keylor (cap 11) - the rise of china and the cold war in asia

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  • CAPTULO XI

    A ASCENSO DA CHINA E A GUERRA FRIA NA SIA

    A vitria comunista na Guerra Civil chinesa

    O colapso total do imprio japons em Agosto de 1945 deixara um grande vcuo de poder na sia, comparado com o que fora criado, trs meses antes, na Europa pela capitulao da Alemanha. Todavia, as consequncias polticas da vitria militar aliada no Extremo Oriente diferenciavam-se da situao ps-guerra na Europa num aspecto fundamental: os Estados Unidos haviam empreendido a guerra do Pacfico quase sem ajuda e tinham sido capazes de forar a capitulao do inimigo sem se basearem na assistncia militar da Unio Sovitica. Quando o Exrcito Vermelho comeou a consolidar o controlo das suas zonas de ocupao no continente asitico (Manchria e Coreia do Norte) e das ilhas costeiras (Curilas e a parte meridional da Sacalina), a predominncia dos Estados Unidos e dos seus aliados europeus no resto do antigo imprio asitico do Japo estava garantida. As foras americanas, sob o comando do general Douglas MacArthur, assumiu unilateralmente a ocupao militar e a administrao poltica das ilhas nacionais japonesas, apesar do pedido sovitico para participar. As foras britnicas, francesas e holandesas regressaram aos seus antigos postos imperiais no Sudeste Asitico para reafirmar a autoridade colonial ou conceder independncia poltica aos regimes sucessores, controlados por elites indgenas no-comunistas e pr-ocidentais.

    O restabelecimento do poder ocidental na sia Oriental aps 1945 parecia frustar quaisquer ambies que Estaline pudesse ter alimentado em relao expanso da influncia sovitica sobre a regio povoada e economicamente valiosa, que fora recentemente liberta do domnio japons. Porm, o caso do novo Estado da Indonsia era uma excepo crucial, uma vez que fora formado pelas antigas ndias Orientais Holandesas, em 1949, e mantinha relaes cordiais com o bloco comunista sob a liderana do carismtico presidente Ajmed Sukarno, at sua queda em 1966, s mos dos elementos anticomunistas nas foras armadas. Porm, a excepo mais

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    espectacular deste registo de derrotas russas do ps-guerra no Extremo Oriente consistiu no estabelecimento, em Outubro de 1949, da Repblica Popular da China, um estado comunista constitudo por um quarto da populao mundial, que rapidamente se tornou num aliado militar e num beneficirio econmico da Unio Sovitica.

    A instaurao de um governo comunista na China nos finais de 1949 ps termo a uma guerra civil que abalara intermitentemente este pas desde 1927, entre o governo pr-ocidental de Chiang Kai-Chek e o movimento de guerrilha comunista que operava nas zonas rurais. Uma vez que a vitria do comunismo na China ocorreu no ano seguinte ao golpe de estado de inspirao sovitica na Checoslovquia e tentativa de afastar os aliados ocidentais de Berlim, o novo regime de Pequim foi considerado, por muitos funcionrios em Washington, como um contrapeso do imprio satlite sovitico na Europa de Leste. Contudo, o grupo de funcionrios americanos dos Negcios Estrangeiros, que conhecera as foras de guerrilha comunistas chinesas nas grutas de Yan'an na provncia de Shenchi durante a guerra, apercebera-se de um facto notvel que era totalmente desconhecido pela opinio oficial e pblica nos Estados Unidos, no mbito do anticomunismo indiscriminado dos anos 50: tratava-se de uma organizao indgena cuja afinidade ideolgica com a (e dependncia material da) Unio Sovitica eram mnimas e cujas relaes polticas com o Kremlin e seus representantes na sia haviam sido marcadas por presses e tenses.

    Esta concluso era inevitvel perante um estudo da Histria do Partido Comunista Chins desde meados dos anos 30 at ao seu triunfo em 1949. Esta Histria encontrava-se repleta de exemplos de diferenas tcticas e ideolgicas entre o grupo dedicado de revolucionrios na China e os agentes do Komintern, que haviam sido enviados por Moscovo para organizar uma insurreio sob o modelo sovitico. A diferena mais proeminente residia na contradio ideolgica entre o nfase marxista-leninista do papel revolucionrio da classe trabalhadora urbana e o crescente reconhecimento, por parte da liderana comunista chinesa, do potencial revolucionrio da classe rural sem terra num pas pr-industrial, onde menos de 1 por cento da fora de trabalho trabalhava nas fbricas. Lenine, que confiara nas massas rurais empobrecidas da Rssia para obter o sucesso da sua prpria revoluo, considerara porm a classe rural apenas como uma fora auxiliar na revoluo do proletariado. De acordo com esta concepo terica, os agentes do Komintern sovitico na China e os seus protegidos no Partido Comunista Chins concentraram as suas energias, ao longo da dcada de 20, nos sindicatos como preparao para uma insurreio dos trabalhadores que comearia nas cidades, alastrando-se para as zonas rurais, onde receberia o apoio dos camponeses descontentes. Todavia, na China a vanguarda dos trabalhadores no era constituda por trabalhadores. Esta lio fora aprendida a grande custo pelo movimento comunista chins em 1927 quando, por sugesto dos seus conselheiros russos, incitaram revoltas proletrias em diversas cidades que seriam reprimidas pelo governo devido ao seu isolamento em relao

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  • HISTRIA DO SCULO XX M!

    genuna luta de classes que se formava na regio rural chinesa. No mesmo ano, um excelente organizador comunista chamado Mao Zedong conclura, por si s, que a nica esperana para uma revoluo social no seu pas residia na mobilizao das centenas de milhes de camponeses oprimidos contra os latifundirios exploradores e as elites militares e polticas que os apoiavam. Nos meados dos anos 30, Mao assumira efectivamente o controlo do aparelho do Partido Comunista. Apesar de aderir abertamente orientao estalinista nas questes internacionais e coibir-se de contestar a aplicabilidade da ideologia comunista sovitica s condies peculiares do seu prprio pas, Mao traou uma rota cada vez mais independente para a variante chinesa do comunismo e comeou a assumir o papel de intrprete infalvel da doutrina marxista-leninista na China. Esta postura era um antema para Estaline, que estava habituado a lidar com lderes comunistas estrangeiros inteiramente dependentes do Kremlin, no que dizia respeito s suas posies, e cumpridores da sua absoluta autoridade no mbito do movimento comunista internacional.

    A principal fonte de conflito, entre o regime comunista em Moscovo e o movimento revolucionrio comunista nas zonas rurais chinesas, residia na subsequente determinao de Estaline em manter relaes cordiais com mesmo governo chins que o movimento de Mao pretendia derrubar. A solicitude do lder russo para com o fervoroso anticomunista Chiang durante os anos 30 tinha origem em factores de interesse nacional, ou seja, a preocupao que os dois lderes partilhavam em relao crescente ameaa militar japonesa contra os seus respectivos pases. Durante a guerra no-declarada do Japo contra a China, desde 1937 at 1945, a Unio Sovitica pressionou o movimento de guerrilha comunista escondido na provncia norte de Shenchi a estabelecer uma trgua temporria no seu desafio insurreccional ao governo nacionalista de Chiang, em Nanquim (e mais tarde Chungking), com o objectivo de empreender uma luta comum contra os invasores estrangeiros. O Kremlin forneceu uma considervel assistncia militar e financeira s foras nacionalistas e convenceu Mao a colocar o seu Exrcito Vermelho sob a jurisdio nominal do governo chins. A retirada da ameaa japonesa em 1945 no reprimiria o entusiasmo de Estaline em preservar relaes cordiais com Chiang nem originaria um aumento no apoio sovitico directo ao movimento comunista chins. Em 14 de Agosto de 1945, na vspera do dia em que Japo aceitou as condies aliadas de capitulao, a Unio Sovitica celebrou um tratado de amizade e aliana com o governo nacionalista chins. Segundo este tratado, Moscovo reconheceu formalmente o regime de Chiang como o governo legtimo da China, prome- tendo-lhe assistncia militar e econmica em troca da administrao sino-sovitica conjunta do caminho de ferro manchu e do porto de Dalian, o direito de construir uma base naval sovitica em Port Arthur e o reconhecimento chins da independncia do Estado da Monglia, dependente dos soviticos. Entretanto, o Kremlin aconselhara os comunistas chineses a desmantelarem o seu aparato militar independente e a unirem-se aos nacionalistas numa coligao poltica como parceiro minoritrio. Quando as foras militares russas evacuaram a Manchria em 1946

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    (aps a terem espoliado de todo o equipamento industrial passvel de ser removido), tornara-se evidente que Moscovo pretendia colocar os dois rivais na guerra civil chinesa um contra o outro, de modo a impedir o que Estaline desejava evitar: a criao de uma China unificada sob uma nica autoridade poltica. Por conseguinte, as foras de ocupao sovitica entregaram as armas japonesas capturadas aos partidrios de Mao na Manchria, acedendo tambm ao pedido de Chiang, que consistia na permanncia das tropas soviticas na regio at chegada de um nmero suficiente de foras nacionalistas, a fim de evitar uma conquista comunista.

    A ambgua poltica de Moscovo perante a guerra civil chinesa continuou depois das hostilidades recomearem em 1946, aps o malogro de uma comisso diplomtica de mediao americana, liderada pelo general George C. Marshall. Uma vez que os exrcitos nacionalistas no norte da China se desintegravam ante a investida comunista em 1948, Estaline incitou Mao a interromper o seu avano rumo ao sul, no Rio Azul, para permitir o reagrupamento das foras de Chiang e a criao de um enclave no-comunista na China Meridional. Depois dos comunistas chineses rejeitarem este conselho e invadirem as cidades do sul em 1949, o embaixador sovitico manteve-se junto do governo nacionalista em retirada, quase at ao fim. A razo subjacente relutncia do Kremlin em oferecer o apoio incondicional insurreio comunista na China era a mesma que lanara a sua influncia restritiva nos insurgentes comunistas na Grcia: o receio de que um triunfo comunista local sobre as foras apoiadas pelo Ocidente desencadeasse uma resposta americana que se transformaria num confronto mundial com a Unio Sovitica para o qual esta no se encontrava preparada. Alm disso, reflectia tambm a preocupao de que um novo e forte regime comunista, estabelecido sem a assistncia do Exrcito Vermelho, num pas com quase o triplo da populao da Rssia, se tornasse inevitavelmente num plo de atraco concorrente no interior do movimento do comunismo mundial.

    Ironicamente, enquanto a Unio Sovitica tentava reprimir os comunistas chineses e preservava os contactos diplomticos com o arruinado regime nacionalista chins no seu colapso, durante o vero de 1949, os Estados Unidos anunciaram, a 5 de Agosto, o fim de toda a assistncia militar e econmica a Chiang Kai-Chek, j que, atravs da corrupo e da ineficincia, o seu governo perdera o direito ao apoio americano. Aquando da proclamao da Repblica Popular da China, a 1 de Outubro de 1949, Washington parecia preparado para aceitar o fait accompli da vitria comunista na guerra civil chinesa. Em Janeiro de 1950, um ms aps a retirada do que restava das foras militares e da administrao poltica de Chiang para a Formosa, o presidente Truman reafirmou as declaraes aliadas do Cairo e de Potsdam, segundo as quais a Formosa seria considerada como parte integral da China, e anunciou que no tinha inteno de renovar a assistncia militar americana s autoridades nacionalistas que haviam sido suspensas no ano anterior. Estas declaraes implicavam que Washington nada faria para evitar que o novo regime continental adquirisse a vitria total ao obrigar as foras de Chiang a entregar o seu reduto costeiro vulnervel.

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    Embora triunfante na sua luta de vinte e dois anos sem um significativo apoio sovitico e apesar dos conselhos soviticos de restrio, a liderana comunista cm Pequim seria forada a recorrer a Moscovo em busca de assistncia econmica para a recuperao e reconstruo do seu pas, dada as desastrosas condies econmicas que herdara. Os extensos danos provocados pela ocupao japonesa e pela guerra civil exigiam uma macia injeco de capital e aptido tecnolgica externas Antecipando correctamente que as probabilidades de assistncia do tipo do Plano Marshall dos Estados Unidos eram cada vez mais fracas medida que o sentimento anticomunista aumentava, como resposta aos acontecimentos na Europa, Mao deixou o seu pas, pela primeira vez na sua vida, em finais de 1949 para visitar a capital sovitica de chapu na mo. Depois de o fazerem esperar dois meses no frio inverno de Moscovo, o novo dirigente da nao mais povoada foi persuadido a assinar, em 4 de Fevereiro de 1950 um Tratado de Amizade, de Aliana e de M tua Assistncia, com uma durao de trinta anos, que se dirigia ao Japo e, implcita mente, aos Estados Unidos. Atravs de outros acordos, Estaline obteve o reconhecimento chins da independncia da Monglia sob a tutela sovitica, assim como a continuao da participao russa na gesto do caminho de ferro manchu e dos direitos s bases soviticas nos portos de Dalian e Port Arthur no Mar Amarelo at 1952. Mao tambm concordou com a formao de sociedades annimas para desenvolver os recursos minerais da Manchria e de Xinjiang, dois objectos da ambio econmica russa. Deste modo, Moscovo obteve a garantia de uma potncia amigvel na sua fronteira asitica, em conjunto com privilgios navais temporrios e concesses econmicas a longo prazo, que poderiam ser definidos apenas como imperialistas. Este foi o preo que Mao teve que pagar por uma assistncia econmica sovitica que se revelaria irrisria, em comparao com os subsdios generosos que esperava obter: 300 milhes de dlares em crditos a longo prazo, menos de meio dlar por cada cidado chins. Alis, a assistncia militar de Moscovo no foi disponibilizada quando as tropas de Chiang se reorganizaram na Formosa para uma invaso do continente.

    Tendo em considerao este nefasto incio da entente sino-sovitica e da tendncia de Estaline para manter os comunistas chineses distncia, impe-se colocar uma questo: poderia Washington ter perturbado a nova cooperao entre Moscovo e Pequim ao conferir reconhecimento diplomtico e assistncia econmica nova elite dirigente da China, uma vez confirmada a sua autoridade nos primeiros meses de 1950? Como vimos, os Estados Unidos consideravam-se tradicionalmente benfeitores e protectores do povo chins e os interesses de exportao americanos cobiavam o mercado chins para o escoamento dos produtos americanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, a estimativa exagerada do presidente Roosevelt em relao ao estatuto da China como uma das cinco grandes potncias mundiais f-lo conceder ao pas oriental, apesar das objeces do cptico Churchill, um assento permanente no Conselho de Segurana das Naes Unidas. J aqui foi descrito como a administrao Truman, aps o malogro dos seus esforos de mediao no inverno

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    de 1945-46, se desligou da guerra civil chinesa ao retirar o seu apoio ao regime nacionalista. Existem algumas provas, embora escassas e inconcludentes, de que Mao alimentava a esperana de estabelecer relaes cordiais com Washington no final da guerra, enquanto ainda se encontrava em contacto com os agentes secretos e diplomticos americanos, que se encontravam em contacto com o movimento comunista chins durante a luta comum contra o Japo. O desenvolvimento de laos cordiais da administrao Truman com a Jugoslvia, aps a desero de Tito do bloco sovitico em 1948, provocou um precedente para a vontade americana de moderar a sua antipatia indiscriminada pelos regimes comunistas. O governo dos Estados Unidos no se mostrava ansioso por se juntar aos pases leste-europeus comunistas, maior parte dos pases asiticos, Escandinvia, Sua e Gr- -Bretanha* no processo de reconhecimento formal do governo de Pequim, numa altura em que este maltratava cidados americanos e se apoderava de propriedade americana na China. Porm, os funcionrios do Departamento de Estado preparavam-se pacientemente para, aps um intervalo conveniente, reconhecer a vitria comunista na guerra civil chinesa.

    A Guerra da Coreiae a interveno americana no Extremo Oriente

    Esse reconhecimento seria prorrogado durante duas dcadas e meia devido deflagrao imprevista de hostilidades na pennsula coreana no vero de 1950, que conduziria as foras militares da China comunista e dos Estados Unidos a um conflito armado. J fizemos referncia s semelhanas entre a Coreia e a Alemanha do ps-guerra: dividindo temporariamente o pas ao longo do paralelo 38 de latitude numa zona sovitica a norte e numa zona americana a sul, as duas superpotncias no lograram chegar a um acordo sobre as condies de reunificao, permitindo, assim, o estabelecimento de um governo, nas respectivas zonas, que reivindicava soberania sobre o pas inteiro. Em Agosto de 1948, aps as eleies livres realizadas sob a superviso das Naes Unidas, a Repblica da Coreia foi formada no sul, com Seul como capital, e Syngman Rhee, conservador e anticomunista, como presidente. No ms de Setembro, a Repblica Democrtica Popular da Coreia foi estabelecida na cidade de Pyongyang, sob a liderana do militante comunista Kim II-Sung. Contudo, enquanto a mtua sada do poder militar sovitico e americano da

    *0 reconhecimento apressado de Londres da Repblica Popular da China parece ter sido causado pela preocupao com o estatuto da colnia da coroa britnica, Hong Kong, a montra costeira do capitalismo ocidental que era tolerada por Pequim devido ao seu valor como uma janela para o mundo no-comunista. Sobre o futuro estatuto de Hong Kong, ver a p. 500.

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    Alemanha dividida se apresentara como um objectivo impossvel, as duas superpotncias tiveram poucas dificuldades na retirada da Coreia dividida (os russos em Dezembro de 1948 e os americanos em Junho de 1949). Todavia, deixariam para trs um caldeiro efervescente de instabilidade poltica: dois governos coreanos separados, cada um armado e abastecido por um dos dois concorrentes na Guerra Fria e reivindicadores da autoridade sobre o territrio governado pelo outro.

    No incio da manh de 25 de Junho de 1950, esta situao poltica instvel na pennsula coreana transformou-se numa guerra, quando mais de 100 mil tropas norte-coreanas lanaram um ataque surpresa contra a Coreia do Sul. Beneficiando da sua superioridade numrica e do elemento-surpresa, as foras norte-coreanas afastaram o exrcito sul-coreano, capturando a capital, Seul, em 27 de Junho. No mesmo dia, o Conselho de Segurana das Naes Unidas, reunindo-se na ausncia do delegado sovitico (que boicotava as suas sesses desde Janeiro de 1950, como protesto contra a recusa das Naes Unidas em ceder a representao chinesa ao regime comunista recentemente estabelecido em Pequim), adoptou uma resoluo apoiada pelos americanos que exigia que todos os estados-membros oferecessem Repblica da Coreia toda a ajuda necessria para repelir os agressores. Antes mesmo da adopo da resoluo, o presidente Truman instrura o comandante das foras de ocupao americana no Japo, general Douglas MacArthur, a fornecer apoio naval e areo a um exrcito sul-coreano que enfraquecia ante as arremetidas norte-coreanas. A 29 de Junho, face a um iminente colapso sul-coreano, ordenou a transferncia de duas divises americanas de infantaria do Japo para a Coreia. Em 4 de Julho, o Conselho de Segurana, ainda na ausncia do delegado sovitico, estabeleceu uma fora expedicionria das Naes Unidas para ser posicionada na Coreia, sendo colocada, no dia seguinte, sob o comando de MacArthur com instrues para repelir o ataque armado e restaurar a paz e a segurana internacionais. Em meados de Setembro, vinte estados-membros haviam contribudo com foras terrestres simblicas para o exrcito das Naes Unidas. Porm, as tropas americanas estacionadas no Japo arcavam com a maior parte dos combates, representando metade das foras terrestres (em comparao com os 40 por cento da contribuio sul-coreana), 86 por cento das foras navais e 93 por cento das foras areas.

    Tornar-se-ia evidente, com base nos comentrios do presidente Truman, que a sua deciso de intervir militarmente na Coreia fora incitada pela sua convico de que o ataque norte-coreano constitua um teste de inspirao sovitica resoluo americana na sia, semelhante da Europa que dera origem doutrina americana de conteno. Esta a Grcia do Extremo Oriente. Se formos suficientemente fortes agora, no haver um segundo passo anunciara Truman aos jornalistas em 25 de Junho, enquanto apontava para a Pennsula da Coreia num globo no seu gabinete. As provas de um conluio sovitico na agresso norte-coreana eram circunstanciais mas convincentes: o lder norte-coreano, Kim II-Sung, vivera na Rssia durante anos, regressara ao seu pas na companhia do exrcito de libertao sovitico em 1945 e fora instalado no poder trs anos mais tarde sob ordens

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  • 396 WILLIAM R. KEYLOR

    expressas de Estaline. Os conselheiros militares russos estavam ligados ao exrcito norte-coreano at ao nvel de batalho. Alis, provas recentes dos arquivos soviticos viriam demonstrar que a invaso norte-coreana tivera a autorizao do Kremlin.

    Os motivos de Estaline para aprovar a aco norte-coreana so menos evidentes. No entanto, a perspectiva de uma vitria rpida, a um mnimo custo, do seu satlite asitico sobre o exrcito desguarnecido e mal equipado da Coreia do Sul teria representado uma tentao irresistvel para o lder sovitico. O engodo dos portos de gua tpida da Coreia do Sul, aps o pedido de Moscovo para restituir Port Arthur e Dalian China em 1952, poderia ter sido um factor subjacente aparente vontade de Estaline de dar luz verde Coreia do Norte. Em todo o caso, Estaline no tinha razo para suspeitar da possvel ingerncia dos Estados Unidos na tentativa do regime de Pyongyang de unificar a pennsula coreana sob os seus auspcios. Pelo contrrio, num discurso muito divulgado perante o National Press Club em Washington em 12 de Janeiro de 1950, o secretrio de estado americano, Dean Acheson, abstivera-se especificamente de incluir a Coreia do Sul no permetro de defesa militar da Amrica no Extremo Oriente.

    A rpida e forte interveno do exrcito das Naes Unidas (dominado pelos americanos) na Coreia parece ter apanhado o Kremlin totalmente desprevenido. O fracasso em exercer o seu veto no Conselho de Segurana, de forma a evitar a autorizao de tal aco poderia ser apenas considerado como um srio erro com consequncias nefastas para os seus protegidos norte-coreanos. Em 15 de Setembro, as foras norte-coreanas haviam praticamente conquistado a pennsula inteira, empurrando o exrcito sul-coreano para um pequeno canto perto do porto de Pusan, na costa meridional. Contudo, no mesmo dia, a fora da ONU de MacArthur executou um excelente desembarque anfbio atrs das linhas inimigas em Inch'on, o porto de Seul. Em duas semanas, as tropas de MacArthur haviam conduzido o exrcito norte-coreano para norte at ao paralelo 38, aniquilando ou capturando metade dos seus soldados no processo. O ousado desembarque em Inch'on e a subsequente rpida libertao da Coreia do Sul cumpriram o mandato dos Estados Unidos para repelir o ataque armado ao restaurar o status quo ante militar. As ordens secundrias para restaurar a paz e a segurana internacional pareciam sugerir como primeiro passo a abertura de negociaes com a Coreia do Norte com vista a obter a sua promessa de respeitar a soberania e segurana do seu vizinho do Sul.

    Todavia, a retirada desorganizada da fora de invaso norte-coreana apresentou administrao Truman uma oportunidade demasiado tentadora para a deixar passar: reunificar a pennsula apagando a linha divisria artificial que nenhum dos regimes coreanos aceitara como permanente e que nunca fora reconhecida pelas Naes Unidas. Na prossecuo deste objectivo, os Estados Unidos foraram a aceitao, na Assembleia Geral das Naes Unidas, em 7 de Outubro, de uma resoluo que autorizava MacArthur a tomar todas as medidas apropriadas para garantir uma situao estvel em todo o territrio da Coreia. Agindo sob a autoridade desta resoluo, que tecnicamente no possua a fora da lei porque

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  • A Guerra da Coreia (1950-1953)

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    emanara da Assembleia Geral em vez do Conselho de Segurana*, MacArthur ordenou s suas tropas que transpusessem o paralelo 38 para a Coreia do Norte no dia 9 de Outubro. Em trs semanas, capturaram a capital de Pyongyang, aproxi- mando-se do Rio Yalu na fronteira chinesa.

    A expanso da guerra para a Coreia do Norte no outono de 1950 levantou inevitavelmente a questo da atitude da China comunista perante o conflito sangrento que se desenrolava para alm da sua fronteira manchu. Excludo da participao nas Naes Unidas pelo veto americano e afastada da Coreia do Norte pela Unio Sovitica, Pequim no fizera parte da agitao de actividade diplomtica durante os primeiros estdios da guerra. Porm, antes, mesmo do alarmante avano das foras de MacArthur rumo Manchria, o governo dos Estados Unidos j dera um passo decisivo que provocaria uma resposta hostil do novo governo comunista no territrio continental. Este consistia na deciso do presidente Truman, na noite de 26 de Junho de 1950, de interpor a 17.a Frota Americana entre China e a Formosa, onde os exrcitos vencidos de Chiang Kai-Chek se haviam reunido novamente aps a sua expulso do continente. A interposio do poderio naval americano no Estreito de Formosa foi empreendida por uma razo inteiramente preventiva e de um modo escrupulosamente imparcial: aparentemente, destinava-se a impedir a China continental e os chineses nacionalistas na sua provncia insular de complicarem ainda mais a situao instvel no Pacfico ocidental, ao renovarem o seu prprio conflito azedo. Todavia, para o regime em Pequim, esta atitude americana surgira como uma interveno na guerra civil chinesa que, de facto, impediu os vencedores de consolidarem a sua vitria. As suspeitas de Pequim em relao aos motivos de Washington foram dificilmente apaziguadas pela visita provocadora e bastante divulgada de MacArthur a Chiang em 31 de Julho, particularmente considerando a anterior oferta do lder nacionalista, ou seja, contribuir com trinta e trs mil soldados para a cruzada contra os comunistas na Coreia.

    O que finalmente incitou Pequim a agir foi a contra-ofensiva de MacArthur na Coreia do Norte e o seu rpido avano em direco fronteira manchu. Em 2 de Outubro, o primeiro-ministro chins, Zhou Enlai, advertiu os Estados Unidos, atravs de um intermedirio, que, caso as foras americanas atravessassem o paralelo 38, a China poderia ser obrigada a intervir em defesa dos seus interesses vitais. Quando o aviso foi ignorado por Washington, perto de 200 mil voluntrios chineses atravessaram o rio Yalu para a Coreia do Norte durante o ms de Outubro, viajando furtivamente noite para no serem detectados pelas foras dos Estados Unidos que avanavam para norte. Aps uma srie de confrontos inconcludentes

    *A Assembleia Geral no possui poder de deciso, de acordo com a Carta das Naes Unidas. Tendo conscincia do seu erro em boicotar o Conselho de Segurana, a Unio Sovitica retomou o seu assento a 1 de Agosto, assumindo o direito de veto a qualquer resoluo apresentada a este rgo. Da que os Estados Unidos fossem levados a dotar a Assembleia Geral de autoridade que esta no possua legalmente.

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  • HISTRIA DO SCULO XX 11

    com as foras de MacArthur, os chineses atacaram ao longo de uma vasta frente em 26 de Novembro, forando uma retirada americana para sul. No final do ano, as foras chinesas e norte-coreanas de contra-ataque haviam atravessado o paralelo 38 e, a 4 de Janeiro de 1951, a capital do Sul da Coreia, Seul, foi conquistada, pela segunda vez, pelos invasores do norte.

    A administrao Truman foi confrontada com as alternativas igualmente pouco atraentes de empreender uma guerra terrestre prolongada na pennsula coreana ou de adoptar a estratgia de MacArthur de expandir o conflito para a prpria China, bombardeando o santurio manchu. Antecipando a segunda hiptese arriscaria a escalada deste conflito regional numa guerra mundial, dada a aliana da China com a Unio Sovitica, Truman decidiu, em Maro, limitar as operaes militares das Naes Unidas Coreia, enquanto assumia um acordo negociado que restauraria a diviso poltica da pennsula no paralelo 38. Nos incios de Abril, as tropas das Naes Unidas haviam detido a ofensiva dos comunistas, contra-atacando uma vez mais na Coreia do Norte. Foi ento que MacArthur emitiu uma declarao provocadora, apresentando, de facto, um ultimato a Pequim para aceitar um armistcio no paralelo ou suportar ataques no seu prprio territrio, na outra margem do Yalu. A 5 de Abril, o lder republicano da Cmara dos Deputados levantou uma questo polmica ao publicar uma carta de MacArthur de 20 de Maro que reavivava a probabilidade de utilizar tropas chinesas nacionalistas na Coreia e onde defendia a vitria total na guerra. Afectado por este chocante desafio sua autoridade presidencial pelo seu procnsul na sia, Truman destituiu abruptamente MacArthur por insubordinao em 11 de Abril, substituindo-o pelo general Matthew B. Ridgway.

    A retirada de MacArthur e o repdio das suas recomendaes belicosas por Washington abriram caminho a um processo de negociaes diplomticas sobre a guerra na Coreia. Tanto os Estados Unidos como a Unio Sovitica haviam chegado concluso de que o risco de escalada era demasiado elevado para permitir que a guerra continuasse sem um esforo dedicado para trazer paz pennsula. Em 25 de Junho, Truman aceitou a sugesto da Unio Sovitica para um cessar-fogo e o incio das conversaes para um armistcio. A primeira reunio entre os representantes dos Estados Unidos e das chefias comunistas teve lugar a 9 de Julho de 1951. Estas conversaes prolongaram-se durante mais dois anos, sendo finalmente assinado o armistcio em 6 de Julho de 1953, na pequena vila de Panmunjon, perto do paralelo 38. Este armistcio estabeleceu, assim, uma zona desmilitarizada ao longo da fronteira redefinida que separava os dois estados coreanos e uma Comisso Mista de armistcio que se encontraria periodicamente de forma a resolver questes em disputa. A nova linha de demarcao concedia Coreia do Sul cerca de 2.500 km de territrio, uma recompensa irrisria por um conflito de trs anos que custou a vida de um milho de sul-coreanos, um milho de norte-coreanos e chineses e trinta e trs mil americanos.

    A importncia da Guerra da Coreia como um catalisador do rearmamento e remobilizao na Europa Ocidental j foi comentada. O efeito produzido na situao

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    militar e poltica no Extremo Oriente no foi menos dramtico. O que comeara como um conflito regional entre contendores coreanos rivais pela soberania na pennsula assumira as propores de um foco da Guerra Fria em toda a rea do sia Oriental e do Pacfico ocidental. Confrontados com o que consideravam ser uma investida calculada por um bloco comunista monoltico para se expandir no vcuo de poder de uma sia recentemente libertada do domnio japons, os Estados Unidos precipitaram-se em recuperar o poder no territrio asitico. A estratgia consistiu na oferta de proteco militar e assistncia econmica aos estados no-comunistas da regio, tal como agira, na dcada anterior, com os estados no-comunistas da Europa.

    A reteno das foras militares americanas na Coreia do Sul e a celebrao de um convnio de segurana mtua com este pas, que garantia interveno armada americana em sua defesa, constituram apenas um exemplo de uma srie de compromissos semelhantes estabelecidos nos princpios dos anos 50. Durante a emergncia coreana em 1951, os Estados Unidos celebraram sucessivamente acordos militares com naes insulares no Pacfico ocidental para sustentar a sua defesa perante a presumida ameaa de agresso comunista. Em 30 de Agosto, um tratado firmado com as Filipinas (que haviam adquirido a independncia dos Estados Unidos em 1946) reafirmou os direitos navais e areos americanos nesse pas, que haviam sido cedidos em Maro de 1947, e atribuiu aos Estados Unidos a respectiva defesa. No dia 1 de Setembro, Washington celebrou um tratado de segurana tripartido com a Austrlia e a Nova Zelndia (o Pacto ANZUS), substituindo, assim, a Gr-Bretanha como protector destes dois estados de populao europeia transplantada no Pacfico.

    No entanto, a adeso mais importante ao sistema de segurana da sia Oriental patrocinado pelos americanos, em fase de formao no outono de 1951, seria representada pelo pas cujos actos agressivos haviam desencadeado, na dcada anterior, a participao dos Estados Unidos numa guerra do Extremo Oriente. A ocupao militar americana no Japo, tal como a ocupao militar da Alemanha, fora originalmente estabelecida com o objectivo de impedir a potncia conquistada de ameaar a segurana dos seus vizinhos. Isto significava a total desmilitarizao do pas, a abolio de todas as sociedades nacionalistas, o afastamento de funcionrios pblicos e de lderes empresariais que tivessem cooperado com as autoridades militares no planeamento e na prossecuo da recente guerra, e a dissoluo dos vastos conglomerados industriais que tivessem promovido e beneficiado da anexao de mercados e recursos da Esfera de Co-Prosperidade na sia Oriental. Alm disso, representava tambm a imposio de restries na retoma econmica do Japo e a superviso dos pagamentos de reparaes aos pases do Extremo Oriente que haviam sofrido as dolorosas consequncias da conquista japonesa. O arrogante administrador do regime de ocupao militar americana no Japo, general MacArthur, instruiu a sua equipa para criar uma nova constituio para o pas, a qual entrou em vigor a 3 de Maio de 1947. Estabeleceu-se, assim, uma forma parlamentar

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  • HISTRIA DO SCULO XX 401

    de governo sob o modelo britnico, salvaguardando-se as liberdades civis e incluindo uma clusula de renncia guerra, assim como manuteno de foras areas, terrestres e martimas. Porm, o confronto sovieto-americano na Europa no fim da dcada de 40 incitou a administrao Truman a reconsiderar e, por fim, a alterar a sua austera poltica de ocupao devido ao receio de que um pas economicamente debilitado e militarmente vulnervel como o Japo se tornasse num alvo da intimidao sovitica, uma vez retiradas as foras americanas de ocupao. Por conseguinte, em 1948-49, os Estados Unidos aboliram todas as restries sobre a retoma econmica japonesa, interromperam os pedidos de capital para as reparaes, abandonaram os planos para a descentralizao forada da indstria japonesa e comearam a prestar assistncia financeira para promover o crescimento econmico e a estabilidade social do Japo.

    A deflagrao da Guerra da Coreia acelerou a transformao do Japo de um inimigo empobrecido para um aliado prspero ao demonstrar o valor deste pas para os Estados Unidos como um contrapeso para os poderes sovitico e chins comunistas no Extremo Oriente. Os gastos em aquisies militares americanas durante a guerra estimularam um crescimento econmico rpido no Japo que, em meados dos anos 50, proporcionaria ao seu povo o nvel de vida mais elevado da sia. O investimento de capital e as transferncias de tecnologia dos Estados Unidos aumentaram bruscamente, permitindo indstria japonesa substituir o seu equipamento danificado pela guerra em maquinaria mais actualizada. O comrcio japons de exportao recuperou rapidamente, nos txteis e em outras indstrias leves, e, mais tarde, nos sectores avanados, tais como electrnica, automvel e construo naval. A espectacular recuperao econmica provocada pela Guerra da Coreia foi acompanhada por uma expanso das capacidades de defesa do Japo. No vero de 1950, o governo em Tquio obteve a autorizao americana para criar uma Fora Policial Nacional, de 75 mil membros, para substituir as tropas americanas de ocupao que se encontravam posicionadas na Coreia. Uma marinha japonesa rudimentar foi criada em Agosto de 1952 para assegurar a defesa costeira. Em Fevereiro de 1954, as foras navais e terrestres existentes expandiram-se, criando-se tambm uma pequena fora area. Todas estas eram chamadas foras de autodefesa, respeitando a renncia constitucional guerra e aos meios para a empreender. Todavia, independentemente da sua designao eufemstica, estas foras constituam colectivamente o ncleo do rearmamento do Japo durante um perodo em que a Guerra Fria se estendia at sia.

    O rearmamento e a retoma econmica do Japo durante e aps a Guerra da Coreia ocorreram por detrs do escudo protector dos Estados Unidos, que se apressaram a abolir o estatuto do Japo como inimigo ocupado, restituindo-lhe a total soberania poltica. A 8 de Setembro de 1951, os Estados Unidos e quarenta e oito naes (excluindo a Unio Sovitica e a China) assinaram um tratado de paz com o Japo em So Francisco, que anulou o estado de guerra e proclamou o fim da ocupao americana em 28 de Abril de 1952. No mesmo dia da assinatura do tratado,

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  • 402 WILLIAM R. KEYLOR

    Washington e Tquio celebraram um pacto de segurana que estabeleceu a reteno indefinida das foras militares americanas no Japo, assim como a manuteno de uma base importante sob administrao directa americana na ilha japonesa de Okinawa. Assim, o antigo Japo inimigo, tal como a antiga Alemanha inimiga na outra extremidade da massa continental eurasitica, passara a ser considerado pelos Estados Unidos como um elemento indispensvel na sua campanha para conter a expanso mundial do poder sovitico.

    Uma funo semelhante seria, em breve, cumprida pelo posto avanado dos chineses nacionalistas anticomunistas na Formosa. No decorrer do conflito coreano, os Estados Unidos tinham abandonado a sua poltica imparcial em relao s duas partes na guerra civil chinesa, ao reiniciar o fornecimento de assistncia econmica e militar ao governo de Chiang no exlio, que seria suspenso na fase final do colapso nacionalista no continente. Ao longo dos anos 50, esta assistncia americana a Taiwan alcanou uma mdia de 250 milhes de dlares por ano. Nos incios de 1953, o presidente Eisenhower anunciou que a 17.a Frota, que continuava a patrulhar o Estreito da Formosa, nunca mais iria interferir com o esforo de Chiang para libertar o continente do domnio comunista. Atempadamente, os raids de bombardeamento nacionalistas foram conduzidos contra a costa chinesa, sendo enviados comandos para o continente. A 2 de Dezembro de 1954, os Estados Unidos celebraram um tratado de defesa mtua com Taiwan (que continuava a ser reconhecida, pela maioria dos pases no-comunistas, como a Repblica da China e mantinha o assento chins nas Naes Unidas). Em 1955, o Congresso dos Estados Unidos votou, por maioria, para autorizar o presidente a utilizar as foras militares americanas na defesa da ilha. Quando a China, em 1954-55 e em 1958, bombardeou Quemoy e Matsu, duas pequenas ilhas a poucos quilmetros ao largo da sua costa que haviam sido ocupadas por tropas nacionalistas e usadas para ataques rpidos de comandos contra o continente, os Estados Unidos comprometeram-se a defender as ilhas atravs do uso da fora. Durante a dcada de 50, Washington imps um embargo comercial China continental e proibiu os cidados americanos de viajarem para este pas. O territrio extico, que exercera, outrora, uma atraco irresistvel nos comerciantes americanos em busca de mercados e em missionrios americanos em busca de convertidos, desapareceu da conscincia pblica dos Estados Unidos.

    Rssia e China: da unio rivalidade

    Todas estas medidas envenenaram evidentemente as relaes sino-americanas e impediram a reaproximao entre Pequim e Washington, que poderia ter sido uma possibilidade fugaz durante o breve interldio entre a vitria comunista no continente

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  • HISTRIA DO SCULO XX 403

    e a deflagrao da Guerra da Coreia. Entretanto, Moscovo e Pequim uniram-se face ao que consideravam ser uma tentativa de Washington para erguer um bastio anticomunista na sia formado por naes armadas, apoiadas e protegidas pelos Estados Unidos. A reabilitao do Japo, o antigo inimigo da Rssia e da China que ascendera ao poder em detrimento destes, constitua uma fonte especial de preocupao comum. Embora o Japo fosse proibido, pela sua prpria constituio, de nunca se tornar numa potncia militar de primeira grandeza, o pacto de segurana com os Estados Unidos, a vontade de albergar as bases americanas no seu prprio territrio e o rpido progresso rumo retoma econmica fizeram aumentar os receios na zona controlada pelo comunismo na sia Oriental. Estes receios assemelhavam-se aos que haviam surgido na Europa de Leste durante o renascimento de uma Alemanha Ocidental economicamente poderosa, apoiada pelos Estados Unidos.

    A cooperao sino-sovitica que amadureceu durante a primeira metade dos anos 50 assumiu a forma de apoio econmico e diplomtico russo China, em troca do reconhecimento permanente da autoridade incontestvel de Moscovo no movimento comunista mundial. A Unio Sovitica fornecera China cerca de 2 bilies de dlares em equipamento militar durante a sua guerra no declarada na Coreia. Desde ento, nos termos de um acordo celebrado pelos dois governos em Setembro de 1953, conselheiros tcnicos e econmicos chegaram China para apoiar o seu programa intensivo de industrializao. Em meados da dcada, a Unio Sovitica tornara-se no principal parceiro comercial da China, adquirindo cerca de metade da suas exportaes. A 11 de Outubro de 1954, Moscovo retirou os ltimos vestgios do imperialismo russo da China, prometendo evacuar a base naval sovitica de Port Arthur nos finais de 1955* e transferindo para Pequim as aces das sociedades annimas que haviam sido formadas em 1950 para explorar os recursos minerais de Xinjiang. Os russos consentiram tambm em conceder um emprstimo de desenvolvimento a longo prazo, no valor de 250 milhes de dlares, e prometeram apoiar os chineses numa srie de projectos industriais. Enquanto isso, a Unio Sovitica dirigira a campanha malograda nas Naes Unidas para transferir o assento chins da faco Kuomintang na Formosa para o regime comunista no continente e apoiara a reivindicao chinesa de soberania sobre a ilha. Esta consolidao dos laos bilaterais entre os dois gigantes do bloco comunista confirmou os receios americanos de uma conspirao comunista monoltica para conquistar o mundo, receios estes que seriam agravados pela difuso da histeria McCarthy nos Estados Unidos durante o mesmo perodo.

    Contudo, enquanto as Cassandras** americanas lamentavam a perda da China, a poltica de no-vencer na Coreia e a vaga galopante do comunismo na

    *A retirada sovitica de Port Arthur, que estava prevista para 1952, foi prorrogada, por acordo mtuo, devido Guerra da Coreia. Ocorreria finalmente em 1955.

    **Figura mitolgica que caracteriza todos aqueles que prevem desgraas e infortnios, mas cujo destino nunca serem acreditados. (N. da T)

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    sia, as fendas j eram evidentes na estrutura supostamente inabalvel da amizade sino-sovitica. Como j foi referido, a China aproximara-se da Unio Sovitica durante a primeira metade dos anos 50, uma vez que necessitava da ajuda econmica russa para o seu processo de industrializao e da assistncia diplomtica de Moscovo nas disputas com os vizinhos hostis, particularmente com o regime nacionalista em Taiwan, apoiado pelos americanos. Todavia, ao longo de todo o perodo do programa de apoio econmico sovitico, as autoridades em Pequim sentiam-se desapontadas com a quantia fornecida e os laos mantidos. A ajuda militar durante o conflito coreano deveria ser liquidada por completo numa fase em que a China lutava para recuperar dos efeitos desencadeados pela sua guerra civil e dar o seu salto industrial. Por outro lado, a assistncia econmica seguinte ficou muito aqum das expectativas chinesas. Uma vez montada a campanha, por Khruchtchev, para expandir a influncia sovitica nos pases no alinhados do Terceiro Mundo, em 1955, a Rssia comeou a fornecer mais apoio ao desenvolvimento dos pases no-comunistas, como ndia e ao Egipto, do que ao seu vizinho comunista na sia. Do mesmo modo, o apoio sovitico para a preparao militar da China foi indiferente e sempre oferecido na condio da absoluta subservincia de Pequim a Moscovo. A15 de Outubro de 1957, Khruchtchev concordou secretamente em conceder uma quantia modesta para apoio do programa nuclear chins que se encontrava em fase de arranque e ofereceu China o fornecimento de uma bomba atmica, conquanto que Pequim aceitasse a coordenao conjunta da poltica externa e o controlo sovitico das ogivas nucleares chinesas. Aps dois anos de esforos malogrados para obter o consentimento de Mao a estas interferncias na liberdade de aco da China, Khruchtchev cancelou unilateralmente o acordo atmico com Pequim, em Junho de 1959.

    Estes desentendimentos e estas desiluses sobre a quantidade e o carcter da ajuda sovitica China manifestaram-se na base de uma crescente disputa ideolgica entre Moscovo e Pequim, durante a segunda metade dos anos 50. A fonte deste conflito no mundo comunista consistiu na insistncia de Mao em reafirmar a convico leninista ortodoxa na inevitabilidade da guerra contra as potncias capitalistas, numa poca em que Khruchtchev, temendo as consequncias de um confronto nuclear para o seu prprio pas, professava a coexistncia pacfica com o Ocidente sob a forma de negociaes sobre o controlo do armamento e de cimeiras com os lderes inimigos. A insatisfao crescente da China perante a poltica revisionista sovitica de harmonizao com o mundo capitalista derivava, menos de uma divergncia de opinio em relao s interpretaes da ideologia comunista, do que de uma preocupao mais prtica que envolvia os interesses nacionais chineses: economicamente subdesenvolvida, militarmente fraca e diplomaticamente isolada, a China encontrava-se dependente do apoio sovitico para a sua segurana na sia Oriental. Assim, cada vez que os chefes de estado russo e americano se encontravam face a face, em Genebra em 1955, em Camp David em 1959, em Paris (porm por pouco tempo) em 1960, Pequim receava uma reaproximao entre as

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  • HISTRIA DO SCULO XX 405

    superpotncias, que deixaria a China exposta s ameaas sua soberania e integridade territorial que emanavam dos seus vizinhos hostis.

    A ameaa mais grave continuava a provir do regime nacionalista de Taiwan. Em Maio de 1957, Chiang Kai-check celebrara um acordo com Washington para a instalao na Ilha Formosa de msseis Matador armados com ogivas nucleares capazes de alcanar o continente chins. Entretanto, Chiang continuava a fortificar as ilhas costeiras de Quemoy e Matsu, aumentando para cerca de 100 mil o nmero de tropas nacionalistas l estacionadas. Quando a China retomou o bombardeamento pesado em Quemoy ,em Agosto de 1958, como parte da sua campanha para expulsar os nacionalistas da sua ilha-fortaleza a 8 km do continente, o presidente Eisenhower ordenou aos avies americanos que efectuassem pontes areas com abastecimentos para as tropas de Chiang e organizou a 17a Frota Americana para escoltar um comboio de navios nacionalistas para a ilha sitiada. O Departamento de Estado emitiu uma ameaa velada de interveno militar americana caso a China procurasse recapturar Quemoy e Matsu. No apogeu da crise de Quemoy, Pequim sentiu-se ofendido perante o silncio russo oficial no lugar das habituais expresses de apoio. Este silncio seria quebrado apenas depois da China concordar em participar nas negociaes directas com representantes dos Estados Unidos, em Varsvia, a fim de encontrar uma soluo pacfica para a crise.

    No ano seguinte, a reunio de Khruchtchev com Eisenhower, em Camp David, reacenderia os receios chineses de uma conciliao sovieto-americana s suas custas. Esta suspeita no seria apaziguada por Khruchtchev quando, ao regressar da sua viagem americana atravs de Pequim, advertiu publicamente Mao para evitar um confronto com os Estados Unidos por causa de Taiwan. Esta advertncia em prol da coexistncia pacfica, feita trs meses depois do lder sovitico ter rescindido a promessa de ajudar os chineses a desenvolver um armamento nuclear e poucos dias aps o seu encontro pessoal com Eisenhower, levantou a questo do valor do apoio russo ao conflito da China com o regime da Formosa, apoiado pelos americanos. Era bvio que Khruchtchev abandonara Camp David com a esperana de uma rpida e amistosa resoluo da questo de Berlim, que poderia abrir caminho a um mtuo reconhecimento do status quo europeu, e no estava preparado para permitir que as tenses sino-americanas no Extremo Oriente interferissem com essa possibilidade.

    A medida que a dcada de 50 chegava ao fim, manifestava-se uma fonte simultnea de conflito sino-sovitico que consistia na disputa indiano-chinesa do Tibete, uma provncia chinesa que aps 1914 gozara de uma independncia de facto sob o seu lder divino, Dalai Lama, sendo restituda, em 1950, soberania chinesa pelo novo regime comunista. Durante a primavera de 1959, a China reprimiu implacavelmente uma insurreio armada a favor da independncia tibetana e acusou a ndia, que dera asilo ao Dalai Lama e ao seu crculo, de a fomentar. Os confrontos fronteirios sino-indianos foram acompanhados por reivindicaes territoriais conflituosas ao longo da fronteira escarpada dos Himalaias. Repentinamente, em Setembro de 1959, enquanto Khruchtchev se preparava para a sua

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  • 406 WILLIAM R. KEYLOR

    visita americana, Moscovo enfureceu Pequim ao declarar a sua neutralidade na disputa sino-indiana e ao anunciar a inteno de conceder a Nova Deli um emprstimo muito mais elevado do que qualquer um dos que fornecera ao seu aliado comunista na sia. Tal como Khruchtchev dera mais prioridade a um acordo com o Ocidente sobre a questo de Berlim e da Europa do que ao apoio China no Estreito de Taiwan, estava aparentemente disposto a sacrificar a segurana da China nos Himalaias no interesse de cultivar um relao mais prxima com a ndia, o lder titular dos estados no-alinhados do Terceiro Mundo.

    A contenda sino-sovitica tornou-se pblica, pela primeira vez, embora de um modo dissimulado, no III Congresso do Partido Comunista Romeno em Junho de 1960. Como reposta defesa de Khruchtchev da poltica de coexistncia pacfica e s suas crticas implcitas afirmao maosta do carcter inevitvel e vencvel de uma guerra contra os estados capitalistas, o delegado chins afirmou que o recente incidente do U-2 e o encerramento da cimeira de Paris (para a qual a China no fora convidada) tinham revelado a natureza nociva do imperialismo e censurou o Kremlin por tentar coexistir com este mal. Este debate aparentemente fraternal sobre a interpretao correcta da doutrina comunista seria, em breve, seguido por uma aco directa: trs meses mais tarde, em Agosto de 1960, Khruchtchev chamou abruptamente de volta os 1390 tcnicos russos que haviam sido enviados para China com vista a apoi-la na sua modernizao econmica, ordenando o seu regresso com as suas cpias heliogrficas. Na conferncia dos partidos comunistas mundiais em Moscovo cm Novembro de 1960, a delegao chinesa, em conjunto com a albanesa, atacou a Unio Sovitica com base na sua traio da causa da revoluo mundial. Por sua vez, o Kremlin retaliou contra estes desafios sua autoridade de um modo tipicamente indirecto, atacando o nico apoiante da China no bloco comunista: em Abril, Khruchtchev ordenou o cancelamento de toda a assistncia econmica sovitica e a retirada de todos os tcnicos soviticos da Albnia.

    A deteriorao dos laos entre os dois estados continuou a ser um assunto interno dentro do bloco comunista at ao outono de 1962, quando o despertar simultneo de trs crises sem qualquer ligao entre si levou a relao sino-sovitica ao ponto de ruptura. O resultado do conflito sovieto-americano sobre Cuba precipitou uma vaga de criticismo em Pequim que, em Maro de 1963, denunciou a retirada humilhante da Unio Sovitica perante o agressor imperialista. O Tratado de Proibio de Testes Nucleares, assinado pelas duas superpotncias e pela Gr-Bre- tanha em Agosto de 1963, foi criticado por Mao como uma tentativa das potncias nucleares para frustrar os esforos de pases como a China de estabelecerem a sua prpria defesa. Recusando-se a assinar o tratado, a China fez explodir a sua primeira bomba atmica sem o apoio da Unio Sovitica em 16 de Outubro de 1964 (por coincidncia, a poucas horas da queda de Khruchtchev do poder do Kremlin).

    A segunda fonte de conflito entre Moscovo e Pequim consistiu na repetio das hostilidades entre a China e a ndia ao longo da sua fronteira comum nos Himalaias, no auge da crise cubana dos msseis em Outubro de 1962. A ndia revelara em

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  • HISTRIA DO SCULO XX 407

    Agosto a celebrao de um acordo pelo qual a Unio Sovitica prometera ceder motores para os avies indianos a jacto. Durante a escaramua fronteiria, o Kremlin esforou-se uma vez mais por afirmar a sua neutralidade absoluta, ignorando as tentativas chinesas de obter a aprovao sovitica da sua posio. Em 27 de Fevereiro de 1963, o Partido Comunista Chins denunciava publicamente a assistncia militar da Unio Sovitica sua inimiga ndia, aps ter cancelado a sua ajuda China em 1960.

    A terceira ocasio da tenso sino-sovitica era potencialmente a mais preocupante de todas: uma disputa fronteiria entre as duas potncias comunistas na provncia noroeste da China, Xinjiang, que pertencera outrora esfera de influncia russa. Pouco se conhece sobre este conflito inicial, mas este marcara o princpio das reivindicaes territoriais da China contra a Unio Sovitica, que retivera a posse de cerca de mil e seiscentos quilmetros quadrados do antigo territrio chins na sia Central e das provncias martimas da Sibria, que haviam sido adquiridas fora pelos czares sob tratados impostos China Imperial em 1858, 1860 e 1881. medida que o problema da superpopulao comeou a ser reconhecido como um srio obstculo s esperanas chinesas de uma rpida industrializao durante os anos 60, os espaos escassamente habitados dos antigos domnios chineses no Extremo Oriente sovitico exerceram uma compreensvel atraco sobre os modernizadores econmicos de Pequim.

    Nos finais de 1964, as dissidncias sino-soviticas j eram pblicas e aparentemente irreversveis. A entrada da China no clube atmico como primeiro membro no branco em Outubro do mesmo ano proporcionara-lhe um forte estmulo para o seu prestgio no Terceiro Mundo, onde lutava avidamente com a Unio Sovitica por influncia. No mbito do movimento comunista internacional, as faces pr-chinesas separaram-se dos partidos comunistas regulares e professavam um modelo mais radical de Marxismo-Leninismo em quase todos os pases do mundo. No obstante o facto de nenhum outro satlite sovitico da Europa de Leste ter seguido a orientao albanesa de repudiar a autoridade de Moscovo e de transferir a sua lealdade para Pequim, a desero chinesa deu aos outros satlites a oportunidade de seguir uma rota mais independente, ao colocar os dois gigantes comunistas um contra o outro. Os dois beneficirios leste-europeus mais notveis desta tendncia policntrica dentro do quadrante comunista foram a Romnia e a Checoslovquia. A Romnia recusou o papel de produtor agrcola e petroqumico que lhe fora destinado pela organizao econmica do bloco de leste, o COMECON, em 1962, como vimos, e expandiu o seu comrcio com o Ocidente para mais de um tero do seu total. Alm disso, seguiu tambm uma poltica externa cada vez mais independente, estabelecendo relaes diplomticas com a Alemanha Ocidental, e mantendo-as com Israel em violao da poltica do bloco de leste. Por seu lado, a Checoslovquia praticou vrias formas de liberalismo econmico e de democracia poltica que contradiziam os princpios bsicos da doutrina comunista.

    A afirmao romena de independncia foi tolerada por Moscovo porque o

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  • 408 WILLIAM R. KEYLOR

    governo de Nicolai Ceausescu em Bucareste mantinha um sistema poltico repressivo que evitava preocupaes ao Kremlin do gnero que mais receava: a proliferao de ideias liberais que poderiam infectar os parceiros romenos no Pacto de Varsvia. O malogro do governo checoslovaco de Alexander Dubcek em manter a represso sobre a dissenso interna da Primavera de Praga em 1968 precipitou a invaso liderada pelos soviticos em Agosto e a anulao do seu breve contacto com o comunismo liberal e a independncia nacional. A interveno sovitica na Checoslovquia causou previsivelmente uma torrente de invectivas lanada por Pequim contra a audaz ingerncia nas questes internas de um estado comunista soberano. O mesmo aconteceu com a enunciao do primeiro-secretrio sovitico em Novembro de 1968 da Doutrina Brejnev, que justificava a interveno das foras do bloco comunista em qualquer pas comunista ameaado por elementos internos ou externos hostis ao Socialismo. Apesar de aparentemente dirigida aos satlites soviticos na Europa de Leste, esta afirmao do direito de ingerncia (ou da Doutrina da Soberania Limitada, a definio eufemstica que lhe foi atribuda) podia ter sido facilmente interpretada como uma ameaa velada China, que se encontrava envolta numa revoluo cultural interna com inconfundveis tons anti-soviticos.

    Do ponto de vista estratgico da poltica de poder mundial, a disputa sino-sovi- tica na dcada de 60 concedia aos Estados Unidos uma rara oportunidade: ao colocar um contra o outro os rivais pela liderana no campo comunista, como a Romnia fizera (alis, com um extraordinrio sucesso dentro do contexto limitado das suas prprias circunstncias especiais), Washington poderia ter adquirido uma posio para explorar, em seu prprio benefcio, as divises no bloco comunista, anteriormente monoltico. Pelo contrrio, enquanto as dissidncias entre a China e a Unio Sovitica atingiam o ponto de saturao, em meados da dcada, os Estados Unidos envolviam-se, pela segunda vez desde a II Guerra Mundial, numa operao militar na sia, contra a qual todo o mundo comunista se reuniu temporariamente.

    Os Estados Unidos e a Indochina

    Entre 1862 e 1897, a Frana estabelecera o controlo poltico sobre a regio do Sudeste Asitico, conhecida como Indochina (o Vietname, o Laos e o Camboja actuais). Como frequentemente acontecia na expanso colonial do sculo xix, os motivos da colonizao francesa nos territrios distantes eram diversos. Os interesses comerciais eram atrados pelas valiosas matrias-primas da regio borracha, estanho, volfrmio e arroz que podiam ser enviados para os mercados europeus. Os missionrios catlicos afluam a estes territrios imperiais do outro lado do planeta em busca de convertidos. Os oficiais do exrcito e da marinha

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  • HISTRIA DO SCULO XX 21

    v isavam obter guarnies e bases que permitiriam Frana desafiar a preeminncia ila Gr-Bretanha no Extremo Oriente. A resistncia indgena ao domnio francs desenvolveu-se aps a Primeira Guerra Mundial sob a liderana de um nacionalista carismtico, conhecido pelo seu pseudnimo, Ho Chi Minh. Em 1919, Ho surgiu na Conferncia de Paz de Paris para reclamar a aplicao do princpio wilsoniano de autodeterminao, habitualmente invocado em nome dos antigos sbditos do imprio Austro-Hngaro na Europa, para as vtimas indochinesas do domnio colonial francs na sia. Ao tomar conhecimento de que o princpio wilsoniano de nacionalismo liberal se limitava aos povos europeus, o nacionalista vietnamita, desapontado, inclinou-se para a nica ideologia alternativa que parecia oferecer a promessa de libertao nacional para os seus compatriotas. Em 1920, tornou-se num membro fundador do Partido Comunista Francs, dirigindo-se a Moscovo para receber instrues sobre as tcnicas de movimento revolucionrio, e em 1930, formou o Partido Comunista Vietnamita. Aps a queda de Frana em 1940 e a ocupao japonesa da Indochina com o tcito consentimento da administrao francesa de Vichy, Ho organizou na China uma Frente para a Independncia do Vietname, ou o Vietminh, uma coligao de grupos nacionalistas liderados pelo Partido Comunista. Em cooperao com a organizao dos servios secretos americanos, o Office of Strategic Services (o antecessor da Central Intelligence Agency), o Vietminh encabeou a resistncia clandestina ocupao japonesa. No final da guerra no Extremo Oriente, Ho pediu ao governo dos Estados Unidos para apoiar a independncia do seu pas com base nos princpios neo-wilsonianos de autodeterminao nacional incorporados na Carta Atlntica e reafirmados em muitas declaraes oficiais do presidente Roosevelt. Em Setembro de 1945, aps a capitulao do Japo e da evacuao das suas foras de ocupao do continente asitico, o Vietminh declarou formalmente a independncia da Repblica Demo crtica do Vietname, estabelecendo a sua capital na cidade meridional de Hani Porm, a Gr-Bretanha, cujas foras militares haviam ocupado temporariamente a zona meridional do pas, permitiu a reentrada das tropas francesas na zona sob sua jurisdio. Durante 1946, os esforos do Vietminh para negociar a independncia nacional dentro do imprio francs (redefinida como Unio Francesa em Outubro do mesmo ano), segundo a lgica dos domnios autnomos da Commonwealth britnica, afundar-se-iam na m vontade francesa de renunciar soberania. Em Novembro de 1946, depois do Vietminh se recusar a obedecer a uma ordem francesa para evacuar Hani e o seu porto de Hai Phong, as foras militares e navais francesas nas imediaes bombardearam as duas cidades, provocando seis mil vtimas mortais. A resposta do Vietminh consistiu em dirigir-se para o campo, organizando um movimento de guerrilha sob o modelo do de Mao Zedong no norte da China e travando uma guerra em larga escala com o exrcito francs pela libertao nacional.

    A poltica dos Estados Unidos perante o conflito franco-vietnamita sofreu uma transformao profunda durante a segunda metade dos anos 40. Perto do final da Segunda Guerra Mundial, o presidente Roosevelt, que se opunha pessoalmente

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  • 410 WILLIAM R. KEYLOR

    restaurao do poder colonial europeu na sia aps a guerra, contemplou a ideia de colocar a Indochina sob tutela internacional como um meio de retirar a autoridade francesa da regio e preparar os seus estados associados para a independncia. Alguns historiadores atriburam as inclinaes anticolonialistas de Roosevelt sua nsia em abrir as possesses europeias no Sudeste Asitico penetrao econmica americana. Outros atriburam ao chefe de estado americano um desejo de aplicar os princpios progressistas da Carta Atlntica ao mundo do ps-guerra. Em qualquer caso, a administrao Truman ignorou os apelos do ps-guerra de Ho Chi Minh por assistncia econmica americana e apoio diplomtico independncia poltica do seu pas. A afiliao comunista de Ho tornou-se uma questo preocupante em Washington, uma vez que a ligao sovieto-americana do tempo de guerra se deteriorava na Guerra Fria, no obstante o facto de Moscovo ter apoiado ou encorajado em pouca medida o Vietminh. A vitria da faco comunista de Mao Zedong na guerra civil chinesa em 1949 levara Washington a acreditar que toda a sia estava sujeita ameaa de um avano comunista coordenado, planeado por Moscovo. A Frana aproveitou perspicazmente estes receios americanos, argumentando que a sua operao militar no Vietname, que partilhava uma fronteira comum com a China recentemente comunista, representava o contrapeso do Extremo Oriente poltica de conteno seguida na Europa pelos Estados Unidos e seus parceiros ocidentais.

    A primeira expresso formal de apoio americano ao esforo da Frana para manter a sua autoridade colonial na Indochina surgiu em Fevereiro de 1950. Aps o reconhecimento diplomtico do governo de Ho Chi Minh pela China e Unio Sovitica em Janeiro, Washington estabeleceu relaes diplomticas formais com o regime fantoche do Imperador Bao Dai em Saigo, que fora instaurado pelos Franceses no ano anterior como um estado nominalmente independente (juntamente com o Laos e o Camboja) inserido na Unio Francesa. Contudo, foi a deflagrao da Guerra da Coreia em Junho que induziria os Estados Unidos a intervir activamente em nome dos Franceses contra a insurreio liderada por comunistas na Indochina. No outono seguinte seriam enviados, para o Vietname, para apoiar o esforo francs, uma equipa de conselheiros militares americanos e 150 milhes de dlares em equipamento militar.

    Por volta de 1954, os Estados Unidos suportavam 78 por cento dos custos das operaes militares francesas, mantendo mais de trezentos conselheiros militares no local. Na primavera deste ano, apesar do aumento na ajuda americana s foras francesas, o Vietminh adquirira o controlo efectivo do campo atravs de arrojadas tcticas de guerrilha, aprendidas com o mtodo de Mao Zedong. O comandante militar francs, o general Henri Navarre, concluiu que a nica esperana de aniquilar o inimigo, que atacava em emboscadas e desaparecia nas selvas, residia em atra-lo para campo aberto e para uma guerra convencional, cuja vitria os franceses, com a sua superioridade de artilharia e poderio areo, esperavam obter. Consequentemente, os franceses posicionaram estrategicamente 18 mil das suas melhores

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  • HISTRIA DO SCULO XX 411

    tropas na fortaleza de Dien Bien Phu, na fronteira com o Laos, na esperana de lutar at ao fim contra o Vietminh em terreno aberto. De facto, tratou-se de uma guerra sem quartel, aps um cerco da fortaleza durante cinquenta e cinco dias, mas o exrcito francs que seria aniquilado. Empregando a artilharia fornecida pelos chineses para bombardear as tropas terrestres francesas sitiadas a partir das colinas que cercavam a sua prpria armadilha, e usando as armas antiareas chinesas parti neutralizar o poderio areo francs, o Vietminh aniquilou mais de 7 mil soldados franceses em Dien Bien Phu e capturou os restantes 11 mil, a 7 de Maio.

    Durante o cerco de Dien Bien Phu, em 26 de Abril, a conferncia quadripartida (onde estavam presentes os Estados Unidos, a Unio Sovitica, a Gr-Bretanha e a Frana), que fora reunida em Genebra para debater as questes alems, foi autorizada a abrir negociaes para um cessar-fogo na Indochina, s quais os representantes dos trs estados associados Vietname, Laos e Camboja e a China foram convidados a participar. Por uma trgica coincidncia (na perspectiva francesa), as conversaes sobre a Indochina iniciaram-se a 8 de Maio, o dia aps a queda de Dien Bien Phu. Os Estados Unidos tinham aceite participar na conferncia de Genebra na esperana de alcanar um acordo que preservaria o carcter no-comunista da Indochina, com ou sem uma presena francesa contnua. Numa conferncia de imprensa a 7 de Abril, o presidente Eisenhower comparara a situao do Sudeste Asitico com uma fila de domins: se a Indochina iniciasse uma insurreio comunista, o resto da sia no-comunista, assim como os amplos interesses de segurana da Amrica na regio, seriam gravemente ameaados. Todavia, as sondagens e as expresses de opinio do sentimento do Congresso revelavam claramente a ausncia de apoio pblico a uma interveno militar americana para resgatar os Franceses em batalha. Os pedidos parisienses da utilizao de bombardeiros americanos B-29 baseados nas Filipinas, embora aprovados pelo chefe do Estado-Maior-General, pelo vice-presidente e pelo secretrio de estado, foram rejeitados pelo presidente Eisenhower face oposio do Congresso e na ausncia de aprovao britnica para esta operao de resgate. Ironicamente, luz dos acontecimentos ulteriores, um dos oponentes mais francos a uma interveno americana no Vietname foi o lder democrtico do Senado, Lyndon Baines Johnson.

    A derrota de Dien Bien Phu frustrou as esperanas francesas de negociar um acordo na Indochina numa posio de fora, especialmente uma vez excludo o apoio areo americano. O golpe final aplicado posio imperial da Frana no Sudeste Asitico manifestou-se em meados de Junho, quando o governo Laniel em Paris foi substitudo pelo de Pierre Mends-France, um antigo crtico da guerra que assumira o poder com base na promessa de resignar caso no obtivesse um cessar -fogo num prazo de um ms. Agindo como o seu prprio ministro dos Negcios Estrangeiros, Mends-France dirigiu-se rapidamente para Genebra para cumprir a sua promessa eleitoral. Ignorando as vrias faces que competiam por uma posio na guerra civil indochinesa, abordou directamente os representantes das potncias

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  • 412 WILLIAM R. KEYLOR

    que realmente importavam. Em conversaes com o russo Molotov e o chins Zhou Enlai, elaborou a base para um acordo que daria Frana a oportunidade de uma sada airosa de uma causa perdida. A 21 de Julho, os Acordos de Genebra, que terminavam uma guerra de oito anos no Sudeste Asitico, foram assinados e selados: o Vietname seria temporariamente dividido ao longo do paralelo 17; o Vietminh administraria a zona setentrional; a zona meridional seria governada a partir de Saigo, onde o desacreditado Imperador Bao Dai fora substitudo, um ms antes, por um mandarim catlico com educao americana, Ngo Dinh Diem. Nenhum dos sectores se associaria a alianas militares, permitiria bases externas no seu territrio ou receberia assistncia militar do estrangeiro. Em dois anos, o pas inteiro seria reunificado com base em eleies gerais por votao secreta, sob a superviso de uma Comisso de Controlo das Naes Unidas. A soberania dos governos realistas do Laos e Camboja foi formalmente reconhecida por todos os signatrios.

    Os Acordos de Genebra concluram a aventura colonial francesa na Indochina, que comeara sob o poder de Napoleo III na dcada de 1860. Porm, no ratificaram a independncia do Vietname sob os auspcios do Vietminh. Ho Chi Minh fora persuadido pelos seus benfeitores sovitico e chins a entregar aproximadamente 20 por cento do territrio que controlara para um regime anticomunista e apoiado pelos americanos em Saigo e a aceitar a diviso temporria do seu pas. Por que razo teriam Moscovo e Pequim induzido um movimento comunista fraterno no Vietname a aceitar um acordo diplomtico que lhe negava os frutos da vitria militar que estava prestes a alcanar contra uma potncia europeia exausta? Talvez o primeiro-ministro sovitico, Malenkov, estivesse suficientemente alarmado com o discurso de Dulles sobre a retaliao macia, em Janeiro de 1954, no se atrevendo, por isso, a antagonizar os Estados Unidos sobre uma regio de interesse estratgico secundrio para a Rssia, especialmente numa poca em que a liderana ps-Estaline no Kremlin ansiava por resolver as divergncias este-oeste na Europa. Era tambm possvel que a longa Histria de antagonismo tnico entre os chineses e os vietnamitas tivesse moderado o entusiasmo de Pequim ao assistir formao de um Vietname politicamente unificado, mesmo sob um regime comunista.

    Em qualquer caso, os Estados Unidos assinalaram rapidamente a sua determinao em evitar a unificao do Vietname e proteger os regimes realistas no Camboja e no Laos contra as insurreies organizadas pelos seus prprios movimentos comunistas locais. Tendo-se recusado a assinar os Acordos de Genebra, Washington no sentiu a obrigao de honrar a sua proibio contra envolvimento militar externo na Indochina. Em Setembro de 1954, o secretrio de estado Dulles planeou a formao da Organizao do Tratado da sia do Sudeste (OTASE), um acordo de segurana regional que vinculava os Estados Unidos e outros pases defesa do Laos e do Camboja contra uma agresso ou revolta comunista, assim como defesa do Vietname do Sul contra o Vietname do Norte. No final de 1954, Washington substitura Paris como o bastio anticomunista na regio. Foram, assim, enviados conselheiros militares americanos para treinar o exrcito sul-vietnamita,

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  • HISTRIA DO SCULO XX 413

    enquanto a assistncia econmica americana era fornecida ao regime de Saigo em quantias cada vez mais elevadas.

    Estas violaes egrgias dos Acordos de Genebra foram justificadas pela administrao Ei senhower pelo facto de no vincularem os Estados Unidos, uma vez que estes no o haviam assinado. De forma semelhante, o facto do governo sul-vietnamita se recusar a assinar o acordo permitiu-lhe escapar imposio da realizao de eleies nacionais para a unificao do pas. No vero de 1955, Hani requisitou formalmente, por duas vezes, a Saigo a designao de representantes para a comisso eleitoral visada pelos acordos. A 9 de Agosto, Diem recusou-se a faz-lo, argumentando que tais eleies seriam inteis enquanto o Vietname do Norte rejeitasse conceder liberdades democrticas aos seus prprios cidados. O governo dos Estados Unidos, convencido de que o Vietminh ganharia as eleies vietnamitas, aprovou publicamente o cancelamento das condies eleitorais dos Acordos de Genebra. Uma vez que a data para as eleies projectadas foi ultrapassada no vero de 1956, a linha de demarcao provisional ao longo do paralelo 17 consolidou-se numa fronteira poltica de facto a separar os dois estados ideologicamente antagonistas. No fim da dcada, os 275 conselheiros militares americanos ligados ao exrcito sul-vietnamita na altura do armistcio haviam aumentado para 685 e cerca de 300 milhes de ajuda militar aflua anualmente aos cofres de Diem. Entretanto, a Unio Sovitica e a China comearam a prestar assistncia econmica e militar ao Vietname do Norte.

    Na altura do cessar-fogo em 1954, milhares de guerrilheiros vietminhs haviam permanecido na zona meridional, antecipando a vitria poltica nas votaes dois anos mais tarde ou um recomeo do conflito armado, na ausncia de uma unificao nacional administrada sob mandato poltico. O cancelamento das eleies marcou o recomeo da campanha de guerrilha, que tomou a forma de aniquilao selectiva de funcionrios nomeados pelo regime de Saigo. Entretanto, a corrupo, o nepotismo e as polticas repressivas do governo de Diem haviam provocado um descontentamento generalizado entre os grupos no-comunistas de interveno no sul. Em 20 de Dezembro de 1960, uma coligao de dissidentes anti-Diem comunistas e no-comunistas formaram a Frente Nacional de Libertao, dedicada reforma social, liberalizao poltica e neutralidade para o Vietname do Sul. Ao explorar este descontentamento local, Hani prestou apoio a este grupo de oposio no sul, que era definido de forma depreciativa como Vietcong (vietnamita comunista) por Diem.

    A administrao John F. Kennedy herdara do seu predecessor um compromisso de ajuda para com os regimes no-comunistas da antiga Indochina francesa particularmente para com o Laos e o Vietname do Sul - no sentido de preservar a sua independncia em relao ao regime comunista em Hani e proteg-los contra as sublevaes comunistas formadas pelas organizaes comunistas locais. Laos, territrio sem sada para o mar que adquirira a independncia da Frana em 1954, fora atingido por conflitos civis ao longo da dcada. Aps uma confusa sucesso de

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  • A Indochina (1954-1975)

  • HISTRIA DO SCULO XX 27

    mudanas governamentais, durante as quais os Estados Unidos forneceram assistn cia e conselheiros militares para vrias faces de ala direita, enquanto Moscovo c Pequim apoiaram uma coligao de elementos pr-neutralidade e as foras pr -comunistas de Pathet Lao, as grandes potncias convocaram de novo a Conferncia de Genebra sobre a Indochina, em Maio de 1961, para explorar a soluo do que o presidente cessante Eisenhower descrevera ao seu sucessor como a trapalhada de Laos. Aps um ano de discusses diplomticas controversas, a Conferncia de Genebra deu finalmente origem a um acordo em Junho de 1962, que aparentemente garantia a neutralidade de Laos (proibindo-o de celebrar alianas com potncias externas, assim como de lhes fornecer bases ou receber ajuda militar), sob a autoridade de um governo de coligao, composto pelas faces pr-ocidentais, pr-comunistas e neutrais. Contudo, nos finais de 1962, os Estados Unidos haviam retomado os carregamentos de armas para o governo de coligao, violando o acordo de neutralizao; em 1964, os avies americanos efectuavam bombardeamentos clandestinos contra os insurgentes do Pathet Lao, que haviam abandonado a coligao tripartida no poder quando esse governo instvel procurava cada vez mais o apoio de Washington.

    O colapso dos acordos de Laos seria inevitvel porque o pas, que partilhava uma longa fronteira comum com o Vietname, no podia permanecer isolado do nvel galopante de violncia que abalava o pas vizinho durante os anos 60. Quando o presidente Kennedy tomou posse em Janeiro de 1961, quase 900 conselheiros militares americanos estavam estacionados no Vietname do Sul para treinar o exrcito deste pas nas tcnicas de guerra convencional e de contra-insurreio. No final do ano, o nmero aumentara para cerca de 2.600; no fim de 1962, rondou os 11 mil; aquando do assassinato de Kennedy, em Novembro de 1963, aumentara para 16.500. Neste nterim, a quantia de ajuda militar americana a Saigo desenvolvera-se dramaticamente, continuando em espiral ascendente durante o ltimo ano do seu mandato. Num clima de crescente interveno americana, a administrao Kennedy tentou, em vo, induzir Diem, cada vez mais corrupto e ditatorial, a instituir a reforma agrria para aplacar o campesinato empobrecido, conferir mais liberdade poltica aos grupos de oposio no-comunistas e conceder tolerncia religiosa maioria budista (que sofria com a discriminao sistemtica s mos da elite catlica que dominava o governo em Saigo, convertida pelos franceses). Porm, o lder sul-vietnamita, convencido de que a oposio religiosa e poltica ao seu governo era instigada por Hanoi e pelos seus agentes no sul, rejeitou os apelos de Washington por uma conciliao, impondo polticas ainda mais repressivas que estimulariam maior oposio ao seu regime. Uma vez que as unidades militares vietnamitas disparavam sobre os autores de protestos e tomavam de assalto os pagodes budistas em 1963, a administrao Kennedy expressou publicamente o seu desgosto em relao ao seu recalcitrante protegido ao reduzir a assistncia econmica a Saigo. Analisando este sinal de que Diem perdera a simpatia de Washington, os oficiais militares de mais alta patente do Vietname do Sul derrubaram o regime no dia 1 de

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  • 416 WILLIAM R. KEYLOR

    Novembro com a tcita aprovao do embaixador americano em Saigo, Henry Cabot Lodge, e assassinaram Diem.

    Aps a morte de Diem e Kennedy, em Novembro de 1963, o Vietname do Sul sofreu de uma forte instabilidade poltica medida que as faces militares lutavam para atingir posies de poder. Entre Novembro de 1963 e o final de 1965, Saigo assistiu a doze mudanas de governo. A sucesso de generais e de marechais que ocupavam a chefia do estado no Vietname do Sul manifestou-se pouco inclinada a procurar apoio pblico para o regime atravs da instituio de reformas agrrias ou da expanso de liberdades polticas e religiosas. No entanto, a nova administrao Johnson em Washington retomou e intensificou a participao militar americana no Vietname do Sul em prol das foras anticomunistas locais. Enquanto os insurgentes no sul comearam a receber largas quantidades de fornecimentos do Vietname do Norte, da China e Unio Sovitica, o carcter do envolvimento americano comeou a mudar. Em Fevereiro de 1964, o exrcito sul-vietnamita, aconselhado por americanos, lanou incurses de comandos infiltrados no Vietname do Norte, enquanto se realizavam ataques areos sobre o pas vizinho, Laos, para interditar a rota de abastecimento norte-sul. No vero de 1964, enquanto o presidente Jonhson era alvo de intensas crticas polticas, dirigidas pelo seu adversrio nas futuras eleies presidenciais, o senador Barry Goldwater, por empreender uma operao militar sem verdadeira possibilidade de vencer na Indochina, ocorreu um incidente ao largo da costa do Vietname do Norte que ofereceria ao presidente americano o pretexto conveniente para desarmar a oposio republicana, ao aumentar a interveno militar americana: na noite de 4 de Agosto, no Golfo de Tonquim, em guas internacionais, navios torpedeiros norte-vietnamitas dispararam sobre dois contra- torpedeiros americanos. Apesar dos navios vietnamitas se terem retirado imediatamente e de nenhum barco americano ter sofrido qualquer dano, Jonhson aproveitou esta provocao para apresentar ao Congresso dos Estados Unidos uma resoluo previamente criada, pedindo autorizao para combater por todos os meios a agresso norte-vietnamita. A 7 de Agosto, a resoluo de Tonquim foi aprovada unanimemente na Cmara dos Representantes e apenas com dois votos contra no Senado. Na ausncia de uma declarao formal de guerra, esta expresso irrefutvel de aprovao legislativa dotou Jonhson da autoridade necessria para dar incio s primeiras operaes de bombardeamento contra o Vietname do Norte e de enviar um grande nmero de tropas terrestres para o sul.

    Aps a vitria esmagadora de Johnson nas eleies presidenciais de Novembro de 1964, os seus planos preestabelecidos para o bombardeamento intensivo do Vietname do Norte foram postos em prtica. A 9 de Fevereiro de 1965, quando um ataque nocturno do Vietcong sobre as casernas de um aerdromo americano em Piai Ku resultou em nove mortes e mais de uma centena de feridos americanos, Johnson ordenou ataques areos retaliatrios contra o Vietname do Norte, a partir dos porta-avies da 17a Frota. Menos de um ms aps estes primeiros bombardeamentos de larga escala, Washington anunciou (a 6 de Maro) o envio de dois batalhes de

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  • HISTRIA DO SCULO XX 417

    fuzileiros navais para o Vietname do Sul. Em finais de 1965, o homem que prome- tera, durante a sua campanha de reeleio, que no iria enviar soldados americanos para uma terra longnqua a 25 mil quilmetros dos seus lares, para fazerem o que os soldados asiticos deveriam fazer por eles prprios, destacara acima de 184 mil elementos das foras terrestres americanas para o Vietname com o objectivo de reforar o exrcito de Saigo. Este nmero atingiria os 385 mil no fim do ano seguinte, 535 mil nos finais de 1967 e um mximo de 542 mil em Fevereiro de 1969. Nem os bombardeamentos do norte como a escalada da fora militar americana no sul conseguiram fazer malograr o objectivo de reprimir a insurreio contra o regime sul-vietnamita. Hani aumentou o seu fluxo de armas e de homens para o Sul, enquanto as foras locais do Vietcong adquiriram controlo efectivo de quase todas as reas rurais.

    O momento decisivo da guerra no Vietname ocorreu em 30 de Janeiro de 1968, o primeiro dia do Tet, o feriado que os Vietnamitas celebram no incio do Ano Novo Lunar. Nesse dia, os guerrilheiros do Vietcong e os soldados norte-vietnamitas lanaram uma ofensiva surpresa bem coordenada contra trinta e seis das quarenta e quatro capitais de provncia do Vietname do Sul, assim como contra Saigo, onde penetraram no palcio presidencial, na estao de rdio, no aeroporto e at mesmo na embaixada americana fortemente fortificada. O aparente objectivo militar da ofensiva Tet consistia em causar uma sublevao nas cidades sul-vietnamitas contra o regime de Saigo e contra os seus protectores americanos. Neste sentido estritamente militar, foi um fracasso dispendioso. Mais de 45 mil militares comunistas foram aniquilados, em comparao com os 2 mil sul-vietnamitas e mil americanos. Os insurgentes no haviam conseguido conquistar nenhuma das cidades invadidas face a uma furiosa contra-ofensiva americana-sul-vietnamita. Porm, Hani e os seus apoiantes no sul tinham ganho uma vitria psicolgica de grande dimenso, na medida em que nenhuma parte do Vietname do Sul se encontrava segura nem mesmo os edifcios governamentais na capital , desacreditando, assim, as declaraes excessivamente optimistas do governo americano sobre a iminncia de uma vitria numa guerra cuja impopularidade crescia no seu prprio pas.

    A oposio nacional Guerra do Vietname comeara a manifestar-se nos Estados Unidos, numa escala reduzida, durante o ano de 1965, aquando da escalada das operaes militares americanas imposta por Johnson. Nessa altura, as vozes de discrdia estavam largamente limitadas aos campus universitrios americanos, sob a forma de seminrios organizados por estudantes para dar a conhecer ao pblico a histria e o carcter do conflito. Contudo, medida que o aumento da fora militar americana requeria o envio de um nmero avultado de recrutas em 1965-68, a oposio guerra comeou a exteriorizar-se no Congresso. Os nmeros das vtimas e as contagens dos corpos, meticulosamente registados pelos correspondentes televisivos americanos que cobriam as notcias a partir do prprio campo de batalha, contriburam para acender as chamas do descontentamento nacional. Em 1966 e 1967, o presidente Johnson, ao sentir o peso do criticismo poltico dos membros do

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  • 418 WILLIAM R. KEYLOR

    seu prprio partido, tentou induzir Hani a negociar um fim para o conflito, suspendendo temporariamente o bombardeamento do Vietname do Norte. O governo norte-vietnamita recusou-se consistentemente a entrar em negociaes at que Washington aceitasse, com antecedncia, uma suspenso permanente. Depois de cada pausa de bombardeamentos no ter logrado atrair os Norte-Vietnamitas para uma mesa de conferncias sob as condies americanas, os bombardeamentos recomearam numa escala ainda maior com o objectivo de os forar a dialogar. Em seguida, a ofensiva Tet parecia demonstrar que a guerra terrestre no sul no podia ser vencida, que o bombardeamento do territrio do norte no tivera qualquer resultado para aproximar as faces opostas e que a nica sada do pesadelo do Sudeste Asitico consistia no fim dos bombardeamentos juntamente com as propostas a Hani.

    A crescente oposio pblica poltica do Vietname de Johnson, claramente indicada nas sondagens, foi graficamente simbolizada pelo forte opositor guerra, o senador Eugene McCarthy, nas primeiras eleies primrias estatais da campanha presidencial de 1968. Quando o senador Robert Kennedy, o irmo mais novo do presidente assassinado, entrou na corrida da nomeao democrtica na plataforma anti-guerra, o desencorajado Johnson decidiu abruptamente alterar o seu rumo e entregar o problema do Vietname para outros. A 31 de Maro de 1968, Johnson anunciou que renunciaria sua recandidatura, que os futuros bombardeamentos do Vietname do Norte seriam confinados regio escassamente povoada abaixo do paralelo 20 e que seriam enviados apenas reforos simblicos de tropas terrestres para o sul. Em troca, apelou a Hani a sua participao nas negociaes para o fim das hostilidades. A 3 de Maio, o governo norte-vietnamita concordou em enviar uma delegao para se reunir com os mediadores americanos numa conferncia de paz em Paris. Durante o restante ano fatdico, as duas partes discutiram questes processuais, como a forma da mesa da conferncia, enquanto Hani aguardava a substituio da administrao incapaz de Johnson por uma que possusse a autoridade para terminar a guerra.

    O novo presidente, Richard Nixon, abordara vagamente, durante a sua campanha, um plano de paz que poria termo interveno americana na Indochina. Em Guam, em Julho de 1969, revelou vagamente o que planeara como nova poltica externa do seu pas em relao sia Oriental, em geral, e ao Vietname, em particular. No mago desta Doutrina Nixon encontrava-se o conceito de vietna- mizao, que significava o reforo gradual das foras militares sul-vietnamitas de forma a permitir que estas assumissem o processo de defesa nacional, que seria gradualmente abandonado pelos Estados Unidos. O nmero de efectivos militares americanos no Vietname do Sul reduzira-se de 540 mil no fim de 1968 para 139 mil no final de 1971 e 25 mil no termo do primeiro mandato Nixon. Todavia, num esforo para ganhar o tempo necessrio para tornar o nosso aliado auto-suficiente, a administrao Nixon aumentou simultaneamente o nvel de violncia em reposta a cada sucesso norte-vietnamita no campo de batalha. Em Abril de 1970, as foras

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  • HISTRIA DO SCULO XX 31

    terrestres americanas invadiram o Camboja neutral com a inteno de interditar as rotas de abastecimento para o sul e desalojar os soldados norte-vietnamitas dos refgios cambojanos. Na primavera de 1972, as unidades norte-vietnamitas de infantaria, lideradas por tanques, atravessaram a zona desmilitarizada que separava os dois Vietnames, ameaando directamente o programa de vietnamizao de Nixon. O presidente americano respondeu em Maio ao emitir ordens para bomb