federalismo fiscal no brasil - 02
DESCRIPTION
FederalismoTRANSCRIPT
-
CURSO DE DOUTORADO DO IE/UFRJ
DESCENTRALIZAO E FEDERALISMO FISCAL:
UM ESTUDO DE CASO DOS MUNICPIOS DO RIO DE JANEIRO
PAULA ALEXANDRA CANAS DE PAIVA NAZARETH
Registro: 103008040
ORIENTADORA:
Professora MARIA LUCIA TEIXEIRA WERNECK VIANNA
Agosto de 2007
-
NDICE
RESUMO 6
INTRODUO 7
I. ANLISE TERICA DA DESCENTRALIZAO E FEDERALISMO FISCAL 18
I . 1. Reviso da Literatura 21
II. O ARRANJO FEDERATIVO BRASILEIRO 32
II . 1. Breve histrico da montagem do arranjo federativo brasileiro 40
II . 2. A Constituio de 1988 e a autonomia municipal 49
II . 3. Caracterizao do atual sistema de gesto fiscal brasileiro 63
III. MUDANAS INSTITUCIONAIS, LEGAIS E POLTICAS QUE MAIS AFETARAM A GESTO MUNICIPAL: O PROCESSO DE MUNICIPALIZAO 70
III . 1. Municipalizao da sade 78
III . 2. Municipalizao da educao 87
III . 3. Mudanas no setor de petrleo 94
IV. A ECONOMIA DO RIO DE JANEIRO: UMA HISTRIA DE TRANSFORMAES 111
IV . 1. A evoluo da economia fluminense 112
IV . 2. A trajetria industrial no sculo XX: o Rio de Janeiro perde importncia frente a So Paulo e Minas Gerais. 118
IV . 3. A recuperao econmica 130
IV . 4. Atual perfil demogrfico e econmico do Estado do Rio de Janeiro 133
IV.4.1 Distribuio da populao, por faixas de tamanho e regies 133
IV.4.1.1 A criao de novos municpios 136
IV.4.1.2 Evoluo da Populao residente, por regio geogrfica 145
IV.4.2 Produto Interno Bruto, por faixas de tamanho e regies 148
2
-
V. IMPACTOS NAS FINANAS PBLICAS DOS MUNICPIOS DO RIO DE JANEIRO 160
V . 1. Anlise das Receitas dos municpios fluminenses 171
V.1.1 Panorama geral das receitas no perodo 1996/2004 171
V.1.2 Apresentao do Modelo Analtico utilizado no estudo das Receitas dos Municpios do RJ 177
V.1.2.1 Detalhamento das Categorias de Receita 180
V.1.2.2 Anlise da Receita dos Municpios do Rio de Janeiro - 2004 212
V.1.2.2.1 Da Receita Tributria de 2004 224
V.1.2.2.2 Da Evoluo da Receita Tributria no perodo 1996 a 2004 228
V.1.2.2.3 Da Distribuio do ICMS-RJ em 2004 236
V.1.2.2.4 Da comparao das receitas dos Municpios do RJ de 1996, 2000 e 2004, por categorias 243
V . 2. Despesa dos Municpios do Rio de Janeiro 254
V.2.1 Anlise das Despesas municipais por funo de governo - 2004 254
V.2.2 Evoluo das Despesas Municipais por Funo - 1996/2004 268
V.2.3 Anlise das Despesas municipais por categoria econmica - 2004 272
V.2.4 Evoluo das Despesas Municipais por Categoria econmica - 1996/2004 279
VI. CONCLUSO 281
VII. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 291
VIII. ANEXO 301
VIII . 1. Comentrios sobre a Padronizao das Contas Pblicas no RJ 301
VIII . 2. Comentrios sobre a Classificao das Receitas do petrleo e do gs natural 306
INDICE DE TABELAS
Tabela 1. Brasil - Evoluo da Arrecadao Direta por Esfera de Governo: 1960-2004........... 59
Tabela 2. Brasil - Evoluo da Receita Disponvel por Esfera de Governo: 1960-2004............ 61
Tabela 3. Evoluo comparada de indicadores relacionados ao petrleo 1999/2005.......... 108
3
-
Tabela 4. Produto Interno Bruto (PIB) do Estado e do Municpio do RJ - 1949/2004............. 125
Tabela 5. Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro - 1939/2004 127
Tabela 6. Estimativas do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do RJ, por setor de atividade 1996/2004 ................................................................................................................ 131
Tabela 7. Densidade demogrfica em 2000 Brasil, Regies e Estado do Rio de Janeiro...... 134
Tabela 8. Municpios existentes em 2000, por faixa populacional Brasil, Regies e Estado do Rio de Janeiro.......................................................................................................... 144
Tabela 9. Evoluo da Populao do Estado do RJ, por regio - 1996/2004.......................... 145
Tabela 10. Receitas dos Municpios do RJ, principais grupos - 1996/2000/2004.................... 171
Tabela 11. Composio do ndice de Participao dos Municpios (IPM) para a distribuio da cota-parte do ICMS-RJ - 1996................................................................................. 197
Tabela 12. Distribuio Percentual dos 25% do ICMS-RJ, ndices Por Regio ...................... 199
Tabela 13. Participao das regies do RJ nos ndices da Lei 2.664/96 e peso de cada ndice no total da parcela de 25% do ICMS-RJ ................................................................. 200
Tabela 14. Comparao do ndice de Valor Adicionado por regio Estado do Rio de Janeiro - 1996 e 2004 ............................................................................................................. 201
Tabela 15. Receitas Tributrias, transferncias do ICMS e FPM e Royalties, per capita Municpios do RJ por regies 2004 ...................................................................... 215
Tabela 16. Receitas Tributrias, transferncias do ICMS e FPM e Royalties per capita Municpios do RJ por faixa populacional 2004 ..................................................... 216
Tabela 17. Receitas per capita dos Municpios do RJ, por categoria de receita e componentes e por faixa populacional 2004............................................................................... 219
Tabela 18. Receita Tributria dos Municpios do RJ 2004.................................................... 224
Tabela 19. Receita tributria per capita dos Municpios do RJ, por regio 1996/2000/2004 233
Tabela 20. Receita tributria per capita dos Municpios do RJ, por faixa populacional 1996/2000/2004 ....................................................................................................... 234
Tabela 21. Indicadores do ICMS-RJ distribudo, em percentagem do total e per capita, por regio - 2004............................................................................................................ 236
Tabela 22. Clculo da Disperso na Distribuio do ICMS-RJ per capita, por regio - 2004 239
Tabela 23. Indicadores do ICMS-RJ distribudo, em percentagem do total e per capita, por faixa populacional - 2004......................................................................................... 241
Tabela 24. Receitas per capita dos Municpios do RJ, por categorias e por faixa populacional - 2004 ......................................................................................................................... 246
Tabela 25. Receitas per capita dos Municpios do RJ, por categorias e por faixa populacional 2000 ......................................................................................................................... 246
Tabela 26. Receitas per capita dos Municpios do RJ, por categorias e por faixa populacional 1996 ......................................................................................................................... 246
4
-
Tabela 27. Receitas Municipais e disparidades horizontais, Municpios selecionados, por principais rubricas e categorias de receita 2004 .................................................. 250
Tabela 28. Despesas per capita com as principais funes de governo, Municpios selecionados 2004 ................................................................................................ 251
Tabela 29. Despesa Empenhada por funo de governo Municpios do RJ - 2004 ............... 254
Tabela 30. Despesa empenhada com a Funo Sade, principais subfunes Municpios do RJ - 2004.................................................................................................................. 258
Tabela 31. Despesa empenhada com a Funo Educao, principais subfunes Municpios do RJ - 2004 ............................................................................................................ 261
Tabela 32. Despesa empenhada com a Funo Urbanismo, principais subfunes Municpios do RJ - 2004 ............................................................................................................ 264
Tabela 33. Despesa empenhada com a Funo Assistncia Social, principais subfunes Municpios do RJ - 2004 .......................................................................................... 266
Tabela 34. Despesa empenhada com a Funo Habitao, principais subfunes - Municpios do RJ - 2004 ............................................................................................................ 267
Tabela 35. Comparativo das Despesas por funes selecionadas, Municpios do RJ -1996/2000/2004 (*) .................................................................................................. 268
Tabela 36. Despesa Empenhada por natureza da despesa e por regio - Municpios do RJ - 2004 ......................................................................................................................... 272
Tabela 37. Relao investimentos/royalties, despesas totais e com investimentos, e royalties per capita, por faixa populacional Municpios do RJ - 2004................................. 275
Tabela 38. Relao investimentos/royalties, despesas com investimentos, pessoal e Outras correntes e royalties per capita, por regio - Municpios do RJ - 2004 ................... 276
Tabela 39. Clculo da Disperso na distribuio de royalties per capita e nas principais naturezas de despesa, por regio Municpios do RJ - 2004 ................................ 277
Tabela 40. Despesa por Categoria econmica, por regio - Municpios do RJ - 1996............ 280
Tabela 41. Despesa por Categoria econmica, por regio - Municpios do RJ - 2004............ 280
5
-
Resumo
Este trabalho apresenta um estudo de caso das finanas pblicas dos municpios do
Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de avaliar os impactos do processo de
descentralizao poltica e fiscal que vem ocorrendo no Brasil desde os anos 80,
entendido como um processo de municipalizao, sobre a composio e o perfil atual
das finanas municipais. A hiptese de trabalho que os impactos decorrentes das
alteraes no aparato legal e institucional em que se insere o arranjo federativo
brasileiro foram mais pronunciados no Estado do Rio de Janeiro do que no restante da
federao, em razo da importncia do petrleo e gs natural para a economia e para as
finanas pblicas dos entes federativos fluminenses.
As evidncias reunidas permitem comprovar a ocorrncia de um efetivo processo de
municipalizao no Estado do Rio de Janeiro, com significativas mudanas em termos
de aumento e modificao do perfil das receitas disponveis, crescentemente vinculadas
a finalidades especficas, com o correspondente aumento da responsabilidade municipal
sobre o provimento de bens e servios pblicos. Confirmam-se a ausncia de
mecanismos de cooperao e a ineficcia do sistema de partilha para redistribuir os
recursos horizontalmente e minimizar as desigualdades socioeconmicas que se
observam entre os municpios e as regies fluminenses - problemas comuns a toda a
federao, aqui agravados pela distribuio da cota-parte municipal do ICMS e dos
recursos provenientes do petrleo, que acarretam significativa disparidade entre as
receitas finais disponveis per capita para os governos locais.
6
-
Introduo
Objetivo e justificativa
Este trabalho apresenta um estudo de caso das finanas pblicas dos municpios do
Estado do Rio de Janeiro, cujo objetivo avaliar os impactos do processo de
descentralizao poltica e fiscal que vem ocorrendo no Brasil desde os anos 80 sobre a
composio e o perfil atual das finanas municipais.
Em vista das limitaes encontradas na reviso da literatura sobre o federalismo e a
descentralizao, que permitiram concluir pela inadequao do uso das teorias
hegemnicas da economia do setor pblico, em razo de seu carter normativo e da
ausncia de poder explicativo das experincias concretas do federalismo encontradas no
mundo real, na ausncia de um referencial terico que d conta da especificidade do
arranjo federativo brasileiro, buscou-se trabalhar com categorias analticas que
permitissem conhecer a soluo tcnica adotada no caso especfico e seus elementos
relevantes, e avaliar a sua adequao em face das recentes mudanas ocorridas.
A opo pelo estudo de caso justifica-se pela possibilidade que oferece de estudar o
fenmeno impactos de mudanas legais sobre as relaes intergovernamentais em um
contexto federativo em seu contexto, sob os seus vrios ngulos, aliando pesquisa
histrica e descrio dos fatos utilizao dos dados quantitativos e, na medida do
possvel, qualitativos, para auxiliar o conhecimento e compreenso do fenmeno.
Alguns fatores justificam a escolha do tema. Em primeiro lugar, a constatao da
importncia da produo de anlises da economia fluminense, j que a nossa produo
acadmica tem estado muito mais voltada aos temas de desenvolvimento nacional do
que aos temas do desenvolvimento regional e, principalmente, local, carentes de
maiores estudos. Creio que esta deficincia sentida por todos aqueles que trabalham
direta ou indiretamente com a economia do Estado e seus municpios e que a reflexo
acadmica e a produo de estudos sobre a economia fluminense so de grande valia
para embasar propostas e processos de avaliao das polticas pblicas em curso ou a
adotar, bem como fornecer elementos para o debate em torno do desenvolvimento
econmico local e dos instrumentos que podem ser utilizados para promov-lo.
7
-
Finalmente, mas no menos importante, a escolha se justifica pelo meu interesse pessoal
e profissional, por trabalhar como tcnica de controle externo e pela possibilidade de
aliar a curiosidade de ordem acadmica e o estudo das questes ligadas s finanas
pblicas prtica diria do trabalho que desenvolvo no Tribunal de Contas do Estado
do Rio de Janeiro.
Da importncia e atualidade do tema
O papel que o municpio ocupa na federao brasileira sofreu grandes modificaes no
passado recente. s significativas mudanas polticas que marcaram o fim de mais de
20 anos de ditadura militar, correspondem profundas mudanas na estrutura da
sociedade brasileira, com desdobramentos no sistema econmico e na organizao
federativa do pas.
O processo de redemocratizao provocou mudanas no sistema representativo, com o
aperfeioamento das instituies eleitorais e a ampliao dos direitos civis e polticos,
culminando com a instalao da Assemblia Nacional Constituinte e a promulgao da
Constituio Cidad em 1988.
Embalada pelo clima de euforia que acompanhou o movimento popular pelo retorno das
eleies diretas em todos os nveis de governo (diretas j), restauradas ao longo dos
anos 80, a nova Constituio props resgatar e fortalecer a autonomia municipal,
seriamente ameaada no perodo da ditadura, quando a centralizao do poder nas mos
do governo federal incluiu a extino das eleies locais, com a nomeao dos prefeitos.
Identificando a descentralizao como fundamental para assegurar a democracia e a
participao popular, a Constituio modificou o padro de distribuio de receitas e
competncias no sistema federativo brasileiro, favorecendo principalmente os
municpios.
No apenas ampliou a competncia tributria privativa da esfera municipal, como
tambm complementou a repartio da competncia tributria com o aprofundamento
do sistema de quotas de participao nas receitas estadual e federal, aumentando as
transferncias intergovernamentais de receitas com o objetivo de equalizar os recursos
8
-
disponveis para os municpios, considerados fundamentais para que pudessem
desempenhar o novo papel que lhes foi reservado na federao.
PRADO (2001) chama a ateno para a peculiar forma de montagem e desenvolvimento
do atual arranjo federativo brasileiro, desde os anos oitenta, que resultou, nas palavras
do autor, de uma inverso da relao de determinao do financiamento dos gastos
normalmente observada em federaes. No Brasil, no a estrutura de
responsabilidades atribudas aos governos locais que define as necessidades de
financiamento e a forma de viabiliz-los, mas a descentralizao financeiro-
oramentria que conduz, em boa medida, descentralizao dos encargos, sem
qualquer orientao para o necessrio processo de adequao dos mecanismos de
financiamento federativo1.
Com efeito, como apontado pelo autor, ao contrrio do que ocorreu em outros pases
que tambm experimentaram processos de descentralizao no passado recente, a
Constituio Cidad assegurou aos governos subnacionais brasileiros, em primeiro
lugar, a redistribuio dos recursos ento existentes e competncias tributrias
privativas, enquanto definiu apenas precariamente a descentralizao de encargos, o que
foi ocorrendo de forma desordenada desde ento.
Por tudo isso, o processo brasileiro de descentralizao, que se originou dos conflitos
com a Unio em funo da centralizao do perodo anterior, assume, em grande
medida, o carter de um movimento de ampliao e autonomizao dos oramentos dos
GSN [governos subnacionais], acompanhado de algumas definies parciais de
descentralizao de encargos e de um movimento difuso e pouco organizado de
ampliao dos gastos dos governos subnacionais2.
Ao longo dos anos 90, a economia brasileira sofreu importantes modificaes em sua
estrutura, destacando-se a abertura comercial, o fim de monoplios e a privatizao de
empresas estatais, as reformas administrativa e previdenciria, o controle da inflao e a
estabilidade monetria.
Nesse contexto de mudanas das regras do jogo, em uma conjuntura domstica de
instabilidade poltica, agravada pelos problemas da inflao crnica e do endividamento
1 PRADO (2001:2, grifos originais do autor) 2 Idem. Este aspecto ser retomado no captulo V, na anlise das finanas dos municpios fluminenses, onde se identificam alguns dos traos caractersticos desse movimento.
9
-
externo, consolidou-se a tendncia de aprofundamento da descentralizao poltica e
fiscal - que avanou sem retrocessos apesar de sucessivas crises econmicas e polticas
que abalaram o pas, e talvez mesmo por isso - na direo de conferir maior autonomia
financeira aos governos locais para atender s demandas crescentes de suas sociedades.
Passados 10 anos, j se contavam 20 emendas Constituio. 19 anos depois, 53
emendas constitucionais modificaram o arranjo federativo pactuado em 1988, e
terminam por colocar em risco a sua unidade e coerncia. Ainda assim, apesar das
inmeras mudanas constitucionais com reflexos sobre a organizao federativa e o
papel dos governos locais, os municpios lograram manter a autonomia poltica e para
tributar consagrada em 1988, fortalecendo-se enquanto entes federativos autnomos em
igualdade de status com os estados inclusive quanto s competncias impositivas.3
O agravamento da crise fiscal e dificuldades crescentes de financiamento do setor
pblico conduziram aprovao da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000, que
instituiu novas regras e promoveu importantes alteraes na gesto dos recursos
pblicos no Brasil4.
Como desdobramento das alteraes institucionais promovidas pela Constituio e pelas
reformas constitucionais que se seguiram e, posteriormente, pela LRF, nova legislao
infraconstitucional modificou a estrutura, as formas de gesto e o funcionamento de
diversos setores e atividades, com implicaes sobre a organizao poltica e as
atribuies municipais, e reflexos nas finanas dos municpios, enquanto aumentou a
responsabilidade dessa esfera no gasto pblico principalmente nas reas sociais.
Se por um lado, como se analisar ao longo deste trabalho e em especial no captulo V,
os recursos postos disposio dos municpios aumentaram consideravelmente nos
ltimos anos, por outro lado foram sendo crescentemente vinculados a finalidades
3 SANTOS e MATTOS (2006) argumentam que, apesar da autonomia municipal, predomina o centralismo da Unio nas tomadas de decises que afetam todos os entes: Diante de tudo isso, parece correto dizer que o Municpio brasileiro, com a Constituio de 1988, adquiriu teoricamente o direito de exercer a condio de ente federado. Na prtica, contudo, o exerccio pleno desse direito no lhe foi garantido. O constituinte de 1988 parece ter imaginado que haveria uma adeso automtica dos governantes aos seus propsitos descentralizadores, que, entretanto no ocorreu. SANTOS e MATTOS (2006: 734;735). 4 Privilegiando o equilbrio entre receitas e despesas e a gerao de resultados primrios positivos, com inspirao em leis similares em vigor em outros pases e contando com o apoio de organismos multilaterais, a LRF estabeleceu limites para os gastos com pessoal e para o endividamento de todos os entes da federao e dos trs Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio e criou restries criao de despesas continuadas, alm de enfatizar a importncia do controle de gastos e a transparncia na gesto, por meio da divulgao peridica obrigatria dos resultados fiscais e da execuo oramentria.
10
-
especficas, introduzindo limitaes gesto e autonomia dos governos locais,
ampliando os focos de tenses no equilbrio federativo alcanado em 88.
Na grande maioria dos estados, tal processo tem lugar em um contexto de severas
restries financeiras e de acesso ao crdito por parte das administraes municipais,
que resulta em insuficiente capacidade de gasto para as despesas previstas. Estas, por
outro lado, aumentam com o crescimento demogrfico, a urbanizao desordenada e os
problemas associados ao desenvolvimento desigual das diversas regies do pas, que
resultam em migrao de pessoas de outros estados, em busca de oportunidades de
trabalho.
A expressiva concentrao populacional no Estado do Rio de Janeiro, principalmente na
capital e na regio metropolitana, decorrente da histrica polarizao espacial das
atividades econmicas, a tendncia de metropolizao da pobreza e a marcada
desigualdade na distribuio de renda entre as regies so componentes essenciais a
pressionar a demanda pelo atendimento de necessidades ligadas urbanizao5.
Apesar de crescentes nos ltimos anos, existe uma percepo generalizada de que os
recursos transferidos aos municpios pelas demais esferas tm sido, de maneira geral,
insuficientes em face das demandas tambm crescentes - da populao, realidade que,
conjugada com a falta de mecanismos institucionais de cooperao e coordenao dos
esforos municipais, vem redundando em deteriorao das condies de vida em muitos
municpios, principalmente na regio metropolitana e na regio noroeste do Estado. O
resultado desse quadro tem sido, no Estado do Rio assim como no restante do pas, o
agravamento das tenses federativas, com o acirramento das disputas por mais recursos
e por redefinio de responsabilidades na federao.
O propsito deste trabalho avaliar os impactos do processo de descentralizao sobre a
composio e o perfil das finanas dos municpios do Rio de Janeiro. Para tanto, sero
analisadas as recentes modificaes institucionais e legais relativas ao processo de
municipalizao descrito e seus impactos sobre as finanas locais, com base na
evoluo recente dos padres de financiamento e da composio dos gastos dos
municpios fluminenses que se desenvolve no ltimo captulo.
5 Especialmente nas reas da sade, educao, assistncia social e saneamento bsico.
11
-
A anlise est concentrada em trs momentos distintos, os anos de 1996, 2000 e 2004.
Em 1996, as mudanas mais relevantes para os fins desta anlise, aquelas que
procuraram operacionalizar e aprofundar o processo de descentralizao foram
aprovadas: a Emenda Constitucional n 14/96 (da educao e criao do FUNDEF), a
aprovao da NOB-SUS 1/96 (Norma Operacional Bsica da Sade); a nova legislao
do ICMS, tanto federal (Lei Kandir) como estadual (a lei 2.664/96, que regula a
distribuio da cota-parte do imposto para os municpios); a emenda constitucional
n15/96, que limitou a criao dos novos municpios; a lei do petrleo. Esse seria um
marco zero, um ponto prvio no tempo, quando, sendo aprovadas, essas mudanas
ainda no haviam produzido qualquer efeito.
No ano de 2000, j em um novo contexto macroeconmico marcado pelo ajuste fiscal
em todos os nveis de governo, com renegociao das dvidas estaduais e progressiva
recentralizao de recursos na Unio, como se discutir no captulo II, foi aprovada a
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com importantes implicaes para as finanas
pblicas das trs esferas, a partir de ento. Tambm foi aprovada a Emenda
Constitucional n 29/00, que fixou limites mnimos para aplicao de recursos pblicos
pelos trs nveis de governo, na sade.
Naquele momento, j se faziam sentir alguns impactos das novas regras institudas em
1996, tendo em vista que o FUNDEF comeou efetivamente a operar em 1998, mesmo
ano em que se iniciaram os expressivos pagamentos de royalties do petrleo e que
entraram em efetivo funcionamento as regras da NOB01/96, que alteraram
expressivamente a gesto do SUS, com profundos reflexos nas contas municipais. Esse
seria um ponto intermedirio no tempo, onde j se faziam sentir alguns impactos das
mudanas mencionadas.
O ano de 2004 seria representativo da situao atual, em que as mudanas na sade, na
educao, no petrleo e nas regras da gesto fiscal encontram-se consolidadas, e em que
muito expressiva a participao dos recursos dos royalties nas finanas locais.
Um desdobramento da anlise testar a validade, para os municpios do Rio de Janeiro,
de algumas das teses mais frequentemente encontradas sobre o federalismo fiscal no
Brasil, procurando estabelecer semelhanas e diferenas entre os padres de
desenvolvimento das finanas locais brasileiras e fluminenses.
12
-
Uma importante distino observada no Estado do Rio de Janeiro que, alm dos
avanos institucionais mencionados que modificaram significativamente as receitas e as
despesas de seus municpios - assim como ocorreu em todos os demais municpios
brasileiros em virtude da simetria das regras constitucionais -, as fazendas estadual e dos
municpios registram adicionalmente ingresso expressivo e crescente de recursos de
royalties e participaes especiais relacionadas s atividades de produo e explorao
de petrleo e gs natural, em especial nos Municpios que integram a Zona Principal de
Produo de Petrleo da Bacia de Campos.
O crescimento do volume de pagamentos, com forte impacto sobre a estrutura da receita
como se ver, tambm coincide com as reformas constitucionais e modificaes legais
ocorridas a partir de 1997. Com a flexibilizao do monoplio de explorao pela
Petrobras e a mudana nas alquotas e formas de clculo das compensaes financeiras,
o aumento do volume de produo e de preos do petrleo que se seguiram,
repercutiram na elevao dos pagamentos de royalties, j que o Estado responsvel
por mais de 80% da produo nacional e 80% das reservas totais de petrleo do pas.
A ocorrncia de mudanas estruturais de tal magnitude em um contexto federativo
certamente introduz complexidade adicional ao sistema fiscal e poltico, tendo em vista
a complexidade da rede de relaes intergovernamentais estabelecidas entre os
diferentes nveis de governo, envolvendo inmeros e variados aspectos, e que, em razo
de sua natureza, podem obedecer a lgica especfica, que deve ser buscada.
O movimento de descentralizao que se analisar neste trabalho no um fenmeno
isolado, que acontece apenas no Brasil. Com efeito, registra-se, desde o incio dos anos
80, tendncia crescente no sentido da descentralizao, com a distribuio vertical de
recursos e poder poltico do centro para as unidades locais (governos subnacionais), que
acompanha e muitas vezes se confunde com o movimento de redemocratizao. Por
isso, ocorreu nos pases da Amrica Latina em paralelo ao fim das ditaduras militares e
nos pases do Leste Europeu em transio para a economia de mercado, e coincide com
o enfraquecimento do poder regulatrio dos Estados nacionais, que acompanha a
globalizao.
A reviso da literatura revela que, nas ltimas dcadas, a descentralizao de
competncias e responsabilidades nos pases da Amrica Latina resultou tanto da
presso dos governos subnacionais por maior autonomia, quanto, em muitos casos, da
13
-
incapacidade dos governos centrais de articular e implementar polticas pblicas,
especialmente nas chamadas reas sociais6.
A importncia do estudo, por outro lado, justificada pelo revigoramento do
federalismo em paralelo ao avano da descentralizao, constatado na afirmativa de
Affonso (2003) de que, hoje, aproximadamente 25 naes reivindicam o adjetivo
federal para seus Estados ou ostentam caractersticas tpicas de federaes,
respondendo por algo em torno de 40% da populao mundial7.
A atualidade do tema e a quantidade de estudos e pesquisas que vm sendo produzidos
nos ltimos anos, no entanto, contrastam com a ausncia de abordagens tericas que
dem conta das especificidades dos arranjos federativos e da complexidade das relaes
que se estabelecem entre o Estado, o mercado e as sociedades dos pases que adotam
esta forma de governo, por outro lado.
Da estrutura do trabalho
Com o objetivo de avaliar em que medida o estudo das modificaes dos mecanismos
de financiamento das aes governamentais, em contextos federativos, exige uma
abordagem terica especfica do federalismo fiscal, o primeiro captulo apresenta uma
reviso da literatura relativa s teorias do federalismo e procura avanar na discusso
das questes ligadas descentralizao, como forma de execuo e suprimento dos
servios pblicos, com intuito de identificar, nesse universo, modelos de relaes
federativas e de distribuio de poderes e competncias em federaes que possam
subsidiar a anlise do caso brasileiro e, em particular, do caso fluminense.
A anlise que ser desenvolvida permite confirmar que cada federao real adota uma
soluo prpria, nica, um arranjo institucional que foi tornado possvel pelas
circunstncias histricas, resultante da inter-relao das foras polticas e da evoluo
das relaes e preferncias sociais quanto ao papel do Estado e , dessa forma,
6 AFFONSO (2001); CARRERA (2006); SANTOS (2003). 7 AFFONSO, R. (2003: 3)
14
-
compatvel com suas especificidades. Mais ainda, por essas razes, existe em
permanente processo de evoluo e reforma8.
Em face da ausncia de um instrumental terico adequado, tendo em vista a
impossibilidade de reproduzir em pases regimes fiscal-federativos de outros, por serem
nicos e compatveis com condies sociais, histricas e polticas determinadas,
buscou-se trabalhar com categorias analticas que permitissem conhecer a
especificidade da soluo tcnica adotada no caso especfico e seus elementos
relevantes, e avaliar a sua adequao em face das mudanas ocorridas nas condies em
que opera, j resumidas, que modificaram tanto o contexto scio-poltico como a
estrutura econmica.
Assim, o captulo II revisa, com base nos estudos sobre o tema, a montagem do arranjo
federativo brasileiro e o recente processo de descentralizao com nfase no papel do
municpio e descreve, em linhas gerais, o estgio atual e as principais caractersticas e
limitaes - do sistema fiscal federativo em vigor.
O terceiro captulo resume as mudanas legais, institucionais e polticas promovidas
desde a dcada de 90 que mais impactos produziram sobre a autonomia e as finanas
dos municpios fluminenses, com destaque para o processo de municipalizao das
polticas sociais, mais especificamente nas reas da sade e educao, e as mudanas no
aparato legal e institucional que regula as atividades ligadas extrao e explorao do
petrleo e gs natural, em vista da abundncia das reservas desses recursos no territrio
estadual e na Plataforma Continental.
O quarto captulo revisita, em linhas gerais, as transformaes da economia do Estado
do Rio de Janeiro, de modo a fornecer subsdios para a anlise dos municpios. O
captulo inicia com um breve retrospecto dos principais fatos da histria e da economia
do Estado, com o intuito de contextualizar a anlise que se segue, abordando com mais
detalhe, por sua importncia para os fins deste trabalho, a trajetria de crise vivenciada
pela economia fluminense em boa parte do sculo XX e a inflexo dessa trajetria desde
a dcada de 90, viabilizada pelas mudanas no setor do petrleo e gs natural e ancorada
fortemente nas atividades dessa cadeia produtiva desde ento.
8 PRADO (2006:16)
15
-
Nas sees seguintes, so apresentados, em seus traos distintivos, os atuais perfis
demogrfico e econmico fluminenses, a partir da distribuio da populao residente e
das atividades econmicas, medidas pelo Produto Interno Bruto, por regio do Estado e
por faixas populacionais, segregando os municpios fluminenses por seu tamanho, com
uma descrio das mudanas ocorridas no perodo em que se desenvolve a anlise. Em
particular, so comentados o processo de criao de novos municpios no pas, que
resultou na instalao de 11 novos municpios fluminenses entre 1996 e 2004, e a
tendncia de desconcentrao espacial das atividades em curso, com breve descrio do
panorama atual.
O quinto captulo busca avaliar os impactos e desdobramentos do processo de
descentralizao poltica e fiscal, analisado nos captulos anteriores, sobre o perfil das
finanas pblicas dos municpios do Estado do Rio de Janeiro, analisando-se impactos
sobre os montantes, a composio e os padres de financiamento dos gastos pblicos
fluminenses com base nos dados relativos aos anos de 1996, 2000 e 2004.
Os dados de receitas e despesas dos municpios fluminenses utilizados foram coletados
em duas fontes primrias: o Tribunal de Contas do Estado do RJ (no SIGFIS, Sistema
Integrado de Gesto Fiscal, para os dados mais recentes, e nos processos de prestaes
de contas de administrao financeira dos municpios, para 1996) e a Secretaria do
Tesouro Nacional, do Ministrio da Fazenda9.
As receitas e despesas dos municpios, objetos do trabalho, so abordadas em sees
prprias. A primeira descreve o modelo analtico adotado, desenvolvido por Srgio
Prado (2001, 2003), que trabalha com categorias de apropriao da receita para anlise
do sistema de competncias tributrias e transferncias fiscais em federaes, que define
a capacidade de gasto efetiva de cada ente. Com base nesse modelo, conceituam-se as
categorias de receita utilizadas e seus respectivos componentes.
De posse desse instrumental, so avaliados o perfil e a composio atual das receitas
dos municpios do Rio de Janeiro, com base nos dados de 2004, e comparada a evoluo
9 Relatrios do FINBRA. Alm dessas, foram utilizadas informaes das seguintes fontes: IBGE e IPEADATA (populao e PIB); Fundao CIDE do Rio de Janeiro, da ANP e do SIAFEM RJ (royalties), STN e da AFE/BNDES (transferncias de recursos federais); Secretaria de Estado da Fazenda (ou Receita) e do TCU (para clculo da distribuio do ICMS); Fundao Getlio Vargas (PIB do Estado do RJ e IGP-DI para atualizao dos valores); Ministrio da Sade (SIOPS e DATASUS) para dados da sade e Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD, para o IDH-M). Agradeo a Marcos Ferreira da Silva, do TCE-RJ, que me ajudou na difcil empreitada de construir e compatibilizar a base de dados, ao longo de meses, a partir da qual desenvolvi a anlise apresentada no captulo 5. (http://marcosfs2006.googlepages.com)
16
-
das receitas entre 1996 e 2004, agregadas e por habitante, por regio do Estado ou
tamanho dos municpios.
Procurou-se confrontar, na seo seguinte, a distribuio das prioridades de gastos das
administraes municipais em 1996, 2000 e 2004, refletidas na classificao das
despesas por funo de governo, e por categoria econmica, tambm por regio do
Estado, detalhando-se para esse ltimo ano, de acordo com a relevncia no total de
gastos, os dados referentes s chamadas reas sociais, que refletem o perfil atual das
despesas e o avano do processo de municipalizao descrito nos captulos anteriores.
Por fim, so resumidas as principais concluses alcanadas no trabalho, que permitiro
comprovar a ocorrncia de um efetivo processo de municipalizao no Estado do Rio de
Janeiro, com significativas mudanas em termos de aumento de recursos e
responsabilidades sobre o provimento de bens e servios pblicos, ao mesmo tempo em
que se confirmar, tambm para os municpios fluminenses, a adequao e a validade de
muitas das teses encontradas na literatura sobre o federalismo fiscal brasileiro.
17
-
I. Anlise terica da descentralizao e federalismo fiscal
A questo terica central que se coloca para fins deste trabalho se a anlise das
mudanas constitucionais, legais e institucionais que afetaram a autonomia dos
municpios fluminenses e brasileiros de modo geral - no perodo recente, que
caracterizam o processo de descentralizao fiscal e poltica, pelo fato de ter ocorrido
em um Estado federal, em um contexto legal, poltico, institucional e jurdico prprio,
pressupe a delimitao de um marco terico especfico.
Identificou-se a necessidade de conhecer e entender o que diferencia o federalismo
como processo poltico distinto e a federao como forma de organizao do Estado
nacional e avaliar em que medida o processo de descentralizao assume contornos
prprios e especficos nessas circunstncias.
A questo relevante seria identificar, na reviso da literatura, modelos de relaes
federativas e de distribuio de poderes e competncias dentro de federaes, entre as
diferentes unidades que as compem, bem como da forma de organizao do Estado
federal e avaliar em que medida a federao brasileira e o Estado do Rio de Janeiro em
especfico se enquadram nesses modelos.
Adicionalmente, buscava-se identificar as implicaes e desdobramentos esperados de
mudanas institucionais e legais da magnitude das que foram empreendidas no Brasil
sobre as relaes intergovernamentais, em um contexto federativo, que sejam
especficas dessa forma de organizao do Estado - que permite preservar a unidade
com diversidade - e que pudessem orientar e subsidiar a construo de uma agenda de
pesquisa futura.
Foram esses objetivos que nortearam a busca do mapeamento do atual estado das
artes da teoria, em busca de instrumentos tericos para a anlise do federalismo
brasileiro e do caso fluminense. Como resultado, constatou-se a ausncia de abordagens
tericas que dem conta das especificidades dos arranjos federativos e por
conseqncia, do brasileiro - e da complexidade das relaes que se estabelecem entre o
Estado, o mercado e as sociedades dos pases com organizao federal de governo.
Observou-se, em primeiro lugar, grande dificuldade na precisa delimitao dos
conceitos de descentralizao e federalismo, dificuldade que vem sendo apontada em
18
-
diversos estudos10. De fato, estabelecer as diferenas entre descentralizao e
federalismo com base na literatura no tarefa simples. Estes conceitos esto
estreitamente relacionados entre si e com o movimento de democratizao - tendncia
de transferncia de poderes dos governos centrais para locais.
AFFONSO (2003) chama a ateno para o fato de que a confuso entre os conceitos na
literatura (teoria dominante) reduz o federalismo a seu aspecto fiscal, desconsiderando
as demais dimenses - social, poltica e histrica: para a welfare economics e, em
particular, para o federalismo fiscal, o federalismo entendido como
descentralizao11
Na teoria econmica tradicional, o federalismo entendido como descentralizao,
com enfoque estritamente econmico (fiscal). A estrutura federativa, em seus aspectos
sociais, jurdicos e polticos, considerada dado exgeno do qual se parte12.
Nesse sentido, s interessa economia na medida em que afeta a capacidade de que a
proviso de bens e servios localmente corresponda s preferncias locais, enquanto que
do ponto de vista da cincia poltica, importaria a anlise da diviso e utilizao do
poder.
OATES (1990) v o federalismo fiscal como um spectrum de situaes de maior ou
menor centralizao (ou descentralizao), como um continuum centralizao-
descentralizao, contexto em que desaparece a especificidade do estado federal13. A
descentralizao para OATES consiste na autntica deteno de poder decisrio por
unidades descentralizadas, por contraste com a desconcentrao, conceito que se
confunde com a delegao do controle administrativo para nveis inferiores da
hierarquia administrativa14.
As relaes fiscais intergovernamentais e os arranjos institucionais que regulam as
relaes entre os diferentes nveis de governo, em um estado federal com elevado nvel
10 AFFONSO (2003), ABRUCIO, (2004), ALMEIDA (1995) 11 AFFONSO (2003:24) 12 Para AFFONSO (2003), embora as definies dessa exogeneidade que utilizam no sejam exatamente iguais, MUSGRAVE e MUSGRAVE (1980) e OATES (1990) compartilham o mesmo ponto de vista terico com relao ao federalismo e s estruturas federativas (AFFONSO, 2003: 23). 13 Um exemplo dessa viso pode ser encontrado em WHEARE (1963), para quem o federalismo um mtodo da diviso de poderes para que em determinada esfera os governos geral e regional sejam cada qual coordenados e independentes. 14 AFFONSO (2003)
19
-
de descentralizao, como o caso do Brasil, so fundamentais para garantir que sejam
atingidos os objetivos e funes do governo, com vistas ao desenvolvimento do pas.
O estudo das relaes fiscais intergovernamentais envolve diferentes aspectos, que vo
desde a distribuio das responsabilidades sobre gastos e das competncias tributrias,
os tipos e naturezas distintas das transferncias intergovernamentais e seus impactos,
questes ligadas administrao tributria, ao oramento e gesto financeira em estados
federais (com mltiplas esferas de governo) e o controle do endividamento dos
governos subnacionais. A prxima seo apresenta uma reviso da literatura.
20
-
I . 1. Reviso da Literatura
Procurou-se, a princpio, analisar as principais abordagens tericas ou linhas de
pesquisa na rea do federalismo fiscal, com o intuito de reunir instrumentos suficientes
para proceder anlise do federalismo brasileiro e, mais especificamente, do caso
fluminense.
Uma reviso ainda superficial da literatura, entretanto, permitiu inferir as dificuldades
que seriam enfrentadas na busca de uma abordagem adequada para embasar o estudo
das finanas de governos locais.
Diversos autores dedicados ao estudo do tema15 observaram, na maior parte dos
trabalhos dedicados ao federalismo, a ausncia de um instrumental terico que auxilie o
entendimento das questes que esto subjacentes ao conflito de interesses presente no
modelo federativo brasileiro16.
Constataram, ainda, a opo pelo recurso a teorias centradas nos problemas de
otimizao, seguindo a orientao neoclssica, ou que permanecem fiis aos preceitos
da teoria tradicional de finanas pblicas e que, por isso, pouco avanam na discusso
das questes federativas e das relaes do Estado com as respectivas sociedades17.
Para AGUIRRE e MORAES (1997), o problema bsico da teoria do federalismo fiscal
a descentralizao. O conceito de descentralizao, no entanto, abrange diversas
dimenses poltica, administrativa, fiscal, econmica.
No sentido amplo do termo, a descentralizao pode ser entendida como a transferncia
de poderes, autoridade e responsabilidades pelas funes pblicas, do governo central
para os governos subnacionais, organizaes governamentais subordinadas ou
independentes ou, ainda, para o setor privado. A descentralizao fiscal cuida dos graus
de autonomia fiscal e responsabilidade sobre gastos pblicos concedidos aos governos
subnacionais18.
15 AFONSO e LOBO (1996), AGUIRRE e MORAES (1997) e AFFONSO (2003) 16 A principal concluso que se extrair dessa anlise que a discusso do conflito federativo brasileiro encontra-se desprovida de embasamento terico adaptado sua especificidade (AGUIRRE E MORAES,1997:122) 17 AGUIRRE e MORAES (1997:122) 18 A descentralizao fiscal no se limita a pases organizados formalmente como federaes, mas pode ser observada tambm em pases com sistemas polticos unitrios que possuem, em alguns casos, estruturas fiscais at mais descentralizadas do que os demais (AFONSO E LOBO, 1996).
21
-
Estabelecer as diferenas entre a descentralizao (e a desconcentrao, conceito ainda
mais restrito) e o federalismo, com base na literatura, no uma tarefa simples. Embora
no tenham o mesmo significado, os conceitos esto estreitamente relacionados entre si
e com o movimento de democratizao, tendo em vista a tendncia crescente de
transferncia de poderes dos governos centrais para os governos locais.
Um exemplo de interpretao do conceito, que ilustra a confuso em seu emprego, pode
ser encontrada na pgina oficial do Ministrio do Planejamento na internet, na
explicao dos critrios de classificao das contas pblicas, adotados a partir de
200019:
A descentralizao, alm de ser um princpio que preside a boa prtica
administrativa, assume maior importncia, ainda, quando se fala em cobrana de
resultados, que deve ocorrer, preferencialmente, no nvel onde a ao est sendo
realizada, prxima do cidado, que seu destinatrio final. Cabe sempre lembrar que
as pessoas moram nos municpios e que mesmo dentro de uma instituio as
intermediaes distantes do setor responsvel pela execuo da ao so causadoras
de ineficincia.
A tradio administrativa brasileira sempre foi de atribuies difusas de
responsabilidades, o que torna praticamente impossvel uma cobrana de resultados.
Assim, o que se est propondo que o administrador assuma, de uma forma
personalizada, a responsabilidade pelo desenvolvimento de um programa e
consequentemente, pela soluo ou encaminhamento de um problema. (grifo meu)
AFFONSO (2003) aponta a grande confuso existente entre estes conceitos na
literatura, que acabaram por reduzir o federalismo, na teoria econmica dominante,
quase que exclusivamente a seu aspecto fiscal, desconsiderando as demais dimenses -
social, poltica e histrica - que lhe so inerentes.
Com efeito, a noo bsica do federalismo, envolvendo a combinao, em um nico
sistema poltico, de regras compartilhadas para fins especficos, por um lado, e de
unidades que o constituem, mas que so autnomas, por outro lado, sem que seja
constitucionalmente definida qualquer relao de subordinao de um dos nveis de
governo aos demais, tem sido aplicada a inmeros pases no perodo mais recente.
19http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/sistema_orcamentario/classificaoes_orcamentarias.htm
22
-
A descentralizao surgiria como forma de estruturao e organizao do Estado, pelos
impactos que promove nas relaes entre os governos e a sociedade, que veio a ser
recentemente adotada no s no Brasil, mas na maioria dos pases a partir da crise do
capitalismo mundial dos anos 70. A descentralizao como fenmeno e forma de
organizao, envolve a discusso de inmeros aspectos relacionados tais como a
autonomia local, formas de democracia participativa, racionalizao da proviso de
servios, maior liberdade e responsabilidade dos gestores pblicos, desigualdades
regionais, entre outros20.
AFFONSO (2003:4) resume as razes histricas para o fenmeno:
Como determinantes gerais do espraiamento dos movimentos de descentralizao e
federalizao, podemos citar: o desmoronamento do chamado socialismo real, a
desestruturao do nacional-desenvolvimentismo nos pases do terceiro mundo e a
crise do Welfare State nos pases desenvolvidos. Tambm como fator de difuso da
descentralizao e da federalizao, devemos considerar, ainda, a emergncia do
fenmeno da globalizao ou da mundializao do capital e o enfraquecimento
simultneo do poder regulatrio dos Estados nacionais; a emergncia dos region states
espaos econmicos que se conectam com a economia internacionalizada, acima
do controle do Estado-nao; e a ascenso do iderio neoliberal com a subseqente
reduo do papel do Estado na economia.
Uma interpretao para a manuteno da tendncia no perodo recente, na mesma linha
do ltimo dos determinantes apontados por AFFONSO, acima transcritos, proposta
por SCHMITTER (1999) quando observa que, interessados em promover a
consolidao das neo-democracias no mundo atual, atores externos tm procurado
forar esses pases a adotarem, seno o federalismo, pelo menos alguma forma de
descentralizao ou desconcentrao da autoridade pblica, como se estes fossem
requisitos universalmente desejveis a todos.
Os advogados e defensores da descentralizao, segundo o autor apoiados em suas
propostas pelas instituies internacionais como o Banco Mundial e o FMI,
recomendam a concesso de maior autoridade e autonomia poltica para as unidades
locais como soluo para todos os problemas.
20 ABRUCIO (2004).
23
-
Para SCHMITTER, no entanto, eles esto mais preocupados em garantir liberdade para
investimentos e lucros do que com a liberdade dos cidados para participar
politicamente e poder responsabilizar seus governantes. Prometem (implicitamente)
recompensar os pases que assim fizerem e asseguram-lhes (explicitamente) que dessa
forma garantiro a equidade, o crescimento econmico, a transparncia, a
responsabilizao e a probidade21, enquanto apenas raramente alertam para o fato de
que esses resultados podero demorar a chegar ou ainda para a possibilidade de que, no
curto e no mdio prazo, os resultados sejam opostos aos pretendidos22.
Embora os estudiosos do federalismo concordem que o federalismo bom,
especialmente para a democracia, so incapazes de chegar a um consenso quanto sua
definio. Com base nessa constatao, o autor preocupa-se em apresentar a sua prpria
definio do que um estado federal, como sendo aquele cujas subunidades polticas
definidas territorialmente apresentam as seguintes caractersticas:
existncia e autonomia decisria garantidas constitucionalmente; participao nas decises tomadas pelo governo central formalmente
estabelecida, em geral como elementos constituintes representados em alguma
assemblia ou corpo legislativo em um sistema bicameral;
reas de ao poltica (competncias) estabelecidas e protegidas por estatuto e no possam ser alteradas sem o seu consentimento voluntrio; e, finalmente,
diviso ou expulso do arranjo federativo no pode ser efetivada unilateralmente.
Para ele, como se v, um estado federal muito mais que uma unidade poltica que
descentralizada em sua estrutura territorial ou desconcentrada na sua administrao, mas
cujas unidades subordinadas podem ser ignoradas, combinadas ou eliminadas de acordo
com a convenincia das autoridades centrais.
As unidades subnacionais que integram um estado federal, em sua definio, possuem
status jurdico diferenciado e poder e legitimidade para exercer coero em seus 21 SCHMITTER (1999) cita os relatrios Decentralization, Briefing Notes do Banco Mundial (que considera a Bblia dos que advogam estas medidas) e Decentralized Governance Programme das Naes Unidas. 22 A saber, aumento da corrupo, clientelismo, intolerncia, violao de direitos humanos, irresponsabilidade fiscal e enfraquecimento da capacidade poltica do poder central para lidar com questes da estabilizao, segurana e ajuste macroeconmico, apenas para citar os mais importantes (SCHMITTER, 1999).
24
-
prprios domnios, no que se diferenciam da multiplicidade de unidades privadas ou
semi-pblicas da sociedade civil que tambm podem, eventualmente, desempenhar
importantes tarefas pblicas nas democracias modernas.
A maior parte dos trabalhos tericos sobre sistemas polticos com mltiplas esferas de
governo seguia, at recentemente, a tradio das abordagens normativas da teoria da
escolha pblica e do bem-estar social (welfare economics) na linha da teoria
neoclssica.
A partir do reconhecimento, por parte dos prprios representantes do pensamento
econmico dominante (mainstream), das limitaes dessas teorias para lidar com o
federalismo e do fraco ou quase inexistente poder explicativo do funcionamento dos
arranjos federativos, o desenvolvimento terico evoluiu no sentido de incorporar
anlise as instituies e a poltica - como se estas constitussem dimenses
separadas da realidade que os tericos se propem a explicar.
Estariam desta forma caminhando em direo ao que acreditam ser uma abordagem
com enfoque positivo, que estaria situada na interseo entre a economia e a cincia
poltica, com maior poder explicativo por ser baseada na observao do efetivo
funcionamento dos sistemas federativos de governo e nas diferentes formas que
assumem ao redor do mundo23.
A anlise que segue pretende resumir brevemente as principais contribuies tericas na
rea do federalismo fiscal e permite concluir que as novas teorias tambm no
conseguem avanar em direo a um maior poder explicativo e no do conta das
especificidades dos arranjos federativos reais.
Partindo da teoria tradicional das finanas pblicas neoclssica, a teoria do federalismo
fiscal ou do bem estar social procura definir a estrutura fiscal ideal como sendo aquela
que melhor atende ao critrio da eficincia econmica no que diz respeito ao
desempenho das funes do governo - alocativa, distributiva e estabilizadora.
Os principais trabalhos no mbito dessa teoria procuram avanar na definio de
critrios para a distribuio ideal, ou mais eficiente, das competncias (tributrias) e
encargos (responsabilidades) entre os diferentes nveis de governo, que permita atender
aos trs objetivos fiscais - melhor alocao de recursos, distribuio de renda mais justa
23 RODDEN (2005)
25
-
e estabilizao da economia - estabelecendo as vantagens e desvantagens da oferta de
bens pblicos das formas centralizada e descentralizada.
De acordo com AGUIRRE e MORAES (1997), os argumentos favorveis
descentralizao referem-se, em geral, funo fiscal bsica de alocao de recursos e
gastos e derivam, em ltima anlise, da identificao da existncia de diferenas entre
as preferncias (dos cidados-consumidores) e os nveis de renda dos indivduos em
cada localidade e, portanto, da maior possibilidade de adequao da oferta
descentralizada de bens e servios pblicos s necessidades de cada comunidade.
Haveria ainda, entre outras vantagens dessa forma de gesto apontadas na literatura,
maior incentivo participao poltica dos indivduos nas decises coletivas, e por
conseqncia, o fortalecimento da democracia.
Para as funes distributiva e estabilizadora, ao contrrio, os argumentos tradicionais
trabalhariam mais em favor da centralizao na rbita federal, considerando a existncia
de economias de escala e de preferncias e nveis de demanda - uniformemente
distribudos por todo o territrio, embora se possam tambm identificar argumentos em
favor da descentralizao para essas funes.
Independentemente do argumento invocado em favor da descentralizao critrio da
eficincia econmica ou de maior participao poltica os resultados esperados, nos
termos da teoria tradicional, so de que os servios prestados atendero melhor as
demandas especficas daquela comunidade, haver maior responsabilizao dos
servidores pblicos em relao qualidade dos servios prestados e a populao local
estar mais disposta a pagar pelos servios, j que suas preferncias foram atendidas.
Como se observa, a teoria tradicional do federalismo fiscal baseia-se nos pressupostos
da teoria tradicional das finanas pblicas, cuja lgica o ponto de vista da escolha
individual e a soberania das preferncias individuais que, desde que possam manifestar-
se livremente, garantiro a sua prpria satisfao por meio de estruturas polticas cujo
nico objetivo assegurar a mxima satisfao dos contribuintes-cidados, que so
por sua vez, livres e soberanos o suficiente para buscarem a satisfao em outra
jurisdio se no estiverem satisfeitos - como se fatores de ordem poltica, cultural,
social, familiar, enfim, no interferissem em suas decises, determinadas por critrios
puramente econmicos.
26
-
A teoria tradicional limita-se assim, por considerar a existncia de um contexto de
perfeita competio entre as unidades que integram qualquer federao e a lgica
racional das escolhas individuais, a definir critrios econmicos que maximizam a
eficincia a serem considerados na definio da estrutura fiscal ideal, envolvendo as
diferentes esferas e unidades de governo.
A questo mais relevante para a teoria tradicional definir o sistema mais eficiente de
proviso dos bens pblicos se centralizado em uma nica unidade fiscal ou se
estruturado em mltiplas unidades. Em virtude da limitao de seus pressupostos
bsicos e de seu carter normativo, ao no considerar a inter-relao entre os agentes a
teoria do federalismo fiscal no avana na discusso das estruturas fiscais efetivamente
existentes nos diversos pases e de como seria possvel alter-las, problemas que no
so de escolha individual, no esto situados na esfera da teoria do consumidor nem
podem ser por ela explicados, mas constituem problemas de escolha coletiva24.
desse ponto que parte a teoria da escolha pblica, apontando as limitaes da
teoria do bem estar social por no dar conta de explicar como uma determinada
coletividade atinge um consenso sobre que bens pblicos devem ser oferecidos, como e
por quem, ou seja, como o consumidor escolhe a estrutura fiscal que lhe permite
atingir o mximo de satisfao.
Na concepo da teoria da escolha pblica, tal como proposta por BUCHANAN,
formulador dessa abordagem, a definio da distribuio de competncias entre
instncias de governo depende muito mais do arranjo poltico-institucional de cada pas
do que de critrios de eficincia econmica: ao contrrio das decises quanto aos bens
privados, definidas no mercado pelo sistema de preos, as decises relativas aos bens
pblicos se do atravs do processo poltico organizado25.
Em que pese a tentativa dessa teoria de incorporar um enfoque poltico-institucional,
mais abrangente, AGUIRRE e MORAES enfatizam que a teoria da escolha pblica
permanece presa s prescries da tradicional Teoria das Finanas Pblicas, na
mesma armadilha normativa anterior26, estabelecendo mecanismos de definio de
estruturas fiscais a partir do comportamento racional de consumidores-eleitores
24 AGUIRRE e MORAES (1997). 25 Idem, p. 124-125. 26 Idem, p.125-126.
27
-
inseridos em um ambiente ideal representado por uma democracia representativa
plena, em que cada cidado tm mais ou menos o mesmo poder para influenciar o
processo poltico.
Posteriormente, OLSON (1982) vai criticar a idia de que somente a troca poltica e o
comportamento maximizador de utilidade garantem que o resultado poltico seja
positivo, ou que a poltica seja um jogo de soma positiva, isto que trar benefcios
para todos27. O autor parte da observao de que nos pases onde a democracia est
mais consolidada, observam-se barreiras maiores ao crescimento, o que, para ele, seria
conseqncia da organizao dos indivduos em grupos de presso, que agem no em
benefcio da coletividade, mas, movidos pela racionalidade econmica, em defesa de
seus prprios interesses.
A lgica da ao coletiva permitiria, em decorrncia da racionalidade econmica estrita
que move os indivduos, a emergncia de comportamentos perversos e contrrios ao
crescimento, como os monoplios e a concentrao de renda. Devem existir, portanto,
outras razes e motivaes que conduzam a ao coletiva a comportamentos mais
construtivos e cooperativos, embora OLSON no aprofunde a discusso nesse sentido28.
O resultado da ao dos grupos de presso tende a gerar conflitos, que dificultam o
desenvolvimento econmico.
A exemplo do que foi apontado para a teoria do bem estar social, o problema com esta
teoria deriva da premissa de que lgica que orienta a ao coletiva a racionalidade
econmica pura.
Os desenvolvimentos tericos posteriores, preocupados em superar essa limitao,
buscam incorporar a existncia de instituies economia, como instncias mediadoras
das transaes econmicas29. Os autores que integram a escola dos novos
27 idem 28 OLSON destaca a existncia dos chamados incentivos seletivos, que no entanto s funcionariam para pequenos grupos e sob circunstncias especiais (ver AGUIRRE e MORAES, 1997). 29 Existem duas escolas com abordagens distintas: o Velho Institucionalismo (ou Institucionalismo Norte-americano) que conheceu o seu auge na virada do sculo XIX para o XX, sofrendo grande influncia da Escola Histrica Alem, que negava a existncia de teoria que fosse vlida para toda e qualquer sociedade com base no entendimento de que cada sociedade diferente, no cabendo falar em uma teoria geral, uma lei econmica geral. Os principais nomes do velho institucionalismo so os de Thorstein Veblen, John R. Commons, Wesley Mitchell, Richard T. Ely e Clarence Ayres. Embora tenham ajudado a instituir o New Deal destacando a importncia das instituies americanas e promovendo inmeras mudanas, a matematizao crescente da economia, a partir principalmente de Hicks-Hansen e da curva IS-LM, acabou por destru-los. Os institucionalistas s voltam a aparecer, j sob a forma de novo-institucionalismo, em 1976, com Williamson. Os autores aqui analisados pertencem a esta corrente.
28
-
institucionalistas vo procurar construir conceitos alternativos de racionalidade.
Destaca-se o trabalho de WILLIAMSON que trabalha a noo de racionalidade
limitada dos agentes, derivada de problemas de informao e do fato de que o
comportamento dos agentes pautado pelo oportunismo. Nesse contexto, as instituies
permitem economizar em custos de transao, por reduzirem a incerteza nas relaes
econmicas.
A crtica feita a esses autores, por aqueles que se denominam apenas
institucionalistas, herdeiros da tradio dos velhos institucionalistas, retoma a
questo da racionalidade: para os tericos da nova economia institucionalista o
comportamento individual (maximizador), em ltima instncia, que explica a existncia
das instituies.
Para os institucionalistas, o prprio comportamento dos indivduos j seria, ele mesmo,
resultante - porque influenciado da ao e funcionamento das instituies. A ao
coletiva, portanto, no seria determinada apenas pela busca da maior eficincia, mas
incluiria a forma como as instituies atuam e influenciam a ao individual.
A concluso da reviso da literatura feita por AGUIRRE e MORAES (1997) de que
uma anlise histrica mais abrangente que inclua as questes da organizao poltica
o caminho mais frutfero e a nica forma de verdadeiramente incluir uma anlise real
das instituies30.
Buscando estabelecer a relao do conceito de federalismo desenvolvido pelas teorias
econmicas hegemnicas com o contexto histrico do capitalismo contemporneo,
AFFONSO (2003) destaca que a teoria do bem-estar social, hegemnica do fim da
segunda Guerra Mundial at os anos 70, consistia na aplicao da welfare economics
aos contextos de estruturas estatais com vrios nveis de governo, e corresponde
racionalizao do Estado do Bem-Estar Social, que tem como caracterstica central a
derivao e delimitao da participao do Estado na economia a partir das falhas de
mercado31. Nesse contexto, o governo central assume as funes distributiva e
estabilizadora, enquanto reparte as tarefas de alocao de recursos com governos
subnacionais.
30 AGUIRRE e MORAES (1997:130). 31 AFFONSO,R. (2003, p. 7-8).
29
-
A partir da virada dos anos 60 para os 70, concomitantemente emergncia da crise
capitalista mundial e crtica teoria keynesiana, procede-se crtica dos pressupostos
da welfare economics e, com base na idia de que os governos no atuam de forma
eficiente na correo das falhas de mercado em funo de problemas em seus
mecanismos de funcionamento e no comportamento dos seus agentes (polticos,
burocratas), advoga-se a reduo drstica do papel do Estado na economia.
As falhas de mercado passam a ser substitudas pelas falhas de governo, contexto que
recomenda o aprofundamento do processo de descentralizao, ampliando a eficincia
alocativa atravs da concorrncia entre jurisdies, e para que se aproxime o Estado da
sociedade, de modo a facilitar seu controle.
Finalmente, em um terceiro momento, cujo incio o autor situa nos anos 80 e
consolidao nos anos 90, o pensamento hegemnico passa a se utilizar da temtica
institucional para reintroduzir a importncia do Estado como regulador do mercado,
aps duas dcadas de polticas de ajustamento macroeconmico e de reformas do
Estado de cunho neoliberal32. O neo-institucionalismo e a nova economia poltica
positiva tentam reconciliar a teoria econmica neoclssica com as demais cincias
sociais, subordinando-as. Em concluso, para AFFONSO (2003:9) essas teorias,
...ao contrrio do que alguns autores supem, no parecem, em nenhuma hiptese,
constituir base analtica adequada estruturao de uma teoria do fenmeno do
Estado federal e do federalismo. Na verdade, em vrios aspectos, os desdobramentos
recentes da mainstream parecem caminhar em direo oposta. Ao generalizarem as
hipteses de comportamento maximizador dos agentes econmicos para a esfera
pblica, as teorias hegemnicas da economia do setor pblico no conseguem
(re)construir, teoricamente, os sujeitos coletivos o que o federalismo pressupem.
Os aspectos at aqui discutidos permitem concluir pela dificuldade associada a uma
teoria do federalismo, uma vez que no existe um modelo nico de federalismo ou de
relaes fiscais federativas que possa ser aplicado universalmente, um padro ou uma
distribuio tima de responsabilidades entre os diferentes nveis de governo. O arranjo
difere de pas para pas e determinado, entre outros, por fatores histricos, econmicos
e culturais.
32 AFFONSO,R. (2003:8.)
30
-
A dificuldade no nova. AFONSO e LOBO (1996) identificam tendncia clara de
avano na descentralizao fiscal e financeira diretamente proporcional consolidao
do regime democrtico na Amrica Latina desde os anos 80, mas observam que,
...fatores econmicos, sociais, culturais e histricos moldam estruturas fiscais distintas
de um pas para outro. No h um modelo terico ideal nem um padro uniforme ditado
pela prtica, para a configurao do sistema tributrio, das atribuies de gasto e,
sobretudo, das relaes intergovernamentais33.
Como ficou claro da reviso das teorias, a principal limitao encontrada na literatura
o carter normativo e sua inadequao s experincias concretas do federalismo, ao
mundo real.
Como a teoria no fornece elementos para a compreenso do fenmeno que se quer
estudar, em vista da inexistncia de uma abordagem terica e da inadequao uso de um
instrumental que objetive caracterizar teoricamente um modelo ideal de federalismo
contra o qual se possa avaliar a eficincia do arranjo brasileiro, buscou-se identificar
categorias analticas que permitissem avanar na direo de uma adequada compreenso
do fenmeno federativo em toda a sua complexidade, abrangendo os diferentes aspectos
envolvidos.
Em vista das limitaes encontradas nas teorias, em face da impossibilidade de
reproduzir em pases regimes fiscal-federativos de outros, por serem nicos e
compatveis com condies sociais, histricas e polticas determinadas, buscou-se
trabalhar com categorias analticas que permitissem conhecer a especificidade da
soluo tcnica adotada no caso especfico e seus elementos relevantes, e avaliar a sua
adequao em face das mudanas ocorridas nas condies em que opera, j resumidas,
que modificaram tanto o contexto scio-poltico como a estrutura econmica.
33 AFONSO e LOBO (1996:5)
31
-
II. O arranjo federativo brasileiro
Da reviso da literatura terica sobre o tema possvel concluir pela dificuldade de
encontrar uma abordagem terica que no seja normativa, vale dizer, que no esteja
assentada em hipteses de comportamento maximizador que partem da lgica
individual racional para explicar a lgica das aes coletivas e das decises em sistemas
federativos.
Por ser especificamente constituda dentro de um espao nacional, cada federao
nica, formada por um sistema poltico e de relaes federativas prprio e um quadro
institucional a ele correspondente, construdos e modificados em conjunto ao longo do
tempo e, portanto, de uma maneira exclusiva, peculiar, que se confunde com a prpria
histria daquela sociedade. No h, nessas circunstncias, como estabelecer uma lei
geral que seja vlida para explicar fenmenos que so to distintos entre si34.
Por tudo isso, resta evidente que, ser no for com base em determinada ideologia, no
existe - e nem poderia existir - um instrumental capaz de caracterizar um modelo ideal
de federalismo, um esquema terico que permitisse avaliar a eficincia dos
diferentes arranjos federativos existentes e a direo das mudanas necessrias para
garantir o estabelecimento de um arranjo eficiente.
A prpria definio do que seria um arranjo eficiente pressupe um conceito
especfico de eficincia e a viso de mundo que cada conceito traz implcita. Esta
viso vai conformar a forma ideal de funcionamento das instituies e as reformas
necessrias para alcanar a eficincia pretendida, que atendero, necessariamente,
apenas a uma parte dos distintos interesses dos grupos sociais e refletiro, em uma
federao, os conflitos dos interesses distintos dos entes que a compem.
O exame dos estudos empricos sobre sistemas federais, pelo fato de se debruarem
sobre experincias concretas de funcionamento de sistemas existentes, tem confirmado
que cada federao adota uma soluo prpria, nica, que foi tornada possvel pelas
34 Como observou WATTS (2002) em sua interveno na Conference on Fiscal Equalization and Economic Development Policy within Federations realizada naquele ano, The discussion at this conference has already made it clear that there is no single model of federalism or of federal financial relations that is universally applicable everywhere.
32
-
circunstncias histricas e que resultou da inter-relao das foras polticas e da
evoluo das relaes sociais e , dessa forma, compatvel com suas especificidades35.
Por ser especfica e no genrica, possvel observar distintas formas de distribuio
constitucional de poderes, responsabilidades e recursos em uma federao, que podem
ser uniforme ou simetricamente aplicados a todas as unidades que a compem ou
apresentar diferenas ou assimetrias com o intuito de lidar com as diferentes
circunstncias ou requisitos de suas unidades constituintes, carcaterizando, como se
observou, constituindo um arranjo fiscal-federativo em que se insere uma
determinada soluo tcnica especfica36.
A anlise que se desenvolveu no captulo anterior permitiu confirmar que cada
federao real adota uma soluo prpria, nica, um arranjo institucional que foi
tornado possvel pelas circunstncias histricas, resultante da inter-relao das foras
polticas e da evoluo das relaes e preferncias sociais quanto ao papel do Estado e
, dessa forma, compatvel com suas especificidades. Mais ainda, por essas razes,
existe em permanente processo de evoluo e reforma37.
A reforar o argumento, observa-se que, em muitas federaes - como nos Estados
Unidos, Sua, Austrlia e Alemanha - a distribuio constitucional da jurisdio
legislativa e executiva foi simetricamente aplicada a todos os estados constituintes
habilitados a exerc-las. Em outras, todavia, diferenas relevantes na composio social,
poltica, na situao econmica ou no tamanho do territrio e da populao das unidades
constituintes, alm de intensidades variveis das presses regionais por autonomia,
levaram proviso constitucional de assimetrias no grau de autonomia e de poderes
atribuda a cada uindade, caracterizando um federalismo assimtrico, diverso do
federalismo homogneo (ou simtrico) que associado igualdade dos subsistemas
autnomos (estados ou unidades constituintes) que compem o sistema federativo
(federao ou confederao).
35 RODDEN, Jonathan (2005) apresenta uma reviso abrangente dos estudos empricos sobre a descentralizao, por correntes tericas, dentro de cada explicao para as causas da descentralizao e do federalismo - se endgena ou exogenamente determinados e suas implicaes sobre o crescimento econmico, dficit fiscal, inflao e estabilidade macroeconmica ou sobre a qualidade da governana (relao com corrupo, accountability e bom governo) ou ainda, estudos mais antigos que examinam a relao destes com o tamanho e o crescimento dos governos. 36 PRADO (2006:16). 37 Idem.
33
-
WATTS (2002) identifica cinco formas bsicas de estabelecimento de assimetria
constitucional na distribuio de poderes e competncias dentro dos sistemas
federativos, a saber, o aumento legal da autoridade federal nos estados para
determinadas funes (citando o exemplo da ndia); o fortalecimento legal da jurisdio
de alguns estados particulares (poderes diferenciados concedidos a provncias
especficas da Federao da Malsia, por exemplo); a iseno da aplicao da
autoridade central em reas especficas (como a liberao da aplicao do Tratado de
Maastrich na Inglaterra e na Dinamarca); a incluso de provises legais que permitam
s unidades, sob certas circunstncias, aderir ou no ao que lhes est designado de
forma simtrica pela constituio (permite acomodar uma assimetria de facto no
exerccio dos poderes e atribuies, caso da Espanha, que garante a cada Comunidade
Autnoma o seu prprio Estatuto de Autonomia adequado s suas circunstncias e
particularidades); e a assimetria constitucional que reside no apenas nas diferenas de
jurisdio entre as regies territoriais mas tambm na inter-relao entre outras
instncias de poder (exemplo do federalismo complexo da Blgica, com os Conselhos
Regionais e os Conselhos das Comunidades) 38.
Independentemente das simetrias e assimetrias mais ou menos presentes na distribuio
de poderes e autonomia, os sistemas federativos caracterizam formas de federalismo
funcional no sentido de que as partes que constituem o sistema tm que ter, alm de
um sistema democrtico prprio, autonomia para exercer as atividades que lhes so
designadas as funes pblicas dentre as quais se incluem legislar, administrar e
controlar o territrio e os meios recursos financeiros - necessrios para financi-las.
Quanto a estes, tem sido observada em todos os sistemas federativos a introduo de
assimetrias na redistribuio dos recursos financeiros por meio das transferncias
intergovernamentais, de modo a tornar a capacidade fiscal de suas entidades
constituintes mais simtricas39.
A adoo destes mecanismos decorre da constatao de que, nos sistemas onde a
constituio estabeleceu uma alocao simtrica dos poderes para tributao, diferenas
entre a capacidade fiscal e de renda (riqueza) das unidades constituintes levaram a
38 WATTS (2002). 39 Evidncias da adoo generalizada de dispositivos assimtricos na distribuio de recursos nos sistemas federativos esto relatadas na literatura que trata do federalismo fiscal (WATTS, 2002; PERNTHALER, P., 2002).
34
-
diferenas expressivas nos servios que estavam aptas a oferecer aos seus cidados. A
necessidade de correo de desequilbrios horizontais e verticais induz, por essa via, ao
estabelecimento de regras assimtricas de transferncias de recursos entre as diferentes
entidades governamentais.
Por outro lado, a interdependncia e justaposio no exerccio das responsabilidades e
poderes, inevitvel nos arranjos federativos requer, na prtica, o desenvolvimento de
instituies e relaes intergovernamentais que assegurem a cooperao e coordenao
entre os governos que os constituem, que so fundamentais para resolver os conflitos
que emergem e para fornecer os meios necessrios adaptao a circunstncias
mutveis. Pode-se concluir que estas instituies so ainda mais necessrias em
sistemas assimtricos, em vista dos inmeros arranjos alternativos tantos quanto so
as federaes - e da complexidade de coorden-los.
O sistema federativo brasileiro no foge regra (vale dizer ausncia de uma regra) e
apresenta hoje peculiaridades que o diferenciam de outras experincias federativas e do
que pode ser considerado um sistema ideal de federalismo, baseado nos pressupostos
da teoria do federalismo fiscal.
O principal trao distintivo do regime federativo brasileiro exatamente a elevada
descentralizao das competncias tributrias, que se traduz na autonomia que os
governos subnacionais possuem para instituir alquotas e cobrar impostos que
representam parcela considervel do bolo tributrio nacional40.
No obstante as caractersticas peculiares, observa-se que a diviso de competncias
tributrias que hoje prevalece no Brasil segue, em larga medida, as prescries da teoria
tradicional, sendo a competncia do imposto sobre a renda do governo central e do
imposto sobre a propriedade dos governos locais, caracterizando-se a competncia do
imposto sobre o consumo estadual como importante exceo.
Quanto diviso de encargos hoje prevalecente no pas, possvel constatar que os
governos subnacionais tm responsabilidade predominante em relao aos gastos com
pessoal (ativo), compra de bens e servios de custeio e, principalmente, investimentos,
em consonncia com a estratgia descentralizadora. O governo federal responde pelo
40 Particularmente no caso dos estados, que tm a competncia sobre o principal imposto nacional o Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios, responsvel por 22 % do bolo tributrio com liberdade para fixar as alquotas, dentro de certos limites, resultando na situao de 27 diferentes legislaes do imposto e 44 alquotas diferentes que hoje se observa no pas.
35
-
pagamento de juros e encargos da dvida pblica e benefcios assistenciais e
previdencirios41.
A diviso da despesa por funo, entre os trs nveis de governo - nacional, estadual e
municipal , presidida pela lgica da eficincia alocativa acompanhando em grande
medida, a exemplo do que ocorre com as competncias tributrias, as recomendaes da
teoria do federalismo fiscal e os arranjos prevalecentes em outros pases federativos, na
direo da descentralizao, como se depreende dos trechos a seguir transcritos:42
...there is broad consensus in the literature that decentralization of spending
responsabilities can entail substantial welfare gains. According to this view, efficiency
in the allocation of resources is best served by assigning responsibility for each type of
public expenditure to the level of government that most closely represents the
beneficiaries of these outlays. In this perspective, a clear case for centralized provision
can be made at least on allocative grounds only for national public goods, that is
goods whose benefits extend nation-wide or whose provision is subject to substantial
economies of scale. Defense, foreign affairs, and infrastructures for interstate transport
and telecommunications are the categories of expenditure that most closely fit these
criteria
(...)
The central government is also generally responsible for the promotion of research
and development. State or provincial governments tend to share responsibility with the
central government in the areas of agriculture, forestry, fishing and environmental
protection. They are generally responsible for regional infrastructures, notably the road
network. Local governments tend to regulate locally based businesses.
Na rea do gasto social, a diviso de atribuies entre as esferas de governos apresenta
expressiva diversidade entre as experincias federativas, identificando-se tendncias de
concentrao das responsabilidades sobre a previdncia social e as polticas de emprego
(e desemprego) nos governos centrais, que desempenham tambm, em geral, papel
central na formulao e financiamento dos programas da rea de assistncia social,
ficando a execuo, em muitos pases, a cargo dos governos locais. Na educao e na
41 AFONSO (2001). 42 TER-MINASSIAN (1997:4 - 7)
36
-
sade, o padro predominante de responsabilidades concorrentes entre os nveis de
governo43.
Em sintonia com a lgica da teoria do federalismo fiscal e com as tendncias observadas
nos demais pases federais, ao governo federal do Brasil compete a maior
responsabilidade pelo ensino superior, defesa e segurana nacional, previdncia, parte
de transportes (rodovias maiores e interestaduais), administrao financeira e
desenvolvimento econmico. Os governos estaduais assumiram o ensino mdio, as
rodovias estaduais e a segurana pblica, enquanto os governos municipais respondem
pelo ensino fundamental, transporte urbano, habitao e urbanismo e limpeza pblica.
O saneamento dividido entre estados e municpios, assim como a sade, embora esta,
como se viu, dividida entre os trs nveis no mbito de um sistema articulado, com
comando nico em cada esfera.
Em alguns casos, porm, observam-se aqui, assim como em outros pases federais,
superposio e duplicidade de atribuies, ambigidades na distribuio de
responsabilidades ou, ainda, vcuos na prestao dos servios, que redundam na
ineficincia ou insuficincia na proviso de bens e servios e na execuo das polticas
pblicas, e permitem concluir pela ocorrncia de municipalizao por ausncia,
especialmente em algumas reas sociais44.
Como se observa, a distribuio de encargos na federao brasileira segue, de modo
geral, as recomendaes da teoria tradicional do federalismo fiscal. Dependendo da
natureza dos bens pblicos e de seus efeitos sobre o estoque de capital humano do
pas - e por conseqncia sobre as perspectivas de crescimento de longo prazo -, no
entanto, como advertem os prprios tericos do federalismo fiscal, as consideraes de
carter alocativo que recomendam a descentralizao da proviso dos bens com base
nos ganhos de eficincia esperados, podem conflitar com os objetivos das atribuies
distributiva e estabilizadora dos governos e, ainda, ser prejudicadas, na prtica, por
constrangimentos de ordem institucional45.
43 TER-MINASSIAN (1997) 44 A descentralizao na poltica habitacional do pas constituiria um caso exemplar de descentralizao espontnea ou por ausncia, por meio do qual estados e municpios foram desenvolvendo polticas prprias e assumindo responsabilidades por decises sobre programas e seu funcionamento na medida em que o governo federal foi perdendo a capacidade de ao. (ALMEIDA, 1995) 45 Problemas com a capacidade administrativa dos governos locais (que pode ser fraca em muitos casos) para a formulao e execuo das polticas, o que inclui deficincias de gesto e de controle, com
37
-
A capacidade dos governos subnacionais de ofertar bens e servios pblicos a seus
habitantes, efetivamente, e segundo reconhece a teoria, pode variar consideravelmente
entre as jurisdies, com resultados indesejados, como migraes internas e presses
polticas e sociais insustentveis, especialmente em grandes pases, caracterizados por
substanciais disparidades regionais de recursos produtivos e renda, como o Brasil46.
No obstante, o estgio atual da descentralizao fiscal no Brasil indica que os
municpios foram os entes da federao mais beneficiados pelo processo de
descentralizao consagrado com a promulgao da Constituio de 198847.
Com efeito, ao definir os municpios como entidades federativas autnomas48, a
Constituio de 1988 alterou substancialmente sua estrutura e funcionamento, com
destaque para os seguintes aspectos:
reconheceu as capacidades de auto-organizao dos governos municipais (mediante carta prpria - a Lei Orgnica Municipal, uma espcie de constituio
do Municpio, elaborada e promulgada pela respectiva Cmara de Vereadores),
de autogoverno (exercida pelos a