entrevista bernardete gatti
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O que se percebe que a questO da dOcncia sempre relegada
cOmO se fOsse algO menOr
What We nOtice is that the teaching issue is alWays treated
as sOmething inferiOr
O que se percebe que a questo da docncia sempre relegada como se fosse algo menor
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Bernardete Angelina Gatti, paulista de Mato (SP), uma das principais
referncias na temtica de formao de professores no pas. Sua formao
acadmica inclui graduao em Pedagogia pela Universidade de So
Paulo (1962), formao parcial na licenciatura em Matemtica na mesma
universidade, doutorado em Psicologia pela Universit de Paris VII (1972)
e dois ps-doutorados, um na Universit de Montreal (Canad) e outro na
Pennsylvania State University (EUA).
Tem um extenso currculo na docncia e na pesquisa. Na educao bsica,
trabalhou como professora alfabetizadora, professora de matemtica e
orientadora educacional. Na educao superior, foi professora do Instituto
de Matemtica e Estatstica da USP e do programa de ps-graduao em
Educao da PUC-SP. Presidiu o Comit Cientfico de Educao do CNPq, foi
coordenadora da rea de Educao da Capes e membro do Conselho Estadual
de Educao de So Paulo, entre muitas outras atuaes de destaque.
H mais de 40 anos na Fundao Carlos Chagas, atualmente vice-presidente
da instituio. Relata que foi l que se aprofundou na temtica do trabalho
docente. Tem especial interesse nas pesquisas que privilegiam um enfoque
amplo, de anlise do cenrio macro da formao e atuao do professor e sua
relao com o aluno a partir de grandes bases de dados.
Nesta entrevista Cadernos Cenpec, Bernardete fala sobre os problemas, con-
flitos e desafios que permeiam a formao de professores no pas. Participaram
Maria Ambile Mansutti, coordenadora tcnica do Cenpec, Vanda Mendes
Ribeiro e Joana Buarque de Gusmo, editoras da Cadernos Cenpec.
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Entrevista com Bernardete Gatti
CADERNOS CENPEC Gostaramos que voc falasse um pouco sobre sua
experincia na rea da educao e sobre sua trajetria profissional.
BERNARDETE GATTI Comecei como professora alfabetizadora dos primeiros
anos do ensino fundamental. Depois cursei Pedagogia e fiz uma parte do
curso de Matemtica, dei aula de matemtica no antigo ginasial (atual ensino
fundamental II). Nesse mesmo perodo, trabalhei no Colgio de Aplicao da
USP como orientadora educacional. Na Faculdade de Educao trabalhei no
departamento de Estatstica.
A partir da fiquei na universidade, na rea de Estatstica Aplicada a Cincias
Humanas. Minha ligao com a educao nunca se desfez. Depois fui fazer
doutorado na Frana. O tema era em Educao, mas eu fiz na Psicologia, com
algumas disciplinas de matemtica aplicada. Na poca em que fui fazer o
doutorado eu trabalhava no Colgio de Aplicao com adolescentes. Fazia uma
dinmica com os alunos em que discutamos questes da atualidade, e acabei
usando esse trabalho na minha tese. Quando voltei, continuei na Estatstica;
no me deixaram sair, afinal, ningum queria trabalhar com Pedagogia e
Estatstica. O Colgio de Aplicao tinha sido fechado, e fui convidada para
trabalhar na Fundao Carlos Chagas (FCC), que estava montando um corpo
de pesquisadores. E foi assim que fiquei meio perodo na Universidade de
So Paulo (USP) e meio perodo na Fundao. Mas foi na Fundao que eu me
encontrei profissionalmente.
Com o tempo fui me afastando da USP e me dedicando mais Fundao,
at que me aposentei da universidade. Logo depois, continuei na Fundao e
passei um perodo na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP),
onde realizei alguns trabalhos na ps-graduao da Psicologia da Educao.
Foi um perodo muito bom.
Agora faz oito anos que estou somente na Fundao. Tudo o que eu fiz de
pesquisa, tudo o que pude fazer de trabalhos de investigao na educao, fiz
graas ao apoio que tive na FCC. Nela h uma estrutura de que a universidade
no dispe: mais financiamento, alguns suportes que podem ser contratados,
alm de suportes tcnicos da prpria casa o que faz muita diferena na hora
de desenvolver as pesquisas. Posso dizer que a Fundao a minha casa: fui
coordenadora de departamento, superintendente de Educao e Pesquisa e,
agora, estou na vice-presidncia, onde sou responsvel pela rea de Pesquisa
e Educao. Essa a minha trajetria.
Estudo formao de professores desde sempre. Quando voltei da Frana com
o meu doutorado, j vim com essa preocupao de que quem trabalha com
O que se percebe que a questo da docncia sempre relegada como se fosse algo menor
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alunos, com ensino-aprendizagem, como eu fazia, com questes do dia a dia
da escola, acabava esbarrando na figura do professor. Ao chegar Fundao,
meu primeiro projeto foi avaliar um treinamento de professores hoje se
fala educao continuada. Falava-se treinamento, e agora feio falar isso...
Era um treinamento de formao de professores e assistentes pedaggicos
da Prefeitura de So Paulo. A partir da, o tema nunca deixou a minha vida.
Trabalhei com essas questes sob vrios enfoques; mas eu gosto mesmo de
trabalhar com grandes bases de dados para entender o problema educacional
de forma mais ampla.
Muitos dos estudos de formao de professores so estudos de caso, ou
questes muito especficas do trabalho do professor, relao professor-
aluno... Mas eu gosto mesmo de olhar o cenrio macro. E este tem sido o meu
trabalho nos ltimos dez anos: enfoque amplo e realizado em equipe. No d
para fazer estudos dessa natureza se voc no contar com uma equipe. As
minhas grandes parceiras so a Elba Barretto e a Marli Andr, alm dos meus
outros parceiros pesquisadores da Fundao.
CADERNOS CENPEC Gostaramos que voc falasse um pouco sobre os
conflitos envolvidos na formao de professores: o que tem estado
em pauta nos ltimos anos nas secretarias de Educao, nos rgos
pblicos e na academia?
BERNARDETE GATTI Tenho acompanhado muitas das reunies e propostas da
Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao (Undime) e do Conselho
Nacional de Secretrios de Educao (Consed). Desenvolvi estudos para o
Consed. Os secretrios vm anunciando suas preocupaes com o desempenho
de suas redes no que eles atribuam isso somente aos professores, pois
reconhecem que existem outras dificuldades. Mas, de fato, os professores tm
revelado alguma dificuldade para lidar com a sala de aula. Os gestores vieram
da rea da educao, das licenciaturas, e avaliam, com bastante preciso, que
a formao do professor, hoje, no est atendendo necessidade atual da
escola, do seu dia a dia. Eles colocam isso nas discusses com o Ministrio. Mas
o que de fato os despertou para essas questes foram as grandes avaliaes
e o foco que a elas foi dado. Nas avaliaes nacionais e internacionais, em que
ficamos sempre em penltimo lugar, as nossas fragilidades, no que diz respeito
aprendizagem dos alunos, ficam muito evidentes. H aspectos didtico-
pedaggicos envolvidos a. A crianada, o jovem que chega escola hoje no
mais um ser passivo. Ele j vem estimulado por um ambiente de mdias; vem
com outras linguagens. E no tranquilo lidar com ele na escola, especialmente
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Entrevista com Bernardete Gatti
a partir de dois pontos de vista: primeiro, o da motivao, o que o faz estar
ali e permanecer ali em trajetria crescente; e, segundo, o do interesse pelo
conhecimento, porque, muitas vezes, os currculos e as formas de trabalhar
na escola no tm sentido para aqueles adolescentes, para aqueles jovens. E
para esse tipo de trabalho do cotidiano escolar, em relao aos contedos
selecionados para o processo de escolarizao, que h muitos conflitos quanto
ao currculo de formao dos professores. As dificuldades ocorrem, sobretudo,
em funo da estrutura das licenciaturas.
CADERNOS CENPEC Poderia falar um pouco sobre como a formao
inicial est configurada no pas perante os desafios enfrentados pelos professores?
BERNARDETE GATTI Acho que, depois dos estudos que fiz com a minha equipe
e estudos realizados por outros pesquisadores de 2009 a 2013, o conceito
segundo o qual estava tudo muito certinho nessa formao foi abalado: vimos
que as licenciaturas no estavam fazendo o trabalho que deveria ser feito.
Nesse ponto aparecem algumas questes que esto relacionadas nossa
tradio cultural: a maneira como esses cursos foram institucionalizados. Eles
foram institucionalizados nos anos 1930, sob a gide da viso cientificista do
sculo XIX, que fragmenta a cincia. Tnhamos a formao de bacharel e, de
repente, descobriu-se que a escola bsica comeava a ser ampliada, para o
que se precisavam de professores.
Professores para o chamado primrio j existiam eles vinham das Escolas
Normais. Eram poucas, porque no tnhamos educao para todos nesse
perodo. Tnhamos as Escolas Normais, mas no tnhamos professores
especificamente formados para o chamado secundrio. Ento, agregou-se
um ano de disciplinas de educao aos bacharelados, como adendo, e esse
formato est at hoje na representao das universidades e faculdades que
formam professores. Ou seja, voc segmenta, valoriza o conhecimento formal
da disciplina da rea e d uma tintura leve de