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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Izilda Maria Nardocci O gênero fórum educacional digital e o ethos discursivo dos sujeitos em práticas interacionais DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Izilda Maria Nardocci

O gênero fórum educacional digital e o ethos discursivo dos

sujeitos em práticas interacionais

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Izilda Maria Nardocci

O gênero fórum educacional digital e o ethos discursivo dos

sujeitos em práticas interacionais

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Língua

Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr.

Jarbas Vargas Nascimento.

SÃO PAULO

2010

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BANCA EXAMINADORA

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Jarbas Vargas Nascimento, pela orientação, amizade e

compreensão nos momentos difíceis desta pesquisa. Obrigada pelo convívio,

pelo exemplo de mestre e de ser humano.

À Professora Doutora Mercedes Fátima de Canha Crescitelli, pelas ideias e

sugestões que muito contribuíram para o enriquecimento desta pesquisa.

Ao Professor Doutor Carlos Augusto, pela leitura crítica e pelas valiosas

sugestões.

Ao Promotor de Justiça Arthur Pinto de Lemos Júnior, pela amizade e

confiança tão importantes para elaboração deste trabalho. Obrigada por não

me deixar esquecer que a humildade é característica dos grandes.

Ao Procurador de Justiça Mário de Magalhães Papaterra Limongi, pela

amizade e por compreender a importância deste trabalho para a minha vida

pessoal e profissional.

Aos alunos da primeira edição do curso Criminalidade Organizada, por me

autorizarem a utilizar seus textos nesta pesquisa.

À amiga Karlene, por reservar em seus domingos um momento para ler meus

textos e para ouvir minhas reflexões sobre esta pesquisa, sempre me

incentivando a ir em frente. Obrigada por ser minha amiga nos momentos de

calmaria e de turbulência.

Ao amigo Manuel Edson, pela amizade e pelo incentivo em diferentes

momentos de minha formação acadêmica.

Aos meus irmãos – Celso, Cássio, Zico, Leca, João, Dako, Adilson – e

sobrinhos – Rita, Paula, Fernanda, Júlia, Maria Fernanda, João Vitor, Igor,

Maria Alice, Sofia – por entenderem a minha ausência nos períodos férias e por

se mostrarem sempre tão interessados nesta produção.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelo apoio financeiro.

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Às minhas queridas filhas Gabriela e

Milena, estrelas brilhantes no céu de

minha vida.

Aos meus pais Ayrton e Natalina (in

memoriam), coautores de minha

história.

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RESUMO

NARDOCCI, I. M. O gênero fórum educacional digital e o ethos discursivo dos sujeitos em práticas interacionais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.

Este trabalho insere-se nos postulados da Análise do Discurso de linha francesa e tem o objetivo de examinar o ethos discursivo dos sujeitos envolvidos em situação de ensino e aprendizagem na Internet. Trata-se de tema relevante, pois nossa prática pedagógica em ambientes virtuais aponta para a necessidade de investigação de estratégias interacionais de produção de sentido, principalmente no que se refere à constituição da imagem enunciativa de sujeitos, por meio de sua projeção pessoal, da competência linguística e de seu conhecimento de mundo. Defendemos a tese de que a projeção discursiva do ethos dos enunciadores construída na Internet, no gênero discursivo fórum educacional digital, assinala a sua disposição para interagir de forma mais ou menos colaborativa, partindo das coerções próprias do discurso jurídico. Em fóruns educacionais digitais, o ethos discursivo pode se valer de estratégias interacionais que auxiliam no estabelecimento de um maior grau de colaboração com o intuito de veicular conhecimentos jurídicos. Nossa investigação pautou-se nos estudos sobre Análise do Discurso de Maingueneau (1997, 2005a, 2005b, 2008a, 2008b); nos estudos sobre polidez de Brown & Levinson (1987) e nos estudos sobre modalização de Maingueneau (2005a) e Neves (2002). Pautamo-nos ainda nos estudos sobre Educação a Distância de Moore & Kearsley (2007), Belloni (2001), Valente (2003) e em trabalhos sobre o gênero fórum digital de Xavier & Santos (2005), Paiva & Rodrigues (2004 e 2009) e Crescitelli, Geraldini & Quevedo (2008). Para comprovar a tese, analisamos as marcas linguísticas de pessoa e não-pessoa, os modalizadores, as aspas como indicadoras de heterogeneidade discursiva e as marcas de polidez em 254 intervenções dos alunos e 39 do professor nos fóruns de discussão do curso Criminalidade Organizada, oferecido na modalidade a distância, via Internet, pela Escola Superior do Ministério Público. Os resultados da pesquisa permitiram-nos compreender a organização dos discursos em fóruns educacionais digitais da área jurídica. Notamos que, na interação construída nesses discursos, instaura-se uma sequência comunicacional, tecida pela relação que se estabelece entre os sujeitos das intervenções, suas intenções comunicativas e os fatores contextuais que integram a cena enunciativa. Além disso, comprovamos que a categoria ethos discursivo está relacionada a elementos discursivos, que atuam na cenografia do discurso, e liga-se aos enunciadores, isto é, à imagem que eles reivindicam para si. O ethos discursivo age, também, como uma categoria interacional de negociação estabelecida pela língua, a fim de se adequar às expectativas do enunciador-professor, que condiciona e direciona o discurso do enunciador-aluno.

Palavras-chave: análise do discurso, ethos discursivo, educação a distância, gênero de discurso, gênero fórum educacional digital

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ABSTRACT

NARDOCCI, I. M. The digital educational forum gender and the discursive ethos of the subjects within interactional practices. Doctorate Thesis. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.

This work fits in the French line tenets of Discourse Analysis and aims to examine the discursive ethos of those involved in teaching and learning situations on the Internet. This is an important subject because our teaching practice in virtual environments points to the need of investigating the interactional strategies in the production of meaning, especially as regards to the formation of image enunciation of subjects, through their personal projection, their language skills and their knowledge of the world. We support the thesis that the discursive projection of the ethos of speakers built on the Internet, through the digital educational forum as a discursive gender, shows its disposition to interact in a more or less collaborative way, starting from the coercions proper to the legal discourse. In digital educational forums the discursive ethos can avail itself of interactional strategies that helps to establish a greater degree of cooperation in order to convey legal knowledge. Our investigation was guided by studies in Discourse Analyses by Maingueneau (1977, 2005a, 2005b, 2008a, 2008b), studies in politeness by Brown & Levinson (1987) and studies on modalization by Maingueneau (2005a) and Neves (2002). We have also gained from the studies on Distance Education by Brown & Levinson (1987) and the works on digital forum by Moore & Kearsley (2007), Belloni (2001), Valente (2003) and the gender of works on digital forum by Xavier & Santos (2005), Paiva & Rodrigues (2004 and 2009) and Crescitelli, Geraldini & Quevedo (2008). In order to prove the thesis we have analyzed the linguistic traces of person and non-person, the modal, the quotation marks as indicators of discursive heterogeneity and the traces of politeness in the action of 254 students and 39 teachers during course discussion forums on Organized Criminality offered in distance mode via Internet by the Superior School of the Public Prosecution Department. The survey results enabled us to understand the organization of speeches in digital educational forums in the legal area. We noticed that in the interaction built in these speeches, a sequence of communication is born, starting from the relationship established between the subjects of the interventions, their communicative intentions and the contextual factors that make up the enunciation scene. Furthermore, we proved that the discursive ethos category is related to the discursive elements operating in the universe of speech and that it connects itself to the statement producers, i.e., the image that they claim for themselves. The ethos discursive acts also as a category of interactional negotiation established by the language in order to suit the expectations of the announcer- teacher who determines and directs the speech of the announcer-student. Keywords: analysis of the discourse, discursive ethos, distance education, discourse gender, digital educational forum gender.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................... 1

CAPÍTULO I. A METODOLOGIA DA PESQUISA

1.1. Constituição do corpus............................................................ 7

1.2. Contexto da pesquisa e motivações da escolha do tema........ 16

1.3. Procedimentos metodológicos da pesquisa........................... 17

1.4. Justificativa da opção teórica.................................................. 21

CAPÍTULO II. A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E NO CONTEXTO JURÍDICO

2.1. Sociedade do conhecimento e comunicação mediada em

contexto digital............................................................................

23

2.2. Educação a distância............................................................ 27

2.3. Educação a distância no contexto digital................................. 31

2.4. Ambientes virtuais de aprendizagem....................................... 34

2.5. Educação a distância e ensino do Direito................................ 37

CAPÍTULO III. A ANÁLISE DO DISCURSO

3.1. Contribuição da Linguística para os estudos do discurso........ 41

3.2. Percurso da disciplina Análise do Discurso............................. 45

3.3. Concepção de discurso e interdiscurso................................... 49

3.4. Cena da enunciação................................................................ 54

3.5. Competência comunicativa...................................................... 56

3.6. Gêneros do discurso................................................................ 58

3.6.1. Noção de gênero em Bakhtin......................................... 58

3.6.2. Noção de gênero em Maingueneau............................... 61

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3.6.3. Suporte material de um gênero....................................... 64

3.6.4. Gênero fórum digital........................................................ 67

3.7. Linguagem jurídica e ethos discursivo..................................... 70

CAPÍTULO IV. O ETHOS DISCURSIVO

4.1. Maingueneau e a concepção de ethos discursivo................... 76

4.2. Goffman e a representação do eu nas práticas sociais........... 80

4.3. Preservação das faces e estratégias de polidez no discurso.. 85

4.4. Cenas, enunciação e ethos discursivo.................................... 88

4.5. Modalizadores nas práticas discursivas................................... 92

4.6. Heterogeneidade marcada no/pelo discurso relatado: formas

de projeção do ethos discursivo ....................................................

95

CAPÍTULO V. A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO NO GÊNERO FÓRUM EDUCACIONAL DIGITAL DO CONTEXTO JURÍDICO

5.1. Marcas de pessoa e não-pessoa............................................. 103

5.2. Modalização............................................................................. 111

5.3. Heterogeneidade marcada pelo emprego das aspas............... 122

5.3.1. Citação marcada por aspas............................................ 123

5.3.2. Modalização autonímica marcada por aspas.................. 130

5.4. Marcas linguísticas de polidez................................................. 133

5.5. Discussão dos resultados obtidos........................................... 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 140

REFERÊNCIAS.......................................................................................... 144

ANEXOS – CD-ROM

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Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra.

Paulo Freire

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1

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) têm propiciado

múltiplas e heterogêneas práticas socioculturais disseminadas pela linguagem.

A revolução digital, implementada nas últimas décadas do século XX, promove

com a Internet modificações nas formas de comunicação humana, assim como

aconteceu com o surgimento da imprensa de Gutenberg, no século XV, quando

a sociedade da época vive intensas transformações no campo da

comunicação.

As transformações geradas pelo advento das novas TICs desencadeiam, em

um primeiro momento, uma sensação de desconforto, uma vez que podem

propiciar mudanças significativas nas rotinas das pessoas, em virtude da

rapidez com que se consolidam. Entretanto, em um segundo momento, trazem

enormes benefícios para as áreas da economia, da saúde, da educação, da

linguística, entre outras.

Os desafios impostos pela revolução tecnológica, principalmente pelo

surgimento da Internet, não podem deixar de ser considerados no século XXI.

Segundo Castells (2003), o primeiro desafio refere-se à concepção de

liberdade vigente nas redes, que proporcionam comunicação livre, global e

essencial nos diversos segmentos sociais. A infraestrutura das redes, no

entanto, pode ser controlada; o acesso pode ser monopolizado por

determinados interesses comerciais, ideológicos e políticos.

O segundo desafio diz respeito à exclusão de uma significativa parcela de

usuários das redes. Se a economia é global, se decisões importantes

dependem das redes baseadas na Internet, aqueles que não têm acesso a elas

são condenados à exclusão, à marginalidade. A exclusão pode ser produzida

por diferentes fatores, como a falta de infraestrutura tecnológica, dificuldades

econômicas ou institucionais ao acesso à rede, capacidade educacional e

cultural limitada.

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O terceiro desafio, privilegiado neste estudo, compreende o estabelecimento da

capacidade de processamento de informação e de geração de conhecimento.

Consideramos, aqui, a educação em sentido mais amplo, ou seja, a aquisição

da capacidade intelectual de aprender ao longo da vida, de adquirir a

informação armazenada digitalmente, recombinando-a e utilizando-a para

produzir conhecimento para qualquer finalidade.

Castells (2003) destaca que uma reestruturação educacional é necessária, haja

vista as novas demandas impostas pela sociedade tecnológica. Isso exige a

reconstrução de escolas, a reciclagem de professores e alunos e uma nova

pedagogia baseada não só na interação, mas também na interatividade1, no

desenvolvimento da capacidade autônoma de aprender e pensar em processos

educacionais mediados. No que se refere à interação, destacamos a

necessidade de uma pedagogia fundamentada na interação colaborativa, que

propicie, de fato, a construção de conhecimento. Postulamos com Andrade &

Vicari (2003, p. 261) que os participantes de uma comunidade aprendem mais

rapidamente e com mais eficiência se houver entre eles colaboração. Para as

autoras, a colaboração “é o meio mais apto a favorecer o espírito crítico, a

objetividade e a reflexão discursiva”.

Os educadores devem, assim, desempenhar seu papel fazendo uso das novas

tecnologias da informação e comunicação, a fim de contribuir para uma

eficiente produção de conhecimento, no ritmo acelerado imposto pela

sociedade tecnológica. Nesse universo, ganha força a modalidade de

educação a distância2, que, com as facilidades de comunicação,

proporcionadas pela Internet e pelas TICs, torna possível o desenvolvimento

educacional em ambientes virtuais, que oferecem condições de interação e

colaboração.

De acordo com Moran (2002), a educação a distância (EAD) é um processo de

ensino e aprendizagem mediado por tecnologias, especialmente as telemáticas

1 Consideramos com Lévy (2000) que há diferença entre interação e interatividade. De acordo com o autor, a interação

consiste na relação entre pessoas, enquanto a interatividade consiste na relação do homem com a máquina. 2 Optamos pela terminologia educação a distância em vez de ensino a distância com base em Keegan (1996), que a

defende como a mais adequada para definir o processo como um todo: as atividades do aluno e do professor e a metodologia de ensino e aprendizagem. Segundo ele, a terminologia ensino a distância não é apropriada porque o enfoque recai apenas nas atividades do professor, sua metodologia, a elaboração do material didático.

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como a Internet, em que professores e alunos nem sempre dividem o mesmo

espaço e o mesmo tempo. Nesse contexto, à medida que as tecnologias

evoluem, a EAD se estabelece como uma modalidade cada vez mais interativa.

Atualmente, em ambientes virtuais, é comum, por exemplo, depararmo-nos

com professores de instituições diferentes compartilhando determinadas aulas

ou, ainda, com alunos estudando em grupos sem dividirem o mesmo espaço e

o mesmo tempo. Na modalidade educacional a distância, o professor não deve

ser o detentor do conhecimento, ele deve ser aquele que cria possibilidades de

envolvimento do aluno com seu processo de aprendizagem, propiciando que

sejam mais autônomos (SILVA, 2003).

Ao refletir sobre a educação a distância, Moran (2002, s/p) explica:

o processo de mudança na educação a distância não é uniforme nem fácil. Iremos mudando aos poucos, em todos os níveis e modalidades educacionais. Há uma grande desigualdade econômica, de acesso, de maturidade, de motivação das pessoas. Alguns estão preparados para a mudança, outros muitos não. É difícil mudar padrões adquiridos (gerenciais, atitudinais) das organizações, governos, dos profissionais e da sociedade. E a maioria não tem acesso a esses recursos tecnológicos, que podem democratizar o acesso à informação. Por isso, é da maior relevância possibilitar a todos o acesso às tecnologias, à informação significativa e à mediação de professores efetivamente preparados para a sua utilização inovadora.

Valente (2003, p. 2), por sua vez, alerta para as diferentes abordagens

pedagógicas em educação a distância: a abordagem broadcast, a virtualização

da sala de aula tradicional e o estar junto virtual. A diferença entre elas está no

grau de interação que apresentam entre o professor e alunos e entre alunos.

Na abordagem broadcast, as informações são enviadas ao aluno e não há

nenhuma interação entre ele e o professor. Assim, não é possível saber se o

aluno transformou as informações recebidas em novos conhecimentos. Na

virtualização da escola tradicional, a interação está prevista, mas é mínima, a

exemplo de muitas aulas presenciais. Nesse caso, o aluno faz a atividade em

que aplica um determinado conceito e envia-a ao professor para que seja

avaliada. Por fim, o estar junto virtual consiste em múltiplas interações

realizadas pelo professor com o objetivo de acompanhar e assessorar de

maneira constante o aluno, propondo-lhe problemas e desafios que o auxiliem

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4

a atribuir significado ao que está aprendendo e assim ser capaz de transformar

as informações em novos conhecimentos.

Nos ambientes educacionais virtuais, surgem gêneros discursivos diversos,

como os fóruns educacionais digitais de interação assíncrona, em que as

sequências são dispostas em turnos comunicativos, com uso prioritário da

escrita. Os fóruns são ambientes de debates em que a interação deve levar à

construção de um discurso colaborativo.

O nosso interesse pelas práticas educacionais em contextos digitais, em

especial pelo gênero discursivo fórum realizado nesses ambientes, decorre do

fato de sermos professora de disciplinas de Língua Portuguesa nas

modalidades semipresenciais e a distância em cursos de graduação, além de

sermos responsável pelo planejamento pedagógico de cursos de extensão a

distância da área jurídica.

Nossa prática pedagógica aponta para a necessidade de explorar as

estratégias interacionais de produção de sentido, principalmente no que se

refere à configuração da subjetividade entre os autores envolvidos em uma

cena enunciativa. Ao auxiliarmos na gestão e no planejamento pedagógico,

partimos do pressuposto de que a interação é um elemento essencial na

construção do conhecimento, já que garante maior grau de envolvimento dos

participantes no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, Vigotsky

(2007) postula que é na interação entre as pessoas que inicialmente o

conhecimento se constrói para depois ser partilhado pelo grupo. Em uma sala

de aula, esse processo consiste em possibilitar que todos se manifestem,

levantem hipóteses, estabeleçam negociações para chegarem a conclusões. O

aluno deve se perceber, na sala de aula, como parte de um processo dinâmico

na construção de conhecimento.

Em uma comunicação mediada por computador, há, como se sabe, a

preocupação latente de estimular uma aproximação entre os envolvidos,

simulando-se, de certa forma, o que ocorre em um ambiente educacional

presencial, por meio de uma escrita oralizada (MARCUSCHI, 2007). Nesse

contexto, as oposições entre oral e escrito nem sempre são compreendidas em

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5

sua forma tradicional (MAINGUENEAU, 2005a). De modo geral, as TICs

preveem o surgimento de novas formas de oralidade, presentes no discurso

escrito, com vistas à diminuição das distâncias entre os participantes. Nesse

sentido, embora, em um ambiente virtual de aprendizagem, não haja a

existência de um contato físico imediato entre enunciador e co-enunciador, há

a preocupação de que esse se concretize, muitas vezes, por estratégias

interacionais linguísticas.

No intuito de contribuir para o desenvolvimento de metodologias de ensino e

aprendizagem que propiciem maior colaboração entre os aprendizes no

contexto educacional jurídico, delimitamo-nos a questionar: como os discursos

elaborados em ambiente digital se constituem, tendo em vista as estratégias

interacionais empregadas pelo professor e pelos alunos; como essas

estratégias desencadeiam o entrelaçamento desses sujeitos como construtores

de conhecimento e de que forma, nesse discurso, o seu ethos se constrói.

As perguntas de pesquisa geram os seguintes objetivos específicos: verificar

como se constituem os discursos em textos produzidos por professor e alunos

de um curso da área jurídica, oferecido na modalidade a distância, via Internet;

identificar que estratégias interacionais são utilizadas pelos integrantes dos

fóruns e como tais estratégias corroboram na construção da cenografia e na

projeção do ethos discursivo dos sujeitos envolvidos em situação de ensino e

aprendizagem na Internet.

Defendemos a tese de que a projeção discursiva do ethos dos enunciadores

assinala sua disposição para interagir de forma mais ou menos colaborativa,

partindo das coerções próprias do discurso jurídico, que impõe atitudes

discursivas em relação aos interlocutores no interior da cenografia. Julgamos

que, no fórum, o ethos pode se valer de estratégias comunicativas que auxiliam

no estabelecimento de um maior grau de colaboração com o intuito de veicular

conhecimentos jurídicos.

A tese estrutura-se em cinco capítulos. No capítulo I, apresentamos a

metodologia de pesquisa, descrevendo o curso Criminalidade Organizada,

universo de nossa investigação, e explicitando a metodologia e os

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6

procedimentos empregados.

No capítulo II, tratamos da educação mediada no contexto digital, com base

nos trabalhos de Belloni (2001), Castells (2003), Moore & Kearsley (2007),

Paiva & Rodrigues (2004), Peters (2001), entre outros.

No capítulo III, traçamos um percurso das tendências em Análise do Discurso,

com base na contribuição de Harris (1952), Bakhtin (2006), Grice (1982),

Pêcheux (1993), enfocando os estudos de Maingueneau (1995, 1996, 1997,

2005a, 2005b, 2008a, 2008b), que constituem o cerne de nossa

fundamentação teórica.

No capítulo IV, expandimos nossas considerações sobre as ideias de

Maingueneau, privilegiando seus estudos sobre ethos discursivo. Além disso,

tratamos de algumas estratégias interacionais com base em estudos sobre

polidez, de Brown & Levinson (1987), e de modalização, de Maingueneau

(2005a) e Neves (2002).

Por fim, no capítulo V, apresentamos, para provar a tese, a análise do ethos no

discurso das intervenções dos alunos e do professor, nos fóruns educacionais

digitais, corpus da pesquisa. Além disso, apresentamos a discussão dos

resultados obtidos em nossa investigação.

Acreditamos que, por meio de um estudo em Análise do Discurso que trata da

construção do ethos, possamos contribuir para o desenvolvimento de trabalhos

sobre interação na área educacional, inclusive no campo da educação a

distância, uma vez que as projeções dos ethé nos contextos interacionais em

que se inserem também são elementos construtores de acordos discursivos

necessários para o estabelecimento de interações colaborativas.

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CAPÍTULO I

A METODOLOGIA DE PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos a metodologia de pesquisa. Descrevemos, em

um primeiro momento, os critérios para a constituição do corpus e, em seguida,

o contexto da pesquisa e a delimitação do tema. Explicitamos a justificativa que

embasa nossa opção teórica e os critérios de análise dos dados.

1.1. A constituição do corpus

Para a comprovação de nossa tese, selecionamos como corpus 293

intervenções3 de seis tópicos discursivos dos fóruns da primeira edição do

curso Criminalidade Organizada, sendo 254 produzidas pelos alunos e 39

produzidas pelo professor4. Escolhemos esse curso pelo fato de o professor ter

sido bastante receptivo à proposta de oferecer um curso na modalidade a

distância e por ter se preocupado em propor nos fóruns temas polêmicos. Já a

seleção dos textos foi realizada de maneira aleatória, com a finalidade de

apresentarmos um recorte representativo do discurso produzido no ambiente

do curso.

O curso Criminalidade Organizada tem a duração de 10 semanas, é oferecido

na modalidade a distância, via Internet, no software Moodle, um sistema

educacional que propicia um processo de ensino e aprendizagem

colaborativos, por meio de gêneros síncronos e assíncronos, tais como chats,

fóruns de discussão, entre outros.

Os objetivos do curso são “discutir as questões teóricas no âmbito penal e

processual penal, sobre o tema da criminalidade organizada; analisar na

perspectiva da criminologia as características das organizações criminosas,

inclusive comparando-as com outros fenômenos como as máfias; debater

sobre os principais meios de provas para o enfrentamento das organizações

criminosas, com base na doutrina e na jurisprudência” (DIÁRIO OFICIAL, 2008:

3 Chamamos de intervenções os textos/mensagens dos participantes que compõem os tópicos discursivos.

4 Os textos das intervenções do professor e do aluno, corpus da pesquisa, estão disponíveis em CD ROM no Anexo 2.

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8

s/p).

Os assuntos tratados no curso são: Noções históricas; Características das

organizações criminosas; Lavagem de valores (conceito); Lavagem de valores

(etapas da lavagem); Sequestro e confisco de bens; Principais meios de

investigação criminal (infiltração de agentes); Principais meios de investigação

criminal (interceptação telefônica e ambiental); Delação premiada e proteção a

vítimas e testemunhas; Quebra do sigilo fiscal e bancário; Enfrentamento de

um problema prático.

Para trabalhar cada assunto, o professor apresenta textos elaborados por ele

mesmo e uma indicação bibliográfica para que o aluno possa pesquisar sobre o

tema. Seu objetivo é, em primeiro lugar, oferecer ao aprendiz um suporte

teórico para, em seguida, propor atividades em que ele tenha de refletir sobre

algum aspecto, como é o caso da atividade transcrita a seguir:

Considerando o trecho: “A contemporaneidade ou pós-modernidade estabeleceu em definitivo uma – com Marshall Mc Luhan – „aldeia global‟ cada vez mais tecnológica e uma sociedade cada vez mais de risco, caracterizada por ações cada vez mais impessoais, anônimas, produzidas em tempo e lugar distantes do resultado”, elabore um comentário com suas palavras, relacionando o trecho à criminalidade organizada.

Nessa atividade, o aluno deveria perceber que a nova ordem mundial

proporciona também uma nova ordem às organizações criminosas, ou seja,

elas assumem características que só são possíveis nesse contexto. A seguir,

apresentamos um exemplo de reflexão realizada por um estudante para esse

exercício:

A globalização diminui a força dos Estados e das Nações, eliminando barreiras à circulação de ideias e capitais, bem como aumentando a circulação de pessoas. Com isso o mundo se afasta cada vez mais da diversidade cultural e tecnológica, pois as diferenças entre os povos vão se tornando mais sutis, em comparação com os séculos passados. Tal situação, por um lado, é muito proveitosa para a humanidade, pela difusão de culturas e valores. Por outro, facilita as atividades ilícitas, pois os controles nacionais ficaram com reduzida efetividade, pela falta de efetivos mecanismos globais de controle da criminalidade transnacional.

Outro tipo de atividade proposta pelo professor no curso é a pesquisa na

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jurisprudência. Trata-se de uma atividade de sistematização dos textos

teóricos, ilustrada no exemplo a seguir:

Pesquisar na jurisprudência casos envolvendo a atuação de organizações criminosas e relacionar os elementos que foram considerados para caracterizar a organização como criminosa.

Na atividade, o aprendiz deveria identificar a conduta da organização para

considerá-la criminosa. No exemplo que segue, um aluno apresenta a seguinte

sistematização:

Selecionei para comentário um acórdão do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 89090/GO, relator Min. Gilmar Mendes. De início se observa que tal acórdão é de 21 de novembro de 2006, bem antes das discussões sobre „espetacularização das prisões‟. Naquele julgamento foi deliberado que a existência de indícios fundados em participação em organização criminosa configura „complexidade da causa‟, que justifica „excepcional prorrogação para o término da instrução‟, além de 81 dias, atendendo-se ao „princípio da razoabilidade‟. O Tribunal, no caso concreto, considerou como indícios de organização criminosa: a função de „direção‟ ocupada pelo paciente na organização; a ramificação das atividades criminosas em diversas unidades da Federação; a alta probabilidade de reiteração em vista de meio sistematicamente empregado pela „quadrilha‟.

Em cada semana, o professor propõe uma questão para ser debatida no

fórum, a qual se caracteriza por gerar vários posicionamentos sobre o

assunto tratado. Transcrevemos abaixo um texto produzido pelo professor,

cujo discurso abre um tópico de discussão:

Fórum – Professor -

Dentro do conceito e características expostos, pode-se afirmar que existem máfias no Brasil? A facção criminosa que se autodenomina PCC pode ser considerada como uma organização mafiosa ou terrorista (vide Lei n° 7.170/83)?

Para essa questão, existem, como dissemos, diferentes posicionamentos

entre os estudiosos do assunto e, no fórum, os alunos expõem, depois de

ler os textos de apoio e de pesquisar, seus próprios posicionamentos:

por Aluno- terça, 16 setembro 2008, 00:29

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Com base nos conceitos do texto da aula 2, entendo que não há Máfias em nosso país, notadamente se considerarmos as raízes históricas do termo e os propósitos iniciais dessas estruturas, voltadas para finalidades que transcendiam à mera obtenção de lucro. Generalizando o conceito - apenas para adequá-lo à nossa realidade - e tomando por base as características da organização rígida e vertical, com ampla divisão de tarefas e comando centralizado, podemos falar em Máfia no Brasil. Nessa linha, o PCC me parece uma OC semelhante às Máfias; entretanto, é inegável que já praticou atos que descambam para o terrorismo, como vimos na rebelião coletiva que extrapolou os limites das penitenciárias para paralisar a cidade de SP, na qual foram atacadas bases da Polícia Militar, a sede do MP, etc., num claro atentado ao Estado de Direito. Contudo, e reportando-me ao texto da 1ª aula, penso que não há em suas ações um móvel ideológico, e sim a busca do lucro econômico.

O professor acompanha a discussão e tece comentários para ajudar os

alunos a preencher possíveis lacunas, como podemos observar no exemplo

que segue:

por Professor - quarta, 17 setembro 2008, 22:44

CF,

A discussão que estamos travando é ótima. Leia a Lei de Segurança Nacional e opine: as atuações pretéritas do PCC caracterizam atos de terrorismo, à luz da Lei?

A.

Por fim, o professor apresenta uma síntese das ideias discutidas, conforme

apresentado a seguir:

por Professor - quarta, 24 setembro 2008, 12:02

Olá, Pessoal! De acordo com as mensagens de vocês no Fórum de Discussão podemos concluir:

muitos defendem que no Brasil existem máfias;

outros que não existem máfias pela ausência do requisito ideológico, que as caracterizam;

outros acreditam que não há máfias propriamente brasileiras, mas sim máfias estrangeiras que atuam no Brasil como a máfia dos chineses, dos nigerianos e outras.

Não existem máfias brasileiras. As características dessas não coincidem com a constituição, com o perfil de atuação, com o objetivo e, tampouco, com a organização muito mais empresarial do que mafiosa.

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Contudo, de fato, algumas máfias existentes no exterior manifestam-se no Brasil. Como alguns observaram, entre nós encontramos as máfias chinesas e nigerianas. A primeira atua por meio de chantagens e extorsões a chineses e comerciantes ligados aos seus interesses; enquanto que os nigerianos atuam no tráfico de drogas, com características próprias e dentro de uma teia tecida por eles mesmos. Porém, tais máfias não guardam relação de proporção com o rigor das máfias existentes no exterior, porquanto não são dotadas dos mesmos rituais de criação, constituição, ambição etc. No entanto, muitos caracterizaram o PCC como máfia, com os seguintes fundamentos:

A atividade ilícita é desempenhada com profissionalismo, com os fins próprios da societas delinquentium;

Age no silêncio, aproveitando-se das tradicionais dificuldades de apuração dos fatos;

Infiltra-se nos meios econômicos e político do país;

O ritual de aceitação dos novos membros é feito através de batizados (processo de “iniciação”) e necessariamente ocorre por meio de apresentação por outro membro do grupo;

Existência de um sistema de sanções internas, inclusive com “tribunais” para julgar os casos internos e externos;

Os crimes são praticados com autorização da facção;

Busca-se apoio social. A facção tenta agradar a população fornecendo cestas básicas, festas, resolvendo problemas nas comunidades locais, exercendo poder nos locais em que o Estado é ausente;

Buscar dinheiro, domínio e poder;

Sua estrutura caracteriza-se pela organização piramidal e vertical com regras claras;

Ouso discordar. As máfias não podem ser caracterizadas por meio de um conceito aberto. Assim, não concordo com os excelentes colegas JC e EA. Os objetivos do PCC não se assemelham aos propósitos típicos das máfias, como vimos no texto.

É claro que existem traços comuns, mas semelhanças pequenas e insuficientes para a perfeita coincidência. Também, não se trata de uma organização terrorista pela prática de violência no intuito de aumentar sua influência sobre a criminalidade, ou pelo desejo de eliminar facções rivais, ou ainda por demonstrar a insatisfação com as medidas políticas instauradas pelo governo. No entanto, o PCC, sem dúvida, em maio de 2006 praticou atos terroristas e que poderiam ser definidos na Lei de Segurança Nacional. Muitos não concordam nem mesmo com isso, principalmente por não aceitarem a aplicação de uma Lei – queiram ou não, ainda vigente – nascida na época da ditadura.

A aluna GC justifica muito bem a razão pela qual o Primeiro Comando da Capital – PCC não pode se caracterizar como uma facção mafiosa: “...acredito que preenche todos os requisitos para ser conceituada apenas como uma organização criminosa comum. Pois apesar de colocar em prática técnicas e métodos usados por mafiosos e terroristas, é, a meu ver e infelizmente, uma organização criminosa made in Brasil, produzida nacionalmente por nosso sistema carcerário e desenvolvida pela inércia do Estado. Em conseqüência única, original, com características próprias, já que construiu e fortaleceu a sua estrutura ao longo dos anos, sempre

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através da prática de crimes e ajudada pela morosidade da nossa Justiça”. O que também podemos ler nas palavras da aluna LB: “A meu ver, não é possível considerar o PCC como uma organização mafiosa ou terrorista. Não resta dúvida de que se trata de uma organização criminosa, mas seus objetivos não se assemelham aos da máfia ou de grupos terroristas. O PCC tem por finalidade primordial o lucro. Suas atuações se resumem basicamente a crimes que lhes possam gerar algum proveito econômico. Algumas vezes, até se utilizam de atos de terror, como ataques a delegacias e postos policiais e atentados a bomba. Mas estes são episódios pontuais que serviram mais como retaliação à atuação estatal contrária aos seus interesses do que, propriamente, um ato que tivesse o único fim de incutir o medo na população e nas autoridades”. E ainda CI: “...analisando as condutas criminosas praticadas pela facção criminosa - Primeiro Comando da Capital – verifica-se que sua estrutura contém elementos ligados a uma organização criminosa e não a uma organização terrorista. Isto porque, seu objetivo é a obtenção de lucros fáceis e ilícitos, não possuindo qualquer ideologia política ou social coerente a uma organização terrorista. De fato, seus membros têm por finalidade a “profissionalização” da prática de delitos , visando à manutenção econômica de seus integrantes, presos ou não, e de suas famílias. Para tanto, seus agentes cometem uma série de delitos, sendo que em alguns lugares, a organização estabeleceu uma espécie de “poder paralelo”, pela utilização de violência física ou psicológica. Entretanto, tais características, ao reverso das organizações terroristas, não visam atentar contra a ordem política do Estado, com ataques a um governo ou à população que o legitimou, e nem visam à mudança do poder político do País. Assim, o PCC pode ser considerado como uma organização criminosa, mas não terrorista”. Contudo, necessário registrar que muitos Promotores de Justiça sustentam a caracterização do PCC como uma organização mafiosa, sendo, daí, respeitável esse entendimento. Abraços! A.

O material didático ainda é composto por textos para leitura complementar e

vídeos que ilustram o assunto em cada tópico. Os vídeos são reportagens,

entrevistas, documentários veiculados pela imprensa, disponíveis na Internet,

sobre a atuação de organizações criminosas no país e no exterior.

O curso Criminalidade Organizada foi organizado em três colunas na

Plataforma Moodle5. Esse software é modular, ou seja, composto por blocos

que podem ser dispostos de diferentes maneiras para formar a página inicial,

que é o ambiente principal do curso.

5 Constam dos Anexos deste trabalho a página inicial da Plataforma Moodle da Escola Superior do Ministério Público e a página

inicial do curso Criminalidade Organizada.

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Na coluna da esquerda, temos os seguintes blocos:

Participantes: bloco em que há um link para a lista de participantes do

curso. Clicando nesse link, é possível visualizar o nome de todas as

pessoas que estão no ambiente e, se clicarmos no nome de cada uma

delas, temos acesso à página em que fica o seu perfil.

Usuários online: bloco em que aparece o nome dos participantes

conectados no ambiente;

Mensagens: bloco que permite a um participante visualizar o nome de

um outro que lhe tenha enviado uma mensagem;

Administração: bloco em que estão dispostos os seguintes links: ativar

edição, configurações, notas, grupos, backup, restaurar, importar,

reconfigurar, relatórios, perguntas, arquivos, cancelar a inscrição no

curso, perfil. Esses links são utilizados pelo professor para administrar o

ambiente. O aluno só visualiza os links notas, cancelar a inscrição no

curso e perfil.

Na coluna da direita, estão os blocos:

Últimas notícias: bloco em que aparece uma indicação das últimas

mensagens postadas pelo professor no fórum de notícias;

Calendário: bloco que apresenta um calendário do mês em andamento.

Na coluna central, temos:

Fórum de notícias: espaço utilizado pelo professor para enviar

mensagens de orientação aos alunos, de liberação das atividades, de

correção das atividades, de fechamento dos fóruns de discussão;

Fórum de dúvidas: espaço em que os alunos apresentam as dúvidas

referentes às atividades semanais ou a qualquer questão relacionada ao

crime organizado;

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Fórum jogando conversa fora: espaço em que os alunos podem interagir

informalmente uns com outros e com o professor;

links para os seguintes textos de orientação aos alunos: Funcionamento

do curso, Preenchimento do perfil, Como organizar uma pesquisa, Como

participar do fórum;

link para o texto em que consta a bibliografia utilizada no curso;

links para os textos de fechamento das atividades e dos fóruns.

O material didático também é organizado em blocos, que ficam na coluna

central. Constam desses blocos:

agenda: descrição dos objetivos da semana, indicação bibliográfica,

indicação das atividades a serem realizadas na semana, tema do fórum

de discussão;

links:

a) textos teóricos sobre o tema, produzidos pelo professor ou indicados com

base na bibliografia;

b) links para textos das leis ou para outros sites;

c) recurso Responda aqui à questão proposta: nesse recurso – que pode ser

um diário, uma tarefa ou um questionário – o aluno deve postar suas respostas

para as atividades propostas. Ele não consegue visualizar a atividade de outro

participante assim como no fórum; somente o professor pode visualizar as

respostas dadas pelos estudantes e comentá-las individualmente;

d) Fórum de discussão: recurso utilizado para upload de textos dos

participantes, que debatem nesse espaço uma questão polêmica. O fórum de

discussão, além de ser o nome do recurso da plataforma Moodle, é também

considerado por estudiosos como Paiva & Rodrigues Jr., (2004), Barros &

Crescitelli (s/d) e Marcuschi (2005) como um gênero, já que traz em si

regularidades, propriedades como a sequencialidade, a interação, o conteúdo

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comum, que o transformam em um evento participativo. Em outras palavras, o

fórum obedece a um contrato genérico, regido por determinadas normas

conhecidas pela comunidade que o utiliza (MAINGUENEAU, 2005). Como

exemplo, destacamos que os textos produzidos no recurso trazem como

conteúdo temático uma questão polêmica sobre o tema a ser discutido. Em sua

estrutura, notamos que é constituído, de modo geral, por uma saudação inicial,

seguida pelo texto de discussão e finalizado por uma saudação final.

e) link para o site www.yotube.com.br para que o aluno tenha acesso a uma

reportagem ou documentário produzidos pela imprensa sobre o tema da

semana.

A dinâmica da primeira edição do curso Criminalidade Organizada foi a

seguinte: abertura do tópico da semana todas as segundas-feiras. O aluno

poderia realizar as atividades até a segunda-feira subsequente. Encerrado o

prazo dado ao aluno, o professor dava início à elaboração dos comentários e

ao fechamento do fórum de discussão com o prazo também de uma semana.

A avaliação foi realizada de modo contínuo, por meio de comentários sobre as

atividades dos alunos sem se basear em nota. Receberam os certificados os

alunos que realizaram, no mínimo, 75% das atividades de modo satisfatório.

Perfil dos participantes

O professor do curso é promotor de justiça do Ministério Público do Estado de

São Paulo. Ocupa o cargo de Promotor de Justiça Criminal da Capital e no

momento do curso estava designado para oficiar no GEDEC – Grupo de

Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos. É bacharel em Direito

pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, mestre em Ciências

Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,

Especialista em Direito Penal Econômico e Professor do Programa Nacional de

Capacitação e Treinamento para o Combate à Lavagem de Dinheiro do

Ministério da Justiça.

Os alunos são bacharéis em Direito, membros e servidores do Ministério

Público do Estado de São Paulo, que atuam nas promotorias da Capital e do

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interior do Estado, interessados em aprimorar conhecimentos sobre a questão

da criminalidade organizada.

Para utilizarmos, nesta pesquisa, os textos produzidos nos fóruns do curso

Criminalidade Organizada, pedimos autorização aos alunos e ao professor por

escrito, mas seus nomes não são publicados. Também pedimos autorização

por escrito ao diretor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.

Tal procedimento se faz necessário para que sejam mantidas as exigências

legais no que se refere à ética em pesquisa.

1.2. Contexto da pesquisa e motivações da escolha do tema

No século XXI, as novas tecnologias de comunicação e informação surgem,

principalmente, no ambiente das redes digitais, ou seja, no ciberespaço. De

acordo com Lévy (2000), o ciberespaço consiste no universo virtual gerado

pela interconexão mundial dos computadores e tem como uma das principais

funções o acesso a distância aos variados recursos de um computador. Desse

modo, no ciberespaço podemos acessar, por exemplo, o conteúdo de bancos

de dados ou a memória de um computador distante, bem como transferir

dados. Também é possível realizar conferências eletrônicas, que proporcionam

a discussão de temas específicos por um grupo de pessoas com interesses

comuns.

É nesse contexto que se insere este trabalho. Considerando os desafios que a

revolução tecnológica impõe ao campo educacional, os educadores da Era da

Informação precisam estar aptos a utilizar novas tecnologias da informação e

comunicação em sua metodologia de ensino, a fim de contribuir para uma

eficiente produção de conhecimento, no ritmo acelerado imposto pela

sociedade tecnológica.

1.3. Procedimentos metodológicos da pesquisa

Esta pesquisa é qualitativa e visa a compreender como os sujeitos sociais se

projetam nos discursos produzidos nos fóruns educacionais digitais por meio

da interpretação de marcas linguísticas presentes nos textos.

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De acordo com Chizzotti (1998), a pesquisa qualitativa é uma forma de

investigação empregada inicialmente pela Antropologia e Sociologia, que

ganhou espaço em outras áreas, como a Psicologia, a Educação, a Linguística,

a Análise de Discurso. Tal pesquisa caracteriza-se pela obtenção de dados

descritivos no contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de

estudo: o pesquisador procura entender os fenômenos e com base neles situa

sua interpretação.

Chizzotti (1998, p. 79) observa que, na pesquisa qualitativa, a apreensão do

conhecimento ocorre por uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito.

Para ele,

o conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações.

Dessa forma, para o estudo dos fenômenos, o sujeito deve ir além das

manifestações imediatas, ou seja, ultrapassar as aparências, uma vez que

cabe a ele a descoberta dos significados das ações e das relações presentes

nas estruturas sociais.

A técnica que utilizamos no presente trabalho é a análise de conteúdo,

baseada na teoria da Análise de Discurso, cujos “procedimentos têm a noção

central de funcionamento, levando o analista a compreender pela observação

dos processos e mecanismos de constituição de sentidos e de sujeitos”

(ORLANDI, 2000, p. 77). Segundo Orlandi (2000), para se compreender um

discurso, a análise de um texto consiste na passagem da superfície linguística

para o objeto discursivo e na passagem do objeto discursivo para o processo

discursivo.

Assim, o analista deve, em primeiro lugar, passar da materialidade linguística

para o objeto discursivo. Recebido esse primeiro tratamento, o texto está de-

superficializado, processo em que se verifica: o como se diz, o que diz, em que

circunstâncias, ou seja, o que está na sintaxe e em que o sujeito se marca no

que diz. A observação de como o discurso se materializa tem relação com as

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formações imaginárias, com a imagem que se tem, por exemplo, de um

professor, de um aluno etc.

Nessa etapa, a análise ajuda a desfazer a impressão de que algo só poderia

ser dito de uma determinada maneira: o analista constrói do texto um objeto

discursivo, no qual investiga o que é dito em um determinado discurso e o que

é dito em outros, de acordo com outras condições. Com o objeto discursivo, ele

observa o funcionamento do discurso, isto é, a relação existente entre as

diferentes superfícies linguísticas diante do processo discursivo que é a relação

do discurso com as formações discursivas.

Em seguida, o analista insere-se no processo discursivo, desconsiderando a

materialidade do texto, na qual se ateve a fim de verificar efeitos linguísticos e

ideológicos. Nesse momento, a análise visa a afastar o sujeito desses efeitos e

torna-se um movimento de compreensão que se sustenta na análise praticada

na fase anterior. A análise de discurso tem o objetivo de compreender como

um objeto simbólico produz sentidos. A transformação da materialidade

linguística em discurso é o primeiro passo de um analista. Seu trabalho começa

pela delimitação de um corpus e, à medida que o analisa, retoma conceitos e

noções, observa o modo de construção, a estruturação, o modo de circulação

que constituem os sentidos do texto submetido à análise.

Além da importância do método na análise de um discurso, Orlandi (2000)

alerta para a importância da interpretação, que é o dispositivo de análise nessa

teoria. Para a construção do dispositivo, deve se observar:

O dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz, mas que constitui igualmente o sentido de suas palavras

(ORLANDI, 2000, p. 59).

A autora explica que o sentido “verdadeiro” para a Análise do Discurso é o que

está na materialidade linguística e histórica e é encontrado por meio da

descrição e da interpretação que se interrelacionam. Na interpretação,

aparecem as manifestações ideológicas que atuam na produção de sentidos e

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na constituição de sujeitos, e cabe ao analista identificá-las de acordo com o

seu propósito de compreensão.

O que se espera do dispositivo do analista é que ele lhe permita trabalhar não

em uma posição neutra, mas relativizada diante da interpretação, investindo

assim “na opacidade da linguagem, no descentramento do sujeito e no efeito

metafórico” (ORLANDI, 2000, p. 61). O analista deve-se colocar em uma

posição deslocada, que lhe permita observar o processo de produção de

sentidos em suas condições.

Na análise dos textos que constituem o corpus desta pesquisa, seguimos

rigorosamente tais passos metodológicos: levantamos as marcas linguísticas

que se relacionam com a constituição do ethos discursivo, que são as marcas

de pessoa e não-pessoa e seu apagamento, as marcas de modalização, a

heterogeneidade marcada por aspas e as marcas de polidez; verificamos os

efeitos de sentido que essas marcas produzem e com base nelas que ethos se

projeta nos discursos analisados.

Para alcançarmos os objetivos estabelecidos neste trabalho, partimos do

seguinte questionamento: como os discursos elaborados em ambiente digital

se constituem, no que se refere às estratégias interacionais empregadas pelos

participantes no contexto comunicacional; como essas estratégias

desencadeiam o entrelaçamento de sujeitos como construtores de

conhecimento e de que forma, nesse cenografia, o ethos se constrói. Com

vistas a alcançar esses objetivos, adotamos os seguintes procedimentos

metodológicos:

- levantamento de uma bibliografia que pudesse contribuir para o delineamento

de um panorama da sociedade do conhecimento e do advento das TICs que

impulsionaram novas demandas educacionais, como os cursos jurídicos de

aperfeiçoamento em ambientes virtuais. Com esse procedimento, pudemos

compreender as especificidades da educação a distância nesses ambientes, as

especificidades dos fóruns digitais como prática pedagógica que proporciona

uma interação colaborativa;

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- levantamento de uma bibliografia que explicitasse o percurso das tendências

em Análise do Discurso de linha francesa, enfocando a noção de discurso e

interdiscurso, cena de enunciação e gêneros do discurso. Com esse

procedimento, pudemos definir os pressupostos teóricos que sustentam a

análise do ethos discursivo nos fóruns educacionais digitais;

- levantamento de uma bibliografia sobre ethos discursivo, bem como a sua

representação em situações interacionais e as estratégias utilizadas com vistas

a uma interação colaborativa;

- delimitação do corpus de pesquisa, que consiste em 254 textos produzidos

pelos alunos e 39 produzidos pelo professor;

- seleção das marcas linguísticas para a investigação da categoria de pesquisa:

ethos discursivo;

- análise e interpretação dos dados. Verificamos e interpretamos nos fóruns

selecionados as marcas linguísticas presentes e seus efeitos na construção do

ethos discursivo.

Para análise do ethos discursivo nos textos produzidos pelo professor e pelos

alunos, selecionamos as seguintes marcas linguísticas:

- marcas de pessoa e não-pessoa, que definem um discurso centrado no eu ou

no seu apagamento e, ainda, um discurso centrado no co-enunciador que

nomeia o tu;

- marcas de modalidade, que apontam para a posição do sujeito sobre o que

enuncia;

- heterogeneidade marcada pelo emprego de aspas: a citação, que é um

discurso atribuído a outra fonte enunciativa, e a modalização autonímica, que

indica que o discurso não coincide com ele mesmo;

- marcas linguísticas de polidez, que são estratégias utilizadas pelos

enunciadores para tornar a interação mais colaborativa.

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Os efeitos de sentido provocados por essas marcas permitem-nos construir o

ethos presente no discurso analisado.

1.4. Justificativa da opção teórica

Esta pesquisa insere-se nos postulados da Análise do Discurso, embasando-

se, principalmente, nos trabalhos de Maingueneau (1995, 1996, 1997, 2005a,

2005b, 2008a, 2008b) e consiste no estudo do discurso presente nos textos do

professor e do aluno, produzidos em fórum de discussão de um curso de

aperfeiçoamento na área jurídica, via Internet.

Uma vez que nossos objetivos consistem em verificar como se constituem os

discursos desses sujeitos; observar que estratégias interacionais são utilizadas

por eles e como tais estratégias configuram a projeção do ethos discursivo,

embasamo-nos em uma teoria que concebe a linguagem como uma atividade

social. Nesse prisma, percebemos o discurso como uma prática intersubjetiva,

em que os sujeitos interagem em um contexto de comunicação, destacando-se,

desse modo, os papéis que desempenham, os lugares de onde falam e o modo

de circulação de um enunciado, entre outros fatores.

As noções explicitadas são essenciais para compreendermos como a

cenografia é criada e como o ethos discursivo é nela constituído, já que não há

como separar tais categorias do modo de enunciação. Conforme explica

Maingueneau (2005a, p. 23), o discurso não deve ser concebido de forma

abstrata, como um conjunto de enunciados descontextualizados, e sim como

uma prática sócio-histórica e cultural. Ele assinala que o discurso se concretiza

em meio à cena enunciativa, como parte decorrente dela:

O discurso não deve ser pensado somente como um conjunto de textos, mas como uma prática discursiva. O sistema de restrições semânticas, para além do enunciado e da enunciação, permite tornar esses textos comensuráveis com a „rede institucional‟ de um „grupo‟, aquele que a enunciação discursiva ao mesmo tempo supõe e torna possível.

Além dos estudos de Maingueneau, valemo-nos também do trabalho

funcionalista de Neves (2002), que apresenta uma descrição das modalidades

epistêmica e deôntica na língua portuguesa, bem como os efeitos de sentido

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gerados por essas formas de expressão. A teoria da polidez de Brown &

Levinson (1987) e a teoria da representação do eu de Goffman (2008) também

nos auxiliam na investigação a que nos propomos.

CAPÍTULO II

A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA SOCIEDADE DO

CONHECIMENTO E NO CONTEXTO JURÍDICO

Neste capítulo, traçamos um panorama da sociedade do conhecimento, que se

instaura com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação,

visando a compreender as novas demandas educacionais que surgem nesse

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universo. Abordamos especificidades da educação a distância em ambientes

virtuais de ensino e de aprendizagem, enfocando, principalmente, os fóruns

digitais, que surgem como prática pedagógica que pode propiciar uma

interação colaborativa em comunicações mediadas por computador.

Dissertamos sobre questões de ensino no Direito, tendo em vista compreender

a contribuição da educação a distância nessa área de conhecimento.

2.1. Sociedade do conhecimento e comunicação mediada em contexto

digital

O final do século XX marca-se pela aceleração do processo de globalização e

pela introdução da inteligência artificial e das novas tecnologias da informação

e da comunicação na sociedade. Aldeia global, sociedade pós-industrial,

sociedade da informação, sociedade do conhecimento são alguns nomes

usados para designar esse período. Entre eles, os termos sociedade da

informação e sociedade do conhecimento parecem ser os mais utilizados,

embora, por si sós, não definam as mudanças às quais se remetem.

Conforme afirma Burch (2005), a noção de sociedade da informação já havia

sido acenada em 1973, pelo sociólogo americano Daniel Bell, em seu livro O

advento da sociedade pós-industrial. Nele, o autor expõe que o eixo principal

da sociedade pós-industrial é o conhecimento teórico e alerta para o fato de

que os serviços pautados no conhecimento terão de se converter na estrutura

central de uma nova economia e de uma sociedade apoiada na informação.

Em 1975, essa expressão surge na agenda das reuniões do G7 e G86, em

fóruns da Comunidade Européia e da Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) e é adotada pelo governo dos Estados

Unidos, por agências das Nações Unidas e pelo Banco Mundial, com grande

repercussão na mídia de modo geral.

O termo sociedade da informação, entretanto, consolida-se apenas na década

de 1990, no contexto do desenvolvimento das tecnologias da informação e

comunicação e da Internet. Em 1998, essa expressão é escolhida pela União

6 Reunião dos chefes de Estado dos países mais desenvolvidos.

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Internacional de Telecomunicações e pela Organização das Nações Unidas

(ONU) para nomear a Cúpula Mundial, programada para 2003 e 2005.

O conceito de sociedade da informação como construção política e ideológica

surge da globalização neoliberal, que tem como meta acelerar a

implementação de um mercado mundial aberto e autorregulado. Essa política

conta com a colaboração da Organização Mundial do Comércio (OMC), do

Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, a fim de forçar os

países menos desenvolvidos a aceitar investimentos.

No final do século XX, depois de a maioria dos países desenvolvidos terem

adotado políticas de desenvolvimento da infraestrutura das tecnologias da

comunicação e informação, ocorre a alta das ações da indústria das

comunicações no mercado. Dessa forma, forçam-se os países em

desenvolvimento a permitir o investimento das empresas de telecomunicações

e informática, dada a necessidade de novos mercados para absorver os

excedentes de lucros. É o que acontece, por exemplo, no Brasil, que privatiza

seu sistema de telecomunicações, passando a concessão a uma multinacional,

além de conceder a empresas internacionais a exploração da telefonia móvel.

A noção de sociedade do conhecimento, por sua vez, é empregada nos meios

acadêmicos como uma opção para aqueles que não querem usar a expressão

sociedade da informação, por entenderem que seu sentido está ligado apenas

às mudanças ocorridas na economia. O termo sociedade do conhecimento

passa a ser empregado pela Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em suas políticas institucionais, e

proporciona uma reflexão sobre as mudanças de modo geral não apenas as

econômicas.

Nesse sentido, o coordenador do Relatório para a UNESCO da Comissão

Internacional Sobre Educação para o Século XXI (RELATÓRIO, 1996),

Jacques Delors, aponta para uma aprendizagem ao longo da vida sustentada

em quatro pilares. O primeiro é aprender a conhecer, que significa descobrir,

construir e reconstruir o conhecimento, o que supõe uma cultura geral sem

prejudicar o domínio de certos assuntos especializados. O segundo é aprender

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a fazer, que é indissociável de aprender a conhecer. Nesse caso, a formação

do trabalhador em geral e também do trabalhador em educação deve

privilegiar, sobretudo, saber trabalhar coletivamente, ter iniciativa, ter intuição,

saber se comunicar, saber resolver conflitos, ser flexível. Já o terceiro é

aprender a viver juntos, compreender o outro, desenvolver a percepção da

interdependência, participar de projetos de colaboração, tendo-se em vista os

temas transversais como ética, ecologia, cidadania, saúde, diversidade cultural.

O quarto é aprender a ser, que significa o desenvolvimento integral da pessoa:

inteligência, sensibilidade, sentido ético e estético, responsabilidade pessoal.

Desde então, considera-se que sociedade da informação está mais ligada à

inovação tecnológica, enquanto sociedade do conhecimento inclui uma

dimensão de transformação social, econômica, política, refletindo o

desenvolvimento de todos os setores da sociedade.

Em síntese, a expressão sociedade da informação enfatiza o conteúdo do

trabalho que move a economia, ou seja, o processo de captar, processar e

comunicar as informações necessárias para a geração de recursos. A

expressão sociedade do conhecimento, por sua vez, privilegia os sujeitos

sociais, que devem possuir excelentes qualificações para o exercício do

trabalho. No que se refere a essa última, ressalta-se que a sociedade

contemporânea requer um sujeito com múltiplas competências, capaz de

aprender e de adaptar-se a novas situações, de organizar o seu próprio

trabalho, de aprender por si próprio, de trabalhar em grupo em um ambiente de

cooperação e com pouca ou nenhuma hierarquia (BELLONI, 2001).

No âmbito educacional, tais mudanças geram desafios significativos, visto que

as informações são veiculadas em grande quantidade e de forma acelerada

pelas novas tecnologias da informação e comunicação. Assim, parte do

conhecimento construído com essas informações fica rapidamente

desatualizado e precisa de reposições com muita frequência. O efeito desse

processo é que a aprendizagem precisa ser contínua.

Nesse universo, os educadores devem levar em consideração a comunicação

mediada: em modalidades de cursos a distância, a interação apresenta

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algumas peculiaridades que a diferenciam da interação estabelecida em

ambientes presenciais de aprendizagem. Em cursos mediados por computador,

por exemplo, é preciso levar em conta que os participantes nem sempre podem

se valer de estratégias da modalidade oral, mas, paradoxalmente, convém que

se comuniquem por meio de uma escrita oralizada. Os professores que atuam

nesse contexto, então, devem ser capacitados para estabelecer a interação e o

envolvimento do aluno com o curso que ministra, por meio de estratégias

interacionais adequadas, que permitam a construção de um ambiente mais

“humanizado”. Moore & Kearsley (2007) observam a importância da criação de

um ambiente que proporcione aos envolvidos a sensação de relacionamento

contínuo com o grupo, empregando-se, entre outras estratégias para diminuir

distâncias, o nome dos alunos, a apresentação de fotografias, a utilização de

uma linguagem pessoal, a aplicação de atividades em equipes, o

estabelecimento de constantes diálogos entre os participantes.

O fato é que vivemos em um tempo de mudanças, marcado por uma revolução

tecnológica com base na informação que transformou o modo de pensar, de

administrar, de negociar, de comunicar, de aprender, de ensinar. Castells

(2003) destaca a constituição de uma sociedade global, ligando pessoas

inseridas em tempos e espaços diferentes, relacionando atividades em todo o

mundo; criando uma cultura construída em torno de um universo audiovisual

cada vez mais interativo; integrando a diversidade cultural em um hipertexto

eletrônico. E os processos de ensino e aprendizagem precisam adequar-se a

essa nova realidade.

2.2. Educação a distância

Segundo Moore & Kearsley (2007), a teoria da educação a distância começa a

ser desenhada em 1967, quando Peters (2001) publica seu trabalho Ensino a

distância e produção industrial. O autor defende que essa é uma modalidade

de estudo complementar na era da industrialização e, portanto, nela se deve

aplicar as técnicas industriais como a divisão do trabalho, o planejamento

sistemático, a especialização da equipe de trabalho, a produção em massa de

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materiais, a automação, a padronização e o controle de qualidade, além da

utilização de tecnologias da comunicação.

Para Peters, a aplicação de práticas industriais na educação a distância dará a

ela alta qualidade e alto custo, que será amortizado quando os cursos forem

oferecidos para um número grande de alunos, o que é denominado pelos

economistas em geral de economia de grande escala de produção. Essa visão

caracteriza “uma forma industrial de educação” (BELLONI, 2001, p. 10), que

estigmatiza até hoje a modalidade de EAD. Não é raro nos depararmos com o

oferecimento de cursos que visam apenas a fatores financeiros, massificando o

ensino, sem se preocuparem com a qualidade do processo educacional.

Trabalhos na área da Educação e Psicologia também contribuem para os

estudos teóricos sobre educação a distância. Entre eles, destacam-se as ideias

de Wedemeyer, que apresenta uma definição para aluno independente,

considerando-o como aquele que tem o controle do aprendizado e é capaz de

direcioná-lo (WEDEMEYER, apud MOORE & KEARSLEY, 2007). Em outras

palavras, em ambientes virtuais, professores e alunos dividem tarefas e

responsabilidades nos processos de ensino e aprendizagem.

Com base nos estudos de Wedemeyer, Moore (apud MOORE & KEARSLEY,

2007) observa uma possibilidade real de ajuda a alunos adultos que precisam

estudar, uma vez que, individualmente ou em grupos, podem fazer isso sem

serem totalmente dependentes das instituições educacionais. Assim, em 1972,

faz uma apresentação na Conferência Mundial do Conselho Internacional de

Educação por Correspondência, realizada em Warrenton, Virgínia, sobre o

tema Autonomia do aluno: a segunda dimensão do aprendizado independente.

Nessa conferência, o pesquisador enfoca o ensino a distância, observando

que, nessa modalidade, uma vez que professor e alunos não dividem o mesmo

espaço e o mesmo tempo, a comunicação entre eles deve valer-se de

estratégias interacionais. Ele ainda explica:

À medida que continuamos a desenvolver vários métodos não tradicionais para alcançar um número cada vez maior de pessoas que não podem frequentar ou não frequentarão instituições convencionais[...], devemos direcionar alguns de nossos recursos

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aos macro-fatores: descrever e definir a área, identificar os elementos críticos das várias formas de ensino e aprendizado, elaborar uma estrutura teórica que englobará toda a área de

educação (MOORE, apud MOORE & KEARSLEY, 2007, p. 238).

Após considerar diversas formas de educação, Moore (1993) procura criar um

sistema para classificar um tipo especial de programa educacional,

combinando a perspectiva de educação a distância adotada por Peters – um

sistema industrial bem estruturado – e a perspectiva de Wedemeyer – uma

educação mais centrada no aprendiz e com mais interação entre professor e

aluno. Nessa ótica, Moore concebe a Teoria da distância transacional, que

assinala que a separação passa a exigir padrões especiais de comportamento

dos envolvidos no processo, diferentes dos padrões existentes no ensino

presencial, pois surge um novo espaço pedagógico e psicológico, uma vez

ocorre uma forma diferente de comunicação, ou seja, uma nova forma de

interação. Para o autor, o conceito de Distância Transacional vai além da

distância geográfica ou temporal, uma vez que tem sentido pedagógico e se

centra na separação entre professores e alunos e no espaço psicológico e

comunicacional que disso decorre.

O conceito de interação adotado por Moore é o de John Dewey, desenvolvido

por Boyd e Apps, em 1980. Para eles, “a interação implica a inter-relação do

ambiente e das pessoas com os padrões de comportamento em uma situação”

(MOORE & KEARSLEY, 2007, p. 240). Em outros termos, a interação na

educação a distância é a inter-relação entre professores e alunos que se

encontram separados entre si. O espaço físico produz uma separação que

deve ser superada por técnicas especiais de ensino, como, por exemplo, a

utilização de estratégias de interação pelos participantes de cursos dessa

modalidade.

Em sua teoria, Moore reforça que, embora os alunos estejam inseridos em uma

modalidade de educação a distância e não dividam com seus professores o

mesmo tempo e o mesmo espaço, a distância geográfica entre eles exerce um

efeito significativo no processo de ensino e na aprendizagem, na elaboração do

currículo e do curso e na organização e no gerenciamento do programa

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educacional.

Para Moore, em todo evento educacional pode haver distanciamento, mesmo

quando professor e aluno estão face a face, em um mesmo espaço. Na

educação a distância, porém, os eventos educacionais em que a separação

entre professor e aluno é significativa podem afetar seus comportamentos. Em

outras palavras, quanto maior a distância transacional, maior a autonomia do

aluno. Por outro lado, quanto menor essa distância, maior o grau de afetividade

que se instaura entre os participantes. Nessa ótica, a separação em EAD

determina que os professores planejem, apresentem o conteúdo, interajam e

desempenhem os outros processos de ensino, diferentes daqueles que

ocorrem no ambiente presencial.

Ainda de acordo com Moore & Kearsley (2007), na interação a distância, em

razão de sua natureza, os comportamentos organizacionais e de ensino são

essenciais e devem recair sobre três conjuntos de variáveis: diálogo, estrutura

e a autonomia do aluno. O diálogo refere-se ao foco da inter-relação entre

professor e aluno; os participantes o constroem e, ao mesmo tempo,

beneficiam-se dele. A extensão do diálogo depende da filosofia educacional do

grupo ou daqueles que elaboram o curso, da personalidade do educador e do

aprendiz, dos fatores ambientais, da linguagem utilizada, e, por conta disso,

poderá ser mais rápido ou mais lento. Nos ambientes virtuais, por exemplo, os

diálogos podem ser bastante rápidos, dadas as facilidades tecnológicas que

norteiam atualmente a comunicação via Internet.

A estrutura refere-se aos elementos considerados na elaboração do curso,

como: objetivos de aprendizagem, temas do conteúdo, apresentação de

informações, estudos de caso, ilustrações gráficas, exercícios. Na visão de

Moore & Kearsley, a qualidade de um curso dependerá de como esses

elementos são compostos e estruturados; por isso, entre outras medidas, é

importante que os gestores educacionais tenham noção de quanto tempo o

aluno levará para fazer uma leitura sugerida ou uma determinada atividade,

monitorar o desempenho do aluno para lhe oferecer atividades de recuperação,

assegurando que todos cumpram completamente as etapas.

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Além do diálogo e da estrutura, assim como na educação presencial, também a

autonomia do aluno deve ser considerada na distância transacional, pois é ela

que determina os objetivos, as experiências de aprendizagem e as decisões de

avaliação de um programa educacional. Um aluno autônomo deve ser capaz

de utilizar os materiais didáticos e os programas de ensino, conforme a sua

própria metodologia, de modo a atingir os seus objetivos. O papel do professor

também deverá ser o de conduzir e auxiliar os aprendizes a adquirirem a sua

própria autonomia, no decorrer da aprendizagem.

A concepção de diálogo exposta na Teoria da Distância Transacional de Moore

& Kearsley (2007) norteia nossa pesquisa. Tal concepção embasa-se,

principalmente, na teoria socioconstrutivista de Vygotsky (2000), que postula

que a língua é o meio pelo qual o aluno constrói seu pensamento; que sua

relação com a aprendizagem é realizada pela troca de significados e,

consequentemente, pela compreensão compartilhada desses significados.

Para Vygotsky (2000, p. 97),

a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes, é chamada de desenvolvimento proximal.

De acordo com a teoria socioconstrutivista, o processo de aprendizagem deve

ser mediado por um professor que não seja apenas aquele que transmite

conhecimento, mas o responsável pela troca de experiências entre os

participantes. Assim, o ato de aprender não está condicionado apenas ao

desenvolvimento intelectual do aluno e sim ao desenvolvimento das interações

entre ele, o contexto em que se insere e os outros alunos. O professor deve

fornecer meios para que os estudantes busquem as respostas apropriadas

para a situação de aprendizagem.

Nessa perspectiva, Moore & Kearsley (2007, p. 242) explicam que os

estudantes

entram em uma comunidade de idéias partilhadas na

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condição de principiantes e apoiados por um professor (ou outra pessoa mais competente), principalmente mediante sua capacitação cada vez maior no uso da ferramenta da linguagem, assumem progressivamente a responsabilidade por seu próprio aprendizado.

Considerando essas observações, podemos inferir que, em um ambiente virtual

de aprendizagem, o participante mais competente (que pode ser o professor ou

outro participante que divide o mesmo espaço) pode compartilhar

conhecimento com os aprendizes, sem ferir a construção de sua autonomia.

2.3. Educação a distância no contexto digital

Atualmente, a educação a distância, em razão do advento das novas

tecnologias da informação e comunicação, tem recebido maior atenção de

gestores de políticas educacionais, pois, entre outras vantagens, permite o

acesso a oportunidades de atualização contínua e a possibilidade de inclusão

de grupos menos favorecidos, já que pode reduzir custos de recursos

educacionais (MOORE & KEARSLEY, 2007).

Segundo Valente (2009, p. 39), as tecnologias digitais propiciam condições de

uma interação muito rápida entre as pessoas, o que tem contribuído para o

desenvolvimento, a reformulação e a disseminação da EAD. Tais tecnologias

apresentam potencial capaz de revolucionar não só a EAD, mas também a

educação presencial, pois “criam condições de aprendizagem que ainda não

foram totalmente compreendidas e exploradas educacionalmente”.

Nas ações em EAD, realizadas em ambientes virtuais, entretanto, já se tem um

bom entendimento de questões importantes de ordem pedagógica, que é a

distinção entre transmitir informação e interagir com o aluno, a fim de ajudá-lo a

construir novos conhecimentos, uma vez que a construção de conhecimento no

processo de ensino e aprendizagem resulta, via de regra, de um trabalho de

interação entre aluno e professor.

Valente (2003) explica que a informação é a organização de dados de acordo

com certos padrões significativos. O conhecimento é o resultado do

processamento, da interpretação, da compreensão da informação. É uma

construção individual que não se pode transpor para outra pessoa, o que se

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transpõe é a informação que decorre do conhecimento.

O autor explica que distinguir informação de conhecimento implica a

diferenciação entre ensinar e aprender: ensinar é transmitir informação e,

nesse caso, aprender é reproduzir a informação recebida. Mas há outra

concepção de aprender que é construir conhecimento. Nesse sentido, aprender

é receber a informação, interpretá-la, processá-la, atribuir-lhe significados e

produzir novos conhecimentos.

Ocorre que, de modo geral, para processar a informação os indivíduos

necessitam de auxílio de especialistas, o que se verifica, por exemplo, no

trabalho pedagógico. Dessa forma, o educador deve saber como e quando

intervir em uma situação educacional para auxiliar seus alunos a construir

conhecimento. Poderá haver momentos em que terá de transmitir informações,

em outros, envolver seus alunos em ações reflexivas para que eles possam

estabelecer relação entre informação obtida, desafios recebidos e resultados

do que estão fazendo.

Para Valente (2003, s/p), levar o aluno a construir conhecimento deve ser a

tônica tanto da modalidade presencial como da modalidade a distância, mas

nesta última a intervenção do educador torna-se ainda mais importante, porque

a interação é mediada por uma tecnologia e não existem os gestos, o contato

face a face, ou seja, os recursos utilizados em situações presenciais que

podem compensar certas deficiências de comunicação. Na EAD, “a qualidade

da interação professor-aluno e entre alunos é fundamental e determina qual

abordagem pedagógica está sendo utilizada”.

O autor define as abordagens de EAD de acordo com o grau de interação entre

os alunos e o professor. Na abordagem broadcast, a informação é transmitida

de modo unilateral, em que o professor envia ao aluno, por meios tecnológicos

tais como rádio, televisão e material impresso, o conteúdo a ser estudado.

Nessa abordagem, não há interação entre docente e aprendiz e, dessa forma,

o professor não tem como avaliar o processamento da informação pelo aluno.

Na abordagem escola virtual, há a tentativa de se implantarem, também por

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meios tecnológicos, as ações educacionais presentes no ensino presencial. O

que difere essa abordagem da abordagem broadcast é o fato de nela haver

alguma interação entre professor e aluno. Assim, existe a possibilidade de o

professor verificar como o aluno processou a informação. No entanto, Valente

explica que essa interação ainda é insuficiente para gerar condições que

permitam ao aluno construir conhecimento, pois em sua mediação o educador,

geralmente, está preocupado apenas em saber se o educando memorizou o

conteúdo.

A abordagem estar junto virtual prevê um alto grau de interação entre os alunos

e o professor, que estão separados fisicamente, mas interagem via Internet,

por meio de software. Nessa abordagem, a construção de conhecimento

envolve o acompanhamento e o assessoramento do aluno, para que o

professor saiba quem é seu aluno e o que ele faz, a fim de propor desafios e

auxiliá-lo a dar significado ao que está realizando. Dessa maneira, ele será

capaz de processar as informações e construir novos significados. As novas

tecnologias propiciam uma interação intensa entre o professor e seus alunos,

pois permitem ao professor estar junto deles, vivenciando as situações e

auxiliando-os a enfrentar os desafios que lhe são impostos, no intuito de levá-

los a construir conhecimento.

Um exemplo de software utilizado para se oferecer cursos a distância são as

plataformas de comunicação. São ambientes virtuais que propiciam a

organização de cursos a distância ou pouca interação. No curso Criminalidade

Organizada, cujos fóruns são objeto desta pesquisa, a abordagem pedagógica

adotada é o estar junto virtual, tendo em vista tanto a organização do curso

quanto o papel do professor.

2.4. Ambientes virtuais de aprendizagem

O uso de plataformas de comunicação, disponíveis na Internet, agregam,

simultaneamente, texto, áudio e vídeo, nas quais o emprego de métodos

colaborativos pode propiciar vantagens significativas em uma comunicação

mediada. Nesses ambientes, as atividades são organizadas previamente em

módulos que podem ser realizados pelo participante no seu próprio ritmo, com

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flexibilidade de tempo e espaço.

Os ambientes virtuais de ensino e aprendizagem dispõem de recursos

comunicacionais como fórum, chat, e-mail, bancos de recursos, que permitem

a gestão da informação de acordo com critérios de organização e

características das plataformas de que fazem parte. O fórum, por exemplo,

contribui para a instauração de um ambiente virtual mais colaborativo, pois

nesse espaço os participantes são convidados a debater sobre um

determinado tema. Como os textos que formam as sequências comunicativas

ficam armazenados, todos podem acompanhar a discussão com facilidade e

participar a qualquer momento, argumentando ou contra-argumentando. Nesse

processo, todos podem participar não apenas trocando informações, mas

pensando juntos, compartilhando projetos, a fim de “produzir um cérebro

cooperativo” (LÉVY, 2000, p. 96).

Nos ambientes virtuais, é possível a inserção de arquivos em forma de textos,

vídeos, imagens, hipertextos, links internos e externos ao sistema. O espaço

pode ser gerenciado de diferentes maneiras: por estratégias de comunicação

com os participantes, por meio do registro das produções e dos links

acessados, pelo apoio e pela orientação dos professores aos alunos e pela

gestão da avaliação.

No que se refere especificamente à comunicação que ocorre por meio dos

recursos mencionados, Almeida (2003, p. 332) esclarece que ela pode ser

síncrona ou assíncrona e pode ocorrer das seguintes maneiras:

comunicação um a um ou, dito de outra forma, comunicação entre uma

e outra pessoa, como é o caso da comunicação via e-mail, que pode ter

uma mensagem enviada para muitas pessoas desde que exista uma

lista específica para tal fim, mas sua concepção é a mesma da

correspondência tradicional, portanto existe uma pessoa que remete a

informação e outra que a recebe;

comunicação de um para muitos, ou seja, de uma pessoa para muitas

pessoas, como ocorre no uso de fóruns de discussão, nos quais existe

um mediador e todos que têm acesso ao fórum enxergam as

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intervenções e fazem suas intervenções;

comunicação de muitas pessoas para muitas pessoas, ou comunicação

estelar, que pode ocorrer na construção colaborativa de um site ou na

criação de um grupo virtual, como é o caso das comunidades

colaborativas em que todos participam da criação e do desenvolvimento

da própria comunidade e suas respectivas produções.

Geralmente, no ambiente de um curso, há o material instrucional; o professor,

que pode receber outras denominações (tutor ou instrutor), dependendo da

proposta do curso; o aluno, que, em contato com os conteúdos disponíveis,

realiza as atividades propostas a seu tempo e no seu espaço; as relações que

podem ser estabelecidas entre todos os participantes em um processo

educacional colaborativo, no qual todos se comunicam com todos e juntos

podem produzir conhecimento.

A tarefa de ensinar em ambientes digitais e interativos de aprendizagem

implica, então, planejar, organizar as situações de aprendizagem, propor

atividades individuais e colaborativas, disponibilizar material de apoio, orientar

os alunos, estimular a interação. Nesses ambientes, a educação compreende

um extenso conjunto de práticas que privilegiam o desenvolvimento de

estratégias de colaboração para o desenvolvimento de competências que

resultem na autonomia do indivíduo em seu processo de aprendizagem.

Ressaltamos que o professor, para atuar em salas virtuais de aprendizagem,

precisa conhecer alguns fatores que diferenciam esses ambientes de uma sala

de aula presencial. O primeiro é o fato de o professor ter de fazer uso de

recursos tecnológicos. Ele precisa compreender o alcance das tecnologias de

que irá dispor, seu potencial e as melhores técnicas para comunicação por

meio delas ou, ainda, contar com uma equipe multidisciplinar que o auxilie a

gerir as práticas exigidas por esse contexto.

O segundo fator refere-se à interação: em salas de aulas presenciais, o

professor conta com estratégias da interação face a face, podendo utilizar

recursos tais como gestos e entonação para construir sentidos. Em salas de

aulas virtuais, por sua vez, a linguagem escrita é, muitas vezes, o canal mais

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utilizado para que se estabeleça a comunicação. É necessário prever como o

aluno reagirá ao que o professor redigiu. Prever as reações dos estudantes aos

diferentes eventos de um curso e como lidar com elas é um grande desafio

para aqueles que se propõem a trabalhar com educação a distância. Cabe,

então, ao professor envolver ativamente os educandos no processo de

aprendizagem, o que para muitos não é intuitivo, em decorrência de um

sistema educacional que, ao longo de décadas, nem sempre privilegia um

aluno reflexivo: nele, os estudantes são condicionados a ser um receptor

passivo de conhecimento.

Tendo em vista o estabelecimento da interação em ambientes virtuais, Moore &

Kearsley (2007, p. 134) destacam alguns princípios que, assim como em salas

de aula presenciais, precisam ser observados na preparação de um curso,

como:

1. boa estrutura: a organização do curso precisa esclarecer ao

aluno o que precisa aprender; por isso suas partes precisam

estar coerentes;

2. objetivos claros: as afirmativas devem ser claras, de modo a

evitar possíveis ambiguidades;

3. unidades pequenas: o conteúdo deve ser desmembrado e

apresentado em unidades curtas, para que o aluno as leia

facilmente na tela de um computador;

4. participações planejadas: as tarefas precisam ser preparadas

de maneira a assegurar a interação com o aluno;

5. integralidade: os materiais devem ser acompanhados de

comentários sobre o conteúdo, de atividades e de ilustrações;

6. repetição: a repetição de ideias e de informações importantes é

aceitável como, por exemplo, apresentar resumos de

finalização;

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7. síntese: os alunos devem ser auxiliados a fazer síntese, para

que organizem mais facilmente o que aprenderam;

8. simulação e variedade: o material deve ser apresentado de

forma variada para prender a atenção e atender a interesses

variados dos alunos;

9. modularidade: tarefas, exemplos e problemas devem ser

modulares para que os alunos possam adaptar o conteúdo a

seus próprios interesses;

10. Feedback e avaliação: os alunos devem receber feedback

constante de suas tarefas e do progresso no curso.

2.5. Educação a distância e o ensino do Direito

De acordo com Tauchert (2009), o ensino de Direito é essencialmente

dogmático, com ênfase em um conjunto de normas jurídicas e, além disso, tal

conjunto é sistematizado de modo fragmentado, cuja matéria é transmitida de

forma essencialmente lógica. Essa observação deixa-nos entrever a rigidez

que caracteriza o ensino ainda eminentemente positivista, embora já seja

possível perceber um movimento em certas disciplinas, como a Sociologia

Jurídica, por exemplo, em prol de um ensino mais reflexivo.

Tauchert (2009, s/d) explica:

A práxis forense parte de um pressuposto unívoco de interpretação e aplicação do Direito nos casos concretos. A partir de uma concepção analítica, operadores do Direito compreendem o ordenamento jurídico como onisciente e onipresente, onde, através dos enunciados normativos, em uma relação deôntica para com o indivíduo, tão somente proporciona as respostas necessárias e concretas para a resolução de conflitos.

No intuito de não transformar o Direito em um sistema matemático, circunscrito

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em uma perspectiva positivista, é necessário, segundo Tauchert (s/d, s/p), que

as instituições possibilitem o desenvolvimento de uma concepção de ensino e

aprendizagem calcada no “pensar e no agir de forma transformativa” no

contexto social. Nesse âmbito, a educação a distância parece vir ao encontro

de uma demanda cada vez maior gerada pela evolução tecnológica. Tavares

(2006) observa que os avanços da informática propiciam novas estratégias

didáticas, e o uso de novas tecnologias é incentivado entre professores e

alunos.

Pereira (2001), por sua vez, explica que, para atender aos desafios impostos

pela nova demanda, a informática jurídica – disciplina voltada para o uso de

tecnologias no campo do Direito – preocupa-se em criar sistemas de

informação e documentação jurídica, que funcionam como bancos de dados

compostos pela legislação, doutrina e jurisprudência. Tais sistemas podem ser

atualizados mais facilmente, ao contrário dos CD-ROMs, que são atualizáveis

em períodos de três meses, aproximadamente, tornando-se rapidamente

obsoletos. Além disso, a disciplina é voltada para atividades de gestão de

escritórios, de gabinetes de juízes, promotores etc. e para a tomada de

decisão, auxiliando juízes a observar a semelhança de fatores de uma

determinada causa com outra já decidida anteriormente.

Contudo, reconhecemos que no campo do Direito há ainda muita resistência

em relação à modalidade de educação a distância. É comum, por exemplo,

que, nessa área, defenda-se o uso de novas tecnologias, mas não é comum a

aceitação da EAD como uma modalidade eficaz. A resistência ocorre porque a

educação é ainda concebida por muitos como um processo de transmissão de

conhecimento, como um produto, uma mercadoria (BELLONI, 2001).

Segundo Masetto (2004), em nossa sociedade, ainda é comum a convicção de

que cabe à escola educar os alunos e fazê-los memorizar as informações que

lhes são transmitidas para reproduzi-las nas provas. Espera-se também que a

escola transmita valores e padrões de comportamentos sociais com a

finalidade de conservar o patrimônio cultural da humanidade. Tendo em vista

tais objetivos, o professor é formado para valorizar e priorizar conteúdos e

ensinamentos. Então, a técnica de aula que privilegiará será a expositiva e a

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avaliação será em forma de prova, apenas para verificar a assimilação das

informações por parte dos alunos.

No que se refere ao ensino superior, Masetto (2004, p. 134) afirma que, em

muitos contextos educacionais, “essa concepção se mantém até hoje,

valorizando-se a transmissão de informações, experiências, técnicas,

pesquisas de um determinado profissional para a formação de novos

profissionais”. Assim, não cabe nesse universo o emprego de tecnologias,

bastando o domínio do conteúdo por parte dos professores. Os cursos a

distância, de modo geral, também se valem de tecnologias que privilegiam a

transmissão de informações, o acesso a elas e sua reprodução. A prática do

professor, nesse caso, é a de abastecer o computador com uma base de

dados. Também se utilizam plataformas de educação a distância, mas nelas o

professor apenas expõe informações sobre assuntos apresentados em aulas

expositivas.

Masetto explica ainda que o conceito de ensinar está associado a um sujeito

(professor) que transmite conhecimentos e experiências a um aluno que tem de

receber, absorver e reproduzir as informações recebidas. Já o conceito de

aprender está associado a um sujeito aprendiz que, por meio de suas ações,

envolvendo ele próprio, os colegas e o professor, busca informações, dá

significado ao conhecimento, produz reflexões e conhecimentos próprios,

pesquisa, dialoga, debate, desenvolve competências pessoais e profissionais,

atitudes éticas e políticas. Nesse processo, o professor é um mediador entre o

aluno e sua aprendizagem.

Especificamente em relação à EAD, enfatizamos a visão mercantilista que

envolve diversos contextos nessa modalidade: para atender aos diferentes

currículos e responder às demandas nacionais, regionais e locais, muitas

instituições oferecem cursos a distância, deixando prevalecer o interesse

econômico, seguindo os modelos industriais de oferta de produtos. Nesse

âmbito, a educação é considerada uma mercadoria e as estratégias utilizadas

para a sua oferta são sempre a da lógica da massificação: a busca de atingir

grande número, o planejamento centralizado, a otimização máxima de

recursos, a burocratização. Segundo Farnes (1993), a massificação da

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educação interfere em sua qualidade e esse quadro torna-se ainda mais grave

quando não se reconhece isso na educação presencial, pois a tendência é a de

se exagerar na desqualificação da educação a distância como se só ela tivesse

a qualidade prejudicada pela massificação.

Nos cursos a distância em que atuamos como gestora, a criação de cursos on-

line de qualidade tem sido uma constante nas atividades educacionais, nas

quais há a preocupação de se desenvolver uma metodologia que privilegie a

construção colaborativa do conhecimento. Na atuação em fóruns de discussão,

por exemplo, o professor vale-se de estratégias que propiciam a reflexão de

temas importantes da área jurídica, além de propiciar o envolvimento dos

alunos com o curso. Entre elas, destacamos o emprego de marcas linguísticas

de polidez (modalizadores; verbos no futuro do pretérito, saudações iniciais e

finais etc.); o emprego de pronomes pessoais e de tratamento que visam a

aproximar os participantes; entre outras.

No próximo capítulo, trataremos de aprofundar reflexões sobre a Análise do

Discurso, já que seus postulados embasam o estudo para a comprovação de

nossa tese. Defendemos que a projeção do ethos em um discurso pode

evidenciar sua disposição para uma maior ou menor colaboração nas

interações estabelecidas no gênero fórum educacional digital7.

CAPÍTULO III

A ANÁLISE DO DISCURSO

7 Crescitelli, Geraldini & Quevedo (2008) chamam de fórum educacional digital as práticas interacionais de contextos educacionais, denominação adotada por nós nesta pesquisa.

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Neste capítulo, explicitamos o percurso das tendências em Análise do Discurso

de linha francesa, enfocando a noção de discurso e interdiscurso, cena de

enunciação, competência comunicativa, gêneros de discurso e código

linguageiro. Nosso objetivo maior é apresentar os pressupostos teórico-

metodológicos que sustentarão, mais adiante, a análise das intervenções

retiradas de fóruns educacionais digitais para a comprovação da tese.

3.1. Contribuições da Linguística para os estudos do discurso

A tentativa de elaboração de um procedimento formal de análise dos

segmentos superiores à frase foi realizada por Harris (1952), na obra Discourse

Analysis. Nesse contexto, o termo discurso é utilizado para designar o

linguístico, que ultrapassa os limites da sentença. Segundo Harris, analisar o

discurso é encontrar uma grande variedade de ensinamentos presentes na

estrutura de um texto ou é identificar o papel de cada elemento nessa

estrutura. Para o autor, ao se analisar o discurso, aprende-se como ele se

constitui para satisfazer diversas especificações.

Desse modo, o método formal de análise de discurso de Harris atém-se à

distribuição dos elementos linguísticos por meio de critérios morfossintáticos,

que não dependem do conhecimento do significado desses elementos. Para

ele, a análise do discurso é exclusivamente uma análise intralinguística, apesar

de reconhecer que existe uma relação entre o discurso e a situação social em

que ele ocorre.

Conforme explicam Pauliukonis & Monnerat (2008), embora sua obra seja

considerada importante para o estudo do discurso, o procedimento analítico

proposto por Harris não visa a buscar o sentido do texto, inserido em um

contexto, já que não apresenta reflexão sobre a significação e as

considerações sócio-históricas, que vão distinguir e marcar mais adiante a

Análise do Discurso (AD) de orientação francesa.

Ainda de acordo com as autoras, é Coseriu que, em 1956, em seu artigo

Determinação e entorno, acena para o estudo do discurso inserido em um

contexto, ao propor um enfoque analítico com base no uso da língua em textos,

observando de maneira prioritária a Parole, em vez da Langue. Esse enfoque

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contribui para investigações sobre as relações entre texto e contexto.

Avançando nos estudos de Coseriu, Pauliukonis & Monnerat (2008) assinalam

que, na década de 1960, surgem várias teorias do texto e do discurso, que vão

delinear conceitos básicos entendidos, em linhas gerais, por Análise de

Discurso. Entre elas, pode-se citar a Teoria dos Atos de Fala de Austin, de

1962; a Etnografia da Comunicação de Gumperz e de Hymes, de 1964; a

Teoria da Enunciação de Benveniste, de 1966; a Análise da Conversação de

Garfinkel, de 1967.

Na perspectiva da Etnografia da Comunicação, a competência comunicativa

sobrepõe-se à competência linguística, na medida em que se torna o elemento

essencial para a sobrevivência de um indivíduo na sociedade em que se

insere. A competência linguística, nesse universo, deve ser considerada como

um dos fatores que compõem a competência comunicativa, que, por sua vez,

não prescinde dos saberes socioculturais. Então, não basta ao indivíduo ter o

conhecimento linguístico; é preciso que ele saiba como utilizá-lo nas diferentes

esferas sociais (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). Nesse momento, a análise

linguística desloca-se do nível do texto para o nível do discurso, já que tal

vertente propõe a análise da língua em uso.

Corroborando os estudos da Etnografia da Comunicação, a Análise da

Conversação surge como uma vertente linguística que consiste em descrever

os métodos (procedimentos, saberes e técnicas) que os participantes de uma

dada sociedade utilizam para gerir conjuntos de problemas comunicativos do

cotidiano em situações de oralidade. Em outras palavras, o objetivo é

descrever o desenvolvimento das conversações em situação natural,

atentando-se para as normas (explícitas ou implícitas) preexistentes que

garantem os comportamentos sociais e que são atualizadas nas práticas

cotidianas. Nesse contexto, a linguagem verbal constitui um componente

importante, entre outros, para a compreensão das atividades sociais

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).

A Teoria dos Atos da Fala, por sua vez, ressalta o caráter utilitário da

linguagem: por meio de afirmações, o indivíduo não apenas descreve um

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estado de coisas, mas atua no comportamento do interlocutor, levando-o a

realizar ações, de acordo com determinada intenção comunicativa. Com essa

teoria, Austin propõe uma nova concepção de linguagem, em que os sentidos

se constroem na interação, oferecendo novos subsídios para o estudo do

discurso (AUSTIN, 1990).

Na Teoria da Enunciação, Benveniste determina a noção de língua com base

em sua função na polaridade do eu/tu. Nessa ótica, é na linguagem que o

homem se constitui como sujeito, definindo-se simultaneamente a si mesmo

como um eu e a um interlocutor como um tu. Para o autor, os participantes da

enunciação alternam seus papéis, atuando como co-autores na construção do

sentido. A noção de subjetividade é, desse modo, incorporada na análise do

discurso. Benveniste (1991) expõe que a linguagem é uma entidade de dupla

face – à semelhança com a língua – mas com caráter mediatizante por

organizar o pensamento e tornar a experiência interior de um sujeito acessível

a outro numa expressão articulada e representativa do mundo.

Além dessas teorias, os avanços das correntes da Pragmática, com a

incorporação das ideias de Grice em 1950 e as descobertas dos estudos sobre

o dialogismo de Bakhtin – que, apesar de terem surgido em 1929 com a obra

Marxismo e filosofia da linguagem, só foram apresentados aos estudiosos da

linguagem na década de 1960 – contribuíram para o desenvolvimento dos

estudos do discurso. A concepção de gênero discursivo postulada por esse

autor resulta de um enfoque discursivo-interacionista, em que os fatos da

linguagem apresentam um caráter social. Nessa perspectiva, o enunciado é um

produto da interação social, ligado ao contexto que constitui o conjunto das

condições de vida de uma dada comunidade linguística. A noção de gênero em

Bakthin será desenvolvida no tópico 2.6.1 deste capítulo.

As máximas conversacionais de Grice (1982) têm como preocupação central a

questão da intenção. Segundo o autor, para se apreender o significado em uma

língua natural, é preciso se ater às condições que regem a conversação. Ele

considera que o significado linguístico deriva da intenção do falante: ao dizer

alguma coisa com sentido, um indivíduo quer produzir um efeito em quem ouve

e, para tanto, vale-se de estratégias linguísticas impressas em seu enunciado.

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Assim, a teoria de Grice está centrada no significado do falante e na intenção

de produzir um efeito, de tal modo que o ouvinte seja capaz de reconhecer

essa intenção.

Para Grice, a conversação segue algumas regras que excluem

comportamentos inadequados e expressam um “princípio de cooperação”. O

falante deve fazer “a sua contribuição conversacional tal como é requerida, no

momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio

conversacional em que está engajado” (GRICE, 1982, p. 86).

Nesse sentido, o autor destaca quatro máximas para a conversação:

quantidade: relaciona-se com a quantidade de informação, ou seja, o falante

deve dar a informação que for requerida para o propósito da comunicação;

qualidade: relaciona-se com a verdade daquilo que se diz – não se deve dizer

aquilo que já se sabe ser falso, deve-se fornecer somente as evidências

adequadas; relação: relaciona-se com a relevância do dizer, com o que é

pertinente; modo: relaciona-se com a clareza do que se vai dizer, deve-se

evitar ambiguidades desnecessárias.

Há diferentes maneiras de não se obedecer a uma dessas máximas. Uma

delas consiste no fato de a pessoa dissociar-se do próprio princípio de

cooperação e, então, não haverá conversação, o que indica, nesse caso, que o

falante não quer continuar a se comunicar. As razões dessa recusa podem

estar ocultas ou podem ser depreendidas do contexto.

Grice distingue o conteúdo literal do que se diz daquilo que se quer dizer. Há

um significado literal explícito, expresso pelas palavras, e um significado

entendido implícito, impresso no contexto. Aquilo que se dá a entender sem se

afirmar de maneira explícita é a principal característica de uma implicação

conversacional. Para isso se reúnem alguns dados como significado

convencional, máximas da conversação, contexto do discurso, contexto

extralinguístico, conhecimentos compartilhados, acessibilidade dos dados por

parte dos interlocutores, entre outros, dependendo do contexto específico de

enunciação.

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De acordo com Grice, algumas características gerais que valem para todas as

implicações da conversação e, ainda, uma análise de implicaturas

conversacionais específicas e dependentes do contexto, introduzindo a ideia de

implicação conversacional generalizada, o que significa que o uso de uma

expressão pode veicular uma certa implicação (na ausência de circunstâncias

especiais). Um exemplo é o emprego do artigo indefinido um, uma que, ao ser

empregado, deixa implícito que se fala de alguém que não tem uma relação

com o falante.

Para Grice, as implicaturas são possíveis de serem calculadas e sua

compreensão depende de uma reconstrução realizada por quem participa da

conversa. Assim, a implicatura é resultado de um trabalho de inferências

executado pelos falantes (às vezes de modo inconsciente), que recorrem a

elementos específicos e a regras (máximas) para reconstruir o sentido da

conversa.

3.2. Percurso da disciplina Análise do Discurso

De acordo com Pavel (1988), a Análise do Discurso surge na França, em 1968,

no momento intelectual do estruturalismo, que pode ser classificado em três

grandes tendências. Na primeira, temos o estruturalismo moderado, que tem

como proposta fugir do impressionismo e do subjetivismo analítico,

formalizando conceitos e métodos com base na linguística estrutural. Segundo

o autor, os trabalhos de Genette8 e Bremond9, de 1966, e de Todorov10, de 1967,

ilustram essa fase. Na segunda, temos o estruturalismo cientificista, que é a

corrente daqueles que consideravam a metodologia da linguística a mais

avançada das ciências humanas, embasando-se nos estudos de Saussure11,

divulgados em 1957; de Jakobson12, publicados em 1966, e de Hjelmslev13,

apresentados em 1969. São representantes desse estruturalismo alguns

trabalhos de Lévi-Strauss14, de 1967; Barthes15, do final da década de 1960 e

8 Obra: Figuras I (1966).

9 Obra: La Logique des possibles narratifs (1966).

10 Obra: As estruturas narrativas (1967)

11 Obra: Curso de Linguística Geral (1957)

12 Obra: Ensaios sobre lingüística geral (1966)

13 Obra: Prolegômenos a uma teoria da linguagem (1966)

14 Obra: Antropologia estrutural (1967)

15 Obra: Mitologias (1960)

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início da década de 1970, e Greimas16, de 1968. Na terceira, temos o

estruturalismo especulativo, que inclui os trabalhos com tendências ideológicas

e filosóficas, incorporando novamente as teses estruturalistas de Freud17, de

1885, e Marx18, de 1848, em relação ao sujeito e à história. Encontram-se nessa

tendência os trabalhos de Foucault19, de 1969; Derrida, de 197220; Althusser21, de

1968, e Lacan22, de 1965.

Gregolin (2007) expõe que, da junção das propostas de Saussure, Marx e

Freud, surgem novos conceitos de sujeito, história e língua e deles nasce o

objeto de estudo discurso, projetado por uma relação entre um novo

estruturalismo (releitura de Saussure), um novo marxismo (releitura de Marx) e

uma nova teoria do sujeito (releitura de Freud).

Nesse universo, Pêcheux (1993) apóia-se no conceito de ideologia de

Althusser (2001), que defende que as ideologias têm uma existência material,

ou seja, são constituídas por práticas necessárias para reproduzir as relações

sociais de produção e operam sobre os indivíduos e dentro deles como

mecanismos ideológicos de sujeição, transformando-os em sujeitos. A função

dos mecanismos, então, é a de sujeitá-los às exigências da produção social e

de suas relações, fazendo-os crer na naturalidade da existência dessas

relações, assim como na naturalidade do lugar que ocupam nesse contexto.

Pêcheux embasa-se nas formulações de Focault23de 1969, que considera que o

discurso é formado por elementos que não se apresentam ligados por nenhum

princípio de unidade. Nessa ótica, para estudá-los, é preciso estabelecer as

regras que regem a formação dos discursos, chamadas de regras de formação.

Tais regras determinam os elementos que compõem o discurso, sendo eles: os

objetos que aparecem, convivem e transformam-se em um espaço discursivo;

os tipos de enunciação que atravessam o discurso; os conceitos em suas

formas de surgimento e transformação em um campo discursivo, relacionados

16

Obra: Semântica estrutural (1968) 17

Obra: Estudos sobre histeria (1885) 18

Obra: Manifesto comunista (1848) 19

Obra: A arqueologia do saber (1968) 20

Obra: Estrutura, signo e jogo no discurso das ciências humanas (1972) 21

Obra: Aparelhos ideológicos do estado (1968) 22

Obra: Champ Freudien (1965) 23

Obra: Arqueologia do saber (1969)

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a um sistema comum; os temas e teorias que formam um conjunto de

estratégias capazes de dar conta de uma formação discursiva. Para Focault, as

regras que determinam uma formação discursiva apresentam-se sempre como

um sistema de relações entre objetos, tipos enunciativos, conceitos e

estratégias. Essas relações é que caracterizam uma formação discursiva em

suas particularidades e propiciam a passagem da dispersão para a

regularidade.

Foucault define, então, discurso como sendo um conjunto de enunciados de

uma mesma formação discursiva que, para ser analisada, exigirá a descrição

desses enunciados. A noção de enunciado em Foucault opõe-se à noção de

proposição e de frase; o autor o concebe como unidade elementar que forma o

discurso, visto como uma família de enunciados pertencentes a uma mesma

formação discursiva.

Foucault (1986, p. 43) pondera:

Descrever uma formulação como enunciado não consiste em analisar as relações entre o autor e o que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem querer); mas em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito.

Dessa maneira, o sujeito constitui-se em uma lacuna, um espaço que será

preenchido por diferentes indivíduos que o ocupam ao preencher o enunciado.

Assim, o discurso não é atravessado por um sujeito, e sim por sua dispersão,

decorrente das várias posições possíveis de serem assumidas por ele no

discurso. O discurso, como um conjunto de regularidades, no qual se podem

manifestar diversas posições de subjetividade, dá ao sujeito uma nova

dimensão no processo de organização da linguagem: exclui-lhe a função de ser

o responsável pelo significado.

Por fim, Foucault diferencia enunciado de enunciação. A enunciação

caracteriza-se pela singularidade, pois jamais se repete, e ocorre quando

alguém emite um conjunto de signos. Já o enunciado não pode ser repetido.

De forma hipotética, enunciações podem gerar o mesmo enunciado; no

entanto, a repetição de enunciado depende de sua materialidade, o texto, que

é de ordem institucional. Uma frase empregada no dia a dia e também presente

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em um poema não será o mesmo enunciado nos dois contextos, pois em cada

espaço possui uma função enunciativa diferente.

Pêcheux (1993, p. 15) é um dos que elabora para a Análise do Discurso um

referencial teórico, pois “pretendia oferecer às ciências sociais um instrumento

científico de que elas tinham necessidade, um instrumento que seria a

contrapartida de uma abertura teórica em seu campo”. Tal referencial

caracteriza-se por revisões e mudanças, feitas pelo próprio autor, em seus

conceitos essenciais. Ele divide esse percurso por período e denomina-o de

“as três épocas da Análise do Discurso”.

Na primeira época, que se estabelece de 1969 a 1975, a AD é formulada como

uma exploração metodológica resultante da concepção estruturalista e é

entendida como um conjunto de discursos produzidos em momentos

determinados e fechados em si mesmos, conforme Pêcheux (1993, p. 311)

esclarece:

Um processo de produção discursiva é concebido como uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma, de tal modo que um sujeito-estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos: os sujeitos acreditam que „utilizam‟ seus discursos quando na verdade são seus „servos‟ assujeitados, seus „suportes‟.

O discurso, nesse momento, é considerado o resultado das condições de

produção estáveis e homogêneas e a sintaxe é considerada neutra e opaca

com relação à enunciação, independente do discurso. Desse modo, o trabalho

de análise foca no texto como um pré-requisito para a análise do corpus.

Na segunda época, que se recorta entre 1975 e 1979, encontra-se a noção de

formação discursiva, emprestada da obra de Foucault. Tal concepção coloca-

se em oposição ao que é formulado no primeiro momento, que é a ideia dos

discursos fechados em si mesmos, porque uma formação discursiva se

constitui de outras formações discursivas, de elementos que vêm de seu

exterior. A formulação teórica do segundo momento conduz à noção de

interdiscurso de Pêcheux, que consiste em um processo de reelaboração do

discurso, no qual uma formação discursiva incorpora elementos produzidos

fora dela e, com isso, provoca sua redefinição e seu redirecionamento,

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49

suscitando a invocação de seus próprios elementos para organizar sua

repetição e acarretando, eventualmente, o esquecimento de determinados

elementos. O sujeito, porém, permanece como sendo assujeitado à formação

discursiva.

Na terceira época, que ocorre entre 1980 e 1983, Pêcheux deixa de lado a

ideia de homogeneidade conferida à noção de condições de produção do

discurso e reconhece a noção de enunciação e de heterogeneidade

enunciativa do discurso, além da não-neutralidade da sintaxe. Surgem, assim,

novas reflexões sobre sujeito, espaço de memória e Análise do Discurso, as

quais foram adicionadas aos conceitos apresentados e reformulados por

Pêcheux.

Outras tendências francesas emergem com especificidades próprias, como os

trabalhos de Maingueneau (1995, 1996, 1997, 2005a, 2005b, 2008a, 2008b),

que embasam, de modo especial, o percurso de análise dos fóruns digitais

para comprovação da tese, uma vez que enfocam a rearticulação do discurso

sobre a enunciação e o aprofundamento do caráter institucional da atividade

discursiva. Além disso, surgem a proposta de uma discursividade por meio de

uma relação de heterogeneidade, em vez da interpretação como uma única

fonte composta de fragmentos; a identificação de uma heterogeneidade

mostrada, marcada linguisticamente, e uma heterogeneidade constitutiva que

leva a rever a concepção entre o interior e o exterior de um discurso. A noção

de heterogeneidade será discutida mais adiante neste trabalho.

3.3. Concepção de discurso e interdiscurso

Maingueneau (2005a) expõe que a noção de discurso é um sintoma de uma

modificação na maneira de se conceber a linguagem. Tal modificação resulta

da influência de diversas correntes da Pragmática, nas quais não se concebe

estudar a linguagem como um objeto independente de sua prática. Ele explica

que a Pragmática não é uma corrente teórica, mas uma maneira de

caracterizar um conjunto de trabalhos que recusam um estudo imanente do

sistema linguístico, como é o caso dos estudos sobre os atos de linguagem de

Austin, continuados por Searle; do estudo das interferências que os

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participantes retiram de uma interação de Grice; dos trabalhos sobre

enunciação linguística de Benveniste. Nessa perspectiva, o autor enumera

algumas características do discurso que considera essenciais.

A primeira delas é que o discurso se situa além da frase, o que não significa

dizer que sua manifestação se dá por sequências de palavras de dimensões

superiores à frase, e sim pela mobilização de estruturas de outra ordem. Os

discursos, como unidades transfrásticas, estão submetidos a regras de

organização vigentes em um determinado grupo social: regras de composição

de uma narrativa, de um manual de instruções, de uma dissertação, de um

fórum educacional digital.

A segunda característica é que o discurso é orientado, ou seja, é concebido em

“função de uma perspectiva assumida pelo locutor” e pode desenvolver-se

linearmente no tempo, em função de uma finalidade, devendo, de maneira

hipotética, dirigir-se para algum lugar. Mas também pode desviar do seu curso,

retomar a direção inicial, mudar de direção, fazer antecipações e retomadas, o

que evidencia que um locutor monitora a sua própria fala. Esse monitoramento

perpassa pelo texto, embora não esteja no mesmo nível. A linearidade do texto

ocorre em condições diferentes: se o enunciado é proferido por um único

enunciador, o enunciado é monologal, se o enunciador se inscreve em uma

interação em que possa ser interrompido, é dialogal (MAINGUENEAU, 2005a,

p. 52).

A terceira característica é que o discurso é uma forma de ação, em que a fala é

uma forma de atuar sobre o outro e não apenas uma forma de representar o

mundo. Maingueneau (2005a, p. 53) ressalta que toda enunciação constitui um

ato que tem por objetivo modificar uma situação:

Em um nível superior, esses atos elementares se integram em discursos de um gênero determinado (um panfleto, uma consulta médica, um telejornal etc.) que visam produzir uma modificação nos destinatários. De maneira mais ampla ainda, a própria atividade verbal encontra-se relacionada com atividades não verbais.

A quarta característica é que o discurso é interativo, pois mobiliza parceiros, os

co-enunciadores. A interação entre dois parceiros tem como marca o binômio

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eu/tu da troca verbal, muito evidente nas conversações orais, nas quais os

locutores controlam suas enunciações, ou seja, enunciam em função da atitude

do outro e percebem o efeito de suas palavras sobre ele. Em toda enunciação,

há uma interatividade constitutiva, uma troca implícita ou explícita com outros

enunciadores, em que se admite a presença de uma outra instância de

enunciação, aquela que produz o próprio discurso.

A quinta característica é que o discurso é contextualizado, já que não existe

discurso fora de um contexto, uma vez que se trata de uma atividade social. O

discurso contribui para definir seu contexto, podendo modificá-lo no curso da

enunciação.

A sexta característica é que o discurso é assumido por um sujeito, remetendo-

se a um eu, o enunciador, que se coloca como fonte de referências pessoais,

temporais, espaciais e indicando, simultaneamente, a atitude de um tu, o co-

enunciador.

A sétima característica é que o discurso possui normas, chamadas por

Maingueneau (2005a) de as leis do discurso, que regem a atividade verbal

inscrita na instituição da fala. Cada ato de linguagem envolve determinadas

normas particulares, mesmo os atos mais simples como, por exemplo, uma

pergunta. Um ato de enunciação não pode, então, ser elaborado sem justificar

seu direito de apresentar-se da forma como se apresenta. Trata-se de um

trabalho de legitimação que não se separa do exercício da palavra.

A oitava característica é que “o discurso é considerado no bojo de um

interdiscurso” (MAINGUENEAU, 2005a, p. 55). Desse modo, ele só adquire

sentido no interior de outros discursos, nos quais vai construir seu sentido.

Para se interpretar um enunciado, devem-se estabelecer relações com outros

enunciados que estão sendo parafraseados, parodiados, comentados, citados.

O fato de se classificar um discurso dentro de um gênero já é uma atividade de

interdiscurso, conforme explicam Charaudeau & Maingueneau (2008, p. 286):

o discurso é sempre atravessado pela interdiscursividade, tem a propriedade de estar em relação multiforme com outros discursos, de entrar no interdiscurso. O interdiscurso é um espaço discursivo, um conjunto de discursos que mantém relações de delimitação recíproca

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uns com os outros.

No interdiscurso, ocorre a interação de diversos discursos de cuja configuração

nem sempre se tem memória. Decorre disso o fato de os autores afirmarem

que ele está no nível da heterogeneidade constitutiva; não apresenta, pois,

marcas de sua relação com o que se considera seu exterior.

Maingueneau (2005a) afirma que os linguistas, sempre que são solicitados a

distinguir as formas de presença do outro no discurso, consideram a

heterogeneidade, que representa uma relação entre o interior e o exterior de

uma formação discursiva e que pode ser mostrada ou constitutiva. Só a

heterogeneidade mostrada é acessível, pois sua manifestação é explícita por

meio de citações, de discurso relatado (direto, indireto, indireto livre), de

palavras entre aspas, além de outros mecanismos como a polifonia, a

pressuposição, o metadiscurso do locutor, a parafrasagem, a ironia, o

provérbio, a negação. A heterogeneidade constitutiva, entretanto, não deixa

marcas perceptíveis: os enunciados do outro não podem ser apreendidos por

uma abordagem linguística e é nesse âmbito que se encontra o interdiscurso.

Para o autor, o interdiscurso tem primazia sobre o discurso, o que significa que

a análise de uma unidade não deve recair no discurso, mas sim no espaço de

trocas entre vários discursos. Para esclarecer melhor o que significa

interdiscurso, ele propõe que o discurso seja substituído pela tríade universo

discursivo, campo discursivo e espaço discursivo.

Maingueneau (2005b, p. 35) chama de universo discursivo “o conjunto de

formações discursivas de todos os tipos que interagem em uma conjuntura

dada. Esse universo discursivo constitui necessariamente um conjunto finito,

mesmo que não possa ser apreendido em sua globalidade”. Trata-se, assim,

de um conjunto de enunciados heterogêneos produzidos em uma época por

diferentes práticas discursivas. No universo discursivo, estão os domínios

possíveis de serem estudados: os campos discursivos.

O autor define campo discursivo como um conjunto de formações discursivas

que se encontram em concorrência e explica que concorrência, nesse caso,

poder ser tanto o confronto quanto o acordo ou ainda a neutralidade entre os

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discursos que têm a mesma função social. Pode ser o campo político,

filosófico, religioso etc. Nesse sentido, Maingueneau (2005b, p. 36) esclarece:

É no interior do campo discursivo que se constitui um discurso e essa constituição pode se deixar descrever em termos de operações regulares sobre formações discursivas já existentes. O que não significa, entretanto, que um discurso se constitua da mesma forma com todos os discursos desse campo; e isso em razão de sua evidente heterogeneidade.

Não se pode, por conseguinte, determinar as modalidades entre as diversas

formações discursivas de um campo, porque uma hierarquia instável opõe

discursos dominantes e dominados, não ficando, pois, todos no mesmo plano.

Por essa razão, há a necessidade de se delimitar, por uma posição

enunciativa, um determinado espaço discursivo.

Maingueneau (2005b) explica que espaço discursivo é um subconjunto do

campo discursivo, que relaciona, no mínimo, duas formações discursivas,

fundamentais para a compreensão de um discurso. Mesmo não havendo

elementos retóricos, é possível determinar os componentes de um espaço

discursivo pelos fundamentos semânticos presentes em um dado discurso.

Para o autor, seguindo a primazia do interdiscurso sobre o discurso, é possível

sustentar que, para se analisar um espaço discursivo, é preciso de imediato

apreender a interação entre formações discursivas e não apenas uma

formação discursiva, o que implica afirmar que a identidade discursiva está na

relação com o outro. Isso significa que não se devem distinguir em um espaço

discursivo as formações discursivas de um lado e suas relações de outro, mas

deve-se entender que todos os elementos são retirados da interdiscursividade

(MAINGUENEAU, 1997).

Como dissemos, embora não haja sempre no discurso uma heterogeneidade

mostrada, toda a unidade de sentido pode estar inscrita em uma relação com

uma outra e essa relação de que se deriva define sua identidade. Dessa forma,

quando as articulações fundamentais são instituídas na relação interdiscursiva,

toda unidade que se desenvolverá de acordo com elas estará na mesma

situação.

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Para Maingueneau (1997, p. 120), afirmar que a interdiscursividade é

constitutiva é também afirmar que um discurso não surge de algum retorno às

próprias coisas, mas de um trabalho sobre outros discursos. A interação entre

os discursos pode ser compreendida como um processo de “tradução”,

associada a uma “intercompreensão”. Trata-se de uma tradução de uma

formação discursiva à outra, pois quando uma formação discursiva faz penetrar

o outro em seu próprio interior, está apenas traduzindo o enunciado do outro,

interpretando-o por meio de suas próprias categorias. Assim, o sentido não é

algo estável, mas construído no intervalo entre posições enunciativas.

3.4. Cenas da enunciação

Neste trabalho, consideramos que as atividades discursivas estão sempre

envolvidas por um contexto social, ou seja, por um conjunto de fatores entre os

quais são selecionados os elementos que caracterizam uma determinada

prática discursiva. Segundo Maingueneau (1997), considerado dessa forma, o

conteúdo de um discurso deve ser observado como uma encenação, como um

produto de uma cena de enunciação. Em outros termos, as atividades

discursivas constituem-se na relação essencial entre o social e textual do

discurso. Por conseguinte, não podemos deixar de considerar seus estudos

sobre a cena de enunciação e a competência discursiva apreendida pelos

falantes de uma língua, a qual irá nortear suas práticas comunicacionais.

O autor destaca que tratar de cena de enunciação implica fazer referência aos

gêneros discursivos, uma vez que eles determinam um espaço socialmente

instituído e, de acordo com o discurso que será colocado em cena, instauram

um espaço de enunciação. O gênero discursivo é, portanto, caracterizado por

uma cena, e cada cena requer uma determinada “dramaturgia”. Por isso, a

cena não deve ser vista como um simples quadro que se constrói previamente

e do qual emerge o discurso; ao contrário, ela deve ser concebida como

constitutiva do discurso.

De acordo com Maingueneau (2008a), a cena de enunciação deve ser

analisada com base na observação de três cenas distintas: a cena englobante,

a cena genérica e a cenografia.

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A cena englobante é a que corresponde ao tipo de discurso (religioso, político,

publicitário, jurídico) e define o estatuto dos parceiros, o espaço e o tempo. Não

se pode afirmar, por exemplo, que uma cena religiosa pertença a qualquer

sociedade de qualquer época. Tal cena não é suficiente para especificar as

atividades discursivas em que os sujeitos estão engajados e, por isso,

confronta-se com os gêneros de discurso, os quais possuem rituais

sociolinguageiros que definem as cenas genéricas.

A cena genérica diz respeito aos gêneros dos discursos específicos ou

particulares que podem ser reunidos em grupos e cada grupo determina uma

cena. Por exemplo, a resenha, o ensaio, o artigo, a monografia, a dissertação,

a tese são gêneros que provêm do discurso científico, que é a cena

englobante. Segundo Maingueneau (2005a, p. 87), “as duas cenas definem o

quadro cênico do texto e é ele quem vai definir o espaço estável no interior do

qual o enunciado adquire sentido – o espaço do tipo e do gênero do discurso”.

Já a cenografia consiste no processo de inscrição que envolve um enunciador

e um co-enunciador, um ethos, um código linguageiro, um lugar e um momento

de enunciação. A cenografia é, portanto, um quadro e um processo, e não uma

mera cena, conforme explica o autor:

A grafia é um processo de inscrição legitimante que traça um círculo: o discurso implica certa situação de enunciação, um ethos e um „código linguageiro‟ através dos quais se configura um mundo que, em retorno, os valida por sua própria emergência. O „conteúdo‟ aparece inseparável da cenografia que lhe dá suporte (MAINGUENEAU, 2008a, p. 51).

Como podemos observar, é o discurso que institui a cenografia, logo não se

pode dizer que ela é imposta pelo gênero do discurso. O discurso determina

sua cenografia assim que ele se inicia e, à medida que se desenvolve, busca

justificá-la em seu dispositivo.

Nesta pesquisa, consideramos o discurso jurídico como a cena englobante; os

fóruns educacionais digitais como a cena genérica e a cenografia como

pedagógica, no contexto da educação a distância, em ambientes virtuais de

aprendizagem.

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3.5. Competência comunicativa

Maingueneau (2005a) enfatiza o conceito de competência comunicativa, cujo

domínio é necessário para a produção e interpretação discursiva no interior de

uma cena enunciativa. Para ele, o domínio dessa competência implica o

domínio de outras competências, como a competência linguística, que se refere

ao conhecimento da língua em questão; a competência enciclopédica, que diz

respeito ao conhecimento prévio armazenado, e a competência genérica, que

se refere ao conhecimento de um gênero discursivo.

A competência comunicativa, na verdade, consiste no domínio das regras de

uso da língua em diversas situações, refere-se à habilidade desenvolvida pelo

falante de, por um lado, formular enunciados bem formados discursivamente

(ou seja, adequados à situação de comunicação, que é determinada pelo

contexto sócio-histórico e, portanto, alinhada a certa formação discursiva) e,

por outro, de produzir número ilimitado de enunciados pertencentes a tal

formação. Essa competência é interdiscursiva, pois permite ao falante

reconhecer: (i) a incompatibilidade dos enunciados com a formação discursiva

em pauta e (ii) a consequente presença de um espaço discursivo que constitui

o outro.

A competência comunicativa desenvolve-se em função de um sistema de

restrições semânticas, que coage o falante, impedindo-o de formular

enunciados que estejam fora das determinações específicas de certa formação

discursiva. O mesmo sistema de restrições também o leva a interpretar os

enunciados do outro de acordo com categorias pertencentes às formações

discursivas com base nas quais ele fala.

A força do sistema de restrições semânticas equivale à força que as leis

gramaticais exercem sobre a língua. Sua função é a de operar a coesão

semântica do discurso de forma regrada. Assim, excluem-se de certa formação

discursiva, por exemplo, palavras pertencentes a um campo lexical alheio à dita

formação. Da mesma forma, a estrutura sintática molda-se de acordo com a

formação discursiva, excluindo de seu campo de seleção, entre outros fatores,

a possibilidade de uso de um sujeito sintático em primeira pessoa.

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A hipótese de uma competência comunicativa regrada pretende, em suma,

sugerir a existência de uma instância estruturante relativamente estável dentro

de certos limites históricos. Trata-se de uma hipótese útil, que busca responder

à questão de como os enunciados aparecem e como tomam o lugar de outros.

É útil também porque ajuda a esclarecer a articulação do discurso e a

capacidade dos sujeitos de interpretar e produzir enunciados relevantes.

A competência comunicativa, ou melhor, interdiscursiva, pressupõe

compreender que a comunicação humana só faz sentido num quadro sócio-

histórico específico, que conta com sujeitos falantes que podem, graças a tal

competência, articular sua fala com base na fala do outro e com o outro de

forma regrada.

Indiscutivelmente, a compreensão de um enunciado não requer apenas um

conhecimento gramatical ou um conhecimento do sentido que as palavras têm

no dicionário. Para compreender um enunciado, é preciso que se mobilizem

outros saberes, que se formulem suposições, que se raciocine, construindo-se

um contexto que não é preestabelecido ou estável.

O co-enunciador supõe que o enunciador, ao produzir um enunciado, tenha

respeitado certas regras que regem a atividade verbal: que o enunciado é

sério, que é produzido com a intenção de comunicar algo. Esse entendimento

não é feito por meio de um acordo explícito, mas por uma convenção tácita.

Eles colocam em ação um saber mutuamente conhecido: cada um postula as

regras e espera que o outro as respeite.

O conceito de gênero de discurso, visto da perspectiva da competência

comunicativa, é quase que sua consequência prática inevitável. Ora, se regras

de restrições existem, se a situação de fala é determinada pela formação

discursiva, se os sujeitos falantes se submetem a essas regras para viabilizar a

comunicação e a produção dos saberes nas diferentes áreas da atuação

humana, o gênero passa a ser a possibilidade material concreta de viabilizar a

comunicação.

3.6. Gêneros do discurso

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3.6.1. Noção de gênero em Bakhtin

Para Bakhtin (2006, p. 262), os gêneros discursivos consistem em “tipos

relativamente estáveis de enunciados” orais ou escritos, que aumentam e se

diferenciam à proporção que uma determinada esfera da atividade humana se

torna mais complexa. Há uma heterogeneidade de gêneros que se estende

desde os breves diálogos do cotidiano até as produções científicas e literárias,

e dessa heterogeneidade decorre a classificação de gêneros discursivos

primários (simples) e secundários (complexos).

Os gêneros primários constituem as conversações do cotidiano, que ocorrem

em circunstâncias de comunicação verbal espontânea. Os secundários, por

sua vez, são aqueles que surgem em consequência de um convívio cultural

mais complexo, desenvolvido e organizado. Entre eles, o autor destaca os

romances, os dramas, as pesquisas científicas. No processo de formação, eles

incorporam e reelaboram diversos gêneros primários que são próprios da

comunicação discursiva imediata. Bakhtin (2006, p. 263) explica:

Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios: por exemplo, a réplica do diálogo cotidiano no romance, ao manter a sua forma e significado cotidiano apenas no plano do conteúdo romanesco, integra a realidade concreta apenas através do conjunto do romance, ou seja, como acontecimento artístico-literário e não da vida cotidiana.

Por serem tipos relativamente estáveis de enunciados, os gêneros discursivos

constituem-se de algumas regularidades que permitem reconhecê-los dentro

de uma determinada esfera de atividade humana: seu conteúdo temático, seu

estilo e sua estrutura composicional.

O conteúdo temático, o estilo e a construção composicional estão interligados e

são determinados pelas particularidades de uma dada esfera de utilização da

língua. Cada enunciado é particular, porém cada esfera da comunicação

elabora os seus enunciados, ou seja, os seus gêneros do discurso. Há uma

grande diversidade de gêneros do discurso porque há uma diversidade de

possibilidades das formas de atividade humana e cada esfera dessa atividade

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apresenta um repertório de gêneros do discurso.

O conteúdo temático de um determinado gênero está condicionado aos seus

objetivos e refere-se aos temas possíveis que podem ser tratados, tendo-se em

vista a natureza dos gêneros e sua finalidade.

O estilo, por sua vez, são as escolhas linguísticas, selecionadas pelo

enunciador para um determinado gênero de acordo com suas especificidades.

Elas podem ser lexicais, fraseológicas ou gramaticais. Bakhtin (2006) expõe

que os gêneros literários são mais propícios às marcas do estilo individual de

seus autores do que os gêneros da comunicação cotidiana por esses serem

mais padronizados e por apresentarem o estilo ligado à construção

composicional.

Já a estrutura composicional refere-se aos aspectos textuais e formais

presentes no gênero, referentes à língua e à sua estrutura; é a forma do que

pode ser dito por meio de gêneros. Não são as formas gramaticais que devem

ser o foco da construção composicional de um determinado gênero, mas os

enunciados concretos que o caracterizam como tal. A análise da construção

composicional em determinado gênero deve considerar o estilo do próprio

gênero, os seus traços constitutivos e não o estilo individual do autor.

Bakhtin (2006, p. 274) postula que os gêneros “só podem existir de fato na

forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do

discurso”. Dessa forma, distingue a unidade da língua da unidade da

comunicação discursiva e expõe que no discurso não está revelada a estrutura

gramatical de oração, mas o conjunto de enunciados que suscita uma ação

responsiva.

O autor explica que a oração é o pensamento do falante concluído que se

relaciona com outros pensamentos do mesmo falante. Depois de um

pensamento, o falante faz uma pausa e encadeia um novo pensamento, ou

seja, uma nova oração. O contexto da oração não se insere prontamente “no

contexto extraverbal (a situação, o ambiente, a pré-história) nem nas

enunciações de outros falantes” (BAKHTIN, 2006, p. 277). No enunciado, as

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pausas ocorrem por uma conclusibilidade que permite a alternância dos

sujeitos. Sem a conclusibilidade, não há entre eles uma atitude responsiva.

Essa alternância dos sujeitos, que cria os limites precisos dos enunciados nos

diversos campos da atividade humana e da vida de acordo com as diversas

funções da linguagem e situações de comunicação, assume diversas formas.

Isso pode ser percebido no diálogo, que é a forma clássica de comunicação

discursiva. As relações que existem entre as réplicas do diálogo são

impossíveis entre unidades da língua, ou seja, entre palavras e orações. Elas

só são possíveis entre enunciações de diferentes sujeitos do discurso, entre

enunciações plenas.

Como se pode observar, em seus estudos sobre gêneros, Bakhtin evidencia o

caráter dialógico da linguagem, que norteará, indiscutivelmente, a Análise do

Discurso. Nessa concepção, Bakhtin (2006, p. 272) postula que

todo falante é por si mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que usa, mas também de alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte). Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados.

3.6.2. Noção de gênero em Maingueneau

Maingueneau (2005a, 2008a) segue a noção proposta por Bakhtin (2006) de

que os gêneros dependem da natureza comunicacional da troca verbal, mas

propõe novas reflexões acerca de sua definição e de sua categorização. Para

Maingueneau (2008a, p. 137), o gênero é “um dispositivo de comunicação ao

mesmo tempo social e verbal, historicamente definido”. Em outras palavras, os

gêneros de discurso são dispositivos de comunicação que só aparecem

quando certas condições sócio-históricas estão presentes. Dessa forma, o

autor explicita que serão chamadas de gêneros não as categorias narrativas,

descritivas, mas as práticas verbais como o jornal diário, os programas de

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televisão, a dissertação filosófica etc., relacionadas a uma determinada

sociedade.

Segundo Maingueneau (2005a), todo texto pertence a uma categoria de

discurso e a sua denominação está sustentada em critérios muito

heterogêneos. As categorias variam de acordo com uso que se faz delas, por

isso não estão no léxico; relacionam-se com certas profissões, uma vez que

correspondem às necessidades da vida cotidiana; podem ser definidas por

critérios rigorosos, visto que há diferentes tipologias de situações de

comunicação.

Maingueneau explica que não se devem confundir as tipologias

comunicacionais com as tipologias de situações de comunicação. As

comunicacionais indicam a orientação comunicacional do enunciado e

classificam-se em funções da linguagem e funções sociais. Na tipologia

funções da linguagem, como as de Jakobson (1969), por exemplo, os discursos

são classificados conforme a função predominante. No texto em que a função

predominante é a denotativa (texto jornalístico, didático), o locutor procura

informar o outro sobre um determinado fato. Já na tipologia funções sociais

distinguem-se as funções necessárias à sociedade como a lúdica, a religiosa, a

de contrato e nelas se integram os gêneros. Então, tanto em uma conversa

familiar como em uma orientação profissional, por exemplo, os gêneros

pertencem à função de contrato.

As tipologias de situações de comunicação, ou seja, os gêneros de discurso,

diferenciam-se das tipologias comunicacionais por serem situações de

comunicação sócio-historicamente condicionadas que estão sempre mudando

e às quais são associadas as metáforas como “contrato”, “papel”, “jogo”

(MAINGUENEAU, 2008a, p. 152). Maingueneau explica que considerar o

gênero de discurso um contrato é afirmar que ele é cooperativo e regido por

normas. Por isso pode ser comparado a um jogo em que há regras para se

obedecer e um determinado papel a ser desempenhado no momento da

interação.

Maingueneau (2005a, p. 61) expõe que os gêneros de discurso estão

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submetidos a condições que envolvem elementos de diversas ordens como os

apresentados a seguir:

a finalidade: os gêneros são sempre produzidos com uma finalidade e

identificá-la é indispensável para que se tenha um comportamento

adequado diante de uma determinada prática social;

o estatuto de parceiros legítimos: tanto o enunciador quanto o co-

enunciador possuem seu papel definido, por isso a importância de se

determinar de quem parte e a quem se dirige a fala;

o lugar e o momento legítimos: todo gênero está inserido em um lugar e

em um momento. O lugar de uma missa é na igreja, de uma aula é na

escola, embora isso possa ser transgredido por conta de uma

determinada finalidade. Quanto ao tempo de um gênero, pode-se ter

uma periodicidade, por exemplo: uma missa, um telejornal são

periódicos, já um pronunciamento do presidente da República não

obedece a uma periodicidade;

um suporte material: trata-se do meio, do instrumento que transporta os

enunciados, seu modo de difusão: enunciados orais, no papel,

radiofônicos, na tela do computador. O suporte material de um texto

modifica um gênero de discurso: um debate político pela televisão é um

gênero diferente de um debate em sala de aula, por exemplo;

uma organização textual: são os modos de encadeamento dos

constituintes de um gênero em diferentes níveis: da frase a suas partes

maiores.

Levando-se em consideração a diversidade dos gêneros, com base nesse

ponto de vista, podem-se distinguir vários graus:

gêneros de primeiro grau: são aqueles não submetidos a variação,

obedecem a fórmulas e esquemas rigorosamente estabelecidos, como

as listas telefônicas, certidões de nascimento;

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gêneros de segundo grau: são aqueles em que os falantes produzem

enunciados singulares e ao mesmo tempo seguem roteiro bastante

rígido: notícias de TV, correspondências comerciais;

gêneros de terceiro grau: são os que toleram variações, aqueles em que

o falante pode apelar para uma cenografia original como um guia de

viagem na forma de uma conversa entre amigos;

gêneros de quarto grau: são os que exigem uma invenção de cenário de

fala: propagandas, programas de entretenimento;

gêneros de quinto grau: não possuem um formato preestabelecido, mas

zonas genéricas, o que ocorre com “fantasia”, “reflexão”, cujas

categorias são nomeadas pelos autores; revelam muito pouco do

processo comunicativo envolvido.

3.6.3. Suporte material de um gênero

Debray (1995, p. 21), ao pesquisar a história das ideias, postula que existe

“correlação entre as produções simbólicas de um grupo humano, suas formas

de organização e seu modo de coleta, arquivamento e circulação dos

vestígios”. As produções simbólicas de uma sociedade, em determinado

período, não podem ser explicadas sem se considerarem as tecnologias da

memória utilizadas nesse mesmo período.

Segundo o autor, existe uma intersecção entre a vida intelectual, material e

social. Em razão disso, ele propõe a constituição de uma disciplina chamada

de Midiologia, cuja função é o estudo das mediações, do mídium, que é “o

conjunto dinâmico dos procedimentos e corpos intermédios que se interpõem

entre uma produção de signos e uma produção de acontecimentos” (DEBRAY,

p. 28).

Debray explica que, ao transmitirmos uma mensagem, podemos entender

mídium como: procedimento geral de simbolização: palavra, escrita, imagem

analógica ou imagem digital; código social: língua em que é veiculada a

mensagem; suporte material: argila, papiro, pergaminho, papel, banda

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magnética, tela; dispositivo de gravação conectado a uma rede de difusão:

tipografia, televisão, informática. Então, mídium é o que é posto em movimento

por uma revolução midiológica e provoca mudanças na história das

sociedades.

Para Debray, não se pode considerar mídium apenas no âmbito da distinção

entre oralidade e escrita, que é a primeira abstração que se faz dos suportes e

redes, isso deve ser ampliado. Por exemplo, se considerarmos apenas a

escrita, há distinção entre aquela apresentada em um suporte de papel e uma

tela de computador. Entre elas, há mudanças técnicas, culturais e sociais que

não nos permitem concebê-las como um mesmo mídium.

Dawbor (2001, p. 24) explica que as mudanças técnicas verificadas com o

advento do computador consistem: na representação da informação em código

digital; no seu armazenamento em disco; na sua transmissão sem base

material, ou seja, por ondas, retransmitidas por um satélite, encaminhadas por

um cabo ótico ou um fio de telefone; na organização da busca das informações

pelos sites de busca; na convergência da escrita, do som e da imagem em

sistema digital e no desenvolvimento de aplicativos e softwares que processam

e transmitem a informação com grande velocidade: “a Internet é simplesmente

o sistema de suporte organizado à comunicação planetária”.

A Internet promove uma virtualização de agências bancárias, lojas, empresas,

instituições de pesquisas, bibliotecas, organizações comunitárias, escolas;

enriquece os meios convencionais como televisão, rádio, jornais, telefone, pois

amplia-lhes o acesso e a qualidade de transmissão. Vivemos em uma época

em que as práticas dos setores das sociedades, de modo geral, passam por

mudanças, o que impõe uma mudança na cultura dessas sociedades: muitas

práticas desenvolvidas de modo presencial passam a ser de modo virtual.

Algumas só se tornaram possíveis em razão da virtualização como, por

exemplo, a visita a uma biblioteca de um outro país sem ter de viajar até lá.

A revolução midiológica não elimina outros modos de transmissão. Por

exemplo, a tipografia não fabricou o suporte material, pois já existia o papel. As

formas manuscritas do livro permaneceram quase um século depois de

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Gutenberg, mas sua técnica transformou o alcance social do documento escrito

por meio da alfabetização de massa, ela “contribuiu para uma nova estrutura

antropológica, caracterizada de modernidade” (DEBRAY, 1995, p. 24). No

caso da Internet, ela caracteriza a Sociedade da Informação ou Sociedade do

Conhecimento, como vimos no capítulo I deste trabalho, pois nela o

conhecimento torna-se o elemento central da transformação das sociedades. À

educação cabe promover o letramento digital para que os indivíduos possam

ter acesso à informação armazenada digitalmente, a fim de transformá-la em

conhecimento.

Com base nos estudos de Debray, Maingueneau (2005, p. 71) expõe:

É necessário reservar um lugar importante ao modo de manifestação material dos discursos, ao seu suporte, bem como ao seu modo de difusão: enunciados orais, no papel, radiofônicos, na tela do computador.

O autor explica que mídium não é apenas a forma de transmissão de um

discurso, pois ele imprime certos aspectos em seu conteúdo, direcionando,

inclusive, os usos que se pode fazer dele. As novas tecnologias revolucionaram

a comunicação, e o papel do mídium ficou mais nítido tanto na natureza dos

textos como no seu modo de consumo.

Entretanto, ao considerarmos um gênero de discurso, não podemos apenas

considerar o suporte material – oral, escrito, manuscrito, televisivo – e sim todo

o circuito que organiza a fala. Na comunicação, o ponto de partida é sempre

um gênero de discurso que integre logo de imediato o mídium. “O modo de

transporte e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do

texto, modela o gênero de discurso” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72).

De acordo com Maingueneau (2005), com as novas tecnologias, as categorias

oral e escrito, ou o escrito manuscrito e o escrito impresso, continuam a existir,

mas não apenas nas formas tradicionais e, em razão disso, é preciso

considerar outros parâmetros na análise de um gênero de discurso como: a

existência ou não de um contato físico imediato entre os enunciadores (face a

face opõe-se a uma conversa ao telefone); a abertura do número de

destinatários (aula, conferência, auditório ilimitado, como ocorre na televisão); o

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caráter estático ou não dos interlocutores que depende do mídium (o rádio do

carro, telefone celular); a possibilidade ou não do co-enunciador interromper o

enunciador (conversa telefônica em oposição à comunicação escrita); a

intervenção da máquina (enunciados orais endereçados a máquinas); a

desmaterialização dos enunciados (uma imagem elaborada na tela de um

computador).

Se tomarmos como exemplo o fórum educacional digital – que constitui o

corpus desta pesquisa –, veremos que ele em muito se difere de um fórum oral,

no que se refere à organização da informação. O primeiro, como sabemos, é

um fórum veiculado em um suporte virtual, de maneira assíncrona, em que os

participantes não estão face a face e que, portanto, dependem de estratégias

interacionais escritas para realizarem um diálogo. O segundo, por sua vez, é

síncrono e os participantes dialogam face a face, o que permite que a

veiculação da informação seja realizada considerando-se as estratégias de

interação presentes em situações orais, como gestos e expressões faciais,

para a construção de significados.

Na sequência, dissertaremos sobre o gênero fórum digital.

3.6.4. Gênero fórum digital

O fórum digital é um gênero que emergiu com o desenvolvimento das

tecnologias de comunicação e, na Internet, tem como função propiciar a

formação de uma comunidade discursiva24. Conforme mencionamos, trata-se

de um gênero de comunicação assíncrona que “reúne as interações escritas

em forma de hiperlinks ou de sequências de textos, com identificação dos

tópicos dos participantes, seus endereços eletrônicos (opcional) e datas das

contribuições” (PAIVA & RODRIGUEZ JÚNIOR, s/d, p. 6). A palavra fórum, na

sua origem, significa lugar de reunião, congresso para o debate de um tema.

Xavier & Santos (2005, p. 31-32) explicam que o fórum digital é uma “reedição

do gênero fórum”, que já ocorria nas sociedades democráticas como uma

24 Neste trabalho, o sentido de comunidade discursiva é o proposto por Maingueneau (2008a, p. 159): “comunidade

discursiva é uma comunidade que se organiza em torno da produção de textos específicos”.

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“audição social da multiplicidade de opiniões e dizeres para se chegar a uma

conclusão conscienciosa e eficiente”. No fórum digital, faz-se uso das novas

tecnologias que propiciam a ampliação dos participantes que podem dar a sua

opinião a respeito de temas “escolhidos estrategicamente pelos portais de

acesso à Internet que, visando a atrair os internautas (...) instigam a disputa,

levam os participantes à popularização das opiniões, excitando inevitavelmente

os ânimos dos que leem e deixam as suas opiniões”.

Para Paiva & Rodrigues (2004), os fóruns virtuais caracterizam-se

essencialmente pela relação dialógica que acompanha os diversos discursos

produzidos por seus participantes virtuais. Tal relação, aliás, não deve deixar

de ser considerada nesse contexto, já que não podemos tratar da língua sem

enfocar seus aspectos discursivos e enunciativos. Nesse sentido,

fundamentamo-nos nas explicações de Bakhtin (1999, p. 113), que argumenta:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo

fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.

Assim, na interação construída nos fóruns virtuais instaura-se uma sequência

comunicacional tecida pela relação que se estabelece entre autores das

sequências, suas intenções comunicativas e os fatores contextuais que

compõem a cena enunciativa.

Entretanto, o caráter dialógico da linguagem ultrapassa os enunciados

produzidos pelos sujeitos em uma enunciação. Os textos que produzem

também dialogam entre si e entre outros textos que os antecedem, formando

uma cadeia de comunicação discursiva. Para Bakhtin (2006, p. 300),

o falante não é um Adão e, por isso, o próprio objeto de seu discurso torna-se um palco de encontro com opiniões de interlocutores imediatos (na conversa ou na discussão sobre algum acontecimento do dia-a-dia) ou com pontos de vista, visões de mundo, correntes, teorias etc. (no campo da comunicação cultural). O enunciado é um

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elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto fora quanto dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas.

Assim, no fórum, à medida que os interlocutores virtuais enunciam seus

discursos, uma rede discursiva híbrida se estrutura, tornando explícita a

contribuição de cada interlocutor para a formação de uma cadeia intertextual de

enunciados. A qualquer momento, os participantes têm acesso a informações

anteriores, que lhes permitem meios de reflexão e comentários acerca dos

tópicos que ali se desenrolam, o que tipifica o gênero discursivo fórum.

Embora se deva considerar em alguns gêneros emergentes das novas

tecnologias uma estreita relação entre oralidade e escrita, pode-se verificar que

essa característica no fórum virtual se dá de modo contrário ao que ocorre na

interação oral: na oralidade não se pode voltar após o encerramento de uma

conversa e a dispersão dos participantes. Já em um fórum virtual é possível

interagir com quem postou uma sequência no mesmo dia e, em seguida, com

outro que publicou uma há alguns dias.

Os fóruns virtuais podem ser abertos ou fechados. Os abertos são os que

estão disponíveis em portais cujo acesso é permitido a qualquer usuário da

Internet sem que tenha de se identificar pelo próprio nome. É comum nesses

espaços o uso de pseudônimos por parte dos usuários. Já nos fechados, os

usuários precisam de permissão para participar e isso os obriga a uma

identificação exata.

Santos & Xavier (2005) verificaram que em fóruns abertos, de modo geral,

poucos participantes se atêm à questão central da discussão, pois muitos deles

fazem comentários que não se relacionam com o tema proposto. Além disso,

utilizam o espaço para enviar piadas, spans, correntes, fazer desabafos,

críticas ao governo. Com relação aos traços linguísticos, os autores (2005, p.

36) observaram que os predominantes são: “preferência por períodos curtos e

simples, emprego de léxico coloquial, uso de frases truncadas, pouca

densidade informacional, presença de marcadores conversacionais”.

Ao observarem fóruns fechados do contexto de pós-graduação, Paiva &

Rodrigues (2004, p. 8) verificaram que eles apresentam as seguintes

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características discursivas: “interação assíncrona, organização em sequências

ou turnos comunicativos, disposição de agrupar vários tópicos discursivos de

uma só vez, linguagem cuidada, tendência pouco rígida a possibilidades de

mudanças de footing dos participantes da interação”. Os autores acrescentam

ainda que as estruturas linguísticas são híbridas do gênero artigo acadêmico,

ensaio, e-mail e chat por apresentarem formas discursivas mais rebuscadas

como citações de teorias, discussões metodológicas e práticas, cuja

textualização é a que se encontra em cartas e telegramas (nome, assunto,

nome do destinatário da mensagem).

Vale ressaltar com Souza (2005) que na comunicação assíncrona, por meio de

textos, a leitura do que se escreve é uma forma de externalização do diálogo

interno do indivíduo, que é apresentado de forma mais concreta. Como é

possível a tradução durante a escrita das próprias ideias, antes de enviar a

mensagem, o sujeito reflete sobre o seu próprio pensamento, podendo

reestruturá-lo.

Moore & Kearsley (2007, p. 162) afirmam que a configuração básica de um

fórum de discussão educacional deve ser:

1. uma mensagem inicial: o professor deve preparar uma pergunta que exige

uma resposta;

2. resposta à mensagem: espera-se que “os alunos respondam a uma pessoa

por meio de uma elaboração – ou idéia alternativa – ou uma pergunta”;

3. mensagem de acompanhamento: se for útil à compreensão do tópico, o

professor deve responder às colocações anteriores e acrescentar um

comentário adicional;

4. resumo da mensagem: o professor deve resumir as mensagens de todos os

participantes e incluir, se for o caso, aspectos importantes como similaridades e

diferenças na compreensão do grupo.

Nesta pesquisa, preocupamo-nos em observar como os discursos elaborados

em ambiente digital se constituem, enfocando, principalmente, as estratégias

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comunicacionais empregadas pelos participantes em uma cena de enunciação

configurada em contexto educacional jurídico. Acreditamos que o fórum

educacional digital, por documentar a construção de um discurso tópico a

tópico, é um importante universo de pesquisa para aqueles que se ocupam em

estudar a constituição de acordos discursivos decorrentes do entrelaçamento

de sujeitos construtores de conhecimento.

3.7. Linguagem jurídica e ethos discursivo

Maingueneau (1995, p. 143) assinala que a configuração de uma imagem dos

sujeitos em um discurso não pode ser dissociada do código linguageiro que

utilizam:

Não se poderia, portanto, estabelecer uma separação entre ethos e código de linguagem, próprio a uma posição no campo literário. O código de linguagem só é eficiente associado ao ethos que lhe corresponde. Não surpreende ser a ele atribuída também uma corporalidade e um caráter.

Assim, as escolhas realizadas no código linguageiro é que possibilitam um

modo de ser e de usar uma linguagem na situação enunciativa. Uma

cenografia implica certo uso da linguagem e é indissociável dele. No âmbito do

Direito, assim como em outras áreas do conhecimento, faz-se uso de uma

linguagem técnica, específica, que, embora siga os princípios básicos da língua

materna, é carregada de palavras e expressões com acepções próprias da

área.

Segundo De Plácido e Silva (2004), a linguagem técnica estrutura-se sem fugir

às regras da etimologia, por uma necessidade de clareza e síntese. Assim,

todas as palavras ou expressões que se relacionam com os vocábulos

técnicos, como adjetivos e substantivos, não podem se desviar da significação

do termo radical, ditada pelas normas gramaticais, embora adquiram novo

significado. A linguagem jurídica obedece às normas estabelecidas pelos

gramáticos e pelos filólogos para que na formulação das leis se empregue uma

linguagem ajustada ao pensamento legislativo, sem se extrapolar o sentido

específico nem se subordinar sentidos prejudiciais à aplicação dos preceitos

jurídicos fixados.

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O autor ressalta que não são somente as operações designativas de coisas ou

de fatos que merecem ser assinaladas de forma apropriada e técnica para se

discriminarem. Na linguagem jurídica, há expressões e locuções que não

individualizam coisas, fatos ou instituições ou não estabelecem configurações,

mas merecem interpretação especial. Apresentam sentido ou acepção

propriamente jurídica, por afirmarem situações adequadas ou assinalarem

circunstâncias que têm ingresso em regimes legais instituídos. Em razão disso,

na linguagem jurídica anotam-se palavras ou expressões de todas as classes

gramaticais: substantivos, adjetivos, verbos, locuções verbais, advérbios, que

possuem significado jurídico a ser considerado quando tais expressões são

empregadas em textos jurídicos, mesmo que semelhante conceito ou sentido

não demonstre ordem técnica.

A palavra público, por exemplo, exprime, de modo geral, aquilo que é de todos,

pertencente a todos, o que é de uso de todos. Equivale, pois, a comum,

conhecido, popular, patente, manifesto. Entretanto, na linguagem jurídica,

adjetiva o instrumento ou a escritura, para apontá-lo como instrumento público

ou escritura pública, o que não significa comum, popular, conhecido. Público,

nesse caso, significa a condição do instrumento ou da escritura que foi lavrada

por ofício do tabelião ou pelo oficial de notas. Distingue-se do privado, ou seja,

do que foi feito pelas mãos do particular ou dos indivíduos interessados em sua

elaboração.

Na linguagem jurídica também é comum o emprego de certas palavras cujas

acepções são inconfundíveis; no entanto, de modo geral, são consideradas

sinônimos. É o caso, por exemplo, das palavras chamar e nomear, que

significam dar pelo nome, individualizar, intitular. No sentido jurídico, porém,

chamar ao processo é convocar alguém, que se identifica pelo nome, para

assumir a posição de agente e nomear à autoria é indicar o nome ou designar

o nome da pessoa a quem pertence algo posto em disputa, para defendê-lo

como seu legítimo proprietário.

Assim, em razão dessa preocupação semântica, há os vocabulários,

dicionários jurídicos que procuram estabelecer o significado das palavras e

expressões na linguagem jurídica. Evidentemente, as questões semânticas

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não se restringem aos dicionários e vocabulários técnicos, elas podem ser

percebidas na dinâmica do Direito, à medida que surgem novas leis, novos

fatos sociais e pela própria jurisprudência. Em determinados textos legais,

existe sempre a preocupação de se definir o sentido das palavras ou

expressões, sendo a própria lei, às vezes, a responsável por esse trabalho

semântico.

O aspecto sintático, por sua vez, é tão importante quanto o aspecto semântico

no emprego de palavras e expressões na linguagem jurídica. Como sabemos,

a sintaxe é parte da gramática que trata das relações das palavras como

elementos de uma frase, bem como as suas relações de concordância, de

subordinação e de ordem. Verificamos na língua que as frases variam quanto à

extensão, ao sentido, à ordem que se apresentam. Embora pareça não haver

uma ordem, é possível esclarecer que existe uma organização que obedece a

princípios gerais e dão condições aos usuários de perceber se as frases

seguem as regras gramaticais, se estão completas ou incompletas, se

possuem sentido. Nos manuais de redação jurídica, as recomendações são

sempre para que o profissional de Direito siga as recomendações da gramática

normativa.

O Direito é uma área de conhecimento que contribui para que a sociedade

funcione eticamente. Ele, junto com a educação, com as relações sociais e a

tradição, com a religião, constrói o discurso ético de uma estrutura social. Disso

decorre a importância do emprego de linguagem mais clara, objetiva, sem

permitir mais de uma interpretação, para o que a linguagem técnica contribui.

Na tradição jurídica, há uma associação entre formalidade, seriedade e

credibilidade.

Além dos aspectos mencionados, ressaltamos que no texto jurídico há especial

cuidado no que tange à coerência e à coesão, a fim de que o sentido na

interlocução comunicativa seja garantido. Segundo Bittar (2003, p. 347), a

construção do sentido do texto na área jurídica é muito importante, sobretudo

porque nele:

encontram-se cadeias infinitas de práticas textuais emaranhadas e

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interligadas, que dão origem ao que se chama de intertextualidade. Revela-se ainda o aspecto de que as práticas jurídicas avocam a presença da escrita, de modo que todo texto documentado é fonte de informações juridicamente relevantes, passíveis de sólida comprovação, enquanto subsistente o texto e seu suporte material.

Tal preocupação se justifica, uma vez que Koch & Travaglia (2002, p. 11)

afirmam que a coerência não está relacionada com a gramaticalidade no nível

da frase, mas sim com o “que se estabelece na interação, na interlocução, em

uma situação comunicativa entre dois usuários”. Trata-se, pois, daquilo que faz

com que o texto tenha sentido para quem o lê ou ouve. Está relacionada com a

interpretação que se fará do texto, com a inteligibilidade em uma situação de

comunicação e com a capacidade que o leitor do texto tem para interpretar,

compreender o seu sentido.

Segundo Koch & Travaglia (2003, p. 47), o estabelecimento da coerência

depende de alguns fatores como:

a) elementos linguísticos, bem como sua organização em uma cadeia linguística; b) conhecimento de mundo e o grau em que esse conhecimento é partilhado pelos produtores e receptores do texto; c) fatores pragmáticos e interacionais, tais como o contexto situacional, os interlocutores em si, suas crenças e intenções comunicativas, a função comunicativa do texto.

Já a coesão, diferentemente da coerência, aparece revelada no texto por

marcas linguísticas, índices formais na estrutura da sequência linguística e

superficial do texto, uma vez que se manifesta na organização da sequência do

texto. É sintática e gramatical, mas é também semântica, pois é a relação entre

um elemento do texto e um outro elemento fundamental para a sua

interpretação. É, como sabemos, a ligação entre os elementos superficiais do

texto, o modo como as frases ou partes se combinam para assegurar um bom

desenvolvimento.

Para Bittar (2003), a coerência de um texto jurídico não se dá simplesmente

pela ligação de locuções técnico-jurídicas entre si ou pelo emprego de uma

linguagem rebuscada, cheia de construções barrocas ou mesmo de

expressões latinas. Ela pode ser constatada quando os fins são atingidos.

Evidentemente há a preocupação com alguns elementos como o auditório a

que se destina o texto, a utilização de técnicas para obter bons resultados, mas

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os elementos apresentados por Koch & Travaglia (2003) também devem ser

observados para alcançar a virtude do texto.

Para Bittar, não basta o profissional somente conhecer bem o texto da lei para

manter uma linha de argumentação favorável para si, pois a lei pode ser

considerada sem validade; somente ter bom domínio da língua e desconhecer

argumentos técnicos; somente ter teses originais e notórias para a defesa de

direitos, pois a sua adequada colocação e sua manifestação por termos

convincentes chega a ser mais importante que a tese em determinadas

situações.

Dessa forma, o texto jurídico, para ser consistente, exige: a unidade, a

completude, de modo a determinar a área de discussão; a condução do leitor

por meio de uma argumentação que reitere a defesa do eixo central da

discussão; o assunto exposto de maneira a tornar clara a direção a ser seguida

e perseguida pelo enunciador; a estrutura que contenha primeiro o problema,

depois a opinião sobre ele, a justificativa da opinião em face do problema, a

conclusão que retome a tese fundamental do texto, deixando de modo claro a

postura assumida; a obediência às regras gramaticais que conferem

credibilidade ao conteúdo exposto; os elementos de coesão que promovem o

encadeamento lógico das frases no texto.

Observamos que nos ambientes virtuais de aprendizagem, como nos fóruns,

por exemplo, a tendência dos participantes em um curso a distância é projetar,

no discurso, um ethos que traga para as discussões esse modo de dizer.

Notamos que as participações dos alunos e do professor são carregadas de

informação, os períodos e os parágrafos são longos, com citações e com

emprego da terceira pessoa, conservando a formalidade dos gêneros da esfera

jurídica em geral, como pode ser observado no capítulo de análise.

CAPÍTULO IV

O ETHOS DISCURSIVO

Neste capítulo, apresentamos a concepção de ethos discursivo, na perspectiva

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de Maingueneau (2005a, 2008a), que considera que ele se constrói na

elaboração discursiva. Tratamos da representação do eu, com base nos

estudos de Goffman (2008), que explicita como se dá essa representação em

situações interacionais. Abordamos os estudos de Brown & Levinson (1987)

sobre a preservação de faces, enfatizando a importância das estratégias de

polidez na construção de interações colaborativas. Destacamos com

Maingueneau (2005a) as categorias de pessoa e não-pessoa e os

modalizadores como marcas linguísticas que auxiliam na projeção do ethos

discursivo na cenografia. Com Neves (2002) destacamos os tipos de

modalizadores, a sua manifestação linguística e os níveis em que atuam. Por

fim, apresentamos, com base em Maingueneau (2005a), a noção de

heterogeneidade mostrada, relacionando-a com a projeção do ethos no

discurso.

4.1. Maingueneau e a concepção de ethos discursivo

Maingueneau (2005a) expõe que a concepção de ethos se inscreve em um

quadro que se funda no quadro da argumentação, proposto por Aristóteles na

Retórica Clássica. Para o filósofo, o ethos constrói-se pelas propriedades que

os oradores conferem a si próprios, impressas implicitamente em seu dizer.

Nessa perspectiva, a noção de ethos não se relaciona ao que os oradores

dizem de maneira explícita sobre si mesmos, mas à personalidade que

constroem por meio de suas expressões. Na concepção aristotélica, o orador é

o maior responsável pela construção de sua imagem diante de um auditório.

Para Maingueneau, porém, a noção de ethos não se configura apenas em um

discurso persuasivo, cuja projeção da imagem é responsabilidade apenas do

orador. Trata-se de um processo de adesão dos sujeitos a uma posição

discursiva em que a projeção da imagem está estreitamente relacionada à

cena enunciativa, na qual não se pode prescindir de outros elementos, tais

como o co-enunciador, o lugar, o momento em que se discursa. Maingueneau,

(2008a, p.17) argumenta:

O ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma imagem do locutor exterior a sua fala; é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o

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outro; é uma noção fundamentalmente híbrida (sócio-discursiva), um comportamento socialmente avalizado, que não pode ser apreendido fora da situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica

Na dimensão do discurso, a noção de ethos discursivo não se manifesta

apenas como estatuto ou papel, mas também como voz e corpo anunciante

historicamente identificado e inscrito na enunciação. Se considerarmos, por

exemplo, um fórum educacional de um curso a distância voltado para a área

jurídica, no discurso de um promotor que atua como professor para seus pares,

provavelmente notaremos que esse trará marcas que auxiliam os co-

enunciadores a reconhecerem de fato a imagem de um promotor. Nesse

sentido, ainda que o gênero fórum educacional requeira o emprego de algumas

estratégias linguísticas, como marcas de informalidade, para o estabelecimento

de maior interação entre os participantes, observaremos a predominância de

marcas linguísticas que remetem a uma mensagem formal, condizente com a

esfera jurídica. Tais marcas podem ser: predominância de vocabulário jurídico,

emprego de parágrafos longos, predominância da 3ª pessoa, uso de

argumento de autoridade, entre outras.

Assim, ratificamos que é preciso considerar que um texto não pode ser

apreendido apenas como objeto de contemplação; trata-se de um processo

dinâmico, que se constrói na interação com o outro, capaz de projetar imagens

“físicas” do enunciador e, ainda, capaz de fazer que o co-enunciador venha a

aderir “fisicamente” a um universo de sentido (MAINGUENEAU, 2005a).

Nesse processo de adesão, o tom impresso pelo enunciador também se

constitui como importante elemento de projeção do ethos discursivo. Tal

elemento, segundo Maingueneau (2005a), revela-se em uma dimensão

musical, representado no discurso oral pela entonação e no discurso escrito

pelas escolhas de sinais de pontuação. O efeito de sentido causado pelo tom

na constituição do ethos discursivo revela-se em uma maneira de dizer que

remete a uma maneira de ser.

Assim como na fala se reconhecem as pessoas por meio de entonação, nos

discursos escritos, podem-se reconhecer os sujeitos pelo ritmo que imprimem

por meio da pontuação empregada. Mas o tom por si só não recobre o campo

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do ethos enunciativo, deve ser associado a um caráter e a uma corporalidade.

O caráter corresponde ao conjunto de traços psicológicos atribuído ao

enunciador em função do seu modo de dizer e a corporalidade remete a uma

representação do corpo do enunciador. O caráter e a corporalidade devem ser

entendidos como aspectos ligados a concepções historicamente atribuídas ao

comportamento global do enunciador, ou seja, aos estereótipos dos

enunciadores.

Considerados o tom, o caráter e a corporalidade associados ao ethos

discursivo, cabe reafirmar que a constituição do ethos discursivo é de natureza

híbrida. Compõem essa natureza fatores psicossociais, plurissemióticos e

históricos. Desse modo, não se pode dizer que apenas os elementos

linguísticos dão conta de delinear o ethos, mas eles são, indiscutivelmente,

componentes importantes em sua projeção. Os índices linguístico-discursivos

de diversas ordens modelam o ethos do enunciador. Assim, fatores como a

escolha de um determinado gênero discursivo, a seleção lexical, a organização

das ideias podem revelar aspectos de seu comportamento.

O caráter assimétrico do ethos também deve ser levado em conta, se

quisermos compreender melhor como ocorre a sua projeção em uma

determinada instância discursiva. Conforme mencionamos, o enunciador, ao

falar, tem por intenção projetar uma imagem de si ao co-enunciador; no

entanto, essa imagem nem sempre coincide com a que o outro constrói. Com

base nisso, Maingueneau (2005a) apresenta o conceito de fiador, que consiste

na figura que o co-enunciador deve construir do enunciador, tendo em vista

aspectos textuais de diversas ordens. Nessa ótica, o ethos relaciona-se ao

enunciador e o fiador corresponde à imagem construída pelo co-enunciador,

sem que haja uma simetria entre a imagem projetada e a imagem construída.

Para que haja um fiador, é preciso que o leitor desencadeie um processo de

incorporação, que vai além de uma simples atribuição de identidade a uma

personagem fiadora. Tal processo consiste no modo pelo qual o co-enunciador

se apropria do ethos de um discurso. Nesse sentido, Maingueneau (2008a, p.

25) observa:

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A enunciação do texto confere uma corporalidade ao fiador, ela lhe dá um corpo; o co-enunciador incorpora, assimila um conjunto de esquemas que correspondem à maneira específica de relacionar-se com o mundo, habitando seu próprio corpo; essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpo da comunidade imaginário dos que aderem a um mesmo discurso.

Para o autor, não se pode considerar o ethos discursivo da mesma maneira em

qualquer texto, pois a incorporação não é um processo uniforme; ela se ajusta

com base nos gêneros e nos tipos de discurso. Por exemplo, o ethos, em um

texto escrito, não necessariamente estabelece uma relação direta com um

fiador socialmente determinado, ele pode não se referir a um estereótipo social

delimitado, pode ser suscetível de atingir categorias sociais muito diferentes.

Dessa forma, Maingueneau (2008a, p. 71) alerta para o fato de que a adesão

do co-enunciador se dá por um apoio recíproco da cena de enunciação de que

o ethos participa e do conteúdo apresentado, asseverando que

a cenografia, como o ethos da qual participa, implica um processo de enlaçamento: desde sua emergência, a fala é carregada de certo ethos, que de fato se valida progressivamente por meio da própria enunciação. A cenografia é, assim, ao mesmo tempo, aquilo de onde vem o discurso e aquilo que esse discurso engendra: ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cena da qual vem a palavra é precisamente a cena requerida para enunciar nessa circunstância.

Daí afirmarmos que, na Análise do Discurso, o ethos não pode ser visto como

na Retórica, apenas como um modo de persuasão, pois ele é parte da cena da

enunciação, com a mesma importância que tem o vocabulário ou os modos de

propagação que o enunciado exige por seu modo de existência.

Por fim, Maingueneau enfatiza que o processo de efetivação do ethos resulta

da interação entre um ethos pré-discursivo e um ethos discursivo. O ethos pré-

discursivo remete a uma imagem pré-concebida que se tem de quem enuncia:

o co-enunciador tem introjetada uma série de estereótipos, que permitem

construir hipoteticamente a imagem de quem fala; entretanto, essa imagem é

confirmada ou reconstruída pela situação de enunciação. Já o ethos discursivo

manifesta-se em ethos dito ou ethos mostrado e mantém relações de interação

com o ethos pré-discursivo. O ethos dito configura-se no momento em que o

enunciador diz ser algo e o ethos mostrado constrói-se com base em indícios

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linguísticos, como a seleção lexical e a hierarquização de ideias, e

extralinguísticos, como o caráter e a corporalidade. O ethos efetivo, construído

pelo co-enunciador, resulta da interação dessas instâncias, sendo que a

predominância de uma delas pode variar de acordo com o gênero do discurso.

4.2. Goffman e a representação do eu nas práticas sociais

Afirmamos com Maingueneau (2008a) que o processo de efetivação do ethos é

resultado da inter-relação entre o ethos pré-discursivo e o ethos discursivo.

Afirmamos, ainda, que o ethos pré-discursivo remete a uma imagem pré-

concebida que o co-enunciador tem do enunciador e que o ethos discursivo se

configura no momento em que o enunciador diz ser algo e procura consolidar

sua imagem por meio de marcas linguísticas.

As noções de “representação de si mesmo” e de “face”, postuladas por

Goffman em 1980 e depois retomadas por Brown & Levinson em 1987,

contribuem sobremaneira para o estudo do ethos. A questão do ethos está

associada à construção das identidades discursiva e social que se fundem. O

sujeito falante tem a identidade que lhe é permitida pelas representações que

estão presentes em um dado grupo social do qual faz parte. Nas circunstâncias

da vida cotidiana, o sujeito apresenta uma imagem de si de acordo com o

objetivo da interação (PAULIUKONIS & MONNERAT, 2008, p. 64).

Segundo Goffman (2008), em processos de interação face a face, quando uma

pessoa se coloca à presença de outras, estas procuram, de modo geral, obter

informações a seu respeito ou trazem à tona o que já sabem sobre ela.

Interessam-se, por exemplo, pela sua situação socioeconômica, pela sua

profissão, pela sua situação afetiva para que possam, com antecedência,

definir uma determinada situação e, com isso, serem capazes de saber o que a

pessoa observada espera delas.

Nesse universo, considerando-se que a pessoa seja desconhecida, as

informações podem ser obtidas com base em sua conduta e aparência. Para

isso, os observadores podem orientar-se por indicações que lhes permitam

utilizar a experiência que já tiveram com outras pessoas parecidas, ou

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orientam-se aplicando estereótipos não comprovados. Podem supor também,

tendo em vista em experiência passada, que somente pessoas de um

determinado tipo são encontradas em um dado cenário social, ou podem

confiar no que é dito pela pessoa ou em documentos apresentados que

comprovam quem ela é. Por outro lado, considerando-se que a pessoa seja

conhecida ou alguém da qual já se tem alguma informação em virtude de uma

experiência anterior à interação, os observadores podem confiar nas

suposições referentes à persistência e generalidade dos traços psicológicos

como forma de antecipar o comportamento presente e futuro dessa pessoa.

Além das situações mencionadas, durante o período em que uma pessoa está

na presença imediata de outras, podem ainda ocorrer situações em que a

pessoa observada forneça aos seus observadores, de maneira direta, a

informação de que precisam para conduzir com eficiência a atividade

interacional.

Embora Goffman (2008) se detenha apenas a situações de interação face a

face, muitos desses movimentos também são observados em situações de

interação escrita. Ao nos depararmos com um discurso científico, por exemplo,

procuramos, em um primeiro momento, levantar informações sobre o seu autor:

qual a instituição a que está vinculado, quais os trabalhos publicados, qual a

sua idade, entre outros fatores. Dessa forma, iniciamos um processo de

representação de nosso enunciador, o qual poderá se confirmar ou ser

descartado no momento em que interagirmos com o seu discurso.

Como podemos observar, muitas questões relativas à representação do eu

ultrapassam o âmbito do verbal em situações de interação face a face ou o

âmbito do textual em situações de interação escrita. Por exemplo, crenças ou

emoções, na interação face a face, podem ser verificadas indiretamente, por

meio de gestos ou ainda por um comportamento expressivo involuntário. Na

interação escrita, tais sentimentos nem sempre estarão explícitos em marcas

linguísticas, mas podem ser depreendidos de forma indireta por uma maneira

de dizer, que revela a expressividade do enunciador no intuito de impressionar

o co-enunciador.

Mas a expressividade de uma pessoa não se concretiza apenas de forma

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indireta, que subjaz a organização do dizer. A capacidade de criar uma

impressão envolve duas espécies de atividade significativa radicalmente

diferentes: a expressão que ela transmite e a expressão que emite. A primeira

refere-se aos símbolos verbais que ela emprega de forma proposital e tão

somente para veicular informação que ela e as outras sabem estar ligada a

esses símbolos; trata-se da comunicação no sentido tradicional. A segunda

inclui um amplo conjunto de ações que as outras pessoas podem considerar

sintomáticas da pessoa observada, concluindo que a ação foi levada a efeito

por razões diferentes da informação assim transmitida.

Em processos comunicacionais, a interação, muitas vezes, é resultado de uma

série de inferências. Mas essas inferências, segundo Goffman (2008), não

podem ser analisadas apenas da perspectiva das pessoas que observam; é

necessário também considerá-las da perspectiva da pessoa que é observada.

Afinal, essa última pode desejar que seus observadores pensem bem dela, ou

que percebam seu esforço para assegurar harmonia na interação. Por outro

lado, pode desejar confundi-las ou induzi-las a um erro, controlando o modo

como vão tratá-la.

O controle sobre a conduta das outras pessoas é exercido, muitas vezes, pelo

modo como o enunciador se expressa em uma situação comunicativa. Ele

pode, por exemplo, expressar-se de tal maneira que o co-enunciador terá a

impressão de que está agindo por vontade própria. Em outras palavras, quando

uma pessoa se aproxima de outras, atua de maneira a transmitir a elas a

impressão que lhe interessa transmitir. Goffman (2008, p. 29) denomina

fachada esse movimento do enunciador de procurar definir uma situação

comunicativa e considera-o um dos componentes da representação do eu:

Venho usando o termo „representação‟ para me referir a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência. Será conveniente denominar de fachada a parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação.

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Para Goffman, a fachada compõe-se de partes padronizadas, a saber: cenário,

aparência e maneira. O cenário corresponde às inferências decorrentes de

fatores tais como idade, sexo, características raciais, altura, vestuário, padrões

de linguagem, expressões faciais, gestos corporais, entre outros. A aparência,

por sua vez, refere-se às inferências decorrentes do status social da pessoa,

do trabalho, das formas de diversão. A maneira diz respeito às inferências

decorrentes do papel que a pessoa vai desempenhar: uma maneira arrogante,

agressiva pode dar a impressão de que a pessoa espera ser ela a iniciante da

interação verbal e dirigirá o seu curso; uma maneira humilde, escusatória pode

dar a impressão de que o sujeito espera seguir o comando de outros ou pelo

menos que pode ser levado a proceder assim.

Goffman explica que, frequentemente, espera-se uma compatibilidade

confirmadora entre aparência e maneira. Em outros termos, espera-se que as

diferenças de situações sociais entre os participantes sejam expressas de

algum modo por diferenças congruentes nas indicações dadas de um papel de

interação esperado. Entretanto, aparência e maneira podem contradizer uma a

outra, como acontece quando uma pessoa que parece ser de posição mais

elevada que sua platéia age de maneira inesperadamente igualitária, íntima ou

humilde.

Espera-se ainda certa coerência entre ambiente, aparência e maneira. Quando

essa coerência não existe, ocorre uma quebra de expectativa e isso pode

despertar a atenção em uma cena enunciativa, levando os sujeitos a agirem de

uma determinada maneira. Goffman (2008) ilustra essa afirmação citando o

caso de uma revista que vendeu milhões de exemplares quando publicou o

perfil do agente imobiliário que planejou a venda do Empire State Building, pois

tratava de uma pessoa que morava em uma casa pequena, tinha um escritório

pobre e não possuía sequer papel timbrado. Como podemos notar, o perfil

desse agente não condiz de forma alguma com o perfil de um grande

planejador.

Goffman explica, ainda, que, em algumas situações, é natural que os

indivíduos tomem para si uma fachada que não condiz com o papel que

desempenham em uma determinada situação comunicativa, no intuito de

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configurar uma determinada organização social. Por exemplo, estagiários e

promotores do Ministério Público de São Paulo são duas categorias que se

diferem hierarquicamente: como a primeira categoria está subordinada à

segunda, espera-se que cada uma delas apresente uma fachada diferente no

processo de construção de sua representação: o estagiário deve posicionar-se

de fato como um subordinado do promotor, auxiliando-o em suas tarefas

cotidianas. Entretanto, em situações específicas, como defender a instituição

perante a opinião pública, espera-se que ambas as categorias assumam a

mesma fachada, formando o que o autor denomina de representação coletiva.

Em suma, “uma determinada fachada social tende a se tornar institucionalizada

em termos das expectativas estereotipadas abstratas às quais dá lugar e tende

a receber um sentido e uma estabilidade à parte das tarefas específicas que no

momento são realizadas em seu nome” (GOFFMAN, 2008, p. 34).

Destacamos com Goffman que a criação de novas fachadas raramente ocorre;

de modo geral, um sujeito, ao assumir um papel social, verifica que uma

determinada fachada já foi estabelecida para esse papel. Além disso, se o

indivíduo assume um papel que é novo para ele e que ainda não está

estabelecido na sociedade, ele provavelmente tenta modificar o conceito desse

papel ou procura descobrir a existência de fachadas já estabelecidas, entre as

quais escolherá uma.

Em nosso estudo de representação do ethos, é importante considerar a noção

de equipe de representação, visto que em nosso corpus – fóruns educacionais

digitais – espera-se que a fachada dos sujeitos participantes seja a de um

colaborador na construção do conhecimento, ou seja, que tenha um espírito de

equipe capaz de sustentar a expectativa pedagógica que se tem de um fórum

educacional: a de que o conhecimento deve ser construído na interação com o

outro. A equipe de representação consiste em um grupo de indivíduos que

cooperam na construção de uma rotina particular de uma determinada

organização social. Neste trabalho, cada membro cuida de um aspecto

diferente para que o efeito total seja satisfatório; em uma equipe de

representação, os membros devem confiar uns nos outros, estabelecendo

entre si laços de familiaridade que os levarão ao alcance de um objetivo

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comum. Portanto, a ideia de cooperação deve permear as atividades realizadas

pela equipe, em detrimento de atividades individuais isoladas.

4.3. Preservação das faces e estratégias de polidez no discurso

Em processos de interação social, os participantes revelam uma impressão de

si mesmos, com a finalidade de influenciar reciprocamente os indivíduos,

atuando sobre os comportamentos uns dos outros. Tal impressão conduz-nos

ao conceito de face, definida como “o valor social positivo que dado indivíduo

efetivamente reivindica por meio da linha de ação que os outros supõem que

ele adotou durante um contrato particular” (GOFFMAN, apud AMOSSY, 2008,

p. 13). A face é, então, uma imagem do eu que se configura de acordo com o

contexto de comunicação, com base em certos atributos sociais tacitamente

aprovados.

Fundamentados nos estudos de Goffman, os pesquisadores Brown & Levinson

(1987) desenvolvem a teoria das faces, tendo em vista o sentido de faces

construído no cotidiano: dizemos, na linguagem comum, expressões como

“perder a face”, “salvar a face”. Na interação, em que se pressupõe, pelo

menos, a presença de dois indivíduos, há, no mínimo, quatro faces envolvidas:

a positiva e a negativa de cada participante. A face positiva é o conjunto de

imagens valorizadas que um indivíduo tem de si mesmo e que quer apresentar

aos outros; diz respeito à sua personalidade, à fachada social que constrói para

apresentar aos outro, que necessita de aprovação e reconhecimento. A face

negativa, por sua vez, corresponde ao seu território pessoal, à sua intimidade,

ao que ele não quer que seja invadido: seus pontos fortes e fracos.

No processo interacional, os participantes, geralmente, visam à colaboração,

mas sempre de modo a preservar a face. Segundo Brown & Levinson, há duas

distinções para o mecanismo da preservação das faces: os atos ameaçadores

ao enunciador e os atos ameaçadores ao co-enunciador. Destacamos que todo

ato de enunciação pode ameaçar ou valorizar uma ou várias faces: dar uma

ordem ameaça a face positiva do ouvinte e valoriza a face positiva do falante;

falar com um desconhecido ameaça a face negativa do ouvinte e ameaça

também a face positiva do falante.

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Assim, conforme explicam Barros & Crescitelli (2008, p. 77), os atos que

ameaçam a face positiva do enunciador são, entre outros, pedido de

desculpas, aceitação de cumprimento, confissões, admissão de culpa, e

descontrole emocional. Os atos que ameaçam a face negativa são, por

exemplo, expressões de agradecimento, respostas a gafes do ouvinte,

promessas e ofertas indesejadas.

Por sua vez, os atos que ameaçam a face positiva do co-enunciador são

expressões de desaprovação, críticas, reprimendas, acusações, insultos,

desafios. Os atos que ameaçam a face negativa são ordens e pedidos,

sugestões, conselhos, avisos, lembretes, ameaças e desafios.

Já que um mesmo ato pode ameaçar uma face com o objetivo de preservar

uma outra, os enunciadores são constantemente impelidos a buscar uma

negociação. Devem procurar uma maneira de preservar suas próprias faces

sem ameaçar a de seus co-enunciadores. Dessa forma, desenvolvem um

conjunto de estratégias discursivas para encontrar um ponto de equilíbrio entre

as exigências contraditórias, denominadas por Brown & Levinson (1987) de

estratégias de polidez. Para os autores, a polidez é um conjunto de atos de

enunciação de que o enunciador se utiliza para poupar ou valorizar aquele com

quem interage.

A polidez positiva está voltada para a face positiva do co-enunciador, é de

natureza produtiva e consiste em efetuar atos de enunciação para a face

positiva ou negativa do co-enunciador. As estratégias utilizadas, nesse caso,

são: “atender interesses do ouvinte e exagerar na sua aprovação; mostrar

interesse intensificado; usar marcadores intragrupo; buscar acordo e evitar

desacordo; pressupor conhecimentos partilhados; mostrar familiaridade e

reciprocidade” (BARROS & CRESCITELLI, 2008, p. 79).

A polidez negativa está voltada para a face negativa do co-enunciador e

consiste em evitar a produção de um ato de enunciação ou abrandá-lo por

meio de algum procedimento para não atingir nem a face positiva (uma crítica)

nem a negativa (uma ordem) do co-enunciador. As estratégias utilizadas nesse

caso são: “ser indireto, recorrer a expressões como de alguma forma’, em certo

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sentido, mostrar deferência, desculpar-se, impessoalizar o locutor, minimizar a

imposição de sua vontade” (BARROS & CRESCITELLI, 2008, p. 79).

Kerbrat-Orecchioni (2006) relaciona alguns procedimentos empregados para

suavizar um ato de fala, tais como formulação indireta do ato de fala; emprego

de desatualizadores modais, temporais ou pessoais; emprego do pronome

pessoal nós ou de sua variante gente, substituindo um você; emprego de

eufemismo; emprego de expressões como por favor, se for possível, emprego

de enunciado preliminar, emprego de minimizadores; emprego de

modalizadores como eu penso, creio, acho, tenho a impressão que, me parece

que, provavelmente, na minha opinião entre outros.

O respeito às regras de polidez gera condições para uma interação

colaborativa, pois elas têm a função de reduzir ao máximo as diferenças, os

conflitos ou discordâncias que ameaçam surgir a qualquer instante no

desenvolvimento da interação.

As estratégias de preservação de faces e de polidez podem auxiliar no

estabelecimento de uma simetria nas relações que se configuram no contexto

digital. A simetria é um fator importante no processo de ensino e aprendizagem

a distância, pois contribui para o estreitamento de vínculos entre professor e

alunos, que não compartilham o mesmo espaço e o mesmo tempo. Moore &

Kearsley (2007) observam que relações mais pessoais nesse universo tornam

o processo de ensino e aprendizagem mais eficiente.

Ao utilizar estratégias de polidez, o enunciador valoriza a imagem social que

deseja projetar. Desse modo, imprime um tom cortez em seu discurso,

conduzindo os co-enunciadores a construírem uma representação positiva de

seu ethos.

4.4. Cenas, enunciação e ethos discursivo

No capítulo III, tratamos de explicitar a concepção de cena enunciativa,

assumindo com Maingueneau (2008a) que ela integra três cenas: a

englobante, a genérica e a cenografia. A cena englobante corresponde ao tipo

de discurso, ao seu estatuto pragmático; a genérica é a do contrato associado

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a um gênero, a uma instituição discursiva; a cenografia é construída pelo texto.

Maingueneau (2008b, p. 77) afirma:

Uma cenografia não se desenvolve plenamente a não ser se puder controlar seu próprio desenvolvimento, manter uma distância em relação a um co-enunciador, que não pode agir imediatamente sobre o discurso; é o caso, em particular, da escrita. Ao contrário, em um debate, por exemplo, é muito difícil para os participantes enunciar por meio de suas próprias cenografias: eles devem reagir no campo dos atos imprevisíveis. Em situação de interação „ao vivo‟, é a ameaça às faces (no sentido de Goffman) que passa para o primeiro plano.

O leitor reconstrói a cenografia de um discurso com a ajuda de diferentes

indícios, que descobre por conhecer o gênero de discurso, por considerar os

níveis da língua, entre outros. Em uma cenografia, como em qualquer situação

de comunicação, a figura do enunciador, do fiador e a do co-enunciador são

associadas a uma cronografia (um momento) e uma topografia (um lugar) das

quais o discurso emerge.

A cenografia, como o ethos que dela participa, implica um processo de

“enlaçamento paradoxal”, pois ela é ao mesmo tempo aquela de onde vem o

discurso e aquela que ele engendra; “ela legitima um enunciado que, por sua

vez, deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cena de onde a fala emerge é

precisamente a cena requerida para enunciar” (MAINGUENEAU, 2008b, p. 77).

São os conteúdos linguísticos presentes no discurso que permitem especificar

e validar a própria cena e o próprio ethos, pelos quais esses conteúdos

surgem.

Os pronomes de pessoa e não-pessoa, por exemplo, podem ser notados

quando explícitos por uma unidade como eu, me, ou meu ou quando implícitos

em uma desinência verbal. Se o enunciador coincidir com o sujeito da frase, ele

aparece representado pela forma eu; se coincidir com o objeto direto, aparece

representado pela forma me. A forma eu não é o enunciador, mas é o seu

vestígio. A forma você, por exemplo, não é co-enunciador, mas é um vestígio

dele. Em outras palavras, trata-se de categorias gramaticais cujos referentes

variam de acordo com a cena enunciativa.

A não-pessoa é caracterizada por elementos de terceira pessoa que designam

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qualquer referente: um ser animado, uma coisa, uma ideia abstrata que não

são nem o enunciador, nem o co-enunciador. Segundo Maingueneau (2005a),

os grupos nominais de terceira pessoa, aquela de quem se fala, é uma

categoria puramente linguística. Para ele, podemos ter uma situação em que o

enunciador se denomina por um grupo nominal de terceira pessoa para se

referir à primeira pessoa.

Nesse contexto, o enunciador utiliza-se do grupo nominal de terceira pessoa

mamãe para se referir a ele próprio, o que nos leva a afirmar que “fora da

língua representada pelos enunciados, os seres não têm pessoa”

(MAINGUENEAU, 2005a, p. 107).

Um indivíduo pode valer-se das categorias de pessoa e não-pessoa para se

projetar positivamente na atividade discursiva, conduzindo de forma eficiente a

atividade interacional. Conforme mencionamos, a interação é, muitas vezes,

resultado de uma série de inferências realizadas pelo enunciador e pelo co-

enunciador. Entre essas inferências, há aquelas voltadas para a construção

das fachadas sociais, guiadas por pronomes como eu, você, nós etc. Vejamos

o exemplo que segue, retirado de um dos fóruns educacionais que compõem o

corpus desta pesquisa:

[...] A partir dessa regra muitos operadores do direito ainda

defendem a possibilidade do Promotor de Justiça firmar um termo de acordo com o indiciado/réu e seu Defensor, a ser homologado pelo Juiz, no qual todos se comprometem com a anuência ao perdão judicial, desde que o acusado cumpra todas as condições legais previstas em lei. Você concorda com tal sistemática? Ou o Juiz deve analisar a concessão da delação premiada ao final, no momento da prolação da sentença?

Nesse recorte, o sujeito, que é o enunciador mediador, emprega o pronome

você para se referir aos co-enunciadores que participam da atividade

discursiva. Ao se valer dessa escolha, individualiza-os, propiciando, assim,

maior aproximação entre eles, fato que pode contribuir para que os co-

enunciadores construam uma representação social positiva daquele que

enuncia.

Além desses elementos, Maingueneau (2005a) considera importante para a

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cena enunciativa as marcas de modalidade, pois elas indicam a atitude do

enunciador mediante ao que diz, ou a relação que o enunciador estabelece

com o co-enunciador no momento da enunciação. Tais marcas podem se

restringir aos modos verbais indicativo e subjuntivo, ou ocorrer por intermédio

das pessoas, do tempo. O fato de todo enunciado ser modalizado quer dizer

que a palavra só pode representar o mundo se o enunciador marcar sua

presença naquilo que diz.

Assim, quer por meio das pessoas, do tempo ou da modalidade, a atividade

enunciativa caracteriza-se como reflexiva:

ela fala do mundo apontando, de algum modo, com o dedo, para a sua própria atividade de fala. Dizer eu significa ao mesmo tempo designar alguém e mostrar que esse alguém é precisamente aquele que profere o enunciado em que aparece esse eu. Da mesma forma, um verbo empregado no presente designa o próprio momento em que se produz o enunciado que contém esse presente (MAINGUENEAU, 2005a, p. 108).

Não podemos deixar de ratificar que todo enunciado implica um enunciador em

relação a um co-enunciador. Para que a interação seja eficiente, as escolhas

linguísticas do primeiro devem ser realizadas com base naquilo que o segundo

representa na atividade discursiva.

Nesse processo, os movimentos de embreagem e debreagem enunciativa

devem ser observados com atenção. Maingueneau denomina de embreagem o

conjunto de operações nas quais o enunciado se assenta na situação de

enunciação e ressalta que ela é marcada no enunciado pelos embreantes,

também chamados de dêiticos. Eles marcam a pessoa, o tempo e o espaço em

um enunciado. Os embreantes têm a função de articular o enunciado à

situação de enunciação.

São embreantes de pessoas os pronomes pessoais de primeira e segunda

pessoa: eu, tu/você(s), nós, vós; os determinantes meu(s)/teu(s),

minha(s)/tua(s), nosso(s)/vosso(s), nossa(s)/ vossa (s), seu(s) e sua(s); os

pronomes o meu(s)/o teu(s), a minha(s)/a tua(s), o nosso(s)/ o vosso(s), a

nossa(s)/ a vossa (s), o seu(s)/ as sua(s).

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São embreantes temporais as marcas de presente, passado e futuro ou as

palavras ou os grupos de palavras com valor temporal, como ontem, amanhã,

hoje, há três dias, que têm como referência o momento de sua enunciação.

Ontem indica o dia anterior à enunciação; hoje, o próprio dia da enunciação;

amanhã, o dia seguinte ao dia da enunciação.

São embreantes espaciais aqueles que indicam um lugar, tendo como

referência o lugar onde se dá a enunciação: aqui indica o espaço em que falam

os co-enunciadores; lá, um lugar distante deles; isso indica um objeto

inanimado mostrado pelo enunciador. Além desses embreantes espaciais, há

também os grupos nominais determinados por este, esse, esta, essa que

associam uma embreagem com um substantivo que possui significado

independente da situação de enunciação.

Maingueneau (2005a) ressalta que um embreante tem um significado estável

(eu indica sempre a pessoa que fala), mas caracteriza-se por seu referente ser

identificado em relação ao ambiente espaço-temporal de cada enunciação

particular em que se encontra. Se os referentes dos grupos que indicam

pessoa, tempo e espaço forem identificados em outros elementos do

enunciado, ou fora do contexto, eles não serão considerados embreantes. O

autor ressalta ainda que é preciso atentar para a maneira de enunciar, pois ela

pode estar em plano embreado ou não embreado, conforme a relação que se

estabelece entre o enunciado e a situação de enunciação.

Os enunciados embreados são aqueles que comportam embreantes, ou seja,

relacionam-se com a situação de enunciação. Esse tipo de enunciado contém,

além dos embreantes, outras marcas da presença do enunciador como

apreciações, interjeições, exclamações, ordens, interpelações do co-

enunciador. Os verbos nesse plano são necessariamente o presente dêitico,

que permite situar o passado e o futuro.

Os enunciados não embreados são aqueles isolados da situação de

comunicação, embora apresentem um enunciador e um co-enunciador. São

produzidos em um momento e lugar particulares, ocorrendo com frequência em

textos literários narrativos, em textos científicos, em verbetes de dicionário, em

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generalizações como a dos provérbios. Os verbos são empregados, nesse

plano, com valor não dêitico, indicando que o enunciado é sempre verdadeiro

em todas as situações de enunciação e para qualquer enunciador.

4.5. Modalizadores nas práticas discursivas

Vimos com Maingueneau (2005a) que a modalização é o meio pelo qual o

enunciador exprime uma atitude em relação ao co-enunciador e ao conteúdo

de seu enunciado. Como a Análise do Discurso lida com enunciações, é

fundamental em um estudo da construção do ethos discursivo a identificação

das modalidades. Elas se apresentam por marcas particulares explícitas ou

mantêm-se implícitas ao discurso, mas estão sempre presentes, indicando a

atitude do sujeito diante do co-enunciador, de si mesmo e de seu próprio

enunciado.

Para investigarmos a modalidade em nosso corpus, apoiamo-nos em Neves

(2002), que apresenta estudos da modalidade em Língua Portuguesa,

integrando-a nos níveis sintático, semântico e pragmático. Embora esses

estudos se insiram na vertente funcionalista, que não é a deste trabalho, suas

informações contribuem para melhor compreendermos a modalidade no plano

linguístico. Nessa perspectiva, Maingueneau (1997, p. 18) assinala:

Não existe nenhuma harmonia preestabelecida entre os diversos objetos que podem ser propostos pela AD e os recursos que a linguística lhe oferece (devendo-se entender definitivamente que „a‟ linguística designa, de fato, „as‟ linguísticas de campo). Frente a um corpus, o pesquisador a priori não tem nenhuma razão determinante para estudar um fenômeno em detrimento de outro, da mesma forma que nada o obriga a recorrer a um determinado procedimento ao invés de qualquer outro.

Dessa forma, reconhecemos que a Análise do Discurso se realiza na língua,

mas não está presa a um ramo da Linguística. O analista de discurso tem a

liberdade de selecionar o ponto de vista que o leve a alcançar seus objetivos.

Segundo Neves (2002), o estudo da expressão linguística das modalidades

leva em conta os modelos da Lógica, mas distancia-se deles em razão do

caráter não-lógico das línguas naturais, já que essas possuem a tendência de

empregar os mesmos meios linguísticos para diferentes finalidades

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comunicativas. São três os tipos de modalidade: a alética ou aristotélica, a

deôntica e a epistêmica.

A modalidade alética é central na Lógica e relaciona-se com a verdade dos

mundos possíveis; nela, o necessário e o possível são valores que alteram o

valor de verdade das proposições. Conforme afirma Neves (2002, p. 180), essa

modalidade não é o foco dos estudos linguísticos, uma vez que “é muito

improvável que o enunciado se possa manter como uma asserção

descompromissada das intenções e das necessidades do falante que

assevera”. Uma investigação somente alética retiraria a proposição do contexto

de enunciação para se ater apenas à organização interna de seus termos.

Já a modalidade deôntica relaciona-se com o eixo da conduta e exprime

valores de permissão, obrigação, volição. Para Neves (2002, p. 180), essa

modalidade “está condicionada por traços lexicais específicos ligados ao

falante [...] e, de outro lado, implica que o enunciatário aceite o valor de

verdade do enunciado para executá-lo”. Liga-se ao imperativo e é característica

de interações espontâneas, nas quais se espera que um enunciador leve o

outro a fazer algo. A modalidade deôntica manifesta-se pelos verbos modais e

envolve um controle intrínseco dos eventos.

Por fim, a modalidade epistêmica apóia-se no eixo do conhecimento e tem a

função de asseverar, ou seja, indicar a adesão do enunciador ao que é

enunciado. A asseveração é a apresentação do conteúdo pelo falante de forma

afirmativa, como um fato não-duvidoso. A fatualidade é exercida por advérbios

(por exemplo: realmente, certamente, obviamente).

Neves (2002) observa que a avaliação epistêmica posiciona o falante em um

ponto de um contínuo que vai da certeza aos indefinidos graus do possível. A

língua oferece uma série de expressões para relativizar os diversos pontos

desse espaço, de acordo com a intenção comunicativa. Quando o enunciador

se posiciona no ponto extremo da certeza, avalia como verdadeiro o conteúdo

do enunciado e bloqueia, assim, a possibilidade de que ele seja relativizado ou

questionado. Quando se coloca no terreno dos graus de possibilidade,

apresenta-se como aquele que, por não poder asseverar, constrói ressalvas

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em seu enunciado. Dessa forma, quando a modalização epistêmica se

manifesta no extremo da certeza, temos a precisão e no campo da não-

certeza, temos a imprecisão.

Com relação à fonte do conhecimento, o enunciador possui meios para

exprimir a evidência, ou seja, a certeza que não se vincula à sua opinião

pessoal (evidentemente, realmente, obviamente) ou a aparência, ou seja, a

não-certeza, que não se vincula à opinião pessoal (parece, acho,

provavelmente, talvez). Neves (2002) expõe que a certeza, a precisão, a

evidência são garantidas pelo conhecimento; a não-certeza, a imprecisão, a

aparência, por sua vez, são justificadas pelo não-conhecimento ou

desconhecimento.

Para Neves, investigar as marcas linguísticas que dão conta da precisão ou da

imprecisão, da ocorrência de maior asseveração ou de maior atenuação não é

tarefa simples, pois nem sempre esses efeitos são de fácil percepção em um

enunciado. Entretanto, a atribuição de maior grau de certeza a enunciados,

mesmo sem marcas atitudinais que revelam passagem pelo conhecimento e

julgamento do falante, é mais fácil. O cuidado que se deve ter com enunciados

sem marcas atitudinais é o de não identificar como modalizador elementos

circunscritores (praticamente, geralmente, quase) que neles são comuns, pois

esses elementos não modalizam, apenas limitam a predicação ou partes dela e

sugerem precisão e não ressalva em relação ao conhecimento.

A manifestação da modalidade pode ser identificada pelos seguintes meios

linguísticos: verbo auxiliar modal; verbo de significação plena, indicador de

opinião, crença ou saber; advérbio; adjetivo em posição predicativa;

substantivo; categorias gramaticais de tempo, modo e aspecto do verbo da

predicação. Neves (2002) ressalta que além desses meios linguísticos há

outros puramente sintáticos, como a unipessoalização, que minimiza a

participação do falante; a escolha de uma construção sintática, como, por

exemplo, a apassivação quando o enunciado está em primeira pessoa. Nesse

caso, o falante pode retirar-se do enunciado, já que sai da posição de sujeito.

Os funcionalistas propõem para o estudo da modalidade a identificação de

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diferentes instâncias. Hengeveld (apud NEVES, 2002, p. 181) considera que

uma predicação (expressão linguística) “não apenas dá uma descrição da

situação externa a que os falantes se referem dentro de um ato de fala, mas

também representa o conteúdo proposicional ou unidade de mensagem

processada dentro daquele ato de fala”. Assim, a gramática funcional distingue

duas funções das predicações: a descritiva e a de conteúdo.

De acordo com Hengeveld, o enunciado deve ser analisado em dois níveis: o

representacional e o interpessoal. O nível representacional refere-se ao evento

narrado, ou seja, é o reconhecimento que o co-enunciador faz da situação, é a

representação de um estado de coisas. Já o nível interpessoal refere-se ao

evento de fala, ou seja, a situação é apresentada de modo que o co-enunciador

é capaz de reconhecer a intenção comunicativa do falante. Para distinguir as

duas funções, Hengeveld usa o termo predicação para fazer referência à

primeira função (representacional) e proposição para fazer referência à

segunda (interpessoal).

4.6. Heterogeneidade marcada no/pelo discurso relatado: formas de

projeção do ethos

Maingueneau (2005a) retoma a distinção entre heterogeneidade mostrada e a

constitutiva, feita por Authier-Revuz (1982). A primeira relaciona-se com as

manifestações explícitas, recuperáveis com base em uma diversidade de

fontes de enunciação; a segunda não é marcada em superfície, mas pode ser

definida por meio do interdiscurso, na constituição de uma formação discursiva.

Para autor, o discurso relatado em discurso direto constitui uma enunciação

sobre outra enunciação, em que se relacionam dois acontecimentos

enunciativos, sendo a enunciação citada objeto da enunciação citante. Esse

tipo discurso caracteriza-se por dissociar com clareza as duas situações de

enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado. Trata-se da exata

reprodução das palavras do enunciador citado, em que não se relatam

necessariamente falas pronunciadas efetivamente; pode ser uma enunciação

sonhada, uma enunciação futura, ordenada. Então, não se pode afirmar que no

discurso direto se está sendo fiel ao original, pois, mesmo que se tratasse de

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falas consideradas proferidas, seria uma encenação, na qual o objetivo seria

criar um efeito de autenticidade.

Como a situação de enunciação é reconstruída pelo sujeito que a relata, a

descrição subjetiva condiciona a interpretação do citado, não podendo, então, o

discurso direto ser objetivo. Ele é apenas um fragmento de texto submetido ao

enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um

enfoque pessoal.

A escolha do discurso direto como modo de discurso relatado está ligada, de

modo geral, ao gênero de discurso em questão ou às estratégias de cada texto

e, de modo particular, pode ter o objetivo de

criar autenticidade, indicando que as palavras relatadas são aquelas realmente proferidas; distanciar-se: seja porque o enunciador citante não adere ao que é dito e não quer misturar esse dito com aquilo que ele efetivamente assume; seja porque o enunciador quer explicitar, por intermédio do discurso direto, sua adesão respeitosa ao dito, fazendo ver o desnível entre palavras prestigiosas, irretocáveis e as suas próprias palavras (citação de autoridade); mostrar-se objetivo,

sério (MAINGUENEAU, 2005a, p. 142).

Os fenômenos enunciativos em que o enunciador se pronuncia por falas pelas

quais não se responsabiliza nem sempre têm relação com rejeição. Esse

distanciamento pode estabelecer uma adesão, como é o caso da citação de

autoridade, em que o enunciador se apaga diante do co-enunciador para

garantir a validade da enunciação. Trata-se de enunciados já conhecidos por

uma coletividade, já abalizados por ela. Assim, não podem ser resumidos nem

reformulados, constituem a própria palavra, captada em sua fonte.

Ao discurso citante cabe satisfazer duas exigências em relação ao leitor:

indicar que houve um ato de fala e marcar o limite que o separa do discurso

citado. A primeira exigência, em geral, é atendida por meio de verbos

introdutores, colocados antes, intercalados ou no final do discurso citado, que

indicam a enunciação. A segunda exigência, por sua vez, pode ser atendida

de diversas maneiras, sobretudo tipográficas: dois pontos, travessões, aspas e

itálico delimitam a fala citada.

Também se pode indicar que um enunciador não é o responsável por um

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enunciado por meio da modalização em discurso segundo, ou seja, pelo

emprego de grupos preposicionais (segundo fulano, para fulano, conforme

fulano) que modalizam a informação.

Nesse caso, a expressão segundo fontes bem informadas funciona como

modalizador que exime o enunciador da responsabilidade da informação

emitida por ele. De maneira geral, esses introdutores de discurso direto não

são neutros, mas trazem consigo um enfoque subjetivo, já que marcam a

relação do sujeito com que enuncia.

Já o discurso indireto caracteriza-se por apresentar as falas em forma de uma

oração subordinada objetiva direta, introduzida por um verbo dicendi e, por

isso, mais restritivo. Diferentemente do que ocorre no discurso direto, é o

sentido do verbo introdutor que mostra haver um discurso relatado e não uma

simples oração subordinada substantiva objetiva direta. À semelhança do

discurso direto, a escolha do verbo introdutor é bastante significativa, pois

condiciona a interpretação, direcionando, de certa forma, o discurso citado.

No emprego do discurso indireto, há apenas uma situação de enunciação, em

que as pessoas e os dêiticos espaço-temporais do discurso citado são

identificados em relação à situação de enunciação do discurso citante. Assim,

além dos embreantes, as designações e as avaliações passam a ser as do

discurso citante. Desaparecem do discurso citado as exclamações, as

interrogações, os imperativos. Sabe-se que toda enunciação é afetada por uma

“modalidade global (toda frase ou é afirmativa ou exclamativa ou interrogativa

ou imperativa)” que define certa relação entre os interlocutores

(MAINGUENEAU, 1996, p. 109).

No que tange à colocação de aspas, Maingueneau (2005a) expõe que os

enunciados relatados em discurso direto são postos entre aspas para marcar a

autoria do outro, que é manifestada pela ruptura sintática entre o discurso

citante e o discurso citado. O emprego das aspas no início e no final do

enunciado citado indica que o enunciador está fazendo menção a esse

enunciado. Se a mesma função está presente quando se emprega uma palavra

isolada – por exemplo em “Cachorro” é um substantivo masculino – refere-se

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ao próprio signo linguístico. O emprego em que os enunciadores se referem

aos signos é denominado de autonímico e opõe-se ao uso corrente, no qual as

palavras se referem a realidades externas à linguagem. No emprego

autonímico, não se pode substituir a palavra entre aspas por um sinônimo.

De acordo com Maingueneau, paralelamente ao emprego autonímico das

aspas, há o emprego para indicar uma modalização autonímica, que pode ser

um comentário do enunciador em relação à sua própria fala, enquanto está

sendo produzida. Se considerarmos, por exemplo, o enunciado Nós somos

responsáveis “de certa maneira” por tudo que nos acontece, notamos que a

expressão “de certa maneira” é uma modalização autonímica, pois o

enunciador concorda parcialmente com o emprego do adjetivo “responsáveis”,

mas não interrompe o enunciado.

A modalização autonímica manifesta-se em uma grande variedade de

categorias e construções: “de uma certa forma”, “desculpe a expressão, “se eu

posso dizer”, “ou melhor”, “isto é”, “enfim”, “em todos os sentidos da palavra”,

entre outras. A modalização autonímica pode ser marcada pelas aspas,

embora elas não sejam obrigatórias, e também pelo itálico, pelas reticências,

pelos parênteses, pelo travessão duplo.

Authier-Revuz (apud MAINGUENEAU, 2005a, p. 159) classifica os comentários

do enunciador sobre a sua própria enunciação de não-coincidências do dizer,

nas seguintes categorias:

a não-coincidência interlocutiva, quando as modalizações autonímicas

indicam uma distância entre os co-enunciadores; são exemplos as

expressões: desculpe a expressão, se se pode dizer, se você preferir,

entende o que eu quero dizer? Como você mesmo diz;

a não-coincidência do discurso consigo mesmo, quando o enunciador

faz referência a um outro discurso dentro de seu próprio discurso; são

exemplos as expressões: como diz fulano, para usar as palavras de

fulano, o assim chamado...., o que se costuma chamar...;

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a não-coincidência entre as palavras e as coisas, quando se trata de

indicar que as palavras empregadas não correspondem à realidade que

deveriam designar; são exemplos: poderíamos dizer, como dizer?, Já

que é necessário nomear...;

a não-coincidência das palavras consigo mesmas, quando o enunciador

se confronta com o fato de que o sentido das palavras é ambíguo; são

exemplos: em todos os sentidos da palavra, no sentido primeiro da

palavra, literalmente, eis a palavra adequada.

Para descobrir o emprego das aspas e interpretá-las, o leitor deve levar em

consideração o contexto e, especialmente, o gênero do discurso. As aspas

estarão mais presentes em gêneros que pretendem suscitar mais esforços

interpretativos ou conveniências no âmbito de grupos restritos. Para que esse

sinal de pontuação seja interpretado adequadamente, é preciso que haja uma

conveniência entre enunciador e co-enunciador. O enunciador que faz uso das

aspas, conscientemente ou não, deve construir para si uma representação de

seus leitores, para antecipar sua capacidade de interpretação. Por seu lado, o

co-enunciador deve construir também uma representação do universo

ideológico do enunciador para ser bem-sucedido na interpretação.

CAPÍTULO V

A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO NO GÊNERO

FÓRUM EDUCACIONAL DIGITAL DO CONTEXTO JURÍDICO

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Neste capítulo, apresentamos e discutimos os dados selecionados no corpus

de nossa pesquisa, com base nos fundamentos teóricos explicitados nos

capítulos anteriores, a fim de comprovarmos a tese de que a projeção

discursiva do ethos dos enunciadores assinala sua disposição para interagir de

forma mais ou menos colaborativa, partindo das coerções próprias do discurso

jurídico. Julgamos que, no fórum, o ethos discursivo pode se valer de

estratégias comunicativas que auxiliam no estabelecimento de um maior grau

de colaboração com o intuito de veicular conhecimentos jurídicos.

Na expectativa de contribuirmos para o desenvolvimento de metodologias de

ensino e aprendizagem mais interativas no contexto educacional virtual jurídico,

verificamos como os discursos elaborados em ambientes digitais se

constituem, observamos as estratégias empregadas pelos participantes de uma

situação comunicativa, verificando em que medida essas estratégias se

revelam acordos ou desacordos discursivos e de que forma o ethos se constitui

na cenografia instaurada.

Os pressupostos teóricos da AD norteiam a análise do ethos discursivo

projetado no gênero fórum educacional digital, visto que, para

compreendermos a sua constituição nesse gênero por meio do discurso, é

necessário compreendermos as bases de sua concepção. Nesta tese, partimos

de uma perspectiva sociointeracionista da linguagem, em que as relações

dialógicas entre os participantes de uma determinada situação comunicativa

são regidas por elementos contextuais, tais como o papel social

desempenhado pelos indivíduos, sua idade, seu grau de instrução, entre

outros.

Reiteramos que o gênero fórum digital é um espaço na Internet em que uma

comunidade discursiva reúne suas interações por escrito. Caracterizam-se pela

exposição de diferentes posicionamentos sobre um tema, pelo debate e pela

busca de soluções coletivamente (XAVIER & SANTOS, 2005). Embora as

discussões no ambiente digital ocorram de forma assíncrona, são marcadas

por objetivos e temas comuns aos participantes, que suscitam questões a

serem discutidas. O diálogo assinala-se pela retomada de tópicos

apresentados por outros participantes e por regras de conduta que visam a

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tornar o espaço de discussão mais cooperativo. Trata-se, então, de uma

atividade social, cujos discursos constituem gêneros, já que são “dispositivos

de comunicação sócio-historicamente condicionados que estão em constante

mudança e aos quais são frequentemente associadas metáforas como

„contrato‟, „ritual‟, „jogo‟ (MAINGUENEAU, 2008a, p. 152).

Os fóruns educacionais digitais são um gênero discursivo que decorre da

atividade pedagógica em cursos a distância, semipresenciais e presenciais e

podem ser identificados pelo contexto institucional no qual aparecem. Os

participantes que escrevem tais textos não são capacitados para isso e nem

recorrem a modelos, mas possuem uma competência comunicativa para

colocar em ação regras tácitas de produção. Nos cursos de aperfeiçoamento

da área jurídica, universo desta pesquisa, o fórum apresenta interação

assíncrona, organização em sequência, composta por um tópico discursivo e

as respostas geradas por ele, linguagem formal e técnica, argumento de

autoridade.

Tais fóruns constituem-se em um discurso fechado, pois os produtores e os

receptores coincidem, ou seja, somente os sujeitos que desempenham o papel

de aluno e o que desempenha o papel de professor é que participam das

discussões. Segundo Maingueneau (2008a), discursos fechados são aqueles

que têm como público pessoas que produzem textos do mesmo tipo e como

as pessoas que escrevem são as mesmas que leem, elas podem produzir

um discurso codificado.

A finalidade do gênero fórum no ambiente do curso a distância é propiciar a

discussão, o debate. Nele é possível argumentar sobre ideias muitas vezes

polêmicas, e a argumentação, como sabemos, é um exercício essencial no

campo do Direito. Como nesse gênero, a interação ocorre por meio da

linguagem escrita, os sujeitos podem, a qualquer hora, reler as participações

já postadas e apresentar suas opiniões de modo assíncrono, de acordo com o

seu ritmo de vida e de aprendizagem.

Maingueneau (2008a) afirma que o discurso se desenvolve com base em sua

cenografia, pretende convencer instituindo a cena de enunciação que o

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legitima; a cenografia é, portanto, a origem e o produto do discurso. A

cenografia produzida no fórum educacional digital do curso Criminalidade

Organizada é a pedagógica, ou seja, é construída na interação entre os que

atuam como alunos e professor, entre alunos e alunos.

No espaço do gênero discursivo fórum, o professor propõe um tema para que

os alunos, por meio de uma discussão, possam construir conhecimento,

adquirir experiências que avancem para além das opiniões que já possuem

sobre o assunto. À medida que os alunos participam do fórum, o professor

acompanha a discussão, dando contribuições, reorganizando as

informações, oferecendo um feedback, a fim de dinamizá-la ou favorecer a

consecução de um objetivo. Masetto (2004) explica que não se trata de uma

atividade de pergunta e resposta entre o professor e os participantes, mas

de uma troca de ideias com intervenções do professor, no intuito de

incentivar a construção de reflexões e, como membro do grupo, também de

apresentar suas contribuições, sem a pretensão de encerrar o assunto.

Considerando a cenografia da qual emerge o gênero fórum educacional digital,

ou seja, o contexto educacional jurídico, apresentamos a análise das marcas,

nas intervenções do professor e do aluno, que podem levar à constituição do

ethos discursivo. Essas marcas são os pronomes de pessoa e não-pessoa, que

marcam um discurso centrado no eu ou no seu apagamento, e, ainda, um

discurso centrado no co-enunciador que nomeia o tu; as marcas de

modalidade, que apontam para a posição do sujeito sobre o que enuncia, as

seguintes marcas explícitas da heterogeneidade mostrada: o argumento de

autoridade, atribuível a outras fontes enunciativas; as aspas, que indicam que o

discurso não coincide com ele mesmo, e as marcas linguísticas da polidez, que

são estratégias utilizadas pelos enunciadores para tornar a interação mais

colaborativa.

5.1. Marcas de pessoa e não-pessoa

As marcas de pessoa e não-pessoa indicam, como se sabe, os

distanciamentos e as aproximações existentes na configuração de uma

cenografia. Conforme destaca Maingueneau (2005a), nem todo enunciado traz

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a representação explícita dos sujeitos discursivos, mas traz obrigatoriamente

um vestígio deles, já que nenhum enunciado pode prescindir de sujeitos. Não

queremos dizer com isso que essas marcas sejam as únicas responsáveis pela

construção do ethos discursivo, porém são as primeiras que definem o

enunciador e o co-enunciador, inclusive quando ocorre o apagamento dos

sujeitos da enunciação que constituem o discurso.

No corpus de nossa pesquisa, analisamos como as marcas de pessoa e

não-pessoa ocorrem nos discursos dos sujeitos participantes do fórum do

curso Criminalidade Organizada.

Na tabela 1, apresentamos o número das intervenções dos alunos e do

professor nos fóruns em cujo discurso há marcas explícitas da pessoa que

enuncia:

Tabela 1: marcas explícitas do enunciador no discurso dos alunos e do professor

Intervenções Total das intervenções analisadas

Intervenções com marcas de enunciador

%

Alunos 254 185 72%

Professor 39 32 82%

Verificamos 254 intervenções dos alunos e, nos discursos de 185 delas, há

menção explícita ao enunciador, totalizando 72%. Verificamos, ainda, 39

intervenções do professor e, nesse caso, observamos que, no discurso de 32

delas, o enunciador se inscreve de maneira explícita, o que corresponde a

82%. Embora os números percentuais sejam próximos, nota-se que no

discurso do professor há um maior emprego dessa marca do que no discurso

dos alunos.

Na tabela 2, demonstramos o número de textos produzidos nas

intervenções dos participantes em cujo discurso há marcas explícitas do co-

enunciador:

Tabela 2: marcas explícitas do co-enunciador no discurso dos alunos e do professor

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103

Intervenções Total das intervenções analisadas

Intervenções com marcas de Co-enunciador

%

Alunos 254 26 10%

Professor 39 32 82%

Conforme demonstra a tabela 2, no discurso de 26 intervenções dos alunos, ou

seja, em apenas 10% delas há marcas de co-enunciador. Já no discurso das

intervenções do professor, o número é bastante significativo, pois de 39

intervenções há marcas de co-enunciador, em 32, ou seja, em 82%. Ao

contrário do que acontece nas intervenções dos alunos, em poucas

intervenções o professor deixou de enunciar, dirigindo-se de maneira explícita

ao co-enunciador.

Em nosso corpus, também encontramos a presença de marcas que

caracterizam a não-pessoa, que não serão objeto de análise neste estudo, uma

vez que sua ocorrência não é significativa25.

Verificamos, ainda, que há um apagamento nas intervenções das marcas de

pessoa: não há marcas do enunciador ou do co-enunciador, o que

demonstramos na Tabela 3 a seguir.

Tabela 3: apagamento do par eu-tu/você no discurso dos alunos e do professor

Intervenções

Intervenções analisadas

Intervenções com

apagamento do enunciador

% Intervenções com apagamento do co-enunciador

%

Alunos 254 69 27% 228 89%

Professor 39 7 17% 7 17%

De acordo com a tabela 3, observamos que das 254 intervenções dos alunos,

há o apagamento do enunciador em 69, correspondendo a 27% e em 228 há o

apagamento do co-enunciador, correspondendo a 89%. Nas intervenções dos

alunos há pouco apagamento das marcas de enunciador, mas um grande

apagamento das marcas de co-enunciador. Nas intervenções produzidas pelo

25 De 254 intervenções dos alunos, nos discursos de 22 delas há a presença da marca de não-pessoa, ou seja, em 8%. De 39 intervenções do professor, no discurso de 2 delas há essa marca, totalizando 5%.

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104

professor, de 39 delas, 7 apresentam nos discursos o apagamento do

enunciador, que remete a 17%, e 7 apresentam o apagamento do co-

enunciador, totalizando também 17%. Observa-se que no discurso do

professor o apagamento do co-enunciador é menor do que ocorre no discurso

dos alunos.

Discurso dos enunciadores-alunos

Ao analisarmos as marcas linguísticas de pessoa no discurso das intervenções

dos alunos nos fóruns, verificamos uma predominância de marcas que

remetem ao enunciador, o que nos permite inferir que, no fórum educacional

digital, objeto de estudo deste trabalho, os enunciadores não parecem ter

dificuldade de assumir a responsabilidade direta diante do que enunciam. Tal

predominância também pode ser explicada pela natureza do gênero: espera-se

que, em um fórum de discussão, os participantes assumam o que dizem em

primeira pessoa do singular.

Em contrapartida, observamos um apagamento das marcas do co-enunciador,

indicando que o enunciador mantém uma distância do co-enunciador,

imprimindo um grau significativo de formalidade em seu discurso. Os

enunciadores preocupam-se em expor o conhecimento que têm sobre o tema

proposto, produzindo enunciados bem articulados, com linguagem bastante

formal, mas não se valem da estratégia de se dirigirem ao co-enunciador, a fim

de instigarem a sua participação no fórum. As participações em geral são

unilaterais, não requisitam a participação do outro.

Em razão disso, podemos afirmar que o gênero fórum do curso Criminalidade

Organizada foi pouco explorado pelos participantes na sua característica mais

importante, que é o seu caráter dialógico. As intervenções, de modo geral,

foram feitas de modo solitário, não havendo questionamentos sobre pontos

criticáveis ou obscuros do discurso do outro.

Em um curso cuja abordagem pedagógica seja o estar junto virtual, que prevê

um alto grau de interação entre os participantes, a expectativa é a de que o

fórum seja um espaço de debate e colaboração. Nessa concepção, a interação

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105

e a colaboração “são um caminho não só para buscar um produto coletivo, mas

para desenvolver uma visão mais ampla, visando a identificar as incoerências e

incompletudes, além de estimular a criatividade em prol de novas descobertas”

(OKADA, 2003, p. 275).

Discurso do enunciador-professor

Por outro lado, no discurso das intervenções do professor, notamos que as

marcas de enunciador e de co-enunciador aparecem de forma mais

equilibrada, o que denota, por parte do enunciador, um maior empenho em

estabelecer laços de interação com os co-enunciadores e, com isso, respeita o

contrato genérico estabelecido para o gênero fórum, seguindo a rotina

enunciativa associada à cenografia. O enunciador ao se dirigir explicitamente

aos co-enunciadores reforça a natureza dialógica do gênero, configurando o

par eu/tu, que o caracteriza.

O perfil do sujeito que desempenha o papel de professor vai ao encontro do

que propõe a abordagem pedagógica estar junto virtual. A participação do

professor deve motivar os participantes a se envolverem no processo de

aprendizagem. Conforme explicam Crescitelli, Geraldini & Quevedo (2008, p.

310) “a interação ocupa um papel central nos ambientes digitais de

aprendizagem, devendo propiciar a formação de comunidades de

aprendizagem, de discurso e de prática que produzem significados,

compreensão e ação crítica”.

A seguir, selecionamos para análise algumas intervenções dos alunos e do

professor em cujos discursos aparecem as marcas explícitas de pessoa, e

também intervenções em que, nos discursos, há o apagamento dessas

marcas.

Intervenções analisadas

(1) Intervenção do aluno

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Por - Aluno - segunda, 20 outubro 2008, 23:00

Vejo a pergunta como subjetiva e não a que se deva entender pelo texto da

lei. Em sendo assim, particularmente, creio que a prorrogação poderá ser

realizada sucessivamente, desde que motivada, não sendo invasiva. Doutra

banda, pelo texto legal, embora contra considerável doutrina, opino ser a

prorrogação única, como se pode, de modo analógico, conjecturar com a

lei da prisão temporária. Grato e abraços.

Em (1), observamos que o sujeito se inscreve no discurso por meio da marca

de pessoa presente na desinência das formas verbais vejo, creio e opino. Tal

escolha remete a uma preocupação do co-enunciador de marcar sua presença

no diálogo proposto pelo enunciador, fato esperado em relações de ensino e

aprendizagem. Se analisada em conjunto com outras marcas de enunciação,

como os modalizadores, por exemplo, observamos que o sujeito procura se

projetar de maneira incisiva, mas não agressiva. Isso pode ser observado pela

sequência de verbos presentes no raciocínio instaurado: em um primeiro

momento, ele alega ver a pergunta como subjetiva (no sentido de considerar);

em um segundo momento, ele passa a crer no que vê (após ter considerado a

pergunta); por fim, ele opina.

O enunciador encerra a intervenção com os recursos paralinguísticos

emoticons (pensativo) (diabólico). Coscarelli (2006) explica que tais

recursos são comuns na Internet para expressar o contexto emocional do que

está sendo escrito. Em (1), o emprego dos emoticons serve para atenuar o tom

incisivo que o enunciador imprimiu no texto, dando à participação mais

informalidade.

Inferimos que o enunciador dessa intervenção constrói um ethos de segurança,

que pode proporcionar a garantia da adesão dos seus co-enunciadores,

embora não haja no texto marcas de pessoa que denotem a presença explícita

do co-enunciador.

(2) Intervenção do professor

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107

Por – Professor - terça, 28 de outubro 2008, 15:45

Proponho debatermos sobre a seguinte questão, que foi objeto de polêmica nos autos do processo crime movido pelo Ministério Público Federal em face de Juan Carlo Abadia, na 6ª Vara Federal da Justiça Federal:

A Lei n° 10.409/2002, no par. 2° do artigo 32, previa expressamente: ARTIGO 32, § 2º: “O sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita ou que de qualquer modo, justificado no acordo, contribui para os interesses da Justiça”. 3º “Se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação eficaz dos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização, bando ou da localização do produto, substância ou droga ilícita, o juiz, por proposta do representante do Ministério Público, ao proferir a sentença, poderá deixar de aplicar a pena ou reduzi-la de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), justificando a sua decisão”.

A partir dessa regra muitos operadores do direito ainda defendem a possibilidade do Promotor de Justiça firmar um termo de acordo com o indiciado/réu e seu Defensor, a ser homologado pelo Juiz, no qual todos se comprometem com a anuência ao perdão judicial, desde que o acusado cumpra todas as condições legais previstas em lei. Você concorda com tal sistemática? Ou o Juiz deve analisar a concessão da delação premiada ao final, no momento da prolação da sentença?

Em (2), temos um plano de enunciação embreado, em que os sujeitos estão

linguisticamente marcados na cena enunciativa. Logo no início de seu discurso,

o enunciador apresenta-se explicitamente como sujeito da enunciação, por

meio da desinência verbal de primeira pessoa impressa no verbo proponho e

faz, ao final do processo comunicativo, referência explícita ao co-enunciador

por meio do pronome de tratamento você, o que indica que o discurso se

organiza, de fato, em torno da cenografia que constrói: um eu que se dirige a

um tu.

Ao empregar o pronome você em vez de vocês, o enunciador dirige-se a todos

os co-enunciadores, mas de forma individualizada, inscrevendo o co-

enunciador no discurso, procurando estreitar os laços de interação entre eles.

Para reforçar esses laços, o enunciador inscreve-se como sujeito na primeira

pessoa do plural, na desinência do verbo debatermos. O embreante nós

instaura um sujeito coletivo, amplificado e difuso e não uma soma de eus.

Trata-se, pois, de um conjunto de eu, mas de um eu expandido para além da

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108

pessoa, aumentado e com contornos vagos (MAINGUENEAU, 2005a).

Observamos que no discurso desse texto o enunciador procura constituir um

ethos de aproximação, visando a diminuir a hierarquia entre ele e os co-

enunciadores, tornando, portanto, seu discurso menos formal, uma das

características do fórum, e mais interativo.

(3) Intervenção do aluno

Por - Aluno - quinta, 30 outubro 2008, 23:44

Boa noite, Prof. A.!

Andei pesquisando e verifiquei que:

O perdão judicial e a redução da pena serão requeridos pelo Promotor de Justiça ao Juiz do processo. O perdão judicial e a redução da pena são obrigatórias, configurando-se direitos subjetivos do acusado##, acaso

estejam presentes, efetivamente, os pressupostos previstos no referido parágrafo, ou seja, se com a revelação da existência da organização criminosa permitiu-se “a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça” (alternativamente). A redução será feita dentro dos parâmetros estabelecidos pelo próprio parágrafo.

Para Eduardo Araújo da Silva, a redução da pena acordada entre o indiciado e o Ministério Público deve constar expressamente na denúncia, tratando-se de uma nova causa obrigatória de diminuição da pena. Caso, porém, a colaboração se efetive após o oferecimento da peça acusatória, o pedido de redução, e mesmo o de perdão judicial, devem ser feitos no momento dos debates orais.

O Sr. concorda Professor?

Ab. DG

Em (3), ao saudar o co-enunciador “Boa noite, Prof. A” e nomeá-lo, o

enunciador também se preocupa em manter o vínculo de aproximação entre

eles, no intuito de estabelecer com ele uma interação cooperativa. Isso é

reforçado pela construção “andei pesquisando”, que revela o interesse e o

comprometimento desse enunciador diante do processo de ensino e

aprendizagem. A realização de uma pergunta “P Sr. Concorda Professor?” no

final do texto também denota que o enunciador está interessado em manter a

interação.

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109

(4) Intervenção do professor

por - Professor - segunda, 27 outubro 2008, 14:50

Lf,

Os Juízes do DIPO da Capital têm exigido que os órgãos policiais, durante o período de interceptação telefônica, demonstrem as demais diligências que estão sendo efetuadas exatamente para que a investigação não se acomode apenas nas gravações.

Bem colocada a questão.

Ab.

Em (4), o enunciador nomeia seu co-enunciador “Lf” e, dessa forma, ratifica a

situação dialógica que caracteriza um fórum de discussão. Esse procedimento

denota a preocupação do enunciador em manter o vínculo de aproximação

com o seu co-enunciador. Além disso, observamos a preocupação do

enunciador em mostrar-se comprometido na cenografia, o que pode ser

demonstrado no momento em que ele retoma um comentário “Bem colocada a

questão” de um co-enunciador. Novamente, verificamos nesse discurso que o

enunciador projeta seu ethos de forma a propiciar a aproximação entre ele e o

co-enunciador.

(5) Intervenção do aluno

Por – Aluno - segunda, 27 outubro 2008, 22:06

Não há como afastar do controle judicial a delação premiada. Ainda que o Ministério Público e a Defesa possam firmar um termo de acordo para aplicação da benesse, a decisão final quanto a aplicação ou não da delação premiada cabe ao Magistrado, quando da prolação da sentença, até porque somente neste momento poderá analisar a presença ou não dos requisitos para sua aplicação. O Magistrado, aqui, não atua como mero chancelador da vontade das partes, mas como fiscal da vontade da lei. Inclusive, Eduardo Araújo da Silva, com a propriedade que lhe é peculiar, dá mostra da necessidade do efetivo controle judicial: “Em verdade, o que se apresenta reprovável moralmente, é o abuso por parte dos agentes estatais para a obtenção da delação premiada, impondo-se especial atenção dos magistrados nesse particular, de modo a assegurar as garantias do Estado Democrático de Direito”.

(6) Intervenção do professor

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por Professor- quarta, 29 outubro 2008, 23:37

A análise do JC. expos, de fato, as razões pelas quais a homologação antecipada pelo Juiz do termo de acordo entre acusado e Promotor deve ser evitada. Essas são as desvantagens. Como também destacou o JC, apenas na sentença o Juiz terá o alcance e poderá reconhecer expressamente o grau de contribuição do acusado para o desmantelamente da organização, ou para a recuperação de ativos.

No caso do ABADIA houve ainda um fator a mais para negar a delação premiada. Referido acusado ofereceu entregar significativa quantia em dinheiro, caso fosse extraditado - para celebrar logo seu [acordo] com a Justiça americana. Entendeu, daí, o Magistrado Federal que ainda restavam bens e valores da organização escondidos, os quais não foram objeto de menção; i.e., o acusado escondia ainda braços de seu grupo ilícito no Brasil.

Ab.

Em (5) e (6), que configuram, respectivamente, o discurso do enunciador que

desempenha o papel de aluno e do enunciador que desempenha o papel de

professor, não há marcas explícitas de pessoas, que, nesse caso, são

constitutivas. Conforme explica Maingueneau (2005a, p. 131), tal escolha

remete às características do discurso científico, em que “as verdades

científicas não estão ligadas a um „eu‟ e a um „você‟ particulares, pois são tidas

como verdadeiras em quaisquer circunstâncias”.

No discurso jurídico, o apagamento de pessoas é bastante utilizado, pois

parece que é próprio da linguagem jurídica expor algo que é muito provável,

valendo-se, para isso, muitas vezes do caráter genérico e formal do discurso

científico. Ao transportarem essas características para o fórum, a enunciação

pode não gerar uma interação ativa, uma vez que os enunciados se restringem

a apenas a exposição do conteúdo.

5.2. Modalização

Além das marcas de pessoa e não-pessoa, a imagem dos sujeitos no gênero

fórum educacional digital pode projetar-se pelas expressões de modalização.

Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 337) explicam que

a modalização constitui apenas uma parte do fenômeno da enunciação, mas ela constitui seu pivô, na medida em que permite explicitar as posições do sujeito falante em relação a seu interlocutor,

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111

a si mesmo e ao seu próprio discurso.

Em nosso corpus, observamos marcas de modalização nos discursos dos

textos produzidos nas intervenções do professor e dos alunos. Em razão da

necessidade de delimitação deste trabalho, consideramos os modalizadores

inscritos em itens lexicais como verbos, adjetivos, advérbios e nomes, embora

reconheçamos com Neves (2002) que a modalização está presente em todos

os níveis de organização da frase. É possível, por meio de tais itens lexicais,

verificar as manifestações da modalidade, bem como o grau de adesão dos

sujeitos de modo a atender o objetivo desta pesquisa. A investigação de outras

categorias como modo, tempo e aspecto verbal e a ordem dos termos na

oração são pertinentes a uma pesquisa que se dedique somente a esse

aspecto teórico, dado o tempo que exigirá na investigação.

Discurso dos enunciadores-alunos

Nas tabelas 4, 5 e 6, apresentamos a ocorrência de modalizadores no discurso

das intervenções dos alunos, conforme a sua classificação:

Tabela 4: classificação dos modalizadores no discurso dos alunos

Tipos de modalizadores

Número de ocorrências %

Epistêmicos 272 92%

Deônticos 21 7%

Total 293 -

Há a ocorrência de 293 modalizadores, sendo 272 epistêmicos, que

correspondem a 92%, e 21 deônticos, que correspondem a 7%. Como os

modalizadores predominantes são os epistêmicos, na tabela 5 apresentamos

as ocorrências de acordo com a camada frasal, dada a diferença existente no

nível de comprometimento dos sujeitos:

Tabela 5: classificação dos modalizadores epistêmicos de acordo com a camada frasal no discurso dos alunos

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Nível de atuação Número de ocorrências %

Proposição 211 77%

Predicação 61 22%

Total 272 -

De 272 ocorrências, 211 estão no nível de atuação da proposição, ou seja,

77%, e 61 estão no nível da predicação, que corresponde a 22%. A

manifestação epistêmica no nível da proposição é o que predomina em nosso

corpus. Tal manifestação, como vimos, refere-se ao ato de fala e, por meio

dela, o co-enunciador é capaz de reconhecer a intenção do enunciador. Vimos

com Neves (2002) que, na modalidade epistêmica, no nível proposicional, o

enunciador revela-se como fonte da informação e apresenta, com diferentes

graus de adesão, o seu comprometimento com a verdade do conteúdo que

enuncia. Ele expressa um ponto de vista que considera digno de crédito,

porque tem certeza sobre o que está afirmando.

Segundo Quirk (apud NEVES, 2002, p. 185), a modalização epistêmica é “o

julgamento humano do que é provável acontecer”. O modalizador é a marca de

um conhecimento, de uma opinião pessoal, de uma crença. Para isso, a língua

dispõe de diversos recursos como os advérbios, os verbos, os adjetivos. A

escolha desses recursos revela maior ou menor grau de adesão do enunciador

em relação à proposição.

Já a manifestação epistêmica no nível da predicação refere-se a um estado de

coisas, ou seja, ao evento que está sendo narrado. Assim, a manifestação

epistêmica no nível da predicação manifesta-se de modo independente da

avaliação do enunciador, ou seja, não há o seu comprometimento com a

verdade do enunciado, o que “constitui um poderoso recurso para sugerir

distanciamento”, mas esse distanciamento vai imprimir maior autoridade às

suas declarações (NEVES, 1996, p. 181).

Assim, o efeito de sentido da manifestação epistêmica no nível da predicação

aponta para a mesma direção da manifestação no nível da proposição: o

sujeito desse discurso se revela bastante convicto sobre o que enuncia.

Na tabela 6, apresentamos as ocorrências dos modalizadores epistêmicos por

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113

classes gramaticais, pois elas são indicativas de um maior ou menor grau de

certeza nos enunciados:

Tabela 6: classes gramaticais dos modalizadores no discurso dos alunos

Classes gramaticais Número de ocorrências %

Advérbios 133 48%

Adjetivos 25 9%

Verbos indicadores de opinião 47 17%

Verbos auxiliares modais 52 19%

Nomes 15 5%

Total de modalizadores 272

Verificamos que 48% dos modalizadores empregados no discurso das

intervenções dos alunos são advérbios; 9% são adjetivos; 17% são verbos

indicadores de opinião; 19% são auxiliares modais e 5% são expressões.

Em nosso corpus, constatamos que os recursos mais empregados são os

advérbios, o que denota um maior grau de certeza ou de validade do conteúdo

enunciado, pois o enunciador, nesse caso, revela-se como a origem da

informação.

Dessa forma, pressupomos que o grau de certeza presente nos discursos dos

alunos decorre do conhecimento prévio que possuem sobre o assunto

abordado nos textos sugeridos pelo professor e de pesquisas sobre o tema

proposto para discussão nos fóruns, ou seja, eles se mostram autônomos na

busca de subsídios para a produção dos conteúdos de suas intervenções. Tal

autonomia e comprometimento com a elaboração dos conteúdos é o que se

espera representado no discurso de um sujeito em um curso a distância.

Entretanto, ainda que um conteúdo seja apresentado com muita convicção, ele

pode não ser suficiente para motivar uma discussão se no plano linguístico não

houver o emprego de expressões de interpessoalidade, informalidade e

proximidade.

Observamos nas sequências analisadas que, de modo geral, só há uma

intervenção de cada participante. No fórum, os sujeitos não interferem um no

discurso do outro.

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Vimos com Maingueneau (2008a) que a projeção do ethos está estreitamente

relacionada à cena enunciativa e não pode prescindir de outros elementos

como co-enunciador, o lugar, o momento em que se discursa. Segundo o autor,

o ethos é modelado pelos índices linguísticos e, dessa forma, fatores como o

suporte, o gênero de discurso, a seleção lexical, a organização de ideias

revelam o seu comportamento.

Discurso do enunciador-professor

Na tabela 7, apresentamos o número de ocorrências de modalizadores no

discurso das intervenções do professor:

Tabela 7: classificação dos modalizadores no discurso do professor

Tipos de modalizadores Número de ocorrências %

Epistêmicos 23 95%

Deônticos 1 5%

Total 24 -

Observamos que das 24 ocorrências de modalizadores 23 são epistêmicos, ou

seja, 95% do total e 1 ocorrência é deôntica, totalizando 5%.

Na tabela 8, apresentamos as ocorrências dos modalizadores epistêmicos no

discurso das intervenções do professor referente à classificação quanto ao

nível de atuação:

Tabela 8: classificação dos modalizadores epistêmicos de acordo com a camada frasal no discurso do professor

Nível de atuação Número de ocorrências %

Proposição 19 82%

Predicação 4 17%

Total 23 -

Dos 23 modalizadores epistêmicos, 19 apresentam-se na proposição,

totalizando 82%, e 4 na predicação, totalizando 1%.

Na tabela 9, apresentamos os modalizadores divididos conforme a classe

gramatical a que pertencem:

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Tabela 9: classes gramaticais dos modalizadores no discurso do professor

Classes gramaticais Número de ocorrências %

Advérbios 15 68%

Adjetivos 2 9%

Verbos indicadores de opinião 1 4%

Verbos auxiliares modais 2 9%

Nomes 2 9%

Total de modalizadores 22

Verificamos que 68% dos modalizadores empregados no discurso das

intervenções do professor são advérbios; 9% são adjetivos; 4% são verbos

indicadores de opinião; 9% são auxiliares modais e 9% são expressões

modalizadoras.

O resultado da análise dos modalizadores no discurso do professor é o mesmo

verificado no discurso dos alunos: nele predomina a manifestação epistêmica,

no nível da proposição, e os modalizadores mais empregados foram os

advérbios. Nesse caso, como se trata do discurso do professor, podemos inferir

que o grau de certeza presente decorra de ser esse sujeito um especialista no

assunto e atuar nessa área como promotor de justiça.

Ao contrário do que acontece no discurso dos alunos, o grau de certeza

presente no discurso do professor contribui para a construção de uma imagem

bastante positiva. Notamos, entretanto, a presença de expressões linguísticas

de aproximação com os seus co-enunciadores, como a marca explícita da

pessoa do co-enunciador, e as estratégias de polidez positiva, conforme

veremos no item 5.4 deste capítulo.

Intervenções analisadas

Nas intervenções dos alunos e do professor, selecionadas para análise,

podemos verificar o emprego dos modalizadores.

(7) Intervenção do aluno

Por - Aluno quarta, 29 outubro 2008, 10:56

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A nova Lei de Tóxicos (Lei 11.343/96) revogou os dispositivos em questão e previu (artigo 41) a delação premiada com redução de penas, de forma semelhante à da maioria das leis que regulam tal instituto. Entretanto, persiste a possibilidade de perdão judicial mediante “requerimento das partes”, na forma do art. 13 da Lei 9.807/99 (proteção de testemunhas e colaboradores). A lei não diz expressamente qual o momento de tal requerimento, se antes ou depois da colaboração, de modo que nada impede que seja tal pleito apresentado em caráter preparatório ou preventivo, como pode ocorrer em qualquer pedido de tutela jurisdicional. Tal sistemática é interessante tanto para os órgãos de persecução penal quanto para a defesa, desde que se trate de ato voluntário de ambas as partes, homologado judicialmente. Homologada a “transação” o juízo não poderá deixar de observá-lo posteriormente, se efetivamente cumpridas as condições do ajustado. Isso porque presentes as condições legais do perdão judicial, sua concessão é obrigatória, a despeito da expressão legal “poderá”, que não pode ser aplicada subjetivamente, mas tão somente diante da ausência de algum dos requisitos legais. Assim, só poderá ser negado o perdão, com ou sem prévio acordo formal e homologado, se houver algum vício ou nulidade de ordem pública, como, por exemplo, a não previsão ou não cumprimento de alguma condição obrigatória para a concessão do perdão judicial.

(8) Intervenção do aluno

por Aluno- domingo, 2 novembro 2008, 23:23

Atualmente, cabe ao Juiz a decisão sobre a aplicação ou não da delação premiada e suas conseqüências.

O MP pode firmar o acordo com as partes envolvidas, mas cabe ao Magistrado a decisão sobre sua aplicação na prolação da sentença, até pelo fato de se verificar, nesse momento, a eficaz ajuda do delator na ação penal.

Infelizmente, com base na legislação atual, não há segurança total do acusado na delação premiada, o que desestimula esse importante meio de combate ao crime organizado.

(9) Intervenção do aluno

por Aluno - segunda, 3 novembro 2008, 22:31

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Concordo com a realização do termo de acordo para que sejam fixados os parâmetros da cooperação e estabelecidos os termos em que o Ministério Público requererá a aplicação da delação premiada. A despeito de tal fato, a análise de se o agente realmente faz jus ao benefício e em que termos somente poderá ser feita após a instrução do processo, no momento da prolação da sentença.

Os advérbios expressamente e efetivamente em (7), infelizmente em (8) e

realmente em (9) revelam que os enunciadores se comprometem com o que

enunciam, resultando, assim, em maior credibilidade e autoridade ao discurso:

Dessa forma, os enunciadores podem coibir possíveis refutações, dada a

credibilidade gerada por essa escolha, ou seja, uma proposição que gira em

torno de um advérbio epistêmico demonstra certeza por parte daquele que fala

diante do que enuncia.

Outros recursos linguísticos que expressam a modalidade epistêmica no nível

da proposição também foram encontrados. Em (10), a seguir, temos os verbos

penso e entendo, que são indicadores de opinião e que também denotam certa

polidez por parte do enunciador: ao empregá-los, ele se coloca nas

circunstâncias da enunciação como alguém que tem uma opinião sobre o

assunto tratado e que pretende compartilhá-la com o co-enunciador. Em outras

palavras, o enunciador vale-se de um modalizador epistêmico, que denota

detenção de conhecimento, mas, ao mesmo tempo, procura distanciar-se para

não impor sua opinião como verdade absoluta. Ele busca, então, construir uma

face positiva na cenografia, projetando-se aos outros de forma simpática

(BROWN & LEVINSON, 1987).

Ainda em (10) e (11), as expressões é valor fundamental e tenho convicção

denotam certeza diante do enunciado, o que reforça a ideia de que a tentativa

de atribuir credibilidade a um enunciado é característica significativa dos que

atuam em contexto jurídico.

(10) Intervenção do aluno

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118

por Aluno - segunda, 27 outubro 2008, 23:18

Penso que o acordo firmado entre as partes, sem homologação judicial, não compromete a segurança jurídica e o interesse da sociedade, pois ainda que o membro do Ministério Público se veja no futuro manietado por um trato eventualmente mal feito, o juiz terá espaço para condenar o réu.

Nessa linha, o promotor poderia firmar acordo durante a instrução visando um melhor combate à criminalidade; todavia, se ao final se percebesse que ele se revelou contrário ao interesse social, o magistrado não estaria vinculado aos seus termos.

Não cabe ao Estado-Juiz, enquanto detentor do poder de punir, estabelecer uma espécie de absolvição prévia, desrespeitando a garantia da paz social. A segurança pública é valor fundamental na ordem constitucional e dever do Estado. Se é assim, entendo que não é viável conceder ao réu um benefício que pode se revelar, durante o desenrolar dos fatos, um indulto perpétuo, com efeitos "ex tunc". Considerando que é impossível prevermos todas as consequências sociais do comportamento humano - razão pela qual a lei "lato sensu" está em processo constante de alteração - não consigo vislumbrar o "acordo perfeito". Concluindo, entendo que o juiz deve conceder o perdão, se for o caso, apenas na sentença.

(11) Intervenção do aluno

por Aluno- quinta, 30 outubro 2008, 10:40

Ao ler a questão deste fórum me recordei, imediatamente, da palestra que assisti na videoteca da apmp, dada pelo juiz Fausto de Sanctis, abordando - se bem me lembro - uma proposta legislativa que prevê a homologação de eventual acordo de delação premiada, vinculando o Juízo. Disse ele, na oportunidade, que teria muita dificuldade em aplicar a lei, caso entrasse em vigor, porque somente na sentença teria ele condições de avaliar o efetivo "valor" da delação premiada, de modo que não se sentiria à vontade para homologar qualquer acordo se ele, Juiz, restasse vinculado ao acordo no momento da R. Sentença. Tenho convicção de que, mesmo se o acordo restasse homologado pelo julgador, caberia sempre a ele, no momento da R. Sentença, avaliar o mérito da delação premiada, concedendo, ou não, os benefícios previstos na lei e no acordo, fundamentadamente. Obrigado

No discurso da intervenção do professor, observamos a predominância de

advérbios modalizadores epistêmicos. O emprego do advérbio sobretudo em

(12), por exemplo, acena para uma proposição mais forte no enunciado e tal

modalização no discurso pode facilitar a adesão do co-enunciador, que pode

deixar-se levar pela valoração do fato pelo enunciador:

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(12) Intervenção do professor

Por - Professor- quarta, 29 outubro 2008, 13:34

Como bem afirmou o JC, a celebração do termo de acordo tem, sobretudo, esse objetivo de conferir segurança ao indiciado/acusado quanto a concessão do benefício decorrente da delação premiada. Com esse acordo conseguimos envolver o acusado na investigação, que passa a depositar confiança no MP e/ou Polícia Judiciária.

Há, contudo, também desvantagens e riscos...

Em (13), o emprego de inegavelmente reforça a valoração do que está sendo

dito, remetendo a um discurso altamente epistêmico:

(13) Intervenção do professor

Por Professor

FECHAMENTO FÓRUM: SEMANA 8

A delação premiada é inegavelmente um instrumento muito útil no combate à criminalidade organizada, pois por meio do interrogatório de alguém que, de alguma forma integrou a associação criminosa, o Ministério Público toma conhecimento dos detalhes de seu funcionamento.

[...]

No discurso das intervenções do professor, encontramos outras formas de

expressão da modalidade epistêmica. Em (14), temos a expressão de fato, que

também expressa conhecimento e certeza do enunciador sobre a asserção:

(14) Intervenção do professor

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por Professor- quarta, 29 outubro 2008, 23:37

A análise do JC. expôs, de fato, as razões pelas quais a homologação antecipada pelo Juiz do termo de acordo entre acusado e Promotor deve ser evitada. Essas são as desvantagens. Como também destacou o P, apenas na sentença o Juiz terá o alcance e poderá reconhecer expressamente o grau de contribuição do acusado para o desmantelamento da organização, ou para a recuperação de ativos.

No caso do ABADIA houve ainda um fator a mais para negar a delação premiada. Referido acusado ofereceu entregar significativa quantia em dinheiro, caso fosse extraditado - para celebrar logo seu [acordo] com a Justiça americana. Entendeu, daí, o Magistrado Federal que ainda restavam bens e valores da organização escondidos, os quais não foram objeto de menção; i.e., o acusado escondia ainda braços de seu grupo ilícito no Brasil.

Ab.

Em nosso corpus, a modalidade epistêmica também ocorre no nível da

predicação, em que o enunciador se afasta de seu enunciado para garantir a

sua veracidade, em manifestações de possibilidade como algo que não

depende dele. Em (15), por exemplo, podemos observar que o enunciador, ao

utilizar o modalizador é possível, distancia-se do enunciado, o que diminui sua

responsabilidade sobre a asserção. A qualificação, nesse caso, independe de

sua avaliação, pois o adjetivo modal incide sobre a predicação.

Ainda em (15), há a ocorrência dos verbos modais poderá e devem, que

também são indicadores de uma possibilidade epistêmica:

(15) Intervenção do aluno

Por - Aluno - sábado, 1 novembro 2008, 15:53

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Achei perspicaz a colocação do colega MF. Entretanto, a lei aponta tanta dificuldade subjetiva que não é possível se assegurar qualquer cumprimento de acordo prévio, porque o juiz somente poderá concluir por ocasião da sentença. Destarte, na Lei 9807/99, há possibilidade de perdão e redução da pena, mas ambos devem ser mensurados subjetivamente, em razão do parágrafo único do art. 13. Logo, qual seria a melhor opção quando de eventual transação? Se optar por perdão ou redução em caso de condenação? como escolher, subjetivamente, a infração merecedora de um ou de outro benefício? Tráfico de drogas, extorsão med. sequestro, concussão são crimes enquadráveis em quais hipótese? E a lavagem de capitais ou tráfico de pessoas? Até hoje, com institutos antigos como atenuantes e agravantes do Código Penal não sabemos o que é repercussão social do fato criminoso! E a recuperação parcial do produto do crime? Qual é o porcentual parcial para se considerar plausível? Desviaram-se 3 milhões, mas recuperamos 1 em razão da coloboração! E aí? Fiz esses aportes porque nossa discussão,

creio, é bem maior que a singela interpretação da lei. Abraços.

Como podemos observar, o discurso produzido no fórum educacional digital no

contexto jurídico parece privilegiar as escolhas epistêmicas, configurando

sujeitos que se mostram detentores de conhecimento diante do que enunciam,

nem sempre preocupados em projetar-se de modo colaborativo. Isso se dá

pela escolha de marcas linguísticas que denotam, conforme mencionamos, um

conhecimento centrado no enunciador, o que, de certa forma, pode coibir

refutações imediatas, de modo especial quando não há emprego de estratégia

de interação.

5.3. Heterogeneidade marcada pelo emprego de aspas

No corpus de nossa pesquisa, observamos um emprego significativo da marca

tipográfica aspas, enquadrando sequências verbais e elementos modalizadores

autonímicos. No emprego autonímico26, as aspas indicam que “uma sequência

foi tomada em menção e não em uso, isto é, que o escrevente refere-se ao

signo, em vez de, como no emprego padrão, indicar o referente por meio do

signo” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 66). As duas formas de

emprego autonímico das aspas são a citação, em que elas enquadram o

conjunto de um enunciado, e a palavra ou expressão entre aspas inseridas no

texto: “cachorro” é um nome masculino, por exemplo.

26

Segundo Charaudeau & Maingueneau (2008: 173), “a autonímia manifesta a propriedade da

língua de falar dela mesma. O discurso direto tem relação com o funcionamento autônimo: aquele que faz menção às próprias palavras empregadas pelo enunciador, ou, melhor dizendo, apresenta seu enunciado como tal”.

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Já na modalização autonímica, as aspas são empregadas para assinalar que o

discurso não coincide com ele mesmo, ou seja, o enunciador usa uma

expressão e, de algum modo, aponta para ela, indicando que ele não a

assume. A seguir, evidenciamos o emprego das aspas em citações e tratamos

da modalização autonímica marcada por esse sinal tipográfico.

5.3.1. Citação marcada por aspas

A citação marcada por aspas é uma manifestação da heterogeneidade

enunciativa, na qual o enunciador explicita o que não provém de seu próprio

discurso. Segundo Charaudeau & Maingueneau (2008), o discurso citado é um

procedimento que o enunciador utiliza com base nas finalidades de seu

propósito. Para analisá-lo, é preciso considerar, além da intencionalidade de

quem enuncia, a sua posição e a posição do co-enunciador: quem cita o quê

para quem; a maneira de citar e a maneira pela qual quem cita avalia o

enunciado citado.

Na tabela 10, apresentamos o número de texto em que o discurso citado entre

aspas ocorre no discurso das intervenções dos alunos e do professor, bem

como apresentamos uma análise desse emprego nas intervenções dos alunos

e do professor nos fóruns de discussão, corpus desta pesquisa.

Tabela 10: citação direta no discurso dos alunos e do professor

Intervenções Intervenções analisadas Intervenções com citação direta

%

Alunos 254 46 18%

Professor 39 7 17%

Observamos que, de 254 textos das intervenções dos alunos apenas no

discurso de 46 há citação direta, totalizando 18%. Já nos textos das

intervenções do professor, de 39 observados, somente no discurso de 7 há

essa ocorrência, totalizando 17%, evidenciando, portanto, um equilíbrio entre

os dois discursos.

Discurso dos enunciadores-alunos

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As citações presentes no discurso dos alunos são estruturas típicas do gênero

acadêmico-científico que, empregadas nas intervenções feitas no fórum,

deixam transparecer a heterogeneidade desse discurso. Esses sujeitos

expressam suas opiniões dialogando com a instituição discursiva da ciência e,

por isso, o ethos projetado é de formalidade e conhecimento, o que coaduna

com o papel social que desempenham: operadores do Direito na função de

membros e servidores do Ministério Público.

Discurso do enunciador-professor

Já as citações no discurso do professor, de modo geral, estão presentes nas

intervenções de fechamento de uma sequência discursiva. O professor traz

para o seu discurso trechos do discurso dos alunos com a intenção de

organizar os conteúdos apresentados por eles. Nesse caso, o discurso citado

não gera um efeito de autoridade, mas de comprometimento com o processo

de ensino e aprendizagem por parte do enunciador: ao retomar os enunciados

das intervenções dos alunos, organiza a discussão e tem condições de suprir

eventuais lacunas, apontando para possíveis caminhos não explorados.

Como vimos com Moore & Kearsley (2007), um sujeito no papel de professor

deve ter a preocupação de resumir os conteúdos de um fórum educacional de

todos os participantes e incluir, se for o caso, aspectos similares e diferentes na

compreensão do grupo. No discurso do professor, nos fóruns analisados, essa

é a principal preocupação quando organiza o fechamento, o que reforça seu

ethos de comprometimento ao desempenhar a função social de professor de

um curso a distância.

Intervenções analisadas

Apresentamos a seguir alguns textos em que há no discurso citante um

discurso citado, marcado pelo emprego de aspas.

(16) Intervenção do aluno

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Por – Aluno - segunda, 27 outubro 2008, 22:06

Não há como afastar do controle judicial a delação premiada. Ainda que o Ministério Público e a Defesa possam firmar um termo de acordo para aplicação da benesse, a decisão final quanto à aplicação ou não da delação premiada cabe ao Magistrado, quando da prolação da sentença, até porque somente neste momento poderá analisar a presença ou não dos requisitos para sua aplicação. O Magistrado, aqui, não atua como mero chancelador da vontade das partes, mas como fiscal da vontade da lei. Inclusive, Eduardo Araújo da Silva, com a propriedade que lhe é peculiar, dá mostra da necessidade do efetivo controle judicial: “Em verdade, o que se apresenta reprovável moralmente, é o abuso por parte dos agentes estatais para a obtenção da delação premiada, impondo-se especial atenção dos magistrados nesse particular, de modo a assegurar as garantias do Estado Democrático de Direito”.

(17) Intervenção do aluno

Por - Aluno- quinta, 30 outubro 2008, 20:14

Na delação premiada, o promotor firma um termo de acordo com o indiciado/réu e seu defensor, que deve, necessariamente, ser homologado pelo juiz. É o juiz que analisará se o acordo firmado preencheu os requisitos previstos em lei. De acordo com o HC 90.688-5 – PR do STF, “o Ministério Público não tem, de início, o domínio da delação quanto às consequências, quanto aos benefícios dessa mesma delação. Quem tem é o Estado-Juiz”. Entendo que o juiz deva analisar a concessão da delação premiada no momento da prolação da sentença. Somente nesta fase, o juiz terá noção do grau de contribuição do delator (número de agentes identificados, de produtos localizados, etc). Por outro lado, a necessidade de homologação judicial e o fato dela ser concedida somente no momento da sentença podem desestimular o instituto, uma vez que, quando delata, o indiciado/réu não terá certeza do recebimento do benefício.

Em (16) e (17), o discurso citado corrobora o entendimento de que os

enunciadores têm do tema debatido. Para tanto, valem-se do discurso de uma

autoridade: em (16), nota-se a avaliação do enunciador do discurso citante ao

enunciador do discurso citado “com a propriedade que lhe é peculiar”. Em (17),

o enunciador valeu-se do discurso do texto do Supremo Tribunal Eleitoral para

aumentar o poder de persuasão de seu discurso.

Nas intervenções do professor, o discurso citado aparece, principalmente, no

fechamento dos tópicos discursivos, conforme demonstrado abaixo.

(18) Intervenção do professor

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Por Professor – fechamento do fórum 6

A delação premiada é inegavelmente um instrumento muito útil no combate à criminalidade organizada, pois por meio do interrogatório de alguém que, de alguma forma integrou a associação criminosa, o Ministério Público toma conhecimento dos detalhes de seu funcionamento.

Normalmente o Promotor de Justiça, nas dependências policiais, ou em seu Gabinete expõe para o acusado as vantagens processuais decorrentes da delação premiada e espera que ele contribua para a obtenção de uma prova, que dificilmente seria obtida de outra forma. O indiciado, por sua vez, espera ter confiança na autoridade que o entrevista e, sobretudo, lealdade no cumprimento daquilo que é prometido. Às vezes, conta ainda com a esperança de ser protegido pelo Estado.

Os alunos tiveram entendimentos diferentes sobre essa questão e discutiram num nível elevado aspectos jurídicos, doutrinários, práticos e filosóficos acerca desse tema. A primeira tese defendida foi no sentido de ser possível a celebração de acordo entre o MP e o acusado, mas com homologação judicial ao final do processo crime, na oportunidade da sentença condenatória. Isso porque, como escreveu AZ, é preciso “verificar se a colaboração do agente foi significativa, verdadeira e eficaz, é necessário que haja dilação probatória, o que pode dificultar o trâmite da ação penal, que normalmente envolve fatos complexos e elevado número de réus. Parece temerário realizar tais acordos no início do processo, comprometendo a verdade real e correndo risco de estimular uma farsa por parte dos réus, que não têm ética alguma”. RN completou, “não cabe ao Estado-Juiz, enquanto detentor do poder de punir, estabelecer uma espécie de absolvição prévia”. SP também se preocupou com a “espontaneidade da revelação, as dimensões do revelado e a contribuição ao deslinde da instrução”. Nesse mesmo sentido, LG discordou da possibilidade de haver uma “decisão interlocutória homologatória proferida pelo Poder Judiciário, antes do término da instrução processual”.

De outra forma, com autoridade, WS advertiu que “a homologação imediata (...) pode significar um passaporte para a impunidade caso os efeitos da delação não se verifiquem. Entendo não ser possível subtrair do Estado-Juiz (...) já que a disposição (ou a amenização) do jus puniendi, in casu, não foi delegada às partes”. MA fez sua análise a partir do ânimo do réu-delator: “o arrependido faz de tudo para apagar seu mal, enquanto o agente com remorso tenta iludir seu julgador e acusador, colaborando, mas nem tanto, mas de má-fé, objetivando algum benefício porventura possível”. De forma mais objetiva e pontual, CG: “seria ilógico o julgador aplicar um redutor de pena a acusado que maliciosamente induziu o julgador a erro”, mesmo porque “enquanto não houver maior descrição legislativa, (...) é mais prudente que o juiz analise a concessão da delação premiada no momento da concessão da sentença”. Esse acordo – escreveu BR – “homologado pelo juízo acaba fazendo lei entre as partes. Parece que acusado terá garantido o perdão judicial

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e o MP terá a indicação dos demais agentes. Caso uma das partes não cumpra com o acordo parece que resta a não aplicação dele para ambos”. Para defender a homologação ao final do processo, AM invocou uma decisão do STF: “o MP não tem, de início, o domínio da delação quanto às consequências, quanto aos benefícios dessa mesma delação. Quem tem é o Estado-Juiz” (HC 90.688-5 – PR).

Para RB a insegurança do réu no instante do interrogatório e da delação não justifica a homologação do acordo pelo Juiz antes da sentença. “Isto porque, ao infringir o ordenamento jurídico, tem ele (réu) consciência do risco que corre em sofrer a punição. Assim, vantajosa se revela a delação premiada, ainda que só ao final seja ela efetivamente concretizada”.

Os alunos OW, JP, RN, JC, SJ, LP, CM, CP, LG, DG, EB, MM, FS, CHM e MZ defenderam o mesmo entendimento e reiteraram, em linhas gerais, as análises acima transcritas.

O segundo entendimento foi no sentido de ser celebrado, em prol da delação premiada, um “acordo apenas entre o MP e o acusado, devendo o juiz acatá-lo, diante da própria inércia que afeta o Poder Judiciário. Este não é guardião das leis ou seu fiscal, mas, sim, seu aplicador” (JC). LB foi favoravelmente à delação premiada acordada em termo firmado pelo MP e o acusado, mas, em tom crítico, foi ainda além: “O direito brasileiro confere extrema importância às decisões judiciais e ainda dá pouco espaço à atuação do Ministério Público”. E prosseguiu, “se o indiciado não tiver „garantias‟ de que será beneficiado ao final do processo, ele não encontrará estímulo para a „delação premiada‟, valendo lembrar que, a partir do momento em que ele delata co-autores e partícipes, ele é "traidor" do grupo e corre riscos”. Por esse motivo, SJ ponderou que “a lei deveria conter expressamente a previsão do termo de acordo entre MP e indiciado, exatamente para que a sistemática natural - aquela anunciada pelo José Carlos Pagliuca – funcionasse”.

Ainda no que concerne ao acordo firmado apenas entre o Promotor de Justiça e o acusado/Defensor, escreveu GC, que “tanto a Defesa como o Ministério Público poderão se insurgir contra a decisão do magistrado que não acolher o pedido de concessão dos benefícios da delação premiada quando esta foi concretamente efetivada”.

De outra parte, tanto SJ como AZ defenderam a não utilização da expressão „perdão judicial‟ no âmbito da concessão da delação premiada, porque, como escreveu a colega, “não [é] adequada a denominação “perdão judicial”, que ordinariamente se liga a sofrimento do réu em função do crime. Melhor seria criar mais uma causa de extinção da punibilidade ou de diminuição da pena, em função da delação premiada”.

Um terceiro entendimento foi no sentido de ser prescindível o acordo. Como a delação premiada “é um direito de todo réu, desde

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que esse cumpra todas as condições legais previstas em lei, não há necessidade de acordo com o Ministério Público, poderia ser feito diretamente pelo Juiz, que pode conceder ou não na hora de julgar” (CF). Igual colocação fez CRC: “Dar ou não o benefício deve ser discricionariedade judicial, ao final da sentença, respeitada a proporcionalidade entre a colaboração e o benefício, com o acompanhamento do Ministério Público”. KM não se posicionou diferente, ao escrever que: “diante do atual quadro legislativo, descabe a homologação inicial. É certo que tal posicionamento reduz o atrativo da delação, mas foi uma opção legislativa que não pode ser contornada. E não será muito abonador para o MP acenar com uma garantia que não pode dar ao réu, pondo em descrédito o instituto (já tão enfraquecido pela formatação legal) pois, mesmo havendo homologação judicial, esta será inexigível ou condicionada a fato incerto”. Com experiência, JC lembrou que essa sistemática é a adotada pela legislação brasileira e, por isso, “o que a polícia e o MP podem fazer é convencer o acusado de eventual benefício a ser recebido, e (...) não se pode prometer sem prévia consciência”.

A sua vez, o quarto entendimento sustentou ser possível um acordo entre MP e acusado/Defensor homologado pelo Juiz de Direito, antes mesmo da prolação da sentença, nos termos da antiga Lei n. 10.409/2002. Para tanto, com AA, a decisão “homologatória da transação penal „fica‟ sujeita a condição resolutiva (...). Ao final, demonstrada a veracidade das informações e a colaboração efetiva, o perdão judicial se aperfeiçoaria extinguindo a punibilidade do agente”. Porém, esse entendimento teve forte oposição na reflexão de KM: “nos parece insustentável esperar do magistrado sua vinculação aos termos do „acordo‟ liminarmente. Ainda que sob condição resolutiva, não há nenhum respaldo legal e nenhuma exigibilidade para que o Juiz assim proceda”. Muitos, entretanto, concordaram com Alexandre, como foi o caso de MS, para quem “a análise da concessão apenas no momento da prolação da sentença traz incerteza e instabilidade ao réu, que poderia deixar de colaborar com medo de que ao final ele não recebesse sua contrapartida por parte do Estado”. AB sugeriu uma solução em caso de divergência judicial: “Caso o Juiz não concordasse com o acordo ou com seus termos, simplesmente deixaria de confirmá-lo, remetendo os autos para o Procurador Geral de Justiça por analogia ao artigo 28 do Código de Processo Penal”.

Com uma visão voltada à eficiência do instituto no combate a criminalidade, AL advogou que a “homologação traria ao réu uma certeza de que se, e somente se, contribuísse efetivamente com a justiça, a aplicação de um abrandamento em sua pena lhe seria possível, quiçá de uma isenção”. Com o mesmo raciocínio, LC preocupou-se com os detalhes do acordo a ser homologado pelo Magistrado antes mesmo da sentença: “Este acordo vai ao encontro dos anseios do investigado e da investigação - aqui, contanto que seja minucioso, estabelecendo as benesses (de acordo com a lei) e os principais interesses a serem obtidos no tocante ao crime perseguido”. MF também concordou com a homologação do acordo, mas com ressalvas quanto à natureza e alcance da decisão judicial: “A homologação judicial, como não pode deixar de ser, apenas se limitará aos termos do acordo, não implicando a concessão, de

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imediato, ou mesmo o compromisso no sentido de seu deferimento, dos benefícios decorrentes da delação premiada, o que, a meu ver, só poderá ocorrer no momento da prolação da sentença, quando então será analisado se a cooperação foi mesmo eficaz ou não no tocante à investigação e ao processo criminal e se estão preenchidos todos os demais requisitos exigidos para o reconhecimento daquele instituto”.

Dentro da mesma, LP escreveu que “nada impede que seja tal pleito apresentado em caráter preparatório ou preventivo, como pode ocorrer em qualquer pedido de tutela jurisdicional. Tal sistemática é interessante tanto para os órgãos de persecução penal quanto para a defesa, desde que se trate de ato voluntário de ambas as partes, homologado judicialmente. Homologada a „transação‟ o juízo não poderá deixar de observá-lo posteriormente, se efetivamente cumpridas as condições do ajustado”. Sempre com muita lucidez, EA colocou o estado da questão dentro de seu aspecto material e formal: “visando a assegurar o atendimento ao binômico „segurança para o delator‟ (de revelar o que sabe e que seja útil para a apuração da verdade e ter vantagens na sua situação jurídica) e „êxito para a acusação na apuração completa dos fatos‟ com as respectivas conseqüências disso (recuperação do produto do crime, identificação dos demais participantes, descoberta de novos crimes, etc.), nada impede que haja o referido acordo, inclusive para que haja a possibilidade de as diligências investigativas serem realizadas antes do término do processo”. A importância do acordo homologado pelo Juiz, para CI, está na transmissão de confiança para que ele traga “informações relevantes, posto que no futuro poderia ter indeferida, pelo juízo, sua pretensão ao benefício. Ademais, a homologação judicial, conferiria a obrigação de cumprimento do acordo a ambos, resguardando, igualmente, os interesses do Ministério Público, bem como os direitos do acusado/delator”

Em última análise surgiu a discussão sobre o aspecto anti-ético em que está envolta a premiação de uma delação por parte do Estado. DG a considerou, sob o ponto de vista sócio-psicológico, “imoral ou, no mínimo, aética, pois estimula a traição, comportamento insuportável para os padrões morais modernos, seja dos homens de bem, seja dos mais vis criminosos”. LF também repudiou o uso do mesmo instituto: a “delação é sim expediente altamente questionável. (...) a partir do momento em que o Estado oficialmente adota procedimento no qual „os fins justificam os meios‟ (efetividade da jurisdição x delação), tem diminuída sua legitimidade para exigir do cidadão comportamento ilibado”.

A concepção – com o devido respeito, equivocada – acima citada logo foi rechaçada por JC, que analisou com lucidez o problema numa visão mais abrangente: “No que diz respeito aos fins justificarem os meios, que é um instrumento totalitarista, também não se trata de tal assertiva. A delação é voluntária e sabidamente conhecida pelos criminosos que por si, se autocolocam em perigo e, portanto, assumem todas as

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conseqüências boas ou ruins para si. Ainda para quem não sabe, há casos de delações montadas pelos próprios criminosos, que, de antemão, já planejam quem vai arcar com o quê. E, ademais, é uma luta justa contra uma atividade injusta”.

Como podemos observar, na intervenção selecionada, o enunciador traz para o

seu discurso diversos trechos do discurso das intervenções dos alunos, no

intuito de retomar as ideias apresentadas ao longo da sequência, organizando

para eles os conteúdos de acordo com os seus posicionamentos.

5.3.2. Modalização autonímica marcada por aspas

Conforme mencionamos, na análise da modalização autonímica, segundo

Maingueneau (2005a, p. 163), é preciso levar em consideração os fatores

textuais e contextuais. O enunciador que faz uso das aspas, conscientemente

ou não, deve construir para si uma representação de seus co-enunciadores,

pois “antecipa sua capacidade de interpretação: as aspas serão empregadas

onde presume que isso se espera dele (ou então, onde não se espera, para

surpreender, para provocar um choque)”.

Na tabela 11, apresentamos o número de intervenções dos alunos e do

professor em cujos discursos ocorre a modalização autonímica e, em seguida,

discorremos sobre o discurso de alguns textos do corpus desta pesquisa.

Tabela 11: modalização autonímica no discurso dos alunos e do professor

Intervenções Intervenções analisadas Intervenções com modalização autonímica

%

Alunos 254 111 43%

Professor 39 3 7%

Conforme os dados apresentados na tabela 11, no discurso de 111

intervenções dos alunos, totalizando 43%, há modalização autonímica pelo

emprego das aspas e no discurso das intervenções do professor em apenas 3,

totalizando 7%, aparece essa ocorrência. A ocorrência no discurso do

professor é irrelevante, mas no discurso do aluno é bastante significativa.

Discurso dos enunciadores-alunos

Notamos que as aspas, no discurso das intervenções dos alunos, são

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empregadas predominantemente como modalizadores autonímicos, o que

contribui para a projeção de um ethos que, ao abrir “uma falha no seu próprio

discurso” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 66), compartilha com o

co-enunciador uma possível opinião conhecida por ele, ou, ainda, chama sua

atenção para um determinado termo ou expressão que considera fundamental

para a construção de sentidos em seu discurso. De qualquer forma, trata-se de

um ethos que parece incentivar a participação do outro nessa construção de

sentidos.

Discurso do enunciador-professor

A modalização autonímica ocorre poucas vezes no discurso do professor.

Inferimos que o baixo emprego desse recurso se deva ao fato de o enunciador

reconhecer que, em um discurso mediado, nem sempre os co-enunciadores

poderão construir com ele o sentido do que está sendo enunciado entre aspas

e, em razão disso, a interação ficar prejudicada.

Intervenções analisadas

(19) Intervenções do aluno

por Aluno - quinta, 2 outubro 2008, 12:11

O rol dos crimes antecedentes deveria ser estendido a todas as infrações penais, sem rol taxativo. Uma “inofensiva” contravenção penal do jogo do bicho se presta à lavagem de dinheiro e ao fomento do sentimento de que vale a pena a infração penal. O bicheiro continua rico, investindo na empresa criminosa e transformando os lucros da atividade lícita em patrimônio lícito, com o qual aufere respeito, ganha poder em sua comunidade e estimula a atividade ilícita pelo mau exemplo que constitui (ex.: financiamento de escolas de samba de comunidades pobres).

Em (19), a palavra “inofensiva” é empregada entre aspas para indicar que não

é a palavra adequada para essa enunciação, em razão da contradição que

gera: não há contravenção penal que seja inofensiva, uma vez que há sempre

um prejuízo nela implicado. A expressão “contravenção penal” significa infração

de menor potencial ofensivo que as pessoas acabam cometendo no dia a dia”

(AULETE, 2009, s/p), o que não implica ser inofensiva. O enunciador, nesse

caso, parece valer-se do termo para ressaltar a imagem aparentemente não-

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prejudicial do jogo do bicho, já cristalizada em alguns segmentos sociais.

(20) Intervenção do professor

por Aluno - segunda, 22 setembro 2008, 15:37

Olá!

Em sua opinião qual o bem jurídico protegido pelo crime de “lavagem de capitais”. Justifique.

A.

Em (20), o enunciador, para indicar que a palavra “lavagem” foi empregada em

sentido figurado, utiliza as aspas. Na expressão “lavagens de capitais”, o termo

“lavagem” significa “ação ou resultado de associar dinheiro ganho ilicitamente à

atividade econômica legal, de modo a se poder dispor dele como se lícito

fosse” (AULETE, 2009: s/p).

Para Maingueneau (2005a, p. 166), o emprego das aspas é mais adequado, na

modalização autonímica, “quando se trata de uma certa reserva por parte do

enunciador, que indica, assim, uma não-coincidência de sua fala”. Para chamar

a atenção, ele recomenda colocar a palavra em negrito ou sublinhá-la. No

entanto, verificamos que no discurso dos textos dos alunos nem sempre o

enunciador emprega as aspas para indicar que o sentido não coincide com a

palavra. Em muitas ocorrências, vale-se de aspas para evidenciar

determinados termos, como se estivesse sublinhando-os ou colocando-os em

negrito, o que nos leva a inferir que essa seja a razão da discrepância

verificada entre o discurso dos textos produzidos pelos alunos (43%) e pelos

textos produzidos pelas intervenções do professor (7%).

Apresentamos abaixo um texto produzido pelo aluno, em que no discurso essa

afirmação se confirma:

(21) Intervenção do aluno

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por Aluno- terça, 28 outubro 2008, 18:06

A análise do colega JC me parece deveras pertinente. As partes transigiriam e o juiz, presentes os requisitos legais, homologaria.

Mas, a leitura do enunciado do Prof. A. me levou a outra questão: se o indiciado não tiver "garantias" de que ele será beneficiado ao final do processo, ele não encontrará estímulo para a "delação premiada", valendo lembrar que, a partir do momento em que ele delata co-autores e partícipes, ele é "traidor" do grupo e corre riscos.

Por isso, penso que a lei deveria conter expressamente a previsão do termo de acordo entre MP e indiciado, exatamente para que a sistemática natural - aquela anunciada pelo JC - funcionasse. O acusado teria as tais garantias - aqui representadas pela posição expressa do Ministério Público - e o Judiciário, caso detectasse divergência entre a vontade das partes e a lei, não homologaria o acordo, dando margem a recursos.

[...]

Em (21), se considerarmos que a intervenção se insere na modalidade de

educação a distância, o emprego das aspas em “garantias” e “delação

premiada” pode dificultar a compreensão imediata da informação por parte do

co-enunciador, que pode, inclusive, fazer uma leitura inadequada dessas

expressões. Fica, então, sob responsabilidade dele saber qual o sentido que as

aspas têm no contexto comunicativo.

5.4. Marcas linguísticas de polidez

Conforme já explicitado, segundo Brown & Levinson (1987), as estratégias de

polidez são empregadas com a função de preservar a harmonia nas relações

interpessoais. As escolhas dessas estratégias podem variar de acordo com a

intencionalidade dos sujeitos sociais, que pode ser a de atenuar um ato de fala

ameaçador de uma das faces, de diminuir a distância social entre participantes

de uma cena ou de aproximá-los, ainda que haja uma separação hierárquica.

Os autores consideram dois tipos de polidez: a negativa e a positiva, sendo que

a primeira consiste em evitar ou em abrandar, por meio de uma estratégia, um

ato que, aparecendo na interação, ameace o co-enunciador. A segunda, por

sua vez, consiste em produzir enunciados que não sejam ameaçadores para o

co-enunciador. Como exemplos da primeira, Kerbrat-Orecchioni (2006)

menciona uma crítica, uma recusa. Como exemplos da segunda, ela menciona

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a manifestação de acordo, elogio, agradecimento, saudação, convite.

Verificamos no corpus de nossa pesquisa as marcas linguísticas de polidez.

Apresentamos, na tabela 12, essas marcas no discurso das intervenções do

professor e dos alunos:

Tabela 12: marcas linguísticas de polidez no discurso dos alunos e do professor

Intervenções Intervenções analisadas

Intervenções com estratégias de polidez

%

Alunos 254 194 76%

Professor 39 36 92%

Analisamos 254 intervenções do aluno e constatamos que no discurso de 194

aparecem estratégias de polidez, totalizando 76%. Em intervenções do

professor, no discurso de 36 há essa marca, totalizando 92%. Observamos que

o número de ocorrências de estratégias de polidez é bastante significativo nos

dois discursos.

Discurso dos enunciadores-alunos

Entretanto, verificamos que no discurso das intervenções dos alunos as

estratégias de polidez mais empregadas são os modalizadores. Analisamos

254 intervenções e no discurso de 136 há apenas modalizadores como marca

de polidez, totalizando 53%, conforme os dados apresentados na tabela 13:

Tabela 13: modalizadores como estratégias de polidez no discurso dos alunos

Intervenções Intervenções analisadas

Número de textos com modalizadores

%

Alunos 254 136 53%

No discurso das intervenções dos alunos, predomina a polidez negativa, que

demonstra a preocupação do enunciador em evitar que, na interação, ocorra

certo conflito com o co-enunciador. Como vimos, os enunciadores no papel de

aluno imprimem em seus discursos um alto grau de certeza ao se

manifestarem nos fóruns de discussão e pouco se valem de recursos

linguísticos para que os seus co-enunciadores possam interferir em seus

discursos. Tais enunciações podem parecer uma afronta aos co-enunciadores

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e a forma de atenuar esse efeito é empregar um suavizante, ou seja, uma

estratégia de polidez.

Discurso do enunciador-professor

No discurso do professor, por sua vez, o enunciador demonstra a sua

preocupação em produzir enunciados que estabeleçam uma interação

harmoniosa, a fim de que os co-enunciadores se sintam acolhidos e, dessa

maneira, engajem-se ativamente nas discussões. Assim, as estratégias

predominantes são de polidez positiva.

Intervenções analisadas

O discurso das intervenções (22) e (23), a seguir, ilustra o emprego das

estratégias de polidez nesse tipo de discurso:

(22) Intervenção do aluno

por - Aluno- quinta, 2 outubro 2008, 17:05

Analisando os textos, vídeos e palestras, na minha opinião não deve haver um rol exaustivo, pois pude notar que a “lavagem de dinheiro” configura-se somente quando da ocultação dos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. O crime de “lavagem de dinheiro” nasceu como conseqüência para repreensão do tráfico, criminalizando-se a conduta daqueles que praticavam atos visando “legalizar” o dinheiro auferido pela atividade ilícita já mencionada. Com o tempo, o rol foi ampliado com a Lei 9613/98. Acredito também que mais ampliações devam acontecer, como ocorre em outros países, por exemplo, Estados Unidos da América, Bélgica, França, Itália e Suíça. De sorte que o Anteprojeto – capítulo I – artigo 1º visa eliminar o catálogo taxativo de delitos anteriores, até porque a contravenção penal – como o “jogo de bicho” - não está elencada no rol dos crimes antecedentes, e no meu entender é uma lavagem “camuflada...” Motivo pelo qual penso que qualquer infração penal que propicie vantagens ilícitas pode justificar a “lavagem do capital” obtido.

Em (22), o enunciador vale-se das marcas de polidez negativa “na minha

opinião”, “Acredito”, “no meu entender”, “penso”, que são modalizadores

epistêmicos. Ao empregar tais modalizadores, o enunciador deixa evidente

que ele é a fonte desse conhecimento que enuncia, mas distancia-se dele para

não parecer autoritário aos seus co-enunciadores. O enunciado asseverado

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com maior grau de certeza seria um ato ameaçador à face do professor.

Constatamos com Kerbrat-Orecchioni (2006) que tais modalizadores revelam

uma estratégia de polidez negativa, empregada para que seja instaurada certa

distância entre o enunciador e o conteúdo de seu enunciado, tornando-o

menos incisivo, menos definitivo. Se esses procedimentos não tivessem sido

adotados, o ethos do enunciador poderia se projetar como arrogante para o co-

enunciador, ou seja, o enunciador-aluno parece tomar o cuidado de não se

projetar como alguém que sabe tanto ou mais que o enunciador-professor.

(23) Intervenção do professor

por Professor - sexta, 12 setembro 2008, 20:58

Caros alunos,

Vamos discutir neste fórum as seguintes questões:

- em sua opinião, faz-se necessário definir no ordenamento jurídico o fenômeno das organizações criminosas?

- existem, de fato, organizações criminosas no Brasil?

Abraços

Em (23), verificamos o emprego de algumas estratégias de polidez positiva,

como a saudação (“caros alunos”), o convite (“vamos discutir”) e a despedida

(“Abraços”), o recurso paralinguístico emoticon (piscando). Podemos inferir

que o enunciador, ao empregar tais estratégias, busca se aproximar de seus

co-enunciadores para que na atividade haja a cooperação de todos. De acordo

com Moore & Kearsley (2007), na modalidade de educação a distância,

estratégias como essas propiciam aos envolvidos a sensação de

relacionamento contínuo com o grupo.

5.5. Discussão dos resultados obtidos

Conforme mencionamos, neste trabalho, partimos da tese de que a projeção

discursiva do ethos assinala sua disposição para interagir de forma mais ou

menos colaborativa. Em outras palavras, o ethos pode empregar estratégias

comunicativas que propiciam o estabelecimento de um maior grau de

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colaboração. Após análise do corpus de pesquisa, apresentamos, a seguir, a

discussão dos resultados obtidos, no intuito de comprovar a tese defendida.

No que se refere aos discursos das intervenções do professor e dos alunos no

ambiente digital, notamos que, no curso Criminalidade Organizada, o discurso

das intervenções dos alunos, de modo geral, tende a trazer aspectos da

formalidade presentes na linguagem dos discursos jurídicos impressos para

dentro do ambiente virtual, nem sempre privilegiando estratégias que possam

facilitar a construção de um discurso mais colaborativo em fóruns de discussão,

como marcas de informalidade, tom de conversação, utilização de sentenças

curtas para facilitar a compreensão, por exemplo (MOORE; KEARSLEY, 2007).

No discurso dos textos do professor, por sua vez, o enunciador procura

construir um discurso mais colaborativo, empregando essas estratégias,

embora seus enunciados tragam também forte marca de formalidade.

Para tratarmos da construção e do entrelaçamento dos ethos dos sujeitos

envolvidos no discurso do fórum educacional digital, precisamos antes

explicitar as intenções desses sujeitos. De um lado, temos o professor, que tem

a intenção de que o curso atenda às expectativas dos alunos e dos que

representam a instituição, especialmente porque muitos desses são seus

pares; de que seja um bom professor, demonstrando domínio do assunto

tratado e orientando os alunos na construção do conhecimento, motivando-os a

aprender; de mostrar seu comprometimento com o processo de ensino e

aprendizagem e com a instituição.

Para alcançar essas intenções, esse sujeito realiza escolhas linguísticas que

revelam um ethos comprometido com o processo educacional: ele emprega em

seu discurso, de forma equilibrada, as marcas de enunciador e co-enunciador,

o que indica seu empenho em estreitar laços de interação e cooperação com

os co-enunciadores. Além disso, marca sua presença no enunciado com um

maior grau de certeza pela escolha que faz dos advérbios modalizadores

epistêmicos, demonstrando que tem conhecimento do assunto tratado e que se

compromete com o que é dito. Ele traz o discurso dos co-enunciadores para o

seu discurso, marcando com aspas a fronteira que separa os dois discursos, a

fim de valorizar a contribuição deles, apontar para eventuais lacunas, indicar

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novos caminhos de entendimento referentes a uma questão discutida, como se

espera de um sujeito que desempenha esse papel comprometido com as

práticas educacionais.

Observamos que o enunciador no papel de professor recorre poucas vezes à

modalização autonímica por meio do emprego das aspas, talvez para facilitar a

compreensão do que é dito, procurando não estabelecer uma dupla

significação discursiva, que eventualmente pudesse comprometer a

aprendizagem. Ele também lança mão das estratégias de polidez positiva,

preocupando-se em proporcionar ao co-enunciador acolhimento e com isso

obter sua cooperação no gênero fórum educacional digital. Tais estratégias

vêm ao encontro do que preconizam Moore e Kearsley (2007) sobre interação

em ambientes virtuais: nelas devem predominar a voz ativa, o emprego de

técnicas para ressaltar palavras e sentenças sem exagero, as retomadas do

que foi dito para facilitar a construção de conhecimento, entre outras.

De outro lado, temos as intenções dos alunos, que consistem na realização de

cursos para o aprimoramento do desempenho profissional; na demonstração

de sua capacidade intelectual para o professor e seus pares; na demonstração

de seu comprometimento com o curso.

Para concretizar suas intenções, os sujeitos no papel de alunos realizam

escolhas linguísticas que projetam um ethos de fato comprometido com o

curso, interessado em se aprimorar profissionalmente e com um bom nível

intelectual. Nessa direção, de modo geral, eles empregam as marcas que

remetem ao enunciador, colocando-se explicitamente na cenografia, ao mesmo

tempo em que apagam as marcas do co-enunciador, afastando-o dela: ele é

constituído pela situação dialógica do discurso no fórum, mas não é enunciado

explicitamente, o que pode propiciar uma ampliação da figura do enunciador,

que versa sobre o tema discutido como se suas observações fossem

definitivas. Desse modo, eles se valem dos advérbios modalizadores

epistêmicos, que atribuem certeza e comprometimento ao que é dito; fazem

pouco uso da citação com aspas, pois pouco se distanciam do próprio discurso

para ceder lugar a um outro discurso; empregam a modalização autonímica,

marcada pelas aspas, que sugere uma abertura ao diálogo, já que, de certa

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forma, reconhecem a importância do outro na construção de sentido; recorrem,

de maneira especial, aos modalizadores como estratégias de polidez, para que

o discurso não pareça autoritário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Neste trabalho, reconhecemos que as novas tecnologias da informação e

comunicação têm provocado significativas mudanças em todos os setores da

sociedade, caracterizando-a de sociedade tecnológica. Nessa sociedade, a

educação, gradualmente, vai se reestruturando para atender as novas

demandas que lhe são impostas, sendo uma delas preparar professores e

alunos para se inserirem em processos educacionais mediados e com uma

abordagem pedagógica pautada na interação e na colaboração.

No intuito de contribuir para o desenvolvimento de metodologias de ensino e de

aprendizagem mais interativas no contexto educacional jurídico, na modalidade

a distância, delimitamo-nos a verificar, em um corpus retirado de uma edição

do curso Criminalidade Organizada, oferecido pela Escola Superior do

Ministério Público, como os discursos elaborados no gênero fórum educacional

digital se constituem, tendo em vista as estratégias interacionais empregadas

pelos envolvidos; como essas estratégias desencadeiam o entrelaçamento de

sujeitos e de que forma, nesse discurso, o ethos desses sujeitos se constrói.

Defendemos a tese de que a projeção discursiva do ethos dos enunciadores

assinala sua disposição para interagir de forma mais ou menos colaborativa,

partindo das coerções próprias do discurso jurídico, que impõe atitudes

discursivas em relação aos interlocutores no interior da cenografia. Julgamos

que, no fórum, o ethos pode se valer de estratégias comunicativas que auxiliam

no estabelecimento de um maior grau de colaboração com o intuito de veicular

conhecimentos jurídicos.

Nossa investigação pautou-se em estudos teóricos da Análise do Discurso,

especialmente de Maingueneau (1997, 2005a, 2005b, 2008a, 2008b); estudos

sobre polidez (BROWN; LEVINSON, 1987) e modalização (MAINGUENEAU,

2005a; NEVES, 2002). Pautamo-nos ainda nos estudos sobre Educação a

distância de Moore & Kearsley (2007), Belloni (2001), Valente (2003) e nos

estudos sobre o gênero fórum digital de Xavier e Santos (2005), Paiva &

Rodrigues (2004 e 2009) e Crescitelli, Geraldini & Quevedo (2008).

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Nessa perspectiva, analisamos as marcas linguísticas de pessoa e não-

pessoa, os modalizadores, as aspas como indicadoras de heterogeneidade

discursiva e as marcas de polidez em 254 intervenções dos alunos e 39 do

professor. Os resultados da pesquisa demonstram que as estratégias

interacionais empregadas na construção do ethos discursivo revelam um

sujeito no papel de professor, comprometido com o sucesso do curso e com o

processo de aprendizagem de seus co-enunciadores, que pode incentivar a

construção colaborativa do conhecimento.

O perfil desse sujeito é o que se espera de um professor em curso a distância

cuja abordagem pedagógica é o estar junto virtual, na qual a ênfase do ato de

aprender recai sobre as interações que se estabelecem no ambiente do curso.

Em suas intervenções, o professor procurou desafiar os alunos, levando-os a

refletir sobre os aspectos do tema abordado; utilizou estratégias para envolvê-

los nas discussões, demonstrou acolhimento para que sentissem a presença

do outro, apesar da separação física.

No contexto da Escola Superior do Ministério Público, cujos cursos são de

aperfeiçoamento profissional, observa-se que a abordagem pedagógica o estar

junto virtual é muito bem aceita pelos sujeitos que desempenham o papel de

alunos, pois na interação com o professor e com os seus pares, reconhecem

que é possível absorver o conteúdo profissional, por meio de um processo de

novas aprendizagens, de reconstrução do conhecimento e de ressignificações

de teorias da esfera jurídica, no âmbito do Ministério Público.

Em suas intervenções, os sujeitos que desempenham o papel de alunos

projetam-se como indivíduos comprometidos com o curso, interessados em se

aprimorar profissionalmente e com bom nível intelectual, procuram cooperar

seguindo sempre as orientações dadas. Entretanto, nota-se a pouca

familiaridade com o gênero fórum educacional digital pela ausência de

estratégias que possam motivar seus co-enunciadores a interferirem em seus

discursos. Em geral, fazem uma intervenção em cada tópico discursivo.

Ratificamos com Maingueneau (2008b) que o ethos está ligado ao ato de

enunciação e, por ela, o co-enunciador pode construir a imagem do

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enunciador. “O simples fato de o texto pertencer a um gênero de discurso ou a

um certo posicionamento ideológico induz no co-enunciador expectativas em

matéria de ethos” (MAINGUENEAU, 2008b, p. 71). Dessa forma, ao relacionar

o ethos como uma determinada fonte enunciativa, Maingueneau introduz na

análise de discurso uma concepção de ethos que ultrapassa o quadro da

argumentação, pois para ele é possível relacionar uma fonte enunciativa por

meio de um enunciador, sendo ela oral ou escrita.

Segundo o autor (2008b, p. 73), um texto não pode ser apreendido apenas

como objeto de contemplação, pois é um processo dinâmico, que se constrói

na interação com o outro, capaz de projetar imagens “físicas” do enunciador e,

ainda, capaz de fazer o co-enunciador vir a aderir “fisicamente” a um universo

de sentido. Os índices linguístico-textuais e discursivos de diversas ordens

modelam o ethos do enunciador, entre eles a seleção lexical, que pode revelar

aspectos de seu comportamento.

Nessa ótica, é preciso considerar que existe uma variação do ethos em razão

dos diferentes tipos e gêneros de discurso, pois o enunciador não é estável;

não vai se expressar desta ou daquela maneira. A configuração do ethos se dá

em um quadro de uma instituição discursiva com um certo perfil cultural, no

qual estão implicados papéis, lugares e momentos de enunciação, além de um

suporte material e um modo de circulação para os enunciados

(MAINGUENEAU, 2008b). O ethos é parte constitutiva da cena de enunciação

que se desdobra em cena englobante, cena genérica e cenografia que

precisam ser consideradas em uma análise.

Nesta pesquisa, consideramos o discurso jurídico como a cena englobante,

pois o curso é de aperfeiçoamento para membros e servidores do Ministério

Público; os fóruns educacionais digitais do curso Criminalidade Organizada

como a cena genérica e a cenografia como pedagógica, no contexto da

educação a distância, em ambientes virtuais de aprendizagem.

Ao final de nosso trabalho, comprovamos a tese de que, com o emprego de

estratégias comunicativas, o ethos pode projetar-se, na cenografia de um curso

na modalidade a distância, de forma mais ou menos colaborativa. Em síntese,

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o estudo auxiliou-nos a compreender como se organizam os discursos em

fóruns educacionais digitais na área jurídica, pois, por meio de um estudo em

Análise do Discurso, pudemos comprovar que as projeções do ethos nos

contextos interacionais resultam de negociações estabelecidas pela linguagem.

REFERÊNCIAS

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