garcia jr., afrânio.; grynzman, mario. veredas da questão agrária e enigmas no grande sertão

38
VEREDAS DA QUESTÃO AGRÁRIA E ENIGMAS DO GRANDE SERTÃO Afrânio Garcia Jr. e Mario Gryn.rzpan Os estudos sobre as relações sociais e o imaginário característi- cos do mundo rural brasileiro constituem um excelente material para se analisar tanto a evolução e a diversificação das ciências sociais no Brasil como os laços c.1ue vincu1am as questões abordadas, o trata- mento que recebem ao serem investigadas, os modelos explicativos elaborados e as retóricas de validação dos argumentos, às mudanças do espaço político e intelectual onde surgiram, adquiriram sentido e passaram a ordenar debates e pesquisas. É, sem sombra de dúvidas, um terreno fértil para se refletir sobre o que se acumulou em termos de formulação de problemáticas e métodos, propiciando novos es- quemas conceituais. Ademais, é também um bom revelador dos im- passes que tolhem os avanços das ciências sociais em nosso país, sobretudo quando se considera o peso dos debates políticos sobre os rumos da reflexão propriamente sociológica. GRANDE LAVOURA: A MATRIZ DA NACIONALIDADE Nos anos de 1930, como salientou Antonio Candido (1967),

Upload: vvendellfreitas

Post on 18-Aug-2015

217 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

GARCIA JR., Afrânio.; GRYNZMAN, Mario. Veredas Da Questão Agrária e Enigmas No Grande Sertão

TRANSCRIPT

VEREDASDAQUESTOAGRRIAEENIGMAS DOGRANDESERTO AfrnioGarcia Jr.e MarioGryn.rzpan Os estudos sobre asrelaes sociais e o imaginrio caractersti-cos do mundo rural brasileiro constituem um excelente material para se analisar tanto a evoluo e a diversificao das cinciassociaisno Brasilcomooslaosc.1uevincu1amasquestesabordadas,otrata-mento querecebem aosereminvestigadas,os modelosexplicativos elaborados e asretricas de validao dos argumentos, smudanas do espao poltico e intelectual onde surgiram, adquiriram sentido e passaram a ordenar debates e pesquisas.,sem sombra de dvidas, um terreno frtilpara se refletir sobre o que se acumulou em termos deformulaodeproblemticasemtodos,propiciandonovoses-quemasconceituais. Ademais, tambm um bom revelador dos im-passesquetolhemosavanosdascinciassociaisemnossopas, sobretudo quando se considera o peso dos debates polticos sobre os rumos da reflexo propriamente sociolgica. GRANDELAVOURA:AMATRIZDANACIONALIDADE Nos anosde 1930,comosalientou Antonio Candido(1967), 312AFRNIOGARCIAJR.EMARIOGRYNSZPAN em prefcio clebre auma nova edio de Razes doBrasil,asinter-pretaes do Brasil, vale dizer, as concepes mesmas que definem osmarcosem que passaaser pensadaaidentidadenacional,so renovadas a partir de livros de trs autores se tornaram clssicos do pensamentosocialbrasileiro:GilbertoFreyrecomCasa-grandee S enzala(1933),SrgioBuarquedeHolandacomRazesdoBrasil (1936) e Caio Prado Jr.com Formao do Bra1'i/ Conte111port1eo(1942) 1 Todosesseslivrosbuscaminvestigarcomoasmatrizessociais ordenadorasdomundoruraldoBrasilcolonial,especialmentea grandelavoura(engenhosefazendas),incidiamdiretamentesobreos rumosdamodernizaodoBrasil,justamente poca emquese aceleravamosprocessosdeurbanizao,deindustrializaoede construo do Estado federalcapazde gerir os destinosdacoleti-vidadenacional.Oconhecimento dashierarquiassociaisedasre-presentaesmentaisesimblicasherdadasdouniversocolonial apareciam, ento, como um passo fundamenta! para a compreenso do leque depossibilidades dos destinosda nao. Para Gilberto Freyre, a poligamia de patriarcas brancos ge-rando filhos de esposas preferencialmente brancas, mas tambm de mulheresnegras,ndiasoumestias,emrelaesmaisoumenos estveis e duradouras, que d origem a vastas progenituras de mes-tios e imprime dessa forma um perfil muito particular morfologia socialdas plantationsem terrasbrasileiras.Muitodiferenteoque severificanospadresdesexualidade ede filiaodesenhorese de escravosnas plantations de colniasanglo-saxsdominadas pela ticaprotestanteepuritana,comonosul dosEstadosUnidos.A 1.Nesselivro,CaioPradodesenvolvecomumadocumentaomaisfartae bem elaborada oesquema analtico quejapresentara em EvoluoPolticado Brasil,publicado em 1933. No seria portanto anacronismo considerar os trs autorescomoparticipantesdeummesmomomentododebateintelectual. Fernando Henrique Cardoso, poca ministro das Relaes Exteriores, profe-riu conferncia no Instituto Rio Branco, formador de novos diplomatas, sobre esses trs autores e os "livros que inventaramo Brasil" (cf. Cardoso, 1993). VEREDASDAQUESTAOAGRRIA ...313 escravido na obra de Gilberto Freyre estudada menos como uma relao de trabalho do que descrita como uma matrjz que possibilita quesenhoresbrancosse apropriemdosserviossexuaisdesuas escravasnegrase nillasecontrolem osdestinossociaisdascrian-as assim engendradas. A rustncia social dos padres de sexualida-de e de filiaoempiricamente constatveis2 ante asnormas impos-tas pela moral catlica ntida e talfatoserve de argumento para a afirmaodeGilbertoFreyredequeduranteoBrasilcolniaa instituiodacasa-gmndesubordinavaahierarquiareligiosa,assim como ofariatambm comaadministraocolonial.De qualquer forma,aespecificidadedospadresdedomesticidadeda grande lavouramarcou deformaindelvelasformasdereproduocor-rentes eleamplos contingentes populacionais e, conseqentemente, a "psicologia ntima dos brasileiros". Note-se tambm que a hierar-quia institLrda no binmio cas11-gra11de/ se11zalr1 no desapareceria, para Gilberto Freyre, como um simples efeito da mestiagem: a urbani-zao que comeava a se intensificar em todo o pas foipensada em seguida pelo binmiosohrados/ 111ucr1111hos,recriando-se assimasills-tnciassociais e assubordinaes de outrora sobre novasbases.A perenidade da hierarquia socialdesignadapela oposio casa-gran-deesenzaladestacadaporGilbertoFreyreaoanunciarqueo livrolanadocm1933apenasoprimeirodeumatrilogia:aps Sobradose M11cr1111bos,dariaapblico Jazigose CovasRasas.Positiva-mente,ointeressepelamiscigenaonoconduziuesteautora negar oprimado da hjerarquia social para compreender asmodali-dades de evoluo da sociedade brasileira (cf.o prefcio primeira eillo). SrgioBuarquedeHolandatambmexploraagneseda "psicologia ntima dosbrasileiros" por meio do estudo da hierar-2. ~ notrio o uso de materiais historiogrficos inovadores para a poca em que a obra foiescrita,como oestudo de testamentos, inventrios, autos de pro-cessos criminais, autos de inquisio etc. 314AFRNIOGARCIA JR.EMARIOGRYNSZPAN quiaescravistado grandedomniorural,masasuareflexoest centradasobreosdilemasenfrentadosnoprocessodeconstru-odo Estado moderno.Os descendentes de senhores de escra-vospareciamestarsubmetidosapenasssuasprpriaspaixes, suasvontadesnotendocomofreiosnormastranscendentes comoasleisimpessoaiscaractersticasdosEstadosmodernos3. Assim,oshomenscordiaisconstituemobstculosparaaimplanta-o da democraciacomoformadeinstitucionalizaodoespao pblico.SrgioBuarqueusouaexpressohomemcordialemseu sentidoetimolgico,homensdecorao,dominadospelorgo quesediariaaspaixeshumanas.Em outrostermos,soaqueles quefazempredominarapaixosobrearazo.Oprimadoda razo,aocontrrio,permitiria integrar asvontades de outras pes-soascomocondicionantesdeseusprpriosatos;arazofazuso de normastranscendentes aosindivduosetambm dasexpecta-tivasdoscomportamentosprovveisdosoutrosparceirosnos diversosjogossociais.Aconstruodoespaopblicoondese 3.Estas observaes de Srgio Buarque de Holanda, diretamente inspiradasna obra de Max Weber, no deixam de guardar urna proximidade surpreendente comasanlisesfeitas,maisoumenosmesmapoca,porNorbertElias sobre oprocesso civilizatrio e a relao entre oautocontrole das emoes e a curializao dos guerreiros dentro da sociedade decorte(cf.Elias,1987;1993). No h,porm, nenhuma evidnciahistricade que SrgioBuarque tivesse conhecimento da reflexo dediscpulosde Weber que, corno ele,sepreocu-pavamcomantdotosascensodoautoritarismonazistaquecomeavaa ganharterreno.AviagemAlemanha,eminciodosanosde1930,como correspondente de jornal, permitiu que Srgio Buarque observasse a ascenso dos nazistas ao poder atravs de mobilizaes polticas e de vitrias eleitorais. OEstado autoritrio saa,ento, das entranhas do Estado liberal.Observou que ocarter democrtico do Estado moderno depende tanto de instituies assegurando liberdades pblicas, quanto da composio social ecultural das lideranas polticas. Decorre da seuinteresse profundo pelas origens histri-cas dos padres de sociabilidade e de comportamento poltico, pois opassa-do colonial ibrico no constituiria solofrtilonde a construo de um Brasil democrtico pudesse deitar razes(cf.Barbosa, 1988). VEREDASDAQUESTAOAGRRIA ...315 forjamasdecisescoletivaspormeiodedebateseconfrontos depontosdevistaexigiriaoprimadodarazo.FoiCassiano Ricardo,para acalentar onacionalismoculturalempreendido por VargasduranteoEstado Novo,quetentou,comrelativosuces-so, como se percebe hoje,tomar ouso da expressohomemcordial como prova de umtemperamento cordato eavessoaoconflito4 Para Srgio Buarque a dominncia dos homenscordiais que impe queaconstruodoEstadomodernosefaasobaformade uma mptura com o passado5Oentendimento das modalidades do exerccio do mando no passado permite vislumbrar os desafiosa seremenfrentadosnopresenteparaaadoodaconvivncia poltica democrtica. Jpara Caio Prado Jr.,a adoo de uma perspectiva marxista implicou a anlise dos movimentos da grande lavoura como ligados fundamentalmenteexportaodebensagrcolasematrias-pri-mascoloniaisparaoscentroseuropeus,equeconstituam,por conseguinte, grandes obstculos industrializao do pase a todo oprocessodedesenvolvimentoeconmico,socialepolticoaela relacionado.Aorganizao produtiva e os circuitoscomerciaisfo-ram estruturados elemodo que formaosocialbrasileira caberia sempre um papel subordinado na diviso internacional do trabalho, ou seja, a emancipao do Brasil contemporneo encontrava oseu limite na herana do Brasil colonial. A superao desse limite supu-nha processosde talmagnitude que somente poderiam ser engen-drados por uma revoluo nacional, que teria na questo agrria um doseixoscentrais6AanlisedeCaioPrado Jr.desloca ofocode 4.Cf.captulo V sobre oho!f1e111cordial e oapndice 3 edio, de1956, revista pelo autor, intitulado ''Variaes sobre o homem cordial". 5.Cf. captulo VII, intitulado "Nossa Revoluo". 6.Note-sequeasmudanaspolticaseculturaisdenominadasde"revoluo nacional"de modo algum so exclusivas dacorrente marxista, uma vezque os tenentistas dela fizeramlargo uso e,sem dvida alguma, oprestigio desta expresso desde osanos de1920 e 1930 explica por que o golpe de1964 foi 316 AFRNIOGARCIAJR.EMARIOGRYNSZPAN ateno dos padres de sociabilidade na vida familiar(sexualidade, alianas, filiao)e do exerccio do mando no domnio pblico para os circuitosespecificamente econmicos,sobretudo nasesferas da produo e dacirculao de bens. Asimples leitura da bibliografia caracterstica dos anosde 1950, 1960 e1970 mostra como apers-pectiva econmica se tornou dominante para a anlise do legado da grande lavoura.A dominncia do marxismo, a partir dos anos de 1950, esteve intimamente relacionada orientao metodolgica de con-siderarainfra-estruturaeconmicaumprincpio"dominanteem ltimainstncia".No seriaocasoaquide desenvolverestaidia, mas cabe indicar que a hegemonia do pensamento marxista durante essastrsdcadassevinculaconstruodaeconomianacional como uma questo central dos debates intelectuais e ao surgimento doseconomistascomogrupoprofissionaldedestaquenoseiodas elites dirigentes (Loureiro, 1997). Verifica-seassimque,paraessestrsautores,aanlisedo mundoruraldemodoalgumencontra-sedesligadadosproces-sosqueincidemsobreoconjuntodaformaosocialeparticu-larmentesobreosmodosdeconstruodoespaopblico.O mundoruralpartefundamentaldesteprocesso,masseuco-nhecimentopor sisno dachave da mudana socialpor que passa acoletividadenacional. Almdessestrsautores,poderamosverificar nosescritos deoutroscontemporneosaimportnciagueassumeaquesto dospadresdeautoridadeherdadosdosdomniosruraisdiante do desafiopara a implantao da Repblica; tal,seguramente, o casodeOliveiraViana.Como demonstraLuizdeCastroFaria, por meiodaaoeditorial de Monteiro Lobato edo grupodeO nomeadopor seusautoresderevoluo.Nadcadade1930,olevantede outubro tambm foiassim batizado, da mesma forma que o levante da frente unificadadeSoPaulo,em1932,cornoseriautilizadaaindapelaAliana Libertadora Nacional em 1935. VEREDASDAQUESTOAGRARIA ...317 EstadodeSoPaulo,OliveiraVianatorna-sesocilogoconsagrado desdeosanosde1920,chamandoaatenopara ospadresdo jogopolticono Brasil, onde arealidadebrasileira moldaria asapro-priaesefetivasdoarcabouolegalimportadodaEuropa(cf. Vianna,1920,apud Faria, 2002).Tanto ocl como entidade polti-ca,comoofeudalismocomoformacaractersticadasinteraes sociaisentreparticipantesdouniversodapoltica,sonoes que s soespecificadas pela referncia constante aomundodos engenhosedasfazendasdecafou degado.OcasodeOliveira Vianatomais interessante porque constituium mediador,por assimdizer,entreospensadoresobcecadospelamiscigenao biolgicacomomarco na corridarumo civilizaoeaquelesque vodescartarainferioridaderacialdoroldosproblemasperti-nentesparaareflexosociolgica,debruando-seunicamente sobreosfundamentossociaisehistricosdoatrasorelativodo Brasil.Ressalte-se,porm, que apreocupaodefundosociol-gicoentreosescritoresbrasileiroschegouaimporautilizao denovosmateriaisempricoseamobilizaodenovasrefern-ciasbibliogrficasinternacionais,masno alterou deformaradi-calotomensasticodaspublicaesdosanosde1920 e19307 QUESTOAGRARlAECONSTRUO00E.STAOO Se.asobrasdessesautoresbrasileirosrepresentammarcos pata sepensar os destinos da nacionalidade, deve-seobservar que seintensifica nosanos de1940 um debate, que atingiroseu auge 7.Aprpriacategoriape11sammtosocialdenotaadiferenasintomticaantea expresso pensammtosociolgicoque passavaa ser dominante nocontexto das cinciassociaiseuropias(cf.Karady,1968,1976,1979e1982;Lepenies, 1990). A referncia da primeira expresso a nao, oconjunto de relaes sociais,deconcepes,decomportamentosqueestodelimitadospela territorialidade do Estado. J a segunda expresso volta-se nitidamente para processos universais, independentes de coordenadas de tempo e espao. 318AFRNJOGARCIAJR.EMARIOGRYNSZPAN nas dcadas de 1950 e 1960, sobre o carter feudal ou capitalista das relaes de produo no campa8. Discutir o campo, nesse contexto, era discutir a prpria formao do Estado e a capacidade deste de influirnodestinodopas,sendoqueamodificaodaestrutura agrria aparece como condio sinequanonpara eliminar osobst-culos industrializaoe a toda modernizaocultural epoltica a ela associada. Os dramas das populaes rurais, como misria, fome, isolamento, baixa instruo e um certo grau de passividade poltica, passaram aser lidosnomaiscomodecorrentesdecausasfsicas ou naturais,comoamestiagem,assecasou mesmoasdoenas, mas como questes sociais, cuja soluo demandava uma interven-o poltica.Olatifndio estaria na raizdestes problemas. Muito mais doqueapenasuma grandepropriedade,essanoosignificavaum conjunto de relaes de poder marcadas pela explorao, pela impo-siodeumavontadearbitrria,pelaviolncia,pelaausnciade direitos, e que garantia selitesagrriasuma enorme influncia nas tomadas de deciso sobre osusos de recursos pblicos e na imple-mentaodeaespolticas.Nottulomesmodaobraquese tornaria um clssicodacincia poltica,Coronelismo,Enxada e Voto, deVictorNunesLeal(1948),estsugeridoovnculoentreas formas de dominao social sobre os grupos subalternos do campo e os padres clientelsticos deseleo dosrepresentantespolticos. Asoluopropostapassava,portanto,pelaextinodolatifndio pormeiodarealizaodeumareformaagrriaqueacarretaria, 8.Moacir Palmeira indica que a contestao da existncia derelaes feudaisno mundoruralbrasileiroteriaseiniciadocomolivrodeRobertoSimonsen, Histria Econo!nica doBrasil (1937).O debate entre historiadores ganha intensi-dadeaindanos anos de1940,mas,semdvida alguma, nos anosde1960 queasdisputaspolticaseintelectuaisatingemoseuaugecomodebate sociolgico, do qual ostextos de Alberto Passos Guimares, Quatro Sculos de Latifndio(1963),deAndrew Gunder Frank, Agricultura Brasileirae o Mitodo Feudalismo(1964), e de Caio Prado Jr., A&vo/11oBrasileira (1966),constituem referncias incontornveis (cf.Palmeira, 1971, "Introduo''). VEREDASDAQUESTAOAGRARIA ...319 simultaneamente, os meiosde se acelerar "o desenvolvimentodas forasprodutivas" para consolidar um sistema de mercadonacio-nal,assegurar ademocratizaodoespaopblicoeafirmar uma cultura autenticamente nacional9. importantenotar gue praticamente todosos autorescom obrasdedestaquenodomniodasociologia,dahistriaeda economia, durante as dcadas de 1950 e 1960, tiveram ativa parti-cipaonodebate,tantopublicandotrabalhosoriginaisquanto comentandooudiscutindotesesdeoutros.Alm dosautoresj citados,podemserlembradososnomesdeNelsonWerneck Sodr, Celso Furtado, Ruy Fac, Florestan Fernandes, Maria Isaura PereiradeQueiroz,OctvioIanni,Fernando Henrique Cardoso, PaulSinger,entre outros.Oestudominucioso eargutodeMoa-cirPalmeira,emsuatesededoutoradoLatij1111di111netcapita/isme: /ecturecn"tiq11ed11111dhat(1971),demonstra comoos debates,tanto histrico quanto sociolgico, so muito mais informados por uma perspectivaideolgicadoquepropriamentecientfica,poiscada interrogaoexaminadanovemacompanhadadasevidncias empricasquefundamentamarespostaadotadaesimde afirma-esquevisamdefender atodocustouma determinadaestrat-giapoltica.Dopontodevistaintelectual,MoacirPalmeirade-monstra ainda quecadaautor sustentaumadasrespostasacada questoexaminada,mas deixasempre uma porta aberta para que umarespostaantagnicapossaserpercebidacomoigualmente vlida.Por exemplo,discute-se se aparceria ou no uma forma 9.A relao entre cultura caipira e a urbanizao acelerada de So Paulo est no centro da problemtica abordada por Antonio Candido emOs Parceiros doRio Bonito.Como explicita o prefcio primeira edio, de 1964, esta monografia pretendia ser umacontribuiointelectual para amaterializaoda reforma agrria.MarceloRidenti(2000)analisaaimportncia dostemasligadosao campo e ao campons no imaginriodosartistase dosintelectuaisdosanos de1960,particularmentenotocanteafirmaodeumaculturapopular brasileira. 320AFRNIOGARCIAJR.EMARIOGRYNSZPAN capitalistadeproduo,masosadversriosnosedetmna explicitaodoqueconsistemosdireitoseobrigaesdecada umdosplosdestarelaocontratual.Menosaindaapresentam qualquerprotocolodeobservaodeumcasoempricodevida-menteestudado.Oquepareceassimpresidiralgicadaargu-mentaomuitomaisuma classificaodoscontendoresentre aliadoseadversriospolticos,medindo-seagualidadedeum argumentopelasuacapacidadedeindicarorientaesparaa tomadadedecisespolticasapresentadascomomaisacertadas. Humaduplaconstruopolticaemjogonodebate:deum lado,trata-sedaconstruodoEstadocomoinstrumentoda vontade coletiva,deoutro,trata-sedefundamentar apertinncia daatuaodoEstadoparatransformarredesdesociabilidadee podernoplotradicionaldanao,ouseja,omundorural.O atrasodacoletividadenacional,anteospadresimpostospela competiointernacionalempocadeguerrafria,atribudo, assim,estruturaagrriaultrapassada,herdada do perodocolonial. Aofalaremdereforma agrria,osparticipantesdo debatereme-tem-se amudanas,aomesmo tempo, nosmecanismosdetoma-da dedecisosobreaaodoEstado,etambm na distribuio dopatrimniofundiriocomefeitossobreosvnculossociais queasseguramasociabilidadeemmeiorural. Areformaagrriafoipercebidanosanosde1950e1960 como instrumento por excelncia de promoo daintegraoda maiorpartedapopulaobrasileira 10 aomercadoesociedade poltica.Nofoiobra doacasoseareforma agrriaesteveasso-ciada aoalargamentodomercado interno e expanso dasbases docrescimento industrial,poisaconstruo da economia nacio-nal,quesuperasseasmazelasherdadasdaeconomiacolonial, ganhou estatutode problema-chave de1945at ogolpe de1964 10.70% da populao vivia no campo em1950, contra 30% em1980 (cf. Sachs, Pinheiro e Wilheim, 2001). VEREDASDAQUESTOAGRRIA ...321 (Furtado, 1959 e 1964), e prosseguiu sendo tema central at ofim doregimemilitar.Integrarpopulaesruraisisoladasporfora dassobrevivnciasdo latifndiono sistema de mercadosforma-doresde preo, para empregar oconceito de Karl Polanyi(1980), parecia significar poca romper com o assim chamado dualismo estruturalquecondenava parcelaconsiderveldapopulaona-cionalmarginalidadeeaoatraso(cf.Oliveira,1972).Soas prpriascategoriasdepercepodosagentesdomundorural quemudamporessapoca.AimagemdoindolenteJecaTatu eclipsadapeladocampons,doposseiroedotrabalhadorrural. Odiscursosobreastransformaesemcursonomundorural estava,ento,estreitamente vinculadofalasobre aevoluoda nao,como comunidade cconmica ecomunidadepoltica.Po-rm,oensasmocomo gnero continuava apredominar. Ogolpe de1964 alterouradicalmente ascondies do debate easrelaesentreproduointelectualeaopoltica.Aquebra do Estado de direito no s bloqueou ascarreiras dos pretendentes aformuladores de uma nova ideolo,git1ou m//11mnacional,reservando taisfunesparaaconcorrnciarestritadoredu:docrculode adeptos do binmio~ ~ 1 1 m 1 1 a de.ret1volvime11/opolarizado pela Escola Superior de Guerra, como permitiu c1uc grupos de militares de alta patente destitussemtodososrivaispolticose ideolgicosdecar-gospblicos(atravs dosatosinstitucionais eIPMs), afastou inte-lectuais dos cargos de pesquisador, de docente ou de administrao cientfica e reprimiu duramente ou lic1uidouos representantes pol-ticosesindicaisdeorigenspopularesecamponesas.Gruposde militaresde altapatente dastrs armas impuseram-se como nicos guardies do sagrado nacional e reduziram todos os demais setores da elite ao estatuto de forasauxiliares.Instituram ainda mecanis-mos de seleo para cargos acadmicos ou de administrao cient-ficaexigindoafinidade de categoriasdepercepoede expresso dopensamento,comofoiocasodaobrigatoriedadedefornecer atestadoideolgicoatribudopeloDOPSparaanomeaode 322AFMNIOGARCIAJR.EMARIOGRYNSZPAN concursados,ou aindada aquiescncia do SNI - medianteasco-nhecidasfichas- paraoacessoaempregospblicosfederais.O crescimento constante dosdiplomados pelasuniversidadeschoca-va-secomasrestriescrescentesimpostassmodalidadesde exercciodasdiferentescompetncias intelectuais.Noseriade se estranhar que,nos21anosdearbtrio,estratgiaspolticase inte-lectuais muito variadas e diversificadas tenham surgido no domnio dos cientistas, mas o nimo que predominou foi de revolta. Os debatessobre a questoagrriapolitizaram-se fortemente, porumlado,natentativadedefinirclassesoucamadasrevolu-cionriasquepudessem sermobilizadascontraoregimemilitar. Por outro lado,a derrota de1964 foiatribuda a erros de concep-odasforasatuantesno processohistricoedealianaspol-ticasfrgeisconstrudassobretaisbases,particularmente noto-cante posio de liderana da burguesia industrial para consolidar umprojetonacionaldedesenvolvimento.Eracomoseapelar paraoenfrentamentodiretoentreosgrupossubalternoseas elitesmilitareseseusaliadosfossesuficienteparaaderrubada doregimedeexceo.Muitasvezesfoianecessidadedeenten-derofracassodessastentativasdemobilizaodascamadas popularesparaaresistncia aomodelo poltico eeconmicoque motivou os investimentos profissionaise pessoais, necessrios ao trabalhoempricomonogrfico da parte de jovenspesquisadores emfinaldosanosde1960(Garcia Jr.,1994).Apaixocientfica foifreqentementereforadacomoantdotofrustraodeati-vidademilitanteradicaldeexperimentaracrticadasarmas.De qualquerforma,prticas polticaseprticas intelectuaisdeixaram deserpercebidas,comopassardotempo,comoduasfacesda mesmamoeda;embora estreitamenterelacionadas,afinidadesde um tiponoimplicavammaisafinidadesdo outro.Aargumenta-ocombaseem dadosempiricamenteconstrudostevea,cer-tamente,umdeseusfundamentosmaisslidos.Aretricada persuasocientfica,qualquerquefosseacomposiodopbli-VEREDASDAQUESTAOAGRARIA ..323 co leitor daspublicaes em cinciassociais, conquistou adeptos desdeentorefratriosretricadoapelosimplesaafinidades politicamenteconstrudas.dese ressaltarque,fosseem virtu-dedoexlioforadojuntoapasesmaisdesenvolvidoscientifi-camente,fosseparaconquistaraconvicodeseusparesinter-nacionais quebrando oexlio interno, adotou-se em escala crescente os padresinternacionaisdeinvestigaoem cinciassociais. 0DESENCANTAMENTODOSSERTESEA PROFISSIONALIZAODOSCIENTISTASSOCIAIS Os anos de1970 trouxeram mudanas de forma e de conte-doaosestudossobreastransformaesdomeiorural,queso correlativasdeumaprofissionalizaocrescentedeseusautores, graas implantao de programas de ps-graduao e diviso de trabalhoentreinstituiesdeensinoedepesquisaaexemploda criaode centroscomo Cebrap,CedeceIdesp,emSoPaulo,e CPDOC eISER,no Riode Janeiro(cf.Miceli,1995e 2001;Sorj, 2001). Se, at 1966, s existia, basicamente, ps-graduao em cin-cias sociais na USP, j em 1990, segundo a Capes, o nmero chegava a 52, distribudos por doze Estados e pertencendo a 22 universida-desou centros isolados(apud Melo,1999).Entre 1989 e1993, 302 tesesdecinciassociaisforamdefendidasem33instituiesde ensino pesquisadas por Melo(1999).Diferentesresenhas sobre os estudos sociolgicos do mundo rural apontam para a relaoentre pesquisa emprica desenvolvida a partir dos anos de 1970 e a diver-sificao do quadro institucional com o surgimento das ps-gradua-es e dos diferentes centros de pesquisa (Gnaccarini e Moura, 1983; Santos,1988e1990;Sigaud,1992;Musumeci,1991;Love,1996)11 11.Note-se