helen palmer uma sombra de clarice lispector capítulo 3
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CAPÍTULO 3
Fevereiro de 1934. Barroqueira do Agreste – Bahia
A GRANDE DISTÂNCIA da realidade dos centros urbanos, longe de
qualquer vestígio de progresso e imensamente afastada de tudo aquilo que
poderia ser compreendido como civilização, Lea Leopoldina era mais uma pobre
cambembe emprenhada, prestes a parir mais um predestinado sertanejo
azarento. À sua volta, pouquíssima história para ser contada e nenhum tipo de
adornos para enfeitar o seu xexelento pardieiro de barro batido: três cuias de
água salobra, brotos de palmas estorricadas e um saco de farinha de mandioca
dividiam o apertado espaço na mesa de madeira crua com sabão de sapomina,
folhas de macambira e um desusado pilão emborcado numa arredondada
bacineta de pedra, guardando ainda as raspas das rapaduras trazidas pelos
mascates dos canaviais das circunvizinhanças.
Acima dos caibros e das varas que faziam a parede engradada de taipa, o
maljeitoso telhado de ripas, com uma tira grossa de embira amarrada ao centro
da cumeeira, segurava num só laço de nó um leocádio apagado bem na direção do
velho fogão de lenha. E presa na memória dos seus parcos pertences espalhados
naqueles quatro cantos de extrema vileza, a triste lembrança de seu
companheiro: Nestor a tivera abandonado, inexplicavelmente, após tomar
conhecimento da sua inesperada gravidez.
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Do lado de fora, onde fumaça manava em vez de flores e onde nada
germinava pelas estreitas fendas cravadas na superfície do chão estéril, pouca
coisa sobrevivia da crueldade de uma duradoura estiagem. Rodeados por
xiquexiques, quipás, seixos, pederneiras, juazeiros e mandacarus, formigas,
besouros, calangos e lagartos escondiam-se num devastado matagal pálido e
amortecido. Ao redor deles, pedregosas areias de rios secos, cisternas vazias,
lavouras abolidas e ossos de animais mortos eram sobrevoados por outros tantos
insetos invictos e descorados.
Caia mais um fim de tarde e o céu avermelhava-se por inteiro, levando
consigo as minguadas sombras dos resistentes pés de umbu, jataí e jericó. Parecia
mais um entardecer inexpressivo – como todos os outros marasmados e silentes
daquele lugarejo fosco – não fossem aquelas repentinas vozes cantarolando mais
alto que os cadenciados apitos das cigarras entocadas nos calhaus dos roçados e
trauteando mais modestas que os finos gorjeios dos cinzentos pássaros que
voavam rumo ao infindo horizonte de mato desbotado:
Nós somos as parteiras tradicionais que em grupo vamos trabalhar! Todas
juntas sempre unidas, muitas vidas vamos salvar... Vamos trabalhar com dedicação,
pegando crianças com as nossas mãos! – eram Zulmira e Cassandra, suas vizinhas
e comadres de penúria catingueira retornando finalmente com ajuda das
aparadoras. ___________
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