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Lei Natural e Direito Ambiental
Anais do Colquio Internacional Lei Natural e Direito Ambiental Caxias do Sul IX Colquio Sul-Americano de Realismo Jurdico
Caxias do Sul 5 e 6 de outubro de 2017
Organizadores
Wambert Gomes Di Lorenzo Professor no PPG em Direito (Mestrado e Doutorado) da UCS e na Escola de Direito da PUCRS. Pesquisador em de tica Ambiental e Filosofia do Direito. Doutor em Filosofia do Direito e Mestre em Direito do Estado e Teoria do Direito pela UFRGS. Aderncia rea de propedutica jurdica, lecionando Direito Constitucional, Cincia Poltica e Teoria do Estado, Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito e Histria do Direito em ambas as instituies. membro da Ctedra Internacional Ley Natural y Persona Humana na Pontifcia Universidade Catlica Argentina Santa Maria de Los Buenos Aires (UCA). Conselheiro da Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul. Foi Juiz no Tribunal de tica e Disciplina da OAB/RS, membro do Conselho Estadual de Educao do Rio Grande do Sul, Presidente da Fundao de Desenvolvimento e Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul (FDRH) e diretor de Realismo: Revista Ibero-Americana de Filosofia Poltica e Filosofia do Direito. Tem experincia nas reas de Filosofia Poltica, Cincia Poltica e Direito, com nfase em Direito do Estado e Filosofia do Direito. Atuando, no campo acadmico, principalmente nos seguintes temas: Direito e tica Ambiental, Filosofia do Direito, Filosofia Poltica, Cincia Poltica, Direito do Estado, Direito Constitucional, Teoria da Constituio e Teoria da Justia. Tem dois livros publicados, dois no prelo, vrios organizados, vrios artigos e uma centena de conferncias proferidas no Brasil e no Exterior
Patrcia Noll Possui graduao em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (2004), Mestrado em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (2008). Professora do curso de Graduao em Direito e da Ps Graduao de Direito Tributrio, Direito e Processo do Trabalho junto a Universidade de Caxias do Sul. Tambm professora do curso de Ps Graduao em Direito Previdencirio da Escola Superior da Magistratura Federal ESMAFE. Tem experincia na rea Jurdica, com nfase em Direito Tributrio, Direito Previdencirio e Processual Civil. Advogada especializada em demandas tributrias e previdencirias, nas esferas judiciais e administrativas. Doutoranda em Educao junto a Universidade de Caxias do Sul UCS
Cristiane Velasque da Silva Mestranda Direito Ambiental, pela Universidade de Caxias do Sul, Ps-Graduada em Direito Pblico, pela Fundao da Escola Superior do Ministrio Pblico- FMP, em 2011. Graduada em Direito, pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo ngelo- IESA, em 2008.
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Comisso cientfica
Adir Ubaldo Rech Agostinho Oli Koppe Pereira
Cleide Calgaro Clvis Eduardo Malinverni da Silveira
Elton Somensi de Oliveira Everaldo Cescon
Frederico Augusto Bonaldo Silva Jeferson Dytz Marin
Leonardo da Rocha de Souza Marcus Paulo Rycembel Boeira
Paulo Csar Nodari Srgio Augustin
Wambert Gomes Di Lorenzo
Evento financiado pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes)
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FUNDAO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
Presidente:
Ambrsio Luiz Bonalume
Vice-Presidente:
Nelson Fbio Sbabo
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
Reitor:
Evaldo Antonio Kuiava
Vice-Reitor e Pr-Reitor de Inovao e
Desenvolvimento Tecnolgico:
Odacir Deonisio Graciolli
Pr-Reitora de Pesquisa e Ps-Graduao:
Nilda Stecanela
Pr-Reitor Acadmico:
Marcelo Rossato
Diretor Administrativo:
Cesar Augusto Bernardi
Chefe de Gabinete:
Gelson Leonardo Rech
Coordenador da Educs:
Renato Henrichs
CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS
Adir Ubaldo Rech (UCS)
Asdrubal Falavigna (UCS)
Cesar Augusto Bernardi (UCS)
Guilherme Holsbach Costa (UCS)
Jayme Paviani (UCS)
Luiz Carlos Bombassaro (UFRGS)
Nilda Stecanela (UCS)
Paulo Csar Nodari (UCS) presidente
Tnia Maris de Azevedo (UCS)
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dos organizadores
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Universidade de Caxias do Sul UCS BICE Processamento Tcnico
ndice para o catlogo sistemtico:
1. Direito ambiental Congressos 349.6(062.552)
Catalogao na fonte elaborada pela bibliotecria Ana Guimares Pereira CRB 10/1460
Direitos reservados :
EDUCS Editora da Universidade de Caxias do Sul Rua Francisco Getlio Vargas, 1130 Bairro Petrpolis CEP 95070-560 Caxias do Sul RS Brasil Ou: Caixa Postal 1352 CEP 95020-972 Caxias do Sul RS Brasil Telefone/Telefax: (54) 3218 2100 Ramais: 2197 e 2281 DDR (54) 3218 2197 Home Page: www.ucs.br E-mail: [email protected]
C719L Colquio Internacional Lei Natural e Direito Ambiental (2017 out. 5-6: Caxias do Sul, RS) Lei natural e direito ambiental [recurso eletrnico] : anais do Colquio
Internacional Lei Natural e Direiro Ambiental, Caxias do Sul; IX Colquio Sul-Americano de Realismo Jurdico, Caxias do Sul, 5-6 de outubro, 2017 / Universidade de Caxias do Sul, Programa de Ps-Graduao em Direito; org. Wambert Gomes Di Lorenzo, Patrcia Noll, Cristiane Velasque da Silva. Caxias do Sul, RS: Educs, 2017. Dados eletrnicos (1 arquivo). ISBN 978-85-7061-898-6 Apresenta bibliografia. Modo de acesso: World Wide Web.
1. Direito ambiental Congressos. I. Universidade de Caxias do Sul, Programa de
Ps-Graduao em Direito. II. Di Lorenzo, Wambert Gomes. III. Noll, Patrcia. IV. Silva, Cristiane Velasque da. V. Colquio Sul-Americano de Realismo Jurdico (9.: out. 5-6: Caxias do Sul, RS). VI. Ttulo. VII. Ttulo: Anais do Colquio Internacional Lei Natural e Direito Ambiental.
CDU 2. ed.: 349.6(062.552)
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SUMRIO
Apresentao ................................................................................................ 10
I. Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Meio Ambiente 1 A importncia da demarcao de terras indgenas na preservao ambiental .................................................................................................. 11 Heidi Michalski Ribeiro Arthur Ramos do Nascimento 2 Mediao nos conflitos socioambientais como possibilidade de superao do
modelo quantitativo das decises para uma jurisdio democrtica ........... 23 Anglica Cerdotes Carlos Alberto Lunelli 3 O bem comum e a dimenso ecolgica da dignidade da pessoa humana .... 35 Vagner Gomes Machado Caroline Ferri Burgel 4 Cidadania ambiental: o reconhecimento do direito gua como pressuposto
para a dignidade da pessoa humana .......................................................... 48 Marcia Andrea Bhring Andr Luis Barp 5 A jusfundamentalizao do acesso gua .................................................. 62 Giovani Orso Borile Cleide Calgaro 6 De humanos a consumidores: uma breve anlise da segurana alimentar no
Brasil relacionada hipervulnerabilidade .................................................. 76 Karine Grassi Nana Ariana Souza Tumelero 7 Dignidade, liberdade e meio ambiente: reflexes sobre a dimenso
ecolgica da dignidade humana em Amartya Sem ...................................... 92 Moiss Joo Rech Rubiane Galiotto 8 A efetividade do direito a um meio ambiente equilibrado e sadio como
forma de garantia da aplicabilidade das normas ...................................... 104 Fernando Valduga 9 Uma anlise do meio ambiente luz da lei natural, do positivismo jurdico e
neoconstitucionalismo ............................................................................. 118 Gyovanni Bortolini Machado Thiago Germano lvares da Silva
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II. Lei Natural, tica Ambiental e Estatuto dos Animais 10 A eliminao da autoridade natural mediante o Estado Paternalista e uma
religio global ........................................................................................ 135 Bruno Dornelles de Castro 11 A Lei Natural e o direito dos animais: uma abordagem a partir do realismo
jurdico-clssico ..................................................................................... 149 Tomaz de Aquino Cordova e S Filho 12 Bem comum, Lei Natural e Direito Ambiental ........................................ 169 Cristiane Velasque da Silva Wambert Gomes Di Lorenzo 13 Consideraes sobre a concepo de bem comum em John Finnis ......... 185 Alexandre Neves Sapper Cludia de Moraes Arnold 14 Notas introdutrias a uma tica ambiental ........................................... 202 Eduardo Brando Nunes Mateus Salvadori 15 O argumento dos casos marginais e a igual considerao de interesses: um
debate necessrio no Direito brasileiro .................................................. 216 Mickhael Erik Alexander Bachmann Elizeu de Oliveira Santos Sobrinho 16 O direito humano de acesso gua: uma viso construda a partir do
jusnaturalismo ...................................................................................... 226 Caroline Ferri Burgel Vagner Gomes Machado 17 A Lei Natural e o poder soberano: os fundamentos do contratualismo em
Thomas Hobbes .................................................................................... 243 Csar Augusto Cichelero Moiss Joo Rech
III. Direito Ambiental, Transnacionalizao e Novos Direitos 18 Princpios da preveno e da precauo: aplicao desses princpios para
evitar doenas ocupacionais geradas a partir das nanotecnologias ......... 257 Ana Paula Luciano 19 A proteo ambiental no ordenamento jurdico brasileiro e os
instrumentos na defesa do meio ambiente ........................................... 273 Natacha John Luana Machado Scaloppe
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20 Discusso acerca das polticas pblicas de Pagamento por Servios
Ambientais (PSA) nos Municpios brasileiros ......................................... 288 Rogrio Pires Santos 21 Lgica capitalista versus lgica ambientalista: um possvel discurso sobre o
decrescimento na era do desenvolvimento e do hiperconsumo ............. 301 Elisa Goulart Tavares Ada Helena Schiessl da Cunha 22 O novo alerta do nanowaste na busca de alternativa jurdica gesto do
risco: o movimento transnacional autorregulatrio das nanotecnologias e o protocolo da OECD ............................................................................... 317
Daniele Weber S. Leal Raquel Von Hohendorff 23 A gesto e o desenvolvimento urbano na globalizao: uma anlise luz do
conceito de multido em Negri e Hardt e a emergncia do comum na poltica ps-moderna ............................................................................ 333
Karine Grassi Naina Ariana Souza Tumelero 24 Responsabilidade civil-ambiental do Estado: em decorrncia dos desastres
ambientais, ante as mudanas climticas .............................................. 346 Marcia Andrea Bhring Alexandre Cesar Toninelo 25 A educao como poltica pblico-ambiental ........................................ 368 Patricia Noll
IV. Hermenutica, Constitucionalismo e Estado Socioambiental 26 A busca pelo desenvovimento sustentvel: o resguardo da dignidade
humana das comunidades atingidas pela Usina Hidreltrica de Belo Monte ...................................................................................... 380 Rubiane Galiotto Flori Chesani Jnior 27 A Justia Corretiva em Aristteles .......................................................... 394 Larissa Comin Wambert Gomes Di Lorenzo 28 Princpios da preveno e precauo e a influncia na aplicaa da teoria
da distribuio do nus da prova em ao civil pblica ambiental ......... 405 Filipe Rocha Ricardo Juliana Cainelli de Almeida
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29 A disposio normativa do art. 225 da Constituio Federal de 1988: a anlise de sua materialidade sob as funes de linguagem e das falcias de relevncia ............................................................................................. 423
Cntia Camilo Mincolla Cleide Calgaro 30 O Ministrio Pblico e a preservao ambiental-local ........................... 433 Cludio Rogrio Sousa Lira Jlio Csar Maggio Strmer 31 Projeto Produtores de gua: exemplo de PSA como instrumento de
desenvolvimento sustentvel ................................................................ 459 Graciela Marchi Patrcia de Oliveira Vieczorek 32 Aspectos basilares para uma justia ambiental ...................................... 469 Eduardo Brando Nunes Csar Augusto Cichelero 33 Educao e sustentabilidade: a efetivao dos direitos humanos ........... 480 Patrcia Noll
V. Desenvolvimento socioeconmico, sustentabilidade e justia ambiental
34 A histria do retrocesso dos Resdos Slidos Urbanos ............................ 492 Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros Rosana Vasconcellos Brusamarelo 35 Biopoder e desenvolvimento socioeconmico: contrastes entre a
sustentabilidade ambiental e o paradoxo relativista-universalista dos direitos humanos .................................................................................. 502
Angelita Woltmann Adalberto Fernandes Falconi 36 A poltica energtica brasileira promove desenvolvimento socioeconmico
e sustentabilidade? ............................................................................... 516 Luana Machado Scaloppe 37 Direito, biodiversidade e minerao no Peru: anlise da (in)viabilidade do
empreendimento aurfero Conga ........................................................ 526 Ricardo Serrano Osorio Matheus Linck Bassani 38 Desenvolvimento socioeconmico, tributao e meio ambiente: uma
leitura do desenvolvimento de Amartya Sen e a proteo do meio ambiente pela extrafiscalidade 555
Lilian Ramos Jacob Marciano Buffon
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39 Nanotecnologias, desenvolvimento sustentvel e o no retrocesso
ambiental .............................................................................................. 566 Raquel Von Hohendorff Daniele Weber S. Leal 40 O Acordo de Paris e a COP-22: rumo sustentabilidade? ....................... 581 Bruno Giacomassa Braul Elisa Goulart Tavares 41 Poluio sonora: reflexo do consumismo ............................................... 598 Marcelo Segala Constante Flori Chesani Jnior
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Apresentao
A presente obra resultado dos trabalhos apresentados no Colquio
Internacional Lei Natural e Direito Ambiental, realizado pelo Programa de
Mestrado e Doutorado em Direito do curso de Direito da Universidade de Caxias
do Sul (UCS), nos dias 5 e 6 de outubro de 2017, na Cidade Universitria da
Universidade de Caxias do Sul (UCS).
O colquio foi composto pelos seguintes Eixos Temticos: I. Direitos
Humanos, Direitos Fundamentais e Meio Ambiente; II. Lei Natural, tica
Ambiental e Estatuto dos Animais; III. Direito Ambiental, Transnacionalizao e
Novos Direitos; IV. Hermenutica, Constitucionalismo e Estado Socioambiental; e
V. Desenvolvimento Socioeconmico, Sustentabilidade e Justia Ambiental.
Observa-se um carter interdisciplinar entre os Eixos Temticos, tendo o Direito
Ambiental e a Lei Natural como temas centrais.
Desse colquio se viabilizou, como resultando da apresentao de
trabalhos, a publicao, por meio de E-book, a qual ficar disponvel a toda a
comunidade acadmica e ao pblico em geral para consultas e pesquisas acerca
dos temas propostos. Importante informar que os trabalhos inseridos neste E-
book so de responsabilidade de cada autor.
Finalizando, agradecemos a todos os que colaboraram, apresentaram,
assistiram, fizeram parte da comisso cientfica ou coordenaram os grupos de
trabalho, pois teceram importantes reflexes e contribuies sobre os temas,
permitindo que houvesse o debate e o aprendizado de todos. Tambm no se
pode deixar de agradecer Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de
Nvel Superior (Capes) pelo auxlio financeiro proporcionado ao evento.
Os organizadores
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I. Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Meio Ambiente
1 A importncia da demarcao de terras indgenas na preservao
ambiental
Heidi Michalski Ribeiro* Arthur Ramos do Nascimento**
Resumo: A acelerada degradao ambiental, consequncia dos avanos tecnolgicos e cientficos, tem colocado em alerta toda a comunidade internacional, ocasionado fenmenos naturais de propores incalculveis, fruto dos riscos produzidos pela sociedade ps-moderna. Nesse contexto, o papel dos povos tradicionais, na proteo dos processos ecolgicos essenciais, de suma importncia, pois os conhecimentos desses povos e a forma de manejo de tais conhecimentos tm relao direta com a preservao do meio ambiente. Tal fato se confirma quando analisada a situao ambiental nos territrios tradicionais. O conhecimento dos povos indgenas uma herana que deve ser salvaguardada, pois, em uma sociedade em que os retrocessos ambientais especialmente polticos so crescentes, a proteo dos indgenas um dos meios de garantir a preservao do macrobem ambiental. Os povos indgenas prestam um servio ecolgico de suma importncia s sociedades no tradicionais quando manejam e protegem a biodiversidade. Reconhecer e dar visibilidade a essas atividades incluir a comunidade indgena historicamente excluda, desafiando a resistncia dos valores da colonizao e efetivando a Justia Ambiental. Dessa forma, se afirma a relevncia da demarcao de terras, pois atravs dela que se dar a criao de espaos protegidos e se garantir o equilbrio ecolgico previsto na nossa Constituio. Ademais, a demarcao direito fundamental, bem como a garantia do exerccio do direito originrio sobre a terra. A maior parte das reas que contm alto grau de recursos naturais habitada por indgenas, o que prova a eficcia dos sistemas tradicionais de manejo desses recursos. Dessa feita, o direito sobre a terra, garantido pela Constituio Federal de 1988, pela Conveno 169 da OIT e pela Declarao das Naes Unidas sobre os Direitos dos Povos Indgenas deve ser efetivado pela demarcao dos territrios tradicionais, a fim de perpetuar a preservao das reas preservadas, reconstruir as reas degradadas e proteger os povos indgenas. Palavras-chave: Demarcao de terras. Preservao ambiental. Direito indgena. Conhecimentos tradicionais. Direito Constitucional.
* Graduada em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados; aluna ouvinte do
Programa de Mestrado Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do grupo de pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco (GPDA/UFSC). E-mail: [email protected]. **
Mestre em Direito Agrrio pela Universidade Federal de Grande Dourados (UFG). Professor efetivo na Faculdade de Direito e Relaes Internacionais da UFG. E-mail: [email protected]
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Introduo
No contexto da sociedade ps-moderna, na qual riscos imprevisveis so
produzidos em larga escala, afetando diretamente o meio ambiente e a
populao, o Direito Ambiental se nutre de fontes cada vez mais plurais e
transdisciplinares, a fim de atender complexidade ecolgica existente, sendo a
Constituio Federal de 1988 (CF/88) a base interpretativa e de aplicao das
normas relativas ao meio ambiente.1
Est claro que a lgica desenvolvimentista do capitalismo vai na contramo
da dinmica ambiental, pois a primeira se estrutura na maximizao dos lucros
atravs da explorao dos recursos naturais, ao passo que a dinmica ambiental
se rege pelo equilbrio, pela interdependncia de todos com todos e pela
resilincia.2
No mesmo vis da dinmica ambiental, o art. 225 da CF/88 atribuiu ao
meio ambiente o status de direito fundamental difuso e de uso comum do povo;
prope, ainda, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado seja um valor
essencial qualidade de vida, atribuindo uma viso holstica e autnoma ao
ambiente, tornando a proteo ambiental uma das tarefas (ou objetivos)
fundamentais do Estado brasileiro. (BELCHIOR, 2017, p. 92).
Nesse sentido, levando em considerao que o bem ambiental equilibrado
essencial sobrevivncia da presente e das futuras geraes, primordial a
busca por maneiras eficazes de proteg-lo e preserv-lo, sendo o conhecimento
dos povos tradicionais,3 relativos ao manejo e ao uso sustentvel dos recursos
naturais, um dos meios mais relevantes historicamente.
Segundo Moreira, um dos elementos significativos da organizao social
dos povos indgenas e populaes tradicionais, como um todo, sua ntima
1 LEITE, Jos Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Direito Constitucional brasileiro.
In: LEITE, Jos Rubens Morato; PERALTA, Carlos E. (Org.). Perspectivas e desafios para a proteo da biodiversidade no Brasil e na Costa Rica. So Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2014. 2 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que , o que no . 2. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2013. p. 35.
3 Grupo culturalmente diferenciado, que se reconhece como tal, que possui forma prpria de
organizao social, ocupa e usa territrio e recursos naturais como condio para sua reproduo cultural, social, religiosa, ancestral e econmica, utilizando conhecimentos, inovaes e prticas gerados e transmitidos pela tradio (definio de populao tradicional trazida pelo Decreto 6.040/2007, que institui a Poltica Nacional de Desenvolvimento Sustentvel de Povos e Comunidades Tradicionais).
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relao com a natureza. Para a autora, por bvio, toda sociedade tem uma
relao de interdependncia com o bem ambiental, mas aquela estabelecida
pelas populaes tradicionais dotada de tamanha especialidade, que no cabe
comparao entre essas e a sociedade industrial.4
A importncia dos povos indgenas na preservao ambiental
comprovada quando so analisados os territrios desses povos. Atravs de
imagens de satlite, possvel comprovar que as terras ocupadas por indgenas
se encontram em melhor estado de conservao ambiental se comparadas s
terras de domnio pblico e s propriedades privadas.5
Os saberes dos povos tradicionais so essenciais na preservao do meio
ambiente, tanto que as Constituies da Bolvia e do Equador realizaram o
resgate dos saberes indgenas e reconheceram os direitos da natureza de forma
explcita, essa chamada pelos povos indgenas bolivianos de Pachamama.6 Na via
contrria, a natureza e os conhecimentos (culturais) foram retirados do Direito
moderno ao no serem includos na categoria de bem jurdico.7
O meio ambiente ecologicamente equilibrado elemento intrnseco do
projeto de vida dos povos indgenas, pois a natureza vista como fonte de tudo
que necessrio, para que eles vivam conforme sua cultura. Nesse sentido,
afirma-se que os direitos ambientais dos povos indgenas se relacionam com a
proteo do bem-viver e a realizao de seus projetos existenciais,8 e ainda
4 MOREIRA, Eliane. Conhecimentos tradicionais e sua proteo. T&C Amaznia, ano V, n. 11, p. 4,
2007. Disponvel em: Acesso em: 30 ago. 2017. 5 ABRANTES, Daniela Paraguassu. Povos indgenas e o meio ambiente. Lusada Direito e
Ambiente ns. 2-3, p. 104, 2015. Disponvel em: Acesso em: 4 set. 2017. 6 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes; LEITE, Jos Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental
brasileiro. 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2015. p. 493. 7 SOUZA FILHO, Carlos Frederico de Mars. O retorno da natureza e dos povos com as
Constituies latino-americanas. In: TARREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco (Org.). Estados e povos na Amrica Latina plural. Goinia: Ed. da PUC-Gois, 2016. p. 23. 8 O reconhecimento pela ordem jurdica da obrigao de proteo de uma relao espiritual-
cultural com a terra, com a qual so mantidos vnculos de interdependncia histrica, econmica e ecolgica que so permanentes, indissociveis, imprescritveis e intransferveis , impede a legitimao de qualquer prtica que venha restringir, em alguma medida, o exerccio pleno e integral de manifestaes, o que constitui, agora, verdadeira prtica constitucional, integrante do
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num aspecto fsico-ambiental que reflete tambm nos aspectos cultural,
espiritual9 e social.10
Meio ambiente, povos indgenas e demarcao de terras
A proteo dos territrios tradicionais traz como consequncia a
preservao do meio ambiente, ou seja, a demarcao de terras indgenas, alm
se ser um direito fundamental desses povos, tem fundamentao constitucional
e essencial na proteo da vida e cultura dos indgenas, atuando tambm como
ferramenta que visa a salvaguardar o bem ambiental da degradao crescente da
sociedade ps-moderna. Segundo Moreira, o uso sustentvel dos recursos
naturais permite inserir os povos tradicionais como atores primordiais da
proteo da biodiversidade.11
Nesse contexto, o olhar transdisciplinar e multidimensional,12 prprio do
Estado de Direito Ambiental, deve se voltar questo territorial indgena,
aliando-se interpretao e proteo dos arts. 225 e 231 da CF/88,
entendendo que a preservao ambiental e o direito dos povos indgenas ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado so valores indissociveis.13
prprio ncleo de identidade de um Estado de Direito e de uma democracia constitucional multiculturais. (CANOTILHO op. cit., 2015, p. 328). 9 Art. 25: Os povos indgenas tm o direito de manter e de fortalecer sua prpria relao
espiritual com as terras, territrios, guas, mares costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem, e de assumir as responsabilidades que a esse respeito incorrem em relao s geraes futuras. (Declarao das Naes Unidas sobre os Direitos dos Povos Indgenas, 2008). 10
ROMERO, Ellen Cristina Oenning. Os direitos ambientais dos povos indgenas. 2012. Dissertao (Mestrado em Direito Agroambiental) Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiab, 2012. p. 97. 11
MOREIRA, op. cit., 2007, p. 5. 12
63. Se tivermos presente a complexidade da crise ecolgica e suas mltiplas causas, deveremos reconhecer que as solues no podem vir duma nica maneira de interpretar e transformar a realidade. necessrio recorrer, tambm, s diversas riquezas culturais dos povos, arte e poesia, vida interior e espiritualidade. Se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destrudo, ento nenhum ramo das cincias e nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada, nem mesmo a sabedoria religiosa com sua linguagem prpria. Alm disso, a Igreja Catlica est aberta ao dilogo com o pensamento filosfico, o que lhe permite produzir vrias snteses sobre f e razo. No que diz respeito s questes sociais, pode-se constatar isso mesmo no desenvolvimento da doutrina social da Igreja, chamada a enriquecer-se, cada vez mais, a partir dos novos desafios. (Pargrafo 63 da Encclica Papal Laudato Si, 2015). 13
ROMERO, op. cit., 2012, p. 98.
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possvel identificar, na jurisprudncia do Superior Tribunal Federal (STF),
decises que reconhecem o papel dos povos indgenas na proteo da natureza,
indispensvel sua sobrevivncia fsica e cultural, bem como o direito originrio
sobre suas terras. Nesse sentido, argumenta, no mrito, ter a Constituio Federal de 1988 reconhecido, de forma peremptria, o direito originrio dos ndios. Direito esse declaratrio, e no constitutivo sobre as terras tradicionalmente ocupadas em carter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindveis preservao dos recursos ambientais necessrios ao seu bem-estar e as necessrias sua reproduo fsica e cultural. Assim, aduz, o Texto Constitucional assegura s comunidades indgenas a posse permanente sobre tais terras. [...] A propsito, a demarcao de terras indgenas constitui ato meramente declaratrio, que apenas reconhece um direito preexistente e assegurado constitucionalmente, e visa trazer o reconhecimento e a regularizao das terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios. [...] (STF MC SL: 971 DF DISTRITO FEDERAL 0011429-16.2016.1.00.0000, Relator: Min. Presidente, Data de Julgamento: 21/02/2016, Data de Publicao: DJe-034 24/02/2016).
14
O movimento indgena muito antigo no Brasil, mas foi somente a CF/88
que reconheceu os direitos indgenas como originrios, garantindo sua
perpetuao. Outro fator que contribuiu significativamente para o
reconhecimento desses direitos foi a proteo da natureza. O mundo comeou a
sofrer os efeitos da Revoluo Verde, fruto dos massivos ataques ao meio
ambiente, o que fez com que os povos indgenas e outras populaes
tradicionais se identificassem com as reivindicaes de proteo ambiental, pois,
quando reivindicavam seus territrios, os indgenas precisavam da terra com
toda biodiversidade nela presente, j que a vida delas depende do meio
ambiente saudvel.15
nesse contexto, da importncia de reconhecer o direito dos indgenas aos
seus territrios tradicionais16 que se passa a tratar da regularizao fundiria
14
Disponvel em: . Acesso em: 16 set. 2017. 15
SOUZA FILHO, op. cit., 2016, p. 38. 16
A luta dos povos tradicionais por territrio, assim, sempre se complementa com a proteo da natureza e a possibilidade de harmonia entre a vida humana e as demais vidas sobre o Planeta, mas o avano e a destruio desses territrios continuam, apesar das leis e constituies. (SOUZA FILHO, op. cit., 2016, p. 39).
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com objetivo de proteger no apenas a existncia fsica e a cultural dos povos
indgenas, como tambm a preservao do meio ambiente.
A demarcao de terras indgenas de competncia da Unio, conforme
art. 231 da CF/88. Pelo fato de o direito sobre a terra ser originrio, a
demarcao vem para conferir certeza e segurana no exerccio desse direito, no
que tange ao seu objeto (as terras ocupadas tradicionalmente), bem como seu
contedo. Ademais, o art. reconhece aos ndios o direito sobre a terra, ou seja,
no o cria, mas o aceita como preexistente.17
Alm de ser competncia da Unio, indispensvel a participao dos
entes federativos em todas as etapas do processo demarcatrio, segundo
entendimento do STF. Nesse sentido, conforme narrado anteriormente, sobretudo aps o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do caso Raposa Serra do Sol (Petio n 3.388/RR), em 19.03.2009, restou decidido que a participao dos entes federativos obrigatria, com vistas concretizao do princpio federativo. Necessria, assim, a participao ativa e constante dos entes federativos, j que so os seus territrios que sero alterados, vale dizer, que sofrero as consequncias sociais, econmicas e polticas dessa demarcao. Nem h dvida que o ente federativo deveria (deve) sempre e em qualquer caso participar, necessria e diretamente, de todo procedimento que se imponha em termos de demarcao de reas reservadas aos indgenas em obedincia ao devido processo constitucional federativo. E tanto se impe por fora do princpio federativo, que se efetiva pelo princpio da autonomia poltica do ente federado sobre o seu territrio [...]. Destacam-se trechos da discusso ocorrida no caso Raposa Serra do Sol: A manifestao dos entes federativos cujos territrios forem abrangidos pela terra indgena no pode ser meramente facultativa, porm obrigatria, e deve ocorrer sobre o estudo de identificao, sobre a concluso da comisso de antroplogos e sobre o relatrio circunstanciado do grupo tcnico (art. 2, 6), sem prejuzo do disposto no 8 do art. 2 do Decreto n 1.775/96. Voto do Ministro Menezes Direito. [...] (STF MC MS: 34250 DF DISTRITO FEDERAL 4001663-65.2016.1.00.0000, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 07/02/2017, Data de Publicao: DJe-027 10/02/2017).
18
17
FERRAZ JNIOR, Tercio Sampaio. A demarcao de terras indgenas e seu fundamento constitucional. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 3, p. 694, jan./jun. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 7 set. 2017. 18
Disponvel em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/429022578/medida-cautelar-em-mandado-de-seguranca-mc-ms-34250-df-distrito-federal-4001663-6520161000000 Acesso em: 15 de set. 2017.
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Lei Natural e Direito Ambiental 17
Esto includas nos ditos bens da Unio as terras devolutas destinadas
preservao ambiental. Nesse sentido, considerando que a demarcao um ato
administrativo voltado aos bens da Unio, e que as comunidades indgenas tm
direito originrio de posse sobre esses bens, conclui-se que a demarcao de
terras est voltada no apenas proteo da cultura e existncia dos povos
tradicionais, como tambm preservao ambiental.19
Entende-se que certos direitos possuem carter ambiental, mesmo que
no envolvam o meio ambiente de maneira direta, ou seja, so direitos reflexos,
derivados ou indiretos.20 Dentre esses direitos indiretos, encontram-se os
direitos dos povos indgenas em virtude do disposto no 1 do art. 231 da
CF/88.21
Em se tratando do direito sobre a terra, a proteo conferida pela nossa
Constituio trata de uma proteo que somente pode ser considerada de forma
coletiva, de interesse intergeracional, sendo que a falta de acesso aos territrios
tradicionais expe os indgenas ao risco da perda de sua identidade e cultura;22
bem como a consequente exposio da terra degradao ambiental.
Levando em considerao a interdependncia dos indgenas com seus
territrios, esses povos nunca perdero seus direitos originrios: posse das terras
e uso dos recursos naturais nelas existente, ainda que os indgenas no as
ocupem por completo. Essa garantia indisponvel, inalienvel e imprescritvel e
se justifica pelo vnculo de indissociabilidade e indivisibilidade que os ndios tm
com a terra, o qual tambm atemporal, ou seja, se prolonga pelas geraes.23
esse tambm o entendimento da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, ao julgar o caso da Comunidade Indgena Sawhoyamaxa versus
Paraguai, com o qual reconheceu o direito aos territrios tradicionais e o direito
vida desse povo para alm de limites temporais. O povo Sawhoyamaxa tinha
sua reivindicao territorial negada pelo Estado, o que colocou a comunidade em
19
FERRAZ JNIOR, op. cit., 2004, p. 695. 20
CANOTILHO, op. cit., 2015, p. 122. 21
So terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios as por eles habitadas em carter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindveis preservao dos recursos ambientais necessrios a seu bem-estar e as necessrias a sua reproduo fsica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradies, (Constituio da Repblica do Brasil, art. 231, 1. Grifou-se). 22
CANOTILHO, op. cit., 2015, p. 325. 23
Ibidem, p. 328.
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Lei Natural e Direito Ambiental 18
vulnerabilidade extrema. Ao analisar o referido julgado, Moreira concluiu que os
entendimentos da Corte foram: A posse tradicional de povos indgenas sob suas terras tem efeitos ao do ttulo de domnio pleno concedido pelo Estado; a posse tradicional confere aos indgenas os direitos de exigir o reconhecimento oficial de suas terras; os membros de povos indgenas que contra a sua vontade, por causas alheias, tenha sado ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantm o direito sobre elas, ainda que no possuam ttulo real, ressalvando, todavia, a hiptese de elas terem sido transferidas a terceiros de boa-f; e os povos indgenas que, involuntariamente, tenham perdido a posse de suas terras, e tenham estas sido transferidas de forma legtima a terceiros inocentes, tm o direito de reav-las ou obter outras de igual extenso ou qualidade.
24
O processo de regularizao fundiria deve respeitar algumas etapas. A
terra indgena deve ser definida a partir da identificao, reconhecimento,
demarcao e homologao; levando em conta quatro aspectos complementares
sobre as diferentes formas de ocupao: as terras ocupadas em carter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindveis
preservao dos recursos ambientais necessrios a seu bem-estar e as
necessrias a sua reproduo fsica e cultural.25
Conforme art. 14 da Conveno 169 da OIT, funo do governo tomar as
medidas necessrias para identificar as terras tradicionalmente ocupadas pelas
populaes tradicionais e garantir o direito de posse sobre elas. E o art. 15 prev
que esses povos tm direitos especiais sobre as terras em que vivem, que
incluem o direito de participao na utilizao, administrao e conservao dos
recursos naturais nelas presentes.26
Nesse contexto, importante ressaltar que os povos indgenas no apenas
ocupam, como tambm transformam e do novo significado a seus espaos,
segundo suas tradies e costumes, realizando o uso e o manejo dos recursos
24
MOREIRA, Eliane Cristina Pinto. Justia Socioambiental e direitos humanos: uma anlise a partir dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 136. 25
GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territrios? Territorialidades. In: ____. Terras indgenas e Unidades de Conservao da natureza: o desafio das sobreposies. So Paulo: Instituto Socioambiental, 2004. p. 38. Disponvel em: Acesso em: 11 set. 2017. 26
OIT. Organizao Internacional do Trabalho. Conveno n. 169 sobre povos indgenas e tribais e resoluo referente ao da OIT / Organizao Internacional do Trabalho. Braslia: OIT, 2011. Disponvel em:
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Lei Natural e Direito Ambiental 19
naturais da terra, de maneira que as gestes territorial e ambiental das terras
indgenas sejam a combinao da dimenso poltica no controle territorial e a
dimenso ambiental de aes sustentveis.27
Apesar de toda a legislao existente ser favorvel aos direitos dos povos
indgenas, os retrocessos jurdicos so crescentes, e os ataques dos ruralistas
contra esses povos tm promovido derramamento de sangue ao longo dos anos,
um verdadeiro genocdio que se intensifica e prolonga por geraes. No Estado
de Mato Grosso do Sul,28 que tem a segunda maior populao indgena do Brasil
(77 mil ndios) conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE), o conflito fundirio preocupante, assim como o descaso ambiental.
Uma possvel soluo est na demarcao das terras indgenas combinada com a
justa indenizao dos ruralistas.29
Por outro lado, Moreira afirma que nem todos os conflitos socioambientais
so solucionveis ou passveis de resoluo, pois o sistema judicial no ser
capaz de proferir decises que consigam, de fato, abarcar toda a complexidade
(que intrnseca a esses conflitos) de maneira que se mostra necessrio
compreender que o Direito tem limitaes perante os conflitos
socioambientais.30
Alm da demarcao, necessrio investimento em polticas pblicas que
promovam a reconstruo ambiental em reas degradadas, bem como o
estabelecimento e a aplicao de planos de manejo nos territrios tradicionais.
importante salientar que o dever estatal no termina aps a demarcao.
fundamental que os povos indgenas recebam assistncia para que a
biodiversidade possa ser reestabelecida, respeitando os processos ecolgicos
27
FUNAI. Fundao Nacional do ndio. Coordenao-geral de gesto ambiental. (Org.). Plano de Gesto Territorial e Ambiental de Terras Indgenas: orientaes para elaborao. Braslia: Funai, 2013. 20p. Ilust. Disponvel em: . Acesso em: 29 ago. 2017. 28
No Mato Grosso do Sul, Centro-Oeste do Pas, a situao territorial dramtica e provoca uma srie de abusos de direitos humanos, que afetam principalmente os guarani e kaiow. Disponvel em: . Acesso em: 16 set. 2017. 29
Disponvel em: . Acesso em: 14 set. 2017. 30
MOREIRA, op. cit., 2017, p. 36.
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Lei Natural e Direito Ambiental 20
essenciais, a fim de que se mantenha o equilbrio sustentvel desse bem
ambiental.
Ainda sobre os retrocessos dos direitos dos povos indgenas,
recentemente, o STF levou a julgamento trs aes, cujas decises podem gerar
efeitos nas demarcaes em todo o Pas. O chamado marco temporal, tese
poltico-jurdica inconstitucional defendida pelos ruralistas, prev que os povos
indgenas s tm direito s terras que estavam sob sua posse a partir de 5 de
outubro de 1988; ou seja, o marco temporal legaliza e legitima todas as
atrocidades cometidas contra os povos indgenas at essa data.31
Os povos indgenas querem apenas que suas terras tradicionais sejam
demarcadas conforme os critrios estabelecidos e garantidos pela CF/88. Como
visto, o papel dos indgenas, na preservao e reconstruo ambientais, de
suma importncia, de maneira que um dos objetivos centrais do trabalho
demonstrar que um dos meios mais efetivos de proteo do meio ambiente se
d atravs da regularizao fundiria, mais especificamente, da demarcao de
territrios tradicionais, bem como da implementao de polticas pblicas de
manejo e uso sustentvel dos recursos naturais que enalteam os
conhecimentos tradicionais e, consequentemente, garantam a proteo dos
povos indgenas e a biodiversidade para a presente e as futuras geraes.
Concluso
Na sociedade ps-moderna, a devastao ambiental se alastra de maneira
rpida e silenciosa, e a reconstruo e preservao do meio ambiente no
caminham na mesma velocidade, o que nos faz concluir que o Direito Ambiental
deve buscar formas alternativas de proteo do bem ambiental, sendo a
demarcao de terras indgenas uma opo vivel e com efeitos duradouros.
Os povos indgenas dependem da permanncia em suas terras para
perpetuar sua existncia fsica. Ademais, para o ordenamento constitucional
brasileiro a indissociabilidade entre os ndios e suas terras e recursos naturais o
31
ISA: Instituto Socioambiental. Nossa histria no comea em 1988! Marco Temporal no! Disponvel em: . Acesso em: 14 set. 2017.
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Lei Natural e Direito Ambiental 21
que representa a identidade cultural desses povos; em outras palavras, preservar
a biodiversidade faz parte da cultura indgena.
O direito originrio dos povos tradicionais aos seus territrios est previsto
na nossa Constituio, bem como em outros dispositivos reconhecidos pelo
ordenamento jurdico brasileiro inclusive pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos devendo esse ser salvaguardado atravs da demarcao de terras,
que tem como consequncia direta a preservao indgena e a ambiental.
A viso que os povos indgenas tm da natureza caminha para um novo
paradigma latino-americano, e prova disso o reconhecimento dos direitos da
Me-Terra nas Constituies da Bolvia e do Equador. Essa mudana de
paradigma, ao redor do mundo, se dar a partir de uma tomada de conscincia
ecocntrica, bem como da compreenso de que, atravs da aliana entre os
saberes tradicionais e os saberes cientficos, ser possvel promover a
preservao do meio ambiente de forma mais efetiva.
Os povos indgenas prestam um servio de suma importncia
preservao ambiental, ao mesmo tempo que protegem e manejam a
biodiversidade. Portanto, reconhecer o direito aos seus territrios tradicionais,
atravs da demarcao de terras, uma forma de valorizar e incluir esses povos
historicamente excludos da sociedade no tradicional.
Referncias
ABRANTES, Daniela Paraguassu. Povos indgenas e o meio ambiente. Lusada Direito e Ambiente, ns. 2-3, p. 104, 2015. Disponvel em: . Acesso em: 4 set. 2017. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que , o que no . 2. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2013. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes; LEITE, Jos Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental brasileiro. 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2015. FUNAI. Fundao Nacional do ndio. Coordenao-geral de gesto ambiental. (Org.). Plano de Gesto Territorial e Ambiental de Terras Indgenas: orientaes para elaborao. Braslia: Funai, 2013. 20p. Ilust. Disponvel em: Acesso em: 29 ago. 2017. GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territrios? Territorialidades. In: ____. Terras indgenas e Unidades de Conservao da natureza: o desafio das sobreposies. So Paulo:
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Lei Natural e Direito Ambiental 22
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povos na Amrica Latina plural. Goinia: Ed. da PUC-Gois, 2016. p. 23.
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Lei Natural e Direito Ambiental 23
2 Mediao nos conflitos socioambientais como possibilidade de
superao do modelo quantitativo das decises para uma jurisdio democrtica
Anglica Cerdotes* Carlos Alberto Lunelli**
Resumo: A proteo adequada do meio ambiente tem justificativa a partir da considerao de que os recursos naturais no so inesgotveis. A preservao do meio ambiente ecologicamente equilibrado obrigao e responsabilidade de todos. O que se percebe que o homem explora a natureza desordenadamente e sem se preocupar com o esgotamento dos recursos naturais. Assim, a tica antropocntrica do homem um equvoco, pois preciso respeitar os limites ticos da atividade econmica, visto que o modelo econmico baseado no mercado supera os interesses de cuidado e preservao do ambiente. O ambiente no propriedade pblica nem privada, mas propriedade coletiva. Nesse passo, pensando na tutela adequada do meio ambiente natural e diante da crise por que passa o Judicirio na prestao jurisdicional fundamental que novos mecanismos de deciso possam ser aplicados nos conflitos socioambientais, na tentativa de superao do modelo quantitativo das decises para a efetivao de uma jurisdio democrtica, especialmente no que tange resoluo dos conflitos ambientais. O que se pretende verificar se a mediao nos conflitos socioambientais uma possibilidade de superao desse velho modelo. Para tanto, se utilizou o mtodo hermenutico e o procedimento monogrfico para o desenvolvimento deste ensaio de pesquisa. Palavras-chave: Modelo quantitativo. Mediao socioambiental. Jurisdio democrtica.
Introduo
O meio ambiente um direito coletivo que necessita de uma tutela jurdica
diferente daquela dos direitos individuais. A tutela do meio ambiente, como
direito difuso e indivisvel deve ocorrer no da forma tradicional imposta pelo
Direito Processual clssico.
A adequada proteo dos recursos naturais urgente e necessria para a
preservao das presentes e futuras geraes como direito fundamental,
* Doutoranda pelo Programa de Ps-Graduao em Direito Doutorado em Direito Ambiental da
Universidade de Caxias do Sul (UCS). Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Professora de Direito no curso de Graduao em Direito na Faculdade Metodista de Santa Maria (Fames). Advogada. E-mail: . **
Doutor em Direito. Professor no Programa de Ps-Graduao em Direito Ambiental da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: .
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Lei Natural e Direito Ambiental 24
respeitando o princpio constitucional da dignidade da pessoa humana, como
direito humano tambm.
A crise da prestao jurisdicional monopolizada pelo Estado demonstra que
pertinente repensar alternativas na resoluo de conflitos socioambientais.
Assim, surge a mediao como uma possibilidade de superao do modelo
quantitativo e ineficaz de produo das decises e tambm sem vis
democrtico, sem a participao das comunidades como atores ativos na
construo de soluo e resoluo de conflitos que envolvem a sociedade e o
meio ambiente.
Desse modo, o presente ensaio tem por objetivo analisar a mediao nos
conflitos socioambientais como possibilidade de superao do uso do modelo
quantitativo nas decises para uma jurisdio democrtica e participativa entre
todos os envolvidos, pois o meio ambiente um bem coletivo e, para tanto,
todos tm o dever de preservar e respeitar a natureza para as presentes e
futuras geraes.
Frise-se que o estudo que ora se apresenta resultado de pesquisas
realizadas no Programa de Ps-Graduao em Doutorado no grupo de estudos
ALFAJUS.
Jurisdio na sociedade ps-moderna: consideraes necessrias
A funo da jurisdio, que, tradicionalmente, lanada ao jurisdicionado
tem suscitado vrias reflexes, indagaes e preocupaes. Nesse sentido, o que
se percebe que o processo tradicional (a forma de dizer o Direito) no est
sendo efetivada de maneira qualitativa, pois no h, na maioria das vezes, uma
resposta democrtica s partes, o que, inclusive, se pode constatar com a
padronizao das decises. O Estado detm o monoplio da jurisdio, de dizer
o Direito; contudo, o que se verifica, na prtica, a demora da prestao
jurisdicional, ou seja, a sociedade tem sofrido com o modo como o processo
tradicional tem prestado soluo aos conflitos.
Nesse sentido, expe Spengler:
Atualmente, a tarefa de dizer o Direito encontra limites na precariedade da jurisdio moderna, incapaz de responder s demandas contemporneas produzidas por uma sociedade que avana tecnologicamente, permitindo o
-
Lei Natural e Direito Ambiental 25
aumento da explorao econmica, caracterizada pela capacidade de produzir riscos sociais e pela incapacidade de oferecer-lhes respostas a partir dos parmetros tradicionais.
1
A autora, em sua obra mais recente, contribui com a seguinte afirmao:
A sociedade contempornea requer um novo modelo jurisdicional frente ineficcia das tradicionais formas de tratamento de conflitos existentes. A funo jurisdicional, monopolizada pelo Estado, j no oferece respostas conflituosidade produzida pela complexa sociedade atual, passando por uma crise de efetividade (quantitativa, mas principalmente qualitativa), que demanda a busca de alternativas.
2
Portanto, a sociedade evolui rapidamente, e novos conflitos de interesses
so levados ao Estado-Juiz para julgar e decidir considerando que o Direito surge,
a priori, dos fatos sociais. Nesse passo, preciso considerar que o Direito uma
cincia de esprito que diverge da cincia natural, o que pode ser constatado em
Lunelli:
Os juristas no inventam. Tambm no descobrem nada de novo, porque a cincia com que lidam no uma cincia da descoberta ou da inveno. , antes, uma cincia da especulao, uma cincia da compreenso. Aceitar essa caracterstica constitui pressuposto fundamental na formulao de uma cincia processual, capaz de responder s exigncias da sociedade contempornea, o que tambm se traduz na sua capacidade de acompanhar o mundo moderno.
3
Destarte, perceptvel o entendimento de que a cincia processual uma
cincia que evolui, que avana conforme o contexto social, portanto, uma cincia
que precisa ser compreendida. Nesse sentido, ratifica-se que o Direito uma
cincia da compreenso, de esprito diferente das cincias exatas. Nesse vis,
Lunelli considera que
1 SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdio mediao: por uma outra cultura no tratamento de
conflitos. Iju: Ed. da Uniju, 2010. p. 25. 2 SPENGLER, Fabiana Marion. Mediao de conflitos: da teoria prtica. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2016. p. 15. 3 LUNELLI, Carlos Alberto. Alm da condenao: a incluso do comando mandamental na
sentena civil condenatria. Rio Grande RS: Ed. da Furg, 2016. p. 27.
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Lei Natural e Direito Ambiental 26
as cincias de esprito, espao da compreenso e da interpretao, tm um modo de conformao diferente daquelas cincias exatas. Todavia, a cincia jurdica submeteu-se, ao longo da histria, aos mtodos das cincias naturais, ou seja, tambm admitiu a forma de produo do conhecimento cientfico das cincias da natureza.
4
Cabe, aqui, destacar que a crise da prestao jurisdicional est
intimamente ligada crise do sistema processual, pois o Direito Processual no
responde aos reclames sociais, fica claro que o cidado merece celeridade nas
demandas, respeitando-se o tempo razovel na prestao jurisdicional, ou seja, a
celeridade e a efetividade, superando-se o modelo quantitativo que ainda
impera.
No h como se eximir de pensar o Direito como uma cincia dinmica
inserido em uma sociedade ps-moderna; nesse sentido, denota-se que as
pessoas, hoje, agem e comportam-se de maneira individualista e egosta, e isso
repercute tambm na resoluo dos conflitos, pois no h lugar para o dilogo, a
compreenso, e se colocar no lugar do outro, portanto, a sociedade ps-
moderna/ps-modernidade est assim caracterizada, conforme Marin: A ps-modernidade, caracterizada pelo incremento da pluralidade da comunicao, mas tambm pela exarcebao do individualismo, abalada pela crise, no teve xito na implementao de uma mundializao feliz. Muito longe disso, sacramentou a onda de preponderncia do capital sobre o social, o poltico e o cultural, chancelando a globalizao do mercado e dos meios de produo, mas mantendo a pobreza como um subproduto rejeitado de cada pas.
5
Interessante lembrar que a Emenda Constitucional (EC) 45, de 2004,
trouxe a garantia da razovel durao do processo, com o escopo de efetivar o
acesso Justia, considerado um direito fundamental e uma tutela jurisdicional
clere, adequada e efetiva. Com a referida emenda, percebe-se o carter de
efetivao da Justia material e no apenas formalmente, contudo a mencionada
emenda no vislumbrou uma efetividade qualitativa. Streck, sobre isso, comenta: certo que a sucesso de leis e a EC/45 jamais objetivou uma efetividade qualitativa, mas apenas uma efetividade quantitativa. Com ela busca-se a construo de conceitos com a tarefa de unificar a interpretao do
4 Ibidem, p. 59.
5 MARIN, Jeferson Dytz. Relativizao da coisa julgada e inefetividade da jurisdio: de acordo
com a lei 13.105, de 16.03.2015 novo Cdigo de Processo Civil. Curitiba: Juru, 2015. p. 244.
-
Lei Natural e Direito Ambiental 27
Direito a partir de uma espcie de antecipao de diversas hipteses de aplicao. Em sntese, um texto que contm a(s) prpria(s) norma(s).
6
Contudo, o principal problema enfrentado atualmente a falta de um
perfil democrtico na atividade judicante. Marin diz que o principal fundamento da crise jurisdicional no a compreenso limitada da actio romana, mas sim, a ausncia de identificao de um perfil democrtico na atividade judicante, o que acaba retirando a legitimidade social e tica do procedimento, precipuamente em face da inefetividade do ius facere.
7
Assim, a constatao a que se chega que, tradicionalmente, h uma
prestao jurisdicional preocupada com nmeros, ou seja, a qualidade das
decises no enfrentada pelo atual modelo de jurisdio, e, portanto, a
democratizao das decises no acontece, pois o monoplio estatal opera de
maneira quantitativa e no qualitativamente.
De acordo com Marin, h, portanto, a necessidade de uma democratizao radical e ingente da jurisdio, calcada na superao do critrio privatista-econmico, firmando-se uma concepo publicista-social, que assegure a incluso, mediante a potencializao dos direitos fundamentais, em aes positivas do Estado, no sentido de implementar polticas compensatrias e negativas, a fim de retirar a condio de possibilidade da percepo perversa da diferena, gerando excluso.
8
Assim, uma das alternativas a implementao de novos mecanismos de
resoluo de conflitos, que possibilitem a participao dos envolvidos de
maneira ativa e participativa, a exemplo de uma comparticipao que ocorre na
mediao, oportunizando aos conflitantes uma reaproximao com o dilogo e o
reencontro. A resoluo dos conflitos por mtodos alternativos, em especial,
atravs da mediao , por vezes, mais rpido e eficaz, sem que seja necessrio
6 STRECK, Lnio Luiz. A hermenutica jurdica e o efeito vinculante da jurisprudncia no Brasil: o
caso das smulas. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, v. LXXXII, n. 82, p. 16, 2006. 7 STRECK, op. cit., p. 22.
8 Ibidem, p. 249-250.
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Lei Natural e Direito Ambiental 28
percorrer o caminho de um processo judicial moroso e com decises
massificadas, padronizadas, despersonalizantes e estandardizadas.
Conforme afirmam Pinho e Paumgartten, a evoluo do sistema extrajurisdicional para a resoluo de conflitos tem adquirido notoriedade pela adequao para resolver conflitos intersubjetivos a partir de tcnicas mais consensuais, formuladas na esteira justice de proximit francesa, voltada a uma percepo coexistencial e cooperativa baseada, sobretudo, no conciliar, que caminha ao encontro de uma concepo de jurisdio, no mais compreendida a partir do monoplio do Estado, mas concebida como uma entre as vrias formas de solucionar as disputas surgidas na sociedade.
9
A partir da anlise feita acerca da crise da jurisdio verificada pela
inefetividade qualitativa das decises, faz-se necessria uma reflexo sobre uma
alternativa, entre outras, da qualificao na resoluo dos conflitos. Nesse
sentido, o prximo tpico ir abordar a mediao nos conflitos socioambientais
como possibilidade de superao do modelo quantitativo das decises para uma
jurisdio democrtica.
Mediao nos conflitos socioambientais para a adequada proteo do bem coletivo ambiente
De acordo com a CF/88, o meio ambiente um direito coletivo, difuso,
indisponvel sendo dever de todos, Poder Pblico e coletividade, preservar o
meio ambiente para a presente e as futuras geraes. Nesse sentido, os
desenvolvimentos econmico e social devem ser sustentveis, ou seja, degradar
o mnimo possvel, tendo em vista que os recursos naturais so esgotveis. O
teor do art. 225, caput da CF/88 ratifica a afirmao de que o objetivo do Direito
Ambiental a proteo do meio ambiente destinada a garantir a sadia qualidade
de vida para o tempo atual e o futuro. Para tanto, segue a transcrio do referido
dispositivo legal: Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente
9 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Desafios para a
integrao entre o sistema jurisdicional e a mediao a partir do Novo Cdigo de Processo Civil: quais as perspectivas para a Justia brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpo Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. A mediao no novo Cdigo de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1-32.
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Lei Natural e Direito Ambiental 29
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-
lo para as presentes e futuras geraes.
Portanto, na tentativa de superao da dicotomia pblico/privado, o bem
ambiental no nem pblico e nem privado; trata-se de um bem coletivo em
que o homem, naturalmente, est inserido e que precisa agir de forma no
egosta, antropocntrica em relao natureza e aos recursos naturais, sob pena
de perecer sua prpria existncia.
Nesse sentido, salutares so as palavras de Rech: Existe uma nica vida na natureza, que toma formas diversas e se sucede em ciclos. O homem faz parte desse ciclo da biodiversidade da natureza e dos ecossistemas que a abrigam, e so habitats da vida. A biodiversidade sagrada. Esse ciclo no pode ser violado, sob pena de se impedir o prprio processo natural ou histrico dos seres vivos. Da mesma forma, o leo mata a gazela para sobreviver, e o homem necessita ocupar espaos e se utilizar dos bens e servios da natureza, para garantir sua prpria existncia.
10
Nesse passo, culturalmente, o Direito est baseado, tem por interesses o
homem, o carter antropocntrico, uma viso que no pode mais prevalecer,
pois ultrapassada. J numa viso biocntrica, a tutela jurdica deve ter por
escopo todas as espcies com vida e, por ltimo, sob um vis ecocntrico, uma
viso mais ampla que a biocntrica, devendo haver uma proteo a todas as
espcies com e sem vida. Para tanto, sob uma tica ecocntrica, necessrio o
equilbrio do meio ambiente natural com o meio ambiente criado, respeitando-
se todo o ecossistema em prol da dignidade humana e do combate s
desigualdades sociais.
O conceito jurdico de meio ambiente extrai-se do art. 3, I, da Lei
6.938/1981 que expressamente dispe o seguinte: Entende-se por meio
ambiente, o conjunto de condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica,
qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Assim, a preservao adequada do meio ambiente obrigao e dever de
todos, e a sadia qualidade de vida um dos elementos formadores da dignidade
da pessoa humana. Nessa perspectiva (de sadia qualidade de vida e dignidade
10
RECH, Adir Ubaldo. Cidade sustentvel, Direito Urbanstico e Ambiental: instrumentos de planejamento. Caxias do Sul: Educs, 2016. p. 52.
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Lei Natural e Direito Ambiental 30
humana), que tambm um dos princpios ensejadores da Repblica Federativa
do Brasil, no se pode admitir retrocessos na tutela jurdica do meio ambiente.
A ps-modernidade traz consigo a ebulio de novos direitos e, para tanto,
exige-se a devida e efetiva proteo no s dos direitos individuais, mas tambm
dos direitos coletivos. Porm, se percebe que os direitos coletivos ainda no
recebem um tratamento adequado e peculiar de prestao jurisdicional; por
consequncia da eficcia, por exemplo, na preservao do meio ambiente e na
explorao dos recursos naturais, essas no so satisfatrias nos mbitos
jurdico, social e econmico.
Pensando em alternativas para a proteo do meio ambiente, lana-se mo
de uma forma no adversarial para a resoluo dos conflitos socioambientais, ou
seja, um mtodo de construo de jurisdio, que, entre outros, pode alcanar
resultados positivos sociedade e jurisdicionados, qual seja, a mediao.
Portanto, novas possibilidades vm surgindo para tratar os conflitos, como,
por exemplo, a mediao, que uma espcie do gnero Justia consensual. O
que se observa, na Justia tradicional, litigiosa, um formalismo exagerado por
parte do Estado para dizer o Direito, ou seja, retomando o que j se discutia
anteriormente, um formalismo excessivo do processo, dificultando a celeridade e
a efetividade das decises, conforme expe Morais11 sobre a temtica. Nesse
sentido, Spengler expe que hoje, a noo de efetividade deve englobar a eliminao de insatisfaes, o cumprimento do direito com justia, a participao ativa dos indivduos..., alm de constituir inspirao para o exerccio e respeito dos direitos e da prpria cidadania. Mas, para tal, h a necessidade de adequao do processo, pois ao que se tem assistido o somatrio de insatisfaes e decepes sentidos pelos indivduos, o que acaba por abalar e desgastar a credibilidade de que nosso sistema ainda dispe. Esse paulatino descrdito vem firmando razes a partir e conforme se evidenciam as debilidades e impossibilidades de o mesmo atender to complexa misso. Essa adequao s ser cumprida com a supervenincia de uma mudana de mentalidade que s se obter a partir da formao de uma conscincia que rompa posturas anteriores marcadas pela introspeco e que passe a considerar o mundo poltico e social (a realidade da vida) que rodeia o processo. (Sem grifos no original).
12
11
MORAIS, Jos Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o Direito na ordem contempornea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. 12
MORAIS, op. cit., p. 93.
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Lei Natural e Direito Ambiental 31
No Brasil, a mediao judicial foi implementada pela Resoluo 125/2010
do Conselho Nacional de Justia (CNJ), e, mais recentemente, o novo Cdigo de
Processo Civil, Lei 13.105/2015 reforou a utilizao dos meios consensuais para
a resoluo de conflitos, culminando com a Lei Brasileira de Mediao Lei
13.140/2015. Salienta-se que a sociedade, como um todo, ainda possui certa
desconfiana acerca dos resultados prticos da mediao, pois prevalece a
cultura do litgio, e as pessoas acabam por no acreditar na efetividade da
mediao como realidade para a resoluo de conflitos. Nesse sentido, tambm
importante destacar que preciso uma quebra de paradigma adversarial da
Justia tradicional para a justia no adversarial, em que se deve instigar,
fomentar e aprimorar os meios alternativos de resoluo das lides,
principalmente na conscientizao da cultura de paz social.
Bom enfatizar a importncia da mediao na resoluo dos conflitos
atualmente, como bem preconiza Oliveira Jnior:
Neste trabalho, pretende-se apontar para a importncia da mediao em geral e para os novos direitos em particular. Os modelos tradicionais de direito no conseguem dar conta nem dos velhos quanto mais dos ditos novos direitos, dentre os quais o direito ambiental. Grandes conflitos internacionais de hoje Bsnia, por exemplo , tm sido tratados por mediadores com capacidade reconhecida pela ONU.
13
E o autor ainda explica que a mediao caracteriza-se,
dentre outras coisas, por ser uma soluo no adversarial, possuindo tambm como caractersticas a voluntariedade, a rapidez, a economia, a informalidade, a autodeterminao e, principalmente, uma viso do futuro. No se trata unicamente de uma soluo jurdica ascptica em relao ao conflito existente, mas uma tentativa de resoluo desse mesmo conflito, o que denota sua viso face ao futuro.
14
No que tange mediao ambiental aplicvel a conflitos socioambientais,
trata-se de uma alternativa possvel, contudo com peculiaridades prprias, pois o
bem ambiental coletivo e, portanto, precisa de tratamento diferenciado
daquele que aplicado aos direitos individuais. Ressalta-se que as Aes Civis
13
OLIVEIRA JNIOR. Jos Alcebades de. Teoria jurdica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 163. 14
Ibidem, p. 168-169.
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Lei Natural e Direito Ambiental 32
Pblicas tm um tempo de durao muito grande, e muitas vezes, isso causa
danos irreversveis ao meio ambiente.
Para tanto, a mediao ambiental visa a aprimorar e a prevenir conflitos
ambientais com uma atuao preventiva. Cite-se como exemplo a parceria
realizada entre o Banco Mundial e o Ministrio Pblico de Minas Gerais, no ano
de 2012, a qual modernizou a atuao do rgo do Ministrio Pblico atravs do
Ncleo de Resoluo dos Conflitos Ambientais (Nucam) tendo como objetivos os
de promover o desenvolvimento sustentvel e a integrao do direito
fundamental ecologicamente equilibrado com o desenvolvimento econmico.
Os conflitos socioambientais podem ser tratados de maneira no
adversarial, pois Oliveira Jnior salienta que interessante verificar que, depois de longa anlise de todos os prs e contras adoo da transao para a soluo de controvrsias difusas, Srgio Clemes conclui, ao nosso ver de modo acertado, que a mesma s possvel de ser aplicada se forem abandonados os conceitos tradicionais de legitimao e de transao do direito processual civil e do direito civil, respectivamente. Com efeito, s seria possvel pensar a autocomposio em matria de interesses metaindividuais se ela for deduzida da Lei 7.347/85 (Lei de ao civil pblica) e, ainda assim, a partir do seguinte esclarecimento: o que pode ser pactuado no interesse em si, mas a forma de reparao do dano eventualmente causado, o que por si s j representa um grande progresso, como veremos.
15
O autor acima citado traz, ainda, um exemplo de aplicao da mediao
em conflito ambiental e de como deve ocorrer. Ele explica da seguinte maneira:
Antes porm, um exemplo de Srgio Clemes sobre o que est em jogo ilustrativo: tendo causado um dano ambiental irreversvel a um trecho da Mata Atlntica, passa o responsvel a aventar um possvel acordo com o Ministrio Pblico. Se a conveno vier a ser celebrada, no poder este consentir na no reparao da leso, pois tal conduta implicaria na disposio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa concesso a lei no permite. S podero ser objeto do pacto a forma pela qual o dano ser reparado (se consistir em indenizao, em recuperao das reas vizinhas, etc.), o prazo para proceder-se execuo do pacto e outras regras dessa natureza.
16
15
Ibidem, p. 171. 16
Ibidem, p. 172.
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Lei Natural e Direito Ambiental 33
O exemplo mostra que o meio ambiente, como bem coletivo, deve ter uma
proteo especial, e a mediao deve atender aos interesses do equilbrio
ecolgico, tratando-se de uma alternativa possvel com uma efetividade social
maior e mais clere.
bom lembrar que a mediao, como um todo, um procedimento
voluntrio e multidisciplinar que requer um dilogo transparente. No mbito da
soluo de conflitos socioambientais, a mediao uma alternativa de resoluo
que conta com profissionais qualificados para o sucesso e xito do procedimento
de mediao.
Consideraes finais
Pelo estudo realizado, constatou-se que a mediao nos conflitos
socioambientais possvel desde que respeitadas certas peculiaridades, tendo
em vista que o meio ambiente um bem coletivo de titularidade coletiva.
A crise da prestao jurisdicional provoca o pensar em outras alternativas
na resoluo de conflitos, e a mediao um mtodo de composio que deve
ser implantando com o auxlio do Poder Pblico e da sociedade, pois se trata de
uma construo jurisdicional que no depende somente do Estado-Juiz, mas que,
necessariamente, conta com a participao dos envolvidos de maneira voluntria
e com uma perspectiva de paz social e promoo do bem-estar coletivo.
Desse modo, entende-se que o caminho a ser trilhado rduo e complexo,
pois a aceitao da mediao na sociedade e entre os juristas ainda algo a ser
trabalhado, pois, infelizmente, prevalece a cultura do litgio, e a mediao no
vista ou aceita de maneira positiva pela prpria sociedade. As pessoas ainda
insistem em deixar a um estranho a soluo de problemas que so vivenciados
pelas partes. Contudo, essas mais do que ningum conhecem e vivem seus
conflitos, sendo que o julgador (terceiro/ juiz) ir decidir conforme as provas
contidas nos autos, o que pode, muitas vezes, no condizer com a
verossimilhana e a realidade dos fatos.
O presente art. trouxe o tema mediao nos conflitos socioambientais,
para que se possa disseminar a cultura de paz no s nas lides de carter
individual, mas tambm para que se reflita e pense em alternativas saudveis na
resoluo de conflitos ambientais no sentido de que surja uma soluo mais justa
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Lei Natural e Direito Ambiental 34
e que se promova a precauo e a proteo efetivas do meio ambiente e dos
recursos naturais.
Referncias
LUNELLI, Carlos Alberto. Alm da condenao: a incluso do comando mandamental na sentena civil condenatria. Rio Grande RS: Ed. da FURG, 2016. MARIN, Jeferson Dytz. Relativizao da coisa julgada e inefetividade da jurisdio: de acordo com a Lei 13.105, de 16.03.2015 Novo Cdigo De Processo Civil. Curitiba: Juru, 2015. MORAIS, Jos Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o Direito na ordem contempornea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. OLIVEIRA JNIOR, Jos Alcebades de. Teoria jurdica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Desafios para a integrao entre o sistema jurisdicional e a mediao a partir do Novo Cdigo de Processo Civil quais as perspectivas para a Justia brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpo Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. A mediao no novo Cdigo de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. RECH, Adir Ubaldo. Cidade Sustentvel, Direito Urbanstico e Ambiental: instrumentos de planejamento. Caxias do Sul: Educs, 2016. SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdio mediao: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. Iju: Ed. da Uniju, 2010. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediao de conflitos: da teoria prtica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. STRECK, Lnio Luiz. A hermenutica jurdica e o efeito vinculante da jurisprudncia no Brasil: o caso das smulas. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, v. LXXXII, n. 82, 2006.
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Lei Natural e Direito Ambiental 35
3 O bem comum e a dimenso ecolgica da dignidade da pessoa
humana
Vagner Gomes Machado* Caroline Ferri Burgel **
Resumo: O presente trabalhado trata-se de uma anlise fundada nos preceitos jusnaturais. Assim, partindo-se desse pressuposto, argumenta-se que o homem naturalmente tende vida social. No entanto, a sociedade somente encontra sua razo de ser quando permite que aqueles que a compem realizem-se de forma plena. Tal realizao somente pode ser compreendida a partir da dignidade humana, que se vincula umbilicalmente com a ideia de bem comum da filosofia poltica. Isso posto e ante uma crise ambiental sem precedentes a afetar a espcie humana, questiona-se se a compreenso de uma dimenso ecolgica da dignidade humana pode/deve ser transportada ideia de bem comum. Portanto, o objetivo desse estudo consiste em confrontar a progressiva degradao ambiental com as noes de dignidade humana e bem comum, tanto em um plano estritamente axiolgico quanto jurdico. Observa-se, desse modo, que a dimenso ecolgica da dignidade da pessoa humana fundamental, para que se possa conceber o bem comum, uma vez que, para haver condies dignas de vida, primordial um padro de qualidade, equilbrio e segurana ambiental. O mtodo de pesquisa utilizado o bibliogrfico e documental. Palavras-chave: Bem comum. Dignidade da pessoa humana. Meio ambiente. Dimenso ecolgica. Jusnaturalismo.
Introduo
O presente art. trata de uma anlise baseada no pensamento jusnaturalista
acerca do que, na filosofia poltica, foi denominado de bem comum. Esse termo
(somente compreendido a partir da vivncia humana em coletividade),
corresponde ao objetivo ltimo da sociedade.
O bem comum, como se ver mais adiante, est intimamente relacionado
com a dignidade da pessoa humana. Portanto, a fim de se debater sobre a
* Mestrando pelo Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Bacharel (2016) em Direito pela UCS. Membro do grupo de pesquisa Direito Ambiental Crtico: Teoria do Direito, Teoria Social e Ambiente. Bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes). E-mail: [email protected]. **
Mestranda pelo Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade de Caxias do Sul. (UCS). Bacharel (2016) em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Membro dos grupos de pesquisa Ambiente, Estado e Jurisdio ALFAJUS e Direito Ambiental Crtico: Teoria do Direito, Teoria Social e Ambiente. Bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes). E-mail: [email protected].
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Lei Natural e Direito Ambiental 36
interdependncia que se estabelece entre bem comum e dignidade humana,
alguns aspectos sero explorados, dentre eles, a problemtica ambiental e a
consequente afetao do ser humano em razo da progressiva degradao do
meio ambiente. Dito isso, surge o seguinte questionamento: A compreenso de
uma dimenso ecolgica da dignidade humana pode/deve ser transportada
ideia de bem comum?
Para elucidar a questo, este trabalho divide-se em duas partes: a primeira
destina-se a consideraes sobre o que, efetivamente, seria bem comum e sua
necessria vinculao dignidade da pessoa humana, alm de servir, nesse
mesmo sentido, para que se pense sobre a prpria dignidade humana e sua
consagrao no plano jurdico. Em um segundo momento, sero abordadas a
dimenso ecolgica da dignidade da pessoa humana e sua presena no
ordenamento jurdico ptrio com o intuito de tornar clara a imprescindibilidade
de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, para que o ser humano possa
viver de forma digna.
O bem comum e a dignidade da pessoa humana: consideraes acerca de sua interdependncia e consagrao no plano normativo
O ser humano, em toda sua complexidade, comporta, como animal,
diversas caractersticas. Dentre elas, est sua tendncia natural para a vida social
e a comunho. A sociedade, sustenta Maritain, forma-se devido a uma exigncia
da natureza humana como uma obra efetuada por um trabalho da razo e da
vontade, e livremente consentida.1 O homem, nesse sentido, um animal
poltico, haja vista que sua vivncia demanda, devido necessria relao com
seus pares, uma vida poltica, especialmente no que tange sociedade civil.2
A sociedade, nascida da necessidade humana de comunho,
consubstancia-se em um todo cujas partes so, em si prprias, outros todos.
um organismo composto de liberdades, no de simples clulas vegetativas, o
qual deve orientar-se realizao de um bem e uma obra que lhes so prprios,
diferentes do bem e da obra dos indivduos que, considerados singularmente, o
compem. O bem e a obra, no entanto, so e devem ser essencialmente
1 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967. p. 14.
2 Ibidem, p. 15.
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humanos, pervertendo-se na hiptese de no contriburem para o
desenvolvimento e o aperfeioamento das pessoas humanas.3 Assim, o
homem e o grupo esto imbricados um no outro. O primeiro subordina-se ao
segundo, e o segundo no cumpre seu propsito seno servindo ao primeiro.4
De acordo com Maritain, a finalidade da sociedade no uma simples
coleo de bens individuais de cada uma das pessoas que a constitui. Seu fim o
bem comum, o bem comum do corpo social. Esse bem no pode ser
compreendido como uma simples soma de bens privados e tampouco como o
bem prprio de um todo que apenas se refere a si prprio e sacrifica as partes
em seu proveito. a comunho no bem-viver, comum ao todo e s partes, o que
implica a exigncia de concretizao dos direitos fundamentais das pessoas de
modo a prov-las de uma condio de dignidade.5 Di Lorenzo define o bem
comum como o conjunto de todas as condies necessrias para que todos, e
cada um, realizem sua dignidade de pessoa humana.6 Alm de ser o fim ltimo
da sociedade poltica, assevera o autor, o bem comum meio para que a pessoa
realize seus fins ltimos, ou seja, conjunto de coisas que satisfaz suas carncias
em vista desses fins.7
Nesse sentido, John Finnis, em considerao aos interesses de ordem
interna dos indivduos (subjetividade), descreve o bem comum como sendo um conjunto de condies que permita que os membros de uma comunidade atinjam por si mesmos objetivos razoveis, ou que realizem, de modo razovel, por si mesmos, o valor em nome do qual eles tm razo de colaborar uns com os outros (positiva ou negativamente) em comunidade. [...] Tal definio nem afirma, nem acarreta que os membros de uma comunidade devam todos ter os mesmos valores ou objetivos (ou um conjunto de valores objetivos); ela implica apenas que deve haver algum conjunto (ou um conjunto de conjuntos) de condies que precisa se dar para que cada um dos membros atinja seus prprios objetivos.
8
3 Ibidem, p.16.
4 Ibidem, p. 29.
5 Ibidem, p. 16-18.
6 DI LORENZO, Wambert Gomes. Meio ambiente e bem comum: entre um direito e um dever
fundamentais. In: RECH, Adir Ubaldo; MARIN, Jeferson Dytz; AUGUSTIN, Srgio (Org.). Direito Ambiental e sociedade, Caxias do Sul, RS: Educs, 2015. p. 70. Disponvel em: . Acesso em: 14 set. 2017. 7 Ibidem, p. 70-71.
8 FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. So Leopoldo. Ed. da Unisinos. 2006. p. 155-156.
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Lei Natural e Direito Ambiental 38
O bem comum, sendo um princpio personalista de justia poltica, jamais
poderia ignorar os elementos prprios da personalidade, dentre os quais esto a
individualidade e os interesses, valores e objetivos prprios de cada indivduo.
Porm, como pontua Di Lorenzo, o bem comum decorre, imediatamente, da
dignidade humana,9 isto , aqueles objetivos e interesses que, para acontecer,
acarretam prejuzos dignidade humana de outros indivduos no esto de
acordo com a ideia de bem comum. A dignidade humana, afirma o autor ao
defini-la, um valor, uma maneira de significao em uma relao de apreo em
que se imputa um valor intrnseco a cada ser humano, em que cada pessoa
sacra, inviolvel e que est acima de qualquer outro objeto (ideal ou real).10
Sarlet, de igual sorte, sustenta que a dignidade, por ser uma qualidade
imanente da pessoa humana, irrenuncivel e inalienvel.11 O constitucionalista
enfatiza que a dignidade humana implica uma obrigao geral de respeito pela
pessoa, o que se traduz em um feixe de deveres e direitos correlativos, de
natureza no meramente instrumental, que diga respeito ao conjunto de bens
essenciais ao florescimento humano.12 A dignidade, por se constituir- como
elemento qualificador do ser humano, no pode ser destacada, de modo que no
possvel sequer cogitar da possibilidade de que um indivduo seja titular de
uma pretenso a que se lhe conceda dignidade.13
Assim, somente em atinncia pessoa humana que o bem comum torna-
se inteligvel. Se, no que diz respeito ao Estado, ele um fim, para a pessoa
um meio privilegiado de seu aperfeioamento e requer a realizao de direitos
e deveres sem os quais a dignidade da pessoa tornar-se-ia mera alegoria.14
Toms de Aquino, ao tratar da civitas a comunidade poltica (Estado)
argumenta que essa possui uma finalidade moral voltada para o bem-viver do
9 DI LORENZO, Wambert Gomes. Teoria do Estado de solidariedade: da dignidade da pessoa
humana aos seus princpios corolrios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 67. 10
DI LORENZO, Wambert Gomes. Teoria do Estado de solidariedade: da dignidade da pessoa humana aos seus princpios corolrios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 51-52. 11
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimenses da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreenso jurdico-constitucional necessria e possvel. Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC, So Paulo, v. 9, n. 1, p. 366, jun. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2017. 12
Ibidem, p. 370-371. 13
Ibidem, p. 366. 14
DI LORENZO, Wambert Gomes. Teoria do Estado de solidariedade: da dignidade da pessoa humana aos seus princpios corolrios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 71.
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Lei Natural e Direito Ambiental 39
homem. Para ele o bem comum que guia (ou deve guiar), o Estado e sua
existncia, pois sem ele (bem comum) no subsistiria a plena realizao humana
e muito menos a garantia de paz social.15 Portanto, a partir dessa perspectiva,
incongruente afirmar que h uma plenitude humana isolada, em
desconsiderao da sociedade ou do corpo poltico. Sem o bem comum a
plenitude humana tornar-se-ia uma fbula, uma utopia.16 157. O bem comum pressupe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienveis orientados para o seu desenvolvimento integral. Exige tambm os dispositivos de bem-estar e segurana social e o desenvolvimento dos vrios grupos intermdios, aplicando o princpio da subsidiariedade. [...] Por fim, o bem comum requer a paz social, isto , a estabilidade e a segurana de uma certa ordem, que no se realiza sem uma ateno particular justia distributiva, cuja violao gera sempre violncia. Toda a sociedade e, nela, especialmente o Estado tem obrigao de defender e promover o bem comum.
17
Esse axioma, sendo fundamento do Estado, torna-se um valor absoluto da
sociedade, elemento basilar sem o qual tal instituio perde sua razo de
existir.18 Antes de ser fundamento do Estado, a dignidade o fim absoluto da
prpria pessoa. Como todo fim, aquilo que justifica sua prpria existncia,
pois se a existncia dos objetos ser, a existncia da pessoa o viver.19