livro - comércio internacional e crescimento econômico do brasil

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  • 7/27/2019 LIVRO - Comrcio Internacional e crescimento econmico do Brasil

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    comrcio internacional e crescimento

    econmico no brasil

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    ministriodas relaes exteriores

    Ministro de Estado Embaixador Antonio de Aguiar PatriotaSecretrio-Geral Embaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira

    fundaoalexandrede gusmo

    Presidente Embaixador Gilberto Vergne Saboia

    Instituto de Pesquisa de

    Relaes Internacionais

    Diretor Embaixador Jos Vicente de S Pimentel

    Centro de Histria e

    Documentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

    AFundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada aoMinistrio das Relaes Exteriores e tem a nalidade de levar sociedade civil informaessobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso

    promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionaise para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034/6847Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

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    Braslia, 2011

    Comrcio Internacional eCrescimento Econmico noBrasil

    sarquis jos buainain sarquis

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    Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco H

    Anexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lein 10.994, de 14/12/2004.

    Equipe Tcnica:Hqu d Sv Sdh P FhFd Au SquFd L WdyJu C d F

    M Aj B

    Reviso:J L Tz d Gdy

    Programao Visual e Diagramao:Ju O

    Impresso no Brasil 2011

    CDU: 339.5(81)

    Ficha catalogrca elaborada pelaBibliotecria Sonale Paiva - CRB /1810

    Squ, Squ J Bu.C

    B / Squ J Bu Squ. B:Fud Axd d Gu, 2011.

    248 p.

    ISBN 978-85-7631-335-9

    1. C I (B). 2. P

    C. 3. C Ex.

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    Aos meus avs paternos Maria e Sarquis Jos Sarquis

    (in memoriam)

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    Sumrio

    Agradecimentos, 11

    Prefcio, 13

    1. Introduo, 15

    1.1 Motivao histrica e econmica internacional, 161.2 Desenvolvimento, comrcio e crescimento no Brasil, 181.3 Atualidade do tema para o Brasil, 201.4 Questes centrais, 22

    1.5 Escopo e limites, 231.6 Estrutura do trabalho, 24

    2. Teorias, 27

    2.1 Teorias tradicionais das vantagens comparativas, 302.1.1 Teorias clssicas do comrcio, 31

    2.1.2 Teorias neoclssicas do comrcio, 33

    2.1.3 Crescimento e limites dos ganhos do comrcio, 35

    2.2 Novas teorias do comrcio, 37

    2.2.1 O comrcio intraindstria, 382.2.2 Poltica Comercial Estratgica, 43

    2.3 Nova Geograa Econmica, 452.4 Teorias do Crescimento, 47

    2.4.1 Teoria neoclssica, 47

    2.4.2 Novas teorias: o crescimento endgeno, 48

    2.5 Comrcio e crescimento endgeno, 502.6 Consenso terico sobre comrcio e crescimento, 51

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    3. Evidncia Internacional, 55

    3.1 A extraordinria expanso do comrcio, 593.2 Anlise comparativa internacional, 61 3.2.1Coecientedeabertura,62

    3.2.2Aberturaecrescimento,64

    3.2.3Liberalizaocomercial,68

    3.3 Estratgia orientada para fora, 703.4.1 Export-led growth, 72

    3.4.2 Import-led growth, 73

    3.4.3 Polticas institucionais e de interveno, 74

    3.4.4Substituiodeimportaesemperspectiva,76

    3.4 Crescimento e volatilidade em uma economia aberta, 78 3.4.1Crescimento,volatilidadeeaberturacomercial,783.4.2Intensidadeesequenciamentodasaberturascomerciale

    nanceira,83

    3.5 Uma breve sntese emprica internacional, 85

    4. O caso brasileiro, 87

    4.1 Crescimento, 884.2 Comrcio exterior, 92

    4.2.1. Exportaes, 924.2.2 Importaes, 95

    4.3 O coeciente de abertura, 974.4 A estrutura e a composio do comrcio, 99

    4.4.1 A composio por fator agregado, 99

    4.4.2 Da composio participao no comrcio mundial, 104

    4.5 Vantagens comparativas e contedo de fatores , 1074.6 Comrcio intraindstria, 1094.7 A macroeconomia do comrcio exterior, 111

    4.8 Sntese das principais hipteses, 113

    5. Anlise das relaes entre comrcio e crescimento, 117

    5.1 Dinmicas do comrcio e do crescimento, 1205.2 Relaes dinmicas entre comrcio e crescimento, 123 5.2.1Oproblemadacausalidade,124

    5.2.2Opadrobrasileiro,130

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    5.3 Abertura comercial e crescimento, 1315.3.1 Conectividade comercial e crescimento, 131

    5.3.2Aberturacomercialeprodutividade,133

    5.4 A estrutura do comrcio e o dinamismo de crescimento, 1405.4.1 A dinmica exportadora intersetorial, 141

    5.4.2 Dinmica do crescimento, das exportaes e das

    importaes, 144

    5.5 Investimentos e a dinmica do comrcio e do crescimento, 1475.5.1 Importaes como investimentos e investimentos como

    exportaes, 147

    5.5.2 O comrcio industrial: investimento e crescimento, 149

    5.6 Macroeconomia das relaes entre comrcio e crescimento, 154 5.6.1Demandaexterna,156 5.6.2Crditointernacional,158

    5.6.3Cmbioeuxosdecapital,158

    6. Exame das relaes com principais parceiros, 163

    6.1 A nova geograa do comrcio do Brasil, 1646.2 A economia do comrcio Sul-Sul, 1676.3 Argentina e Mercosul, 168

    6.4 ALADI e Amrica do Sul, 1746.5 EUA, 1756.6 Unio Europeia, 1786.7 sia, 1796.8 China, 1846.9 frica, 188

    7. Sugestes de poltica econmica externa, 193

    7.1 Da perspectiva global, 194

    7.1.1 Ganhos de crescimento do comrcio, 194 7.1.2Asingularidadebrasileira,196

    7.2 Desequilbrios econmicos internacionais, 1987.2.1 Financiamento do comrcio e dos investimentos, 200

    7.2.2Cmbioeuxosdecapitais,201

    7.3 A perspectiva multilateral e a OMC, 2047.4 A emergente geograa econmica internacional, 2087.5 As relaes com o Norte, 210

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    7.6 As relaes com o Sul, 2127.7 Capacitao institucional, 216

    8. Concluso, 217

    Reviso crtica da literatura terica e emprica, 217Implicaes histricas e polticas, 219O diagnstico brasileiro, 221ltima reexo, 228

    Referncias Bibliogrficas, 231

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    Este trabalho foi originalmente submetido ao Curso de Altos Estudosdo Instituto Rio Branco em 2009. Gostaria de agradecer os valiososcomentrios e sugestes recebidos dos membros da Banca Examinadora,em particular do Embaixador Valdemar Carneiro Leo e do Professor

    Welber Barral.Agradeo tambm ao Embaixador Jos Mauricio Bustani, sob cuja

    orientao tive a honra de voltar a trabalhar. Sua orientao sempre memarcou pela exigncia do exame crtico das questes internacionais,conciliando a promoo dos interesses do Brasil com a anlise objetivados fatos, sejam estes favorveis ou adversos aos nossos objetivos.

    Meus agradecimentos se estendem a vrios familiares, amigos ecolegas, diplomatas e economistas, com os quais direta e indiretamentetive a chance de intercambiar pontos de vista sobre diferentes questes

    tratadas neste trabalho. Entre estes, Jorge S. Arbache tem sidoespecialmente generoso, e Ricardo Guerra muito paciente. No poderiaesquecer ainda o aprendizado que o Instituto Rio Branco e os seus alunosme proporcionaram ao ter-me como professor de Economia do Curso deMestrado em Diplomacia.

    Mais uma vez, Alessandra Sarquis esteve sempre ao meu lado.Encorajou-me e inclusive ajudou-me na reviso do texto que seguepublicado. Ela e nossos lhos Jos e Antonio mostraram-se sempre

    Agradecimentos

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    compreensveis quando necessitei privar-me de sua deliciosa companhiapara levar esse trabalho adiante.

    Os comentrios e sugestes recebidos de todos certamentecolaboraram para aprimorar o texto, cujos erros, falhas e lacunascontinuam sendo de minha inteira responsabilidade.

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    Este livro trata das relaes entre comrcio internacional ecrescimento econmico. Procura caracterizar as principais questes afetasao Brasil na matria dos pontos de vista tanto terico como emprico.Advoga haver considerveis lacunas nas anlises derivadas das teorias

    tradicionais de comrcio, especialmente para o caso de economias emdesenvolvimento de baixa poupana e sujeitas a restries externas, comoo Brasil. Prope anlises inspiradas das novas teorias do comrcio e docrescimento e, sobretudo, de uma maior integrao entre a dinmicamacroeconomia e a ecincia das trocas internacionais ou das vantagenscomparativas.

    As principais proposies analticas e de polticas se concentram, deum lado, nas foras dinmicas do comrcio internacional, notadamenteno setor manufatureiro e nos segmentos intraindustriais. Do outro lado,

    orientam-se aos fatores macroeconmicos e nanceiros que determinamas condies internacionais de competitividade dos pases ao longo dotempo. Argumenta-se que, para o Brasil, os benefcios de crescimentode sua insero comercial dependem no s de polticas estruturais,educacionais, tecnolgicas, comerciais e industriais, mas tambmde polticas macroeconmicas e nanceiras, domsticas e externas,capazes de garantir condies competitivas para o Pas no comrciointernacional. Uma insero internacional no qualicada em termos

    Prefcio

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    macroeconmicos e nanceiros, sem que sejam superadas assimetriascompetitivas internacionais, podem condicionar em muito os efeitos

    das polticas visando maior produtividade, diversidade tecnolgica einovao de produtos e processos.Este livro pode ser til a alunos de graduao e ps-graduao e

    possivelmente a pesquisadores nas reas de Economia, Administrao,Poltica e Relaes internacionais. Apesar de referir-se a temas querequerem predominantemente um tratamento de anlise econmica,o texto procura atender a um universo mais amplo de leitores.Evidentemente, o carter e o formato dos Captulos variam segundoo contedo e seu aspecto tcnico. Busca-se em geral um equilbrio,

    e para tanto foram feitas algumas escolhas. O Captulo 2 contm umaavaliao simples e conceitual das teorias de comrcio e crescimento,mas sem praticamente qualquer considerao dos aspectos mais formaisde natureza matemtica. O Captulo 3 compreende uma reviso noexaustiva da literatura emprica sobre as relaes entre comrcio ecrescimento, sem estender-se na discusso de aspectos economtricos.Por outro lado, as partes dedicadas s principias contribuies analticasdo livro podem demandar algum conhecimento mais especializado doleitor, como algumas do Captulo 5 e outras mais pontuais, por exemplo,

    no subcaptulo 3.4. Embora auxiliem na construo dos argumentoscentrais desse trabalho, essas partes no prejudicam os leitores menospacientes, na medida em que a essncia de suas mensagens retomadaao longo do livro. Alis, os Captulos 6 e 7 procuram transpor tais aportesmais tcnicos e ilustr-los em contextos mais aplicados, inclusivedas relaes com os principais parceiros comerciais do Brasil. Emparticular, o Captulo 7 rene as contribuies dos Captulos anteriorespara os debates mais amplos de poltica econmica externa, em particularnos planos comercial, macroeconmico e nanceiro internacionais.

    Finalmente, ao reunir tais subsdios analticos e de polticas, o livrovisa a ajudar a formar uma viso dos interesses e possveis proposiesdo Brasil em matria de dilogo e de negociao internacional nessesreferidos planos.

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    Este livro versa sobre as relaes entre o comrcio internacionale o crescimento econmico do Brasil. Procura estudar a estrutura e odinamismo comercial do Brasil, da perspectiva de seu impacto sobre ocrescimento do Pas e vice-versa. Analisa como essas relaes evoluram

    no tempo e, tambm, como o Brasil se apresenta de um ponto de vistacomparativo internacional. Especial ateno atribuda aos contrastesentre os setores, especialmente os manufatureiro e primrio, bem comos relaes comerciais com alguns de nossos principais parceiros, sejamestes pases, regies ou blocos econmicos.

    O estudo de natureza sobretudo emprica, embora incorpore,igualmente, elementos tericos. A dimenso terica destina-se,especialmente, utilizao e elaborao de conceitos e de hiptesespara as anlises empricas das inter-relaes de comrcio e crescimento

    no caso do Brasil. No se pretende, pois, estabelecer modelos gerais ouencontrar explicaes universais sobre o funcionamento dessas relaes.

    As relaes entre comrcio e crescimento tm sido objeto das cinciaseconmicas desde sua insipincia, e assim sobressaem j na obra deAdam Smith. So tradicionalmente um dos principais temas da agendaeconmica internacional. A essas relaes se dedicam, hoje, vrioseconomistas atuando em universidades e centros de investigao, bemcomo outros pesquisadores, diplomatas e formuladores de polticas em

    1. Introduo

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    atividades de reexo e dilogo que se multiplicam na cena internacional.Tais atividades tm lugar em foros como o BIRD, a OCDE, a OMC e a

    UNCTAD e ganharam novo impulso com o impacto da crise nanceirainternacional de 2009 sobre o comrcio e o crescimento globais. Reexoincontestvel deste impulso a orientao do G20 para o tratamento,individual e integrado, dos desequilbrios econmicos internacionais edos desaos de crescimento sustentado. Em suma, as anlises interligadasdo comrcio e do crescimento subsidiam a formulao de estratgias dedesenvolvimento e de insero internacional dos pases. Podem ter, assim,repercusses aplicadas para as polticas externa, econmica, comerciale industrial, entre outras.

    1.1 Motivao histrica e econmica internacional

    O tema se confunde com a histria econmica internacional e

    com a prpria globalizao. Apesar de reetir essencialmente umatendncia de intensicao dos uxos econmicos internacionais, essahistria no invariavelmente linear. Alterna ciclos de maior e menorexpanso do intercmbio comercial. Tais ciclos se associam a maiorou menor crescimento, bem como a diferentes regimes de comrcio.

    Mesmo ocasionalmente se observa a coincidncia entre a contraodas economias e a retrao de seu comrcio exterior, como ocorreu nascrises de 1929 e 2009.

    Os regimes de livre-comrcio, predominantes na segunda metadedo sculo XIX, foram substitudos por considervel protecionismo, naEuropa e em outras regies, entre as duas Grandes Guerras Mundiais.Como observa Angus Maddison, between 1913 and 1950, the worldeconomy grew much more slowly than in 1870-1913, world trade grewmuch less than world income, and the degree of inequality between

    regions increased substantially (2006, p. 24).Entretanto, desde a criao das instituies de Bretton Woods e do

    Plano Marshall, se testemunhou uma progressiva liberalizao comercial.O comrcio e o crescimento engendraram oportunidades recprocas,um alimentando o outro, em escala cada vez mais global. Assim, osestudos acerca do comrcio e do crescimento acabaram por ganharmpeto revigorado nas dcadas de oitenta e, sobretudo, noventa. Desdeento, reconstruram-se os argumentos de que o comrcio internacional

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    introduo

    traz benefcios para o crescimento e de que se alcanam tais benefcios,mediante a intensicao do comrcio pelas vias da abertura econmica,

    como advogaria o Consenso de Washington.Motivaram esses argumentos o contraste entre as experincias decrescimento rpido na sia e as de estagnao na Amrica Latina. Osprimeiros estudos sobre o milagre asitico (e.g. WORLD BANK, 1993)associam-no ao padro export-led growth de obteno dos benefcios decrescimento pelas exportaes. Estudos posteriores identicam tambmpara a sia o padro inverso, de import-led growth (LAWRENCE,WEINSTEIN, 2001).

    Em maior ou menor grau, as estratgias de desenvolvimento

    representadas nesses padres dependem das instituies e das polticaseducacional, tecnolgica, comercial, industrial e nanceira. Ademais,cada caso corresponderia composio de um conjunto de polticasespeccas e adequadas para as caractersticas do pas, sem que seprecipitem enfoques do gnero one-size-fits-all (RODRIK, 1999;STIGLITZ, 1998 e 2005). Mais constrangidos economicamente e diantede um crescente nmero de regras negociadas internacionalmente,pases em desenvolvimento se veem mais facilmente confrontadoscom limitado policy space para a formulao e execuo de suas mais

    ecientes estratgias de desenvolvimento (CHANG e GRABEL, 2004;UNCTAD, 2004).Independentemente das diferentes e complementares vises, prevalece

    hoje o raciocnio de que se pode auferir benefcios considerveis do comrciointernacional, pelas vias conjuntas das exportaes e das importaes.Ademais, predomina a observao de que existe uma correlao entrenvel de desenvolvimento econmico e o grau de insero comercial oude abertura econmica. Deduz-se, em particular, dessa correlao, que ummaior grau de insero comercial favoreceria o crescimento (WINTERS,

    2004). Entretanto, no haveria ainda indicao clara e conclusiva sobre ascausas dessa correlao, se conrmada, nem sobre quo duradouros parao crescimento podem ser os efeitos de maior abertura ou liberalizaocomercial (RODRIGUEZ e RODRIK, 2001). Ainda se busca um quadropreciso dos canais de causalidade pelos quais o comrcio contribuiuniversalmente ao crescimento, e vice-versa. Conforme Srinivasan eBhagwati (2001), tal quadro ainda carece de exame mais aprofundadodesses canais mediante sobretudo estudos de casos especcos.

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    A questo especialmente complexa, na medida em que osbenefcios recprocos do comrcio e do crescimento so auferidos

    de modo desigual por pases e regies. Cada um destes aventura-sede modo singular na busca desses benefcios, em funo de suasdiferentes caractersticas e polticas. Por certo, a distino entre pasesdesenvolvidos e em desenvolvimento j contm implicitamente algumaindicao histrica da defasagem dos benefcios. Estes, todavia,dependem de fatores especcos de cada pas, determinados no spela geograa, dotao de recursos (naturais) e estgio (histrico) dedesenvolvimento, mas tambm em funo de sua estrutura econmica,dinamismo produtivo e capacidades educacional e de inovao. Com

    efeito, tais dinamismo e capacidades alteram a estrutura econmica,na medida em que estimulam a acumulao de fatores (no naturais),como mquinas e capital humano. Tal acumulao no s determina acontinuidade desse processo, mas tambm redesenha dinamicamente acomposio de fatores e as vantagens comparativas dos pases. Assim,em ultima anlise, se reescrevem a geograa e a histria econmicados pases.

    1.2 Desenvolvimento, comrcio e crescimento no Brasil

    No Brasil e em outros pases na Amrica Latina, a histriaconjunta do comrcio e do crescimento se revelou ainda menos lineardo que em outras regies, e os contrastes com o mundo desenvolvidotornaram-se ainda mais contraditrios do que os de outras regies domundo em desenvolvimento. Tendo contribudo para signicativoprocesso de industrializao, o modelo de substituio de importaes,com o declnio progressivo de seus benefcios lquidos, teve seuesgotamento tardiamente reconhecido. Os choques de petrleo, as

    subsequentes crises de balanos de pagamentos e, nalmente, aestagnao na dcada de oitenta agravaram o referido esgotamentoe, de certo modo, prejudicaram o desenho de um novo modelo deinsero econmica internacional. Nesse contexto, as polticas deliberalizao comercial foram introduzidas de modo relativamentedrstico, tendo em conta o seu carter unilateral e o ento limitadograu de abertura das economias. Integraram um conjunto dereformas em favor da estabilizao macroeconmica e da abertura

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    introduo

    competitiva das economias. No foram, contudo, acompanhadas depolticas estruturais voltadas produtividade e inovao, como as

    vericadas em outras regies. Justamente estas estiveram em maiorou menor medida associadas aos milagres econmicos registrados nops-Guerra, na Europa ocidental (Alemanha e Frana, por exemplo) e,posteriormente, na sia (Japo e Coreia, por exemplo).

    A histria do comrcio e do crescimento no Brasil tem, assim, certoscontornos, um padro e uma complexidade prprios de nossa estruturae evoluo econmica. Ela contrasta, assim, com o desenvolvimentoeconmico e a expanso comercial mais persistente na Europa e nasia. O Brasil conheceu, desde o ps-Guerra, considervel alternncia

    entre perodos de maior ou menor crescimento, no sendo a expansoda economia necessariamente concomitante com a do comrcio exterior.Estes perodos foram intercalados por crises (cambiais e nanceiras) edesequilbrios macroeconmicos. Foi o Pas do milagre estagnao,antes da abertura comercial na dcada de noventa. Desde ento, temprocurado consolidar a estabilizao econmica e fundamentar umcrescimento sustentado.

    O tema das inter-relaes de comrcio e crescimento marcou aprpria histria do pensamento econmico no Pas (BIELSCHOWSKY,

    2000). Atrelados a uma reflexo sobre o tema, a escola cepalina(PREBISCH, 1950) e o pensamento desenvolvimentista no Brasil foramrespostas autnticas a essas inter-relaes. Este ltimo serviu de basepara o planejamento de nossas estratgias de crescimento e de inserocomercial internacional e para a formulao de nossas polticas pblicascorrespondentes. Semelhante conjunto de questes, que j marcara CelsoFurtado em reexes histricas (1959, 1961), continuaria a instig-loaps longa trajetria acadmica e pblica, alertando para o fenmeno daconstruo interrompida do desenvolvimento brasileiro e, sobretudo, para

    a necessidade de umverdadeiroconhecimentodenossaspossibilidades,eprincipalmentedenossasdebilidades (1992, p. 35).

    Tal o imperativo cognitivo que se coloca para as nossas polticaseconmica e externa, para as nossas estratgias de desenvolvimento ede insero internacional. Como conciliar os benefcios do comrcio edo crescimento face s oportunidades e aos desaos que se acumulamem decorrncia, de um lado, da requerida abertura econmica doPas e, do outro, da intensicao em escala global do processo de

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    internacionalizao da produo e dos uxos de bens, servios e capitais?Responder a tal questo condio necessria para precisar nossos

    interesses nos planos tanto nacional, como internacional. Neste ltimose observa crescente interdependncia econmica dos pases, e, mais doque nunca, se deve visar ao crescimento econmico nos planos regional,inter-regional e multilateral. Alis, assim expressaram os Ministros jao nal da Rodada Uruguai, esperando que a sua concluso e a criaoda OMC will strengthen the world economy and lead to more trade,investment, employment and income growth throughout the world.(WTO, 1994, p. 1). Transcorrido um decnio, foram ainda mais enfticos:tradeisnotanendinitself,butameanstogrowthanddevelopment

    (UNCTAD, 2004, p. 14).

    1.3 Atualidade do tema para o Brasil

    O crescimento econmico vital para as economias emdesenvolvimento, sendo este processo determinante para que convirjamcom as fronteiras tecnolgicas e de bem-estar das economias avanadas.Tal crescimento contribui para a obteno de outros objetivoseconmicos, como maior emprego e melhor distribuio de renda e

    riqueza. Mantido em bases sustentadas, o crescimento pode ainda serconciliado com a estabilidade econmica, de modo que um processofortalea o outro. A partir da ltima dcada o Pas retomou taxasrelativamente altas e persistentes de crescimento do PIB. Este tem sidoinferior ao dos anos sessenta e setenta, mas superior ao dos anos oitentae noventa, quando o ritmo se manteve abaixo do potencial histrico,entre 4 e 6%, conforme a tendncia indicada no Grco 1.1. O Brasilregistrou, pela primeira vez desde a dcada de setenta, taxas prximasdesse potencial por cinco anos consecutivos, de 2004 a 2008. Nesses

    anos, manteve-se um crescimento mdio anual do PIB de 4,8% ao anoou de 3% em termosper capita. Tal crescimento sem precedentes desdeo milagre foi interrompido pelos efeitos da crise econmica e nanceiraglobal, com uma contrao de 0,6%. Aps forte recuperao em 2010,que proporcionou expanso de 7,5% do PIB, a economia dever mantercrescimento anual prximo a 4% entre 2011 e 2012. Esta taxa devercorresponder ao crescimento mdio decenal do PIB. Conforme oGrco 1.2, em termos per capita, tal crescimento equivale a 2,8%,

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    introduo

    ou seja, muito convergente com a taxa mdia potencial de expansodo PIBper capita, de 2,7%.

    Grco 1.1 Taxa de crescimento real do PIB do Brasil ao ano(%): 1901-2012

    Fonte: IBGE e autor.

    Nota: A tendncia de longo prazo indicada pela linha tracejada. Assume-se crescimento de

    4% em 2011 e 2012.

    Grco 1.2 Taxa de crescimento real do PIB per capita do Brasilao ano (%): 1901-2012

    Fonte: IPEA, IBGE e autor.

    Notas: idem Grco 1.1. As taxas de crescimento populacional so as do IBGE para 2011 e 2012.

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    Certamente, o comrcio exterior do Brasil teve impacto favorvelsobre o crescimento registrado entre 2004 e 2008. A interrupo do

    crescimento em 2009 esteve igualmente associada a efeitos adversos sobreo nosso desempenho comercial. Em 2009, o FMI registrou uma queda decerca de 0,5% do PIB mundial, a qual se fez acompanhar de dramticareduo, de 11% do volume do comrcio mundial de bens e servios.Essa reduo foi de cerca de 8% para economias em desenvolvimento eligeiramente acima de 12% para economias avanadas. Aps expansoem torno de 5% em 2010, o PIB mundial dever crescer a taxas mdiasligeiramente superiores a 4% em 2011 ou 2012. Recuperao anlogatem sido observada no comrcio mundial, que cresceu 12,5% em 2010 e

    poder, segundo projees do FMI e da OCDE, expandir-se a uma taxamdia prxima a 8% em 2011 e 2012.Como a crise tem sua origem e implicaes mais diretas entre pases

    avanados, espera-se que os seus efeitos para o comrcio sejam menosgraves entre pases em desenvolvimento. Essa avaliao deve, porm, serinterpretada com cautela. As respostas crise entre estes pases tm sidomuito diferenciadas. No se pode descartar o cenrio de mdio prazo emque outras regies em desenvolvimento podero sofrer mais fortementeem matria de comrcio e crescimento, sobretudo se efeitos recessivos

    da crise perdurarem ou mesmo se a economia mundial no retomar astaxas de crescimento antes prevalecentes.No Brasil, em 2009 a queda dos volumes exportados e importados de

    bens e servios, de 10% e 11%, foi superior vericada entre economiasem desenvolvimento. Em 2010 se registrou considervel recuperao,mas muito mais forte das importaes. O volume exportador de bens eservios cresceu 11,5%, taxa inferior mdia de 14,5% para economiasem desenvolvimento em 2010. O volume importador cresceu prximoa 36%, diante de mdias de 12,5% para o mundo e de 13,5% para

    economias em desenvolvimento. Nessas condies, o Brasil registraqueda de seu saldo exportador de bens e volta a tornar-se decitrio nocomrcio de bens e servios e nas transaes correntes.

    1.4 Questes centrais

    O desenvolvimento do tema implica discusses e reexes acerca dequestes fundamentais dos pontos de vista qualitativo e/ou quantitativo:

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    introduo

    (a) em que medida a expanso do comrcio internacional dos pases,via exportaes e/ou importaes, contribui para o crescimento

    de sua economia, e vice-versa;(b) em que medida possveis relaes entre comrcio e crescimentose vericam historicamente no Brasil, so sustentveis a longoprazo ou limitadas a uma conjuntura e podem ser comparadascom a experincia de outros pases;

    (c) como pode o Pas responder, conceitual e empiricamente, aosargumentos de que o comrcio e a sua liberalizao trazembenefcios para o crescimento;

    (d) com quais pases e regies ou blocos econmicos tm o Brasil

    obtido, mediante relaes comerciais, maiores benefcios decrescimento econmico;(e) como se diferenciam as relaes comerciais do Brasil com os

    seus principais parceiros, do ponto de vista de seu impacto nocrescimento econmico; e

    (f) como avaliar hoje as opes que se colocam para o Brasil, depolticas externa, econmica e comercial, inclusive mediantea proposio e negociao de parmetros e acordos quegovernam as relaes econmicas internacionais, no s no

    plano do comrcio (regional, inter-regional e multilateral), mastambm em outros econmicos que afetam o crescimento dospases, sua competitividade e possveis vantagens e ganhos docomrcio

    Este estudo busca aportar uma viso, crtica e fundamentada, dessasquestes, pautada na experincia do Brasil. Levando em considerao osdesenvolvimentos tericos e empricos internacionais, procura-se construiruma viso brasileira sobre as relaes entre comrcio e crescimento que

    possa servir de orientao analtica e estratgica para a formulao depolticas econmica e externa e para a atuao diplomtica em vrioscontextos e foros internacionais.

    1.5 Escopo e limites

    O exame dessas questes se d das seguintes perspectivas principais:(a) o papel individual e conjunto das exportaes e das importaes;

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    (b) o grau de abertura (usualmente medido pelo coeciente de abertura) ede insero da economia na economia mundial; (c) o papel da liberalizao

    comercial; (d) o impacto do cmbio e de outras condies econmicas enanceiras sobre as relaes entre comrcio e o crescimento.Dessas perspectivas, so concentrados esforos primordialmente

    nas variveis de comrcio, globais e desagregadas, por parceiros e porcategorias de bens (segundo o fator e o uso). A avaliao da liberalizaocomercial restringe-se majoritariamente ao aspecto tarifrio, que maistransparente e mais facilmente quanticado do que o no tarifrio.O tratamento se limita, frequentemente, ao comrcio de bens, quecorresponde a mais de 80% do intercmbio comercial do Brasil. No

    so, pois, sucientemente explorados o comrcio de servios, bemcomo o movimento internacional de fatores, os investimentos diretosestrangeiros e outros aspectos, como propriedade intelectual, que podemtambm determinar complementarmente as inter-relaes de comrcioe crescimento.

    As discusses sobre comrcio e crescimento envolvem, evidentemente,muitas questes associadas, por exemplo, s polticas tributria,industrial, tecnolgica, sociais e regionais. Referncias a essas questes,cruciais para o desenvolvimento econmico, so feitas de modo limitado

    neste trabalho. Tampouco so adequadamente examinados aspectosdemogrcos e laborais, que dizem respeito a variados fatores produtivose distributivos.

    Todas estas questes e aspectos podem ter efeitos considerveis sobreo comrcio e o crescimento no Brasil e merecem estudos especializados,muito alm do escopo deste livro. A originalidade do estudo, contudo,reside em dar tratamento do comrcio estruturado em suas relaes como crescimento, que , em ltima anlise, a referncia mais abrangente edinmica dos possveis benefcios da insero econmica internacional

    do Pas.

    1.6 Estrutura do trabalho

    O texto que segue est estruturado em sete captulos . OCaptulo 2 tem por objetivo rever as principais teorias do comrcioe do crescimento. Procura sistematizar, de modo conciso, as teoriastradicionais e as novas teorias, com o to de oferecer um panorama

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    introduo

    acerca do consenso terico sobre as relaes entre comrcio ecrescimento. O Captulo 3 rene e discute diferentes aspectos da

    evidncia emprica internacional sobre essas inter-relaes. Soapresentados estudos comparados (cross-country regressions) acercadas relaes entre, de um lado, abertura ou liberalizao comerciale, do outro, crescimento econmico. Apresentam-se algumascontrovrsias e limitaes desse enfoque. So revistas proposiesderivadas de estudos de caso, retratando estes, por vezes de modomais aprofundado, a dinmica entre as variveis que marcam asrelaes entre comrcio e crescimento. Sublinha-se a relevncia daspolticas macroeconmicas, nanceiras e industriais na determinao

    dos benefcios de crescimento do comrcio, muito alm do possvelimpacto das polticas comerciais. Discute-se tambm como a aberturacomercial e o seu sequenciamento com a abertura nanceira podeminterferir tanto na intensidade como na volatilidade das taxas decrescimento.

    Os Captulos 4, 5 e 6 constituem o cerne emprico e analtico dotrabalho orientado ao caso brasileiro. O Captulo 4 pretende caracterizartal caso. So revisitadas algumas hipteses historicamente elaboradassobre o padro das relaes entre comrcio e crescimento no Brasil.

    So ressaltados os contrastes e a especicidade do caso nacional e,assim, reelaboradas hipteses a este aplicveis. O Captulo 5 procede aanlises estatsticas e economtricas, para conrmar ou rejeitar hiptesesdiscutidas ou formuladas anteriormente. Busca, na medida do possvel,indicaes robustas sobre a preponderncia de padres especcos oude conjunto de relaes de causalidade, bem como apontar a extensodos efeitos e suas limitaes temporais. Serve, em particular, paracompreender as relaes entre exportaes e importaes no crescimentobrasileiro. Ademais, elabora sobre o papel dos investimentos, como

    varivel determinante do sentido dessas relaes no Brasil. Aponta aindaconsiderveis constrangimentos macroeconmicos e nanceiros para quelogre o Brasil retirar benefcios mais uidos e dinmicos das relaesentre importaes, investimentos, exportaes e crescimento.

    O Captulo 6 caracteriza e distingue os padres manifestos nasrelaes comerciais com os principais parceiros do Brasil. Tececonsideraes crticas sobre as diferenas reveladas geogracamente esobre os contrastes apresentados entre as relaes Norte-Sul e Sul-Sul.

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    Ressalta, em particular, as contradies em cada um desses eixos derelaes comerciais, dispondo ambos de heterogeneidade de padres

    econmicos. As relaes com os principais parceiros blocos econmicos(Mercosul e Unio Europeia), regies (Amrica Latina, sia e frica)e pases (Argentina, China e EUA) recebem tratamento sistemticodentro do marco metodolgico desenvolvido nos Captulos anteriores.

    Com base nos resultados dos Captulos 4, 5 e 6, so discutidas esugeridas linhas de trabalho para as poltica econmica, comercial e externano Captulo 7. Especial ateno dedicada aos aspectos macroeconmicose nanceiros do comrcio, bem como a possveis linhas de ao emnegociaes internacionais, nos contextos multilateral, Norte-Sul e Sul-Sul.

    So tambm apresentadas sugestes de carter institucional com vistas aoaprimoramento das atividades governamentais na matria. O Captulo 8oferece, guisa de concluso, uma sntese e uma reexo nal dos principaisresultados e proposies.

    Deve-se observar que o exame das relaes com os principaisparceiros, no Captulo 6, no feito para definir linhas de aesconcretas nas relaes com cada um desses parceiros, mas sim paratestar a abrangncia e dar maior concretude e robustez s linhas geraisde anlise e de formulao exploradas. Com cada parceiro ou regio e

    em cada organismo internacional especializado, guarda o Brasil conjuntonico, relevante e denso de relaes polticas e econmicas. Procura,assim, este trabalho tratar dos aspectos tericos e empricos que podemcontribuir identicao de linhas gerais, analticas e estratgicas, deformulao de polticas externas econmicas. Estas podem servir para omonitoramento e para o desenho de aes diplomticas mais especcas,junto a parceiros, regies e mesmo foros especializados. No devem,porm, ser automaticamente aplicadas nesses contextos especcos.Como de praxe, tal transposio, que foge ao propsito deste estudo,

    requer reflexo especializada e adequada formulao poltica dasperspectivas bilateral, inter-regional e mesmo multilateral.

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    Este captulo tem por objetivo rever as principais teorias econmicasque podem explicar as relaes entre o comrcio e o crescimento.Procura-se, em particular, avaliar as principais contribuies oferecidaspelas teorias do comrcio e pelas teorias do crescimento, com o intuito

    de compreender as referidas relaes e, na medida do possvel, o sentidode sua causalidade. Essa reviso no de modo algum exaustiva. Serve,sobretudo, para identicar conceitos e hipteses e, assim, balizar o exameda evidncia internacional (Captulo 3), a compreenso e caracterizaodo caso brasileiro (Captulo 4) e a sua anlise mais sistemtica (Captulos5 e 6) com o to de subsidiar a formulao de polticas e estratgia deinsero econmica internacional do Brasil (Captulo 7).

    Com efeito, as teorias do comrcio e do crescimento confundem-se coma prpria origem do pensamento econmico e das Cincias Econmicas.

    Adam Smith e David Ricardo, entre outros, ressaltaram a relevnciado comrcio para a riquezadasnaes. Entenderam ser o comrciointernacional componente eciente e, em certo sentido, indispensvelpara a gerao de maior riqueza e para o aumento do bem-estar dospases. Chegaram mesmo a antecipar, conquanto no nvel intuitivo, osvrios fatores pelos quais o comrcio atua como indutor do crescimentoe vice-versa. Robbins (2000), por exemplo, partilha da viso de que aobra de Smith especialmente a theory of productive organisation and

    2. Teorias

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    a theory of the causes of economic growth, em contraste com muitoshistoriadores do pensamento econmico que a reduzem theory of value

    and distribution

    1

    . Smith considerou a importncia, entre outros fatores,das economias de escala e do desenvolvimento do capital humano para ocrescimento a longo prazo. Prenunciou, assim, como lembra Kibrtioglu(2002), as novas teorias do comrcio e do crescimento, que s chegariama ser formuladas com rigor cientfico aps cerca de dois sculos.Inuenciados por um debate rico, marcado pelos avanos da Lgica, daFilosoa Moral e Social e das cincias em geral, os economistas clssicosvislumbravam um sistema integrado dos processos econmicos. Essaviso sistmica se aplica a cada pas e, com mais razo, ao conjunto

    dos pases, s relaes que passam a ser mantidas entre suas respectivasestruturas econmicas. Embora desprovida da formalizao terica ouanaltica que se passou a buscar desde a segunda metade do sculo XX,a concepo de Smith e Ricardo acerca do comrcio e do crescimentono era simplista, mas sim respondia a inquietaes profundas sobre odestino de suas sociedades e sobre o desenvolvimento humano em geral.

    Apesar de sua origem comum no pensamento econmico, asteorias do comrcio e do crescimento passaram a ser, especialmente nops-Guerra, objeto de desenvolvimentos cientcos prprios de suas

    respectivas agendas. Embora valendo-se de formalizaes no marcode muitas hipteses e metodologias comuns, as teorias do comrcioe do crescimento so hoje ensinadas separadamente. As teorias decomrcio so estudadas como extenso da Microeconomia, e ainda soincipientes os modelos que procuraram dar um tratamento ao comrciodentro da Macroeconomia. As teorias do crescimento so, por sua vez,tradicionalmente objeto da Macroeconomia. Muito embora tenha sidointenso e usual o esforo de fundamentar os modelos macroeconmicosem bases microeconmicas, os modelos de crescimento mais marcantes

    foram tipicamente concebidos em uma economia fechada, sem relaeseconmicas com o resto do mundo. O esforo de integrar o comrcionas teorias de crescimento recente.

    1 Para Robbins (2000), Smith v na diviso do trabalho, em ltima anlise, alm dos ganhosdo comrcio, os benefcios de crescimento entre os pases. O comrcio estimula essa diviso,que permite intensicar a ecincia na produo. Ao mesmo tempo, a competio internacionalestimula os ganhos de ecincia.

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    teorias

    Apesar dos recentes esforos em integrar as teorias do comrcioe do crescimento, persistem contrastes entre os objetivos e as agendas

    de pesquisa nas reas de comrcio e de crescimento, que dicultam oestudo de suas inter-relaes. Subsiste ainda um hiato entre as teorias docomrcio e do crescimento, a ser superado para dar maior consistnciae unidade teoria econmica em geral. No se trata apenas de proverfundamentos microeconmicos s anlises de problemas tipicamentemacroeconmicos, tendo havido enorme avano nesse campo, como nocaso das novas teorias do crescimento. Os principais desaos referem-seao tratamento dinmico do comrcio, de um lado, e integrao deste aocrescimento, do outro. As teorias do comrcio evoluram como teorias

    de equilbrio geral essencialmente esttico, ao passo que as teorias decrescimento procuraram entender os fatores dinmicos que determinama evoluo da atividade econmica, em geral em ambiente desprovidode relaes comerciais internacionais. Tais diferenas de enfoque tericopodem, talvez, ter agravado as controvrsias, inclusive empricas, sobre asrelaes entre comrcio e crescimento que surgiram nas ultimas dcadas.A superao dessas controvrsias poder beneciar-se da integraocrescente do comrcio e do crescimento em modelos comuns s duasrespectivas agendas, sendo ainda necessrios renovados esforos para

    empiricamente test-los de modo universalmente robusto.O estudo das relaes entre comrcio e crescimento pode sercomplementado da perspectiva mais abrangente das teorias dedesenvolvimento econmico. Ao ter presente tambm aspectosdemogrcos, institucionais, histricos, sociolgicos e polticos, entreoutros, a perspectiva do desenvolvimento econmico serve especialmentepara considerar possveis aspectos ou caractersticas que possam proveras teorias mais fundamentais do comrcio e do crescimento de maiorconcretude e de melhor capacidade de compreenso. Uma reviso das

    teorias do desenvolvimento, que trata de temas ainda mais abrangentes,transcende o escopo deste trabalho2. Independentemente de seus marcos

    2 Meyer e Stilgitz (2001) oferecem uma reviso ampla das teorias de desenvolvimentoeconmico. As teorias de primeira gerao, de 1950 a 1975, compreendem um conjuntoheterogneo e, sobretudo, interdisciplinar de contribuies, entre as quais, as estruturalistas,marxistas, evolucionrias e geogrcas ou espaciais. A segunda gerao de contribuies,a partir de 1975, tornou-se mais homognea e convergente com os cnones das teorias decrescimento e do comrcio. Nesses termos, mesmo algumas contribuies originais da primeiragerao foram resgatadas pela Nova Geograa Econmica.

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    cientcos e objetivos em relao poltica econmica, as teorias docomrcio, do crescimento e do desenvolvimento econmico foram

    desenvolvidas de modo simultneo e complementar. Hipteses e resultadosdessas linhas de pesquisa inuenciaram-se mutuamente. Hoje a Economiado Desenvolvimento tornou-se especialmente emprica, tendo absorvidocontribuies tericas da Macroeconomia, da Economia Internacional ede muitas outras disciplinas, como a Economia Institucional, Economiado Trabalho e as Finanas Pblicas. Ademais, h um consenso deque muitas das questes fundamentais do desenvolvimento tm sidoestudadas de modo mais rigoroso pelas novas teorias de crescimento ede comrcio, como a inovao e o desenvolvimento do capital humano,

    alm da acumulao de capital.A compreenso adequada das relaes entre comrcio edesenvolvimento depende fundamentalmente da interpretao integradadas teorias do comrcio e do crescimento, dos limites de cada uma e desuas complementaridades. Ademais, vrios aspectos macroeconmicos,nanceiros e de economia poltica internacional, negligenciados poraquelas teorias, podem em muito aprimorar nossa compreenso dasrelaes entre comrcio e crescimento, em particular do caso brasileiro.Tais aspectos sugerem anlises mais complexas de nossas opes de

    poltica econmica e externa que as usualmente encontradas na literaturainternacional.Nas prximas sesses deste Captulo, so discutidas as principais

    contribuies individuais das teorias do comrcio e do crescimento.Procura-se distinguir as vises das teorias tradicionais e das novas teoriasrelevantes para as inter-relaes de comrcio e crescimento. Por m, seapresenta um panorama tentativo do possvel consenso terico acercadessas inter-relaes.

    2.1 Teorias tradicionais das vantagens comparativas

    As teorias tradicionais do comrcio so comumente classicadas emduas geraes: teorias clssicas e neoclssicas do comrcio. Conformam,grosso modo, o arcabouo terico das vantagens comparativas docomrcio. Tradicionalmente, estas teorias enfatizam os elementos estticosdessas vantagens e, assim, contrastam com as novas teorias do comrcio, queprocuram, em maior medida, sublinhar o carter dinmico dessas vantagens.

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    teorias

    Predominam entre as teorias tradicionais modelos de equilbriogeral do comrcio, que se pautam por alocao eficiente da produo,

    de acordo com os benefcios das trocas e da maximizao do bem--estar entre as economias envolvidas. Os modelos so derivados dehipteses de concorrncia perfeita e de produo com rendimentosconstantes de escala. Neste particular, nas teorias clssicas o retornomarginal de um fator de produo permanece constante, enquantonas teorias neoclssicas este se torna decrescente. As condies deequilbrio desses modelos podem ser interpretadas como aplicveis,na prtica, a longo prazo. Configuram tipicamente ganhos de bem--estar em situao de livre-comrcio, comparada esta com a situao

    em autarquia, ou seja sem trocas comerciais.Grosso modo, depreende-se dessas teorias a lio de queo comrcio, impulsionado pela abertura comercial, engendraganhos econmicos estimulados pelo uso eficiente das vantagenscomparativas. A liberalizao comercial entre duas economiaspermite, em termos globais, maior eficincia tecnolgica e alocativae, assim, maior produo e nveis de bem-estar mais elevados.

    2.1.1. Teorias clssicas do comrcio

    A teoria clssica do comrcio encontra sua forma mais acabadae difundida na lei ou no princpio das vantagens comparativas deRicardo. Anteriormente, Smith havia estabelecido uma teoria dasvantagens absolutas fundamentada em sua teoria do valor e daproduo. Conforme a teoria, os pases auferem ganhos de rendae de bem-estar ao manterem uma situao de livre-comrcio entresi. Cada pas se especializa, em alguma medida, na produo e naexportao dos bens que produz a custos inferiores, comparados

    estes em termos absolutos com os de seus parceiros. As trocas pelocomrcio permitem que os pases compartilhem as vantagens demenores custos de produo que cada um tem ou desenvolveu emum setor ou outro.

    Em bases semelhantes s de Smith, mas elaborando sobre o papeldo trabalho como principal fonte da riqueza, Ricardo formulou a teoriadas vantagens comparativas. Procedeu de modo especialmente rigorosoe formal, ao estabelecer claramente as hipteses dessa teoria (RUFFIN,

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    2002; DEARDORFF, 2007)3. Esclareceu ser indispensvel a mobilidadedomstica do trabalho, sendo este o fator de produo primordial e

    nico, em ltima anlise. Argumentou advir dessa mobilidade os ajustesnecessrios para que uma economia obtenha as vantagens de umaabertura comercial. Com base nesse requisito e na hiptese de equilbriodas contas comerciais, demonstrou a tese de que um pas, mesmoque tenha vantagensabsolutasem todos os bens por ele produzidos,poderia ter vantagens comparativas mais em certos bens do que emoutros em condies de livre-comrcio. Nessas condies, seu parceirocomercial, conquanto desprovido de vantagens absolutas, poderia tercertas vantagens comparativas. Ricardo (1817) concluiu que os ganhos

    do comrcio no dependiam apenas do intercmbio de bens produzidosa menores custos, mas tambm do uso globalmente mais eciente epleno das capacidades produtivas disponveis nos pases. Para tanto,cada pas deveria especializar-se nos bens em que mais eciente, emtermos relativos, independentemente de haver pases que sejam aindamais ecientes nesses mesmos bens. Em suma, um pas mesmo semvantagensabsolutas pode auferir ganhos e tambm proporcionar outrosa seus parceiros em situao de livre-comrcio, especializando-se deacordo com as vantagens comparativas.

    A teoria de Ricardo tem o mrito de compreender o primeiro e,talvez, o mais simples princpio das cincias sociais com resultados notriviais. Alis, assim respondeu Paul Samuelson (1969) indagao domatemtico Stanislaw Ulam, que lhe pedira indicar one propositionin all of the social sciences which is both true and non-trivial. ParaSamuelson (Prmio Nobel de Economia em 1970), so tais os atributoscientcos da teoria ricardiana: That it is logically true need not be arguedbefore a mathematician; that it is not trivial is attested by the thousandsof important and intelligent men who have never been able to grasp the

    doctrine for themselves or to believe it after it was explained to them.Independentemente de sua simplicidade, as teorias clssicas

    contm uma mensagem fundamental: o comrcio induz processosde especializao que podem tornar as economias mutuamente maisecientes, com mais alto padro de produo e de consumo. A chave

    3 Rufn (2002) investiga a contribuio de Ricardo em bases histricas, e Deardorff (2007) luz da evoluo posterior da teoria do comrcio.

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    tanto, as teorias neoclssicas deixam de assumir um fator de produo,como no modelo ricardiano, e passam a assumir dois ou mais fatores

    de produo. Abandonam formulaes tecnolgicas lineares e adotamfuno de produo marginalista, em geral do gnero Cobb-Douglas4,a qual impe diferenas intersetoriais de alocao e de distribuio derenda nos pases.

    Os resultados dos modelos neoclssicos de comrcio derivam daconvergncia de preos de bens engendrada pela abertura comercial.Considerando hipoteticamente as tecnologias idnticas, os pases seespecializam nos bens mais intensivos nos fatores de que dispem emmaior abundncia, em comparao com seus parceiros. No interior

    de cada pas, os detentores dos fatores mais abundantes so maisbeneciados pela abertura comercial e pela especializao, implicandoassim diferenas intersetoriais na distribuio dos ganhos do comrcio.

    No marco das teorias neoclssicas foram estabelecidos importantesteoremas sobre os ajustes de preos. Estes podem ser agrupados emordem a partir do menos restritivo:

    (a) da insensibilidade dos preos de fatores: em uma pequenaeconomia aberta, as demandas por fatores so innitamente

    elsticas;(b) da igualdade de preos de fatores: os pases que produzem omesmo conjunto de produtos, com as mesmas tecnologias e comos mesmos preos de produtos, devem ter os mesmos preosde fatores, alm de dispor de idnticas propores de fatores naproduo;

    (c) da convergncia de preos de fatores: a eliminao das barreirasao comrcio entre dois pases leva, mediante a equalizao depreos de produtos, eliminao de diferenas entre preos de

    fatores, ou seja, chamada equalizao de preos de fatores; e(d) de Stolper-Samuelson: uma elevao do preo do bem intensivo

    em um determinado fator causa a elevao do preo desse fatore a reduo do preo do outro fator.

    4 Trata-se de funo matemtica usualmente empregada para representar a produo comoprovida de rendimentos decrescentes para cada um dos dois ou mais fatores empregados. Afuno leva o nome dos economistas norte-americanos Charles Cobb e Paul Douglas.

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    teorias

    De acordo com as hipteses (no extremas) em geral empregadas,os modelos resultam em ganhos do comrcio. Esses ganhos, todavia, so

    invariavelmente de natureza esttica, sem que a elevao da corrente decomrcio determine a continuada elevao do nvel de produo e darenda. Nessas condies, por exemplo, a reduo generalizada de tarifasde importao de certo pas ou entre pases pode produzir ganhos deproduo e de renda nos pases envolvidos na importao e exportao,mas no indenidamente. Uma vez esgotadas as possibilidades deeliminao de barreiras ao comrcio, tarifrias e no tarifrias, no maisse expandiriam os ganhos de produo e de renda derivados do comrciointernacional.

    Estes ganhos podem ser consideravelmente desiguais entre agentes esetores econmicos, em funo da abundncia relativa de fatores em cadapas e de quanto so estes agentes e setores dependentes desses fatores.Cientes das implicaes de desigualdade de renda, vrios economistas,como Deardorff e Stein (2002), chegam a propor que, para auferir os seuspossveis ganhos, a liberalizao comercial deveria ser conduzida comcerto gradualismo, de modo que pudessem ser suavizados no tempo osajustes consequentes: in the long run, with some mobility across groupsin the population and with some government programs that permit the

    population as a whole to share in the countrys income, most people canexpect to be better off with trade than without.

    2.1.3 Crescimento e limites dos ganhos do comrcio

    As teorias tradicionais preveem relao positiva entre aberturacomercial e expanso da atividade econmica, sendo que a primeirapode levar a segunda. Os ganhos do comrcio so expressos em umsalto de renda e em uma elevao do nvel de bem-estar. Os ganhos de

    crescimento induzidos pela abertura tendem a ser temporrios, sendoexauridos uma vez se complete o referido salto. Pode-se dizer que osganhos da liberalizao comercial so estticos, no precipitandoper seefeitos dinmicos, ou seja, de uma permanente elevao do crescimento.Como enfatizam Lawrence e Weinstein (1999), while traditional tradetheories provide strong arguments for reducing trade barriers, these areessentially seen as one-time gains. Once these gains have been achieved,this theory has little to tell us about future performance.

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    Outra limitao das teorias tradicionais, em particular das teoriasneoclssicas, emergiu de sua contestao emprica. Registrado em 1954,

    o paradoxo de Leontief

    5

    ilustrou bem a insucincia das teorias frenteaos fatos: apesar de ser um pas mais abundante em capital do que emtrabalho, os EUA estavam se especializando relativamente em bensmais intensivos em trabalho do que em capital. Alm de poder decorrerde problemas de mensurao, o paradoxo remeteria considerao deum nmero maior de fatores de produo, como capital humano, e aoexame mais detido das diferenas tecnolgicas, ao invs da distribuiointernacional dos fatores. Em outras palavras, sugere, no mnimo,um enfoque mais amplo dentro do conjunto das teorias tradicionais,

    exibilizando a interpretao de suas caractersticas mais originais emarcantes, ou mesmo a busca de novos enfoques que aprofundem ocontedo tecnolgico, em linha com a teoria ricardiana.

    As teorias neoclssicas foram ainda mais frontalmente contestadaspela intensicao do comrcio intraindstria, ou seja, da troca debens semelhantes, produzidos com base em composio similar defatores. Este intercmbio passou a ser a principal fonte de expansodo comrcio internacional, em detrimento do comrcio interindstria.As teorias neoclssicas previam que os pases comerciariam bens

    produzidos em diferentes setores, produzidos com uma composiodiferenciada de fatores. O fenmeno predominante do comrcio mundialse distanciava, pois, do padro conjecturado pelas teorias tradicionais.Esse distanciamento se tornou especialmente maior em relao steorias neoclssicas, sendo requerido o aprofundamento das diferenastecnolgicas. O paradigma tradicional estaria ainda longe de explicarquestes fundamentais, como as foras que induzem os pases a terdiferentes produtividades e gerar inovaes tecnolgicas (HELPMAN,1999). Todas essas limitaes motivaram efetivamente as novas teorias

    do comrcio e do crescimento.

    5 O paradoxo leva o nome do economista Wassily Leontief (Premio Nobel de Economia em1973), que procurou empiricamente testar o modelo Heckscher-Ohlin. Leontief evidenciou que,embora os EUA fossem (em termos relativos e absolutos, comparados com os seus parceiros)mais abundantes em capital do que em trabalho, suas exportaes tinham uma proporode capital em relao ao trabalho mais baixa do que as suas exportaes. Tal situao seria

    paradoxal luz do referido modelo. Contrariamente as suas vantagens comparativas, os EUAestariam se especializando na produo de bens menos intensivos nos fatores relativamenteabundantes no pas.

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    2.2 Novas teorias do comrcio

    As novas teorias do comrcio se caracterizam por contemplar aschamadas economias de escala. Ausente das teorias convencionais, aseconomias de escala podem advir de fatores tecnolgicos e de estruturasdos mercados. Tipicamente, esses fatores se complementam. Essenciais aessas teorias, so comuns igualmente s teorias de crescimento endgeno.Tecnologias que permitem rendimentos crescentes de escala garantemcondies favorveis de competio s rmas que as detm. Em geral,vericam-se nos modelos dois tipos de estruturas de concorrnciaimperfeita: (a) concorrncia monopolstica, apoiada por preferncia dos

    consumidores variedade de produtos; e (b) equilbrios estratgicos demercado, por exemplo, na forma de duoplio.As novas teorias do comrcio foram inicialmente elaboradas,

    entre 1978 e 1985, em artigos seminais de Krugman (1979, 1980),Helpman (1981), entre outros. Desenvolveram-se em amplo e ricocorpo terico. Sua evoluo pode ser classificada em trs geraesou vertentes: (a) comrcio intraindstria; (b) poltica comercialestratgica (strategic trade policy); e (c) nova geografia econmica6.

    As novas teorias do comrcio substituram as hipteses de

    concorrncia perfeita por hipteses alternativas de concorrnciaimperfeita, como base de funcionamento dos mercados. Assumirameconomias de escala ou rendimentos crescentes de escala, ao invs derendimentos constantes. Essas novas hipteses haviam sido difundidas,com slida fundamentao microeconmica, em estudos de organizaodas indstrias, notadamente no marco do modelo de Dixit e Stiglitz(1977). Semelhante abordagem terica foi inspirada, de um lado, dascontribuies seminais de Joan Robinson e Edward H. Chamberlin,respectivamente em TheEconomics of Imperfect Competition e The

    Theory of Monopolistic Competition, ambos publicados em 1933. Do

    6 Em geral, a nova geograa econmica classicada, talvez corretamente, como distinta dasteorias que se tornaram conhecidas comoNew Trade Theories, mas classicada neste trabalhocomo parte das novas teorias de comrcio. Anal, a nova geograa econmica pode ser vistacomo extenso das geraes anteriores, sendo fundamentais a todas os seus atributos comuns,mas em contraste com as teorias tradicionais.

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    outro lado, remontam a argumentos anteriormente feitos por Adam Smith,Alfred Marshall e Bertil Ohlin7.

    2.2.1 O comrcio intraindstria

    As novas teorias do comrcio foram motivadas pela longa expansodo comrcio mundial em ritmo mais intenso que o produto mundial e,sobretudo, pela concentrao dessa expanso nas trocas intraindustriais,desde as primeiras dcadas do ps-Guerra. Semelhante intercmbio seintensicou especialmente entre economias avanadas, caracterizando opadro econmico Norte-Norte de relaes comerciais. As exportaes

    entre tais economias, que representavam 38% das exportaes mundiaisem 1953, passaram a corresponder a 76% desses uxos em 1990. Aomesmo tempo, vericou-se um aumento considervel da parcela docomrcio intraindstria, tornando-se este o maior responsvel pelaexpanso do comrcio total entre esses pases (OCDE, 2002).

    O comrcio intraindstria medido na literatura pelo ndicedesenvolvido por Grubel e Lloyd (1975). Este calcula a proporoda corrente de comrcio que corresponde ao comrcio intraindstria.Quanto menos concentradas as exportaes e as importaes em setores

    ou produtos diferentes, mais elevado o ndice. Seu nvel mximo seria100%, caso em que todo o comrcio seria praticado entre os mesmossetores produtivos ou mediante a troca equitativa de bens equivalentes,embora diferenciados. O ndice eleva-se medida que se fortalece acapacidade de o pas indistintamente importar e exportar bens dentro deum mesmo setor. Reduz-se quando o pas passa a concentrar a exportaoem um conjunto de bens e a importao em outro conjunto de bens. Ondice pode ser calculado para diferentes nveis de desagregao. Naprtica, ao elevar-se o grau de desagregao, reduz-se o ndice. Este pode

    ainda ser aplicado para toda a corrente de comrcio de bens ou para seussubconjuntos, por exemplo, apenas para comrcio de bens transformadosindustrialmente (descontados os produtos primrios) ou ainda maisrestritivamente para bens manufaturados (excluindo-se produtos primriose bens semimanufaturados). Ao restringir-se o subconjunto de bens em

    7 Grossman (1993) oferece sumrio das contribuies tericas e empricas que subsidiaram odesenvolvimento das novas teorias do comrcio desde Ohlin (1924).

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    favor daqueles de maior valor agregado, tende o ndice a elevar-se naprtica sobretudo entre economias avanadas, para o qual tem sido mais

    frequentemente aplicado (OCDE, 2002).A Tabela 2.1 aponta os ndices mdios de comrcio intraindstria paraalguns pases para trs perodos entre 1988 e a 2000. Ao nal da dcadade noventa, o comrcio intraindstria j representava entre 64% e 78%para os pases de mais alta renda da OCDE. O Japo gura relativamentecomo exceo entre membros do G7. Embora a sua parcela tenhaigualmente crescido, at mesmo em propores maiores do que em outraseconomias avanadas, o Japo revela um menor patamar de comrciointraindstria por uma posio mercantilista em bens manufaturados

    especializada na exportao de bens nais. Importantes exportadoresde commodities como Nova Zelndia, Austrlia, Noruega e Islndiatm registrado parcelas inferiores, entre 20% e 40%. O desempenhodo Brasil tem melhorado signicativamente desde a dcada de oitenta.Todavia, a comparao dos ndices do Brasil com os dos pases da OCDErevela patamares inferiores ao da Coreia e da maioria das economiasavanadas, cuja especializao se concentra em bens cada vez maisintensivos em capital fsico e humano e de maior contedo tecnolgico.Uma comparao mais criteriosa com os outros pases poderia ainda

    indicar patamares menos elevados para o Brasil, provavelmente abaixodos do Japo8.

    8 Os clculos para o Brasil devem ser comparados com os dos pases da OCDE de modocauteloso. So feitos de modo direto, o que pode resultar em valores mais altos para o Brasildo que os que seriam obtidos mediante clculos de ndices bilaterais, ponderados estes pelascorrentes de comrcio. No se deve descartar, pois, a hiptese de que o ndice para o Brasil

    possa ser prximo a 40% entre 1996-2000. Ademais, haveria margens para possveis diferenasnos clculos a partir dos diferentes sistemas de classicao empregados (SITC e NCM), apesarde sua considervel equivalncia e do mesmo nvel de desagregao aplicado.

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    Tabela 2.1 Parcela intraindstria do comrcio manufatureiro(%), mdia para perodo

    Fonte: OCDE (2002) e clculos do autor.

    Nota: Os clculos da OCDE e os do autor para o Brasil foram feitos com base no ndice

    desenvolvido por Grubel-Lloyd (1975). Ambos consideram um nvel de desagregao de 2

    dgitos, respectivamente da terceira reviso daStandardInternationalTradeClassication (SITC)

    e da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Nos clculos para o Brasil, so excludas as

    Sesses I a III da NCM. Os clculos do ndice do comrcio intraindstria do Brasil so feitosde modo direto, em contraste com os da OCDE, que resultam de ndices bilaterais, ponderados

    pela corrente de comrcio bilateral.

    A expanso do comrcio intraindstria reetiu a industrializaocrescente da economia global e a internacionalizao das cadeiasde produo. Predominou especialmente no comrcio de produtosmanufaturados mais sofisticados, como nos setores mecnicos,farmacuticos, qumicos, e de mquinas e equipamentos. Para os pases

    da OCDE, o comrcio intraindstria nesses segmentos situa-se em tornode 70%. Contrasta com o intercmbio de bens oriundos de transformaesindustriais mais simples, como o de processamento de alimentos, cujocomrcio intrarma se mantm estruturalmente em nvel mais baixo,prximo a 40%.

    O comrcio intraindstria fortaleceu as relaes entre exportaese importaes e apontou para a potencial complementaridade destescomo motor de dinamismo econmico. Entre pases desenvolvidos,

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    os que mais se beneciam dessa expanso so os mais desenvolvidosindustrialmente. O tamanho do pas, o desenvolvimento industrial, a

    abertura econmica e a integrao comercial de cadeias produtivas como resto do mundo parecem determinar em muito a parcela e a progressodo comrcio intraindstria. Se, em primeiro lugar, foram as economiasavanadas as mais beneciadas, souberam, em seguida, lograr resultadosequivalentes os Pases Recentemente Industrializados conhecidoscomo NICs (Newly Industrialized Countries)9. Certamente, a relativaexcepcionalidade do Japo, que no se verica em outros NICs, podeainda ser explicada em funo do tamanho de sua economia, alm doseu histrico perl mercantilista.

    O comrcio intraindstria passou a representar um padroeconmico Norte-Norte, contrastando fortemente com o Norte-Sul, decomrcio interindstria. Este ltimo associou-se mais marcadamentes teorias tradicionais do comrcio, sobretudo s teorias neoclssicasfundamentadas em diferenas na dotao de fatores (modeloHeckscher-Ohlin). Essa alterao radical nos padres econmicosde comrcio demanda uma reformulao considervel das teorias docomrcio. Como enfatizou Krugman (1994), Both the direction andthe character of international trade seemed to suggest that not all

    exportswerelikeBraziliancoffee(p.230).As novas teorias do comrcio assumem de modo realista que osconsumidores dispem de preferncias por diversos produtos, aindaque pertencentes a uma mesma indstria. Assim, podem os pasesespecializarem-se na mesma indstria e no necessariamente emindstrias distintas, que requerem diferentes propores relativas defatores de produo. Basta para tanto que a produo transcorra comganhos de escala, e esses bens sejam comercializados em concorrnciaimperfeita. Nessas condies, o comrcio intrarma passa a representar

    um padro de comrcio novo. So reduzidos os contrastes do padroNorte-Sul de comrcio, em que certos pases (Norte) assumem a funo deexportadores lquidos de bens intensivo em capital (fsico e/ou humano),

    9 Com base em dados disponveis at 1990, Krugman (1995) chega a identicar originalmenteseis supertrading economies (Blgica, Cingapura, Hong Kong, Irlanda, Malsia e PasesBaixos), entre economias avanadas e NICs, que se caracterizam por expanso extraordinriado comrcio intraindstria.

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    e outros (Sul), exportadores lquidos de bens intensivos em terra e/oumo de obra menos qualicada.

    Ao contrrio das teorias tradicionais, as novas teorias no precisampostular diferenas de dotaes de fatores, nem mesmo de nveistecnolgicos diferenciados entre pases. O comrcio internacional severica independentemente dessas diferenas. Pases com a mesmacomposio de fatores e com o mesmo nvel tecnolgico podemespecializar-se na produo de bens industriais diferenciados, aindaque similares e dentro de um mesmo setor ou indstria. Esse atributocorresponde ao padro econmico de comrcio mais predominante nasltimas dcadas do sculo XX. Tal padro Norte-Norte se intensica

    entre economias cada vez mais industriais e tecnologicamente avanadas.Percorrendo esse processo de modo muito rpido, a China conta hoje comum comrcio manufatureiro majoritariamente intraindstria, em linhaconvergente com a maior parte das economias avanadas e dissonantecom a maior parte das economias em desenvolvimento10.

    Como as teorias tradicionais, as novas teorias esclarecem que aexpanso comercial pode acompanhar o aumento da renda e da produototal. Acrescentam que tal relao positiva ocorre especialmente nossetores em que se revelam mais provveis a inovao e a diferenciao

    de produtos. Sabe-se que justamente nesses setores se experimentammaior crescimento e oportunidades para o comrcio em geral. Apesarde construir um quadro mais prximo dos determinantes conjuntosdo comrcio e do crescimento, essas teorias, de um ponto de vistaestritamente formal, no necessariamente asseguram que os ganhosde crescimento sero permanentes, alm de certa elevao do patamarde renda e bem-estar advinda do comrcio. A superao de ganhostemporrios continua dependente de fatores externos que induzamsustentado crescimento, como o desenvolvimento tecnolgico. Todavia,

    indicam que o dinamismo do comrcio internacional, dominado pelointercmbio interindustrial, reside nas capacidades de inovao eprodutividade das economias. Ao mesmo tempo, podem potencialmentemais beneficiar-se deste dinamismo os pases que se esforam noaprimoramento dessas capacidades, ao invs de meramente usufrurem

    10 van Marrewijk (2008) e van Biesebroeck (2010) estudam de modo aprofundado a evoluodo comrcio intraindstria na China.

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    das vantagens comparativas mais automaticamente apresentadas, comoas derivadas da dotao de recursos naturais.

    2.2.2 Poltica Comercial Estratgica

    A Poltica Comercial Estratgica (Strategic Trade Policy) seconforma como conjunto de recomendaes de poltica que derivamdas novas teorias do comrcio. Confronta-se com as propostas livre--cambistas das teorias clssica e neoclssica. Essencialmente, as novasteorias podem fundamentar interveno governamental via, por exemplo,tarifas e outras barreiras importao, estmulos e subsdios exportao,

    inovao, pesquisa e ao desenvolvimento. Semelhantes formasde interveno podem permitir os investimentos necessrios para osurgimento e a consolidao de empresas em setores mais desenvolvidostecnologicamente, que operam em ambiente de concorrncia imperfeitae com possveis rendimentos crescentes de escala. Assim, as novasteorias tambm atribuem especial importncia s economias de escalaque podem derivar de investimentos internos das rmas em inovao,bem como externos s rmas nas reas de educao e de capacitaocientca e tecnolgica.

    Trata-se, portanto, no s de uma reedio revigorada de antigosargumentos em favor da proteo e do estmulo indstria nacional,mas tambm um golpe terico nas correntes tradicionais que favorecemo automatismo do livre-cambismo. Ademais, tal golpe se opera embases solidamente fundamentadas na teoria econmica, enfraquecendopressupostos neoclssicos que levaram a uma viso marcadamenteesttica das vantagens comparativas. Como assevera Krugman (1987),free trade is not pass, but it is an idea that irretrievably lost its innocence(...) it can never again be asserted as the policy that economic theory

    tell us is always right (p. 132). Ao elaborar sobre as implicaes dasideias contidas na Poltica Comercial Estratgica, Krugman (1987) frisaque government policy can tilt the term of oligopolistic competitionto shift excess returns from foreign to domestic rms () should favorindustries that yield externalities, especially generation of knowledgethat rms cannot fully appropriate (p. 134).

    Katz e Summers (1988) advogam ainda haver imperfeiesou segmentaes nos mercados de trabalho que esto associadas a

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    externalidades do capital humano no processo de agregao de valor.Estas imperfeies e segmentaes teriam papel anlogo s documentadas

    pelas novas teorias do comrcio para os mercados de bens. Seria,pois, a qualicao do trabalho importante indutora dos rendimentosmonopolsticos, atribudos originalmente pelas novas teorias s rmasque diversicam produtos ou processos. Nesse sentido, poderiam serformuladas polticas capazes de desenvolver e estimular a formao demo de obra qualicada, capazes de elevar a produtividade e os salrios,sobretudo em setores industriais dinmicos. A maior especializao dosetor exportador nesses setores levaria potencialmente a maiores ganhosde renda e bem-estar.

    Assim, as novas teorias indicam que certas intervenesgovernamentais podem capacitar o pas a auferir maiores benefcios docomrcio internacional. Essa indicao torna-se especialmente vlida emum cenrio em que a demanda e o comrcio mundiais notadamenteem setores industriais caracterizados por concorrncia imperfeita eeconomias de escala tendem a expandir-se em ritmo superior aoda atividade econmica, como de fato transcorreu nas ltimas cincodcadas11. Nesse sentido, a Strategic Trade Policy poderia alavancarganhos de crescimento mediante maiores benefcios da expanso do

    comrcio e induzir condies domsticas mais propcias inovao e sustentao do crescimento.Entretanto, a Poltica Comercial Estratgica no indica, em termos

    prticos, como deve ser formulado o planejamento das intervenesgovernamentais no tempo e intersetorialmente, com os correspondentesimpactos sobre a cadeia de produo a montante e a jusante. Recomendaque as polticas minimizem efeitos discriminatrios entre setores e, assim,se orientem para a agregao de valor e a gerao de externalidadescapazes de serem difundidas mais amplamente na economia. Haveria

    srias diculdades empricas, tcnicas, econmicas e polticas paraimplementar a strategic trade policy de modo sistemtico. Requer-seadequada maturidade, capacidade tcnica e sosticao poltica, nosvariados meios privados e pblicos envolvidos, para que se evitemestmulos e intervenes governamentais induzindo excessos edistores. A economia poltica do comrcio no se livra, assim, dos

    11 Vide Captulo 3.

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    riscos de que se concentrem maiores benefcios entre determinadosgrupos de interesse, em detrimento dos objetivos coletivos que

    podem ser almejados pelas polticas pblicas. Ademais, a escolha desetores e empresas vencedoras pode comprometer o Estado com umaparticipao excessivamente continuada e, por vezes, descabida emguerras comerciais internacionais de interesse mais privado do quepblico. Como salienta Krugman (1987), The well-justied concern ofeconomists is that when policies affect income distribution, the politicsof policy formation come to be dominated by distribution rather thanefciency (p. 141).

    2.3 Nova Geograa Econmica

    Formulada por Fujita, Krugman e Venables (1999), a Nova GeograaEconmica pode ser entendida como uma extenso das novas teoriasdo comrcio. Vrios dos seus aspectos temticos j estavam presentesem trabalhos que ajudaram a conformar a Economia da Urbanizaoou Spatial Economics (von Thnen, 1783-1850) e a Economia doDesenvolvimento12. Os backwardandforwardlinkages intersetoriaise intermercados eram enfatizados nos anos 1960s, em particular

    nas High Development Theories de Paul Rosentein-Rodan (1943),Fleming (1954) e Hirschman (1958). Todavia, como discute Krugman(1997), esses trabalhos no chegaram a constituir teorias econmicasno sentido moderno. Eram conceitos e delineamentos, sem constituirmodelos econmicos capazes de explicar qualitativa e quantitativamenteos fenmenos em questo, como a localizao da produo e docomrcio.

    A Nova Geograa Econmica procura projetar a produo e ocomrcio na dimenso espacial, como sugere o termogeograa. Destarte,

    passa a prover as novas teorias do comrcio de atributos adicionais paraaproximar potencialmente estas de uma compreenso do comrcio comoaspecto indissocivel do crescimento econmico.

    12 Krugman (1997) ressalta cinco escolas de geograa econmica que de certo modo jprenunciavam alguns aspectos da Nova Geograa Econmica, entre as quais a teoria dalocalizao e a fsica social, que acabaram por inuenciar o desenvolvimento de teoriaseconmicas para explicar a organizao da produo e dos mercados no espao.

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    A Nova Geografia Econmica se fundamenta nas mesmashipteses essenciais das novas teorias e acrescenta importantes

    elementos antes negligenciados, sobretudo pelas teorias tradicionaisde comrcio. Entre esses elementos, sobressaem: (a) os custos detransao no espao, em particular custos de transporte; (b) o tamanhodas economias ou a escala dos mercados; e (c) as cadeias verticais deproduo a montante e a jusante.

    A introduo de custos de transao fsica corresponde a umajuste realista nos modelos de comrcio. Com efeito, os chamadosmodelos gravitacionais tm estimado empiricamente papel adversodos custos de transporte na expanso do comrcio internacional. Tal

    expanso tende a ocorrer comparativamente mais entre economiassituadas prximas ou que dispem de conexes de transporte a custosmenores. Como enfatiza Krugman (2004), ao avaliar a expanso docomrcio na sia,

    rapid growth in any economy is, gravity tells us, the source of rapidgrowth in its trade; if two economies grow fast, their mutual trade willgrow very fast. And if they are relatively close geographically, theirmutual trade will quickly become a major part of world trade, whether

    or not there are any special affinities or links (p. 5).

    As interaes entre custos de transporte e escalas dos mercados, deum lado, e rendimentos crescentes e concorrncia imperfeita, do outrolado, geram processos de acumulao e de especializao da produo,bem como de concentrao espacial das indstrias e dos mercados.Esses processos tendem a fortalecer-se mtua e dinamicamente,mediante backwardandforwardlinkages. Compreendem inclusiveprocessos acumulativos de riqueza que tornam progressivamente

    mais amplos os benefcios potencialmente auferidos por menorescustos de transao e por maiores escalas de mercado de bens efatores, combinados com externalidades, diversidade de produtos econcorrncia monopolstica. Os rendimentos crescentes e as cadeiasverticais de produo induzem foras de aglomerao e de expansode mercados de bens nais e intermedirios e de mercados de fatores,como o capital e o trabalho, estes cada vez mais especializados equalicados.

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    2.4 Teorias do Crescimento

    As teorias do crescimento voltaram-se em geral compreensodo fenmeno do crescimento, abstraindo em geral das relaescomerciais entre pases. Apenas mais recentemente tem sidodesenvolvido esforo para integrar o comrcio aos modelos decrescimento econmico. As teorias do crescimento podem serclassificadas em duas geraes: (a) teorias neoclssicas; e (b) novasteorias do crescimento, que englobam o crescimento endgeno.

    2.4.1 Teoria neoclssica

    Os modelos neoclssicos foram desenvolvidos pioneiramente porRobert Solow (1956) e Trevor Swan (1956) e predominaram comoreferncia para as anlises de crescimento por vrias dcadas. Ashipteses sobre os mercados e a produo so essencialmente idnticass das teorias neoclssicas de comrcio. Os mercados so de concorrnciaperfeita, e a funo de produo marginalista, do gnero Cobb-Douglas.Tipicamente, so empregados na produo dois fatores: o capital e otrabalho. O trabalho expande-se em funo da dinmica demogrca,

    externa ao modelo. O capital acumulado em funo das foras externas,especialmente das que determinam o progresso tecnolgico.A acumulao de capital sofre, porm, de uma limitao, que advm

    do enfoque marginalista da produo. De acordo com esse enfoque, aprodutividade marginal do capital , por denio, decrescente. Assim,a taxa de acumulao do capital e, em ltima anlise, o crescimento daeconomia convergem a um equilbrio potencial dado exclusivamentepor suas caractersticas fundamentais. Em outras palavras, verica-secrescimento exgeno, sem que certas polticas, notadamente a comercial,

    sejam capazes de alterar as taxas potenciais de crescimento.Nessas condies, o comrcio no tende a afetar a taxa decrescimento das economias. Esta determinada em equilbrio a longoprazo por fatores exgenos, como a prpria taxa de expanso daprodutividade e as caractersticas estruturais da economia. As relaesentre comrcio e crescimento no modicam a taxa de crescimento daeconomia, permanecendo esta a mesma em ambientes autrquicos oude livre-comrcio.

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    Vale recordar que tais restries no estavam necessariamenteimplcitas em alguns modelos tradicionais de crescimento, como os

    de Harrod e Domar

    13

    , formulados ainda antes dos de Solow e Swan.Ao contrrio da tradio neoclssica do crescimento, modelos dognero dos seminais de Harrod e Domar no se pautam em funo deproduo marginalista. Assumem que o retorno marginal do capitalpode ser constante e positivo, no limitando pois a acumulao dessefator e o crescimento da economia a uma nica trajetria. Alis, foramjustamente abondados como referncia para o estudo do crescimento nops-Guerra, por no serem to estveis como os modelos neoclssicos.Em verdade, apresentavam equilbrios mltiplos de crescimento, podendo

    as economias encontrarem-se em trajetrias superiores ou inferiores.Em contraste com os modelos neoclssicos, tais modelos seminaisde crescimento prenunciavam certo espao para a interveno depolticas pblicas, cujos efeitos poderiam alterar as taxas de poupanae investimentos e, assim, elevar ou reduzir as taxas de crescimentodos pases. Conforme Srinivasan e Bhagwati (2001), even the steady-state growth rate is sensitive to policy (p. 12). Esta taxa no seriadeterminada de modo exgeno e poderia ser intensicada gerandogrowth effects from trade policy(p. 17). Diferentes polticas comerciais

    e, em particular, a liberalizao comercial poderiam, pois, causarganhos dinmicos, elevando as taxas de crescimento econmico alongo prazo (SRINIVASAN, 1995). Entretanto, o xito das polticase os seus correspondentes ganhos de crescimento dependeriam deambiente favorvel, que no fosse distorcido por falhas de mercado.Como reconhecem Srinivasan e Bhagwati, tais falhas podem facilmentecomprometer os ganhos das polticas comerciais.

    2.4.2 Novas teorias: o crescimento endgeno

    As novas teorias de crescimento versam sobre a dinmica decrescimento endgeno das economias. Desenvolvidas originalmentepor Romer (1986) e Lucas (1988), estas aperfeioam os mecanismosantecipados pelos modelos seminais e so capazes de engendrarsustentada acumulao de capital. So determinantes no marco dessas

    13 Modelo que sintetiza as contribuies pioneiras de Roy Harrod (1939) e Evsey Domar (1946).

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    teorias

    teorias a acumulao de capital humano, a inovao e diversicaotecnolgicas. Nesses processos emergem externalidades, na medida

    em que a tecnologia e o capital humano, como diferentes formas deconhecimento, podem ser difundidas entre os agentes, tanto no mbito darma, como em termos agregados no setor. O crescimento pode convergire sustentar-se a taxas mais altas, desde que sejam mais altas as taxas deacumulao de conhecimento aplicvel produo. A acumulao deconhecimento se faz mediante a educao, o aprendizado, o treinamentoda mo de obra e vrias atividades de P&D e de inovao tecnolgica. Ocrescimento se perpetua de modo endgeno na medida em que o produtomarginal do capital, fsico ou humano, se mantm positivo, estimulando

    as atividades de acumulao do conhecimento, nas diferentes formas.Alguns modelos, pautados nessas condies, tendem a mostrarque o comrcio permite incrementar a produtividade e os ganhoseconmicos, tanto pela via das exportaes como das importaes. Oaumento da competitividade, mediante as importaes, e o benefciodo uso das escalas, para atender s demandas externas, podem induziros processos de acumulao de conhecimento. Em verdade, a aberturada economia pode tanto favorecer, como prejudicar esses processos.Grossman e Helpman (1991) mostram, por exemplo, como o capital

    humano, diretamente associado P&D, pode contribuir para a criaode novos bens intermedirios e dinamizar o crescimento e o comrcio,pelas vias tanto das exportaes, como das importaes. Entretanto,como ressalta Baldwin (2004), em modelos como os de Grossman eHelpman, there is no denite answer to whether protection increasesor decreases the growth rate. It depends on the pattern of imports andexports. A poltica comercial e outras podem desestimular a produonos setores dinmicos, potencialmente exportadores, e dicultar a difusode ganhos de produtividade, inclusive advindos das importaes de bens

    intermedirios e de capital. Em boa medida, a reao das economias liberalizao depende da estrutura da economia, do padro econmicode sua insero internacional e das polticas em execuo, em variadoscampos, desde os educacional, cientco-tecnolgico e industrial aosmacroeconmico e nanceiro.

    Ao contrrio das teorias tradicionais, as teorias de crescimentoendgeno permitem que se deduzam modelos em que comrcio ecrescimento nutrem uma dinmica de mtua causalidade, e os ganhos

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    deixam de ser estticos. Essa dinmica se fundamenta no carter dinmicoda produo, sua diversidade e dependncia em processos inovadores

    ou intensivos em capital humano. A interveno do Estado e as polticaspblicas em favor desses processos podem incrementar os ganhosdinmicos do crescimento e do comrcio e os fortalecer mutuamente.

    Entretanto, como concluem Lawrence e Weinstein (2001), theory isactuallyambiguousonthedynamiceffectsoftrade (p. 8). Em algumassituaes, poderia mesmo a dinmica tornar-se contraproducente, gerandomenor crescimento e bem-estar. Portanto, conforme argumentam Long eWong (1997) face possvel ambiguidade e diversidade dos resultadostericos, no simple policy recommendations should be made without

    a thorough understanding of the structure and the key features of theeconomies under consideration.

    2.5 Comrcio e crescimento endgeno

    A exemplo de Grossma