: ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA E CHINA

Por sua vez, o Gráfico 2 confirma que a eco-nomia do setor espacial, embora contando com apresença da China tanto na fabricação quanto no

lançamentos de satélites, ainda é firmemente do-minada pelos Estados Unidos e Rússia, com aUnião Européia aparecendo em terceiro lugar7.

7 Para uma visão européia (francesa) acerca do contextoestratégico internacional da política espacial, ver Montluc(2009).

Militar

Misto

Não-militar

Rússia ChinaEUA

Núm

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atél

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FONTE: Futron (s/d).

Ou seja, aliados estratégicos tendem a ser im-portantes no novo ambiente espacial, mas tais ali-ados serão ao mesmo tempo competidores po-tenciais, coetâneos ou separados por algumasdécadas (HAGT, 2006, p. 91). Embora de manei-ra mais incerta, incipiente e com menos recursos,as potências regionais em desenvolvimento tam-bém estão desenvolvendo suas capacidades espa-ciais. Portanto, a cooperação técnica e comerciale as parcerias estratégicas com tais potências re-gionais assume um significado importante para asegurança internacional (SHEEHAN, 2007).

Mesmo considerando os demais atores, prin-cipalmente a Rússia, que coopera no setor espa-cial com os dois, é a interação estratégica entreEstados Unidos e China o fator singular mais im-portante para a evolução política e econômica domundo no século XXI8.

Desde 1999, os EUA impuseram um embargode facto para a exportação de tecnologias e com-ponentes relacionados ao espaço para a China9.

GRÁFICO 2 – CONSTRUÇÃO DE ESPAÇONAVES E LANÇAMENTOS ORBITAIS

Por mais de dez anos desde o embargo, enquantobuscava sem sucesso obter a primazia nuclear (pormeio de diplomacia coercitiva, pressão econômi-ca e guerra subterrânea) para tentar forjar umaordem mundial unipolar, Washington evitou ne-gociações com a China sobre os usos do espaçopara além do já estabelecido pelo tratado de 1967.No contexto internacional que prevaleceu até 2010,a China buscou contornar suas dificuldades deacesso às tecnologias espaciais norte-americanasde várias formas, inclusive por meio de parceriascom outros países, mas sempre procurando for-talecer o controle soberano e o desenvolvimentoautônomo de suas capacidades (GUO, 2006).

A nova postura estratégica e espacial da CasaBranca a partir de 2010, sob o governo Obama,poderia modificar todo esse contexto ao criar con-dições para uma cooperação direta entre os Esta-dos Unidos e a República Popular da China naárea espacial (CHAMBERS, 2009; MOLTZ,2011a). Ainda assim, dada a incerteza sobre a vi-abilidade interna da nova postura americana e dadoque a construção, comercialização e a operaçãode ativos espaciais tem se tornado cada vez mais8 Reconhecer a importância da díade Estados Unidos-

China não significa corroborar aqueles exageros interessa-dos que defendem normativamente uma inexorável e acele-rada militarização do espaço, decorrente de uma também“inevitável” confrontação entre os Estados Unidos e aChina. Exemplos da posição sobre a “ameaça chinesa real eimediata” no espaço seriam Dolman (2002) e Seedhouse(2010).9 Na época o Relatório da Comissão Cox, elaborado sob ademanda do Congresso Nacional dos Estados Unidos, acu-

sou a China de adquirir de maneira ilícita tecnologias sensí-veis por meio de laços econômicos com empresas de satéli-tes dos Estados Unidos. Do ponto de vista formal, os Esta-dos Unidos subordinaram a exportação de satélites àRegulação Internacional de Movimentação de Armas (ITAR,na sigla em inglês), o que, na prática, limitou drasticamente ocomércio direto entre os setores espaciais dos Estados Uni-dos e da China até hoje (KAN, 2003; HAGT, 2006).

Iran

EUA

Coréia do Sul

Rússia

Europa

ÍndiaIsrael

Japão

China

EUA

Coréia do Sul Rússia

Europa

Índia

Israel

Japão

China

Canadá:BrasilResto do Mundo

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A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

importante para a segurança econômica e militarda China, é razoável inferir que os chineses tenta-rão proteger seus interesses espaciais da mesmaforma que os americanos o fazem (EUA, 2002;JOHNSON-FREESE, 2006). A própria lógica dainteração estratégica torna as decisões de ambosos governos interdependentes e tem limitado, pelomenos até recentemente, o alcance da coopera-ção possível, conforme apontam Zhang (2006) eMoltz (2011b)10.

Em resumo, é possível inferir que a diploma-cia espacial chinesa tem quatro objetivos princi-pais. O primeiro é ajudar o país a obter a tecnologianecessária ao desenvolvimento de um programaespacial completo, civil e militar (WU, 2006). Osegundo objetivo é o de construir legitimidade paraas pretensões chinesas como grande potência naera digital e espacial. O terceiro objetivo chinês éevitar ou adiar uma disputa direta pelo comandodo espaço com as demais grandes potências11.Finalmente, o quarto objetivo da diplomacia espa-cial chinesa é contribuir para ampliar a fatia demercado controlada pelos agentes privados e es-tatais chineses, tendo em vista o crescimento ace-lerado de uma cadeia de valor estimada em maisde US$ 150 bilhões ao ano (HENRI, 2010).

Dados o contexto e os objetivos da coopera-ção espacial chinesa, na próxima seção serão des-critas algumas das capacidades na área de satéli-tes do programa espacial chinês, pois isso é im-portante para qualquer avaliação ulterior sobre osignificado e os limites práticos da cooperação como Brasil e a África do Sul.

III. OS SATÉLITES NO PROGRAMA ESPACI-AL CHINÊS

Iniciado em 1956, pouco tempo depois da fun-dação da República Popular da China, o programaespacial chinês vem destacando-se nos últimosanos por seus grandes investimentos e realizações,a despeito da crise econômica mundial12.

Por exemplo, o projeto Shenzou colocou emórbita, em 2003, o primeiro taikonauta chinês13.Em 25 de setembro de 2008, Zhai Zhigang, tripu-lante da Shenzou-7, tornou-se o primeiro chinês acaminhar no espaço. Finalmente, no dia 29 de se-tembro de 2011 foi lançado com sucesso o móduloorbital não tripulado Tiangong-1, primeira etapada construção de uma estação espacial própria.Planeja-se, dentro de dois anos, o início daacoplagem de naves como a Shenzou-8, Shenzou-9 e Shenzou-10. Ainda que tais feitos tenham ocor-rido 40 anos depois de feitos semelhantes por parteda Rússia (URSS) e dos Estados Unidos, eles in-dicam a determinação de um país que planeja umamissão tripulada completa para a Lua, até 2020,bem como missões não tripuladas para Marte, entre2014 e 2033 (SHEEHAN, 2011).

Mesmo que nos últimos anos o programa tri-pulado chinês tenha capturado a atenção mundial,é importante lembrar que esse é apenas um doscomponentes de um complexo programa espaci-al, que envolve ainda a construção e operação desítios de lançamento (Jiuquan, Xichang e Taiyuan),veículos lançadores (como os foguetes LongaMarcha), satélites de vários tipos, sistemas e es-tações de telemetria, rastreamento e comando(TT&C), espaçonaves (Shenzou), além do res-tante da cadeia produtiva associada ao espaço, quevai da produção ou aquisição de insumos até asaplicações derivadas das capacidades espaciais de-senvolvidas (CHINA, 2006a).

Desde 1999, a cadeia de comando do progra-ma espacial chinês vem aumentando seu grau deinstitucionalização14. A pesquisa militar, desenvol-vimento, aquisição e uso de capacidades espaci-

10 Sobre o significado do teste chinês de um míssilantisatélite (ASAT) em 2007 e os desdobramentos poste-riores na relação entre Estados Unidos e China até 2010,ver Bao (2007) e também Lutes & Hays (2011).11 Para uma discussão inicial sobre o conceito de comandodo espaço, ver o capítulo 7 do livro de Klein (2006).12 Para uma breve introdução à história do programa espa-cial chinês e à organização política e administrativa do se-tor naquele país, ver Cheng (2011), Janes (2009) e também

Cordesman e Kleiber (2007). A posição oficial do Conse-lho de Estado da República Popular da China sobre a suapolítica espacial foi expressa em um White Paper publica-do para marcar os 50 anos de seu programa espacial (CHI-NA, 2006a). Recomenda-se ainda a leitura da resenha deChen e Hagt (2006).13 Oficialmente chamados de (pinyin: yuháng-yuán), ou “pessoas que navegam no universo”, os astro-nautas chineses têm sido chamados pelos meios de comu-nicação, inclusive a agência oficial de notícias Xinhua, detaikonautas, um neologismo formado a partir da idéia chi-nesa de espaço (taikong) e da idéia grega de navegador( ) (XINHUA, 2008).14 Discute-se, entretanto, se as linhas de autoridade atual-mente existentes entre as autoridades civis, militares e asdiversas organizações envolvidas com as atividades espaci-ais seriam eficientes ou não em termos de troca de informa-

宇航員 

πλοηγός 

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ais para as forças armadas são responsabilidadesdo Departamento Geral de Armamento (GAD), umdos três departamentos da Comissão Militar Cen-tral (CMC) do Conselho de Estado. Esse departa-mento também é responsável pela construção egestão dos sítios de lançamento. Por sua vez, acoordenação nacional do programa passou a serfeita pela Administração Espacial Nacional da China(CNSA), órgão subordinado diretamente ao Con-selho de Estado15. A principal agência executorado programa espacial chinês é a Corporação deCiência e Tecnologia Aeroespacial da China(CASC), sob controle da CNSA e voltada ao de-senvolvimento de sistemas civis e militares16.

Segundo Pollpeter (2011, p. 406-407), os doisprincipais desafios atuais para a governança doprograma espacial chinês seriam a manutenção deum ritmo adequado de inovação tecnológica e amelhoria da sinergia civil-militar. O primeiro de-safio tem sido enfrentado a partir de um Plano deMédio e Longo Prazo para o DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (MLP). O MLP foi pro-jetado para fomentar o desenvolvimento endógenode inovações e permitir um salto qualitativo da in-dústria de alta tecnologia na China. Também o 11ºPlano Quinquenal (2006-2010) reforçou a impor-tância do programa espacial do país, o que ficouevidenciado pela confirmação do calendário doprograma tripulado completo e da construção daestação orbital própria, mesmo com o veto dosEstados Unidos à participação da China no pro-grama da Estação Espacial Internacional (CHINA,2006b). Em relação à coordenação civil-militar,embora pouco seja conhecido sobre as transfor-mações recentes, a literatura assume que as for-ças armadas chinesas estejam fortemente empe-nhadas em garantir que o programa espacial dopaís permita-lhes melhorar suas capacidades es-tratégicas e operacionais (space-enabled network-centric operations) (BLASKO, 2006; 2011; TENG,2006; IISS, 2007; TELLIS, 2007; CHAPMAN,2008; KREPON, 2008; HAGT & DUNIN, 2009).

Trata-se, pois, de avaliar o lugar da coopera-ção internacional diante do duplo desafio enfren-tado pelo programa espacial chinês (inovação esinergia civil-militar). Para tanto, no restante des-ta seção serão descritas sumariamente algumascategorias de satélites chineses, tais comosensoriamento remoto e reconhecimento, nave-gação e posicionamento, transferência de dados,além de micro e nano satélites17.

II.1. Satélites de sensoriamento remoto, reconhe-cimento e inteligência de imagens

Os primeiros satélites de reconhecimento comcarga útil recuperável foram lançados pela Chinaem 1975, sendo que desde então três famílias desatélites sucederam-se com ganhos crescentes decapacidade e desenvolvimento tecnológico.

ções em tempo real e uso eficaz das capacidades espaciais.Cf. as imagens descritivas da cadeia de comando no progra-ma espacial chinês em Hagt e Dunin (2009, p. 96-97).15 Em inglês, China National Space Administration(ou ; pinyin: Guójia Hángtianjú). Cf. CNSA(s/d). Por sua vez, a CNSA controla as duas maiores empre-sas estatais chinesas do setor aeroespacial, a China AerospaceScience and Technology Corporation (CASC) e a ChinaAerospace Science and Industry Corporation (CASIC). Nocaso da CASIC, trata-se da maior empresa estatal chinesavoltada para o desenvolvimento e construção de mísseis eoutros sistemas de armas. Cf. CASIC (s/d).16 Em inglês, China Aerospace Science and TechnologyCorporation ( ). A estatal CASC é umacorporação gigantesca, com mais de 120 mil empregados,exercendo comando e controle direto sobre um grande núme-ro de entidades. Apenas para citar os nomes disponíveis ofici-almente em inglês: (i) complexos de P&D e produção: ChinaAcademy of Launch Vehicle Technology (CALT); Academyof Aerospace Solid Propulsion Technology (AASPT); ChinaAcademy of Space Technology (CAST); Academy ofAerospace Liquid Propulsion Technology (AALPT); SichuanAcademy of Aerospace Technology (SAAT); ShanghaiAcademy of Space Flight Technology (SAST); ChinaAcademy of Aerospace Electronics Technology (CAAET);China Academy of Aerospace Aerodynamics (CAAA). (ii)empresas especializadas: China Satellite CommunicationsCorporation; China Great Wall Industry Corporation(CGWIC); China Aerospace Engineering Consultation Center;China Centre for Resources Satellite Data and Application;Aerospace Science & Technology France Co, Ltd; AerospaceCapital Holding Co, Ltd; China Aerospace Times ElectronicsCorporation; China Aerospace International Holdings, Ltd;Beijing Shenzhou Aerospace Software Technology Co, Ltd;Shenzhen Academy of Aerospace Technology; AerospaceLong-March International Trade Co, Ltd. (iii) outras unida-des diretamente subordinadas à CASC: China AstronauticsStandards Institute; China Astronautics Publishing House;Space Archives; Aerospace Communication Center; ChinaSpace News; Chinese Society of Astronautics; AerospaceTalent Development & Exchange Center; Aerospace PrintingOffice. Ver Casc (s.d.).

17 As observações da próxima seção não pretendem serconclusivas, pelo contrário. Trata-se de uma primeira apro-ximação bastante incompleta e superficial. Por motivos detempo e espaço não foi possível incluir, por exemplo, saté-lites exclusivamente de uso militar ou mesmo os satélitesmetereológicos FY (Fengyun). Cf. Hagt e Dunin (2009),bem como Sinodefence (s/d).

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A primeira série foram os satélites FSW(ou ; pinyin: Fanhui Shi Weixing), queinicialmente carregavam enormes rolos de filmefotográfico para capturar imagens. As missões dossatélites FSW duravam em torno de três dias e,após esse período, os rolos de filme eram lança-dos para a terra. Esse foi o programa que lançouo maior número de satélites chineses, tendo dura-do 29 anos (1974-2003).

O segundo projeto, chamado de Ziyuan, desatélites de sensoriamento remoto, teve início em1986 e constituiu a primeira modalidade de coo-peração sul-sul para o co-desenvolvimento de altatecnologia. Os chineses vinham enfrentando al-gumas dificuldades no projeto do seu satélite desensoriamento remoto, principalmente devido àfalta de tecnologias de antenas de retransmissão(COSTA FILHO, 2006). Naquele momento, ini-ciou-se a aproximação do país com o Brasil, ter-ceiro país no mundo capacitado para receber ima-gens dos satélites de sensoriamento Landsat e quetambém vinha trabalhando no desenvolvimento doseu primeiro satélite de sensoriamento remoto18.

Entretanto, os chineses resolveram não espe-rar somente pelo sucesso da cooperação com oBrasil. Concomitante ao co-desenvolvimento dasérie Cbers, os chineses desenvolviam suas no-vas versões de satélites de sensoriamento remo-to, a série Ziyuan 2. Construídos pela Academiade Tecnologia Espacial da China (CAST), essessatélites foram desenvolvidos para ofereceremmapeamento terrestre por imagem de média reso-

lução para auxiliar pesquisas sobre o solo,monitoramento ambiental, planejamento urbano,monitoramento de desastres naturais, avaliação deprodutividade do solo e, segundo, especialistas,para prover imagens e localização de alvos para osetor militar (SINODEFENCE, s/d). A série Ziyuan2 foi composta de três satélites, lançados em 2000,2002 e 2004. Operavam a 778 km de altitude eeram equipados com câmeras de resolução esti-mada de até três metros e sensores multiespectraisinfravermelho (CHENG, 2011).

A frota atual de satélites de sensoriamento re-moto, reconhecimento e produção de imagens échamada de Yaogan Weixing ( ), ousimplesmente Yaogan. A posição oficial do gover-no chinês é que esses satélites são utilizados paraaplicações civis em diversas áreas, comomapeamento terrestre, mitigação de desastres na-turais, monitoramento de cultivos e planejamentourbano (CHINA, 2006a). Comentadores ociden-tais, entretanto, assumem que as especificaçõestécnicas conhecidas dos satélites permitem seuuso para fins de reconhecimento e produção deinteligência de imagens com resoluções úteis parao planejamento e execução de operações milita-res. É importante observar que a mesma série in-clui satélites com sensores eletro-ópticos (queoperam no espectro da luz visível para mapeamentodigital) e satélites com Radares de Abertura Sinté-tica (SAR) para obtenção de imagens de alta reso-lução em qualquer clima de noite ou de dia. A Ta-bela 1 apresenta alguns dados relativos aos satéli-tes Yaogan Weixing, lançados entre 2006 e 2010.

18 Com o acordo assinado em 1988, os dois paísesengajaram-se na produção do primeiro satélite da sériesensoriamento remoto, a qual previa inicialmente o lança-mento em conjunto de dois artefatos. Contudo, devido umasérie de imprevistos enfrentados pelos parceiros, o primei-

TABELA 1 – SATÉLITES YAOGAN WEIXING DE SENSORIAMENTO E RECONHECIMENTO DA CHINA

ro satélite só foi lançado 11 anos depois da assinatura doacordo. O satélite sino-brasileiro de sensoriamento remoto(Cbers) é o nome utilizado por esta ramificação do projetode satélites de sensoriamento da China (INPE, s/d).

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Como demonstrou Forden (2004), o projetoBeidou constituiu um sistema de navegação regi-onal experimental, com poucas aplicações iniciaispara uso civil e comercial, mas que teria sido, após2004, suficiente para prover serviços de boaacurácia (menos de 10 m e 100 nanossegundos)para aplicações militares, incluindo melhora signi-ficativa na precisão da guiagem dos mísseisbalísticos intercontinentais chineses.

Neste sentido, pode-se dizer que o Beidou con-tribuiu para dissuadir os Estados Unidos da tenta-tiva de obter a primazia nuclear na década de 2000.Segundo Tellis (2007), o conceito operacional doBeidou está sendo utilizado no projeto Indian Re-gional Navigational Satellite System (IRNSS), quea Índia pretende inaugurar em 201419.

FONTE: Sinodefence (s/d).

Os satélites mais recentes da série apresentamsignificativo avanço tecnológico em termos de vidaútil, capacidade de armazenamento, velocidade ebanda de transmissão de imagens em tempo real,bem como na resolução das imagens produzidaspelos radares de abertura sintética, sensores eletro-ópticos, infravermelho e sensores multiespectrais.

II.2. Satélites de navegação e posicionamento

A China vem desenvolvendo um projeto denavegação por satélites desde 1994. De maneiradistinta do sistema russo Glonass e doestadunidense GPS, que utilizam órbitas interme-diárias, a tecnologia e o conceito operacional uti-lizados inicialmente pelos chineses baseavam-sena emissão de sinais a partir da terra e natriangulação com satélites em órbitasgeoestacionárias e, por isso, demandaram com-parativamente um número pequeno de satélites(três, quando o GPS utilizava mais de 20).

Conhecido como BeiDou (–k“l?•qŒn?; pinyin:Beidou daoháng xìtong), o programa chinês tor-nou-se operacional em 2003, quando o lançamen-to do satélite Beidou 1C completou os dois pri-meiros, Beidou 1A e Beidou 1B, lançados em 2000.Um quarto satélite Beidou foi lançado em 2007.

19 Para maiores detalhes sobre o veículo lançador, esta-ções de controle, rastreamento e correção, bem comoparâmetros orbitais, especificações técnicas e capacidadede uso, ver Sinodefence (s/d) e também Beidou (s/d). Sobrea função e as configurações de sistemas de melhoria dedesempenho dos satélites de navegação (augmentation),ver Inside GNSS (s/d).

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A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

Em 2004, o governo chinês aprovou a constru-ção de um sistema global de navegação, chamadode Compass Navigation Satellite System( ; pinyin: Beidou wèixing dao-háng xìtong). Esse projeto CNSS também é cha-mado na mídia de Beidou-2, mas, na verdade, nãose trata de um desenvolvimento do mesmo concei-to de operações e tecnologia utilizados no Beidou-1. A rede CNSS será instalada em duas etapas. Aprimeira, prevista para 2012, criará um sistema re-gional de navegação com 12 satélites, com acuráciamelhor e mais serviços do que o Beidou-1 era ca-paz. Para a segunda etapa, prevista para ser com-pletada até 2020, a rede Compass terá alcance glo-

bal, com cinco satélites em órbita geoestacionáriae 30 satélites em órbitas intermediária (MEO). Se-gundo Sinodefence (s/d) e também Inside GNSS(s/d), a rede Compass poderá prover serviços deposicionamento com 5 m de acurácia (ou 8 m emtrês dimensões) para usuários globais, além de ser-viços com mais segurança e resoluções ainda mai-ores para uso das forças armadas chinesas.

Na Tabela 2 é possível comparar os conceitosdos sistemas de navegação já em funcionamentodos Estados Unidos (GPS), da Rússia (Glonass)e da China (CNSS), bem como os projetos bas-tante incertos da Europa (Galileo), Índia (Irnss) eJapão (QZSS).

TABELA 2 – COMPARANDO SISTEMAS DE NAVEGAÇÃO E POSICIONAMENTO

FONTE: Inside GNSS (s/d).

A Tabela 3 apresenta informações sobre ossatélites Compass já lançados pela China. Em ju-lho de 2011 foi lançado o nono satélite da rede

Compass, indicando que o cronograma previstopara a entrada em operações em 2012 está sendocumprido.

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China Europa Índia Japão Rússia EUA

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FONTE: Sinodefence (s/d).

TABELA 3 – SATÉLITES DE NAVEGAÇÃO COMPASS DA CHINA (CNSS)

Assim como ocorreu com o projeto da estaçãoorbital, paralelamente ao esforço de construir seupróprio sistema de navegação e posicionamento, aChina tentou participar de programas cooperativosque lhes garantissem opções. Assim, por exemplo,em 2003 foi assinado um acordo entre Beijing e aUnião Européia referente à participação chinesa noprojeto Galileo. As incertezas a respeito da viabili-dade do projeto europeu e a excessiva dependênciachinesa em relação à rede GPS dos Estados Unidosdeterminaram a decisão de Beijing de construir suainfraestrutura própria de posicionamento e nave-gação de alcance global.

II.3. Satélites de comunicação

Os satélites de comunicação foram os primei-ros tipos a serem desenvolvidos pela China. O pro-jeto foi chamado de Oriente Vermelho ( ;pinyin: Dongfang hóng) e lançou o primeiro satéli-te chinês em 1970, equipado com um transmissorde rádio e permanecendo em órbita 26 dias. Caren-te de linhas de comunicação que não dependessemdo fornecimento externo, os chineses encararamas diversas barreiras tecnológicas que seu progra-ma enfrentava nas primeiras décadas de sua exis-tência e, em 1984, lançaram o Dongfanghong-2(DFH-2). Por sua vez, o DFH-2 serviu de modelopara a série seguinte de satélites, DFH-2A, a qual,por sua vez, acabou com a dependência total daChina de serviços transmissão de sinais de televi-são por empresas estrangeiras, além de permitir aopaís a capacidade de operacionalização de comuni-cações telefônicas em números razoáveis para aépoca. Essa série foi seguida pela DFH-3, com ca-

pacidade até cinco vezes maior na promoção deserviços se comparadas com a série anterior. A pro-dução dos DFH-3 fez-se necessária para o suporteao desenvolvimento das telecomunicações do paíse foi a primeira série de satélite lançados pelas Chi-na com o uso totalmente focado para o setor civil(CHENG, 2011)20.

O estado da arte em termos de tecnologias parasatélites de comunicações chineses, no entanto,começou mudar em 2006, com o lançamento doDFH-4, o primeiro satélite de terceira geração comvida útil de 15 anos e capacidade de transmissão desinais digitais de TV em banda larga, voz e dados(SINODEFENCE, s.d.). Essa série, que pode ser-vir tanto para uso civil como para militar, tambémse insere nos planos chineses em aumentar a suaparticipação no mercado de satélites internacional.Devido ao seu baixo custo, os chineses têm ofere-cido satélites dessa terceira geração para paísesasiáticos, africanos e sul-americanos como alter-nativa às opções norte-americana, russa e euro-péia, além de comprometer-se a construir segmen-tos em terra para o controle destes equipamentos etreinamento de equipes nos países interessados. NaTabela 4 constam informações sobre os lançamen-tos de satélites de comunicação da série DFH-4.

20 Segundo o White Paper oficial do governo chinês sobreas atividades espaciais, em 2005 o governo e grandescorporações já operavam mais de 100 redes de comunica-ção via satélite, 34 satélites de transmissão de rádio e TV,além de uma rede de comunicação marítima via satélite dealcance global. Cf. China (2006a).

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FONTE: Sinodefence (s/d).

TABELA 4 – SATÉLITES DE COMUNICAÇÃO DA SÉRIE DFH-4 FABRICADOS PELA CHINA

O desenvolvimento do programa chinês desatélites de comunicação também teve, desde oinício, o objetivo de garantir ao país que a comu-nicação entre suas linhas de defesa não fosseminterrompidas em tempos de guerra. No entanto,pouco se sabe sobre as reais capacidades de co-municação através de satélites do Exército de Li-bertação do Povo da China (ELP), pois a maioriadas informações que se tem sobre satélites decomunicação militar da China são provenientes,muitas vezes, de relatórios e de fontes do gover-no norte-americano (KAN, 2003).

Essas fontes estimam que o ELP disponha desatélites de comunicação distintos para uso táticoe estratégico. A China teria um satélite tático, oFenghuo-1, que teria sido lançado em 2000 e doissatélites estratégicos da série Shentong-1, tendoo primeiro sido lançado em 2003 e o outro em2010. Ambos os satélites teriam sido desenvolvi-dos pela CAST e seriam versões aprimoradas dasérie DFH-3, operariam em órbita geoestacionáriae serviriam para oferecer ao ELP linhas de comu-nicação e transferência de dados seguras. Um novosatélite tático, o Fengshuo-2, teria sido lançadono âmbito da série DFH-4 em setembro de 2011.

II.4. Satélites de rastreamento de satélites eretransmissão de dados

A existência do programa de desenvolvimen-to, produção e lançamento de satélites pararastreamento de satélites e retransmissão de da-dos (TDRS, ou data-relay) da China é extrema-

mente recente, mas de grande relevância para opaís. Isso porque satélites para a retransmissãode dados são responsáveis pelas comunicaçõesem tempo real entre satélites em órbita e as esta-ções em terra. Esse sistema servirá, então, para oaprimoramento das capacidades de rastreamentoe telemetria de equipamentos no espaço e darãosuporte, principalmente, para a instalação da esta-ção espacial chinesa.

A responsabilidade institucional pelo desenvol-vimento da primeira série chinesa de satélites data-relay é da CAST. A CAST, no entanto, ainda estáno início do processo de desenvolvimento dessessistemas. Atualmente, o país possui dois satélitesdeste tipo, o Tianlian-1, lançado em 2008, e oTianlian I-2, lançado de Xichang em julho de 2011,naquele que foi o vôo número 140 dos foguetesda série Longa Marcha (XINGHUA, 2011d).

II.5. “Micro” e nano satélites

O programa chinês de micro (entre 10 e 100kg) e nano (entre 1 e 10 kg) satélites, emborapromissor dado o uso futuro de enormes cons-telações de satélites desse porte, o que decorre-rá do seu baixo custo de produção e de lança-mento, ainda esbarra na falta de maturidadetecnológica do país nesse campo. Tendo ciênciadessas limitações, a pesquisa no campo de microe nano satélites para operação em órbita baixacomeçou a ser desenvolvida sob um guarda-chu-va de cooperação entre universidades chinesas edo exterior.

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O exemplo mais evidente dessa busca chinesapor parceiros para o co-desenvolvimento e trans-ferência de tecnologia para pequenos satélites veiodo programa de pesquisa encabeçado pela Uni-versidade Tsinghua, de Beijing, e a Universidadede Surrey, no Reino Unido. A parceria entre essasduas universidades foi assinada em 1998, preven-do o treinamento e a transferência de tecnologia.Essa cooperação trouxe rápidos resultados, poisjá em 2000 os chineses lançaram o micro-satéliteTsinghua-1. Outras duas instituições chinesas sãotambém responsáveis pela pesquisa e desenvolvi-mento de tecnologias deste tipo de satélites, o Ins-tituto de Microsistemas e Tecnologia da Informa-ção de Xangai e o Instituto de Tecnologia de Harbin(HAGT, 2006).

Desde o lançamento do Tsinghua-1, a evolu-ção desse nicho tecnológico tem recebido cres-cente atenção dos cientistas e dirigentes chineses.Em 2004, a China finalizou o maior parque indus-trial do mundo para a produção de micro e nanosatélites. O parque tem uma capacidade anual deprodução e teste de seis a oito satélites, bem comopara o controle da aplicação de suas tecnologias.Como resultado desse volume de investimentos,a China lançou, ainda em 2004, o seu primeironano satélite, o Naxing-1.

Do que foi exposto até aqui, verifica-se que oprograma espacial chinês é robusto e tem metasestratégicas ambiciosas. Na área de satélites, aChina conta hoje com uma frota diversificada, quecobre amplo espectro de missões e funcionalida-des, tendo desenvolvido competências nas áreasde pesquisa, desenvolvimento, produção, lança-mento, controle e aplicações. Os desafios cientí-ficos e a inovação tecnológica na área espacialprevinem qualquer difusão acelerada de capaci-dades e reduções drásticas de custos, mas verifi-ca-se com a digitalização uma tendência de cres-cimento do número de usuários civis e militares,inclusive nos países em desenvolvimento, a qualpode contribuir para o financiamento a longo pra-zo dos investimentos necessários. A China já éhoje a terceira maior potência espacial global, mas,para seguir avançando, ela precisa, além de adensarseu mercado doméstico, posicionar-se como lí-der na Ásia-Pacífico e estabelecer sólidas parce-rias com os países em desenvolvimento e as po-tências regionais envolvidas em processos deintegração. Esse é o tema das próximas seções dotrabalho.

III. A DIMENSÃO MULTILATERAL DA COO-PERAÇÃO: CPOUS E APSCO

Um programa espacial depende de recursosorçamentários e desenvolvimento tecnológico, mastambém do esforço continuado de uma rede com-plexa de pessoas e instituições públicas e priva-das. Para não estender o ponto sobre a relaçãoentre a política (politics) e as políticas públicas(policies), basta dizer que a diplomacia espacial ea cooperação técnica com parceiros estratégicostêm formado parte decisiva do programa espacialchinês há décadas. Para ilustrar o argumento, nestaseção serão mencionadas brevemente duas dimen-sões complementares da diplomacia espacial chi-nesa, no âmbito global e no plano regional da Ásia-Pacífico. A próxima seção, por sua vez, traz doiscasos de cooperação técnica internacional.

No âmbito global, desde 1980 a China é mem-bro do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pa-cífico do Espaço Exterior (CPOUS). Essa partici-pação envolveu não apenas a assinatura dos trata-dos, acordos e convenções relativos ao espaçoexterior atualmente em vigor, mas também a par-ticipação nas sessões anuais, reuniões, subcomitêsde assuntos legais e técnicos, bem como a apre-sentação de relatórios anuais de atividades espaci-ais e o engajamento na agenda científica, educa-cional e diplomática organizada pelo Escritório dasNações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior(Unoosa)21.

Além das atividades regulares no CPOUS, aChina também têm utilizado outros fóruns da ONUe eventos comerciais e tecnológicos internacio-nais para divulgar (seletivamente) seus avançosno setor espacial e sustentar posições em prol deum regime formal de controle de armas no espa-ço. Além dos princípios, resoluções e declaraçõesadotados pela Assembléia Geral e das votações noConselho de Segurança, destaca-se a participação

21 Em inglês, Committee on the Peaceful Uses of OuterSpace (Cpous), estabelecido pela Assembléia Geral daONU em 1959 (resolução 1472-XIV). Inicialmente com 24membros, o Cpous conta hoje com 70 membros. A resolu-ção A/35/791 (de 1980) da Assembléia Geral lista a Repú-blica Popular da China como membro do Cpous. O comitêé secretariado pelo Escritório das Nações Unidas para As-suntos do Espaço Exterior (United Nationas Office forOuter Space Affairs (Unoosa)), sediado em Viena. Cf.Unoosa (s/d) e, para o inteiro teor da legislação, Unoosa(2002).

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A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

chinesa no chamado Diálogo sobre a Prevençãode Armamentos no Espaço Exterior e na Confe-rência para o Desarmamento.

Reiterando posições semelhantes adotadas des-de 1984, o White Paper sobre Atividades Espaci-ais da China de 2006 orientou os representantesdo país na ONU a insistirem na linha oficial dedefesa do uso pacífico do espaço. Em particular,note-se a resultante proposta chinesa de resolu-ção (apoiada pela Rússia e por mais 35 países),adotada pela Assembléia Geral da ONU em de-zembro de 2007, sobre a Prevenção de uma Cor-rida Armamentista no Espaço (A/RES/62/20)22.Também importa mencionar novamente a propostasino-russa de um tratado internacional banindo asarmas do espaço (PPWT), apresentada na Confe-rência das Nações Unidas sobre Desarmamentode 200823.

Em termos regionais, a China passou aenfatizar mais a cooperação na Ásia-Pacífico des-de o décimo plano quinquenal (2001-2005), ten-do reiterado essa posição no seu White Paper so-bre atividades espaciais (CHINA, 2006a).

Entretanto, o início da cooperação espacialmultilateral na região remonta a 1992, quandoChina, Paquistão e Tailândia realizaram um encon-tro em Beijing e impulsionaram uma iniciativa cha-mada Asia-Pacific Multilateral Cooperation inSpace Technology and Applications (AP-MCSTA).Desde 1994, foram realizadas sete conferênciasdo fórum, organizadas respectivamente pelaTailândia, Paquistão, Coréia do Sul, Bahrein, Irã eChina. Em 2001, um secretariado permanente foiestabelecido em Beijing. Dois anos depois, em2003, delegações oficiais de nove países da re-gião participaram da formulação do texto de umtratado institucionalizando uma nova organizaçãointernacional, a Asia-Pacific Space CooperationOrganization (APSCO). O tratado foi assinado em2005 na conferência de Beijing. Em setembro de

2008, 30 delegados de oito países signatários dotratado assistiram na China ao lançamento de doissatélites, respectivamente para monitoramento domeio ambiente e gerenciamento de desastresambientais (HJ-A/B), resultados de um projetocooperado iniciado pela AP-MCSTA em 1998, cha-mado de Small Multi-Mission Satellite (SMMS).

Finalmente, no dia 16 de dezembro de 2008,foi realizada a cerimônia oficial de lançamento daApsco, da qual participaram as delegações dos setepaíses membros (Bangladesh, China, Irã,Mongólia, Paquistão, Peru e Tailândia), dos doispaíses signatários do tratado e que ainda não oratificaram internamente (Indonésia e Turquia),além de representantes da Argentina, Malásia, Fi-lipinas, Rússia e Sri Lanka. Indicado pelo gover-no chinês, Zhang Wei foi nomeado secretário-ge-ral da organização para um mandato inicial de cin-co anos. A presidência do conselho da APSCOserá exercida em regime de rodízio segundo a or-dem alfabética dos países membros, com manda-tos de dois anos, sendo que o primeiro escolhidofoi Angsumal Sunalai, da Tailândia24.

Entre 2008 e 2011, a APSCO realizou quatroreuniões do seu conselho, que passou a ser presi-dido pelo representante de Bangladesh em 2011.Foram definidos dez projetos prioritários e maisde 200 cientistas e técnicos receberam treinamentoem instituições de outros países membros, sobre-tudo a China. Dentre os projetos coletivos emdesenvolvimento no âmbito da APSCO, destacam-se a construção de uma plataforma de serviçospara compartilhamento de dados obtidos porsensoriamento remoto, além do Asia-PacificGround Based Optical Space Objects ObservationSystem (APOSOS), bem como do Applied HighResolution Satellite System. A China está engajadano desenvolvimento de uma série de satélites comos países membros da APSCO, incluindo satélitespequenos e médios (500-600 kg), satélites de pes-quisa, sensoriamento remoto e telecomunicações(APSCO, 2011).

22 Resoluções com título igual ou semelhante têm sidoadotadas pela Assembléia Geral da ONU desde 1981. Aresolução em si é menos importante do que o protagonismochinês e o apoio russo. Cf. o índice de resoluções da ONUsobre Espaço Exterior em UNOOSA (s/d).23 Para a documentação completa (incluindo o resumo doTratado PPWT) do comitê de Prevenção de uma CorridaArmamentista no Espaço (PAROS), instância formal daConferência sobre Desarmamento, ver UNOG (s/d).

24 Todas as informações foram retiradas do sítio oficial daApsco na internet (APSCO, 2011). Para dados adicionaissobre a estrutura organizacional, projetos em curso, ativida-des e o texto completo da convenção, ver APSCO (2011).Embora Moltz (2011b, p. 77) afirme que a APSCO e a AP-MCSTA sejam inciativas complementares e que a AP-MCSTA continue existindo como fórum mais informal paratroca de dados e treinamento, não foi possível encontrarevidências posteriores a 2008 que corroborem tal afirmação.

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De fato, a moldura institucional da Apsco per-mite que a China influencie diplomaticamente,compartilhe tecnologias e facilite seus negóciosnão apenas com os países membros, mas tam-bém com um conjunto muito mais amplo de paí-ses da Ásia e da bacia do Pacífico. Como lem-brou um analista, a nova organização regional aju-dou a dirimir a concepção de ‘ameaça chinesa’ naregião, assim como ajuda a forjar ligações adicio-nais entre a China e os estados da região, com osquais o país geralmente buscou manter boas rela-ções (CHENG, 2011).

Entretanto, um sinal das dificuldades de supe-rar o dilema de segurança em relação ao espaçoexterior é o fato de que, até agora, os esforçosdiplomáticos chineses têm sido insuficientes paraampliar a diminuta cooperação espacial com ou-tras potências regionais importantes, notadamenteo Japão, a Índia e a Coréia do Sul. Segundo Moltz(2011b), um fórum paralelo com sede em Tóquiotem sido mantido desde 1993, chamado de Asia-Pacific Regional Space Agency Forum (Aprsaf).Nesse sentido, as linhas de oposição e aliança emtorno da questão espacial na Ásia estariam seguindode forma consistente os alinhamentos, rivalidadese desconfianças existentes entre as potências asi-áticas a respeito de outros temas, desde a segu-rança energética até o impasse na península daCoréia.

Ainda assim, como advogam o próprio Moltz(2011a; 2011b) e outros, incluindo Kissinger (2011),tais dilemas não precisam e não deveriam conduzirinexoravelmente a região para uma polarização cres-cente. Pressões comerciais ligadas aos custos delançamento de satélites, demandas de mercado deum número crescente de usuários de sistemas es-paciais, pesquisa científica para a exploração pro-funda do espaço, compartilhamento de informa-ções orbitais sobre lixo espacial (debris),monitoramento conjunto da mudança climática erespostas coordenadas à desastres naturais, todosestes são apenas alguns dos fatores e tópicos quepoderiam servir de base para uma agenda multila-teral mais robusta entre os dois grupos de países,juntamente com Rússia, Estados Unidos e Europa.

Na verdade, alguma coisa nesse sentido já vemsendo feita de modo muito limitado no âmbito bi-lateral. Apenas para citar um exemplo, o Japão e aChina colaboraram ativamente para a utilizaçãosinérgica de seus bens espaciais depois do terre-moto de Sichuan, em 2008, e dos desastres natu-

rais e o acidente nuclear no Japão, em 2011. Noentanto, como se trata já de um tipo de coopera-ção bilateral, o melhor é avançar para a última partedo trabalho.

IV. A DIMENSÃO BILATERAL DA COOPERA-ÇÃO: BRASIL E ÁFRICA DO SUL

Ainda segundo o White Paper sobre ativida-des espaciais (CHINA, 2006a), apenas entre 2001e 2005 a China teria assinado 16 acordos e me-morandos de entendimento com 13 países e or-ganizações internacionais. Com o Brasil, França,Rússia e Ucrânia, foram formadas comissões con-juntas para a cooperação espacial. Embora o pro-grama espacial chinês deva muito à experiênciasoviética e ainda hoje exista cooperação com aRússia (p. ex., na missão tripulada e na espaçonaveShenzhou), o que demandaria um estudo especí-fico, nesta seção o objetivo é analisar o significa-do da cooperação bilateral chinesa com o Brasil ea África do Sul, duas potências regionais fora daÁsia-Pacífico.

No caso do Brasil, a cooperação espacial éparte de uma parceria definida por ambos os paí-ses como sendo estratégica (ALTEMANI, 2004;BECARD, 2008). O que a China entende por par-ceria estratégica ( ; pinyin: zhanluehuoban guanxi) é bastante claro, pois elas “nãosão tratadas como alianças quasi-militares, as quaisenvolvem extensiva cooperação militar e de segu-rança, tal como pareceria implicado pelo termo“estratégico”. Antes, no léxico chinês de políticaexterna, uma parceria é estratégica por duas ra-zões: 1) ela é compreensiva, incluindo todos osaspectos de um relacionamento bilateral (e.g. eco-nômico, cultural, político e de segurança);2) ambos os países concordam em assumir com-promissos bilaterais de longo prazo, avaliando osproblemas de relacionamento bilateral neste con-texto temporal, e, algo muito importante, não per-mitindo que tensões ocasionais descarrilem a par-ceria” (MEDEIROS, 2009, p. 82).

Considerando o fato de a China ter-se torna-do, desde 2010, o principal parceiro comercial doBrasil, bem como os contenciosos potenciais as-sociados a eventuais desequilíbrios no perfil dapauta de exportações e importações, é importantereter o significado do termo parceria estratégica.Mais especificamente no caso da cooperação es-pacial, embora tenham surgido dificuldades rela-tivas à transferência de tecnologia por parte dasinstituições chinesas, bem como oscilações

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A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

perturbadoras nos investimentos brasileiros parao setor, os resultados e o potencial da cooperaçãoclaramente a distinguem dos acordos comerciaisque a China tem conseguido firmar a partir deuma combinação de preços mais acessíveis e es-forço diplomático.

Note-se, porém, que mesmo os contratos compaíses em desenvolvimento e potências regionaistêm sido importantes tanto para os contratantesquanto para a inserção comercial da China nomercado de satélites. Os exemplos mais citadostêm sido os contratos com a Nigéria, Venezuela ePaquistão, já mencionados anteriormente em co-nexão com os avanços do DFH-4 na área de tele-comunicações. Em 2007, foi lançado desdeXichang o satélite nigeriano NigComSat-1, o qualapresentou defeitos com menos de um ano de usoe está sendo substituído pela China’s Great WallIndustry Corporation, com previsão de lançamentodo novo satélite no segundo semestre de 2011(XINHUA, 2009). Em 2008, foi construído e lan-çado com sucesso pelos chineses o primeiro sa-télite venezuelano de comunicações, o VenSat-1.Um segundo satélite venezuelano, chamadoVRSS-1, também está em desenvolvimento(XINHUA, 2011b). Em agosto de 2011, a Chinalançou o Paksat 1-R, satélite de comunicações doPaquistão (XINHUA, 2011a). Além dos três ca-sos mencionados, vale mencionar que a Bolíviatambém assinou um acordo em 2010 com a Chi-na para o lançamento de um satélite de telecomu-nicações. A construção do satélite, que está sendochamado de Tupac Katari, também será feita pelaChina’s Great Wall Industry Corporation com fi-nanciamento do Banco de Desenvolvimento daChina, e o mesmo será lançado do Centro de Lan-çamento de Xichang em 2014 para ser operadopela Agência Espacial Boliviana (XINHUA, 2011c).

No caso do Brasil, além da cooperação bilate-ral com a China no setor espacial remontar a 1988,ela insere-se em um contexto de parceria estraté-gica e de adensamento crescente e pragmático delaços entre os dois países. Como se sabe, o pri-meiro acordo para o desenvolvimento de satélitesde sensoriamento remoto foi assinado em julhode 1988. A parceria entre o Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (INPE) e a CAST previa in-vestimentos de US$ 300 milhões (30% brasileiroe 70% chinês) para os dois primeiros satélites(COSTA FILHO, 2006; BECARD, 2008).

Embora a experiência com o Cbers-1 e Cbers-2 tenha sido muito bem sucedida e contribuídobastante para o desenvolvimento da capacidadebrasileira, as dificuldades associadas ao interregnoneoliberal dos anos 1990 colocaram em dúvida opróprio programa espacial brasileiro25. Em 2002,foi assinado um acordo para a continuação do pro-grama Cbers, com a construção de dois novossatélites (Cbers-3 e 4), com resolução de cincometros, novas cargas úteis e uma nova divisão deinvestimentos de recursos entre o Brasil e a Chi-na, de 50% para cada país (ZHAO, 2005).

Porém, em função de o lançamento do Cbers-3ser viável apenas para um horizonte em que o Cbers-2 já estivesse deixado de funcionar, com grandeprejuízo para ambos os países e para os usuáriosdo Cbers, o Brasil e a China decidiram construir oCbers-2B, lançado em 2007 e descontinuado em2010. O Cbers-3 tem lançamento previsto para finsde 2011, enquanto o Cbers-4 segue em ritmo nor-mal de construção (INPE, s/d). Na Tabela 4 estãoresumidos alguns dados sobre os satélites de ima-gens e sensoriamento remoto viabilizados pelo acor-do entre Brasil e China.

TABELA 4 – SATÉLITES LANÇADOS NO ÂMBITO DA PARCERIA CHINA-BRASIL

25 Basta lembrar que a privatização da Embratel implicou,a partir de 1998, uma dependência completa do Brasil nasórbitas geoestacionárias e a compra de todos as suas capa-

cidades de comunicação via satélite de empresas privadascomo a Star One (MONSERRAT FILHO, 2011).

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FONTE: CEOS (2010).

Um desenvolvimento recente e que pode terimplicações para a cooperação entre Brasil e Chinafoi o anúncio feito pelo governo brasileiro, em se-tembro de 2011, de que pretende lançar um satélitede comunicações em órbita geoestacionária até2014. Integrado ao Projeto Espacial Brasileiro, osatélite tem custo previsto de US$ 405,3 milhões.Outro satélite da mesma série deverá ser lançadoem 2018. O primeiro satélite deverá atender as ne-cessidades do Plano Nacional de Banda Larga(PNBL) e comunicações civis, reservando 20% dacapacidade para comunicações seguras das forçasarmadas brasileiras (MONSERRAT FILHO, 2011).

Por sua vez, a parceria bilateral entre a China ea África do Sul é mais recente e menos intensa,mas relevante para o tema geral deste artigo porduas razões. Em primeiro lugar, por causa do po-tencial de triangulação tendo em vista interessescomuns entre Brasil e África do Sul em diversosforos internacionais e na segurança do AtlânticoSul. Em segundo lugar, por sinalizar a possibilida-de de uma ampliação ainda maior da presença chi-nesa na África (ALDEN, 2007).

A reentrada completa da África do Sul após oApartheid na arena política internacional relativaao espaço exterior deu-se apenas em 2009, com oestabelecimento de uma Política Nacional Espaci-al e a aprovação, ainda em 2008, de uma lei decriação da Agência Espacial Nacional da Áfricado Sul (South African National Space Agency Act).Houve desenvolvimentos importantes durante atransição e durante o governo do Presidente ThaboMbeki, mas a própria moldura institucional e polí-tica para o estabelecimento de parcerias interna-

cionais só foi completada muito recentemente(VAN WYK, 2009; GOTTSCHALK, 2010)26.

A África do Sul mantém relações bilateraisrelacionadas à ciência do espaço e tecnologiasafins com potências espaciais como Estados Uni-dos, França, Alemanha e Reino Unido. Tambémmantém relações com Índia, Brasil, Cazaquistão eRússia e, com menor intensidade, com Egito,Nigéria, Argélia, Tunísia, Quênia, Japão, Indonésiae Paraguai. Contudo, as relações mais significati-vas até aqui foram com a Rússia, nos marcos doacordo espacial assinado em 2005. Assim, porexemplo, em 2009, o primeiro satélite de proprie-dade do governo da África do Sul foi lançado porum foguete russo desde o Centro Espacial deBaikonur, Cazaquistão. O SumbandilaSAT é um

26 “O histórico de envolvimento dos sul-africanos com oespaço data de 1958, quando, utilizando equipamentos daNational Aeronautics and Space Administration (NASA),foi construída uma base de rastreamento de satélites pertode Joanesburgo. Em 1961, esta estação de rastreamento foiremovida para Hartebeesthoek, ao oeste de Pretória, e foirenomeada como Estação de Implementação do EspaçoProfundo (Deep Space Implementation Facility). As ins-talações de Hartebeesthoek são atualmente conhecidas pelonome de Conselho Pesquisa Industrial e Científica (CSIR)e Centro de Aplicações de Satélites (Satellite ApplicationsCentre). Durante a década de 1980, o programa espacialiniciou o desenvolvimento de sistemas de foguetes de en-trega e capacidades de lançamentos domésticas com princi-palmente aplicações militares, todavia. Terminado no iní-cio dos anos 1990, os únicos resquícios do programa espa-cial anterior do país são suas instalações em Western Cape,incluindo uma estação para controle de satélite perto deBredasdorp e uma estação de integração de satélites pertode Grabouw” (VAN WYK, 2009, p. 48-49).

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satélite de pequeno porte para reconhecimentoterrestre e sensoriamento remoto, com vida útilprevista para três anos a uma altura orbital de 500km. Ele foi desenvolvido por um consórcio lide-rado pela Universidade de Stellenbosch, a empre-sa SunSpace and Information Systems e o Con-selho de Pesquisa Industrial e Científica da Áfricado Sul (CSIR). O Centro de Aplicações de Satéli-tes do CSIR é o responsável pelas operações,telemetria, rastreamento, controle, captura de da-dos e distribuição dos mesmos (VAN WYK, 2009).

Assim, por um lado, a África do Sul precisarobustecer sua diplomacia espacial para evitar oisolamento do seu projeto nacional, financiar asfases iniciais de suas operações comerciais e ci-entíficas e lidar com deseconomias de escala nofuturo. No continente africano, a África do Sultem a oportunidade de fortalecer sua diplomaciaespacial por meio da Organização de Satélites deComunicação Regional da África (Rascom), a qualjá teve dois satélites lançados, o Rascom QAF-1 eRascom QAF-1R, ambos financiados pelo gover-no Khadafi da Líbia (SELDING, 2010).

Por outro lado, a China pretende ampliar suapresença no setor espacial na África, a partir docontrato de mais de US$ 300 milhões envolvendoa construção e lançamento (utilizando um fogueteLonga Marcha 3-B) do satélite nigeriano de co-municações e provimento de internet banda larga.Embora a perda do NigComSat-1 em 2008 tenha

levantado dúvidas sobre a continuidade da parce-ria com a China, o contrato foi ampliado para olançamento de um substituto até o final de 2011.Amparada pela experiência na área de satélites decomunicação e de sensoriamento remoto, a Chinajá manifestou seu interesse em estabelecer parce-rias com o novo programa espacial nacional daÁfrica do Sul, com quem o país já assinou diver-sos acordos científicos e industriais em outrasáreas e com quem tem cooperado em fórunsmultilaterais, tais como o Cpous da ONU e, viaApsco, com a própria Rascom.

Finalmente, um desenvolvimento importantís-simo foi o acordo assinado em 2009, entre Chinae Brasil, para o compartilhamento de imagens edados de sensoriamento remoto com terceiros pa-íses. Por meio da instalação de estações terrestresem diferentes países será possível a venda e acessão de informações com cobertura em todo ocontinente africano. Três países já assinaram acor-dos com o consórcio Cbers, a saber, a própriaÁfrica do Sul (CSIR), a Espanha (INTA) e o Egi-to (NARSS). Estações no Gabão e no Quênia(MALINDI) completariam a rede de recepçãoCbers na África. Foi acordado que a China traba-lhará com a estação do CSIR na África do Sul e oBrasil operaria juntamente com a Espanha a esta-ção de Maspalomas, nas ilhas Canárias (INPE,s/d). Na Figura 1 são demonstrados os respecti-vos alcances das estações projetadas pela Iniciati-va CBERS para a África.27

FONTE: INPE (s/d).

27 Um exemplo muito interessante das aplicações dosdados obtidos pelos satélites de imagens e sensoriamento

FIGURA 1 – INICIATIVA CBERS PARA A ÁFRICA

remoto para o monitoramento e resolução de conflitos, nocaso da República Democrática do Congo, foi desenvolvi-do há alguns anos por Van Wyk (2008).

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A diplomacia bilateral da China está em francaexpansão, mesmo em relação a parceiros fora desua região prioritária (Ásia-Pacífico) e com pro-gramas espaciais em diversos estágios dematuração e consistência estratégica. Analistaseuropeus e norte-americanos tendem a conside-rar que as motivações para estas parcerias sejamestritamente comerciais e/ou para fins de promo-ção da imagem da China como grande potência(CHAMBERS, 2009; MONTLUC, 2009). Na ver-dade, ela reflete uma visão de longo prazo do con-texto internacional.

V. CONCLUSÕES

O contexto político da cooperação espacial daChina está mudando, assim como o estágio deevolução tecnológica, institucional e operacionaldo programa espacial chinês.

Desde que Mao Zedong declarou, em 1958, alinha “duas bombas, um satélite”, a China passoupor guerras com a Índia e com o Vietnã, por dis-putas militarizadas com Taiwan, Estados Unidose a União Soviética, sobreviveu ao desastre doGrande Salto Adiante, à ruptura com a União So-viética, atravessou a Revolução Cultural Proletá-ria, sofreu terremotos devastadores, realizou umaacidentada transição política após a morte de Mao,enfrentou as conseqüências da repressão de 1989na Praça da Paz Celestial e viveu uma mudançaprofunda na sociedade e na economia em poucasdécadas. A bomba atômica foi obtida em 1964, abomba de hidrogênio em 1967 e o primeiro satéli-te foi lançado em 1970. Desde então, a Chinaemergiu como a terceira potência espacial domundo, com missões tripuladas ao espaço e maisde 70 satélites em órbita em 2011. Ainda assim,Beijing aparenta ter consciência de que ainda estábastante distante da Rússia e dos Estados Unidos(CHENG, 2011; POLLPETER, 2011).

Por ter consciência de suas limitações e tervisão de longo prazo sobre a necessidade de superá-las, a política chinesa de cooperação técnica nosetor espacial é parte integral da Grande Estraté-gia daquele país. O comando do espaço é condi-ção necessária para a consolidação da grande po-tência no século XXI. Longe de ser apenas maisuma política setorial, o programa espacial chinêscontribui decisivamente e subordina-se aos obje-tivos mais amplos daquele país em termos demaximização dos ganhos de desenvolvimento ede minimização dos riscos de segurança. Para a

China, a cooperação internacional na área espaci-al visa a obter conhecimentos científicos etecnologias necessárias para a evolução de umprograma espacial completo, ao mesmo tempo emque procura evitar reações contrabalanceadorasmais severas por parte dos outros dois polos mun-diais de poder e seus aliados regionais. Os lídereschineses entendem, a partir de uma perspectivaclausewitziana que tem prevalecido por ora, queo exercício do comando do espaço pela presença(KLEIN, 2006, p. 62), e não necessariamente pelouso da força, é a melhor forma de garantir o aces-so continuado ao lugar mais importante para asoperações militares, econômicas, políticas e soci-ais do século XXI.

No âmbito do comitê da ONU para o espaçoexterior, a República Popular da China destaca-sepor sua ênfase na denúncia da irracionalidade edas conseqüências de uma corrida espacial arma-da, um esforço de adiar o que se considerava atérecentemente algo inevitável. Regionalmente, acriação da Apsco demonstra um novo patamar deinovação institucional para a integração, com evi-dente potencial econômico. Finalmente, a coope-ração bilateral com potências regionais em desen-volvimento de fora da Ásia, tais como o Brasil e aÁfrica do Sul, permite algum compartilhamentode custos de desenvolvimento em segmentos es-pecíficos, mas serve principalmente para confe-rir alcance global para a diplomacia espacial chi-nesa e para necessidades operacionais futuras,decorrentes do avanço da digitalização.

Esta conclusão acerca das intenções estraté-gicas defensivas e das capacidades ainda relativa-mente limitadas da China (em comparação comRússia e Estados Unidos) é consistente e influen-ciada pelas avaliações de outros autores, tais comoCorrell (2004), O’Hanlon (2004), Chambers(2009), Moltz (2011b) e Schmunk e Sheets (2011).Não obstante, creio que o trabalho desenvolvidoaqui integra melhor os condicionantes estruturais,os objetivos estratégicos e os ritmos do desenvol-vimento institucional e tecnológico do programaespacial para discernir o alcance da cooperaçãotécnica chinesa.

O estudo do caso chinês é relevante para oBrasil porque se trata de um parceiro importantedo programa espacial brasileiro, mas também por-que indica que as políticas de cooperação técnicainternacional das grandes potências tendem a sermais consistentes e integradas com a grande es-

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tratégia do que se observa nas potências regio-nais. Isso ocorre porque o poder das grandes po-tências é maior, obviamente. Mas também, e issoé relevante para o Brasil, porque os custos asso-ciados ao fracasso e ao subdimensionamento deameaças e riscos estratégicos são percebidos demaneira mais realista.

Nessa época em que o Brasil procuraredimensionar sua cooperação espacial e avançarno desenvolvimento de capacidades tecnológicascentrais para a distribuição global de poder no sé-culo XXI, seria importante aprofundar o estudocomparado do contexto estratégico das políticasespaciais das grandes potências e das potênciasregionais.

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A POLÍTICA DA COOPERAÇÃO ESPACIAL CHINESA

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

THE CHINESE CONTINENTAL ECONOMY AND ITS GRAVITATING EFFECT

Diego Pautasso

The present article looks at national development and China’s international positioning. Our goal isto discuss how the formation of a continental economy in China has become a factor of that country’sprojection within the international system, analyzing how the formation of a continental economyproduces a sort of gravitational effect that favors the formulation of a Chinese international strategywithin this conjuncture of systemic transition. We discuss several recurrent analyses of the China’sdevelopment and international position. Our central arguments is that the development of a conti-nental economy and the widening economic capacity that has accompanied it have become a keyinstrument of Chinese foreign policy. In other words, China tends to have a strong gravitationaleffect at the global level which it uses as part of its international strategy. We organize the text in thefollowing manner: first, we discuss the recent evolution of Chinese development, focusing on thechallenges of forming an economy of continental dimension; second, we look at how growing Chineseeconomic abilities imply an increasing gravitational effect on the country at a global level and finally,we argue that Chinese diplomacy uses these prerogatives (economic capacity) to unleash aninternational strategy that, within this situation of systemic transition, allows the country to widenthe scope of its international performance by searching for the routes of lesser resistance.

KEYWORDS: China; Continental Economy; Gravitational Effects.

* * *

CHINA IN SOUTH AMERICA AND THE GEOPOLITICAL IMPLICATIONS OF THE PACIFICCONSENSUS

Javier Vadell

This article analyzes the political implications of the increasing interdependence of the People’sRepublic of China (PRC) and South American countries. We present data on PRC investment andtrade in the region and highlight several points of diplomatic progress in terms of bi-lateral cooperationfor the 21st century. Our starting point is the issue of whether we face a relationship that couldconstitute a new form of South-South cooperation or whether it is more representative of the typicalNorth-South pattern or system – albeit one with its own peculiarities. We refer to this relationshippattern as Pacific Consensus (PC). Although short term, the China factor may stimulate growth inthe region, it also has different implications for the development of countries with an importantindustrial sector – such as Brazil and Argentina – and those that do not – such as Chile and Peru –which have all signed free trade agreements with the Asiatic giant. We conclude with someconsiderations regarding the consequences that the PC has in terms of Latin American integration.

KEYWORDS: China; South America; Integration, Pacific Consensus.

* * *

THE POLITICS OF CHINESE SPACE COOPERATION: STRATEGIC CONTEXT ANDINTERNATIONAL SCOPE

Marco Cepik

This article explains the People’s Republic of China’s policies of international cooperation for spaceexploration activities. In the first place, given the tri-polar power structure of the international systemand the increasing dependence that all countries have on the use of outer space, we can explainChinese motivation for spatial cooperation as unfolding from the search for security, economicdevelopment and legitimacy. Next, we demonstrate the Chinese spatial program’s current state ofdevelopment, with particular attention to image, navigation, communication and data transmissionsatellites, as well as micro and nanosatellites. Given structural incentives, strategic goals and the

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’smulti-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee forPeaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently establishedAsian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand themeaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and SouthAfrica, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation ismeant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions fromother major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnershipswith regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectationslinked to the impact of digitalization into account.

KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.

* * *

RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?

Matt Ferchen

This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America duringthe decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on thisset of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Closeto this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, whichasserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementaryand have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen ascomplementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. Theseauthors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing shortterm benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforcesdysfunctional standards of Latin American development which many countries within the regionrejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period nowspanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present ageneral view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting theimportant role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by adescription of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as whatconsequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regardto the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.

KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.

* * *

THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM

Paulo G. Fagundes Visentini

China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economicagenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many whoclaim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position theUnited States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close toresembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue thatChinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nationsof the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in internationalpolitics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty anddevelopment, we base our argument on the relationships that China has established with the African

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

L’ECONOMIE CONTINENTALE CHINOISE ET SON EFFET GRAVITATIONNEL

Diego Pautasso

L’article aborde le développement national et l’insertion internationale de la Chine. L’objectif, c’estde discuter comment la formation d’une économie continentale en Chine devient un facteur deprojection de ce pays dans le système international, en analysant la manière dont la formation d’uneéconomie continentale produit une espèce d’effet gravitationnel qui favorise la formulation de lastratégie internationale chinoise dans cette conjoncture de transition systémique. L’article estdéveloppé par la discussion, avec des analyses récurrentes, sur le processus de développement etd’insertion internationale de la Chine. Le principal argument soutenu dans l’article est celui selonlequel, le développement de l’économie continentale et l’agrandissement de la capacité économique,deviennent un instrument de la politique extérieure chinoise. Autrement dit, la Chine tend à créer unfort effet gravitationnel à l’échelle mondiale, et à l’utiliser comme partie de sa stratégie internationale.Voici comment l’article est organisé: dans la première partie, nous examinons l’évolution récente dudéveloppement chinois, en soulignant les défis de la formation d’une économie avec des dimensionscontinentales ; dans la deuxième partie, nous traitons du développement de la capacité chinoise etcomment celle-ci implique un effet gravitationnel croissant du pays à l’échelle mondial ; ultimement,nous argumentons que la diplomatie de la Chine utilise ces prérogatives (la capacité économique), pourdéclencher une stratégie internationale qui permet au pays, dans ce cadre de transition systémique,d’élargir son espace de performance internationale, en cherchant les lignes de moindre résistance.

MOTS-CLÉS: la Chine ; l’économie continentale ; l’effet gravitationnel.

* * *

LA CHINE EN AMÉRIQUE DU SUD ET LES IMPLICATIONS GÉOPOLITIQUES DUCONSENSUS DU PACIFIQUE

Javier Vadell

L’article analyse les implications politiques de la croissante interdépendance économique entre laRépublique Populaire de la Chine (RPC) et les pays de l’Amérique du Sud. Des données sur lecommerce et l’investissement de la RPC dans la sous-région sont présentées, et les progrèsdiplomatiques en matière de coopération bilatéral dans le XXI siècle sont soulignés. Premièrement,nous cherchons à savoir si nous sommes devant un modèle de relation qui pourrait constituer unerelation renouvelée de coopération Sud-Sud, ou bien, un nouveau type de relation Nord-Sud. Selonnotre hypothèse, l’évolution et la dynamique de cette relation ressemblent plutôt à un système ou àun modèle Nord-Sud aves des caractéristiques bien particulières. Nous appelons ce modèle derelation, le Consensus du Pacifique (CP). Malgré que le facteur Chine stimule, à court terme, lacroissance de la sous-région, le CP a des implications différenciées pour le développement des paysqui détiennent un secteur industriel important – ex. Le Brésil et l’Argentine – et ceux qui n’en ontpas – ex. le Chili et le Pérou, qui ont même signé des traités de libre commerce avec le géantasiatique. L’article est conclu avec quelques observations sur les conséquences du CP dans leprocessus d’intégration sud-américaine.

MOTS-CLÉS: la Chine ; l’Amérique du Sud ; l’intégration ; le Consensus du Pacifique.

* * *

LA POLITIQUE DE LA COOPÉRATION SPATIALE CHINOISE : LE CONTEXTESTRATÉGIQUE ET L’ATTEINTE INTERNATIONALE

Marco Cepik

L’article explique les politiques de coopération internationale de la République Populaire de la Chine,liées aux activités dans le domaine spatial. Premièrement, en ayant la structure de pouvoir tripolaire

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dans le système international et la dépendance croissante de tous les pays par rapport à l’espace, onexplique que les raisons chinoises pour la coopération spatiale seraient la quête de sécurité, ledéveloppement économique et la légitimité. En suite, on révèle le stade actuel de développement duprogramme spatial chinois, particulièrement dans les domaines des satellites d’image, de la navigation,de la communication et de la retransmission de données, bien comme dans les domaines des satellitesmicro et nano. En ayant les stimulations structurelles, les objectifs stratégiques et le niveau actuel dedéveloppement technologique, il est possible d’interpréter correctement les initiatives multilatéralesde la Chine dans le contexte mondial, avec le Comité des Nations Unies pour l’Utilisation Pacifiquede l’Espace Extra-Atmosphérique (Copous), bien comme dans le contexte régional, avec la récenteOrganisation de Coopération Spatiale d’Asie-Pacifique (Apsco). De la même manière, il est possiblede comprendre le significat, la potentialité et les limites pratiques de la coopération bilatérale chinoiseavec le Brésil et l’Afrique du Sud, des puissances régionales hors de l’Asie. On conclut que lapolitique de coopération spatiale chinoise vise à augmenter l’influence internationale de Beijing sansproduire des réactions excessives des autres puissances, reportant ainsi, une eventuelle militarisationde l’espace et cherchant à construire des partenariats avec des puissances régionales encoredébutantes dans l’espace, mais ayant en vue l’avenir et les expectatives par rapport à l’impact de lanumérisation.

MOTS-CLÉS: la coopération spatiale ; le Programme Spatial Chinois ; la sécurité internationale.

* * *

LES RELATIONS ENTRE LA CHINE ET L’AMÉRIQUE LATINE : DES IMPACTS À COURTOU LONG TERME?

Matt Ferchen

L’article met l’accent sur les relations d’affaires et d’investissements entre la Chine et l’AmériqueLatine dans les années 2000. Il y a trois interprétations principales, distinguées et liées, sur cetensemble de relations : pour la première, l’Amérique Latine, une région avec des ressources naturellesabondantes, exporte des produits primaires à une Chine en expansion, mais en manque de cesressources. En soutenant celle-ci, nous avons ceux, y compris beaucoup de représentants éminentsdu gouvernement, qui affirment que les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latinesont fondamentalement complémentaires, ayant un effet positif pour toutes les deux. Toutefois,d’autres observateurs soulignent que ce qui est vu comme une complémentarité, n’est en realitéqu’une manière renouvelée de dépendance latino-américaine. Ces auteurs disent que, malgré quel’expansion rapide des affaires et investissements apporte des bénéfices à court terme pour les deuxcôtés, cet espèce de relation basée sur des commodities, renforce les modèles dysfonctionnels dedéveloppement de l’Amérique Latine, dont beaucoup de pays de la région ont renoncé il y a déjàlongtemps, et essaient d’oublier depuis plus d’un demi-siècle. En prennant cette discussion commeréférence, on présente premièrement, une vision générale des relations commerciales etd’investissements entre la Chine et l’Amérique Latine, en soulignant le rôle important de la demandechinoise pour les commodities latino-américaines. Deuxièmement, on décrit les différentesinterprétations sur ce qui conduit cette relation commerciale et quelles seraient ses conséquences.Troisièmement, on présente l’argument, soutenu par nous, sur comment nous devrions comprendrece qui conduit les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine et ce qui est en jeu. Onconclut en vérifiant les implications de nos découvertes avec l’idée selon laquelle, la Chine offre unmodèle unique d’économie politique nationale et internationale.

MOTS-CLÉS: les affaires ; les investissements ; la Chine ; l’Amérique Latine.

* * *

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

RESUMO

AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA:IMPACTOS DE CURTA OU LONGA DURAÇÃO?

Recebido em 15 de novembro de 2010.Aprovado em 30 de novembro de 2010.

Matt Ferchen

O artigo foca as relações de negócios e investimentos entre China e América Latina na década de 2000. Hátrês interpretações principais, distintas e relacionadas, sobre esse conjunto de relações: para a primeira,a América Latina, uma região com recursos naturais abundantes, exporta produtos primários para umaChina em expansão, mas carente de tais recursos. Sustentam essa interpretação aqueles, incluindo muitosrepresentantes proeminentes do governo, que afirmam as relações econômicas entre China e AméricaLatina serem fundamentalmente complementares, tendo um efeito positivo para ambas as partes. Emcontrapartida, outros observadores têm destacado que o que é visto como complementaridade é na verdadeapenas uma forma renovada de dependência latino-americana. Esses autores alegam que, apesar darápida expansão dos negócios e investimentos trazer benefícios no curtoprazo para ambos os lados, essanatureza de relações baseada em commodities reforça os padrões disfuncionais de desenvolvimento daAmérica Latina que muitos países da região há muito tempo renunciaram e têm tentando deixar para tráshá mais de meio século. Tomando essa discussão como referência, apresenta-se, em primeiro lugar, umavisão geral das relações de comércio e investimentos entre China e América Latina, destacando o papelimportante da demanda chinesa por commodities latino-americanas. Em segundo, descreve-se as diferentesinterpretações sobre o que conduz essa relação comercial e quais são as suas conseqüências. Em terceiro,apresenta-se o argumento, por nós defendido, sobre como nós deveríamos entender o que tem conduzido asrelações econômicas entre China e América Latina e o que está em jogo. Conclui-se explorando asimplicações das nossas descobertas para a idéia de que a China oferece um modelo único de economiapolítica doméstica e internacional.

PALAVRAS-CHAVE: negócios; investimentos; dependência; China; América Latina.

I. INTRODUÇÃO1

“A mistura de ilusões, planejamentos,esperanças e medos que emergem das relações[China-América Latina] são tão poderosas em seuimpacto na [América Latina] como são seus osnegócios e eventos [...] no entanto, o maiorimpacto vindo da China virá do que ela leva aregião a sonhar e o que a América Latina encontraao acordar” (ELLIS, 2008, p. 288). Essaafirmação, um elemento de uma recente, mas

crescente onda de interesse de acadêmicos, meiosde comunicação, governos e empresários nocrescimento econômico chinês e nas relaçõespolíticas do país com regiões do mundo emdesenvolvimento como a América Latina, a Áfricae o Sudeste Asiático, capta uma idéia importante,porém muitas vezes subvalorizada2. Especifica-mente, as percepções e expectativas de governose líderes empresariais, bem como de cidadãoscomuns de países na América Latina terão um

1 Este artigo foi originalmente apresentado na ConferênciaAnual da Associação de Estudos Asiáticos na Filadélfia,EUA, em 24 de março de 2010, e novamente no primeiroSeminário Anual Sino-Brasileiro: DesenvolvimentoEconômico e Segurança Internacional em Porto Alegre,Brasil, em 12 de abril de 2010. O autor gostaria de agradeceraos participantes de ambos os eventos, em particularVictor Shih e Scott Kennedy, assim como Josh Gordon,Mike Glosny, Jean-Marc Blanchard e Alicia García-Herrero, por seus estimulantes comentários.

2 O foco principal deste artigo é o impacto político eeconômico das relações comerciais da China com a AméricaLatina. No entanto, muitos aspectos da economia baseadaem commodities exercida pela China e seus laços deinvestimento com países em desenvolvimento na África,assim como com economias desenvolvidas, como daAustrália, compartilham importantes similaridades comos laços que a China mantém com a América Latina.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 105-130, nov. 2011

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AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

papel crucial na determinação de como sedesenvolverão as relações econômicas e políticasentre seus países e a China. Por seu turno, a Chinatem consistente e positivamente caracterizado a suaexpansão do comércio e de investimentos comregiões do mundo em desenvolvimento, emparticular com a América Latina, África e SudesteAsiático, como uma parceria com benefíciosmútuos (“win-win”)3. Por meio de canais oficiaisda diplomacia e da mídia, a China tem enfatizadoque os laços mutuamente benéficos com essasregiões são um resultado lógico das relações coma China, em si um país ainda em desenvolvimento.Nesse cenário de benefício mútuo, a China alegaque essas interações deveriam ser interpretadascomo um resultado natural das relações “Sul-Sul”4.

Entretanto, dentro da América Latina e daÁfrica, bem como para observadores interessadosde outras partes do mundo, as percepções sobreas relações de países em desenvolvimento com aChina variam muito. Por um lado, está o otimismoque a China aponta como uma nova e alternativaferramenta para promover comércio einvestimentos para países em desenvolvimento.Esse otimismo é por vezes ligado à noção de quea China também serve como um modeloeconômico alternativo de desenvolvimento ediplomacia internacional (RAMO, 2004;KURLANTZICK, 2007). Por outro lado, está oceticismo e o medo sobre as intenções einfluências que advirão dessa maior atuaçãoeconômica e política da China na região (HALPER,2010). Grande parte desse controverso debatereflete-se no rápido crescimento das discussõesna academia e na mídia a respeito das idéias sobreum provável “Consenso de Beijing” ou “ModeloChinês” de desenvolvimento5. Uma das principaisquestões levantadas é sobre se o atual ritmoacelerado de expansão dos negócios einvestimentos da China com o mundo em

desenvolvimento é uma relação de igualdade e denatureza sustentável ou se é similar às relaçõeshistóricas entre países desenvolvidos e emdesenvolvimento.

Para avaliar essas percepções concorrentes –otimista versus pessimista –, este artigo centra-se nas relações de negócios e investimentos entreChina e América Latina na última década. Comfoco especial nos laços entre China e AméricaLatina, essas percepções apresentam-se em doisconjuntos distintos, embora relacionados, deinterpretações de um consenso geral sobre umconjunto de fatos: América Latina, uma região comrecursos naturais abundantes, que exportaprodutos primários para uma China em expansão,mas carente de tais recursos. Ao lado desse debateemergente estão aqueles, incluindo muitosrepresentantes proeminentes do governo, queafirmam que as relações econômicas entre Chinae América Latina são fundamentalmentecomplementares, tendo, portanto, um efeitopositivo para ambas as partes. Em contrapartida,outros observadores têm destacado que o quevêem como complementaridade é na verdadeapenas uma forma renovada de dependêncialatino-americana. Eles alegam que, apesar darápida expansão dos negócios e investimentostrazer benefícios no curto-prazo para ambos oslados, essa natureza de relações baseada emcommodities reforça os padrões disfuncionais dedesenvolvimento da América Latina que muitospaíses da região há muito tempo renunciaram etêm tentado deixar para trás há mais de meioséculo.

Cada versão dessas narrativas concorrentespode representar, mesmo que às vezes de maneiracontraditória, elementos importantes sobre asrelações de investimento e comércio da China coma América Latina. Entretanto, faltando em ambasas perspectivas de “complementaridade” e“dependência” está um foco específico nasforças motoras que estão por trás da expansãodo comércio e dos investimentos na AméricaLatina (para não mencionar também a África e aAustrália, por exemplo). Em particular,especialistas da expansão das relaçõeseconômicas entre China e América Latinafreqüentemente deixam de analisar as forçaseconômicas e as políticas governamentais dentroda China que têm direcionado a demanda chinesapor commodities específicas como minério de

3 Para mais informações sobre a diplomacia “win-win” daChina para o Sudeste Asiático ver Michael A. Glosny(2006).4 Para mais informações sobre as relações entre a China ea América Latina como “Sul-Sul”, ver Monica Hirst(2008) e Jiang Shixue (2005).5 Para estudos recentes sobre esses conceitos, ver ScottKennedy (2010), Barry Naughton (2010), Suisheng Zhao(2010) e Matt Ferchen (no prelo).

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ferro, cobre ou soja. Como resultado, vertentesteóricas de complementaridade ou dedependência também ficam aquém dasexpectativas por não proverem uma maiorcompreensão mais completa das relacionadasconseqüências econômicas e políticas daexpansão das relações econômicas entre Chinae América Latina. Este artigo, por-tanto,demonstrará como aparentemente o sensocomum de que a América Latina simplesmentepossui os recursos naturais “necessários” aorápido desenvolvimento econômico da Chinaatrapalha a compreensão de detalhes importantessobre o momento e as razões para a rápidaelevação nas exportações de commodities dospaíses latino-americanos ricos em recursosnaturais para a China no início dos anos 2000.

Suposições de que a demanda chinesa pormatéria-prima da América Latina e de outroslugares é simplesmente uma função natural dorápido e constante desenvolvimento econômicoda China nos últimos mais de 30 anos sãoincompletas, na melhor das hipóteses, e enga-nosas, na pior. Esse tipo de compreensão nãoleva em conta importantes mudanças naeconomia política doméstica da China no iníciodos anos 2000, as quais foram acompanhadaspor um aumento abrupto dos laços de comércioe investimentos com o mundo emdesenvolvimento e outros países grandesprodutores de commodi-ties, como a Austrália.De maneira mais específica, iniciando por voltade 2002 e 2003, e revertendo tendências queestavam em vigor desde o começo das reformasno final da década de 1970, a economia chinesaentrou em um período de acelerado uso de capitalintensivo para o cresci-mento de sua indústriade base. Isso, na verdade, alavancou a demandapor matérias-primas, incluindo uma variedade deminerais, mentais e fontes de energia, para suprirsua indústria de base. Para satisfazer essademanda a China tem crescentemente se voltadopara os países ricos em commodities da AméricaLatina, África e outros lugares. Assim, ademanda chinesa por matérias-primas – queexigiu em si a manutenção de laços estreitos compaíses-chave, ricos em commodities, na trajetóriade desenvolvimento da indústria de base da últimadécada –, funciona como pilar de sustentaçãode seu relacionamento com muitos dos maiorese mais importantes países latino-americanos eoutros grandes produtores de produtos

primários. O rápido aumento das importaçõesde matérias-primas feitas pela China de paísesda América Latina, África e outros lugares é umdos principais indicadores de um aumento súbitodas commodities, que tem apresentado elevadosvolumes e preços de certos minerais, de energiae de produtos agrícolas. Esse rápido incrementode preços tem sido a base econômica, e tambémpolítica, que sustenta os renovados laços daChina com muitas nações em desenvolvimentonão só da América Latina, mas também de outraspartes do globo.

Essa tendência de intensa demanda da Chinapor commodities, muitas das quais foramdirecionadas para abastecer o capital intensivodo país, crescimento e desenvolvimento daindústria de base, tem somente sido exposta pelaresposta da China à crise financeira global. Emparticular, o pacote de estímulos e as políticasde relaxamento da concessão de crédito da Chinaestimularam investimentos ainda maiores eminfraestrutura, desenvolvimento da propriedadee indústria de base. Mesmo antes da crisefinanceira havia preocupações dentro e fora daChina de que seu afastamento de uma trajetórialeve para uma pesada trajetória dedesenvolvimento estava criando potenciaisresultados desestabilizadores, especialmente nocampo de segurança energética. Essasadvertências têm somente se intensificado à luzda resposta chinesa à crise financeira.

No entanto, essa mudança no padrão domés-tico de crescimento da China e seu papel funda-mental em conduzir o crescimento súbito dascommodities têm estado visivelmente ausente naacademia, na mídia e em análises governamentaissobre a expansão das relações da China comregiões do mundo com abundantes recursosnaturais. O fracasso em identificar essa origemda expansão da demanda chinesa por recursosnaturais da América Latina e de outros lugarestem também impedido uma compreensão maisacurada sobre as consequências potenciais parao longo-prazo da saúde e da estabilidade dos laçosde investi-mento e comércio, sem mencionar opolítico, da China com parceiros ricos emrecursos. O laço político, por sua vez, temfacilitado um descompasso entre as altasexpectativas e o aumento dessas sobre o papelque a China vai continuar desempenhando napromoção do crescimento da América Latina e

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dos muitos desafios que a China enfrenta paramanter seu ritmo acelerado de desenvolvimento.O último resultado é uma subavaliação de comoo recente e súbito aumento das relações entreChina e América Latina está sustentado em basesestreitas e fundamentos econômicos mais frágeisdo que o comumente entendido.

A estrutura deste artigo é a seguinte. Primeiro,apresentarei uma visão geral das relações decomércio e investimentos entre China e AméricaLatina, destacando o papel importante da demandachinesa por commodities latino-americanas.Segundo, descreverei e avaliarei as diferentesinterpretações sobre o que conduz esse relaciona-mento comercial e quais são as conseqüênciaspara a relação. Na seqüência, apresentarei entãoo meu argumento sobre como nós deveríamosentender o que tem conduzido as relações econô-micas entre China e América Latina e o que estáem jogo segundo minha compreensão. Naconclusão exploro as implicações das minhasdescobertas segundo a idéia de que a Chinaoferece um modelo único de economia políticadoméstica e internacional.

II.COMÉRCIO E INVESTIMENTOS ENTRECHINA E AMÉRICA LATINA: OS FATOSESTILIZADOS

Antes de explorar as explicações mais comunssobre a expansão dos laços econômicos entreChina e América Latina e as interpretações con-correntes sobre as conseqüências desses laços,apresento primeiramente um retrato básico dasrelações de comércio e de investimento entre aChina e a América Latina. A força motriz por trásdos laços econômicos em expansão entre a Chinae a América Latina é a demanda chinesa porminérios, energia e commodities agrícolas. Emtroca de suas exportações de matérias primas, aAmérica Latina importa uma variedade de benschineses manufaturados (ver o Gráfico 1). Alémdisso, o rápido aumento dos laços comerciais, emescala e velocidade (e, em menor extensão, doinvestimento), entre a América Latina e a China éde origem relativamente recente, decolandoapenas nos anos mais recentes da década de 2000(ver o Gráfico 2). Entender a natureza baseadaem comodities da relação econômica e o momentoinicial são ambos cruciais para qualquer avaliaçãogeral da direção e saúde, em longo termo, doslaços econômicos e políticos entre a China e aAmérica Latina.

GRÁFICO 1 – COMÉRCIO DE MATÉRIAS-PRIMAS E MANUFATURAS ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA,2006

FONTE: García-Herrero e Fung (2008).

Apesar da crescente atenção acadêmica pres-tada ao investimento estrangeiro direto (FDI, nasigla em inglês) chinês na América Latina e outrospaíses, a expansão dos fluxos de comércio entreChina e América Latina têm sido de magnitude e

importância muito maiores que o FDI chinês naregião. Certamente, enquanto a China recuperou-se rapidamente da crise financeira, ela tambémaumentou o investimento direto, não-portfólio, naAmérica Latina, especialmente no Brasil

A China exportamanufaturas de

média e altatecnologias

A A. Latina exportaprodutos primários

e recursosnaturais

manufaturados

Importações Exportações

Manufaturados de baixa, média e alta tecnologiasProdutos primários e recursos naturais manufaturados

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(GRAHAM, 2010; POMFRET, 2010). Entretanto,mesmo esse maior investimento tem sidoprincipalmente em matérias primas como energiae minérios. Assim, enquanto líderesgovernamentais e de negócios na América Latina

esperam ver o comércio e o investimento com aChina expandir-se além dos interesses chinesesem matérias primas, as commodities continuam arepresentar o fundamento da relação entre eles.

GRÁFICO 2 – AUMENTO RECENTE DAS EXPORTAÇÕES LATINO-AMERICANAS PARA A CHINA

FONTE: Gallagher e Porzecanski (2009).

Antes de explorar as especificidades da maiordemanda chinesa por commodities latino-americanas, é importante notar o aumento daimportância da China como destino paraexportações latino-americanas desde o início dadécada de 2000. Por exemplo, em 2008, o totaldas exportações latino-americanas para a Chinaficou em torno de US$ 47 bilhões, frente a US$14,7 bilhões em 2004 (EGHBAL, 2009). Em geral,as exportações latino-americanas para a Chinaexpandiram-se por volta de 163% entre 2000 e2008, com a maior parte desse crescimentoocorrido após 2002 (ver o Gráfico 2). Enquantoo impacto da crise financeira temporariamenteenfraqueceu as vendas nessa relação comercialem rápida expansão, a demanda chinesa porexportações latino-americanas permaneceu forteem relação à demanda européia e norte-americana,e o comércio recuperou-se rapidamente, resti-tuindo taxas de crescimento em níveis prévios àcrise já em 2010. Por exemplo, apesar de umdecréscimo de 2,2% no primeiro bimestre de2009, as exportações latino-americanas para aChina registraram um aumento de 44,8% duranteo mesmo bimestre, em 2010 (BÁRCENA et alii,2010, p. 16).

Entretanto, os benefícios dos laços econômi-cos em expansão da América Latina com a Chinatêm sido altamente concentrados em termos degeografia e setor econômico. Enquanto o volumedas exportações latino-americanas em 2008 paraa China constituíram apenas 5,6% das expor-tações gerais da região (comparado a 42,1% paraos Estados Unidos), para um número de paísessul-americanos a China tornou-se seu principaldestino exportador6. Por exemplo, a Chinatornou-se o mercado número um para asexportações chilenas e brasileiras e o destinonúmero dois para exportações da Argentina, Peru,Costa Rica e Cuba. Embora seja prática comumreferir-se a toda a América Latina (incluindofreqüentemente o Caribe) e suas relações com aChina, as exportações “latino-americanas” para aChina são na verdade dominadas por um pequenonúmero dos países da região envolvidos em umnúmero limitado de commodities. Por exemplo,

6 Notando novamente a recuperação posterior à crisefinanceira de 2008, alguns estimam que a China possareceber acima de 19% das exportações gerais latino-americanas em 2010. Ver William Dey-Chao (2010, p.48).

Exportações totais para a China Exportações de produtos primários para a China

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em 2008, dez commodities em apenas seis paíseslatino-americanos contaram por 74% dasexportações da região para a China e 91% dasexportações gerais de commodities da região paraa China (GALLAGHER & PORZECANSKI,2009, p. 5).

O comércio entre a China e a América Latinaé, portanto, largamente caracterizado pelaexportação de recursos naturais, especialmentemetais, minérios e produtos agrícolas, da AméricaLatina para a China. Em retorno, a China exporta,em larga medida, bens manufaturados de média ealta tecnologia (ver o Gráfico 1)7. Como região,a América Latina presenciou um aumentoconsistente na exportação de produtos primárioscomo parcela das exportações globais totais, indode 26,7% em 1999 para 38,8% em 2009(BÁRCENA et alii, 2010, p. 13). Para um númerode países latino-americanos, a concentração deexportações de recursos naturais específicos emgeral, e à China, em particular, é bastanteacentuada. Por exemplo, no Chile, as exportaçõesde commodities constituem quase 60% dasexportações totais do país (BÁRCENA et alii,2010, p. 13). Por sua vez, as exportações chilenaspara a China são dominadas especificamente pelocobre, que constitui 76% de suas exportaçõesgerais para esse país (VOLPON, 2010, p. 79)8.Brasil, Venezuela, Colômbia e Peru também têmaltas concentrações de exportações decommodities, notavelmente minério de ferro epetróleo, como percentual de suas exportaçõesgerais para a China (VOLPON, 2010, p. 79-80;GARCÍA-HERRERO & FUNG, 2008). Ademanda da China, especialmente por minerais e

recursos energéticos, tem sido de longe o maiormotor do crescimento da demanda global geral.Por exemplo, entre 2000 e 2008, a China foiresponsável por dois terços do crescimento totalglobal na demanda por aço e alumínio, e por umpercentual ainda maior na demanda global porcobre (WYK, 2010, p. 6).

Assim, o retrato que emerge da relaçãocomercial da China com a América Latina podeser capturado por três pontos principais. Primeiro,os laços comerciais e de investimento entre aChina e a América Latina cresceram rapidamentedesde apenas o início do novo milênio. Segundo,a expansão de laços econômicos entre a China ea América Latina conferiu à China um papel decrescente proeminência como fonte de demandapara as exportações latino-americanas.Finalmente, os laços comerciais e de investimentoentre a China e a América Latina são baseados nademanda chinesa por um conjunto relativamentelimitado de recursos naturais, de um númerorelativamente pequeno de países, geralmente, sul-americanos. Esse retrato básico da natureza edireção das relações de comércio e investimentoentre a China e a América Latina é geralmenteconsensual por observadores dentro e fora daChina e da América Latina. Entretanto, diferentesavaliações sobre ao que está conduzindo essarelação e quais podem ser as implicações paraambos os lados são, ambas, mais abertas àinterpretação e à controvérsia.

III. O QUE CONDUZ A CRESCENTE RELAÇÃOCOMERCIAL E DE INVESTIMENTO DACHINA COM A AMÉRICA LATINA?

As explicações para a natureza da relaçãoeconômica entre a China e a América Latinabaseada em commodities convergem a umadescoberta similar, mas problemática.Nomeadamente, a maioria das análisesacadêmicas, midiáticas e de negócios dos laçoseconômicos chineses e latino-americanosapresentam uma correlação simples entre umaChina em rápido crescimento e carente derecursos, de um lado, e uma América Latina ricaem recursos, de outro. Detalhes do que estáespecificamente conduzindo a demanda chinesapor commodities latino-americanas são freqüen-temente limitados e/ou simplistas. Ao contrário,o senso comum de que a América Latinasimplesmente tem do que a China “precisa”substitui freqüentemente uma análise mais

7 O México é a mais notável exceção a esse padrão, pelaestrutura de sua economia exportadora manufatureiratender a colocar o país em competição com as exportaçõeschinesas para o mercado norte-americano. Além disso, ediferentemente de muitas economias latino-americanas, oMéxico possui um significativo deficit comercial com aChina. Em 2008, a China constituiu 7,7% das importaçõesmexicanas, mas apenas 1% das exportações, implicandoum deficit comercial geral superior a US$ 24 bilhões(FERCHEN & GARCÍA-HERRERO, 2010, p. 142-143).Como região, a América Latina, em 2008, teve um deficitcomercial de 2,4% com a China (EGHBAL, 2009).8 Além disso, a contribuição das exportações de cobrechilenas para sua economia geral aumentou de 5,6% doProduto Interno Bruto (PIB) em 1996 para 16,3% em2010. Ver Anderson (2010).

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cuidadosa. Quando há uma análise mais detalhadados recursos específicos da demanda chinesa, osargumentos para o que está conduzindo ademanda e sustentando sua estabilidade são muitofreqüentemente subdesenvolvidas ou espúrias. Écertamente verdadeiro, no sentido mais amplo,que o desenvolvimento econômico chinês estáconduzindo a demanda do país por uma gama derecursos naturais da América Latina e outroslugares. Entretanto, é necessário entender asforças específicas que impulsionam a demandachinesa se desejamos apreender o momento e aestabilidade das relações econômicas da Chinacom a América Latina. Nesta seção eu detalho ostipos mais comuns de explicação para asexportações de commodities latino-americanaspara a China, das afirmações mais óbvias das“forças básicas de mercado” para as maissofisticadas análises de “ciclos de negócios”.

Muitas explicações para os altos níveis de laçoscomerciais e de investimento entre a China e aAmérica Latina enfatizam o papel das forçasbásicas de mercado. Uma versão comum desseargumento, descrevendo o aumento geral doslaços econômicos entre a China e a AméricaLatina, simplesmente afirmam em linhas geraisque o crescimento chinês abasteceu a demandapara as exportações latino-americanas. Porexemplo, como afirmou o resultado de um grupode estudos sobre as relações em expansão entreChina e América Latina: “Em geral, o investimentoe as atividades comerciais da República Popularda China na América Latina têm sido orientadaspara assegurar acesso a produtos que a China temnecessidade para seu crescimento econômico”(CENTER FOR HEMISPHERIC POLICY, 2007).Outros simplesmente ligam o “crescimentoeconômico explosivo” chinês à demanda porcommodities latino-americanas (RATLIFF, 2009).Nessa visão, os laços econômicos em expansãosão simplesmente uma função básica da“necessidade” econômica chinesa rapidamentecrescente por matérias primas oriundas daAmérica Latina.

Uma versão levemente mais detalhada, masainda assim incompleta dessas explicações das“forças básicas de mercado” para a expansão doslaços China-América Latina, vai um passo alémdos argumentos básicos de demanda-necessidadepara especificar a importância das diferentesvantagens comparativas. Aqui, os analistasenfatizam o papel do apetite chinês por matérias

primas para alimentar e sustentar o rápidocrescimento econômico do país. Especificamente,esses argumentos focam a escassez decommodities da China (freqüentemente em termosper capita, em vez de absolutos) versus sua relativaabundância na América Latina. Como argumentouum analista de mercado: “A China é destituída damaior parte das principais commodities, incluindominério de ferro, cobre, petróleo e madeira. Opaís simplesmente não pode continuar a crescer9% ao ano [...] sem assegurar um suprimentoestável de commodities” (BETHEL, 2009). Outraanálise usa uma lógica similar para explicar ointeresse chinês nas commodities latino-americanas: “Os 30 anos de desenvolvimentoeconômico ininterrupto na China têm aumentadoas necessidades do país por matérias primas parasatisfazer a demanda por milhares de Empresasde Propriedade Estatal [SOEs, na sigla em inglês],corporações privadas e milhões de consumidorescada vez mais sofisticados. Isso é um resultadoda escassez de recursos domésticos da China,somada à sua inabilidade de explorá-las e seudesejo de preservá-las para uso futuro(MINGRAMM et alii, 2009, p. 5)9. Assim, outraexplicação de aparente senso comum para asdemandas chinesas por matérias primas de paísesem desenvolvimentos ricos em recursos daAmérica Latina (assim como da África e de outroslugares) é que a economia da China confia nessasinjeções de commodities para manter um padrãode crescimento rápido longamente sustentável10.

Tais argumentos, conectando o crescimentochinês à sua “demanda” ou “requisitos” porrecursos naturais, implícita ou explicitamenteaceitam essa demanda como “natural”. Analistas

9 A Organização Econômica para Cooperação Econômicae o Desenvolvimento (OECD, na sigla em inglês) aplicoumajoritariamente a mesma lógica em sua explicação docrescente apetite chinês por commodities africanas: “Ademanda em expansão por energia e outros recursosnaturais é essencial para sustentar o crescimentoeconômico da China, e a abundância desses recursos naÁfrica tem naturalmente determinado a recente evoluçãoda relação econômica chinesa com a África” (OECD, 2008,p. 110; sem grifo no original).10 Lógica parecida foi evocada em um experto atestadocongressional: “A busca chinesa global pelas commoditiesnecessárias para sustentar sua rápida expansão econômicaforma o alicerce de sua relação com a América Latina”(ERIKSON, 2008).

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que enfatizam a crescente necessidade chinesapor recursos naturais freqüentemente apontampara três condutores específicos dentro daeconomia chinesa: (i) o crescimento populacional;(ii) a urbanização, que por sua vez é freqüen-temente ligada ao desenvolvimento da propriedadee da infraestrutura; (iii) a crescente classe médiaconsumidora (MINGRAMM et alii, 2009, p. 1;ZWEIG, 2010, p. 40). Por exemplo, um estudoaponta para a “necessidade [chinesa] progressivade matérias-primas, mercados e alimento parasustentar [...] o crescimento e satisfazer ascrescentes demandas consumidoras” (RATLIFF,2009, p. 1)11. No entanto, a demanda chinesapor grandes quantidades de matérias-primasdurante o período de crescimento das relaçõescomerciais e de investimento com a AméricaLatina foram qualquer coisa, menos naturais.Portanto, análises e projeções baseadas emhipóteses falhas e em entendimentoinadequadamente detalhado dos condutoresespecíficos da demanda chinesa podemfacilmente levar à confusão e a expectativasdesapontadoras para todas as partes envolvidas.

Entretanto, embora ainda ignorando algunsdetalhes importantes, uma última linha deexplicações para as relações econômicas emexpansão da China com a América Latina de fatoaproxima-se muito mais de um conhecimentomais detalhado. Essa visão reconhece a naturezapró-cíclica dos laços comerciais sino-latino-americanos. Por exemplo, alguns analistasnotaram que os ciclos de negócios chineses, esubseqüentemente a demanda por matériasprimas, pode ser “sincronizado” com exportaçõeslatino-americanas desses materiais. Em particular,alguns têm demonstrado as conexões detalhadasentre fluxos específicos de commodities da Amé-rica Latina para a China. Essa pesquisa, não

surpreendentemente, mostrou uma correlaçãopositiva entre o aumento do grau de especializaçãoda exportação de commodities latino-americanase as exportações para a China (CALDERÓN,2009). Alguns economistas e consultores decommodities têm sido ainda mais explícitos emnotar que o particular “ciclo de negócios” chinêsque pode estar em operação aqui tem conduzidoa uma “explosão de commodities” (VOLPON,2010; AVENDAÑO & SANTISO, no prelo).

No entanto, a ênfase em uma explosão (boom)chinesa, ou conduzido pela demanda chinesa oupela ascendente no ciclo de negócios, estáfreqüentemente conectada a uma avaliaçãootimista da continuidade, próxima ao médio prazo,da forte e consistente demanda chinesa porcommodities latino-americanas (e outros paísesou regiões ricos em recursos). Uma dessas linhasde raciocínio estabelece uma conexão comparativaentre crescimento e experiências de demanda derecursos de outros países de rápido desenvolvi-mento do Leste Asiático, como o Japão e a Coréiado Sul. Partindo de comparações históricasexplícitas de crescimento consumidor e industrialnesses “estados desenvolvimentistas” pobres emrecursos, alguns argumentam que a explosão decommodities liderada pela China (pelo menos paracertos produtos como minério de ferro e cobre)pode ser mantida por pelo menos outras duasdécadas (MINGRAMM et alii, 2010). Taiscomparações tendem a ignorar os fatores políticose econômicos específicos dirigindo a própriatrajetória chinesa de desenvolvimento, focandoem vez disso apenas a parte superior do ciclo dedesenvolvimento e a demanda de recursos nessesoutros países do Leste Asiático. Se umaascendente na demanda chinesa está dirigindo ocrescimento em exportações de commodities daAmérica Latina, é simplesmente lógico quequalquer descrédito ou instabilidade nessademanda terá um efeito negativo no volume deexportação e/ou nos preços.

Ultimamente, no coração de uma vasta maioriade explicações para a expansão do comércio entrea China e a América Latina há um consensoaparentemente de que a trajetória chinesaascendente implica exportações de commoditieslatino-americanos sempre crescentes e, pela maiorparte, cada vez mais valiosas, para abastecer essaascensão. Especificamente, essa noção de sensocomum está baseada na seguinte linha deraciocínio: a economia chinesa está crescendo

11 Ratliff, explicando os interesses “pragmáticos” daChina no comércio de commodities expandido com aAmérica Latina, enfatiza que seu objetivo número um é“comprar commodities indo do petróleo e o ferro ao cobree sementes de sofá que são necessários ao desenvolvimentoda China e para satisfazer as demandas populares poruma vida melhor” (RATLIFF, 2009, p. 7). Comoargumento a seguir, as demandas chinesas por recursosminerais e energéticos em expansão precisamente não éalmejada para satisfazer demandas consumidorespopulares, mas, em vez disso, para alimentar o(sobre)desenvolvimento industrial pesado.

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rapidamente, e porque a China é relativamenteescassa em certos recursos naturais, é óbvio queela buscou fontes dessas commodities em paísesricos em recursos como a América Latina. Oresultado foi a crescente relação comercial e deinvestimento baseada em commodities com aAmérica Latina. A questão de por que a Chinasomente começou a demandar commodities emquantidades cada vez maiores no começo dadécada de 2000, se o país tem crescido a umamédia acima de 9% desde o fim da década de1970, quase nunca é colocada. Além disso,mesmo a maior parte daqueles que reconhecem anatureza “cíclica” da relação não exploram osfatores políticos e econômicos específicosdirigindo a explosão da demanda chinesa. Isso éum descuido crucial porque, ao menos queentendamos melhor a natureza e o momento daexplosão de commodities dirigida pela China, nãopodemos avaliar efetivamente a extensão dosefeitos que podem seguir-se se e quando aexplosão terminar.

IV. AVALIANDO AS CONSEQUÊNCIAS:COMPLEMENTARIDADE VERSUS DE-PENDÊNCIA

Ao mesmo tempo em que há uma gama deexplicações para a rápida expansão do comérciochinês baseado em commodities e as relações deinvestimento com a América Latina, todas girandoem torno da idéia de que o crescimento chinêsestá puxando a América Latina consigo, hácontrovérsia acerca das implicações dessa relaçãoflorescente . Em particular, existem duas visõescontrastantes sobre os laços do crescimentoeconômico chinês com a América Latina: aprimeira enfatiza a complementaridade e obenefício mútuo enquanto a segunda demonstrapreocupação com relação a uma repetição depadrões históricos disfuncionais de dependência.Entretanto, nem a perspectiva otimista da“complementaridade” nas relações China-AméricaLatina nem a visão pessimista da “dependência”capturam a dinâmica específica e mais relevanteque conduz a explosão chinesa baseada emcommodities. Avaliar essas perspectivasconcorrentes requer uma compreensão maisdetalhada e diferenciada de alguns dos fatores-chave da demanda chinesa por um número decommodities latino-americanas, especialmente osminerais.

IV.1. Complementaridade

Como detalhado acima, a maioria das expli-cações para os crescentes laços de investimentoe comércio da China com a América Latinarelacionam a demanda chinesa por recursosnaturais à oferta latino-americana desses recursos.A abundância de recursos da América Latinaaparenta, então, complementar a escassez de re-cursos da China. Tal foco em uma complemen-taridade natural é também a base para osjulgamentos mais otimistas acerca da natureza edo desenvolvimento futuro dos laços econômicose políticos entre a China e a América Latina.Ademais, tais visões baseadas na complemen-taridade servem de fundamento para a prepon-derância de altas, e ainda ascendentes, expectativasquanto ao desenvolvimento futuro dos laçoscomerciais e de investimento entre China eAmérica Latina. A política oficial de governo daChina, apoiada por think tanks chineses centraisespecializados nos vínculos latino-americanos, éa mais óbvia proponente da idéia de complemen-taridade como o quadro correto para a compre-ensão dos laços China-América Latina. Concomi-tantemente, muitos líderes de negócios e membrosdo governo, especialmente nos países latino-americanos que são ricos em commodities, tam-bém são rápidos em enfatizar as complemen-taridades fundamentais da demanda chinesa e daoferta latino-americana.

Em sua diplomacia pública, a China usa alinguagem do “ganha-ganha” “win-win” e do“benefício mútuo” para ressaltar os benefíciospositivos para a China e para a América Latinapor seus vínculos econômicos emergentes. Outraparte basilar dessa estrutura de relaçõeseconômicas como fundamentalmentecomplementares é baseada na lógica que asrelações chinesas com a América Latina são “Sul-Sul”12. Cada um desses conceitos é consagradono “Documento de Política para a América Latinae o Caribe” chinês de 2008, que buscou esclareceros fundamentos e objetivos chineses de suasrelações com a América Latina. Importantes

12 Não deve ser surpresa que o governo chinês use essalinguagem na sua diplomacia pública, visto que ele tem umduradouro investimento na idéia de laços “Sul-Sul” (emboranão necessariamente com ênfase na América Latina) desdea Era Maoísta. Para mais sobre o histórico da diplomaciapública “Sul-Sul” da China, ver Monica Hirst (2008).

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AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

acadêmicos chineses que estudam a AméricaLatina na Academia Chinesa de Ciências Sociais(CASS, na sigla em inglês) e em outros think tankstambém, consistentemente, retratam a relaçãosino-latino-americana nos mesmos termos debenefício mútuo. Por exemplo, o vice-Diretor doInstituto de Estudos Latino-Americanos da CASSargumentou que “tanto a China quanto a AméricaLatina pertencem ao Terceiro Mundo e acooperação entre os lados beneficiará a pazmundial e o desenvolvimento” (SHIXUE, 2005,p. 15)13. Assim, o governo chinês e alguns dosseus principais analistas acadêmicos de relaçõescom a América Latina usam a linguagem dacomplementaridade para enfatizar umaestabilidade e uma igualdade fundamentaiscarregadas de similares históricos e metas dedesenvolvimento.

A linguagem da complementaridade e benefíciomútuo é retribuída por alguns, embora claramentenão todos, os líderes latino-americanos bem comopor alguns essenciais institutos de pesquisadaquele continente14. Em particular o governobrasileiro, sob a liderança do Presidente LuizInácio Lula da Silva, adotou a linguagem dosvínculos “Sul-Sul” para descrever as relaçõessinobrasileiras que crescem rapidamente. Além daassociação em comum ao G20, sem mencionarao ainda mais exclusivo BRICs, o Brasil tempromovido sua relação com a China como tantomutuamente benéfica quanto um meio depromover formas de liderança internacionalalternativas (aos EUA)15. Por sua vez, um dos

principais think tanks econômicos da AméricaLatina, a Comissão Econômica para a AméricaLatina e o Caribe (Cepal), elogiou o papel positivodos laços comerciais sinolatino-americanos à luzda crise financeira. Ambos os relatórios da Eclacde 2009 e de 2010, amplamente citados naimprensa chinesa, argumentaram que a fortedemanda chinesa por commodities latino-americanas teve um papel fundamental paraminimizar os efeitos negativos da crise globalfinanceira e para fornecer um forte motor queconduzisse uma recuperação regional rápida(LATIN AMERICA MUST TAKE, 2009;BÁRCENA et alii, 2010). Conforme o relatórioda Cepal de 2009 declarou, “de certa forma, omercado interno chinês resgatou as exportaçõeslatino-americanas” (LATIN AMERICA MUSTTAKE, 2009). Assim a visão de uma relação sino-latino-americana complementar e, portanto,mutuamente benéfica, é um tema central não sóna diplomacia pública chinesa mas também entreimportantes líderes e centros de pesquisa latino-americanos.

A linguagem dos laços “Sul-Sul”, promovidapelo governo chinês e pelos think tanks egeralmente retribuída por suas contrapartidaslatino-americanas, tem um papel central noestabelecimento de expectativas sobre a naturezae o futuro desenvolvimento das relaçõeseconômicas e políticas sino-latino-americanas.Algumas dessas expectativas são explícitas,enquanto outras são mais implícitas. Por definição,se a interação da China com a América Latina é“Sul-Sul”, e portanto entre a China como um paísem desenvolvimento e a América Latina comouma região de países em desenvolvimento, eladeveria ser qualitativamente distinta das relações“Norte-Sul”. As relações “Norte-Sul” são assimo contraste implícito (e apenas às vezes maisexplícito). Seja a referência às relações Estados-América Latina, seja às relações Europa-AméricaLatina, as relações Norte-Sul situam-se, nacomparação histórica, como relações deexploração e de desigualdade. Portanto, se oslaços econômicos e políticos sino-latino-americanos são Sul-Sul, o argumento que eles sãoinerentemente também de vínculos “ganha-ganha”deve ser por causa de sua natureza mais igual, denão exploração e, em última análise, estável.Alguns críticos dessa perspectiva ressaltampreocupações sobre a real igualdade da relação.Em contraste, este artigo realça os riscos de

13 A avaliação de Shixue do que conduziu os vínculoseconômicos da China à América Latina encaixa-se nessapositiva pespectiva de complementaridade. Ele diz que“a China também enfrenta uma falta de recursos naturais,em grande parte devido à sua enorme população e ao seurápido crescimento econômico” (SHIXUE, 2008, p. 34).14 De todos os grandes países latino-americanos o Méxicoé o menos provável de ver a relação nestes termos. Duasdas principais razões são porque o México tem um grandedéficit comercial com a China e porque ele compete com aChina como base manufatureira para exportações para omercado norte-americano.15 Para uma abrangente visão global das relaçõescomerciais, de investimento e diplomáticas sino-brasileirassob a perspectiva brasileira, ver Dey-Chao e Wyk (2010,p. 50-51). Para mais sobre os detalhes e os desafios dacooperação sino-brasileira como parte do BRICs, verMichael Glosny (2010).

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superestimar a probabilidade de um infinitocrescimento chinês de commodities.

IV.2. Dependência

É irônico que a Cepal, uma vez o berçoinstitucional de uma das principais correntes dateoria da “dependência” na América Latina,carregaria uma mensagem tão positiva acerca dacomplementaridade do comércio commodity-por-manufaturas sino-latino-americanas. Durante a altafase de industrialização de substituição deimportações (ISI), a Cepal era sinônimo do pen-samento do economista argentino Raúl Prebisch,cuja pesquisa serviu de base para muitas políticasde ISI dentro da América Latina e além16. Ade-mais, juntamente com outros influentes estudiososda América Latina como Andre Gunder Frank(“desenvolvimento do subdesenvolvimento”) eFernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (“de-senvolvimento dependente”), Prebisch e a Cepaltiveram um papel instrumental em criticar a in-serção latino-americana na economia mundial, emfins do século XIX e início do século XX, como,principalmente, um fornecedor de commoditiesde recursos naturais para os países em rápidaindustrialização na América do Norte e naEuropa17.

Uma das reivindicações mais famosas, mastambém polêmicas, de Prebisch era que adependência histórica latino-americana porexportações de commodities em troca deimportações manufaturadas do mundo desen-volvido implicava um desequilíbrio estrutural em“termos de troca” (TdT) pelo qual o valor dasexportações de commodity tendia a deteriorar-seem relação às importações manufaturadas(PALMA, 1978).

Baseado na idéia de que a região precisavarejeitar os modelos de desenvolvimento liberais eestáticos de vantagem comparativa que muitodominaram através do fim do século XIX ao início

do século XX, o resultado de parte do pensamentoda dependência foi como os governos latino-americanos poderiam promover o desenvolvi-mento e a industrialização por meio do envolvi-mento mais direto do Estado na economia. Éimportante ter em mente que o quadro históricoimediatamente anterior a essa tradição teórica epolítica foi o colapso quase completo do modelode desenvolvimento de exportações de commo-dities da região na esteira da I Guerra Mundial, daGrande Depressão e da II Guerra Mundial. Assim,na era posterior à II Guerra até a década de 1970,muito do pensamento de desenvolvimento naregião da América Latina era dominado por comoafastar-se de uma dependência excessiva da ex-portação de commodities de recursos naturais paraum modelo mais estável e, portanto, sustentávelde desenvolvimento industrial. A teoria da depen-dência, como quintessência da “tradição crítica”latino-americana, pode ter sido, desde então, lar-gamente posta de lado por muitos como um arte-fato histórico, mas não muito tempo atrás ela tinhagrande força tanto entre os círculos acadêmicosquanto nos políticos18.

Hoje, quer eles ressaltem explicitamente ou nãoa tradição de dependência latino-americana, muitosdaqueles que se preocupam com o padrão de rela-ções econômicas latino-americanas com a Chinareferenciam elementos da crítica original de de-pendência. As mais comuns entre as críticas dotipo “dependência” são aquelas que rejeitam asimagens positivas da complementaridade e, aoinvés disso, expressam preocupação com relaçãoà natureza do comércio da América Latina com aChina, em que as exportações são de commoditiese as importações são de bens manufaturados.Outras vão além ao argumentar que a China, pormeio de investimentos diretos em infraestruturapara facilitar o transporte das exportações de re-cursos naturais da América Latina, assumiu umpapel uma vez tido por países como a Grã-Bre-tanha no séxulo XIX. Por exemplo, alguns críticoscomo o economista brasileiro Delfim Netto járeferiram-se à relação sino-latino-americana comouma norma de imperialismo ou colonialismo chinês(PHILLIPS, 2010)19. Mais freqüentemente, no16 Para mais sobre a influência de Prebisch nas conexões

teóricas e políticas entre a “dependência” e o ISI assimcomo o apelo mais amplo de ambos para muitos paísesem desenvolvimento na era posterior à II Guerra Mundial,ver Frieden (2006).17 Para um resumo clássico das variadas permutações da“dependência” como um conceito teórico e ideia política,ver Palma (1978).

18 Para um tratamento da extinção da teoria da depen-dência e da “tradição crítica” latino-americana de maneiramais geral, ver Palma (2010).19 Acusações de que o comportamento chinês de comércioe investimento são coloniais ou “neocoloniais” em natureza

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entanto, argumentos do tipo “dependência” sãocolocados no nível do que é tido como a naturezaassimétrica ou desequilibrada dos laços decomércio e de investimento entre a China e aAmérica Latina.

Alguns exemplos recentes demonstram comoos temas de dependência são utilizados paradescrever a relação econômica da América Latinacom a China. Por exemplo, um relatório argumentaque “o padrão existente de comércio [entre a Chinae a América Latina] revela assimetrias crescentesque estão aprofundando a dependência históricalatino-americana por exportações de commoditiesde baixo valor agregado” e, portanto, que a“relação assumiu um tom ‘Norte-Sul’” (VOLPON,2010, p. 79-80).

Outras, ecoando as preocupações dos depen-dentistas originais, salientam as distorçõesdomésticas e internacionais que resultam danatureza commodities-manufaturados da relaçãocomercial sino-latino-americana. Evan Ellis(2008), autor de um livro sobre as relações China-América Latina, preocupa-se que, dentro dospaíses latino-ame-ricanos, o retorno corrente dasexportações de commodities é apropriado,principalmente, por elites econômicas ou políticas.Ao mesmo tempo, Ellis também se preocupa como fato de que, em um nível comparativointernacional, as exportações chinesas demanufaturados são um condutor mais estável parao crescimento da própria China do que asexportações de commodities o são para a AméricaLatina (idem, p. 286-288). Assim, o que algunscaracterizam como uma relação mutuamente

benéfica e complementar é, para outros, tanto“assimétrica” como próxima demais dos padrõeshistoricamente traumáticos de desenvolvimentoque muitos na região trabalharam tão duramentepor tanto tempo para superar.

Entretanto, tão importantes quanto algunsdesses argumentos relacionados à dependência,para entender como as relações sino-latino-americanas são avaliadas, são argumentosrelacionados a como a América Latina pode sercapaz de controlar mais efetivamente os benefíciosde sua atual relação de exportação de commoditiescom a China. Os relatórios da ComissãoEconômica para a América Latina e o Caribe(Cepal) acima mencionados, que ressaltam comoa demanda chinesa por exportações latino-americanas teve um papel crucial ao ajudar aAmérica Latina a resistir à crise financeira, sãoindicativos de como mesmo os céticos latino-americanos podem ver um lado positivo naquiloque foi, por muito tempo, visto como padrões dedesenvolvimento historicamente disfuncionais.

Outro estudo importante nesse aspecto,embora focando mais diretamente nas críticas àdependência, é um relatório do Banco Mundialsobre ciclos de expansão e contração decommodities na América Latina (SINNOTT,NASH & DE LA TORRE, 2010). O relatório vaimuito além das críticas à dependência acimadescritas ao argumentar que os ganhos privadose governamentais advindos da explosão deexportações baseadas em recursos naturais, secanalizados e utilizados de maneira efetiva, podemfortalecer um desenvolvimento sustentável de longoprazo na região. Focando as críticas anterioresquanto à dependência e à explosão de commodities,o relatório aponta que o argumento dos termos detroca de Prebisch pode ser contrabalançado porpolíticas cambiais apropriadas e diversificação deexportação (idem, p. 48-50, 60).

Não obstante, ao tornar público o relatório,um de seus autores e Economista-Chefe do BancoMundial, Augusto de la Torre, chama atenção parauma hipótese elementar sobre a qual esses outrosachados mais otimistas foram baseados:“presumindo que a demanda asiática porexportação de soja da Argentina, minério de ferrodo Brasil, cobre do Chile, peixes e minerais doPeru e outras commodities latino-americanascontinue, a região está em uma ótima posição paralucrar sobre seus recursos naturais” (AGUILAR,

são mais normalmente ouvidos com relação à África. Paraum argumento sobre como conceitos do gênero de“neodependência” ou “interdependência pós-colonial”podem lançar luz sobre a relação da China com a África,ver Rupp (2008). Apesar das críticas, certos líderesgovernamentais e corporativos acolhem um potencialaumento do investimento chinês na América Latina emferrovias, autoestradas, pontes e infraestrutura de portos.Para mais sobre a visão positiva brasileira acerca depotencial investimento futuro da China em infraestruturano país, ver The Beijing Axis (2010). Um aumento dodesenvolvimento de infraestrutura chinesa na regiãotambém tem o potencial de produzir uma espécie de efeitode “aprisionamento” pelo qual a infraestrutura financiadae construída pela China cria ligações com a América Latinaque poderiam resistir aos choques de curto prazo nademanda ou na oferta (eu agradeço a Jean-Marc Blanchardpor essa sugestão).

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2010). Entretanto, suposições de tal demandachinesa alta e sustentada, que se igualam a umafé na continuidade de uma explosão de commo-dities guiadas pela China, têm o potencial real deconduzir a expectativas frustradas.

V. CHINA E A EXPLOSÃO DAS COMMODI-TIES: FONTES INTERNAS E CONSE-QUÊNCIAS EXTERNAS

A discussão acima realça a concordância amplae aparentemente o senso comum de que a robustarelação de comércio da América Latina com aChina é uma simples função do rápidodesenvolvimento da segunda e sua necessidadepor recursos naturais que alimentem seu desenvol-vimento. A única controvérsia real parece girarem torno das conseqüências a longo prazo para odesenvolvimento latino-americano: os laçoseconômicos da China com a América Latina sãocomplementares e, portanto, uma fonte confiávelpara o crescimento latino-americano ou são laçosde dependência e, portanto, de alguma formadesigual ou instável? No geral, a visão otimistadas relações China-América Latina comocomplementares parece ser ascendente, comvozes críticas ouvidas na maior parte de paísesque não se beneficiaram com as exportaçõesexpandidas de commodities para a China oudaqueles que se agarram ao que podem parecerteorias ultrapassadas de dependência. Onde asperguntas de fato surgem sobre os benefíciosrelativos dessa relação, elas são normalmentecentradas sobre se os ganhos com o comérciobaseado em commodities são divididos igualmenteentre China e América Latina, bem como dentrode certos países latino-americanos.

No entanto, nós não podemos realmentecomeçar a avaliar o debate complementaridade-dependência sem uma compreensão mais apuradados precisos condutores da demanda chinesa ecomo esses condutores estiveram conectados amudanças mais amplas na trajetória dedesenvolvimento da China nos últimos anos. Nósdevemos perguntar: por que a China veio, e aindacontinua, a “precisar” de certos recursos latino-americanos em quantidades cada vez maioresdepois de decolar em um ponto específico notempo há menos de uma década? Para queconsigamos fazer isso, nós devemos olhar paracertas tendências na economia política domésticachinesa, em particular, tendências na trajetória dedesenvolvimento do país, que coincidiram com a

expansão chinesa de importações de commoditiesda América Latina e outras regiões. Em outraspalavras, nós devemos abrir a caixa preta dademanda chinesa por recursos naturais. Aofazermos isso, confrontamo-nos com uma figuramuito mais complexa do que uma simples eaparentemente imparável trajetória ascendentebaseada em uma demanda chinesa saudável e emexpansão.

Em particular, qualquer avaliação das pers-pectivas de longo prazo das relações econômicasChina-América Latina deve estar enraizada em umaclara compreensão de como um incremento naprodução industrial pesada da China desempenhouum papel fundamental no desencadeamento deuma explosão global de commodities por recursosminerais e energéticos para alimentar essaprodução. Assim, a trajetória de desenvolvimentochinesa passou por mudanças significativasjustamente no momento em que o comércio coma América Latina decolou. No entanto, taismudanças, em grande parte, não foram previstasnem intencionais.

Enquanto o crescimento da China continuouem altas taxas, mesmo em meio à crise financeiraglobal, uma série de “desequilíbrios” só conti-nuaram a crescer e podem, em algum momento,desempenhar um papel no término da explosãode commodities. Se a explosão global decommodities teve sua origem nas transformaçõesdentro da própria China, seu fim possivelmenteterá raízes nas forças econômicas e políticasdomésticas chinesas. Quer o resultado dascorreções de mercado ou de política de governo,quer uma combinação das duas, um número demudanças já estão em andamento e podem alterarfundamentalmente a demanda chinesa por umagama de commodities globais. Mesmo que aexplosão de commodities guiada pela China nãovenha a falir totalmente, a possibilidade de que ademanda chinesa pode e vai experimentar altavolatilidade em resposta à combinação das forçasdo mercado e das políticas de governo estásempre presente.

VI. O MODIFICADO CAMINHO DE DESEN-VOLVIMENTO DA CHINA: AS IMPLI-CAÇÕES DAS EXPLOSÕES DOMÉSTICAE INTERNACIONAL

Desde a primeira parte da década de 2000, aeconomia chinesa sofreu uma profunda série de

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mudanças. Essas mudanças afetaram não só opadrão de desenvolvimento doméstico chinês mastambém afetaram significativamente a relaçãoeconômica e política da China com a comunidadeglobal. Muitos economistas apontam que desdeos primeiros anos do século XXI a economiadoméstica da China e sua relação com a economiaglobal tornaram-se crescentemente “desequilibra-das”20. Enquanto o crescimento total continuouem ritmo acelerado a uma média de quase 10%,outros componentes do padrão de desenvol-vimento chinês mudaram dramaticamente. Forada China, entre as mais discutidas dessasmudanças estão o aumento do superavit comercialchinês e, com ele, da participação do país emreservas estrangeiras21. No entanto, dentro daChina é o aumento no desenvolvimento industrialpesado, muito do qual tem ido alimentar a rápidaurbanização e o desenvolvimento de infraestruturaconduzidos pelo Estado, que tem impactado novolume e no preço de entrada de commoditieslatino-americanas essenciais (especialmenteminerais e energia). Simplificando, a AméricaLatina se vinculou a um boom de commoditiesconduzido pela China, que por seu turno foiabastecido em parte substancial por umadecolagem na produção industrial pesada chinesa.

Desde o início de suas políticas de “reforma eabertura” ao final dos anos 1970, a Chinadistanciou-se do modelo de desenvolvimentoindustrial pesado de capital intensivo do “GrandeSalto” da Era de Mao em direção a umadependência de manufatura leve de trabalhointensivo 22. No entanto, logo após a virada do

milênio a China começa uma reversão dramática,inesperada e não planejada em direção a umaprodução industrial pesada. Entre 1985 e 2002 ocrescimento industrial chinês foi constante, mas,depois de 2002, a economia da indústria pesadada China experimentou uma explosãoextraordinário. A proporção total do PIB foiresponsável por praticamente todo esse aumento.No espaço de cinco anos, o tamanho relativo daprodução industrial pesada (aço, metais, químicos,energia eólica, produção de papel e todos ossetores intensivos em eletricidade) na economiapraticamente triplicou. Isso não teve precedentesna história econômica da China (CÂMARAEUROPÉIA DE COMÉRCIO, 2009).

Evidências dessa transformação começarama aparecer por volta do ano de 2001, quando aChina testemunhou um aumento inesperado daintensidade e do crescimento da demanda totalde energia23. Durante todo o período de reformado final dos anos 1970 até 2011, a intensidadeenergética da China esteve em declínio na medidaem que o país passava da indústria pesada para amanufatura leve24. Enquanto o país cresceu auma taxa média acima de 9% durante esse período,o crescimento energético permaneceu à média deapenas 4%. Por volta de 2001 esse cenáriocomeçou a mudar conforme a intensidade deenergia acentuou-se, e o aumento da demanda porenergia disparou para 13% ao ano, ultrapassandoassim o crescimento global do PIB (ROSEN &

20 Avaliar esses desequilíbrios tornou-se um ponto decontenda dentro e fora da China. Para exemplos de pesquisarelacionada, ver Yongding (2007), McKinnon e Schnabl(2009) e Pettis (2010a).21 Enquanto a China experimentou de modo consistentesuperavits comerciais entre 1% a 1,5% do PIB, de 1982 a2002, os excedentes dispararam na última década. Iniciandopor volta de 2003, os superavits começaram a subir e, em2007, atingiram 11% do PIB (ANDERSON, 2009, p. 25).Com a conta de capital fechado da China e a taxa de câmbiocontrolada, esses excedentes traduziram-se em reservascambiais, rapidamente crescentes, de quase US$ 2,5trilhões em 2009. Essa cifra representa cerca de 50% doPIB da China e aproximadamente 5-6% do PIB global,que em termos históricos só foi igualado pelos EstadosUnidos na década de 1920 e pelo Japão no final da décadade 1980 (PETTIS, 2010b).22 Para uma explicação do modelo do “Grande Impulso”

de desenvolvimento industrial sob o poder de Mao, verNaughton (2008).23 A ascensão da China em 2001 à Organização Mundialde Comércio (OMC) foi, de modo claro, parte de umesforço estratégico maior para inserir firmemente a Chinana economia global. Juntamente com os esforços chinesesposteriores à crise financeira do Leste Asiático para manterreservas em moeda suficientes para permitir uma respostapolítica independente para potenciais choques monetários,a entrada da China na OMC é notável como parte de umesforço político concertado para dar continuidade àreforma da economia chinesa. Mais pesquisas precisamser conduzidas sobre a conexão entre os fatores políticose econômicos por trás das mudanças dramáticas natrajetória de desenvolvimento da China no início dos anos2000.24 Para um claro resumo da reversão da China para umpadrão de desenvolvimento de indústria pesada intensivaem energia, ver Rosen e Houser (2007). Para mais sobre aintensidade energética chinesa, ver Andrews-Speed (2009).

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HOUSER, 2007, p. 6-7)25. O fator-chave queconduziu o aumento na intensidade e na demandaenergética foi o incremento na manufaturaindustrial pesada de produtos como o aço, ocimento e os químicos (ver o Gráfico 3).

Conforme a produção da indústria pesada dentroda China subiu, também subiu a demanda por umagama de commodities de insumos importados paraalimentar a demanda florescente.

25 Dentro da China, alguns estudiosos e autoridadesexpressaram-se com alarme sobre como o rápido aumentona demanda por recursos energéticos exacerboupreocupações de segurança energética. Por exemplo, verDaojiong (2006).

26 Além de ser o principal consumidor de minério deferro, em 2008 a China tornou-se o consumidor númeroum de cobre, alumínio, níquel, zinco e estanho e o númerodois no consumo de petróleo. Por causa da crise financeiraa demanda chinesa por commodities enfraqueceu-se noinício de 2009 mas recuperou-se rapidamente depois disso.Ver Wyk (2010, p. 6).

FONTE: Rosen e Houser (2007).

GRÁFICO 3 – VALOR AGREGADO INDUSTRIAL EM RELAÇÃO AO PIB (1995-2005)

O caso do aço e do minério de ferro exemplificade maneira clara como o rápido aumento naprodução doméstica chinesa de indústria pesadalevou a uma explosão global em commoditiesminerais específicas26. Apenas entre 2002 e 2005,a produção chinesa de ferro e aço, comoporcentagem do PIB, aumentaram deaproximadamente 1,5% para mais de 3% (idem,p. 8). Começando no princípio dessa década, a

produção chinesa de aço bruto cresceu anualmentea uma taxa de 18,3% (em comparação com 4,3%no resto do mundo) (WYK, 2010, p. 7). Aimportadora líquida de aço em 2002, a Chinatornou-se a maior produtora mundial de aço em2007, respondendo por 37% da produção mundialde aço bruto daquele ano (YONGDING, 2009, p.8). E em 2010 a China já era responsável pelaprodução de quase metade do aço do mundo(WYK, 2010, p. 7). Para colocar em perspectivaa velocidade dessa transição, em 2002 aimportação chinesa de aço ultrapassava suaexportação em 450%, mas em 2006 a exportaçãoexcedia a importação em 230% na medida em quea China se tornou o maior produtor e exportadorde aço no mundo (ROSEN & HOUSER, 2007, p.13)27. Enquanto a maior parte dessa rápida

27 Como o economista do UBS Jonathan Anderson aponta,a transição da China para uma posição de exportadorlíquido de aço implicou primeiro o controle das fatias demercado estrangeiras dentro da China e então a expansão

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AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA

expansão na produção alimentou a crescentedemanda doméstica, o setor de aço da China setornou cada vez mais orientado para a exportação,com cerca de 11,5% da produção indo para aexportação em 2008 (KPMG, 2009, p. 7).

Essa explosão na produção chinesa de aço,por sua vez, desencadeou um aumento nademanda por minério de aço, com a China agoraconsumindo um total de 70% das exportações deminério de aço do mundo (GARNAUT, 2010).Esse aumento na demanda por minério de ferroinfluenciou diretamente as fortunas dos cofresdas empresas e dos governos nos principaisexportadores latino-americanas como Brasil ePeru28. A China é, de longe, o maior importadordo minério de ferro brasileiro e a Vale do Rio Doce,a maior produtora de minério de ferro do mundo,ficou no topo da onda da crescente demandachinesa, lucrando exponencialmente29. Em parteisso se explica porque o aumento na demanda porinsumos para abastecer o rápido crescimentochinês na produção industrial pesada implicou umaumento correspondente no preço dessesinsumos. Por exemplo, apesar de uma breve quedaem resposta à reduzida demanda durante o augeda crise financeira global, o preço do minério deferro rapidamente recuperou-se na esteira da velozrecuperação da demanda chinesa30. Assim, a

explosão chinesa na produção industrial pesadateve um papel fundamental na rápida expansãodas exportações de uma gama de commoditieslatino-americanas.

Enquanto a dinâmica entre o aumento daprodução de aço chinês e a importação de minériode ferro é um exemplo fundamental da reação emcadeia iniciada pelo veloz crescimento da produçãoda indústria pesada chinesa, outras commoditiesminerais latino-americanas também foram puxadaspara o distinto padrão de desenvolvimento daChina31. Por exemplo, boa parte da produçãoindustrial pesada chinesa serviu para abastecer orápido desenvolvimento de propriedade einfraestrutura. Este, por seu turno, temimpulsionado o aumento das importações deoutras commodities minerais latino-americanascomo o cobre chileno. Conforme mencionadoacima, o cobre é a principal exportação do Chilee a China tem crescido rapidamente para tornar-se o maior consumidor do cobre chileno. Assim,o aumento na demanda por um número derecursos minerais abundantes na América Latina,uma ascensão que começou nos primeiros anosdo século XXI, tem sido impulsionado pormudanças importantes no padrão de desenvol-

para os mercados estrangeiros de exportação. Issodesempenhou um papel fundamental no aumento dosexcedentes comerciais chineses com países como os EUA.Ver Anderson (2010, p. 28).28 Em 2008 o Brasil forneceu 22,7% das importaçõeschinesas de minério de ferro. Ver Mingramm et alii (2009,p. 12). A mesma dinâmica funcionou para o maiorexportador de minério de ferro do mundo: Austrália. Em2008 a Austrália forneceu 41,4% das importações chinesasde minério de ferro, e, ao longo da última década, a Chinatornou-se o maior mercado exportador da Austrália, comminério de ferro e carvão respondendo por um terço dototal da receita de exportação australiana. Ver Stutchbury(2010).29 Apesar de mudanças na estrutura das negociações dopreço do minério de ferro, a Vale teve expectativas quesua receita das vendas de minério de ferro para a Chinadobrasse entre 2009 e 2010. Ver World’s Largest Iron(2010). Para uma análise detalhada da estrutura global decomércio entre Brasil e China, ver Dos Santos e Zignago(2010).30 Para um visão geral do contrato de aumento do minériode ferro e preços “spot”, ver China Ore Import (2009) eStuart (2010).

31 A conexão entre minério de ferro e aço fornece ailustração mais clara de como a demanda chinesaimpulsionou as exportações de uma commodityfundamental. O argumento sustentado aqui encaixa-semelhor em um aumento da produção chinesa de uma sériede bens de indústria pesada que necessitam de insumosminerais e energéticos. Entretanto, além dessas“commodities pesadas”, a China experimentou um picona demanda por commodities agrícolas, ou “commoditiesleves”, sendo o principal exemplo o dos grãos de soja e deseus derivados, como óleo e farelo (ver a Figura 2). Ademanda chinesa por certos insumos agrícolas latino-americanos, em particular por grãos de soja e óleo de soja,também vinculou-se às mudanças na estrutura no mercadointerno chinês. A lógica por trás do aumento na demandapor certas commodities agrícolas, como a soja da Argentinae do Brasil, é diferente daquela por trás dos minerais, masé discutivelmente também o resultado de mudançasespecíficas na economia política doméstica da China. Emparticular, existe um esforço concertado por parte dogoverno chinês para sair da suinocultura tamanho-famíliapara uma maior, de aspecto comercial, que impulsionou amaior demanda por importação de soja. Além disso, oaumento da produção industrial tem cada vez mais setraduzido em menos terras para a produção agrícola. Euagradeço Mindi Schneider e Emelie Paine pelas idéias úteisacerca da conexão Brasil-China da soja.

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vimento doméstico chinês de indústria pesadaintensiva32.

VII.POR QUE A CHINA VOLTOU-SE PARA APRODUÇÃO INDUSTRIAL PESADA?

Se as mudanças na trajetória de desenvol-vimento doméstico chinês alimentaram a decola-gem de importações de commodities mineraislatino-americanas no surto das relações comer-ciais entre China e América Latina, então avaliar aestabilidade global desse crescente relacionamentocomercial depende, em um primeiro momento,de uma compreensão mais profunda do que levoua China a mudar seus padrões de crescimento.Reafirmando uma observação feita acima: daperspectiva de muitos pesquisadores eautoridades, de dentro e fora da China, a volta dopaís para a produção industrial pesada no começodos anos 2000 não era planejada nem esperada,produzindo uma série de efeitos indesejáveis. Issotem importantes implicações para o futuro dodesenvolvimento das exportações de commoditiespara a China, a partir da América Latina ou deoutro lugar. Na verdade, muitas das forças quejuntas levaram a China ao uso intensivo de capitale energia, seguindo padrões industriais pesadosde desenvolvimento, somente foram agravadospela resposta chinesa à crise financeira global.Como as autoridades chinesas moveram-se alémdo que eles alegaram serem medidas deemergência para proteger a economia chinesa dacrise, a atenção dentro e fora da China tem

crescentemente se focado em como odesequilíbrio de ativos globais e domésticos e asbolhas de capacidade podem ser resolvidas. Ecomo a América Latina e outros exportadoresmundiais de commodities têm-se tornadoprofundamente ligados ao surto, liderado peloschineses, dessas mercadorias, qualquer mudançana estrutura política e no mercado interno daChina também afetará, inevitavelmente, essesexportadores.

Por que nos primeiros anos do século XXI aChina afasta-se de um padrão de desenvolvimentobaseado em trabalho intensivo (indústria leve) paraum baseado na indústria pesada de capitalintensivo? Uma resposta para essa questão devecomeçar com o reconhecimento de que a transiçãopara o desenvolvimento da indústria pesada nãofoi parte de um plano ou política coordenada porparte do governo central chinês. Como análiseseconômicas sobre o aumento inesperado doconsumo de energia chinês que acompanham amudança para a indústria pesada deixaram claro,a mudança da estrutura produtiva industrial nãofoi “o resultado de aspirações nacionais concer-tadas (como era no tempo de Mao Zedong)”(ROSEN & HOUSER, 2007, p. 8). Em vez disso,uma combinação perfeita de fatores do mercadoe da política governamental levou a um aumentodramático na produção industrial pesada nacional.O que começou como uma série de políticasdiscretas e sinais do mercado levaram a uma“corrida do ouro” ou uma mentalidade de “surto”de mentalidade (idem; EUROPEAN CHAMBEROF COMMER-CE, 2009). Explicando como aChina “struck steel” em uma maneira similar acomo outros países “striking oil”, um economistadestacou um claro elemento de “exuberânciairracional” com o que “começou com umaresposta aos fundamentos do mercado [...] entãoradicalmente superados” (ANDERSON, 2009, p.28). O que foram, então, alguns dessesfundamentos do mercado?

Uma combinação de condições e políticasmacro e microeconômicas facilitaram o surto deprodução industrial pesada no começo dos anos2000. No nível macroeconômico, taxas depoupança cada vez mais elevadas, queaumentaram depois de 2003 até alcançarem quase52% do PIB em 2009 (idem, p. 25), combinadascom baixas taxas de juros, para criar capitalabundante e barato, alimentaram o surto daprodução industrial pesada. Além disso, esses

32 Até agora ausente dessa discussão está o aumento docomércio e do investimento chineses em recursosenergéticos latino-americanos, especialmente o petróleo.Além dos minerais, as principais atividades deinvestimento da China na América Latina têm sidovinculadoas aos recursos petrolíferos, incluindo a compra,acima de US$ 7 bilhões, das operações espanholas daRepsol Brazil, em 2010. Ver Graham (2010). Como esteartigo deixa claro, a demanda chinesa por inúmerosprodutos de indústria pesada como aço demonstra realçadopotencial para a volatilidade relacionada ao mercado e/ouà política. A demanda chinesa em expansão por recursosenergéticos, como petróleo ou carvão de coque para aprodução de aço, também alimenta preocupaçõesambientais e outras preocupações de “segurançaenergética”. Ver Daojiong (2006). Os esforços do governocentral chinês para distanciar-se de tamanha dependênciano uso de energia intensiva em combustível fóssilclaramente terá impacto sobre o footprint da demandaenergética chinesa de seus principais parceiros comerciaisquanto à exportação de petróleo.

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aumentos da poupança não têm sido impulsionadospelas famílias, mas pelo aumento da poupançaempresarial, a qual subiu, aproximadamente, de15% para 26% do PIB entre 2000 e 2007 (idem,p. 27). Isso significa que o aumento das poupan-ças empresariais, muitas das quais são empresasestatais, tem sido canalizado para mais inves-timentos. No nível microeconômico, as possibili-dades crescentes de lucros da indústria pesadaforam reforçadas por políticas governamentaislocais destinadas a aumentar as taxas de cres-cimento local e atrair investimentos. Por exemplo,como parte da competição para promover ocrescimento, governos locais têm frequentementeoferecido insumos subsidiados, incluindo terra,água e eletricidade, para uso industrial(EUROPEAN CHAMBER OF COMMERCE,2009, p. 14). Ilustrando o impacto dessas políticasnas margens de lucro da indústria pesada, no finaldos anos 1990 os lucros desse tipo de indústriapairaram perto de zero, mas em 2007 subiramentre 4% e 7% em indústrias como as de aço,vidro e cimento, superando muito as homólogasmanufaturas leves (ROSEN & HOUSER, 2007,p. 10, 12).

Em indústrias pesadas como a do ferro,autoridades do governo central chinês têm-sepreocupado com o investimento excessivo hámuito tempo, bem como com a falta deconcentração industrial (YAP, 2009). No entanto,tal supercapacidade doméstica tem sido estimuladae absorvida por oportunidades para a exportação.Além de subsídios à exportação de determinadosprodutos industriais pesados, a exportação deexcessos da capacidade industrial pesada tem sidoauxiliada pelas políticas cambiais do governocentral. Mantendo o valor do Yuan baixo, a Chinatem efetivamente permitido a seus produtoresaumentarem a participação no mercado global emdeterminados setores econômicos (ANDERSON,2009)33. Entretanto, se as exportações da indústriapesada causaram pouco atrito com os parceiros

comerciais antes da crise financeira, elasclaramente tem-se tornado uma grandepreocupação. Em muitos aspectos o investimentoestatal chinês, seja por meio de canais deinvestimento diretos ou indiretos, tem se traduzidoem um aumento da produção industrial pesada,tendo como resultado final uma “corrida do ourona indústria pesada” (ROSEN & HOUSER, 2007,p. 12).

VIII. EFEITOS DA RESPOSTA CHINESA ÀCRISE FINANCEIRA: EXCESSO DECAPACIDADE E AUMENTO DE INSTA-BILIDADE

Se as condições para essa corrida do ouro naprodução industrial pesada, e as condições para anecessidade de matérias-primas, estavam postasantes da crise financeira global, elas somente têmsido exacerbadas pela resposta chinesa à crise.Particularmente, o crédito tornou-se ainda maisbarato e mais abundante como resultado do pacotede estímulo chinês de quatro trilhões de Yuan,acompanhado das políticas expansionistas decrédito promovidas por autoridades locais ecentrais na esteira da crise financeira34. Oresultado foi uma rápida recuperação na taxa decrescimento da China, que inspirou alguns aelogiarem o pacote de estímulo chinês como o“padrão ouro” global. Entretanto, o pacote deestímulo e a frouxa política monetária chinesa têmlevado a uma preocupação generalizada sobre aformação de bolhas de capacidade (em indústriaspesadas como o aço e o cimento) e de ativos (nosmercados de ações e imobiliário)35. Além disso,há um consenso geral dentro e fora da China deque, a fim de ajudar a solucionar os desequilíbriosdomésticos e internacionais, a China deve afastar-se de sua dependência da demanda externa eavançar em direção a um padrão de crescimentobaseado no consumo 36. Na realidade, porém, aresposta chinesa à crise financeira tem feito pouco

33 Aqui há uma questão legítima sobre se tais resultadospodem, de fato, ser um produto de uma política orquestradapara capturar tal participação no mercado. Entretanto,dadas as várias preocupações sobre o excesso de capacidadee os crescentes atritos comerciais gerados por isso, aindafaz sentido ver o que Anderson chama de “ganho de fatiade mercado” como um resultado de um surto nãointencional na produção industrial pesada.

34 Para uma visão abrangente do pacote de estímulo daChina e o acompanhamento das políticas de crédito einvestimento, ver Naughton (2009b).35 Para mais detalhes, ver European Chamber ofCommerce (2009) e Pettis (2009).36 Li Keqiang, o provável futuro Primeiro Ministrochinês, tem reiterado a necessidade de tais transformaçõesfundamentais do modelo de desenvolvimento econômicodo país. Ver Keqiang (2010).

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para corrigir esses desequilíbrios e, em vez disso,tem estimulado ainda mais o investimentoexcessivo na indústria pesada e em outrasmanufaturas que dependem das exportações e,portanto, da demanda externa.

Mais uma vez, o setor siderúrgico fornece umexemplo perfeito de preocupações com acapacidade excessiva, assim como dá sinais deque o setor já pode estar submetido a umrealinhamento dirigido pelo Estado, o qual estáafetando a demanda por minério de ferro.Enquanto no resto do mundo a produção de açodecresceu aproximadamente 21% em 2009, achinesa aumentou 13,5% (BURNS, 2010). Alémdisso, das 700 milhões de toneladas de açoproduzidas na China em 2009, somente 560milhões foram consumidas internamente (CHINAMINING ASSOCIATION, 2010). Na primeiraparte de 2010, com a economia chinesarespondendo rapidamente ao pacote de estímuloe à inundação de crédito barato, a produção deaço e a exportação continuaram a crescer a taxasde mais de 200% comparadas com o ano anterior(YAP & ZHANG, 2010). Com o excesso decapacidade dependente da diminuição da demandaexterna dos países mais industrializados daAmérica do Norte e da Europa, as tensõescomerciais têm sido rápidas de acompanhar. Defato, “entre os numerosos produtos feitos naChina influenciados por atritos no comérciointernacional, a indústria siderúrgica chinesa temsido a mais atingida” (THE CHINA SOURCING,2010). A supercapacidade não tem sido apenasuma fonte de preocupações comerciais, mas écada vez mais uma preocupação para osplanejadores do governo chinês, que desejamreduzir o consumo doméstico excessivo defontes de energia que tem acompanhado oaumento da produção industrial pesada (CHINAMINING ASSOCIATION, 2010).

O resultado foi que em 2010 as autoridadesdo governo central chinês começaram a decretarmedidas para reduzir a produção interna de aço ediminuir os incentivos para exportar o excessode capacidade. Essas medidas começaram a tomarforma em meados de 2010, com a Chinarevogando uma redução de 9% da taxa sobre ovalor agregado para as exportações de aço e,posteriormente, procurando restringir ocrescimento do crédito como parte de um esforçomaior para desacelerar o mercado imobiliáriosuperaquecido, que é a principal fonte de demanda

de grande parte do consumo de aço interno (cf.YAP & CAMPBELL, 2010; YAP & ZHANG, 2010).Na década de 1990, as autoridades do governocentral preocuparam-se com a falta deconsolidação da indústria de aço chinês edeclararam suas intenções de interromper acapacidade excessiva e concentrar a produção emum número limitado de grandes empresas estataisde aço (NAUGHTON, 2009a, p. 3-4). Apesar dosprofundos desafios na implementação efetiva dessaagenda, esforços iniciados em 2010 para controlaro setor siderúrgico estão começando a engrenar,em parte por causa de preocupações elevadassobre os efeitos do excesso de aço e de outracapacidade industrial pesada nas relaçõescomerciais, assim como o uso de energiadoméstico chinês, para não mencionar a ansiedadesobre o superaquecimento do mercado imobiliáriodo país. Os esforços da China para controlar aprodução de aço e para resfriar o mercadoimobiliário superaquecido conduziram a umamontanha russa em 2010 para importações,preços e transporte de minérios de ferro do Brasile de outros fornecedores-chave na América Latinae em outros lugares (YAP & CAMPBELL, 2010).

IX. CONCLUSÕES

No final das contas, as relações entre China eAmérica Latina são mais bem compreendidascomo complementares ou dependentes? Essasperspectivas claramente representam dois ladosda mesma moeda, capturando uma tensão básicaentre o otimismo e a ansiedade que a rápidaexpansão das relações econômicas entre China eAmérica Latina gerou. Embutidos nesse cenário,entretanto, estão suposições mais complexas sobreos benefícios relativos e a sustentabilidade darecente florescida relação comercial e deinvestimento China-América Latina. A comple-mentaridade implica equilíbrio e estabilidade: aAmérica Latina, com abundância de recursosnaturais, continuará a fornecer a matéria-primanecessária para abastecer a trajetória de desenvol-vimento chinesa, que parece inevitavelmenteascendente. A dependência implica um senso dedesigualdade e uma falta de sustentabilidade: aAmérica Latina está caindo em velhos hábitos dedependência excessiva de exportação de produtosprimários enquanto a China move-se para aprogressão do desenvolvimento industrial emanufatureiro. No entanto, este artigo demonstraque as questões sobre a saúde e a sustentabilidadedos laços econômicos entre China e América

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Latina somente podem ser respondidas prestandoatenção mais cuidadosa às particularidades dosurto de commodities liderado pela China.

Avaliações sobre a saúde e a sustentabilidadedos laços econômicos China-América Latinarequerem uma nova ênfase em alguns conhecidosbem fatos, assim como o destaque de algunsfenômenos bem menos discutidos, mas igual-mente importantes. Primeiramente, a decolagemdos laços econômicos entre China e AméricaLatina tem sido impulsionada pela demanda chinesapor commodities latino-americanas. Exportaçõeslatino-americanas para a China, e o crescenteinvestimento chinês na América Latina, têm sidodominadas pela demanda chinesa por minerais,energia e commodities agrícolas latino-ame-ricanas. Em segundo lugar, o momento específicoda decolagem de importações chinesas das (einvestimento nas) matérias-primas da AméricaLatina é de crucial importância. A América Latinanão tem sido simplesmente esboçada nos ventosdo milagre econômico chinês dos últimos 30 anosou mais, mas, em vez disso, tem pegado umafase específica do ciclo de desenvolvimentochinês, que em aspectos fundamentais tem sidobastante diferente do que veio anteriormente. Acrescente demanda por commodities latino-americanas e de outros países ricos em recursostem correspondido a uma mudança na trajetóriade desenvolvimento doméstico chinês, afastando-se da manufatura leve e média baseada em trabalhointensivo e aproximando-se da (super)produçãoindustrial pesada com capital intensivo.

Com esses dois fatos básicos em mente é maisfácil acender uma luz sobre o elefante na sala: oque acontece se e quando o surto de commoditiesdirigido pela China terminar ou tornar-se propensoa maior volatilidade? Naturalmente, a perspectivade complementaridade nos leva para longe,mesmo para contemplar esta questão, já que elanão somente assume a continuação suave dorápido desenvolvimento ascendente chinês, comotambém assume a continuação do papel latino-americano como um fornecedor de matérias-primas necessárias para abastecer esse desenvol-vimento. E aqueles que reconhecem que a AméricaLatina pode estar vinculada a uma fase específicado crescimento chinês (a idéia de que o surto decommodities da China é simplesmente parte deum “superciclo de commodities” secular evirtuoso) distraem-se de qualquer preocupaçãosobre como o surto pode acabar 37.

Mais surpreendente, entretanto, é como,freqüentemente, mesmo aqueles que são sensíveisa uma perspectiva mais crítica de dependênciaestão dispostos a assumir o fim do surto decommodities como uma possibilidade remota.Como um estudo recente nota, “debates sobre odesenvolvimento na América do Sul têm, por cercade meio século, girado precisamente em torno doimperativo de quebrar a dependência regional emexportações de matérias-primas, especialmentetendo em conta os efeitos deslocados da doençaholandesa e outros problemas estruturais associa-dos com tal modelo. A celebração das oportunida-des de exportação fornecida pela emergênciachinesa tem, conseqüentemente, algo de estranhonela” (PHILLIPS, N., 2010, p. 188-189).

Os relatórios da Cepal e do Banco Mundialdiscutidos acima são exemplos perfeitos de comoaqueles que compreendem melhor do que amaioria essas preocupações históricas estão,todavia, dispostos a pôr de lado a possibilidadede que a demanda chinesa por commodities podeser propensa à instabilidade. Salientar como ospaíses e empresas latino-americanos exportadoresde commodities têm uma oportunidade, bem comouma obrigação, de manejar os ganhos do surtode commodities de uma maneira sustentável, justae responsável é perfeitamente razoável. Contudo,a falha em melhor entender as raízes da demandachinesa por commodities específicas e os sériosdesafios enfrentados pela China na regulamentaçãodos mercados responsáveis por tais demandaspode muito bem servir como base paraexpectativas frustradas quanto à estabilidadechinesa como motor do crescimento da AméricaLatina. Se as expectativas daqueles que estãobeneficiando-se mais da complementaridadeforem decepcionadas, então haverá também altopotencial para aprofundamento de atritoscomerciais com aqueles na América Latina eCaribe que já se encontram competindo cada vezmais com as importações da China. Em últimaanálise, se parciais quanto à perspectiva dadependência ou da complementaridade, muitos doque estão participando ou observando o surtocontínuo nas relações China-América Latinaparecem ser pegos de surpresa em um ciclo de

37 Para mais sobre os “superciclos” de commoditiesseculares e a China, ver Rogers (2007; 2008).

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expectativas crescentes que são reflexo mais deuma mentalidade de corrida do ouro do que deuma sóbria reflexão.

Mesmo se tais expectativas crescentes são emparte orientadas pelo que o economista, ganhadordo prêmio Nobel, Paul Krugman chamou de“extrapolação ingênua das tendências passadas”,este artigo também deixou claro que um enfoquemais cuidadoso na política econômica internachinesa demonstra os vários desafios enfrentadospela China na manutenção de seu ritmo aceleradode crescimento (KRUGMAN, 1994). Preocupa-ções com os desequilíbrios econômicos internose externos, com as bolhas de capacidade e ativos,e com a inflação, são apenas algumas das muitasquestões no centro das discussões e debateschineses e internacionais sobre a saúde e o futuroda economia chinesa. Esses grandes desafioseconômicos estão muito amarrados à demandachinesa por commodities da América Latina e deoutras regiões. Esse argumento também temaparecido em um número pequeno, mas cres-cente, de análises de investidores internacionaissobre a economia chinesa. Por exemplo, no finalde 2009 e começo de 2010, o investidor de fundosde hedges, James Chanos, ganhou as manchetescom sua observação de que o inflado setorimobiliário chinês parecia “Dubai vezes mil – oupior” (BARBOZA, 2010)38. Chanos, quando maistarde pressionado a comentar como um estouroda bolha imobiliária chinesa poderia causar impactona economia mundial, disse que os mais expostosseriam os exportadores de commodities,especialmente nas áreas como as de minério deferro39. Embora os comentários de diretoresestrangeiros de fundos de hedge possam serdescartados como especulativos, previsões deuma desaceleração a curto e médio prazo têm

crescentemente sido expressas por proeminentesfuncionários do governo chinês, bem como doramo de negócios40.

O que permanece, então, é uma incompa-tibilidade potencialmente volátil entre as altas ecrescentes expectativas de um surto de commo-dities em curso, de um lado, e a possibilidade realde que setores específicos da economia chinesa(por exemplo, a indústria siderúrgica e/ou omercado imobiliário) enfrentem correçõesgovernamentais ou induzidas pelo mercado, asquais terão um impacto sobre a demanda porimportações de commodities. O argumentoapresentado aqui não é que a economia chinesaenfrenta uma crise iminente, mas simplesmenteque certos setores da economia, no centro dademanda chinesa por várias commodities latino-americanas, enfrentam sérios desafios e sãoreconhecidos por funcionários do governo centralchinês e outros analistas, dentro e fora da China,pela necessidade de reforma e regulamentação.Entretanto, especialmente à luz do elogio que aChina recebeu pelo gerenciamento de sua respostaà crise financeira, mantendo altas taxas decrescimento doméstico e, assim, sustentando ademanda por importações da América Latina, apercepção de que a China irá continuar a alimentaro crescimento das exportações latino-americanascontinua elevado. Afinal, se a idéia do Consensode Pequim ou Modelo Chinês ganhou impulso é,em grande parte, porque alguns vêem na Chinaum modelo alternativo e fonte de desenvol-vimento.

Contudo, este artigo refutou a noção do sensocomum de que, aparentemente, a demanda chinesapor commodities da América Latina é simplesmentedecorrência do rápido crescimento da China emlongo prazo. A América Latina não é de algumaforma organicamente ligada a uma forçadesenvolvimentista indestrutível chinesa, mas, em

38 Chanos foi bem claro ao dizer que ele não previu umaquebra na economia chinesa, mas, em vez disso, que eleestava convencido de que a bolha imobiliária chinesaenfrentaria uma severa correção.39 Ver a palestra de Chanos (2010) em Oxford, de 28 dejaneiro de 2010. Ver também a entrevista de Chanos aCharlie Rose, em 12 de abril de 2010 (ROSE, 2010). Emum exemplo mais recente, Fitch Ratings fez uma simulaçãodo impacto potencial de uma desaceleração simulada docrescimento econômico chinês para menos de 5% em 2011,a qual destaca o grande impacto negativo nos “setores deenergia e commodities” latino-americanos (FITCHRATINGS, 2010, p. 8).

40 Um exemplo de tais projeções de diminuições nastaxas de crescimento do PIB inclui Lou Jiwei, o chefe dofundo soberano chinês, observando que dentro dospróximos três a quatro anos o crescimento chinês vaidiminuir abaixo da tendência dos últimos 30 anos, e nospróximos 20 anos, provavelmente, ficará na média de cercade 6%. Ver Sanderson (2010). Para maiores informaçõessobre as crescentes previsões pessimistas sobre adesaceleração do crescimento econômico chinês no curtoao médio prazo ver Michael Pettis (2010c).

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vez disso, é vinculada a uma fase específica dodesenvolvimento chinês que tem cada vez maisapresentado uma série de desequilíbrios, que porsua vez têm suscitado amplas preocupações, dasmais variadas, e pedidos de reforma. Os maisconscientes desses desafios são as autoridadeschinesas e os estudiosos que estão ativamentetrabalhando para a melhor compreensão eresolução desses desequilíbrios. Gerenciar odescompasso entre as expectativas infladas e ossérios desafios envolvidos na sustentação docrescimento econômico estável chinês éresponsabilidade tanto de chineses quanto delatino-americanos, bem como de outrosobservadores interessados. Os líderes chinesesdevem continuar a tentar trazer estabilidade aosproblemáticos mercados internos para asimportações de commodities latino-americanas.

Do lado latino-americano, especialmente paraaqueles países exportadores de commodities quetêm visto a China tornar-se rapidamente o seuprincipal destino de exportações, é imperativodesenvolver um entendimento com mais nuancesda economia política específica da demanda decommodities chinesa. Ambos os lados devem,também, estar conscientes de como a linguagemSul-Sul e as relações de ganho mútuo alimentampotencialmente expectativas demasiado otimistasde sustentabilidade da demanda de commoditiesno longo prazo. Gerenciar a atual disparidade entreexpectativas elevadas e realidades maisdesafiadoras não será fácil, mas certamente serámais fácil do que tentar controlar asconseqüências ao permitir que as bolhas deexpectativas estourem.

Matt Ferchen ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela Cornell University (EUA)e Professor de Relações Internacionais na Universidade de Tsinghua (China).

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current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’smulti-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee forPeaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently establishedAsian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand themeaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and SouthAfrica, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation ismeant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions fromother major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnershipswith regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectationslinked to the impact of digitalization into account.

KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.

* * *

RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?

Matt Ferchen

This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America duringthe decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on thisset of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Closeto this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, whichasserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementaryand have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen ascomplementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. Theseauthors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing shortterm benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforcesdysfunctional standards of Latin American development which many countries within the regionrejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period nowspanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present ageneral view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting theimportant role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by adescription of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as whatconsequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regardto the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.

KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.

* * *

THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM

Paulo G. Fagundes Visentini

China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economicagenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many whoclaim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position theUnited States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close toresembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue thatChinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nationsof the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in internationalpolitics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty anddevelopment, we base our argument on the relationships that China has established with the African

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dans le système international et la dépendance croissante de tous les pays par rapport à l’espace, onexplique que les raisons chinoises pour la coopération spatiale seraient la quête de sécurité, ledéveloppement économique et la légitimité. En suite, on révèle le stade actuel de développement duprogramme spatial chinois, particulièrement dans les domaines des satellites d’image, de la navigation,de la communication et de la retransmission de données, bien comme dans les domaines des satellitesmicro et nano. En ayant les stimulations structurelles, les objectifs stratégiques et le niveau actuel dedéveloppement technologique, il est possible d’interpréter correctement les initiatives multilatéralesde la Chine dans le contexte mondial, avec le Comité des Nations Unies pour l’Utilisation Pacifiquede l’Espace Extra-Atmosphérique (Copous), bien comme dans le contexte régional, avec la récenteOrganisation de Coopération Spatiale d’Asie-Pacifique (Apsco). De la même manière, il est possiblede comprendre le significat, la potentialité et les limites pratiques de la coopération bilatérale chinoiseavec le Brésil et l’Afrique du Sud, des puissances régionales hors de l’Asie. On conclut que lapolitique de coopération spatiale chinoise vise à augmenter l’influence internationale de Beijing sansproduire des réactions excessives des autres puissances, reportant ainsi, une eventuelle militarisationde l’espace et cherchant à construire des partenariats avec des puissances régionales encoredébutantes dans l’espace, mais ayant en vue l’avenir et les expectatives par rapport à l’impact de lanumérisation.

MOTS-CLÉS: la coopération spatiale ; le Programme Spatial Chinois ; la sécurité internationale.

* * *

LES RELATIONS ENTRE LA CHINE ET L’AMÉRIQUE LATINE : DES IMPACTS À COURTOU LONG TERME?

Matt Ferchen

L’article met l’accent sur les relations d’affaires et d’investissements entre la Chine et l’AmériqueLatine dans les années 2000. Il y a trois interprétations principales, distinguées et liées, sur cetensemble de relations : pour la première, l’Amérique Latine, une région avec des ressources naturellesabondantes, exporte des produits primaires à une Chine en expansion, mais en manque de cesressources. En soutenant celle-ci, nous avons ceux, y compris beaucoup de représentants éminentsdu gouvernement, qui affirment que les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latinesont fondamentalement complémentaires, ayant un effet positif pour toutes les deux. Toutefois,d’autres observateurs soulignent que ce qui est vu comme une complémentarité, n’est en realitéqu’une manière renouvelée de dépendance latino-américaine. Ces auteurs disent que, malgré quel’expansion rapide des affaires et investissements apporte des bénéfices à court terme pour les deuxcôtés, cet espèce de relation basée sur des commodities, renforce les modèles dysfonctionnels dedéveloppement de l’Amérique Latine, dont beaucoup de pays de la région ont renoncé il y a déjàlongtemps, et essaient d’oublier depuis plus d’un demi-siècle. En prennant cette discussion commeréférence, on présente premièrement, une vision générale des relations commerciales etd’investissements entre la Chine et l’Amérique Latine, en soulignant le rôle important de la demandechinoise pour les commodities latino-américaines. Deuxièmement, on décrit les différentesinterprétations sur ce qui conduit cette relation commerciale et quelles seraient ses conséquences.Troisièmement, on présente l’argument, soutenu par nous, sur comment nous devrions comprendrece qui conduit les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine et ce qui est en jeu. Onconclut en vérifiant les implications de nos découvertes avec l’idée selon laquelle, la Chine offre unmodèle unique d’économie politique nationale et internationale.

MOTS-CLÉS: les affaires ; les investissements ; la Chine ; l’Amérique Latine.

* * *

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RESUMO

A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

Recebido em 18 de janeiro de 2011.Aprovado em 18 de fevereiro de 2011.

Paulo G. Fagundes Visentini

I. INTRODUÇÃO

Em 1949, com a proclamação da RepúblicaPopular da China (RPC), Mao Zedong anunciavao nascimento da Nova China. Ao longo de trêstumultuadas décadas, o país logrou reafirmar suasoberania e a ocupar um espaço político relevantecomo membro permanente do Conselho de Segu-rança da Organização das Nações Unidas (ONU),em um contexto de normalização das relações coma comunidade internacional. Nas três décadas se-guintes, o país lançou um complexo e dinâmicomodelo de desenvolvimento que não apenas alte-rou substancialmente sua realidade interna, comotambém teve um profundo impacto nas relaçõeseconômicas e geopolíticas internacionais.

Nascia a Novíssima China, um Estado cujo mo-delo político-econômico os grandes especialistasencontram imensa dificuldade em definir. Um paíscuja importância internacional pode ser avaliada pelasolicitação de parceria econômica feita em Pequim,em 2009, pela Secretária de Estado Hillary Clinton,em um tom que contrastava vivamente com a ar-rogância da administração George W. Bush. Aomesmo tempo, a economia e a diplomacia chine-sas conseguem estabelecer relações aparentemen-te sustentáveis com a periferia em desenvolvimen-

A chegada da China à periferia em desenvolvimento, com uma agenda política e econômica abrangente,inaugura um novo estágio na projeção internacional chinesa e no próprio sistema mundial. Quais são osobjetivos dessa Novíssima China em termos de política internacional? Não são poucos os que identificamnas ações chinesas aspirações ambiciosas de dominação mundial, sucedendo os Estados Unidos comoliderança do planeta. Em uma manifestação que beira a sinofobia (como outrora o “perigo amarelo”),argumentam que seu desenvolvimento almeja concentrar a riqueza mundial em suas mãos, quebrando coma economia das demais nações. Tomando como base as relações estabelecidas com o continente africano,defendemos a hipótese de que Pequim inaugura uma nova etapa na grande política internacional e suplantaa fase em que a Nova China lutava para recuperar sua soberania e desenvolvimento, começando a NovíssimaChina a transformar o próprio sistema mundial. Para tal, argumentamos que a China busca evitar ashegemonias, tanto a dos Estados Unidos como a dela própria, pois nesse último caso, poderia ter a mesmasorte que a Alemanha nas duas guerras mundiais. Não se trata de uma tarefa fácil, pois a China move-se emmeio à fluidez diplomática do período posterior à Guerra Fria e ao envelhecimento do capitalismocontemporâneo em seus centros históricos.

PALAVRAS-CHAVE: diplomacia chinesa; sistema internacional; relações China-África.

to, particularmente com a África, em uma pers-pectiva que ultrapassa a simples esfera comercialou diplomacia de influência a ela associada.

O que deseja essa Novíssima China, em ter-mos de política internacional? Não são poucos osque identificam nas ações chinesas aspiraçõesambiciosas de dominação mundial, sucedendo osEstados Unidos da América (EUA) como lideran-ça do planeta. Em uma manifestação que beira asinofobia (como outrora o “perigo amarelo”), ar-gumentam que seu desenvolvimento almeja con-centrar a riqueza mundial em suas mãos, quebran-do com a economia das demais nações. Mas o“problema chinês” é como alcançar o desenvolvi-mento por meio da integração de 22% da popula-ção mundial aos benefícios da modernidade, semque o sistema internacional entre em colapso. Paraque ele transforme-se gradualmente, a China bus-ca evitar as hegemonias, tanto a dos Estados Uni-dos como a sua própria, pois, nesse último caso,ela poderia ter a mesma sorte que a Alemanha nasduas guerras mundiais. Não se trata de uma tare-fa fácil, pois a China move-se em meio à fluidezdiplomática do período posterior à Guerra Fria eao envelhecimento do capitalismo contemporâneoem seus centros históricos.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 131-141, nov. 2011

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A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

II. A REINSERÇÃO DA CHINA POPULAR NOSISTEMA INTERNACIONAL

Durante o ciclo colonial, estruturado ao longode quase cinco séculos de expansão e hegemoniaeuropéia, a Ásia conheceu uma situação de domi-nação direta e indireta, estagnação e mesmo re-trocesso nas diversas esferas da vida social. AChina imperial, que até o século XVIII fora, emvários campos, a nação mais avançada do mun-do, entrou em uma fase de isolamento, estagna-ção e declínio. Apenas o Japão escapou a essasorte, tornando-se uma nação imperialista, apoia-da em um militarismo extremamente agressivo.

A I Guerra Mundial, a Revolução Soviética, aII Guerra Mundial e a Revolução Chinesa (com asguerras da Coréia e do Vietnã) geraram uma novarealidade geopolítica. O Japão foi reconstruído,industrializado e integrado à esfera de influênciaamericana, o que posteriormente ocorreu comTaiwan e Coréia do Sul (Tigres Asiáticos). Assim,essa Ásia insular e peninsular do Pacífico passoua integrar o espaço capitalista sob ascendência dosEstados Unidos, enquanto a massa continentalasiática fazia parte de um espaço socialista e o suldo continente formava um espaço neutralista, ape-sar da Guerra do Vietnã. Dessa forma, a GuerraFria implicava a divisão e fragmentação do espa-ço asiático em regiões isoladas umas das outras,processo que se aprofundou com a ruptura sino-soviética.

No início dos anos 1970, a China e os EstadosUnidos reaproximaram-se, em uma aliançaantissoviética, a qual permitiu a Pequim ocupar oassento permanente da China no Conselho de Se-gurança da ONU e normalizar suas relações coma maioria das nações. Era o fim de um longo iso-lamento diplomático e marginalização imposta. Aomesmo tempo, encerrava-se o longo ciclo de con-flitos internos. Com o término da Revolução Cul-tural e a aliança com os EUA, o moísmo com ên-fase na luta de classes foi deixado de lado. MaoZedong morreu em 1976 e o grupo reformistaampliou seu poder gradativamente, nele emergin-do a liderança de Deng Xiaoping. No final da dé-cada o Partido Comunista da China (PCC) intro-duziu uma série de reformas econômicas, queculminaram com uma abertura externa seletiva ea adoção de novos padrões de desenvolvimento.

Em 1978 o país adotou a política das QuatroModernizações, que consagra reformas internas

como a descoletivização gradual da agricultura, aintrodução de uma economia mercantil dentro deuma estrutura socialista, a criação de áreas espe-cíficas para a captação de capital e tecnologia es-trangeiras e a instalação de empresastransnacionais, destinadas principalmente à expor-tação. Nas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs),geralmente províncias costeiras, introduziu-se le-gislações próprias para permitir o estabelecimen-to de determinados mecanismos capitalistas e oassentamento de capitais e empresas estrangei-ras.

A nova linha representava uma mudança naestratégia chinesa. Até o início dos anos 1960, aRPC enfatizara os problemas ligados à sua segu-rança, pois tratava-se de uma revolução ainda nãoconsolidada, com uma economia débil e vivendouma conjuntura internacional adversa. Foi a épo-ca em que a permanência no bloco soviético afi-gurava-se como necessária para atingir esse obje-tivo. Do início da década de 1960 à de 1970, apreocupação do PCC voltou-se para a autonomiae independência, pois, apesar dos inúmeros pro-blemas, o país lograra estabilizar-se, e a aliançacom Moscou mais entravava do que auxiliava osplanos chineses de tornar-se novamente uma po-tência de âmbito mundial, politicamente respeita-da e economicamente desenvolvida.

A ênfase chinesa voltou-se para a moderniza-ção do país em quatro áreas: indústria, agricultu-ra, tecnologia e forças armadas. O melhor cami-nho para atingir esses objetivos seria implementaruma política de reformas econômicas internas,abrir o país ao dinamismo da revolução tecnológicaque se iniciava, associar-se à revoada dos gansosasiáticos e tirar o máximo de benefícios econômi-cos e estratégicos de uma aliança com os EstadosUnidos, durante uma fase de distensão internaci-onal. Além disso, a normalização com o Japão,ocorrida em 1978, permitia a Pequim desmantelarprogressivamente a Pax Americana na Ásia, quemantivera afastados os dois maiores países daregião. Washington percebeu a nova conjunturaunicamente a partir de seus objetivos, sem levarem consideração todos os futuros desdobramen-tos dessa política.

Ainda que marcada por inúmeras dificuldadesbastante conhecidas, a RPC não teria de partir dozero, como a Coréia do Sul dos anos 1950, poispossuía uma base industrial e infraestrutura con-sideráveis, ainda que insuficientemente moderni-

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zada, satisfatórias para iniciar o desenvolvimento.Por outro lado, a manutenção de uma estruturasocialista paralela, bem como de um considerávelvolume de população vivendo no campo, permiti-ram ao setor capitalista da economia dispor deuma mão de obra abundante a um custo extrema-mente baixo. Educação, saúde, habitação, alimen-tação e transporte público têm um custo baixo naChina, permitindo-lhe uma elevada competitivi-dade. Esse é o significado profundo da ambíguaexpressão “economia socialista de mercado”1.Além da base material e da estabilidade sócio-po-lítica construídas pelo regime socialista, a Chinapossuía ainda a possibilidade de utilizar outros trun-fos, que haviam favorecido o desenvolvimento deTaiwan, Hong Kong e Cingapura: a diáspora chi-nesa e seus recursos financeiros.

Ao alterar a ênfase de sua política da luta declasses para as reformas rumo ao mercado, a aber-tura externa e a aliança com Washington, os co-munistas de Pequim não apenas reinseriam o paísno concerto das nações, como multiplicavam ossinais de confiança, destinados a atrair os investi-mentos de seus compatriotas de além-mar, asso-ciando-os ao projeto e modernização e oferecen-do-lhes bons negócios. Essa estratégia viria a sercoroada de sucesso, mesmo em relação aos arqui-inimigos do outro lado do estreito de Formosa.Com a introdução do princípio de “uma nação,dois sistemas”, Pequim conseguiu lograr com êxitoa reincorporação dos dois últimos enclaves colo-niais, Hong Kong e Macau, respectivamente em1997 e 1999.

O impacto da inserção mundial da China é in-tenso, não apenas pela acelerada taxa de cresci-mento, mas pelo peso econômico e populacionaldo país, bem como por sua dimensão continental.O problema, entretanto, não diz respeito apenasao peso da China, mas principalmente às caracte-rísticas do projeto chinês. Trata-se de uma po-tência nuclear, com imensa capacidade militar,além do fato de tratar-se de um modelo de desen-volvimento de pretensões autônomas. A Repúbli-ca Popular da China, graças à sua capacidade mi-litar de dissuasão, armamento nuclear, indústriaarmamentista própria, tecnologia aeroespacial e demísseis, bem como por ser membro Permanente

do Conselho de Segurança da ONU (com poderde veto) é o único país em desenvolvimento quese encontra no núcleo do poder mundial.

II. TIBETE E TIANANMEN 1989, A PRIMEIRATENTATIVA DE CONTENÇÃO

Essa espetacular performance, entretanto, tevetambém um outro lado. A descoletivização do cam-po levou ao aumento da produção, mas geroucrescentes desigualdades sociais e uma parcelade camponeses sem terra, que se tornaram assa-lariados ou migraram para as grandes cidades. Emum país com quase 700 milhões de camponeses,isso constitui um problema sério. Embora emmenor intensidade, esse fenômeno também atin-giu as cidades, em um clima político bem maiscomplexo. Esse fenômeno agravar-se-á significa-tivamente na segunda metade dos anos 1980, comos impactos da Perestroika soviética.

As reformas soviéticas criaram expectativasimensas de uma rápida inserção internacional daUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas(URSS), mas concretamente levaram o país à beirado caos sócio-econômico e da ruptura política.Era um caminho bem diverso do chinês. Pequimdesencadeara suas reformas internas e aberturaexterna essencialmente no plano econômico, semestendê-las ao político, ao contrário de Moscou,que as iniciou pelo sistema político, uma décadadepois. Ora, os reformistas de Deng Xiaopingdesencadearam seu processo de mudanças quan-do a Revolução Científico-Tecnológica (RCT)encontrava-se ainda em sua fase inicial, além deaproveitarem uma conjuntura internacional maisfavorável, conservando seu sistema políticounipartidário, o que possibilitou estabilidade e con-trole sobre as reformas. As reformas deGorbatchov, por outro lado, deram-se sem umplano estratégico claramente definido, sem con-trole político e, pior ainda, em um momento emque a RCT já dera ao capitalismo uma dianteirainalcançável.

Os efeitos internacionais da Perestroika e afacilidade com que a URSS estava sendo integra-da ao sistema mundial em uma posição politica-mente subordinada, levaram determinadas forçaspolíticas (dos EUA, de Taiwan e do próprio país)a tentar atrair a China para o mesmo caminho.Não se tratava de mera “conspiração”, pois as ten-sões sociais e as complexidades políticas (ampli-ação do número de atores políticos, com interes-ses específicos) que acompanhavam as econo-

1 Segundo Medeiros (1999), a economia socialista de mer-cado consiste na descentralização do planejamento e nacentralização do mercado.

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micamente bem sucedidas reformas chinesas eramconsideráveis, além dos dirigentes chineses en-contrarem-se divididos quanto aos limites e ao rit-mo dessas mesmas reformas.

Uma mobilização popular multifacética e con-traditória emergia no país, especialmente comomovimento contra a corrupção, e o jovemempresariado e os ultra-reformistas do PCC,nucleados em torno do Primeiro-Ministro ZhaoZiyang, procuraram capitalizá-lo em sua luta con-tra os reformistas moderados como “movimentopela democracia”. A concentração popular na Praçada Paz Celestial (Tiananmen), ponto de inflexãodesse confronto, ocorria durante as comemora-ções do Movimento de 4 de maio de 1919 e avisita de Gorbatchov, que deveria encerrar trêsdécadas de divergência, e motivava os reformis-tas radicais.

A repressão militar ao movimento em junho de1989 e a conseqüente derrota dos ultra-reformis-tas, impediu que a China tivesse o mesmo destinoda União Soviética: a desagregação do país e ocolapso do regime socialista. É, pois, interessanteque naquele ano a estratégia ocidental de luta con-tra o socialismo teve duas conseqüências opos-tas: a derrota dos comunistas soviéticos, simboli-zada pela derrubada do muro de Berlim, e a vitóriados comunistas chineses, sinalizada pela repres-são da Praça da Paz Celestial. Analistas da políticainternacional interpretaram essa contradição ar-gumentando que se tratava de uma vitória defini-tiva sobre a URSS, enquanto no caso chinês, opróprio desenvolvimento capitalista necessaria-mente conduziria, em médio prazo, à adoção deum regime político calcado no modelo ocidentalde democracia liberal (a tese da contradição entreabertura econômica e fechamento político).

III. O FIM DA GUERRA FRIA E A NOVA REA-LIDADE GEOPOLÍTICA NA ÁSIA

O declínio e, finalmente, a desintegração daURSS puseram fim à Guerra Fria e ao sistemabipolar, abrindo uma nova era de incertezas naconstrução de uma nova ordem mundial, em umaconjuntura marcada pelo acirramento da compe-tição econômico-tecnológica mundial. O fenôme-no da globalização passa, cada vez mais, pelaregionalização, isto é, pela formação de pólos eco-nômicos apoiados na integração supranacional emescala regional. E a intensidade do processo deglobalização provocou, inicialmente, profundos

efeitos desestabilizadores, gerando a fragmenta-ção social e nacional, essa última particularmentepresente nos países periféricos. É nesse quadrode reordenamento mundial que a Ásia emergecomo uma nova fronteira econômica.

Os problemas e perspectivas da Ásia não po-dem, contudo, ser avaliados unicamente a partirda perspectiva econômica. A segurança regionallevanta uma série de interrogações que, provavel-mente, condicionarão as possibilidades econômi-cas posteriores. A ascensão econômica da China,potencializando o incremento e modernização deseu potencial militar e, conseqüentemente, ampli-ando sua autonomia político-diplomática, passa-ram a preocupar particularmente os EUA, quebuscam reafirmar sua predominância a um customais baixo que durante a Guerra Fria.

A região do sudeste asiático é particularmentesensível ao ingresso da China na economia mun-dial, por seu peso e por anular certas vantagenscomparativas da região. A Associação de Naçõesdo Sudeste Asiático (Asean) tem agido com rapi-dez, estreitando a cooperação política e econômi-ca entre seus membros, para acelerar o desenvol-vimento econômico e garantir a segurança da re-gião. Em 1995, o Vietnã, antigo rival, passou aintegrar a organização, seguido por Laos, Mianmare Camboja, abarcando todo o sudeste asiático.

A evolução da Ásia a partir do fim da GuerraFria e do desaparecimento da URSS foi rápida eprofunda, gerando uma nova realidade ainda nãodevidamente avaliada, pois suas diversas regiõesconstitutivas, que se encontravamcompartimentadas, têm se encaminhado para afusão em um único cenário estratégico. De fato,o continente asiático esteve, nesse século, sub-metido a uma série de divisões, cujas formas eabrangência alteraram-se, sem que o problemadesaparecesse. A Guerra Fria não fez senão tor-nar ainda mais herméticas as fronteiras entre asregiões, tais como o anel insular sob controle norte-americano, a massa continental socialista (dividi-da desde os anos 1960 entre a China e a Sibéria eÁsia central soviéticas), o subcontinente indianoinfluenciado pelo neutralismo, o sudeste asiáticoem conflito e em disputa, o que também era ocaso de outra região asiática, o Oriente Médio.

Vários “muros” asiáticos ruíram com a desin-tegração da URSS em fins de 1991. Desde então,a cooperação entre a Rússia e a RPC tem sidocrescente nos campos econômico-comercial,

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tecnológico-militar, diplomático e de segurança.Especialmente importante têm sido as vendas dearmamento sofisticado e a transferência detecnologia avançada no campo aeroespacial e nu-clear. A queda do “muro sino-soviético”, por ou-tro lado, também permitiu a integração progressi-va da Sibéria ao dinamismo econômico da Ásia-Pacífico, seja diretamente ao capitalismo oceâni-co transnacionalizado, seja via cooperação bilate-ral com o socialismo de mercado chinês.

A normalização política que se seguiu aos acor-dos de paz do Camboja em 1992, por sua vez,terminou com o isolamento da Indochina em rela-ção ao restante do sudeste asiático. Essa nova di-mensão diplomático-estratégica, associada ao di-namismo econômico da região, propiciou oacercamento sino-vietnamita e uma crescentecooperação de Pequim com a Asean. Tanto os in-teresses econômicos como a criação de um diálo-go permanente no campo da segurança têm cria-do uma situação de crescente cooperação entre aChina e o sudeste asiático. Da mesma maneira,apesar das recorrentes situações de tensão calcu-lada na península coreana e seu entorno, a diplo-macia chinesa tem encontrado formas de gerarcontínuos rearranjos para evitar possíveis ruptu-ras ou a intrusão de problemas estratégicos nonordeste asiático.

Outra região que possuía uma dinâmica pró-pria e uma inserção internacional específica, e quehoje começa a somar-se ao dinamismo da ÁsiaOriental, é o subcontinente indiano. A Índia ca-racterizava-se por uma industrialização substitutivae autocentrada, e era aliada de Moscou no planoestratégico (vale dizer, anti-chinesa), apesar de suadiplomacia neutralista voltada ao não alinhamentoe ao Terceiro Mundo. O colapso da União Sovié-tica, a ascensão econômica da Ásia Oriental eSudeste, os efeitos da globalização econômica eda RCT, a normalização das relações da China comseus vizinhos e as novas ameaças à segurança in-diana, levaram Nova Delhi tanto a promover umaabertura calculada de sua economia, como a bus-car um modus vivendi com a China e a mover-seem direção a uma complexa e ambígua aliança comos Estados Unidos.

Quase simultaneamente, o espaço geopolíticoasiático ampliava-se ainda mais com o surgimentode novos estados, resultantes do desmembra-mento da URSS. A antiga Ásia central Soviética,detentora de uma posição estratégica privilegiada

e de imensos recursos naturais, como petróleo egás, inicialmente manteve sua dependência emrelação à Rússia, nos quadros da Comunidade deEstados Independentes (CEI). Mas o rápidodeclínio econômico, militar e diplomático de Mos-cou levaram o Cazaquistão, Uzbequistão,Tadjiquistão, Quirguistão e o Turcomenistão abuscarem novas alternativas, inclusive porque aspotências médias da região, Irã, Turquia, ArábiaSaudita, Paquistão, Índia e China, por motivoseconômicos, políticas e por determinadasvinculações históricas, étnicas e religiosas, nãopermaneciam passivas frente ao vácuo de podercriado na região, projetando sua diplomacia emdireção a essa área. Assim, além de ampliado, oconjunto asiático tornou-se mais diversificado,com a abertura de uma “nova fronteira” econô-mica e política.

A independência dos países muçulmanos daantiga Ásia central Soviética, por outro lado, afe-tou diretamente o Oriente Médio, ampliando seuhinterland e colocando-o em contato direto coma Ásia. Nascia o Grande Oriente Médio. Comofoi mencionado, potências médias da região, comoTurquia, Irã, Arábia Saudita e Paquistão, lutampor estender sua influência à Ásia Central, sendoo interminável conflito afegão um dos pivôs donovo jogo geopolítico. Além disso, a fronteiraimpermeável que antigamente separava a URSSdo Oriente Médio desapareceu com a formaçãodos novos estados.

Washington, por sua vez, busca não apenaster um acesso direto aos recursos econômicos daÁsia Central, como procura evitar que a regiãotorne-se uma espécie de zona de contato entre aÁsia e a Europa. A reabertura da Rota da Seda,antiga ligação terrestre entre a Europa e a Ásiaanterior à era das navegações, é bem mais do queum episódio vinculado ao turismo.

Contudo, de momento, o mais importante éque o potencial conflitivo da região e a dimensãode cerco, real ou potencial, que a estratégia norte-americana provoca (sobretudo em relação à Chi-na), fazem que a noção de segurança asiática sejaampliada para a Ásia central e, por meio dessa, aopróprio Oriente Médio. Assim, além dessa últimaregião possuir vínculos econômicos com a Ásia,novos problemas têm permitido o estabelecimen-to de um contato mais sistemático entre os doiscenários, anteriormente distantes. Lentamente, aÁsia política começa a identificar-se com a Ásia

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geográfica e, ainda mais importante, progressiva-mente esboça-se a noção de Eurásia, analisadaadiante.

IV. A EURÁSIA E A ORGANIZAÇÃO DE COO-PERAÇÃO DE SHANGHAI

A expansão do cenário estratégico asiático parao interior da Eurásia significa a ampliação de re-cursos naturais e industriais desse, mas, em umquadro de maior diversidade, igualmente osurgimento de novos problemas e conflitos. Issoafeta tanto os países da Ásia quanto os EUA. Seos primeiros conseguem com isso ampliar seuespaço de manobra econômica e diplomática, poroutro, a complexidade contida na nova realidadeem formação acrescenta dificuldades a uma re-gião que atravessa uma evolução acelerada (comtodas suas implicações) e não conta com meca-nismos próprios de segurança coletiva. Para osEstados Unidos, uma Ásia maior, comportandomaior número de atores políticos e com uma eco-nomia que progressivamente entrelaça o própriocontinente, significa maiores dificuldades de in-fluência sobre a evolução político-econômica daregião.

Existe também outra nova realidade que temde ser levada em conta quando se analisa o fenô-meno asiático. No estudo dos cenários estratégi-cos dos anos 1990, alguns analistas referem-se àformação de um “Novo Segundo Mundo”,nucleado pela RPC. De fato, como lembra opolitólogo britânico Halliday (2007), até 1989 vi-viam em países classificados como socialistas, 1,7bilhões de pessoas. Após o colapso do bloco so-viético, existiam ainda 1,3 bilhões nessa posição.Não se trata, contudo, de considerar-se esse comoum simples elemento residual.

Acadêmicos norte-americanos, comoHuntington (1997), destacaram que o fim do con-flito Leste-Oeste e o enfraquecimento de ideolo-gias universalistas, como o socialismo, tiveramseu lugar ocupado pelo “conflito de civilizações”.Assim, o Novo Segundo Mundo atravessa umaNEP2 que, diferentemente da soviética, não seencontra limitada a “um só país”, mas inserida naeconomia mundial, sobre a qual influi de maneiraconsiderável e crescente. Além disso, ele estágestando um paradigma alternativo para a cons-

trução de uma Ordem Mundial não hegemônica,com um modelo de desenvolvimento nacional, desegurança e de governabilidade, o que atrai a aten-ção mundial, em uma época marcada pela instabi-lidade posterior à Guerra Fria.

Esse Novo Segundo Mundo3 mantém uma dis-creta e sutil cooperação estratégica com o “VelhoSegundo Mundo” (reduzido à CEI), como foi vis-to, e também tem uma relação menos antagônicado que se poderia pensar com os países capitalis-tas da Ásia. Por um lado, os modelos de desen-volvimento e os regimes políticos dos países asi-áticos possuem fortes semelhanças e importantesinteresses comuns, sejam eles formalmente capi-talistas, sejam socialistas. Esses modelos políti-co-econômicos, “autoritários e estadistas” na pers-pectiva norte-americana, encontram-se hoje soba pressão ocidental, desde o campo dos direitoshumanos ao dos mecanismos econômicos. A ten-dência dos países da região, então, é a de afirmarcerto discurso e política comuns. Contudo, al-guns são extremamente vulneráveis a esse tipo depressão, por sua dependência diplomática, militare comercial em relação aos EUA. Assim, a China,embora esquivando-se formalmente de desempe-nhar tal papel, acaba sendo a principal garantia dochamado “modelo asiático”, um dos responsáveispelo acelerado crescimento econômico da região.

Existe também outro fator de longo prazo quese encontra associado a esse fenômeno. Com areincorporação de Hong Kong em 1997 e deMacau em 1999, para os asiáticos simboliza oeclipse do ciclo colonial, o que coincide com aascensão econômica da região. E os dirigentesasiáticos têm perfeita consciência de que sem aChina isso não seria possível, o que não significaignorar a existência de divergências intra-asiáti-cas. Observado desde a perspectiva da geopolíticaclássica da virada do século, não seria absurdovisualizar a afirmação da massa continental, ouHeartland, que passaria a desafiar a Ilha Mundi-al. Estaria essa economia, cada vez mais da Ásiacontinental e menos do Oceano Pacífico, em con-dições de sobrepujar a hegemonia da economiaanglo-saxônica centrada nos grandes espaçosmarítimos planetários?

3 O conceito de “Novo Segundo Mundo” é apresentadono Estudo de Macrocenários, realizado pela Secretaria deAssuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da Repúblicadurante o governo Fernando Henrique Cardoso.

2 A política econômica socialista apoiada no mercado, quevigorou na URSS entre 1921 e 1927.

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Um elemento-chave para responder a essaquestão será a posição que o Japão vier a adotar.Esse país, tido até recentemente como paradigmado desenvolvimento asiático, encontra-se em es-tagnação e na encruzilhada de grandes e inadiáveisdecisões. Sua economia enfrenta uma prolongadarecessão, a população está envelhecida, o con-senso social começa a dar sinais de esgotamentoe o sistema político organizado em 1955, durantea Guerra Fria, entrou em colapso, e passa porredefinições que, todavia, ainda não estão sufici-entemente claras. Contudo, o nó da questão en-contra-se justamente na política internacional, emrelação à qual Tóquio precisa definir-se: comoparte da economia Nichibei, ou seja, como a fron-teira oriental do império americano, ou como par-te da Ásia e sua fronteira ocidental.

A economia nipônica tem se voltado progres-sivamente para o continente; as questões de se-gurança regional têm obrigado o país a um maiorenvolvimento local (como no caso da penínsulacoreana) e as pressões norte-americanas para queo Japão enquadre-se ao novo padrão que a potên-cia protetora busca implementar para a economiamundial, levam muitos estadistas e empresários adefender uma maior autonomia para a nação, apoi-ando-se no continente. Mas, por outro lado, oJapão ainda depende significativamente dos EUA;são tremendamente vulneráveis às pressões diplo-mático-militares por sua dependência em matériade segurança, além de encontrarem fortes reser-vas entre os países do continente, pois as grandesquestões herdadas da II Guerra Mundial ainda nãoestão solucionadas como o foram na Europa.

Em um plano mais geral, a situação da Ásiaencontra-se marcada por uma série de contradi-ções. Os países asiáticos, mesmo a China, conti-nuam favoráveis à manutenção da presença mili-tar americana na região, pois ela garante a segu-rança regional a um custo reduzido e, ainda, nocaso de Pequim, justifica um acercamento entreos asiáticos para conter o “hegemonismo” deWashington na área. Trata-se de uma postura de-fensiva que acaba, em certa medida, por legitimara China aos olhos de seus vizinhos. Contudo, asnações asiáticas rechaçam as pressões econômi-cas e as ingerências políticas norte-americanas,tanto em assuntos internos como externos, queconstituiriam justamente os temas mais importantespara a Casa Branca, já que seu poder bélico não éutilizado explicitamente.

As ações que os Estados Unidos desenvolvemna região, devido à necessidade de evitar osurgimento de pólos de poder e de desenvolvi-mento autônomos na Ásia, conduzem esse país auma série de atitudes que acabam favorecendouma razoável acomodação das divergências dePequim com seus vizinhos. Os EUA têm procura-do estabelecer um cerco geopolítico à China,como bem o demonstram os acordos de Washing-ton com a Mongólia, além de fomentar o separa-tismo no Tibete e em Taiwan, com apoio ao dis-curso independentista, como observou-se nas elei-ções taiwanesas de 1996.

Os Estados Unidos também parecem dispos-tos a instrumentalizar política e economicamentea Índia e o Vietnã como parte de sua estratégia deisolamento da China e de contenção de seu desen-volvimento, tirando proveito da rivalidade dessesdois países em relação à Pequim. Contudo, Wa-shington parece desconsiderar que tanto NovaDelhi como Hanói definem-se estrategicamentepelos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica epelo ideário de Bandung, como a China. Assim,apesar de divergências concretas, esses três im-portantes países asiáticos possuem muitas pers-pectivas e interesses comuns de longo prazo. Aevolução de seu inter-relacionamento recente pa-rece apontar nessa direção.

Para muitos analistas está ocorrendo a emer-gência da Eurásia como região geopolítica egeoeconômica. Dentre os três grandes centros dedesenvolvimento do Hemisfério Norte, semprehouve vínculos estreitos por meio dos OceanosPacífico e Atlântico, associando a economia daAmérica do Norte com a da Ásia Oriental e daEuropa Ocidental, respectivamente. Mas desde aderrocada do sistema colonial, Ásia e Europa têmcaminhado separadas, o que agora começa a mu-dar. A possibilidade de que um triângulo venharealmente a formar-se poderia alterar o equilíbriointernacional.

A Rússia, por sua vez, ainda que tenha se tor-nado um parceiro qualitativamente inferior à anti-ga URSS, tem mantido com países-chave da Ásiauma crescente cooperação em campos particu-larmente sensíveis, como também foi visto ante-riormente. Além disso, esse país constitui preci-samente o elo terrestre que serviria de base para aconstituição de um grande espaço econômicoeurasiano. A Rússia, desde que Evgueni Primakovtornou-se Primeiro Ministro, mas especialmente

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desde que Vladimir Putin assumiu a presidência,passou a reorganizar-se, a crescer economicamen-te, a recuperar parcialmente sua capacidade mili-tar e a desenvolver um significativo protagonismodiplomático. Além da parceria estratégicaestabelecida com a China, ambos os países cria-ram a Organização de Cooperação de Shanghai,um acordo de caráter econômico e de segurança,que engloba igualmente o Cazaquistão, oUzbequistão, o Tadjiquistão e o Quirguistão, alémde associados e observadores. A Ásia central pos-sui recursos em gás e petróleo que são indispen-sáveis ao desenvolvimento chinês.

Por fim, importantes países asiáticos indivi-dualmente e organizações regionais como Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), ThePacific Economic Cooperation Council (PECC),South Asian Association for Regional Cooperation(Saarc) e Asean, entre outras, têm buscado ummaior acercamento com países-chave do Tercei-ro Mundo, particularmente com os chamadosemergentes, como o conjunto da África Australnucleado pela África do Sul posterior ao Apartheide com o Mercado Comum do Sul (Mercosul),particularmente com o Brasil. Assim, o OceanoÍndico estaria constituindo-se em uma espécie derota de ligação com o Sul. A cooperação mais es-treita com essas regiões, apesar de atualmentepossuir um impacto limitado no plano puramenteeconômico, possui um potencial promissor demédio e longo prazo, além de constitui um ele-mento estratégico nas disputas entre os pólos de-senvolvidos do Hemisfério Norte. Não se podedeixar de considerar que, pelo fato do pólo asiáti-co constituir em linhas gerais uma área em desen-volvimento, existe um amplo espaço para o esta-belecimento entre este e os mercados emergentesantes referidos, de uma parceria estratégica ca-paz de influenciar o futuro perfil da ordem inter-nacional emergente.

V. A CRISE ASIÁTICA DE 1997, A SEGUNDATENTATIVA DE CONTENÇÃO

O contínuo desenvolvimento econômico asiá-tico, contudo, sofreu em 1997 o forte impacto dacrise financeira, que atingiu vários países e reper-cutiu na região como um todo. A chamada criseasiática teve antecedentes no Japão, que desde ofinal dos anos 1980 conhecia dificuldades econô-micas, e buscava cooperar com o continente paracompensar seus crescentes problemas com osEUA. Em 1991 estourou a “bolha imobiliária”, que

produziu igualmente a explosão da “bolha finan-ceira”. Para evitar a inflação, o governo bloqueoua oferta de dinheiro, condenando o país à estag-nação. Ao mesmo tempo, vários bancos faliam,sem que o Estado pudesse socorrer a todos.

No momento em que a China começou a con-cretizar seu processo de reunificação (iniciado coma devolução de Hong Kong em 1997) e os Tigrestentavam consolidar seu desenvolvimento em mol-des autônomos, prosseguia a estagnação japonesae, em seguida, ocorreu o terremoto financeiro nospaíses mais vinculados e dependentes dos EstadosUnidos (Tailândia, Indonésia e Coréia do Sul). Essacrise, apesar de haver reduzido inicialmente a pro-dução, afetou especialmente o âmbito financeiro,com a desvalorização das moedas locais, o quepermitiu ao capital forâneo adquirir empresas naci-onais a um preço reduzido. Além disso, intensifica-vam-se as pressões pela fragmentação da China(revivendo a questão do Tibete e de Taiwan) e con-tra a Indonésia, que acabaram derrubando o regi-me autoritário de Suharto. Mas a China e a Malásia,bem como o Vietnã, resistiram à crise e a Coréia doSul recuperou-se.

A crise ocorreu em um contexto em que o de-senvolvimento da Ásia-Pacífico vinha encaminhan-do-se para uma interiorização no continente e seucentro, o que é particularmente visível não apenaspela intensificação das relações econômicas entreos próprios países asiáticos. Já a corridaarmamentista (particularmente naval) na Ásia Ori-ental tem sido percebida de maneiras diferentes.Enquanto para analistas ocidentais essa corrida evi-dencia a ascensão da rivalidade e da desconfiançaentre os estados asiáticos, para muitos destes re-presenta implicitamente a capacitação e moderni-zação militar, como forma de dissuadir coletiva-mente possíveis ingerências extra-regionais contraa sua soberania (conceito hoje desprezado no Oci-dente, mas profundamente arraigado na Ásia).

VI. GUERRA AO TERRORISMO, A TERCEIRATENTATIVA DE CONTENÇÃO

A Guerra ao Terrorismo, que os Estados Uni-dos desencadeou após os atentados de 11 de se-tembro de 2001, inaugurou uma ampla interven-ção na Ásia central e ocidental. A implantaçãoamericana no Afeganistão e no Iraque, bem comoa presença militar parcial no Cáucaso e nas repú-blicas ex-soviéticas da Ásia Central, bem como aexploração da crise coreana e da luta contra o ter-rorismo na linha que vai do sul das Filipinas até o

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Paquistão, evidencia o perfil da política externado governo Bush para a Ásia. Parece haver a in-tenção de inserir uma cunha no coração geopolíticoda Eurásia, dificultando a integração física daRússia com a China. Esta manifestou discreta-mente o que considerou um cerco estratégico porWashington, além da ameaça que paira quanto aoacesso ao petróleo da Ásia central por parte daeconomia chinesa.

Por meio de guerras teatrais contra os debili-tados países do chamado Eixo do Mal, confor-me Todd (2003), o que a administração republi-cana busca é conter a formação de uma conste-lação de pólos de poder na Eurásia, capazes decontribuir para a formação de um sistema inter-nacional multipolar. O desenvolvimento e a au-tonomia da Eurásia deixariam a América “margi-nalizada”, uma vez que perderia sua posição deliderança junto à economia e ao sistema de segu-rança mundial. Daí manter-se uma situação deinstabilidade permanente na região. Como ospólos de poder asiático estão reagindo? Com muitacautela. A Coréia do Sul tenta evitar uma escala-da, mantendo negociações com o Norte e, junta-mente com o Japão e a China, tentando impediruma ação americana.

A China, por sua vez, teve uma atuação dis-creta quanto à guerra contra o Iraque, evitandopolemizar demasiadamente com os EUA. O inter-câmbio econômico com Washington é vantajosoe Pequim necessita manter seu crescimento eco-nômico ao menos por mais uma década. Ao mes-mo tempo, o dragão chinês busca cada vez maisassociar os vizinhos ao seu processo de desen-volvimento econômico, o que vem fazendo comsucesso, enquanto participa nas iniciativas regio-nais de cooperação, econômicas, políticas ou desegurança, como no caso da Asean. Assim, a Chi-na vai tornando-se o centro de gravidade da Ásiae, discretamente, participando de modo prudente,mas segura, na grande diplomacia mundial. Elaseguramente conformará um pólo de poder comalguns países vizinhos, em um sistema internaci-onal multipolar, regido por uma ONUredimensionada pelo novo equilíbrio de forças quese viria a formar.

VII. O MUNDO EM DESENVOLVIMENTO SETORNA ESTRATÉGICO PARA A CHINA: OCASO DA ÁFRICA

Evitando confrontar os EUA na Ásia central,Pequim buscou áreas não cobertas pelo “lençol

curto” da capacidade militar norte-americana.Estreitou a cooperação político-econômica comos vizinhos asiáticos e intensificou o comércio coma América Latina e seus regimes esquerdistas, massem confrontar Washington nessa região que ésua área de influência. Ao mesmo tempo, a Chinaaproximou-se do continente africano, tanto pormotivos econômicos (mercados e matérias-pri-mas) quanto diplomáticas (combater a presençaremanescente de Taiwan). Em novembro de 2006foi realizada, em Pequim, a terceira Cúpula Chi-na-África, com a presença de mais de 40 lideresafricanos, ocorrendo o lançamento de uma espé-cie de Plano Marshall chinês para o continente,por meio de investimentos em infraestrutura e ajudaao desenvolvimento.

O desenvolvimento econômico chinês e o fimda Guerra Fria foram determinantes para as rela-ções entre a China e a África. Até então, a políticaexterna chinesa para o continente negro baseava-se na antiga disputa ideológica, primeiramente comos Estados Unidos e as potencias coloniais euro-péias, e, depois, com a União Soviética. Assim, aChina buscava parcerias que convergissem comsua posição conjuntural, bem como uma diplo-macia de prestígio. Quando o país distanciava-seda URSS, aliava-se com aqueles que fossem con-tra a infiltração do bloco soviética no continente,como em uma tentativa de polarizar o sistema in-ternacional de uma forma mais intensa. Assim,durante a década de 1980, houve um decréscimonas relações sino-africanas, pois muitos acredita-vam que a China não precisa da África como daspotências ocidentais para edificar seu próprio for-talecimento econômico.

Quando o bloco soviético começava a esface-lar-se, ocorreu um episódio bastante importantepara os acontecimentos posteriores envolvendoesses atores. Os eventos da Praça da Paz Celestialgeraram forte reação da comunidade internacio-nal. A reação por parte de governantes africanos,todavia, foi diferente. Não faltaram líderes quedefendessem a atitude do governo chinês. Dessaforma, a China passou a encarar a África de outraforma, visualizando uma possível aliança políticaque lhe serviria de sustentação, principalmente naONU. Paralelamente, a China aproveitava a oca-sião para minar a presença de Taiwan no conti-nente. Percebeu-se, igualmente, que haveria van-tagens econômicas possíveis com os africanos, ea política externa voltou-se mais em direção aocontinente.

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A NOVÍSSIMA CHINA E O SISTEMA INTERNACIONAL

Outro ponto comum entre chineses e africa-nos é o fato de que compartilhavam a visão deque as críticas ocidentais apenas procuravam re-tardar o desenvolvimento dos países mais pobres.Ambos têm um passado comum de exploraçãoeuropéia, o que os torna desconfiados de eventu-ais manifestações contrárias às suas políticas do-mésticas e soberania. Além disso, a possibilidadede crescimento econômico, desvinculado da su-jeição a agendas de liberalização política impostaspelos países da Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE) anima inú-meros governantes africanos.

O continente passou, então, a ser consideradopela política externa chinesa como o maior espa-ço de aliados no mundo. Por outro lado, os afri-canos vêem com bons olhos a parceria com aChina, sobretudo devido à posição dessa no Con-selho de Segurança da ONU. Depois de 1989, aajuda humanitária e os negócios entre as partescresceram significantemente. O número de visi-tas diplomáticas entre chefes de Estado voltou ater um ritmo ascendente, e foram criadas novasiniciativas para que empresas pudessem deslocar-se para o continente. Naturalmente, as empresasestatais foram pioneiras, mas logo seguidas pelainiciativa privada e atores subnacionais chineses.

Vale notar que a China tem, historicamente,relações amigáveis com seus vizinhos. Sempre foide seu interesse buscar parcerias para evitar con-frontos futuros, de modo a forjar um jogo de somapositiva. Por isso, os chineses sempre evitaram aintervenção em assuntos internos de outras na-ções. Aos africanos, evidentemente, isso era mui-to favorável, pois os organismos internacionais,tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI),sempre condicionam empréstimos a medidas deajuste econômico restritivo e choques de gestão,além de um elevado grau de liberalização político-econômica que comprometiam a governabilidadedos estados africanos.

Os chineses, por outro lado, concedem ajudasem questionamentos e com poucas exigências.Essas medidas são muito criticadas pelo Ociden-te, que detrata a ajuda chinesa a países com histó-rico de desrespeito aos direitos humanos, os cha-mados “estados delinqüentes”. Essas reclamaçõessão encaradas com ceticismo por parte de africa-nos e chineses, que entendem que se trata de maisuma tentativa de impedir o desenvolvimento só-

cio-econômico de ambos, pois isso dificultaria suasubserviência às potências do Norte.

No decorrer da década de 1990, o aceleradocrescimento econômico pelo qual passava a Chi-na suplantou a limitada oferta de petróleo que asestatais do país produziam, em comparação comas crescentes necessidades. Além disso, uma gran-de parcela da população deixou a linha da pobre-za, sobretudo aqueles que saíram do campo. Háalguns anos, Angola tornou-se o maior fornece-dor do combustível para o país asiático, superan-do a Arábia Saudita. Além disso, os chineses im-portam outros minérios e vários produtos alimen-tícios.

Com base nesses princípios, ocorreu, em 2000,a criação do Fórum de Cooperação China-África,que visa a regulamentar as relações entre as par-tes, de modo a promover o desenvolvimento mú-tuo. As reuniões são trienais e seus principais pon-tos não se limitam ao aumento do comércio, mastambém à cooperação científico-tecnológica e àajuda econômica chinesa, que ocorrem, sobretu-do, por meio de investimentos em infraestrutura.Na última reunião do Fórum, em 2009, os chine-ses prometeram conceder dez bilhões de dólaresem empréstimos aos países africanos, além defavorecer a iniciativa privada chinesa a investirmais no continente negro.

Quando os Estados Unidos iniciaram uma gran-de intervenção na Ásia central e no Oriente Mé-dio, em função da “guerra ao terrorismo”, os in-teresses chineses foram gravemente afetados.Havia projetos de oleodutos e gasodutos em mar-cha nessas regiões, e a segurança energética foiameaçada. Para evitar confrontos com Washing-ton, Pequim procurou um espaço onde sua inser-ção fosse menos onerosa diplomaticamente. Esseespaço era a África e, em menor medida, a Amé-rica do Sul. Na mesma linha, a crescente necessi-dade de minerais, alimentos e outras matérias pri-mas, além de áreas para investimento de capitaischineses e mercados para seus produtos, fez quea cooperação sino-africana atingisse um patamarestratégico.

A oferta de prédios públicos (palácios presi-denciais, ministérios, hospitais, escolas, centrosde convenções e estádios esportivos) entusiasmouos africanos. Os produtos chineses, extremamentebaratos, encontraram na África um espaço ines-perado, permitindo aos africanos o acesso a um

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consumo antes inimaginado. Mesmo em remotasaldeias africanas há um pequeno comércio chinêsdo tipo “1,99”. Grandes obras de infraestrutura,novas ou reconstruídas após décadas de guerrageram milhões de empregos, embora a China em-pregue, em muitos casos, sua própria mão de obrae haja algumas tensões localizadas. Projetos demineração, prospecção de petróleo, exploração demadeira, projetos agrícolas, assistência técnica evultosos investimentos mudaram o panorama eco-nômico africano.

Mais ainda, os africanos deixaram de solicitarempréstimos ao FMI, passaram a ser mais seleti-vos com a ajuda ocidental e, sobretudo, a desen-volver uma diplomacia mais assertiva. Se há ca-sos de corrupção, isso também havia com os ne-gócios europeus. O fornecimento de armamentoe o apoio diplomático chinês, sobretudo vetandoiniciativas ocidentais no Conselho de Segurançada ONU contra estados africanos, elevaram aautoconfiança do continente, que não se sente maisabandonado. É isso que Bruxelas, Washington eas organizações não-governamentais não conse-guem compreender. Para os africanos, trata-se deuma descolonização econômica e de uma novaprojeção internacional.

A atuação chinesa suscita reações bastante di-versas na comunidade internacional. Os pontospositivos são o crescimento econômico por queos países africanos vêm experimentando e o in-vestimento pesado em infraestrutura, sempre ne-gligenciado pelos europeus. Por outro lado, ape-sar das críticas, há, globalmente, um equilíbriocomercial entre os estados africanos e a China.Há quem argumente, ainda, que essa relação não

passaria de uma espécie de neoimperialismo àchinesa, e que a concessão de empréstimos sema exigência de garantias político-institucionais fa-voreceria ditaduras.

Os detratores ignoram, contudo, que a maio-ria dos africanos exalta a participação chinesa,sempre fazendo questão de diferenciá-la da euro-péia. Essa atuação é bastante coerente com o his-tórico da política externa chinesa, que prioriza anão intervenção nos assuntos domésticos. Vê-se,portanto, uma nítida intenção de fortalecimentopolítico-econômico por parte dos chineses, quevêem na África uma oportunidade ímpar para ex-pandir negócios, encontrar parceiros diplomáti-cos e alterar o perfil da ordem mundial, rumo àmultipolaridade. Resta, por enquanto, esperar paraque os africanos organizem-se melhor para queestabeleçam uma política coerente em relação àChina. Até o momento, os chineses sempre to-mam a dianteira e regem as negociações, mesmoque elas sejam organizadas bilateralmente.

Assim, a chegada da China à periferia em de-senvolvimento, com uma agenda política e eco-nômica abrangente, parece inaugurar um novoestágio na projeção internacional chinesa e no pró-prio sistema mundial. A China estabeleceu com aÁfrica, por exemplo, uma relação que não é me-ramente conjuntural, mas irreversível. Ainda quesem condições de impor nada aos africanos, etpour cause, Pequim inaugura uma nova etapa nagrande política internacional e suplanta a fase emque a Nova China lutava para recuperar sua so-berania e desenvolvimento, pois a Novíssima Chi-na começa a transformar o próprio sistema mun-dial.

HALLIDAY, F. 2007. Repensando as RelaçõesInternacionais. Porto Alegre: UFRGS.

HUNTINGTON, S. P. 1997. O choque de civili-zações. Rio de Janeiro: Objetiva.

MEDEIROS, C. 1999. China: entre os séculos

Paulo G. Fagundes Visentini ([email protected]) é Doutor em História Econômica pela Universidade deSão Paulo (USP) e Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul(Ufrgs).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

XX e XXI. In: FIORI, J. L. (org.). Estados emoedas no desenvolvimento das nações.Petrópolis: Vozes.

TODD, E. 2003. Depois do império. São Paulo:Record.

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current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’smulti-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee forPeaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently establishedAsian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand themeaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and SouthAfrica, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation ismeant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions fromother major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnershipswith regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectationslinked to the impact of digitalization into account.

KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.

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RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?

Matt Ferchen

This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America duringthe decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on thisset of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Closeto this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, whichasserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementaryand have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen ascomplementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. Theseauthors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing shortterm benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforcesdysfunctional standards of Latin American development which many countries within the regionrejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period nowspanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present ageneral view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting theimportant role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by adescription of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as whatconsequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regardto the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.

KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.

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THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM

Paulo G. Fagundes Visentini

China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economicagenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many whoclaim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position theUnited States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close toresembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue thatChinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nationsof the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in internationalpolitics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty anddevelopment, we base our argument on the relationships that China has established with the African

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continent. The new New China, then, has begun to transform the world system itself. In this sense,we argue, China has sought to avoid hegemonies, whether that of the Unitied States or its own. Ifthis were not so, its fate could turn out to be similar to that of Germany’s, in the aftermath of twoWorld Wars. Yet such strategies might not be feasible, since China must act today within the contextof post-World War diplomatic fluidity and an aging contemporary capitalism whose historic centersare in rapid decline .

KEYWORDS: Chinese Diplomacy; International System; China-Africa Relations.

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LA NOUVELLE CHINE ET LE SYSTÈME INTERNATIONAL

Paulo G. Fagundes Visentini

L’arrivée de la Chine à la périphérie en développement, avec un agenda politique et économiquevarié, inaugure une nouvelle étape dans la projection internationale chinoise et même dans lesystème mondial. Quels seraient les objectifs de cette Nouvelle Chine par rapport à la politiqueinternationale ? Il y a ceux qui identifient dans les initiatives chinoises, des aspirations ambitieuses dedomination mondiale, succédant les États Unis autant que pays en tête de la planète. Avec unemanifestation qui tend vers la sinophobie (connue avant comme la « peur jaune »), on argumente queson développement souhaite concentrer la richesse mondiale dans ses mains, en brisant l’économiedes autres nations. En ayant comme principe les relations établies avec le continent africain, noussoutenons l’hypothèse selon laquelle, Pékin inaugure une nouvelle étape dans la grande politiqueinternationale et supplante la phase où la Nouvelle Chine luttait pour récupérer sa souveraineté etson développement, et ainsi, la Nouvelle Chine commence à transformer le système mondial lui-même. Pour cela, nous argumentons que la Chine cherche à éviter l’hégémonie, celle des ÉtatsUnis, et la sienne aussi. Car dans ce cas, elle pourrait avoir le même sort que l’Allemagne dans lesdeux guerres mondiales. Ce n’est pas une tâche facile, car la Chine se déplace entre la fluiditédiplomatique de la période postérieure à la Guerre Froide, et le vieillisement du capitalisme contemporaindans ses centres historiques.

MOTS-CLÉS: la diplomatie chinoise; le système international; les relations Chine-Afrique.

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