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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 167, abr. 2008. EDITORIAL É na modernidade que a infância passa a existir como época distinta e separada da vida adulta. A partir de então, surgem espaços sociais específicos para as crianças, bem como vestimentas, jogos e um estilo próprio de literatura, dirigidos exclusivamente a elas. É a este particu- lar gênero literário – a Literatura Infantil – que dedicamos a discussão dessa edição do Correio. É muito evidente o modo como as crianças deixam-se capturar pelas narrativas que lhes são dirigidas pelos adultos. Nelas, encontram pontos de identificação e elementos simbólicos que lhes permitem dar conta dos impasses próprios que encontram frente à castração. A partir daí, podemos formular diferentes interrogações. Quais ele- mentos da posição do sujeito na infância propiciam tal abertura diante do campo da ficção? Que função as narrativas literárias infantis têm no percurso que uma criança percorre ao constituir-se enquanto sujeito? E, ainda, que destino as histórias centenárias, que compõe os contos de fada tradicionais, vêm encontrando neste início de milênio? Estas são algumas das questões que abordamos na seção temática desse número. Entre as notícias deste mês, cabe destacar nossa Jornada de Abertu- ra, “À sombra da angústia”, a qual acontece no início de abril, dando início aos trabalhos do ano que se segue.

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Page 1: EDITORIAL É - APPOAC. da APPOA, Porto Alegre, n. 167, abr. 2008. 1 EDITORIAL É na modernidade que a infância passa a existir como época distinta e separada da vida adulta. A partir

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 167, abr. 2008.

EDITORIAL

É na modernidade que a infância passa a existir como época distinta eseparada da vida adulta. A partir de então, surgem espaços sociaisespecíficos para as crianças, bem como vestimentas, jogos e um

estilo próprio de literatura, dirigidos exclusivamente a elas. É a este particu-lar gênero literário – a Literatura Infantil – que dedicamos a discussão dessaedição do Correio.

É muito evidente o modo como as crianças deixam-se capturar pelasnarrativas que lhes são dirigidas pelos adultos. Nelas, encontram pontos deidentificação e elementos simbólicos que lhes permitem dar conta dosimpasses próprios que encontram frente à castração.

A partir daí, podemos formular diferentes interrogações. Quais ele-mentos da posição do sujeito na infância propiciam tal abertura diante docampo da ficção? Que função as narrativas literárias infantis têm no percursoque uma criança percorre ao constituir-se enquanto sujeito? E, ainda, quedestino as histórias centenárias, que compõe os contos de fada tradicionais,vêm encontrando neste início de milênio? Estas são algumas das questõesque abordamos na seção temática desse número.

Entre as notícias deste mês, cabe destacar nossa Jornada de Abertu-ra, “À sombra da angústia”, a qual acontece no início de abril, dando inícioaos trabalhos do ano que se segue.

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NOTÍCIAS

JORNADA DE ABERTURA DA APPOA 2008

À SOMBRA DA ANGÚSTIA

Data: 05 de abril de 2008Local: Sede da AMRIGS (Associação Médica do Rio Grande do Sul)Endereço: Avenida Ipiranga, 5311 – Porto Alegre/RS

“Um afeto que não engana”, assim é a angústia definida por JaquesLacan. As manifestações da angústia, com as múltiplas faces com que elase mostra, apresentam-se para aquele que vive a experiência angustianteem sua inexorável certeza. A sociedade contemporânea, pródiga em produ-zir desassossego, busca, ao mesmo tempo, curar a angústia através daeliminação de todo mal-estar, fazendo calar o sujeito que sofre. O uso damedicação, por vezes necessário em algumas situações, pode fazer a eco-nomia do conflito e produzir um sujeito empobrecido, desértico em sua di-mensão desejante, o que traz o risco de relançá-lo na angústia.

Como nós analistas podemos hoje trabalhar com a angústia, quandotantas promessas de cura fácil se apresentam, dispensando o sujeito daresponsabilidade para com seu próprio desejo? O aparecimento da angústiaé provocado pela ausência da função do significante e sinaliza o horror daproximidade d’A coisa, a presença do objeto último, causa do desejo. Tratarda angústia, portanto, requer estar às voltas com o significante e o objeto dedesejo; é só a partir destes que o sujeito pode se reposicionar.

Na angústia temos, então, o risco da falta de uma função simbólica.Há excesso e totalidade. Mas o que permite ao analista não submergir nes-se excesso que a angústia produz?

O desejo do analista é o que pode preservá-lo, defendê-lo do conviteenfático que a angústia do analisante faz. Um desejo que só pode originar-seda posição ética que a travessia de uma análise produz: suportar a verdadeda castração. Frente ao sofrimento psíquico de um sujeito exilado do mundoda linguagem, oferecemos escuta e palavras para que ele possa emergir do

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NOTÍCIAS

desmoronamento do simbólico que a angústia sinaliza e que os sintomascorporais tão bem denunciam.

Continuar interrogando nossa práxis é uma das formas de seguir oviés do desejo do analista. Nesse diálogo, estamos constantemente con-frontados com um saber que não se sabe. Interrogar o que temos a dizersobre a angústia é um desafio. Por isso, convidamos a todos a participardesta Jornada e compartilhar os questionamentos dessa experiência tãosingular que é a da psicanálise.

PROGRAMA

9h30min.Abertura – Lucia Serrano Pereira – Presidente da APPOAA Angústia no princípio da Clínica Psicanalítica – Lucy Linhares da FontouraDebateA Imagem Perfeita – Edson Luiz André de SousaDebate

Intervalo

14h30min.Limites do analisável – Ester TrevisanDebateOs bebês de Rosemary – Diana Lichtenstein CorsoDebate

Intervalo

Clínica do desassossego: a angústia necessária – Alfredo JerusalinskyDebateEncerramentoLigia Gomes Víctora e Robson de Freitas Pereira(Coordenação do eixo de trabalho do ano)

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NOTÍCIAS

MUDANÇA DE TELEFONE

Volnei Dassoler informa seu novo telefone residencial: (55) 3304.1331

INSCRIÇÕES:Antecipadas, até 31/03 Após ou no local

Associados R$60,00 R$70,00Estudantes/Graduação R$65,00 R$75,00Profissionais R$80,00 R$90,00

INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES:– Sede da APPOA– Horário de funcionamento da Secretaria da APPOA: De segunda a quinta-feira, das 13h30min às 21h30min, e as sextas-feiras, das 13h30min às20h. – Inscrições mediante depósito bancário, para Banco Itaú, agência 0604,conta-corrente: 32910-2 ou Banco Banrisul, agência 0032, conta-corrente06.039893.0-4. Neste caso, enviar, por fax, o comprovante de pagamentodevidamente preenchido, para a inscrição ser efetivada.– Estudantes de Graduação deverão apresentar comprovante de matrículaem curso superior.– Inscrições pelo site: www.appoa.com.br, após efetuar a inscrição pelo site,enviar por fax ou por e-mail o comprovante de pagamento devidamente preen-chido.– As vagas são limitadas.

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NOTÍCIAS

CARTEL: “ANGÚSTIA E FEMINILIDADE”(VINCULADO AOS TRABALHOS PREPARATÓRIOS

DO CONGRESSO DA APPOA)

Reuniões quinzenais, segundas-feiras, das 9h às 10h30min.Próximo encontro: 31/04/2008.Local: sede da APPOA.

Integrantes: Liz Ramos, Carla Costa Silvestrin, Maíra Brum Rieck, MairaAzevedo, Simone Vidal e Maria Rosane Pereira. Com a colaboração à dis-tância, via internet, de Cláudia Berliner (SP).

Textos:– “Análise terminável e interminável” e as conferências 32 e 34 das “NovasConferências” (1932), de Freud;– “O que quer uma mulher” de Serge André, “A exceção feminina” de GérardPommier;– “A amátrida”, “A partenogênese”, “A angústia e o feminino”, dos “Ensaiosde Clínica psicanalítica” de François Perrier;– “Cartografias do feminino’’, de Joel Birman.Em Lacan:– Seminário 5, “A lógica da castração’’ (lições 8 a 12);– Seminário 20, todas as considerações sobre o amor;– Seminário 10, principalmente a partir da lição 13.

Além desses textos, vamos também incluir em nosso menu a literatu-ra e a história. O fio condutor é a questão da angústia e da feminilidade comoela se apresenta em nossas clínicas.

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NOTÍCIAS

QUADRO DE ENSINO 2008PRINCIPAIS EVENTOS DO ANO

ERRATA – EVENTOS DA CONVERGÊNCIA LACANIANA

JORNADA DE ABERTURA – “À SOMBRA DA ANGÚSTIA”Data: 05 de abrilLocal: AMRIGS – POA – RS.

RELENDO FREUD E CONVERSANDO SOBRE A APPOA: “O FETICHISMO”(1927)Data: 06, 07 e 08 de junhoLocal: Hotel Laje de Pedra – Canela – RS.

ENCONTRO BRASILEIRO DA CONVERGÊNCIA LACANIANAData: 16, 17 e 18 de maioLocal: Varginha / Minas Gerais – MG.

REUNIÃO DA COMISSÃO DE ENLACE GERAL DE CONVERGÊNCIA -CEGData: 01, 02 e 03 de agostoLocal: Hotel Plaza São Rafael – POA – RS.

CONGRESSO DA APPOAData: 14, 15 e 16 de novembroLocal: Hotel Plaza São Rafael – POA – RS.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICASSOBRE LITERATURA INFANTIL E FOBIAS

Marta Pedó

As considerações que se seguem partem de minhas observações clí-nicas e de algumas leituras sobre as fobias e a literatura infantil,mais bem os contos de fadas e os contos fantásticos. Tomo como

ponto de ancoragem a idéia de que as narrativas literárias infantis têm funçãoimportante para a construção subjetiva, em especial no que diz respeito àsfobias, sejam elas estruturais ou manifestações sintomáticas.

Não raro observamos crianças fóbicas, muitas vezes junto com a mãe,mergulhadas na leitura de histórias, fantásticas em sua maioria. Num primei-ro momento, podemos pensar que o que assistimos é conseqüência imedi-ata da passividade oriunda das inibições que constrangem os fóbicos, dapreferência pela segurança do lar e dos objetos que impliquem pouco a açãodo sujeito. Afinal, é mais fácil estar com a mãe lendo do que andar por aí seaventurando junto com as outras crianças. Mas o encantamento presente nacena é tal que também suspeitamos de que ali, na leitura ávida, haja umabusca ativa, uma investigação árdua na tentativa de encontrar nas ficçõespontos de identificação e, por que não, elementos (de saber) que venham emauxílio nos impasses próprios face à castração.

Seguimos Lacan no seu Seminário sobre a relação de objeto (1956-7), quando ele diz que “a ordem simbólica intervém precisamente no planoimaginário” (p. 233)1... dada a condição de que a intervenção do pai realopere a castração simbólica em meio a essa orgia imaginária. No que nosinteressa aqui, nas histórias e na literatura infantil, trata-se da passagempelo imaginário – farto – com valor simbólico, à sua redução a uma constru-ção mítica verdadeira.

1 LACAN, J. (1956-7). O Seminário: Livro IV, A Relação de Objeto. Rio de Janeiro: JorgeZahar Editor, 1995.

PEDÓ, M. Algumas considerações...

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SEÇÃO TEMÁTICA

AS FOBIAS – A CASTRAÇÃOLacan é bastante claro quando, na lição IX do seminário V2, lembra

que a ameaça de castração, móbil do complexo edipiano, parte do filho3. Talameaça de castração tem como ponto de partida um medo à retaliação,manifesto imaginariamente. O filho teme os efeitos imaginários da retaliaçãoque viria, supõe, em resposta a suas fantasias de amor e sexo com a mãe.A fobia, neste sentido, é criação imaginária (tal qual uma bela história fantás-tica).

Tudo se passa como se, a partir da sexualidade que emergiu no corpoda criança fosse necessário inventar algo para conter a angústia em face deum real, desconhecido e inominável4.

“Para preencher algo que não pode resolver-se no nível da an-gústia intolerável do sujeito, este não tem outro recurso senãocriar para si mesmo um tigre de papel5.”

Neste sentido, considero “Aquele cujo nome não se pronuncia”, deHarry Potter6, o corpo da mãe na teoria kleiniana, repleto de todos os objetosprojetados, ou mesmo a mãe devoradora, como tentativas de situar o realque, na consistência anteriormente conquistada, irrompeu e fez furo. Umaprimeira aproximação de solução, que denota o apelo ao Nome-do-Pai e ao

2 LACAN, J. (1957-8). O Seminário: Livro V, As Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1999.3 O autor ali se refere ao Édipo do menino, que passa pelo medo da retaliação do pai; para amenina, se o pai é preferido, é fácil escolhê-lo para objeto sexual. Tal qual uma ChapeuzinhoVermelho, ela rapidamente se vê envolta na trama da sedução masculina.4 As fobias, tal como as demais criações imaginárias a que as crianças apelam em torno dapassagem pelo complexo de Édipo, também podem aparecer em outros momentos de passa-gem da vida do sujeito, como refere Flechet, M. (O gosto pelo quarto. in: A Fobia. AssociationFreudienne, 1992). Neles, tratam-se de mudanças especialmente no corpo próprio, momen-tos em que o corpo se faz notar e requer reposicionamento do sujeito, como o que ocorre napuberdade e no puerpério. A ajuda que o imaginário oferece é incrementar a consistência docorpo.5 LACAN, J. O Seminário: Livro IV, A Relação de Objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1995.6 ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Ed Rocco, 2000.

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pai imaginário para remediar a crise – um medo, do objeto mais próximopossível ao qual recorrer para poder evitar.

Nos contos de fadas, lembram Diana e Mário Corso7, a devoração éum tema recorrente e sempre pleno de auditório pronto a ouvi-los mais deuma vez. O pai é um lobo...

“Se a criança não soubesse que há um lobo-adulto rondando láfora, não teria tranqüilidade para ficar oculta sob o tecido, teriamedo de nunca sair de lá. É o lobo que a fará sair de seuesconderijo.O terror mais primitivo é o de ser enterrado vivo nasentranhas da mãe. Por isso, a maior parte das crianças elegeráalguma figura apavorante para seu uso pessoal, conhecida pe-los psicanalistas como objeto fóbico”.(p. 58)

Todos nós temos algum registro da experiência de inventar e brincarcom o medo. O medo e o susto são avidamente buscados pelas criançasem especial. Nas primeiras versões, ele tem o caráter do esconde-escondeentre o bebê e sua mãe, que tapa o rosto e em seguida o descobre, quandoo bebê, entre amedrontado e feliz, gargalha a tensão. Em inglês, o jogo sechama peek-a-boo e funciona nos mesmos moldes que conhecemos, a mãeesconde o rosto, seu ou do seu bebê, com o lençol, dizendo peek a boo!(tome um susto!), para logo reaparecer, exclamando I see you! (eu te vejo!).Na experiência, lida-se com o medo do desaparecimento, desaparecimentodo corpo próprio que se separa da mãe. A angústia de que se trata é aangústia do próprio desaparecimento.

Na fobia, inventar um medo tem lugar nos impasses presentes nanecessária passagem do domínio da mãe ao pai. Seguindo Lacan, vamosencontrar a relação do pai com o filho descrita como dominada pelo medo dacastração, sendo que devemos abordá-la como represália. Numa relaçãoagressiva que parte do filho que agride o pai ao privilegiar a mãe e sofre a

7 CORSO, D. L. & CORSO, M. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis.Porto Alegre:Artmed, 2006.

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SEÇÃO TEMÁTICA

retaliação do que, numa relação dual, projeta ao pai. O filho projeta no pai aintenção equivalente ou mais forte que a sua, e é por isso que sofre e teme.O centro do medo está, portanto, no próprio filho, e a ameaça de castraçãose manifesta no imaginário de uma relação dual.

Reportamo-nos ao filme “Guerra nas estrelas”8, focamos uma das ce-nas finais e encontramos o jovem valoroso Jedi Luke Skywalker, represen-tando as forças da luz, em duelo mortal contra o supremo representante datrevas, Darth Vader, quando somos surpreendidos pela frase, em tom sole-ne, deste último, que diz: – “Eu sou seu pai”. Bastaram os primeiros risos daplatéia para que a frase fosse repetida em inúmeras as comédias do cinemasobre o cinema e se tornasse ícone do extremo dramático ironizado porcada um de nós – o que poderia ser mais piegas? – pensamos em uníssono.

Até onde vai o conflito dual, imaginário? Em primeiro lugar, até o pontoem que a rivalidade ceda ao Ideal do Eu, em que o imaginário ceda ao simbó-lico. O que podemos traduzir de outro modo, lembrando que a solução doconflito edipiano encontra seu ponto de resolução na metáfora, na substitui-ção da mãe pelo pai. Metáfora que, diferente do imaginário, é inconsciente.É inconsciente e alude a um Outro lugar, que permanece desconhecido.Assim, se no imaginário assistimos à proliferação da fabulação fantasística,a metáfora se situa alhures. Evidentemente, há enlaçamento entre imaginá-rio e simbólico, entre a criação imaginária (literária ou fabulada singularmen-te) e a estrutura da verdade, mas a metáfora requer o Outro lugar.

“Era uma vez, há muito tempo atrás, em um país muito distante...”Nos contos, tudo se passa como se em outro lugar, um lugar que todosimediatamente reconhecemos como existente e inexistente ao mesmo tem-po, subjacente a nossos devaneios e sonhos, no qual tudo é possível, ondeo tempo funciona de modo diferente, e no qual podemos encontrar passa-gens e personagens com os quais nos identificarmos sem sermos imediata-

8 Guerra nas estrelas (1977). Título original em inglês Star wars. Filme escrito e dirigido porGeorge Lucas, USA. In: http://imdb.com/title/tt0076759/

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mente conduzidos, por que não dizermos acuados, à responsabilidadesuperegóica da moral do pensamento racional. Como “Alice no país dasmaravilhas”, perambulamos no surrealismo da fantasia compartilhada comLewis Carroll9. Nesse país inventado, é possível ser um outro e ser ainda eu,é possível transportar-se a uma outra cena. Trata-se com certeza de umoutro lugar, mas pensamos ser ainda um lugar ficcional relativo à criaçãoimaginária, um lugar que, como na fobia, constitui proteção contra o avassalarda angústia, mas insuficiente sem a referência simbólica ao Nome-do-Pai.

Quando Hans10 preenche as cartas enviadas a Freud com suas fábu-las sobre os folguedos em Gmunden, para além do relato dos medos doscavalos e dos passeios, ele cria. Ele cria narrativas sobre os amigos, sobreseus vários filhos, sobre o nascimento de Hanna (que viajava dentro de umacaixa comendo rabanetes e pão, antes mesmo de nascer) e muitas outras.Histórias nitidamente ficcionais, porém das quais espera adquirir algum valorde verdade (afinal, envia-as ao Doutor) e, ao mesmo tempo, com elas enganao pai, sempre pronto a constranger seu espírito de investigador sexual nalgu-ma interpretação excessiva e educativa.

Essas fabulações aparecem na clínica dos pequenos e dos mais cres-cidos por um período de tempo que segue uma trajetória e pára ou mudasem muito aviso prévio. Não por acaso, é um caminho de fartura imagináriadurante o qual também se constroem as teorias sexuais infantis. São asteorias que constituem o saber próprio ao sujeito (sempre singular, mesmocontando com os elementos que a cultura oferece para que se possa cons-truí-lo) sobre o nascimento e o sexo – sobre seu lugar no mundo. Findo esseperíodo de trabalho intenso, observamos as crianças mudarem: algo ali pára,como se as imagens criadas passassem a fazer parte de uma memória(idílica ou não), e as teorias fossem esquecidas.

9 CARROL, L. (1862). Alice no país das maravilhas.10 FREUD, S. (1909). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Obras Completas.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Essa fartura de histórias e produção pára por quê? Freud vai dizer queo complexo de Édipo se destrói – mesmo escrevendo sobre o declínio, termoque faz pensar numa lenta extinção, é bastante claro quanto ao caráter dedestruição ocorrida quando a passagem pelo Édipo foi consumada, quandoa ponte foi cruzada, se podemos dizer.

As narrativas ficcionais poderiam ter, nas fobias, uma funçãotransicional, como uma história sempre “à mão” para acompanhar o sujeitodurante a passagem da mãe ao pai ou, ainda, nas passagens em que ocorpo se faz carente da imago de completude (tais como nas mudançaspuberais).

ANTES DE ROMPER O DIA, ALGO ESTAVA VELADO.O QUE APARECERÁ? SERÁ O SOL? SERÁ LUZ?

O reino materno é o pólo de um significante ainda sem significação –impalpável como luz ou amor -, o reino paterno, por outro lado, tem nome – éo sol ou o dia. “O pai é real porque tem um nome”. “O pai é nomeado”. “O paié metáfora”. Essas três frases, se Lacan ousa lançá-las com tal ênfase,acentuam o valor da nominação como condição necessária ao surgimentode uma função, da função paterna. O que antes acossava o sujeito, o realinominável do corpo à mercê do olho (diferente do olhar, um mau-olhado),pelo surgimento da metáfora paterna é lançado a um outro estatuto, quepermite que se trate dele com palavras. A partir de então, o sujeito nãoestará assujeitado da mesma maneira aos caprichos do Outro primordial,será possível saber algo de como lidar para acalmar a mãe.

Um belo exemplo da literatura infantil neste sentido, para mim, éSherazade.

Conta-se que o rei Sharayar governava os impérios do oriente e seuirmão Shazaman, o reino de Samarcande. Eram poderosos na guerra e napaz, e havia prosperidade àqueles sob sua proteção. Caiu, contudo, umacalamidade sobre o reino. A mulher do rei Sharayar o traiu com um escravo,e o mesmo aconteceu com o irmão. O rei condenou sua mulher à morte e,em seguida, declarando que nenhuma mulher era digna, levou uma virgem

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para seu quarto e, passada uma noite, ordenou ao vizir que fosse morta. Eassim aconteceu, com a primeira moça e com outras, que eram levadas ànoite ao quarto e no dia seguinte tinham suas cabeças cortadas. O reino selamentava enquanto suas filhas morriam. Finalmente, foi Sherazade, entãocom 16 anos, até seu pai, o vizir, e disse-lhe que a levasse ao rei. O pairelutou, mas ela foi. À meia-noite, pediu ao rei que chamasse sua irmã me-nor, Duniazade, de 13 anos, para se despedir. Ao despedir-se da irmã, pediupara contar-lhe uma ou duas histórias – narrativas, dizia, contadas a umespírito mau para convencê-lo a não matar um ser humano inocente. O reinão ficou zangado com isto, mas ouviu as histórias com atenção. Assim sepassou a primeira noite. E a segunda, a terceira, e todas as outras. Mil euma noites tinham se passado quando Sherazade contou sua última histó-ria. No alvorecer, os filhos nascidos durante essas noites foram trazidos doharém, e o rei deu o seu perdão. Sherazade casou-se com ele, e Duniazadecom o seu irmão. Depois, o rei chamou os escribas para registrarem ashistórias das “Mil e Uma Noites”11.

A delicadeza de Sherazade em fazer perceber o valor das palavrascontra a violência corporal ao longo de tantas noites de narrativas maravilho-sas (entre elas “Ali Babá e os Quarenta Ladrões” e “Aladim e a LâmpadaMaravilhosa”), além de surpreender pela coragem, lembra de que importacomo o pai é falado pela mãe. A personagem é mulher e narradora, que faza função de encantar com a magia das palavras o corpo enfurecido do sultão,ressentido e sedento de retaliação contra o corpo da mulher-amante.Sherazade lembra o lugar da mulher na transmissão da função paterna, poisé a mãe que nomeia o pai e autoriza a saída da criança do assujeitamentoque põe em risco seu corpo.

O que promove o surgimento da nomeação com valor de metáfora é osimbólico. Mas por que ele deveria demorar mil e uma noites?

11 LEESON, R. & BALIT, C. (2001). Minha irmã Sherazade, contos das mil e uma noites.Tradução de Ana Maria Machado. Editora Moderna, S.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Assistimos (em geral deleitados) os pequenos a lidar com as cria-ções imaginárias, pedindo histórias fantásticas e sonhando pesadelos emprofusão, numa série que parece infindável, mas que em determinado pontopára, ponto em que algo deixa de “fazer sentido”12. As histórias deixam defazer sentido porque não mais se faz necessária a exuberância imaginária.Se há operação simbólica, a função se expande a outros domínios – algoque antes era necessário exaurir até que se soubesse “de cor e salteado”13setorna dispensável.

Em determinado ponto, chegamos a oscilar entre duas soluções: deum lado, podemos pensar num esgotamento de possibilidades, como se, daprofusão das histórias, algo decanta e faz função simbólica. Como efeito deuma percepção repentina a partir da exaustão da repetição. Ou seja, numdeterminado ponto, cai o imaginário do tigre de papel, de modo que passa-mos a jogar os papéis como máscaras contingentes? Ou, numa segundasolução, podemos pensar que a produção de histórias como criação imagi-nária é concomitante com a colocação em jogo do operador simbólico, demodo que aquilo que se observa como fabulação seria concomitante com atentativa de amarração simbólica, que, uma vez enlaçada, asseguraria con-sistência suficiente à versão paterna eleita. Neste caso, seria algo como oefeito colateral, resíduo, do simbólico aquilo que assistimos como produçãoimaginária.

Acompanhando as crianças em suas produções imaginárias ao longode certo tempo, percebemos claramente o enlaçamento imaginário-simbóli-co na narrativa, que, como um conto de fadas, compreende elementossignificantes ancorados em imagens que se fazem ler.

A leitura para além do imaginário, enxuta, é nossa função clínica,enquanto a criação imaginária em profusão permanece como oferecimentocultural às nossas crianças que atravessam seus momentos passagem eproduzem saber enquanto organizam metáfora, e conduzem a trama ao es-

12 Gripo do autor.13 Idem.

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tatuto de mito. Ou seja, fazem uma leitura simbólica para além do imaginá-rio, outorgando valor significante a determinados elementos ficcionais. Paraisto, seguimos as crianças em suas criações e também as estimulamos,sem dúvida, em especial quando há pobreza ou inibição nessa produção defabulação. Por vezes, fazemos garimpo de significações para seguir o traba-lho, investigando ativamente de onde vêm os cacos de material que nosapresentam na cena analítica. E podemos nos surpreender com os elemen-tos nada banais que ali se alojam.

Assim, por exemplo, foi que me encontrei com a necessidade de in-vestigar sobre o “Dragon Ball Z” ao acompanhar a cura de um menino fóbicoalguns anos atrás. A série, que inicialmente apenas se apresentava comouma seqüência violenta de lutas, resultou, a partir de uma pesquisa na Internet,na narrativa sobre a saga de Goku e sua descendência, junto com umainteressante mitologia acerca do ressurgimento de elementos familiares desdeos antepassados e de teorias sobre nascimento-renascimento14.

Esse episódio e outros em que o material trazido em sessão se apre-senta árido como a cópia de uma cena, seja da TV, seja de um vivido, acen-tuam o lugar da construção imaginária na passagem à metáfora. Uma vezque para a criança, inventar medos e criar imaginariamente é um necessáriona passagem da mãe ao pai, o analista é também suposto saber sustentar acriação imaginária. Saber sustentar no sentido de suportar, de dar suporte a,no sentido de acompanhar a construção ficcional e oferecer as palavras quedão suporte significante à trama. Além de ler as histórias, estamos implica-dos em ler em voz alta os significantes nela apontados, para além da novela.

14 “Dragon Ball Z é uma animação que faz parte do universo Dragon Ball. O original é de AkiraToriyama. Surgiu no Brasil em 2000. Sua história se divide em quatro sagas. Ao longo dasérie podemos ver o crescimento dos personagens e o desenvolvimento de seus poderese transformações, ou raças, Sayajin e Super Sayajin”. In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dragon_Ball_Z

PEDÓ, M. Algumas considerações...

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SEÇÃO TEMÁTICA

A FICÇÃO, O BRINCARE A LITERATURA NA INFÂNCIA

Gerson Smiech Pinho

No trabalho psicanalítico com crianças, é muito freqüente que seja-mos reportados a situações e personagens provenientes de relatosliterários. Em meio aos desenhos e brincadeiras que sustentam o

trabalho associativo, identificamos com facilidade velhos conhecidos, comoos Três Porquinhos, o Lobo Mau ou a Branca de Neve. Volta e meia, tambémsomos apresentados a figuras menos tradicionais, nascidas na época atual,como Harry Potter, as três crianças órfãs que protagonizam “As desventurasem série” ou o Capitão Cueca. Não é raro, ainda, que nossos pequenospacientes carreguem consigo algum livro ou revista, cujas histórias sirvamde suporte para aquilo que venha a ser dito durante a sessão. Fica evidente,dessa forma, a abertura das crianças diante das narrativas que lhes sãoendereçadas pelos adultos e o modo intenso com que se deixam capturarpelas mesmas. Cabe interrogar quais elementos da posição do sujeito nainfância propiciam tal disposição e que função tem o campo da ficção, espe-cificamente o da literatura, para a criança.

No texto “Escritores criativos e devaneio” (1908), Freud procura inter-rogar as origens da criação literária e propõe que esta encontra sua raiz nobrincar das crianças. Segundo ele, tanto no brinquedo quanto na obra literá-ria, encontramos a criação de um mundo próprio, no qual os elementos sãoajustados da forma que mais agrade ao sujeito que os criou. O material quedá origem ao conteúdo das produções literárias é extraído dos devaneios efantasias, substitutos da atividade lúdica infantil na vida adulta. Na medidaem que nos tornamos adultos, os pequenos “enredos” criados nas brincadei-ras dão lugar àqueles imaginados nos devaneios, quando “sonhamos acor-dados”. Esse paralelo traçado por Freud, entre a produção lúdica da criançae a construção literária, nos autoriza a aproximar a ficção criada no brincardaquela presente na literatura.

Enquanto brincam, com freqüência as crianças constroem umacena, um marco no qual se desenrola a trama em que os personagens

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desdobram sua ação. Baraldi (1999) considera esta possibilidade de cons-truir uma cena como um dos elementos que indicam que uma criança temcondições de brincar de forma efetiva. Trata-se da criação de um enredo,uma ficção que permite ao sujeito mascarar o real e instalar um ordenamentono brincar.

Ao mesmo tempo em que sabe tratar-se de um “como se”, um “faz-de-conta”, a criança é capturada por aquilo que cria, mantendo certa crençana ficção que constrói. Este ajuste entre saber tratar-se de algo irreal e, aomesmo tempo, tomá-lo como realidade é também o que “faz a criança ávidapor escutar um conto, pacto que poderíamos enunciar como um ‘eu já sei,mas mesmo assim’. Quer dizer que é a renegação o que determina sualógica” (BARALDI, 1999, p.15). Interessa, aqui, notar que, segundo a autoracitada, tanto ao brincar quanto ao escutar um conto, o sujeito coloca emjogo um mesmo mecanismo. Por meio da renegação, é possível sustentar acoexistência de duas impressões contraditórias, ou seja, a crença e a não-crença naquilo que é criado na brincadeira ou escutado na narrativa. Estemecanismo é responsável por esta espécie de “feitiço” que envolve o sujeito,fazendo-o chegar a rir ou chorar diante da ficção de um livro. Para que possa-mos avançar, ainda mais, nessas questões penso que a noção de “espaçotransicional”, delimitada por Winnicott, pode trazer contribuições bastantevaliosas.

Winnicott (1975) dá o nome de “espaço transicional” a uma zona inter-mediária entre a realidade psíquica, pessoal e interna e a realidade externaou compartilhada. Trata-se de um terreno fronteiriço, no qual interior e exte-rior se sobrepõem compondo uma única região, ao estilo do espaço moebiano.O que está “fora” é investido com o colorido fantasmático do que está “den-tro”, produzindo um território que não é interno nem externo, não é subjetivonem objetivo, mas ambas as coisas ao mesmo tempo. Trata-se de um con-ceito que subverte as noções clássicas de “interior” e “exterior”. Na concep-ção winnicottiana, é este espaço híbrido, ilusório, o responsável pela como-ção que pode se apoderar de alguém diante de algo que sabe se tratar damais pura ficção. Segundo esse autor, diversos fenômenos acontecem nes-ta zona intermediária, como o brincar, todo o tipo de criação artística – inclu-indo a literatura – e as experiências religiosas.

PINHO, G. S. A ficção, o brincar...

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SEÇÃO TEMÁTICA

As raízes deste espaço ou zona transicional remetem aos momentosmais precoces da vida do sujeito. Para Winnicott, a situação inicial de fusãoem relação à mãe cria para o bebê a ilusão de controle do seio materno. Existeuma espécie de sobreposição entre o que o bebê concebe e o que a mãe lheoferece. Em outras palavras, aquilo que é alucinado pelo bebê confunde-secom o próprio objeto que a mãe lhe dá. Pouco a pouco, na medida em que obebê constata que o seio independe de seus caprichos, esta situação ilusóriase rompe e, em seu lugar, emerge esta zona que denominamos transicional.

Em outros termos, a queda do objeto real dá lugar a este espaço deilusão, o qual irá possibilitar o surgimento da ficção, contornando esse mes-mo real. Mas, que particularidade apresenta a criança frente ao registro doreal? A partir do que afirmamos acima, abordar esta questão nos permitirádelimitar de modo mais preciso o lugar da ficção para o sujeito infantil.

Durante o tempo da infância, o sujeito encontra-se às voltas com aestruturação ainda não decidida de seu aparato psíquico. Suportado por umorganismo imaturo e com um tanto de real a ser simbolizado, resta um im-portante caminho a percorrer até a vida adulta. Por este motivo, Jerusalinsky(2005) afirma que durante a infância o sujeito necessita suportar um excessode real, o qual requer um esforço suplementar para ser entrelaçado à ordemsimbólica. Para dar conta desse real que excede, o sujeito infantil produzseus “sintomas de infância” – sintomas transitórios que permitem dar cursoa sua constituição enquanto sujeito de desejo. São exemplos de sintomasde infância, o brincar, o desenhar e toda forma de dilatação imaginária quepermita sustentar o simbólico diante de um real tão amplo. “Trata-se daconstrução de um mundo de ficção onde a dura lei da castração possa sertramitada por um sujeito no mínimo tão poderoso quanto o grande Outro”(JERUSALINSKY, 2005, p. 11). Aqui, me parece poderíamos incluir toda aforma de ficção que permita à criança dar conta do real, incluindo não só obrincar, mas também as narrativas que lhe são endereçadas.

Segundo Baraldi (1999), o brincar é o primeiro instrumento com o quala criança conta para enfrentar e metabolizar problemáticas universais, comoa morte e a sexualidade. Pela via do brincar, o sujeito pode se posicionarativamente diante dessas questões que o convocam, apropriando-se de suasmarcas para subjetivá-las. Porém, é nas narrativas que o Outro lhe dirige,que a criança irá encontrar os elementos simbólicos necessários para sus-

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tentar esta elaboração. A trama vivida pelos personagens serve de ponto dereferencia para desdobrar os impasses que o sujeito encontra no percursode sua constituição. Por aí, podemos entender a força que as narrativasadquirem para a criança.

Como afirma Lacan:“Essa criança, nós a vemos prodigiosamente aberta a tudo queo adulto lhe traz do sentido do mundo. Será que nunca se refle-te sobre o que significa, no que diz respeito ao sentimento dooutro, essa prodigiosa permeabilidade a tudo que é mito, lenda,conto de fada, história, essa facilidade em se deixar invadirpelos relatos?” (LACAN, 1986, p.62)

Tomando esta citação, e para finalizar, gostaria de mencionar um au-tor que aprecio muito e cuja obra literária vem marcando muitas gerações debrasileiros. Na obra de Monteiro Lobato, encontramos tanto figuras da mito-logia grega, como Hércules ou o Minotauro, quanto do folclore brasileiro,como o Saci, a Cuca ou o Curupira. Pelos seus escritos também passeiamCinderela, Branca de Neve e o Pequeno Polegar, provenientes dos contos defadas, ou a cigarra e a formiga e a menina do leite, resgatados do mundo dasfábulas. Lá pelas tantas nos deparamos com um personagem bíblico comoSão Jorge, ou personalidades históricas como Platão, Nero ou a PrincesaIsabel. Dessa forma, os textos infantis de Monteiro Lobato me parecem re-tratar de forma muito clara a idéia proposta por Lacan na citação acima, jáque condensam as mais diversas formas narrativas. Talvez este seja um dosmotivos pelos quais produzam tanto encantamento nas crianças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:BARALDI, Clemencia. Jugar es cosa seria. Rosario: Homo Sapiens, 1999.FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio. (1908a). In: Obras psicológi-

cas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1987. v.IX._____ . O fetichismo. (1927). In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud.

Rio de Janeiro: Imago, 1987. v.XXI.JERUSALINSKY, Alfredo. Quem analisa crianças? In: Correio da APPOA, Porto

Alegre, n. 134, p. 11, abr. 2005.LACAN, Jacques. O seminário: livro 1: os escritos técnicos de Freud, 1953-1954.

Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1986.WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

PINHO, G. S. A ficção, o brincar...

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“SHREK”: O NOVO CONTO DE FADASREVELA SUA FACE

Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso

Qual é o destino do conto de fadas tradicional no século XXI? Comohistórias centenárias podem ser usadas ainda hoje em dia? Comoas crianças contemporâneas recebem os contos de fadas? Não há

maneira melhor de responder a essas questões do que examinar os trêsdesenhos animados da série Shrek (Dreamworks, anos 2001, 2004 e 2007).Eles respondem, na prática, qual é a atualidade do conto de fadas. Os pro-dutores de Shrek fizeram com os contos de fada exatamente o que as crian-ças fazem: brincam com eles. Mais do que isso, ambos recortam e colam,torcem, abusam, misturam, corrompem, tiram de contexto, desdenham dospróprios contos, enxertam novidades. E, ao final, ainda fazem com isso, eapesar disso, nada mais nada menos, do que produzir mais contos de fadas.

Talvez nosso problema seja a falta de nomenclatura adequada. Comoclassificar uma história dessas, que tem a arquitetura central de um contode fadas, mas que se afasta dele em alguns pontos? Ao nosso ver trêspontos discordantes com a lógica dos contos clássicos são visíveis: o hu-mor e a complexidade psicológica das personagens, o que leva, inevitavel-mente, ao terceiro ponto, a valorização da jornada subjetiva. Já a multiplica-ção de referências à cultura pop, que em Shrek se eleva ao paroxismo, nãoé exatamente algo inédito. Certos contos folclóricos já eram assim, além deque enxertavam passagens de outros contos, cada contador acrescia seutempero, que não era outra coisa que sua vivência pessoal das novidades dacultura de seu tempo. O tecido do conto de fadas é elástico o suficiente parareceber acréscimos sem esgarçar.

Os contos de fadas tradicionais raramente são humorísticos, e, quan-do o são, só há humor grosseiro e um pouco repetitivo, tratam em geral datolice, da incapacidade de aprender, e não seguem adiante. Por exemplo,retratam uma personagem muito burra, e sua história consiste em insistir

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em todos os erros, enquanto os outros se aproveitarem disso. Aliás, talveznem devessem ser classificados como contos de fadas, geralmente acom-panham as coleções de contos e ficam assim misturados a eles.

O fato é que o humor veio para ficar nas histórias infantis. Raras sãoas atuais que dispensam esse tom, mesmo quando o tema central é dramá-tico. Vejamos, por exemplo, “Rei Leão” (Disney, 1994): a trama gira em tornodo assassinato do pai do herói, de seu exílio forçado acrescido a carregaruma falsa acusação, de seu retorno e reconquista da posição com a neces-sária vingança. Difícil pensar isso em outra categoria do que a do drama,mas o desenho animado é todo costurado com passagens humorísticas, oque o torna mais leve. Para comparar com histórias infantis tradicionais,tomem como contra-exemplo, qualquer conto de Andersen. Por exemplo,em a “Pequena Sereia”, ali temos o sofrimento da personagem estampadoda primeira à última linha, sem uma chance para respirar. Como era de seesperar, a versão atual para a mesma história é um musical povoado deanimaizinhos engraçados.

A diferença entre as gerações tem diminuído, é possível que o acrés-cimo de humor para as crianças faça parte das aquisições desseaplainamento. Quanto mais despótico é um regime, mais o humor vai sercensurado, vai ter que sobreviver nas frestas, já quanto mais democrático,mais ele é solto e liberado. Ao humor cabe a missão de ridicularizar oautoritarismo, que se baseia na anulação de um pensamento pelo outro.Fazer graça é sempre uma forma de criticar, de questionar, mostrar o outrolado das coisas, ali está então uma contradição intrínseca ao pensamentoúnico de qualquer forma de totalitarismo.

Hoje já é possível rir de quase tudo, os afrouxamentos do poder nafamília certamente contribuíram para esse acréscimo de humor. Como nosensinou Freud, o chiste é uma das formações do inconsciente, está ligado àpossibilidade de lidar com o recalcado. Logo, quanto mais humor houver,mais acesso a um discurso pleno alguém estará de posse. O pai de família,representante tradicional da autoridade, aquele que teve a palavrainquestionável durante milênios, hoje é o palhaço principal de várias séries,

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ao estilo dos “Simpsons”. Embora se fale da derrocada do poder patriarcal,tanta necessidade de fazer graça com ele remete à força remanescente dafigura paterna.

Aquele que está compartilhando seu bom humor se desvela, abre seupensamento, expõe-se ao ridículo, pois qualquer um sabe que a maior graçaprovém do fato de que brincamos sobre aquilo que é mais sério para nós. Porexemplo, se alguém vai se dedicar a piadas racistas é porque é inseguro deseu lugar social, se forem os cornudos suas vítimas preferenciais, a fidelida-de lhe será um problema, se as mulheres protagonizarem suas investidas,há algo nelas que o perturba.

A cumplicidade remete necessariamente aos pontos fracos comparti-lhados, pois o efeito humorístico jamais ocorre em uma só cabeça, sãonecessárias duas para fazer uma piada. Aquilo do que se ri está na parte quenão é contada, .Há uma suspensão na narrativa, que precisa ocorrer na horacerta, e a pontuação é fundamental. O chiste, já dizia Freud, acontece numintervalo de continuidade entre o pensamento do narrador e o do ouvinte, oprimeiro inicia o raciocínio que se conclui na cabeça do segundo.

Portanto, temos no humor três aspectos que são fundamentais aoshomens pós iluministas, criados sob o ideal da democracia. Em primeirolugar está a sinceridade, que demonstra a entrega verdadeira a um vínculo,ou a uma tarefa. Aquele que brinca, principalmente sobre si mesmo, nãoestá querendo bancar o que não é, reconhece seus erros e fraquezas. Nesteseria possível confiar, mais facilmente lhe daremos o voto, o coração, o em-prego. Em segundo lugar, está a importância dos vínculos, da entrega genu-ína ao outro, compartilhar uma brincadeira é permitir que algo flua entre osparticipantes, sem certeza dos limites de um e outro. Em terceiro lugar, senão houverem hierarquias rigidamente estabelecidas, nem ritos a serem cum-pridos, nem mestres ou chefes inquestionáveis, no que poderemos confiarpara guiar nossos passos, em quem acreditar, a quem amar? Escolheremosos mais sinceros. Por isso, junto com o humor, nossa sociedade tem valori-zado muito o gênero reality: diários, depoimentos, documentários não preci-sam ser verdadeiros, mas é bom que pareçam sê-lo. Confiaremos mais em

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alguém que esteja relatando o que sentiu sobre o que realmente lhe aconte-ceu. Tudo isso constitui uma renovada experiência da arte realista.

Mas vamos às outras diferenças essenciais dos contos de fadas con-temporâneos: a jornada interior, requerida pela profundidade da personagem.Num conto tradicional, alguém se torna príncipe ou princesa após vencerprovas de coragem, persistência e autocontrole, em nome de uma históriade amor ou de provar seu valor ou legitimidade frente a um questionamentopor parte dos mais velhos. Só então suas deficiências e feiúras serão deixa-das para trás e um cisne brotará de um patinho feio. A representação dissoé uma jornada onde o crescimento fica demarcado pelas conquistas efetiva-mente ocorridas. Ora, nas histórias modernas o equilíbrio entre jornada inte-rior e exterior é menos marcado, existem outras formas de mostrar o cresci-mento duma personagem que não seja uma conquista prática, e inclusiveuma derrota ou uma perda pode servir.

A superação e a desvalia é que mudaram de lugar, a imagem de sipassa a ter uma função importante. Conquistar um valor frente aos olhos dosoutros, para ser amado e respeitado, depende de acertar contas internascom os próprios ideais e permitir-se crescer e aparecer, esta é a nova jorna-da do herói. Shrek é gordo e verde, é um ogro, sua amada Fiona também,ambos a princípio não se aceitam como tal, mas o amor fará maravilhas. Noscontos de fadas tradicionais, os ogros costumam ser antropófagos, comfranca preferência pela carne infantil. Aqui, essa condição só existe comoestigma, o filme brinca muito com isso, pois apesar de forte, Shrek é umgrande coração e só se usa do medo que infunde para viver em paz, longedos preconceituosos que o agridem. Ele também é ogro por causa da suafraca sociabilidade, preza seus ritos domésticos, a reclusa tranqüilidade desua casinha na floresta. Poderia-se pensar que ele é anti-social porque sem-pre provoca alguma histeria quando aparece em público, mas não é assim,pois depois de encontrar o amor ele continua apaixonado por sua intimidade.

Em rápidas linhas, para quem não conhece a história: um falso enanico príncipe despótico expulsa de seu território todas as criaturas decontos de fadas, em nome da perfeição de seu reino. Elas se refugiam na

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SEÇÃO TEMÁTICA

propriedade do Shrek na floresta, para desespero do ogro ermitão. Em trocade retirá-las de lá, o minúsculo príncipe exige que Shrek resgate uma prince-sa, com a qual pretendia casar-se para legitimar sua realeza. Fiona é essaprincesa ruiva, sardenta, e embora prisioneira de um dragão, não é nadaboba nem passiva. O que ninguém sabia é que Fiona além de prisioneira eraencantada, de dia princesa, de noite ogra. O resgate deveria ser, conforme atradição dos contos de fadas, feito pelo verdadeiro amor (este quebraria ofeitiço da dupla natureza), mas tudo começa com uma negociata entre umusurpador covarde e um ogro acuado. O andar da história prova que os con-tos de fadas não morrem, apenas se transformam e, como sempre, é inevitá-vel que ocorra a paixão entre a princesa e seu cavalheiro, mesmo que eleseja um ogro verde e o cavalo seja um burrinho falante.

Existe uma história do ciclo arthuriano, chamada “Gawain e a DamaDetestável”1, na qual um cavalheiro é obrigado a casar-se com uma damaenfeitiçada. A dama está fadada a ser uma bruxa horrorosa e belíssimaalternadamente, enquanto o cavalheiro Gawain é chamado a escolher se adeseja bela à noite ou durante o dia. Em outras palavras, se ela vai ser belasomente para seus olhos ou apenas para apreciação dos outros. Na dúvida,ele deixa essa opção para ela, sugere que ela viva “de seu próprio jeito”.Essa resposta é a chave que desfaz a maldição, a partir daí ela será linda otempo todo. O segredo do feitiço era que o desejo dela fosse respeitado.Bem feminista esse conto, pois o que elas querem é ter seu direito de dese-jar, mesmo que desejem ser desejadas. A mulher será bela à noite paraaquele que a deixar livre para escolher seu jeito, assim como será esse amoro que a fará sentir-se atraente de dia para o resto do mundo.

O que é comum nessas histórias é essa condição alternada, de belae feia, da qual Fiona também padece. Consta que o verdadeiro amor a liber-taria do feitiço dessa constante transformação, após o qual ela se tornaria

1 Sutcliff, Rosemary. O Rei Arthur e os Cavalheiros da Távola Redonda – Vol. 1. A EspadaExcalibur. São Paulo: Editora Antroposófica, 1986.

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sempre o que ela realmente é. O jogo do filme está em que pensamos quequando o feitiço acabar ela poderá ficar para sempre como a linda princesaruiva, e que a condição noturna de ogra é sua pena, tal qual a Dama. Porém,quando beijada pelo seu amado Shrek ela passa por sua transformação de-finitiva e descobrimos que ela é verdadeiramente uma ogra e assim permane-cerá, para alegria de seu “verdoso” par. São os olhos dele que dão formadefinitiva a ela, enquanto talvez ela já o amasse por sentir-se mais ligada àsua aparência de ogra. Eles se enxergam profundamente um no outro.

O grande vilão da trilogia dos filmes de Shrek é a falsidade, a aparên-cia que engana. Os bonitinhos em geral são fúteis, covardes, pretensiosos,burros e sem nenhum senso de humor. O herói do filme é um amor quepossibilite que cada um se valorize como é e como vive.

Comparando com outra história clássica de amor e transformação, ABela e a Fera, poderíamos dizer que no seu âmago, Fiona é mais a Fera queBela, é rude e sua verdadeira beleza é a interior. Mesmo quando está sob aforma de princesa ela é forte, bem humorada e porquinha como uma ogra,enquanto ele, apesar de ogro, possui um nobre coração de cavalheiro. Alémdisso, em defesa do público infantil, o centro do filme, o casal de ogros, ébem nojentinho, como o são as crianças e também os adultos na intimidade.Eles brincam com seus fluidos corporais, se divertem soltando pum e fazen-do concurso de arrotos, adoram se lambuzar e gostam de ficar fedorentos.São também arteiros, enfim, um casal que se porta como criança. É umchamado à identificação para os pequenos, que afinal, ainda não possuem aforma e o tamanho de príncipes, mas nem por isso estariam privados doverdadeiro amor, um dia.

A jornada dos heróis desse novo conto de fadas, embora envolva algu-mas aventuras, tem seu clímax colocado no embate interno, entre conside-rar-se amável ou detestável, atraente ou repugnante, um pária ou parte dasociedade. No final feliz, o amor é correspondido, eles possuem um grupo deamigos, e a casa do ogro, antes o exílio de um rejeitado, torna-se um larconvencional. Fiona escolherá entre sua vida de ogra e o lugar de princesaque os pais lhe reservavam. Todo o tempo trata-se da reafirmação da auten-

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ticidade, do contraponto entre o preconceito e a descoberta interior, entre asaparências e a essência, entre a imposição externa e a escolha pessoal.

A fada madrinha clássica incumbia-se basicamente de oferecer belasindumentárias, boa aparência, neste ela é ridicularizada, tratada como umavelha fútil. Já no novo conto de fadas, espera-se que as maiores mágicasprovenham da liberdade de escolha, da autenticidade que torna um indivíduoconfiável aos olhos próprios e alheios. As maiores dificuldades enfrentadaspelos novos príncipes e princesas provêm do fato de que eles não se acei-tam, de que se mentem quanto ao que desejam e o que são. Ideais interes-santes para tempos aparentemente tão fúteis.

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OBJETALIDADE1

Elaine Starosta Foguel

“O exemplo é a própria coisa”.Freud, DIÁRIO DO HOMEM DOS RATOS

Oque quer um infans? Um infans quer falar. Na grande maioria dasvezes ele termina por repetir o milagre, mais misterioso até do queo nascer e o morrer, que é o de adentrar-se na linguagem humana.

Lacan fala de “encarnação do significante”, ou da entrada do significante noreal através da operação castração. Vamos então ao exemplo.

“Um ano e dois meses, duas semanas antes de conseguir equilibrar-se para andar por si só, o garotinho está fascinado pelos animais. Naqueledomingo pela manhã, ele estivera num sítio onde uma cadela recém parida eseus filhotes o encantaram a tal ponto que ele tomou um deles pelo focinhoe o sacudiu do mesmo modo como costuma fazer com um de pelúcia, seupreferido. À tarde, fez outra visita, agora na casa de sua tia-avó. No living, agrande família se reúne em torno de sua presença, e eis que surge um ca-chorro. Alguém pergunta: ‘Lucca, cadê o au-au?’ Ele busca com o olhar,encontra, enlaça e rejubila-se: ‘Achei o au-au’, diz na primeira pessoa dosingular, superando todas as expectativas. Hipnotizado pela presença de umcão na sala de visitas, começa uma conversa extremamente interessante.‘Au-au au, au au, ...’ usando de várias entonações emotivas. Flexiona acabeça afirmativamente. Segura-se na mesa de centro e avança em direçãoao canino. Mede seu tamanho e estanca, aponta com o indicador, dobra odedo, mede a distância, tenta se equilibrar com a ajuda do pai, que já pres-sente a investida do menino. O cão, agora seu espelho, também pára eobserva, surpreso talvez pela presença de um rival. Lucca está emocionado

1 Trabalho apresentado na V Jornada do Grupo de Estudos Freudianos de Maceió em 2007.

FOGUEL, E. S. Objetalidade.

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com este encontro. A presença do animal é puro enigma, que agita o garoto.Já no colo do pai, se inclina para o chão; quer tocar no au-au: é a fascinação.Continua a falar sobre o au-au, com o au-au, por uns quarenta minutos,quando recebeu um pão e com ele se distraiu. No entanto, mais tarde, já nasua casa, retoma o assunto, rememora, quer contar sua experiência, e repe-te a agitação, a fala, os gestos com a cabeça, com o indicador, até queexausto de tanta conversa, consegue adormecer.”

O “au-au” é, simultaneamente, alvo da pulsão escópica e da invocanteno treino da linguagem e no prazer da lalação. O animal – que emite sons,mas não fala; que não é gente, nem brinquedo, e nem flor, – assume umadimensão extraordinária.

Porém, não pensem que os meninos imitam o cachorro quando repe-tem “au-au”. Como diria Freud, na “realidade”, eles contam uma longa histó-ria sobre amor, surpresa, medo, identificação, ameaça de castração, cora-gem, dúvida, novidade, igualdade, diferença, o imóvel, o que se mexe, ohumano e não humano, o brinquedo e o animal vivo. As crianças não latem,elas “conversam” com seus próximos, mesmo os dessemelhantes. E, nestaconversa, a emissão sonora de cada “au-au” é diferente da seguinte, e cada“au-au” ocupa na sucessão da fala uma sintaxe própria, que será diferente dapróxima, e assim sucessivamente, como Lacan apontou no Seminário daIdentificação na lógica do significante que embasa o processo de tornar-sesujeito: “A = A” (A é diferente de A). De onde podemos aplicar ao nosso“exemplo-coisa”, “au-au ? au-au”. A partir desta lógica da identificação, (enão da identidade, que parece não existir) segue-se que:

1) “A = A” é a fórmula bastante resumida da interpretação lacanianada teoria lingüística de Saussure. Para Lacan um significante é diferente desi mesmo porque não remete a um significado único, e sim a significânciaspróprias, transitórias, singulares, a partir de uma rede particular desobredeterminação, na transferência, num tempo posterior a sua enunciação,e independentemente da intenção consciente de quem fala.

2) Além disso, os significantes ocupam lugares funcionais, sintáticosna frase, que os tornam diferentes de si mesmos. Pode-se observar, até

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mesmo na tautologia, que cada significante é pura diferença. Em “Mãe émãe”, o primeiro termo, sujeito gramatical, é aquela que dá a luz, ou adota,ou cria; e a segunda é o predicativo do sujeito, possui uma função adjetiva.Por exemplo, “Mãe é amor”, ou “Mãe é uma doença incurável”. Também,segundo a entonação e a gestualidade, “Mãe é amor” pode ser dita de formairônica ou debochada, que levaria ao significado antônimo, odiento da palavraamor, remetendo aos malefícios feitos em nome do amor materno.

3) E até mesmo na negativa, “A mãe não é a mãe” poderá levar, nasessão de análise, à suposição de que então “A mãe é a mãe”, segundo oartigo de Freud; o que nos levará necessariamente, segundo a lógica dosignificante, a que “mãe = mãe”.

4) Se “au-au = au-au”, isto é, não é igual, terá que ser “maior que oumenor que”, <> , segundo a notação algébrica universal, divulgada por Lacancom o nome de “punção”. Isso nos leva já se sabe para onde, às posiçõesdos ideais da pessoa, nas quais o eu se mede, se mete, se orienta e deso-rienta, se espelha e se recolhe, se oferece à vida. O infans, no umbral daaquisição da linguagem, transita entre as imagens do narcisismo primário eos objetos do mundo de uma forma mais observável. Ele constrói seus obje-tos oscilando entre a alucinação e a emissão significante, através das opera-ções de corte do gozo do objeto, também denominadas operações de faltano Complexo de Castração (privação, frustração, castração), ou ainda, àsformas de perda de gozo, “[...] de Verlust, que Freud aponta” (LACAN, 2005,p. 104). São cinco os objetos da pulsão que terão seu gozo ao mesmotempo constituído e limitado os quais Lacan estudou no Seminário da An-gústia: mamilo, fezes, falo, olhar, voz,.

5) E ainda, se “A = A” e não existe outra possibilidade, a identificaçãonão é a identidade, nem ao outro semelhante, nem a si próprio. Pois bem,Lucca ainda não domina muito bem o idioma, e apesar da frase antecipatória“Achei o au-au”, ele só tem o recurso de contar sua história identificando oobjeto de seu encantamento com todas as posições gramaticais, confundin-do-se com ele na linguagem. Ora, isto não é exclusivo das criancinhas, poisos adolescentes e os adultos em estado de encantamento ou paixão po-

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dem, facilmente, regredir a este “estágio gramatical” no qual se adora, nooutro, aos próprios ideais narcísicos projetados na tela da vida. Assim comono apaixonamento, também no sonho e na neurose de transferência o espe-lho plano do “Outro”2 se transforma num vidro, num blindex, onde as imagensdo Outro e as do narcisismo primário ficam sobrepostas, misturadas, nãorefletindo, como no vidro espelhado, o ideal do eu, i´(a). Chegará o momento,no entanto, do domínio da linguagem e da inserção da criança no complexofamiliar. O processo identificatório “au-au <> au-au” será substituído pelomatema do fantasma: “$<>a”, Sujeito barrado “corte” de “a”. Enunciá-lo des-ta forma leva ao ponto central dos desenvolvimentos de Lacan no Seminárioda Angústia: “a objetalidade”.

A partir do Seminário da Identificação (LACAN, 2003) e continuandoao longo do Seminário da Angústia, Lacan mostra, através da geometria, anovidade epistemológica nos conceitos tradicionais de “Sujeito” e de “objeto”a partir de Freud. Para isto, ele se serve da topologia das superfícies, a partirdo plano projetivo de duas dimensões imerso paradoxalmente num espaçode três dimensões.

Esta mostração, apenas indicada a seguir, toma dez aulas do Semi-nário da Identificação, a partir da lição XVII, de 11 de abril de 1962 e será opivô do Seminário da Angústia, que tem como fundamento o “objeto a”, nãocomo um objeto de troca, nem como um objeto do mundo a ser pesquisadopela ciência moderna, mas como um lugar vazio, “causa do desejo”. Lacanalerta em mais de uma passagem que não se trata da objetividade científicado objeto no mundo da realidade, mas da objetalidade na sua composiçãopossível com o Sujeito barrado. Também não se trata do objeto a no seuaspecto imaginário dos ideais da pessoa. A objetalidade faz a mostraçãotopológica da dimensão real do objeto a. E para exemplificar fenomenicamenteo que é este objeto, Lacan esclarece que a experiência da angústia é a únicana qual o objeto a é vivido subjetivamente. Pode-se acrescentar, vivido comoinvasão de um afeto que não engana. O afeto de amor pode enganar, o deódio também, eles podem até ser trocados, “vem de noite, vai de dia”, comona canção de Vinícius de Moraes, mas a angústia é sinal dela mesma; a

2 Referência ao esquema dos espelhos de Lacan. Vide: LACAN,1979.

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angústia que Lacan propõe estudar não se superpõe exatamente àquelaproveniente de uma dúvida existencial consciente.

Lacan mostra de que modo um plano projetivo, superfície de duasdimensões, é “mergulhado” na terceira dimensão sem que a ela se agregueum “lado”, isto é, sem fazer um cubo (LACAN, 2003, p.317 e sgs). Resultadisto uma figura topológica, denominada cross-cap ou mitra3, que é parado-xal em relação à geometria euclidiana, pois comporta nas suas dobras umespaço que não se localiza como ou dentro ou fora. Obtido o cross-cap, háa possibilidade topológica de nele fazer um corte de duas voltas passandopor esta linha paradoxal; este corte depreende uma banda unilátera comuma torção e um disco interno a esta banda, que se destaca no final docorte, deixando um espaço vazio circunscrito pela borda da banda. A torçãoda banda de Moebius preserva a característica paradoxal do objeto topológicoque lhe dá origem, pois não contém nem direito, nem avesso, como tão bemilustrado por Escher (ERNST, 1994, p.101) através do desenho das formigascaminhando na Banda de Moebius.

Outra característica fundamental da Banda de Moebius é que ela nãotem imagem especular, isto é, a imagem que aparece não inverte a lateralidade,como com os objetos do mundo euclidiano. Diferentemente das representa-ções em forma de esquemas e grafos, a mostração topológica pretendeincluir a dimensão real e funcionar como a “própria coisa”. Finalizando, éimportante reiterar que, é a partir das estruturas obtidas através da topologiaque Lacan, no Seminário da Angústia, retoma o objeto a.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASERNST, Bruno. El espejo mágico de M.C.Escher. Trad. Ignácio Leon. Colônia:

Taschen Verlag, 1994, p.101.LACAN,J. Os escritos técnicos de Freud 1953-1954. Trad. Betty Milan. Rio de

Janeiro: Zahar, 1979.LACAN, J. A identificação: Seminário 1961-1962. Tradução Ivan Corrêa e Marcos

Bagno. Recife: Publicação para circulação interna, Centro de EstudosFreudianos do Recife, 2003.

LACAN, J. O Seminário, livro 10: A angústia. Trad. Vera Ribeiro. Rio deJaneiro:Zahar, 2005.

3 Mitra. Barrete alto e cônico, fendido lateralmente na parte superior e com duas faixas quecaem sobre as espáduas, que o papa, bispos, arcebispos e cardeais põem na cabeça emsolenidades pontificais. (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986)

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SABER FALAR:COMO SE ADQUIRE A LÍNGUA?

JERUSALINSKY, Alfredo. Saber falar: como se adquire alíngua? Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 2008.

“Eles constituem apenas um povo e falamuma única língua. Se principiaram desta maneira,

coisa nenhuma os impedirá, de futuro,de realizarem todos os seus projetos.

Vamos, pois, descer e confundir de tal modoa linguagem deles que não

se compreendam uns aos outros”.Gênesis, Antigo Testamento.

Estudar a linguagem, independentemente do prisma adotado, é tarefacomplexa. Tal complexidade amplia-se se o ponto de vista for cir-cunscrito ao âmbito clínico. Nesse caso, a diversidade dos trabalhos

sobre o tema – linguagem e clínica –, somada à multiplicidade de aborda-gens do objeto – relativa às disciplinas que dele se ocupam ou aodirecionamento dado ao estudo – impõem a necessidade da delimitação dasespecificidades desse campo. É justamente esse o ponto de partida do novolivro de Alfredo Jerusalinsky: ocupar-se da fronteira entre os campos da psi-canálise e da lingüística, desde a perspectiva da clínica que trabalha com alinguagem.

É sabido que as diferentes clínicas que demandam estudosaprofundados da linguagem têm interpelado a lingüística, buscando respal-dar seu fazer clínico com a linguagem em substratos dessa disciplina, porconsiderá-la autorizada a fornecer subsídios teóricos. Dessa forma, a obrade Jerusalinsky endereça à lingüística questões conceituais referentes aosmétodos de abordagem e às especificidades descritivas do objeto que taldisciplina em suas diferentes perspectivas teóricas instaura.

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A forma como o autor encaminha seu percurso junto aos autores dalingüística como Saussure, Jakobson, Benveniste e Chomsky tem formatobastante original. Assim, sua proposta instaura uma releitura desses lingüis-tas, já que o objetivo não é buscar na lingüística respostas que “facilitem oacesso à”. A leitura feita da lingüística em sua obra atende à demanda deescuta que irrompe na clínica. Trata-se de um retorno muito próprio, quepermite revisar os princípios contidos nos autores da lingüística, a partir doponto de interlocução desde o qual a releitura se coloca.

Para Saussure, é a língua que faz a unidade da linguagem. Esseparece ser um passo determinante para sistematizar o estudo do precursorda lingüística moderna. O conceito de língua possibilita o acesso a umaparte desse todo heterogêneo e multiforme que é a linguagem. Ora, o riscopara quem trabalha com a linguagem é querer tomar uma parte (língua) pelotodo (linguagem). Alfredo deixa claro que o que está em questão é a lingua-gem, já que, no âmbito da psicanálise de filiação freudo-lacaniana (de certaforma pautada pela releitura muito própria que Lacan faz da obra Saussure)definitivamente não se trata de uma “clínica da língua”. O “saber falar” pro-posto no título do livro aponta para um “saber fazer com a língua” aquilo queé instanciado no âmbito da linguagem.

O destaque feito acima – que a linguagem é heteróclita e multiforme –permite redimensionar o famoso apotegma lacaniano “o inconsciente estáestruturado como uma linguagem”. Como diz Alfredo (p.104), o que ali estásendo dito não equivale a afirmar que o inconsciente é uma linguagem, masque sua trama é análoga àquela que a linguagem apresenta. Parece impor-tante destacar que o inconsciente não está estruturado com uma língua (quepode ter uma sistematicidade previsível), mas como uma linguagem, que ésempre da ordem do heteróclito e multiforme.

Entre o regular da língua e o heteróclito da linguagem brota a fala dosujeito. De acordo com Jerusalinsky (p.139), o sujeito interroga a língua comsua fala, pois é desse modo que os significantes abrocham seu sentido nosignificado que a língua lhes empresta. Ou seja, a língua está ali comovirtualidade de um “vir a ser” que só se realiza quando o sujeito se põe a falar.

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Por esse viés, percebe-se em sua proposta um diálogo com uma con-cepção de linguagem que comporta a “falha”, o não-todo. Em sua tradiçãocientífica, a lingüística não contempla aquilo que não vai bem na linguagem.Talvez a instância da “falha” tenha sido descartada porque a configuraçãoepistemológica do campo da lingüística impõe rigidez na busca pela regula-ridade (cf. Milner 1987, 20001). A lingüística, ao eleger para si o falante/ouvinte ideal, produziu um recalcamento do falante/ouvinte não-ideal2.

Se o equívoco usualmente não tem lugar nos estudos oriundos docampo da lingüística, o mesmo não se pode dizer do terreno da psicanálise.Se na primeira eles são negligenciados, na segunda, são matéria valiosíssima,cuja trama constrói o enredo de uma análise. Conforme destaca Jerusalinsky(p. 102), a psicanálise entra nas questões da linguagem através da fala. Alingüística, ao contrário, tende a um compromisso com o estudo da língua, oque, de certa forma, higieniza seu ambiente de pesquisa (por não correr orisco de a fala “contaminar” a língua). Alfredo assim re-atualiza a instigantereflexão acerca da “falha” na fala, apresentada por Freud (ainda neurologis-ta), no texto das afasias (1891)3, destacando a similaridade existente entre afala sintomática do sujeito afásico e os erros de fala cotidianos (lapsos,equívocos, esquecimentos) presentes em qualquer falante em situação decansaço ou atenção distraída.

Conforme aponta Milner (1987), para se constituir como ciência, alingüística precisou ignorar a falta constitutiva de seu objeto para propô-locomo passível de ser apreendido numa suposta completude. Produziu-se,assim, com esse recalcamento, um Real4. Se, por um lado, na abordagem

1 MILNER, J-C. O amor da língua. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987.MILNER, J-C. Introducción a una ciencia del lenguaje. Buenos Aires, Bordes Manantial, 2000.2 As expressões “falante/ouvinte ideal” e “falante/ouvinte não-ideal” não carregam especi-ficamente uma crítica teórica a Chomsky, nem um uso técnico dos termos. É antes uma formade denominar, de um lado, a ausência de “erro” no campo da lingüística e, de outro lado, afala em sua atividade linguageira cotidiana. Ou seja, com isso quero dizer que, em algummomento, todos somos de certa forma falantes-ouvintes não-ideais.3 FREUD, S. A interpretação das afasias. Lisboa, Edições 70, (1ªed.1891) 1977.4 A noção de real implica aqui a idéia de algo que é incontornável e que, por não sersimbolizável, retorna sob forma de um mal-estar.

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prevista pela lingüística para o objeto língua não está contida a idéia de faltaou de “falha”, por outro lado, pode-se dizer que ela estava ali desde o princí-pio, silenciada. E é pela abordagem desta fala “esquecida” ou “silenciada” natradição lingüística que Jerusalinsky entra: “a linguagem parece ser maispoderosa do que os conhecimentos que ela mesma suporta” (p.19). Daí abrecha para se olhar para a língua da lingüística através de “lalangue” dapsicanálise. Segundo Jerusalinsky (p.158), a entrada da criança na lingua-gem se faz mais pela via do equívoco que o significante permite, do que porum contrato entre significante e significado que a língua propõe num a priori.

O que seria de uma língua se ninguém a falasse? É a partir do com-promisso com a fala do sujeito, que Jerusalinsky apresenta no decorrer dotexto dez casos clínicos, que costuram as propostas teorizadas desde apsicanálise e a lingüística, com a fala cotidiana que brota na clínica psicana-lítica. Os interrogantes do autor giram em torno da questão da apropriaçãoque o bebê humano faz da língua na qual nasceu. Alfredo discute a noção delíngua materna (como matriz necessária dos significantes primeiros), articu-lada à função do Nome-do-Pai como produtor do efeito simbólico de sentidosoutros para os quais a língua materna está necessariamente ensurdecida.Por isso, a relação entre significante e significado não é de correspondênciabiunívoca, como a língua materna ilusoriamente prevê. A significação, por-tanto, deriva da passagem de um significante a outro e não da correspondên-cia entre significante e significado.

Jerusalinsky aponta que o bebê humano nasce com o equipamentoneurobiológico apto à incorporação da linguagem. No entanto, tão fundamen-tal quanto o aparato orgânico é a intervenção do Outro. Ou seja, nossospequenos dependem da intervenção do Outro como sede da lei que recortana linguagem a língua, como suporte material da ordem simbólica (p.64 ep.183). Nesse sentido, o autor nos aponta a “prematuridade” do filhote huma-no em sua condição de total dependência do Outro, o qual funciona comomatriz (matriz lingüística e matriz edípica, cf. Jerusalinsky, p.142). Assim,segundo o autor, a língua não convenceu à criança que não é na sexualidadeque se perfaz a relação, mas justamente onde ela fracassa. É na linguagem

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que ela encontrará posição na relação com seu semelhante. Exemplo dissoaparece nas oposições fonológicas que começam a fazer sentido para obebê: o que aparece e desaparece tem nome, embora este nomeie muitomais a perda do que o objeto em si.

Quanto à via pela qual o Outro instaura o filhote humano no campo dalinguagem, Jerusalinsky tomará posição distinta de Allouch. Enquanto Allouchpressupõe que a linguagem se transmite como uma escrita prévia que seinverte na demanda, Jerusalinsky propõe pensarmos a “transmissão da lin-guagem se operando por meio de uma fala”. Segundo Jerusalinsky, na pers-pectiva de Allouch há risco do sistema da linguagem escrita configurar for-mas fechadas (enunciados) que possam obturar a configuração lacunar ne-cessária para que a criança venha a preencher o buraco de uma falha lógica,ou seja, brecha para ali surgir um sujeito.

A “transmissão da linguagem se operando por meio de uma fala” gera-rá formas ímpares – porque sujeitas ao equívoco – de inscrição do sujeito nalinguagem. Jerusalinsky aponta, então, particularidades presentes no dis-curso parental de crianças cuja psicopatologia indica formações enunciativasque o autor propõe tomarmos como matrizes. Assim, são propostas a ma-triz enunciativa das neuroses, a das psicoses, a das perversões e a doautismo.

Finalmente, cabe dizer que se o leitor ilude-se com o chamamento dotítulo desse livro “Saber Falar”, já terá um bom motivo para realizar a traves-sia dessa importante contribuição de Jerusalinsky na fronteira entre a psica-nálise e a lingüística que, em bom romance, convida-nos a partilhar a discus-são acerca de como se adquire a língua. Se terminarmos a travessia sem aresposta é porque justamente ela não é possível de ser apreendida. Damo-nos conta de que não é possível sair da linguagem para falar sobre ela: eisnossa condição de “falasser”.

Luiza Milano Surreaux

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HARRY POTTER E ASRELÍQUIAS DA MORTE

ROWLING, J. K. Harry Potter e As Reliquias da Morte.Rocco, 2007.

Peter Pan e Robin Hood são nomes dejovens heróis da literatura britânica que,por meio da habilidade narrativa de seus

autores e da universalidade de seus dramas, fo-ram adotados pela cultura de diversos povos, tor-nando-se clássicos da literatura mundial. Fenô-meno idêntico, só que infinitamente mais veloz– mérito da globalização – ocorre com a históriado bruxo Harry Potter, da inglesa J. K. Rowling.Em 2007, a saga deste personagem que nasceu em guardanapos de papelde um pub londrino, chega ao fim, com o seu sétimo livro. O termo fim,entretanto, só se refere ao desfecho da aventura, porque, quanto à imortali-dade do herói que Rowling criou, não restam dúvidas: Harry é um bestsellerque tem tudo para, no futuro, ser aclamado clássico, igualando-se a Peter eRobin.

Essa certeza sustenta-se na dedicação de milhares de fãs ao redordo mundo, que, além de já terem garantido a venda de mais de trezentosmilhões de cópias dos livros da série, mantêm-se ligados ao mundo de HarryPotter através dos filmes baseados na obra, e, também, de álbuns, roupas,revistas, materiais escolares e uma infinidade de outros produtos que levama marca do bruxo. Para completar, os “Pottermaníacos” trocam informaçõese opiniões em páginas da internet, fóruns e fã-clubes. Diante disso é mesmodifícil dizer se Harry Potter é mais famoso no mundo bruxo por ser “o-meni-no-que-sobreviveu”, ou no mundo real como “o-menino-que-mais-vendeu”.

J. K. Rowling criou um prodígio, cujo sucesso de vendas apenasquantifica o que a escritora significa na literatura contemporânea. Sua obratem enredo longo, trabalhado, repleto de detalhes, e, surpreendentemente,

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nem um pouco enfadonho. Ao longo de seis livros, os leitores acompanha-ram o crescimento de um garoto órfão, que, aos 11 anos, recebe a visitainusitada de um meio-gigante contando-lhe que é um bruxo e, por isso, temmatrícula garantida na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. O garotoHarry se vê imerso em um mundo totalmente diferente, onde se descobreespecial como nunca sonhou ser, já que vivera com os tios, sendo tratadocomo um estorvo até então. Seus pais não haviam morrido num acidente decarro, como lhe mentiram, mas sim, haviam sido assassinados pelo bruxodas trevas mais temido de todos os tempos, Lord Voldemort, e ele, um bebê,sobrevivera ao ataque – fato que o tornou famoso e idolatrado na comunidadebruxa.

Os leitores são introduzidos na verdadeira história de vida do garoto eno mundo mágico, ao mesmo tempo em que ele próprio, sendo que cadalivro representa um ano escolar do bruxo e não se resume ao aprendizado defeitiçaria. Aventuras e situações de risco são freqüentes na rotina de Harry,que conta com o apoio dos amigos Rony e Hermione, e a orientação doProfessor Dumbledore, sempre em busca de respostas sobre o seu passa-do, e ao combate com o Lorde das Trevas.

Rowling criou uma história de magia muito humana; tocante eenvolvente. Harry Potter é o herói esperto e corajoso, mas ninguém gostariade estar na sua pele. Ele luta por sua vida em uma realidade em quesuperpoderes não são exclusivos, afinal, todos têm uma varinha na mão.Harry só alcança o que pretende, - e, neste ponto, Rowling construiu a men-sagem mais valiosa de sua aventura – graças ao “poder que Voldemort des-conhece”: o amor de seus pais e a amizade e proteção de seus companhei-ros.

O estilo da escritora inglesa concilia descrição, narração e diálogosnuma quantidade certeira. Os cenários e personagens são nítidos, quasepalpáveis; e o enredo, ainda assim, sucede num ritmo eletrizante. Ela preen-che as páginas com conflitos secundários, e os acontecimentos vão soman-do-se, acumulando mistério e interrogações. Muitos perderiam a maestriacom tantos detalhes, mas Rowling mantém a coerência e dá continuidade à

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história, respondendo a todos os pontos de interrogação no momento certo.Sua capacidade de nos prender ao enredo desperta a dúvida: ela própria nãoé uma bruxa, feiticeira das palavras?.

No sétimo e último livro, Harry Potter e As Relíquias da Morte, Harry,Rony e Hermione viajam em busca de Horcruxes – partes da alma deVoldemort aprisionadas em objetos – e seus insucessos indicam que o mun-do mágico irá sucumbir ao poder as trevas. Durante as quatrocentas páginasiniciais do volume, nada é solucionado. Parece que Rowling adiava, nesteacúmulo de acontecimentos, o maior desafio de sua carreira: criar um desfe-cho que agradasse, ao menos, a maioria dos fãs, cujas especulações che-garam a intervir no seu trabalho. A idéia inicial para o último livro era matarHarry, a fim de eliminar a pressão dos leitores por um oitavo volume, masesta notícia trouxe ainda mais mobilização dos fãs. Com a criatividade desempre, Rowling conseguiu, ao mesmo tempo, seguir seu planejamento eficar de bem com seus leitores. Não há como negar as palavras do ProfessorDumbledore: “Sete é o número mágico mais poderoso”.

Giulia Ribeiro Barão

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AGENDA

ABRIL – 2008

PRÓXIMO NÚMERO

Reunião da Comissão de EventosDia Hora Local Atividade

Reunião da Comissão de Aperiódicos

Sede da APPOA

Reunião da Comissão da Revista

MAIO DE 68

Reunião da Comissão do Correio

19h30min

14h30min

Sede da APPOA

Sede da APPOA

Reunião da Mesa DiretivaSede da APPOA21h8h30min

20h30min

10

03, 10,17 e 24

07e 28

04, 11,18 e 25

11 e 25 Sede da APPOA

24 21h Sede da APPOA Reunião da Mesa Diretiva aberta aosMembros da APPOA

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EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Gerson Smiech Pinho e Marcia Helena de Menezes Ribeiro

Integrantes: Ana Laura Giongo, Ana Paula Stahlschmidt,Fernanda Breda, Márcia Lacerda Zechin, Maria Cristina Poli,

Marta Pedó, Mercês Gazzi, Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior, Robson de Freitas Pereira e Tatiana Guimarães Jacques

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2007/2008

Presidência: Lucia Serrano Pereira1a Vice-Presidência: Lúcia Alves Mees2a Vice-Presidência: Nilson Sibemberg

1a Secretária: Lucy Linhares da Fontoura2a Secretárias: Maria Elisabeth Tubino e Ana Laura Giongo

1a Tesoureira: Ester Trevisan2a Tesoureira: Maria Beatriz de Alencastro Kallfelz

MESA DIRETIVAAlfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Laura Giongo, Ana Maria Medeiros da Costa

Ângela Lângaro Becker, Beatriz Kauri dos Reis, Carmen Backes,Emília Estivalet Broide, Fernanda Breda, Ieda Prates da Silva, Maria Ângela Bulhões,

Maria Ângela Cardaci Brasil, Maria Cristina Poli, Maria Lucia M. Stein,Otávio Augusto Winck Nunes, Robson de Freitas Pereira, Siloé Rey e Simone Kasper

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

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S U M Á R I O

EDITORIAL 1NOTÍCIAS 2SEÇÃO TEMÁTICA 7

ALGUMAS CONSIDERAÇÕESPSICANALÍTICAS SOBRELITERATURA INFANTIL E FOBIASMarta Pedó 7

A FICÇÃO, O BRINCAR EA LITERATURA NA INFÂNCIAGerson Smiech Pinho 16

“SHREK”: O NOVO CONTODA FADAS REVELA SUA FACEDiana Lichtenstein Corso e Mário Corso 20

SEÇÃO DEBATES 27OBJETALIDADE 27Elaine Starosta Foguel

RESENHA 32SABER FALAR: COMOSE ADQUIRE A LÍNGUA? 32AS RELÍQUIAS DA MORTE 37

AGENDA 40

Page 43: EDITORIAL É - APPOAC. da APPOA, Porto Alegre, n. 167, abr. 2008. 1 EDITORIAL É na modernidade que a infância passa a existir como época distinta e separada da vida adulta. A partir

PSICANÁLISE E LITERATURA INFANTIL

N° 167 – ANO XV ABRIL – 2007