gestão ibram

204

Upload: beatriz-silva

Post on 06-Aug-2015

137 views

Category:

Documents


16 download

DESCRIPTION

assuntos de museologia

TRANSCRIPT

Presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva

Ministro da Cultura Joo Luiz Silva Ferreira Presidente do Ibram Jos do Nascimento Junior Diretora do Departamento de Difuso, Fomento e Economia de Museus Eneida Braga Rocha de Lemos Diretor do Departamento de Processos Museais Mario de Souza Chagas Diretora do Departamento de Planejamento e Gesto Interna Jane Carla Lopes Mendona Coordenadora Geral de Sistemas de Informao Museal Rose Moreira de Miranda Procurador-chefe Jamerson Vieira Chefe de Gabinete Cssia Ribeiro Bandeira de Mello Diretores dos Museus do Ibram/Ministrio da Cultura Museu da Abolio Adolfo Samin Nobre de Oliveira Museu de Arte Religiosa e Tradicional de Cabo Frio Dolores Brando Tavares Museu de Arte Sacra da Boa Morte/ Museu das Bandeiras/ Casa da Princesa Girlene Chagas Bulhes Museu de Arte Sacra de Paraty/ Forte Defensor Perptuo de Paraty Jlio Cezar Neto Dantas Museu de Biologia Professor Mello Leito Hlio de Queiroz Boudet Fernandes Museu Casa da Hera Daniele de S Alves Museu Casa Histrica de Alcntara Karina Waleska Costa Museu Casa de Benjamin Constant Elaine de Souza Carrilho Museus Raymundo Ottoni de Castro Maya Chcara do Cu e Museu do Aude Vera Maria Abreu de Alencar Museu do Diamante Llian Aparecida Oliveira Museu Histrico Nacional Vera Lcia Bottrel Tostes Museu Imperial Maurcio Vicente Ferreira Junior Museu da Inconfidncia Rui Mouro Museu Lasar Segall Jorge Schwartz Museu das Misses Ariston Correia Museu Nacional de Belas Artes Mnica Figueiredo Braunshcwiger Xexo Museu do Ouro / Casa de Borba Gato Ricardo Alfredo de Carvalho Rosa Museu Regional de Caet Snia Maria Barbosa Museu Regional Casa dos Ottoni Carlos Alberto Silva Xavier Museu Regional de So Joo Del Rey Joo Luiz Domingues Barbosa Museu da Repblica Magaly Cabral Museu Scio-Ambiental de Itaipu Maria de Simone Museu Solar Monjardim Sonia Maria de Aguiar Pantigoso Museu Victor Meirelles Lourdes Rosseto Museu Villa-Lobos Turbio Soares Santos

Redao e edio Equipe de servidores do Instituto Brasileiro de Museus Projeto Grfico Gustavo Sousa, Mrcia Matos, Mariana Velasco Fotos Arquivo Ibram

Poltica Nacional de Museus Relatrio de gesto 2003-2010 (2010: Braslia DF) Ministrio da Cultura, Instituto Brasileiro de Museus. Braslia, DF: MinC/Ibram, 2010. ISBN 00000000000 1.Museus poltica pblica Brasil. 2. Museologia Brasil. 3. Brasil poltica cultural. I Instituto Brasileiro de Museus (Brasil) CDD 000

SumrioIntroduoVontade de museu, vontade de memriaMinistro Juca Ferreira

88 10 12 20

Semeando InformaesPublicaes

115

Museu - lugar de encontro, espao pblico, campo de construoJos do Nascimento Junior

A Poltica Nacional de Museus e sua perspectiva internacionalPrograma Ibermuseus ICOM 2013

124130 132

Depoimentos Novas veredas: a construo de uma Poltica Nacional de Museus

Museologando com a diversidade: os museus do Ibram e suas aes Abrindo portas e janelas - o devir do Ibram AnexosDecreto de 31 de Maio de 2004 - Institui a Semana dos Museus e o Dia Nacional do Muselogo Decreto 5.264 de 5 de novembro de 2004 - Institui o Sistema Brasileiro de Museus e d outras providncias Portaria Normativa 1, de 5 de julho de 2006 - dispe sobre a elaborao do Plano Museolgico nos museus do IPHAN e d outras providncias Lei 11.328 - 24 de julho de 2006 - Institui 2006 como o Ano Nacional dos Museus

134 166 170171 171 174

Um novo tempo de memrias e criaoIbram

35 38 42 44 48 52

Conselho Consultivo do Patrimnio Museolgico Um marco regulatrio para a poltica musealEstatuto de Museus

Tecendo uma rede museolgicaSistema Brasileiro de Museus

Mobilizao e dilogo na rea museolgicaFrum Nacional de Museus

176 176 186

O Plano Nacional Setorial de Museus

Uma agenda para os prximos dez anos de poltica museal

Lei 11.904 de 14 de janeiro de 2009 - Institui o Estatuto de Museus e d outras providncias Lei 11.906 de 20 de janeiro de 2009 - Cria o Ibram e d outras providncias Decreto 6.845 de 7 de Maio de 2009 - Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos de Confiana e das Funes Gratificadas do Ibram e d outras providncias Proposta de Emenda Constituio 575 de 2006 - Altera os artigos 215 e 216 da CF

Um olhar cartogrfico sobre os museus brasileirosObservatrio de Museus

5861

190

Programa de Formao e Capacitao em Museologia

Formando e Transformando

62 7172 74 74 88 94 96

Fomentando a MemriaInvestimento em Museus Editais e Prmios do Ibram Edital Modernizao de Museus Edital Mais Museus Qualificao de Museus para o Turismo Prmios do Ibram

201

Do in museolgico em movimento Trocas e interao com a sociedadeEventos do calendrio museolgico

Pontos de Memria

104 110111 112 113 113

Semana dos Museus Primavera dos Museus 2006 - Ano Nacional dos Museus 2008 - Ano Ibero-americano dos museus

Vontade de museu, vontade de memriaCaminhos e avanos do panorama museal brasileiroesde 2003, novos marcos conceituais e prticos foram estabelecidos para a gesto da cultura brasleira, tirando-a das margens das polticas governamentais. Hoje, podemos dizer que trabalhamos com um conceito ampliado de cultura, ultrapassando a nfase nas artes consolidadas e definindo-a como fenmeno social e humano de mltiplos sentidos, como manifestaes que tm fora simblica e reconhecimento nas sociedades. Dentro deste novo panorama, os museus vm ganhando renovada importncia na vida cultural e social brasileira, como processos socioculturais colocados a servio da democracia, da sociedade e como uma ferramenta de desenvolvimento social. Longe de ser apenas um lugar onde se guardam coisas velhas, os museus brasileiros, na sua diversidade, so agentes que inter-relacionam mltiplas polticas, estticas, formas de fazer, de saber, de conhecer reveladoras das vrias facetas do inesgotvel repertrio da cultura brasileira. Fazem parte desse universo os museus pblicos, privados e mistos; museus de arte e de cincia; museus de empresas e de comunidades populares; museus federais, estaduais e municipais; museus que cabem numa pequena sala e museus de grandes territrios; museus clssicos e ecomuseus; museus conectados e desconectados; museus com uma nica sede e museus com sedes mltiplas; museus que so palcios e museus que so palafitas. Museus dialogam com o passado - mas tambm so fundamentais na criao de futuros, na propagao de grandes novidades. Em oito anos, o campo museal brasileiro fortaleceu-se de forma histrica com a ampliao conceitual do fazer museolgico e a consolidao de uma legislao prpria, indita na histria do pas. Partindo da Poltica Nacional de Museus e suas premissas, bases tericas e prticas foram criadas, possibilitando a construo do Sistema Brasileiro de Museus (SBM), do Cadastro Nacional de Museus (CNM), do Estatuto de Museus, e culminando na criao do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/MinC), que simboliza, no um marco final, mas o incio de uma nova era para a cultura brasileira.

D

O Ibram surge com a misso de construir conhecimento, e muito alm disso, de ser um agente catalisador dos processos colocados em andamento pela comunidade museolgica desde 2003. So inmeros os desejos e os anseios em jogo, desde a melhoria fsica e estrutural das instituies museolgicas de todo o Brasil, passando pela maior articulao e intercmbio institucional, pela ampliao e democratizao de acesso do pblico e pelo aprimoramento dos sistemas de informao, at a batalha pelo direito memria, garantindo o empoderamento social daqueles que historicamente foram subalternizados e expropriados do direito de narrar suas prprias histrias e construir seus prprios patrimnios. Atuando como mediador dessas demandas e reunindo recursos para transformar progressivamente o panorama museal brasileiro, o Ibram caminha para ser um dos protagonistas do setor na Ibero-amrica e no mundo, j que o Brasil a futura sede do encontro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) em 2013. O fortalecimento do setor museal no Brasil, entretanto, no foi apenas conceitual e legislativo. No campo dos investimentos, o avano tambm foi considervel. De R$ 25 milhes aplicados em 2002, saltou-se para um montante de R$ 119 milhes em 2009. Atravs de editais como o Modernizao e o Mais Museus, promoveu-se a recuperao da estrutura de unidades museolgicas e a criao de novos espaos em municpios que no possuam museus. Ainda h muito a ser feito: dos 5.564 municpios brasileiros, apenas 1.1742 ou seja, cerca de 20% concentram as 3.025 unidades museais do pas. Ao todo, mais de 22 mil profissionais compem esse quadro em empregos diretos, com francas possibilidades de expanso o que pode ser percebido pela ampliao da oferta de formao profissional, principalmente no incentivo criao de cursos de graduao de museologia. Em 2003, existiam apenas dois cursos o da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e o da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Entre os anos de

Juca FerreiraMinistro de Estado da Cultura

poltica nacional de museus

2005 e 2010, foram criados 11 novos cursos de graduao e um de ps-graduao. Parte de toda essa mudana apresentada sobre o campo museal pde ser discutida durante o 4 Frum Nacional de Museus, realizado em julho de 2010, em Braslia. Esse foi o momento propcio para avaliar a Poltica Nacional de Museus e discutir metas, experincias, realizaes, resultados efetivos e frustraes. Ao mesmo tempo, foi um momento de construo e projeo no futuro de novas possibilidades e experimentaes, de novos caminhos, desafios e horizontes, atravs da criao do Plano Nacional Setorial de Museus. Embora seja importante apresentar esses balanos, no se pode esgotar o que foi feito unicamente em uma perspectiva quantitativa. Afinal, no estamos apenas no campo da prtica, mas tambm no domnio da potica. Acreditamos que s possvel chegar cidadania plena mesmo que isso ainda esteja dentro de um futuro a ser construdo a partir do direito memria e do empoderamento cultural - com a criao de espaos pblicos de interlocuo, encontro, e dilogo com o outro. A constatao a que chegamos que no somos apenas testemunhas de toda essa mudana, mas sujeitos ativos do que ainda est por vir. O desafio do Ibram nessa nova era cultural brasileira, de mudana de conceitos, de prticas e de perspectivas, de incentivo e fortalecimento da memria, passa pelo enraizamento social da Poltica Nacional de Museus e pela afirmao de uma concepo de museu como instituio-chave dessa transformao, conectada ao mundo contemporneo e engajada na criao de possibilidades polticas, estticas e comunicativas que promovam a transformao social.

relatrio de gesto 2003 | 2010

8 9

Museu lugar de encontro, espao pblico, campo de construos oito anos dos quais este relatrio trata foram cenrio de uma verdadeira e profunda mudana no panorama museal do Brasil. Alavancados pela Poltica Nacional de Museus, fomos capazes de colocar em prtica uma srie de aes que, felizmente, vieram ao encontro dos sonhos e das expectativas acalentados pela comunidade museolgica brasileira h muitas dcadas. Um desses sonhos que se tornou realidade foi a criao do Instituto Brasileiro de Museus, o Ibram, entidade responsvel pela conduo de uma srie de polticas pblicas que colocam no centro dos holofotes culturais esta instituio que o ncleo bsico do direito memria: o museu. Pode-se dizer que, ao longo desse tempo de construo e consolidao da Poltica Nacional de Museus, modificou-se a prpria idia pblica a respeito do museu. Muito longe do mausolu referido por Adorno, o museu que se est construindo vivo e pulsante, um espao de dilogo, de interlocuo, de debate, de encontro das diferenas. Mesmo o museu chamado de tradicional, associado simples exibio e contemplao de objetos em relao aos quais se mantm uma distancia dada por caixas de vidro e aos avisos de proibido tocar, possui uma dimenso que extrapola a noo de depsito de coisas velhas, comumente associada ao termo museu. Alis, preciso ressaltar que h tantos tipos de museu quanto h diversidade na sociedade. A noo de patrimnio cultural ampliou-se e colocou em cena novos elementos: todas as formas de fazer, eruditas ou populares, urbanas ou rurais; todas as categorias de artefatos, industriais, artesanais, formais ou no; estruturas arquitetnicas, utilitrias e industriais, de carter no-monumental, assim como aglomerados de edificaes e toda a malha urbana. Pois nesse ambiente de memria uma vez que no se restringe mais o museu ao prdio, casa as fronteiras esto cada vez mais mveis, rompendo as disciplinaridades, tornando-os lugar de preservao e tambm ponto de integrao, incluso, reflexo e debate.

O

Jos do Nascimento JuniorPresidente do Instituto Brasileiro de Museus

poltica nacional de museus

Como afirmava o antroplogo Marcel Mauss, os objetos nunca so completamente separados dos homens que os trocam. Assim, cada objeto presente no museu carrega em si uma memria social. E na sua materialidade, carrega camadas e camadas de relaes sociais, de poder, de pistas para o imaginrio, de portas de entrada para a memria. A identidade do dono do objeto, de quem o usou, o manipulou, de quem lutou por ele, o perdeu, o criou, est sempre indissoluvelmente ligada ao prprio objeto. Dessa forma, o objeto nunca somente um objeto uma porta de entrada para um caleidoscpio de realidades e relaes sociais. E se todo objeto carrega uma memria social, ento o museu passa a ser uma trincheira de memrias subterrneas, subalternas, proibidas. Por isso, tambm se torna um lugar fundamental na construo de identidades, de reconhecimento da diversidade, de encontro com outras histrias, com outras verses no-contadas. E ao trans-

formar-se em uma arena de encontro, o museu expande o prprio espao pblico e dessa forma convida-nos troca democrtica, grande experincia da convivncia, da compreenso, da viso do outro. A criao do Instituto Brasileiro de Museus reflete essa preocupao com a valorizao do que pblico, com a gesto e a poltica pblica que trata a cultura como um direito fundamental para o desenvolvimento social. Porque nisso que acreditamos, em uma concepo de poltica cultural enraizada e interessada na vida social, poltica e econmica da sociedade, em uma concepo de museu parceiro da comunidade, sempre em construo, aberto s novas memrias que esto por vir.

10 11

relatrio de gesto 2003 | 2010

Depoimentos

Srgio Cabral

Governador do Estado do Rio de Janeiro

12 13

Um homem sem memria quase como se no tivesse alma. Memria nos possibilita referncias e identidades. Parece que ao homem sem memria seria impossvel a noo de indivduo, de individualidade, de autonomia do prprio eu. O nascimento do Ibram deve ser comemorado com muita alegria por todos aqueles que compreendem a importncia da consolidao de uma sociedade democrtica, de um Brasil com democracia. O direito melhoria coletiva e aos valores simblicos fundamental para o exerccio da plena cidadania.

Deputado ngelo Vanhoni

Presidente da Comisso de Educao e Cultura - Cmara dos Deputados

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

Costumo dizer que Cultura uma pauta econmica no Rio de Janeiro. Como filho de uma museloga e de um jornalista e escritor, sempre destaquei a importncia das atividades culturais no s para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, mas como fonte de renda, emprego e desenvolvimento. Criado no ano passado, o Instituto Brasileiro de Museus tem sido um grande parceiro do nosso governo, dando apoio a atividades como oficinas no interior, palestras, seminrios e cursos de capacitao tcnica. Alm disso, participa ativamente da construo da Poltica Nacional de Museus. Aqui no Rio, por meio dessa importante parceria, a Superintendncia de Museus, da Secretaria Estadual de Cultura, o Ibram articulou com diversos municpios a discusso de propostas, diretrizes, estratgias e aes que depois foram levadas Conferncia Nacional de Cultura, no incio do ano, e ao 4 Frum Nacional de Museus, em julho passado. Foi um trabalho indito na histria do Rio de Janeiro. Como governador de um estado que abriga grandes intelectuais, artistas e produtores culturais das mais diversas reas, posso falar com convico que a criao do Ibram evidenciou a importncia dos museus na poltica cultural de todo o pas.

O Instituto Brasileiro de Museus tem-se destacado no mbito ibero-americano pela Poltica Nacional de Museus que vem implementando. Com amplo impacto na rea de gesto de museus, esta poltica destaca-se pelo comprometimento com a modernizao dos museus e democratizao de acesso para uma maior coeso social e respeito diversidade cultural. O fortalecimento do campo museal brasileiro que vem sendo realizado pelo Ibram faz-se notar inclusive pela cooperao tcnica internacional, em conjunto com a OEI. Atuamos em conjunto em temas de museus comunitrios, que visa recuperao e promoo da memria coletiva (Projeto Pontos de Memria) e Gesto Estratgica do Ibram e dos museus brasileiros. Nesse esprito de cooperao, celebramos, ainda, a liderana brasileira, assumida a partir da proposta de criao do programa Ibermuseus, uma parceria do Ibram com a SEGIB e a OEI. Fruto de nossa cooperao, os projetos multilaterais entre os pases da regio ibero-americana no campo museal reforam nosso compromisso de construo do espao ibero-americano de cultura. Alvaro Marchesi

Secretrio-Geral - Organizao dos Estados Ibero-americanos (OEI)

O Comit Brasileiro do ICOM (International Council of Museums) acompanha com interesse e entusiasmo os desenvolvimentos recentes da museologia brasileira, representados pelo lanamento da Poltica Nacional de Museus e, em especial, pela criao do Ibram e assinatura do Estatuto de Museus. A participao do Comit Brasileiro do ICOM no Conselho Gestor da Poltica de Museus e no Conselho Consultivo do Patrimnio Museolgico, alm da participao do comit nos Fruns Anuais de Museus e nas diversas parcerias que temos desenvolvido com o Ibram, atestam a rica colaborao que soubemos construir, buscando interfaces e sinergias. O resultado mais expressivo e importante deste percurso ser, sem dvida, trazer a Conferncia Internacional trienal do ICOM para a cidade do Rio de Janeiro em 2013. Esta empreitada teve incio em 2007, na Conferncia de Viena, quando o Ibram manifestou o apoio do governo brasileiro ideia. A partir de ento, o Comit Brasileiro do ICOM e o Ibram mobilizaram a comunidade museolgica brasileira e obtiveram apoio das outras esferas de governo, podendo apresentar, com apoio financeiro do Ibram, proposta consistente e interessante ao ICOM. Apesar de termos concorrido com centros tradicionais (Milo e Moscou), o ICOM escolheu, em junho de 2009, o Rio de Janeiro para sede da Conferncia de 2013. A parceria continua e deve estreitar-se nos prximos anos na preparao do evento, que deve atrair profissionais de museus do mundo, com nfase em brasileiros, africanos e latino-americanos. Todos tero a oportunidade de discutir com seus colegas de outras partes do globo os avanos e desafios para o campo dos museus na contemporaneidade. Carlos Roberto F. BrandoPresidente ICOM-BR (2006-2012)

Portugal e Brasil - afinidades museolgicas e cooperao institucional Na primeira dcada deste sculo assistiu-se promoo de renovadas e globais polticas museolgicas nos pases de lngua portuguesa de ambos os lados do Atlntico. Quer na (re)organizao institucional, quer nos objectivos preconizados e nas medidas tomadas, possvel identificar traos comuns e constatar semelhanas, que vo para alm das evidentes diferenas de dimenso, de cultura e de sistemas polticos que caracterizam ambos os pases. A partir de um organismo governamental especfico para os museus, criado no incio da dcada de 1990, o Instituto Portugus de Museus (IPM) desenvolveu desde o ano 2000 uma poltica inclusiva dirigida totalidade dos museus do pas e no apenas queles que estavam na sua dependncia tutelar. Essa poltica, alicerada na criao da Rede Portuguesa de Museus, almejava a melhoria da qualidade e o alargamento do acesso do pblico. No admira, pois, que quando o Departamento de Museus do IPHAN comeou a desenvolver as bases da Poltica Nacional de Museus, o caso portugus fosse tido como referente, tanto na estrutura orgnica, como nas medidas ento em curso. Tendo evoludo a partir de 2007 para Instituto dos Museus e da Conservao, esta entidade marcou presena regular no Brasil no Frum Nacional de Museus (1, 3 e 4), enquanto a experincia brasileira integrou o primeiro nmero da revista museologia.pt. Tambm no mbito mais lato da cooperao ibero-americana, os representantes de ambos os pases desenvolveram laos que esto patentes em projectos actualmente a decorrer. A criao do Instituto Brasileiro de Museus no incio de 2009 constituiu o culminar de uma caminhada que foi acompanhada com grande satisfao do lado portugus, tendo presente o muito que nestes anos se aprendeu com a intensa experincia trilhada pelo Brasil. Joo Brigola

14 15

Director do Instituto dos Museus e da Conservao - Portugal

A Poltica Nacional de Museus criada pelo Ministrio da Cultura a partir de 2003 um exemplo e uma referncia a ser seguida na elaborao das polticas estaduais para este setor. A criao do Sistema Brasileiro de Museus, do Estatuto de Museus e do prprio Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) foram, nos ltimos anos, importantes realizaes que vm favorecendo a estruturao da Poltica Estadual de Museus da Bahia. O maior exemplo disso foi a formulao do projeto de lei que prev a instituio do Ibam (Instituto Baiano de Museus) para gerir os museus pblicos estaduais e o Sistema Estadual de Museus de nosso estado. Daniel Rangel

Diretor de Museus do Instituto do Patrimnio Artstico e Cultural da Bahia - (DIMUS/IPAC)

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

A criao do Instituto Brasileiro de Museus Ibram, em 2009, pode ser considerada pela classe museolgica como o coroamento de um trabalho construdo a muitas mos em prol dos museus brasileiros. O processo teve incio em 2001 e comeou a consolidar-se no ento Departamento de Museus e Centros Culturais do IPHAN DEMU, quando aes de estmulo criao de novos cursos de museologia em universidades federais se tornou uma misso, visando formao de pessoal qualificado para atuar nos museus; a realizao de oficinas de capacitao em cidades do interior, em parceria com governos estaduais, proporcionando aos profissionais de museus acesso a um conhecimento at ento restrito; congregao e troca de informaes, por meio do Frum Nacional de Museus, que vem sendo executado bianualmente desde 2004; parceria e convnios com outros ministrios e rgos governamentais de fomento execuo de obras de modernizao e restaurao dos museus. O Conselho Federal de museologia COFEM, sente-se honrado em ser, desde o incio, parceiro do Ibram, atuando com transparncia pelo crescimento da museologia em nosso pas. Maria Olimpia Dutzmann

Presidente do Conselho Federal de Museologia

A criao do Ibram significa um momento de positiva expectativa para os museus neste pas. Museus so hoje importantes - e por vezes decisivas - peas da engrenagem cultural e econmica de qualquer pas. O papel que representam, do ponto de vista educacional e social, no tem como ser exagerado. Essa uma realidade que se v cada vez de modo mais ntido na maior parte do globo. No entanto, at recentemente, os museus no Brasil eram vistos e tratados pela sociedade como um todo (o que inclui o poder pblico, alm da iniciativa privada), como um suplemento social, isto , como algo que podia ou no existir, que no era fundamental, essencial. O tempo desse entendimento j passou. Hoje, no h como contornar a viso do museu como uma das principais molas do processo cultural. O museu gerador de conhecimento e de lazer. E de renda para a cidade e o pas onde est ainda que no para o prprio museu. Importante jornal de So Paulo publicou h pouco uma pesquisa na qual se lia que o principal motivo para visitar a cidade o museu (especificamente, este museu, o MASP; mas seria possvel falar simplesmente num genrico museu). A esse lugar de destaque no corresponde ainda, no entanto, o devido grau de ateno do setor pblico para os museus. Espera-se que a vinda do Ibram venha alterar esse estado de coisas. Radicalmente. uma iniciativa esperada. O trabalho que o Ibram ter de desenvolver ser imenso. E no poder ser realizado se o Ibram no contar com o decidido apoio do poder pblico e da sociedade civil. A expectativa dos museus grande com o surgimento do Ibram e firme a inteno de colaborar com esse instituto para que seus objetivos sejam alcanados. Prof. Dr. Jos Teixeira Coelho Netto

Curador-coordenador MASP - Museu de Arte de So Paulo

Zulu Arajo

Presidente da Fundao Cultural Palmares

Angela Gutierrez

Presidente do Instituto Cultural Flvio Gutierrez

Considero o Instituto Brasileiro de Museus Ibram o diferencial nas polticas pblicas para rea de museus. Sua atuao possibilita que o museu seja um espao de mltiplas aes, voltado a atender a todos os grupos sociais, respeitando suas realidades e seu direito de preservar, fortalecer e compartilhar suas memrias e histria. Em momento nenhum na histria do Brasil, os museus foram valorizados e considerados muito mais do que um espao de lazer e contemplao, e as polticas pblicas de museus garantem que os indivduos e suas comunidades sejam os agentes criadores de seus espaos de memria. Joana Munduruku

Assessora Tcnica da Fundao Cultural do Estado do Tocantins

poltica nacional de museus

A criao do Ibram significa, para todos ns que militamos na rea cultural, um passo decisivo para que os museus brasileiros iniciem um novo ciclo na sua trajetria de vida, se consolidando cada vez mais como organizaes fortes, amparadas por uma poltica museal competente e contempornea, que efetivamente contribua para o pleno acesso da populao aos museus e para a valorizao e o reconhecimento de nosso valioso patrimnio cultural dentro e fora do pas. No foi uma luta fcil, pelo contrrio, foi o resultado de muita coragem, ousadia e obstinao dos que hoje comandam a cultura brasileira. Como membro do Comit Consultivo do Patrimnio Museolgico me orgulho de participar deste grande esforo de aprimoramento da rea museal e renovo as minhas expectativas de que o Ibram se consolide e cumpra os grandes desafios que esto na sua gnese, garantindo para os museus do Brasil mais qualidade, maior relevncia e uma voz nica, influente e transformadora.

16 17

relatrio de gesto 2003 | 2010

A criao do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) foi mais um dos grandes acertos da poltica cultural deste governo. Os quase trs mil museus espalhados pelo pas guardam tesouros de valor inestimvel para nossa sociedade, e uma estrutura de gesto especfica para atender magnitude da poltica de preservao e promoo de nossa memria mais que benfica. essencial. Apesar do curto espao de tempo, a nova autarquia, vinculada ao Ministrio da Cultura, vem comprovando a importncia de seu papel, com uma agilidade surpreendente no encaminhamento das questes relativas ao setor. Parabns, pois, ao presidente Lula e ao ministro Juca Ferreira, por esta sbia medida adotada em defesa da cultura brasileira.

O que mais me surpreendeu na criao do Ibram e em seu primeiro ano de existncia foi sua agilidade em estabelecer de imediato dilogos fundamentais junto aos artistas e setores tcnicos de suas reas de apoio e formulao de polticas para o setor. Realizou diversos encontros informais e oficiais, organizou seminrios e colquios onde atualizou conceitos e apresentou uma perspectiva contempornea e democrtica voltada para o sculo XXI -momento de incluso e convivncia dos diversos campos da expresso artstica e suas mltiplas linguagens. O Ibram assumiu assim o desafio de repensar o espao museolgico como extenso das cidades, seus entornos, meio ambiente e da prpria sociedade de forma a agregar e assimilar a criao artstica e a memria como um patrimnio em processo de formao permanente e no apenas como referncia ou resduo histrico esttico. Xico Chaves

Coordenador da Assessoria Especial da Presidncia da Funarte

Haba estado en Brasil dos veces antes, como miembro del grupo Ibero-Americano de Museos trabajamos por ampliar las relaciones de la regin, ahora he sido invitada a asistir al FORUM de museos brasileos lo que consider como un importante Congreso, para m y la delegacin de cubanos que me acompa fue realmente un gran Congreso. La amplitud y diversidad de participantes de todo el gigante americano, nos impresion mucho, el Ibram logr una gran movilizacin entre los expertos, en el que no haba distincin entre museos privados y estatales, entre colaboradores y profesores, alcanzando el apoyo de muchas organizaciones, fueron muchas las experiencias encontradas, dentro de ellas Los Puntos de Memoria, una de las que mas me impresion, a lo que nosotros llamamos intervencin comunitaria, es un valioso proyecto social participativo, que a pesar de las tensiones de la vida contempornea permite a los protagonistas identificar, registrar y trabajar por su identidad. Con este proyecto nos alejamos de los modelos tradicionales y abrimos paso a un sistema que podr ser un referente metodolgico para la conformacin de una poltica inclusiva de Iberoamerica, basada en el dilogo en defensa de nuestra diversidad cultural. Esta experiencia de los puntos de memorias y la nuestra labor comunitaria, como modelos participativos en el que la mejor experiencia que podemos socializar est en ir, realizarse en el museo donde el ignorado es figura, referente, alto en el camino; podrn fertilizarse en dos escenarios diferentes con agentes y actores distintos, y ello producir un enriquecimiento metodolgico que indicar el camino de un nuevo aporte cientfico Ibero-Americano. As es como se puede construir un nuevo mtodo y sustantivar las esencias que confirman la museologa. Deseamos felicitar tan importante iniciativa, proyecto que ya ofrece resultados visibles y en el que participaremos desde Granma junto al Ibram. Lourdes Carbonell Hidalgo

Diretora do Centro Provincial de Patrimonio Cultural de Granma

Hugo Vocurca

Diretor Executivo do Instituto Inhotim

18 19

Fui convidada pelo Ibram para falar da minha experincia como Diretora do Fonds Rgional d Art Contemporain de Champagne-Ardenne de 1984 a 1987 e no Ministrio da Cultura Delgation aux Arts Plastiques em Paris de 1988 a 1995, participando do processo de descentralizao cultural dos FRAC e dos Centros de Arte, assim como do desenvolvimento das Escolas Superiores de Arte. A meu ver, o Ibram fundamental para implementar uma poltica nacional para os museus brasileiros, tanto do ponto de vista da pesquisa como da gesto, conservao e restaurao das colees pblicas. O Ibram um rgo indispensvel na criao, definio e coordenao do conjunto das aes no campo das instituies museolgicas. Catherine Bompuis

Historiadora de arte e curadora

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

A cidadania contempornea no pode prescindir da apropriao dos bens culturais em suas diversas formas. No caso brasileiro, o desafio ampliar cada dia mais o acesso da populao s infinitas manifestaes culturais, to ricas e plurais no nosso pas. Muitos so os atores envolvidos nessa busca. O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/Minc), ao formular e sistematizar uma poltica para os museus nacionais, alm de gerar grandes avanos para o setor, tem contribudo de forma essencial para a ampliao do acesso a esses bens culturais. E fortalecer uma poltica pblica para os museus brasileiros tem repercusses profundas em nossa sociedade. Afinal, os espaos museolgicos, mais que espaos para contemplao, so lugares de produo de conhecimento, de educao e de formao cidad.

Novas veredasA construo de uma Poltica Nacional de Museus museu, na transio dos anos 1960 para os anos 1970, reverteu uma imagem social que o vinculava ao passado, ao silencioso, ao superado, ao desajustado diante de sua poca. O museu era lugar de memria oficial, da consagrao e estetizao do autoritarismo e exclusivismo de grupos sociais dominantes e de produo de uma histria que no encontrava relaes com o contexto em que existia. O museu transformou-se num lugar de prazer, aprendizado e troca. Uma instituio comprometida com o uso dos mais modernos suportes, com o uso intensivo de tecnologias, com o debate permanente do novo e de incluso de temas, objetos e recortes diferentes. Multides encheram os museus e os transformaram em uma instituio dotada de vida prpria, os transformaram em sucesso cultural, imagtico e de pblico. O museu, em particular a partir de 1970, se transforma em parte do cotidiano da cidade, da indstria cultural e da cultura de massas. O museu se transforma em referncia de desenvolvimento cultural.

O

1. MORAES, Nilson Alves de. Polticas pblicas, polticas culturais e museu no Brasil. In: Revista Museologia e Patrimnio, vol. II, n1, jan/jul de 2009, p. 57.

I - Razes da imaginao museal no Brasilrelatrio de gesto 2003 | 2010No Brasil, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Museus, vivemos um perodo sem precedentes em relao criao de unidades museais. O pas iniciou o sculo XX com cerca de 12 museus e chegou ao sculo XXI, de acordo com os dados do Cadastro de outubro de 2010, com 3.025 unidades museolgicas. Estes dados j nos permitem compreender que no Brasil, diferentemente da Europa, o sculo dos museus o sculo XX e no o XIX. A mais antiga experincia museolgica de que se tem notcia no Brasil remonta ao sculo XVII e foi desenvolvida durante o perodo da dominao holandesa, em Pernambuco. Consistiu na implantao de um museu (incluindo jardim botnico, jardim zoolgico e observatrio astronmico) no grande parque do Palcio de Vrijburg (Friburgo), em Recife (PE). Mais adiante, j na segunda metade do sculo XVIII, no Rio de Janeiro, surgiria a famosa Casa de Xavier dos Pssaros um museu de histria natural cuja existncia prolongou-se at o incio do sculo XIX. Embora essas duas experincias museolgicas no tenham se perpetuado, elas so ainda hoje notveis evidncias de que, pela via dos museus, aes de carter preservacionista foram levadas a efeito durante o perodo colonial.

Criao de Museus no BrasilCriao de Museus no Brasil 669 639 426 14 15 10 8 32 43 112 160 297* Nmero de instituies criadas at setembro/2010.

20 21

Dados do Cadastro Nacional de Museus sobre a criao de instituies museolgicas no Brasil - 08/10/2010.

poltica nacional de museus

XIX

910

920

970

940

990

980

000

930

960

1-1

1-1

1-1

1-1

950

1-1

1-1

1-1

1-1

ulo

190

191

192

195

196

198

1-1

193

194

197

199

Sc

200

1-2

1-2

010

*

De qualquer modo, acontecimentos museais capazes de se enraizar na vida social e cultural brasileira s seriam perpetrados aps a chegada da famlia real portuguesa, em 1808. nesse quadro que, em 1818, foi criado o Museu Real, hoje Museu Nacional da Quinta da Boa Vista e, em 1816, a Escola Real de Cincias, Artes e Ofcios. Em 1826, quatro anos depois da Independncia, foi inaugurado o primeiro salo da Academia Imperial de Belas Artes - que, a rigor, pode ser considerado um dos antecedentes do atual Museu Nacional de Belas Artes. De modo gradativo, a imaginao museal no Brasil foi construindo-se com as experincias desenvolvidas no sculo XIX, sobretudo a partir de sua segunda metade. Nesse sentido, merecem destaque a criao do Museu do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1838), do Museu do Exrcito (1864), da Sociedade Filomtica (1866) que daria origem ao Museu Paraense Emlio Goeldi do Museu da Marinha (1868), do Museu Paranaense (1876) e do Museu Paulista (1895). Este breve esboo da constituio da imaginao museal no Brasil permite compreender que, mesmo antes do surgimento das universidades e dos institutos pblicos de preservao do patrimnio cultural, os museus j exerciam as funes de pesquisa, preservao, comunicao patrimonial, formao e capacitao profissional.

II - Institucionalizao do campo museal no BrasilEm 1922, durante as comemoraes do Centenrio da Independncia, foi criado, no Rio de Janeiro, o Museu Histrico Nacional. Esse gesto emblemtico de criao de um museu de histria foi uma novidade, embora no tenha sido, como alguns autores pretendem, um divisor de guas na histria da museologia no Brasil a rigor, ele

vinha preencher uma lacuna identificada ainda no sculo anterior, quando instituies pioneiras deram seus primeiros passos. Se existem gestos divisores de guas no campo museal brasileiro, eles podem ser identificados na criao do Curso de Museus (1932) e na criao da Inspetoria de Monumentos Nacionais (1934), dois acontecimentos j produzidos no mbito do Museu Histrico Nacional. O primeiro foi responsvel pela institucionalizao da museologia e dos estudos de museus no Brasil, enquanto o segundo acabou se tornando um dos embries do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), criado em 1936. Importa reconhecer que a Inspetoria de Monumentos Nacionais passou a realizar um trabalho pioneiro de inventrio, identificao, conservao e restaurao de bens tangveis na cidade de Ouro Preto, que havia sido elevada, por decreto, em 1933, categoria de monumento nacional. A inteno explcita desse reconhecimento destacar que o primeiro organismo federal institucionalizado de proteo do patrimnio monumental brasileiro foi criado, coordenado e colocado em movimento a partir de um museu. Esse reconhecimento, no entanto, no deve servir para obliterar a compreenso da importncia que os museus tinham no anteprojeto que Mrio de Andrade elaborou, em 1936, para o Servio do Patrimnio Artstico Nacional (SPAN). Nesse e em outros documentos, Mrio de Andrade fez questo de valorizar os pequenos museus, os museus populares, os museus como espaos privilegiados da res pblica e tambm a dimenso educacional dos museus uma postura que seria posteriormente recuperada por diversos aspectos da Poltica Nacional de Museus. No intervalo entre as duas grandes guerras mundiais, com os laos de dependncia internacional mais flexibilizados, foi possvel estabelecer instituies e desenvolver prticas preservacionistas de carter nacional. Novos e diversificados museus privados, pblicos e mistos foram criados a partir dos anos 1930, na esteira da

2. O professor Mrio Barata faleceu em setembro de 2007, depois de uma trajetria de intensa militncia pela causa museolgica no pas. 3. Os trs primeiros presidentes da representao nacional do ICOM foram Oswaldo Teixeira (diretor do Museu Nacional de Belas Artes), Rodrigo Melo Franco de Andrade (presidente do IPHAN) e Helosa Alberto Torres (diretora do Museu Nacional). 4. Alguns exemplos: Anais do Museu Histrico Nacional, publicao iniciada em 1940; Introduo Tcnica de Museus, de Gustavo Barroso, publicado em 1946, 1947 e 1951; Museus do Brasil, de Helosa Alberto Torres, publicado em 1953; Museu e educao, de F. dos Santos Trigueiros, publicado em 1955 e 1958; Recursos Educativos dos Museus Brasileiros, de Guy de Holanda, publicado em 1958. 5. Seminrio coordenado por George Henri Rivire, que, na ocasio, era presidente do ICOM.

poltica nacional de museus

modernizao e do fortalecimento do Estado, que passou, ento, a interferir mais diretamente na vida social, nas relaes de trabalho e nos campos de educao, de sade e de cultura. A notvel proliferao de museus iniciada naquele momento prolongou-se e ampliou-se nas dcadas de 1940 e 1950. importante registrar que essa proliferao no se traduziu apenas em termos de quantidade; ela trouxe uma nova forma de compreenso dos museus e um maior esforo para a profissionalizao do campo. Assim, compreensvel que, logo aps o final da Segunda Grande Guerra, em 1946, fosse criado o Conselho Internacional de Museus (ICOM), uma organizao no governamental ligada Unesco. Nessa ocasio, o jovem muselogo brasileiro Mrio Barata, egresso do Curso de Museus e beneficiado com uma bolsa de estudos internacionais, encontrava-se em Paris e participou diretamente da criao do ICOM. A presena de Barata nesse acontecimento e o seu contato imediato com instituies brasileiras, por intermdio de jovens muselogas de sua gerao, foram decisivos para que no mesmo ano fosse criada no Brasil a representao nacional do ICOM. Essa criao condensava e explicitava o desejo de diversos profissionais de museus espalhados pelo pas na atualizao do campo museal e na intensificao do intercmbio cultural, tcnico e cientfico com outros pases, especialmente com a Frana e os Estados Unidos da Amrica. Esse perodo de consolidao da museolo-

gia no Brasil se completou com a publicao de livros que se tornaram clssicos,4 com a afirmao da diversidade museal e com a criao de museus como os de Arte Moderna, de Imagens do Inconsciente, do ndio e de tantos outros. Em 1956, foi realizado em Ouro Preto o 1 Congresso Nacional de Museus e, em 1958, no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, aconteceu o Seminrio Regional da Unesco sobre a funo educativa dos museus.5 Estes dois grandes encontros desempenharam papis seminais na profissionalizao da museologia e na consagrao da perspectiva pedaggica nos museus brasileiros. Na dcada seguinte, em 1963, foi criada a Associao Brasileira de Museologistas, atual Associao Brasileira de museologia, responsvel pela realizao de inmeros fruns, congressos, seminrios, encontros e debates, e principal agente de mobilizao na luta pela regulamentao da profisso de muselogo o que viria a acontecer em 1984. Em 1976, foi realizado em Recife o 1 Encontro Nacional de Dirigentes de Museus. Desse encontro resultou um documento denominado Subsdios para Implantao de uma Poltica Museolgica Brasileira,6 publicado pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais e, durante longo tempo, utilizado na orientao de projetos. Trs anos depois desse famoso encontro realizado em Pernambuco, seria criada por Alosio Magalhes a Fundao Nacional Pr-Memria (FNPM), que abri-

22 23

relatrio de gesto 2003 | 2010

gou, durante aproximadamente uma dcada, um conjunto expressivo de museus no atendidos pela poltica cultural da Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN). Foi no mbito da FNPM que, em 1983, instalou-se o Programa Nacional de Museus, que desenvolveu projetos especiais visando revitalizao dos museus brasileiros. O panorama museolgico entre as dcadas de 1970 e 1980 estava em ebulio e compunha-se de novas ideias, encontros, debates e novas propostas de uma museologia ativa, participativa e democrtica. Na esteira das discusses de poltica museolgica, surgiria, em 1986, o Sistema Nacional de Museus. Seu objetivo: articular e apoiar financeiramente projetos museolgicos. Os documentos produzidos em 1972, durante a Mesa Redonda de Santiago do Chile, e em 1984, durante a reunio internacional de Quebec, e tambm as experincias museais desenvolvidas no Mxico, na Suia, no Canad, na Frana e em Portugal produziram impactos tericos e prticos no Brasil. Os desafios de pensar e desenvolver prticas de uma museologia popular e comunitria e os desafios de refletir e agir sobre o patrimnio, considerando-o como agente de mediao, foram assumidos por praticantes do que passou a ser chamado de Nova Museologia. O Movimento Internacional da Nova Museologia (MINOM), que se organizou na dcada de 1980 a partir dos flancos abertos no corpo da museologia clssica nos anos 1970 e um pouco por todo o mundo, viria tambm configurar um novo conjunto de foras capazes de dilatar, ao mesmo tempo, o campo museal e a paisagem patrimonial. Por essa poca, no Brasil destacou-se em termos tericos e prticos o trabalho de Waldisa Russio, inovador, ousado e inspirador de uma museologia popu-

lar, politicamente engajada e comprometida com os processos de transformao social. Mesmo depois de alguns avanos, no incio da dcada de 1990, a Fundao Nacional Pr-Memria e a Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional foram extintas e, em substituio, foi criado o Instituto Brasileiro do Patrimnio Cultural (IBPC). Nessa ocasio, os museus dessas instituies foram esquecidos e deixados de fora da nova estrutura. Aps algum tempo, percebido o dramtico equvoco, foram incorporados, por meio de artifcio administrativo, ao IBPC, posteriormente denominado IPHAN. A dcada de 1990 testemunhou uma renovao no campo museal como um todo. Embora influenciada pelas aes e debates travados nas dcadas anteriores, tal renovao se deu sem uma determinao poltico-cultural nica, e muito menos com uma orientao tcnico-cientfica exclusiva o que contribuiu para a complexificao do campo e a ampliao da diversidade museolgica brasileira. A musealizao, como prtica social especfica, derramou-se para fora dos museus institucionalizados. Tudo passou a ser musevel (ou passvel de musealizao), ainda que nem tudo pudesse, em termos prticos, ser musealizado. A imaginao museal e seus desdobramentos (museolgicos e museogrficos) passaram a poder ser lidos em qualquer parte onde estivesse em questo um jogo de representaes de memrias corporificadas. Casas, fazendas, escolas, fbricas, estradas de ferro, msicas, minas de carvo, cemitrios, gestos, campos de concentrao, stios arqueolgicos, notcias, planetrios, jardins botnicos, festas populares, reservas biolgicas - tudo isso poderia receber o impacto de um olhar museolgico. De modo notvel, a trajetria dos museus no Brasil

6. O documento em questo foi construdo com base nas orientaes e nos debates dos dirigentes de museus, sobretudo dos grandes museus pblicos, presentes ao Encontro e, por isso mesmo, no reflete o estado de ebulio da museologia da poca.

poltica nacional de museus

indica que as aes de comunicao, pesquisa e preservao do patrimnio cultural, que madrugaram em instituies como o prprio SPHAN na dcada de 1930, concretamente existem no tempo presente. As relaes entre os museus e o patrimnio no nasceram e no se esgotaram no sculo XX. Esse entendimento favorece a compreenso de que as categorias museu e patrimnio podem ser consideradas como campos complementares e, por isso mesmo, uma no se reduz obrigatoriamente outra. Em outras palavras: os museus no so apndices do campo patrimonial; eles constituem prticas sociais especficas, com trajetrias prprias, com mitos fundadores peculiares. Sem dvida, possvel pensar que esto inseridos no campo patrimonial, mas, ainda assim, foroso reconhecer que tm contribudo frequentemente, de dentro para fora e de fora para dentro, para forar as portas e dilatar o domnio patrimonial. Os museus conquistaram notvel centralidade no panorama poltico e cultural do mundo contemporneo. Deixaram de ser compreendidos por setores da poltica e da intelectualidade brasileira apenas como casas onde se guardam relquias de um certo passado ou, na melhor das hipteses, como lugares de interesse secundrio do ponto de vista sociocultural. Eles passaram a ser percebidos como prticas sociais complexas, que se desenvolvem no presente, para o presente e para o futuro, como centros (ou pontos, ou redes) envolvidos com criao, comunicao, produo de conhecimentos e preservao de bens e manifestaes culturais. Ainda mais alm, o museu passou a ser visto como um instrumento que poderia ser utilizado com liberdade pelos mais diferentes atores sociais. Por tudo isso, o interesse poltico nesse territrio simblico est em franca expanso.

24 25

relatrio de gesto 2003 | 2010

III - O exerccio de uma nova imaginao musealOs museus brasileiros esto em movimento. Por isso, interessa compreend-los em sua dinmica social e interessa compreender o que se pode fazer com eles, apesar deles, contra eles e a partir deles no mbito de uma poltica pblica de cultura. Em comemorao aos 30 anos da Mesa Redonda de Santiago do Chile, em maio de 2002, foi realizado, na cidade do Rio Grande/RS, o 8 Frum Estadual de Museus, sob o tema Museus e globalizao, ocasio em que foi elaborada e divulgada a Carta do Rio Grande. Ainda em 2002, o Conselho Federal de Museologia (COFEM) elaborou e divulgou o documento denominado Imaginao museal a servio da cultura. Estes dois documentos informariam a Poltica Nacional de Museus. O governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva empossado em janeiro de 2003 estabeleceu novos marcos conceituais e prticos para o Ministrio da Cultura (MinC), sob a gesto do ministro Gilberto Gil, alm de desenvolver um plano de implementao de polticas pblicas sem precedentes na histria do Brasil contemporneo. No h exagero quando se diz que, naquele momento, o MinC foi recriado e remodelado e passou a ter efetivamente estatura e envergadura de ministrio. Compreendendo a importncia dos museus na vida cultural e social brasileira, o MinC criou a Coordenao de Museus e Artes Plsticas vinculada Secretaria de Patrimnio, Museus e Artes Plsticas e, por seu intermdio, convidou a comunidade museolgica para participar democraticamente da construo de uma poltica pblica

2 Apresentao e debate pblico do documento bsico, em reunies ampliadas, no Rio de Janeiro e em Braslia, entre 23 e 27 de maro de 2003, com a participao de diretores de museus, representantes das Secretarias Estaduais e Municipais de Cultura, professores de universidades, representantes de entidades e organizaes museolgicas de mbito nacional e internacional - mais de uma centena de pessoas. 3 Ampla disseminao e discusso do documento bsico por meio eletrnico e reunies presenciais. Profissionais de museus de diferentes reas do conhecimento, professores, estudantes, aposentados, pesquisadores, tcnicos, gestores culturais, lderes comunitrios, polti-

2 Valorizao do patrimnio cultural sob a guarda dos museus, compreendendo-os como unidades de valor estratgico nos diferentes processos identitrios, sejam eles de carter nacional, regional ou local.

poltica nacional de museus

voltada para o setor. Um dos frutos dessa ao indita foi o lanamento da Poltica Nacional de Museus, em 16 de maio de 2003, em meio s comemoraes do Dia Internacional de Museus, no Museu Histrico Nacional, no Rio de Janeiro. Ainda que a Poltica Nacional de Museus tenha sido lanada como um documento, avaliado e amparado pelo Estado republicano, o segredo do seu funcionamento est no seu carter de movimento social, de ao que extrapola as molduras polticas convencionais. Para se compreender o panorama atual interessante ter em mente as mincias desse processo, tal como ele se desenvolveu desde seu incio. Em termos metodolgicos, o processo de construo da Poltica Nacional de Museus foi dividido em quatro etapas: 1 Elaborao de um documento bsico para discusso geral com a participao de representantes de entidades e organizaes museolgicas e de universidades, alm de profissionais de destacada atuao na rea. Esse documento levou em conta a Carta de Rio Grande e o texto Imaginao museal a servio da cultura, anteriormente citados.

4 Finalmente, uma equipe mista, formada por representantes do poder pblico e da sociedade civil, consolidou as diferentes sugestes e apresentou uma nova verso para o documento inicial. Essa verso foi mais uma vez submetida ao debate por meio eletrnico, corrigida, ajustada, aprovada, publicada e lanada no outono de 2003. Um dos resultados dessa ampla consulta foi o entendimento de museus como prticas e processos socioculturais colocados a servio da sociedade e do seu desenvolvimento, politicamente comprometidos com a gesto democrtica e participativa e voltados para as aes de investigao e interpretao, registro e preservao cultural, comunicao e exposio dos testemunhos do homem e da natureza, com o objetivo de ampliar o campo das possibilidades de construo identitria e a percepo crtica acerca da realidade cultural brasileira. Os princpios adotados na orientao da Poltica Nacional de Museus foram os seguintes: 1 Estabelecimento e consolidao de polticas pblicas para os campos do patrimnio cultural, da memria social e dos museus, visando democratizao das instituies e do acesso aos bens culturais.

26 27

relatrio de gesto 2003 | 2010

cos, educadores, jornalistas e artistas enfim, todos os interessados em participar do debate puderam contribuir livre e democraticamente para o aprimoramento da proposta inicial. Alm das mltiplas e expressivas contribuies nacionais, o documento contou tambm com a leitura crtica, atenta e sugestiva de profissionais que atuam na Frana, na Holanda e em Portugal.

3 Desenvolvimento de prticas e polticas educacionais orientadas para o respeito diferena e diversidade cultural do povo brasileiro. 4 Reconhecimento e garantia dos direitos das comunidades organizadas de participar, com tcnicos e gestores culturais, dos processos de registro e proteo legal e dos procedimentos tcnicos e polticos de definio do patrimnio a ser musealizado. 5 Estmulo e apoio participao de museus comunitrios, ecomuseus, museus locais, museus escolares e outros na Poltica Nacional de Museus e nas aes de preservao e gerenciamento do patrimnio cultural. 6 Incentivo a programas e aes que viabilizem a conservao, a preservao e a sustentabilidade do patrimnio cultural submetido a processo de musealizao. 7 Respeito ao patrimnio cultural das comunidades indgenas e afrodescendentes, de acordo com as suas especificidades e diversidades. Uma vez apresentados os objetivos, a rede de parcerias e os princpios orientadores da Poltica Nacional de Museus, o documento, consolidado aps muito debate, identificou sete eixos programticos capazes de aglutinar, orientar e estimular a realizao de projetos e aes museolgicas. Estes eixos se tornariam, com algumas modificaes, a base de todos os debates seguintes sobre a questo museal, fazendo parte das discusses dos Fruns Nacionais de Museus e se consolidando na forma dos documentos e do Plano Setorial elaborado no 4 Frum Nacional de Museus, realizado em Braslia em 2010, o que ser mencionado posteriormente. 1 Gesto e Configurao do Campo Museolgico, com a implementao do Sistema Brasileiro de Museus, o incentivo criao de sistemas estaduais e municipais

de museus, a criao do Cadastro Nacional de Museus, o aperfeioamento de legislao concernente ao setor, a integrao de diferentes instncias governamentais envolvidas com a gesto de patrimnios culturais musealizados, a criao de polos museais regionalizados, a participao de comunidades indgenas e afrodescendentes no gerenciamento e na promoo de seus patrimnios culturais e o estabelecimento de planos de carreira, seguidos de concursos pblicos especficos para atender s diferentes necessidades das profisses museais, entre outras aes. 2 Democratizao e Acesso aos Bens Culturais, que comportava principalmente as aes de criao de redes de informao entre os museus brasileiros e seus profissionais, o estmulo e apoio ao desenvolvimento de processos e metodologias de gesto participativa nos museus, a criao de programas destinados a uma maior insero do patrimnio cultural musealizado na vida social contempornea, alm do apoio realizao de eventos multi-institucionais, circulao de exposies museolgicas, publicao da produo intelectual especfica dos museus e da museologia e s aes de democratizao do acesso aos museus. 3 Formao e Capacitao de Recursos Humanos, que tratava fundamentalmente: das aes de criao e implementao de um programa de formao e capacitao em museus e em museologia; da ampliao da oferta de cursos de graduao e ps-graduao, alm de cursos tcnicos e de oficinas de extenso; da incluso de contedos e disciplinas referentes ao uso educacional dos museus e dos patrimnios culturais nos currculos dos ensinos fundamental e mdio; da criao de polos de capacitao e de equipes volantes capazes de atuar em mbito nacional; e do desenvolvimento de programas de estgio em museus brasileiros e estrangeiros, entre outras aes. 4 Informatizao de Museus, destacando-se a cria-

5 Modernizao de Infraestruturas Museolgicas, abrangendo a realizao de obras de manuteno, adaptao, climatizao e segurana de imveis que abrigam acervos musealizados, bem como projetos de modernizao das instalaes de reservas tcnicas e de laboratrios de restaurao e conservao. Tambm estavam previstos o estmulo modernizao e produo de exposies, o incentivo a projetos de pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias de conservao, documentao e comunicao. 6 Financiamento e Fomento para Museus, enfatizando a constituio de polticas de fomento e difuso da produo cultural e cientfica dos museus nacionais, estaduais e municipais; o estabelecimento de parcerias entre as diversas esferas do poder pblico e a iniciativa privada, de modo a promover a valorizao e a sustentabilidade do patrimnio cultural musealizado; a criao de um Fundo de Amparo para o patrimnio cultural e os museus brasileiros; o desenvolvimento de programas de qualificao de museus junto ao CNPq, Capes e s Fundaes de Amparo Pesquisa; e o aperfeioamento da legislao de incentivo fiscal, visando democratizao e distribuio mais harmnica dos recursos aplicados ao patrimnio cultural musealizado. 7 Aquisio e Gerenciamento de Acervos Culturais, voltado para a criao de um programa de polticas integradas de permuta, aquisio, documentao, pesquisa, preservao, conservao, restaurao e difuso de acervos de comunidades indgenas, afrodescendentes

28 29

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

o de polticas de apoio aos processos de desenvolvimento de sistemas informatizados de documentao e gesto de acervos, ao estmulo de projetos para disponibilizao de informaes sobre museus em mdias eletrnicas e ao apoio aos projetos institucionais de transferncia de tecnologias para outras instituies de memria.

e das diversas etnias constitutivas da sociedade brasileira, alm do estabelecimento de critrios de apoio e financiamento s aes de conservao e restaurao de bens culturais e do apoio s instncias nacionais e internacionais de fiscalizao e controle do trfico ilcito de bens culturais, assim como s aes e dispositivos legais de reconhecimento, salvaguarda e proteo dos bens culturais vinculados histria e memria social de interesse local, regional ou nacional. Da mesma forma que a construo do texto que fundamenta a Poltica Nacional de Museus foi resultado de uma ao democrtica e participativa, sua implementao tambm foi sendo conduzida pelos mesmos princpios. A Poltica Nacional de Museus foi sendo disseminada por todo o territrio nacional e vem, de forma sistemtica, se enraizando na vida cultural brasileira. Sua capilaridade notvel: em todas as unidades federativas existem agentes sintonizados e comprometidos com o seu desenvolvimento. Um dos primeiros desdobramentos institucionais da Poltica Nacional de Museus foi a criao do Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU) no mbito do IPHAN, em 2003. A singularidade do conjunto de museus do IPHAN e a inexistncia formal de um setor na rea federal voltado s aes no campo da museologia eram motivos suficientes para a criao do DEMU. Seu surgimento no cenrio museal brasileiro acarretou, de imediato, o fortalecimento de todos os museus do MinC. Na sequncia deste processo, foi criado o Sistema Brasileiro de Museus, outra ao fundamental para a implantao da Poltica Nacional de Museus. Um desafio e uma conquista fundamentais para a consolidao da Poltica Nacional de Museus foi a criao de instrumentos de fomento e financiamento diversificados com critrios pblicos de seleo de projetos. Uma das primeiras aes implementadas pelo DEMU foi a reformulao do programa de financiamento denominado Museu: Memria e Cidadania, cujo alcance,

anteriormente restrito aos museus federais, passou a abranger todos os museus brasileiros a partir de 2004. Essas aes possibilitaram que instituies de todo o pas tivessem mecanismos de financiamento de seus projetos, levando em conta critrios como impacto regional e institucional, relevncia dos acervos, localidade e tamanho. O processo democratizou e descentralizou o financiamento pblico da cultura. Isso possibilitou a inmeras instituies, na perspectiva de qualificao dos espaos museolgicos, modernizar suas estruturas, garantindo o processo de preservao da memria nacional sob a guarda dos museus. Outras polticas de financiamento e fomento a museus tambm foram criadas, via Fundo Nacional de Cultura, Mecenato e Editais como os de Modernizao de Museus (Ibram/MinC), o Mais Museus (Ibram/MinC), Adoo de Entidades Culturais (CEF), Preservao de Acervos (BNDES) e Apoio Cultura-Patrimnio (Petrobras). O crescimento extraordinrio dos museus, aliado ao interesse dos movimentos sociais pelas prticas museolgicas contemporneas, justificam e exigem investimentos e polticas pblicas especficas para o setor. Esse foi, e continua sendo, o desafio da Poltica Nacional de Museus: implementar aes de fomento com foco nos mdios e pequenos museus brasileiros, alm de facilitar e democratizar o acesso destas instituies aos recursos oramentrios destinados rea. O enfrentamento desse desafio, de acordo com as orientaes do MinC, permitiu que a Poltica de Museus alcanasse uma dimenso efetivamente nacional e pblica. Como foi indicado, a Poltica Nacional de Museus foi construda com base em uma metodologia que estimulou a participao de mltiplos atores sociais. Reunies presenciais sistemticas e entusiasmados debates por correio eletrnico permitiram que fosse desenhado um cenrio nacional dos museus, trazendo tona os pontos fortes e as oportunidades, os pontos crticos e as ameaas.

No cenrio citado, em termos de pontos fortes e oportunidades, destacam-se: a diversidade e a capilaridade museal; a forte insero dos museus nas comunidades locais; o expressivo leque de servios disponibilizados ao pblico, com ateno para os programas educativos e as exposies temticas de curta, mdia e longa durao; a presena, em alguns museus, de equipes altamente qualificadas, equipamentos modernos e prticas museais exemplares; relevantes exemplos de documentao e gesto de colees, bem como de capacitao do corpo tcnico dos museus; ampla rede de apoio e colaborao nacional e internacional. Em termos de pontos crticos e ameaas, destacamse: a precariedade de nvel jurdico e administrativo de muitos museus; a falta de eficcia nos procedimentos tcnicos de documentao e gesto de acervos; a carncia de polticas de segurana e conservao preventiva; a fragilidade dos instrumentos de gesto dos museus e o desempenho pouco eficaz da sua funo social; a pouca valorizao da funo pesquisa; colees deficientemente inventariadas, conservadas, estudadas e divulgadas; a baixa ocorrncia de peridicos especializados para a divulgao da produo de conhecimento e prticas museais. O modelo de gesto delineado pelo Departamento de Museus e Centros Culturais do IPHAN tratou de operar sobre o cenrio acima referido e buscou superar dificuldades e ameaas e, ao mesmo tempo, corroborar os pontos fortes e as oportunidades. Nesse sentido, foi construdo um modelo de gesto que envolve trs instrumentos de operao: Instrumentos institucionais: referem-se organizao institucional do setor museolgico, o que envolve a criao do Sistema Brasileiro de Museus, do Cadastro Nacional de Museus, do Observatrio de Museus e Centros Culturais e do Instituto Brasileiro de Museus com a definio de uma legislao especfica para o campo museal, o Estatuto de Museus. Todos estes instrumentos se tornaram realidade, modificando bastante o panorama

poltica nacional de museus

institucional museal brasileiro ao longo do perodo 20032010. Cada um destes elementos institucionais ser detalhado posteriormente. Instrumentos de fomento: referem-se aos dispositivos polticos e administrativos que foram pensados e desenvolvidos visando revitalizao dos museus, tais como o Programa Museu Memria e Cidadania, os editais do MinC, os editais do Ibram, como o Modernizao e o Mais Museus, do Banco Nacional do Desenvolvimento Social, da Caixa Econmica Federal e da Petrobras, alm das leis de incentivo cultura e dos programas estaduais e municipais de apoio a museus. Instrumentos de democratizao: referem-se formao de uma rede de colaboradores nacionais e internacionais. O Sistema Brasileiro de Museus, por sua capacidade de aglutinao e articulao de entidades e atores sociais, um dos pontos de destaque dessa rede, assim como o Frum Nacional de Museus, j em sua 4 edio. Outros instrumentos de democratizao so as redes temticas, o lanamento de editais, os programas de capacitao e formao profissional, o programa de cooperao internacional desenvolvido com a Espanha e com Portugal - o Ibermuseus, a realizao de fruns estaduais e municipais de museus e a criao e a revitalizao de sistemas estaduais e municipais de museus.

Embora o Ministrio da Cultura, por intermdio do DEMU, tenha sido inegavelmente vetor de mudanas, no se deve desconsiderar a presena de outros vetores igualmente importantes. preciso reconhecer que havia muita demanda represada, um anelo antigo de atores sociais e instituies museais interessados na elaborao e na implantao de uma poltica museolgica para o Brasil no de uma poltica qualquer, mas de uma poltica qualificada, democrtica, participativa e cidad, construda com o trabalho, a energia e a vitalidade de muitos. Esta conjugao de vetores resultou num clima bastante favorvel. As mudanas colocadas em andamento por todas estas aes tm resultados bastante visveis no panorama museal. Os mais de trs mil museus que hoje existem no Brasil so instituies pblicas e privadas que geram mais de 22 mil empregos diretos. Isso demonstra a importncia da rea para o desenvolvimento do pas.

30 31

relatrio de gesto 2003 | 2010

Como consequncia do exerccio dessa nova imaginao museal, esto sendo criados, por todo o pas, numa escala surpreendente, novos cursos de graduao e ps-graduao em museologia. Durante aproximadamente 40 anos, apenas a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) formava muselogos no pas. Em 1970, surgiu um segundo curso, em Salvador, vinculado Universidade Federal da Bahia (UFBA). At 2003, estes eram os dois nicos cursos de graduao em museologia existentes no Brasil. Atualmente, esto em funcionamento um curso de ps-graduao ao nvel de mestrado, na UniRio, e 14 cursos de graduao vinculados s seguintes instituies: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Centro Universitrio Barriga Verde (Unibave), Universidade Federal do Recncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal do Par (UFPA), Universidade de Braslia (UnB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Esto em fase de implantao pelo menos outros dois cursos: na Faculdade Dom Bosco de Monte Aprazvel, no estado de So Paulo; e na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Alm disso, aes de capacitao e formao profissional esto sendo realizadas por todo o pas; o Programa de Formao e Capacitao, ao longo de dez anos, atendeu mais de 21 mil profissionais e estudantes; sistemas estaduais de museus esto sendo criados ou revitalizados; fruns, seminrios, jornadas e encontros so

levados a efeito por todo o canto. Os investimentos em cursos de formao merecem uma especial ateno por, pelo menos, trs bons motivos: eles representam a possibilidade de acolhimento de vocaes orientadas para os estudos sobre museus, memria, patrimnio, paisagens culturais e territrios musealizados; indicam a configurao de um cenrio propcio para o desenvolvimento de novas abordagens tericas e prticas; e apontam para o amadurecimento da museologia brasileira. Todas essas aes fazem com que os museus estejam mesmo em movimento e, parafraseando Oswald de Andrade, o poeta antropofgico, podemos dizer: s a museologia nos une.

IV - Museus: abrigos do que fomos e somos, inspirao do que seremosWalter Benjamin acredita que os museus so casas e espaos que suscitam sonhos,7 Andr Malraux, por seu turno, considera que os museus so locais que proporcionam a mais elevada ideia do homem.8 De um modo e de outro, fica patente a dimenso de humanidade dos museus: eles no so apenas casas que conservam e preservam vestgios e sobejos do passado; tambm so fontes de sonho e de criatividade e pontes que nos conectam com o futuro.

7. BENJAMIN, Walter. Espaos que suscitam sonho, museu, pavilhes de fontes hidrominerais. In: CHAGAS, Mrio (org.) Revista do Patrimnio: Museus, Antropofagia da Memria e do Patrimnio, n 31, IPHAN, Braslia, 2005. 8.MALRAUX, Andr. O Museu Imaginrio. Lisboa, Edies 70, 2000.

1. MORAES, Nilson Alves de. Polticas pblicas, polticas culturais e museu no Brasil. In: Revista Museologia e Patrimnio, vol. II, n1, jan/jul de 2009, p. 57.

poltica nacional de museus

Essas palavras tm o objetivo de sublinhar a necessidade de uma ateno especial para os museus, uma ateno que se traduza num projeto concreto de valorizao dos museus, sem perder a perspectiva crtica. No que se refere Poltica Nacional de Museus, esse projeto (ou sonho coletivo) esteve associado ao plano de criao do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A criao do instituto pode ser considerada o marco de uma poltica pblica que vem sendo trabalhada desde 2003 pelo Ministrio da Cultura. Alm disso, tambm reconhecimento efetivo de que a especificidade do campo museal requer e justifica, sobretudo no mundo contemporneo, um campo prprio de institucionalizao. A vitalidade desse campo decorre de sua capacidade sui generis de mesclar preservao, investigao e comunicao; tradio, criao e modernizao; identidade, alteridade e hibridismo; localidade, nacionalidade e universalidade. correto afirmar que, amparado por esta multiplicidade de aes, o centro de gravidade da poltica cultural do Brasil passa pelo territrio dos museus. No perodo de 2003 a 2008, a equipe do DEMU aplicou-se com determinao na construo do anteprojeto de lei para a criao do Ibram. Esse anteprojeto foi discutido por equipes tcnicas e administrativas; foi examinado por equipes especializadas em planejamento e gesto e, finalmente, em janeiro de 2009, foi sancionado pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva. Em termos operacionais, o Ibram uma autarquia federal, dotada de personalidade jurdica de direito pblico, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao MinC, atuando em sintonia com o Sistema Brasileiro de Museus. De sua estrutura fazem parte os museus antes ligados ao IPHAN, no total de 29 unidades. O Ibram um desejo antigo que gradualmente vai

se realizando e tem como objetivo formular uma poltica cultural para todos os museus brasileiros, no s os federais, melhorar os servios do setor, aumentar a visitao e a arrecadao dos museus, fomentar polticas de aquisio e preservao dos acervos e criar aes integradas entre os museus brasileiros. Segundo Moraes (2009), o Ibram cria uma nova situao, pois se aproxima de experincias bem sucedidas em pases como Frana, Espanha e Portugal (os quais serviram de referncia) ao transformar os museus em rgos autnomos, responsveis pela gesto, formulao e poltica museolgica. Assim como os museus, esta nova instituio suscita sonhos, abriga a nossa humanidade e nos projeta no futuro, sem que com isso se perca o p do presente. Os museus e a museologia no Brasil esto mesmo em movimento, esto na dana e em mudana e, por isso, esto enfrentando e superando desafios, alcanando e ressignificando objetivos. Considerado uma das principais ferramentas de gesto do Ibram, o Estatuto de Museus foi institudo tambm em janeiro de 2009, pela Lei 11.904, que regulamenta desde a criao at o fechamento de um museu e seu funcionamento. O estatuto torna obrigatria a elaborao e implementao de um plano museolgico para cada instituio, que deve conter um diagnstico participativo, sistemas de segurana, identificao dos espaos conjuntos e patrimoniais e a identificao dos pblicos-alvos. O estatuto mostra a face mais importante da poltica de museus: a democratizao do espao no apenas para o pblico, mas para a chegada do financiamento a todas as unidades museais, pois inclui museus de todos os portes, os comunitrios e os ecomuseus. De acordo com Moraes:

32 33

relatrio de gesto 2003 | 2010

(...) o museu, na lgica do estatuto, um espao privilegiado, dotado de identidade cultural, simblica e possui algumas prerrogativas, deveres e modos de financiamento. Como unidade institucional, possui um papel tcnico fundamental na organizao do sistema, para o conjunto dos profissionais e militantes de museus. 9 O sucesso da Poltica Nacional de Museus aumentou a responsabilidade do Ibram e do Ministrio da Cultura. Um dos mais graves problemas das polticas pblicas de cultura tem sido a descontinuidade das aes e a perda das conquistas alcanadas, o que tem produzido um ambiente de desconfiana e descrena. Por tudo isso, preservar o carter participativo e democrtico da atual Poltica de Museus fundamental. Essa preservao, em certo sentido, depende mais da atuao direta e engajada dos diversos agentes sociais envolvidos com o seu processo de construo do que dos aparelhos pblicos estatais ou no que se dedicam sua sistematizao. Essa parece ser tambm a sugesto de Nestor Garcia Canclini: Talvez uma tarefa-chave das novas polticas culturais seja, tal como tentam certas performances artsticas, reunir, de outras maneiras, afetos, saberes e prticas. Reencontrar ou construir signos que representem, de modo crvel, identidades de sujeitos que ao mesmo tempo querem, sabem e agem: sujeitos que respondam por aes e no personagens que representem marcas de entidade enigmtica. Este um ncleo dramtico do presente debate cultural, ou

seja, do sentido com que as opes de desenvolvimento social vm se reelaborando. 10 O enfrentamento dessa questo tem levado o MinC e o Ibram a dedicarem-se com ateno continuidade das aes da Poltica Nacional de Museus, atravs do Plano Nacional de Cultura (PNC) e das demais aes que possam garantir o seu futuro, levando em conta as trs seguintes diretrizes: cultura como direito, cultura como bem simblico e cultura como ativo econmico. Colocar em movimento e mesclar ideais, planos, desejos e sonhos guardados h tempos por diferentes atores sociais em seus bas de prata e buscar transformar a potncia dessas energias em prticas concretas, em aes efetivas, sem perder a potncia transformadora dessas energias: este tem sido o grande desafio e o desejo dos gestores da Poltica Nacional dos Museus.

9. MORAES, Nilson Alves de, Op. cit. 2009, p. 66. 10.CANCLINI, Nestor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2005. p. 265. 11.Expresso presente em uma das canes de Gilberto Gil, ministro da Cultura durante 2003-2008. Na cano Back in Bahia, ele fala no velho ba de prata dentro de mim uma espcie de museu que serve para preservar e comunicar saudades.

Um novo tempo de memrias e criaoIbramuando o presidente Luiz Incio Lula da Silva sancionou, em 21 de janeiro de 2009, a lei que criava o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/MinC), uma nova era para o campo museal acabava de comear. No apenas pelo surgimento de um rgo prprio para o setor, mas pelo seu significado: a valorizao de um conceito ampliado de museu, de cultura e das polticas culturais. O Ibram resultado de todo um movimento do campo museal, claramente percebido com a aprovao da Poltica Nacional de Museus (PNM), marco incontestvel de todas essas mudanas. A partir de 2003, com a instituio da PNM, o Sistema Brasileiro de Museus rede de integrao entre as unidades brasileiras foi institucionalizado, discutiu-se e elaborou-se o Estatuto de Museus e, finalmente, em 2009, o Instituto Brasileiro de Museus passou a existir. A criao do Instituto Brasileiro de Museus, autarquia federal dotada de personalidade jurdica de direito pblico, vinculada ao Ministrio da Cultura de grande importncia para a poltica cultural brasileira. Afinal, o Ibram vai possibilitar a normatizao do setor e assegurar a sua fiscalizao para a preservao do patrimnio museolgico, inovando no enfrentamento das questes relacionadas aos museus. Alm disso, a expectativa de que se promova ampliao da arrecadao pelos museus pblicos, gerao de emprego e renda, fomento do turismo cultural. O surgimento do Ibram abre caminho para uma poltica mais democrtica de acesso aos bens culturais, de integrao e incluso entre museus e comunidade. Ao ser criado, reconheceu-se nos museus seu valor estratgico, a

35

Q

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

importncia de sua funo social. A capacidade de atuao dos museus com as comunidades locais, por meio de programas culturais e socioeducativos, contribuir para essa via de mo dupla que a cultura. O rgo criado para a gesto da poltica cultural museal tem tambm muitos desafios pela frente, por exemplo, a modernizao dos museus, a circulao de acervos e o aumento do nmero de exposies para a ampliao do nmero de visitantes. Atualmente, existem no Brasil 3.025 museus mapeados que possuem mais de 70 milhes de itens em seu acervo e geram mais de 22 mil empregos diretos. A multiplicao dos museus em nmero e em tipologia vem expressar o papel central que conquistaram no panorama cultural do mundo contemporneo. No se pode esquecer que esse aumento no se traduziu

apenas em termos de quantidade, implicando uma nova forma de compreenso dos museus e um maior esforo para a profissionalizao do campo. Outro aspecto com o qual o Ibram contribuir est relacionado integrao e articulao dos museus brasileiros e operacionalizao de uma poltica cultural de estmulo, de forma a fortalecer o Sistema Brasileiro de Museus. A noo de museu, hoje, abarca dinmicos processos museolgicos, prticas sociais complexas, com orientaes polticas, culturais e cientficas bastante diferenciadas. Dentre os elementos que singularizam o campo dos museus, destacam-se: a) o trabalho permanente com o patrimnio museolgico, incluindo nessa designao o patrimnio natural, o tangvel e o intangvel; b) a presena de acervos e exposies, colocados ao servio da socie-

Concurso para o IbramUm ano depois de criado, o Ibram realizou, em maro de 2010, o primeiro concurso para a construo de seu quadro de servidores. Ao todo foram oferecidas 294 vagas e os aprovados foram lotados nas unidades museolgicas que integram o Ibram, na sede em Braslia e em suas unidades administrativas no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Para o cargo de nvel mdio a remunerao inicial de R$ 2.133,22 e para os de nvel superior de R$ 3.012,82, j contando com as respectivas gratificaes. A jornada de trabalho de 40 horas semanais. As vagas foram distribudas entre os cargos de assistente tcnico I (47), nvel mdio completo; analista I, com nvel superior completo nas seguintes reas: administrao (42), economia (3), anlise de sistemas (9), contabilidade (4), jornalismo (8), engenharia civil (3), engenharia eltrica (2), psicologia (1), publicidade (2), relaes pblicas (3), relaes internacionais (2) e qualquer rea (6); tcnico em assuntos educacionais (37), com formao superior na rea de cincias humanas e sociais; e tcnico em assuntos culturais, nas especialidades de arquivologia (12), antropologia (8), arqueologia (1), arquitetura (6), biblioteconomia (9), histria (13), museologia (45), sociologia (5), cincias humanas e sociais (10). Ficaram reservadas aos portadores de deficincia 5% das vagas disponveis. O concurso foi realizado em duas etapas: provas objetivas para todos os cargos e prova discursiva e avaliao de ttulos para as funes de nvel superior. As provas discursivas foram aplicadas nas cidades de Belo Horizonte (MG), Florianpolis (SC), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), So Luis (MA), So Paulo (SP), Vitria (ES) e no Distrito Federal (DF). Desde setembro, os novos concursados esto em atividade. Em Braslia, a lotao ocorreu com a mudana do Ibram/MinC para a sua nova sede, em novo edifcio e instalaes recm-implantadas.

36 37

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

dade com o objetivo de propiciar a ampliao do campo de possibilidades de construo identitria, a percepo crtica da realidade, a produo de conhecimentos e oportunidades de lazer; c) o desenvolvimento de programas e projetos. Assim, a criao do Ibram, alm de atender a um an-

tigo anseio da comunidade museolgica brasileira, ser um passo decisivo para a valorizao de saberes especficos deste campo e para uma melhor organizao, gesto e desenvolvimento dos museus, a exemplo de pases como Portugal, Espanha e Frana.

Conselho Consultivo do Patrimnio Museolgicocriao do Conselho Consultivo do Patrimnio Museolgico, em 2009, estabeleceu um novo espao para o dilogo e a participao ativa da sociedade na formulao das polticas pblicas para o setor museal. Institudo pelo Decreto 6.845 (que aprovou a estrutura regimental do Ibram), o Conselho um rgo colegiado que integra a estrutura organizacional do Ibram. constitudo por representantes das principais entidades relacionadas rea museolgica no pas Conselho Internacional de Museus (ICOM), Associao Brasileira de Museologia (ABM), Conselho Federal de Museologia (Cofem), Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), Fundao Nacional de Artes (Funarte), Comit Brasileiro de Histria da Arte (CBHA), Fundao Cultural Palmares (FCP) e Fundao Nacional do ndio (FUNAI) e por 13 personalidades da sociedade civil, com notrio e especial conhecimento nos campos de atuao do Ibram. Entre as principais atribuies do Conselho esto o apoio formulao de polticas pblicas para o setor museolgico, de maneira democrtica e permanente, e a apreciao de questes relacionadas proteo e defesa do patrimnio cultural musealizado, consolidao e desenvolvimento do Ibram e ao fortalecimento do campo museal. Contribuir para a ampliao, consolidao e desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Museus outra competncia atribuda ao Conselho, assim como examinar e opinar sobre a movimentao e sada do Pas do patrimnio cultural musealizado. O CCPM presidido pelo presidente do Ibram, que indica seus integrantes. A designao dos conselheiros cabe

A

ao ministro da Cultura. Os conselheiros tm mandato de quatro anos e sua participao no remunerada, sendo considerada prestao de servio pblico relevante. O Conselho deve reunir-se ordinariamente uma vez por semestre e, extraordinariamente, por convocao do presidente ou da maioria dos membros. A posse dos integrantes do CCPM foi realizada em 18 de dezembro de 2009 (dia do Muselogo), no Palcio da Aclamao, em Salvador, Bahia. Em seguida posse, ocorreu a primeira reunio do rgo colegiado, em que os recm-empossados conselheiros debateram as perspectivas para o desempenho das atividades do grupo. A apresentao, pelo Ibram, de dados do setor museolgico coletados no Cadastro Nacional de Museus foi outro tema da pauta, assim como uma anlise do Estatuto dos Museus sob o ponto de vista jurdico. Na segunda reunio do Conselho, realizada em 17 e 18 de junho deste ano, em Braslia, os participantes avaliaram a minuta do decreto que regulamenta o Estatuto dos Museus, entre outros assuntos.

Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) Dalmo Vieira Filho (titular) Wivian Patrcia Pinto Diniz (suplente) Fundao Nacional de Artes (Funarte) Srgio Mamberti (titular) Ricardo Resende (suplente) Comit Brasileiro de Histria da Arte (CBHA) Roberto Luis Torres Conduru (titular) Luiz Alberto Ribeiro Freire (suplente) Fundao Cultural Palmares (FCP) Edvaldo Mendes Arajo (titular) Elsio Lopes Jnior (suplente) Fundao Nacional do ndio (FUNAI) Jos Carlos Levinho (titular) Arilza Nazareth de Almeida (suplente) Personalidades Angela Gutierrez Empresria, colecionadora de arte e empreendedora cultural. presidente do Instituto Cultural Flvio Gutierrez, responsvel pela gesto do Museu do Oratrio e do Museu de Artes e Ofcios. Maria Clia Teixeira Moura Santos Museloga, professora aposentada da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integra o corpo docente dos

38 39

Integrantes do Conselho Consultivo do Patrimnio MuseolgicoEntidades Conselho Internacional de Museus (ICOM) Carlos Roberto Ferreira Brando (titular) Maria Ignez Mantovani Franco (suplente) Associao Brasileira de Museologia (ABM)

poltica nacional de museus

relatrio de gesto 2003 | 2010

Antnio Carlos Pinto Vieira (titular) Adua Nesi (suplente) Conselho Federal de Museologia (Cofem) Maria Olmpia Dutzmann (titular) Eliene Dourado Bina (suplente)

cursos de mestrado e doutorado em Museologia Social da Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, Portugal. Myrian Seplveda dos Santos Professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro do corpo editorial da revista eletrnica Desigualdade e Diversidade da PUC/Rio e dos Cadernos de Antropologia e Imagem da UERJ. Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses Doutor em arqueologia clssica, membro estrangeiro da Misso Arqueolgica francesa na Grcia, professor emrito da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo e docente do programa de ps-graduao em Histria Social. Octavio Elsio Alves de Brito Engenheiro de minas e metalurgista, professor do Instituto de Geocincias da UFMG. Foi Deputado Federal, constituinte e Secretrio do Patrimnio, Museus e Artes Plsticas do Ministrio da Cultura, alm de Secretrio de Educao, Secretrio de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente e Secretrio de Cultura do Estado de Minas Gerais. Jos Teixeira Coelho Neto Professor titular aposentado da Universidade de So Paulo, especialista em Poltica Cultural e colaborador da Ctedra Unesco de Poltica Cultural da Universidade de Girona, Espanha. consultor do Observatrio de Poltica Cutural do Instituto Ita Cultural, So Paulo, e curador de diversas exposies realizadas no MAC/SP e no MASP. Marcelo Carvalho Ferraz Arquiteto, scio do escritrio Brasil Arquitetura, onde realizou projetos como o do Museu da Imigrao Japonesa, em Registro (SP) e do Museu Afro Brasil, em So Paulo.

Vladimir Carvalho Jornalista, cineasta e professor aposentado da Universidade de Braslia, membro da Associao Brasileira de Documentaristas, da Associao Brasiliense de Cinema e Vdeo e da Associao Brasileira de Cineastas, no Rio de Janeiro. Fabio Luiz Pereira de Magalhes Muselogo, membro do conselho curador da Fundao Padre Anchieta, do conselho de administrao da Fundao Bienal de So Paulo, do conselho editorial da revista Poltica Externa e do conselho do Instituto Vladmir Herzog, alm de curador de diversas exposies. Luiz Camillo Osorio Professor de Filosofia da PUC-RJ e da UniRio e curador do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Cornlia Eckert Professora do departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Nino Fernandes Ticuna Diretor do Museu Maguta, em Benjamin Constant (AM), e membro do conselho geral da tribo ticuna. Carlos Alberto Faraco Professor de Lingustica e Lngua Portuguesa da Universidade Federal do Paran.

A criao do Conselho Consultivo do Patrimnio Museolgico fundamental na interlocuo entre o governo e a sociedade por diversos aspectos. Ela d continuidade ao processo participativo que foi a prpria construo do Ibram, que resultado de uma poltica pblica para a rea museolgica, iniciada com a Poltica Nacional de Museus, depois com o Sistema Brasileiro de Museus, com o Estatuto de Museus... Isso tudo vem num crescendo. Vejo que o conselho consultivo tambm fruto dessa ampla participao da sociedade na construo da poltica pblica para o campo museal. A criao do conselho muito relevante no s do ponto de vista normativo, formal, burocrtico, mas principalmente porque um espao de interlocuo de diversos segmentos da sociedade com o Ibram. Outro aspecto importante que o conselho no um rgo que simplesmente vai aprovar ou no as propostas do instituto. Como o prprio nome diz, ele consultivo; ento, pode tambm propor aes criativas e demandas da sociedade. Avalio que cada um dos conselheiros um representante da sociedade dentro desse espao formal criado pelo Ibram, que faz com que a gente tambm possa estimular o instituto a pensar sua prtica tanto do ponto de vista dos acervos, da conservao, da gesto, da fruio do patrimnio cul-

tural como um todo, como tambm a partir das demandas da classe museolgica e da sociedade, porque estamos em contabro importante no sentido de motivar e estimular essa troca. Do ponto de vista formal da instituio, penso que para os gestores para o presidente e os diretores do Ibram, por exemplo , o conselho um apoio fundamental, porque eles no estaro sozinhos, definindo os projetos de forma isolada; ao contrrio, tero o apoio da sociedade, o que tornar essas aes mais legtimas. Acredito que medida que o instituto (que recente) for amadurecendo, o conselho ter um papel cada vez mais maduro e importante nessa interlocuo, no apenas como um rgo que aprova decises, mas sim como um rgo que ouvido, porque representa a sociedade e leva adiante suas inquietaes. isso que a gente espera do conselho: que continue sempre a promover essa ao dialgica, de troca, que muito produtiva e importante para o crescimento do campo museal. Maria Clia Teixeira Moura Santos Museloga

40 41

A instituio de um conselho consultivo, a partir da criao do Ibram, se insere em um processo poltico mais amplo de fortalecimento do setor museolgico, que estamos conseguindo construir. Vejo o conselho como fundamental porque, ao agregar pessoas de vrios setores governo, sociedade civil, empreendedores, especialistas, representantes das universidades , ele abre espao para uma discusso da sociedade sobre a importncia do patrimnio dos museus (e tambm do patrimnio que poderia ser musealizado) para o Brasil. Alm disso, a criao do conselho importante porque ele se constitui em mais uma ao