fernando pessoa - poemas de alvaro de campos (completo)

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fernandopessoa

Poemasde ÁlvaroCamposde

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Poema de Álvaro de Campo

Poemasde

fernandopessoa

ÁlvaroCamposde

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2 ~ Fernando Pe oa

POEMAS DE ALVARO DE CAMPOSAU OR: FERNANDO PESSOA

—-

EDI OR:Z Ediçõe • São Paulo • SP

—-

DESIGN DE CAPA E MIOLO: Zander Catta Preta

—-

ISBN13 — 978-XXXXXXXXXX

ISBN10 — XXXXXXXXXX

—-Fevereiro, 2014

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Poema de Álvaro de Campo

fernandopessoa

Poemasde

ÁlvaroCamposde

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4 ~ Fernando Pe oa

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Poema de Álvaro de Campo

S

Biograa ....................................................................................................Obra poéti a ..............................................................................................Cronologia .................................................................................................Introdução ..................................................................................................A Fernando Pe oa ...................................................................................A Fre ura ................................................................................................Um morto ...................................................................................................

A Praça ......................................................................................................A Ca a Bran a Nau Preta ..........................................................................A a o ........................................................................................................A ordar ......................................................................................................Adiamento .................................................................................................Anal .........................................................................................................Ah, Onde E tou .........................................................................................Ah, Perante ................................................................................................Ah, um Soneto… .......................................................................................

Ali Não Havia ............................................................................................Aniver ário ...............................................................................................Ao Volante .................................................................................................Apontamento ..............................................................................................Apo tila .....................................................................................................À Veze ...................................................................................................Barrow-on-Furne ...................................................................................Bi arbonato de Soda ..................................................................................Chega Atravé ...........................................................................................

Clearly non-Campo ! ................................................................................Começa a Haver .........................................................................................Começo a onhe er-me..............................................................................Con lu ão .................................................................................................Contudo .....................................................................................................Cruz na porta .............................................................................................Cruzou por mim .........................................................................................Datilograa....................................................................................................De la Mu ique ...........................................................................................

Demogorgon ...............................................................................................Depu a Má ara ......................................................................................De fraldando .............................................................................................Dobrada à Moda do Porto ..........................................................................

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6 ~ Fernando Pe oa

Doi Ex erto de Ode ............................................................................Domingo Irei ..............................................................................................En o tei-me ..............................................................................................E rito Num Livro Abandonado em Viagem ............................................E ta Velha Angú tia .................................................................................E tou .........................................................................................................E tou Can ado ..........................................................................................Eu.................................................................................................................Farói ........................................................................................................Gazetilha ....................................................................................................Go tava .....................................................................................................Grande São o De erto .........................................................................Há Mai .....................................................................................................In ônia ......................................................................................................Là-ba , Je ne ai où… ............................................................................Li boa .......................................................................................................Li bon Revi ited (1923) ...........................................................................Li bon Revi ited (1926) ...........................................................................Magni at ..................................................................................................Marinetti A adêmi o ................................................................................Ma Eu ......................................................................................................Me tre .......................................................................................................Na Ca a Defronte .......................................................................................Na Noite errível .......................................................................................Na Vé pera ................................................................................................Não E tou ..................................................................................................Não, Não é Can aço ...................................................................................Devagar .....................................................................................................Na Praça ................................................................................................No Fim .......................................................................................................No Lugar do Palá io De erto ............................................................. por mai que viaje .....................................................................................Nuven ......................................................................................................O Binómio de Newton ................................................................................O De alabro ............................................................................................O E plendor ...............................................................................................O Florir ......................................................................................................O Frio E pe ial .........................................................................................O ue Há ....................................................................................................O Sono .......................................................................................................

er devere ................................................................................................O umulto ..................................................................................................

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Poema de Álvaro de Campo

Ode Mar ial...............................................................................................Ode Marítima .............................................................................................Ode riunfal ...............................................................................................Opiário .......................................................................................................Ora Até que Enm .....................................................................................O Antigo ................................................................................................Pa agem da Hora ................................................................................Pe ado Original .........................................................................................Poema em Linha Reta .................................................................................P iquetipia (Ou P i itipia) ........................................................................

uando .......................................................................................................ue Lindo Olho .....................................................................................ue Noite Serena! .......................................................................................uero A abar .............................................................................................

Realidade ...................................................................................................Reti ên ia ...............................................................................................Saudação a Walt Whitman .........................................................................Se te uere ...............................................................................................Símbolo ....................................................................................................Soneto Já Antigo ........................................................................................

Sou Eu ........................................................................................................aba aria ...................................................................................................Con tipação ...............................................................................................Te ime ...................................................................................................

oda a Carta de Amor ão Ridí ula .................................................Ero e P iquê ............................................................................................

rapo............................................................................................................Pelo Cai Fora ...........................................................................................Vilegiatura .................................................................................................

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8 ~ Fernando Pe oa

B

Fernando António Nogueira Pe oa (Li boa, 13 de Junho d1888 — Li boa, 30 de Novembro de 1935), mai onhe ido oFernando Pe oa, foi um poeta, ló ofo e e ritor portuguê .

É on iderado um do maiore poeta da Língua Portugue

da Literatura Univer al, muita veze omparado om LuíCamõe . O ríti o literário Harold Bloom on iderou a ua oum “legado da língua portugue a ao mundo”.

Por ter ido edu ado na Áfri a do Sul, para onde foi ao eiem virtude do a amento de ua mãe, Pe oa aprendeu perfemente o Inglê , língua em que e reveu poe ia e pro a deadole ên ia. Da quatro obra que publi ou em vida, trê língua ingle a. Fernando Pe oa traduziu vária obra ingl para portuguê e obra portugue a (nomeadamente de AntóBotto e Almada Negreiro ) para inglê .

Ao longo da vida trabalhou em vária rma omer iai de boa omo orre ondente de língua ingle a e fran e a. Foi tabém empre ário, editor, ríti o literário, jornalisa, omentado políti o, tradutor, inventor, asrólogo e publi itário, ao me mtempo que produzia a ua obra literária em ver o e em proComo poeta, de dobrou- e em múltipla per onalidade on

ida omo heterônimo , objeto da maior parte do esudo bre ua vida e ua obra. Centro irradiador da heteronímia, aut

denominou- e um “drama em gente”.

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Poema de Álvaro de Campo

O

Con idera- e que a grande riação eséti a de Pe oa foi a inção heteronímia que atrave a toda a ua obra. O heterônimdiferentemente do p eudônimo , ão per onalidade poét

ompleta : identidade que, em prin ípio fal a , e tornamdadeira atravé da ua manifesação artísi a própria e diver

do autor original. Entre o heterônimo , o próprio FernandoPe oa pa ou a er hamado ortônimo, porquanto era a penalidade original. Entretanto, om o amadure imento de aduma da outra per onalidade , o próprio ortônimo tornou-apena mai um heterônimo entre o outro . O trê heterômo mai onhe ido (e também aquele om maior obra ti a) foram Álvaro de Campo , Ri ardo Rei e Alberto Caeir

Um quarto heterônimo de grande importân ia na obra de Pe oé Bernardo Soare , autor do Livro do De a o ego, imporobra literária do é ulo XX. Bernardo é on iderado um e-heterônimo por ter muita emelhança om Fernando Penão po uir uma per onalidade muito aracerísi a, ao ontrárdo trê primeiro , que po uem até me mo data de na ime morte (ex eção para Ri ardo Rei , que não po ui data de

imento). Por e a razão, Jo é Saramago, laureado om o PrêNobel, e reveu o livro O ano da morte de Ri ardo Rei .

Atravé do heterônimo , Pe oa onduziu uma profunda re xão obre a relação entre verdade, exisên ia e identidade. Es

último fator po ui grande notabilidade na famo a miseriodade do poeta.

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Poema de Álvaro de Campo

C

1888 : Fernando António Nogueira Pe oa na e, a 13 de JunhÉ batizado em Julho.

1893 : Em Janeiro, na e eu irmão Jorge. A 13 de Julho, o pai mre, de tuber ulo e. A família é obrigada a leiloar parte do ben

1894 : O irmão de Fernando, Jorge, morre em Janeiro. Pe oria o eu primeiro heterônimo. O futuro padraso, João Migue

Ro a, é nomeado ôn ul interino em Durban, na Áfri a do S

1895 : Em Julho, Fernando e reve o eu primeiro poema e JoMiguel Ro a parte para Durban. Em Dezembro, João MigueRo a a a- e om a mãe de Fernando, por pro uração.

1896 : Em 7 de Janeiro, é on edido o pa aporte à mãe, e a mília parte para Durban. A 27 de Novembro, na e HenriquetMadalena, irmã do poeta.

1897 : Fernando faz o ur o primário e a primeira omunhão ems tr e.

1898 : Na e, a 22 de Outubro, ua egunda irmã, MadalenHenriqueta.

1899 : Ingre a narban igh hool em Abril. Cria o p eu-

dônimo Alexander Sear h.

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12 ~ Fernando Pe oa

1900 : Em Janeiro, na e o ter eiro lho do a al, Luí Mig

Em Junho, Pe oa pa a para aorm II e é premiado em fran ê .1901 : Em Junho, é aprovado no exame daap hool igh xa-min ion. Madalena Henriqueta fale e e Fernando omeça ae rever a primeira poe ia em inglê . Em Agoso, parte família para uma vi ita a Portugal.

1902 : Em Janeiro, na e, em Li boa, eu irmão João Maria. Fnando vai à ilha er eira em Maio. Em Junho, a família retorna Durban. Em Setembro, Fernando volta ozinho para Durban

1903 : Submete- e ao exame de admi ão à Univer idade dCabo, tirando a melhor nota no en aio em inglê e ganhanda im o Prêmio Rainha Vitória.

1904 : Em Agoso, na e ua irmã Maria Clara e em Dezembrtermina o esudo na Áfri a do Sul.

1905 : Parte denitivamente para Li boa, onde pa a a viver a avó Dioní ia. Continua a e rever poema em inglê .

1906 : Matri ula- e, em Outubro, no Cur o Superior de LetraA mãe e o padraso retornam a Li boa e Pe oa volta a mor

om ele . Fale e, em Li boa, a ua irmã Maria Clara.

1907 : A família retorna uma vez mai a Durban. Pe oa paa morar om a avó. De ise do Cur o Superior de Letra . E

Agoso, a avó morre. Durante um urto período, Pe oa esabele e uma tipograa.

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Poema de Álvaro de Campo

1908 : Começa a trabalhar omo orre ondente esrangeiro em

e ritório omer iai .1910 : E reve poe ia e pro a em portuguê , inglê e fran ê

1912 : Publi a na revisa Águia o eu primeiro artigo de rítiliterária. Idealiza Ri ardo Rei .

1913 : Inten a produção literária. E reve O Marinheiro.1914 : Cria o heterônimo Álvaro de Campo , Ri ardo ReiAlberto Caeiro. E reve o poema de O Guardador de Rebnho e também o Livro do De a o ego.

1915 : Sai em Março o primeiro número de Orpheu. Pe oa“mata” Alberto Caeiro.

1916 : O eu amigo Mário de Sá-Carneiro ui ida- e.

1918 : Publi a poema em inglê , re enhado om desaque “ ime ”.

1920 : Conhe e Ofélia ueiroz. Sua mãe e eu irmão voltam pPortugal. Em Outubro, atrave a uma grande depre ão, que o a pen ar em internar- e numa a a de aúde. Rompe om Ofél

1921 : Funda a editora Oli ipo, onde publi a poema em inglê

1924

: Apare e a revisa “Atena”, dirigida por Fernando Pe oe Ruy Vaz.

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14 ~ Fernando Pe oa

1925 : A 17 de Março, morre, em Li boa, a mãe do poeta.

1926 : Dirige om eu unhado a “Revisa de Comér io e Contabilidade”. Requer patente de uma invenção ua.

1927: Pa a a olaborar om a revisa Pre ença.

1929 : Volta a rela ionar- e om Ofélia.

1931 : Rompe novamente om Ofélia.

1934 : Publi a Men agem.

1935 : Em 29 de Novembro, é internado om o diagnósi o de óli ahepáti a. Morre no dia 30 do me mo mê .

(font : Wikip dia | http://pt.wikip dia.org/wiki/F rnando_P oa)

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Poema de Álvaro de Campo

I

Álvaro de Campo ( avira ou Li boa1 , 13 ou 15 de Outubro2 de1890 — ?3) é um do heterônimo mai onhe ido , verdadeiralter ego do e ritor portuguê Fernando Pe oa, que fez ubiograa para ada uma da ua per onalidade literária ,

hamou heterônimo . Como alter ego de Pe oa, Álvaro de Ca

po u edeu a Alexander Sear h, um heterônimo que urgiu ana Áfri a do Sul, onde Pe oa pa ou a infân ia e adoleDepoi de “uma edu ação vulgar de li eu” Álvaro de Campo“esudar engenharia, primeiro me âni a e depoi naval” em Glgow, realizou uma viagem ao Oriente, regisrada no eu poem“Opiário”, e trabalhou em Londre , Barrow on Furne e Newtle on yne (1922). De empregado, teria voltado para Li boa e1926, mergulhando então num pe imi mo de adentisa.

1 — Tavira é indicada como local de na cimento de Álvaro de Campo na cartade Fernando Pe oa a Adolfo Ca ai Monteiro, datada de 13 de Janeiro de 1935. Já num texto talvez datado de 1919 (reproduzidoin Georg Rudolf Lind e Jacintodo Prado Coelho,ágina ntima e de uto- nterpretação, p. 409 ), FernandoPe oa itua o na cimento de Álvaro de Campo em Li boa.2 — A carta asral de Álvaro de Campo , manu crita por Fernando Pe oa(reproduzida in Tere a Rita Lope , Fernando Pe oa:ivendo e revendo, p.35. A írio & Alvim,1998 ), e o texto de 1919 já referido indicam o dia 13; na

carta a Adolfo Ca ai Monteiro, Fernando Pe oa refere o dia 15 a im comono poema “Aniver ário”.3 — Fernando Pe oa não pô um termo à vida de Álvaro de Campo , ao con-trário do que fez com Alberto Caeiro.

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16 ~ Fernando Pe oa

A

Em 13 de Janeiro de 1935, Fernando Pe oa e reveu uma lga arta ao e ritor e ríti o literário Adolfo Ca ai Monteque lhe oli itara re osa a alguma quesõe , de ignadamen

obre a gêne e do heterônimo4. Em re osa, Pe oa fez uma“hisória direta” do eu prin ipai heterônimo , que on i

erem Alberto Caeiro, Ri ardo Rei e Álvaro de Campo . “

vejo diante de mim, no e aço in olor ma real do onho, ara , o geso de Caeiro, Ri ardo Rei e Álvaro de CamConsruí-lhe a idade e a vida ”.

riei, então, umacoterie inexisente. ixei aquilo tudo em moldede realidade. raduei a inuên ia , onhe i a amizade , ouvi, dentro de mim, a di u õe e a divergên ia de ritério , e em tudo

me pare e que fui eu, riador de tudo, o meno que ali houve. are eque tudo e pa ou independentemente de mim. pare e que a imainda e pa a. e algum dia eu puder publi ar a di u ão esétientre i ardo ei e lvaro de ampo , verá omo ele ão diferen-te , e omo eu não ou nada na matéria.

ernando e oa, orre pondên ia (1923-1935),edição: anuela arreira da ilva, i boa:

írio & lvim, 1999, pp. 343-344.

uanto a Bernardo Soare , “ajudante de guarda-livro na idde de Li boa” e autor do Livro do De a o ego, uma damai onhe ida per onalidade literária , Pe oa e larele não é um verdadeiro heterônimo: “O meu emi-heterônimBernardo Soare , que aliá em muita oi a e pare e omro de Campo , apare e empre que esou an ado ou onolen

4 — Fernando Pe oa,orre pondên ia (1923-1935), edição: Manuela Parreirada Silva, Li boa: A írio & Alvim, 1999, pp. 337-348.

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Poema de Álvaro de Campo

de orte que tenha um pou o u en a a qualidade de ra

ínio e de inibição; aquela pro a é um onsante devaneio. É uemi-heterônimo porque, não endo a per onalidade a minha,não diferente da minha, ma uma imple mutilação dela. Seu meno o ra io ínio e a afetividade”.

Á C F P

Na referida arta para Adolfo Ca ai Monteiro, Pe oa armaentrava na per onalidade de Álvaro de Campo quando ent“um úbito impul o para e rever” e não abia o quê, exprimatravé dele “toda a emoção” que não dava nem a i nem à vida5:

a o agora a re ponder à ua pergunta obre a gêne e do meu herônimo . ou ver e on igo re ponder-lhe ompletamente.

omeço pela parte p iquiátri a. [...]

e eu fo e mulher — na mulher o fenômeno hiséri o rompem eataque e oi a pare ida — ada poema de lvaro de ampo (mai hiseri amente hiséri o de mim) eria um alarme para a vizi-nhança. a ou homem — e no homen a hiseria a ume prin i- palmente a peco mentai ; a im tudo a aba em ilên io e poe ia [

, de repente, e em derivação oposa à de i ardo ei , urgiu-meimpetuo amente um novo indivíduo. um jaco, e à máquina dee rever, em interrupção nem emenda, urgiu a de riunfal de l-varo de ampo — a de om e e nome e o homem om o nome qtem. [...]

uando foi da publi ação de “ rpheu”, foi pre i o, à última hora,arranjar qualquer oi a para ompletar o número de página . ugeri

5 — Fernando Pe oa,orre pondên ia (1923-1935), edição: Manuela Parreirada Silva, Li boa: A írio & Alvim, 1999, pp. 340-345

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18 ~ Fernando Pe oa

então ao á- arneiro que eu ze e um poema “antigo” do lvarode ampo — um poema de omo o lvaro de ampo eria antede ter onhe ido aeiro e ter aído ob a ua inuên ia. a im z

piário, em que tentei dar toda a tendên ia latente do lvarode ampo , onforme haviam de er depoi revelada , ma em havainda qualquer traço de ontaco om o eu mesre aeiro. oi do poema que tenho e rito, o que me deu mai que fazer, pelo duplo poder de de per onalização que tive que de envolver. a , enm,

reio que não aiu mau, e que dá o lvaro em botão [...].

lvaro de ampo na eu em avira, no dia 15 de utubro de 1890(à 1.30 da tarde, diz-me o erreira ome ; e é verdade, poi , feitoo horó opo para e a hora, esá erto). se, omo abe, é engenheinaval (por la gow), ma agora esá aqui em i boa em inatividade.[...]

lvaro de ampo é alto (1,75 m de altura, mai 2 m do que eu),magro e um pou o tendente a urvar- e. ara rapada [...] entre bran-

o e moreno, tipo vagamente de judeu portuguê , abelo, porém, li o normalmente apartado ao lado, monó ulo. [...]

lvaro de ampo teve uma edu ação vulgar de li eu; depoi foimandado para a ó ia esudar engenharia, primeiro me âni a edepoi naval. uma féria fez a viagem ao riente de onde re ultouo piário. n inou-lhe latim um tio beirão que era padre. [...]

ernando e oa, orre pondên ia (1923-1935),edição: anuela arreira da ilva, i boa:

írio & lvim, 1999, pp. 340-344.

Á C Á CNo poema “Opiário”, publi ado no primeiro número da revisaPortugue a Orpheu, uposamente e rito em Março de 1914no “ anal de Suez, a bordo”, e dedi ado ao “Senhor Mário de Carneiro”, Álvaro de Campo de reve- e a im6:

6 — rpheu — evisa rimesral de iteratura , 1.º número, Li boa, 1915.

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Poema de Álvaro de Campo

u, que fui empre um mau esudante, agora ão faço mai que ver o navio ir

elo anal de uez a onduzir minha vida, anfora na aurora.

[...] fui riança omo toda a gente.

a i numa provin ia portuguê a tenho onhe ido gente inglê a ue diz que eu ei inglê perfeitamente.

[...] u ngi que esudei engenharia.ivi na ó ia. i itei a rlanda.

eu oração é uma avózinha que anda edindo e móla á porta da legria.

[...] olto á uropa de ontente, e em orte e vir a er um poeta onambóli o.u ou monárqui o ma não atóli o gosava de er a oi a forte .

[...] ertenço a um genero de portuguê e ue depoi de esar a ndia de oberta

i aram em trabalho. morte é erta.enho pen ado niso muita veze .

[...] aio no ópio por força. á querer ue eu leve a limpo uma vida desa

ão e pode exigir. lma honesa om hora pra dormir e pra omer,

[...] m inutil. a é tão juso ê-lo! ude e a gente de pre ar o outro , ainda que o’o otovêlo rôto ,

er herói, doido, amaldiçoado ou belo! [...]

anal o que quero é fé, é alma, não ter esa en açõe onfu a .eu que a abe om iso! bra a e lu a — basa de omédia na minh’alma!

— evisa rimesral de iteratura,n.º 1 — aneiro- evereiro- arço de

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20 ~ Fernando Pe oa

1915, pp. 71-76.

A Á CEntre todo o heterônimo , Álvaro de Campo foi o úni omanifesar fa e poéti a diferente . Houve trê fra e disina ua obra.

Começou a ua trajetória omoDecadentisa (inuen iado pelo

Simboli mo), ma logo adere ao Futuri mo: é a hamadaFa eSen acionisa , em que produz, om um esilo a emelhado aode Walt Whitman, ver ilibrisa, jacante, e om uma linguagemeufóri a onde abundam a onomatopeia , uma érie de poemde exaltação do Mundo moderno, do progre o té ni o e ie o, da indusrialização e da evolução da Humanidade: Álvarode Campo é muito inuen iado por Marinetti, o fundador dofuturi mo.

Apó uma érie de de ilu õe e ri e exisen iai , paFa e Niilisa ou Intimisa e a emelha- e muito, obretudo natemáti a abordada , à obra do Pe oa ortônimo: a de ilu

om o Mundo em que vive, a triseza, o an aço (“o q há mmim é obre do an aço”, a im omeça um do eu mai fa-mo o poema ) leva-o a reetir, de modo a az audo isa, a ua infân ia, pa ada na “v lha аa”: infân ia arquetípi a, deuma feli idade plena, é o ontraponto ao eu pre ente. Uma f

aracerizada pelo an aço e pelo ono que e denota basante poema pe imisa “acilograa” da obra Poema :

ue náu ea de vida! ue abje ção esa regularidade! ue ono ese er a im ! 7

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Poema de Álvaro de Campo

No poema “niv r ário” Álvaro de Campo ompara a ua in-

fân ia, “o t mpo m q f s java o dia do m u ano” om o tem- po pre ente, em que, arma “ já não faço ano . ro. omam- -m diа ”. Ese é talvez o exemplo mai a abado — e mai onh

ido — de a miti ação da infân ia, por ontrase à trisezade rença do poeta no pre ente.

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22 ~ Fernando Pe oa

A F P

(D poi d l r drama táti o“O marinh iro” m “Orf I”)

Depoi de doze minutoDo eu drama O Marinheiro,

Em que o mai ágei e a tutoSe entem om ono e bruto ,E de entido nem heiro,Diz rima da veladoraCom langoro a magiaDe eterno e belo há apena o onho.Por que e tamo nó falando ainda? Ora i o me mo é que eu ia Perguntar a e a enhora …

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Poema de Álvaro de Campo

A F

Ah a fre ura na fa e de não umprir um dever!Faltar é po itivamente e tar no ampo!

ue refúgio o não e poder ter onança em nó !Re piro melhor agora que pa aram a hora do en ontro ,Faltei a todo , om uma deliberação do de leixo,Fiquei e perando a vontade de ir para lá, que eu aberia que não vinhSou livre, ontra a o iedade organizada e ve tida.E tou nu, e mergulho na água da minha imaginação.E tarde para eu e tar em qualquer do doi ponto onde e taria à

me ma hora,Deliberadamente à me ma hora…E tá bem, arei aqui onhando ver o e orrindo em itáli o.É tão engraçada e ta parte a i tente da vida!Até não on igo a ender o igarro eguinte… Se é um ge to,Fique om o outro , que me e peram, no de en ontro que é a vid

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24 ~ Fernando Pe oa

U

A plá ida fa e anônima de um morto.

A im o antigo marinheiro portugue e ,ue temeram, eguindo ontudo, o mar grande do Fim,

Viram, anal, não mon tro nem grande abi mo ,Ma praia maravilho a e e trela por ver ainda.

O que é que o taipai do mundo e ondem na montra de Deu

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Poema de Álvaro de Campo

A P

A praça da Figueira de manhã,uando o dia é de ol ( omo a onte e

Sempre em Li boa), nun a em mim e que e,Embora eja uma memória vã.Há tanta oi a mai intere ante

ue aquele lugar lógi o e plebeu,Ma amo aquilo, me mo aqui… Sei euPor que o amo? Não importa. Adiante…

I to de en açõe ó vale a penaSe a gente e não põe a olhar para ela .Nenhuma dela em mim erena…

De re to, nada em mim é erto e e táDe a ordo omigo próprio. A hora belaSão a do outro ou a que não há.

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26 ~ Fernando Pe oa

A C B N P

E tou re linado na poltrona, é tarde, o Verão apagou- e…Nem onho, nem i mo, um torpor ala tra em meu érebro…Não exi te manhã para o meu torpor ne ta hora…Ontem foi um mau onho que alguém teve por mim…Há uma interrupção lateral na minha on iên ia…Continuam en o tada a porta da janela de ta tardeApe ar de a janela e tarem aberta de par em par…

Sigo em atenção a minha en açõe em nexo,E a per onalidade que tenho e tá entre o orpo e a alma…

uem dera que houve eUm ter eiro e tado pra alma, e ela tiver ó doi …Um quarto e tado pra alma, e ão trê o que ela tem…A impo ibilidade de tudo quanto eu nem hego a onharDói-me por detrá da o ta da minha on iên ia de entir…

A nau eguiram,Seguiram viagem não ei em que dia e ondido,E a rota que devem eguir e tava e rita no ritmo ,O ritmo perdido da ançõe morta do marinheiro de onho

Árvore parada da quinta, vi ta atravé da janela,Árvore e tranha a mim a um ponto in on ebível à on iên i

a e tar vendo,Árvore iguai toda a não erem mai que eu vê-la ,

Não poder eu fazer qualquer oi a gênero haver árvore quedeixa e de doer,Não poder eu oexi tir para o lado de lá om e tar-vo vendo do

lado de á.E poder levantar-me de ta poltrona deixando o onho no hão…

ue onho ?… Eu não ei e onhei… ue nau partiram, para oive e a impre ão em nexo porque no quadro fronteira

Nau partem — nau não, bar o , ma a nau e tão em mim,

E é empre melhor o impre i o que embala do que o erto que baPorque o que ba ta a aba onde ba ta, e onde a aba não ba ta,E nada que e pareça om i to devia er o entido da vida…

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Poema de Álvaro de Campo

uem pô a forma da árvore dentro da exi tên ia da árvoreuem deu frondo o a arvoredo , e me deixou por verde er?

Onde tenho o meu pen amento que me dói e tar em ele,Sentir em auxílio de poder para quando qui er, e o mar altoE a última viagem, empre para lá, da nau a ubir… Não há,

ub tân ia de pen amento na matéria de alma om que pen o…

Há ó janela aberta de par em par en o tada por au a do alque já não faz,

E o quintal heio de luz em luz agora ainda-agora, e eu.

Na vidraça aberta, fronteira ao ângulo om que o meu olhar a olheA a a bran a di tante onde mora… Fe ho o olhar…E o meu olho to na a a bran a em a verSão outro olho vendo em e tar to nela a nau que e afa ta.E eu, parado, mole, adorme ido,

enho o mar embalando-me e ofro…

Ao próprio palá io di tante a nau que pen o não leva.A e ada dando obre o mar inatingível ela não alberga.Ao jardin maravilho o na ilha inexplí ita não deixa.

udo perde o entido om que o abrigo em meu pórti oE o mar entra por o meu olho o pórti o e ando.

Caia a noite, não aia a noite, que importa a andeiaPor a ender na a a que não vejo na en o ta e eu lá?

Húmida ombra no on do tanque noturna em lua, a rã rangCoaxar tarde no vale, porque tudo é vale onde o om dói.

Milagre do apare imento da Senhora da Angú tia ao lou o ,Maravilha do enegre imento do punhal tirado para o ato ,O olho fe hado , a abeça pendida ontra a oluna erta,E o mundo para além do vitrai pai agem em ruína …

A a a bran a nau preta…Feli idade na Au trália…

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28 ~ Fernando Pe oa

A

No a a o da rua o a a o da rapariga loira.Ma não, não é aquela.A outra era noutra rua, noutra idade, e eu era outro.

Per o-me ubitamente da vi ão imediata,E tou outra vez na outra idade, na outra rua,E a outra rapariga pa a.

ue grande vantagem o re ordar intran igentemente!Agora tenho pena de nun a mai ter vi to a outra rapariga,E tenho pena de anal nem equer ter olhado para e ta.

ue grande vantagem trazer a alma virada do ave o!Ao meno e revem- e ver o .E revem- e ver o , pa a- e por doido, e depoi por gênio, e Se alhar, ou até em alhar,

Maravilha da elebridade !Ia eu dizendo que ao meno e revem- e ver o …Ma i to era a re peito de uma rapariga,De uma rapariga loira,Ma qual dela ?Havia uma que vi há muito tempo numa outra idade,Numa outra e pé ie de rua;E houve e ta que vi há muito tempo numa outra idade

Numa outra e pé ie de rua;Por que toda a re ordaçõe ão a me ma re ordação,udo que foi é a me ma morte,

Ontem, hoje, quem abe e até amanhã?

Um tran eunte olha para mim om uma e tranheza o a ional.E taria eu a fazer ver o em ge to e areta ?Pode er… A rapariga loira?É a me ma anal…

udo é o me mo anal…Só eu, de qualquer modo, não ou o me mo, e i to é o me mo

também anal.

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Poema de Álvaro de Campo

A

A ordar da idade de Li boa, mai tarde do que a outra ,A ordar da Rua do Ouro,A ordar do Ro io, à porta do afé ,A ordarE no meio de tudo a gare, que nun a dorme,Como um oração que tem que pul ar atravé da vigília e do ono

oda a manhã que raia, raia empre no me mo lugar,Não há manhã obre idade , ou manhã obre o ampo.À hora em que o dia raia, em que a luz e treme e a erguer- e

odo o lugare ão o me mo lugar, toda a terra ão a me mE é eterna e de todo o lugare a fre ura que obe por tudo.

Uma e piritualidade feita om a no a própria arne,Um alívio de viver de que o no o orpo partilha,Um entu ia mo por o dia que vai vir, uma alegria por o que podea onte er de bom,São o entimento que na em de e tar olhando para a madrugaSeja ela a leve enhora do ume do monte ,Seja ela a inva ora lenta da rua da idade que vão le te-oe t

SejaA mulher que hora baixinho

Entre o ruído da multidão em viva …O vendedor de rua , que tem um pregão e qui ito,Cheio de individualidade para quem repara…O ar anjo i olado, e ultura numa atedral,Siringe fugindo ao braço e tendido de Pã,

udo i to tende para o me mo entro,Bu a en ontrar- e e fundir- eNa minha alma.Eu adoro toda a oi aE o meu oração é um albergue aberto toda a noite.

enho pela vida um intere e ávidoue bu a ompreendê-la entindo-a muito.

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30 ~ Fernando Pe oa

Amo tudo, animo tudo, empre to humanidade a tudo,Ao homen e à pedra , à alma e à máquina ,

Para aumentar om i o a minha per onalidade.Pertenço a tudo para perten er ada vez mai a mim próprioE a minha ambição era trazer o univer o ao oloComo uma riança a quem a ama beija.Eu amo toda a oi a , uma mai do que a outra ,Não nenhuma mai do que outra, ma empre mai a que e tou veDo que a que vi ou verei.Nada para mim é tão belo omo o movimento e a en açõe .A vida é uma grande feira e tudo ão barra a e altimban o .Pen o ni to, enterneço-me ma não o ego nun a.

Dá-me lírio , lírioE ro a também.Dá-me ro a , ro a ,E lírio também,Cri ântemo , dália ,Violeta , e o gira óiA ima de toda a ore …

Deita-me a man heia ,Por ima da alma,Dá-me ro a , ro a ,E lírio também…

O meu oração horaNa ombra do parque ,Não tem quem o on oleVerdadeiramente,Ex eto a própria ombra do parqueEntrando-me na alma,Atravé do pranto.Dá-me ro a , ro a ,E lírio também…

A minha dor é velhaComo um fra o de e ên ia heio de pó.

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Poema de Álvaro de Campo

A minha dor é inútilComo uma gaiola numa terra onde não há ave ,

E minha dor é ilen io a e tri teComo a parte da praia onde o mar não hega.Chego à janelaDo palá io arruinadoE i mo de dentro para foraPara me on olar do pre ente.Dá-me ro a , ro a ,E lírio também…Ma por mai ro a e lírio que me dê ,Eu nun a a harei que a vida é ba tante.Faltar-me-á empre qualquer oi a,Sobrar-me-á empre de que de ejar,Como um pal o de erto.

Por i o, não te importe om o que eu pen o,E muito embora o que eu te peça

e pareça que não quer dizer nada,Minha pobre riança tí i a,Dá-me da tua ro a e do teu lírio ,Dá-me ro a , ro a ,E lírio também…

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32 ~ Fernando Pe oa

A

Depoi de amanhã, im, ó depoi de amanhã…Levarei amanhã a pen ar em depoi de amanhã,E a im erá po ível; ma hoje não…Não, hoje nada; hoje não po o.A per i tên ia onfu a da minha ubjetividade objetiva,O ono da minha vida real, inter alado,O an aço ante ipado e innito,Um an aço de mundo para apanhar um elétri o…E ta e pé ie de alma…Só depoi de amanhã…Hoje quero preparar-me,

uero preparar-me para pen ar amanhã no dia eguinte…Ele é que é de i ivo.

enho já o plano traçado; ma não, hoje não traço plano …Amanhã é o dia do plano .Amanhã entar-me-ei à e retária para onqui tar o mundo;Ma ó onqui tarei o mundo depoi de amanhã…

enho vontade de horar,enho vontade de horar muito de repente, de dentro…

Não, não queiram aber mai nada, é egredo, não digo.Só depoi de amanhã…

uando era riança o ir o de domingo divertia-me toda a eman

Hoje ó me diverte o ir o de domingo de toda a emana da minhinfân ia…Depoi de amanhã erei outro,A minha vida triunfar- e-á,

oda a minha qualidade reai de inteligente, lido e práti oSerão onvo ada por um edital…Ma por um edital de amanhã…Hoje quero dormir, redigirei amanhã…Por hoje, qual é o e petá ulo que me repetiria a infân ia?Me mo para eu omprar o bilhete amanhã,

ue depoi de amanhã é que e tá bem o e petá ulo…Ante , não…

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Poema de Álvaro de Campo

Depoi de amanhã terei a po e públi a que amanhã e tudarei.Depoi de amanhã erei nalmente o que hoje não po o nun a

Só depoi de amanhã…enho ono omo o frio de um ão vadio.enho muito ono.

Amanhã te direi a palavra , ou depoi de amanhã…Sim, talvez ó depoi de amanhã…

O porvir…Sim, o porvir…

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34 ~ Fernando Pe oa

A

Anal, a melhor maneira de viajar é entir.Sentir tudo de toda a maneira .Sentir tudo ex e ivamente,Porque toda a oi a ão, em verdade, ex e ivaE toda a realidade é um ex e o, uma violên ia,Uma alu inação extraordinariamente nítida

ue vivemo todo em omum om a fúria da alma ,O entro para onde tendem a e tranha força entrífuga

ue ão a p ique humana no eu a ordo de entido .

uanto mai eu inta, quanto mai eu inta omo vária pe oauanto mai per onalidade eu tiver,uanto mai inten amente, e tridentemente a tiver,uanto mai imultaneamente entir om toda ela ,uanto mai uni adamente diver o, di per adamente atento,

E tiver, entir, viver, for,Mai po uirei a exi tên ia total do univer o,Mai ompleto erei pelo e paço inteiro fora.Mai análogo erei a Deu , eja ele quem for,Porque, eja ele quem for, om erteza que é udo,E fora d’Ele há ó Ele, e udo para Ele é pou o.

Cada alma é uma e ada para Deu ,

Cada alma é um orredor-Univer o para Deu ,Cada alma é um rio orrendo por margen de ExternoPara Deu e em Deu om um u urro oturno.

Sur um orda! Erguei a alma ! oda a Matéria é E pírito,

Porque Matéria e E pírito ão apena nome onfu oDado à grande ombra que en opa o Exterior em onhoE funde em Noite e Mi tério o Univer o Ex e ivo!Sur um orda! Na noite a ordo, o ilên io é grande,A oi a , de braço ruzado obre o peito, reparam

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Poema de Álvaro de Campo

Com uma tri teza nobre para o meu olho abertoue a vê omo vago vulto noturno na noite negra.

Sur um orda! A ordo na noite e into-me diver o.odo o Mundo om a ua forma vi ível do o tume Jaz no fundo dum poço e faz um ruído onfu o,

E uto-o, e no meu oração um grande pa mo oluça.Sur um orda! Ó erra, jardim u pen o, berço

ue embala a Alma di per a da humanidade u e iva!Mãe verde e orida todo o ano re ente,

odo o ano vernal, e tival, outonal, hiemal,odo o ano elebrando à man heia a fe ta de Adóni

Num rito anterior a toda a igni açõe ,Num grande ulto em tumulto pela montanha e o vale !Grande oração pul ando no peito nu do vul õe ,Grande voz a ordando em atarata e mare ,Grande ba ante ébria do Movimento e da Mudança,Em io de vegetação e ore ên ia rompendoO teu próprio orpo de terra e ro ha , teu orpo ubmi oA tua própria vontade tran tornadora e eterna!Mãe arinho a e unânime do vento , do mare , do prado ,Vertigino a mãe do vendavai e i lone ,Mãe apri ho a que faz vegetar e e ar,

ue perturba a própria e taçõe e onfundeNum beijo imaterial o ói e a huva e o vento !

Sur um orda! Reparo para ti e todo eu ou um hino!

udo em mim omo um atélite da tua dinâmi a íntimaVolteia erpenteando, ando omo um anelNevoento, de en açõe remane ida e vaga ,Em torno ao teu vulto interno, túrgido e fervoro o.O upa de toda a tua força e de todo o teu poder quenteO meu oração a ti aberto!Como uma e pada tra pa ando meu er erguido e extáti o,Inter e iona om o meu angue, om a minha pele e o meu nerO teu movimento ontínuo, ontíguo a ti própria empre,

Sou um monte onfu o de força heia de innitoendendo em toda a direçõe para todo o lado do e paço,

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36 ~ Fernando Pe oa

A Vida, e a oi a enorme, é que prende tudo e tudo uneE faz om que toda a força que raivam dentro de mim

Não pa em de mim, nem quebrem meu er, não partam meu orpNão me arreme em, omo uma bomba de E pírito que e toiraEm angue e arne e alma e piritualizado para entre a e trelaPara além do ói de outro i tema e do a tro remoto .

udo o que há dentro de mim tende a voltar a er tudo.udo o que há dentro de mim tende a de pejar-me no hão,

No va to hão upremo que não e tá em ima nem embaixoMa ob a e trela e o ói , ob a alma e o orpoPor uma oblíqua po e do no o entido intele tuai .

Sou uma hama a endendo, ma a endo para baixo e para imA endo para todo o lado ao me mo tempo, ou um globoDe hama explo iva bu ando Deu e queimandoA ro ta do meu entido , o muro da minha lógi a,A minha inteligên ia limitadora e gelada.

Sou uma grande máquina movida por grande orreiaDe que ó vejo a parte que pega no meu tambore ,O re to vai para além do a tro , pa a para além do ói ,E nun a pare e hegar ao tambor donde parte…

O meu orpo é um entro dum volante e tupendo e innitoEm mar ha empre vertigino amente em torno de i,Cruzando- e em toda a direçõe om outro volante ,

ue e entrepenetram e mi turam, porque i to não é no e paçoMa não ei onde e pa ial de uma outra maneira-Deu .

Dentro de mim e tão pre o e atado ao hãoodo o movimento que ompõem o univer o,

A fúria minu io a e do átomo ,A fúria de toda a hama , a raiva de todo o vento ,A e puma furio a de todo o rio , que e pre ipitam,

A huva om pedra atirada de atapultaDe enorme exér ito de anõe e ondido no éu.

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Poema de Álvaro de Campo

Sou um formidável dinami mo obrigado ao equilíbrioDe e tar dentro do meu orpo, de não tran bordar da minha alma.

Ruge, e toira, ven e, quebra, e trondeia, a ode,Freme, treme, e puma, venta, viola, explode,Perde-te, tran ende-te, ir unda-te, vive-te, rompe e foge,Sê om todo o meu orpo todo o univer o e a vida,Arde om todo o meu er todo o lume e luze ,Ri a om toda a minha alma todo o relâmpago e fogo ,Sobrevive-me em minha vida em toda a direçõe !

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38 ~ Fernando Pe oa

A , O E

Ah, onde e tou onde pa o, ou onde não e tou nem pa o,A banalidade devorante da ara de toda a gente!Ah, a angú tia in uportável de gente!O an aço in onvertível de ver e ouvir!(Murmúrio outrora de regato próprio , de arvoredo meu.)

ueria vomitar o que vi, ó da náu ea de o ter vi to,E tômago da alma alvorotado de eu er…

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Poema de Álvaro de Campo

A , P

Ah, perante e ta úni a realidade, que é o mi tério,Perante e ta úni a realidade terrível — a de haver uma realidade,Perante e te horrível er que é haver er,Perante e te abi mo de exi tir um abi mo,E te abi mo de a exi tên ia de tudo er um abi mo,Ser um abi mo por imple mente er,Por poder er,Por haver er!— Perante i to tudo omo tudo o que o homen fazem,

udo o que o homen dizem,udo quanto on troem, de fazem ou e on trói ou de faz atravé

Se empequena!Não, não e empequena… e tran forma em outra oi a —Numa ó oi a tremenda e negra e impo ível,Urna oi a que e tá para além do deu e , de Deu , do De tino—Aquilo que faz que haja deu e e Deu e De tino,Aquilo que faz que haja er para que po a haver ere ,Aquilo que ub i te atravé de toda a forma ,De toda a vida , ab trata ou on reta ,Eterna ou ontingente ,Verdadeira ou fal a !Aquilo que, quando e abrangeu tudo, ainda ou fora,Porque quando e abrangeu tudo não e abrangeu expli ar por que é

um tudo,Por que há qualquer oi a, por que há qualquer oi a, por que háqualquer oi a!

A minha inteligên ia tornou- e um oração heio de pavor,E é om minha ideia que tremo, om a minha on iên ia de mCom a ub tân ia e en ial do meu er ab trato

ue ufo o de in ompreen ível,ue me e mago de ultratran endente,

E de te medo, de ta angú tia, de te perigo do ultra- er,Não e pode fugir, não e pode fugir, não e pode fugir!

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40 ~ Fernando Pe oa

Cár ere do Ser, não há libertação de ti?Cár ere de pen ar, não há libertação de ti?

Ah, não, nenhuma — nem morte, nem vida, nem Deu !Nó , irmão gêmeo do De tino em ambo exi tirmo ,Nó , irmão gêmeo do Deu e todo , de toda a e pé ie,Em ermo o me mo abi mo, em ermo a me ma ombra,Sombra ejamo , ou ejamo luz, empre a me ma noite.Ah, e afronto onado a vida, a in erteza da orte,Sorridente, impen ando, a po ibilidade quotidiana de todo o maIn on iente o mi tério de toda a oi a e de todo o ge to ,Por que não afrontarei orridente, in on iente, a Morte?Ignoro-a? Ma que é que eu não ignoro?A pena em que pego, a letra que e revo, o papel em que e revo,São mi tério menore que a Morte? Como e tudo é o me mo mi tE eu e revo, e tou e revendo, por uma ne e idade em nadaAh, afronte eu omo um bi ho a morte que ele não abe que exi te

enho eu a in on iên ia profunda de toda a oi a naturai ,Poi , por mai on iên ia que tenha, tudo é in on iên ia,Salvo o ter riado tudo, e o ter riado tudo ainda é in on iên ia,Porque é pre i o exi tir para e riar tudo,E exi tir é er in on iente, porque exi tir é er po ível haver E er po ível haver er é maior que todo o Deu e .

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Poema de Álvaro de Campo

A , S …

O meu oração é um almirante lou oque abandonou a pro ão do mare que a vai relembrando pou o a pou oem a a a pa ear, a pa ear…

No movimento (eu me mo me de lo one ta adeira, ó de o imaginar)o mar abandonado a em fo ono mú ulo an ado de parar.

Há audade na perna e no braço .Há audade no érebro por fora.Há grande raiva feita de an aço .

Ma — e ta é boa! — era do oraçãoque eu falava… e onde diabo e tou eu agoraom almirante em vez de en ação?…

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42 ~ Fernando Pe oa

A N H

Ali não havia eletri idade.Por i o foi à luz de uma vela mortiça

ue li, in erto na ama,O que e tava à mão para ler —A Bíblia, em portuguê ( oi a urio a), feita para prote tante .E reli a “Primeira Epí tola ao Coríntio ”.Em torno de mim o o ego ex e ivo de noite de provín iaFazia um grande barulho ao ontrário,Dava-me uma tendên ia do horo para a de olação.A “Primeira Epí tola ao Coríntio ”…Relia-a à luz de uma vela ubitamente antiquí ima,E um grande mar de emoção ouvia- e dentro de mim…Sou nada…Sou uma ção…

ue ando eu a querer de mim ou de tudo ne te mundo?“Se eu não tive e a aridade.”E a oberana luz manda, e do alto do é ulo ,A grande men agem om que a alma é livre…“Se eu não tive e a aridade…”Meu Deu , e eu que não tenho a aridade!…

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Poema de Álvaro de Campo

A

No tempo em que fe tejavam o dia do meu ano ,Eu era feliz e ninguém e tava morto.Na a a antiga, até eu fazer ano era uma tradição de há é ulo ,E a alegria de todo , e a minha, e tava erta om uma religião qualqu

No tempo em que fe tejavam o dia do meu ano ,Eu tinha a grande aúde de não per eber oi a nenhuma,De er inteligente para entre a família,E de não ter a e perança que o outro tinham por mim.

uando vim a ter e perança , já não abia ter e perança .uando vim a olhar para a vida, perdera o entido da vida.

Sim, o que fui de upo to a mim-me mo,O que fui de oração e parente o.O que fui de erõe de meia-provín ia,O que fui de amarem-me e eu er menino,O que fui — ai, meu Deu !, o que ó hoje ei que fui…A que di tân ia!…(Nem o a ho…)O tempo em que fe tejavam o dia do meu ano !

O que eu ou hoje é omo a umidade no orredor do m da a a,Pondo grelado na parede …

O que eu ou hoje (e a a a do que me amaram treme atravé daminha lágrima ),O que eu ou hoje é terem vendido a a a,É terem morrido todo ,É e tar eu obrevivente a mim-me mo omo um fó foro frio…

No tempo em que fe tejavam o dia do meu ano …ue meu amor, omo uma pe oa, e e tempo!

De ejo fí i o da alma de e en ontrar ali outra vez,Por uma viagem metafí i a e arnal,Com uma dualidade de eu para mim…Comer o pa ado omo pão de fome, em tempo de manteiga no den

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44 ~ Fernando Pe oa

Vejo tudo outra vez om uma nitidez que me ega para o que há aqu

A me a po ta om mai lugare , om melhore de enho na loiçamai opo ,O aparador om muita oi a — do e , fruta , o re to na ombr

debaixo do alçado,A tia velha , o primo diferente , e tudo era por minha au a,No tempo em que fe tejavam o dia do meu ano . . .

Para, meu oração!Não pen e ! Deixa o pen ar na abeça!Ó meu Deu , meu Deu , meu Deu !Hoje já não faço ano .Duro.Somam- e-me dia .Serei velho quando o for.Mai nada.Raiva de não ter trazido o pa ado roubado na algibeira!…

O tempo em que fe tejavam o dia do meu ano !…

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Poema de Álvaro de Campo

A V

Ao volante do Chevrolet pela e trada de Sintra,Ao luar e ao onho, na e trada de erta,Sozinho guio, guio qua e devagar, e um pou oMe pare e, ou me forço um pou o para que me pareça,

ue igo por outra e trada, por outro onho, por outro mundo,ue igo em haver Li boa deixada ou Sintra a que ir ter,ue igo, e que mai haverá em eguir enão não parar ma egu

Vou pa ar a noite a Sintra por não poder pa á-la em Li boa,Ma , quando hegar a Sintra, terei pena de não ter ado em Li boSempre e ta inquietação em propó ito, em nexo, em on equêSempre, empre, empre,E ta angú tia ex e iva do e pírito por oi a nenhuma,Na e trada de Sintra, ou na e trada do onho, ou na e trada da vid

Maleável ao meu movimento ub on iente do volante,Galga ob mim omigo o automóvel que me empre taram.Sorrio do ímbolo, ao pen ar nele, e ao virar à direita.Em quanta oi a que me empre taram eu igo no mundo

uanta oi a que me empre taram guio omo minha !uanto me empre taram, ai de mim!, eu próprio ou!

À e querda o a ebre — im, o a ebre — à beira da e tradaÀ direita o ampo aberto, om a lua ao longe.

O automóvel, que pare ia há pou o dar-me liberdade,É agora uma oi a onde e tou fe hadoue ó po o onduzir e nele e tiver fe hado,ue ó domino e me in luir nele, e ele me in luir a mim.

À e querda lá para trá o a ebre mode to, mai que mode to.A vida ali deve er feliz, ó porque não é a minha.Se alguém me viu da janela do a ebre, onhará: Aquele é que é feliz.

alvez à riança e preitando pelo vidro da janela do andar que e tá em Fiquei ( om o automóvel empre tado) omo um onho, uma fada real.

alvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da ozinhaNo pavimento térreo,

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46 ~ Fernando Pe oa

Sou qualquer oi a do prín ipe de todo o oração de rapariga,E ela me olhará de e guelha, pelo vidro , até à urva em que me perd

Deixarei onho atrá de mim, ou é o automóvel que o deixa?Eu, guiador do automóvel empre tado, ou o automóvel empre tado

que eu guio?

Na e trada de Sintra ao luar, na tri teza, ante o ampo e a noite,Guiando o Chevrolet empre tado de on oladamente,Per o-me na e trada futura, umo-me na di tân ia que al anço,E, num de ejo terrível, úbito, violento, in on ebível,A elero…Ma o meu oração ou no monte de pedra , de que me de viei ao vê

em vê-lo,

À porta do a ebre,O meu oração vazio,O meu oração in ati feito,O meu oração mai humano do que eu, mai exato que a vida. Na e t

de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao votante,Na e trada de Sintra, que an aço da própria imaginação,Na e trada de Sintra, ada vez mai perto de Sintra,Na e trada de Sintra, ada vez meno perto de mim…

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Poema de Álvaro de Campo

A

A minha alma partiu- e omo um va o vazio.Caiu pela e ada ex e ivamente abaixo.Caiu da mão da riada de uidada.Caiu, fez- e em mai pedaço do que havia loiça no va o.

A neira? Impo ível? Sei lá!enho mai en açõe do que tinha quando me entia eu.

Sou um e palhamento de a o obre um apa ho por a udir.

Fiz barulho na queda omo um va o que e partia.O deu e que há debruçam- e do parapeito da e ada.E tam o a o que a riada dele fez de mim.

Não e zanguem om ela.São tolerante om ela.O que era eu um va o vazio?Olham o a o ab urdamente on iente ,Ma on iente de i me mo , não on iente dele .

Olham e orriem.Sorriem tolerante à riada involuntária.

Ala tra a grande e adaria atapetada de e trela .Um a o brilha, virado do exterior lu tro o, entre o a tro .A minha obra? A minha alma prin ipal? A minha vida?Um a o.E o deu e olham-no e pe ialmente, poi não abem por que o

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48 ~ Fernando Pe oa

A

Aproveitar o tempo!Ma o que é o tempo, que eu o aproveite?Aproveitar o tempo!Nenhum dia em linha…O trabalho hone to e uperior…O trabalho à Virgílio, à Mílton…Ma é tão difí il er hone to ou uperior!É tão pou o provável er Milton ou er Virgílio!

Aproveitar o tempo!irar da alma o bo ado pre i o - nem mai nem meno -

Para om ele juntar o ubo aju tadoue fazem gravura erta na hi tória

(E e tão erta também do lado de baixo que e não vê)…Pôr a en açõe em a telo de arta , pobre China do erõe ,E o pen amento em dominó, igual ontra igual,E a vontade em arambola difí il.Imagen de jogo ou de pa iên ia ou de pa atempo -Imagen da vida, imagen da vida . Imagen da Vida.

Verbali mo…Sim, verbali mo…Aproveitar o tempo!

Não ter um minuto que o exame de on iên ia de onheça…Não ter um a to indenido nem fa tí io…

Não ter um movimento de onforme om propó ito …Boa maneira da alma…Elegân ia de per i tir…

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Poema de Álvaro de Campo

Aproveitar o tempo!O meu oração e tá an ado omo mendigo verdadeiro.

O meu érebro e tá pronto omo um fardo po to ao anto.O meu anto (verbali mo!) e tá tal omo e tá e é tri te.Aproveitar o tempo!De de que ome ei a e rever pa aram in o minuto .Aproveitei-o ou não?Se não ei e o aproveitei, que aberei de outro minuto ?!

(Pa ageira que viajara tanta veze no me mo ompartimentoomigo

No omboio uburbano,Chega te a intere ar-te por mim?Aproveitei o tempo olhando para ti?

ual foi o ritmo do no o o ego no omboio andante?ual foi o entendimento que não hegamo a ter?ual foi a vida que houve ni to? ue foi i to a vida?)

Aproveitar o tempo!Ah, deixem-me não aproveitar nada!Nem tempo, nem er, nem memória de tempo ou de er!…Deixem-me er uma folha de árvore, titilada por bri a,A poeira de uma e trada involuntária e ozinha,O vin o deixado na e trada pela roda enquanto não vêm outra ,O pião do garoto, que vai a parar,E o ila, no me mo movimento que o da alma,E ai, omo aem o deu e , no hão do De tino.

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50 ~ Fernando Pe oa

À V

À veze tenho ideia felize ,Ideia ubitamente felize , em ideiaE na palavra em que naturalmente e de pegam…

Depoi de e rever, leio…Por que e revi i to?Onde fui bu ar i to?De onde me veio i to? I to é melhor do que eu…Seremo nó ne te mundo apena aneta om tintaCom que alguém e reve a valer o que nó aqui traçamo ?…

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Poema de Álvaro de Campo

B - -F

I

Sou vil, ou rele , omo toda a genteNão tenho ideai , ma não o tem ninguém.

uem diz que o tem é omo eu, ma mente.

uem diz que bu a é porque não o tem.É om a imaginação que eu amo o bem.O meu baixo er porém não mo on ente.Pa o, fanta ma do meu er pre ente,Ébrio, por intervalo , de um Além.

Como todo não reio no que reio.alvez po a morrer por e e ideal.

Ma , enquanto não morro, falo e leio.

Ju ti ar-me? Sou quem todo ão…Modi ar-me? Para meu igual?…— A aba lá om i o, ó oração!

II

Deu e , força , alma de iên ia ou fé,Eh! anta expli ação que nada expli a!E tou entado no ai , numa barri a,E não ompreendo mai do que de pé.

Por que o havia de ompreender?Poi im, ma também por que o não havia?Águia do rio, orrendo uja e fria,Eu pa o omo tu, em mai valer…

Ó univer o, novelo emaranhado,ue pa iên ia de dedo de quem pen a

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52 ~ Fernando Pe oa

Em outra ou a te põe eparado?

Deixa de er novelo o que no a…A que brin ar? Ao amor?, à indiferença?Por mim, ó me levanto da barri a.

III

Corre, raio de rio, e leva ao marA minha indiferença ubjetiva!

ual “leva ao mar”! A tua pre ença e quiva

ue tem omigo e om o meu pen ar?Le ma de orte! Vivo a avalgarA ombra de um jumento. A vida vivaVive a dar nome ao que não e ativa,Morre a pôr etiqueta ao grande ar…

E an arado Furne , mai trê diae, aturarei, pobre engenheiro pre o

A u e ibilí ima vi toria …

Depoi , ir-me-ei embora, eu e o de prezo(E tu irá do me mo modo que ia ),Qualquer, na gare, de igarro a e o…

IV

Con lu ão a u ata!… Fiz o ál ulo,Saiu-me erto, fui elogiado…O meu oração é um enorme e trado

Onde e expõe um pequeno animál uloA mi ro ópio de de ilu õeFindei, prolixo na minú ia fútei …A minha on lu õe Dráti a , inútei …A minha on lu õe teóri a , onfu õe …

ue teoria há para quem enteO érebro quebrar- e, omo um denteDum pente de mendigo que emigrou?

Fe ho o aderno do apontamentoE faço ri o mole e inzentoNa o ta do envelope do que ou…

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Poema de Álvaro de Campo

V

Há quanto tempo, Portugal, há quantoVivemo eparado ! Ah, ma a alma,E ta alma in erta, nun a forte ou alma,Não e di trai de ti, nem bem nem tanto.Sonho, hi téri o o ulto, um vão re anto…O rio Furne , que é o que aqui banha,Só ironi amente me a ompanha,

ue e tou parado e ele orrendo tanto…

anto? Sim, tanto relativamente…

Arre, a abemo om a di tinçõe ,A ubtileza , o inter tí io, o entre,A metafí i a da en açõe —

A abemo om i to e tudo mai …Ah, que ân ia humana de er rio ou ai !

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54 ~ Fernando Pe oa

B S

De úbito, uma angú tia…Ah, que angú tia, que náu ea do e tômago à alma!

ue amigo que tenho tido!ue vazia de tudo a idade que tenho per orrido!ue e ter o metafí i o o meu propó ito todo !

Uma angú tia,Uma de on olação da epiderme da alma,Um deixar air o braço ao ol-pôr do e forço…Renego.Renego tudo.Renego mai do que tudo.Renego a gládio e m todo o Deu e e a negação dele .Ma o que é que me falta, que o into faltar-me no e tômago e na

ir ulação do angue?ue atordoamento vazio me e falfa no érebro?

Devo tomar qualquer oi a ou ui idar-me?Não: vou exi tir. Arre! Vou exi tir.E-xi -tir…E--xi --tir…

Meu Deu ! ue budi mo me e fria no angue!Renun iar de porta toda aberta ,Perante a pai agem toda a pai agen ,

Sem e perança, em liberdade,Sem nexo,A idente da in on equên ia da uperfí ie da oi a ,Monótono ma dorminho o,E que bri a quando a porta e a janela e tão toda aberta !

ue verão agradável do outro !Dêem-me de beber, que não tenho ede!

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Poema de Álvaro de Campo

C A

Chega atravé do dia de névoa alguma oi a do e que imento,Vem brandamente om a tarde a oportunidade da perda.Adormeço em dormir, ao relento da vida.

É inútil dizer-me que a açõe têm on equên ia .É inútil eu aber que a açõe u am on equên ia .É inútil tudo, é inútil tudo, é inútil tudo.

Atravé do dia de névoa não hega oi a nenhuma.inha agora vontade

De ir e perar ao omboio da Europa o viajante anun iado,De ir ao ai ver entrar o navio e ter pena de tudo.

Não vem om a tarde oportunidade nenhuma.

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56 ~ Fernando Pe oa

C -C !

Não ei qual é o entimento, ainda inexpre o,ue ubitamente, omo uma ufo ação, me aige

O oração que, de repente,Entre o que vive, e e que e.Não ei qual é o entimento

ue me de via do aminho,ue me dá de repente

Um nojo daquilo que eguia,Uma vontade de nun a hegar a a a,Um de ejo de indenido.Um de ejo lú ido de indenido.

uatro veze mudou a e tação fal aNo fal o ano, no imutável ur oDo tempo on equente;Ao verde egue o e o, e ao e o o verde,E não abe ninguém qual é o primeiro,Nem o último, e a abam.

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Poema de Álvaro de Campo

C H

Começa a haver meia-noite, e a haver o ego,Por toda a parte da oi a obrepo ta ,O andare vário da a umulação da vida…Calaram o piano no ter eiro andar…Não oiço já pa o no egundo andar…No ré -do- hão o rádio e tá em ilên io…

Vai tudo dormir…

Fi o ozinho om o univer o inteiro.Não quero ir à janela:Se eu olhar, que de e trela !

ue grande ilên io maiore há no alto!ue éu anti itadino! —

Ante , re lu o,Num de ejo de não er re lu o,E uto an io amente o ruído da rua…Um automóvel — dema iado rápido! —O duplo pa o em onver a falam-me…O om de um portão que e fe ha bru o doí-me…

Vai tudo dormir…

Só eu velo, onolentamente e utando,E perandoQualquer oi a ante que durma…Qualquer oi a.

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58 ~ Fernando Pe oa

C -

Começo a onhe er-me. Não exi to.Sou o intervalo entre o que de ejo er e o outro me zeram,ou metade de e intervalo, porque também há vida…Sou i o, enm…Apague a luz, fe he a porta e deixe de ter barulho de hinelo no

orredor.Fique eu no quarto ó om o grande o ego de mim me mo.É um univer o barato.

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Poema de Álvaro de Campo

C

Con lu ão a u ata!… Fiz o ál ulo,Saiu-me erto, fui elogiado…O meu oração é um enorme e tradoOnde e expõe um pequeno animál ulo…

A mi ro ópio de de ilu õeFindei, prolixo na minú ia fútei …A minha on lu õe práti a , inútei …A minha on lu õe teóri a , onfu õe …

ue teoria há para quem enteO érebro quebrar- e, omo um denteDum pente de mendigo que emigrou?

Fe ho o aderno do apontamentoE faço ri o mole e inzentoNa o ta do envelope do que ou…

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60 ~ Fernando Pe oa

C

Contudo, ontudo,ambém houve gládio e âmula de ore

Na Primavera do que onhei de mim.ambém a e perança

Orvalhou o ampo da minha vi ão involuntária,ambém tive quem também me orri e.

Hoje e tou omo e e e tive e ido outro.uem fui não me lembra enão omo uma hi tória apen a.uem erei não me intere a, omo o futuro do mundo.

Caí pela e ada abaixo ubitamente,E até o om de air era a gargalhada da queda.Cada degrau era a te temunha importuna e duraDo ridí ulo que z de mim.

Pobre do que perdeu o lugar ofere ido por não ter a a o limpo oque apare e e,Ma pobre também do que, endo ri o e nobre,Perdeu o lugar do amor por não ter a a o bom dentro do de ejo.Sou impar ial omo a neve.Nun a preferi o pobre ao ri o,Como, em mim, nun a preferi nada a nada.

Vi empre o mundo independentemente de mim.Por trá di o e tavam a minha en açõe viví ima ,Ma i o era outro mundo.Contudo a minha mágoa nun a me fez ver negro o que era or de laranjA ima de tudo o mundo externo!Eu que me aguente omigo e om o omigo de mim.

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Poema de Álvaro de Campo

C

Cruz na porta da taba aria!uem morreu? O próprio Alve ? Dou

Ao diabo o bem-e tar que trazia.De de ontem a idade mudou.

uem era? Ora, era quem eu via.odo o dia o via. E tou

Agora em e a monotonia.De de ontem a idade mudou.

Ele era o dono da taba aria.Um ponto de referên ia de quem ouEu pa ava ali de noite e de dia.De de ontem a idade mudou.

O meu oração tem pou a alegria,E i to diz que é morte aquilo onde e tou.Horror fe hado da taba aria!De de ontem a idade mudou.

Ma ao meno a ele alguém o via,Ele era xo, eu, o que vou,Se morrer, não falto, e ninguém diria.

De de ontem a idade mudou.

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62 ~ Fernando Pe oa

C

Cruzou por mim, veio ter omigo, numa rua da BaixaAquele homem mal ve tido, pedinte por pro ão que e lhe vê na

ue impatiza omigo e eu impatizo om ele;E re ipro amente, num ge to largo, tran bordante, dei-lhe tudo

quanto tinha(Ex eto, naturalmente, o que e tava na algibeira onde trago mai dinheNão ou parvo nem roman i ta ru o, apli ado,E romanti mo, im, ma devagar…).

Sinto uma impatia por e a gente toda,Sobretudo quando não mere e impatia.Sim, eu ou também vadio e pedinte,E ou-o também por minha ulpa.Ser vadio e pedinte não é er vadio e pedinte:E’ e tar ao lado da e ala o ial,E’ não er adaptável à norma da vida,‘A norma reai ou entimentai da vida -Não er Juiz do Supremo, empregado erto, pro tituta,Não er pobre a valer, operário explorado,Não er doente de uma doença in urável,Não er edento da ju tiça, ou apitão de avalaria,Não er, enm, aquela pe oa o iai do noveli ta

ue e fartam de letra porque tem razão para horar lagrima ,

E e revoltam ontra a vida o ial porque tem razão para i o upNão: tudo meno ter razão!

udo meno importar- e om a humanidade!udo meno eder ao humanitari mo!

De que erve uma en ação e há uma razão exterior a ela?

Sim, er vadio e pedinte, omo eu ou,Não é er vadio e pedinte, o que é orrente:E’ er i olado na alma, e i o é que é er vadio,E’ ter que pedir ao dia que pa em, e no deixem, e i o é que

pedinte.

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Poema de Álvaro de Campo

udo o mai é e túpido omo um Do toiev ki ou um Gorki.

udo o mai é ter fome ou não ter o que ve tir.E, me mo que i o a onteça, i o a onte e a tanta genteue nem vale a pena ter pena da gente a quem i o a onte e.

Sou vadio e pedinte a valer, i to é, no entido tran lato,E e tou-me rebolando numa grande aridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campo !ão i olado na vida! ão deprimido na en açõe !

Coitado dele, enado na poltrona da ua melan olia!Coitado dele, que om lagrima (autenti a ) no olho ,Deu hoje, num ge to largo, liberal e mo ovita,

udo quanto tinha, na algibeira em que tinha olho tri te por pro

Coitado do Álvaro de Campo , om quem ninguém e importa!Coitado dele que tem tanta pena de i me mo!

E, im, oitado dele!Mai oitado dele que de muito que ão vadio e vadiam,ue ão pedinte e pedem,Porque a alma humana é um abi mo.

Eu é que ei. Coitado dele!ue bom poder-me revoltar num omí io dentro de minha alma!

Ma até nem parvo ou!

Nem tenho a defe a de poder ter opiniõe o iai .Não tenho, me mo, defe a nenhuma: ou lú ido.

Não me queiram onverter a onvi ção: ou lú ido!

Já di e: ou lú ido.Nada de e téti a om oração: ou lú ido.Merda! Sou lú ido.

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64 ~ Fernando Pe oa

D

raço, ozinho, no meu ubí ulo de engenheiro, o plano,Firmo o projeto, aqui i olado,Remoto até de quem eu ou.

Ao lado, a ompanhamento banalmente ini tro,O tique-taque e talado da máquina de e rever.

ue náu ea da vida!ue abjeção e ta regularidade!ue ono e te er a im!

Outrora, quando fui outro, eram a telo e avaleiro(Ilu traçõe , talvez, de qualquer livro de infân ia),Outrora, quando fui verdadeiro ao meu onho,Eram grande pai agen do Norte, explí ita de neve,Eram grande palmare do Sul, opulento de verde .

Outrora.

Ao lado, a ompanhamento banalmente ini tro,O tique-taque e talado da máquina de e rever.

emo todo dua vida :A verdadeira, que é a que onhamo na infân ia,

E que ontinuamo onhando, adulto , num ub trato de névoa;A fal a, que é a que vivemo em onvivên ia om outro ,ue é a práti a, a útil,

Aquela em que a abam por no meter num aixão.

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66 ~ Fernando Pe oa

D M

Ah, pou o a pou o, entre a árvore antiga ,A gura dela emerge e eu deixo de pen ar…

Pou o a pou o, da angú tia de mim vou eu me mo emergindo…A dua gura en ontram- e na lareira ao pé do lago….

…A dua gura onhada …Porque i to foi ó um raio de luar e uma tri teza minha,E uma upo ição de outra oi a,E o re ultado de exi tir…

Verdadeiramente, ter- e-iam en ontrado a dua guraNa lareira ao pé do lago?(…Ma e não exi tem?…)…Na lareira ao pé do lago?…

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Poema de Álvaro de Campo

D

Na rua heia de ol vago há a a parada e gente que anda.Uma tri teza heia de pavor e fria-me.Pre into um a onte imento do lado de lá da frontaria e do

movimento .

Não, não, i o não!udo meno aber o que é o Mi tério!

Superfí ie do Univer o, ó Pálpebra De ida ,Não vo ergai nun a!O olhar da Verdade Final não deve poder uportar- e!

Deixai-me viver em aber nada, e morrer em ir aber nada!A razão de haver er, a razão de haver ere , de haver tudo,Deve trazer uma lou ura maior que o e paçoEntre a alma e entre a e trela .

Não, não, a verdade não! Deixai-me e ta a a e e ta gente;A im me mo, em mai nada, e ta a a e e ta gente…

ue bafo horrível e frio me to a em olho fe hado ?Não o quero abrir de viver! ó Verdade, e que e-te de mim!

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68 ~ Fernando Pe oa

D M

Depu a má ara e vi-me ao e pelho —Era a riança de há quanto ano .Não tinha mudado nada…É e a a vantagem de aber tirar a má ara.É- e empre a riança,O pa ado que foiA riança.Depu a má ara, e tornei a pô-la.A im é melhor,A im em a má ara.E volto à per onalidade omo a um términu de linha.

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Poema de Álvaro de Campo

D

De fraldando ao onjunto tí io do éu e treladoO e plendor do entido nenhum da vida…

oquem num arraial a mar ha fúnebre minha!uero e ar em on equên ia …uero ir para a morte omo para uma fe ta ao repú ulo.

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70 ~ Fernando Pe oa

D M P

Um dia, num re taurante, fora do e paço e do tempo,Serviram-me o amor omo dobrada fria.Di e deli adamente ao mi ionário da ozinha

ue a preferia quente,ue a dobrada (e era à moda do Porto) nun a e ome fria.

Impa ientaram- e omigo.Nun a e pode ter razão, nem num re taurante.Não omi, não pedi outra oi a, paguei a onta,E vim pa ear para toda a rua.

uem abe o que i to quer dizer?Eu não ei, e foi omigo…

(Sei muito bem que na infân ia de toda a gente houve um jardim,Parti ular ou públi o, ou do vizinho.Sei muito bem que brin armo era o dono dele.E que a tri teza é de hoje).

Sei i o muita veze ,Ma , e eu pedi amor, porque é que me trouxeramDobrada à moda do Porto fria?Não é prato que e po a omer frio,

Ma trouxeram-mo frio.Não me queixei, ma e tava frio,Nun a e pode omer frio, ma veio frio.

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Poema de Álvaro de Campo

D E O

( , )

I

Vem, Noite antiquí ima e idênti a,Noite Rainha na ida de tronada,Noite igual por dentro ao ilên io, NoiteCom a e trela lentejoula rápidaNo teu ve tido franjado de Innito.

Vem, vagamente,Vem, levemente,Vem ozinha, olene, om a mão aídaAo teu lado, vemE traz o monte longínquo para o pé da árvore próxima ,Funde num ampo teu todo o ampo que vejo,Faze da montanha um blo o ó do teu orpo,Apaga-lhe toda a diferença que de longe vejo,

oda a e trada que a obem,oda a vária árvore que a fazem verde-e uro ao longe.oda a a a bran a e om fumo entre a árvore ,E deixa ó uma luz e outra luz e mai outra,

Na di tân ia impre i a e vagamente perturbadora,Na di tân ia ubitamente impo ível de per orrer.No a SenhoraDa oi a impo ívei que pro uramo em vão,Do onho que vêm ter onno o ao repú ulo, à janela,Do propó ito que no a ari iam

No grande terraço do hotéi o mopolitaAo om europeu da mú i a e da voze longe e perto,E que doem por abermo que nun a o realizaremo …Vem, e embala-no ,

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72 ~ Fernando Pe oa

Vem e afaga-no .Beija-no ilen io amente na fronte,

ão levemente na fronte que não aibamo que no beijamSenão por uma diferença na alma.E um vago oluço partindo melodio amenteDo antiquí imo de nóOnde têm raiz toda e a árvore de maravilhaCujo fruto ão o onho que afagamo e amamoPorque o abemo fora de relação om o que há na vida.

Vem olení ima,Solení ima e heiaDe uma o ulta vontade de oluçar,

alvez porque a alma é grande e a vida pequena,E todo o ge to não aem do no o orpoE ó al ançamo onde o no o braço hega,E ó vemo até onde hega o no o olhar.

Vem, doloro a,Mater-Doloro a da Angú tia do ímido ,urri -Eburnea da ri teza do De prezado ,Mão fre a obre a te ta em febre do humilde ,Sabor de água obre o lábio e o do Can ado .Vem, lá do fundoDo horizonte lívido,Vem e arran a-meDo olo de angú tia e de inutilidade

Onde vi ejo.Apanha-me do meu olo, malmequer e que ido,Folha a folha lê em mim não ei que inaE de folha-me para teu agrado,Para teu agrado ilen io o e fre o.Uma folha de mim lança para o Norte,Onde e tão a idade de Hoje que eu tanto amei;Outra folha de mim lança para o Sul,Onde e tão o mare que o Navegadore abriram;Outra folha minha atira ao O idente,Onde arde ao rubro tudo o que talvez eja o Futuro,

ue eu em onhe er adoro;

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Poema de Álvaro de Campo

E a outra, a outra , o re to de mimAtira ao Oriente,

Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,Ao Oriente pompo o e fanáti o e quente,Ao Oriente ex e ivo que eu nun a verei,Ao Oriente budi ta, bramâni o, intoí ta,Ao Oriente que tudo o que nó não temo ,

ue tudo o que nó não omo ,Ao Oriente onde — quem abe? — Cri to talvez ainda hoje viva,Onde Deu talvez exi ta realmente e mandando tudo…

Vem obre o mare ,Sobre o mare maiore ,Sobre o mare em horizonte pre i o ,Vem e pa a a mão pelo dor o da fera,E a alma-o mi terio amente,ó domadora hipnóti a da oi a que e agitam muito!

Vem, uidado a,Vem, maternal,Pé ante pé enfermeira antiquí ima, que te enta teÀ abe eira do deu e da fé já perdida ,E que vi te na er Jeová e Júpiter,E orri te porque tudo te é fal o é inútil.

Vem, Noite ilen io a e extáti a,Vem envolver na noite manto bran o

O meu oração…Serenamente omo uma bri a na tarde leve,ranquilamente om um ge to materno afagando.

Com a e trela luzindo na tua mãoE a lua má ara mi terio a obre a tua fa e.

odo o on oam de outra maneirauando tu ven .uando tu entra baixam toda a voze ,

Ninguém te vê entrar.Ninguém abe quando entra te,Senão de repente, vendo que tudo e re olhe,

ue tudo perde a are ta e a ore ,

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74 ~ Fernando Pe oa

E que no alto éu ainda laramente azul Já re ente nítido, ou ír ulo bran o, ou mera luz nova que vem.

A lua omeça a er real.

II

Ah o repú ulo, o air da noite, o a ender da luze na grandeidade

E a mão de mi tério que abafa o bulí io,E o an aço de tudo em nó que no orrompePara uma en ação exata e pre i a e ativa da Vida!Cada rua é um anal de uma Veneza de tédioE que mi terio o o fundo unânime da rua ,Da rua ao air da noite, ó Ce ário Verde, ó Me tre,Ó do “Sentimento de um O idental”!

ue inquietação profunda, que de ejo de outra oi a ,ue nem ão paí e , nem momento , nem vida ,ue de ejo talvez de outro modo de e tado de alma

Umede e interiormente o in tante lento e longínquo!

Um horror onâmbulo entre luze que e a endem,Um pavor terno e líquido, en o tado à e quinaComo um mendigo de en açõe impo ívei

ue não abe quem lha po a dar…uando eu morrer,uando me for, ignobilmente, omo toda a gente,

Por aquele aminho uja ideia e não pode en arar de frente,Por aquela porta a que, e pudé emo a omar, não a omaríamPara aquele porto que o apitão do Navio não onhe e,Seja por e ta hora ondigna do tédio que tive,Por e ta hora mí ti a e e piritual e antiquí ima,Por e ta hora em que talvez, há muito mai tempo do que pare e,Platão onhando viu a ideia de DeuE ulpir orpo e exi tên ia nitidamente plau ível.

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Poema de Álvaro de Campo

Dentro do eu pen amento exteriorizado omo um ampo.

Seja por e ta hora que me levei a enterrar,Por e ta hora que eu não ei omo viver,Em que não ei que en açõe ter ou ngir que tenho,Por e ta hora uja mi eri órdia é torturada e ex e iva,Cuja ombra vêm de qualquer outra oi a que não a oi a ,Cuja pa agem não roça ve te no hão da Vida Sen ívelNem deixa perfume no aminho do Olhar.Cruza a mão obre o joelho, ó ompanheira que eu não tenho ne

quero ter.

Cruza a mão obre o joelho e olha-me em ilên ioA e ta hora em que eu não po o ver que tu me olha ,Olha-me em ilên io e em egredo e pergunta a ti própria

u que me onhe e — quem eu ou…

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76 ~ Fernando Pe oa

D I

Domingo irei para a horta na pe oa do outro ,Contente da minha anonimidade.Domingo erei feliz — ele , ele …Domingo…Hoje é quinta-feira da emana que não tem domingo…Nenhum domingo. —Nun a domingo. —Ma empre haverá alguém na horta no domingo que vem.A im pa a a vida,Sutil para quem ente,Mai ou meno para quem pen a:Haverá empre alguém na horta ao domingo,Não no no o domingo,Não no meu domingo,Não no domingo…Ma empre haverá outro na horta e ao domingo!

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Poema de Álvaro de Campo

E -

En o tei-me para trá na adeira de onvé e fe hei o olho ,E o meu de tino apare eu-me na alma omo um pre ipí io.A minha vida pa ada mi turou- e om a futura,E houve no meio um ruído do alão de fumo,Onde, ao meu ouvido , a abara a partida de xadrez.

Ah, balouçadoNa en ação da onda ,Ah, embaladoNa ideia tão onfortável de hoje ainda não er amanhã,De pelo meno ne te momento não ter re pon abilidade nenhumDe não ter per onalidade propriamente, ma entir-me ali,Em ima da adeira omo um livro que a ue a ali deixa e.

Ah, afundadoNum torpor da imaginação, em dúvida um pou o ono,Irrequieto tão o egadamente,

ão análogo de repente à riança que fui outrorauando brin ava na quinta e não abia álgebra,

Nem a outra álgebra om x e y’ de entimento.

Ah, todo eu an eioPor e e momento em importân ia nenhuma

Na minha vida,Ah, todo eu an eio por e e momento, omo por outro análogo Aquele momento em que não tive importân ia nenhuma,Aquele em que ompreendi todo o vá uo da exi tên ia em

inteligên ia para o ompreenderE havia luar e mar e a olidão, ó Álvaro.

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Poema de Álvaro de Campo

E V A

E ta velha angú tia,E ta angú tia que trago há é ulo em mim,

ran bordou da va ilha,Em lágrima , em grande imaginaçõe ,Em onho em e tilo de pe adelo em terror,Em grande emoçõe úbita em entido nenhum.

ran bordou.Mal ei omo onduzir-me na vidaCom e te mal-e tar a fazer-me prega na alma!Se ao meno endoide e e devera !Ma não: é e te e tar entre,E te qua e,E te poder er que…,I to.

Um internado num mani ómio é, ao meno , alguém,Eu ou um internado num mani ómio em mani ómio.E tou doido a frio,E tou lú ido e lou o,E tou alheio a tudo e igual a todo :E tou dormindo de perto om onho que ão lou uraPorque não ão onho .

E tou a im…Pobre velha a a da minha infân ia perdida!

uem te diria que eu me de a olhe e tanto!ue é do teu menino? E tá malu o.ue é de quem dormia o egado ob o teu teto provin iano?

E tá malu o.uem de quem fui? E tá malu o. Hoje é quem eu ou.

Se ao meno eu tive e uma religião qualquer!Por exemplo, por aquele manipan o

ue havia em a a, lá ne a, trazido de Áfri a.

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80 ~ Fernando Pe oa

Era feií imo, era grote o,Ma havia nele a divindade de tudo em que e rê.

Se eu pude e rer num manipan o qualquer — Júpiter, Jeová, a Humanidade —Qualquer erviria,Poi o que é tudo enão o que pen amo de tudo?

E tala, oração de vidro pintado!

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Poema de Álvaro de Campo

E

E tou tonto,onto de tanto dormir ou de tanto pen ar,

Ou de amba a oi a .O que ei é que e tou tontoE não ei bem e me devo levantar da adeiraOu omo me levantar dela.Fiquemo ni to: e tou tonto.

Analue vida z eu da vida?

Nada.udo inter tí io ,udo aproximaçõe ,udo função do irregular e do ab urdo,udo nada.

É por i o que e tou tonto…

Agoraoda a manhã me levantoonto…

Sim, verdadeiramente tonto…Sem aber em mim e meu nome,Sem aber onde e tou,Sem aber o que fui,

Sem aber nada.Ma e i to é a im, é a im.Deixo-me e tar na adeira,E tou tonto.Bem, e tou tonto.Fi o entadoE tonto,Sim, tonto,

onto…onto.

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82 ~ Fernando Pe oa

E C

E tou an ado, é laro,Porque, a erta altura, a gente tem que e tar an ado.De que e tou an ado, não ei:De nada me erviria abê-lo,Poi o an aço a na me ma.A ferida dói omo dóiE não em função da au a que a produziu.Sim, e tou an ado,E um pou o orridenteDe o an aço er ó i to —Uma vontade de ono no orpo,Um de ejo de não pen ar na alma,E por ima de tudo uma tran parên ia lú idaDo entendimento retro petivo…E a luxúria úni a de não ter já e perança ?Sou inteligente; ei tudo.enho vi to muito e entendido muito o que tenho vi to,E há um erto prazer até no an aço que i to no dá,

ue anal a abeça empre erve para qualquer oi a.

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Poema de Álvaro de Campo

E

Eu, eu me mo…Eu, heio de todo o an aço

uanto o mundo pode dar. —Eu…Anal tudo, porque tudo é eu,E até a e trela , ao que pare e,Me aíram da algibeira para de lumbrar riança …

ue riança não ei…Eu…Imperfeito? In ógnito? Divino?Não ei…Eu…

ive um pa ado? Sem dúvida…enho um pre ente? Sem dúvida…erei um futuro? Sem dúvida…

A vida que pare de aqui a pou o…Ma eu, eu…Eu ou eu,Eu o eu,Eu…

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84 ~ Fernando Pe oa

F

Farói di tante ,De luz ubitamente tão a e a,De noite e au ên ia tão rapidamente volvida,Na noite, no onvé , que on equên ia aita !Mágoa última do de pedido ,Fi ção de pen ar…

Farói di tante …In erteza da vida…Voltou re endo a luz a e a avançadamente,No a a o do olhar perdido…

Farói di tante …A vida de nada erve…Pen ar na vida de nada erve…Pen ar de pen ar na vida de nada erve…Vamo para longe e a luz que vem grande vem meno grande.Farói di tante …

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Poema de Álvaro de Campo

G

Do LLOYD GEORGES da BabilóniaNão reza a hi tória nada.Do Briand da A íria ou do Egito,Do rot ky de qualquer olóniaGrega ou romana já pa ada,O nome é morto, inda que e rito.

Só o parvo dum poeta, ou um lou oue fazia lo oa,

Ou um geómetra maduro,Sobrevive a e e tanto pou o

ue e tá lá para trá no e uroE nem a hi tória já hi toria.

Ó grande homen do Momento!Ó grande glória a ferverDe quem a ob uridade foge!Aproveitem em pen amento!

ratem da fama e do omer,ue amanhã é do lou o de hoje!

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86 ~ Fernando Pe oa

G

Go tava de go tar de go tar.Um momento… Dá-me de ali um igarro,Do maço em ima da me a de abe eira.Continua… Dizia

ue no de envolvimento da meta i aDe Kant a HegelAlguma oi a e perdeu.Con ordo em ab oluto.E tive realmente a ouvir.Nondum amabam et amare amabam (Santo Ago tinho).

ue oi a urio a e ta a o iaçõe de ideia !E tou fatigado de e tar pen ando em entir outra oi a.Obrigado. Deixa-me a ender. Continua. Hegel…

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Poema de Álvaro de Campo

G S D

Grande ão o de erto , e tudo é de erto.Não ão alguma tonelada de pedra ou tijolo ao alto

ue di farçam o olo, o tal olo que é tudo.Grande ão o de erto e a alma de erta e grandeDe erta porque não pa a por ela enão ela me ma ,Grande porque de ali e vê tudo, e tudo morreu.

Grande ão o de erto , minha alma!Grande ão o de erto .

Não tirei bilhete para a vida,Errei a porta do entimento,Não houve vontade ou o a ião que eu não perde e.Hoje não me re ta, em vé pera de viagem,Com a mala aberta e perando a arrumação adiada,Sentado na adeira em ompanhia om a ami a que não abemHoje não me re ta (à parte o in ómodo de e tar a im entado)Senão aber i to:Grande ão o de erto , e tudo é de erto.Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala om o olho de pen ar em arrumarue om arrumação da mão fa tí ia (e reio que digo bem)

A endo o igarro para adiar a viagem,Para adiar toda a viagen .Para adiar o univer o inteiro.

Volta amanhã, realidade!Ba ta por hoje, gente !Adia-te, pre ente ab oluto!Mai vale não er que er a im.

Comprem ho olate à riança a quem u edi por erro,E tirem a tabuleta porque amanhã é innito.

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88 ~ Fernando Pe oa

Ma tenho que arrumar mala,enho por força que arrumar a mala,

A mala.Não po o levar a ami a na hipóte e e a mala na razão.Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.Ma também, toda a vida, tenho ado entado obre o anto da

ami a empilhada ,A ruminar, omo um boi que não hegou a Ápi , de tino.

enho que arrumar a mala de er.enho que exi tir a arrumar mala .

A inza do igarro ai obre a ami a de ima do monte.Olho para o lado, veri o que e tou a dormir.Sei ó que tenho que arrumar a mala,E que o de erto ão grande e tudo é de erto,E qualquer parábola a re peito di to, ma de a é que já me e qu

Ergo-me de repente todo o Cé are .Vou denitivamente arrumar a mala.Arre, hei de arrumá-la e fe há-la;Hei de vê-la levar de aqui,Hei de exi tir independentemente dela.

Grande ão o de erto e tudo é de erto,Salvo erro, naturalmente.Pobre da alma humana om oá i ó no de erto ao lado!

Mai vale arrumar a mala.Fim.

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Poema de Álvaro de Campo

H M

Há mai de meia horaue e tou entado à e retária

Com o úni o intuitoDe olhar para ela.(E te ver o e tão fora do meu ritmo.Eu também e tou fora do meu ritmo.)

inteiro grande à frente.Caneta om aparo novo à frente.Mai para á papel muito limpo.Ao lado e querdo um volume da “En i lopédia Britâni a”.Ao lado direito —Ah, ao lado direitoA fa a de papel om que ontemNão tive pa iên ia para abrir ompletamenteO livro que me intere ava e não lerei.

uem pude e intonizar tudo i to!

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90 ~ Fernando Pe oa

I

Não durmo, nem e pero dormir.Nem na morte e pero dormir.

E pera-me uma in ônia da largura do a tro ,E um bo ejo inútil do omprimento do mundo.

Não durmo; não po o ler quando a ordo de noite,

Não po o e rever quando a ordo de noite,Não po o pen ar quando a ordo de noite —Meu Deu , nem po o onhar quando a ordo de noite!

Ah, o ópio de er outra pe oa qualquer!

Não durmo, jazo, adáver a ordado, entindo,E o meu entimento é um pen amento vazio.Pa am por mim, tran tornada , oi a que me u ederam

— oda aquela de que me arrependo e me ulpo;Pa am por mim, tran tornada , oi a que me não u ederam— oda aquela de que me arrependo e me ulpo;Pa am por mim, tran tornada , oi a que não ão nada,E até de a me arrependo, me ulpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para a ender um igarro.Fito a parede fronteira do quarto omo e fo e o univer o.Lá fora há o ilên io de a oi a toda.

Um grande ilên io apavorante noutra o a ião qualquer,Noutra o a ião qualquer em que eu pude e entir.

E tou e revendo ver o realmente impáti o —Ver o a dizer que não tenho nada que dizer,Ver o a teimar em dizer i o,Ver o , ver o , ver o , ver o , ver o …

anto ver o …E a verdade toda, e a vida toda fora dele e de mim!

enho ono, não durmo, into e não ei em que entir.Sou uma en ação em pe oa orre pondente,Uma ab tração de auto on iên ia em de quê,

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Poema de Álvaro de Campo

Salvo o ne e ário para entir on iên ia,Salvo — ei lá alvo o quê…

Não durmo. Não durmo. Não durmo.ue grande ono em toda a abeça e em ima do olho e na almaue grande ono em tudo ex eto no poder dormir!

Ó madrugada, tarda tanto… Vem…Vem, inutilmente,

razer-me outro dia igual a e te, a er eguido por outra noite iguaa e ta…

Vem trazer-me a alegria de a e perança tri te,Porque empre é alegre, e empre traze e perança,Segundo a velha literatura da en açõe .Vem, traz a e perança, vem, traz a e perança.O meu an aço entra pelo ol hão dentro.Doem-me a o ta de não e tar deitado de lado.Se e tive e deitado de lado doíam-me a o ta de e tar deitado

lado.Vem, madrugada, hega!

ue hora ão? Não ei.Não tenho energia para e tender uma mão para o relógio,Não tenho energia para nada, para mai nada…Só para e te ver o , e rito no dia eguinte.Sim, e rito no dia eguinte.

odo o ver o ão empre e rito no dia eguinte.

Noite ab oluta, o ego ab oluto, lá fora.Paz em toda a Natureza.A Humanidade repou a e e que e a ua amargura .Exatamente.A Humanidade e que e a ua alegria e amargura .Co tuma dizer- e i to.A Humanidade e que e, im, a Humanidade e que e,Ma me mo a ordada a Humanidade e que e.Exatamente. Ma não durmo.

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92 ~ Fernando Pe oa

L - , J …

Vé pera de viagem, ampainha…Não me obreavi em e tridentemente!

uero gozar o repou o da gare da alma que tenhoAnte de ver avançar para mim a hegada de ferroDo omboio denitivo,Ante de entir a partida verdadeira na goela do e tômago,Ante de pôr no e tribo um pé

ue nun a aprendeu a não ter emoção empre que teve que partir.uero, ne te momento, fumando no apeadeiro de hoje,

E tar ainda um bo ado agarrado à velha vida.Vida inútil, que era melhor deixar, que é uma ela?

ue importa?odo o Univer o é uma ela, e o e tar pre o não tem que ver om

tamanho da ela.

Sabe-me a náu ea próxima o igarro. O omboio já partiu da outrae tação…

Adeu , adeu , adeu , toda a gente que não veio de pedir- e de miA minha família ab trata e impo ível…Adeu dia de hoje, adeu apeadeiro de hoje, adeu vida, adeu vidFi ar omo um volume rotulado e que ido,Ao anto do re guardo de pa ageiro do outro lado da linha.

Ser en ontrado pelo guarda a ual depoi da partida —“E e ta? Então não houve um tipo que deixou i to aqui?” —Fi ar ó a pen ar em partir,Fi ar e ter razão,Fi ar e morrer meno …Vou para o futuro omo para um exame difí il.Se o omboio nun a hega e e Deu tive e pena de mim?

Já me vejo na e tação até aqui imple metáfora.Sou uma pe oa perfeitamente apre entável.Vê- e — dizem — que tenho vivido no e trangeiro.

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Poema de Álvaro de Campo

O meu modo ão de homem edu ado, evidentemente.Pego na mala, rejeitando o moço, omo a um ví io vil.

E a mão om que pego na mala treme-me e a ela.Partir!Nun a voltarei,Nun a voltarei porque nun a e volta.O lugar a que e volta é empre outro,A gare a que e volta é outra. Já não e tá a me ma gente, nem a me ma luz, nem a me ma lo o

Partir! Meu Deu , partir! enho medo de partir!…

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94 ~ Fernando Pe oa

L

Li boa om ua a aDe vária ore ,Li boa om ua a aDe vária ore ,Li boa om ua a aDe vária ore …À força de diferente, i to é monótono.Como à força de entir, o ó a pen ar.

Se, de noite, deitado ma de perto,Na lu idez inútil de não poder dormir,

uero imaginar qualquer oi aE urge empre outra (porque há ono,E, porque há ono, um bo ado de onho),

uero alongar a vi ta om que imaginoPor grande palmare fantá ti o ,Ma não vejo mai ,Contra uma e pé ie de lado de dentro de pálpebra ,

ue Li boa om ua a aDe vária ore .

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra oi a.A força de monótono, é diferente.

E, à força de er eu, durmo e e queço que exi to.Fi a ó, em mim, que e que i porque durmo,Li boa om ua a aDe vária ore .

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Poema de Álvaro de Campo

L R (1923)

NÃO: Não quero nada. Já di e que não quero nada.

Não me venham om on lu õe !A úni a on lu ão é morrer.

Não me tragam e téti a !Não me falem em moral!

irem-me daqui a metafí i a!Não me apregoem i tema ompleto , não me enleirem onquiDa iên ia (da iên ia , Deu meu, da iên ia !) —Da iên ia , da arte , da ivilização moderna!

ue mal z eu ao deu e todo ?Se têm a verdade, guardem-na!Sou um té ni o, ma tenho té ni a ó dentro da té ni a.Fora di o ou doido, om todo o direito a ê-lo.Com todo o direito a ê-lo, ouviram?

Não me ma em, por amor de Deu !

ueriam-me a ado, fútil, quotidiano e tributável?ueriam-me o ontrário di to, o ontrário de qualquer oi a?Se eu fo e outra pe oa, fazia-lhe , a todo , a vontade.A im, omo ou, tenham pa iên ia!Vão para o diabo em mim,Ou deixem-me ir ozinho para o diabo!Para que havemo de ir junto ?

Não me peguem no braço!Não go to que me peguem no braço. uero er ozinho. Já di e que ou ozinho!Ah, que maçada quererem que eu eja da ompanhia!

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96 ~ Fernando Pe oa

Ó éu azul — o me mo da minha infân ia —

Eterna verdade vazia e perfeita!Ó ma io ejo an e tral e mudo,Pequena verdade onde o éu e reete!Ó mágoa revi itada, Li boa de outrora de hoje!Nada me dai , nada me tirai , nada oi que eu me inta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nun a tardo…E enquanto tarda o Abi mo e o Silên io quero e tar ozinho!

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Poema de Álvaro de Campo

L R (1926)

Nada me prende a nada.uero inquenta oi a ao me mo tempo.

An eio om uma angú tia de fome de arneO que não ei que eja -Denidamente pelo indenido…Durmo irrequieto, e vivo num onhar irrequietoDe quem dorme irrequieto, metade a onhar.

Fe haram-me toda a porta ab trata e ne e ária .Correram ortina de toda a hipóte e que eu poderia ver da ruNão há na trave a a hada o número da porta que me deram.

A ordei para a me ma vida para que tinha adorme ido.Até o meu exér ito onhado ofreram derrota.Até o meu onho e entiram fal o ao erem onhado .Até a vida ó de ejada me farta - até e a vida…Compreendo a intervalo de onexo ;E revo por lap o de an aço;E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.Não ei que de tino ou futuro ompete à minha angú tia em lemNão ei que ilha do ul impo ível aguardam-me náufrago;ou que palmare de literatura me darão ao meno um ver o.

Não, não ei i to, nem outra oi a, nem oi a nenhuma…E, no fundo do meu e pírito, onde onho o que onhei,No ampo último da alma, onde memoro em au a(E o pa ado é uma névoa natural de lágrima fal a ),Na e trada e atalho da ore ta longínquaOnde upu o meu er,Fogem de mantelado , último re toDa ilu ão nal,O meu exér ito onhado , derrotado em ter ido,A minha orte por exi tir, e fa elada em Deu .

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98 ~ Fernando Pe oa

Outra vez te revejo,Cidade da minha infân ia pavoro amente perdida…

Cidade tri te e alegre, outra vez onho aqui…Eu? Ma ou eu o me mo que aqui vivi, e aqui voltei,E aqui tornei a voltar, e a voltar.E aqui de novo tornei a voltar?Ou omo todo o Eu que e tive aqui ou e tiveram,Uma érie de onta -ente ligado por um o-memória,Uma érie de onho de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,Com o oração mai longínquo, a alma meno minha.

Outra vez te revejo - Li boa e ejo e tudo -,ran eunte inútil de ti e de mim,

E trangeiro aqui omo em toda a parte,Ca ual na vida omo na alma,Fanta ma a errar em ala de re ordaçõe ,Ao ruído do rato e da tábua que rangemNo a telo maldito de ter que viver…

Outra vez te revejo,Sombra que pa a atravé da ombra , e brilhaUm momento a uma luz fúnebre de onhe ida,E entra na noite omo um ra tro de bar o e perdeNa água que deixa de e ouvir…

Outra vez te revejo,Ma , ai, a mim não me revejo!Partiu- e o e pelho mági o em que me revia idênti o,E em ada fragmento fatídi o vejo ó um bo ado de mim -Um bo ado de ti e de mim!…

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Poema de Álvaro de Campo

M

uando é que pa ará e ta noite interna, o univer o,E eu, a minha alma, terei o meu dia?

uando é que de pertarei de e tar a ordado?Não ei. O ol brilha alto,Impo ível de tar.A e trela pe tanejam frio,Impo ívei de ontar.O oração pul a alheio,Impo ível de e utar.

uando é que pa ará e te drama em teatro,Ou e te teatro em drama,E re olherei a a a?Onde? Como? uando?Gato que me ta om olho de vida, que ten lá no fundo?É e e! É e e!E e mandará omo Jo ué parar o ol e eu a ordarei;E então erá dia.Sorri, dormindo, minha alma!Sorri, minha alma, erá dia!

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102 ~ Fernando Pe oa

M

Me tre, meu me tre querido!Coração do meu orpo intele tual e inteiro!Vida da origem da minha in piração!Me tre, que é feito de ti ne ta forma de vida?

Não uida te e morreria , e viveria , nem de ti nem de nada,Alma ab trata e vi ual até ao o o ,Atenção maravilho a ao mundo exterior empre múltiplo,Refúgio da audade de todo o deu e antigo ,E pírito humano da terra materna,Flor a ima do dilúvio da inteligên ia ubjetiva…

Me tre, meu me tre!Na angú tia en a ioni ta de todo o dia entido ,Na mágoa quotidiana da matemáti a de er,Eu, e ravo de tudo omo um pó de todo o vento ,Ergo a mão para ti, que e tá longe, tão longe de mim!

Meu me tre e meu guia!A quem nenhuma oi a feriu, nem doeu, nem perturbou,Seguro omo um ol fazendo o eu dia involuntariamente,Natural omo um dia mo trando tudo,Meu me tre, meu oração não aprendeu a tua erenidade.

O meu oração não aprendeu nada.O meu oração não é nada,O meu oração e tá perdido.Me tre, ó eria omo tu e tive e ido tu.

ue tri te a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!Depoi tudo é an aço ne te mundo ubjetivado,

udo é e forço ne te mundo onde e querem oi a ,udo é mentira ne te mundo onde e pen am oi a ,udo é outra oi a ne te mundo onde tudo e ente.

Depoi , tenho ido omo um mendigo deixado ao relentoPela indiferença de toda a vila.Depoi , tenho ido omo a erva arran ada ,

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Poema de Álvaro de Campo

Deixada ao molho em alinhamento em entido.Depoi , tenho ido eu, im eu, por minha de graça,

E eu, por minha de graça, não ou eu nem outro nem ninguém.Depoi , ma por que é que en ina te a lareza da vi ta,Se não me podia en inar a ter a alma om que a ver lara?Por que é que me hama te para o alto do monteSe eu, riança da idade do vale, não abia re pirar?Por que é que me de te a tua alma e eu não abia que fazer delaComo quem e tá arregado de ouro num de erto,Ou anta om voz divina entre ruína ?Por que é que me a orda te para a en ação e a nova alma,Se eu não aberei entir, e a minha alma é de empre a minha?

Prouvera ao Deu ignoto que eu a e empre aquelePoeta de adente, e tupidamente preten io o,

ue poderia ao meno vir a agradar,E não urgi e em mim a pavoro a iên ia de ver.Para que me torna te eu? Deixa e -me er humano!

Feliz o homem marçanoue tem a ua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pe ada,ue tem a ua vida u ual,

Para quem o prazer é prazer e o re reio é re reio,ue dorme ono,ue ome omida,ue bebe bebida, e por i o tem alegria.

A alma que tinha , de te-ma, e foi-me inquietação.Liberta te-me, ma o de tino humano é er e ravo.A orda te-me, ma o entido de er humano é dormir.

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104 ~ Fernando Pe oa

N C D

Na a a defronte de mim e do meu onho ,ue feli idade há empre!

Moram ali pe oa que de onheço, que já vi ma não vi.São felize , porque não ou eu.

A riança , que brin am à a ada alta ,Vivem entre va o de ore ,Sem dúvida, eternamente.

A voze , que obem do interior do domé ti o,Cantam empre, em dúvida.Sim, devem antar.

uando há fe ta á fora, há fe ta lá dentro.A im tem que er onde tudo e aju ta —O homem à Natureza, porque a idade é Natureza.

ue grande feli idade não er eu!

Ma o outro não entirão a im também?uai outro ? Não há outro .

O que o outro entem é uma a a om a janela fe hada,

Ou, quando e abre,É para a riança brin arem na varanda de grade ,Entre o va o de ore que nun a vi quai eram.O outro nun a entem.

uem ente omo nó ,Sim, todo nó ,Até eu, que ne te momento já não e tou entindo nada.

Nada! Não ei…Um nada que dói…

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Poema de Álvaro de Campo

N N

Na noite terrível, ub tân ia natural de toda a noite ,Na noite de in ônia, ub tân ia natural de toda a minha noiteRelembro, velando em modorra in ómoda,Relembro o que z e o que podia ter feito na vida.Relembro, e uma angú tiaE palha- e por mim todo omo um frio do orpo ou um medo.O irreparável do meu pa ado — e e é que é o adáver!

odo o outro adávere pode er que ejam ilu ão.odo o morto pode er que ejam vivo noutra parte.odo o meu próprio momento pa ado pode er que exi

algure ,Na ilu ão do e paço e do tempo,Na fal idade do de orrer.

Ma o que eu não fui, o que eu não z, o que nem equer onhei;O que ó agora vejo que deveria ter feito,O que ó agora laramente vejo que deveria ter ido —I o é que é morto para além de todo o Deu e ,I o — e foi afinal o melhor de mim — é que nem o Deu e fa

viver…

Se em erta alturaive e voltado para a e querda em vez de para a direita;

Se em erto momentoive e dito im em vez de não, ou não em vez de im;Se em erta onver a

ive e tido a fra e que ó agora, no meio- ono, elaboro —Se tudo i o tive e ido a im,Seria outro hoje, e talvez o univer o inteiroSeria in en ivelmente levado a er outro também.

Ma não virei para o lado irreparavelmente perdido,Não virei nem pen ei em virar, e ó agora o per ebo;Ma não di e não ou não di e im, e ó agora vejo o que não dMa a fra e que faltou dizer ne e momento urgem-me toda

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106 ~ Fernando Pe oa

Clara , inevitávei , naturai ,A onver a fe hada on ludentemente,

A matéria toda re olvida…Ma ó agora o que nun a foi, nem erá para trá , me dói.

O que falhei devera não tem e perança nenhumaEm i tema metafí i o nenhum.Pode er que para outro mundo eu po a levar o que onhei,Ma poderei eu levar para outro mundo o que me e que i de onhaE e im, o onho por haver, é que ão o adáver.Enterro-o no meu oração para empre, para todo o tempo, para

todo o univer o ,

Ne ta noite em que não durmo, e o o ego me er aComo uma verdade de que não partilho,E lá fora o luar, omo a e perança que não tenho, é invi ível para m

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Poema de Álvaro de Campo

N V

Na vé pera de não partir nun aAo meno não há que arrumar malaNem que fazer plano em papel,Com a ompanhamento involuntário de e que imento ,Para o partir ainda livre do dia eguinte.Não há que fazer nadaNa vé pera de não partir nun a.Grande o ego de já não haver equer de que ter o ego!Grande tranquilidade a que nem abe en olher ombroPor i to tudo, ter pen ado o tudoÉ o ter hegado deliberadamente a nada.Grande alegria de não ter pre i ão de er alegre,Como uma oportunidade virada do ave o.Há quanta veze vivoA vida vegetativa do pen amento!

odo o dia ine líneaSo ego, im, o ego…Grande tranquilidade…

ue repou o, depoi de tanta viagen , fí i a e p íqui a !ue prazer olhar para a mala tando omo para nada!

Dormita, alma, dormita!Aproveita, dormita!Dormita!

É pou o o tempo que ten ! Dormita!É a vé pera de não partir nun a!

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108 ~ Fernando Pe oa

N E

Não e tou pen ando em nadaE e a oi a entral, que é oi a nenhuma,É-me agradável omo o ar da noite,Fre o em ontra te om o verão quente do dia,Não e tou pen ando em nada, e que bom!

Pen ar em nadaÉ ter a alma própria e inteira.Pen ar em nadaÉ viver intimamenteO uxo e o reuxo da vida…Não e tou pen ando em nada.E omo e me tive e en o tado mal.Uma dor na o ta , ou num lado da o ta ,Há um amargo de bo a na minha alma:É que, no m de onta ,Não e tou pen ando em nada,Ma realmente em nada,Em nada…

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Poema de Álvaro de Campo

N , N C

Não, não é an aço…É uma quantidade de de ilu ão

ue e me entranha na e pé ie de pen ar,E um domingo à ave aDo entimento,Um feriado pa ado no abi mo…

Não, an aço não é…É eu e tar exi tindoE também o mundo,Com tudo aquilo que ontém,Como tudo aquilo que nele e de dobraE anal é a me ma oi a variada em ópia iguai .

Não. Can aço por quê?É uma en ação ab trataDa vida on reta —Qualquer oi a omo um gritoPor dar,Qualquer oi a omo uma angú tiaPor ofrer,Ou por ofrer ompletamente,Ou por ofrer omo…

Sim, ou por ofrer omo…I o me mo, omo…Como quê?…Se oube e, não haveria em mim e te fal o an aço.

(Ai, ego que antam na rua,ue formidável realejoue é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.Confe o: é an aço!…

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110 ~ Fernando Pe oa

D

Não: devagar.Devagar, porque não eiOnde quero ir.Há entre mim e o meu pa oUma divergên ia in tintiva.Há entre quem ou e e touUma diferença de verbo

ue orre ponde à realidade.

Devagar…Sim, devagar…

uero pen ar no que quer dizerE te devagar…

alvez o mundo exterior tenha pre a demai .alvez a alma vulgar queira hegar mai edo.alvez a impre ão do momento eja muito próxima…alvez i o tudo…

Ma o que me preo upa é e ta palavra devagar…O que é que tem que er devagar?Se alhar é o univer o…A verdade manda Deu que e diga.Ma ouviu alguém i o a Deu ?

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112 ~ Fernando Pe oa

Na minha alma vazia e tou,E narro-me prolixamente em entido, omo e um parvo e tive

om febre.Fúria fria do de tino,Inter eção de tudo,Confu ão da oi a om a ua au a e o eu efeito ,Con equên ia de ter orpo e alma,E o om da huva hega até eu er, e é e uro.

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Poema de Álvaro de Campo

N F

No m de tudo dormir.No m de quê?No m do que tudo pare e er…,E te pequeno univer o provin iano entre o a tro ,E ta aldeola do e paço,E não ó do e paço vi ível, ma até do e paço total.

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114 ~ Fernando Pe oa

N L P D

No lugar do palá io de erto e em ruínaÀ beira do mar,Leiamo , orrindo, o egredo da inaiDe quem abe amar.

Qualquer que ele eja, o de tino daqueleue o amor levou

Para a ombra, ou na luz e fez a ombra dele ,Qualquer fo e o vôo.

Por erto ele foram mai reai e felize .

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Poema de Álvaro de Campo

Nun a, por mai que viaje, por mai que onheçaO air de um lugar, o hegar a um lugar, onhe ido ou de onhePer o, ao partir, ao hegar, e na linha móbil que o une,A en ação de arrepio, o medo do novo, a náu ea —Aquela náu ea que é o entimento que abe que o orpo tem a alm

rinta dia de viagem, trê dia de viagem, trê hora de viagem —Sempre a opre ão e inltra no fundo do meu oração.

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116 ~ Fernando Pe oa

N

No dia tri te o meu oração mai tri te que o dia…Obrigaçõe morai e ivi ?Complexidade de devere , de on equên ia ?Não, nada…O dia tri te, a pou a vontade para tudo…Nada…

Outro viajam (também viajei), outro e tão ao ol( ambém e tive ao ol, ou upu que e tive).

odo têm razão, ou vida, ou ignorân ia imétri a,Vaidade, alegria e o iabilidade,E emigram para voltar, ou para não voltar,Em navio que o tran portam imple mente.Não entem o que há de morte em toda a partida,De mi tério em toda a hegada,De horrível em iodo o novo…Não entem: por i o ão deputado e nan eiro ,Dançam e ão empregado no omér io,Vão a todo o teatro e onhe em gente…Não entem: para que haveriam de entir?

Gado ve tido do urrai do Deu e ,

Deixá-lo pa ar engrinaldado para o a rifí ioSob o ol, ála re, vivo, ontente de entir- e…Deixai-o pa ar, ma ai, vou om ele em grinaldaPara o me mo de tino!Vou om ele em o ol que into, em a vida que tenho,Vou om ele em de onhe er…

No dia tri te o meu oração mai tri te que o dia…No dia tri te todo o dia …No dia tão tri te…

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Poema de Álvaro de Campo

O B N

O Binómio de Newton é tão belo omo a Vénu de Milo.O que há é pou a gente para dar por i o.óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó(O vento lá fora.)

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118 ~ Fernando Pe oa

O D

O de alabro a ó io e e trela …Nada mai …Farto…Arre…

odo o mi tério do mundo entrou para a minha vida e onómi a.Ba ta!…O que eu queria er, e nun a erei, e traga-me a rua .Ma então i to não a aba?É de tino?Sim, é o meu de tinoDi tribuído pelo meu on eguimento no lixoE o meu propó ito à beira da e trada —O meu on eguimento ra gado por riança ,O meu propó ito mijado por mendigo ,E toda a minha alma uma toalha uja que e orregou para o hão.

O horror do om do relógio à noite na ala de jantar dê uma a a d provín ia —

oda a monotonia e a fatalidade do tempo…O horror úbito do enterro que pa aE tira a má ara a toda a e perança .Ali…Ali vai a on lu ão.

Ali, fe hado e elado,Ali, debaixo do humbo la rado e om al na araVai, que pena omo nó ,Vai o que entiu omo nó ,Vai o nó !Ali, ob um pano ru a ro é horroro o omo uma abóbada de árAli, ali, ali… E eu?

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Poema de Álvaro de Campo

O E

E o e plendor do mapa , aminho ab trato para a imaginação onLetra e ri o irregulare abrindo para a maravilha.

O que de onho jaz na en adernaçõe vetu ta ,Na a inatura ompli ada (ou tão imple e e guia ) do velh

( inta remota e de botada aqui pre ente para além da morte,O que de negado à no a vida quotidiana vem na ilu traçõe ,O que erta gravura de anún io em querer anun iam.)

udo quanto ugere, ou exprime o que não exprime,udo o que diz o que não diz,

E a alma onha, diferente e di traída.

Ó enigma vi ível do tempo, o nada vivo em que e tamo !

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Poema de Álvaro de Campo

O F E

O frio e pe ial da manhã de viagem,A angú tia da partida, arnal no arrepanhar

ue vai do oração à pele,ue hora virtualmente embora alegre.

O me mo

O me mo eu ro du e et au pi e eu roÉ empre era — amanhã — que no faremo ao mar.

So ega, oração inútil, o ega!So ega, porque nada há que e perar,E por i o nada que de e perar também…So ega… Por ima do muro da quintaSobe longínquo o olival alheio.A im na infân ia vi outro que não era e te:Não ei e foram o me mo olho da me ma alma que o viram.Adiamo tudo, até que a morte hegue.Adiamo tudo e o entendimento de tudo,Com um an aço ante ipado de tudo,Com uma audade prognó ti a e vazia.

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122 ~ Fernando Pe oa

O H

O que há em mim é obretudo an aço —Não di to nem daquilo,Nem equer de tudo ou de nada:Can aço a im me mo, ele me mo,Can aço.

A utileza da en açõe inútei ,A paixõe violenta por oi a nenhuma,O amore inten o por o upo to em alguém,E a oi a toda —E a e o que falta nela eternamente —;

udo i o faz um an aço,E te an aço,Can aço.

Há em dúvida quem ame o innito,Há em dúvida quem de eje o impo ível,Há em dúvida quem não queira nada —

rê tipo de ideali ta , e eu nenhum dele :Porque eu amo innitamente o nito,Porque eu de ejo impo ivelmente o po ível,Porque quero tudo, ou um pou o mai , e puder er,Ou até e não puder er…

E o re ultado?Para ele a vida vivida ou onhada,Para ele o onho onhado ou vivido,Para ele a média entre tudo e nada, i to é, i to…Para mim ó um grande, um profundo,E, ah om que feli idade infe undo, an aço,Um upremí imo an aço,Í imno, í imo, í imo,Can aço…

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Poema de Álvaro de Campo

O S

O ono que de e obre mim,O ono mental que de e i amente obre mim,O ono univer al que de e individualmente obre mim —E e onoPare erá ao outro o ono de dormir,O ono da vontade de dormir,O ono de er ono.

Ma é mai , mai de dentro, mai de ima:E o ono da oma de toda a de ilu õe ,É o ono da ínte e de toda a de e perança ,É o ono de haver mundo omigo lá dentroSem que eu houve e ontribuído em nada para i o.

O ono que de e obre mimÉ ontudo omo todo o ono .O an aço tem ao meno brandura,O abatimento tem ao meno o ego,A rendição é ao meno o m do e forço,O m é ao meno o já não haver que e perar.

Há um om de abrir uma janela,Viro indiferente a abeça para a e querda

Por obre o ombro que a ente,Olho pela janela entreaberta:A rapariga do egundo andar de defronteDebruça- e om o olho azui à pro ura de alguém.De quem?,Pergunta a minha indiferença.E tudo i o é ono.

Meu Deu , tanto ono!…

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124 ~ Fernando Pe oa

O ter devere , que prolixa oi a!Agora tenho eu que e tar à uma meno in oNa E tação do Ro io, tabuleiro uperior — de pedidaDo amigo que vai no “Sud Expre ” de toda a gentePara onde toda a gente vai, o Pari …

enho que lá e tarE a reditem, o an aço ante ipado é tão grande

ue, e o “Sud Expre ” oube e, de arrilava…

Brin adeira de riança ?Não, de arrilava a valer…

ue leve a minha vida dentro, arre, quando de arrile!…

enho de ejo forte,E o meu de ejo, porque é forte, entra na ub tân ia do mundo.

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Poema de Álvaro de Campo

O

O tumulto on entrado da minha imaginação intele tual…Fazer lho à razão práti a, omo o rente enérgi o …A minha juventude perpétuaDe viver a oi a pelo lado da en açõe e não da

re pon abilidade .(Álvaro de Campo , na ido no Algarve, edu ado por um tio-avô, padque lhe in tilou um erto amor à oi a lá i a .)(Veio para Li boa muito novo…)A apa idade de pen ar o que into, que me di tingue do homem vuMai do que ele e di tingue do ma a o.(Sim, amanhã o homem vulgar talvez me leia e ompreenda a

ub tân ia do meu er,Sim, admito-o,Ma o ma a o já hoje abe ler o homem vulgar e lhe ompreende

ub tân ia do er.)Se alguma oi a foi por que é que não éSer não é er?

A ore do ampo da minha infân ia, não a terei eternamente,Em outra maneira de er?Perderei para empre o afeto que tive, e até o afeto que pen eHá algum que tenha a have da porta do er, que não tem porta,E me po a abrir om razõe a inteligên ia do mundo?

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126 ~ Fernando Pe oa

O M

Inúmero rio em água — ó gente e oi a,Pavoro amente em água!

Soam tambore longínquo no meu ouvidoE eu não ei e vejo o rio e ouço o tambore ,Como e não pude e ouvir e ver ao me mo tempo

Helahoho! Helahoho!

A máquina de o tura da pobre viúva morta à baioneta…Ela o ia à tarde indeterminadamente…A me a onde jogavam o velho ,

udo mi turado, tudo mi turtado om o orpo , om angue ,udo um ó rio, uma ó onda, um ó arra tado horror

Helahoho! Helahoho!

De enterrei o omboio de lata da riança al ado no meio da e trE horei omo toda a mãe do mundo obre o horror da vida.O meu pé panteí ta tropeçaram na máquina de o tura da viú

que mataram à baionetaE e e pobre in trumento de paz meteu uma lança no meu oração

Sim, fui eu o ulpado de tudo, fui eu o oldado todo eleue matou, violou, queimou e quebrou,

Fui eu e a minha vergonha e o meu remor o om uma ombradi forme

Pa eiam por todo o mundo omo A havero,Ma atrá do meu pa o oam pa o do tamanho do innit

E um pavor fí i o de en ontrar Deu faz-me fe har o olho de repeCri to ab urdo da expiação de todo o rime e de toda a violêA minha ruz e tá dentro de mim, hirta, a e aldar, a quebrarE tudo dói na minha alma exten a omo um Univer o.

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Poema de Álvaro de Campo

Arranquei o pobre brinquedo da mão da riança e bati-lhe.

O eu olho a u tado do meu filho que talvez terei e quematarão tambémPediram-me em aber omo toda a piedade por todo .

Do quarto da velha arranquei o retrato do lho e ra guei-o,Ela, heia de medo, horou e não fez nada…Senti de repente que ela era minha mãe e pela e pinha abaixo pa

me o opro de Deu .

uebrei a máquina de o tura da viúva pobre.Ela horava a um anto em pen ar na máquina de o tura.Haverá outro mundo onde eu tenha que ter uma lha que enviúve e

a quem a onteça i to?

Mandei, apitão, fuzilar o ampone e trêmulo ,Deixei violar a lha de todo o pai atado a árvore ,Agora vi que foi dentro de meu oração que tudo i to e pa ou,E tudo e alda e ufo a e eu não me po o mexer em que tudoo me moDeu tenha piedade de mim que a não tive a ninguém!

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128 ~ Fernando Pe oa

O M

Sozinho, no ai de erto, a e ta manhã de Verão,Olho pro lado da barra, olho pro Indenido,Olho e ontenta-me ver,Pequeno, negro e laro, um paquete entrando.Vem muito longe, nítido, lá i o à ua maneira.Deixa no ar di tante atrá de i a orla vã do eu fumo.Vem entrando, e a manhã entra om ele, e no rio,Aqui, a olá, a orda a vida marítima,Erguem- e vela , avançam rebo adore ,Surgem bar o pequeno de trá do navio que e tão no porto.Há uma vaga bri a.Ma a minha alma e tá om o que vejo meno ,Com o paquete que entra,Porque ele e tá om a Di tân ia, om a Manhã,Com o entido marítimo de ta Hora,Com a doçura doloro a que obe em mim omo uma náu ea,Como um omeçar a enjoar, ma no e pírito.

Olho de longe o paquete, om uma grande independên ia de alma,E dentro de mim um volante omeça a girar, lentamente,

O paquete que entram de manhã na barrarazem ao meu olho on igo

O mi tério alegre e tri te de quem hega e parte.razem memória de ai afa tado e doutro momentoDoutro modo da me ma humanidade noutro ponto .

odo o atra ar, todo o largar de navio,É — into-o em mim omo o meu angue -In on ientemente imbóli o, terrivelmenteAmeaçador de igni açõe metafí i a

ue perturbam em mim quem eu fui… Ah, todo o ai é uma

audade de pedra!E quando o navio larga do aiE e repara de repente que e abriu um e paçoEntre o ai e o navio,

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Poema de Álvaro de Campo

Vem-me, não ei porquê, uma angú tia re ente,Uma névoa de entimento de tri teza

ue brilha ao ol da minha angú tia relvadaComo a primeira janela onde a madrugada bate,E me envolve omo uma re ordação duma outra pe oa

ue fo e mi terio amente minha.

Ah, quem abe, quem abe,Se não parti outrora, ante de mim,Dum ai ; e não deixei, navio ao olOblíquo da madrugada,Uma outra e pé ie de porto?

uem abe e não deixei, ante de a horaDo mundo exterior omo eu o vejoRaiar- e para mim,Um grande ai heio de pou a gente,Duma grande idade meio-de perta,Duma enorme idade omer ial, re ida, apopléti a,

anto quanto i o pode er fora do E paço e do empo?

Sim, dum ai , dum ai dalgum modo material,Real, vi ível omo ai , ai realmente,O Cai Ab oluto por ujo modelo in on ientemente imitadoIn en ivelmente evo ado,Nó o homen on truímoO no o ai de pedra atual obre água verdadeira,

ue depoi de on truído e anun iam de repente

Coi a -Reai , E pírito -Coi a , Entidade em Pedra-Alma ,A erto momento no o de entimento-raizuando no mundo-exterior omo que e abre uma porta

E, em que nada e altere,udo e revela diver o.

Ah o Grande Cai donde partimo em Navio -Naçõe !O Grande Cai Anterior, eterno e divino!

De que porto? Em que água ? E porque pen o eu i to?Grande Cai omo o outro ai , ma o Úni o.Cheio omo ele de ilên io rumoro o na antemanhã ,E de abro hando om a manhã num ruído de guinda te

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130 ~ Fernando Pe oa

E hegada de omboio de mer adoria ,E ob a nuvem negra e o a ional e leve

Do fundo da haminé da fábri a próximaue lhe ombreia o hão preto de arvão pequenino que brilha,Como e fo e a ombra duma nuvem que pa a e obre água

Ah, que e en ialidade de mi tério e entido paradoEm divino êxta e reveladorÀ hora or de ilên io e angú tiaNão é ponte entre qualquer ai e O Cai !

Cai negramente reetido na água parada ,Bulí io a bordo do navio ,Ó alma errante e in tável da gente que anda embar ada,Da gente imbóli a que pa a e om quem nada dura,

ue quando o navio volta ao portoHá empre qualquer alteração a bordo!Ó fuga ontínua , ida , ebriedade do Diver o!Alma eterna do navegadore e da navegaçõe !Ca o reetido devagar na água ,uando o navio larga do porto!Flutuar omo alma da vida, partir omo voz,Viver o momento tremulamente obre água eterna .A ordar para dia mai direto que o dia da Europa,Ver porto mi terio o obre a olidão do mar,Virar abo longínquo para úbita va ta pai agenPor inumerávei en o ta atónita …

Ah, a praia longínqua , o ai vi to de longe,E depoi a praia próxima , o ai vi to de perto.O mi tério de ada ida e de ada hegada,A doloro a in tabilidade e in ompreen ibilidadeDe te impo ível univer oA ada hora marítima mai na própria pele entido!O oluço ab urdo que a no a alma derramaram

Sobre a exten õe de mare diferente om ilha ao longe,Sobre a ilha longínqua da o ta deixada pa ar,Sobre o re er nítido do porto , om a ua a a e a ua gePara o navio que e aproxima.

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Poema de Álvaro de Campo

Ah, a fre ura da manhã em que e hega,E a palidez da manhã em que e parte,

uando a no a entranha e arrepanhamE uma vaga en ação pare ida om um medo- O medo an e tral de e afa tar e partir,O mi terio o re eio an e tral à Chegada e ao Novo -En olhe-no a pele e agonia-no ,E todo o no o orpo angu tiado ente,Como e fo e a no a alma,Uma inexpli ável vontade de poder entir i to doutra maneira:

Uma audade a qualquer oi a,Uma perturbação de afeiçõe a que vaga pátria?A que o ta? a que navio? a que ai ?

ue e adoe e em nó o pen amento,E ó a um grande vá uo dentro de nó ,Uma o a a iedade de minuto marítimo ,E uma an iedade vaga que eria tédio ou dorSe oube e omo ê-lo…

A manhã de Verão e tá, ainda a im, um pou o fre a.Um leve torpor de noite anda ainda no ar a udido.A elera- e ligeiramente o volante dentro de mim.E o paquete vem entrando, porque deve vir entrando em dúvida,E não porque eu o veja mover- e na ua di tân ia ex e iva.

Na minha imaginação ele e tá já perto e é vi ívelEm toda a exten ão da linha da ua vigia .E treme em mim tudo, toda a arne e toda a pele,Por au a daquela riatura que nun a hega em nenhum bar oE eu vim e perar hoje ao ai , por um mandado oblíquo.O navio que entram a barra,O navio que aem do porto ,O navio que pa am ao longe(Suponho-me vendo-o duma praia de erta) -

odo e te navio ab trato qua e na ua ida,odo e te navio a im omovem-me omo e fo em outra

E não apena navio , navio indo e vindo.

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132 ~ Fernando Pe oa

E o navio vi to de perto, me mo que e não vá embar ar neleVi to de baixo, do bote , muralha alta de hapa ,

Vi to dentro, atravé da âmara , da ala , da de pen a ,Olhando de perto o ma tro , alando- e lá pró alto,Roçando pela orda , de endo a e ada in ómoda ,Cheirando a untada mi tura metáli a e marítima de tudo aquilo -O navio vi to de perto ão outra oi a e a me ma oi a,Dão a me ma audade e a me ma ân ia doutra maneira.

oda a vida marítima! tudo na vida marítima!In inua- e no meu angue toda e a edução naE eu i mo indeterminadamente a viagen .Ah, a linha da o ta di tante , a hatada pelo horizonte!Ah, o abo , a ilha , a praia areenta !A olidõe marítima , omo erto momento no Pa í oEm que não ei por que uge tão aprendida na e olaSe ente pe ar obre o nervo o fato de que aquele é o maior do oE o mundo e o abor da oi a tornam- e um de erto dentro de A exten ão mai humana, mai alpi ada, do Atlânti o!O indi o, o mai mi terio o do o eano todo !O Mediterrâneo, do e, em mi tério nenhum, lá i o, um mar para bDe en ontro a e planada olhada de jardin próximo por e tá

bran a !odo o mare , todo o e treito , toda a baía , todo o goueria apertá-lo ao peito, enti-lo bem e morrer!

E vó , ó oi a navai , meu velho brinquedo de onho!

Componde fora de mim a minha vida interior!uilha , ma tro e vela , roda do leme, ordagen ,Chaminé de vapore , héli e , gávea , âmula ,Galdrope , e otilha , aldeira , oletore , válvula ;Caí por mim dentro em montão, em monte,Como o onteúdo onfu o de uma gaveta de pejada no hão!Sede vó o te ouro da minha avareza febril,Sede vó o fruto da árvore da minha imaginação,

ema de anto meu , angue na veia da minha inteligên ia,Vo o eja o laço que me une ao exterior pela e téti a,Forne ei-me metáfora imagen , literatura,Porque em real verdade, a ério, literalmente,

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Poema de Álvaro de Campo

A minha en açõe ão um bar o de quilha pro ar,A minha imaginação uma an ora meio ubmer a,

A minha ân ia um remo partido,E a te itura do meu nervo uma rede a e ar na praia!

Soa no a a o do rio um apito, ó um.reme já todo o hão do meu p iqui mo.

A elera- e ada vez mai o volante dentro de mim.

Ah, o paquete , a viagen , o não- e- aber-o-paradeiroDe Fulano-de-tal, marítimo, no o onhe ido!Ah, a glória de e aber que um homem que andava onno oMorreu afogado ao pé duma ilha do Pa í o!Nó que andamo om ele vamo falar ni o a todo ,Com um orgulho legítimo, om uma onança invi ívelEm que tudo i o tenha um entido mai belo e mai va to

ue apena o ter- e perdido o bar o onde ele iaE ele ter ido ao fundo por lhe ter entrado água pro pulmõe !

Ah, o paquete , o navio - arvoeiro , o navio de vela!Vão rareando - ai de mim! - o navio de vela no mare !E eu, que amo a ivilização moderna, eu que beijo om a alma a

máquina ,Eu o engenheiro, eu o ivilizado, eu o edu ado no e trangeiro,Go taria de ter outra vez ao pé da minha vi ta ó veleiro e bar o

madeira,De não aber doutra vida marítima que a antiga vida do mare !

Porque o mare antigo ão a Di tân ia Ab oluta,O Puro Longe, liberto do pe o do Atual…E ah, omo aqui tudo me lembra e a vida melhor,E e mare , maiore , porque e navegava mai devagar.E e mare , mi terio o , porque e abia meno dele .

odo o vapor ao longe é um bar o de vela perto.odo o navio di tante vi to agora é um navio no pa ado vi to próxi

odo o marinheiro invi ívei a bordo do navio no horizonteSão o marinheiro vi ívei do tempo do velho navio ,Da épo a lenta e veleira da navegaçõe perigo a ,Da épo a de madeira e lona da viagen que duravam me e .

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134 ~ Fernando Pe oa

oma-me pou o a pou o o delírio da oi a marítima ,Penetram-me i amente o ai e a ua atmo fera,

O marulho do ejo galga-me por ima do entido ,E omeço a onhar, omeço a envolver-me do onho da água ,Começam a pegar bem a orreia -de-tran mi ão na minha almaE a a eleração do volante a ode-me nitidamente.

Chamam por mim a água ,Chamam por mim o mare ,Chamam por mim, levantando uma voz orpórea, o longe ,A épo a marítima toda entida no pa ado, a hamar.

u, marinheiro inglê , Jim Barn meu amigo, fo te tuue me en ina te e e grito antiquí imo, inglê ,ue tão veneno amente re ume

Para a alma omplexa omo a minhaO hamamento onfu o da água ,A voz inédita e implí ita de toda a oi a do mar,Do naufrágio , da viagen longínqua , da trave ia perigoE e teu grito inglê , tornado univer al no meu angue,Sem feitio de grito, em forma humana nem voz,E e grito tremendo que pare e oarDe dentro duma averna uja abóbada é o éuE pare e narrar toda a ini tra oi a

ue podem a onte er no Longe, no Mar, pela Noite…(Fingia empre que era por uma e una que hamava ,E dizia a im, pondo uma mão de ada lado da bo a,

Fazendo porta-voz da grande mão urtida e e ura :Ahò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò - yyy…S hooner ahò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-oò -yyy…)

E uto-te de aqui, agora, e de perto a qualquer oi a.E treme e o vento. Sobe a manhã. O alor abre.Sinto orarem-me a fa e .

O meu olho on iente dilatam- e.O êxta e em mim levanta- e, re e, avança,E om um ruído ego de arruaça a entua- eO giro vivo do volante.

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Poema de Álvaro de Campo

Ó lamoro o hamamentoA ujo alor, a uja fúria fervem em mimNuma unidade explo iva toda a minha ân ia ,O meu próprio tédio tornado dinâmi o , todo !…Apelo lançado ao meu angueDum amor pa ado, não ei onde, que volveE ainda tem força para me atrair e puxar,

ue ainda tem força para me fazer odiar e ta vidaue pa o entre a impenetrabilidade fí i a e p íqui a

Da gente real om que vivo!

Ah eja omo for, eja por onde for, partir!Largar por aí fora, pela onda , pelo perigo, pelo mar.Ir para Longe, ir para Fora, para a Di tân ia Ab trata,Indenidamente, pela noite mi terio a e funda ,Levado, omo a poeira, plo vento , plo vendavai !Ir, ir, ir, ir de vez!

odo o meu angue raiva por a a !odo o meu orpo atira- e pra frente!

Galgo pla minha imaginação fora em torrente !Atropelo-me, rujo, pre ipito-meE toiram em e puma a minha ân iaE a minha arne é uma onda dando de en ontro a ro hedo !

Pen ando ni to - ó raiva! pen ando ni to - ó fúria!Pen ando ne ta e treiteza da minha vida heia de ân ia ,Subitamente, tremulamente extraorbitadamente,Com uma o ilação vi io a, va ta, violenta,

Do volante vivo da minha imaginação.Rompe, por mim, a obiando, ilvando, vertiginando,O io ombrio e ádi o da e trídula vida marítima.

Eh marinheiro , gajeiro ! eh tripulante , piloto !Navegadore , mareante , marujo , aventureiro !Eh apitãe de navio ! homen ao leme e em ma tro !Homen que dormem em beli he rude !Homen que dormem om o Perigo a e preitar pela vigia !Homen que dormem om a Morte por trave eiro!Homen que têm tombadilho , que têm ponte donde olharA imen idade imen a do mar imen o!Eh manipuladore do guinda te de arga!

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136 ~ Fernando Pe oa

Eh amainadore de vela , fagueiro , riado de bordo!Homen que metem a arga no porõe !Homen que enrolam abo no onvé !Homen que limpam o metai da e otilha !Homen do leme! homen da máquina ! homen do ma tro !Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Gente de boné de pala! Gente de ami ola de malha!Gente de ân ora e bandeira ruzada bordada no peito!Gente tatuada! gente de a himbo! gente de amurada!Gente e ura de tanto ol, re tada de tanta huva,Limpa de olho de tanta imen idade diante dele ,

Audaz de ro to de tanto vento que lhe bateram a valer!Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Homen que vi te a Patagónia!Homen que pa a e pela Au trália!

ue en he e o vo o olhar de o ta que nun a verei!ue fo te a terra em terra onde nun a de erei!ue ompra te artigo to o em olónia à proa de ertõe !

E ze te tudo i o omo e não fo e nada,Como e i o fo e natural,

Como e a vida fo e i o,Como nem equer umprindo um de tino!Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Homen do mar atual! homen do mar pa ado!Comi ário de bordo! e ravo da galé ! ombatente de LepPirata do tempo de Roma! Navegadore da Gré ia!Fení io ! Cartagine e ! Portugue e atirado de SagrePara a aventura indenida, para o Mar Ab oluto, para realizar o

Impo ível!

Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Homen que ergue te padrõe , que de te nome a abo !Homen que nego ia te pela primeira vez om preto !

ue primeiro vende e e ravo de nova terra !ue de te o primeiro e pa mo europeu à negra atónitaue trouxe e ouro, mi anga, madeira heiro a , eta ,

De en o ta explodindo em verde vegetação!Homen que aquea e tranquila povoaçõe afri ana

ue ze te fugir om o ruído de anhõe e a raçaue mata te , rouba te , tortura te , ganha teO prêmio de Novidade de quem, de abeça baixa

Arremete ontra o mi tério de novo mare ! Eh-eh-eh eh-eh!A vó todo num, a vó todo em vó todo omo um,

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Poema de Álvaro de Campo

A vó todo mi turado , entre ruzado .A vó todo angrento , violento , odiado , temido , agrado ,Eu vo aúdo, eu vo aúdo, eu vo aúdo!Eh-eh-eh-eh eh! Eh eh-eh-eh eh! Eh-eh-eh eh-eh-eh eh!Eh lahô-lahô laHO-lahá-á-á-à-à!

uero ir onvo o, quero ir onvo o,Ao me mo tempo om vó todoPra toda a parte pr’onde fo te !

uero en ontrar vo o perigo frente a frente,Sentir na minha ara o vento que engelharam a vo aCu pir do lábio o al do mare que beijaram o vo o

er braço na vo a faina, partilhar da vo a tormentaChegar omo vó , enm, a extraordinário porto !Fugir onvo o à ivilização!Perder onvo o a noção da moral!Sentir mudar- e no longe a minha humanidade!Beber onvo o em mare do SulNova elvajaria , nova balbúrdia da alma,Novo fogo entrai no meu vul âni o e pírito!

Ir onvo o, de pir de mim - ah! põe-te daqui pra fora! -O meu traje de ivilizado, a minha brandura de açõe ,O meu medo inato da adeia ,A minha pa í a vida,A minha vida entada, e táti a, regrada e revi ta! No mar, no mar,

no mar, no mar,Eh! pôr no mar, ao vento, à vaga ,A minha vida!Salgar de e puma arreme ada pelo ventoO meu paladar da grande viagen .Fu tigar de água hi oteante a arne da minha aventura,Repa ar de frio o eâni o o o o da minha exi tên ia,Flagelar, ortar, engelhar de vento , de e puma , de ói ,O meu er i lóni o e atlânti o,O meu nervo po to omo enxár ia ,Lira na mão do vento !

Sim, im, im… Cru i ai-me na navegaçõeE a minha e pádua gozarão a minha ruz!Atai-me à viagen omo a po teE a en ação do po te entrará pela minha e pinha

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138 ~ Fernando Pe oa

E eu pa arei a enti-lo num va to e pa mo pa ivo!Fazei o que qui erde de mim, logo que eja no mare ,

Sobre onve e , ao om de vaga ,ue me ra guei , matei , ra-o !O que quero é levar pra MorteUma alma a tran bordar de Mar,Ébria a air da oi a marítima ,

anto do marujo omo da ân ora , do abo ,anto da o ta longínqua omo do ruído do vento ,anto do Longe omo do Cai , tanto do naufrágio

Como do tranquilo omér io ,anto do ma tro omo da vaga ,

Levar pra Morte om dor, voluptuo amente,Um opo heio de angue uga , a ugar, a ugar,De e tranha verde ab urda angue uga marítima !Façam enxár ia da minha veia !Amarra do meu mú ulo !Atranquem-me a pele, preguem-na à quilha .E po a eu entir a dor do prego e nun a deixar de entir!Façam do meu oração uma âmula de almiranteNa hora de guerra ao velho navio !Calquem ao pé no onve e meu olho arran ado !

uebrem-me o o o de en ontro à amurada !Fu tiguem-me atado ao ma tro , fu tiguem-me!A todo o vento de toda a latitude e longitudeDerramem meu angue obre a água arreme ada

ue atrave am o navio, o tombadilho, de lado a lado,

Na va a brava da tormenta !er a audá ia ao vento do pano da vela !

Ser, omo a gávea alta , o a obio do vento !A velha guitarra do Fado do mare heio de perigo ,Canção para o navegadore ouvirem e não repetirem!O marinheiro que e ublevaramEnfor aram o apitão numa verga.

De embar aram um outro numa ilha de erta.Morooned!O ol do trópi o pô a febre da pirataria antigaNa minha veia inten iva .

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Poema de Álvaro de Campo

O vento da Patagónia tatuaram a minha imaginaçãoDe imagen trági a e ob ena .

Fogo, fogo, fogo, dentro de mim!Sangue! angue! angue! angue!Explode todo o meu érebro!Parte- e-me o mundo em vermelho!E toiram-me om o om de amarra a veia !E e tala em mim, feroz, voraz,A anção do Grande Pirata,A morte berrada do Grande Pirata a antarAté meter pavor pla e pinha do eu homen abaixo.Lá da ré a morrer, e a berrar, a antar:

Fi een men on the Dead Man’ Che t.Yo-ho ho and a bottle of rum I

E depoi a gritar, numa voz já irreal, a e toirar no ar:

Darby M’Graw-aw-aw-aw-aw!Darby M’Graw-aw-aw-aw-aw-aw-aw-aw!Fet h a-a-a th ru-u-u-u-u-u-u-u-u-um, Darby,

Eia, que vida e a! e a era a vida, eia!Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Eh-lahô-lahô-laFIO-Iahá-á-á-à-à!Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!

uilha partida , navio ao fundo, angue no mareConve e heio de angue, fragmento de orpo !Dedo de epado obre amurada !Cabeça de riança , aqui, a olá!Gente de olho fora, a gritar, a uivar!Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!Embrulho-me em tudo i to omo uma apa no frio!

Roço-me por tudo i to omo uma gata om io por um muro!Rujo omo um leão faminto para tudo i to!Arremeto omo um toiro lou o obre tudo i to!Cravo unha , parto garra , angro do dente obre i to!

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140 ~ Fernando Pe oa

Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!De repente e tala-me obre o ouvido

Como um larim a meu lado,O velho grito, ma agora irado, metáli o,Chamando a pre a que e avi ta,A e una que vai er tomada:

Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó - yyyy…S hooner ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó - yyyy…

O mundo inteiro não exi te para mim! Ardo vermelho!Rujo na fúria da abordagem!Pirata-mór! Cé ar-Pirata!Pilho, mato, e fa elo, ra go!Só into o mar, a pre a, o aque!Só into em mim bater, baterem-meA veia da minha fonte !E orre angue quente a minha en ação do meu olho !Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!

Ah pirata , pirata , pirata !Pirata , amai-me e odiai-me!Mi turai-me onvo o, pirata !

A vo a fúria, vo a rueldade orno falam ao angueDum orpo de mulher que foi meu outrora e ujo io obrevive!

Eu queria er um bi ho repre entativo de todo o vo o ge toUm bi ho que rava e dente na amurada , na quilhaue ome e ma tro , bebe e angue e al atrão no onve erin a e vela , remo , ordame e poleame,

Serpente do mar feminina e mon truo a evando- e no rime !

E há uma infonia de en açõe in ompatívei e análoga ,Há uma orque trarão no meu angue de balbúrdia de rime ,

De e trépito e pa mado de orgia de angue no mare ,Furibundamente, omo um vendaval de alor pelo e pírito,Nuvem de poeira quente anuviando a minha lu idezE fazendo-me ver e onhar i to tudo ó om a pele e a veia !

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Poema de Álvaro de Campo

O pirata , a pirataria, o bar o , a hora,Aquela hora marítima em que a pre a ão a altada ,

E o terror do apre ado foge pra lou ura - e a hora,No eu total de rime , terror, bar o , gente, mar, éu, nuven ,Bri a, latitude, longitude, vozearia,

ueria eu que fo e em eu odo meu orpo em eu odo, ofrenue fo e meu orpo e meu angue, ompu e e meu er em verm

Flore e e omo uma ferida omi hando na arne irreal da minha a

Ah, er tudo no rime ! er todo o elemento omponenteDo a alto ao bar o e da ha ina e da violaçõe !Ser quanto foi no lugar do aque !Ser quanto viveu ou jazeu no lo al da tragédia de angue!Ser o pirata-re umo de toda a pirataria no eu auge,E a vítima- ínte e, ma de arne e o o, de todo o pirata do mSer o meu orpo pa ivo a mulher-toda -a -mulhere

ue foram violada , morta , ferida , ra gada pelo pirata !Ser no meu er ubjugado a fêmea que tem de er deleE entir tudo i o -- toda e ta oi a duma ó vez - pela e pi

Ó meu peludo e rude herói da aventura e do rime!Minha marítima fera , marido da minha imaginação!Amante a uai da obliquidade da minha en açõe !

ueria er Aquela que vo e pera e no porto ,A vó , odiado amado do eu angue de pirata no onho !Porque ela teria onvo o, ma ó em e pírito, raivadoSobre o adávere nu da vítima que fazei no mar!

Porque ela teria a ompanhado vo o rime, e na orgia o eâni aO eu e pírito de bruxa dançaria invi ível em volta do ge toDo vo o orpo , do vo o utelo , da vo a mão

e tranguladore !E ela em terra, e perando-vo , quando vié ei , e a a o vié eIria beber no rugido do vo o amor todo o va to,

odo o nevoento e ini tro perfume da vo a vitória ,E atravé do vo o e pa mo ilvaria um abbat de vermelho e

A arne ra gada, a arne aberta e e tripada, o angue orrendo!Agora, no auge on i o de onhar o que vó fazíei ,Per o-me todo de mim, já não vo pertenço, ou vó ,

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142 ~ Fernando Pe oa

A minha feminilidade que vo a ompanha é er a vo a almaE tar por dentro de toda a vo a fero idade, quando a prati ávei

Sugar por dentro a vo a on iên ia da vo a en açõeuando tingíei de angue o mare alto ,uando de vez em quando atirávei ao tubarõe

O orpo vivo ainda do ferido , a arne ro ada da riançaE levávei a mãe à amurada para verem o que lhe a onte ia

E tar onvo o na arnagem, na pilhagem!E tar orque trado onvo o na infonia do aque !

Ah, não ei quê, não ei quanto queria eu er de vó !Não era ó er-vo a fêmea, er-vo a fêmea , er-vo a vítimSer-vo a vítima - homen , mulhere , riança , navio -,Não era ó er a hora e o bar o e a onda ,Não era ó er vo a alma , vo o orpo , vo a fúria, voNão era ó er on retamente vo o ato ab trato de orgia,Não era ó i to que eu queria er - era mai que i to o Deu -i to!Era pre i o er Deu , o Deu dum ulto ao ontrário,Um Deu mon truo o e atâni o, um Deu dum panteí mo de anPara poder en her toda a medida da minha fúria imaginativa,Para poder nun a e gotar o meu de ejo de identidadeCom o ada, e o tudo, e o mai -que-tudo da vo a vitória !Ah, torturai-me para me urarde !Minha arne - fazei dela o ar que o vo o utelo atrave amAnte de aírem obre a abeça e o ombro !Minha veia ejam o fato que a fa a tre pa am!A minha imaginação o orpo da mulhere que violai !A minha inteligên ia o onvé onde e tai de pé matando!A minha vida toda, no eu onjunto nervo o, hi téri o, ab urdo,O grande organi mo de que ada ato de pirataria que e ometeuFo e uma élula on iente - e todo eu turbilhona eComo uma imen a podridão ondeando, e fo e aquilo tudo!

Com tal velo idade de medida, pavoro a,A máquina de febre da minha vi õe tran bordanteGira agora que a minha on iên ia, volante,E apena um nevoento ír ulo a obiando no ar.

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Poema de Álvaro de Campo

Fi een men on the Dead Man’ Che t.Yo-ho-ho and a bottle of rum!

Eh-lahô-lahô-laHO - lahá-á-ááá - ààà…

Ah! a elvajaria de ta elvajaria! MerdaPra toda a vida omo a no a, que não é nada di to!Eu pr’àqui engenheiro, prati o à força, en ível a tudo,Pr’àqui parado, em relação a vó , me mo quando ando;Me mo quando ajo, inerte; me mo quando me imponho, débil;E táti o, quebrado, di idente obarde da vo a Glória,Da vo a grande dinâmi a e tridente, quente e angrenta!

Arre! por não poder agir de a ordo om o meu delírio!Arre! por andar empre agarrado à aia da ivilização!Por andar om a dou eur de moeur à o ta , omo um fardo de rMoço de e quina - todo nó o omo - do humanitari mo moderE tupore de tí i o , de neura têni o , de linfáti o ,Sem oragem para er gente om violên ia e audá ia,Com a alma omo uma galinha pre a por uma perna!

Ah, o pirata ! o pirata !.A ân ia do ilegal unido ao feroz,A ân ia da oi a ab olutamente ruéi e abominávei ,

ue rói omo um io ab trato o no o orpo franzimo ,O no o nervo feminino e deli ado ,E põe grande febre lou a no no o olhare vazio !

Obrigai-me a ajoelhar diante de vó !Humilhai-me e batei-me!Fazei de mim o vo o e ravo e a vo a oi a!E que o vo o de prezo por mim nun a me abandone,Ó meu enhore ! ó meu enhore !

omar empre glorio amente a parte ubmi a

No a onte imento de angue e na en ualidade e tirada !De abai obre mim, omo grande muro pe ado ,Ó bárbaro do antigo mar!Ra gai-me e feri-me!

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144 ~ Fernando Pe oa

De le te a oe te do meu orpoRi ai de angue a minha arne!

Beijai om utelo de bordo e açoite e raivaO meu alegre terror arnal de vo perten er.A minha ân ia ma oqui ta em me dar à vo a fúria,Em er objeto inerte e entiente da vo a omnívora rueldade,Dominadore , enhore , imperadore , or éi !Ah, torturai-me,Ra gai-me e abri-me!De feito em pedaço on iente

Entornai-me obre o onve e ,E palha-me no mare , deixai-meNa praia ávida da ilha !Cevai obre mim todo o meu mi ti i mo de vó !Cinzelai a angue a minha almaCortai, ri ai!Ó tatuadore da minha imaginação orpórea!E foladore amado da minha ama ubmi ão!

Submetei-me omo quem mata um ão a pontapé !Fazei de mim o poço para o vo o de prezo de domínio!Fazei de mim a vo a vítima toda !Como Cri to ofreu por todo o homen , quero ofrerPor toda a vo a vítima à vo a mão ,À vo a mão alo a , angrenta e de dedo de epadoNo a alto bru o de amurada !

Fazei de mim qualquer, ou a omo e eu fo eArra tado - ó prazer, o beijada dor! -Arra tado à auda de avalo hi oteado por vó …Ma i to no mar, i to no ma-a-a-ar, i to no MA-A-A-AR!Eh-eh-eh-eh-eh! Eh--.h-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EHEH-EH-EH-

EH! No MA-A-A-A-AR!

Yeh eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eheh-eh-eh-eh-eh’Grita tudo! tudo a gritar! vento , vaga , bar o ,Maré , gávea , pirata , a minha alma, o angue, e o ar, e o ar!Eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! udo anta a grita

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Poema de Álvaro de Campo

FIF EEN MEN ON HE DEAD MAN’S CHES .YO-HO-HO AND A BO LE OF RUM!

Eh-eh eh-eh -eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eheh-eh! Eh eheh eh-eh-eh-eh!Eh-lahô-lahô-laHO-O-O-ôô-lahá-á à - ààà!

AHÓ-Ó-Ó Ó Ó Ó-Ó Ó Ó Ó Ó - yyyj…SCHOONER AHÓ-ó-ó-ó-ó-ó-ó-o-o-o - yyyy!…

Darby M’Graw-aw-aw-aw-aw-aw!

DARBY M’GRAW-AW AW-AW-AW-AW-AW!FE CH A-A-AF HE RU-U-U-U-U-UM, DARBY!

Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh eh-eh-eh!EH-EH EH-EH-EH EH-EH EH-EH EH-EH-EH!EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH EH EH-EH!EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!

Parte- e em mim qualquer oi a. O vermelho anoite eu.Senti demai para poder ontinuar a entir.E gotou- e-me a alma, ou ó um e o dentro de mim.De re e en ivelmente a velo idade do volante.

iram-me um pou o a mão do olho o meu onho .Dentro de mim há um ó vá uo, um de erto, um mar noturno.E logo que into que há um mar noturno dentro de mim,

Sabe do longe dele, na e do eu ilên io,Outra vez, outra vez o va to grito antiquí imo.De repente, omo um relâmpago de om, que não faz barulho ma

ternura,Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimoÚmido e ombrio marulho humano noturno,Voz de ereia longínqua horando, hamando,Vem do fundo do Longe, do fundo do Mar, da alma do Abi mo ,

E à tona dele, omo alga , boiam meu onho de feito …Ahò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò - yy…S hooner a Ahò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò-ò - yy…

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146 ~ Fernando Pe oa

Ah, o orvalho obre a minha ex itação!O fre or noturno no meu o eano interior!

Ei tudo em mim de repente ante uma noite no marCheia de enorme mi tério humaní imo da onda noturnaA lua obe no horizonteE a minha infân ia feliz a orda, omo uma lágrima, em mim.O meu pa ado re urge, omo e e e grito marítimoFo e um aroma, uma voz, o e o duma anção

ue fo e hamar ao meu pa adoPor aquela feli idade que nun a mai tornarei a ter.

Era na velha a a o egada ao pé do rio(A janela do meu quarto, e a da a a-de-jantar também,Davam, por obre uma a a baixa , para o rio próximo,Para o ejo, e te me mo ejo, ma noutro ponto, mai abaixoSe eu agora hega e à me ma janela não hegava à me maAquele tempo pa ou omo o fumo dum vapor no mar alto…)

Uma inexpli ável ternura,Um remor o omovido e la rimo o,Por toda aquela vítima - prin ipalmente a riança -

ue onhei fazendo ao onhar-me pirata antigo,Emoção omovida, porque ela foram minha vítima ;

erna e uave, porque não o foram realmente;Uma ternura onfu a, omo um vidro emba iado, azulada,Canta velha ançõe na minha pobre alma dolorida.

Ah, omo pude eu pen ar, onhar aquela oi a ?ue longe e tou do que fui há un momento !Hi teria da en açõe - ora e ta , ora a opo ta !Na loura manhã que e ergue, omo o meu ouvido ó e olhea veze tenho ideia felize A ou a de a ordo om e ta em

marulho da água .O marulho leve da água do rio de en ontro ao ai ….A vela pa ando perto do outro lado do rio,

O monte longínquo , dum azul japonê ,A a a de Almada,E o que há de uavidade e de infân ia na hora matutina!…Uma gaivota que pa a,

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148 ~ Fernando Pe oa

Ma tudo i to foi o Pa ado, lanterna a uma e quina de rua velhaPen ar i to faz frio, faz fome duma ou a que e não pode obter.

Dá-me não ei que remor o ab urdo pen ar ni to.Oh turbilhão lento de en açõe de en ontrada !Vertigem tênue de onfu a oi a na alma!Fúria partida , ternura omo arrinho de linha om que a

riança brin am,Grande de abamento de imaginação obre o olho do entidLágrima , lágrima inútei ,Leve bri a de ontradição roçando pela fa e a alma…

Evo o, por um e forço voluntário, para air de ta emoção,Evo o, om um e forço de e perado, e o, nulo,A anção do Grande Pirata, quando e tava a morrer:

Fi een men on the Dead Man’ Che t.Yo-ho-ho and a bottle of rum!

Ma a anção é uma linha reta mal traçada dentro de mim…E forço-me e on igo hamar outra vez ante o meu olho na alOutra vez, ma atravé duma imaginação qua e literária,A fúria da pirataria, da ha ina, o apetite, qua e do paladar, do aquDa ha ina inútil de mulhere e de riança ,Da tortura fútil, e ó para no di trairmo , do pa ageiro pobrE a en ualidade de e angalhar e partir a oi a mai querida doMa onho i to tudo om um medo de qualquer oi a a re pirar-m

obre a nu a.

Lembro-me de que eria intere anteEnfor ar o lho à vi ta da mãe(Ma into-me em querer a mãe dele ),Enterrar viva na ilha de erta a riança de quatro anoLevando o pai em bar o até lá para verem(Ma e tremeço, lembrando-me dum lho que não tenhoe e tá dormindo tranquilo em a a).

Aguilho uma ân ia fria do rime marítimo ,Duma inqui ição em a de ulpa da Fé,Crime nem equer om razão de er de maldade e de fúria,Feito a frio, nem equer para ferir, nem equer para fazer mal,

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Poema de Álvaro de Campo

Nem equer para no divertirmo , ma apena para pa ar o tempComo quem faz pa iên ia a uma me a de jantar de provín ia om a to

Atirada pra o outro lado da me a depoi de jantar,Só pelo uave go to de ometer rime abominávei e não o a hgrande oi a,

De ver ofrer até ao ponto da lou ura e da morte-pela-dor ma nundeixar hegar lá…

Ma a minha imaginação re u a- e a a ompanhar-me.Um alafrio arrepia-me.E de repente, mai de repente do que da outra vez, de mai longe, d

mai fundo,De repente - oh pavor por toda a minha veia ! -,Oh frio repentino da porta para o Mi tério que e abriu dentro de

mim e deixou entrar uma orrente de ar!Lembro-me de Deu , do ran endental da vida, e de repenteA velha voz do marinheiro inglê Jim Barri om quem eu falava,

ornada voz da ternura mi terio a dentro de mim, da pequenoi a de regaço de mãe e de ta de abelo de irmã,

Ma e tupendamente vinda de além da aparên ia da oi a ,A Voz urda e remota tornada A Voz Ab oluta, a Voz Sem Bo a,Vinda de obre e de dentro da olidão noturna do mare ,Chama por mim, hama por mim, hama por mim…Vem urdamente, omo e fo e uprimida e e ouvi e,Longinquamente, omo e e tive e oando noutro lugar e aqui n

e pude e ouvir,Como um oluço abafado, uma luz que e apaga, um hálito

ilen io o.

De nenhum lado do e paço, de nenhum lo al no tempo,O grito eterno e noturno, o opro fundo e onfu o:

Ahô-ô-õ-õ-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô - yyy……Ahô-ô-õ-õ-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô - yyy……S hooner ah-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô ô - - yy……

remo om frio da alma repa ando-me o orpo

E abro de repente o olho , que não tinha fe hado.Ah, que alegria a de air do onho de vez!Ei outra vez o mundo real, tão bondo o para o nervo !Ei-lo a e ta hora matutina em que entram o paquete que hegam e

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150 ~ Fernando Pe oa

Já não me importa o paquete que entrava. Ainda e tá longe.Só o que e tá perto agora me lava a alma.

A minha imaginação higiêni a, forte, prati a,Preo upa- e agora apena om a oi a moderna e útei ,Com o navio de arga, om o paquete e o pa ageiro ,Com a forte oi a imediata , moderna , omer iai , verdadeAbranda o eu giro dentro de mim o volante.

Maravilho a vida marítima moderna,oda limpeza, máquina e aúde!

udo tão bem arranjado, tão e pontaneamente aju tado,oda a peça da máquina , todo o navio pelo mare ,odo o elemento da atividade omer ial de exportação e

importaçãoão maravilho amente ombinando- eue orre tudo omo e fo e por lei naturai ,

Nenhuma oi a e barrando om outra!Nada perdeu a poe ia. E agora há a mai a máquina

Com a ua poe ia também, e todo o novo gênero de vidaComer ial, mundana, intele tual, entimental,ue a era da máquina veio trazer para a alma .

A viagen agora ão tão bela omo eram danteE um navio erá empre belo, ó porque é um navio.Viajar ainda é viajar e o longe e tá empre onde e teveEm parte nenhuma, graça a Deu !

O porto heio de vapore de muita e pé ie !Pequeno , grande , de vária ore , om vária di po içõe de De tão deli io amente tanta ompanhia de navegação!Vapore no porto , tão individuai na eparação de ta ada do

an oramento !ão prazenteiro o eu garbo quieto de ou a omer iai que andam no

No velho mar empre o homéri o, ó Uli e !

O olhar humanitário do farói na di tân ia da noite,Ou o úbito farol próximo na noite muito e ura(“ ue perto da terra que e távamo pa ando!”E o om da água anta-no ao ouvido)!…

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Poema de Álvaro de Campo

udo i to hoje é omo empre foi, ma há o omér io;E o de tino omer ial do grande vapore

Envaide e-me da minha épo a!A mi tura de gente a bordo do navio de pa ageiroDá-me o orgulho moderno de viver numa épo a onde é tão fá ilMi turarem- e a raça , tran porem- e o e paço , ver om fa i

toda a oi a ,E gozar a vida realizando um grande número de onho .Limpo , regulare , moderno omo um e ritório om gui het e

rede de arame amarelo!O meu entimento agora, naturai e omedido omo, gentlemSão práti o , longe de de vairamento , en hem de ar marítimo o

pulmõe ,Como gente perfeitamente on iente de omo é higiêni o re pirar

ar do mar.

O dia é perfeitamente já de hora de trabalho.Começa tudo a movimentar- e, a regularizar- e.

Com um grande prazer natural e direto per orro a almaoda a operaçõe omer iai ne e ária a um embarque demer adoria .

A minha épo a é o arimbo que levam toda a faturaE into que toda a arta de todo o e ritórioDeviam er endereçada a mim.

Um onhe imento de bordo tem tanta individualidade,

E uma a inatura de omandante de navio é tão bela e moderna!Rigor omer ial do prin ípio e do m da arta :Dear Sir - Me ieur - Amigo e Sr .,Your faithfully -…no alutation empre ée …

udo i to não é ó humano e limpo, ma também belo,E tem ao m um de tino marítimo, um vapor onde embarquemA mer adoria de que a arta e a fatura tratam.

Complexidade da vida! A fatura ão feita por genteue tem amore , ódio , paixõe políti a , à veze rime -E ão tão bem e rita , tão alinhada , tão independente de tudo iHá quem olhe para uma fatura e não inta i to.

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152 ~ Fernando Pe oa

Com erteza que tu, Ce ário Verde, o entia .Eu é até à lágrima que o into humani imamente.

Venham dizer-me que não há poe ia no omér io, no e ritório !Ora, ela entra por todo o poro … Ne te ar marítimo re piro-a,Por tudo i to vem a propó ito do vapore , da navegação moderna,Porque a fatura e a arta omer iai ão o prin ípio da hi tórE o navio que levam a mer adoria pelo mar eterno ão o m.

Ah, e a viagen , a viagen de re reio, e a outra ,A viagen por mar, onde todo omo ompanheiro do outroDuma maneira e pe ial, omo e um mi tério marítimoNo aproxima e a alma e no torna e um momentoPatriota tran itório duma me ma pátria in erta,Eternamente de lo ando- e obre a imen idade da água,,Grande hotéi do Innito, oh tran atlânti o meu !Com o o mopoliti mo perfeito e total de nun a pararem num pontoE onterem toda a e pé ie de traje , de ara , de raça !

A viagen , o viajante - tanta e pé ie dele !

anta na ionalidade obre o mundo! tanta pro ão! tanta gente!anto de tino diver o que e pode dar à vida,À vida, anal, no fundo empre, empre a me ma!

anta ara urio a ! oda a ara ão urio aE nada traz tanta religio idade omo olhar muito para gente.A fraternidade anal não é uma ideia revolu ionária.É uma oi a que a gente aprende pela vida fora, onde tem que tolerar tuE pa a a a har graça ao que tem que tolerar,E a aba qua e a horar de ternura obre o que tolerou!

Ah, tudo i to é belo, tudo i to é humano e anda ligadoAo entimento humano , tão onvivente e burgue e .

ão ompli adamente imple , tão meta i amente tri te !A vida utuante, diver a, a aba por no edu ar no humano.Pobre gente! pobre gente toda a gente!

De peço-me de ta hora no orpo de te outro navio

ue vai agora aindo. É um tramp- teamer inglê ,Muito ujo, omo e fo e um navio fran ê ,Com um ar impáti o de proletário do mare ,E em dúvida anun iado ontem na última página da gazeta .

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Poema de Álvaro de Campo

Enterne e-me o pobre vapor, tão humilde vai ele e tão natural.Pare e ter um erto e rúpulo não ei em quê, er pe oa hone taCumpridora duma qualquer e pé ie de devere .Lá vai ele deixando o lugar defronte do ai onde e tou.Lá vai ele tranquilamente, pa ando por onde a nau e tiveramOutrora, outrora…Para Cardiff? Para Liverpool? Para Londre ? Não tem importân ia.Ele faz o eu dever. A im façamo nó o no o. Bela vida!Boa viagem! Boa viagem!Boa viagem, meu pobre amigo a ual, que me ze te o favorDe levar ontigo a febre e a tri teza do meu onho ,E re tituir-me à vida para olhar para ti e te ver pa ar.Boa viagem! Boa viagem! A vida é i to…

ue aprumo tão natural, tão inevitavelmente matutinoNa tua aída do porto de Li boa, hoje!

enho-te uma afeição urio a e grata por i o…Por i o quê? Sei lá o que é!… Vai… Pa a…Com um ligeiro e treme imento,( -t--t --- r ---- t----- r…)O volante dentro de mim para.

Pa a, lento vapor, pa a e não que …Pa a de mim, pa a da minha vi ta,Vai-te de dentro do meu oração,Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deu ,Perde-te, egue o teu de tino e deixa-me…Eu quem ou para que hore e interrogue?Eu quem ou para que te fale e te ame?Eu quem ou para que me perturbe ver-te?Larga do ai , re e o ol, ergue- e ouro,Luzem o telhado do edifí io do ai ,odo o lado de á da idade brilha…Parte, deixa-me, torna-tePrimeiro o navio a meio do rio, de ta ado e nítido,Depoi o navio a aminho da barra, pequeno e pretoDepoi ponto vago no horizonte (ó minha angú tia!),Ponto ada vez mai vago no horizonte….Nada depoi , e ó eu e a minha tri teza,E a grande idade agora heia de olE a hora real e nua omo um ai já em navio ,E o giro lento do guinda te que, omo um ompa o que gira,

raça um emi ír ulo de não ei que emoçãoNo ilên io omovido da minha alma…

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154 ~ Fernando Pe oa

O

À doloro a luz da grande lâmpada elétri a da fábri aenho febre e e revo.

E revo rangendo o dente , fera para a beleza di to,Para a beleza di to totalmente de onhe ida do antigo .

Ó roda , ó engrenagen , r-r-r-r-r-r-r eterno!Forte e pa mo retido do maquini mo em fúria!Em fúria fora e dentro de mim,Por todo o meu nervo di e ado fora,Por toda a papila fora de tudo om que eu into!

enho o lábio e o , ó grande ruído moderno ,De vo ouvir dema iadamente de perto,E arde-me a abeça de vo querer antar om um ex e oDe expre ão de toda a minha en açõe ,Com um ex e o ontemporâneo de vó , ó máquina !

Em febre e olhando o motore omo a uma Natureza tropi al -Grande trópi o humano de ferro e fogo e força -Canto, e anto o pre ente, e também o pa ado e o futuro,Porque o pre ente é todo o pa ado e todo o futuroE há Platão e Virgílio dentro da máquina e da luze elétri aSó porque houve outrora e foram humano Virgílio e Platão,E pedaço do Alexandre Magno do é ulo talvez inquenta,Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,Andam por e ta orreia de tran mi ão e por e te êmbolo e p

e te volante ,Rugindo, rangendo, i iando, e trugindo, ferreando,Fazendo-me um a e o de arí ia ao orpo numa ó arí ia à alAh, poder exprimir-me todo omo um motor e exprime!Ser ompleto omo uma máquina!Poder ir na vida triunfante omo um automóvel último-modelo!

Poder ao meno penetrar-me i amente de tudo i to,Ra gar-me todo, abrir-me ompletamente, tornar-me pa entoA todo o perfume de óleo e alore e arvõeDe ta ora e tupenda, negra, arti ial e in a iável!

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Poema de Álvaro de Campo

Fraternidade om toda a dinâmi a !Promí ua fúria de er parte-agente

Do rodar férreo e o mopolitaDo omboio e trénuo ,Da faina tran portadora-de- arga do navio ,Do giro lúbri o e lento do guinda te ,Do tumulto di iplinado da fábri a ,E do qua e- ilên io i iante e monótono da orreia de tran mi

Hora europeia , produtora , entaladaEntre maquini mo e afazere útei !Grande idade parada no afé ,No afé - oá i de inutilidade ruido aOnde e ri talizam e e pre ipitamO rumore e o ge to do ÚtilE a roda , e a roda -dentada e a huma eira do Progre ivoNova Minerva em-alma do ai e da gare !Novo entu ia mo de e tatura do Momento!

uilha de hapa de ferro orrindo en o tada à do a ,Ou a e o, erguida , no plano -in linado do porto !Atividade interna ional, tran atlânti a, Canadian-Pa i !Luze e febri perda de tempo no bare , no hotéi ,No Long hamp e no Derbie e no A ot ,E Pi adillie e Avenue de L’Opéra que entramPela minha alma dentro!

Hé-lá a rua , hé-lá a praça , hé-lá-hô la foule!

udo o que pa a, tudo o que para à montra !Comer iante ; vário ; e ro exageradamente bem-ve tido ;Membro evidente de lube ari to ráti o ;E quálida gura dúbia ; hefe de família vagamente felizeE paternai até na orrente de oiro que atrave a o oleteDe algibeira a algibeira!

udo o que pa a, tudo o que pa a e nun a pa a!Pre ença dema iadamente a entuada da o ote

Banalidade intere ante (e quem abe o quê por dentro?)Da burgue inha , mãe e lha geralmente,ue andam na rua om um m qualquer;

A graça feminil e fal a do pedera ta que pa am, lento ;

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156 ~ Fernando Pe oa

E toda a gente imple mente elegante que pa eia e e mo traE anal tem alma lá dentro!

(Ah, omo eu de ejaria er o o t n r di to tudo!)

A maravilho a beleza da orrupçõe políti a ,Deli io o e ândalo nan eiro e diplomáti o ,Agre õe políti a na rua ,E de vez em quando o ometa dum regi ídio

ue ilumina de Prodígio e Fanfarra o éuU uai e lú ido da Civilização quotidiana!

Notí ia de mentida do jornai ,Artigo políti o in in eramente in ero ,Notí ia pa ez à-la- ai e, grande rime -Dua oluna dele pa ando para a egunda página!O heiro fre o a tinta de tipograa!O artaze po to há pou o, molhado !Vient -de-paraître amarelo omo uma inta bran a!Como eu vo amo a todo , a todo , a todo ,Como eu vo amo de toda a maneira ,Com o olho e om o ouvido e om o olfatoE om o tato (o que palpar-vo repre enta para mim!)E om a inteligên ia omo uma antena que fazei vibrar!Ah, omo todo o meu entido têm io de vó !

Adubo , debulhadora a vapor, progre o da agri ultura!

uími a agrí ola, e o omér io qua e uma iên ia!Ó mo truário do aixeiro -viajante ,Do aixeiro -viajante , avaleiro -andante da Indú tria,Prolongamento humano da fábri a e do almo e ritório !

Ó fazenda na montra ! Ó manequin ! Ó último gurino !Ó artigo inútei que toda a gente quer omprar!Olá grande armazén om vária e çõe !

Olá anún io elétri o que vêm e e tão e de apare em!Olá tudo om que hoje e on trói, om que hoje e é diferente de ontEh, imento armado, beton de imento, novo pro e o !Progre o do armamento glorio amente mortífero !

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Poema de Álvaro de Campo

Couraça , anhõe , metralhadora , ubmarino , aeroplano !Amo-vo a todo , a tudo, omo uma fera.

Amo-vo arnivoramente.Pervertidamente e enro ando a minha vi taEm vó , ó oi a grande , banai , útei , inútei ,Ó oi a toda moderna ,Ó minha ontemporânea , forma atual e próximaDo i tema imediato do Univer o!Nova Revelação metáli a e dinâmi a de Deu !

Ó fábri a , ó laboratório , ó mu i -hall , ó Luna-Park ,Ó ouraçado , ó ponte , ó do a utuante -Na minha mente turbulenta e en ande idaPo uo-vo omo a uma mulher bela,Completamente vo po uo omo a uma mulher bela que não e am

ue e en ontra a ualmente e e a ha intere antí ima.

Eh-lá-hô fa hada da grande loja !Eh-lá-hô elevadore do grande edifí io !Eh-lá-hô re ompo içõe mini teriai !Parlamento , políti a , relatore de orçamento ,Orçamento fal i ado !(Um orçamento é tão natural omo uma árvoreE um parlamento tão belo omo uma borboleta).

Eh-lá o intere e por tudo na vida,Porque tudo é a vida, de de o brilhante na montra

Até à noite ponte mi terio a entre o a troE o mar antigo e olene, lavando a o taE endo mi eri ordio amente o me mo

ue era quando Platão era realmente PlatãoNa ua pre ença real e na ua arne om a alma dentro,E falava om Ari tótele , que havia de não er di ípulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor

Com o entimento de deli io a entrega duma mulher po uída.Atirem-me para dentro da fornalha !Metam-me debaixo do omboio !E panquem-me a bordo de navio !

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158 ~ Fernando Pe oa

Ma oqui mo atravé de maquini mo !Sadi mo de não ei quê moderno e eu e barulho!

Up-lá hô jo key que ganha te o Derby,Morder entre dente o teu ap de dua ore !

(Ser tão alto que não pude e entrar por nenhuma porta!Ah, olhar é em mim uma perver ão exual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, atedrai !Deixai-me partir a abeça de en ontro à vo a e quina .

E er levado da rua heio de angueSem ninguém aber quem eu ou!

Ó tramway , funi ulare , metropolitano ,Roçai-vo por mim até ao e pa mo!Hilla! hilla! hilla-hô!Dai-me gargalhada em plena ara,Ó automóvei apinhado de pândego e de…,Ó multidõe quotidiana nem alegre nem tri te da rua ,Rio multi olor anónimo e onde eu me po o banhar omo quereria!Ah, que vida omplexa , que oi a lá pela a a de tudo i to!Ah, aber-lhe a vida a todo , a di uldade de dinheiro,A di en õe domé ti a , o debo he que não e u peitam,O pen amento que ada um tem a ó on igo no eu quartoE o ge to que faz quando ninguém pode ver!

Não aber tudo i to é ignorar tudo, ó raiva,Ó raiva que omo uma febre e um io e uma fomeMe põe a magro o ro to e me agita à veze a mãoEm ri paçõe ab urda em pleno meio da turbaNa rua heia de en ontrõe !

Ah, e a gente ordinária e uja, que pare e empre a me ma,ue emprega palavrõe omo palavra u uai ,

Cujo lho roubam à porta da mer eariaE uja lha ao oito ano - e eu a ho i to belo e amo-o! -Ma turbam homen de a peto de ente no vão de e ada.A gentalha que anda pelo andaime e que vai para a a

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Poema de Álvaro de Campo

Por viela qua e irreai de e treiteza e podridão.Maravilho amente gente humana que vive omo o ãe

ue e tá abaixo de todo o i tema morai ,Para quem nenhuma religião foi feita,Nenhuma arte riada,Nenhuma políti a de tinada para ele !Como eu vo amo a todo , porque oi a im,Nem imorai de tão baixo que oi , nem bon nem mau ,Inatingívei por todo o progre o ,Fauna maravilho a do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha a aO burro anda à roda, anda à roda,E o mi tério do mundo é do tamanho di to.Limpa o uor om o braço, trabalhador de ontente.A luz do ol abafa o ilên io da e feraE havemo todo de morrer,Ó pinheirai ombrio ao repú ulo,Pinheirai onde a minha infân ia era outra oi aDo que eu ou hoje…)

Ma , ah outra vez a raiva me âni a on tante!Outra vez a ob e ão movimentada do ónibu .E outra vez a fúria de e tar indo ao me mo tempo dentro de todo

o omboioDe toda a parte do mundo,De e tar dizendo adeu de bordo de todo o navio ,

ue a e ta hora e tão levantando ferro ou afa tando- e da do aÓ ferro, ó aço, ó alumínio, ó hapa de ferro ondulado!Ó ai , ó porto , ó omboio , ó guinda te , ó rebo adore !

Eh-lá grande de a tre de omboio !Eh-lá de abamento de galeria de mina !Eh-lá naufrágio deli io o do grande tran atlânti o !Eh-lá-hô revoluçõe aqui, ali, a olá,

Alteraçõe de on tituiçõe , guerra , tratado , inva õe ,Ruído, inju tiça , violên ia , e talvez para breve o m,A grande inva ão do bárbaro amarelo pela Europa,E outro Sol no novo Horizonte!

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160 ~ Fernando Pe oa

ue importa tudo i to, ma que importa tudo i toAo fúlgido e rubro ruído ontemporâneo,

Ao ruído ruel e deli io o da ivilização de hoje?udo i o apaga tudo, alvo o Momento,O Momento de tron o nu e quente omo um fogueiro,O Momento e tridentemente ruido o e me âni o,O Momento dinâmi o pa agem de toda a ba anteDo ferro e do bronze e da bebedeira do metai .Eia omboio , eia ponte , eia hotéi à hora do jantar,Eia aparelho de toda a e pé ie , férreo , bruto , mínimo ,In trumento de pre i ão, aparelho de triturar, de avar,Engenho bro a , máquina rotativa !

Eia! eia! eia!Eia eletri idade, nervo doente da Matéria!Eia telegraa- em-o , impatia metáli a do In on iente!Eia túnei , eia anai , Panamá, Kiel, Suez!Eia todo o pa ado dentro do pre ente!Eia todo o futuro já dentro de nó ! eia!Eia! eia! eia!Fruto de ferro e útil da árvore-fábri a o mopolita!Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!Nem ei que exi to para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.Engatam-me em todo o omboio .Içam-me em todo o ai .Giro dentro da héli e de todo o navio .Eia! eia-hô! eia!

Eia! ou o alor me âni o e a eletri idade!Eia! e o rail e a a a de máquina e a Europa!Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquina a trabalhar, eia!Galgar om tudo por ima de tudo! Hup-lá!Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não er eu toda a gente e toda a parte!

(Londre , 1914 – junho)

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Poema de Álvaro de Campo

O

Ao Senhor Mário de Sá-CarneiroÉ ante do ópio que a minha alma é doente.Sentir a vida onvale e e e tiolaE eu vou bu ar ao ópio que on olaUm Oriente ao oriente do Oriente.E ta vida de bordo há de matar-me.São dia ó de febre na abeçaE, por mai que pro ure até que adoeça, já não en ontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e in ompetên ia a tralEu vivo a vin o de ouro a minha vida,Onda onde o pundonor é uma de idaE o próprio gozo gânglio do meu mal.

É por um me ani mo de de a tre ,Uma engrenagem om volante fal o ,

ue pa o entre vi õe de adafal oNum jardim onde há ore no ar, em ha te .

Vou ambaleando atravé do lavorDuma vida-interior de renda e la a.

enho a impre ão de ter em a a a fa aCom que foi degolado o Pre ur or.Ando expiando um rime numa mala,

ue um avô meu ometeu por requinte.enho o nervo na for a, vinte a vinte,

E aí no ópio omo numa vala.

Ao toque adorme ido da morna

Per o-me em tran parên ia latejanteE numa noite heia de brilhante ,Ergue- e a lua omo a minha Sina.

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162 ~ Fernando Pe oa

Eu, que fui empre um mau e tudante, agoraNão faço mai que ver o navio ir

Pelo anal de Suez a onduzirA minha vida, ânfora na aurora.

Perdi o dia que já aproveitara.rabalhei para ter ó o an açoue é hoje em mim uma e pé ie de braçoue ao meu pe oço me ufo a e ampara.

E fui riança omo toda a gente.Na i numa provín ia portugue aE tenho onhe ido gente ingle a

ue diz que eu ei inglê perfeitamente.

Go tava de ter poema e novelaPubli ado por Plon e no Mer ure,Ma é impo ível que e ta vida dure.

Se ne ta viagem nem houve pro ela !A vida a bordo é uma oi a tri te,Embora a gente e divirta à veze .Falo om alemãe , ue o e ingle eE a minha mágoa de viver per i te.

Eu a ho que não vale a pena ter

Ido ao Oriente e vi to a índia e a China.A terra é emelhante e pequeninaE há ó uma maneira de viver.Por i o eu tomo ópio. É um remédioSou um onvale ente do Momento.Moro no ré -do- hão do pen amentoE ver pa ar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Can o. Ah uma terra aonde, enm,Muito a le te não fo e o oe te já!Pra que fui vi itar a Índia que háSe não há Índia enão a alma em mim?

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Poema de Álvaro de Campo

Sou de graçado por meu morgadio.O igano roubaram minha Sorte.

alvez nem me mo en ontre ao pé da morteUm lugar que me abrigue do meu frio.

Eu ngi que e tudei engenharia.Vivi na E ó ia. Vi itei a Irlanda.O meu oração é uma avozinha que andaPedindo e mola à porta da Alegria.

Não hegue a Port-Said, navio de ferro!Volta à direita, nem eu ei para onde.Pa o o dia no mokink-room om o onde -Um e ro fran ê , onde de m de enterro.

Volto à Europa de ontente, e em orteDe vir a er um poeta onambóli o.Eu ou monárqui o ma não atóli oE go tava de er a oi a forte .

Go tava de ter rença e dinheiro,Ser vária gente in ípida que vi.Hoje, anal, não ou enão, aqui,Num navio qualquer um pa ageiro.Não tenho per onalidade alguma.É mai notado que eu e e riadoDe bordo que tem um belo modo alçado

De laird e o ê há dia em jejum.Não po o e tar em parte alguma.A minha Pátria é onde não e tou. Sou doente e fra o.O omi ário de bordo é velha o.Viu-me om a ue a… e o re to ele adivinha.

Um dia faço e ândalo á a bordo,

Só para dar que falar de mim ao mai .Não po o om a vida, e a ho fataiA ira om que à veze me debordo.

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164 ~ Fernando Pe oa

Levo o dia a fumar, a beber oi a ,Droga ameri ana que entonte em,

E eu já tão bêbado em nada! De emMelhor érebro ao meu nervo omo ro a .

E revo e ta linha . Pare e impo ívelue me mo ao ter talento eu mal o inta!

O fato é que e ta vida é uma quintaOnde e aborre e uma alma en ível.

O ingle e ão feito pra exi tir.Não há gente omo e ta pra e tar feitaCom a ranquilidade. A gente deitaUm vintém e ai um dele a orrir.

Pertenço a um gênero de portugue eue depoi de e tar a Índia de oberta

Fi aram em trabalho. A morte é erta.enho pen ado ni to muita veze .

Leve o diabo a vida e a gente tê-la!Nem leio o livro à minha abe eira.Enoja-me o Oriente. É uma e teira

ue a gente enrola e deixa de er bela.

Caio no ópio por força. Lá quererue eu leve a limpo uma vida de ta

Não e pode exigir. Alma hone ta

Com hora pra dormir e pra omer,ue um raio a parta! E i to anal é inveja.

Porque e te nervo ão a minha morte.Não haver um navio que me tran portePara onde eu nada queira que o não veja!

Ora! Eu an ava-me o me mo modo.

ueria outro ópio mai forte pra ir de aliPara onho que de em abo de mimE prega em omigo nalgum lodo.

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Poema de Álvaro de Campo

Febre! Se i to que tenho não é febre,Não ei omo é que e tem febre e ente.

O fato e en ial é que e tou doente.E tá orrida, amigo , e ta lebre.

Veio a noite. o ou já a primeiraCorneta, pra ve tir para o jantar.Vida o ial por ima! I o! E mar harAté que a gente aia pla oleira!

Porque i to a aba mal e há de haver(Olá!) angue e um revólver lá pró mDe te de a o ego que há em mimE não há forma de e re olver.E quem me olhar, há de me a har banal,A mim e à minha vida… Ora! um rapaz…O meu próprio monó ulo me fazPerten er a um tipo univer al.

Ah quanta alma viverá, que ande metidaA im omo eu na Linha, e omo eu mí ti a!uanto ob a a a a ara terí ti a

Não terão omo eu o horror à vida?

Se ao meno eu por fora fo e tãoIntere ante omo ou por dentro!Vou no Mael trom, ada vez mai pró entro.

Não fazer nada é a minha perdição.Um inútil. Ma é tão ju to ê-lo!Pude e a gente de prezar o outroE, ainda que om o otovelo roto ,Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

enho vontade de levar a mão

À bo a e morder nela fundo e a mal.Era uma o upação originalE di traía o outro , o tai ão .

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166 ~ Fernando Pe oa

O ab urdo, omo uma or da tal Índiaue não vim en ontrar na Índia, na e

No meu érebro farto de an ar- e.A minha vida mude-a Deu ou nde-a…

Deixe-me e tar aqui, ne ta adeira,Até virem meter-me no aixão.Na i pra mandarim de ondição,Ma falta-me o o ego, o há e a e teira.Ah que bom que era ir daqui de aídaPra ova por um alçapão de e touro!A vida abe-me a taba o louro.Nun a z mai do que fumar a vida.

E anal o que quero é fé, é alma,E não ter e ta en açõe onfu a .Deu que a abe om i to! Abra a e lu a —E ba ta de omédia na minha alma!

(No Canal de Suez, a bordo)

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Poema de Álvaro de Campo

O A E

Ora até que enm…, perfeitamente…Cá e tá ela!

enho a lou ura exatamente na abeça.O meu oração e tourou omo uma bomba de pata o,E a minha abeça teve o obre alto pela e pinha a ima…

Graça a Deu que e tou doido!ue tudo quanto dei me voltou em lixo,

E, omo u po atirado ao vento,Me di per ou pela ara livre!

ue tudo quanto fui e me atou ao pé ,Como a arapilheira para embrulhar oi a nenhuma!

ue tudo quanto pen ei me faz ó ega na garganta

E me quer fazer vomitar em eu ter omido nada!

Graça a Deu , porque, omo na bebedeira,I to é uma olução.Arre, en ontrei uma olução, e foi pre i o o e tômago!En ontrei uma verdade, enti-a om o inte tino !

Poe ia tran endental, já a z também!Grande rapto líri o , também já por á pa aram!A organização de poema relativo à va tidão de ada a unto

re olvido em vário —ambém não é novidade.enho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim…enho uma náu ea que, e pude e omer o univer o para o de p

na pia, omia-o.Com e forço, ma era para bom m.Ao meno era para um m.E a im omo ou não tenho nem m nem vida…

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168 ~ Fernando Pe oa

O A

O antigo invo avam a Mu a .Nó invo amo-no a nó me mo .Não ei e a Mu a apare iam —Seria em dúvida onforme o invo ado e a invo ação. —Ma ei que nó não apare emo .

uanta veze me tenho debruçadoSobre o poço que me uponhoE balido “Ah!” para ouvir um e o,E não tenho ouvido mai que o vi to —O vago alvor e uro om que a água re plande eLá na inutilidade do fundo…Nenhum e o para mim…Só vagamente uma ara,

ue deve er a minha, por não poder er de outro.E uma oi a qua e invi ível,Ex eto omo lumino amente vejoLá no fundo…No ilên io e na luz fal a do fundo…

ue Mu a!…

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Poema de Álvaro de Campo

P H

rago dentro do meu oração,Como num ofre que e não pode fe har de heio,

odo o lugare onde e tive,odo o porto a que heguei,oda a pai agen que vi atravé de janela ou vigia ,

Ou de tombadilho , onhando,E tudo i o, que é tanto, é pou o para o que eu quero.

A entrada de Singapura, manhã ubindo, or verde,O oral da Maldiva em pa agem álida,Ma au à uma hora da noite… A ordo de repenteYat-iô--ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô… Ghi-…E aquilo oa-me do fundo de uma outra realidadeA e tatura norte-afri ana qua e de Zanzibar ao olDar-e -Salaam (a aída é difí il)…Majunga, No i-Bé, verdura de Madaga ar…

empe tade em torno ao Guardaful…E o Cabo da Boa E perança nítido ao ol da madrugada…E a Cidade do Cabo om a Montanha da Me a ao fundo…

Viajei por mai terra do que aquela em que toquei…Vi mai pai agen do que aquela em que pu o olho …Experimentei mai en açõe do que toda a en açõe que ePorque, por mai que enti e, empre me faltou que entirE a vida empre me doeu, empre foi pou o, e eu infeliz.

A erto momento do dia re ordo tudo i to e apavoro-me,Pen o em que é que me ará de ta vida ao bo ado , de te augeDe ta e trada à urva , de te automóvel à beira da e trada, de teDe ta turbulên ia tranquila de en açõe de en ontrada ,De ta tran fu ão, de ta in ub i tên ia, de ta onvergên ia iriadDe te de a o ego no fundo de todo o áli e ,De ta angú tia no fundo de todo o prazere ,De ta a iedade ante ipada na a a de toda a hávena ,De te jogo de arta fa tiento entre o Cabo da Boa E perança e aCanária .

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170 ~ Fernando Pe oa

Não ei e a vida é pou o ou demai para mim.Não ei e into de mai ou de meno , não eiSe me falta e rúpulo e piritual, ponto-de-apoio na inteligên ia,Con anguinidade om o mi tério da oi a , hoqueAo ontato , angue ob golpe , e tremeção ao ruído ,Ou e há outra igni ação para i to mai ómoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter na ido,Porque, de tão intere ante que é a todo o momento ,A vida hega a doer, a enjoar, a ortar, a roçar, a ranger,A dar vontade de dar grito , de dar pulo , de ar no hão, de air

Para fora de toda a a a , de toda a lógi a e de toda a aE ir er elvagem para a morte entre árvore e e que imento ,Entre tombo , e perigo e au ên ia de amanhã ,E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,Com o que eu pen o ou into, que eu nem ei qual é, ó vida.

Cruzo o braço obre a me a, ponho a abeça obre o braço ,É pre i o querer horar, ma não ei ir bu ar a lágrima …Por mai que me e for e por ter uma grande pena de mim, não hor

enho a alma ra hada ob o indi ador urvo que lhe to a…ue há de er de mim? ue há de er de mim?

Correram o bobo a hi ote do palá io, em razão,Fizeram o mendigo levantar- e do degrau onde aíra.Bateram na riança abandonada e tiraram-lhe o pão da mão .Oh mágoa imen a do mundo, o que falta é agir…

ão de adente, tão de adente, tão de adente…Só e tou bem quando ouço mú i a, e nem então.

Jardin do é ulo dezoito ante de 89,Onde e tai vó , que eu quero horar de qualquer maneira?

Como um bál amo que não on ola enão pela ideia de que é umbál amo,

A tarde de hoje e de todo o dia pou o a pou o, monótona, ai.A enderam a luze , ai a noite, a vida ub titui- e.Seja de que maneira for, é pre i o ontinuar a viver.Arde-me a alma omo e fo e uma mão, i amente.E tou no aminho de todo e e barram omigo.A minha quinta na provín ia,Haver meno que um omboio, uma diligên ia e a de i ão de partir

entre mim e ti.

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172 ~ Fernando Pe oa

u que não é uma oi a, rim lugar, uma e ên ia, uma vida,Penélope da teia, amanhã de feita, da tua e uridão,Cir e irreal do febri , do angu tiado em au a,Vem para mim, ó noite, e tende para mim a mão ,E ê fre or e alívio, o noite, obre a minha fronte…‘ u, uja vinda é tão uave que pare e um afa tamento,Cujo uxo e reuxo de treva, quando a lua bafeja,

em onda de arinho morto, frio de mare de onho,Bri a de pai agen upo ta para a no a angú tia ex e iva

u, palidamente, tu, ébil, tu, liquidamente,Aroma de morte entre ore , hálito de febre obre margen ,

u, rainha, tu, a telã, tu, dona pálida, vem…Sentir tudo de toda a maneira ,Viver tudo de todo o lado ,Ser a me ma oi a de todo o modo po ívei ao me mo temRealizar em i toda a humanidade de todo o momentoNum ó momento difu o, profu o, ompleto e longínquo.

Eu quero er empre aquilo om quem impatizo,

Eu torno-me empre, mai tarde ou mai edo,Aquilo om quem impatizo, eja uma pedra ou uma ân ia,Seja uma or ou uma ideia ab trata,Seja uma multidão ou um modo de ompreender Deu .E eu impatizo om tudo, vivo de tudo em tudo.São-me impáti o o homen uperiore porque ão uperioreE ão-me impáti o o homen inferiore porque ão uperiore taPorque er inferior é diferente de er uperior,E por i o é uma uperioridade a erto momento de vi ão.

Simpatizo om algun homen pela ua qualidade de aráter,E impatizo om outro pela ua falta de a qualidade ,E om outro ainda impatizo por impatizar om ele ,E há momento ab olutamente orgâni o em que e e ão todo

homen .Sim, omo ou rei ab oluto na minha impatia,Ba ta que ela exi ta para que tenha razão de er.E treito ao meu peito arfante, num abraço omovido,(No me mo abraço omovido)O homem que dá a ami a ao pobre que de onhe e,O oldado que morre pela pátria em aber o que é pátria,E o matri ida, o fratri ida, o in e tuo o, o violador de riança ,O ladrão de e trada , o alteador do mare ,

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Poema de Álvaro de Campo

O gatuno de arteira , a ombra que e pera na viela —odo ão a minha amante predileta pelo meno um momento na vida

Beijo na bo a toda a pro tituta ,Beijo obre o olho todo o outeneur ,A minha pa ividade jaz ao pé de todo o a a inoE a minha apa à e panhola e onde a retirada a todo o ladrõe

udo é a razão de er da minha vida.Cometi todo o rime ,Vivi dentro de todo o rime(Eu próprio fui, não um nem o outro no vi io,Ma o próprio ví io-pe oa prati ado entre ele ,

E de a ão a hora mai ar o-de-triunfo da minha vida).Multipliquei-me, para me entir,Para me entir, pre i ei entir tudo,

ran bordei, não z enão extrava ar-me,De pi-me, entreguei-me,E há em ada anto da minha alma um altar a um deu diferente.

O braço de todo o atleta apertaram-me ubitamente feminin

E eu ó de pen ar ni o de maiei entre mú ulo upo to .Foram dado na minha bo a o beijo de todo o en ontro ,A enaram no meu oração o lenço de toda a de pedida ,

odo o hamamento ob eno de ge to e olhareBatem-me em heio em todo o orpo om ede no entro exuai .Fui todo o a eta , todo o po to -de-parte, todo o omo que eE todo o pedera ta - ab olutamente todo (não faltou nenhum)Rendez-vou a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!

(Freddie, eu hamava-te Baby, porque tu era louro, bran o e eu amava-tuanta imperatrize por reinar e prin e a de tronada tu fo te para

Mary, om quem eu lia Burn em dia tri te omo entir- e vivMary, mal tu abe quanto a ai hone to , quanta família fViveram em ti o meu olho e o meu braço ingido e a minha

on iên ia in erta,A ua vida pa ata, a ua a a uburbana om jardim,O eu half-holiday ine perado …Mary, eu ou infeliz…Freddie, eu ou infeliz…Oh, vó todo , todo vó , a uai , demorado ,

uanta veze terei pen ado em pen ar em mim, em que o fó

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174 ~ Fernando Pe oa

Ah, quão pou o eu fui no que oi , quão pou o, quão pou o —Sim, e o que tenho eu ido, o meu ubjetivo univer o,Ó meu ol, meu luar, minha e trela , meu momento,Ó parte externa de mim perdida em labirinto de Deu !

Pa a tudo, toda a oi a num de le por mim dentro,E toda a idade do mundo, rumorejam- e dentro de mim…O meu oração tribunal, meu oração mer ado,O meu oração ala da Bol a, meu oração bal ão de Ban o,O meu oração rendez-vou de toda a humanidade,O meu oração ban o de jardim públi o, ho pedaria,

E talagem, alabouço número qualquer ou a(Aqui e tuvo el Manolo en ví pera de ir al patíbulo)O meu oração lube, ala, plateia, apa ho, gui het, portaló,Ponte, an ela, ex ur ão, mar ha, viagem, leilão, feira, arraial,O meu oração po tigo,O meu oração en omenda,O meu oração arta, bagagem, ati fação, entrega,O meu oração a margem, o limite, a úmula, o índi e,Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu oração.

odo o amante beijaram- e na minha alma,odo o vadio dormiram um momento em ima de mim,odo o de prezado en o taram- e um momento ao meu ombr

Atrave aram a rua, ao meu braço, todo o velho e o doente ,E houve um egredo que me di eram todo o a a ino .

(Aquela ujo orri o ugere a paz que eu não tenho,Em ujo baixar-de-olho há uma pai agem da Holanda,Com a abeça feminina oiffée de lin

E todo o e forço quotidiano de um povo pa í o e limpo…Aquela que é o anel deixado em ima da ómoda,E a ta entalada om o fe har da gaveta,Fita or-de-ro a, não go to da or ma da ta entalada,A im omo não go to da vida, ma go to de enti-la…Dormir omo um ão orrido no aminho, ao ol,Denitivamente para todo o re to do Univer o,E que o arro me pa em por ima.)

Fui para a ama om todo o entimento ,Fui outeneur de toda á emoçõe ,Pagaram-me bebida todo o a a o da en açõe ,

roquei olhare om todo o motivo de agir,

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Poema de Álvaro de Campo

E tive mão em mão om todo o impul o para partir,Febre imen a da hora !Angú tia da forja da emoçõe !Raiva, e puma, a imen idão que não abe no meu lenço,A adela a uivar de noite,O tanque da quinta a pa ear à roda da minha in ônia,O bo que omo foi à tarde, quando lá pa eamo , a ro a,A madeixa indiferente, o mu go, o pinheiro ,

oda a raiva de não onter i to tudo, de não deter i to tudo,Ó fome ab trata da oi a , io impotente do momento ,Orgia intele tual de entir a vida!

Obter tudo por u iên ia divina —A vé pera , o on entimento , o avi o ,A ou a bela da vida —O talento, a virtude, a impunidade,A tendên ia para a ompanhar o outro a a a,A ituação de pa ageiro,A onveniên ia em embar ar já para ter lugar,E falta empre uma oi a, um opo, uma bri a, urna fra e,

E a vida dói quanto mai e goza e quanto mai e inventa.Poder rir, rir, rir de pejadamente,Rir omo um opo entornado,Ab olutamente doido ó por entir,Ab olutamente roto por me roçar ontra a oi a ,Ferido na bo a por morder oi a ,Com a unha em angue por me agarrar a oi a ,E depoi dêem-me a ela que qui erem que eu me lembrarei da vid

Sentir tudo de toda a maneira ,er toda a opiniõe ,

Ser in ero ontradizendo- e a ada minuto,De agradar a i próprio pela plena liberalidade de e pírito,E amar a oi a omo Deu .

Eu, que ou mai irmão de uma árvore que de um operário,Eu, que into mai a dor upo ta do mar ao bater na praia

ue a dor real da riança em quem batem(Ah, omo i to deve er fal o, pobre riança em quem batem —E por que é que a minha en açõe e revezam tão depre a?)Eu, enm, que ou um diálogo ontinuo,

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176 ~ Fernando Pe oa

Um falar-alto in ompreen ível, alta-noite na torre,uando o ino o ilam vagamente em que mão lhe toque

E faz pena aber que há vida que viver amanhã.Eu, enm, literalmente eu,E eu metafori amente também,Eu, o poeta en a ioni ta, enviado do A a oA lei irrepreen ívei da Vida,Eu, o fumador de igarro por pro ão adequada,O indivíduo que fuma ópio, que toma ab into, ma que, enm,Prefere pen ar em fumar ópio a fumá-loE a ha mai eu olhar para o ab into a beber que bebê-lo…

Eu, e te degenerado uperior em arquivo na alma,Sem per onalidade om valor de larado,Eu, o inve tigador olene da oi a fútei ,

ue era apaz de ir viver na Sibéria ó por embirrar om i o,E que a ho que não faz mal não ligar importân ia à pátriaPorque não tenho raiz, omo uma árvore, e portanto não tenho raizEu, que tanta veze me into tão real omo uma metáfora,

Como uma fra e e rita por um doente no livro da rapariga que

en ontrou no terraço,Ou uma partida de xadrez no onvé dum tran atlânti o,Eu, a ama que empurra o perambulator em todo o jardin

públi o ,Eu, o poli ia que a olha, parado para trá na álea,Eu, a riança no arro, que a ena à ua in on iên ia lú ida om

oral om guizo .Eu, a pai agem por detrá di to tudo, a paz itadinaCoada atravé da árvore do jardim públi o,

Eu, o que o e pera a todo em a a,Eu, o que ele en ontram na rua,Eu, o que ele não abem de i próprio ,Eu, aquela oi a em que e tá pen ando e te mar a e e orri oEu, o ontraditório, o tí io, o aranzel, a e puma,O artaz po to agora, a an a da fran e a, o olhar do padre,O largo onde e en ontram a ua rua e o hauffeur dormem

ontra o arro ,A i atriz do argento mal en arado,O ebo na gola do expli ador doente que volta para a a,A hávena que era por onde o pequenito que morreu bebia empre,E tem uma falha na a a (e tudo i to abe num oração de mãe e

en he-o)…

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Poema de Álvaro de Campo

Eu, o ditado de fran ê da pequenita que mexe na liga ,Eu, o pé que e to am por baixo do bridge ob o lu tre, Eu, a

e ondida, o alor do lenço, a a ada om a janelaentreaberta,

O portão de erviço onde a riada fala om o de ejo do primo,O a ana do Jo é que prometeu vir e não veioE a gente tinha uma partida para lhe fazer…Eu, tudo i to, e além di to o re to do mundo…

anta oi a, a porta que e abrem, e a razão por que ela e abrE a oi a que já zeram a mão que abrem a porta …Eu, a infeli idade-nata de toda a expre õe ,

A impo ibilidade de exprimir todo o entimento ,Sem que haja uma lápida no emitério para o irmão de tudo i to,E o que pare e não querer dizer nada empre quer dizer qualquer ouSim, eu, o engenheiro naval que ou uper ti io o omo uma

ampone a madrinha,E u o monó ulo para não pare er igual à ideia real que faço de mi

ue levo à veze trê hora a ve tir-me e nem por i o a ho i o nMa a ho-o metafí i o e e me batem à porta zango-me,Não tanto por me interromperem a gravata omo por ar abendo

que há a vida…Sim, enm, eu o de tinatário da arta la rada ,O baú da ini iai ga ta ,A entonação da voze que nun a ouviremo mai -Deu guarda i o tudo no Mi tério, e à veze entimo-loE a vida pe a de repente e faz muito frio mai perto que o orpo.A Brígida prima da minha tia,O general em que ela falavam - general quando ela eram pequenaE a vida era guerra ivil a toda a e quina …

Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!Caem a folha e a no hão irregularmente,Ma o fato é que empre é outono no outono,E o inverno vem depoi fatalmente,há ó um aminho para a vida, que é a vida…

E e velho in igni ante, ma que ainda onhe eu o românti oE e opú ulo políti o do tempo da revoluçõe on titu ionaiE a dor que tudo i o deixa, em que e aiba a razãoNem haja para horar tudo mai razão que enti-lo.Viro todo o dia toda a e quina de toda a rua ,E empre que e tou pen ando numa oi a, e tou pen ando noutraNão me ubordino enão por atavi mo,

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178 ~ Fernando Pe oa

E há empre razõe para emigrar para quem não e tá de ama.

Da erra e de todo o afé de toda a idadeA e ívei à imaginaçãoReparo para a vida que pa a, igo-a em me mexer,Pertenço-lhe em tirar um ge to da algibeira,Nem tomar nota do que vi para depoi ngir que o vi.

No automóvel amarelo a mulher denitiva de alguém pa a,Vou ao lado dela em ela aber.No trottoir imediato ele en ontram- e por um a a o ombinado,

Ma ante de o en ontro dele lá e tar já eu e tava om ele lá.Não há maneira de e e quivarem a en ontrar-me,Não há modo de eu não e tar em toda a parte.O meu privilégio é tudo(Brevetée, San Garantie de Dieu, a minha Alma).

A i to a tudo e denitivamente.Não há joia para mulher que não eja omprada por mim e para mimNão há intenção de e tar e perando que não eja minha de qualque

maneira,Não há re ultado de onver a que não eja meu por a a o,Não há toque de ino em Li boa há trinta ano , noite de S. Carlo

inquentaue não eja para mim por uma galantaria depo ta.

Fui edu ado pela Imaginação,Viajei pela mão dela empre,Amei, odiei, falei, pen ei empre por i o,

E todo o dia têm e a janela por diante,E toda a hora pare em minha de a maneira.Cavalgada explo iva, explodida, omo uma bomba que rebenta,Cavalgada rebentando para todo o lado ao me mo tempo,Cavalgada por ima do e paço, alto por ima do tempo,Galga, avalo elé tron-íon, i tema olar re umidoPor dentro da ação do êmbolo , por fora do giro do volante .Dentro do êmbolo , tornado velo idade ab trata e lou a,Ajo a ferro e velo idade, vaivém, lou ura, raiva ontida,Atado ao ra to de todo o volante giro a ombro a hora ,E todo o univer o range, e traleja e e tropia- e em mim.

Ho-ho-ho-ho-ho!…

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180 ~ Fernando Pe oa

Rola, bola grande, formigueiro de on iên ia , terra,Rola, auroreada, entarde ida, a prumo ob ói , noturna,Rola no e paço ab trato, na noite mal iluminada realmenteRola…

Sinto na minha abeça a velo idade de giro da terra,E todo o paí e e toda a pe oa giram dentro de mim,Centrífuga ân ia, raiva de ir por o are até ao a troBate pan ada de en ontro ao interior do meu rânio,Põe-me alnete vendado por toda a on iên ia do meu orpo,Faz-me levantar-me mil veze e dirigir-me para Ab trato,

Para inen ontrável, Ali em re triçõe nenhuma ,A Meta invi ível — todo o ponto onde eu não e tou — e aome mo tempo…

Ah, não e tar parado nem a andar,Não e tar deitado nem de pé,Nem a ordado nem a dormir,Nem aqui nem noutro ponto qualquer,Re olver a equação de ta inquietação prolixa,

Saber onde e tar para poder e tar em toda a parte,Saber onde deitar-me para e tar pa eando por toda a rua …

Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho

Cavalgada alada de mim por ima de toda a oi a ,Cavalgada e talada de mim por baixo de toda a oi a ,Cavalgada alada e e talada de mim por au a de toda a oi a

Hup-la por ima da árvore , hup-la por baixo do tanque ,Hup-la ontra a parede , hup-la ra pando no tron o ,Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la na praia ,Numa velo idade re ente, in i tente, violenta,Hup-la hup-la hup-la hup-la…

Cavalgada panteí ta de mim por dentro de toda a oi a ,Cavalgada energéti a por dentro de toda a energia ,Cavalgada de mim por dentro do arvão que e queima, da lâmpada que aClarim laro da manhã ao fundoDo emi ír ulo frio do horizonte,

ênue larim longínquo omo bandeira in ertaDe fraldada para além de onde a ore ão vi ívei …

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182 ~ Fernando Pe oa

Bebedeira da rua e de entir ver ouvir tudo ao me mo tempo.Bater da fonte de e tar vindo para á ao me mo tempo que vou paComboio parte-te de en ontro ao re guardo da linha de de vio!Vapor navega direito ao ai e ra ha-te ontra ele!Automóvel guiado pela lou ura de todo o univer o pre ipita-tePor todo o pre ipí io abaixoE ho a-te, trz!, e frangalha-te no fundo do meu oração!

À moi, todo o objeto projétei !À moi, todo o objeto direçõe !À moi, todo o objeto invi ívei de veloze !

Batam-me, tre pa em-me, ultrapa em-me!Sou eu que me bato, que me tre pa o, que me ultrapa o!A raiva de todo o ímpeto fe ha em ír ulo-mim!Hela-hoho omboio, automóvel, aeroplano minha ân ia ,Velo idade entra por toda a ideia dentro,Cho a de en ontro a todo o onho e parte-o ,Chamu a todo o ideai humanitário e útei ,Atropela todo o entimento normai , de ente , on ordanteColhe no giro do teu volante vertigino o e pe ado

O orpo de toda a lo oa , o tropo de todo o poemaE frangalha-o e a ó tu, volante ab trato no are ,Senhor upremo da hora europeia, metáli o a io.Vamo , que a avalgada não tenha m nem em Deu !

Dói-me a imaginação não ei omo, ma é ela que dói,De lina dentro de mim o ol no alto do éu.Começa a tender a entarde er no azul e no meu nervo .Vamo ó avalgada, quem mai me on egue tornar?

Eu que, veloz, voraz, omilão da energia ab trata,ueria omer, beber, e folar e arranhar o mundo,Eu, que ó me ontentaria om al ar o univer o ao pé ,Cal ar, al ar, al ar até não entir.Eu, into que ou fora do que imaginei tudo o que qui ,

ue embora eu qui e e tudo, tudo me faltou.

Cavalgada de mantelada por ima de todo o imo ,Cavalgada de arti ulada por baixo de todo o poço ,Cavalgada vôo, avalgada eta, avalgada pen amento-relâmpagoCavalgada eu, avalgada eu, avalgada o univer o — eu.Helahoho-o-o-o-o-o-o-o…O meu er elá ti o, mola, agulha, trepidação…

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184 ~ Fernando Pe oa

P L R

Nun a onhe i quem tive e levado porrada.odo o meu onhe ido têm ido ampeõe em tudo.

E eu, tanta veze rele , tanta veze por o, tanta veze vil,Eu tanta veze irre pondivelmente para ita,Inde ulpavelmente ujo.Eu, que tanta veze não tenho tido pa iên ia para tomar banho,Eu, que tanta veze tenho ido ridí ulo, ab urdo,

ue tenho enrolado o pé publi amente no tapete da etiquetaue tenho ido grote o, me quinho, ubmi o e arrogante,ue tenho ofrido enxovalho e alado,ue quando não tenho alado, tenho ido mai ridí ulo ainda;

Eu, que tenho ido ómi o à riada de hotel,Eu, que tenho entido o pi ar de olho do moço de frete ,Eu, que tenho feito vergonha nan eira , pedido empre tado em paEu, que, quando a hora do o o urgiu, me tenho aga hadoPara fora da po ibilidade do o o;Eu, que tenho ofrido a angú tia da pequena oi a ridí ula ,Eu veri o que não tenho par ni to tudo ne te mundo.

oda a gente que eu onheço e que fala omigoNun a teve um ato ridí ulo, nun a ofreu enxovalho,Nun a foi enão prín ipe - todo ele prín ipe - na vida…

uem me dera ouvir de alguém a voz humanaue onfe a e não um pe ado, ma uma infâmia;ue onta e, não uma violên ia, ma uma obardia!

Não, ão todo o Ideal, e o oiço e me falam.uem há ne te largo mundo que me onfe e que uma vez foi vil?Ó prín ipe , meu irmão ,

Arre, e tou farto de emideu e !Onde é que há gente no mundo?

Então ou ó eu que é vil e errôneo ne ta terra?Poderão a mulhere não o terem amado,Podem ter ido traído - ma ridí ulo nun a!E eu, que tenho ido ridí ulo em ter ido traído,Como po o eu falar om o meu uperiore em titubear?Eu, que venho ido vil, literalmente vil,Vil no entido me quinho e infame da vileza.

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Poema de Álvaro de Campo

P (O P )

Símbolo . udo ímboloSe alhar, tudo é ímbolo …Será tu um ímbolo também?

Olho, de terrado de ti, a tua mão bran aPo ta , om boa maneira ingle a , obre a toalha da me a.Pe oa independente de ti…Olho-a : também erão ímbolo ?Então todo o mundo é ímbolo e magia?Se alhar é…E por que não há de er?

Símbolo …E tou an ado de pen ar…Ergo nalmente o olho para o teu olho que me olham.Sorri , abendo bem em que eu e tava pen ando…Meu Deu ! e não abe …Eu pen ava no ímbolo …Re pondo elmente à tua onver a por ima da me a…“It wa very trange, wa n’t it?”“A wfully trange. And how did it end?”“Well, it didn’t end. It never doe , you know.”

Sim, you know… Eu ei…Sim eu ei…É o mal do ímbolo , you know.Ye , I know.Conver a perfeitamente natural… Ma o ímbolo ?Não tiro o olho de tua mão … uem ão ela ?Meu Deu ! O ímbolo … O ímbolo …

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186 ~ Fernando Pe oa

uando olho para mim não me per ebo.enho tanto a mania de entirue me extravio à veze ao air

Da própria en açõe que eu re ebo.

O ar que re piro, e te li or que bebo,Perten em ao meu modo de exi tir,E eu nun a ei omo hei de on luirA en açõe que a meu pe ar on ebo.

Nem nun a, propriamente reparei,Se na verdade into o que into. EuSerei tal qual pareço em mim? Serei

al qual me julgo verdadeiramente?Me mo ante a en açõe ou um pou o ateu,Nem ei bem e ou eu quem em mim ente.

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Poema de Álvaro de Campo

L O

ue lindo olho de azul ino ente o do pequenito do agiota!Santo Deu , que entron amento e ta vida!

ive empre, feliz ou infelizmente, a en ibilidade humanizada.E toda a morte me doeu empre pe oalmente,Sim, não ó pelo mi tério de ar inexpre ivo o orgâni o,Ma de maneira direta, á do oração.

Como o ol doura a a a do réprobro !Poderei odiá-lo em de fazer no ol?

Anal que oi a a pen ar om o entimento di traídoPor au a do olho de riança de uma riança…

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188 ~ Fernando Pe oa

N S !

ue noite erena!ue lindo luar!ue linda barquinha

Bailando no mar!

Suave, todo o pa ado — o que foi aqui de Li boa — me urge…O ter eiro andar da tia , o o ego de outrora,So ego de vária e pé ie ,A infân ia em futuro pen ado,O ruído aparentemente ontínuo da máquina de o tura dela ,E tudo bom e a hora ,De um bem e de um a hora próprio, hoje morto.

Meu Deu , que z eu da vida?

ue noite erena, et .uem é que antava i o?I o e tava lá.Lembro-me ma e queço.E dói, dói, dói…

Por amor de Deu , parem om i o dentro da minha abeça.

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Poema de Álvaro de Campo

A

uero a abar entre ro a , porque a amei na infân ia.O ri ântemo de depoi , de folhei-o a frio.Falem pou o, devagar.

ue eu não oiça, obretudo om o pen amento.O que qui ? enho a mão vazia ,Cri pada ebilmente obre a ol ha longínqua.O que pen ei? enho a bo a e a, ab trata.O que vivi? Era tão bom dormir!

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190 ~ Fernando Pe oa

R

Sim, pa ava aqui frequentemente há vinte ano …Nada e tá mudado — ou, pelo meno , não dou por i to —Ne ta lo alidade da idade…

Há vinte ano !…O que eu era então! Ora, era outro…

Há vinte ano , e a a a não abem de nada…Vinte ano inútei (e ei lá e o foram!Sei eu o que é útil ou inútil?)…Vinte ano perdido (ma o que eria ganhá-lo ?)

ento re on truir na minha imaginaçãouem eu era e omo era quando por aqui pa ava

Há vinte ano …Não me lembro, não me po o lembrar.

O outro que aqui pa ava, então,Se exi ti e hoje, talvez e lembra e…Há tanta per onagem de roman e que onheço melhor por dentroDe que e e eu-me mo que há vinte ano pa ava por aqui!

Sim, o mi tério do tempo.Sim, o não e aber nada,Sim, o termo todo na ido a bordoSim, im, tudo i o, ou outra forma de o dizer…

Daquela janela do egundo andar, ainda idênti a a i me ma,Debruçava- e então uma rapariga mai velha que eu, mai

lembradamente de azul.

Hoje, e alhar, e tá o quê?Podemo imaginar tudo do que nada abemo .E tou parado fí i a e moralmente: não quero imaginar nada…

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Poema de Álvaro de Campo

Houve um dia em que ubi e ta rua pen ando alegremente no futurPoi Deu dá li ença que o que não exi te eja fortemente ilumina

Hoje, de endo e ta rua, nem no pa ado pen o alegremente.uando muito, nem pen o…enho a impre ão que a dua gura e ruzaram na rua, nem

então nem agora,Ma aqui me mo, em tempo a perturbar o ruzamento.

Olhamo indiferentemente um para o outro.E eu o antigo lá ubi a rua imaginando um futuro gira ol,E eu o moderno lá de i a rua não imaginando nada.

alvez i o realmente e de e…Verdadeiramente e de e…Sim, arnalmente e de e…

Sim, talvez…

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192 ~ Fernando Pe oa

R

Arrumar a vida, pôr prateleira na vontade e na ação.uero fazer i to agora, omo empre qui , om o me mo re ultad

Ma que bom ter o propó ito laro, rme ó na lareza, de fazerqualquer oi a!

Vou fazer a mala para o Denitivo,Organizar Álvaro de Campo ,E amanhã ar na me ma oi a que ante de ontem — um ante d

ontem que é empre…Sorrio do onhe imento ante ipado da oi a-nenhuma que erei.Sorrio ao meno ; empre é alguma oi a o orrir…Produto românti o , nó todo …E e não fo emo produto românti o , e alhar não eríamoA im e faz a literatura…Santo Deu e , a im até e faz a vida!

O outro também ão românti o ,O outro também não realizam nada, e ão ri o e pobre ,O outro também levam a vida a olhar para a mala a arrumar,O outro também dormem ao lado do papéi meio ompo to ,O outro também ão eu.Vendedeira da rua antando o teu pregão omo um hino in on ienRodinha dentada na relojoaria da e onomia políti a,

Mãe, pre ente ou futura, de morto no de a ar do Império ,A tua voz hega-me omo uma hamada a parte nenhuma, omo oilên io da vida…

Olho do papéi que e tou pen ando em arrumar para a janela,Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,E o meu orri o, que ainda não a abara, in lui uma ríti a metaDe ri de todo o deu e diante de uma e retária por arrumar,Fitei de frente todo o de tino pela di tração de ouvir apregoandE o meu an aço é um bar o velho que apodre e na praia de erta,E om e ta imagem de qualquer outro poeta fe ho a e retária e o

poema…Como um deu , não arrumei nem uma oi a nem outra…

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Poema de Álvaro de Campo

S W W

Portugal Innito, onze de junho de mil nove ento e quinze…Hé-lá-á-á-á-á-á-á!

Daqui de Portugal, toda a épo a no meu érebro,Saúdo-te, Walt, aúdo-te, meu irmão em Univer o,

Eu, de monó ulo e a a o exageradamente intado,Não ou indigno de ti, bem o abe , Walt,Não ou indigno de ti, ba ta audar-te para o não er…Eu tão ontíguo à inér ia, tão fa ilmente heio de tédio,Sou do teu , tu bem abe , e ompreendo-te e amo-te,E embora te não onhe e e, na ido pelo ano em que morria ,Sei que me ama te também, que me onhe e te, e e tou ontente.Sei que me onhe e te, que me ontempla te e me expli a te,Sei que é i o que eu ou, quer em Brooklyn Ferry dez ano ante

de eu na er,uer pela Rua do Ouro a ima pen ando em tudo que não é a Rua

do Ouro,E onforme tu enti te tudo, into tudo, e á e tamo de mão da

De mão dada , Walt, de mão dada , dançando o univer o na alm

Ó empre moderno e eterno, antor do on reto ab oluto ,Con ubina fogo a do univer o di per o,Grande pedera ta roçando-te ontra a adver idade da oi a ,Sexualizado pela pedra , pela árvore , pela pe oa , pela proCio da pa agen , do en ontro a uai , da mera ob ervaçO meu entu ia ta pelo onteúdo de tudo,O meu grande herói entrando pela Morte dentro ao pinote ,E ao urro , e ao guin ho , e ao berro audando Deu !

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194 ~ Fernando Pe oa

Cantor da fraternidade feroz e terna om tudo,Grande demo rata epidérmi o, ontágio a tudo em orpo e alma,

Carnaval de toda a açõe , ba anal de todo o propó ito ,Irmão gêmeo de todo o arran o , Jean-Ja que Rou eau do mundo que havia de produzir máquinaHomero do in ai i able de utuante arnal,Shake peare da en ação que omeça a andar a vapor,Milton-Shelley do horizonte da Eletri idade futura! in ubo de todo

o ge to

E pa mo pra dentro de todo o objeto -força,Souteneur de todo o Univer o,Rameira de todo o i tema olare …

uanta veze eu beijo o teu retrato!Lá onde e tá agora (não ei onde é ma é Deu )Sente i to, ei que o ente , e o meu beijo ão mai quente (eE tu a im é que o quere , meu velho, e agrade e de lá —,Sei-o bem, qualquer oi a mo diz, um agrado no meu e pírito

Uma ereção ab trata e indireta no fundo da minha alma.

Nada do engageant em ti, ma i lópi o e mu ulo o,Ma perante o Univer o a tua atitude era de mulher,E ada erva, ada pedra, ada homem era para ti o Univer o.Meu velho Walt, meu grande Camarada, evohé!Pertenço à tua orgia báqui a de en açõe -em-liberdade,Sou do teu , de de a en ação do meu pé até à náu ea em m

onho ,Sou do teu , olha pra mim, de aí de de Deu vê -me ao ontráriDe dentro para fora… O meu orpo é o que adivinha , vê a minha

alma —E a vê tu propriamente e atravé do olho dela o meu orpo —Olha pra mim: tu abe que eu, Álvaro de Campo , engenheiro,

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Poema de Álvaro de Campo

Poeta en a ioni ta,Não ou teu di ípulo, não ou teu amigo, não ou teu antor,

u abe que eu ou u e e tá ontente om i o!

Nun a po o ler o teu ver o a o… Há ali entir demai …Atrave o o teu ver o omo a uma multidão ao en ontrõe E heira-me a uor, a óleo , a atividade humana e me âni a.No teu ver ó , a erta altura não ei e leio ou e vivo,Não ei e o meu lugar real é no mundo ou no teu ver o ,Não ei e e tou aqui, de pé obre a terra natural,Ou de abeça pra baixo, pendurado numa e pé ie de

e tabele imento,No teto natural da tua in piração de tropel,No entro do teto da tua inten idade ina e ível.

Abram-me toda a porta !Por força que hei de pa ar!Minha enha? Walt Whitman!Ma não dou enha nenhuma…Pa o em expli açõe …Se for pre i o meto dentro a porta …Sim — eu, franzino e ivilizado, meto dentro a porta ,Porque ne te momento não ou franzino nem ivilizado,Sou EU, um univer o pen ante de arne e o o, querendo pa ar,E que há de pa ar por força, porque quando quero pa ar ou De

irem e e lixo da minha frente!Metam-me em gaveta e a emoçõe !Daqui pra fora, políti o , literato ,

Comer iante pa ato , polí ia, meretrize , outeneur ,udo i o é a letra que mata, não o e pírito que dá a vida.

O e pírito que dá a vida ne te momento ou EU!

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196 ~ Fernando Pe oa

ue nenhum lho da… e me atrave e no aminho!O meu aminho é pelo innito fora até hegar ao m!

Se ou apaz de hegar ao m ou não, não é ontigo,E omigo, om Deu , om o entido-eu da palavra Innito…Pra frente!Meto e pora !Sinto a e pora , ou o próprio avalo em que monto,Porque eu, por minha vontade de me on ub tan iar om Deu ,Po o er tudo, ou po o er nada, ou qualquer oi a,

Conforme me der na gana… Ninguém tem nada om i o…Lou ura furio a! Vontade de ganir, de altar,De urrar, zurrar, dar pulo , pinote , grito om o orpo,De me ramponner à roda do veí ulo e meter por baixo,De me meter adiante do giro do hi ote que vai bater,De er a adela de todo o ãe e ele não ba tam,De er o volante de toda a máquina e a velo idade tem limite,De er o e magado, o deixado, o de lo ado, o a abado,Dança omigo, Walt, lá do outro mundo, e ta fúria,Salta omigo ne te batuque que e barra om o a tro ,Cai omigo em força no hão,E barra omigo tonto na parede ,Parte-te e e frangalha-te omigoEm tudo, por tudo, à roda de tudo, em tudo,Raiva ab trata do orpo fazendo mael trom na alma…

Arre! Vamo lá pra frente!Se o próprio Deu impede, vamo lá pra frente Não faz diferençaVamo lá pra frente em er para parte nenhumaInnito! Univer o! Meta em meta! ue importa?

(Deixa-me tirar a gravata e de abotoar o olarinho .Não e pode ter muita energia om a ivilização à roda do pe oçAgora, im, partamo , vá lá pra frente.

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Poema de Álvaro de Campo

Numa grande mar he aux abeux-toda -a - idade -da-Europa,Numa grande mar ha guerreira a indú tria, o omér io e ó io,

Numa grande orrida, numa grande ubida, numa grande de idaE trondeando, pulando, e tudo pulando omigo,Salto a audar-te,Berro a audar-te,De en adeio-me a audar-te, ao pinote , ao pino , ao guino

Por i o é a ti que endereço

O meu ver o alto , o meu ver o pulo , o meu ver oO meu ver o -ataque -hi téri o ,O meu ver o que arra tam o arro do meu nervo .

Ao trambolhõe me in piro,Mal podendo re pirar, ter-me de pé me exalto,E o meu ver o ão eu não poder e toirar de viver.

Abram-me toda a janela !Arranquem-me toda a porta !Puxem a a a toda para ima de mim!

uero viver em liberdade no ar,uero ter ge to fora do meu orpo,uero orrer omo a huva pela parede abaixo,uero er pi ado na e trada larga omo a pedra ,uero ir, omo a oi a pe ada , para o fundo do mare ,

Com uma voluptuo idade que já e tá longe de mim!Não quero fe ho na porta !Não quero fe hadura no ofre !

uero inter alar-me, imi uir-me, er levado,uero que me façam pertença doída de qualquer outro,ue me de pejem do aixote ,ue me atirem ao mare ,ue me vão bu ar a a a om n ob eno ,

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198 ~ Fernando Pe oa

Só para não e tar empre aqui entado e quieto,Só para não e tar imple mente e revendo e te ver o !

Não quero intervalo no mundo!

uero a ontiguidade penetrada e material do objeto !uero que o orpo fí i o ejam un do outro omo a alm

Não ó dinami amente, ma e tati amente também!

uero voar e air de muito alto!Ser arreme ado omo uma granada!Ir parar a… Ser levado até…Ab trato auge no m ie mim e de tudo!

Clímax a ferro e motore !E adaria pela velo idade a ima, em degrau !Bomba hidráuli a de an orando-me a entranha entida !

Ponham-me grilheta ó para eu a partir!Só para eu a partir om o dente , e que o dente angremGozo ma oqui ta, e pa módi o a angue, da vida!

O marinheiro levaram-me pre o,A mão apertaram-me no e uro,Morri temporariamente de enti-lo,Seguiu- e a minha alma a lamber o hão do ár ere privado,E a ega-rega da impo ibilidade ontornando o meu a inte.

Pula, alta, toma o freio no dente ,Péga o-ferro-em-bra a da minha ân ia inquieta ,Paradeiro inde i o do meu de tino a motore !

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Poema de Álvaro de Campo

He all Walt:

Porta pra tudo!Ponte pra tudo!E trada pra tudo!A tua alma omnívora,A tua alma ave, peixe, fera, homem, mulher,A tua alma o doi onde e tão doi ,A tua alma o um que ão doi quando doi ão um,

A tua alma eta, raio, e paço,Amplexo, nexo, exo, exa , Carolina, New York,Brooklyn Ferry à tarde,Brooklyn Ferry da ida e do regre o ,Libertad! Demo ra y! Sé ulo vinte ao longe!PUM! pum! pum! pum! pum!PUM!

u, o que era , tu o que via , tu o que ouvia ,O ujeito e o objeto, o ativo e o pa ivo,Aqui e ali, em toda a parte tu,Cír ulo fe hando toda a po ibilidade de entir,Mar o miliário de toda a oi a que podem er,Deu ermo de todo o objeto que e imaginem e é tu!

u Hora,

u Minuto,u Segundo!u inter alado, liberto, de fraldado, ido,

Inter alamento, libertação, ida, de fraldamento,u inter alador, libertador, de fraldador, remetente,

Carimbo em toda a arta ,Nome em todo o endereço ,Mer adoria entregue, devolvida, eguindo…Comboio de en açõe a alma-quilómetro à hora,À hora, ao minuto, ao egundo, PUM!

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200 ~ Fernando Pe oa

Agora que e tou qua e na morte e vejo tudo já laro,Grande Libertador, volto ubmi o a ti.

Sem dúvida teve um m a minha per onalidade.Sem dúvida porque e exprimiu, qui dizer qualquer oi aMa hoje, olhando para trá , ó uma ân ia me a —Não ter tido a tua alma uperior a ti-próprio,A tua libertação on telada de Noite Innita.

Não tive talvez mi ão alguma na terra.

Heia que eu vou hamarAo privilégio ruido o e en urde edor de audar-te

odo o formilhamento humano do Univer o,odo o modo de toda a emoçõeodo o feitio de todo o pen amento ,

oda a roda , todo o volante , todo o êmbolo da alma.Heia que eu gritoE num ortejo de Mim até ti e tardalhaçamCom uma algaravia meta i a e real,Com um hinfrim de oi a pa ado por dentro em nexo.

Ave, alve, viva, ó grande ba tardo de Apolo,

Amante impotente e fogo o da nove mu a e da graça ,Funi ular do Olimpo até nó e de nó ao Olimpo.

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Poema de Álvaro de Campo

S

Se te quere matar, por que não te quere matar?Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,Se ou a e matar-me, também me mataria…Ah, e ou are , ou a!De que te erve o quadro u e ivo da imagen externaA que hamamo o mundo?A inematograa da hora repre entadaPor atore de onvençõe e po e determinada ,O ir o poli romo do no o dinami mo em m?De que te erve o teu mundo interior que de onhe e ?

alvez, matando-te, o onheça nalmente…alvez, a abando, ome e …

E, de qualquer forma, e te an a ere ,Ah, an a-te nobremente,E não ante , omo eu, a vida por bebedeira,Não aúde omo eu a morte em literatura!

Faze falta? Ó ombra fútil hamada gente!Ninguém faz falta; não faze falta a ninguém…Sem ti orrerá tudo em ti.

alvez eja pior para outro exi tire que matare -te…alvez pe e mai durando, que deixando de durar…

A mágoa do outro ?… en remor o adiantadoDe que te horem?De an a: pou o te horarão…O impul o vital apaga a lágrima pou o a pou o,

uando não ão de oi a no a ,uando ão do que a onte e ao outro , obretudo a morte,

Porque é oi a depoi da qual nada a onte e ao outro …

Primeiro é a angú tia, a urpre a da vindaDo mi tério e da falta da tua vida falada…Depoi o horror do aixão vi ível e material,E o homen de preto que exer em a pro ão de e tar ali.

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202 ~ Fernando Pe oa

Depoi a família a velar, in on olável e ontando anedota ,Lamentando a pena de tere morrido,

E tu mera au a o a ional daquela arpidação,u verdadeiramente morto, muito mai morto que al ula …Muito mai morto aqui que al ula ,Me mo que e teja muito mai vivo além…Depoi a trági a retirada para o jazigo ou a ova,E depoi o prin ípio da morte da tua memória.Há primeiro em todo um alívioDa tragédia um pou o maçadora de tere morrido…Depoi a onver a aligeira- e quotidianamente,E a vida de todo o dia retoma o eu dia…

Depoi , lentamente e que e te.Só é lembrado em dua data , aniver ariamente:

uando faz ano que na e te, quando faz ano que morre te.Mai nada, mai nada, ab olutamente mai nada.Dua veze no ano pen am em ti.Dua veze no ano u piram por ti o que te amaram,E uma ou outra vez u piram e por a a o e fala em ti.

En ara-te a frio, e en ara a frio o que omo …Se quere matar-te, mata-te…Não tenha e rúpulo morai , re eio de inteligên ia!…

ue e rúpulo ou re eio tem a me âni a da vida?

ue e rúpulo quími o tem o impul o que gera

A eiva , e a ir ulação do angue, e o amor?ue memória do outro tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de arne e o o hamada homem.Não vê que não ten importân ia ab olutamente nenhuma?

É importante para ti, porque é a ti que te ente .É tudo para ti, porque para ti é o univer o,

E o próprio univer o e o outroSatélite da tua ubjetividade objetiva.É importante para ti porque ó tu é importante para ti.E e é a im, ó mito, não erão o outro a im?

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Poema de Álvaro de Campo

en , omo Hamlet, o pavor do de onhe ido?

Ma o que é onhe ido? O que é que tu onhe e ,Para que hame de onhe ido a qualquer oi a em e pe ial?

en , omo Fal taff, o amor gorduro o da vida?Se a im a ama materialmente, ama-a ainda mai materialmente,

orna-te parte arnal da terra e da oi a !Di per a-te, i tema fí i o-quími oDe élula noturnamente on ientePela noturna on iên ia da in on iên ia do orpo ,Pelo grande obertor não- obrindo-nada da aparên ia ,Pela relva e a erva da proliferação do ere ,Pela névoa atômi a da oi a ,Pela parede turbilhonanteDo vá uo dinâmi o do mundo…

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204 ~ Fernando Pe oa

S

Símbolo ? E tou farto de ímbolo …Ma dizem-me que tudo é ímbolo,

odo me dizem nada.uai ímbolo ? Sonho . —ue o ol eja um ímbolo, e tá bem…ue a lua eja um ímbolo, e tá bem…ue a terra eja um ímbolo, e tá bem…

Ma quem repara no ol enão quando a huva e a,E ele rompe a nuven e aponta para trá da o ta ,Para o azul do éu?Ma quem repara na lua enão para a harBela a luz que ela e palha, e não bem ela?Ma quem repara na terra, que é o que pi a?Chama terra ao ampo , à árvore , ao monte ,Por uma diminuição in tintiva,Porque o mar também é terra…Bem, vá, que tudo i o eja ímbolo…Ma que ímbolo é, não o ol, não a lua, não a terra,Ma ne te poente pre o e e azulando- eO ol entre farrapo no de nuven ,Enquanto a lua é já vi ta, mí ti a, no outro lado,E o que a da luz do diaDoura a abeça da o tureira que para vagamente à e quina

Onde e demorava outrora om o namorado que a deixou?Símbolo ? Não quero ímbolo …ueria — pobre gura de mi éria e de amparo! —ue o namorado volta e para a o tureira.

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Poema de Álvaro de Campo

S J A

Olha, Dai y: quando eu morrer tu há dedizer ao meu amigo aí de Londre ,embora não o inta , que tu e ondea grande dor da minha morte. Irá de

Londre para Iorque, onde na e te (dize …que eu nada que tu diga a redito),

ontar àquele pobre rapazitoque me deu tanta hora tão felize ,

Embora não o aiba , que morri…me mo ele, a quem eu tanto julguei amar,nada e importará… Depoi vai dar

A notí ia a e a e tranha Ce ily que a reditava que eu eria grande…Raio partam a vida e quem lá ande!

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206 ~ Fernando Pe oa

S E

Sou eu, eu me mo, tal qual re ultei de tudo,E pé ie de a e ório ou obre alente próprio,Arredore irregulare da minha emoção in era,Sou eu aqui em mim, ou eu.

uanto fui, quanto não fui, tudo i o ou.uanto qui , quanto não qui , tudo i o me forma.uanto amei ou deixei de amar é a me ma audade em mim.

E, ao me mo tempo, a impre ão, um pou o in on equente,Como de um onho formado obre realidade mi ta ,De me ter deixado, a mim, num ban o de arro elétri o,Para er en ontrado pelo a a o de quem e lhe ir entar em ima

E, ao me mo tempo, a impre ão, um pou o longínqua,Como de um onho que e quer lembrar na penumbra a que e a orDe haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao me mo tempo, a impre ão, um pou o doloro a,Como de um a ordar em onho para um dia de muito redoreDe haver falhado tudo omo tropeçar no apa ho,De haver embrulhado tudo omo a mala em a e ova ,De haver ub tituído qualquer oi a a mim algure na vida.

Ba te! É a impre ão um tanto ou quanto metafí i a,Como o ol pela última vez obre a janela da a a a abandonar,De que mai vale er riança que querer ompreender o mundo —A impre ão de pão om manteiga e brinquedoDe um grande o ego em Jardin de Pro érpina,De uma boa-vontade para om a vida en o tada de te ta à janela,Num ver hover om om lá fora

E não a lágrima morta de u tar a engolir.Ba te, im ba te! Sou eu me mo, o tro ado,O emi ário em arta nem reden iai ,

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Poema de Álvaro de Campo

O palhaço em ri o, o bobo om o grande fato de outro,A quem tinem a ampainha da abeça

Como ho alho pequeno de uma ervidão em ima.Sou eu me mo, a harada in opada

ue ninguém da roda de ifra no erõe de provín ia.

Sou eu me mo, que remédio!…

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208 ~ Fernando Pe oa

Não ou nada.Nun a erei nada.Não po o querer er nada.À parte i o, tenho em mim todo o onho do mundo.

Janela do meu quarto,Do meu quarto de um do milhõe do mundo que ninguém abe

quem é(E e oube em quem é, o que aberiam?),Dai para o mi tério de uma rua ruzada on tantemente por gentPara uma rua ina e ível a todo o pen amento ,Real, impo ivelmente real, erta, de onhe idamente erta,Com o mi tério da oi a por baixo da pedra e do ere ,Com a morte a pôr umidade na parede e abelo bran o no homCom o De tino a onduzir a arroça de tudo pela e trada de nada.

E tou hoje ven ido, omo e oube e a verdade.E tou hoje lú ido, omo e e tive e para morrer,E não tive e mai irmandade om a oi aSenão uma de pedida, tornando- e e ta a a e e te lado da ruaA leira de arruagen de um omboio, e uma partida apitadaDe dentro da minha abeça,E uma a udidela do meu nervo e um ranger de o o na ida.

E tou hoje perplexo omo quem pen ou e a hou e e que eu.E tou hoje dividido entre a lealdade que devoÀ aba aria do outro lado da rua, omo oi a real por fora,E à en ação de que tudo é onho, omo oi a real por dentro.

Falhei em tudo.Como não z propó ito nenhum, talvez tudo fo e nada.

A aprendizagem que me deram,De i dela pela janela da tra eira da a a,Fui até ao ampo om grande propó ito .Ma lá en ontrei ó erva e árvore ,

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Poema de Álvaro de Campo

E quando havia gente era igual à outra.Saio da janela, ento-me numa adeira. Em que hei de pen ar?

ue ei eu do que erei, eu que não ei o que ou?Ser o que pen o? Ma pen o er tanta oi a!E há tanto que pen am er a me ma oi a que não pode haver tanGênio? Ne te momentoCem mil érebro e on ebem em onho gênio omo eu,E a hi tória não mar ará, quem abe?, nem um,Nem haverá enão e trume de tanta onqui ta futura .Não, não reio em mim.Em todo o mani ômio há doido malu o om tanta ertezaEu, que não tenho nenhuma erteza, ou mai erto ou meno erNão, nem em mim…Em quanta man arda e não-man arda do mundoNão e tão ne ta hora gênio -para- i-me mo onhando?

uanta a piraçõe alta e nobre e lú ida -Sim, verdadeiramente alta e nobre e lú ida -,E quem abe e realizávei ,Nun a verão a luz do ol real nem a harão ouvido de gente?O mundo é para quem na e para o onqui tarE não para quem onha que pode onqui tá-lo, ainda que tenha razã

enho onhado mai que o que Napoleão fez.enho apertado ao peito hipotéti o mai humanidade do que Cri toenho feito lo oa em egredo que nenhum Kant e reveu.

Ma ou, e talvez erei empre, o da man arda,Ainda que não more nela;

Serei empre o que não na eu para i o;Serei empre ó o que tinha qualidade ;Serei empre o que e perou que lhe abri em a porta ao pé de uma

parede em portaE antou a antiga do Innito numa apoeira,E ouviu a voz de Deu num poço tapado.Crer em mim? Não, nem em nada.Derrame-me a Natureza obre a abeça ardente

O eu ol, a ua huva, o vento que me a ha o abelo,E o re to que venha e vier, ou tiver que vir, ou não venha.E ravo ardía o da e trela ,Conqui tamo todo o mundo ante de no levantar da ama;

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210 ~ Fernando Pe oa

Ma a ordamo e ele é opa o,Levantamo-no e ele é alheio,

Saímo de a a e ele é a terra inteira,Mai o i tema olar e a Via Lá tea e o Indenido.

(Come ho olate , pequena;Come ho olate !Olha que não há mai metafí i a no mundo enão ho olate .Olha que a religiõe toda não en inam mai que a onfeitaria.Come, pequena uja, ome!Pude e eu omer ho olate om a me ma verdade om que oMa eu pen o e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de e tanDeito tudo para o hão, omo tenho deitado a vida.)

Ma ao meno a da amargura do que nun a ereiA aligraa rápida de te ver o ,Pórti o partido para o Impo ível.Ma ao meno on agro a mim me mo um de prezo em lágrimNobre ao meno no ge to largo om que atiroA roupa uja que ou, em rol, pra o de ur o da oi a ,E o em a a em ami a.

( u, que on ola , que não exi te e por i o on ola ,Ou deu a grega, on ebida omo e tátua que fo e viva,Ou patrí ia romana, impo ivelmente nobre e nefa ta,Ou prin e a de trovadore , gentilí ima e olorida,Ou marque a do é ulo dezoito, de otada e longínqua,

Ou o ote élebre do tempo do no o pai ,Ou não ei quê moderno - não on ebo bem o quê -,udo i o, eja o que for, que eja , e pode in pirar que in pire

O meu oração é um balde de pejado.Como o que invo am e pírito invo am e pírito invo oA mim me mo e não en ontro nada.Chego à janela e vejo a rua om uma nitidez ab oluta.Vejo a loja , vejo o pa eio , vejo o arro que pa am,

Vejo o ente vivo ve tido que e ruzam,Vejo o ãe que também exi tem,E tudo i to me pe a omo uma ondenação ao degredo,E tudo i to é e trangeiro, omo tudo.)

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Poema de Álvaro de Campo

Vivi, e tudei, amei, e até ri,

E hoje não há mendigo que eu não inveje ó por não er eu.Olho a ada um o andrajo e a haga e a mentira,E pen o: talvez nun a vive e nem e tuda e nem ama e nem(Porque é po ível fazer a realidade de tudo i o em fazer nada di

alvez tenha exi tido apena , omo um lagarto a quem ortam o rE que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não oube,E o que podia fazer de mim não o z.O dominó que ve ti era errado.Conhe eram-me logo por quem não era e não de menti, e perdi-me

uando qui tirar a má ara,E tava pegada à ara.

uando a tirei e me vi ao e pelho, Já tinha envelhe ido.E tava bêbado, já não abia ve tir o dominó que não tinha tirado.Deitei fora a má ara e dormi no ve tiárioComo um ão tolerado pela gerên iaPor er inofen ivoE vou e rever e ta hi tória para provar que ou ublime.

E ên ia mu i al do meu ver o inútei ,uem me dera en ontrar-te omo oi a que eu ze e,

E não a e empre defronte da aba aria de defronte,Cal ando ao pé a on iên ia de e tar exi tindo,

Como um tapete em que um bêbado tropeçaOu um apa ho que o igano roubaram e não valia nada.Ma o dono da aba aria hegou à porta e ou à porta.Olhou-o om o de onforto da abeça mal voltadaE om o de onforto da alma mal-entendendo.Ele morrerá e eu morrerei.Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei ver o .A erta altura morrerá a tabuleta também, e o ver o também.

Depoi de erta altura morrerá a rua onde e teve a tabuleta,E a língua em que foram e rito o ver o .Morrerá depoi o planeta girante em que tudo i to e deu.Em outro atélite de outro i tema qualquer oi a omo gen

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212 ~ Fernando Pe oa

Continuará fazendo oi a omo ver o e vivendo por baixo de omo tabuleta ,

Sempre uma oi a defronte da outra,Sempre uma oi a tão inútil omo a outra,Sempre o impo ível tão e túpido omo o real,Sempre o mi tério do fundo tão erto omo o ono de mi tério da

uperfí ie,Sempre i to ou empre outra oi a ou nem uma oi a nem outra.

Ma um homem entrou na aba aria (para omprar taba o?),E a realidade plau ível ai de repente em ima de mim.Semiergo-me enérgi o, onven ido, humano,E vou ten ionar e rever e te ver o em que digo o ontrário.

A endo um igarro ao pen ar em e revê-loE aboreio no igarro a libertação de todo o pen amento .Sigo o fumo omo uma rota própria,E gozo, num momento en itivo e ompetente,A libertação de toda a e pe ulaçõeE a on iên ia de que a metafí i a é uma on equên ia de e tadi po to.

Depoi deito-me para trá na adeiraE ontinuo fumando.Enquanto o De tino mo on eder, ontinuarei fumando.

(Se eu a a e om a lha da minha lavadeira

alvez fo e feliz.)Vi to i to, levanto-me da adeira. Vou à janela.

O homem aiu da aba aria (metendo tro o na algibeira da alçaAh, onheço-o: é o E teve em metafí i a.(O dono da aba aria hegou à porta.)Como por um in tinto divino o E teve voltou- e e viu-me.A enou-me adeu gritei-lhe Adeu ó E teve !, e o univer o

Re on truiu- e-me em ideal nem e perança, e o dono da aba ariorriu.

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Poema de Álvaro de Campo

C

enho uma grande on tipação,E toda a gente abe omo a grande on tipaçõeAlteram todo o i tema do univer o,Zangam-no ontra a vida,E fazem e pirrar até à metafí i a.

enho o dia perdido heio de me a oar.Dói-me a abeça indi tintamente.

ri te ondição para um poeta menor!Hoje ou verdadeiramente um poeta menor.O que fui outrora foi um de ejo; partiu- e.

Adeu para empre, rainha da fada !A tua a a eram de ol, e eu á vou andando.Não e tarei bem e não me deitar na ama.Nun a e tive bem enão deitando-me no univer o.

Ex u ez un peu… ue grande on tipação fí i a!Pre i o de verdade e da a pirina.

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214 ~ Fernando Pe oa

Sentou- e bêbado à me a e e reveu um fundoDo ime , laro, in la i ável, lido,Supondo ( oitado!) que ia ter inuên ia no mundo….Santo Deu !… E talvez a tenha tido!

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Poema de Álvaro de Campo

C

A Roda a arta de amor ão

Ridí ula .Não eriam arta de amor e não fo emRidí ula .

ambém e revi em meu tempo arta de amor,Como a outra ,Ridí ula .

A arta de amor, e há amor,êm de er

Ridí ula .

Ma , anal,

Só a riatura que nun a e reveramCarta de amorÉ que ãoRidí ula .

uem me dera no tempo em que e reviaSem dar por i oCarta de amorRidí ula .

A verdade é que hojeA minha memóriaDe a arta de amorÉ que ãoRidí ula .

( oda a palavra e drúxula ,Como o entimento e drúxulo ,

São naturalmenteRidí ula .)

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216 ~ Fernando Pe oa

E P

(…E a im v d , m Irmão, q a v rdadq o foram dada no Gra d N óto,

aq la q o foram dada no Gra d Ad pto M nor, ão, ainda q opo ta , a m ma v rdad .)

(Do Rit al Do Gra D M tr Do Átrio Na Ord m T mplária D Port gal)

Conta a lenda que dormiaUma Prin e a en antadaA quem ó de pertariaUm Infante, que viria

De além do muro da e tradaEle tinha que, tentado,Ven er o mal e o bem,Ante que, já libertado,Deixa e o aminho erradoPor o que à Prin e a vem.

A Prin e a Adorme ida,Se e pera, dormindo e pera,Sonha em morte a ua vida,E orna-lhe a fronte e que ida,Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, e forçado,Sem aber que intuito tem,Rompe o aminho fadado,Ele dela é ignorado,Ela para ele é ninguém.

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Poema de Álvaro de Campo

Ma ada um umpre o De tino —Ela dormindo en antada,

Ele bu ando-a em tinoPelo pro e o divinoue faz exi tir a e trada.

E, e bem que eja ob uroudo pela e trada fora,

E fal o, ele vem eguro,E ven endo e trada e muro,Chega onde em ono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,À abeça, em mare ia,Ergue a mão, e en ontra hera,E vê que ele me mo eraA Prin e a que dormia.

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Poema de Álvaro de Campo

P C F

Vai pelo ai fora um bulí io de hegada próxima,Começam hegando o primitivo da e pera, Já ao longe o paquete de Áfri a e avoluma e e lare e.

Vim aqui para não e perar ninguém,Para ver o outro e perar,Para er o outro todo a e perar,Para er a e perança de todo o outro .

rago um grande an aço de er tanta oi a.Chegam o retardatário do prin ípio,E de repente impa iento-me de e perar, de exi tir, de er,Vou-me embora bru o e notável ao porteiro que me ta muito ma

rapidamente.

Regre o à idade omo à liberdade.Vale a pena entir para ao meno deixar de entir.

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220 ~ Fernando Pe oa

V

O o ego da noite, na vilegiatura no alto;O o ego, que mai aprofundaO ladrar e par o do ãe de guarda na noite;O ilên io, que mai e a entua,Porque zumbe ou murmura uma oi a nenhuma no e uro…Ah, a opre ão de tudo i to!

Oprime omo er feliz!ue vida idíli a, e fo e outra pe oa que a tive eCom o zumbido ou murmúrio monótono de nadaSob o éu ardento de e trela ,Com o ladrar do ãe polvilhando o o ego de tudo!

Vim para aqui repou ar,Ma e que i-me de me deixar lá em a a,

rouxe omigo o e pinho e en ial de er on iente,A vaga náu ea, a doença in erta, de me entir.

Sempre e ta inquietação mordida ao bo adoComo pão ralo e uro, que e e farela aindo.Sempre e te mal-e tar tomado ao mau hau toComo um vinho de bêbado quando nem a náu ea ob ta.

Sempre, empre, empreE te defeito da ir ulação na própria alma,E ta lipotimia da en açõe ,I to…

(A tua mão e guia , um pou o pálida , um pou o minha ,E tavam naquele dia quieta pelo teu regaço de entada,

Como e onde a te oira e o ideal de uma outra.Ci mava , olhando-me, omo e eu fo e o e paço.Re ordo para ter em que pen ar, em pen ar.

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Poema de Álvaro de Campo

De repente, num meio u piro, interrompe te o que e tava endoOlha te on ientemente para mim, e di e te:

“ enho pena que todo o dia não ejam a im” —A im, omo aquele dia que não fora nada…

Ah, não abia ,Felizmente não abia ,

ue a pena é todo o dia erem a im, a im:ue o mal é que, feliz ou infeliz,

A alma goza ou ofre o íntimo tédio de tudo,Con iente ou in on ientemente,Pen ando ou por pen ar

ue a pena é e a…

Lembro fotogra amente a tua mão parada ,Molemente e tendida .Lembro-me, ne te momento, mai dela do que de ti.

ue erá feito de ti?Sei que, no formidável algure da vida,Ca a te. Creio que é mãe. Deve er feliz.Por que o não haveria de er?

Só por maldade…Sim, eria inju to…Inju to?

(Era um dia de ol pelo ampo e eu dormitava, orrindo.)

A vida…Bran o ou tinto, é o me mo: é para vomitar.

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222 ~ Fernando Pe oa

S m Dir ito d A torn m Dir ito Con xo

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Poema de Álvaro de Campo

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