megahistoria da filosofia

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1 MEGAHISTÓRIA DA FILOSOFIA Autor: Evaldo Pauli, Prof. da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Membro da Academia Brasileira de Filosofia, da Academia Catarinense de Letras. FILÓSOFOS APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO. 0335y003. 4. No sistema da Enciclopédia Simpozio, o título Como pensavam os primeiros filósofos é um texto hiper, reunindo num só tratado todos os artigos atômicos referentes aos fundadores da filosofia, ditos pré-socráticos. Este texto hiper está coordenado no conjunto coletivamente denominado Megahistória da filosofia. O presente texto Como pensavam os primeiros filósofos está em dimensão mega, tendo por conseguinte o seu correspondente micro. Mas todos os textos micro, por sua vez se reúnem num só todo denominado Microhistória da filosofia (vd 2216y000 ). 5. A numeração dos artigos hiper e mega se procede com 8 dígitos. Para uso interno do texto hiper bastam os últimos três dígitos. Mas, para citação a partir de fora se requer o uso de todos eles.

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História da filosofia

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MEGAHISTÓRIA DA FILOSOFIA

Autor: Evaldo Pauli,

Prof. da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Membro da Academia Brasileira de Filosofia,

da Academia Catarinense de Letras.

FILÓSOFOS

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO. 0335y003. 4. No sistema da Enciclopédia Simpozio, o título Como pensavam os

primeiros filósofos é um texto hiper, reunindo num só tratado todos os artigos atômicos referentes aos fundadores da filosofia, ditos pré-socráticos.

Este texto hiper está coordenado no conjunto coletivamente denominado Megahistória da filosofia.

O presente texto Como pensavam os primeiros filósofos está em dimensão mega, tendo por conseguinte o seu correspondente micro.

Mas todos os textos micro, por sua vez se reúnem num só todo denominado Microhistória da filosofia (vd 2216y000).

5. A numeração dos artigos hiper e mega se procede com 8 dígitos. Para uso interno do texto hiper bastam os últimos três dígitos. Mas, para citação a partir de fora se requer o uso de todos eles.

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INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA. 0335y006.

7. A filosofia, como qualquer outro saber, é um acontecer, que um dia teve

seu início, e depois uma duração, e portanto uma história. Tal como as coisas físicas e ações humanas em geral, também o saber é

objeto estudado pelo historiador. No campo da história do saber importa particularmente o da história da

filosofia, a qual aqui é abordada introdutoriamente, apresentando logo a seguir também a história dos primeiros a fazerem filosofia, de acordo com o título Como pensavam os primeiros filósofos.

Dali resulta o sequencial didático seguinte: - Introdução geral à história da filosofia (texto aqui em andamento); Cap. 1. Pensamento pré-helênico (vd 0335y082); Cap. 2. Origem propriamente dita da filosofia (vd 0335y120); Cap. 3. Escola jônica antiga (vd 0335y185); Cap. 4. Escola jônica nova (vd 0335y274); Cap. 5. Escola pitagórica (vd 0335y434); Cap. 6. Escola eleática (vd 0335y560); Cap. 7. Escola atomista (vd 0335y686). 8. Uma introdução a uma ciência é meramente formal, quando se limita a

mostrar como o fluxo dos conhecimentos se desenvolve do ponto de vista apenas logístico. Nada decide conteudisticamente a introdução sobre o que a referida ciência se propõe pesquisar, retendo-se apenas no como deva fazê-lo.

Os temas que se propõem numa introdução se concentram de costume na definição da ciência em questão e no método que utiliza.

No final a introdução costuma acrescer uma consideração sobre a utilidade da referida ciência e um pouco de sua história. Estes aspectos já são conteudísticos, mas são apresentados apenas como adiantamentos de efeito didáticos e pedagógico.

Insistindo sobre os itens introdutórios indicados, compete, pois, à lógica, - ciência meramente formal, - definir e determinar o método, ou seja, dividir, compor, classificar, e mostrar como argumentar. Por acréscimo, advertir para a utilidade da história da filosofia e para a história desta história da filosofia.

Dali resulta que a presente introdução à história da filosofia oferece os seguintes artigos introdutórios:

1. Definição da história da filosofia (vd 0335y010); 2. Método da história da filosofia (vd 0335y017); 3. Utilidade da história da filosofia (vd 0335y068). 4. História da ciência da história da filosofia (vd 0335y075).

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ART. 1-o. DEFINIÇÃO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA. 0335y010.

11. A história da filosofia como ciência positiva. Busca a história mostrar, por

meio de dados do presente, a existência de um passado. Seu ponto de vista formal, ou seja essencial, é a temporalidade. Portanto, a

história é sempre cronológica. As coisas que se temporalizam não são o tempo, e por isso se dizem apenas o

objeto material da história. Considerando que os objetos materialmente se multiplicam, enquanto o ponto de vista formal da temporalidade se mantém o mesmo, resulta que a história se divide materialmente em muitas historias especiais, dentre as quais uma é a história da filosofia, conservando-se uma só grande ciência da história.

Prova-se a existência de um passado a partir de algo presente, que tenha alguma possibilidade de advertir sobre aquele passado. Podem falar do passar os documentos, e ainda qualquer outro objeto no qual tenha ficado o referido sinal. Chama-se monumento aquilo que de algum modo exprime documentalmente o passado.

Diz-se que a história é uma ciência positiva, porque os documentos são operados a nível da experiência. Assim, pois, é a história da filosofia um provar, a partir do presente, de um pensamento filosófico se desdobrando desde um certo momento do passado.

12. Definição de filosofia. Não se confunde a história da filosofia com a

própria filosofia historiada. É a filosofia apenas o objeto material historiado. Contudo, não é possível historiar a filosofia sem conhecer a esta

primeiramente. Eis uma condição prévia a que o historiador da filosofia se deve submeter. Na história de coisas mais concretas, como por exemplo, a história dos acontecimentos políticos, é mais fácil entender este objeto. Mas, quando se trata da historia de uma coisa mais abstrata, como a ciência, todo o conhecimento prévio do objeto se apresenta como uma preliminar importante. Importa esta preliminar sobretudo no caso das ciências da filosofia.

Como se define a filosofia? É a filosofia o estudo das coisas, pela sua natureza intrínseca. Eis a filosofia pela sua definição essencial.

Diz-se definição essencial a que indica o objeto pelos elementos principais que compõem o definido. A definição essencial é, pois, a que apresenta ao objeto pela sua natureza intrínseca, ou natureza profunda, ou natureza última, ou natureza fundamental, ou causas últimas, ou causas primeiras, ou mesmo causas intrínsecas.

Diferentemente, a ciência positiva somente atinge o experimentável; deste sorte não vai além das relações extrínsecas, as quais são capazes de ser dimensionadas e expressas matematicamente.

Apreciável é também a definição descritiva, que define pelo que a coisa tem de mais característico. Então, a filosofia é o estudo das coisas pelos seus elementos meramente inteligíveis e não alcançáveis diretamente pela experiência.

No mesmo sentido, a filosofia é o estudo do residual. Define-se agora a filosofia pelo que resta, após a investigação experimental da ciência positiva. A experiência constata, por exemplo, que umas coisas vêm depois das outras, mas não consegue constatar

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diretamente se efetivamente ocorre causalidade; eis um assunto típico da filosofia, a qual pergunta por estas causalidade, que se colocou por conseguinte como o residual a ser indagado.

Em decorrência de uma e outra modalidade de definição, a filosofia estuda os mais variados temas, mas sob um ângulo que lhe é próprio.

O caráter eminentemente racional do seu método não permite à filosofia alcançar aquela segurança peculiar aos conhecimentos mais objetivos da ciência positiva, a qual se encontra mais próxima dos fatos, podendo sempre testar seus resultados.

Compreende-se então que o pensamento filosófico, ainda que também testável na coerência interna de sua logicidade, varie bastante de indivíduo para indivíduo, sobretudo de tempo para outro tempo, e ainda de uma região do mundo para outra, as vezes até de cidade para cidade, de indivíduo para indivíduo.

Por isso tudo, a história da filosofia não é apenas a história do sistema filosófico como tal, e sim ainda acidentalmente também a história da filosofia por filósofos individualmente e a história da filosofia por países.

13. Distinção entre filosofia da história e história da filosofia. É a filosofia da

história simplesmente uma filosofia, ou seja, uma filosofia sobre o tempo. Diversamente a história da filosofia não é uma filosofia, mas uma ciência positiva. Neste sente sentido se pode falar em história da filosofia da história. Colocada a advertência sobre a diferença entre filosofia da história e história da filosofia, chegamos às seguintes definições:

Filosofia da história é o estudo da temporalidade vista em sua mesma intrinsecidade, ou seja em sua essência; pode, portanto, tentar considerações específicas, acima do nível meramente experimental. Eis um campo vasto e até curioso, mas que se desenvolve como setor da filosofia natural, com ligações com a metafísica, inclusive com a religião.

Diferentemente, a história, - quer geral, quer especial como a história da filosofia, - trata da temporalidade verificada apenas experimentalmente, mostrando por exemplo, com dados presentes, que existiu um passado. Então se pratica a ciência positiva da história; esta é a história como se a entende ordinariamente, e como se pratica na assim chamada história da filosofia.

Como ciência positiva, a história tende a medir matematicamente os fenômenos explorados. Então a linguagem se expressa com termos abstratos, como hora, dia, semana, mês, ano, século, milênio.

As medidas se expressam mais concretamente, quando se dizem em função à variações realizadas na mesma realidade histórica. Então as medidas mais conhecidas são as que dizem fase, período, época, era (vd 0335y018).

14. A história é genética quando seu objeto em si mesmo é dinâmico, com

fluxo de causa e efeito, e este fluxo é historicamente determinado. O pensamento não é apenas uma ordenação de fenômenos. Ele se apresenta

com operações em interação. Neste sentido a história investiga os fatores que operaram os fenômenos; no caso da história da filosofia, ela investiga os fatores que operam no seu desenvolvimento.

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A história não se limita nem só aos fenômenos; mas também estes têm sua história. Nem cuida apenas da genética causal dos fenômenos. Ambos os elementos constituem a história, como duas partes importantes, e é preciso saber manipular uma e outra destas partes, dando destaque, ora a uma, ora a outra, conforme o principal interesse oferecido.

Os fatores da história se distinguem em internos (ou intrínsecos) e externos (extrínsecos). Agem os fatores internos a partir de dentro das mesmas operações, no caso das operações; as idéias poderão influenciar, neste sentido, todo o pensamento de uma época, ou mesmo fundar uma nova época.

Os fatores externos agem na história do pensamento filosófico, pela alteração das circunstâncias; a presença de um grande filósofo, a fundação de uma universidade, a mudança do quadro político dominante, as imposições de uma guerra santa, o aparecimento da Inquisição Romana, a descoberta de novos continentes, descobertas tecnológicas, a globalização da economia, etc., constituem fatores extrínsecos capazes de influenciar o desenvolvimento histórico da filosofia.

15. Didaticamente, a história escrita exaustivamente, - como mega e hiper

história, - tem a mesma seriedade da história elaborada em dimensão resumida, - como em microhistória, e também na hipermicro-história. Geralmente quando a exposição se torna vasta, ela procura ser exaustiva, completa, tanto nos argumentos, como ainda se estendendo a um campo maior historiado.

No caso da microhistória a preocupação se dirige à seleção, advertindo para o que mais importa na argumentação, como ainda para a realidade mais importante.

É notório que não podemos historiar tudo, porquanto a vida é curta e os acontecimentos, bem como os sujeitos por eles atingidos são imensamente numerosos; em consequência há a aceitar a imposição de um limite. Neste sentido, a história feita pelos homens é eminentemente seletiva, ainda que não o seja ela por si mesma. Se as moscas soubessem fazer a ciência histórica, ocupar-se-iam primeiramente de suas ninharias, depois passariam aos estábulos, e nunca iniciariam na pré-história do homo-sapiens.

Na presente megahiper-história a intenção é contudo exaurir o tema da história da filosofia em escala considerável. Por isso, em contrapartida se procedeu ao outro texto, em dimensão micro.

16. Concluindo sobre a definição, - ficou, portanto, firme, que a história da

filosofia é o estudo do pensamento filosófico, enquanto se desenvolve temporalmente. Também ficou esclarecido que a matéria da história da filosofia é o

pensamento filosófico, ou seja, da filosofia simplesmente como sistema temporalizado. Neste sentido, não inclui, senão acidentalmente, a história biográfica dos

filósofos e a história dos seus países. Em vista da solidariedade das coisas, que mutuamente se influenciam, a

história da filosofia muitas vezes se relaciona com estas outras circunstâncias exteriores à ela mesma. Estes outros elementos, embora secundários, ilustram e esclarecem a história total das doutrinas.

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ART. 2-o. MÉTODO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA. 0335y017.

18. Do ponto de vista meramente formal, o método da história é relativamente

simples, porquanto prova com dados presentes a existência do passado. O método integral divide e compõe, - analisando e sintetizando, - revelando os componentes e definindo os todos.

Mas o passado importa em ser medido ao longo do curso do tempo. É quando a história passa a complicar-se metodologicamente, tanto na análise, como na síntese.

A determinação da temporalidade dos fatos se complica quando se trata de medir o tempo ao longo do seu curso. Medir o tempo, eis o lado mais trabalhoso da história, a qual não se contenta em provar a existência do passado, e quer ainda determinar a que distância ele fica.

Numa técnica mais concreta o tempo é determinado por épocas, períodos, fases. Em uma outra técnica, mais abstrata, o tempo é medido em números matemáticos, que determinam segundos, horas, dias, semanas, meses, séculos, milênios.

§1. Divisão da história da filosofia. 0335y019. 20. Tudo começa pela divisão da história. O ordenamento dos elementos da

história se procede atendendo separadamente à divisão meramente formal da temporalidade e à divisão material dos acontecimentos. para somente depois compor e advertir para o geral.

Assim sendo, há a dividir, tanto no campo no formal da temporalidade, - onde está o objetivo principal, porquanto situa os elementos ao longo do seu passado, - como no campo material das coisas historiadas. Não fica, então, a história apenas um amontoado de fatos conhecidos, mas ainda um ordenamento.

Sobretudo o ordenamento material dos fatos se apresenta complexo e difícil. A dispersividade da imensidão dos fatos da história obriga à uma trabalhosa divisão material dos seus fatos.

Então a divisão material distingue entre história geral e história especial. Destaca-se a divisão: história universal (de todos os países) e história por países (de uma região).

Também pode ocorrer a divisão por pessoas, como a dos filósofos, considerados ,ora em grupos, ora individualmente.

I - Diretrizes a atender na divisão da história da filosofia. 0335y022. 23. A divisão meramente formal, ou seja essencial, da história é a que divide

a própria temporalidade. Se formalmente o objeto da história da filosofia é a temporalidade das idéias filosóficas, sua divisão formal se dá, portanto, por espaços temporais. Estes espaços temporais podem ser denominados, ou mais abstratamente, por denominações mais abstratas e matematizadas como século e milênio, ou por denominações mais concretas como época, período, fase.

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As divisões históricas formais podem dar-se simplesmente, indicando o tempo em absoluto, ou já combinadas com a divisão material, para dizer que ocorrem em tal e tal objeto, por exemplo, da filosofia, da arte, da política, etc..

24. Ainda que queiramos principiar pela divisão formal da história da

filosofia, - porque ali se encontra a essência da história, - temos de advertir imediatamente também que a mesma história da filosofia já é uma divisão material da história em geral.

Assim sendo, já participa a história da filosofia do que se diz da história em geral. Por isso é que falamos, por exemplo, em filosofia ao tempo do Império Romano, e não apenas na filosofia daqueles séculos.

É aliás importante conhecer a integração total da história, até porque a história de umas coisas esclarece a de outras.

25. Prossegue em seu próprio campo a divisão material da história da

filosofia. Destaca-se a divisão dimensional: história geral da filosofia, história especial da filosofia, por temas filosóficos.

Ordinariamente, a história da filosofia se divide materialmente (pelos objetos ou temas estudados) e formalmente pelo tempo percorrido (épocas, períodos, fases). Esta divisão, que já vem da história em geral, adquire algumas características no campo das idéias.

Todas as historias especiais da divisão material se unem formalmente, pelo seu ponto de vista essencial, a temporalidade. Procuram todas medir seu objeto, do ponto de vista da duração e da alteração temporal.

26. Materialmente, a história da filosofia se redivide. Eis quando importa

atender primeiramente divisões mais na base da mesma filosofia e divisões de ordem menos profunda.

Mais substancialmente, a divisão material da filosofia se procede por seus sistemas, escolas, correntes.

Mais acidentalmente, se divide em história da filosofia por filósofos e história da filosofia por países.

Esta ordenação material, como já se disse, não é a história formalmente, por não se referir diretamente à temporalidade mas à matéria historiada.

Todavia esta divisão material é de frequente uso didático, por que ela administra os temas em conjuntos disciplinares adequados à possibilidade de abordagem por parte do estudioso, bem como ainda atende aos interesses regionalizados das pessoas.

A divisão material evidentemente importa, porque, - como se disse, - ordena o material histórico e interessa diferentemente ao estudioso.

27. Como já se advertiu, a divisão material do acontecer filosófico poderá ter

diferentes níveis de importância, em que uns são mais substanciais e outros mais acidentais. A divisão pelos resultados obtidos no plano da verdade, - eis um ponto de

vista apreciável. Ainda que seja um ponto de vista extrínseco ao aspecto meramente histórico, o resultado obtido influencia a ordenação material da história da filosofia.

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Aquilo que se considera errado, ou que se manifesta superficial e sem qualificação apreciação, menos atrai ao historiador, do que o pensamento vigoroso de um grande filósofo. Todavia, por mais importante que seja a questão da verdade, esta, na história, é apenas um ponto de vista de divisão material.

Não tem a história como objeto formal dizer se, quem filosofou, atingiu como resultado a verdade, ainda que indiretamente diga algo a respeito; o objeto formal da história continua sendo sempre o de mostrar, por meio de dados presentes, a existência de um passado; por isso as história da filosofia permanece, mesmo no caso dos sistemas, indagando, o que efetivamente neste sentido se filosofou no passado. A seletividade dos fatos mais proeminentes da história da filosofia, sob o critério de uma melhor verdade dos mesmos, não pertence já à mesma história.

Entretanto já lhe pertence mostrar que houve idéias que mais influenciaram sobre o filosofar no curso do tempo, ou sobre a formação de um sistema filosófico. Precisamos não confundir esta outra seletividade dos fatos, com a seletividade meramente valorativa, que faz escolher materialmente entre o muito, o que a nós se apresenta com mais mérito de verdade.

Ainda ligada ao resultado no plano da verdade, a história da filosofia se divide em correntes de pensamento, aderindo alguns a esta, outros àquela, outros ainda a outras e outras correntes.

Eis uma divisão material muito útil e vastamente usada na distribuição material dos temas historiados.

Corrente se refere simplesmente à identidade de direção doutrinária. Com vistas a exemplificar, dizemos que, através dos tempos, sobretudo nos tempos modernos, se destacaram duas correntes - a do empirismo e a do racionalismo. Importa ao historiador advertir, quando foram estas as correntes dominantes, e quando foram outras, por exemplo políticas, sociais, religiosas.

Eventualmente em certas épocas as divisões materiais, em filosofias especiais, podem oferecer maior ou menor significação. A filosofia social, por exemplo, é típica dos tempos modernos, e não tanto da Idade Média, quando dominaram as preocupações metafísicas. Adverte-se também com referência à filosofia clássica, a tendência dos estudos da natureza, pelos pré-socráticos, dos estudos morais, pelos socráticos e pós-socráticos.

28. Circunstâncias extrínsecas menos significativas do ponto de vista

meramente filosófico, - como a divisão por filósofos e a divisão por países, - podem, por tais razões merecer destaque.

A divisão que diz História universal da filosofia, em contraste com história especial da filosofia por países, vê a história da filosofia, ora como um fenômeno ocorrido internacionalmente, ora com acontece em cada pais regionalmente.

É muito especial a divisão da história da filosofia abordada por filósofos individualmente.

São também especiais as divisões da história por escolas, quando ocorre a coesão de um grupo de filósofos.

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Entende-se por escola um grupo de pessoas de pensamento homogêneo com alguma relação entre si, como de mestre para discípulo. Acidentalmente a homogeneidade é reforçada pela unidade geográfica com as antigas escolas pré-socráticas.

28. Dados os diferentes interesses nacionais aos quais serve a filosofia, importa acautelar nos contra deformações capazes de ocorrer nas histórias da filosofia. A filosofia, tal como a ciência, se destina a transformar a realidade. Entretanto, pode ao mesmo tempo ser manipulada, inclusiva sua história está sujeita a esta deformação.

Consciente e inconscientemente a deformação da história da filosofia tem sido obra de organizações ideológicas, como de partidos, religiões, ordens religiosas, grupos sindicais, editoras interessadas em vender.

Em princípio a ideologia importa muito, pois este é o objetivo central da filosofia em si mesma. É próprio do homem desenvolvido ter uma ideologia criticamente desenvolvida, como sistema sustentado em argumentos. Todavia, não pode o interesse ideológico deformar a história como um fato acontecido.

Há um evidente interesse subjetivo maior do leitor para com os filósofos e as filosofias do país e da língua a que pertence; ali ocorre uma seleção avaliativa. Mas esta seleção subjetiva, ainda que válida, não significa que uma história objetiva da filosofia possa colocar simplesmente em destaque aos filósofos de seu país e língua; importa sempre estar consciente de que se trata de uma seleção a partir de um critério externo.

Uma história da filosofia com visão nacionalista, ou mesmo patriótica, tem como primeiro resultado a deformação da informação, e cria a impressão de que em filosofia determinado país e respectiva língua se destacaram mais do que a realidade acontecida.

Com frequência os verbetes de enciclopédias em língua nacional têm sido maiores para os filósofos nacionais, que para os de outra nação. Se formos aos verbetes das enciclopédias das nações prejudicadas, vamos verificar o mesmo fenômeno pela inversa. Em vez de formarem aos seus consulentes com o padrão da humanidade, o fazem com padrões entre si opostos. Resulta finalmente a deformação mental, quando não as condições para o conflito.

29. Assume caráter especial, porque tem caráter temporal, a divisão

valorativa: formação, apogeu, decadência. Costuma-se com esta divisão determinar a época como um todo; para

distinguir cada período pela atribuição de um destes valores, e que não significando diretamente a temporalidade, parecem denominar apenas materialmente. Todavia, trata-se de referências ao tempo concreto.

Finalmente, fase é parte do período. De novo se trata efetivamente de uma divisão da temporalidade por meio de uma referência concreta importante, e capaz ainda de ser anotada.

Entretanto, apesar de todos os demais aspectos de caráter material, deve o método da história da filosofia prestigiar em primeiro lugar a sequência formalmente histórica, isto é, da especifica sequência temporal, advertindo para épocas, períodos, fases, tudo dentro do rigor cronológico.

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II - Uma divisão formal (temporal) para a história da filosofia. 0335y030. 31. Pertence ao historiador descobrir a cronologia dos fatos. Ainda que outros

já tenham feito este trabalho, compete a cada historiador aprender como isto se faz. A divisão cronológica do passado é um fato não diretamente conhecido, mas

que se estabelece a partir de dados conhecidos no presente, de onde se parte para o passado. Colocada a divisão formal em primeiro plano, as demais divisões materiais

costumam ser subordinadas a ela. 32. Eventualmente, a divisão cronológica da historia geral da filosofia

obedece mais ou menos a sequência temporal da história política e da civilização em geral. Há pois uma filosofia da época antiga, outra da época medieval, finalmente

outra da época moderna, do mesmo modo como há uma história política antiga, outra da Idade Média, outra moderna.

Trata-se de uma coincidência verificada como fato. Não se trata de uma coincidência resultante de simples imitação. Nem é uma coincidência inventada por motivo de comodidade didática.

Este acordo sincrônico acontece por causa da costumeira interação dos procedimentos do homem. Evidentemente quando ela não se mostra rigorosa, é advertida pelo bom historiador.

Esta unidade formal entre as ciências históricas se deve ainda a uma certa unidade material contextual entre os objetos. Dali resulta a solidariedade entre a história geral dos acontecimentos sociais e a história das idéias.

Pelo visto a unidade formal dos acontecimentos, se fundamenta na própria coerência total da realidade das coisas. Resulta, que as épocas, períodos e fases da história da filosofia podem coincidir mais ou menos com as mesmas medidas acontecidas na história de outros fatos, sobretudo os políticos.

Não obstante o sincronismo dos acontecimentos, há uma interação entre eles, em que as idéias assumem uma ligeira liderança. Nas grandes mudanças da história, as idéias costumam ir um tanto à frente, sobretudo na cabeça dos líderes, dos inventores de técnicas, dos filósofos mais sutis.

34. Épocas da história da filosofia. A divisão temporal da história da filosofia em épocas, estabelecida pela ciência da história, como é geralmente admitida pelos historiadores, acompanha de perto as grandes maneiras de dividir a história dos acontecimentos em geral. Isto mostra um certo relacionamento entre os acontecimentos e as idéias. Eis uma descoberta importante, e que valoriza a filosofia. Atenda-se para o quadro, a seguir:

I - Filosofia antiga (século 6 a.C. ao século 5-o d.C., ou queda de Roma, em 476). É denominada também filosofia grega e romana, ou simplesmente greco-romana.

A expressão filosofia antiga contém literalmente a filosofia oriental, persa, hindu e chinesa. Mas, não havendo esta filosofia oriental se constituído em ponto de partida linear definido, não expressa o início histórico propriamente dito da filosofia ocidental, e que foi a que primeiro se globalizou posteriormente.

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Adequadamente se inicia pela história da filosofia grega e esta como tendo um período pré-helênico tão só no Ocidente asiático (Ásia Menor, Mesopotâmia, Pérsia) e Egito (África).

II - Filosofia medieval (séc. 6 a séc. 15, ou seja, da queda de Roma (476) à queda de Constantinopla (1453).

III - Filosofia moderna (séc. 16 aos nossos dias). 35. Periodização das épocas antiga, medieval e moderna da história da

filosofia. Redivide-se cada época em períodos e os períodos em fases. Didaticamente, pode-se estudar estas redivisões à maneira de rápida

antecipação, para depois aprofundar o tema, quando cada parte for estudada em separado. Nesta antecipação didática os períodos mais antigos e respectivas fases poderão ser mais destacados.

36. Redivide-se a filosofia antiga, ou seja da época antiga, em função a

Sócrates, em pré-socrática (de quando só restam fragmentos e referências doxográficas), Socrática, Pós-socrática (vd 0335y141).

37. No período pré-socrático se desenvolveram escolas filosóficas em

diferentes regiões do mundo grego, bordado em todo o contorno do Mediterrâneo antigo. Mas, antes que ditas escolas pré-socráticas surgissem, houve um pensamento,

ao qual se pode tratar, como pré-helênico, de caráter mítico e que deixou heranças culturais, com efeitos que perduraram nas religiões e mesmo na filosofia. Havendo, pois, deixado efetivamente alguns traços, no evolver histórico da filosofia, o pensamento pré-helênico deve ser também estudado.

Com referência às escolas pré-socráticas, estas se dividiam entre si materialmente, mas cada uma teve um desenvolvimento cronológico, geralmente de duas fases. Mencionam-se:

Escola jônica antiga, - de que o primeiro filósofo foi Tales de Mileto (c. 624 - 548 a.C.);

Escola jônica nova, - com seu principal representante em Heráclito; Epígonos da escola jônica, - entrando já no período socrático; Escola eleática, - na qual se destacou Parmênides; Escola itálica (ou pitagórica), - marcada pela figura de Pitágoras; Escola atomista, do norte da Grécia, - com o erudito Demócrito; Sofistas, - grupo de transição. Enquanto os primeiros pré-socráticos se concentraram nos estudos da

natureza, os sofistas, como Demócrito e Górgias, encaminharam os estudos humanos, peculiares ao período seguinte.

38. No período socrático a filosofia alcançou o esplendor, com as figuras

notáveis de Sócrates (469 - 399 a.C.), Platão (427-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.). Cada um dos três filósofos como que representa uma fase, que termina com a morte dos respectivos em 399 ; 347; 322 a.C.

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Ao mesmo tempo continuaram as escolas pré-socráticas remanescentes, cujos epígonos conviveram com os três grandes nomes – Sócrates, Platão, Aristóteles.

39. No período pós-socrático se desenvolveu a filosofia em todo o mundo

helênico-romano. Com mais propriedade, houve uma fase pós-socrática exclusivamente helênica, seguida de uma fase pós-socrática helênico-romana.

No período tiveram inicialmente destaque as escolas epicurista (de Epicuro), estóica (de Zenão), cética (de Pirro). Continuaram, como remanescentes, os platônicos (da Academia) e os peripatéticos (do Liceu).

Na fase helênico-romana ocorreram, além das precedentes, as escolas neopitagórica (continuadores do antigo Pitágoras) e neoplatônica (esta de Plotino), ambas com profundas conotações religiosas.

Manifestam-se na fase helênico-romana já uns primeiros filósofos judeus, - com destaque Filon, - e uns primeiros filósofos cristãos (chamados também patrísticos), - de que o mais expressivo foi Santo Agostinho (354-430).

40. Aplicada a classificação em termos de período de formação, de período

de desenvolvimento (ou apogeu) e período de decadência (ou final), a periodização da filosofia grega se deu da seguinte forma, dizendo-se:

o primeiro, - o pré-socrático, - como período de formação; o segundo, - o socrático, - como período de apogeu; o terceiro, - o pós-socrático, - como período de decadência. No período de formação dominaram os problemas cosmológicos; no segundo

os metafísicos; no terceiro os de ética e religião. Todavia não se deve exagerar a fisionomia decadente do terceiro, porquanto o

período helênico foi, sob muitos aspectos, progressivo e especializante. Foi gerador mesmo das novas formas de judaísmo, inclusive de suas variantes, o cristianismo e, ainda que tardiamente, o islamismo.

Nem se deve exagerar a diferenciação quanto à distribuição dos temas. Sobre o primeiro período quase tudo desapareceu, ficando o historiador sem informações precisas. No segundo também se explorou o social, o estético, a história, que foram peculiares do terceiro período.

42. A redivisão da filosofia medieval (476-1453) oferece uma clara distinção

entre seu período de formação, de seu apogeu (século 13 e início do 14), de seu final. Materialmente ocorreu a nítida divisão em filosofia latina, bizantina, árabe. A Europa Ocidental, à base de um povo novo, especulou em torno do

pensamento grego e a herança cristã. Dali resultou a escolástica latina. No Oriente grego se desenvolveu uma filosofia continuadora quase direta da

antiga, dada a facilidade de acesso aos textos de sua mesma antiguidade. Nos países maometanos cultivou-se o transcendentalismo platônico, todavia

muito próximo de Aristóteles. O Ocidente latino se aristotelizou mais tarde, já sob influência árabe. O

primeiro grande aristotélico do Ocidente cristão foi Tomás de Aquino (1225-1274).

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Entre os bizantinos se destacou Pseudo-Dionísio (séc. 6-o), com reflexos logo no Ocidente.

Um grande árabe foi Averróis (1129-1198), que atuou na Espanha dos mouros, e foi sobretudo um aristotélico.

43. A filosofia moderna diferenciou-se da medieval pela atenção dada aos

problemas gnosiológicos. A solução destes tomou rumos subjetivistas, em função de cujos desenvolvimentos se dividiu em dois períodos, o cartesiano e o kantiano.

Também se destaca a divisão em duas correntes paralelas, a do racionalismo e a do empirismo.

Além disto o desenvolvimento das ciências positivas, impulsionadas por Galileu (1564-1542) e outros cientistas, libertou o homem de falsas conceituações em física, biologia, psicologia, religião, que haviam lesado profundamente a filosofia anterior.

O primeiro período da filosofia moderna teve como fase de formação a Renascença, e que se caracterizou pelo tumulto criado pela novidade dos métodos e dos temas, muitos deles tomados aos autores clássicos.

Ainda aconteceu a partir da Renascença o contato com as filosofias do Extremo Oriente, e que os missionários e filósofos do Ocidente não conseguiram abalar. Convém tratá-las primeiramente como pensamento pré-moderno oriental; o que segue havendo cabe historiar sincronicamente, quer mostrando o que no Oriente continua acontecendo, em interação com o Ocidente, quer no mesmo Ocidente, como sobre este atua, em interação, o Oriente.

Segue-se a fase principal do primeiro período moderno, caracterizado pela ênfase no problema gnosiológico, do qual se fez depender sistematicamente o sistema filosófico como um todo. Trata-se da fase cartesiana do primeiro período moderno da filosofia; em vista da influência de Renato Descartes neste novo impulso de idéias, passou-se a dar ao todo o nome de Período cartesiano. O marco ficou sendo seu Discurso do método, 1637.

Destacaram-se duas correntes filosóficas, as quais, - como já se adiantou, - dividiram materialmente as filosofias modernas em duas direções, - o racionalismo de Descartes (1596-1650), dito pai da filosofia moderna, seguido por Espinosa (panteísta) e Leibniz; o empirismo de Francisco Bacon (1561-1626), seguido por Hobbes, Locke, Hume e enciclopedistas franceses.

A fase final do primeiro período da filosofia moderna coincide mais ou menos com o século das luzes, acontecido entre 1688 (Gloriosa Revolução) e 1789 (Revolução Francesa). Esta fase final do primeiro período vai portanto desde o fim do século de Descartes, até a maturidade de Kant, ao publicar a Preleção de 1770.

Neste espaço aconteceu a evolução da filosofia racionalista, com Malebranche, Spinoza, Wolff, Leibniz, e a evolução do empirismo de F. Bacon, com Hobbes, Locke, Hume, Enciclopedistas franceses, Rousseau.

44. No segundo período moderno da filosofia, denominado kantiano, se

projetam primeiramente o idealismo, de Kant (1724-1804), seguido por Fichte, Schelling, Hegel, que levaram ao extremo o racionalismo cartesiano.

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Sem demora, também o empirismo anterior assume novas formas no positivismo de Comte (1798-1857), que deu novas feições ao empirismo. A este início se reduz a fase de formação do segundo período da filosofia moderna.

Sucedem-se com mais rapidez novas fases do segundo período da filosofia moderna, além de muito variadas. Dentro de cada corrente se desenvolveram fases independentes em relação às fases de outras. É só advertir para as filosofias de Karl Marx (materialismo dialético), Bergson (intuicionismo), Husserl (fenomenologia), Scheler (filosofia dos valores), James e Dewey (Pragmatismo), Dilthey (historicismo), Georg Simmel (relativismo), Bertrand Russel (positivismo), Heidegger, Sartre, Jaspers, Marcel (estes três, existencialistas), a que tudo se deve juntar também a escolástica renovada.

III – Em especial sobre a história da filosofia por filósofos. 0335y046. 47. Não existe ciência senão em cabeças individuais. Ainda que o enfoque

específico da história seja essencialmente o cronológico, situando os fatos ao logo do tempo, o condicionamento acidental das idéias filosóficas é muito grande. A consequência é que a história da filosofia se prende muito aos mesmos filósofos e aos países.

Uma enciclopédia de história da filosofia é quase dominada pelos verbetes de filósofos e países onde a filosofia mais foi cultivada. Não obstante, - apesar da dominância da nominata dos filósofos e dos seus países na enciclopédia de história da filosofia, - é preciso ver tudo principalmente sob a perspectiva cronológica das idéias em si mesmas, enquanto elas mesmas fizeram história.

Os filósofos são como os poetas. Uns e outros são melhor entendidos a partir de suas biografias. Para entender adequadamente ao poeta, importa saber algo de suas vivências; e assim para compreender o filósofo é importante atender às influências que determinaram seu pensamento.

É a filosofia uma ciência rigorosa, tanto quanto a ciência experimental. Surpreende dizer isto, porque a filosofia costuma apresentar-se com grande divergência em seus resultados, quando a ciência experimental caminha por veredas as quais progridem com muito mais determinação. Também a ciência experimental se exerce com limitações. Só que, na ciência experimental a limitação costuma ser a simples ignorância, enquanto na filosofia a limitação é o erro, que é uma ignorância maior.

Se todos os filósofos filosofassem com rigor, deveriam chegar a um resultado único, o que entretanto não acontece por causa de acidentes de percurso no seus respectivos modos de pensar. O trabalho do filósofo é meramente racional, podendo facilmente desviar sua atenção das conexões lógicas entre os elementos sobre os quais pondera, e então se desvia. Cada qual dos filósofos tem seus motivos pessoais de desatenção: limitações da capacidade de pensar, influências da imaginação, preferências temperamentais, pressões culturais, tradições religiosas, interesses pessoais, etc.

Ora, por uma solicitação, ora por outra, e assim por outras e outras, vai se perdendo o filósofo no enredado descaminho da grande cidade do espírito. Este fato desacredita bastante aos filósofos, profissionais ou não profissionais (pois todo o ser humano é um filósofo), mas não deve desacreditar a filosofia em si mesma, porquanto sem ela não é possível viver.

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A história da filosofia em geral e dos filósofos individualmente mostra como em cada momento a luta do pensamento racional tentou caminhos. Sobre a mesma questão somente um poderá ser o caminho verdadeiro, e muitos os falsos. Mas antes de se decidir sobre qual o verdadeiro, todos os caminhos se apresentam como hipóteses a examinar.

Tanto o caminho verdadeiro, como os caminhos falsos, tiveram todos o seu momento de importância. Por isso, por mais desencontrados caminhos se apresentem ao historiador, todos eles oferecem um instante útil. Mesmo depois de se definir a diferença entre a hipótese verdadeira e as falsas, estas outras continuam tendo a condição de históricas. Tudo aquilo que hoje se considera definitivamente reduzido ao mito, continua tendo sua validade histórica, porque algum dia foi tomado como verdade.

Cada um de nós, ao tentar o seu próprio caminho, andará mais seguro, se perguntar como têm andado os outros, que em nosso tempo, quer no passado.

Neste sentido útil - conhecer aos caminhos dos outros para saber caminhar melhor, - uma Enciclopédia de História da Filosofia apresenta aos filósofos individualmente, cuidando de suas biografias, orientando-as no sentido de facilitarem a compreensão do seu pensamento. Neste sentido, coloca em primeiro lugar a biografia propriamente dita do filósofo, para imediatamente nomear seus escritos.

Finalmente, visando já a filosofia em si mesma, o filósofo tem de ser enquadrado dentro de um sistema de pensamento, ao qual ele seguiu e ao qual promoveu.

48. Seleção. Dado o grande número de filósofos,- porquanto todos devemos

ser filósofos, e os que chegam a um certo destaque são numerosos, - impõe-se uma seleção ao se tratar de uma história da filosofia a partir deles.

Os critérios então se apresentam os mais variados, porque os filósofos se destacam pelos mais diferentes motivos, - uns pelo valor da verdade atingida, outros pela quantidade de escritos, outros pela influência eventual, outros pela aceitação subjetiva dos seus apreciadores, e assim por diante.

Portanto, a seleção far-se-á pela eliminação pura e simples de nomes menos significativos, com a manutenção de outros, chamados principais.

Dadas as dimensões de uma enciclopédia, poderá ela apresentar um número considerável de filósofos, devendo pois discriminá-los entre si pela maneira como são apresentados.

Os critérios de seleção deverão ser, antes de tudo objetivos, mas não sem alguma atenção aos subjetivos. Entre os critérios objetivos coloca-se em primeiro lugar o valor intrínseco do pensamento conduzido pelo filósofo.

O tratamento da filosofia se condiciona bastante pelo sucesso com que os próprios filósofos a conduziram, quer pela força do valor intrínseco de suas ponderações, quer por outras eventuais forças de influência para levar os leitores ou ouvintes a convicção. Dali a importância da história individual de cada filósofo, e com isso da história da filosofia em geral.

Também é critério objetivo a influência que um filósofo exerceu, qualquer seja o seu valor intrínseco. Esta influência no desenvolvimento da filosofia poderá ter ocorrido apenas em seu país e então é suficiente para determinar sua inclusão. Entretanto o valor intrínseco é sempre o maior.

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Eventualmente, a importância dominadora de uma língua e o poder propagandístico de suas editoras poderá ter dado maior destaque e influência a filósofos de pensamento inferior; ainda então sua influência foi também objetiva, mesmo que o valor intrínseco seja menor ao de filósofos menos propagados.

O critério se torna subjetivo quando o eventual redator de uma enciclopédia, situado em determinado país, ou no campo de uma determinada língua, se interessa por isso mesmo pelos filósofos de seu país e de sua língua.

Importante critério subjetivo é o pedagógico, em virtude do qual cada país dá maior texto aos filósofos de seu país e de sua língua nacional; neste campo se colocam a maioria das enciclopédias filosóficas, as quais, portanto, não são antes de tudo objetivas.

Também é subjetivo o critério que elege em função a ideologias, que são frequentes no plano político e religioso. Por último, importa ainda o critério subjetivo, pelo qual se tornam presentes filósofos de todos os países.

Uma enciclopédia, ao tratar dos filósofos individualmente, obedece antes de tudo a um critério objetivo, evitando portanto as acomodações pedagógicas e os interesses ideológicos. Procura aos filósofos pelo seu valor intrínseco e pela sua atuação no desenvolvimento da filosofia. Por menos significativos que sejam os pensadores de alguns países, importa lembrar alguns deles, para que o panorama dos filósofos se apresente universal.

O modo de apresentar aos filósofos variará, a fim de que se revele a diferença entre o grande filósofo e o pequeno; este modo de apresentar pode revelar-se na maior extensão de notícias para os mais significativos e mais breve para os que o são menos. Mas este procedimento nem sempre se torna adequado, sobretudo quando a vida do filósofo foi menos complexa, ou as notícias a seu respeito são poucas.

Para avaliar se podem usar expressões que expressamente digam: "filósofo notável", "psicólogo famoso", "historiador criterioso da filosofia", "principal filósofo de seu país", ou ainda "chefe de escola".

Com referência a colocação doutrinária merecerá destaque o situamento gnosiológico do autor, porquanto ela condiciona o restante.

IV – Em especial sobre a história da filosofia por países. 0335y050 51. Com referência à história da filosofia por países, ela importa porque as

circunstâncias destes influenciaram a própria filosofia, como também inversamente a filosofia os influiu.

Além disto, a filosofia é um interesse dos respectivos países, e então importa mais uma vez conhecer qual o efetivo desenvolvimento alcançado em cada um.

Assim sendo, uma Enciclopédia de história da filosofia introduz verbetes especiais para a filosofia por país, e em casos especiais examina os sistemas filosóficos referenciando-se aos países em que tiveram maior desenvolvimento.

Ainda que a história universal da filosofia seja o objetivo final pleno, todo o universal se justifica a partir das unidade concretas dos países e finalmente dos indivíduos que filosofam.

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Dentro desta maneira de ver, a história universal da filosofia supõe a história especial, por países, inclusive por filósofos tratados individualmente.

Sobre o desenvolvimento didático da história da filosofia de um país há a atender como criar os artigos introdutórios, e depois como desenvolver a mesma história da filosofia deste país.

52. Artigos introdutórios. Didaticamente é possível distinguir entre

exposições introdutórias (ou artigos) à filosofia de um país, e a história efetiva da filosofia deste país.

São introdutórios artigos de caráter geopolítico mais gerais, depois geopolíticos mais específicos:

- 01. Generalidades: denominação, índice, bibliografia, mapas, figuras, aspectos geopolíticos mais gerais;

- 02. Línguas usadas no país pela filosofia. 03. etnia - 04. religião; - 05. Estado independente e história. - 06. Universidade e instituições filosóficas; - 07. Historiadores do pensamento e filosofia do país e da filosofia em geral; - 08. Resumo da história da filosofia do país]. - 09. Nominata numerada de filósofos; Antecipam-se os artigos introdutórios ao texto pleno sobre a filosofia do país,

o qual atende ao desenvolvimento sistemático do todo; para este fim utiliza a numeração de -10 em diante; mas até -039 para o desenvolvimento sistemático da história da filosofia do país em geral; dali para a frente, até -99, quando for o caso, para o desenvolvimento por região, Estado e cidade.

Alguns detalhes sobre os artigos, começando pelos introdutórios, merecem atenção.

53. Generalidades: denominação, índice, bibliografia, mapas, figuras,

aspectos geopolíticos. Neste quadro importa particularmente o texto geopolítico, porque apresenta

preliminarmente o panorama geográfico (dimensão territorial) e humano (população), dentro do qual a filosofia aconteceu e continua acontecendo, dele sofrendo externamente as influências.

Este texto tem ainda o objetivo didático de ordenar a linguagem, integrando o país tratado, sobretudo seus nomes topográficos, no cotidiano de quem passa a estudar sua filosofia.

54. Idioma. Certamente o idioma influencia o pensamento filosófico, às

vezes para personalizá-lo, outra vez para prejudicá-lo. É o idioma geralmente uma criação da sabedoria popular. Todo o idioma

nacional costuma ser folclórico. Com o evolver da cultura, emerge do idioma a linguagem

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científica e o vocabulário filosófico. Finalmente a língua pode ser racionalmente planejada, como é o caso do Esperanto.

O termo idioma se refere melhor ao fenômeno folclórico da fala regionalizada, do que o de língua; por isso o texto geopolítico usa dizer idioma oficial e não língua oficial.

Adverte-se para a língua, ou línguas em que, no país, se escreve a filosofia. Por exemplo, a filosofia em francês no Canadá, ao lado da filosofia em inglês; ou ainda o exemplo da Bélgica, com filosofia em francês e em flamengo.

Ocorre ainda a presença do latim, ao lado da língua nacional. Crescerá o uso da língua internacional Esperanto, e que em diferentes países

já conta com textos filosóficos. 55. Etnia de muitos modos influenciou, no passado, a estrutura cultural de

um povo, inclusive de sua agressividade e estupidez, não raro confundida com patriotismo. Pode a etnia predeterminar o idioma, a religião, o Estado nacional; decorre

dali dever-se estar atento à etnia, quando se estuda a filosofia de um país. Estas atenção deve ir sobretudo para o passado, que ficou sendo um fato histórico definitivo. Mas no futuro já não terá a mesma importância, dada a globalização da humanidade, inclusive das etnias.

56. Religião. No passado a religião resultou da crença fácil em interpretações

deficientes de fenômenos não bem conhecidos. Mais uma vez nos encontramos diante de um fenômeno folclórico, porque resultante da limitada sabedoria popular.

Todavia, a partir da religião popular emerge a progressão teológica e finalmente parte considerável da filosofia. A história da filosofia de qualquer país sempre foi condicionada pela religião, sobre a qual importa por conseguinte uma informação geopolítica.

57. Estado independente e história nacional. Completa-se a informação

geopolítica, advertindo para o país como unidade independente, isto é, como Estado, e que tem uma história no curso do tempo, mais acidentada para alguns povos, mais longa e estável para outros. Importa atender a partir de quando as nações atuais vivem e crescem com independência política e esforço de desenvolvimento, inclusive no campo da filosofia.

No passado, quando se punha o conceito de nacionalidade acima do de humanidade, prevaleceu o maquiavelismo das razões de Estado, provocando-se as guerras de conquista. A mentalidade colonialista fez com que os países melhor sucedidos subordinassem outros, em vez de operarem pela cooperação. Muitos povos tiveram sua independência interrompida e o seu desenvolvimento afetado.

Paradoxalmente, o colonialismo, apesar dos efeitos negativos da interrupção da independência, provocou quase sempre também o desenvolvimento, o qual continua depois da independência com impulso ainda maior. Isto aconteceu principalmente quando o povo dominador era notoriamente mais evoluído, e portanto capaz de transferir algo.

Quando se faz história pura e simples, se evita quanto possível o julgamento valorativo; evita-se também aqui, quanto possível, vituperar as ações dos poderosos agentes do colonialismo.

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Aliás todos os povos, ora na posição de vencidos, ora na de vencedores, têm tido um passado de vilania. Mesmo quando vencidos, tenderam voltar para o que eram, - vilões predadores uns dos outros. O que importa saber na história do desenvolvimento, é a diferença de que uns têm sido mais capazes que outros em dar ao seu colonialismo algum progresso ao país colonizado.

Os grandes conglomerados colonialistas foram sucessivamente sendo implodidos uns pelos outros. Quando implodiram os últimos, as nações modernas adquiriram sua independência, ao mesmo tempo que passaram a cuidar de sua interdependência com instrumentos mais democráticos.

As regiões de um país (Estados, Províncias, Territórios) e grandes cidades poderão receber também seus respectivos artigos, em que as informações seguirão o caminho similar ao que foi seguido pela unidade nacional.

A abordagem da filosofia em um Estado federado, ou e uma província, ou em uma cidade terá apenas variações didáticas secundárias, mas que podem ser suficientemente significativas, para serem consideradas pelo historiador.

58. Universidade e instituições filosóficas. É na universidade que se ensina a

filosofia. Foi pela Universidade que a filosofia rapidamente se instalou, a partir do século 19, em todos os países do mundo, e o respectivo pensamento nacional passou do seu estágio folclórico ao nível crítico.

Em cada país a universidade teve uma origem e desenvolvimento que determinaram profundamente a historia de sua filosofia e do pensamento crítico em geral.

As instituições filosóficas se configuram na forma de academias e sociedades de filosofia, revistas de filosofia e edições de livros de filosofia, nos eventos como congressos de filosofia. Por estes instrumentos se mantêm a filosofia, que se torna fermento catalisador do pensamento em geral.

Importa ainda abordar a legislação sobre o ensino da filosofia no país. 59. Historiadores da filosofia. Em filosofia por países importa uma alusão

aos historiadores da filosofia nele praticada. Adicionalmente, ainda, se pergunta por aqueles que, pertencendo à

comunidade filosófica do país, também trataram da história da filosofia em geral. 60. Resumos. São úteis os resumos de filosofia, porque informam

didaticamente sobre um todo maior a ser alcançado por etapas. 61. Nominata numerada dos filósofos de cada país. O conhecimento

perfeito é claro com referência ao objeto em si mesmo e distinto, enquanto distingue dos demais. Assim sendo, importa, no estudo da filosofia por países, quais foram os filósofos de uns e de outros.

Neste sentido, didaticamente, convém formar a nominata numerada dos filósofos de cada país. Importa ainda apresentar estes nomes completos (nome e sobrenome), ordenados também em sequência puramente cronológica de nascimento.

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Os nomes dos filósofos podem aleatoriamente ser acompanhados de títulos, como rei, papa, conde, dom, frei, professor (prof.), denominação da ordem religiosa (por exemplo SJ, OP. OFM), - o que tudo pode sugerir do contexto em que se encontram.

Na sequência cronológica em que os filósofos se encontram, é possível também redividi-los por milênio, século e mesmo por década. Importam sobretudo os séculos que se ligam à divisão por época: antiga, medieval, moderna.

A nominata numerada dos filósofos pouco se refere à qualificação na ordem da importância.

62. Sobre a história efetiva de um país. Concluído o trabalho introdutório à

história da filosofia de um país, vem finalmente a sua efetiva história. O texto de uma história da filosofia por país tratará da mesma como um

acontecimento geral, e logo a seguir como se regionaliza. No início de cada caso importa um título costumeiro Origens da filosofia no

país... e respectivamente Origens da filosofia na região... Com referência à capital do país, terá ela ordinariamente primazia no

tratamento regionalizado. Um grande Estado federado (por exemplo, Estado de Nova Iorque), é tratado

no mesmo molde como um país: generalidades, Universidades e Instituições filosóficas, etc. O estudo regionalizado poderá ser omitido quando o país é de extensão

reduzida. 63. Com referência aos movimentos filosóficos em um país, eles se

distinguem uns contra os outros, por exemplo, entre racionalistas e empiristas, entre realistas e idealistas.

Cada um destes movimentos possui uma história interna, a qual importa também determinar. Por exemplo assim, o kantismo no Brasil; o cartesianismo em Portugal; o krausismo na Espanha.

Outra vez citados nominalmente, os filósofos não são agora destacados pela sua posição cronológica, mas pelo que defenderam.

64. Quando o filósofo nasce em um país e atua em outro, poderá ser arrolado na lista dos filósofos do seu país do nascimento; mas quando o filósofo teve especial atuação em outro país, poderá arrolado mais uma vez neste outro país.

Transformações geopolíticas podem obrigar à referências especiais. Se for o caso de uma cidade suficientemente conhecida, poderá bastar o nome desta. Por exemplo, Heráclito de Éfeso, em vez de Turquia. Kant, nascido em Koenigsberg, em vez de nascido na Rússia, país para o qual foi passada esta cidade depois da guerra de 1939-1945.

Dada a proximidade entre a filosofia por países e a filosofia por filósofos individualmente, a flexibilidade dos arranjos didáticos e editoriais permite ordinariamente duas formas fundamentais de filosofia por país:

- Filosofia de um país, sistematicamente (sem os filósofos individualmente); - Filosofia de um país, acrescida dos filósofos individualmente.

A primeira forma, a sistemática, se refere aos filósofos apenas eventualmente, conforme forem operando no processo de desenvolvimento da filosofia em seu país. Neste

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caso aparecem principalmente quando indicados como representantes de escolas e correntes filosóficas.

A segunda forma destaca aos filósofos, os quais são por isso tomados individualmente.

65. Importa advertir ainda para o caráter acumulativo da filosofia por países. Ordinariamente os países se justapõem, quase sempre como se um nada tivesse a ver com o outro.

Concluído o estudo da filosofia em determinado país, segue logo o de outro, como se fosse outro livro.

Em cada modalidade, distinguem-se ainda as dimensões: o mesmo texto, ora em resumo, ora em redação ampla.

66. Finalmente a filosofia se torna um fenômeno globalizado.

Descentralizada, passou a ser universal, cada vez menos européia, ainda que também européia e com mérito europeu.

O fenômeno da globalização teve início com a descoberta das novas vias marítimas, mas ocorreu principalmente quando as comunicações se tornaram muito frequentes, sobretudo rápidas, pela via eletrônica.

Contudo, apesar da globalização homogeneizante, a filosofia de cada país é ainda a filosofia daquele país. Assim como os indivíduos humanos, praticamente iguais, são pessoas distintas, também os países, mesmo depois de totalmente unificados, são os respectivos países.

Continua pois sempre válida no futuro a história da filosofia por países.

ART. 3-o. UTILIDADE DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA. 0335y068.

69. Para que serve a história da filosofia? Efetivamente o saber também pode

ser útil, mesmo a filosofia, muito mais que de ordinário estamos habituados a julgar. Importa considerar a questão primeiramente sob o ponto de vista meramente

temático, portanto do objeto, ou da matéria tratada; esta, na filosofia, e portanto também na história da filosofia, é certamente eminente.

Depois importa considerar também a filosofia, e assim também sua história, no contexto geral de todas as ciências.

Por último há ainda a considerar a história da filosofia sob o ponto de vista subjetivo, como mestra da vida.

70. Eminência do tema. Do ponto de vista meramente temático, a filosofia, e

portanto também a história da filosofia, é certamente eminente, - conforme já foi proposto. Decorre, evidentemente, a importância da história da filosofia diretamente da

natureza de seu objeto material, ou seja, da natureza daquilo que ela trata, a filosofia.

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O pensamento filosófico é efetivamente muito significativo, não podendo ser colocado em nível inferior ao pensamento científico, apesar da importância prática também deste para o desenvolvimento humano.

E nem é a história da filosofia inferior à história dos acontecimentos políticos, não obstante à relevância destes últimos.

71. Validade como saber absoluto e como saber em relativo às demais

ciências. Do ponto de vista meramente formal de ciência, a história da filosofia é interessante em si mesma (como saber absoluto) e interessante para as demais ciências (como saber relativo, em função às outras ciências).

Primeiramente importa destacar que, a história da filosofia é útil como saber absoluto. Sem a história nada se saberia do túnel do tempo, no qual desde sempre teria existido algo, sem se sabermos disto.

Como é interessante saber como nós mesmos pensávamos antes. Igualmente assim é interessante sabermos de como outros pensaram, até mesmo porque seu pensamento atuou sobre nós, em termos de aprendizado.

A erudição dos homens chamados sábios se manifesta pelos muitos conhecimentos na área da história da filosofia.

72. A história da filosofia é também útil em relativo, porque umas ciências completam as outras. Ainda que em primeiro lugar tenha que ser vista como um saber absoluto, em si mesmo, determinando simplesmente como se filosofou no passado, - a história da filosofia admite ainda, tal como acontece com qualquer outra ciência, ser apreciada por uma série de outras vantagens, e que determinam sua utilidade, inclusive força de mercado.

Considerando globalmente a utilidade do saber, importa advertir para a utilidade funcional de qualquer uma de suas espécies. Considerando que as ciências separam por abstração aquilo que em concreto forma um só todo, cada ciência tem como utilidade a de comparecer como uma em meio de muitas. Neste sentido, as ciências filosóficas completam as ciências positivas, como estas, as positivas, completam as filosóficas.

Pela sua utilidade funcional, umas ciências completam as outras. Efetivamente, as ciências se dividem por abstração. Mas não devem no plano concreto do saber as partes abstratas se manter sempre isoladas.

73. As diferentes soluções alcançadas pelo pensamento, e que a história da

filosofia apresenta, servem também como hipóteses, que no presente se podem continuar a examinar, com novos recursos e novas atenções.

Metodologicamente, o saber sobre coisas complexas, ocultas e difíceis tenta o caminho da hipótese mais provável. Ora, cada filosofia apresentada pelos muitos filósofos poderá ser vista como diferente hipótese a examinar. Muitos filósofos divergentes entre si são, sob este ponto de vista, representantes também das correspondentes hipóteses.

O conhecimento, de que historicamente houve muitas opiniões divergentes, nos adverte que importa mais cuidado. Assim procedendo a partir da história, a filosofia metodicamente conduzida poderá ter mais chances de finalmente alcançar uma conclusão efetivamente conclusiva.

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A consequência da diversidade de opiniões faz com que se conheça de cada opinião a sua contrária, ou mesmo contraditória, com os respectivos argumentos. Saber o contrário já um começo do conhecimento.

Didaticamente o estudo da filosofia se tem valido muito de uma introdução histórica ao tema.

Já usou Aristóteles vastamente o método. Considerando ainda que muitos textos citados e informações das se perderam, o hábito didático de Aristóteles ainda salvou aqueles textos, além da informação.

Através do tempo se tornou cada vez mais utilizada a introdução histórica aos temas postos em discussão.

74. Mestra da vida. Há ainda uma razão subjetiva pela qual a história da

filosofia se apresenta muito importante, - a dificuldade do filosofar. Quem, portanto, como um grande filósofo, conseguiu este alto pensamento, - tem algo importante, que somente a história adequadamente transmite.

Geralmente a história é vista como mestra da vida, isto é, como capaz de mostrar onde efetivamente se encontra a verdade. Eis uma vantagem peculiar da ciência da história.

No caso da história da filosofia também ocorre o fenômeno de mestra da verdade, todavia não tão fácil de perceber quanto acontece em outros setores das realidade, como por exemplo acontece na tecnologia, logo aprovada pelos bons resultados.

Distinguindo entre filosofia e história da filosofia, vamos à constatação que sobretudo para o estudo da filosofia serve bastante a história. Ainda que a história da ciência experimental muito ajude à mesma ciência experimental, não há proporção desta vantagem, com a imensa vantagem que a história da filosofia oferece à mesma filosofia, por causa do caráter particular desta, muito abstrata e de fácil erro por inadvertência.

O pensamento é variável, criando um desenvolvimento mais oscilante que a ciência positiva, o que lhe dá mais historicidade. Para desenvolver a ciência positiva talvez não seja tão importante conhecer o seu passado, do que para entender a filosofia. Muito mais que na ciência, o estudo da filosofia depende de sua história. Para compreensão mais profunda da razão subjetiva pela qual importa a história da filosofia, passemos ao conceito mesmo de filosofia, definindo-

ART. 4-o. HISTÓRIA DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA. 0335y075.

76. Por acréscimo didático e pedagógico é uso fazer-se um pouco de história

da ciência à qual se faz uma introdução. No caso, o que se faz aqui é uma história da ciência da história da filosofia .

Paradoxalmente, a história da história da filosofia não é história da filosofia, mas a história de uma outra história.

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O objeto da história da filosofia é a filosofia, a qual é de ordem meramente racional. Diferentemente, a história da história da filosofia tem por objeto uma outra ciência, a qual é positiva e não filosófica.

Através do tempo se acumularam os fatos da filosofia, como também os estudos sobre estes fatos se acumularam. Em consequência a historiografia da filosofia teve razões para atingir grande vulto.

A história da história da filosofia como disciplina oferece destaques desde a antiguidade, mas sobretudo nos tempos modernos. Mesmo que a filosofia antiga tenha uma grande história, esta foi feita sobretudo pelos modernos, ao sujeitarem os seus fragmentos e livros a uma análise mais exaustiva.

77. O Pai da história em geral foi o grego Heródoto, do 5-o século a.C., e o

foi também do pensamento pré-helênico de seu tempo. Especificamente sobre a filosofia pré-socrática restam os fragmentos e

doxografias (vd), muitos dos quais estão diretamente citados já por Platão e Aristóteles. Mas, foi Teofrasto, sucessor deste último, que principiou uma história; mais sistemática da filosofia antiga (vd 131).

No curso do período pós-socrático muitos escreveram Vidas dos filósofos, de que resta sobretudo a coleção de Diógenes Laércio (vd), da primeira metade do terceiro século.

Passaram estes escrevinhadores a ser conhecidos como doxógrafos (= escritores de opiniões), e que tiveram seu nome formado a partir de uma obra de M L F 4 6 ä < * ` > " 4 (= Sobre as opiniões dos físicos).

Do reexame de todos estes elementos, realizada por Hermann Diels (1848-1922), resultou o livro que serve como texto básico para citações Doxografi graeci (= Doxógrafos gregos, 1879).

78. Na Idade Média ocorreram mais alguns desenvolvimentos da história da filosofia. Mas ainda não o foi deste tempo o estudo da história. Os escritores antigos continuaram ainda a ser lembrados mais ou menos ao modo das sucessões biográficas realizadas pelos antigos, sem maior aprofundamento e visão de sínteses gerais.

Cita-se como principal realização deste gênero, uma obra de G. Burleigh, realizada na primeira metade do século 14, e por isso já no período final da Idade Média, quando já ocorre a tendência para as ciências positivas, - De vitis et moribus philosophorum (Da vida e dos costumes dos filósofos).

O livro de Diógenes Laércio, que serviu aos modelos medievais, foi impressa em 1497, a primeira vez.

79. Sobretudo os modernos passaram ao estudo da história da filosofia como

saber didaticamente organizado e metodicamente conduzido. Já adentradamente nos tempos modernos surgiram os trabalhos significativos

do alemão Jacob Brucker, nascido e falecido em Augsburgo (1696-1770), professor em Iena, e finalmente Pastor em sua cidade natal.

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Publicou: História philosophica doctrinae de ideis, 1723; Historia critica philosophiae a mundi incunabilis ad nostra usque aetatem deducta, em 5 vols., Leipzig,1742-1744.

Em consequência foi considerado o iniciador da propriamente dita história da filosofia.

Em função à Brucker e outros fatores de desenvolvimento das ciências, novos tratados de história da filosofia apareceram, inclusive com outras e outras diretrizes.

Umas são mais idealistas, inspiradas em Hegel, outras mais empiristas ou positivistas, sob o signo de Comte, ou ainda sob a influência do filósofo dos valores, Wilhelm Windelband.

Mas todas buscam sínteses gerais, mostrando esquemas que comandam história temporal das idéias filosóficas. Consolidou-se assim definitivamente a história da filosofia.

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CAP. 1 PENSAMENTO PRÉ-HELÊNICO. 0335y082.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 83. O espaço geográfico do pensamento ocidental inclui o Egito (norte da

África) e a Ásia Menor, até a Mesopotâmia e o Irã. Os povos desta região, antes dos helênicos, já haviam descoberto a escrita,

mas sem conseguir como estes sistematizações rigorosas do pensamento. Não há como examinar as filosofias orientais senão juntamente com as

religiões de cujo contexto fizeram parte. Em princípio, aliás, a religião é uma filosofia, enquanto seu ponto de partida é

uma visão geral da realidade. Historicamente, porém, as religiões costumam logo deixar-se dominar pelas explicações mágicas e pelos visionários, convertendo-se em pensamento não crítico.

Didaticamente ficamos diante do esquema seguinte: 1. Pensamento mesopotâmico: de Sumer e Babilônia (vd 0335y088); 2. Pensamento egípcio (vd 0335y098); 3. Pensamento judaico antigo (vd 0335y108); 4. Pensamento da antiga Pérsia, ou Irã. Zoroastrismo (vd 0335y115). 84.. Em uma religião, - do ponto de vista da filosofia da religião, -

distinguem-se três perspectivas: - materialmente, a religião é o conjunto de doutrinas em que se apóia, tais

como as noções de Deus, alma, natureza; - objetivamente (ou essencialmente, ou formalmente), a religião é o culto; - subjetivamente, a religião é a prática deste culto. 85. Do ponto de vista filosófico e da história das idéias filosóficas, é claro que

o aspecto material da religião é o que agora mais importa. Aquele conjunto de doutrinas em que se apóia é, em grande parte, filosófico.

Sem Deus e sem conceituar o mundo como criatura não há um sentido verdadeiramente religioso. Além disto, as variações dos conceitos a este respeito podem dirigir para horizontes mui diversos as religiões. Os orientais em geral têm uma propensão mais panteísta e os ocidentais mais teísta, o que notoriamente diferencia suas religiões.

Aspecto frequente nas religiões, sobretudo as populares e tradicionais, é o seu sobrenaturalismo. Este caráter pode, de outra parte, diminuir a ênfase filosófica, mais peculiar às religiões naturalistas.

Nas religiões sobrenaturalistas, os fatos relacionados às revelações criam um elenco episódico notavelmente grande, em que a participação dos visionários e místicos é considerável. O sucesso destes é garantido pela crença fácil da massa dos simples, os quais admitem como sobrenaturais fenômenos brotados do subconsciente dos indivíduos excepcionais.

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Enfim, a moral, sobretudo das religiões primárias, tem grande impacto na conduta dos seus seguidores. Trata-se também aqui de um elemento de fundo filosófico.

Nas religiões primárias a mundivisão, em decorrência do antropomorfismo, se concentra na justiça e na recompensa, porquanto Deus é visto como um régio senhor a administrar seus servos. Ou ainda na idéia de purificação pelo sofrimento, sobretudo no caso da metempsicose.

86. Importa uma história comparada das religiões e mesmo sua capacidade

de diálogo, no sentido de um comum interesse pela religião. Mais distantes do Ocidente estão as religiões e filosofia da Índia, -

Bramanismo e Budismo, - e da China, - Taoísmo e Confucionismo. As comunicações modernas abriram suas influências sobre os países ocidentais e destes sobre os orientais.

Já na antiguidade ocorrem as influências sobre o Ocidente helênico-romano das religiões mesopotâmicas, egípcias e persas.

É especial o fenômeno judaico e cristão. Suplantando espetacularmente a mitologia grega e romana, as religiões orientais assumiram, em determinado momento da história, uma função importante na mentalidade popular do mundo helênico-romano.

Razões várias contribuíram para este acontecimento. Entre outras estava estão os sincretismos gerados pelo orfismo, pitagorismo e neopitagorismo, platonismo e neoplatonismo, bem como o enfraquecimento da mitologia grega pelos ataques realizados pela própria filosofia grega.

O fenômeno judaico cresceu a partir do período helênico-romano inaugurado por Alexandre Magno; este em seu curto reinado de 336 - 323 a.C., alterou a fisionomia política da antiguidade e produziu as condições de um processo de sincretismo substancial.

Mais tarde, ao estabelecer-se o ativismo dos cristãos, este, melhor que o judaísmo, se adatou ao meio. Assumindo vastamente a fisionomia do paganismo, ganhou o controle da situação sob o imperador Constantino, no início do 4o século.

ART. 1o. PENSAMENTO MESOPOTÂMICO: DE SUMER E

BABILÔNIA. 0335y088.

89. As mais remotas raízes da tradição cultural e religiosa do Ocidente se

situam na Mesopotâmica, às margens do rio Eufrates e rio Tigre, onde floresceram inicialmente os sumeros, os babilônios e os ninivitas.

Praticamente ao mesmo tempo se desenvolveu a civilização egípcia, no vale do rio Nilo.

Estes povos inventaram a escrita, através da qual deixaram em documentos, a expressão de sua cultura e ideologia.

Alguns reflexos se transmitiram até os primeiros escritos bíblicos. Estes, embora não sejam de conteúdo original, servem de texto comparativo no estudo do que ainda resta de notícias sobre o segundo e terceiro milênios antes da era cristã.

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90. Sumeros é o nome que se deu ao povo pré-semítico que viveu ao sul da Mesopotâmica, com uma história que vem dos remotos 5000 anos antes de Cristo e perdura até 2000. Viveram em cidades, cujos nomes se conservaram: Sumer (de onde foi tomado o nome Sumeros), Akad, Uruk, Shurupak, Lagash, de cujos reis se conservaram estátuas e inscrições.

Por volta do ano 2800 a.C. entraram os sumeros a exercer a escrita. Superaram então também a fase neolítica e passaram a utilizar os metais.

Superados, cerca do ano 2000, pelos semitas, em especial pelos babilônios, permaneceu todavia a cultura sumeriana, porquanto algumas de suas narrativas foram traduzidas ao semítico. Também a língua dos sumeros conservou na liturgia.

91. Os templos sumeros tinham a forma de torres volumosas, com acessos

externos, com altar no topo. Este modelo de templo denominado Zigurat, se transmitiu aos babilônios.

A Bíblia judaica transcreveu um episódio referente à construção da torre de Babel (isto é, de Babilônia) (cf. Gênesis 9, 1-9). A esta torre também se referiu Heródoto, que a viu pronta, no 5-o século a.C., e a descreveu.

92. Os dez reis fundadores dos sumeros teriam reinado milhares de anos e sua

história apresenta feições míticas e sobrenaturalistas. Estes episódios, descritos por textos mais antigos, lembram outra vez as

narrativas bíblicas sobre os patriarcas de alta longevidade e relacionados de perto com a divindade.

Entre estes um é o fabuloso herói sumero do dilúvio, de nome Ut-Napishtim. Como se sabe, o seu correspondente bíblico, conforme narrativa mais recente, é Noé.

93. O poema de Guilgamesh, que narra sobre o dilúvio, cerca de 200 linhas,

remonta aos séculos 17 e 18 nas versões babilônicas; fragmentos sumeros conduzem a narrativa para uma antiguidade ainda mais alta.

O texto bíblico, mais recente, é de cerca do século 8-o, ou 7-o a. C. , ainda que se refira a acontecimentos mais antigos.

A narrativa do dilúvio, dos sumeros, coloca em cena o herói Guilgamesh, um rei de Uruk. Este, em busca da imortalidade, procurou Ut-Napishtim, ao qual ela havia sido concedida.

Encontrando-o, este lhe conta a respeito do dilúvio, do qual se evadira pela construção de uma arca, em que também colocou os animais. Não faltou o episódio do pombo, que foi largado no sétimo dia.

Quanto ao efetivo dilúvio, as escavações revelaram que ele ocorrera na forma de grande inundação pela volta do terceiro milênio, sem as dimensões fantasiosas das narrativas, geradas depois. Poderia efetivamente ter dado motivo para as narrativas heróicas, do tipo Ut-Napishtim e Noé.

De outra parte se sabe hoje, pelos achados antropológicos, que o homem sobre a face da terra data de milhões de anos atrás e que sua origem não teria sido na Mesopotâmia, mas provavelmente no centro-sul da África.

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94. Babilônia, cidade principal da Mesopotâmia e fundada por volta de 2350

pelos habitantes de Akad, foi herdeira e retransmissora da cultura dos sumeros. Destacou-se o rei Hammurabi (c. 1728-1686), que unificou amplamente o

mundo mesopotâmico. Procede ainda de Hammurabi um antigo código de leis. Seu texto de 282

preceitos foi reencontrado em Susa (1901-1902), numa estela cilíndrica em diorito, conservada no Museu do Louvre. Codifica a jurisprudência de seu tempo, já que resultou de um reino de cidades unificadas.

No alto da estela se apresenta o deus Shamash transmitindo ao rei as leis. Esta figuração é indicativa do conceito de que o poder político vem do alto. Semelhantemente dirão depois os judeus, que sua lei foi recebida por Moisés, no alto do Sinai, diretamente do Deus Javé.

Ainda que existam fragmentos pouco mais antigos que o código de Hammurabi, eles expressam apenas uma legislação local.

É, pois, o código descoberto em Susa a mais antiga importante fonte do direito, inclusive com influências sobre os judeus, como se observa na legislação mosaica.

95. Enuma-Elisch, poema babilônico denominado pelas suas primeiras

palavras e encontrado em 1875 na biblioteca do rei Assurbanipal, é o mais importante documentário sobre a origem do mundo, ao modo como o entendiam os babilônios. Poderá expressar as idéias mais antigas dos sumeros, dos quais teriam sido herdadas pelos semitas.

Nas origens existia um caos aquoso, de duas entidades, masculina e feminina (o velho Apsu, como um oceano primordial e Tiamat, personificação do mar).

Criados os primeiros deuses, opõem-se estes ao velho Apsu. Tiamat resiste aos deuses, criando onze monstros horríveis.

Marduk, o mais inteligente dos deuses, venceu a Tiamat, e construiu o mundo com o corpo desta, separando a terra e o firmamento do céu.

Texto inicial do Enuma-Elisch; "Quando no alto não se nomeava o céu, e em baixo a terra não tinha nome; do oceano primordial (Apsu), seu pai, e da tumultuosa Tiamat, a mãe de todos, as águas se fundiam numa, e os campos não estavam unidos uns com os outros, nem se viam os canaviais; quando nenhum dos deuses tinha aparecido, nem eram chamados pelo seu nome, nem tinham qualquer destino fixo, foram criados os deuses no seio das águas. 96. Texto sobre a formação do mundo por Marduk com o corpo de Tiamat

vencida:

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"Divide a carne monstruosa, concebe idéias artísticas. Despedaça-a como um peixe nas suas duas partes. Instalou uma das suas metades, cobrindo com ela o céu. Colocou o ferrolho; pôs um porteiro e ordenou-lhe que não deixasse sair as águas".

Segue a criação dos luzeiros do céu, formação dos dias e finalmente do homem, como servidor dos deuses. O modelo criacionista babilônico se refletirá sobre as cosmogonias posteriores, com as adaptações e melhorias peculiares aos tempos em curso.

O paralelismo com o Gênesis bíblico também é evidente.

ART. 2o. PENSAMENTO EGÍPCIO. 0335y098.

99. A importância da civilização e da religião do Egito, na história do

pensamento, está em haver transmitido cedo influências sobre os judeus (de procedência mesopotâmica) e sobre os gregos (fundadores da civilização ocidental).

Os egípcios haviam alcançado uma adiantada cultura neolítica já pelo ano 5000 a. C. Por volta de 3000 a.C. se instituem as dinastias, que unificam politicamente o Egito, ao mesmo tempo que se difunde o uso dos metais e se inaugura a escrita hieroglífica.

Só depois do esplendor dos períodos chamados Antigo Império (desde 3000 a.C.), Médio Império (desde 2100 a.C.) e Novo Império (desde 1580 a.C.), aconteceu a importância externa do Egito, quando declinou politicamente e passou a se retalhar (desde 1100 a.C.). Foi o tempo quando saíram do Egito os judeus, sob o comando de Moisés (c. de 1100). Desenvolvia-se também agora a navegação, tal como entre os fenícios e os gregos, ocorrendo em consequência um comércio internacional.

Os faraós buscaram por vezes apoio no exterior, para se manterem. Os contatos e as concessões permitiram ocasião à intercomunicação das culturas. Significativamente uma das numerosas esposas do rei Salomão era egípcia. Numa tentativa de expansão, o faraó Necao II foi derrotado por Nabucodonosor, de Babilônia, em Karkemish, 605 a.C.

100. A penetração indo-européia no Egito se aprofundou, quando os persas,

que, depois de haverem conquistado Babilônia em 538 a.C., fizeram o mesmo com o Egito em 525 a.C., reduzindo-o a uma satrapia.

Desde então passaram a estar amplamente as portas das cidades egípcias à curiosidade dos estrangeiros, inclusive dos gregos. Esta facilidade se apresentou sobretudo aos da Jônia (Ásia Menor), porquanto suas cidades estiveram por muito tempo integradas no império persa.

Heródoto, pai da História, visitará o Egito cerca do ano 425 a.C., cem anos após a conquista persa, descrevendo para os gregos, em longos relatos, o que vira e o que pudera entender da religião dos curiosos adoradores de animais.

Reconquistou a terra dos faraós uma relativa independência em 404 a.C. Esta foi de novo perdida pela reconquista persa de 341, logo sucedida pela de Alexandre Magno em 332.

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101. Criada a cidade de Alexandria, nela se procedeu o cadinho das culturas do Egito e da Grécia.

Também ali os judeus desenvolveram uma literatura helenística. Traduziram a Bíblia, para o grego, dali resultando a Septuaginta, que influenciou a linguagem ocidental dos cristãos.

Os judeus alexandrinos escreveram também novos textos religiosos em grego. Alguns destes a Igreja Romana incluiu no Cânon dos livros sagrados, enquanto judeus e protestantes os dizem apócrifos. Em qualquer das formas , estes e outros livros passaram a influenciar o mundo judeu e cristão, porquanto escritos em idioma acessível e pensamento influenciado por uma cultura mais desenvolvida que a semita anterior.

O alfabeto egípcio, em uma variante fonética do Sinai, que se transpôs para a região palestinense e depois para a Fenícia, foi ser finalmente, com algumas transformações, a escrita grega e ocidental.

Um exemplo deste transformismo: a letra R representava um rosto; virado para a esquerda, era a letra fenícia original; foi o rosto virado para a direita, no alfabeto grego; finalmente recebeu a perna inclinada, no alfabeto romano.

102. A religião egípcia é inicialmente totêmica, com o culto às forças

naturais, além de sua diversificação em deuses locais. A transformação através dos milênios tornou a religião mais profunda, com

progressão do simbolismo. As potências transcendentais da religião do Egito são menos enfáticas que as divindades desenfreadas e violentas da Mesopotâmia.

Enquanto a serenidade domina nos tempos dinásticos do Egito, aumenta o caráter guerreiro dos babilônios, ninivitas e hititas, expresso em potências infernais e monstros disformes, acrescido da fé zoroástrica em um fim do mundo catastrófico da escatologia persa.

103. A divindade egípcia é concebida como tendo acima um Deus universal

e onipotente, com entidades divinas menores, masculinas e femininas, além de figuras demoníacas.

Ocorrem alterações no decorrer das substituições dinásticas sobre qual seja o Deus principal. O mesmo acontece a respeito das conceituações, ora mais, ora menos politeísta. Há também alterações nos conceitos de alma e de moral.

Destaca-se Osiris, Deus do sol noturno, senhor do mundo inferior (inferno dos mortos). Assassinado por seu irmão Set, foi ressuscitado por Isis, de quem Osiris também era irmão e esposo. Osiris é Deus dos mortos e juiz supremo.

Isis, esposa e irmã de Osiris, com este fazia o par mais importante dos deuses egípcios. O culto de Isis se difundirá no império romano assumindo aspectos análogos aos que depois adquirirá a Virgem Maria dos cristãos. Era protetora das mulheres e das crianças.

Quanto a Set, é Deus das trevas, havendo assassinado seu irmão Osiris, como já se disse.

O culto ao Sol é associado aos faraós. As pirâmides, enquanto apresentam sua face ao sol, se exercem como um apoio dos raios deste. Expressam não apenas um

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monumento funerário, mas também constituem manifestação religiosa como culto ao sol, ao qual ainda se associava o culto aos faraós.

O trabalho de construção das pirâmides não fora tão só um esforço de trabalho escravo, mas uma atividade de cunho religioso, em que participava a própria nação, inclusive com cerimoniais.

104. Um estranho associamento havia entre os deuses e os animais sagrados.

No primeiro instante este culto surpreendia aos gregos e romanos. Embora adorados num sentido totêmico e simbólico, este procedimento não era óbvio aos estranhos. Como tótens, os animais eram intimamente associados, pelas suas qualidades, aos homens.

Dali era apenas mais um passo para se chegar à simbolização dos deuses com as imagens dos animais. A deusa Hator, em figura de novilha e Anúbis, um cão de guarda, bem associavam a vivência de um povo agrícola. E assim, por razões peculiares, se tornavam símbolos, o touro, a serpente, o leão, o escaravelho, a rã, o gato, o falcão. Nesta coesão universal das coisas, até os astros do firmamento passavam a expressar a divindade.

O fetichismo, com suas práticas, encontrava nesta maneira de ver, o caminho aberto.

Que teria sido a serpente de Moisés, no deserto? Poderia ter sido senão um animal sagrado egípcio, associado a virtudes divinas.

E por que teriam os israelitas adorado um bezerro de ouro, no deserto? De novo reflexos do pensamento egípcio.

As rãs serviam de amuleto, porque expressavam a ressurreição. Supunha-se antigamente, não somente no Egito, que elas nasciam espontaneamente do limo, sem pai e sem mãe.

O simbolismo da rã passou aos cristãos, para indicar a ressurreição, conforme se induz da forma das lâmpadas da necrópole de Edfu.

Os judeus poderiam ter recebido as idéias da ressurreição, tanto do Egito, como depois, na Pérsia, ao terem contato com o zoroastrismo; todavia, mais facilmente deste último.

105. As doutrinas sobre a alma, da religião egípcia, a distinguiam claramente

do corpo, ao mesmo tempo que a relacionavam intimamente com ele. Não era a alma um espírito vindo de fora, como castigo, para se purificar no

corpo material. Tais outras maneiras de ver, que Heródoto (do 5o séc. a.C.) narra haver encontrado no Egito, ao modo dos pitagóricos, deviam ter sido doutrinas de penetração recente. Corpo e alma faziam um todo natural, ao modo quase da maneira de ver homérica. A morte era considerada uma desgraça.

A felicidade da alma, a subsistir após a morte, ficava associada à conservação do corpo.

Em decorrência desta afinidade entre corpo e alma, desenvolveram os egípcios a prática do embalsamento e a construção de monumentos funerários, como as pirâmides e as câmaras funerárias. Estas serão ainda no futuro praticadas pelo judeus, e logo também pelos cristãos, em vista da idéia da permanência da alma. Muito mais que entre os babilônios, a idéia da permanência da alma em função a um corpo era um conceito egípcio.

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106. O julgamento dos mortos, com destino determinado pelo bem ou o mal

praticados em vida, são convicções egípcias, que depois também permanecerão entre algumas seitas judias e o cristianismo.

Eis uma particularidade que por primeiro se desenvolveu na religião do Egito. O Livro dos mortos, que remonta ao Novo Império (1580 a.C.) é um

significativo documentário da crença do julgamento dos mortos. As representações pictóricas, encontradas nos monumentos, visualizam o seu conteúdo.

Osiris, como senhor da eternidade, senta-se em seu trono, com o cetro na mão. Por trás, suas irmãs Isis e Nefthys. O morto é introduzido por Maat, deusa da justiça. Há 42 juizes, representando as 42 províncias do Egito.

A crença do julgamento dos mortos persistiu entre os judeus e se transferiu aos cristãos, com alguns arranjos imaginativos. Note-se que os judeus substituem os 42 juizes pelos 12 juizes representando as 12 tribos; os cristãos, ao somarem aos 12 patriarcas os 12 apóstolos, imaginaram um tribunal de 24 juizes, e com Jesus em lugar de Osíris.

No julgamento egípcio se encontra em destaque uma grande balança, na qual o peso do coração é equiparado ao da pluma de avestruz (símbolo da verdade).

A pesagem cabe a Horus (Deus da Luz, filho de Osiris e Isis) e a Anúbis, com sua cabeça de chacal, e guardião das múmias.

O resultado é anotado sobre um papiro, por Tot, caracterizado pela cabeça de Íbis, e Senhor da Sabedoria e da Escrita.

ART. 3o. O PENSAMENTO JUDAICO ANTIGO. 0335y108.

109. O sucesso do cristianismo tornou o pensamento judaico importante no

mundo e, por sua vez também o pensamento semita primitivo, porquanto dele depende em última instancia.

Não obstante esta influência cristã, o pensamento judaico só por si mesmo já era importante, e foi mesmo inicialmente o gerador principal do próprio cristianismo.

A história inicial dos judeus apresenta o mesmo estilo heróico dos mesopotâmicos e egípcios, com seus patriarcas longevos.

A primeira figura de fisionomia histórica definida dos judeus é Abraão, de cerca de 1700 antes de Cristo, do tempo de Hamurabi. Procedente de Ur (Mesopotâmia), veio instalar-se em Canaan, depois denominada Palestina.

O texto bíblico declara que Deus prometeu esta terra aos seus descendentes. Atraída pela prosperidade do Egito, para ele se transferiu a então pequena tribo, agora sob o comando do patriarca Jacó, cognominado Israel.

No Egito prosperaram os israelitas. Ao sentirem-se com força de abandonar o Egito, tentaram rumos próprios, conquistando a partir do Sinai a terra de Canaan.

Moisés comandou o povo. Diz o narrador diz que ele recebeu de Deus, as leis. Estes sucessos datam de cerca do ano 1270 a.C., o que torna pouco fiável a narrativa datada de meio milênio após.

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As doze tribos de Israel são governadas inicialmente pelos assim denominados juizes. Instala-se o Reino de Israel por volta de 1020, sucessivamente sob Saúl, David, Salomão.

Divide-se o reino em 929 a.C., denominando-se o segundo deles Reino de Judá, referência à tribo de Judá.

O reino de Israel (10 tribos), chamado também de Samaria (nome da capital), foi conquistado pelos Ninivitas em 722 a.C.

Ligeiramente mais duradouro, o reino da Judéia (tribo de Judá), com capital em Jerusalém, foi tomado pelos babilônios em 587 a.C.

Termina aqui a fase áurea do povo de Israel, restando praticamente uma só tribo, a qual persistirá através dos tempos. Subsistiu etnicamente, amparado pela crença de que era um povo eleito e que um Messias restauraria o reino.

O cristianismo tem aspecto de reformulação desta crença (vd A fundação do cristianismo).

110. Ciro, vencendo Babilônia em 587 a.C., permitiu uma liberdade relativa

aos judeus, dos quais uns retornam a Jerusalém, reconstruindo um modesto templo, enquanto outros se difundem por todo o vasto império persa.

É importante observar que os contatos com o mundo exterior sujeitaram os judeus a influências, que uns rejeitam, tornando-se eminentemente tradicionalistas, enquanto outros as assimilam.

As novas circunstâncias persistem com as conquistas de Alexandre Magno (334 a.C.), que anexou o mundo persa, inclusive a Judéia, no esquema do mundo helênico. Em 64 a.C., tudo passará a um esquema ainda maior, o dos romanos.

Entrementes ocorria o episódio passageiro do reino dos Macabeus (164-63 a.C.), o tempo em que o reino helênico seleucida de Antióquia da Síria enfraquecia, frente à política romana, conseguiram os Macabeus a independência da Judéia, inclusive o apoio romano.

Seriam depois os mesmos romanos que engoliriam tanto a Síria como a Judéia (63 a.C.). Reino submisso sob Heródes, a Judéia foi integrada na província romana da Síria em 6 d.C. Com a revolta judaica, sob a inspiração da seita dos zelotas, a cidade de Jerusalém foi destruída em 70.

Depois disto os judeus, cultivando sempre o etnicismo, serão uma nação errante pelo mundo, mas sempre unida e influente, firmando-se finalmente mais uma vez, com a criação do Estado de Israel, em 1948.

111. Os livros sagrados dos judeus são aqueles que os cristãos denominam

Velho Testamento. Ainda que os primeiros livros se atribuam a Moisés (século 13); a análise interna dos mesmos os situa 500 anos depois.

Todavia, daquela remota época poderiam ter vindo tradições, leis, lendas, poemas, crônicas de reis e de suas guerras, e que finalmente serviram de base para a redação do texto inicial da Bíblia.

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Os cristãos católicos anexaram ao cânon bíblico obras escritas em grego por judeus de Alexandria. O cânon judeu foi fixado definitivamente em Jâmnia (Palestina) pelos anos 90 e 100 d.C.

Mas não obsta que os demais livros sirvam de fonte histórica para indicar o pensamento judaico daquele tempo ao longo dos últimos séculos da antiguidade.

Lei e os Profetas, eis uma divisão classificatória frequente dos livros do Antigo Testamento.

A Lei (ou Torah) é o título que reúne os livros mais antigos, próximos da mentalidade mosaica. Tratando-se de cinco livros, receberam posteriormente a denominação grega Pentateuco, os quais são, pela ordem: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.

Os Profetas são os livros posteriores, indicando um pensamento mais recente. Os saduceus admitiam a Lei e não os Profetas, aceitos pelos fariseus, zelotas,

essênios, cristãos. 112. O Talmud tem origem no 2o século de nossa era e reúne as tradições

orais e leis, inclusive comentários. Complementa a Bíblia judaica. A religião judaica não oferece um sistema dogmático fechado. Explica-se o

fato pela circunstância de haver desaparecido cedo uma autoridade religiosa central, muito antes da época em que as outras religiões desenvolveram sua teologia em função àquelas autoridades.

O judaísmo oscila bastante e se divide em orientações divergentes, sem que estas sejam tratadas como heréticas. Une-se em torno de Javé e de seus livros sagrados.

113. O monoteísmo é uma das principais características do judaísmo. É

todavia substituído o elenco dos deuses secundários pela presença de entidades intermediárias, como os anjos; estes crescem de importância no judaísmo posterior, após o exílio em Babilônia.

É marcante, que já houvera no Egito algumas tentativas de introdução do monoteísmo. De futuro, também os filósofos gregos insistirão numa revisão do conceito de divindade.

De outra parte, a noção de Deus, por parte do velho judaísmo, é rudimentar e antropomórfica. Sem especulação filosófica a respeito de Deus e sem cuidado em defini-lo, era vagamente concebido como um ser pessoal, quase ao modo humano, que age e fala, que tem mãos, braços, olhos, lábios, que se apresenta em certo lugar e mora nos céus, que tem preferências étnicas e que tem um povo escolhido.

A melhoria dos conceitos judaicos sobre a divindade ocorre ao se estabelecer contato com a cultura grega, apesar de odiada. Esta influência ocorre sobretudo em Alexandria, a grande metrópole helênica do Egito.

Na tradução da Bíblia ao grego, conhecida por Septuaginta (do séc. 3 a.C.), vários antropomorfismos foram substituídos por circunlóquios, o que revela uma melhoria de mentalidade filosófica. Também será em Alexandria que se desenvolverá uma exegese simbolista, entre judeus e cristãos, substituindo os episódios fantásticos por interpretações místicas.

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Entretanto, não se deixou o judaísmo influenciar pela conceituação trinitarista platônica e neoplatônica, e que no âmbito do cristianismo serviu como base filosófica do conceito de Deus como constituído por três pessoas.

Art. 4-o. PENSAMENTO DA ANTIGA PÉRSIA, OU IRÃ. ZOROASTRISMO. 0335y115.

116. A religião persa, com influência sobre o judaísmo e o cristianismo, é

dualista, personificando o bem e o mal, como dois princípios em eterna luta. Assumiu nova forma com as pregações de Zaratustra (no ocidente conhecido também como Zoroastro), pela volta de 600 a.C. Considerava-se inspirado, tendo tido, no seu entender, aparições. Pregou sob a proteção de um príncipe, contra o clero vigente.

Seus escritos constituem provavelmente a parte mais antiga, - os Gathas, - do Avesta, de que a tradução posterior com comentários é conhecida por Zendavesta.

Além do tradicional dualismo em luta, o zoroastrismo encoraja o homem a uma atitude de luta contra as forças do mal. Mantendo-se puro, terá a merecida recompensa da Luz Eterna. São potências da Luz Ahurá-Mazdá e Mithra. Lutam contra Ahriman, príncipe das trevas.

Esta foi a filosofia e religião dominante da Pérsia, quando esteve no seu esplendor sob os reis Aquemênidas 550-330 a.C., até ao tempo da helenização. Foi também o tempo em que os judeus, após o término do cativeiro da Babilônia (585 a 538 a.C.), puderam circular por todo aquele mundo oriental da Pérsia como comerciantes.

117. Dali a hipótese de que as doutrinas judaicas da luta entre o bem e o mal,

como a dos anjos bons e maus (ou demônios), as hierarquias entre eles, como anjos e arcanjos, sejam influências da religião e filosofia dos persas.

Tais influências diretas atuariam depois também sobre o cristianismo, no decurso do Império Romano, em vista da difusão do culto de Mitra; este teria sido levado para o Ocidente pelos soldados de Pompeu, que conquistaram o império seleucida e a Judéia em 64 a.C.

Supõe-se que a festa do nascimento de Mitra, celebrada em 25 de dezembro em Roma, tenha dado origem ao natal cristão. O dia 25 de dezembro devia representar o solstício, e estava portanto com defasagem no calendário; efetivamente o solstício ocorre geralmente no dia 21, quando da mudança de estação.

Os judeus tradicionais, como os saduceus, repudiavam as influências do zoroastrismo persa, e que eram aceitas por outras seitas.

"Pois os saduceus negam a ressurreição, bem como a existência de anjos e espíritos, ao passo que os fariseus admitem uma e outra coisa" (Lucas, em Atos 23, 8).

118. Maniqueísmo. Outra forma de influência do dualismo de Zoroastro foi o

maniqueísmo, de Manes (c.215-276 d.C., Pérsia), com forte incidência no Oriente e Ocidente, nos primeiros tempos cristãos. Inicialmente teve as simpatias de Santo Agostinho (354-430).

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Ensinava o zoroastrismo a existência de dois princípios eternos, o da Luz e o das Trevas, em luta entre si. As emanações de ambos se mesclam no homem. Para separar estas mesclas vieram, - no dizer dos maniqueus, - os profetas, Jesus e Manes. Todavia vieram em corpo de mera aparência, porque o corpo material verdadeiro é mau, como toda a matéria.

A purificação dos indivíduos já em estado superior se faria pela gnosis (saber) e abstenção do matrimônio, da carne, do vinho e trabalhos manuais. Dos inferiores, pelo cumprimento dos dez mandamentos.

Diretamente e indiretamente tais conceitos penetram o cristianismo da época, ou pelo menos o influenciam.

Houve também as influências diretas das religiões dualistas orientais sobre a filosofia grega. Foi bem o caso do orfismo, como ele ocorreu em Pitágoras, logo depois em Sócrates e Platão.

Finalmente Aristóteles retomará o ponto de vista homérico, do homem sem a maldade de dois princípios, em que matéria e forma são componentes normais e complementares.

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CAP. 2 A ORIGEM PROPRIAMENTE DITA DA FILOSOFIA, OU SEJA DO PERÍODO SOCRÁTICO EM GERAL. 0335y120.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 121. Posto o pensamento pré-helênico, formou-se a seguir, finalmente, um

pensamento filosófico mais sistêmico e crítico. Herdaram os gregos as técnicas, artes e culturas dos povos do Oriente Médio, ao mesmo tempo que os superando.

Na abordagem do tema que se oferece, é possível estabelecer a ordem seguinte:

- problemas de ordem formal desta história (Art. 1-o) (vd 0335y122), decorrentes sobretudo da língua utilizada e das fontes de informação;

- a história da fundação da filosofia como ela efetivamente ocorreu, ou seja, como se materializou no curso do tempo (Art. 2-o) (vd 0335y138).

ART. 1-o. PROBLEMAS FORMAIS DA HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO DA FILOSOFIA. 0335y0122.

123. Em consequência da mesma antiguidade da filosofia, importa determinar

como a ciência da história chegou a ela. Neste sentido há a examinar: - a língua em que foi escrita (§ 1) (vd 124); - Fontes de informação sobre a fundação da filosofia (§ 2) (vd 128). O nascimento da filosofia se diz sobretudo do período pré-socrático. Por isso

esta consideração geral sobre a origem da filosofia destaca este período. § 1. A língua grega e a filosofia. 0335y124. 125. Cerca de oito são as línguas básicas da família linguística indo-européia. O sânscrito, falado na Índia, por primeiro desenvolveu a escrita e uma

literatura, logo se manifestando alguma ciência e filosofia, de mistura com conceitos religiosos do bramanismo.

O zendo, ou língua dos persas, também cedo criou uma frágil literatura, que se fez portadora do pensamento zoroástrico.

Mais bem sucedida foi a língua grega, que teve um período clássico de sucesso, no século de Péricles, e de vasta expansão, em decorrência do Império criado por Alexandre Magno.

A língua grega se expandiu por algum tempo também no Ocidente. O sul da Itália se chamou mesmo Magna Grécia, onde floresceram as escolas pré-socráticas dos pitagóricos e dos eleatas. Durante o Império Romano ainda se continuou a usar a língua grega para o ensino da filosofia, como foi evidente com a presença de Plotino e Porfírio.

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Somente depois da queda do Império Ocidental de Roma (ano 476), perdeu-se nesta outra parte da Europa, a ocidental, o uso da língua grega. Junto ao novos povos do Ocidente floresceu então o latim, como espécie de língua internacional, principalmente para assuntos eclesiásticos, políticos, culturais.

Em consequência passou a haver uma sistemática tradução dos livros gregos ao latim. Mais tarde ainda, se passou a fazer traduções também para as línguas modernas do Ocidente, e o latim ficou como um intermediário, nem de todos conhecido, entre as línguas modernas e o grego clássico.

126. Com referência ao grego em si mesmo, desenvolveu-se sob a ação de

quatro dialetos. No dialeto eólico, da Tessália, escreveu a poetiza Safo. Mas, nenhum dos

filósofos mais significativos. O dialeto dórico foi a língua do Peloponeso e do Sul da Itália. Nele

escreveram Empédocles e os pitagóricos. Bastante significativo, o dialeto jônico (Ásia Menor) serviu a Homero,

Hesíodo, Heródoto e aos primeiros filósofos da região, portanto aos fundadores da própria filosofia.

Foi sobretudo no dialeto ático, da Ática, onde se situa Atenas, que por último se passou a desenvolver. Nela escreveram grandes literatos e também os grandes filósofos, com destaque Platão e Aristóteles.

Posteriormente se formou o mundo helênico, em consequência das conquistas de Alexandre Magno (+323 a.C.).

Mas, redividido politicamente o mundo helênico, o grego clássico foi assumindo novas formas dialetais, em que se notam as variantes alexandrina e antioquena.

Por último, estabelecida a Capital do Império Romano do Oriente em Bizâncio, que passou a se denominar Constantinopla, foi o antigo grego paulatinamente assumindo a forma medieval e por último a moderna.

Certamente o grego foi muito mais estável que o latim. A esta estabilidade se deve em grande parte a conservação da cultura antiga.

§ 2. Fontes de informação sobre a filosofia pré-socrática. 0355y128. 129. Infelizmente, todos os livros escritos pelos primeiros filósofos já não

existem, deles restando apenas fragmentos citados por outros autores da antiguidade. Através destes, como que por janelinhas, se pode alcançar o mundos das idéias dos primeiros filósofos.

Além destes fragmentos ocorreram referências, que tratam das doutrinas do autores mais antigos. A estas reportagens sobre os filósofos pré-socráticos costuma-se denominá-las doxografias (do grego doksa = aparência, opinião, juízo, glória) e grafé (= escrito, documento).

Hoje, pela combinação dos fragmentos e das doxografias se faz a história dos primeiros filósofos.

Conservavam-se livros completos de filosofia apenas a partir de Platão (427-347 a.C..) e Aristóteles (384-322 a.C.).

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130. A atenção sistemática aos fragmentos e às doxografia sobre os filósofos

pré-socráticos começou a ser dada a partir do século 19, pelo estudo filológico dos referidos textos.

Ao mesmo tempo se partiu para a criação de coleções e publicação em volumes especiais dos fragmentos e doxografias, tanto em original, como em traduções, com as respectivas interpretações.

O francês A. Mullach publicou o texto: "Os fragmentos dos filósofos gregos" (Fragmenta philosophorum grecorum),

em três volumes, 1860 - 1881, Paris. Superando à coleção anterior, na Alemanha Hermann Diels (1848-1922) fez

aparecer duas obras: Doxógrafos gregos (Doxographi Graeci), 1-a edição, 1879, Berlim; Fragmentos dos pré-socráticos (Fragmente der Vortsokratiker), em três

volumes, 1-a edição, 1901, Berlim. Generalizou-se, desde então, o uso de citar aos pré-socráticos pela numeração

criada por H. Diels. Com correções significativas e acréscimos de Walther Kranz apareceu a

reedição Diels-Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker, I-III, Berlin 1951-1952. Entre parênteses (DK), eis a costumeira abreviatura da obra de H. Diels e W.

Kranz. 131. Já cedo Platão e Aristóteles tiveram o hábito de informar sobre o

pensamento dos que os antecederam, como ainda tiveram o hábito de repetir literalmente alguns textos. Data também de então Xenofonte (c. 435 -354 a.C.), que informando sobretudo sobre Sócrates.

O primeiro significativo historiador da filosofia antiga foi Teofrasto (c. 372 - 288 a.C..), o qual coletou sistematicamente informes que vão de Tales a Platão, em livro de nome:

As opiniões sobre os físicos (M L F 4 6 ä < * ` > " 4 , no latim Placita Physicorum).

Aristóteles, ao que parece, recomendou aos seus discípulos, o estudo especializado, do pensamento anterior: Teofrasto para a teologia, Menon para a medicina, Eudemo para a teologia, astronomia, matemática.

Infelizmente, o livro mencionado de Teofrasto se perdeu quase integralmente. Restam somente um capítulo - sobre a sensação, - e alguns fragmentos citados por Simplício.

Contudo, os informes colhidos por Teofrasto revivem nos doxógrafos posteriores, que os utilizaram antes que o livro desaparecesse. Além disto, um autor da escola estóica de Possidônio (1-o século a.C.) resumiu as informações de Teofrasto em um novo livro. Embora também este livro se perdesse, Aécio (c.150 d.C) usou este segundo texto perdido de Possidônio e escreveu Sobre as opiniões físicas dos filósofos, salvando-se assim muito do conteúdo do remoto livro de Teofrasto.

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Também outros, - por exemplo Cícero (em Academica Priora II 37, 118) e Varão (em De die natali, de Censorino), - haviam feito uso dos textos de Teofrasto e o do autor da escola estóica de Possidônio.

Conforme costume, desde o helenista alemão Hermann Diels, diz-se Velhas opiniões (em latim Vetusta placita) para indicar a obra perdida, que se encontra entre Teofrasto e Aécio. A segurança da transmissão de Aécio se comprova, porque também outros autores leram as Velhas Opiniões e citaram alguns textos.

Além disto, Aécio adicionou informes sobre os estóicos e os epicureus. Tomaram proveito diretamente de Opiniões de Aécio, dois autores

significativo da história da filosofia antiga, - Plutarco e Estobeo. 132. Os antigos historiadores da filosofia seguem três métodos de exposição -

pelo tema, pela biografia, pela escola. Já Aristóteles fez a história da filosofia pelos temas. Mas este costume foi

consequência da preparação introdutória da discussão teórica dos temas eleitos; antes de cada tema posto para discutir, ele apresenta as opiniões históricas, ou seja dos filósofos que o antecederam. Este foi também o método de Teofrasto, que o recebeu obviamente de seu mestre Aristóteles. O mesmo método continuou a se verificar em outros autores.

Pela biografia, ou vida, eis outro método interessante de apresentação da filosofia, adotado pelos historiadores antigos. Ordinariamente adotaram a sequência, - vida, obras, opiniões do filósofos eleitos.

As biografias aparecerão principalmente no período helênico, geralmente muito cheias de imaginação e fantasias, - Hermipo de Esmirna, Jerônimo de Rodes, Neanto del Ciziko, Plutarco, Diógenes Laércio.

Este último – Diógenes Laércio, - se tornou famoso, porque sua obra se conservou integralmente e ficou sendo a fonte mais vasta de informações sobre os filósofos gregos, ainda que nem sempre a mais profunda.

133. Método muito significativo de expor - segundo a escola e a cronologia -

desenvolveu-se a partir do 2-o século d.C. Neste tempo, Sócion de Alexandria, da escola aristotélica, escreveu Sucessões dos filósofos, coletando os nomes por escola, e ordenando tudo de maneira a virem os discípulos após o mestre.

Aperfeiçoando tendências já ocorridas em Teofrasto, este Sócion desenvolveu a história da filosofia com rumos, os quais ainda hoje agradam aos historiadores. Ele já distingue claramente entre si a escola jônica e a escola itálica.

Seguem este modelo os autores cristãos Eusébio, Irineu, Arnóbio, Teodoreto, Santo Agostinho.

Mas foi mais significativo Apolodoro de Alexandria, que por volta de 250 a.C.. Escreveu semelhante Sucessões dos filósofos, com o modelo de Sócion.

Aproveitando este último e o sistema cronológico criado por Eratóstenes (c. 275-195 a.C.), cujo começo coincide com a destruição de Tróia, Apolodoro calculou segundo nova forma o tempo exato de nascimento, desenvolvimento, e morte dos filósofos. Fixou com recursos teóricos o tempo de vida dos filósofos e de sua atividade. Por exemplo, o florescimento (em grego V 6 : Z = ponta cortante, fio do corte, figuradamente ponto mais

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alto) do filósofo ocorreria pelos seus 40 anos de idade. A distância entre o mestre e o discípulo seria também de 40 anos de idade.

Além disto, Apolodoro ligou as datas dos filósofos com algum outro acontecimento significativo do seu tempo. A mais frequente é a da conquista de Sardes (546 a.C.) e a fundação de Turios (444 a.C.). Parece contudo que estes pressupostos de Apolodoro de Alexanderia são arbitrários, ainda que em alguns casos muito práticos.

Além dos três métodos de exposição, - pelo tema, pela vida, pela escola – ocorreu ainda o da biografia a parte.

Xenofonte (c. 435 - 354 a.C..), autor de Ditos admiráveis de Sócrates, foi o primeiro exemplo significativo desta espécie de exposição.

No gênero das biografias são dignos de nota aquelas sobre Heráclito e Pitágoras, em geral sem dependência da tradição grega de Teofrasto.

Escreveram biografias sobre Heráclito o platônico acadêmico Heráclito do Ponto e o estóico Cleanto de Assos, das quais restam os fragmentos.

O aristotélico Aristoxeno escreveu, entre outras biografias, a de Pitágoras. O mesmo farão depois Jâmblico e Porfírio. Este último também sobre

Plotino, a qual se conservou completa. Diógenes Laércio cita com frequência antigas biografias., algumas vezes com

elas em mãos. Até certo ponto, os Evangelhos de Mateus, Lucas, Marcos, João se situam no

gênero das Vidas, e foram efetivamente escritas em grego. O escrito de Mateus possivelmente tenha tido um texto menor anterior, mas que desapareceu.

134. Sobre o valor das fontes da filosofia pré-socrática importa estar atento a

alguns aspectos, ora de conteúdo, ora de objetivo histórico. Platão, por exemplo, não perseguiu o objetivo histórico em seus diálogos,

ainda que este aspecto nele atinja significado, porquanto está mais próximo dos autores citados, que a maioria dos doxógrafos posteriores.

O mestre da Academia discutiu de preferência as idéias e precisa dar animação aos diálogos. Não raro buscou ridicularizar, porquanto herdou algo da ironia de Sócrates.

O grande Aristóteles, também próximo de muitos acontecimentos do período pré-socrático, teve por objetivo criticar as idéias, para criar uma nova filosofia, ou tão só decidir entre as preexistentes. Contudo, ele tem um objetivo histórico mais definido que o de Platão.

Quando Aristóteles discute graves temas da metafísica, física, psicologia, ética, astronomia, arte, etc., ele estabelece uma introdução histórica bem caracterizada. Em consequência, encontra-se em Aristóteles um dos mais frequentes informantes da filosofia pré-socrática.

Mas os informes de Aristóteles não costumam apresentar o próprio texto do autor abordado, e sim suas idéias. Assim sendo ele é antes de tudo um importante doxógrafo e juiz da doutrina historiada, do que um transmissor de textos.

O neoplatônico Simplicio, do 6-o século d.C., comentaristas de Aristóteles, foi dos mais ricos transmissores de fragmentos dos pré-socráticos.

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Também citam muitos textos, Plutarco (do 2-o séc.), Sexto Empírico (2-o séc.), os dois cristãos Clemente de Alexandria (2-o séc.) e Hipólito (3-o séc.), o eclético Diógenes Laércio (3-o séc.) e finalmente o antologista Stobeo (6-o séc.).

Ainda que muito menos, também citam textos dos mais antigos, bem como fornecem informes, o epicureu Filodemo, o estóico Marco Aurélio, os neoplatônicos Numênio, Plotino, Porfirio, Jâmbliko, Proclo. E ainda Máximo de Tiro, Galeno, Estrabão, Ateneo, Orígenes, Aécio.

Ao todo, os fragmentos vieram até hoje através de mais de trinta autores; as doxografias através de mais de cem (vd ).

Alguns citaram os textos, porque efetivamente tiveram em mãos os livros desaparecidos. Outros porque os tomaram dos que os citaram por primeiro. Enfim outros porque viram os textos em antologias e compêndios, mui frequentes ao tempo da cultura helênico-romana, e ainda ao tempo de Constantinopla medieval.

135. A lista dos autores, em cujas obras os estudos de história da filosofia

pré-socrática fazem a sua fonte, contém mais de cem nomes, e que aqui passam a ser citados em ordem alfabética, com indicação, sempre que possível, da época em que viveram (entre parênteses) e título da obra que se lhes atribui:

1) Aécio (em grego Aétios, em latim Aetius) (do 2-o séc. d.C.). Escreveu em grego Sobre as opiniões dos filósofos (M L F 4 6 ä < * ` > " , em latim De physicis philosophorum Decretis).

Foi ainda Aécio autor de Coleção de preceitos (G L < " ( Z J ä < • D , F 6 ` J T < ), três vezes citada por Teodoreto.

2) Agatemer (2-o séc.), um geógrafo, cuja obra ficou em compilação de Cláudio Ptolomeo (2-o séc.).

3) Alcidamas de Elea (c. 432 -411 a.C,), residente em Atenas, discípulo de Górgias e Retor.

4) Alexandre de Afrodísio, Ásia Menor (fim do 2-o séc. e começo do 3-o). Fez comentários à quase todos os livros de Aristóteles. 5) Amiano Marcelino (4-o. séc.), historiador grego-siríaco e autor de uma

história sobre Roma, que contém opiniões sobre o estoicismo. 6) Anatólio de Alexandria (3-o. sec.), bispo cristão em Laodicea, da Síria,

cuja obra se conservou em parte em Theologoumena Aritmeticae. 7) Asclépio (5-o. séc.), comentarista grego da Metafísica de Aristóteles. 8) Anônimo Bizantino (13-o. séc.) - Sobre antiguidades de Constantinopla

(c. 1110). 10) Apolodoro de Atenas (2-o. séc.), gramático grego, autor de Cronologias

e jambos sobre a história grega. 11) Apolônio de Tiana (1-o. séc.), neopitagórico, sobre o qual se apóiam

biografias depois escritas por Porfírio e Jâmblico sobre Pitágoras. 12) Apolônio (3-o. séc.), autor de Maravilhas, difundidas pelo título latino

Mirabilia. 13) Apuleu de Madaura, latinizado Lucius Apuleius (2-o. séc.), um

platônico supersticioso e eclético, autor grego de obras traduzidas ao latim Flores (Florida),

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palestras; Sobre o Deus de Sócrates (De Deo Socratis); Sobre a doutrina de Platão (De Dogmate Platonis); Sobre o mundo (De Mundo).

14) Aquiles Tacio (4-o séc.), poeta nascido nas proximidades de Alexandria, depois feito bispo cristão. Escreveu - Introdução aos "Fenômenos" de Arato e o romance Leucipo e Kleitófon.

15) Ario Didimo de Alexandria (1-o. séc.), mestre de César Augusto, autor de livro que trata de história da filosofia. Dele restam fragmentos em Clemente, Eusébio e Estobeo, e que se ocupam de Platão, Aristóteles e dos estóicos.

16) Aristófanes (c. 445 -385 a.C.), comediógrafo grego, autor de Cavaleiros (426 a.C.), Nuvens (423 a.C.), Aves (415 a.C.) e outros títulos.

17) Aristócrito (5-o. séc.), maniqueu, autor de Teosofia. 18) Aristóteles de Estágira (384 - 322 a.C.), discípulo e mestre na Academia

de Platão, até a morte deste (347 a.C.), fundador do Liceu (335 a.C.), autor muito difundido, restando ainda a maior parte dos seus livros, com referências frequentes aos pré-socráticos:

Metafísica; Física; Sobre a alma; 5 livros de lógica, depois citados como Órganon, a saber - Categorias, Da interpretação, Primeiros analíticos, Segundos analíticos, Tópicos, Argumentos sofísticos; Sobre o céu; Sobre a geração e corrupção; Sobre os animais; Sobre as partes dos animais; Sobre o nascimento dos animais; Sobre a sensação; Meteorologia; Ética a Nicômaco; Retórica; Ética a Eudemo (este de autoria duvidosa).

19. Pseudo-aristóteles: Sobre o mundo, com influência estóica (da escola de Possidônio); Sobre Melisso, Xenófanes e Górgias (1-o. séc.).

20) Aristóxenes de Tarento (começo do 4-o. séc. a.C.), discípulo de Aristóteles, com fragmentos sobre música e Pitágoras.

21) Arquíloco de Paros (720 -676 a.C.) - Elegias e jambos. 22) Ateneo de Náucrates, Egito (3-o. séc.) - Banquete dos sofistas, escrito

em grego, edição de G. Keibel, Leipzig 1887 - 1890), sobre as mais diversas pessoas, entre elas também filósofos.

23) Agostinho de Hipona (354 - 430), cristão da então África latina, autor de, entre outros livros: Contra os acadêmicos (Contra acadêmicos); Sobre a liberdade (De libero arbítrio); Sobre a cidade de Deus (De civitate Dei), Sobre a Trindade (De Trinitate); Confissões (Confessiones), além de sermões, cartas, comentários bíblicos.

24) Aulo Gélio (2-o. séc.) nascido em Roma, autor de Noites áticas (Noctes atticae), miscelânea de textos gregos e latinos, com comentários.

25) Boécio (c..470 - 524), filósofo cristão latino, autor de Consolação de Filosofia (De consolatione Philosophiae, tradutor e comentarista de alguns livros da lógica de Aristóteles; tradutor e comentarista da Eisagogé, de Porfírio.

26. Calcidio (5-o séc.), tradutor ao latim do Timeo, atribuído a Platão. 27. Célio Aureliano, da Numídia (4-o. séc.) autor de Sobre doenças crônicas

(De morbis chronicis). 28) Censorino (3-o. séc.) Sobre o dia do nascimento (De Die Natali). 29) Cícero. Marco Túlio... (106 - 43 a.C.), político e autor romano, com

apoio na cultura grega: Acadêmicas (Academica); Sobre a natureza dos deuses (De Natura Deorum); Sobre a adivinhação (De divinatione); Questões tusculanas (Tusculanae quaestiones); Sobre os ofícios (De officiis); Sobre a República (De República).

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30) Cleanto de Assos, Ásia Menor (300-220 a.C.), filósofo estóico em Atenas, discípulo de Zenão de Citium, do qual restam fragmentos.

31) Clearco de Solos (4-o. a.C.), discípulo de Aristóteles, e cujos fragmentos informam sobre a tradição pitagórica.

32) Clemente de Alexandria (c. 150-c. 215), filósofo cristão, possivelmente de Atenas e residente em Alexandria, autor grego de Discurso persuasório aos gregos (7 ` ( @ H B D @ J D , B J 4 6 ` H B D Î H ª 8 8 0 < " H ); Pedagogo (A " 4 * " ( T ( ` H ); Tapetes (G J D T : " J , Ã H ), isto é, Miscelânea de temas.

33) Columela, Lúcio Junio Moderato (1-o. séc.), nascido em Cadiz, Espanha. Autor latino de Sobre coisa rústica (De re Rustica ).

34) Crisipo de Solis (Cilícia, Ásia Menor, (280-207 a.C.), filósofo estóico, que viveu em Atenas, e do qual restam fragmentos.

35) Demétrio de Falera (4-o. séc. a.C.), discípulo de Teofrasto e governante de Atenas, autor de Sobre a elocução (De elocutione).

36) Demétrio de Magnésia (1-o. séc. a.C.), autor grego de Homônimos - citado por Diógenes Laércio.

37) Dicearco de Messina, Sicília (4-o. séc. a.C), discípulo de Aristóteles, autor de A vida dos gregos, de que restam fragmentos, bem como de outras obras suas.

38) Diodoro de Sicília (1-o. séc. a.C.), grego em Roma, autor de História, em 40 livros, dos quais restam 15, além de fragmentos, sobre mitologia e sobre os anos 480-301 a.C.).

39) Diógenes Laércio (entre 2o e 3-o séc.), o informante maior sobre os antigos filósofos, ainda que pouco profundo.

Autor de Vida e opinião dos filósofos (título abreviado), de Vidas e doutrinas dos filósofos famosos. (# \ @ 4 6 " Â ( < ä : " 4 J ä < ¦ < N 4 8 @ F @ N \ " , Û * @ 6 4 : 0 F V < J T < 6 " Â ( < ä : " 4 J ä < ¦ < N 4 8 @ F @ N \ " J ä < X 6 V F J 0 " Æ D X F , 4 • D , F 6 ` < J T < ¦ < ¦ B 4 J ` : R F L < " ( T ( Z . Há os que se referem à esta obra com outros títulos. Fócio cita o livro pelos termos M 4 8 @ F ` N T < . Já Estácio diz G @ N \ F J ä < $ \ @ 4 .

Sobre o mesmo Diógenes, nada se sabe diretamente, senão sobre este seu nome. Mas sobre o segundo nome – Laertes, - não se sabe se adveio como referência ao pai, ou se do lugar onde teria nascido. No primeiro caso ele seria Diógenes, filho de Laertes. No segundo seria um nascido em Laertes, uma cidade, com este nome, na Cilícia, norte da Síria.

O aspecto geral da obra aparenta ser a criação de um retor gramático. Sua não profundidade e falta de espírito crítico informa indiretamente, que ela não foi de um filósofo.

E quando a teria escrito? Possivelmente pelo ano 300 d.C. Citando a Potamon como recente - "nestes últimos tempos Potamon de Alexandria fundou uma nova escola, à qual denominou eclética" - e se sabendo por outra fonte que o mencionada Potamon vivera pelo ano 300, tem-se como situar nesta época também ao mesmo Diógenes Laércio.

Além disto, a obra de Diógenes Laércio já está presente no catálogo de Sotepater de Alexandria, contemporâneo, na informação de Docio, do Imperador Constantino (este falecido em 337).

Encontra-se, como se infere, que Diógenes Laércio pertence ao contexto da cultura alexandrina. Ainda que não se destaque como crítico, Diogeno oferece a vantagem de

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citar os textos no original; este procedimento, além de transmitir os fragmentos do passado, permite aos críticos de hoje expedir juízos de valor.

As vezes Diógenes não é proporcional, porque informa excessivamente sobre autores menos importantes, e deixa de informar, proporcionalmente mais sobre Aristóteles. Foi vasto sobre estóicos e epicureus, havendo silenciado sobre Sexto Empírico.

40) Duris de Samos (3-o. séc.), historiador, do qual sobram apenas as menções feitas por Diógenes Laércio.

41) Eliano, Cláudio (2-o - 3-o. séc.) - sofista de Prenesto, Itália, autor de Varias histórias (Varia historiae), anedotas.

42) Pseudo-Escimno (o verdadeiro Escimno viveu c. 80 a.C.), autor de poema de 1000 versos jâmbicos - Descrição geográfica (em grego Periégesis).

43) Escólios são anotações à obras de outros autores, de que alguns se conservam ainda conhecidos, e outros desconhecidos. Fizeram-se notáveis pela criação de escólios: Eustáquio, Tzetses. Existem escólios às obras de Homero , Hesíodo, Aristófanes, Platão, e de muitos outros.

Modernamente fizeram-se coleções de escólios, das quais algumas se tornaram famosas.

44) Espeusipo de Atenas (4-o. séc. a.C.), sobrinho de Platão, e que o sucedeu na direção da Academia, em 347 a.C. De suas obras restam fragmentos nas citações e referências feitas por Aristóteles.

45) Estobeu, João (5-o. séc.), autor grego, neoplatônico, de quem se conservam obras: Éclogas... (+ 6 8 @ ( ä < ...), sobre física, dialética, ética; Antologia (! < 2 @ 8 ` ( 4 @ < ), no latim Florilegium, com citações de antigos autores.

46) Estrabão de Amásis (54 a.C - 24 d.C.), do Ponto, historiador e principalmente geógrafo. De suas obras sobre história restam fragmentos e quase completa sua Geografia, em 17 livros.

É a Geografia de Estrabão a obra mais significativa deste gênero de ciência vindo da antiguidade. Ela contém referências históricas e dados que vêm de Eratóstenes (276-196 a.C.).

47) Eudemo de Rodes (4-o séc. a.C.), discípulo de Aristóteles, historiador da matemática. Dele restam apenas fragmentos, mencionados por Simplício.

48) Eurípides (480 - 406 a.C.), dramaturgo, autor de Hipólito (428 a.C.). 49) Eustáquio de Constantinopla (12-o.- 13-o. séc.), arcebispo de

Tessalônica e comentarista de Homero. 50) Eusébio de Cesaréia (c. 365 - c. 340), bispo e historiador. Escreveu em

grego: História eclesiástica; Preparação evangélica (difundida em latim sob o título Praeparatio evangelica); História universal; A vida de Constantino.

51) Favorino de Arles (1-o. séc.), autor de muitas obras e frequentemente citado por Diógenes Laércio, entre outras Sobre os motivos de dúvida dos pirronianos ; Imagem compreensível.

52) Filodemo de Gadara, Palestina ou Síria (1-o. séc. a. C.), autor de Volumes retóricos (Volumina Rhetorica).

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53) Filon de Alexandria (1-o. séc. a.C), filósofo neoplatônico judeu, autor de livros religiosos, os quais relacionam entre si a Lei de Moisés e a pagã: Vida de Moisés; Criação do mundo.

54) Filopono de Alexandria. João... (6-o. sec.). Comentarista famoso, em língua grega, de livros de Aristóteles, notadamente Física, Sobre a alma , - além de autor de outras obras.

55) Fócio (c. 820 – c. 891), erudito patriarca de Constantinopla, autor do vasto texto Biblioteca, em que resume 280 livros, cartas e documentos lidos e estudados por ele. Autor ainda de: Anfilochiana, com 324 respostas a consultas sobre teologia e filosofia; Contra os maniqueus; e ainda outros textos.

56) Galeno. Cláudio... Médico, procedente de Pérgamo (2-o. séc.). Autor grego, que viveu também em Roma. Seus livros se tornaram famosos sobretudo na versão latina:

Sobre as opiniões de Hipócrates e Platão (De Placitis Hippocratis et Platonis), o mais filosófico dos seus escritos;

Sobre a percepção do pulso (De diagnoscendis Pulsibus); Comentário às epidemias de Hipócrates (In Hippocratis Epidemias);

Comentário aos humores de Hipócrates (In Hippocratis de Humoribus); e outros, dos quais alguns se perderam. Erroneamente se atribui a Galeno uma

História da filosofia (Historia philosophiae). 57) Heráclides do Ponto (4-o. séc. a.C.), discípulo de Platão, com influências

aristotélicas. Dele restam fragmentos sobre Heráclito e outros. 58) Heráclides Lembo (2-o. séc. a.C.), nascido em Kalkis, viveu no Egito.

Autor de obras de história, que se perderam, mas que foram citadas por Diógenes Laércio. 59) Heráclito o Homérico (1-o. séc.), autor de _ : 0 D 4 6 B D @ $ 8 Z : "

J " (= Problemas homéricos), uma interpretação alegórica de Homero, contra Platão e Epicuro.

60) Hérmias, possivelmente de Alexandria (3-o. séc.). Escreveu uma apologia de defesa dos cristãos, Sátira aos filósofos profanos, uma crítica superficial às doutrinas filosóficas.

61) Hermino de Esmirna (9-o. séc.), historiador dos filósofos gregos. De suas obras restam fragmentos em Diógenes Laércio.

62) Herodiano. Elio... (2-. séc.). Nascido em Alexandria, viveu em Roma. Escreveu em grego Sobre versos de duas medidas e sobre expressões especiais.

63) Heródoto de Halicarnasso (+425 a.C.), historiador destacado, autor de História (c. 450 a.C.), com base em suas viagens pela Grécia, Egito, Babilônia.

Paradoxalmente, embora chamado Pai da História, não se sabe exatamente de suas datas de nascimento e morte.

64) Hesíquio de Mileto (6-o. séc.), autor de Nomes de educadores famosos, cujos fragmentos se encontram em obras de Fócio e Suídas.

65) Hesíodo (8-o. ao 7-o. séc. a.C.), poeta da Beócia, autor de Teogonia (c. 700 a.C.); Os trabalhos e os dias (c. 660 a.C.).

66) Hipócrates de Cós (de c. 460 à c. 370 a.C) é o primeiro autor de estudos de medicina, com caráter científico, e escritas em grego: Antiga Medicina; Prognozes;

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Aforismos; Sobre o ar, água e lugares; Ferimentos na cabeça; A lei; O juramento, e outros escritos.

67) Hipólito de Roma (c. 170 - 235), autor grego cristão, o qual esteve durante algum tempo em Roma; eleito papa, não foi reconhecido. Escreveu Refutação de todos os hereges (5 " J B " F ä < " Æ D X F , T < § 8 , ( P @ H ). Havendo dado aos primeiros filósofos o caráter de hereges, com este procedimento, a primeira parte de sua obra veio favorecer a história da filosofia, e passou a se denominar Philosophoumena (= Questões filosóficas).

68) Hisdos, autor de alguns escólios, anotando os comentários de Calcídio ao Timeu de Platão.

69) Homero, famoso poeta grego, ao qual se atribuem as epopéias Iliada e Odisseia, que adquiriram definitiva forma no 7-o. séc. a.C. A Odisseia talvez seja um século mais recente. O núcleo temático das duas epopéias são as antigas guerras predatórias dos gregos na Ásia Menor, onde finalmente se estabeleceram os jônicos.

Os poemas homéricos fixaram o pensamento pré-filosófico grego e por muito tempo alimentaram a religião dos simples, ao mesmo tempo que serviram de base cultural imaginativa do povo grego e depois de todo o Ocidente.

70) Irineu. Santo... (c.135-203). Autor de Adversus haereses (Contra os hereges) e outros escritos, que influenciaram a literatura patrística.

71) Isócrates (4-o. séc. a.C.), famoso orador grego, de Atenas, do qual restam 21 discursos e 9 cartas. Interessam à história da filosofia Busirido e Antidosis.

72) Jâmblico de Cálquis, da Síria (4-o. séc.), autor grego, neoplatônico, de Dos mistérios dos egípcios (De mysterriis aegytiorum) e de um conjunto de 20 livros, citados coletivamente por Siriano Coletânea das doutrinas pitagóricas (E L 8 8 @ ( Z J ` < B L 2 " ( @ D " \ T < * @ ( : V J T < ), dos quais restam cinco, alguns citados com frequência pelos títulos latinos: Dos mistérios dos egípcios; Da vida pitagórica (De vita pitagorica); Protrepticus, ou Adhortatio ad philosophiam, com fragmentos de uma obra homônima perdida de Aristóteles; De communi mathematica scientia; In Nicomachi Arithmeticam introductio; Theologoumena arithmetica.

73) Josefo Flávio (37-135), historiador judeu em língua grega, autor de Contra Apião (Contra Apionem), resposta aos ataques de gramático grego contrário aos judeus; História da guerra judaica; Antiguidades judaicas, sobre a origem das instituições judaicas.

74) Justino (2-o. - 3-o. séc.) resumiu os 44 livros de Histórias Filipicas, escritas por Trogo Pompeu.

75) Lactâncio (c. 250-325), cristão, retor latino e gramático, com exercício em Nicomédia (Oriente) e Tréveris (Trier, no Ocidente). Escreveu Sobre as obras de Deus (De oficio Dei); Sobre a cólera de Deus (De Ira Dei), ambos os livros contra aos epicureus e os estóicos.

76) Luciano (depois do 2-o. séc.), da Síria, tem relação com o livro 9 "6D`$4@4 (= Vidas longas ), que lhe foi atribuído. Contudo se trata de obra apócrifa.

77) Lucrécio (98 - 55 a.C.), poeta e discípulo latino de Epicuro, autor do poema Sobre a natureza (De rerum natura), que descreve a filosofia atomista e hedonista dos epicureus.

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78) Macróbio. Teodósio... (4-o. séc.). Autor cristão de Comentários de Sonho de Cipião (Commentarii in Somnium Scipionis) (vd Cícero, Republica VI).

79) Marco Aurélio (121-180), Imperador romano (161-180), filósofo estóico, autor de I , Æ H © " L J ` < (= Solilóquios, ou Meditações), obra muito apreciada.

80) Máximo de Tiro (2-o. séc.), orador neoplatônico, do qual restam 41 estudos de filosofia e outros temas.

81) Neanto de Sisico (3-o. séc.), historiador, de cuja obra restam alguns fragmentos.

82) Nicolau de Damasco (1-o. séc. a.C.- 1-o. d.C.), escreveu em grego Sobre os deuses, de cujo texto restam fragmentos em Simplício.

83) Nicômaco de Gerasa (c. 2-o. séc.) escreveu em grego sobre Pitágoras e sobre aritmética, - Introdução à aritmética. Estes elementos serviram às obras de Jâmblico e Porfírio.

84) Numênio de Apamea (2-o. séc.), da Síria, filósofo do qual restam fragmentos tipicamente pitagóricos e neoplatônicos, escritos em grego.

85) Olimpiodoro o Jovem (6-o séc.), filósofo neoplatônico, autor grego de Vida de Platão; Comentário ao Fedon de Platão; Comentário às Categorias de Aristóteles, e Comentário sobre os Meteoros, também de Aristóteles. Não lhe pertence de certeza Sobre a santa arte da pedra filosófica.

86) Orígenes de Alexandria (c. 185 - c. 255), exegeta cristão, havendo adotado a interpretação alegórica, já em uso entre judeus alexandrinos, como também divulgada por sábios gregos na interpretação dos mitos.

Entre as muitas obras de Orígenes se destacam Contra Celso (5 " J 5 , 8 F @ Ø ), criticando as teses platônicas; Sobre os princípios (A , D Â ! D P ä < ), nas quais expôs as doutrinas cristãs.

87) Papo de Alexandria (4-o. séc.), geômetra, que comentou a Euclides; destes comentários restam apenas em versão árabe, aqueles feitos sobre o 10-o livro.

88) Píndaro de Tebas (525 -445 a.C.), poeta lírico, com odes em honra ao triunfo dos vencedores em jogos esportivos; Odes olímpicas (de 488 até 456 a.C.); Odes píticas (de 498 até 446 a.C.); Odes nemeias (de 486 até 446); Odes ístmicas (de 480 até 456 a.C.).

89) Platão (527-447 a.C.), de Atenas, fundador da Academia (387 a.C.), autor de uma vasta obra, a qual toda se conserva, havendo sido a primeira a ter esta condição. O diálogo usado como método, permitiu refletir nos interlocutores os diferentes filósofos do tempo, citados inclusive pelos seus nomes. Todavia o interesse maior de Platão foi movimentar os diálogos e não fazer história, ridicularizando por vezes as opiniões contrárias.

São obras maiores de Platão: República (A@84J,\"), Leis (;`:@4). Outras: Lísis; Apologia de Sócrates; Hípias; Crátilo; Simpósio; Fedon;

Fedro; Parmênides; Teeleto; Sofista; Político; Timeu; Ion. Também 9 Cartas, estas não são igualmente seguras, mas todas são antigas.

90) Plínio o Jovem. Caio... Nascido em Roma (23-79). Autor de Histórias sobre a natureza (Naturae historiarum libri), uma compilação de informes, com valor desigual.

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91) Plotino de Licópolis, Egito, filósofo neoplatônico do contexto alexandrino, mas que por último lecionou em Roma. Seus escritos, todos em grego, num todo de 54 livros, redistribuídos em 9 grupos de 6, assim organizados por Porfírio, receberam por isso a denominação coletiva Enéadas (Ennéada).

92) Plutarco de Queroneia, Beócia (Grécia Central) (c. 46 -. 125). As obras de Plutarco, escritas originariamente em grego e traduzidas ao latim durante a Renascença, passaram a ser citada desde então usualmente pelos títulos latinos

O primeiro grupo, - Vidas paralelas , ao todo 46 biografias, aos pares, uma de personagem grego, outra de romano, com vistas à comparação e a objetivos morais; entre outras: Camilo, Coriolano, Solon.

O segundo grupo de obras recebeu, após a Renascença, o título Obras Morais (Opera Moralia), porque a primeira trata de assuntos morais; algumas são diálogos, outras panfletos. São diálogos: Banquete dos sete sábios (Sympozion, no latim Convivium); Sobre o demônio de Sócrates (A , D Â E T 6 D V J @ L H * " 4 : @ < \ @ L , na tradução latina De genio Socratis).

93) Pseudo-Plutarco. Entre as obras morais de Plutarco algumas são de autoria duvidosa, e outras simplesmente apócrifas. Importa sobretudo a de título Tapetes, ou Miscelânea (G J D T : " J , Ã H ), porque ela cita ou repete Teofrasto.

94) Políbio de Megápolis (2-o. séc. a.C.), Grécia. Estabelecido em Roma, escreveu Historia, da qual restam cinco livros e fragmentos.

95) Porfirio o Fenício (233- 305) atuou na Itália em contato com Plotino, ao qual sobreviveu e do qual organizou a obra.

Pessoalmente escreveu: Introdução às categorias de Aristóteles (W 4 F " ( T ( ¬ , Æ H J H 6 " J 0 ( T D \ " H ); Vida de Plotino; Vida de Pitágoras; Gruta das Ninfas; Temas homéricos; Contra os cristãos, desta obra restando apenas fragmentos.

96) Proclo de Bizâncio ( 410 - 485), filósofo neoplatônico, em Atenas, autor de comentário sobre o primeiro livro de Euclides Elementos; de comentários sobre os livros de Platão, - Alcibíades, Parmênides, Timeu.

97) Sêneca, Lúcio Aneo (4-o séc. à 65 d.C.), filósofo estóico latino, autor de Questões Naturais (Quaestionum naturalium libri septem), Cartas morais a Lucílio (Epistolae morales ad Lucilium; Sobre a clemência (De clementia); Sobre os benefícios (De beneficiis); Livros de diálogos (Dialogorum libri), que reúne opúsculos por vezes citados diretamente, como De providentia, De constantia sapientis, De ira, Consolatio ad Marciam, De vita beata, De otio, De trranquilitate animi, De brevitate vitae, Consolatio ad Polybium, Consolatio ad Helviam matrem. Do mesmo Sêneca perderam-se livros, dos quais se encontram fragmentos citados por outros autores.

98) Sexto Empírico (Sextus Empiricus) (c. 3-o. séc.), médico em Alexandria, Egito, principal informante sobre o ceticismo antigo. Mas sobre ele mesmo quase tudo se ignora.

Autor de Estudos pirrônicos (A 4 D D T < , \ T < ß B @ J L f , T < , citado em latim Pyrroniarum hypotyposeon); Contra os matemáticos (A D Î H : " 2 0 : V J 4 6 @ L H , Adversus mathematicos), título que pode significar mais vastamente Contra os mestres.

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99) Simplicio da Cilícia (6-o. séc.), destacado comentarista grego neoplatônico de Aristóteles: Comentário à Física de Aristóteles; Comentário ao Sobre o céu, de Aristóteles.

100) Siriano de Alexandria (5-o. séc.), comentarista grego da Metafísica de Aristóteles.

101) Sócion de Alexandria (3-o. séc.), autor representativo de Sucessões dos filósofos.

102. Sócrates de Constantinopla (5-o. séc.), autor cristão de uma História eclesiástica.

103) Suídas (10-o. séc.), lexicólogo, que viveu provavelmente em Constantinopla. Sua Enciclopédia contém citações de fontes depois perdidas. Entre outras, usou o livro, depois perdido de Hesíquio (6-o. séc.), Nomes ou lista dos mais famosos educadores (_ < @ : " J @ 8 ` ( @ H ´ B \ < " > J ä < ¦ < B " 4 * , Â ‘ Ï < @ : " F J ä < ).

104) Temístio de Paflagônia (6-o. séc.), retor, platônico eclético, autor de Discursos e comentários sobre Aristóteles.

105) Teodoreto de Ciro, ou de Antioquia (c. 393 - 458), autor cristão, em língua grega. Obra principal, Cura das doenças pagãs (Curatio...), com o subtítulo Conhecimentro das verdades evangélicas por meio da filosofia grega (escrita entre 429 e 437). Trata-se de uma apologia do cristianismo, frente ao paganismo.

Escreveu também uma História eclesiástica, complementando a de Eusébio de Cesaréia; uma História abreviada das heresias; uma História dos monges, além de Cartas.

106) Teofrasto de Ereso (372 - 288 a.C.), discípulo de Aristóteles, de quem foi sucessor no Liceu. De natureza especificamente histórica, escreveu Opiniões dos físicos (M L F 6 ä < * ` > " 4 ). Situado no distante final do período socrático, é Teofrasto um elo inicial de importantes informações, as quais, em forma de fragmentos restaram em Suídas e Aécio

De Teofrasto se conservaram dois tratados sobre botânica, importantes porque se perderam os de Aristóteles. Dele também se conservaram pequenos ensaios: Metafísica; Caracteres; Sobre os sentidos, fragmentário; Sobre as pedras; Sobre o fogo; Sobre os odores; Sobre os ventos; Sobre a morte.

107) Teogno de Mégara (7-o - 6-o. séc. a.C.), autor de elegias líricas, as quais se conservaram.

108) Téon de Esmirna (2-a séc.), platônico eclético, autor de Exposição de temas matemáticos para mais utilmente ler a Platão.

109) Tertuliano (c. 160 - c. 240), autor cristão da então África latina, de Cartago, com mais de 31 títulos conservados, entre outros, Apologia (Apologeticum), em defesa dos cristãos; Às nações (Ad nationes), crítica às doutrinas politeístas.

110) Timeu de Tauromenio (fim do 4-o. séc. a.C.), criador da cronologia olímpica. Restam fragmentos dos seus escritos.

111) Timeu de Locres (3-o - 2-o. séc. a.C.), autor de Sobre a natureza do mundo e da alma, uma imitação do Timeu de Platão.

112) Tucidides (460 - 395 a.C.), o maior historiador grego, autor de Guerra do Peloponeso, que se conservou.

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113) Tzetzes, de Bizâncio (12-o. séc.), comentarista e exegeta de Homero e Hesíodo.

114) Xenofonte (c. 435-354 a.C.), autor grego de Os ditos admiráveis de Sócrates (U B @ : < 0 : @ < , b : " J " E T 6 D V J @ L H ).

115) Zenão de Citio (3-o. séc. a.C.) fundador da escola estóica em Atenas. Dele restam fragmentos.

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ART. 2-o. EFETIVA FUNDAÇÃO DA FILOSOFIA. 0355y138.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - - Cap. 2 Origem da Filosofia - 139. Por causa da complexidade do fenômeno do nascimento da filosofia,

recomenda-se a ordem didática seguinte: - Dos primeiros filósofos em geral (vd 0335y141); - As condições evolutivas das cidades gregas (vd 0335y147); - Caráter geral das doutrinas dos primeiros filósofos (vd 0335y160). Somente depois convém ir aos filósofos em particular e às diferentes escolas

a que eventualmente pertenceram. § 1-o. Dos primeiros filósofos em geral. 0335y141. 142. Os filósofos, de quando começou a filosofia, no século 6-o a. C., se

situam em quadro social e cultural, que durou cerca de mil anos, e que constitui a época antiga, terminada no ano 476 d.C., quando caia o Império romano em mãos das novas nações do Ocidente.

A fundação da filosofia, que ocorreu no mencionado 6-o. séc. a.C., foi portanto um fenômeno que teve duração.

Com vistas a tratar apenas da fundação, ou seja de como pensavam os primeiros filósofos, importa entender que ocorreu uma época, a qual se diz antiga, em contraste contra a medieval e a moderna. Depois, ainda importa atender que a época se divide em períodos, e finalmente cada período em fases.

Com referência à filosofia, a redivisão da época antiga se procedeu nos seguintes três períodos:

- filosofia pré-socrática, - filosofia socrática, - filosofia pós-socrática, dita também helênico-romana. A filosofia pré-socrática se desenrolou num espaço de quase dois séculos.

Mais precisamente, os primeiros filósofos escreveram e ensinaram entre os anos 585 a.C., - data do eclipse, previsto por Tales,- e 410 a.C., quando Sócrates já atuava, orientando o interesse para a filosofia moral.

Desde então muito se altera a situação do pensamento grego, o qual passou a se centralizar, pelo menos um século, em Atenas.

143. Fases e escolas. O período pré-socrático se redivide em fases e em

escolas. As fases do período pré-socrático não se apresentam claras, podendo-se falar

em fase antiga e fase nova. As escolas são determinadas bastante pela diferença de região, mas também

pela diretriz doutrinária. No Oriente grego as escolas são mais empiristas ou racionalistas

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moderadas, e as do Ocidente (ou Itália), são mais racionalistas, e mesmo racionalistas radicais.

Didaticamente se insiste mais na divisão do período pré-socrático em escolas, que em suas fases de desenvolvimento. A divisão por escolas foi bastante condicionada pelas regiões geográficas, todavia não inteiramente.

São escolas pré-socráticas: - Escola jônica, a mais antiga, redivida, em fases, - escola jônica antiga,

escola jônica nova, a que se acrescenta os seus epígonos; - Escola itálica, ou pitagórica, no Ocidente; - Escola eleática, também no Ocidente; - Escola atomista, na Grécia continental; - Escola dos sofistas, em transição para o período socrático. 144. A divisão pelos autores é importante na filosofia pré-socrática, por causa

do caráter fragmentário das informações e dúvida sobre muitas de suas idéias. Passamos a arrolar os filósofos pré-socráticos, distribuindo-os pelas suas escolas e sequência cronológica.

Escola jônica antiga, ou de Mileto: 1) Tales de Mileto (c. 624-546 a.C.) - conhecido como o mais antigo e o

primeiro da escola jônica antiga. A água seria o primeiro elemento de tudo. 2) Anaxímandro de Mileto (c.610-545 a.C.). O elemento primitivo consiste

em algo não determinado quanto à forma, - o àpeiron. 3) Anaxímenes de Mileto (c. 585-528 a.C.). A ar seria o elemento primitivo. Escola jônica nova: 4) Heráclito de Efeso (c.544-484 a.C.). O primeiro da escola jônica nova. O

fogo é o elemento primitivo de tudo. Ele já estuda as causas da transformação; concebe as causas contrarias como sendo paz e guerra, amor e ódio.

5) Empédocles de Agrigento (c. 492 - 432 a.C.), pertence à nova escola jônica, ainda que no Ocidente. Quatro são os primitivos elementos do corpo, - ar, terra, água e fogo, - dotados de forças contrárias.

6) Anaxágoras de Clasomene (c.500-428 a.C.), o último filósofo da escola jônica nova. Os elementos primitivos são em infinito número de partículas semelhantes entre si, - as homeomerias, - movidas ordenadamente por uma delas, que é inteligente.

Escola eleática: 7) Xenófanes de Colófon (c. 570-475 a.C.) - vindo para Elea. Defendeu a

unicidade e a imobilidade do ente. 8) Parmênides de Elea (c. 540 -470 a.C.) – principal representante da escola

de Elea, e iniciador da ontologia. 9) Zenão de Elea (c. 490 - 430 a.C.) – famoso criador dos argumentos contra

a possibilidade do movimento real. 10) Melisso de Samos (c. 485 - 425 a.C.) – primeiro representante no Oriente

do eleaticismo. Escola itálica, ou pitagórica: 11) Pitágoras de Samos (c. 570 - 496 a.C.) – da Jônia, imigrando para a Itália,

ali fundando a Escola Itálica, também conhecida simplesmente como Escola Pitagórica. .

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12) Álcmeon de Crotona (c. da metade do 5-o. séc. A.C.) – médico e representante da antiga escola pitagórica.

13) Filolaos (c. da metade do 5-o. séc. a.C.). Provavelmente o autor principal da doutrina pitagórica dos números.

Escola atomista: 14) Leucipo de Ábdera (em ação c. do ano 420 a.C.), fundador do atomismo. 15) Demócrito de Ábdera (c. 460 -360 a.C.) - o principal atomista. Escola dos sofistas: 16) Protágoras de Ábdera (c. 481 - 411 a.C.) - sofista 17) Górgias de Leôncio (c. 483 - 375 a.C.) - sofista. Os atomistas e sofistas pertencem à fase de transição do período pré-socrático

para o socrático. Também as escolas pré-socráticas apresentam epígonos, que dão continuidade

ao seu grupo durante o novo período, embora com algumas inovações. As vezes, por comodidade didática, são lembrados desde logo.

Há epígonos da escola jônica, - Hipon de Samos, Ideo de Himera, Cleidemo, Enópides de Quios, Diógenes de Apôlonia, Crátilo de Atenas, Arquelao de Atenas, ou de Mileto.

E assim também há epígonos na escola pitagórica, por exemplo, - Árquitas de Tarento, Hicetas de Siracusa, Ecfanto, Heráclito do Ponto.

145. Conforme dito, como ciência sistemática e sabedoria progressiva da

humanidade, nasceu a filosofia pelos anos de 585 a.C., na clássica Grécia, mais precisamente em Mileto, da Jônia (hoje no atual território da Turquia).

Foi ali iniciada pelo engenheiro Tales, o qual, além de predizer um eclipse do Sol, sistematizou algumas idéias especulativas sobre a natureza. Perguntou pelo elemento fundamental de todas as coisas, e pensou tratar-se da água; assim posteriormente informou Aristóteles sobre o primeiro filósofo, em suas costumeiras introduções históricas aos temas propostos à discussão.

Evidentemente em outras regiões do mundo, nasceram também idéias sobre o mesmo tema. As ponderações dos gregos se fizeram com mais sistematicidade e sem influências míticas. A previsão do eclipse do Sol não foi apenas um sucesso da ciência, mas também a rejeição dos mitos, em troca de um pensamento racional.

§ 2. As condições evolutivas das cidades gregas. 0335y147. 148. Ainda que Tales, Anaximandro e Anaxímenes fossem os primeiros

filósofos, o começo da filosofia não foi apenas obra deles. Quando eles viveram durante o 6-o século a.C. aconteceu o fenômeno ao qual estes filósofos pertenceram: evolução das condições de vida das cidades gregas. Em decorrência disto a cultura intelectual também progrediu.

A cultura intelectual consiste na visão de mente sobre todos os seres, com vistas a tudo compreender. Ela está em conexão com os demais setores do desenvolvimento humano, - a técnica, economia, a civilização em geral, enquanto estas consistem na matéria

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ordenada a serviço do homem. E mais, - enquanto o homem assim organiza a matéria, cria ao mesmo tempo melhores condições para a cultura. Interagem a civilização e a cultura, ajudando-se uma à outra.

Portanto, para alcançar uma compreensão analítica do surgimento da filosofia, importa conhecer as condições de evolução atingida pelas cidades gregas, cuja economia, civilização e recursos técnicos criaram a oportunidade para que isto acontecesse.

149. Antes do aparecimento da filosofia nas cidades gregas, anteriormente

não civilizadas, aconteceu um longo processo de evolução. Pelos anos 4000 a. C., os povos mais evoluídos atingiam a cultura neolítica,

com instrumentos de pedra polida. O fenômeno acontecia então no Egito e na Mesopotâmia, entre os semitas e povos similares.

Aos poucos passam a influir os povos indo-europeus. No Ocidente principalmente se manifestam os gregos e os lídios. Aliás, estes, os lídios, com capital em Sardes, foram os inventores da moeda metálica. Mais a Oriente agem mais outros indo-europeus, os medos e os persas. Na Índia os falantes do Sânscrito, os primeiros indo-europeus a desenvolverem a escrita e os estudos de gramática.

Na Europa a civilização neolítica começou pelos anos 3000 anos a. C., principalmente na Ilha de Creta.

Primeiramente influência sobre Creta o Egito, através da navegação. Depois, ou ao mesmo tempo, acontece o contato com a Ásia Menor e redondezas, intensificando-se sobretudo o relacionamento com os fenícios. Estes receberam dos Egípcios o sistema da escrita, que, depois de alguns aperfeiçoamentos, passa também aos gregos, que a conhecem primeiramente em Creta.

150. Contribuição dos fenícios. Para compreender a civilização e cultura

gregas, importa atender com maior profundidade para as relações dos fenícios com o Ocidente.

Quanto ao nome, os fenícios eram assim chamados por parte dos gregos. Eles mesmos eram cananeus, e eram um grupo semita. Hoje eles se equivalem mais ou menos aos libaneses. Suas cidades eram, entre outras, Tiro, Sidon, Sarepta, Beirut, Biblos (a hebrea Gebal, a moderna Jubeil ou Djebail), Trípolis (no começo três cidades, agora Tarabulus).

Em tempos remotos, Fenícia esteve subordinada ao Egito. De novo país independente pelos anos 1000, ao tempo dos reis hebreus David ( 1011-971 a. C.) e Salomão (972-929 a. C.) Fenícia fez-se famosa por causa de sua riqueza e arte de construção, havendo neste sentido operado em Jerusalém daquela época.

Como navegadores, os fenícios tiveram notável participação no comércio da antiguidade. Informações dizem que seus navios singravam o Mediterrâneo e saíam ao Atlântico, comercializando mercadorias e comprando matérias primas, como prata e ouro da Espanha, estanho e ferro possivelmente da Bretanha, cobre de Chipre, perfumes e especiarias da Arábia, linho do Egito, peles de leão e de pantera de outros países da África.

Os fenícios também fundaram colônias e eram efetivamente da mesma gente que a de Cartago. Também Cartago possuiu navios e exerceu grande comércio. Circum-

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navegaram os cartagineses o continente da África, conforme versão de Plínio (Historias sobre a natureza, 169).

Os fenícios, através de suas viagens, transmitiram a todo o Mediterrâneo, principalmente aos gregos, as artes e técnicas, as quais eles mesmo desenvolviam ou por sua vez aprendiam em outras regiões.

Também credos religiosos e novas idéias transportavam os fenícios em seus navios. Por exemplo, a Afrodite dos gregos se pode interpretar como nova forma da fenícia Ashtaroth.

Já antes do primeiro milênio os semitas desta região e gregos usaram diversas modalidades de alfabeto, depois desaparecidas. Aquele dos fenícios se difundiu através da navegação. Aproveitado pelos gregos, desapareceram outras formas que os mesmo gregos vinham criando. Deram depois os gregos novos desenvolvimentos ao alfabeto, o qual finalmente derivou para as formas latina e cirílica.

No século 9-o começaram as conquistas realizadas pelos reis assírios e babilônios. Caíram então as cidades fenícias. No mesmo rolo também as de Israel. Depois caem também os reis da Assíria e de Babilônia, por obra do poder emergente dos persas. Todavia não desapareceu a influência comercial dos fenícios.

151. Creta, uma premira fase. Na Europa, onde a civilização neolítica houvera

começado pelo ano 3000 na Ilha de Creta, continuou esta por muito tempo um caso especial frente às demais cidades gregas.

É possível mesmo que os primeiros cretenses não fossem gregos. Mas terão sido como estes e os lídios, do mesmo grupo indo-europeu, em contraste com os povos semitas.

As línguas e a cultura de lídios e cretenses terão sido similares, facilitando os contatos.

Os gregos propriamente ditos entraram na Europa pelo ano 2000 a. C. Sabe-se, que todos os indo-europeus vieram da Ásia, de região próxima ao mar Cáspio, onde já se encontravam possivelmente desde 4000 a.C. Quando os gregos, cerca do ano 2000 a.C., penetraram na Grécia continental, sua arte apresentava dominantemente animais de caça e elementos florestais. Dali se infere, que tais gregos vieram de regiões internas da grande península balcânica.

Diferentemente, os cretense oferecem tradicionalmente em sua arte os temas marinhos. Além disto se mostram tecnicamente mais evoluídos.

Pelo ano 1600 e 1400 a civilização cretense atingiu a mais adiantada arquitetura, pintura, símbolos de escrita. Esta, além disto, não tem relação com a escrita dos fenícios.

Infere-se das pinturas do palácio de Knossos, que a vida em Creta já era gentil e a ginástica era uma prática comum. Platão aliás se refere à ginástica como uso iniciado em Creta e que também as mulheres a praticavam nuas, com o mesmo direito dos homens.

O rei Minos, que a lenda consagrou como Minotauro, possivelmente fosse um personagem significativo na história mais remota da Ilha.

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Ninguém ainda decifrou satisfatoriamente até agora os símbolos da escrita usada primeiramente em Creta. Com referência à escrita da linha B, decifrada em 1952, ela não trouxe informações significativas.

Subitamente, pelo ano 1400, foi destruído o grande palácio de Knossos e também a cidade, sem que se saiba de uma causa específica.

Teria sido um terremoto? Neste caso teria havido uma tentativa de reconstrução.

Teria sido consequência de uma expedição invasora, suponha-se vinda da Grécia continental? Mas uma proeza tão grande teria deixado sinais na história dos invasores, locupletados com a pilhagem.

Possivelmente tenham ocorrido ambas as causas. Então poderia ter havido um terremoto destruidor, seguida de uma invasão.

Uma coisa é certa. Desde o desaparecimento do poder de Creta, os aqueus, cujo país é a Acáia (sul da Grécia continental), dominam na região.

A lenda de Teseo, de quem se diz que foi à Creta, constitui-se em janela aberta para uma explicação, - os aqueu venceram e dominara aos cretenses.

152. Os povos gregos se dividem em grupos tribais. Os aqueus, inicialmente

os mais destacados no continente, tinham então Micenas, como cidade principal, cujo rei Agamenon, comandou a guerra contra Tróia (Ílion) pelo ano 1100.

Este acontecimento se tornou o centro da história heróica da Grécia, segundo a reportagem fantasiosa, criada séculos depois, do poema épico de Homero, - a Ilíada.

Não chegaram os povos indo-europeus do Ocidente a criar livros sagrados ao modo como o fizeram outros. Não obstante, a Ilíada estruturou mais ou menos definitivamente a mitologia e o pensamento moral dos gregos. Todavia não estruturou este pensamento ao ponto de impedir posteriores penetrações de outras mitologias. O orfismo e o pitagorismo representa a penetração no meio grego do pensamento religioso então vigente na Pérsia. Mais tarde acontecerá o fenômeno do cristianismo. Todavia antes do cristianismo atuarão os filósofos. Numa interação maior, as filosofias do mundo helênico influenciarão profundamente o cristianismo.

Depois da guerra contra Tróia, os aqueus parecem enfraquecidos. Os tessálios movimentam-se a partir do norte, e expelem aos dórios. Depois

de empurrados, os dórios penetram a península do Peloponeso, com prejuízo dos aqueus. Os aqueus se dividem. Os áticos permanecem ainda na Grécia e conservam como cidade principal

Atenas. Mas os jônicos tomam o rumo da Ásia Menor, onde fundam o que passou a se

denominar simplesmente a Jônia. Lá eles progridem, particularmente nas cidades de Mileto e Éfeso. Eis a Jônia, onde nascerá a filosofia.

Com referência ao Peloponeso dos dórios, a sua cidade mais importante será Esparta. No mesmo Peloponeso, na cidade de Olímpia, se criarão os jogos olímpicos, os quais mantêm a unidade espiritual de todo o mundo helênico, do Oriente ao Ocidente. Aliás, no Ocidente, no Sul da Itália, sob o nome de Magna Grécia, também se desenvolverão, por expansão, os dórios.

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Haverá também colônias gregas no Norte da África e costa mediterrânea das Gálias (França).

Depois da queda do poder de Creta, e durante as primeiras movimentações dos tessálios e dos dórios, ocorreu uma decadência cultural, desapareceu o uso da escrita, que os aqueus haviam herdado dos cretenses.

Mas, por influência fenícia, - conforme já se adiantou, - a escrita reaparecerá entre os dórios cerca do ano 800 a.C.

O espaço entre o ano 1000 e 500 a.C. restou como uma espécie de Idade Média no quadro da civilização grega.

O novo florescimento acontecerá na Jônia mais cedo, e a prova disto é o surgimento da poesia (Homero), da história (Heródoto), da filosofia (Tales de Mileto).

A dispersiva formação geográfica do território contribuiu para a fragmentação política das cidades gregas e das respectivas tribos. Os rios são pequenos, porquanto todos os cursos de água são encaminhados pelos montes diretamente para o mar, sem que se coordenem em um rio maior.

Em consequência, em cada vale entre montes pôde criar-se uma cidade independente, cujo comércio dispunha de saída própria para o mar e consequente progresso.

Não obstante à divisão política, as cidades admitiam a circulação dos habitantes de umas cidades em outras. Dali o nome : , J @ 4 6 ` H (= migrante), do grego : , J ` 4 6 0 F 4 H (= migração de outro país), por sua vez de : , J @ 4 6 X T (= deixar sua casa, emigrar).

O meteco não tem os mesmos direitos que os demais cidadãos, mas pode ali comerciar, estudar e morar, o que compensava ter que pagar sua taxa de migrante. Em Atenas esta taxa de meteco consistia em uma soma de 12 dragmas. Com referência ao desenvolvimento da cultura, este sistema favorecia muito aos metecos, como também contribuía para a difusão de novas doutrinas, religiões, costumes.

153. Duzentos anos de Jônia persa. O nascimento da filosofia e da ciência

acontecido nas cidades da Jônia, - portanto na periferia oriental do mundo grego, - aconteceu não somente porque os jônicos já eram portadores de algum progresso quando ali chegavam. Ali eles se situavam também sobre o caminho de comunicação entre o Oriente e Ocidente. Em consequência, os jônicos puderam progredir em civilização e cultura.

Aconteceram guerras internas entre jônicos e lídios, cuja capital era Sardes, sem que se superassem uns aos outros. Mas ambos estes grupos indo-europeus tinham poderosos inimigos externos, - os medos e persas, do Irã.

Em 585 a. C. o rei Aliates da Lídia esteve em difícil batalha contra o Ciáxares, rei meda invasor, este se retirou ao acontecer o eclipse do Sol, tomado como um sinal de irritação dos deuses.

Continua a prosperidade de Sardes, dos lídios. Estes conquistam Éfeso aos jônicos. Creso, entretanto, estabeleceu relações diplomáticas com os demais gregos. Recebeu mesmo a visita de Sólon, de Atenas.

Contudo, a autonomia da Ásia Menor como um todo logo viria, porque o rei Ciro, da Pérsia, que já havia conquistado Babilônia em 560 a.C., deu começo à transformação do mapa étnico de toda a região.

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A libertando embora Ciro aos povos subjugados por Babilônia, entre os quais se encontravam os judeus, continuavam parte do grande novo império, o qual se organizou em forma de satrapias.

O império persa se expandiu mais ainda para o Ocidente que os outros antigos, quando passou a integrar, por expansão, as cidades da Jônia, criando-se também aqui uma satrapia persa.

Não muito depois, em 523 a. C., Cambises, sucessor de Ciro, conquistava também o Egito.

Assim se consumava uma grande mudança em todo o médio Oriente. Até agora, por mais de dois milênios, haviam dominado os povos semitas, finalmente vencidos pelos persas, indo-europeus.

Cerca de duzentos anos durará o Império Persa. Isto significa também duzentos anos de submissão dos jônicos. Contudo, durante este tempo prosperarão as suas cidades, especialmente Mileto e Éfeso.

Ocorreu em decorrência da integração das cidades jônicas no grande império a vantagem de poderem seus cidadãos viajar livremente em todo o espaço compreendido pela Pérsia, Babilônia, Egito. Heródoto (c. 484 - 425 a.C.), da Jônia, escreveu sua volumosa História, porque pôde visitar aquele vasto império. Também Pitágoras viajou pela região, reemigrando finalmente para o Ocidente, ou seja para a Itália.

Em 334 a.C. Alexandre Magno reconquistou para os gregos as cidades jônicas, invertendo o Império Persa em Império Helênico. Embora imediatamente se redividisse, permaneceu em todas as partes o espírito helênico. Destacar-se-ão, Alexandria, Antioquia, Pérgamo (capital também de um reino helênico de 280-133 a.C.), além das anteriores cidades da Grécia européia.

Lista dos primeiros filósofos da Jônia, e que são os primeiros da lista na lista de todos os pré-socráticos, e já citados (vd 144):

Tales de Mileto (c. 624-546 a.C.), Anaximandro de Mileto (c. 610 - 545 a.C.), Anaximenes de Mileto (c. 585 - 528 a.C.), Heráclito de Éfeso (c. 544- 484 a.C.), Anaxágoras de Clasomene (c. 500 - 428 a.C.), Xenófanes de Colófon (c. 570 - 475 a.C.), Melisso de Samos (c. 485 - 425 a.C.), Pitágoras de Samos (c. 570 - 496 a.C.).

154. No Ocidente dórico crescem principalmente as cidades da Magna

Grécia, fundadas desde o 9-o século a.C. O apoio de Esparta garantirá, que os atenienses não as conquistarão para seu domínio na guerra desenvolvida de 421 a 412 a.C.

De futuro todavia Cartago conquistará grande parte da Sicília. E pouco depois, em 275 a.C. os romanos conquistarão Tarento, e finalmente também a Sicília, juntamente com Cartago. Mas a cultura dos helenos, com a respectiva língua, durará ainda por alguns séculos.

A filosofia e a ciência floresceram desde o início do domínio grego ocidental, sobretudo em Tarento e Elea.

Teve origem em Tarento a escola dos pitagóricos, chamada também itálica, e teve desdobramentos, com expansão inclusive para a Grécia central. Seu fundador foi Pitágoras de Samos (c. 570 - 496 a.C.). Procedendo de uma ilha da Jônia, imigrou para a Itália. Destacaram-se também os pitagóricos: Álcmeon de Crotona (c. da metade do 5-o. séc.

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A.C.), médico e representante da antiga escola pitagórica; Filolaos, que transitou algum tempo na Grécia Continental; Árquitas de Tarento (séc. 4-o a.C.).

O mesmo florescimento acontecerá com a escola de Elea, para onde havia afluído o jônico Xenófanes de Colófon (c. 570-475 a.C.). Nasceram ali os destacados representantes da escola do mesmo nome, Parmênides (c. 540 -470 a.C.) e Zenão de Elea (c. 490 - 430 a.C.). Melisso de Samos (c. 485 - 425 a.C.) foi o primeiro representante no Oriente do eleaticismo.

Platão fez um passadio em Siracusa, da Sicília, ao tempo que aquela cidade se destacava, como a mais forte da região, sob o tirano Dionísio. Quando Siracusa foi conquistada, vivia na cidade o matemático Arquimedes (3-o. séc. a. C.).

Em Leôncio, também na ilha de Sicília, nasceu Górgias (c. 483-375 a.C.), notável sofista.

155. Também na África. A costa mediterrânea ocidental da África tem como

principal cidade a já mencionada Cartago, de origem troiana e relacionada com os fenícios. Sua prosperidade cultural não atingiu inicialmente grande significação.

Em 126 a.C. Cartago foi conquistada pelos romanos, cuja crescente pilhagem no contorno mediterrâneo passa agora a um período de grandes sucessos. Cartago aos poucos se tornou um centro de cultura latina, até passar no século 8-o aos conquistadores árabes.

Cirene foi uma das antigas e mais significativas colônias gregas da África mediterrânea. Ali se destacaram Teodoro de Cirene e Aristipo de Cirene, emigrados para Atenas.

No delta do Rio Nilo, pelo 7-o séc., a. C., já haviam os egípcios permitido a criação de uma colônia grega, de nome Náucratis. Por esta porta os gregos contatavam a civilização do velho Egito e sua arte, bem como compravam ali o papiro para seus escritos. Platão visitou Náucratis.

Verdadeiramente Náucratis foi o pré-nascimento da futura Alexandria, em 332 a.C., esta porém mais próxima do mar.

156. Centralização final em Atenas. Finalmente a difusa hegemonia grega

se centralizou por algum tempo mesma Grécia continental, mais precisamente em Atenas, que passou a viver seu período clássico. Acontecia agora o assim chamado "século de Péricles", equivalendo ao século 5-o. a.C., com continuação no século 4-o.. a.C.

O resultado foi que a filosofia cresceu em quantidade e qualidade na Grécia continental. Sócrates, Platão e muitos outros filósofos são nascidos em Atenas. E outros imigram para esta cidade.

Vieram da Macedônia o grande Aristóteles e os sábios Demócrito (atomista) e Protágoras (sofista).

Das cidades periféricas, ou seja do assim chamado bordado helênico, afluíram os filósofos à Grécia continental, principalmente à Atenas, entre eles Anaxágoras de Clasomene, Empédocles de Agrigento, Górgias de Leôncio. Uns permaneceram definitivamente, outros ao menos transitoriamente.

A tendência de concentração em torno de Atenas teve como causa principal a vitória sobre os persas, cujos efeitos beneficiaram principalmente esta cidade. A primeira

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guerra havia começado em 494 a.C. Acontecera que, quando Aristágoras de Mileto tentou a revolução interna, foi esta reprimida pelo rei da Pérsia com a destruição da cidade rebelada. Invadiram então os persas também a Grécia central. Todavia em Maratona foram detidos pelos atenienses, em batalha ocorrida em 490 a.C.

Segunda guerra se deu no curso dos anos de 485 a 480 a.C. Venceram agora os atenienses também por mar, batendo a frota persa em Salamina.

Eis que o progresso da técnica, ao mesmo tempo das artes ia se evidenciando. Foi exatamente o tempo quando também prosperavam os primeiros filósofos e matemáticos.

Conquistou Atenas mais despojos de guerra do que Esparta. Também Atenas havia construído mais navios para a guerra, os quais agora passaram a servir ao comércio marítimo.

O progresso ateniense durou linearmente pelo menos cincoenta anos, desde a vitória de 480 até 432 a. C., quando principia a desastrosa guerra contra Esparta, a qual se desenrolou por cerca de 30 anos. O historiador desta guerra intestina do mundo grego foi Tucídides (c.460-c.400 a.C.), autor do livro Guerra do Peloponeso.

Péricles (490 - 429 a. C.) fora o mais famoso arconte de Atenas, que a guiou no tempo da prosperidade. Dali a expressão "século de Péricles".

De todas as cidades, desde as mais distantes do "bordado helênico" vinham a Atenas, não somente comerciantes (metecos), mas também toda a espécies de profissionais e mesmo filósofos. Foi este o tempo dos sofistas, aqueles que eram sábios e também instruíam aos cidadãos para os novos objetivos do tempo.

Apareceu então em Atenas o filósofo Anaxágoras de Clasomene. Foi o mestre daquele que seria o grande Péricles, o qual dele se faria também grande amigo.

Não obstante seu posterior declínio político, Atenas permanecerá sempre relativamente significativa em assuntos de cultura, até mesmo porque se tornara como que o símbolo da nação grega. Depois de perdida a guerra e lhe haver sido imposto um governo simpático à Esparta, Platão criou a Academia, em 387 a.C., e Aristóteles o Liceu, em 334 a.C.

157. Quando Alexandre Magno começou a guerra de conquista do vasto

Império Persa, que então incluía Babilônia e o Egito, como também a Jônia grega, passaram a outros centros, - Antioquia e Alexandria, - as decisões políticas e mesmo um certo comando cultural. Nem então cessa de todo a importância das escolas de Atenas, que continuam atuando expressivas.

Também durante o Império Romano, - com capital primeiramente em Roma e depois em Constantinopla, - continua a importância cultural de Atenas, onde estudaram muitos latinos.

O eclipse cultural somente alcançará a Atenas, quando o imperador cristão Teodósio II, sob pretexto ideológico, decretou o fechamento de suas escolas, em 529.

Constantinopla continuou a tradição grega. Mas finalmente cairá em mãos islamíticas, com a conquista turca em 1453. Séculos anteriores haviam caído também Alexandria, cuja biblioteca foi então queimada, e Antioquia.

Atenas voltará a ser a capital da Grécia, em consequência da volta do país à sua independência, em 1829. Mesmo no curso dos tempos modernos foi grande parte do seu

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patrimônio artístico depredado, podendo-se por isso apreciar em museus da Itália e Vaticano, França e Inglaterra, e outros países.

§3. Caráter geral das doutrinas do primeiros filósofos. 0335y160. 161. É conhecido que as religiões influem a filosofia. Por isso, importa notar

que, por ocasião do nascimento da filosofia, outras eram as religiões que atuavam. Ainda que as religiões primitivistas muito se dilatem em episódios, o que

verdadeiramente mais condiciona o pensamento determinado pelas referidas religiões é o que está mais em seu fundamento, - o espírito mítico. E este era mais pronunciado na antiguidade, do que aquele que ainda persiste na base das religiões de hoje.

Em todo o tempo os procedimentos religiosos de uma filosofia, - por mais singela que seja, - sobre o homem, o mundo e finalmente sobre Deus. É que a religião consiste essencialmente de uma visão de conjunto (a religião materialmente) e depois ainda de uma atitude consequente, o culto (religião formalmente).

De acordo com a filosofia aceita, o homem tem, - ou não, - uma religião; tem esta, - ou aquela religião.

Além disto, a religião admite acrescentamentos aos conceitos básicos vindos da filosofia. É o caso quando os indivíduos religiosos admitem revelações. Uma vez suposta a existência de seres superiores, deles acreditam receber mensagens.

Suposto em princípio, que as revelações sejam possíveis, elas deverão contudo ser estritamente provadas. É que as chamadas visões e revelações poderão nada mais ser do que projeções do subconsciente.

Do ponto de vista das provas, as religiões têm uma filosofia, que trata dos fundamentos de sua visão geral, e uma teologia, que respectivamente trata de suas revelações, caso admitidas.

Aqueles que não atingem uma filosofia suficientemente desenvolvida, erroneamente desenvolvem sua filosofia da religião; se no curso do tempo aprofundam sua filosofia, ao mesmo tempo aperfeiçoam sua religião.

Tudo tem uma história. Antes que o filósofo passasse a aperfeiçoar a religião, herdava uma religião, a do seu meio. Da religião recebida tomava as primeiras sugestões. Somente depois de um dado momento, em virtude de seu pensamento crítico, passa a questionar o pensamento recebido.

O antigo filósofo deve portanto ser visto também em função da religião de seu país, em função da qual terá tido as primeiras sugestões para seu exame crítico, para manter e desenvolver, afastar e mostrar as razões de sua nova posição. Na sua biografia podem surgir mesmo episódios sobre seu desempenho, ora bem aceito, ora em conflito com o meio.

161. Religião homérica e religião órfica. Quando a filosofia começou na

Grécia, existiram duas formas de religião - uma era tipicamente ocidental, dita também homérica, em função sua principal fonte de informação; outra era tipicamente oriental, ou órfica, em função ao legendário poeta Orfeu, que a teria primeiramente assimilado no mundo zoroástrico persa e a difundido cedo no mundo grego.

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Importa atender a estas duas formas de religião, porque elas influenciaram por diferentes lados a filosofia, quando surgiu e como se desenvolveu através de muitos séculos.

Por exemplo, Pitágoras e Platão se situaram na mundivisão do orfismo. Coerentemente, pois, professaram um dualismo radical em relação à natureza humana e sobre a realidade em geral.

Diferentemente, Aristóteles se situou em plano mais homérico, e coerentemente interpretou o homem de maneira mais monista e o mesmo sobre a realidade em geral.

Mas, quer se trate de religiões homéricas, quer de origem órfica, todas são originariamente muito primitivas, deturpadas sobretudo pelo antropomorfismo de seus conceitos e pela crença em revelações insuficientemente fundadas. Em consequência se fez a interpretação mítica, tanto do espírito, quanto da natureza.

Quando o desenvolvimento foi capaz de superar a interpretação mítica, quer do espírito, quer da natureza, - então nasceu a filosofia.

Os primeiros filósofos concentraram suas investigações sobre a natureza, e por acréscimo logo também sobre o espírito. Mas é sobre o espírito que a compreensão mitológica mais se tem desenvolvido, de sorte que se pode começar por ali a história do questionamento.

É possível também pensar corretamente, sem logo se adiantar até o pensamento plenamente crítico. Um pensamento se torna crítico, quando a alternativa é também examinada.

Não obstante, o que mais importa considerar é a questão do pensamento mítico, porque este, além de não ser crítico, é rotundamente falso, e leva a novos descaminhos.

I - Superação da compreensão mítica do espírito. 0335y164. 165. O pensamento e todos os demais fenômenos psíquicos costumam ser

conceituados pelos primitivos como pertencentes a um ser totalmente outro àquele do corpo. O dualismo é o estágio natural do pensamento humano, em sua fase pré-

crítica. Os sentidos geram o conceito de matéria, a mente o conceito de espírito. Sem exame da alternativa monista, matéria e espírito são tratados como irredutíveis, totalmente independentes e até adversários entre si. No ser humano, corpo e alma se distinguem exageradamente como o navio se distingue de seu piloto. Colocada a tese dualista, sem exame maior, por cima deste quadro se acrescentam os mitos.

As vezes o homem primitivo conceitua o corpo como moradia provisória, na qual deve tratar de obter méritos para uma vida futura. A idéia da felicidade como recompensa merecida, eis um mito muito presente nas religiões primitivas.

Também é frequente às religiões conceber o corpo como algo desprezível por ser inferior ao espírito. Matéria e espírito são considerados antagônicos. Em cima deste mito, imediatamente se desenvolve outro, - o de que corpo é uma prisão da alma, importando libertar-se da mesma. E mais, - no corpo o espírito sofre, convertendo-se este sofrimento em purificação de supostos delitos anteriores, seja da presente vida, seja de vidas anteriores.

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O orfismo e o pitagorismo, derivados de crenças orientais, atuaram no Ocidente ao tempo que a filosofia dava seus primeiros sinais. O seu dualismo de elementos antagônicos influenciou fortemente a filosofia, sobretudo a de Pitágoras e de Platão.

. Em princípio, o dualismo é uma hipótese possível, mas deve ser provada,

antes de ser adotada como tese definitiva. Sobretudo se este dualismo é de elementos antagônicos, precisa de provas ainda mais estritas.

O dualismo ingênuo do homem primitivo está presente em todos os detalhes de sua religião, porque sequer se conscientiza que tais posições devem ser examinada, antes de as tomar como certas.

E assim também na filosofia poderá o dualismo instalar-se como tese não suficientemente provada.

Uma vez posto o dualismo ingênuo, acontece que o monismo não é examinado como sendo uma outra possível alternativa. O mundo imenso é considerado como uma enorme estupidez, sem vida, sem qualquer imanência. Não sabendo o homem sequer o suficiente sobre as manifestações físicas da matéria, decide metafisicamente sem argumentação adequada sobre a mesma.

O primitivo não se imagina sequer que os corpos tenham capacidade causal. Por isso, tudo o que acontece no mundo têm atrás de si apenas a vontade de um ser superior, a tudo governar como que abanando com sua varinha mágica.

166. O primitivo pensamento religioso do Ocidente, - o pensamento

homérico, - não obstante seu caráter intensamente mítico, tem sido bastante mais natural que o do Oriente próximo.

Na religião ocidental a alma do homem é naturalmente deste mundo, e não foi vista como tendo vindo de um outro mundo por motivo de um castigo e para se purificar nos sofrimentos do corpo material.

Os deuses do Ocidente convivem com os homens. Por vezes atraem as mulheres e as engravidam, dali nascendo homens destacados.

Neste quadro ocidental, foi dito que Platão nascera de Apoleo. Algumas igrejas cristãs admitem que Jesus nasceu de Maria e do Espírito Santo, portanto sem a participação de seu esposo José.

Não faltaram aqueles que explicaram o surgimento desta crença, como facilmente surgida numa época em que o mesmo se dizia de tantos outros, inclusive de grandes filósofos (vd 193).

As religiões do Oriente persa penetraram cedo o Ocidente, e com elas interagiram. Primeiramente porque, por duzentos anos, desde a conquista de Babilônia (538 a.C.), e logo também do Egito e das cidade jônicas, dominaram os persas, estando prestigiada a sua religião, depois porque, por inversão, o Ocidente integrara ao seu território o mesmo império persa.

Quando, se formou o grande império persa, herdeiro da Mesopotâmia e do Egito, os judeus foram também alcançados pela influência que vinha daquelas bandas mais a Oriente. De lá procede a ênfase dada à crença dos anjos e das doutrinas escatológicas.

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Dentre as seitas em que passaram a redividir-se os judeus, a que mais fiel se conservou à tradição foi a dos saduceus. Mais inovadoras foram as dos fariseus, zelotas, essênios, no sentido de que assimilaram elementos zoroástricos. Dentro deste clima se formou finalmente o cristianismo, como última síntese da interação Oriente-Ocidente.

Tudo aconteceu sem um espírito crítico claramente manipulado, e de que a história tenha conhecimento. Portanto, sem uma filosofia bem definida e sem uma ciência de fatos bem constatados.

167. A compreensão mítica do espírito, ao tempo quando surgiram os

primeiros filósofos, tendeu a ser superada, e por isso mesmo começou a filosofia. A superação poderá ter sido apenas um início de reformulação.

Os filósofos jônicos parecem ter estado em uma ambiência mais homérica. No Ocidente, os pitagóricos se situam numa linha evidentemente órfica, tanto que o próprio pitagorismo em parte significava o mesmo.

A linha pitagórica de pensamento se perpetua em Sócrates, Platão, Plotino. De certo modo no essenismo judaico e no cristianismo.

Os eleatas e aristotélicos navegam por fora do pitagorismo. Para a religião órfica, - adotada por Pitágoras de Samos, Platão, Plotino, - as

almas não são deste mundo. Os espíritos independem do corpo atual, e preexistiram a ele. Moram nele por algum tempo, e melhor teria sido se não tivessem tido este castigo.

O antagonismo essencial entre matéria e espírito, por causa da superioridade do espírito, resulta em que a matéria passa a ser considerada prejudicial e a causa de dor.

"O reino de Deus não é deste mundo"! Eis uma expressão típica, e que tem diferentes níveis de interpretação nos grupos religiosos do mesmo gênero órfico. Uma escatologia generalizada domina os espíritos em torno de um fim do mundo eminente. Como este não aconteceu no curso das gerações de então, a escatologia ficou sendo uma doutrina de menor impacto, todavia resistindo ainda nos dias de hoje.

Difundiram-se também ritos de purificação, denominados mistérios, de onde procede também a palavra místico. Os latinos, além de usarem o termo grego mistério, para denominarem estas práticas religiosas, usaram também dizer sacramentos (e assim até hoje em uso entre os cristãos).

O batismo, - palavra de origem grega e que significa lavar por imersão, - foi sempre o rito purificador mais difundido, havendo sido praticado com bastante ostentação, com imersão em "água viva" (água corrente).

Ainda que hoje se pratique o batismo, seu ritual se simplificou, porque assim o consagrou o uso, quer porque já na antiguidade se usavam expressões mais livres, como "batizar as mãos"( = lavar as mãos). Mas não faltam os que procuram restabelecer a forma antiga de lavação por plena imersão, em "’água viva".

Na extrema oposta se encontram os que nada mais vêem no batismo que um símbolo inaugural de uma nova vida que nasce. Então já não é mais o batismo originário como rito de purificação. Então já não se trata do cristianismo antigo, mas de um neo-cristianismo, que conscientemente ou inconscientemente abdicou de suas origens.

As religiões primitivas praticaram ainda ostensivamente a ceia sagrada, como um rito para obter um fortalecimento espiritual, e não apenas como símbolo de

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confraternização. Também este rito está presente em muitas religiões de hoje, mas que era próprio sobretudo das antigas.

168. O contexto – Orfeu, Pitágoras, Essênios, Mitra. Atribui-se a Orfeu,

conforme já advertido, a introdução das crenças orientais no Ocidente. Foi um poeta legendário, músico, nascido na Tessália.

Possivelmente tudo tenha acontecido no 6-o século, a. C., ao tempo da expansão persa.

Pitágoras, também do 6-o século a. C., visitou pessoalmente o Oriente persa, contatando certamente os lugares do culto zoroástrico. Aprendendo ali a prática dos mistérios, os transferiu aos muitos discípulos, no sul da Itália. Por isso é que orfismo e pitagorismo passaram a se equivaler.

Já antes que os cristãos o fizessem, os pitagóricos já praticavam a unção aos doentes.

Também os pitagóricos foram os primeiros a estabelecer comunidades religiosas no Ocidente. Como se sabe, a comunidade religiosa sempre foi típica do Oriente, e mais tarde os cristãos também a desenvolverão no Ocidente, nisto havendo sido precedidos pelos pitagóricos.

Heródoto, o primeiro grande historiador, encontrou no 5-o século, no Egito, a prática de mistérios, semelhantes àqueles dos pitagóricos.

Ainda que a antiga religião egípcia tenha praticado ritos, como é peculiar à todas as religiões primitivas, os mistérios que Heródo encontrou no Egito já deviam ser de acrescentamento novo, e de origem zoroástrica, introduzidas como efeito da recente conquista persa, em 525 a. C.

Os essênios apresentam aspectos que permitem identificá-los como uma ala judaica do pitagorismo. Praticavam o batismo e a ceia sagrada. Estes procedimentos rituais os afastavam do judaísmo tradicional, e deve ter sido um abri caminho para os cristãos.

De outra parte, a semelhança entre os pitagóricos e os cristãos facilitou por isso mesmo o conflito entre ambos os grupos, no que se refere a detalhes rituais e doutrinários. O episódio da filósofa pitagórica Hipácia, morta pelos cristãos de Alexandria e atirada ao rio, é um exemplo disto (Sócrates de Constantinopla, História eclesiástica, VII 15).

Depois que Pompeu (cerca de 66 a.C.) guerreou no Oriente, os soldados romanos trouxeram para o Ocidente a religião oriental, dita também religião de Deus Mitra, denominado o Deus Sol, cujo nascimento era celebrado no solstício de dezembro.

Desde então Mitra recebeu estátuas em diferentes lugares do Império Romano. No Museu de Metz ainda se vê um altar com Deus Mitra, que foi objeto de culto naquela antiga cidade romana.

E porque em Roma a festa do nascimento de Mitra acontecia em 25 de dezembro (o certo seria 21 de dezembro, dia efetivo do solstício), passaram os cristãos a festejar na mesma oportunidade o nascimento de Jesus. O nome da festa era Natalis Solis Maximus (= Nascimento, ou Natal do Sol Máximo).

Este fato mostra como as religiões interagem, influindo-se mutuamente, mesmo quando se opõem como movimento.

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169. Não se exagere, contudo, a influência da religião oriental sobre o nascimento e desenvolvimento da filosofia grega. Durante certo tempo, principalmente no curso do século 19, pareceu a alguns historiadores, que o orfismo era muito importante para definir o começo da filosofia grega. Também as outras religiões influíram sobre o espírito dos filósofos.

A tarefa principal dos primeiros filósofos em relação às religiões foi afastar seus mitos, e aperfeiçoar muitos dos conceitos deficientes tidos pelas religiões tradicionais.

Por causa da enunciação de melhores conceitos religiosos, os primeiros filósofos foram denunciados e perseguidos. Anaxágoras, filósofo jônico ido à Atenas, foi perseguido e preso. Depois acontecerão denúncias contra Sócrates e Aristóteles. Mais tarde até mesmo a Academia de Platão será oficialmente fechada, em 529 pelo Imperador Cristão.

170. Deus, eis o conceito mais significativo da religião e da filosofia, e

sobre o qual imediatamente se instalam as discussões, com variadas opiniões. Usualmente as religiões conceituam a Deus como ser personificado ao modo

humano. Desde logo este modo de conceituar foi contestado pelos filósofos. Distinto do mundo, Deus o teria criado, nele passando a morar, como se fosse

menor que sua criatura. Deus como criador é uma concepção dualista. Mas agora se trata de um

dualismo no plano mesmo da metafísica. Já o outro dualismo, que separa matéria e espírito, está no plano da natureza.

O monismo e o dualismo importam em discussão filosófica muito difícil, que as religiões primitivas não instalaram, e a filosofia teve de assumir, logo se estabelecendo as posições, uns pelo monismo, outros pelo dualismo.

Prevaleceu o dualismo metafísico sobretudo no Ocidente. No remoto Oriente ocorreu uma tendência mais pronunciada de monismo metafísico.

Mas o monismo metafísico também ocorre no Ocidente, e foi sobretudo no Ocidente que logo se estabeleceram os defensores de uma e de outra posição.

Os primeiros filósofos gregos tenderam para uma concepção monista do todo, - a realidade fundamental do mundo é a própria divindade.

As religiões tradicionais do Ocidente, ao estabelecerem uma visão dualista, facilmente acusavam aos primeiros filósofos de ateus, quando na verdade eram apenas monistas metafísicos. Assim sendo, vários deles foram perseguidos. Mas também o foram porque, - tendo aperfeiçoado a noção de Deus, pelo afastamento dos antropomorfismos, - foram por isso acusados de ímpios.

Os primeiros filósofos não se definiram diretamente contra a religião, nem contra a existência de Deus. Os monistas, como os da escola jônica, retificaram profundamente a noção de divindade.

O dualismo metafísico passou a crescer no período socrático. Aristóteles manteve a noção de um Deus pessoal, distinto do mundo, como seu motor, sem que todavia o tenha criado.

Desde os eleatas, a idéia de criação era considerada impossível, porque, - o que já é, é, e o que não é, nada é.

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As religiões tradicionais advertem para Deus, como sendo o administrador do mundo. Esquecem geralmente que Deus é antes de tudo ele mesmo, e tendo em si sua finalidade essencial.

Ainda é peculiar das religiões tradicionais verem a Deus, como o fazedor da justiça, distribuidor das recompensas para os bons e os castigos para o maus. O centro destas religiões é ainda o de que o mundo serve a Deus.

Havendo a discussão filosófica imposto melhores conceitos sobre religião, surgiu também a exegese alegórica, buscando interpretar por outro modo as afirmativas dos velhos mitos. Homero passou a ser visto de um novo modo.

Depois alguns judeus e cristãos tentaram também interpretar alegoricamente várias das narrativas do texto bíblico.

As contestações à exegese alegórica ocorreram, mesmo em alguns setores da mesma filosofia. Platão contestou a exegese alegórica.

A mesma contestação fará, bem mais tarde, entre os cristãos, Agostinho de Hipona (354-430) contra Orígenes (c. 185- c.255).

Não obstante, através dos tempos, a exegese literal encontrou cada vez mais dificuldades, cedendo progressivamente à uma exegese liberal. E assim, para muitos, o próprio texto bíblico passou como um todo a perder aceitação.

II - A anterior compreensão mítica da natureza. 0335y172. 173. Magia e animismo. Foi no plano da formação do mundo que surgiram

as primeiras discussões erguidas pelos filósofos. Para as religiões tradicionais tudo se teria dado de maneira mágica e imediata, por obra da simples vontade e palavra de Deus, que teria criado diretamente desde a luz até o musgo sobre as pedras, tudo em tempo rápido há poucos milhares de anos no passado.

Contra, ergueram os sábios, - filósofos e cientistas, - a hipótese de um elemento primogênito, o qual se teria desenrolado gradativamente, de acordo com uma lei interna de desenvolvimento. Afasta, por conseguinte, a ciência e a filosofia, a imagem de uma natureza se transformando a mandado de uma decisão mágica de Deus, como que dizendo faça-se a luz, e ela se faz, apareçam as aves, e elas já estão a voar. E o homem? Deus sopra sobre um boneco de barro, e surge um inteligente desnudo europeu, e não um baixote australopiticíneo extravagante do centro-sul da África.

Em princípio, Deus poderia ter continuado a dirigir o mundo magicamente. Mas isto precisaria ser provado. O que efetivamente se mostra é o contrário, - um mundo se comportando com leis naturais, através do bilhões de anos. As leis naturais, - estas sim, poderão ter sido criação de Deus, concebido agora como um sábio criador.

O homem primitivo é como a criança. O primitivismo é uma continuação da infância a se perpetuar em alguns setores da mente. A criança, nada sabendo sobre as forças da natureza, mas já sabendo algo das forças anímicas, porque as compreende a partir da experiência pessoal do querer e desejar, projeta seu próprio querer e desejar para dentro da natureza, a qual portanto também "quer" e "deseja".

O homem primitivo, não suficientemente atento à objetividade, observa o mundo, interpretando-o como a si mesmo, como um vago outro eu, o qual também quer e

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decide. Eis o animismo. Como a criança, o homem primitivo se imagina que alguém decide que chova, que vente, que as árvores cresçam, que haja a saúde, que em determinado tempo termine a vida, que os astros se movam, que um dia tudo se iniciou, e que por último tudo cesse. Este animismo é também afastado pela ciência de observação perfeita.

Quanto ao mal, o homem primitivo supõe haver um Deus pela inversa, o Diabo. Suficientemente forte para não ser vencido pelo Deus bom, este Diabo também atua magicamente, como autor do mal, o qual não resulta propriamente como alteração a partir da natureza.

174. A cosmogonia grega foi influenciada por outras dos povos vizinhos.

Primeiramente foi alcançada pelas cosmogonias semíticas da Mesopotâmia e do Egito. Depois acrescentaram-se os elementos órficos, resultantes da expansão do Império Persa.

O historiador Heródoto, ao tempo dos primeiros filósofos de Mileto, anotou: "Os gregos receberam dos babilônios o conhecimento sobre a esfera celeste, o

gnomo e as doze partes do dia" (História, II). Mas não se exagere a influência dos babilônios e egípcios sobre a formação

da ciência e filosofia grega. Homero destacou esta influência; o mesmo fez Aristóteles. Isto é mais verdadeiro em relação às técnicas e a matemática, à arte e à religião. Mas não substancialmente em religião e muito pouco em filosofia, a qual é mesmo uma criação nova, quase toda dos gregos.

A suposição de uma considerável influência externa em filosofia foi um exagero ocorrido em pensadores judeus helenísticos e cristãos de Alexandria.

Afirmaram alguns que Platão (427-348 a.C.) dependeu de Moisés. Ora, isto não fora possível, porque Moisés vivera seiscentos anos antes e nem escreveu os livros do Pentateuco que lhe foram atribuídos. Nem havia então recursos de comunicação para estabelecer a suposta influência de Moisés sobre Platão. Depois de Platão ainda se passariam 200 anos até que na distante Alexandria fosse feita a primeira tradução da Bíblia hebraica para o idioma grego.

As ciências teóricas e a filosofia, como pensamento estritamente crítico, foi criação quase exclusiva dos gregos.

É admissível que tenha sido vastamente influenciada a interpretação mítica grega da natureza pelos mitos das regiões limítrofes, quer semíticas, quer iranianas. Esta interpretação mítica se ocupa da formação de tudo (cosmogonia, teogonia) e do aparecimento de entidades específicas (o Caos, a Noite, a Luz, o Tempo, a Terra, o Oceano, o Tártaro, o Firmamento ou Céu, os astros etc.).

Ultimamente ocorreu também a influência órfica, eis uma influência forte sobre Platão, mas que não é de Moisés.

A ciência teórica e a filosofia, eis o que se apresenta como algo inteiramente novo, de criação grega, apesar de todas as influências religiosas externas vindas em direção do mundo grego.

175. Teogonia. Como foi que tudo começou, ao modo mítico? Eis um

problema, cuja resposta pertence à cosmogonia, - um termo grego, resultante de 6 ` F : @ H

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(ordem, cosmo, mundo, universo) e ( @ < Z (geração, nascimento). Quando esta cosmogonia tem inspiração mítica, ela se chama teogonia, de 1 , ` H (= Deus).

Perguntar, como tudo começou, eis uma consideração totalmente nova sobre a natureza, porque segue um passo em frente, indagando pelo aspecto dinâmico deste acontecer. Nesta outra fase a concepção mitológica grega sobre a natureza poderá ter recebido influências externas.

No começo, a cosmogonia grega tomou elementos das culturas semíticas, principalmente da Mesopotâmia (Babilônia) e do Egito. Estas influências foram ainda recebidas dos fenícios (semitas) e lídios (indo-europeus), desde os tempos da guerra de Tróia.

Sabe-se que os gregos são indo-europeus. Mas, as influências recebidas aconteceram tão cedo, que elas se fundiram integralmente na mesma cultura homérica.

Somente alguns séculos depois virão novas influências indo-européias, quando da penetração dos medos e persas. Esta nova influência se fez conhecer como orfeismo, conforme já adiantado.

Os mais antigos informes, vindos de Homero, dizem, que no começo existiu somente o caos, uma espécie de Deus, tão grande quanto o espaço mesmo. Por diferenciação, o caos fez nascer a Terra (' ) e o Amor (W D @ H ). Tudo acontece magicamente, somente por decisão da mente.

176. Na sequência da teogonia órfica, tudo acontece um pouco de outro

modo. O caos é um vácuo abismal, onde mora a noite. Estas Noite fez nascer o ovo cósmico (o espaço côncavo do céu) e o Amor

(Eros). No segundo nascimento surge o céu (? L D " < ` H ) e a Terra (' ) No terceiro nascimento foi gerado o Oceano (e 6 , " < ` H ) e Tetis (1 X 2 L H

). No quarto nascimento, Cronos (O D ` < @ H ), Rea (C X " ) e irmãos. No quinto nascimento foi gerado Zeus (- , Ø H ) e Hera (Y , D " ). No sexto nascimento foi gerado Dionísio () 4 ` < L F @ H ). Tudo também acontece magicamente, e não conforme uma evolução ao modo

de forças intrínsecas à mesma natureza. Atenda-se ainda à distribuição exterior das gerações, que oferece alguma

semelhança com o modo bíblico de descrever a criação do mundo, em 6 dias, e cujo ponto de partida é um caos inicial. Além disto, todos os detalhes acontecem por efeito da palavra mágica do criador.

177. O Caos inicial, do qual se cria a Terra e o Céu, não é, - ao que parece,

um conceito grego. Levanta-se a hipótese, que ele é um elemento originário da teogonia semita mesopotâmica, de onde teria vindo para a teogonia grega já em tempo remoto.

Apsu e Tiamat constituem o par caótico dos deuses das antigas águas. Na luta dos contrários, a Deusa Tiamat venceu a Apsu, e depois ela também foi vencida por Marduk, que finalmente dividiu o corpo dela, formando assim o firmamento no alto e a terra em baixo.

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No Genesis judaico, redigido cerca do século 7-o. ou 8-o., repete-se o mito mesopotâmico sobre o tempo caótico das primitivas águas. Mas ocorre a presença ao mesmo tempo das trevas, as quais sugerem o começo da antiga noite:

"No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. E Deus disse: Faça-se a luz" (Gen. 1, 1-3).

O clima da narrativa é mítico e mágico, porque tudo acontece de acordo com a vontade pura e simples de um ser Superior, sem qualquer interação cosmogônica das forças pelas quais, segundo verifica a astronomia moderna, paulatinamente se formaram os astros, e continuam a formar-se outros. Estes, na cosmogonia mítica, surgem de repente.

Com referência às águas primitivas, também elas foram atingidas pela magia do poder de uma vontade simplesmente manifestada, no segundo dia:

"Deus disse: Faça-se um firmamento entre as águas, e separe ele umas das outras. Deus fez o firmamento e separou as águas que estão debaixo do firmamento daquelas que estão por cima. E assim se fez. Deus chamou ao firmamento Céus" (Gen., 1, 6-8).

Do mesmo modo, como as narrativas míticas da Mesopotâmia haviam influenciado as dos judeus, podiam também haver penetrado na mitologia grega.

178. A Noite, ou as trevas, tem função significativa nas cosmogonias

míticas, notadamente na cosmogonia órfica. Sempre mais sistemática, no que concerne à ordem das gerações, a cosmogonia órfica, coloca a Noite no começo das forças divinas, quase como se fosse ela o mesmo Caos.

Mas esta ordem da sequência não é sempre respeitada, porquanto as vezes as cosmogonias distinguem vagamente entre o Caos e a Noite.

Ordinariamente, na cosmogonia grega, não é a Noite que comanda, ainda que ela seja a primeira na série das gerações, mas Zeus, da quinta geração. Dionísio, Deus da fecundidade, da sexta geração, é um dos mais apreciados nos cultos órficos.

"Os antigos poetas pensaram do mesmo modo, quando eles afirmam, que não são os primeiros seres – a Noite, Urano, Caos ou Oceano – que regem e dirigem, mas Zeus" (Aristóteles, Metaf. XIV 4, 1091b 4-5). "Os teólogos os fizeram nascer da Noite" (XII 6. 107b 27).

Hesíodo cita a Noite como uma das antigas forças, mas não como a absolutamente primeira:

"Do Caos nasceu Erebo [espaço tenebroso por baixo da terra] e a negra Noite; por sua vez, da Noite nasceram o Éter e o Dia" (Teogonia, 116).

179. Sobre Oceano também se opina, que ele seja um elemento semítico

entrado na cosmogonia grega. Ele é um grande rio contornando o disco da terra. Para os babilônios, alojados junto ao grande rio Eufrates, era mais fácil criar a

idéia de uma ilha emergindo da água, e de acordo com isto imaginar a terra como sendo contornada por grande rio, Oceano.

O momento das águas caóticas era constituído por Apsu e Tiamat, mistura de tudo, também de águas doces e salgadas, de masculinidade e feminilidade.

Diz o texto de dois mil anos antes de Cristo:

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"Quando no alto ainda não se nomeava o céu, e embaixo este não era nomeado pelo seu nome, nada existia senão Apsu o absolutamente primeiro, o seu pai, e Tiamat, que portava todos em seu seio, misturando as águas como um único corpo" (Taboinha I, 1-5).

Também os egípcios imaginavam um primeiro momento de só água, até que apareceu um montículo, a partir do qual Deus passou a comandar tudo.

"Eu fui Atum, quando eu era só Agora; eu sou Re em suas primeiras manifestações, quando ele começou a dirigir tudo, o que ele fez" (Livro dos mortos, 2-o. milênio a.C.).

Sem substancial originalidade, a Bíblia judaica repete após séculos a narrativa semítica:

"E Deus disse: Que as águas que estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido. E assim se fez. Deus chamou ao elemento árido Terra, a ao ajuntamento das águas Mar (Gen. 1,9-10).

Depois, num texto paralelo, a Bíblia descreveu a Terra, com um fundo mesopotâmico e este como se fosse o centro do mundo:

"Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços. O nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Evilat, onde se encontra o ouro. O ouro desta região é puro; encontram-se ali também o bdélio e a pedra ônix. O nome do segundo rio é Geon, e é aquele que contorna toda a região de Cusch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre a oriente da Assíria. O quarto é o Eufrates" (Gen. 2,10-14).

Na Grécia já cedo se encontra o conceito de Oceano como grande rio, e possivelmente sua imagem tenha vindo, como se adiantou, da tradição mesopotâmica.

Homero, do 8-o século a. C. já o descreve: "Oceano, com fluxo profundo, do qual saem todos os rios, todo o mar, todas

as fontes e todos os poços profundos" (Iliada, XXI 194). Advertiu porém Herodoto: "Eles (os gregos) asseveram textualmente, que Oceano, vindo da saída do sol,

flui em torno da terra, mas efetivamente eles não provam isto" (História, IV 8). Eis o jônico Heródoto, contemporâneo dos primeiros filósofos, gregos

nascidos na Ásia Menor, opinando com espírito claramente crítico. 160. No conceito de Homero, do 8-o século a. C., a forma da terra é a de um

disco plano, sobre o qual se estendia o céu, como concha firme. E por baixo deste disco plano da terra? Séculos depois de Homero, o filósofo

Xenófanes (c. 570-475 a.C.) opinou: "O limite superior da Terra o vemos ante nossos pés, contatando o ar; o

embaixo vai sem fim" (Fragmento 28). Segundo outros, a Terra vai até o Tártaro, sobre o qual ela tem as suas raízes.

Lá há um grande lugar, semelhante ao nosso espaço sob o céu. Com porta de entrada e morada para a Noite e outros seres. Neste contexto, Homero apresentou a Zeus, falando:

"Ou tomando-vos, eu vos atirarei no umbroso Tártaro, muito distante, onde está o abismo muito profundo da Terra; lá estão. Lá estão portas de ferro e entrada de bronze, tão profunda no Hades, quanto o céu se distancia da terra" (Homero, Ilíada, VIII 13).

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Semelhante é a descrição de Hesíodo sobre o Tártaro: "Em torno está o seu muro de bronze; em torno se estende como tríplice muro

a Noite; sobre ele estão as raízes da terra e do estéril mar" (Teogonio 726). Note-se que também Jesus se encontra neste contexto, ao se referir às portas

do Inferno. III - A compreensão filosófica da natureza, pelos primeiros filósofos.

0335y182. 183. Criação de um sistema explicativo. Antes de Tales, que predisse o

eclipse do sol, de 485 a.C., não existia uma ciência sistemática. Mas, em consequência da progressão da técnica e crescente complexidade da vida social, os homens foram estimulados a pensar mais logicamente, com mais método. Dali também decorreu que fossem mais capazes de compreender os fenômenos da natureza, em termos de causa e efeito proporcionais, com explicações menos míticas.

Certo dia, Tales terá dito aos cidadãos de Mileto, - todas as coisas se compõem de um elemento primeiro, e este elemento é a água. E ponderando mais, terá dito ainda, que este elemento é eterno, como se fosse divino. As causas estão dentro da natureza e operam dentro de certas leis, as quais é preciso investigar, com vistas a tudo entender racionalmente

Eis uma nova espécie de discurso, o discurso de um primeiro filósofo, o qual para predizer um eclipse não precisava proclamar-se um profeta para ser acreditado, porque fazia sua predição à vista de uma sequência de razões.

Este homem de Mileto observava a natureza objetivamente, sem a subjetividade de um pensamento de explicações animísticas e mágicas.

Ele já não crê na criação do mundo por forças mágicas, de uma vontade caprichosa. Não exclui ele a divindade, a qual todavia conceitua de um modo novo.

Tales fez-se conhecido também como empresário, engenheiro, matemático, astrônomo. Nestes ofícios ele aprendeu, como resultado do treino do pensamento lógico dos mesmos ofícios, a repensar as explicações mais gerais sobre a realidade, fazendo uma filosofia.

Certamente por causa da capacidade de pensar racionalmente, mais pessoas terão aceito os arrazoados de Tales, e se criou uma escola de pensadores. Assim foi que também se criou a tradição na filosofia

Passados duzentos anos, pôde Aristóteles (384 - 322 a. C.) ainda saber algo sobre este Tales de Mileto, chamando-o físico, na acepção de estudioso da natureza, e criador portanto da filosofia natural, ao mesmo tempo que da ciência natural.

Algumas ciências, como a matemática, a geometria, a astronomia passaram a um desenvolvimento ao mesmo tempo que a filosofia surgente.

Costumeiramente são os mesmos indivíduos que se dedicam a todas ao mesmo tempo.

Ainda que muitos se tenham ocupado com a filosofia, somente são ditos filósofos aqueles que se destacaram como pensadores racionalmente sistemáticos.

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Já ao tempo dos primeiros tempos da filosofia se fazia menção com destaque aos sete sábios da Grécia. Somente Tales e Pitágoras, considerados filósofos, constam naquela relação de nomes.

Quando se escreve a história da filosofia, a sua origem não é estudada senão com algumas referência aos sábios em geral, porque todas as ciências vieram surgindo como um todo. Isto é válido principalmente para os pré-socráticos, e muito especialmente para os primeiríssimos filósofos de Mileto, - Tales, Anaximandro, Anaxímenes

184. O tema central dos primeiros filósofos, até Sócrates foi o da natureza.

Mas não foi inteiramente exclusivo, até porque a tendência da filosofia iniciante foi monista. Na visão pré-socrática o espírito e a matéria, sobretudo dos jônicos, são faces da mesma coisa, e esta coisa incluía a própria divindade.

Qualquer fosse o tema, o que criava o início da filosofia era o modo de tratar o tema. Conforme já se adiantou (vd 163), a logicidade do espírito humano resultara da progressão da civilização, cujas técnicas implicavam no aprendizado do pensamento lógico, atento à proporção das causas e dos efeitos.

A prosperidade do comércio, da navegação, da agricultura, da construção e mesmo das artes, postulou um conhecimento mais fiável das leis da natureza, portanto das teorias científicas para guiar as técnicas e a filosofia sobre a natureza, para valorar aquilo que ocupava ao homem.

Até agora as considerações sobre a natureza interessavam mais às religiões, aparentemente menos prejudicadas pelo sem valor do mito.

A situação criada pelo desenvolvimento espontâneo da civilização exigiam dos homens mais realismo. Numa interação entre a necessidade e as conquistas alcançadas, foi o homem desenvolvendo sua capacidade de pensar, seguindo racionalmente para novos avanços.

A ciência e a filosofia, agora em formação, poderá não ter alcançado acerto em tudo. Mas, mesmo nos desacertos o cientista e o filósofo atuavam com um novo espírito.

Era um avanço propor a hipótese de que na natureza os nascimentos e as transformações se explicavam a partir de um elemento inicial, o qual, por via de complicações gerava todos os fenômenos. Eis algo inteiramente novo na história do pensamento. Possivelmente os filósofos erraram nos detalhes, quando propuseram como elemento inicial a água (Tales), ou o infinito (Anaximandro), ou o ar (Anaxímenes), ou o fogo (Heráclito), ou mais elementos. Mas a diretriz geral de investigação ia na direção correta, pela objetividade com que tudo era concebido, sem participação da magia das causas míticas.

Nem os primeiros autores a escreverem na Mesopotâmia, nem os primeiros do Egito, nem os profetas judeus, nem qualquer dos grandes fundadores de religiões se altearam tanto na perfeição do pensamento metodificado como o conseguiram os primeiros cientistas e filósofos.

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CAP. 3 ESCOLA JÔNICA ANTIGA: TALES, ANAXIMANDRO, ANAXÍMENES. 0335y185.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 186. Introdução. Didaticamente, o exame da Escola jônica antiga, ou

simplesmente de Mileto, é abordável em três itens, cada um titulado por um dos seus três principais filósofos.

- Tales de Mileto e sua filosofia (vd 0335y190); - Anaximandro de Mileto e sua filosofia (vd 0335y222); - Anaxímenes de Mileto e sua filosofia (vd 0335y256). 187. Mileto – berço da filosofia. Tudo começou na Ásia Menor, na parte

então ocupada pelos gregos, quando ali prosperava uma federação de 12 cidades jônicas, entre as quais Mileto, a que se situava mais ao sul, em uma baía de fácil acesso.

Inicialmente, a partir do século 8-o, fora Mileto a mais próspera das mencionadas cidades.

Era ainda uma cidade grega independente, quando nela se celebrizou Tales, como primeiro filósofo. Continuava ainda independente, no curso da vida de seus sucessores Anaximandro e Anaxímenes, e escrevem os historiadores Cadmo e Hecateo.

Depois da conquista persa de toda a Ásia Menor, acontecida em 548 a.C., continua ainda a prosperidade de Mileto. Mas, em 494 a.C.., quando a cidade se fez o centro principal da frustrada revolução contra o domínio da Pérsia, foi destruída. Embora se fizesse a reconstrução, Mileto jamais retomará a antiga prosperidade e importância. Nem voltarão a ela os filósofos.

Os outros filósofos jônicos, que por contraste formarão a Escola Jônica nova, nascerão mais ao norte de Mileto, e foram: Heráclito de Efeso, Anaxágoras de Clasomene. A eles se anexou, por homogeneidade de pensamento, o ocidental Empédocles de Agrigento, situado cronologicamente entre os dois precedentes.

Ainda outros filósofos nascerão na Jônia: Pitágoras de Samos, Melisso de Samos, Xenófanes de Colófon. Estes emigrarão para o Ocidente, ou seja para as então cidades gregas no Sul da Itália, onde formavam a assim chamada Magna Grécia..

Possivelmente os filósofos Tales, Anaximandro, Anaxímenes não foram os únicos a filosofar em Mileto. A prosperidade da cidade permitia que ali se desenvolvesse um círculo de sábios.

A destruição da cidade em tempo tão antigo resultou também na perda de todos os documentos de sua história. Quase nada restou para reconstruir a história de sua cultura e de suas relações com as demais cidades gregas de em torno do Mediterrâneo.

188. Os então chamados Sete sábios da Grécia são do tempo em que a Jônia

prosperava. Admiravelmente, os sete nomes são quase todos da Jônia. Entre eles se destaca o nome de Tales de Mileto (vd 199).

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A expressão de Teofrasto (vd Simplicio, Física, p. 23, 26), que diz "antecessores de Tales" é muito genérica. Poderá significar os teólogos dos mitos e não os filósofos.

O livro hipocrático Sobre as semanas expõe 11 doutrinas físicas, que apresentam o aspecto de transição da física milésia à física pitagórica. Eis uma informação genérica sobre um efetivo contato entre a Jônia e a Itália. Efetivamente se sabe, que da Jônia saíram para o Ocidente Pitágoras de Samos e Xenófanes de Colófon.

Esta hipótese foi levantada por W. H. Roscher, aceita por W. Windelband, todavia contestada por Hermann Diels.

Roscher manteve sua hipótese, que de novo expôs: "(Conhecemos) um antigo milesiano, que preenche o vazio havido até agora

entre a filosofia de Mileto sobre a natureza e Pitágoras, estabelecendo uma espécie de ponte entre aquela e este".

E acrescentou Roscher: " É ainda glória especial para nosso autor, porque descobrimos nele o

primeiro defensor da esfericidade da terra, da intocabilidade das leis da natureza, as quais regem o microcosmo e o macrocosmo, em especial as formuláveis aritmeticamente, e da condensação e rarefação das substâncias" (Die neuendeckte Schrift eines altmilesischen Naturphilosophen, ktp, Stuttgart, 1912).

ART. 1-o. TALES DE MILETO E SUA FILOSOFIA. 0335y190.

191. Tales de Mileto (greke 1 V 8 H J @ Ø 9 4 8 0 J @ L ) (c. 624-546 a.C.)

foi conhecido em todos os tempos como havendo sido o primeiro filósofo e proponente de um sistema da natureza, em que o elemento fundamental é a água, bem como sempre citado como o primeiro entre os sete sábios da Grécia.

Também foi sempre citado como tendo sido o primeiro a prever um eclipse do sol e por dar nome a um teorema da matemática.

Por tantos títulos é conveniente a todo filósofo e cientista conhecer algo mais do referido Tales de Mileto, também porque foi o primeiro sábio a superar as explicações míticas, com isto encaminhando a ciência e a filosofia para seu verdadeiro curso.

Didaticamente há a tratar sobre o primeiro filósofo, sucessivamente: - Vida e obras (vd 0335y192); - Doutrinas de Tales (vd 0335y203). § 1. Vida e obras. 0335y192. 193. Em Mileto? Nasceu Tales em Mileto, situada na costa sul da Jônia, Ásia

Menor. Mas esta informação, sempre repetida e ligada ao próprio nome de Tales, não é inteiramente segura.

Dizem alguns, como Heródoto, que ele veio da Fenícia e se fez cidadão de "Tales de Mileto, fenício por antiga origem " (Heródoto, Historia, I 75).

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Diógenes Laércio, reunindo mais detalhes, se refere ao antigo uso de ligar, direta ou indiretamente, os homens eminentes a algum fator sobrenatural, ou mítico:

"Heródoto, Duris e Demócrito dizem, que Tales, filho de Exâmias e Cleobulina, pertencia à família dos Tálidas, uma das mais ilustres da Fenícia, oriunda ela mesma de Cadmo e Agenor, segundo diz Platão" (D. Laércio I, 22).

Sabe-se, o que a lenda de então dizia, que Agenor era filho de Posseidon (Deus dos Mares) e de uma Oceania. Rei da Fenícia, Agenor teve uma filha, de nome Europa, amada de Zeus, e três filhos, Cádmo, Fênix, Cinix.

Ora, Zeus teria roubado Europa e se transferido ao outro continente. Partira então Cadmo em busca de sua irmã Europa. Em Beócia fundou Cadméia, depois Tebas (Homero, Odisséia, V, 338 e o poema de Ovídio).

Embora o narrado seja uma lenda, o fato de haver sido criada, mostra a importância dos personagens em torno dos quais se criou. Conforme já adiantamos, os homens importantes da antiguidade apresentam alguma versão sobre sua origem sobrenatural. Platão será dito divino, porque gerado por obra de Deus Apolo, que engravidou à Periccione. O mesmo se dirá de fundadores de religiões. Por esta razão, uns e outros são ditos Divinos, Filhos de Deus, Sábios, etc.

Acrescentou Diógenes Laércio sobre Tales: "Segundo estes testemunhos, teria obtido o direito de cidadania em Mileto,

quando aqui chegou com Neleu, fugido da Fenícia. A opinião mais acreditada, porém, é a de que era originário de Mileto e de uma família ilustre" (D. L., I, 22).

Se fosse verdadeira esta informação, ela apoiaria a opinião de que houvera alguma influência oriental no despertar da filosofia grega.

Mais firme é a opinião de que Tales tenha sido tão jônico, quando os demais filósofos e sete sábios da Grécia.

De outra parte, deve-se admitir contudo que nesta região de contato internacional se dera desde prístinas eras uma constante miscigenação de raças. Todavia estas novas populações assimilaram também a cultura progressista dos gregos, como também poderão ter participado como fatores de estímulo, conforme costuma acontecer na interação social. Poderia mesmo Tales haver sido um produto desta interação de raças.

194. As datas de nascimento e morte de Tales se fixam pelo calendário dos

jogos olímpicos, em combinação com acontecimentos significativos: - nascimento pelo ano 624 a. C.; - morte, cerca de 546 a. C. Os jogos olímpicos começaram a ser praticados em 776 a. C., em honra de

Zeus, em torno do templo de Olímpia, na Península do Peloponeso. Mas, somente em 264 a.C. Timeo da Sicília criou este sistema cronológico.

Para calcular o número de anos basta multiplicar por 4 a indicação sequencial da olimpíada, e ficar atento em qual dos 4 anos da referida olimpíada ocorreu o fato a ser datado.

Proibidos, em 394, os jogos olímpicos pelo Imperador cristão Teodósio, de Constantinopla, cessou o uso desta cronologia, à qual muito de perto se liga toda a história da filosofia antiga.

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Ocorrem entretanto dificuldades sobre a fixação cronológica de Tales: "Apolodoro, na Crônica, fixa o nascimento de Tales no primeiro ano da 35-a.

olimpíada (640-639 a. C.). Morreu na idade de 78 anos, ou, segundo Sosícrates, com 90 anos, pois teria morrido na 58-a olimpíada (c. 548-545 a. C.), tendo sido contemporâneo de Creso" (D. L, I, 37).

Se Tales houvesse atingido 78 anos, poderia ter nascido em 624 a. C., o primeiro ano de 39-a olimpíada. Se a sua idade houvesse ido a 90 anos, ele teria nascido em 636 a. C., quando da 35-a olimpíada, como efetivamente informou Apolodoro, retomado por Diógenes Laércio.

Toma-se por hipótese provável que a idade de 90 anos atribuída a Tales fosse apenas uma leitura falseada da antiga maneira de numerar através uso de letras. Neste caso a letra grega E (épsilon) teria sido lida por uma semelhante 1 (theta). Então se teria lido falsamente olimpíada 35 (mais antiga) em vez de olimpíada 39 (mais recente).

O inverso também poderia ter acontecido, 35 em vez de 39. Mas esta outra leitura provavelmente não aconteceu, porque eleva sobremaneira a idade de Tales, que em nenhum lugar é destacada como tendo sido extraordinariamente alta.

Se se preferir a data de morte como certa, e a idade de 78 anos, resulta a cronologia costumeiramente admitida: nascimento cerca de 624 a. C. e morte cerca de 546 a. C.

Quando Tales anteviu o eclipse solar de 585 a. C. , ele teria tido 39 anos de idade. Neste caso, ao começar Creso a reinar, em 57 a. C., estaria Tales com 53 anos. Em Atenas o ano era denominado pelo nome do arconte eleito anualmente. Diz-se, por exemplo, que a lista dos sete sábios foi feita quando era arconte Damásio (582 - 581 a.C.).

A cronologia cristã começou a ser proposta a partir do século 6-o, pelo Monge Dionísio o Exíguo, e aceita mais anos depois, e foi quando mais uma vez os cálculos foram refeitos.

Ainda sobre a morte de Tales informou Diógenes Laércio: "Tales, o sábio, presenciando um combate ginástico, sucumbiu por causa do

calor, da sede e do esgotamento da velhice" (D. L., I 39). Continua o mesmo informante: "Sobre a sua tumba se colocou a seguinte inscrição: Contempla aqui a tumba de um gênio poderoso, Tales! Este monumento pouco vale, sua glória, porém se eleva até aos céus"! (D. L.,

I, 39). Repetiu, resumidamente, o léxico de Suídas, do 10-o século: "O milésio Tales, filho de Exâmias e Cleobulina, porém fenício segundo

Heródoto, nasceu antes de Creso, durante a 34-a olimpíada (640-637 a.C.). Segundo Flegonte, ele já foi conhecido na 7-a (752-749 a.C.). Ele morreu enquanto presenciava uma luta ginástica, espezinhado pela excessiva multidão e exausto por causa do calor" (Suídas).

195. Contam-se alguns episódios de Tales, referentes ao casamento, estudo,

riqueza. Sobre o casamento de Tales as informações não são claras, havendo Diógenes Laércio reunido algumas delas:

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"Alguns autores asseveram, que ele casou, e que teve um filho chamado Cibiso. Outros dizem, que ele permaneceu sempre solteiro, e que adotou o filho de sua irmã" (D. L., I, 26).

No que concerne ao assunto do casamento, conta-se o episódio: "Sua mãe insistia que ele casasse, e ele lhe respondeu: Ainda não é tempo.

Depois, quando já era de mais idade, ao repetir ela a insistência, ele respondeu: já não é mais tempo" (D. L., I, 26).

Certa vez, "ao ser perguntado por que não pensava em ter filho, ele respondeu, porque eu muito amo às crianças" (D. L., I, 26).

Pode-se ridicularizar aos sábio? Era o que Platão por vezes fazia, talvez influenciado pela ironia de Sócrates. Num diálogo de Platão diz Sócrates a Teodoro:

"Era assim que Tales contemplava os astros, e uma vez, contemplando o céu, foi cair num poço. Diz-se que uma mulher da Trácia, gentil e graciosa serva, ao vê-lo, se riu escarninha daquele zeloso perscrutador das alturas, tão desatento ao que, diante dele, a seus pés, se encontrava" (Teeteto 174 a).

Não cuidou de enriquecer, e sequer cobrava pelo ensino. "Tendo-lhe um discípulo perguntado, qual o preço do seu ensino, respondeu:

Reconhece aquele que te ensinou, e o terás pago" (D. L.). Outro episódio da indiferença de Tales frente à riqueza encontra-se em texto

de Aristóteles: "Uma vez o vituperavam pela sua pobreza, querendo persuadi-lo da

inutilidade da filosofia. Mas, vindo a saber, já no inverno, pela astronomia, que a safra seria abundante no ano seguinte, despendeu o filósofo o pouco dinheiro que possuía, alugando por baixo preço todos os lagares de azeite que existiam em Quios e Mileto. Ninguém lhe disputou o negócio. Mas, chegado o momento da safra, muitos pretenderam servir-se dos lagares, querendo todos ao mesmo tempo ser os primeiros. Sublocou-os então por altíssimo preço, obtendo grande lucro. Assim provou que aos filósofos é fácil adquirir riquezas, querendo fazê-lo, mas que outra é a ambição deles " (Aristóteles, Política I, 11. 1259 a 6).

A mesma narrativa repetiram outros: "Segundo Jerônimo de Rodes, no segundo livro de Memórias diversas, ele

quis mostrar quanto era fácil de se enriquecer: havendo previsto para aquele ano uma abundante safra de azeite, alugou todas as prensas e lucrou somas consideráveis" (D. L., I, 26).

Foi Tales um comerciante: "Também se diz, que Tales e Hipócrates o Matemático se dedicaram ao

comércio" (Plutarco, Solon, 2). Profissionalmente, além de comerciante, parece ainda que fosse professor, ao

menos eventualmente. É o que sugere a resposta, - já mencionada, à pergunta do discípulo, como pagar: "Reconhece quem te ensino, e o terás pago".

Certamente algumas narrativas serão apenas anedotas, mas a ocorrência destas prova que Tales deixou na mente dos seus conterrâneos gregos a memória do homem admitido como havendo sido um sábio.

Platão, que se encontra ainda bastante próximo do tempo de Tales, e costumeiramente praticou o gênero ficção, - ao narrar o episódio da serva se rindo do sábio

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caindo no poço ante seus pés, - terá apenas inventado o episódio, com vistas a destacar a dedicação de Tales à observação, ao mesmo tempo que destacava sua eminência de sábio.

Também a narrativa de Aristóteles sobre o enriquecimento de Tales a controlar todos os lagares da região em torno de Mileto, não apresenta credibilidade interna. Mas ela destaca a sabedoria de Tales, além de defender a importância das ciências abstratas para o desenvolvimento.

196. Os primeiros estudos ou sucessos de Tales terão sido os da astronomia. "Também se diz que foi o primeiro cultor da ciência dos astros, havendo

prenunciado eclipses do sol e acontecimentos futuros, motivo pelo qual Xenófanes e Heródoto o admiram. São disto testemunhas Heráclito e Demócrito" (D. L., I, 23).

Efetivamente, quando aconteceu o predito eclipse no ano 585 a.C., ele tinha provavelmente 39 anos (cálculo sobre o nascimento em 624 a.C.). Resta ainda a antiga informação do historiador Heródoto sobre o acontecimento.

Possivelmente porque fosse estudioso, Tales viveu como pessoa isolada: "Heráclides informa, conforme Clito, que ele teve uma vida isolada e íntima.

Mais e mais cresceu o seu fervor pelos estudos. Depois da ocupação com as coisas públicas, ele se dedicou ao estudo da natureza" (D. L., I, 22).

197. No Egito. Conforme o costume dos sábios deste tempo, por exemplo de

Sólon, também Tales viajou ao Egito, de onde procedem muitos elementos da cultura grega. Aécio diz mesmo, que Tales ficar ficou muito tempo no Egito. Efetivamente

isto fora possível, porque sobre o delta do rio Nilo já havia a este tempo uma cidade grega, - Náucratis. A informação de Aécio se funda em fonte peripatética, porque operou com os textos de Teofrasto, e é por isso mesmo provavelmente autêntica:

"Tales... ocupou-se sobre filosofia no Egito, e voltou a Mileto idoso" (Aécio I 3,1).

De outra parte, este costume grego de visitar ao Egito ocasionou que Plutarco tenha feito, com pouco sentido, que também Homero (do 8-o. século a.C.) tenha aprendido neste distante país:

"Eles crêem, que Homero e Tales aprenderam com os egípcios a ver a água como princípio gerador de todos os seres" (Plutarco, Sobre Isis e Osiris, 34).

Tales se ocupou de assuntos egípcios, por exemplo, como explicar as inundações do Rio Nilo. A teoria levantada sobre estas inundações era a de que "os ventos, soprando contra o Egito, elevam as massas de água do rio Nilo, porque o adensamento do mar contra ele, não permite o escoamento" (Aécio IV I, 1).

"Uma destas teorias diz, que os ventos etéseos são a causa da elevação do rio, por causa do embaraço criado contra o defluxo do Nilo para o mar" (Heródoto, História, II 20).

Esta ocupação com assuntos egípcios confirma a informação de que tenha estado no Egito.

Indubitavelmente a viagem de Tales ao Egito pudera ter por motivo principal sua vontade de saber, o que tanto pudera alcançar pelo seu conhecimento pessoal daquele país, como ainda pelos contatos com outros sábios que ali esperava encontrar.

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"Pânfilo conta que ele aprendeu a geometria com os; egípcios" (D. L. I). Platão citou a Tales como sendo muito erudito (República 600 a). Efetivamente, os egípcios à época tinham mais conhecimentos de matemática,

em razão de um passado ligado à agrimensura e às construções. Contudo, estes conhecimentos talvez não fossem tão vastos quanto pensou Aristóteles e informantes posteriores. Conforme à teoria de Aristóteles, o ócio permitido aos sacerdotes egípcios houvera dado a estes a oportunidade de estudar e desenvolver a matemática e conhecimentos análogos.

Contudo, não se conservam provas precisas sobre o que efetivamente acontecia. Bastou, entretanto, a teoria de Aristóteles, para que se atribuísse um mérito talvez excessivo aos remotos matemáticos egípcios. Também as sociedades secretas contemporâneos, que a si atribuem remotas origens no saber egípcio, não apresentam provas exatas sobre o que afirmam.

As inundações anuais do rio Nilo obrigava ao redimensionamento repetido dos espaços cultiváveis. Esta função ocasionou conhecimentos práticos de geometria. Proclo (410-485), mil anos depois de Tales, opinou, que a origem da geometria aconteceu em função deste trabalho anual de redimensionamento das planícies férteis ao longo do rio Nilo. Possivelmente o texto de Proclo já seja o resumo de considerações similares feitas por Eudemo, discípulo Aristóteles.

"Nos diremos, conforme a maioria dos historiadores, que a geometria foi descoberta primeiramente no Egito, e que ela nasceu na medição das áreas de terra. Isto fora necessário lá, porque o Nilo inunda as planícies e apaga seus limites. Tales foi o primeiro, que introduziu esta ciência na Grécia. Ele mesmo descobriu outros princípios e os indicou aos sucessores, as vezes em forma geral, outras vezes mais praticamente" (Proclo, Comentário a I-o livro dos Elementos de Euclides, ed. G. Friedlein, 64, 17-65).

198. Outras informações completam os detalhes sobre a viagem de Tales ao

Egito: "Ele não teve mestre, além dos sacerdotes, com os quais tratou no Egito" (D.

L., I, 27). "Aqueles que entre os gregos primeiramente filosofaram sobre os céus e

sobre as coisas divinas, como Ferécides de Siros, Pitágoras e Tales, todos concordam sem exceção, que eles foram discípulos dos egípcios e dos caldeus, e eles pouco escreveram" (Josefo, Contra Apião, I, 2).

"Ainda que não quisesse por motivo de idade e de doença, ele [Tales] persuadiu a Pitágoras navegar para o Egito e ali conviver com os sacerdotes de Mênfis e de Eliópolis; porque junto a aqueles sacerdotes também ele se havia provisionado de tais conhecimentos, pelos quais o sábio é altamente apreciado pela multidão dos homens" (Jâmblico, Vida de Pitágoras).

Esta informação, do filósofo neoplatônico do 3-o século, sobre Tales e Pitágoras é improvável, ainda que não de todo impossível, porque o primeiro morreu, quando o segundo estava com cerca de 20 anos. Contudo a informação de Jâmblico, um dos principais informantes sobre o pitagorismo, é segura sobre a significação geral das viagens dos sábios gregos ao Egito.

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"Como entre os fenícios o preciso conhecimento sobre os números aconteceu no comércio e nas relações comerciais, assim a geometria entre os egípcios. Tales foi o primeiro que, vindo do Egito, transmitiu estas ciência à Hélade. Muito descobriu ele próprio. Sobre muitas outras coisas ele estabeleceu os fundamentos para aqueles que vieram depois dele" (Proclo, Sobre Euclides, 65, 3, Friedlein).

A carta de Tales a Ferécides de Siros (sec. 6-o a. ao qual se atribuiu uma Teogonia), transcrita por Diógenes Laércio, parece não ser autêntica. Ma o contexto é o daquele tempo, ao informar sobre uma outra viagem de Tales ao Egito e a Creta.

199. O primeiro dos sete sábios da Grécia. A fama de Tales como sábio

(sofós) confirma-se pela sua constante presença em todas as listas que os apresentam como tendo sido sete. E ainda se confirma no episódio apócrifo da trípode atribuída em herança ao mais sábio.

A lista dos sete sábios da Grécia se formulou ao tempo do Arconte Damásias (582-581 a.C.). As listas que os historiadores transmitiram apresentam algumas variações. Tales todavia comparece em todas elas, e sempre entre os primeiros denominados. Dentre os outros antigos filósofos aparecem por vezes Pitágoras de Samos e Anaxágoras de Clasomene.

Como se sabe, as listas são bastante antigas, razão porque não contêm os nomes do período clássico da filosofia grega, como o dos eminentes Sócrates e Demócrito, Platão e Aristóteles. E nem os nomes dos cientistas mais representativos posteriores.

Predominam os nomes da Ásia Menor, vindo até em série os costumeiros; três, das cidades de Mileto, Mitilene, Priene.

Refere Diógenes Laércio: " Foi [Tales] um dos sábios, o que Platão confirma, e o primeiro apelidado

sábio (sofós). No tempo do Arconte Damásias foi estabelecido este número dos sete sábios, como Demétrio de Falera noticia na sua Inscrição dos arcontes" (D. L., I, 22).

Portanto, pelo ano 586 a.C., um ano antes do eclipse do sol, predito por Tales. A mais antiga lista chegada até nós, referente aos 7 sábios é a de Platão (427-

347 a.C.). "Entre esses homens figuram Tales de Mileto, Pítacos de Mitilene, Bias de

Priene, nosso Sólon, Cleóbulo de Lindos, Mison de Khene, Ghilson de Lacedemônia" (Platão, Protagoras, 342 a).

"Tales foi o primeiro que recebeu o nome de sábio" (Suídas). Diógenes Laércio examinou estas listas, no que se refere às variações

apresentadas: "Não se está de acordo sobre o número dos sábios: Leandro substituiu a Cleóbulon e a Mison por Leofanto, filho de Gorsiada, de

Lebedos ou de Éfeso, e Epimênides, de Creta. Platão, em Protágoras, coloca a Mison no lugar de Periandro. Éforo substituiu Mison por Anakarsis. Outros acrescentam a Pitágoras. Dicearco cita quatro, acerca dos quais não há discrepância: Tales, Bias, Pítaco

e Sólon; depois acrescenta os nomes de outros seis, entre os quais ele elege três, para

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completar a lista, Aristodemo, Pânfilo, Quílon de Lacedemônia, Cleóbulo, Anacarsis e Periandro.

Alguns acrescentam Acusilao de Argos, filho de Caba ou de Escaba. Hermipo, no livro dos Sábios, cita dezessete, entre os quais se elegem os sete

principais: Sólon, Tales, Pitaco, Bias, Quilon, Mison, Cleóbulo, Periandro, Anacársis, Acusilao, Epimênides, Leofanto, Ferécides, Aristodemo, Pitágoras, Lasos de Hermione, filho de Carmântides, ou de Simbrino, ou então segundo a Aristoxeno, de Cabrino, e por último Anaxágoras.

Hipóboto, em Lista dos filósofos apresenta os nomes seguintes: Orfeo, Lino, Sólon, Periandro, Anacársis, Cleóbulo, Misón, Tales, Bias, Pítaco, Epicarmo e Pitágoras" (D.L., I, 42).

O número dos sábio é sete, e não outro, possivelmente por motivos místicos. Eis mais uma vez uma influência oriental, igualmente como acontece nas doutrinas órficas e pitagóricas.

Quais teriam sido os critérios para colocação dos nomes na lista dos sete sábios? Pode-se supor que se trate da compreensão mais evoluída das leis, da poesia, do conhecimento geral sobre a natureza. O tempo era exatamente o do aparecimento dos primeiros grandes legisladores, artistas e filósofos.

Sábios são pois os que deram começo ao pensamento crítico, embora entre os nomes citados ocorram teólogos do tipo Ferécides., autor de uma Teogonia, considerada uma das mais antigas.

Tales, portanto, não poderia deixar de ser sempre citado, porquanto era filósofo, matemático, astrônomo, político.

"Anaxímenes disse, que todas as composições dos sábios são somente poéticas ocupação dos sábios foi somente a poesia.

Dicearco assevera, que eles não são nem sábios, nem filósofos, mas somente homens experientes e legisladores" (D. L., I, 40).

Possivelmente os primeiros sábios, não somente os sete citados, já fizessem reuniões.

"Arquétimo de Siracusa menciona conferências deles com Sypselo, às quais diz ter assistido.

Éforo diz, que eles se reuniram na casa de Creso, e que somente faltou Tales. Se diz também que eles se reuniram em Panionio [cidade da Jônia e santuário

próximo de Micale], em Corinto e em Delfos" (D. L., I, 41). Estas informações dizem pelo menos que já então havia reuniões culturais. Os

diálogos de Platão, ainda que posteriores, revelam que já de longa data se praticava a reunião de homens sábios.

Estudou Diógenes Laércio um total de onze dos sábios mencionados nas diferentes listas de sete, como tema do primeiro livro de sua obra, titulada Sobre a vida, doutrina e sentenças dos filósofos famosos, e que são os seguintes, pela ordem abordada:

Tales, Sólon, Quílon, Pítaco, Bias, Cleóbulo, Periandro, Anacársis, Misón, Epimênides, Ferécides.

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200. O episódio apócrifo da Trípode (ou taça, conforme outras versões) dedicada ao mais sábio, destaca outra vez a Tales, como famoso em seu tempo.

"É conhecida a história da trípode encontrada por pescadores, e que os de Mileto enviaram aos sábios. Os jovens de Icônia compraram, como se diz, um lance de rede aos pescadores de Mileto. Havendo sido captada também uma trípode, e porque não chegaram a um acordo sobre o que fazer, mandaram consultar ao Oráculo de Delfos.

Respondeu a divindade com as seguintes palavras: Jovens de Mileto, vós me perguntais pelo dono da trípode. Eu a adjudico ao

mais sábio Em consequência disto a trípode foi dada a Tales, que a remeteu a outro, e

este a um terceiro. O último a receber a trípode foi Sólon, que a enviou a Delfos, dizendo que o primeiro dos sábios era Deus" (D. L., I, 28-29).

Deu-se ainda outra versão: "Calímaco, em Jambos, apresenta uma versão diferente, atribuída a Leandro

de Mileto. Diz que um certo Bathyeles deixou, quando morreu, um vaso que legava ao mais sábio.

Tales o recebeu e este o reenviou a outro. Havendo-lhe sido devolvido, depois de haver passado de mão em mão, o enviou ao templo de Apolo Didimeo [em Mileto], com a inscrição seguinte, conforme Calímaco:

Duas vezes me recebeu Tales como dádiva; ele me consagrou ao Deus que rege ao povo de Neleu" (D. L., I, 29).

Ainda outras versões sobre a mesma narrativa são retransmitidas sobre o episódio, e que revelam a fama de Tales na imaginação popular como sábio destacado.

201. Tales não foi apenas matemático e filósofo. Possivelmente foi também

político, e dirigiu negócios públicos, mesmo quando a partir de 612 a. C.. em Mileto o poder estava com o tirano Trasibulo.

Este exterminou as famílias influentes dos partidos seus contrários e batalhou contra os lídios.

Não obstante, "Minio diz, que ele [Tales] viveu familiarmente com Trasíbulo, o tirano de Mileto" (D. L., I, 27).

De outra parte, a tendência dos lídios foi a de conquistar as cidades jônicas. Do oriente avança um inimigo comum dos jônicos e lídios, o rei medo

Ciáxares, que batalha em 585 a.C. ao rei Aliates da Lídia. Por causa do eclipse do sol (que Tales predissera), as partes em luta

suspenderam o combate, e se pacificaram, porquanto haviam interpretado o fenômeno como uma advertência dos deuses.

"Mas como a guerra [entre Aliates e Ciáxares] não se decidia..., aconteceu que de súbito se fez noite. Esta mudança tinha sido predita por Tales de Mileto" (Heródoto, I, 74).

A informação de Heródoto (c.484-425), que dista de apenas um século do acontecido, goza consequentemente de alguma segurança.

À análise deste episódio se deve voltar, quando se tratar da natureza dos conhecimentos de Astronomia de Tales e de sua época (vd 218).

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Desde 571 a.C. Creso reinava com sucesso a Lídia. Ainda que tenha conquistado Éfeso, mantém relacionamento com as outras cidades da Jônia.

Neste tempo Creso recebeu as visitas de Sólon de Atenas, Pitágoras de Samos e também Tales de Mileto, porquanto o rei da Lídia se afamara pela sabedoria e benemerências.

Mas de novo surgiu do Oriente o comum inimigo de jônicos e lídios. Desta vez é o rei Ciro, o qual conquistou, em 546, Sardes, a capital da Lídia, bem como as cidades da Jônia. E toda a região foi convertida em uma satrapia da Pérsia.

Tales, em todo este episódio, mostrou-se o político sábio, na interpretação de Diógenes Laércio:

"Parece que também mostrou grande sagacidade em assuntos políticos. Opôs-se à aliança política proposta por Creso aos de Mileto, com isso havendo salvo a cidade depois do triunfo de Ciro" (D. L., I, 25).

Possivelmente Tales tenha trabalhado algum tempo no exército lídio. Neste contexto apresentou Heródoto um acontecimento sobre as habilidades de Tales, quando ele fez passar o exército de Creso à outra margem do rio Halis. Mas o mesmo Heródoto duvidou do fato. Contudo, mesmo que falte a verdade ao narrado, ele prova a fama de Tales.

"Quando ele chegou ao rio Halis. Creso passou o exército pelas pontes existentes, conforme a minha versão. Mas, conforme a versão geral dos gregos, teria sido Tales de Mileto, que o teria transposto.

Diz-se que Creso não sabia como fazer a passagem do exército, porque não existiam tais pontes, e estando Tales no exército fez que o rio, fluindo à esquerda, também fluísse à direita, da seguinte forma:

Ele ordenou que cavassem fundo desde a parte superior do lugar do exército em forma crescente, para que o rio fluísse por trás do mesmo, desviando-o do curso anterior pelo canal, de sorte que, depois de passado o exército, ele refluísse ao seu leito anterior. O resultado foi que, logo quando o rio se dividiu, ele se fez passável em ambas as partes" (Heródoto, História I, 75).

202. Obras. Não deixou Tales de Mileto escritos que chegassem até nós, nem

sequer na forma de fragmentos. Possivelmente nada tenha escrito. Se por ventura algo tivesse escrito, Aristóteles já não conheceu tal livro,

porquanto o Estagirita menciona a doutrina de Tales, com aspecto de informação recebida pela tradição, e com expressões acauteladoras:

"Outros dizem... estas é pois a mais antiga informação, que se diz, ser de Tales" (Arist., Sobre o céu, II, 13. 294a 28-34).

Ainda hoje a principal informação recebida sobre as doutrinas de Tales é a de Aristóteles, somente completada em alguns detalhes por Suídas, Diógenes Laércio e Simplício.

Se Aristóteles tivesse tido em mãos o livro de Tales, ele teria deixado algumas citações, além de mencioná-lo diretamente por algum título.

Plutarco (c. 46- c.120), notável pelas biografias realizadas, ao se referir à Tales, duvidou houvesse escrito algo (Cur Pythia 402f-403a).

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O comentador Simplício (séc. 5-o.) não menciona obra de Tales, senão uma certa Astronomia náutica.

"Diz-se que ele [Tales] nada deixou escrito, exceto a Astronomia náutica" (Simplicio, Física, 23, 29).

O assunto discutido toca principalmente à Astronomia náutica. Esta obra, hoje inexistente poderia ser muito antiga, mas do posterior tempo helenístico, por exemplo de Foco de Samos.

"Na opinião de alguns nada escreveu, pois a Astrologia náutica que lhe atribuem, é de Foco de Samos, segundo se diz... E opinam outros que escreveu, ainda que só a cerca de dois assuntos particulares, - o solstício e o equinócio, - julgando todo o mais impossível de explicar" (D. L., I, 23).

Note-se que o termo astrologia, corretamente formado como palavra, significa ciência dos astros a partir do temo logos (= ciência). Mas porque este termo se transformou semanticamente, formou-se mais recentemente outro, o de astronomia, a partir do termo nómos (= lei).

Dali a distinção frequente, de que astrologia é pseudo ciência, enquanto astronomia é a verdadeira ciência dos astros.

Menos bem fundadas são as atribuições daqueles outros escritos, de que fez menção Diógenes Laércio (do 3-o século), sobre os solstícios e equinócios, a que também se referem outros. "Ele escreveu sobre os fenômenos celestes em verso épico, sobre os equinócios e outros temas" (Suídas, do 10-o século).

Neste antigo tempo havia obras escritas em verso sobre os astros, como é o caso da Teogonia de Hesíodo. Talvez a Astrologia náutica fosse mais um caso.

§ 2. Doutrinas de Tales. 0335y203. 204. Introdução à cosmologia de Tales e demais suas doutrinas. A

filosofia é um gênero de várias ciências filosóficas, constatando-se que historicamente ela principiou pela investigação da natureza, isto porque o primeiro filósofo, - Tales de Mileto, - principiou por ela, e de pronto estabelecendo a água como elemento de base em todas as explicações.

Ainda não havia então denominações para as diferentes disciplinas filosóficas. Mais adiante Aristóteles se referirá aos físicos, como um nome peculiar para estes primeiros sábios a perguntem pela natureza.

Somente no 18-o século o filósofo alemão Christian Wolf introduziu o termo cosmologia, formado a partir do grego 6 ` F : @ H (= ordem, organização, universo, cosmo), para indicar este tema específico.

Não obstante haver tudo principiado pela filosofia da natureza, ela visava entretanto expandir-se para o saber em geral, buscando pois a explicação de tudo.

Didaticamente, pois, importa abordar primeiramente sobre o tema dominante, a filosofia da natureza de Tales, para depois derivar para outros temas, sobre o homem e a moral, bem como sobre a matemática e demais ciências.

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205. A água (à * T D ) como primeiro principio. O questionamento que dominou a filosofia pré-socrática foi, - qual seria o primeiro elemento, a partir do qual se comporiam e decomporiam as demais coisas.

Havendo Tales de Mileto proposto, que este princípio seria a água, - deu abertura a um questionamento de difícil solução, dada a precariedade dos recursos de observação do seu tempo, e que ainda hoje não são suficientes.

Dali porque logo houve contrapropostas, que estimularam o debate filosófico e científico.

"Sobre o número e a forma desses princípios nem todos têm a mesma opinião. Tales, que deu início a semelhante filosofar, afirma que o princípio é a água..." (Aristóteles, Metaf.,I, 3. 983b 19).

Repete-se, ao longo de toda a história da filosofia grega, a informação inicial sobre a escolha da água, feita por Tales, em muitos outros autores. Inclusive o cristão Hipólito de Roma (c. 170-235), ao se propor refutar os hereges, e havendo começado pelos filósofos, advertiu sobre água proposta por Tales:

"Diz-se que Tales de Mileto, um dos 7 sábios , foi o primeiro, que estudou a natureza. Ele disse, que a água é o começo e o fim de tudo. Dela, por composição, fazem-se todos os seres, e inversamente quando eles se desfazem, todos voltam a ela" (Hipólito, Refutações, I 1,1).

As razões que levaram a Tales a estabelecer a água como princípio de todas as coisas podem ser examinadas sob vários enfoques, desde o apoio dos mitos, passando pelas preocupações científicas nascentes da época, até as tentativas de provas objetivamente examinadas.

Daqui para a frente, para a investigação da história da filosofia, o que importa nas informações doxográficas, não é mais o informe sobre a água, e sim sobre as razões que conduziram este questionamento.

206. Sugestões dos mitos sobre a água. No sentido de eleger a água como

elemento primordial contribuiu certamente a literatura mítica, a qual não deixou de ser citada pelos comentaristas posteriores.

Ainda que não por argumentos racionais, a água exerce significativa função nas cosmogonias míticas. Por isso, a hipótese de Tales teve facilidade de aceitação, ainda que a tenha levando com base em observações objetivas.

Homero disse: "Pois nós somos apenas água e terra" (Ilíada VII 99). Platão repetiu a informação sobre a hipótese da água primitiva: "Homero fala de Oceano, origem dos Deus e de sua mãe Tétis. Hesíodo também, assim o creio. E assim também falou Orfeu: Oceano das belas ondas foi o primeiro a contratar núpcias, e desposou Tétis,

sua irmã, nascida da mesma mãe" (Crátilo, 402 b-c). O texto citado por Platão se encontra em Ilíada, XIV, 201; de Hesíodo em

Teogonia 337; de Orfeo, no Fragmento 2 (H. Diels).

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Principalmente as cosmogonias órficas, ou por elas influenciadas, mencionam a água, presentes nas imagens de Oceano e Tetis.

Advertiu Aristóteles sobre o apoio dos mitos à hipótese de Tales sobre a água como elemento primordial, mencionando as cosmogonias míticas:

"Segundo alguns, também os antigos, aqueles que muito antes de nós viveram e que primeiro discorreram a cerca dos deuses, da mesma maneira consideravam a natureza, pois fizeram do Oceano e de Tétis os autores de toda a geração, e da água a testemunha do juramento dos próprios deuses, aquela água que os poetas denominaram Estige. Com efeito, o mais venerando é o mais antigo, e aquilo por que se jura, o mais venerando.

Discutível será que tal seja efetivamente a mais antiga crença a cerca da natureza; porém, ao que se diz, essa foi a doutrina de Tales sobre a primeira causa" (Arist., Metaf., I 3. 983b 27 - 984a 2).

Ainda que os gregos fossem indo-europeus, a primitiva importância da água na formação geral das coisas parece assimilada remotamente dos mitos mesopotâmicos e egípcios (vd 177).

207. A água na ciência da antiguidade. Mas é preciso nos advertir que a

ciência do tempo de Tales se preocupava por diversas razões com a água. Os exemplos sobre o caráter aquoso de tudo poderá ter sido um saber vindo

da medicina, que nos prístinos tempos da Grécia principia a dar seus primeiros passos. Mas não surpreende que Tales também se apoie em exemplos tomados à

meteorologia e aos fenômenos da natureza em geral, como aqueles das inundações do rio Nilo.

Por causa de seu geral interesse pela natureza, Tales, - conforme já advertido, - estudou no Egito, não somente matemática, mas também a causa das inundações do Rio Nilo.

A água, de que falou Tales, deve ser compreendida como elemento comum de que tudo se faz.

Não se pode compreender a afirmativa de Tales apenas no moderno sentido de água como um elemento composto de oxigênio e hidrogênio. Na hipótese de Tales, o que importava em primeiro plano era dizer, que devia haver um elemento de base, a partir do qual tudo se faria. Neste sentido geral de sua hipótese, nada mudaria essencialmente se outro, que não a água, fosse este primeiro elemento.

Os seres não seriam cada um novo elemento específico. As transformações não se fariam pelo aparecimento de uns seres e desaparecimento de outros. Tudo é fundamentalmente constante. Nada se faz em termos absolutos, nem desaparece em absoluto. Nada se cria, e nada morre, tudo se transforma, como que em ciclos.

Eis uma mundivisão totalmente distinta da explicações míticas. De acordo com esta concepção o homem, os animais, os montes, os mares, os astros não resultaram de uma vontade divina presente em cada fenômeno, mas da interna transformação das condições da matéria.

Tales também quer, como depois se darão os detalhes, que um só é o elemento básico de tudo, inclusive do mundo psíquico e divino (vd 209). Eis o monismo filosófico, que vê a unidade de todo o ente. Errado ou certo, raciocinou Tales com método,

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com análises e sínteses. Ele já não é como o simplista, incapaz de raciocinar sistematicamente. O que pode acontecer, é que venham outros filósofos e aperfeiçoem o seu pensamento.

Aristóteles, dois séculos depois, e Simplício, já um milênio após, comentam sobre o elemento água proposto por Tales

Quando Aristóteles tratou introdutoriamente o ser, do ponto de vista das 4 causas, - material e formal, eficiente e final, - fez primeiramente a história da questão, e foi quando se referiu à Tales de Mileto. O texto de Aristóteles, como depois o de Simplício, já contém tudo o que resta conhecidos sobre a cosmologia de Tales. A tradição, resultante das informações vindas através de Teofrasto, já vinham de um pouco mais longe. Já eram do conhecimento de Aristóteles (384-322 a.C.), que foi mestre de Teofrastro (372-285 a.C.).

Temos portanto só a interpretação de Aristóteles sobre o efetivo significado, que a água tem na teoria de Tales. No entendimento de Aristóteles, a referida água permanece sempre água em todos os momentos das transformações dadas. Não acontece uma transformação do elemento em si mesmo. Dá-se apenas uma nova maneira de mistura. Possivelmente pela maior e menor densidade. Não é isto que entendem os velhos mitos, de acordo com os quais a antiga água se transforma em novos seres.

Entretanto, Aristóteles, como pouco antes dele Anaximandro (vd 231) ensaiou uma teoria intermediária. Segunda esta teoria, algo se conserva, - chamada matéria, - e algo se transforma, chamada forma. Agora a matéria é definida como realidade sem forma, e que sempre requer uma forma para subsistir.

Também Simplício (6-o.séc.) acreditou, que Tales compreendeu a água como elemento em tudo subsistente. Comentou que a água de Tales tudo gera, como o ar para Anaxímenes, por adensamento (Simplício, Física, 458, 23). Mas este modo de pensar de Simplicio não é nada mais que uma interpretação do que Aristóteles já houvera dito. Não temos uma informação clara. Normalmente, contudo, temos de aceitar a interpretação dada por Aristóteles e Simplício, mas conscientemente e prudentemente.

O texto de Aristóteles é longo, e pode ser citado por partes, com vistas aos diferentes pontos que sucessivamente são considerados.

"Dos primeiros filósofos, a maioria considerava como únicos princípios de todas as coisas somente princípios de natureza material. Pois do que todos os entes perecem, nascem e no que todos eles perecem, persistindo a substância sob as várias determinações (acidentais) esse é o elemento e princípio primordial (arqué). Daí o acreditarem que nada se gera e nada se corrompe e que a mesma substância permanece.

Assim, não se diz que Sócrates é gerado em sentido absoluto, quando ele se torna belo ou um músico. Nem que ele pereceu, quando ele deixou tais formas, porquanto o substrato permanece, isto é, Sócrates mesmo. É deste modo, que os filósofos, dos quais tratamos, asseveram que nenhuma das outras coisas, nem nasce, e nem morre, porque deve haver ali uma qualquer realidade, seja uma, ou seja múltipla, a partir do que todo o resto é engendrado, mas que ela mesma é conservada" (Metaf., I,3. 983b 6-18).

208. Detalhes sobre a prova de Tales em favor da água, como elemento

básico de tudo, é o de sua maior presença. Não tinham todavia os antigos recursos técnicos

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para constatação mais exaustiva de suas hipóteses, como se passou a ter no futuro. Podiam estar entretanto no caminho certo.

O que Tales entendia exatamente pela água? E como é que ela se transformava?

Parece que a advertência era para o caráter líquido da água, o que parecia provocar sua onipresença. E por isso, as informações doxográficas antigas usam, ora o termo água (à * T D ), ora úmido (ß ( D ` < ).

Quanto ao modo de se transformar a água não chegaram detalhes até nós, se, por exemplo, pelo processo alternativo de condensação e dilatação. Sobre estes modos de transformação tratam mais vastamente os filósofos seguintes; ao menos se sabe mais sobre o que disseram.

Mas teve Tales como firme, que a água se move por movimento próprio e contínuo, sem que algo de diferente a ela a movesse, ao modo por exemplo de um Demiurgo, ou outro qualquer ser mítico.

Comentou Aristóteles, em texto parte já citado: "Sobre o número e a forma desses princípios nem todos têm a mesma opinião.

Tales, que deu início a semelhante filosofar, afirma que o princípio é a água (assim declarava ele que a terra flutua na água), crença a que teria sido levado pela observação de que tudo se nutre do (elemento) úmido e que o próprio calor dele provém e nele vive (ora aquilo de que tudo provém, é o princípio de tudo). Eis o fundamento de tal opinião.

E depois, também porque a água é o princípio natural de tudo quanto é úmido. Tal é a observação, em virtude da qual adotaram esta maneira de ver; e também este outro fato, o de que as sementes de todas as coisas têm uma natureza úmida, e que a água é a origem da natureza das coisas úmidas " (Metaf.,I, 3. 983b 19-26).

Um século depois, Hipon de Samos (vd) retomou à hipótese de Tales sobre a água. Mas o epígono de Tales, talvez um médico, não era um filósofo vigoroso, como já o advertiu Aristóteles:

"Com referência à Hipon, ninguém parece situá-lo entre os filósofos, por causa do pouco valor do seu pensamento" (Metaf., I, 3. 984a 4).

"Entre os filósofos de pensamento superficial, alguns asseveraram, que a alma é água, por exemplo Hipon. Esta convicção se apóia talvez sobre o fato, que os espermas de todos os animais são molhados, úmidos. Hipon contesta aqueles, que dizem [como Empédocles], que a alma é sangue, porque o esperma não é sangue, e que ele é a alma primitiva" (Aristotelo, Da alma, I 2. 405b 2). (Vd Alexandre de Afrodisio 27, 2; Asclépio 25, 16).

Comentário de Simplicio: "Entre os que afirmam, que existe só um princípio e em movimento, ele

[Aristóteles] os denomina acertadamente físicos [naturalistas]. Um o considera finito, como Tales de Mileto, filho de Exâmio, e Hipon. Induzidos pelas aparências sensíveis, asseveram que a água é o princípio. Pois o quente vive da umidade, as coisas mortas secam. Todos os germes são úmidos e os alimentos estão repletos de suco; e é natural que todas as coisas se alimentem do mesmo [elemento] de que provêm. Mas a água é o princípio da umidade e o sustento de tudo. Por isso concluíram que a água é o princípio e declararam que a terra assenta na água" (Simplício, Física, 23, 21-29).

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"Tales advertiu sobre o aspecto generativo, nutritivo, congregante, vivificante da água" (Simplício, Física, 36, 10-11).

209. Depois de Tales a hipótese da água como elemento de base não ficou

de todo esquecida. Empédocles, ao conceber um sistema de 4 elementos fundamentais, a arrolou

entre os mesmos, - ar, fogo, terra e água. E este sistema de Empédocles foi aceito por Aristóteles, advertindo contudo que a filosofia também devia dedicar-se às demais espécies de causa, pois eram ao todo quatro: material e formal, eficiente e final. Assim, no entender de Aristóteles, os elementos, ainda que básicos, são compostos de dois princípios intrínsecos, - matéria e forma, - teoria que veio a ser conhecida como hilemorfismo.

Além disto, citado por Aristóteles, Hipon (vd) opinara que a alma é água. Não fora, portanto esquecida de todo a hipótese de Tales, de que este elemento se encontra na base de tudo.

Por causa deste não esquecimento da água como elemento primordial, o mesmo Tales não foi esquecido. Por não haver restado texto escrito algum, as versões sobre a hipótese da água como elemento primordial se transmitiram através dos seus sucessores imediatos, eternizando-se nas referências dos primeiros que passaram a escrever.

Em Heráclito o Homérico (1-o.séc.), que interpreta alegoricamente os mitos, com evidente influência estóica, se lê:

"As substâncias úmidas da natureza, ainda que facilmente formadas de qualquer coisa, se transformam com frequência : aquela parte, que evapora, fica ar, e a parte mais pura se faz éter; a água é comprimida e transformada em limo, até que se faça terra. Assim Tales asseverou, que a água é o mais antigo elemento entre os quatro, como se fosse causa" (Heráclito o Homérico, Problemas homéricos, 22).

210. Materialismo monístico de Taleso. A matéria é, segundo Tales, a única

realidade de que tudo consiste. Evidentemente, a tese supõe que a matéria tudo contém e que não é o pouco que dela se sabe.

A tendência da filosofia pré-socrática foi o monismo metafísico, desde seu início, e este monismo, sobretudo para os filósofos jônicos, é materialista.

Aristóteles, ainda que não defendesse um dualismo radical como o de Platão e do orfismo em geral, se manifestou contra este monismo. Elogiou por isso Aristóteles a Anaxágoras de Clasomene, da escola jônica nova, por haver introduzido este, entre as homeomerias uma Inteligência (; @ Ø H ), ordenadora de tudo.

Mas, como já se advertiu, para os filósofos pré-socráticos, a matéria não está dotada apenas de forças mecânicas (conforme o materialismo mecanicista), mas também de funções psíquicas, e mesmo divinas.

O problema estava, como definir a matéria, problema este que ainda hoje resta uma incógnita. A matéria não consiste apenas de partículas, como quer o atomismo de visão superficial, porquanto também se revela como um campo de forças.

Além do monismo ou dualismo no plano metafísico, ocorre a mesma questão no plano da natureza, - a de se saber se o corpo e o espírito são duas substâncias irredutíveis

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(dualismo), ou se são manifestações de uma só (monismo, ou reduccionismo, ou materialismo espiritualista).

Para os filósofos pré-socráticos das escolas jônicas (antiga e nova) corpo e espírito não são irredutíveis.

Tales concebeu toda a matéria como tendo a função da vida. Este hilozoismo e pansiquismo não resulta da convivência dualista de vida e espírito com a matéria, e sim na universalidade da presença da vida e do espírito como elemento intrínseco à mesma matéria.

Não se consegue determinar qual foi a exata opinião deste ou daquele filósofo antigo, por falta de informações doxográficas. E então importa apelar ao contexto genérico da escola a que pertenceu o filósofo. Eis quando a advertência ajuda a firmar um conceito mais preciso do sistema de um filósofo. Então o que importa atender, é que a filosofia das escolas jônicas tendia para o monismo, quer no plano metafísico, quer no plano da natureza.

Sobre o materialismo monista de Tales informou Diógenes Laércio: "Aristóteles e Hípias asseveram, que Tales atribui alma aos seres não

animados, por causa das observações no magnete e no âmbar" (D. L., I, 24). "Ele assevera mais, que o mundo é vivo e cheio de Deuses" (D. L., I, 27). "Alguns [filósofos] asseveram, que a alma está misturada em todo o universo;

possivelmente por isso Tales tenha pensado que tudo está cheio de deuses (B V < J " 1 , ä < , É < " 4 )" (Aristóteles, Da alma I, 5. 411a 8).

Aqui Deus está entendido evidentemente como alma, e esta por sua vez como elemento intrínseco da natureza e não apenas como um piloto no navio, ao modo do dualismo.

Platão também menciona a frase "tudo cheio de Deuses" (Leis, X, 899 b), sem indicar o nome de Tales, o qual contudo parece ser o autor citado, de acordo com o contexto.

Esta menção de Platão prova ao menos, que a informação de Aristóteles é sobre tema conhecido, e que a frase não resultou de uma interpretação errada.

Ante o conteúdo dos textos, não se pode decidir taxativamente, - se toda a matéria é por si mesma animada, ainda que este seja o contexto mais óbvio no contexto da filosofia da escola jônica, - ou se apenas algumas matérias têm alma e movem as demais matérias. Em ambas as hipóteses se admite dizer pelo menos o seguinte:

1) o mundo, num sentido monista, é vivo (pleno de deuses); 2) que as almas, ou demônios, são força de coordenação; 3) que a vida é movimento por si mesmo. 211. Sobre as aproximações aparentes com o estoicismo. O monismo de

Tales não é exatamente aquele do estoicismo. Mas os estóicos, ao apresentarem a Tales com a linguagem estoicista, deram esta impressão, principalmente no que se refere ao principio ordenador de tudo.

Fundamentalmente o estoicismo é monista, mas entendendo a realidade ao modo aristotélico, como matéria e forma, e em a forma é inteligente e portanto ordenadora do todo.

Importa acautelar-nos, portanto, contra o fato, de algumas informações sobre Tales, quando feitas por Aécio, Cícero, Simplício, e outros. Elas podem estar sob a influência do Deus monista dos estóicos. Estes concebiam a Deus como inteligente forma da matéria, e por conseguinte como ordenador.

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Certamente há uma analogia entre a conceituação monista do estoicismo e o monismo de Tales, quando este incluiu a vida em toda a matéria. Mas não se exagere a aproximação, transpondo a linguagem do contexto de um sistema para o contexto do de outro.

As vezes Simplício destaca a infinitude da água de Tales: "Alguns, na suposição de que o elemento seja apenas um, disseram que ele é

infinito em grandeza, como é a água para Tales" (Simplício, Física, 458, 23-25). O mesmo Simplício informa o contrário sobre a infinitude da água de Tales

em outro lugar (Física, 23, 23): "Tales disse, que Deus é a mente do mundo, e que o todo contém alma e é

pleno de seres divinos (* " \ 4 : @ < \ T < B 8 Z D 0 ); que através do elemento úmido passa a potência divina, que a move" (Aécio I 7, 11).

"Tales de Mileto, que pela primeira vez formulou perguntas sobre tais temas, disse, que a água é o começo dos seres e que Deus é esta mente que fez da água tudo" (Cícero, Sobre a natureza dos deuses I 10, 25).

O mesmo repete Plínio (História da natureza, II 53) e Sêneca (Temas naturais, III 14).

"Atribuem-se a ele [Tales] as seguintes máximas: Deus é o mais antigo dos entes, porque ele é por si mesmo. O mundo é isto, que de mais belo existe, porque ele é a obra de Deus. O espaço é aquilo, que de maior existe, porque ele contém tudo. A mente é isto, que de mais rápido existe, porque ela corre através de tudo. A necessidade é o que há de mais forte, porque ela tudo rege. O mais sábio é o tempo, porque ele descobre tudo" (D., L., I, 35). As dúvidas sobre o efetivo materialismo de Tales se devem resolver

atendendo ao contexto geral dos materialismos dos filósofos jônicos em geral: - A matéria é substância, da qual tudo consiste, e à qual todas coisas

complexas se reduzem, e ela não é criada e nem é destrutível. - A geração das coisas e sua degeneração obedece à necessidade, isto é, às

leis físicas, e não se dá a partir de um destino determinado a partir de fora, como, quer o mito. - A matéria está em movimento constante e em mudança. - A percepção sensível é a origem de todo o outro conhecimento. - A alma é uma força interna da matéria e suas leis são as mesmas da matéria. Eis como hipoteticamente se pode compreender o materialismo de Tales,

quando os informes sobre ele não se oferecem claros. Esta falta de clareza se deve ao fato de se encontrar no começo da tradição materialista monista.

212. A relação da alma com a capacidade de mover-se por si mesma pertence

à sua mesma essência. Esta é a noção que desde sempre se teve da mesma, e que também se encontra em Tales.

Aristóteles resume as opiniões de todos os filósofos, sobre esta capacidade de mover atribuída à alma:

"Ela é aquilo, que se move e move aos outros" (Sobre a alma, I, 2. 405a 5). Especificamente sobre Tales:

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"Parece também que Tales, segundo o que se comenta, opinou, que a alma é uma força movente, se é verdade, que ele asseverou que o magnete tem alma, porque ela atrai o ferro" (Arist, Sobre a alma, I 2. 405a 20).

O mesmo informará depois Aécio: "Tales foi o primeiro que disse, que a alma é uma natureza sempre em

movimento, ou que se move por si mesma" (Aécio, IV, 2, 1). A doutrina, formulando a alma, como auto-movimento, prosperou sobretudo

na filosofia pitagórica e platônica. Disse o seguinte o mestre da Academia: "Toda alma é imortal; tudo o que se move por si mesmo é imortal; o que

move a outro, e é movido por si mesmo, deixa de existir, quando cessa o movimento" (Platão, Fedro 245 c).

Aristóteles indica claramente, que Tales reuniu no mesmo elemento a capacidade de pensar e o poder de se mover. Imediatamente antes ele fizera a exposição sobre Anaxágoras, que admitiu também um elemento inteligente, que ao mesmo tempo move o universo.

"Ele [Anaxágoras] atribui ao mesmo princípio as duas capacidades, que são o conhecimento e a mobilidade, quando ele diz, que, que isto é a inteligência que move o universo. Parece também, que Tales, de acordo com o que se diz, pensou, que a alma fora movente, se for verdade que ele asseverou, que o magnete tem; alma, porque ela atrai o ferro" (Sobre a alma I, 2. 405a 17-19).

"Diz-se também, que ele foi o primeiro, que asseverou a imortalidade da alma" (D. L., I, 24).

213. Estudo do homem. Evidentemente os pré-socráticos não esqueceram

totalmente ao homem, ainda que enfatizassem a investigação sobre a natureza. Isso não fora mesmo possível, porque também o homem é parte da mesma.

Não obstante o estudo do homem não foi por eles tão acentuado, quanto se fará de futuro, quando Sócrates ridicularizará os que se excedem no estudo da natureza. O liceu de Aristóteles outra vez reconduzirá as atenções para as ciências naturais. Mas somente na época moderna, a metodologia insistirá no controle; matemático da experimentação.

Platão, ao qual se citou sobre o episódio da queda de Tales no poço enquanto perscrutava os astro, intencionou ridicularizar a preocupação antiga pelas ciências da natureza. No diálogo, o personagem que precisamente zombou, foi Sócrates. Eis o que mais foi acrescentado:

"Este escârneo vem muito bem a todos aqueles que dedicam sua vida à filosofia. Em realidade, estes homens desconhecem ao próximo e ao vizinho, e não só no campo da ação, senão quase na mera distinção de sua humanidade ou de sua bestialidade. Que é, pois, o homem, e em que se diferencia sua natureza das demais, enquanto a sua ação e a sua possibilidade, isto é, precisamente, o que inquirem e o que ensinam com atenção" (Teeteto 174 a-b).

De outra parte, conforme sempre se adverte, muitas informações se perderam. Não é, pois, possível uma avaliação precisa sobre as preocupações de Tales sobre o ser humano como personalidade.

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Foi Tales um profissional, que ao mesmo tempo era político, eis o que já é dizer muito. Mais ainda é dizer que foi colocado na lista dos sete sábios da Grécia, porquanto estes eram assim considerados pelos seus conhecimentos sobre a lei e a poesia.

214. Doutrinas morais de Tales. Particularmente foi Diógenes Laércio quem

mais informou sobre algumas das doutrinas morais do primeiro filósofo. De outra parte, limitou-se praticamente a só transmitir máximas, o que ainda não é adentrar no sistema interno da moral.

"Dizia também que se deve pensar nos amigos, presentes ou ausentes. Que não se deve enfeitar o rosto, e que a verdadeira beleza é a da alma. Guardai-vos, dizia, de enriquecer-vos por meios vergonhosos. Que jamais se vos possa reprovar uma palavra malévola contra os vossos

amigos. Procurai ser tratados por vossos filhos, como vós mesmos tendes sido tratados

pelos vossos pais" (D. L., I, 36). Tales exaltou os valores, conforme eram apreciados em seu tempo: "Hermipo em Vidas atribui a Tales estas palavras, que outros autores;

colocaram na boca de Sócrates: Eu dou graças à Fortuna, por três coisas: - ser membro da espécie humana e não uma besta; - de ser homem e não mulher; - de ser grego e não bárbaro" (D. L., I, 33). "Tendo-lhe perguntado um adúltero, se podia jurar não ter cometido adultério,

contestou: Não é pior o falso juramento, que o adultério?" (D. L., I. 36). "Perguntou-se lhe, - O que é o mais difícil? Respondeu, - Conhecer-se a si mesmo! E o que é mais fácil? – Dar conselhos! E o mais agradável? – Ter êxito! Que coisa tens visto mais extraordinária? – Que um tirano chegasse à velhice. Qual é o melhor meio para levar uma vida pura e virtuosa? – Evitar o que se afeia nos outros!. Qual é o homem feliz? – Aquele que tem o corpo são, o espírito culto e a fortuna suficiente. Qual é a mais doce; consolação do infeliz? – Ver o inimigo mais infeliz do que ele" (D. L., I, 36). Em outro lugar, Diógenes Laércio mais informa sobre uma longa história

sobre a máxima Conhece-te a si mesmo: "Sua é a máxima: Conhece-te a ti mesmo. Esta máxima Antístenes, em

Sucessão dos filósofos, atribui a Femonoe, acusando a Quilon de se a haver apropriado" (D. L., I, 39).

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215. Sobre matemática. Aparentemente, foi Tales primeiramente um

matemático e engenheiro, o qual aos poucos passou às considerações da filosofia e da ciência da natureza em geral.

Como matemático, Tales fundou a geometria abstrata, a partir de conhecimentos empíricos já do domínio dos agrimensores egípcios e babilônios. Progrediu a matemática entre os gregos, com Tales, Pitágoras, Filolao, Árquitas, Euclides. A metodicidade de Tales deu começo a esta ciência e que passou a progredir racionalmente entre os gregos, mais do que até então.

Tinha a matemática o necessário de racionalidade, para não ser afetada pelo pensamento mítico. Embora muitos dos seus elementos permitissem a simbologia, mesmo dentro desta simbologia tudo importava em raciocínios.

Importa, contudo não exagerar sobre os progressos da matemática dos mais antigos pré-socráticos. Os sucessores mais próximos de Tales não insistiram sobre a importância deste mestre como um matemático. Somente os informantes mais distantes no tempo, como Jerônimo de Rodes, Eudemo e Proclo, atribuem a Tales a formulação abstrata da geometria.

Mais prudente é interpretar a Tales como usuário inteligente dos conhecimentos práticos da geometria do Egito, acrescidos embora de algum progresso.

Tales foi portanto apenas um iniciador da geometria abstrata. Para que ele ganhasse a admiração dos gregos, isto já fora o suficiente.

"Diz-se que Tales o foi o primeiro que demonstrou, que o círculo está dividido pelo diâmetro em duas partes iguais" (Proclo, Sobre os Elementos de Euclides, 157, 10-13).

Possivelmente Tales tenha feito a constatação por meio de uma experiência meramente empírica, portanto por um simples arrazoado indutivo, não por uma demonstração mais complexa.

Nem Euclides (falecido em 365 a.C.), em seus Elementos (E J ` 4 P , \ " ) haveria ainda de atingir tal demonstração. Também Proclo fala somente da sobreposição de uma parte sobre a outra, para atingir a percepção da igualdade das duas partes do círculo.

216. Teorema de Tales. "O teorema – quando duas retas se cortam, são

iguais os ângulos – é uma descoberta de Tales. Eudemo na História da Geometria atribui a Tales este teorema, porque ele

diz, que é necessário usá-lo, por causa da maneira como ele calculou a distância de um navio" (Proclo, Sobre os Elementos de Euclides 252, 14).

"Este teorema certamente mostra, que de duas linhas retas, que se cortam, os ângulos contrários pelo vértice são iguais. Como diz Eudemo, esta foi uma descoberta de Tales" (Proclo, Sobre os Elementos de Euclides 250, 20).

A informação de Proclo (410-485), coletada em Eudemo (4-o. século a.C., discípulo de Aristóteles) sobre a descoberta do teorema de Tales, é apenas uma suposição especulativa; ela não derivou de uma fonte original. Se efetivamente Tales calculou a distância do navio, ele deveu conhecer o teorema, - eis a suposição.

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Contudo a questão se apresenta pouco clara, porque o teorema supõe também outros conhecimentos mais simples, os quais possivelmente Tales não tivesse.

Por isso, melhor é supor que Tales se tenha valido de sua experiência adquirida em cálculos práticos.

"Com referência à geometria, Pânfilo diz, que Tales, - aprendiz dos egípcios, - foi o primeiro, que inscreveu no círculo o ângulo reto, e que por isso ofereceu a Deus um boi. O matemático Apolodoro e outros atribuem isto a Pitágoras" (D. L., I, 24).

Só, ou ambos, Tales e Pitágoras estudaram este aspecto da matemática, e cada um com resultado. Cícero, Vitrúvio e outros atribuíram esta descoberta a Pitágoras. Ao menos Vitrúvio assim a descreve (livro IX c. 2).

Com referência ao sacrifício do boi, por causa de uma descoberta matemática, eis uma assertiva não convincente, gerada todavia dentro dos parâmetros do pensamento mítico, que faz o saber derivar de uma inspiração externa superior.

Não é impossível, que entre muitos sábios continuasse a haver um resto deste modo de pensar. Ainda o eminente Descartes, apesar de seu espírito crítico, fez uma promessa a N. Sra. do Loreto de visitar o seu santuário, se resolvesse as suas dúvidas, e como julgasse havê-lo conseguido, foi especialmente à Itália pagar seu voto. Assim também o saber de Platão gerou o mito, de que fora gerado por Apolo, o qual teria engravidado sua mãe; então o seu saber estaria explicado, porquanto era filho de um Deus, e dali porque passou a ser citado como o Divino Platão. O mesmo se dirá de alguns dos fundadores de religiões. E assim também a descoberta do teorema de Tales teria valido o sacrifício de um boi.

Tales ensinou sobre a descoberta das propriedades do ângulo escaleno e das linhas em geral.

Calimaco atribui o mesmo a Euforbo (D. L., I, 25). 217. A medida da altura das pirâmides é um detalhe curioso sempre citado

e atribuído a Tales, e cuja dificuldade se encontra no fato de serem de face inclinada. O informe apresenta credibilidade, porque veio através de Jerônimo, o

aristotélico. "Jerônimo informa, que Tales mediu a altura das pirâmides, tomando por base

a sombra das mesmas, no momento em que as sombras são iguais aos objetos" (D. L., I, 27). "Depois de colocar o bastão sobre a beira da sombra produzida pela pirâmide,

e formar dois triângulos pela interseção dos raios do sol, ele demonstrou, que a relação desta sombra com a outra, é a que existe entre o bastão e a pirâmide" (Plutarco, Banquete dos sete sábios, 147 a).

"Tales de Mileto descobriu a maneira de conhecer a medida de altura das pirâmides, medindo sua sombra na hora quando ela é igual àquela do nosso corpo" (Plínio, História sobre a natureza, XXXVI 82).

218. Sobre astronomia. Conseguiu Tales desenvolver idéias sobre a terra e

os astros sem os procedimentos da mitologia. De outra parte, porém, suas idéias não ultrapassaram em muito as imagens vulgares do seu tempo, desenvolvidas em parte pelos babilônios, e que concebiam a forma da terra como plana, como um disco, apoiada sobre a água, como navio, cujas bordas são mais altas e que por isso não afunda.

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"Outros dizem, que a Terra repousa sobre a água. Esta é a mais antiga teoria que nos foi transmitida, e que foi atribuída a Tales de Mileto: a terra se mantém porque flutua, à maneira como um pedaço de madeira, ou de outra coisa similar" (Arist., Sobre o céu, II 13. 294a 28-30).

"Ele expõe a opinião de Tales de Mileto, o qual disse que a Terra flutua sobre a água (Simplício, Sobre o céu, 522, 14).

A opinião de que a terra flutua sobre a água pode relacionar-se com as conceituações semíticas sobre o antigo mar, do qual aos poucos ela emergiu. Restos deste conceito mítico se encontram também nas versões iniciais da Bíblia judaica e cristã:

"O Espírito de Deus pairava sobre as águas..." (Gen. 1,2) (vd 95). A interpretação dos astros, como sendo de natureza similar à da Terra,

apresenta-se surpreendente, porque sem caráter mítico. "Tales diz, que os astros são semelhantes à Terra, todavia inflamados" (Aécio

II, 13, 1). "Tales diz, que os astros são como a terra, no que concerne à forma; de fogo,

quanto à substância... ; que o sol é semelhante à terra, quanto à natureza" (Aécio II 20, 9). "Tales foi o primeiro que afirmou, que a Lua é iluminada pelo Sol" (Aécio II

20, 9). "Ele afirmou, que a Lua é 720 vezes menor que o Sol" (D. L., I, 24). 219. Com este conceito primitivo sobre o mundo, não parece ter podido Tales

calcular os eclipses, senão a partir de observações estatísticas, inteligentemente utilizadas. Estas ele possivelmente recebeu em parte da Síria e Babilônia, onde sobretudo os sacerdotes observavam os fenômenos celestes por razões religiosas.

Falta ainda a este tempo qualquer teoria estritamente científica, embora as concepções míticas já não sensibilizassem aos sábios.

Tem-se notícias que desde 721 a.C., os sacerdotes babilônios anotavam os fenômenos astronômicos, e de pouco em pouco aumentavam os conhecimentos sobre eclipses e sobre os solstícios. Possivelmente após mais cento e cincoenta anos, ou pouco mais, quando surge Tales, já houvera a possibilidade deste predizer o eclipse do ano 585 a.C.

Contudo, com estes limitados recursos, não conseguiam os homens de então prever o lugar onde o eclipse ocorreria, como também não o dia exato. Quando ocorria a possibilidade de um eclipse ou outro fenômeno, distribuíam-se os sacerdotes a diferentes lugares, para aguardarem uma constatação, muitas vezes sem resultado..

Se Tales predisse um eclipse para o ano 585 a.C. , esta predição talvez não houvesse sido quanto ao dia, e nem quanto ao lugar. Felizmente, o fenômeno aconteceu na mesma região e em momento oportuno, durante uma batalha sustentada pelos lídios, contra os medos invasores.

Por que através teria Taleso conseguido os informes dos sacerdotes babilônios? Possivelmente nos períodos de paz entre lídios e babilônios, os informes teriam circulado. Por sua vez visitavam os gregos a região dos lídios, o que era facilitado pela proximidade étnica, pois ambos os grupos eram indo-europeus

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Além disto, Sardes, capital da Lídia fora próspera, principalmente à época do rei Creso. "Acorrem à Sardes, no tempo do seu pleno crescimento de riqueza, todos os sábios da Grécia... e entre eles Solon" (Heródoto, História, I, 29).

Sabe-se também que Taleso trabalhou algum tempo para o exército lídio. Possivelmente também do Egito houvesse Tales recebido informações sobre

os movimentos do sol e sobre os eclipses. Não restaram todavia informes suficientes sobre o saber dos sacerdotes

egípcios neste campo. Mas se deve destacar, que vem do Egito o calendário solar, que haveria de substituir ao tempo de César o lunar dos semitas mesopotâmicos.

De acordo com os cálculos da moderna astronomia, o eclipse predito por Tales aconteceu a 28 de maio de 585 a.C., no 3-o. ano da 48-a. olimpíada. Por meio desta moderna identificação do exato momento do fenômeno, foi possível ajustar a cronologia de toda uma época.

Eis o informe histórico, vindo de um importante historiador quase contemporâneo:

"A guerra entre eles [Aliates, rei dos lídios e Ciáxares, rei dos medos] se demorava sem solução já durante seis anos. No sexto ano, ao estarem em combate, o dia subitamente se fez noite. Que esta mudança do dia se iria acontecer, o predissera ao jônicos o milesiano Tales, o que antecipou o término da guerra quando ocorreu" (Heródoto, História, I, 74).

"O primeiro entre os gregos, que investigou a causa dos eclipses, foi o milésio Tales, que predisse o eclipse do sol que aconteceu, durante o reinado de Aliates, no 4-o. ano da 48-a. olimpíada, ano 170 desde a fundação de Roma" (Plínio, História da natureza, II, 53).

"Eudemo, na História da astronomia, diz que Tales predisse o eclipse do sol, o qual se produziu durante a luta entre medos e lídios, quando reinava entre os medos Ciáxares, e sobre os lídios, Aliates, pai de Creso... Foi durante as olimpíada 50-a. (580-577 a.C.)" (Clemente de Alexandria, Strômata, I 64).

A diferente data consignada ao eclipse por este texto, ainda que tardio, - pois Clemente de Alexandria é do começo do terceiro século d. de Cr., - nos adverte cautela, com tudo o que se refere ao assunto. Não obstante, o ano de 585 prevalece nos cálculos.

"Ele foi o primeiro, que disse, que o disco solar eclipsa quando a Lua, de natureza igual como a Terra, se situa perpendicularmente sob ele" (Aécio II, 24,1).

"Conta-se que foi o primeiro, que predisse o eclipse do Sol, que aconteceu no reinado de Astiages" (Cícero, Dos nomes divinos, I, 49 112).

"Tales... previu o eclipse solar no tempo de Dario" (Suídas, II A 2). 220. Os solstícios e equinócios segundo uns já eram estudados por Tales;

segundo outros, somente depois, por Anaximandro (vd 246). "Ele [Tales] foi o primeiro, que mostrou o movimento do Sol entre os

trópicos" (D. L., I, 24). "Narra Eudemo, em História da astronomia, que Enópides foi o primeiro que

descobriu a inclinação do Zodíaco, e o ciclo do grande ano; que Tales, por sua parte, o eclipse do Sol, e que o período dos solstícios não se produz sempre por igual" " (Teono de Esmirna

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198, 14) (Frag. de Eudemo 145 W). Este texto, contudo não é fidedigno, mas repete coerentemente o que outros dizem.

Se a natureza destes fenômenos já era em parte conhecida dos babilônios, deve-se aceitar, que também Tales os conhecesse. Se ele mediu a altura das pirâmides pela sombra, devia ter também a suficiente experiência para compreender, que a sobra do bastão muda conforme o movimento do Sol em cada estação do ano.

Possivelmente logo depois Anaximandro continuou a aperfeiçoar estes conhecimentos, e melhor construiria o gnomo dos relógios solares, os quais pela sombra do ponteiro faziam conhecer as horas de acordo com a altura do Sol.

Esíodo, no 8-o. a.C., discorrendo sobre as estações do ano, já devia conhecer algo sobre os solstícios. Os sábios posteriores já ingressam em detalhes, definindo os mais detalhadamente. Já cedo os relógios do sol advertem sobre a inclinação da sombra. Finalmente a religião de Mitra, festeja o nascimento deste seu Deus, no solstício de Dezembro.

O dia 25 de dezembro ficou entretanto em data evidentemente defasada, pois devia ser dia 21, ou 22, quando ocorre o efetivo solstício, de trânsito de uma estação para a outra (inverno, no hemisfério norte, verão no hemisfério sul).

"Calímaco atribui a ele [Tales] a descoberta da pequena Ursa, e isto ele exprime em seus Jambos assim:

É ele, se diz, que reconheceu a constelação, pela qual os fenícios dirigem sua navegação" (D. L., I, 23).

"Tales, Pitágoras e seus seguidores dividiram a esfera do céu em cinco circlos, que eles chamaram zonas [. f < 0 ].

Uma delas é chamada árctica [š D 6 J @ H = urso, ursa, polo norte, árctico], sempre visível;

outra, trópico estival [J D @ B 4 6 ` H ]; outra equinóxio [Æ F 0 : , D \ " = igualdade do dia, equinócio, equador]; outra trópico invernal [P , 4 : , D 4 < ` H ]; e outra antárctica [• < J " D 6 J 4 6 ` H ] e invisível. Obliquamente às três zonas centrais, vê-se o zodíaco [. å * 4 " 6 ` H , adj.],

que toca as três do meio. O meridiano [: , F 0 : $ D 4 < ` H ] corta a todas em linha reta desde o árctico

até o polo oposto" (Aécio II 12, 1). 221. Os terremotos foram explicados por Tales como flutuação pouco firme

da terra sobre a água que a sustenta nos fundamentos. Diz um texto, cujo informe deriva da tradição de Teofrasto, através da escola

estóica de Possidônio: "Porque diz [Tales], que o mundo está apoiado sobre a água, e que ela viaja

como navega ao modo de navio, e que ela flutua movente" (Sêneca, Temas naturais, III 14). O terrífico fenômeno do terremoto, que as narrativas míticas apresentavam

como punição divina, passa, a partir de Tales, a ter uma explicação racional, ainda que com falta de acerto. A explicação de Tales significa ao menos um bom começo. Estimulado certamente por esta teoria, Anaximandro tentará outra melhor.

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ART. 2-o. ANAXIMANDRO DE MILETO. 0335y222.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - - Cap. 3 "Escola Jônica Antiga" - 223. Introdução. Cronologicamente Anaximandro é conhecido como segundo

filósofo da escola jônica antiga, situado entre Tales e Anaxímenes, todos de Mileto e todos também astrônomos. Há a tratar deste segundo filósofo, um pouco menos que Tales e um pouco mais que Anaxímenes, todavia pela mesma ordem didática:

- Vida e obras (vd 0335y224); - Doutrinas de Anaxágoras; (vd 0335y228). §1. Vida e obras. 0335y224. 225. Anaximandro de Mileto (U < " > \ : " < * D @ H J @ Ø 9 4 8 Z J @ L )

(c. 610 – c. 545 a.C.) foi um contemporâneo mais jovem de Tales. Nasceu cerca do ano 610 a.C., e morreu possivelmente no mesmo ano de seu

mestre, cerca de 545 a.C. É chamado discípulo de Tales, somente no sentido das idéias, porquanto

quase nada sabemos das relações pessoais entre ambos, ainda que todo o contexto era para que elas tenham ocorrido.

Ainda que Tales o seja considerado o iniciador da filosofia, Anaximandro é o primeiro de quem resta a obra, todavia muito fragmentariamente, em 3 frases citadas por outros que a teriam lido.

O sistema doutrinário de Anaximandro sobre a natureza é mais completo, que o de Tales, no sentido de que se estendeu para mais detalhes.

As informações biográficas sobre Anaximandro são todavia parcas. Vieram tais informes através de Platão, Aristóteles, Teofrasto, depois repetidas e comentadas pelos doxógrafos seguintes.

Estas informações estão complementadas por uma estatueta, encontrada nas escavações de Mileto. Dedicada pelos seus concidadãos, uma estatueta significa haver sido Anaximandro um homem de destaque na comunidade.

226. Sobre a cidade de nascimento de Anaximandro, as informações se

repetem sempre como sendo a mesma, a de Mileto. Por isso, aquela cidade da Jônia, Ásia Menor, se apresenta como tendo sido de certeza a pátria do filósofo.

Esta presença de sábios originados ali, sugere também que Mileto efetivamente se destacava em seu tempo, antes que fosse destruída em 494 a.C., pelos persas, quando estes reprimiam um movimento de libertação que ali se houvera manifestado.

Textos de informação doxográfica, sobre a vida do segundo filósofo: "Anaximandro, que foi concidadão de Tales..." (Estrabão, I 7). "Fez-se Anaximandro discípulo de Tales... Anaximandro de Mileto filho de

Praxíades... nasceu no 3-o. ano da 42-a olimpíada (610 a.C.)" (Hipólito, Refutação, I 6, 1 e 7). Diógenes Laércio diz um pouco mais: "Anaximandro, filho de Praxíades, era natural de Mileto " (D. L., II, 1).

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Pouco adiante: "Escreveu também uma exposição sumária de suas opiniões, que Apolodoro

de Atenas teve em suas mãos. Este autor refere em suas Crônicas, que Anaximandro tinha sessenta e quatro anos, no segundo ano da 58-a. olimpíada, que morreu pouco depois, e que floresceu sob Polícrates, tirano de Samos" (D. L., II, 2).

"Entre aqueles que dizem, que ele, [o elemento básico] é somente um,

movente e infinito, está Anaximandro, filho de Praxíades, de Mileto, sucessor e discípulo de Tales" (Simplício, Física, 24, 13).

"Anaximandro, filho de Praxíades, filósofo, foi parente, discípulo e sucessor de Tales" (Suídas).

À primeira vista, Anaximandro foi contemporâneo de Tales, 14 ou 24 anos mais jovem que o mestre, mas ambos morreram mais ou menos no mesmo ano. Se Apolodoro, citado por Diógenes Laércio, diz, que Anaximandro tinha 64 anos por ocasião da 58-a olimpíada (547 a. C.) e que ele logo depois morreu, é possível fixar, que efetivamente faleceu cerca de 545 a.C. Esta informação coere com aquela outra de Hipólito sobre o nascimento no terceiro ano da 42-a olimpíada (610 a.C.).

Com referência a Polícrates, a informação não coere, e deve ser falsa. Este famoso tirano dirigiu a região pelos anos 540 até 522 a.C., quando morreu crucificado pelos seus desafetos.

Pitágoras esteve relacionado com o influente governante, e se diz, que este filósofo teve a Anaximandro como Mestre

Informações o descrevem como havendo sido um homem social, vestindo-se bem, e aparentemente rico:

"Diodoro de Éfeso, ao escrever a respeito de Anaximandro, diz que [Empédocles] o imitava, no gesto e no uso de vestes solenes" (D. L., VIII, 70). Como se sabe, Empédocles de Agrigento, da escola jônica nova, fora um filósofo festejado ao mesmo tempo como atleta olímpico e vate (vd 316). Sendo-lhe uma geração posterior, a comparação deve ser apenas de fundo histórico, por conta de quem a fez.

Além disto, Anaximandro foi político, administrador e construtor de relógios solares, possivelmente ainda professor.

227. Obras. Sobre a natureza (A , D Â N b F , T H ), eis presumivelmente a

primeira obra de filosofia, e escrita por Anaximandro de Mileto. Não há dúvida sobre sua autenticidade, porque já Teofrasto a ela se referiu. Restam apenas três reduzidos fragmentos da obra de Anaximandro, citados

respectivamente por Aristóteles (Física, 24,13), Hipólito (Refutações I, 6,1), Simplício (Física, 24,13), num total de cerca de 6 linhas.

Sobre o livro de Anaximandro informa tardiamente Apolodoro, do 2-o. século d. C. , citado por Diógenes Laércio (do 3-o.), conforme já antecipamos:

"Escreveu também uma exposição sumária de suas opiniões, que Apolodoro de Atenas teve em suas mãos" (D. L., II, 2).

"Ele [Anaximandro] é o primeiro grego por nós conhecido, que teve a coragem de escrever uma obra sobre a natureza" (Temistio, Discursos, 36, p. 317).

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"Anaximandro criou desenhos de geometria. Ele escreveu Sobre a natureza; desenhou um Mapa da Terra; Sobre as estrelas fixas; Sobre a esfera celeste e outras coisas" (Suídas). Esta linguagem do lexicógrafo Suídas parece dizer que escreveu livros e fez desenhos diversos.

O título Sobre a natureza (A , D Â N b F , T H ) poderá significar o tema generalizadamente, e não apenas a física no sentido de saber empírico, porque então as ciências não eram indicadas por títulos específicos.

Considerando ainda que vários livros dos autores pré-socráticos receberam somente depois seus títulos, ao que parece, e principalmente no tempo de Hesíquio (6-o. séc.), não sabemos se efetivamente o nome dado ao livro de Anaximandro, foi da iniciativa dele mesmo, ou de iniciativa posterior.

A dimensão de um livro em tempo tão remoto estava condicionada à lâmina do rolo de papiro. Dizer-se que alguém escreveu então um livro, significava apenas um caderno. Um tratado mais significativo alcançava geralmente dez livros.

Os gregos adquiriam os rolos de papiro através dos comerciantes de Náucratis, no Delta do Nilo.

§2. Doutrinas de Anaximandro de Mileto. 0335y228. 229. Introdução. Mais abstratamente que Tales, opinou Anaximandro, que o

elemento de base de tudo é algo indeterminado, ainda que esteja sempre assumindo alguma determinação, a qual portanto pode ser constantemente alternada por outras e outras determinações.

Esta espécie de elemento, sem determinações, principalmente sem qualidades contrárias, a chamou – B , 4 D @ < (= infinito). O nome está formado pela preposição • (= sem), na posição de partícula privativa, ante B X D " H (= finito, término).

A consequência deste posicionamento de Anaximandro, alargou a questão do infinito, para o questionamento do infinito em geral. Então já não se trata apenas de uma filosofia da natureza, mas também de uma ontologia em fase de formação.

Didaticamente, a abordagem do — B , 4 D @ < começa por oferecer dois interesses. O primeiro é puramente histórico, como Anaximandro o apresentou, situado nas preocupações da filosofia da natureza, visando sobretudo resolver o questionamento da variedade dos seres naturais. O segundo interesse é puramente sistêmico, que discute o problema do infinito em geral, a partir de onde se avalia o que Anaximandro havia apresentado.

Finalmente, a exposição didática não pode esquecer o que mais, como detalhe, Anaximandro ainda ofereceu sobre cosmogonia, astronomia, antropologia.

Temos, consequentemente, o seguinte percurso didático: - O infinito como elemento constitutivo dos seres (vd 230); - Do problema ontológico do infinito em geral (vd 236); - cosmogonia, astronomia, antropologia de Anaximandro (vd 244). I – O infinito como elemento constitutivo dos seres. 0335y230.

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231. Sobre o infinito (— B , 4 D @ < ) de Anaximandro não se conservaram suficientes informações doxográficas para definir todos os detalhes que este conceito alcançou no seu introdutor.

Entre as informações algumas se referem ao infinito apenas no contexto de elemento constitutivo, e que servisse pois como princípio, ou seja, como • D P Z. Outras informações conduzem ao problema do infinito em geral.

Informou, em resumo, Diógenes Laércio sobre o infinito proposto como elemento constitutivo:

"Anaximandro filho de Praxíades de Mileto afirma, que princípio e elemento são o infinito, mas sem defini-lo como ar, água e qualquer outra substância. Ele diz, que as partes do infinito se alteram e que o todo mesmo do infinito é imutável "

(U < " > \ : " < * D @ H A D " > 4 " * @ L 9 4 8 Z F 4 @ H @ â J @ H § N " F 6 , < • D P Z < 6 " Â F J @ 4 P , Ã @ < @ Û * 4 @ D \ . T < • X D " » à * T D ´ – 8 8 @ J 4 J : ¥ < : X D 0 : , J " $ V 8 8 , 4 < J Î * ¥ B " < • : , J V $ 8 0 J T < , É < " 4 )" (D. L., II, 1).

É apreciável um texto de Simplício, que também contém um fragmento com palavras de Anaximandro:

"Entre os que dizem, que [o princípio e o elemento] é um só e em movimento ilimitado, Anaximandro de Mileto, filho de Praxíades, que foi sucessor e discípulo de Tales, diz que o princípio e elemento de todas as coisas é o infinito (— B , 4 D @ < ), e foi o primeiro que introduziu este nome de princípio.

Afirma que este não é água, nem qualquer outro dos denominados elementos, senão uma natureza diferente e infinita, a partir da qual se geram os céus e os mundos (contidos) nele.

De onde eles derivam, para ali eles retornam por destruição, pela força da Necessidade; porque eles pagam reciprocamente a punição e a recompensa, de sua injustiça, conforme a decisão do tempo

(¦ > T < * ¥ º ( X < , F 4 H ¦ F J 4 J @ Ã H @ Þ F 4 6 " Â J ¬ < N 2 @ D < , Æ H J " Ø J " ( \ < , F J " 4 6 " J J Î P D , f < q * \ * ` < " 4 ( V D " Û J * \ 6 0 < 6 " Â J \ F 4 < • 8 8 Z 8 @ 4 H J H • * 4 6 \ " H 6 " J J ¬ < J @ Ø P D ` < @ L J V > 4 < ") (Frag. 1 de Anaximandro), conforme o que ele poeticamente diz" (Simplicio, Física, 24, 13-20).

Até aqui o texto de Simplício parece tomado de Teofrasto, o qual por sua vez teria citado a Anaximandro. O que segue pertence ao mesmo Simplício:

"É evidente, então, que, este [Anaximandro] depois de haver observado a transformação dos 4 elementos uns em outros, se convenceu que nenhum deles pudera ser um substrato (ß B @ 6 , \ : , < @ < ); este seria uma coisa aparte e que não eles. Para ele a geração se produz não ao alterar-se o elemento, mas ao separarem-se os contrários, por obra do movimento eterno. Por isso, Aristóteles o classificou como da escola de Anaxágoras.

Os contrários são o calor e o frio, o seco e o úmido, e outros. De acordo com uns, a unidade contém os contrários e dela derivam por divisão como diz Anaxágoras.

Segundo outros, já existe a unidade e a multiplicidade dos entes, como Empédocles e Anaxágoras; este fez derivar tudo da mistura e divisão (Simplício, Física, 24 21-26).

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"O milésio Anaximandro, filho de Praxíadres, propôs como princípio uma certa natureza distinta dos quatro elementos, o movimento eterno, o qual era, dizia, a causa da geração dos céus" (Simplicio, Física, 41, 17-19).

Aqui a expressão movimento eterno (6 \ < 0 F 4 H " Ç * 4 @ H ) está no contexto de expressão abstrata para designar o processo concreto da natureza em cíclica geração e destruição, transformação dos contrários uns em outros.

Hipólito, um cristão, e pseudo-Plutarco escreveram textos paralelos ao de Simplicio, e possivelmente todos os três repetiram senão os informes do perdido livro de Teofrasto, firmados entretanto num contexto mais fácil de ser captado naquele tempo do que hoje.

"Anaximandro é discípulo de Tales... Anaximandro, filho Praxíades de Mileto... disse, que o infinito (— B , 4 D @ < ) é elemento e princípio de tudo; foi ele, que usou esta palavra. Além disto, ele disse, que o movimento, do qual resulta o nascimento dos céus, é eterno.... Este disse, que o princípio de todas os seres existentes é a natureza do infinito, do qual nascem todos os céus e cosmos nele contidos. Esta natureza é eterna e ela não envelhece e envolve todos os mundos. Ele falou sobre o tempo, como se o nascimento, a existência e a destruição fossem limitadas" (Hipólito, Refutações, 1 6, 1-2).

"Anaximandro, que foi companheiro de Tales, disse que o infinito (— B , 4 D @ < ) continha toda causa do nascimento e destruição do mundo, a respeito do qual ele diz, que dele foram separados os céus e em geral todos os mundos em grande número" (Pseudo-Plutarco, Miscelânea, 2).

232. A prova do infinito (— B , 4 D @ < ), como este foi proposto por Anaximandro, deve ser examinada em seus detalhes. Como hipótese, o infinito de Anaximandro pretende explicar os fenômenos diversificadores da natureza, em ciclo de gerações e destruições.

Em primeiro lugar, a teoria do infinito surgiu, porque Anaximandro considerou impraticável qualquer dos elementos que se encontram de ordinário na natureza, como a água, o ar e outros. Esta prova negativa adverte para uma razão geral, a de que cada um destes elementos contêm algo contrário ao que há nos outros. Nenhum contrário pode ser componente de uma natureza inversa.

O pressuposto geral da hipótese é a de que somente um princípio infinito, sem determinações particulares, pode exercer a função de substrato básico, ou seja, como primeiro elemento a partir de onde tudo se faz.

Deve entretanto Anaximandro apresentar adequadamente este princípio infinito. Eis pois um segundo campo em que Anaximandro tem de trabalhar, a fim de provar plenamente sua teoria.

A prova, portanto, faz um jogo contínuo entre dois campos, os quais interagem, e se apresentam muitas vezes misturados no mesmo texto dos doxógrafos.

Recapitulando, - opinou Anaximandro que o elemento de base de todos os seres não pode ser um dos seres existentes constatados pela experiência. Portanto, não pode ser algo como a água, o ar, o fogo, a terra. Estes elementos contêm propriedades contrárias entre si, razão porque uns não se podem fazer através dos outros. A água, por exemplo, privilegia uns caracteres, enquanto o ar a outros.

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O infinito (— B , 4 D @ < ) é aquele elemento indeterminado, que pode indiferentemente estar presente sob todas as determinações advenientes.

A diversidade acontece pelo acrescentamento das determinações as mais diversas, mesma as contrárias. Inversamente, todos os seres podem reduzir-se ao fundamento, pelo abandono das determinações.

Também a morte, - que nunca é total, - se explica por este infinito, porque a este infinito tudo retorna ao perder qualquer ser as suas formas por ação de forças contrárias.

Esteve aliás Anaximandro na linha de todos aqueles que não encontram no atomismo superficial senão uma parte da explicação do mundo.

Os átomos não são toda a realidade, porquanto não explicam o espaço e nem as forças interatômicas. Mais além dos átomos elementares poderá existir uma realidade mais vasta que tudo gera e ampara, como fonte de partida dos fenômenos e ponto de retorno quando se desfazem.

Assim como os átomos explicam a realidade até um determinado nível, os elementos da natureza, como a água, o ar, etc., a explicam até um determinado grau de profundidade; depois disto, somente o infinito esclarece o porque da água, do ar, etc. Eis a essência da teoria de Anaximandro.

233. As críticas e aproximações de Aristóteles ao infinito de Anaximandro

importam muito. As informações sobre a prova do infinito como elemento base vieram até nós também através das críticas de Aristóteles, as quais não são todavia precisas. Alguns dos textos de Aristóteles fazem ressalvas ao infinito de Anaximandro, sem o citar diretamente. Mas outros já o citam.

Curiosamente, o mesmo Aristóteles tem algumas aproximações com o modo de pensar Anaxágoras, no que se refere aos conceitos da matéria como potência real indeterminada, e ainda no que diz respeito ainda aos conceitos de forma como elemento constitutivo determinador. A diferença está num detalhe: para Aristóteles a matéria como potência real não é infinita, mas apenas indefinida.

O primeiro texto de Aristóteles diz, que, se o elemento básico de Anaximandro não fosse infinito segundo a quantidade, faltaria algum dia a matéria para novas criações.

"A opinião sobre a existência de um infinito (— B , 4 D @ < ) chegou àqueles, que consideraram a coisa, por causa de cinco argumentos... Além disto, porque a geração e destruição desaparece somente, se não for infinito aquilo, de que derivam todas as coisas derivadas" (Aristóteles, Física, III, 4. 203b 15).

Possivelmente este seja o único e vago argumento de Anaximandro a favor do infinito (— B , 4 D @ < ) como elemento constitutivo dos seres.

O outro texto, também de Aristóteles, mas comentado com detalhe por Simplício, considera que, se o elemento básico fosse infinito, ele não poderia ser um destes elementos conhecidos por nós. Se fosse um destes elementos, por exemplo, se a água fosse este elemento infinito, ela destruiria todas as coisas mais, porque lhes seria contrária pelas qualidades opostas. Possivelmente Anaximandro não teceu precisamente assim as suas considerações. Mas certamente ponderou de modo semelhantes, que os elementos por nós

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conhecidos não estavam em condição de produzir todas as contrariedades havidas nas coisas geradas.

Eis o segundo texto mencionado de Aristóteles: "Não é possível que o corpo infinito seja uno e simples, nem no caso de,

como dizem alguns, algo aparte dos elementos, a partir do qual se engendram aqueles, nem em nenhum outro caso.

Alguns há, entretanto, que supõem, que este é o infinito (— B , 4 D @ < ), e não o ar, ou a água. Por não ser um destes demais elementos, estes não são destruídos por ele, ainda que estes demais todos têm contrariedades entre si: o ar é frio, a água é úmida, o fogo aquece. Fosse o infinito um dos elementos, os outros seriam destruídos. Por isso dizem que, aquilo do qual são gerados estes, é distinto" (Arist., Física, III, 5. 204 b 24-28).

Simplício comentando a Aristóteles, citou mesmo Anaximandro pelo seu nome:

"Depois de demonstrar, que nenhum corpo natural, composto de muitos elementos, pode ser infinito, mostra em seguida Aristóteles também que dito corpo infinito não pode ser uno e simples.

Se ele fosse simples, seria, ou um dos 4 elementos, ou outra coisa aparte deles, tal como Anaximandro fala sobre "O que é aparte dos elementos", a partir do qual se geram os outros elementos. E que nenhum dos elementos pode ser o infinito (— B , 4 D @ < ) é evidente também, porque Anaximandro, com a intenção de afirmá-lo como infinito, não propôs que fosse o ar, o fogo, ou qualquer um dos quatro elementos; isto em razão de comportarem-se estes como contrários entre si, porquanto, se estes fossem infinitos, seus contrários o seriam por ele" (Simplício, Física, 479, 30-480, 4).

Aristóteles atacou o argumento da infinitude do elemento básico, dizendo da não necessidade do seu caráter infinito, para que aconteçam mudanças.

"Para que não cesse a geração, não é necessário, que o corpo sensível seja infinito, porque, enquanto o universo é finito, a dissolução de algo obriga a geração de algo outro" (Arist., Física, III, 8. 208a 8).

234. Pequenos detalhes podem ser levantados sobre o infinito de

Anaximandro, e que se podem encontrar nas fontes doxográficas. Há textos que simplesmente se repetem. Também a estes não convêm esquecer, até porque se confirmam mutuamente.

O infinito, ou ápeiron, de Anaximandro não é uma substância intermediária, entre água e fogo, ou entre outros elementos, como se esta substância intermediária fosse algo também determinado. Não obstante, o uso do termo intermediário é possível, desde que se tome a cautela de a entender como sem determinações.

Tem Aristóteles falado, em diversos textos, de substância intermediária, todavia sem indiciar o nome do autor. Aparentemente ele parece referir-se a Anaximandro, porquanto assim têm acontecido quando se refere ao infinito. Mas se isto houvesse querido pensar, poderia ter-se equivocado, conforme o sentido que tivesse dado ao termo.

"De acordo com aqueles, que dizem, que tudo é uma única natureza, por exemplo água ou fogo, ou algo entre estes" (@ Í @ < à * T D ´ B Ø D ¼ J Î : , J " > × J @ b J @ < ) (Arist., Física, I, 6. 189b).

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"Nenhum entre os físicos defende, que a unidade e o infinito é fogo e terra, mas água e ar e o meio entre eles"(J Î : X F @ < " Û J ä < ) (Física, III, 5. 205b 27).

"Todos os físicos proponentes para o infinito outra natureza do que a dos elementos - água, ar e o meio entre eles..." (Física, III, 4. 203a 18).

"Considerando, que os elementos são necessários em número limitado, resta examinar, se eles são vários ou um só. Alguns decidem; em favor de um só elemento, o qual por uns é a água, por outros o fogo; finalmente outros dizem, que ele é mais sutil que a água, e mais denso que o ar e que, por causa de sua infinitude, ele abarca todos os céus" (Aristotelo, Sobre o céu, III 5. 303b 9).

"Alguns falam sobre o princípio como matéria, independentemente que ele seja um ou muitos, ou que ele seja corpóreo ou incorpóreo. Assim quando Platão fala do grande e do pequeno, os itálicos sobre o infinito, Empédocles sobre o fogo, terra, água e ar, Anaxágoras sobre o número infindo de homeomerias [i. é., "partículas iguais"]. Todos eles aludiram à tal causa, e também os que propuseram o ar, o fogo, a água ou algo mais denso que o fogo, mas mais sutil que o ar. Assim, pois, alguns disseram que ele é o primeiro elemento" (Aristóteles, Metafísica, I, 7. 988a 23-33).

Alexandre de Afrodísio em seu comentário (60,2) acreditou, que este "mais denso que o fogo, porém mais sutil que o ar" fosse menção de Aristóteles a Anaximandro. Isto coere contudo melhor com os discípulos de Anaxímenes, principalmente com Diógenes de Apolônia (vd). A mesma interpretação pode-se aplicar ao texto abaixo:

"Aqueles que propõem algo mais denso do que o ar e mais sutil que a água" (Aristóteles, Metafísica, I 8. 989a 14).

Eis um texto que fala de mistura, certamente em parte um informe impreciso dado por Aristóteles:

"Tudo o que nasce, não somente acontece acidentalmente (6 " J F L : $ , $ 0 6 ` H ) do não ente; tudo pode também gerar-se do ente, com a condição de que isto seja um ente em potencial (¦ > Ð < J @ H * L < V : , 4 ) e não de um atual. Eis o que é o significado da unidade de Anaxágoras, e da mistura de Empédocles e Anaximandro, e isto que Demócrito quis significar, quando ele diz "tudo está misturado potencialmente e não atualmente" (Aristóteles, Metafísica, XII 2. 1069b 18-22).

"Alguns dizem, que a matéria, substrato destes [corpos], é uma só e supõem, que ela é ar ou fogo, ou algo intermediário entre si" (Aristóteles, Sobre a geração e a corrupção, II, 1. 328b).

"...ela não é de nenhum destes [quatro elementos], dos quais derivam todos os seres, nem de algo aparte entre eles, por exemplo, de algo entre (: X F @ < ) ar e água, ou ar e fogo, mais denso que o ar e o fogo e mais sutil do os outros... ele não existe por si mesmo, como afirmam alguns sobre o infinito e o circundante" (Aristóteles, Sobre a geração e a corrupção, II, 5. 332a).

"Aristóteles costumeiramente denomina físicos, aqueles que se ocupam desta parte da filosofia - a física – e entre eles principalmente aqueles, que trataram somente ou quase somente o princípio da matéria. Estes físicos estudaram a matéria dos seres gerados, e opinaram, que ela é o infinito (— B , 4 D @ < )... Alguns, tendo suposto, que este elemento é único, disseram, que ele é infinito segundo a grandeza: assim a água para Tales, o ar para

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Anaxímenes e Diógenes, o meio (: , J " b ) para Anaximandro" (Simplicio, Física, 458, 19-26).

235. Monismo de Anaximandro de Mileto. O caráter geral da filosofia de

Anaximandro é monista. Possivelmente se possa dizer, que esta filosofia seja panteísta, porque o infinito (— B , 4 D @ < ) pode ser dito de Deus.

Contudo, o infinito de Anaximandro é material, porque ele é concebido como base não determinada de todos os corpos.

O infinito é imortal e neste sentido ele é divino, apenas pela imortalidade. "Desta natureza infinita nasceu o céu e o cosmos nele. Esta [natureza] é sem

idade e sem velhice [fragmento 2 de Anaximandro], que circunda todos os cosmos" (Hipolito, Refutações, I 6, 1-7).

Note-se que, na poesia épica frequentes vezes é atribuída aos deuses a qualidade da imortalidade e o não envelhecimento.

"Viver sempre como este, que é imortal e jamais envelhece" (Homero, Ilíada XII 324).

"Tudo o que existe, ou é princípio, ou dele deriva. O infinito não começou; se ele tivesse tido começo, este seria o seu limite. Além disto, como princípio, ele não é nascido e indestrutível; porque tudo o que é gerado, terá necessariamente destruição, e toda destruição tem o seu limite. Por esta causa, conforme afirmamos, ele não tem começo, mas ele parece ser o começo de outros seres, e envolve tudo e governa tudo (B , D 4 X P , 4 < ž B " < J " 6 " Â B V < J " 6 L $ , D < < ), como asseveram aqueles, que não afirmam o infinito, outras causas, como o espírito e a amizade. Além disto ele é divino (J Î 2 , Ã @ < ), porque ele é imortal e imperecível (• 2 V < " J @ < ( V D 6 " Â • < f 8 , J D @ < ) [Frag. 3 de Anaximandro] como afirma Anaximandro e a maioria dos físicos" (Aristóteles, Física, III 4. 203b 7).

II - Do problema ontológico do infinito em geral. 0335y236. 237. O infinito (— B , 4 D @ < ) de Anaximandro abriu a questão geral sobre

o mesmo infinito. Ou melhor, o questionamento sobre o finito e infinito, como antinomia, para a qual uns pensam achar solução admitindo a realidade de ambas as formas, e outros (como Kant), que somente é possível resolver, pela negação de ambas, reduzindo tudo ao apriorismo das faculdades de conhecimento.

Frente a algumas afirmativas de Anaximandro e aos objetivos de sua teoria como explicadora da formação da diversidade das coisas, abriu-se também a questão das mudanças em si mesmas, e que teve no hilemorfismo de Aristóteles, uma formulação particular. Muito se aproxima, aliás, a teoria do — B , 4 D @ < de Anaximandro da do hilemorfismo de Aristóteles, o qual não fez senão oferecer uma proposta mais elaborada.

Os conceitos de Anaximandro sobre o infinito incorrem, como se advertiu, na discussão sobre o infinito em geral, cujo conceito importa em ser discutido previamente.

Em princípio, nada parece poder-se explicar exaustivamente no campo limitado do finito, sem uma redução ao infinito. O paradoxo é evidente. O problema é sobre o haver o finito, e sobre o haver o infinito.

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De um lado, parece que o problema está em haver a multiplicidade. E esta, como se explicaria, senão pela a unidade? O finito se prende à multiplicidade. E como se explica o finito e toda a sua multiplicidade, senão pelo infinito? A questão, em última instância, está em saber, se o infinito é possível e como deve ser entendido para que seja possível.

Mas o paradoxo está, em que também a outra face parece de difícil explicação. Como é que pode haver o infinito, sem o finito, que nele cabe? Como é que pode haver a unidade, sem que haja a multiplicidade? Enfim, como é que há o rico, sem ter seu contraste, o pobre? Como é que pode haver o grau máximo sem haver graus intermediários?

Nisto tudo acontece a complementaridade, em que um conceito evoca ao outro, e vice-versa. A solução parece ser, que em concreto, o máximo sempre pode haver, mas não necessariamente os graus. Estes podem ser em infinito número, mas em abstrato. O infinito intensivo contém todos os graus, sem que estejam realmente separados. Podem existir em concreto, - como acontece nos seres finitos, - mas não necessariamente. Só o infinito intensivo é necessário.

Dentro do quadro acima pode-se discutir, e avaliar as doutrinas do infinito, levantadas por Anaximandro, e que figuram historicamente como o levantamento filosófico da questão.

Evidentemente, quis, em primeiro lugar, o filósofo Anaximandro oferecer uma explicação para a variedade das coisas da natureza. Mas não o podia fazer sem envolver de pronto questões da mais alta metafísica, sobre a qual contudo não apresentou todos os detalhes necessários a uma compreensão total.

Anaximandro não buscou no infinito uma causa eficiente e que tivesse como efeito externo a criação das coisas. O que buscava era uma causa constitutiva, um componente da realidade. O infinito, para Anaximandro é um efetivo elemento, um princípio, uma • D P Z .

O comentador Simplício, citando a Teofrasto, dirá, que Anaximandro introduziu este termo, com o sentido de principio. Contudo ele possivelmente usou a palavra arqué (• D P Z ), não como palavra especializada (ou palavra técnica).

A significação comum que ela tem em Anaximandro é suficientemente clara, para se tornar termo especializado, no sentido de elemento constitutivo.

O infinito em Anaximandro, como elemento constitutivo, contém a imagem do ponto de partida, o qual permite infinitas novas opções. Portanto, infinito está como potência real, sem se determinar necessariamente deste, ou daquele modo. É a potência real com variabilidade sem fim.

Não se trata do infinito em ato, ou seja, como infinito intensivo, que se tenha concretizado com todas as determinações ao mesmo tempo.

238. Duas são as espécies de cosmologia, ou de geração das coisas, conforme

os textos que se referem a Anaximandro, para situá-lo em um destes modos: "Os físicos dizem, que são duas as maneiras da geração. Conforme alguns

[aqui Aristóteles se refere a Anaximandro sem citá-lo pelo nome], do uno saem os contrários contidos já nele (¦ 6 J @ Ø © < Î H ¦ < @ Û F " H J H ¦ < " < J 4 ` J 0 J " H ¦ 6 D \ < , F 2 "

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4 ). Segundo outros, Empédocles e Anaxágoras, para os quais [o substrato] é de vários, os seres derivam da mistura" (Aristóteles, Física, I 4. 187a 20-24).

"Os físicos falam de dois modos. Por um lado, alguns pensam que o corpo substrato é uno, seja um dos três [ar, água, fogo] ou algo que seja mais denso que o fogo e mais sutil que o ar, enquanto as demais coisas se geram por condensação e rarefação, formando a multiplicidade...

Por este lado, alguns pensam que as contrariedades estão em um, a partir do qual se separam, como dizem Anaximandro e quantos afirmam que (o real) é uno e múltiplo, como Empédocles e Anaxágoras: pois também eles pensam que as demais coisas se separam da mescla" (Arist., Física, III, 4, 203a).

Simplício, comentou este texto de Aristóteles e em certo momento acrescentou:

"Alexandre [o Afrodísio] opina, que Anaximandro concebeu esta espécie de corpo como diferente daquele dos elementos. Porfírio afirma, que Anaximandro trata da substância corpórea como infinita, mas sem definir sua espécie, se fogo, água ou ar.

Com referência ao meio [entre ar e fogo] Porfírio e Nicolau de Damasco o atribuem a Diógenes de Apolônia. Conforme o texto, o corpo não é algo comum aos elementos, mas aparte deles.

Diz Aristóteles, que "o corpo substrato é um dos três ou algo mais denso que o fogo e mais sutil que o ar. E ele acrescenta, que outros seres surgem "pela condensação e descondensação". Contudo, com referência à Anaximandro, diz, que ele não concebe assim a geração, mas pela separação do infinito" (Simplício, Física, 149, 10-25).

239. O infinito, eis um problema, cuja discussão sistemática principiou com

Anaximandro, ainda que por ele não suficientemente esclarecido. Em princípio, seria o infinito algo possível? Se há diversas maneiras de conceber o infinito, qual seria efetivamente a maneira segundo a qual existe efetivamente o infinito?

Não sabemos, até que ponto Anaximandro distinguiu diversas modalidades de infinito, ou se ao menos as distinguiu até certo grau.

Há um infinito negativo (ou infinito por negação, privação, indeterminação, relativo) e um infinito positivo (ou intensivo, por acréscimo, absoluto).

O infinito positivo pode ser entendido sob certo ponto de vista, por exemplo, infinito pela quantidade, infinito pela qualidade (dito também infinito abstrato).

Este infinito intensivo, concebido em função a um só ponto de vista, é um infinito secundum quid (= segundo algo), em vez de um infinito simpliciter (= simplesmente segundo tudo).

Importa atender a tais conceitos, para se saber de que exatamente se fala, ao se usar a noção do infinito. Poderá o infinito ser possível, conforme o ponto de vista adotado, e não sob outro.

A primeira vista, todo o infinito é um infinito negativo, por causa do afastamento de todas as determinações dos seres finitos, ou seja pela negação de qualquer grau de limitação. Isto o compreendeu Anaximandro, quando ele advertiu que as determinações são contrárias entre si. Neste sentido, as essências se excluem entre si.

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Para ele, a água, o ar, a água, os contrários em geral são seres aparte, e para ele o infinito não contém em si tais formas. O infinito negativo é este infinito, que aparta de si todas as formas particulares, as quais limitam os seres e os distinguem entre si.

Se se afasta tudo o que é aparte no ente, acaso restaria ainda algo de positivo? Se restasse algo, o infinito se estabeleceria como ente positivo e real. Mas isto se apresenta impossível, porque este resto de infinitude deveria ser uma determinação. Não tem sentido algo estar reduzido a uma determinação particular e ao mesmo tempo ser um ser infinito. Um infinito particular, somente é possível ao modo de abstração. Pela abstração se considera um aspecto, mas não o todo concreto.

O infinito intensivo, - positivo, por acréscimo de tudo,- é concebido pela soma de todas as determinações possíveis, as quais são todas levadas ao máximo.

Pergunta-se, pela possibilidade de um ente receber todas as determinações a um só tempo.

É possível conceber, que algumas formas admitem ser intensificadas indefinidamente, porque não são essencialmente limitadas. É o caso das propriedades de inteligência, de bondade, de beleza.

Sobre outras formas surgem imediatamente dificuldades. No campo da quantidade, - seria possível o espaço infinito? O círculo infinito? O triângulo infinito? E o que seriam, - a cor infinita, o gosto infinito, a dor infinita?

As formas especificamente finitas não admitem a intensidade ao infinito. Toda a forma essencialmente finita rejeita e expulsa a determinação que dela se diferencia diretamente. O círculo repele o quadrado. O grande é o contrário do pequeno. Os números se repelem entre si. O vermelho, que cresce como vermelho, nunca se torna o azul. Nem vice-versa, o azul crescente se torna vermelho. Nem a dor e o prazer, ambos crescendo, vão se dar as mãos.

Já percebera Anaximandro, que alguns contrários não se conciliam, sendo a razão porque não admitia tomar como elemento básico da natureza aqueles seres que tivessem elementos entre si contrários, e não apenas diversos.

Procurou, então dizer que na base da natureza outro era o elemento fundamental, e que denominou infinito. Mas, ao que parece, o que buscava dizer não era um infinito no sentido de intensivamente infinito. Também este está em oposição irredutível com as qualidades essencialmente finitas.

240. O infinito concebido por Anaximandro não é um infinito intensivo, ainda

que ele o quisesse ter concebido assim. O infinito de Anaximandro é apenas o de constitutivo das coisas, no sentido de fonte inesgotável de determinações. Se tudo fosse ato pleno, ficaria simplesmente excluída a possibilidade de mudança das coisas.

Também não abordou Anaximandro a questão do tempo infinito, pelo qual as coisas duram sempre. Este infinito do tempo (dito eternidade), - que o positivismo rústico por vezes parece admitir, - é um problema sem dúvida difícil de equacionar.

Ainda que Anaximandro fale do movimento eterno, ele contudo não explorou estas modalidade de infinito.

Aristóteles fará este estudo, com resultados significativos, porque foi capaz de integrar o tempo e o espaço como determinações internas à mesma coisa, e não como algo

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separado. Não é possível o tempo absoluto, nem o espaço absoluto. O tempo não é um túnel através do qual seguem as coisas. Nem o espaço é um oceano no qual navegam os átomos. As próprias coisas são o tempo e o espaço.

Também não examinou Anaximandro o infinito do ponto de vista da atualidade e potencialidade, ou seja, do ponto de vista da existência e da possibilidade de existir. Parmênides advertirá, - o que já é, é; o que não é, não é. Para a filosofia eleática não há passagem do não existente, para o existente (nada se cria), - o que é, simplesmente é.

Aristóteles lançará a teoria da divisão do ente em ato e potência, para permitir a mudança das coisas.

Ainda que os filósofos posteriores se tenham aprofundado em detalhes, o problema da possibilidade da mudança principia no questionamento de Anaximandro, quando advertiu que os contrários finitos não eram possíveis sem o infinito.

241. O eterno movimento. Sobre as causas eficientes que atuam nas

mudanças pouco tratou Anaximandro. Geralmente os primeiros pré-socráticos (como é o caso dos jônicos antigos) se advertem mais sobre os elementos, e menos sobre as causas que os movem.

Anaximandro de Mileto atribui ao infinito o "eterno movimento, pelo qual o infinito (— B , 4 D @ < ) gera o cosmos, o abarca (B , D 4 X P , 4 < ) e governa (6 L $ , D < < )" (Aristotelo, Física, III 4. 203b 7) (vd 235, o texto completo).

"Além disso, ele diz, que o movimento, no qual nascem os céus, é eterno" (Hipólito, Refutações, 1, 6,2). (vd também Aristóteles, Física VIII 1. 250b 11).

A diferença entre Anaximandro e Aristóteles está em que este último diz, que o Primeiro Motor move sem ser movido. Efetivamente, o infinito não pode ser móvel, nem ser um eterno movimento em si mesmo, e sim um eterno gerador do movimento.

Conclusão: embora Anaximandro esteja no caminho certo ao estabelecer o infinito como causa primeira do movimento, não o conceituou adequadamente.

III – Cosmogonia, astronomia, antropologia. 0335y243. 244. O que por primeiro foi gerado? No sistema de Anaximandro, por

primeiro terão saído do infinito os contrários, - calor e frio. Aristóteles, em texto já citado, informou: "Segundo outros, da unidade saem os contrários, como diz Anaximandro"

(Arist., Física, I 4. 187a 20). Paralelamente, mas não de todo igual, informou depois também Simplicio,

segundo texto já citado: "É evidente, então, que, este [Anaximandro] depois de haver observado a

transformação dos 4 elementos uns em outros, se convenceu que nenhum deles pudera ser um substrato (ß B @ 6 , \ : , < @ < ); este seria uma coisa aparte e que não eles. Para ele a geração se produz não ao alterar-se o elemento, mas ao separarem-se os contrários, por obra do movimento eterno. Por isso, Aristóteles o classificou como da escola de Anaxágoras.

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Os contrários são o calor e o frio, o seco e o úmido, e outros. De acordo com uns, a unidade contém os contrários e dela derivam por divisão como diz Anaxágoras" (Simplício, Física, 24 21-26).

245. São numerosos os mundos (ou cosmos), todos saídos do infinito. O informe não deixa claro, se os mundos surgem sucessivamente, ou se

subsistem ao mesmo tempo. "...Dele nascem todos os céus e cosmos nele contidos. Dele eles vêm, para ele

retornam..." (Simplicio, Física, 24, 18). Platão rejeitou a multiplicidade dos mundos (Timeo 31a). Mas tudo depende

do que se entende por um cosmo. A idéia de mundos que nascem e desaparecem, com o retorno de outros era

favorecida pela imaginação cíclica gerada pelos acontecimentos que se repetem. Além disto, o zoroastrismo, divulgado pela expansão persa, estimulou a

concepção escatológica de um fim de mundo próximo. Esta convicção afetou o judaísmo mais recente, e logo também a religiões cristã e islâmica.

Entretanto, a sucessão de mundos, de trata o pensamento grego é diferente daquele da concepção escatológica. Para a escatologia ocorre a sucessão de duas formas de um mesmo mundo, o qual uma vez concluído o seu primeiro ciclo, passa a uma nova forma, cujo terminal definitivo é o do céu dos justos e o inferno dos desgraçados.

Coerentemente Anaximandro poderia ter defendido, como os atomistas e Epicuro a existência simultânea de muitos mundos, cosmos, ou céus. É mais provável que o não tivesse feito, apesar do que se afirmou, arrolando-o entre os que assim pensaram:

"Aqueles, que supuseram, que os mundos são infinitos em número, como os seguidores de Anaximandro, Leucipo e Demócrito e depois Epicuro, supuseram, que eles nascem e perecem durante um tempo infinito, porque nascem sempre uns e perecem outros" (Simplício, Física, 1121, 5).

"Anaximandro, não como Tales, que supunha derivarem as coisas do úmido, julgou que tudo vinha de seus próprios princípios. Acreditou que as coisas singulares eram em infinito número, e que se poderiam gerar mundos sem número; que estes mundos, ora poderiam dissolver-se, ora voltar a ser gerados, não sendo nada atribuído a uma divindade" (Agostinho de Hipona, Da cidade de Deus, VIII 2).

246. Traços gerais do cosmos. A ciência sobre a Terra e os astros foi a

ocupação principal de Anaximandro. Mas inseriu nestas doutrinas um maior número de considerações filosóficas do que Tales.

No que concerne à ciência positiva, fez também considerações sobre mecânica, para explicar a posição da Terra e dos astros.

O conceito geral de Anaximandro sobre o universo ou cosmo leva em conta que o infinito (— B , 4 D @ < ) primeiramente separou o calor e o frio, e que por isso em torno do todo se formou o fogo, como um céu em torno do ar, o qual, por sua vez, rodeava a Terra. Os astros são como que buracos ao modo de tubos abertos entre o ar e o fogo exterior, de maneira que o fogo brilha mais no vão destes orifícios.

Eis um céu interpretado sem mitos, ainda que com muitos desacertos.

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De outra parte, o fogo exterior contém alguma analogia com a moderna teoria da formação dos astros como nebulosas em desaquecimento.

"Ele [Anaximandro] disse, que aquilo que causa o calor, desde sempre o separou deste mundo, e que disto nasceu uma esfera de fogo, como a casca em torno duma árvore. Quando estas esfera se rompeu em alguns lugares e se firmou em alguns círculos, ela assim deu origem ao sol, à lua, e aos astros" (Pseudo-Plutarco, Miscelâneas, 2).

Ordinariamente Simplicio informa, com mais detalhe que Pseudo-Plutarco, o que veio através de Teofrasto; mas agora, nem Simplicio, nem Aristóteles informam sobre os traços gerais do cosmo segundo Anaximandro. Estes outros informes chegaram, entretanto, através de Hipólito e Aécio.

Circundado o cosmos, pelo ar, com o fogo pelo lado exterior deste, os astros, como já se adiantou, nada mais são do que o brilho do referido fogo exterior através dos orifícios abertos na capa de ar. Os orifícios têm a forma de tubo, como se diz em várias informações, tendo cada astro o tamanho desta abertura tubular. Dão-se os eclipses, quando os orifícios se obstruem à manifestação do fogo exterior.

"Os astros são gerados como um círculo de fogo, separando-se do fogo do cosmo, cada um circundado por ar. Ocorrem respiradouros, alguns poros como tubos, através dos quais os astros se tornam visíveis. Então, quando os tubos se obstruem, acontecem os eclipses. A Lua aparece as vezes crescendo, outras minguando, segundo a abertura e a obstrução dos condutos. O círculo do Sol é 27 vezes maior que o da Lua. No mais alto está o Sol. Mais baixos estão os círculos dos astros fixos" (Hipólito, Refutação, I 6, 4-5).

"Anaximandro disse, que o Sol é um círculo 28 vezes maior que o da Terra, semelhante a uma roda de carro, cujos raios estão vazios de fogo e que ele mostra o fogo como que através de assopradores" (Aécio II 20, 1).

"Anaximandro [disse], que o Sol é igual à Terra. O círculo através do qual ele respira fogo, e pelo qual ele gira, é 27 vezes maior que a Terra" (Aécio, II 21,1).

"Anaximandro [disse] que os corpos celestes são transportados por círculos e esferas" (Aécio II, 16, 5).

"Anaximandro diz, que o eclipse do Sol acontece por causa do fechamento da abertura através da qual sai o fogo" (Aécio II 24,2).

Sobre a doutrina de Anaximandro: "Alguns, entre eles Anaximandro, dizem, que o Sol irradia sua luz como

forma de roda. Como um eixo, tem uma abertura e a partir dele estende seus raios até a face exterior, assim também o sol envia sua luz a partir de sua abertura, estendendo seus raios, iluminando as coisas exteriores. Outros, porém, dizem, que o Sol envia a luz como tempestade voltigeante em lugar vazio e estreito" (Aquiles Tacio, Introdução aos fenômenos de Arato 19).

"Anaximandro, Metrodoro de Quios e Crates dizem, que o alto tem seu lugar o Sol; depois se situa a Lua e abaixo dela as estrelas fixas e os planetas" (Aécio II 15, 6).

"Anaximandro diz que a Lua é um círculo 19 vezes maior que a Terra, semelhante [a uma roda) de carro, em que o eixo está cheio de fogo, como o sol; e também como ele, permanece em posição obliqua. Ela tem somente uma abertura, como um torvelinho ao modo de tubo, e que se eclipsa conforme as rotações da roda " (Aécio II 25,1).

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"Anaximandro, Xenófanes e Beros dizem, que [a Lua] tem luz própria" (Aécio II, 28, 1).

Está em contradição a informação de Diógenes Laércio: "Anaximandro disse, que a Lua ilumina por luz não própria, porque que ela a

recebe do Sol" (D. L., II, 1). 247. A grandeza e distância são aspectos significativos dos astros, e que

Anaximandro também examinou. Possivelmente os pitagóricos cuidaram muito mais da ordem entre os astros.

"Ele [Aristóteles, em Do céu, II 10. 291a 30] diz, que "se deve examinar tais assuntos pela ciência da astronomia" [Frag. 146 v. de Eudemo]. Porque nela se apresenta a ordem dos planetas, de suas grandezas e distâncias, e as distâncias de acordo com o que diz Eudemo, quando ele atribui aos pitagóricos o primeiro tratamento sobre a ordem e a posição [dos astros]. Até agora já se conhece a grandeza do Sol e da Lua, cujo estudo se fez a partir dos eclipses e foi normal que Anaximandro a descobrisse, e também aquela de Mercúrio e Vênus a partir de comparações com as anteriores" (Simplicio, Do céu, 471, 1).

248. A terra no centro. Resumidamente, informou Diógenes Laércio sobre a

doutrina de Anaximandro: "A Terra está situada no meio do universo; está no centro; sua forma é

esférica" (D. L., II 1). Eis a idéia simplista da Terra como centro do mundo, e de todos os

acontecimentos, inclusive religiosos, estes em geral combinados com uma escatologia total. Mas agora Anaximandro colocou a afirmativa em discussão, para ser

resolvida a partir de razões. Ainda que não alcançasse bons resultados, não se fez depender de opiniões meramente mitológicas.

São contudo poucas as informações, que ligam a Anaximandro à discussão, porque a Terra está no centro do cosmo.

Em Aristóteles surgirão alguns conceitos novos sobre o conceito de lugar, entendido como parte do próprio corpo, de onde enfim a questão do lugar natural. Neste contexto as observações de Aristóteles envolveram as idéias de Anaximandro.

"Há alguns, que dizem que esta [a Terra] se mantém em repouso, por causa do equilíbrio, como Anaximandro entre os antigos. Com efeito, nada pode mover-se mais para cima que para baixo, ou em direção obliqua, quando está situado no centro e se mantém em relação igual com os extremos. E porque não é possível efetuar movimentos ao mesmo tempo em direções contrárias, ela necessariamente permanece ali" (Aristóteles, Do céu, II 13. 295b 10).

Esta explicação, relacionada com a atração universal, encontra-se no reto caminho, embora não esclareça sobre a natureza da mesma atração, ou gravitação.

Aristóteles cita a Anaximandro, por ocasião da discussão do que entende por lugar natural, teoria básica, com a qual se opõe a outras teorias, sobre o movimento natural e equilibro pela força.

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Aliás a natureza do lugar é difícil, e Aristóteles faz dele, como também do espaço, uma determinação intrínseca das coisas. Assim sendo, Aristóteles pôs em questão a afirmativa sobre o situamento da Terra e seu lugar.

Especificamente sobre o comportamento da Terra em relação às forças mecânicas, Aristóteles defendeu a hipótese do lugar natural tido por cada coisa. Deu esclarecimentos detalhados, mas para defender, contra todos, seu próprio ponto de vista sobre esta questão, segundo o qual cada corpo teria seu próprio lugar natural.

"Se existe movimento por natureza, não existirá movimento por imposição, nem haverá repouso imposto.

Consequentemente, se a Terra permanece agora em repouso à força, ela também será jogada ao centro por um vórtice. Todos aliás defendem esta causa, considerando isto, que acontece na água e no ar; efetivamente, nele os objetos maiores e mais pesados são levados ao centro do vórtice. Por isso, todos que asseveram, que o céu algum dia nasceu, dizem que a Terra atingiu o centro" (Arist., Do céu, II 13. 295a 7).

Possivelmente Anaximandro é um destes, a respeito dos quais pensa Aristóteles. Quando o Estagirita defendeu suas explicações do movimento, pelo movimento natural deste corpo, o fez por uma longa contestação contra.

"Esta é certamente uma bela solução, mas sem veracidade. Por este argumento, se chegará necessariamente à conclusão, que tudo o que se situa no centro, ali ficará, de maneira que também o fogo ali ficaria em repouso. Como resultado, o argumento não seria específico somente para a Terra. A observação mostra efetivamente, que a Terra não somente permanece no centro e também se move na direção do centro" (295b 15).

De outra parte, Aristóteles com razão esclarece, que a imobilidade como Anaximandro a explica, pode acontecer com qualquer ser.

O cristão Hipólito, ainda que para contradizer o filósofo pagão, apresenta concisamente a imagem do seu conceito:

"A Terra está no alto e se mantém sem nenhum apoio, e em repouso por causa da distância igual em que se situa de todas as demais partes . Ela é curva e redonda como o fuste de uma coluna. Sobre uma das superfícies se anda; a outra lhe está oposta" (Hipolito, Philosophoumena, ou Refutação, I 6,3).

"A terra é meteoro e se move ao arredor do centro do cosmo (Teon de Esmirna, p. 198, 18 Hill).

Este meteoro (meteoros) significa um objeto celeste. "Anaximandro diz, que a Terra é semelhante a uma coluna de pedra" (Aécio

II 10,2). Autores posteriores dirão mais abstratamente: "A Terra tem a forma de cilindro, com altura de um terço em relação à

largura" (Pseudo-Plutarco, Strômata, 2). 249. O ressecamento do mar em alguns lugares, por exemplo em Mileto,

afligiu a Anaximandro e a outros sábios do tempo por causa da significação desta espécie de fenômeno. Eles opinam, que o Oceano em torno da Terra poderá aos poucos secar, e que também o mar um dia poderá desaparecer.

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Aristóteles se oporá a esta opinião, apresentando, que em outros lugares as águas invadem a Terra. (vd. Arist., Meteorologia, I 14.352a 17). E logo comenta, sem citar nomes:

"No começo eram úmidos todos os lugares em torno da Terra; mas quando o Sol os seca, a parte evaporada origina aos ventos e aos movimentos do Sol e da Lua, a parte restante é o mar. Eles em consequência acreditam, que o mar está decrescendo, porque ele seca, e que finalmente ele estará todo seco" (Arist., Meteorologia III 1. 353b 6).

Ainda que adiante Aristóteles atribua esta teoria ao famoso atomista Demócrito, de outra parte o seu comentarista Alexandre de Afrodísio, apoiado sobre informe de Teofrasto, acrescenta, que tal fora também a opinião de Anaximandro de Mileto e de Diógenes de Apolônia:

"Alguns dizem que o mar é um resíduo da antiga umidade. Este espaço circundante era úmido, mas depois parte desta umidade evaporou por causa do Sol, e se transformou em ventos; por causa dos ventos aconteceu a rotação do Sol e da Lua ...

E quanto a parte, que ficou nos lugar ocos da Terra, é o mar. Por causa do ressecamento do Sol, ele diminui, e poderá; um dia secar totalmente. Conforme o que narra Teofrasto, esta foi a opinião de Anaximandro e Diógenes" (Alexandre de Afrodísio, Meteorologia 67,3).

250. Em relação ao zodíaco, equinócios e solstícios, Anaximandro completou

as observações de Tales e de outros que o precederam. Suídas, já citado, informa, que Anaximandro "foi o primeiro, que descobriu o

equinócio, os solstícios e o gnomo". É o gnomo o ponteiro para conhecer aproximativamente a altura do Sol, e

consequentemente as horas; ele é a essência do relógio do sol. "A percepção da obliquidade do Zodíaco como compreensão dos

acontecimentos é atribuída pela tradição à Anaximandro de Mileto, a primeira vez por ocasião da 58-a olimpíada (548-545 a.C.)" (Plínio, História da natureza, II, 31).

251. Sobre terremotos: "Anaximandro disse, que a terra se fende por causa da seca resultante do

calor, ou por causa da grande umidade das chuvas, por cujas fendas entra abundantemente o ar, cujos ventos ocasionam tremores nos seus próprios fundamentos. Por; causa disto acontecem terremotos quando de evaporações ou de excessiva queda de água dos céus" (Amiano Marcelino XVII 7,12).

O mesmo se lê em Cícero: "Os lacedemônios foram advertidos pelo físico Anaximandro, que

abandonassem a cidade e as casas e passassem a noite preparados, porque estava eminente um terremoto. Nesta ocasião a cidade inteira ruiu e o cume do monte Táigeto se desmoronou como a popa de um navio" (Cícero, Sobre a natureza dos deuses, I 50, 112).

252. A meteorologia de Anaximandro, ainda que errando em alguns detalhes,

já é um saber sem explicações míticas. Ele já está atento às relações de causa e efeito entre o calor e a evaporação, pressão do ar e chuva.

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"Os ventos são gerados, quando os vapores mais sutis se separam do ar e se movem juntamente. As chuvas se geram dos vapores da terra, e que estão sob o Sol, quando os ventos batem e fazem as nuvens brilhar" (Hipolito, Refutações, I 6 7).

Com referência ao vento, a explicação de Anaximandro não consegue chegar à verdade. Mas este fenômeno tem sempre uma função significativa.

"Anaximandro diz que todas estas coisas [trovões, relâmpagos, torvelinhos, tufões] são ocasionadas pelo vento, do modo seguinte: quando ele é cercado por uma densa nuvem, consegue sair, por causa da pequenez de suas partículas e por sua leveza; irrompendo, produz ruído e seu bater contra a negrura da nuvem é o relâmpago" (Aécio III, 3, 1-2).

De novo o vento é estabelecido como causa significativa dos mencionados fenômenos da natureza, mas erradamente, porque estas causas são dominantemente elétricas.

O destaque dado aos ventos foi anotado neste informe: "Anaximandro atribui tudo ao vento: o trovão é, conforme ele diz, o barulho

de nuvem batida" (Sêneca, Temas naturais, II 18). 253. Mapas. Surgem os mapas geográficos com o desenvolvimento da

navegação dos egípcios, fenícios e gregos. Ora, quando os gregos passaram ao domínio da navegação, era exatamente o

tempo de Anaximandro. "Eratóstenes disse, que os primeiros [interessados sobre geografia] depois de

Homero, foi Anaximandro, amigo e concidadão de Tales, e Hecateo de Mileto. O primeiro fez um mapa geográfico, e Hecateo desenhos, cuja autenticidade se conhece por seus escritos" (Estrabão, I, 7).

Deste informe de Estrabão, do primeiro século d.C., deriva outro do segundo século:

"Anaximandro... foi o primeiro, que teve a coragem desenhar sobre uma tábua um mapa da terra habitada. Depois dele Hecateo de Mileto, homem muito viajado, aperfeiçoou o mapa, ao ponto de obra admirável" (Agatemer I,1).

No terceiro século Diógenes Laércio repetiu a informação: "Ele [Anaximandro] foi o primeiro, que desenhou o contorno da terra e do

mar; ele construiu também uma esfera" (D. L., II 2). Este acréscimo à última frase significa um mapa da esfera celeste; sobre este

detalhe pode-se duvidar, por não se encontrar confirmação em outros doxógrafos. Heródoto, que muito viajou e poderia opinar sobre a quantidade destes mapas,

os ridicularizou cem anos após a Anaximandro: "Eu me rio dos muitos que até agora desenharam o contorno da terra sem

sabedoria: Eles desenham um Oceano fluindo em torno da terra; a este eles desenham circular, quase como se ele fosse desenhado em torno por um século. E eles faziam a Ásia igual à Europa" (História, IV 36).

Embora a Terra seja concebida por eles como no meio do universo, a face é concebida como plana. Pode-se, então, imaginar o mapa de Anaximandro como um desenho deste plano, com o centro no Mar Egeu, entre Jônia e Grécia continental. No mapa figurariam também as ilhas da região, os limites entre os países até a Índia. O contorno de tudo seriam montanhas, as quais terminariam no Oceano circular.

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254. Relógios solares. Profissionalmente, Anaximandro de Mileto foi, ao que

parece, um administrador, e praticou a ciência em usos práticos, como relógios solares e mapas úteis à navegação e às viagens terrestres.

"Ele conduziu a colônia que Mileto enviou à Apolônia" (Cláudio Eliano, Histórias várias, III 17). Esta colônia, realizada por Mileto, situava-se na Trácia, portanto na Grécia continental, a alguma distância da Jônia.

Por causa da profissão, Anaximandro possivelmente viajasse muito, o que aliás o teria tornado capaz de criar um mapa geográfico. A prova de suas viagens profissionais é o fato de haver estado em Lacedemônia, região de Esparta. Talvez houvesse sido ele o introdutor do sistema de relógios de Babilônia, evidentemente com aperfeiçoamentos.

Ainda que alguns tenham dito o gnomo fosse de sua invenção, efetivamente ele já era conhecido dos babilônios. Consistia o gnomo em um ponteiro vertical, com desenhos adequados para indicar as horas e as estações pelo comprimento da linha sombreada.

"Assevera Favorino em Histórias várias, que Anaximandro inventou o gnomo e o instalou sobre o relógio de Lacedemônia, para indicar o solstício e os equinócios e mostrar as horas" (D. Laércio, II, 2).

"Anaximandro ... foi o primeiro, que descobriu o equinócio, o solstício, o ponteiro mostrador do relógio e a situação da Terra no centro. Ele introduziu o gnomo" (Suídas).

"Ele foi o primeiro, que construiu gnomos para conhecer os solstícios, as horas, as estações e os equinócios" (Eusébio, Preparação evangélica, X 14, 11).

Heródoto, além de sua antiguidade, foi o mais preciso e historicamente

verdadeiro na informação: "O conhecimento da esfera, do gnomo e das doze partes do dia os gregos o

receberam dos babilônios" (História, II 109). Possivelmente antes de Anaximandro já existissem alguns relógios solares na

Grécia. Ele os terá aperfeiçoado e passou a instalá-los profissionalmente, com ganho de dinheiro. Certamente não fora fácil graduar a sombra sobre um espaço plano para indicar as horas precisas do dia, com adequação da elipse provocada pelas estações do ano.

255. Sobre a alma e evolução animal. Para Anaximandro a alma é material,

como aliás toda a sua conceituação do infinito (– B , 4 D @ < ). Mesmo que se imagine como algo aparte, ela é senão o mesmo infinito, quando dotado de uma consistência especial.

"Anaxímenes, Anaximandro, Anaxágoras e Arquelao asseveraram, que a natureza da alma é semelhante ao ar" (Aécio IV).

A hipótese da evolução animal é concebida claramente por Anaximandro, ainda que com erros de detalhe e ainda pouca advertência sobre a seleção dos mais fortes em cada meio.

Anaximandro encarou a evolução como decorrência do geral desenvolvimento do universo a partir de um elemento infinito (– B , 4 D @ < ) e como explicação científica de alguns fenômenos encontrados na natureza. Depois Xenófanes de

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Colófon (vd) insistirá nestes sinais da evolução. Todavia, já Anaximandro advertiu sobre a adaptação dos animais, e que resulta em sua evolução.

O começo de cada vida acontece por geração espontânea: "Os seres vivos nascem [do úmido], pela evaporação, causada pelo calor do

Sol" (Hipolito, Refutações, I 6 1-7). A vida começou na água, e evolui por adaptação. "Anaximandro disse, que os primeiros animais nasceram da umidade e eram

rodeados de conchas espinhosas; depois de algum tempo, eles passaram à terra seca; depois do rompimento das conchas, eles vivem durante algum tempo de outra maneira" (Aécio V 19,4).

Também o homem apareceu por evolução. "Os animais nascem da umidade evaporada pelo Sol. O homem gerou-se

semelhante ao animal, possivelmente do peixe" (Hipolito, Refutações, I 6,6). "Anaximandro disse, que homem inicialmente nasceu de animal de outra

espécie; por isso outros viventes conseguem logo comer por si mesmo. Atualmente, apenas o homem por longo tempo necessita a ajuda da mãe. Se assim houvesse sido no começo, ele não se teria conservado vivo" (Pseudo-Plutarco 2).

"Anaximandro de Mileto pensava, que da água e da terra quente nasceram peixe e animais semelhantes aos peixes. Nestes se formaram homens, que se mantiveram fechados em fetos até a puberdade. Só então eles romperam, aparecem homens e mulheres já capazes de se alimentar por si mesmos" (Censorino, Sobre o dia de nascimento, 4,7).

"E os que nasceram do antigo Heleno e fazem sacrifícios ao patriarca Posseidon, crêem, - como os sírios -, que o homem nasceu da substância úmida. Por isso, também veneram ao peixe, como companheiro de espécie e de infância, filosofando melhor que Anaximandro.

Este afirma que os peixes e os homens não nasceram nas mesmas condições, e sim que os homens originariamente se engendraram dentro dos peixes e se alimentavam como os pequenos tubarões, e que eles somente depois de poderem auxiliar-se a si mesmos, saiam do corpo dos peixes para a terra" (Plutarco, Banquete dos sete sábios, 730e, em DK 12 A 30).

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ART. 3-a. ANAXÍMENES DE MILETO. 0335y256.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - - Cap. 3 "Escola Jônica Antiga" - 257. Anaxímenes de Mileto (U < " > \ : X < 0 H J @ Ø 9 4 8 Z J @ L ) (c.

585 a.C. - c. 528 a.C.) é o terceiro e último importante filósofo da escola jônica antiga, no quadro ainda da fase milesiana.

Embora pouco se saiba de sua vida, ele é contudo citado com frequência para dizer que foi sua a proposição do ar (• Z D ), como elemento básico na formação de tudo.

O mais singelo dos três principais filósofos da escola jônica de Mileto, merece contudo um exame didaticamente tão bem distribuído quanto o dos seus dois antecessores:

- Vida e obra (vd 0335y258); - Doutrinas de Anaxímenes de Mileto (vd 0335y261). §1. Vida e obras. 0335y258. 259. O fato de serem parcas as informações sobre Anaxímenes de Mileto

podem advertir não ter sido tão expressivo quanto os dois primeiros representantes da filosofia jônica. – Tales e Anaximandro. Não foi nem tão grande matemático e nem tão conhecido astrônomo, ainda que tenham criado fama algumas de suas hipóteses sobre os astros.

O verdadeiro significado de Anaxímenes está em haver dado continuidade à ciência e à filosofia em curso. Por Anaxímenes se constata que a ciência e a filosofia, já nascidas, prosperam definitivamente por fora das tradições dogmáticas mitológicas.

A influência de Anaxímenes ocorreu sobre os mais diversos filósofos, como por exemplo Pitágoras, Melisso, Anaxágoras, Demócrito, Diógenes de Apolônia.

Anaxágoras de Clazomene (c. 500 - 428 a.C.), nascido depois da morte de Anaxímenes, dado embora como discípulo deste último (Diógenes Laércio, II, 6), o foi apenas segundo as idéias. Efetivamente, Anaxágoras pertence à nova escola jônica. A influência de Anaxímenes de Mileto acontecera facilmente, porquanto com ele a escola jônica antiga já se havia expressado certamente sobre toda a região das cidades gregas da Ásia Menor.

Anaxímenes nasceu, quando Mileto ainda era florescente cidade independente e liderava as cidades da confederação jônica. Sardes, capital do reino Lídio, fora conquistada mais cedo pelos persas (546 a.C.) e também mais cedo foi destruída. Mileto, ainda por algum tempo, continuou próspera, mesmo quando reduzida à parte da satrapia persa instalada com domínio sobre toda a Jônia.

Mas, também Mileto, ao se revoltar, será destruída (494 a.C.), porém depois da morte de Anaxímenes (c. 528 a. C.).

Nasceu Anaxímenes possivelmente no ano 585 a.C., no mesmo ano do eclipse predito por Tales.

Informes de Diógenes Laércio:

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"Anaxímenes, de Mileto, filho de Eurístrato, foi discípulo de Anaximandro. Alguns dizem também, que ele foi discípulo de Parmênides" (D. L., II, 3).

Com referência à Anaximandro de Mileto (610-545 a.C.) coere o informe, porque ele tem cerca de 25 anos, quando o mesmo Anaxímenes nasceu. Nesta circunstância, um poderá ter sido o mestre do outro.

Com referência a Parmênides não coere o informe, porquanto o filósofo eleático é mais jovem, e situado entre as datas cerca de 540 - 470 a.C. e mora distante, na Itália.

Acrescentou ainda Diógenes Laércio ao seu pequeno informe: "Ele nasceu, segundo Apolodoro, na 63-a olimpíada (528 a.C.) e morreu no

tempo da conquista [persa] de Sardes (546 a.C.)" (D. L., II, 3). Estas indicações não coerem, porque ele não poderia haver nascido (528 a.C.)

após sua morte por ocasião da conquista de Sardes (546 a. C.). Se Apolodoro o disse, errou. Já Diógenes Laércio deveria tê-lo percebido e fazer a advertência, o que entretanto não fez.

Melhor é aceitar, que ocorreu erro de transcrição. Consequentemente, em vez de dizer, que Anaxímenes nasceu na 63-a olimpíada, corrija-se, dizendo-se que na 48-a olimpíada, portanto pelo ano 585 a.C.

Alguns, por exemplo Hermann Diels, corrigem de outro modo o texto pela inversão:

"Ele viveu no tempo da conquista de Sardes (546 a.C.) e morreu na 63-a olimpíada (528 a.C.).

Suídas disse, que: "Anaxímenes... nasceu na 55-a olimpíada (560-557 a.C.), quando aconteceu a

conquista de Sardes e Ciro destronou a Creso" (Suídas). Para que Anaxímenes seja discípulo de Anaximandro (c. 610-c. 545 a.C.) é

preciso que tenha nascido um pouco mais cedo. Hipólito completa a informação: "Ele [Anaxímenes] atingiu o estado adulto no primeiro ano da 58-a olimpíada

(548-547 a.C.) " (Hipólito, Refutações, I 7, 9). Nada sabemos sobre a vida profissional de Anaxímenes. Além disto, pode-se imaginar, que Anaxímenes, na condição de haver escrito,

houvesse sido também um professor. 260. Obras. Restam somente três reduzidos fragmentos dos escritos de

Anaxímenes de Mileto. Estes se devem às citações feitas por Plutarco e Aécio. Sabe-se que "escreveu em língua jônica, com simplicidade e sobriedade" (( 8

f F F 0 3 V * 4 B 8 ± 6 " Â • B , D \ J J å ) (D.L., II, 2). O idioma grego se falava em 4 dialetos básicos, de que o acádico, de Atenas,

se tornou o principal, sendo que o jônico, muito próximo do acádico, foi também a língua de importantes obras.

Se Diógenes Laércio avaliou o estilo de Anaxímenes, isto pode significar que o livro do filósofo Anaxímenes de Mileto ainda se conservava ao seu tempo (3- século). Mais provável, entretanto, é que a informação tenha vindo através de Teofrasto, que, por sua vez, poderia ter conhecido a obra.

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De outra parte, a observação sobre a simplicidade e sobriedade do estilo de Anaxímenes pode indicar diferença com aquele de Anaximandro, ao qual tinha como poético.

Na mesma cidade de Mileto morava Hecateo, historiador, que também escreveu em jônico e estilo simples.

§ 2. Doutrinas de Anaxímenes de Mileto. 0335y261. 262. O ar como primeiro e infinito elemento. Divergindo de Tales,

proponente da água e de Anaximandro do infinito, agora Anaxímenes propõe o ar (• Z D ) como elemento fundamental da natureza, a partir de cuja complexificação se formam todas as coisas, e no qual elas todas se decompõem.

A idéia fundamental continua a mesma, de que tudo se forma a partir de um elemento primeiro, o qual subsiste por si só e é consequentemente divino.

O ar não é todavia finito como a água de Tales. O ar de Anaxímenes é um princípio infinito (– B , 4 D @ H • D P Z ), indeterminado quase como o – B , 4 D @ < (= infinito) de Anaximandro.

Ainda que invisível (" Ð D 4 J @ H ), o ar, por sua crescente densificação (B b 6 < T F 4 H ) , forma todas as coisas. Por rarefação (: V < T F 4 H ) tudo revém ao estado anterior, infinito e invisível.

Pelo eterno ovo se fazem as transformações. Enquanto Anaximandro não queria qualquer determinação no elemento fundamental, para a nova filosofia o ar já é uma primeira determinação, que determina desde sempre o infinito.

Não ocorre grande diferença entre estas duas concepções sobre a natureza. Também o infinito de Anaximandro continha alguma determinação, ainda que seu proponente não muito advertisse para isso.

O novo conceito da natureza como ar ganhou algum sucesso. Diógenes de Apolônia (vd), filósofo eclético do século seguinte, epígono da filosofia jônica, adotou o mesmo princípio e desenvolveu várias aplicações em suas explicações científicas.

Também aqueles, como Empédocles, que adotaram uma pluralidade de elementos fundamentais, incluíram no elenco, também ao ar, ao lado do fogo, água, terra.

Aristóteles informou sobre diversas colocações, em que o ar teve sua vez como elemento:

"Anaxímenes e Diógenes [de Apolônia] opinam, que o ar é anterior em relação à água e o primeiro princípio entre os corpos simples, enquanto Hípaso de Metaponte e Heráclito de Efeso opinam ser o fogo" (Arist., Metafísica, I 3, 984a 5-7).

263. Outras informações repetem esta indicação sobre o ar, mas acrescentam um detalhe, que explica a densificação e a rarefação, o movimento e os fenômenos astronômicos, ou que descreve este ar, como infinito em grandeza (: , ( X 2 , 4 ).

"Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrato, discípulo de Anaximandro de Mileto, disse, como este, que a natureza em sua base é de uma só espécie e infinita, mas não indeterminada, como diz [Anaximandro] mas determinada, e a nomeou ar.

Ela se diferencia em substâncias aparte apenas por densificação e rarefação. Pela rarefação se dá o fogo e o vento; quando ela depois se adensa, as nuvens, e ainda mais, a

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água, depois o barro e as pedras e tudo o mais. Ele também conceituou o movimento como eterno, por meio do qual ela causa as transformações...

Anaximandro e Anaxímenes supõem uma só espécie de elemento, e sem limite quanto à grandeza. Somente mencionando Anaxímenes, Teofrasto tratou em sua História a densificação e a rarefação; mas é evidente, que ambos os outros usaram os conceitos sobre a densificação e rarefação" (Simplício, Física, 24, 26-35).

Eis um contrário em conceituações aristotélicas, mas que não ocorrem ainda no mesmo Anaxímenes:

"É necessário distinguir entre o infinito segundo a quantidade numérica, que é próprio dos que dizem, que os elementos são muitos, e outro infinito ou finito segundo a grandeza, como o aceita Aristóteles nos argumentos contra Melisso e Parmênides, e coincide com Anaximandro e Anaxímenes, os quais supõem que os elementos são de uma espécie e infinito quanto à grandeza" (Simplício, Física, 22, 9-13).

Ainda que por mais palavras, Hipólito repete o mesmo, que Simplício, sobre o ar de Anaxímenes:

"Anaxímenes... disse, que o primeiro princípio é o ar infinito, a partir do qual se geram as coisas atuais, passadas e futuras, os deuses e as coisas divinas, e o mais das coisas que procedem dele.

A forma do ar é a seguinte: enquanto ele permanece na máxima homogeneidade, ele não é perceptível pela vista. Mas ele é perceptível pelo calor, umidade e movimento. Ele está sempre em movimento, porque ele não poderia mudar aqueles que se movem, se ele mesmo não estivesse em movimento. Ele se mostra diferente, quando sutil e quando densificado. Quando ele se adensa naquilo que é mais sutil, faz-se fogo; os ventos, de outra parte, é o ar em adensação.

Do ar em compressão se forma a nuvem. Mais densificado ainda, forma-se a água. Mais ainda, a terra e com a maior compressão, a pedra. Dali resulta, que na geração os ingredientes mais significativos são contrários, o calor e o frio" (Hipólito, Refutações, I 7, 1-3).

"Asseveram que Anaxímenes disse, que o ar é o princípio de todas as coisas e que é infinito em tamanho, determinado no que se refere à qualidade, a tudo fazendo nascer por meio de condensação e rarefação" (Pseudo-Plutarco, Miscelâneas, 3).

264. Provas. Como teria Anaxímenes provado ser o ar o elemento de base na

formação de tudo? Evidentemente, que levantou a hipótese especulando sobre a possibilidade de assim tudo explicar. Possivelmente Anaxímenes tenha eleito o ar como elemento originário, em virtude da flexibilidade maior que apresenta, comparado com a água, e ainda porque fosse algo mais concreto que o infinito de que falou Anaximandro.

Além disso, o ar se apresenta em oposição menor com os demais elementos, como por exemplo acontece entre a água e o fogo.

"Aqueles que propuseram um só elemento, atenderam à sua atividade e natureza própria...

Anaxímenes à sua propriedade de flexibilidade e sobre a transformabilidade em água e fogo" (Simplício, Física, 36, 8-13).

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"Ele [Anaxímenes] concebeu, que o ar é o princípio de tudo por causa de sua fácil transformação" (Escólio, junto de Aristóteles, 514a 33).

A importância biológica do ar poderia ter influenciado a escolha que dele fez Anaxímenes para considerá-lo elemento fundamental. Respira-se o ar, sem o qual não se vive.

Imaginavam os antigos que a alma fosse uma espécie de sopro de ar, e a partir dali se formou mesmo o nome do espírito. Embora um falso modo de interpretar a essência da vida, ele dominou o velho conceito de alma e mesmo de Deus.

"Quando acreditei haver alcançado uma opinião inamovível, Anaxímenes toma a palavra e me replica:

E eu te digo, que tudo é ar, e que este, ao condensar-se e unir-se, se torna água e terra e, ao se rarefazer e se expandir, éter e fogo, e retornando à sua natureza, ar; rarefeito e condensado, ele muda" (Hérmias, Ridicularização, 7).

265. Sobre o grau de transformações da natureza, ela se faz somente por

densificação e rarefação do ar. Tudo acontece, pois, sem mudança da substância mesma do ar. Não

acontecem as transformações substanciais, como no sistema hilemorfista de Aristóteles e no sistema do infinito de Anaximandro. Finalmente, pois, o sistema de Anaxímenes é uma espécie de atomismo.

Calor e frio é uma situação de adensamento e rarefação. "Ele [Anaximandro] diz, que o ar comprimido e adensado é frio, e o ar

rarefeito e descomprimido é quente" [Frag. 1 de Anaxímenes] (Plutarco, Sobre o antigo frio 7, 947 f).

Por causa do caráter atomista do ar, acontece, que os seres podem ser finitos, enquanto que o ar mesmo pode ser infinito.

"Anaxímenes disse, que o ar é infinito, porém as coisas que dele derivam, finitas, - a terra, a água, o fogo e, a partir destes, tudo o mais" (Cícero, Academica, II, 37, 118).

266. Eterno movimento, eis uma propriedade significativa do ar infinito.

Neste particular, Anaxímenes retomou um aspecto do já antes atribuído ao infinito de (– B , 4 D @ < ) de Anaximandro. Se ele, o ar, não contém movimento, não poderá, em princípio, gerar o movimento por ocasião das transformações dos seres por densificação e rarefação.

Em consequência das direções contrárias da densificação e rarefação, ciclicamente os mesmos seres podem aparecer e desaparecer. Igualmente o mundo, como um todo, poderá aparecer e desaparecer, ora saindo, ora retornando ao ar simplesmente.

"Entre os que defendem que o princípio é um e em movimento, como Tales e Anaxímenes, ao explicarem a geração por condensação e rarefação, sustentam que esta condensação e rarefação são princípios contrários" (Simplício, Física, 180, 14-16).

"Entre os que asseveram a geração e a destruição do mundo, alguns dizem, que existiu sempre, mas não sempre o mesmo, porque se transforma periodicamente, conforme Anaxímenes, Heráclito e Diógenes [de Apolônia] e depois os estóicos" (Simplício, Física, 1121, 12).

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267. Monismo de Anaxímenes. Quando Anaxímenes estabeleceu o ar como princípio de tudo, ele o concebeu com os aspectos mais gerais do ente simplesmente, aqueles mais requeridos para que possa efetivamente estar no cumprimento desta função. Como que usa um outro nome para fazer uma ontologia, cujo valor deve ser apreciado independentemente de estar usando o nome do ar, ou do ente.

Este princípio básico deve existir desde sempre, e nada existe fora dele. Esta auto-suficiência do princípio, que ele chama o ar, torna o sistema de Anaxímenes um monismo, em contraste com o dualismo. Por causa deste monismo não existe outro Deus pessoal, independente do mundo, porquanto o mundo mesmo, como um todo, é Deus.

Somente pode haver outro Deus, ou outros deuses, senão a partir do princípio único, o ar, pelo mesmo caminho pelo qual se formam outros espíritos e outros corpos.

"Anaxímenes disse que o ar é Deus" (Aécio I, 7, 13). Outro informe, paralelo, porém mais tardio: "Este [Anaximandro] deixou Anaxímenes como discípulo e sucessor, que

estabeleceu o ar infinito como causa de tudo; ele não negou a existência dos deuses; nem silenciou sobre eles; não acreditava contudo que eles houvessem criado o ar, porém que eles mesmos nasceram do ar" (Agostinho de Hipona, Da cidade de Deus, VIII 2).

Neste contexto se leia a Cícero, um eclético, a um tempo neo-acadêmico e estóico:

"Depois, Anaxímenes estabeleceu, que o ar é Deus, e que este é engendrado (Eumque gigni), imenso, infinito e sempre em movimento, como se o ar sem forma alguma pudesse ser Deus, quando corresponde que Deus tenha alguma forma, senão que deve ser a mais bela, ou como se não tivesse de morrer o que tem nascido" (Cícero, Sobre a natureza dos deuses, I 10, 26).

Certamente Cícero introduziu conceitos estóicos ao dizer que Deus tem a mais bela forma.

Não silenciou, ou não se omitiu Anaxímenes sobre o problema dos deuses. Atribuindo ao elemento básico do mundo o caráter divino, em decorrência de sua visão monista, Anaxímenes tentou corrigir as noções populares e míticas sobre o assunto.

Não muito tempo depois, Xenófanes de Colófon, outro jônico, mais energicamente e profundamente elaborará conceitos sobre a divindade, advertindo diretamente contra os antropomorfismos vigentes.

268. A cosmogonia de Anaxímenes é admirável, não só porque opera sem os

procedimentos míticos, mas porque se aproxima de alguma teorias, que se encontrarão depois em Descartes, Kant, Laplace no que se refere à origem dos astros pela via da nebulosa.

De acordo com a cosmogonia de Anaxímenes, a densificação do elemento primordial primeiramente formou a terra, cuja forma se fez como disco plano e pouco profundo, flutuando sobre o ar, como que o cavalga (¦ B @ P , Ã F J " 4 ).

Da umidade, saindo da face da terra, e subindo mais e mais, e se rarefazendo, se formaram no alto os corpos celestes, - Lua, Sol e demais astros, todos ígneos. Mas, neste contexto, de que os corpos celestes nasceram a partir da terra, podia dizer Anaxímenes que o Sol é terra. Inversamente havia dito Anaximandro, que os astros eram apenas rompimentos ígneos na esfera cósmica (vd 246).

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269. Os textos informativos da cosmogonia de Anaxímenes são relativamente

claros. "Tudo nasce por adensamento do ar e posterior rarefação. O movimento

existe desde sempre. Ele diz que, quando o ar se adensa, primeiramente nasce a terra, toda plana, a qual cavalga (¦ B @ P , Ã F J " 4 ) sobre o ar; que o sol, a lua e os outros astros têm sua origem na geração; ele assevera pois que o sol é terra, mas por causa do rápido movimento, ela recebe grande calor" (Pseudo-Plutarco, Miscelâneas, 3).

"A terra é um disco plano, que flutua sobre o ar. O sol e a lua e os astros, que se constituem, também cavalgam sobre o ar por causa de idêntica forma plana. Os astros nascem da terra, porque a umidade que dela se levanta, ao se rarefazer, se torna fogo, e deste fogo, no alto, se formam os astros.

Também há corpos, como a terra entre os astros, que se movem ao mesmo tempo que estes astros.

Não se movem os astros por baixo da terra, como outros supuseram, mas em seu torno, como um chapéu, rodeando na cabeça. O sol se torna invisível, não porque ele desapareça debaixo da terra, mas porque os mais altos lugares o ocultam e cresce a distância. Também por causa da grande distância, os astros não nos aquecem" (Hipólito, Refutações, I 74-6).

"Anaxímenes disse, que a natureza dos astros é de fogo, e que entre eles alguns são corpos terrestres, que se movem com eles, mas são invisíveis" (Aécio II 13, 10).

Não é certo, que Aristóteles tenha compreendido suficientemente bem a teoria de Anaxímenes, que pôs a terra a se manter como a cavalgar sobre o ar. O que ele atribui a Anaxímenes, convém antes a Anaxágoras (vd). Possivelmente, tais idéias se relacionem às do dialogrante platônico (Fedon 99 b).

"Anaxímenes, Anaxágoras e Demócrito dizem, que a forma plana da terra é a causa de sua estabilidade; por isso ela não corta o ar, que se encontra debaixo dela, mas em vez disto o cobre como uma tampa, o que fazem os corpos que têm a superfície plana; pois também estes se mantêm resistentes contra os ventos. Isto também faz a terra plana, contra o ar que se encontra embaixo. Não tendo como mover-se, permanece embaixo, comprimido como a água na clepsidra" (Arist., Sobre o céu, II 13. 294b 13).

"A terra tem a forma de mesa [forma de trapézio] " (Aécio III 10,3). "Diz Anaxímenes, que a terra, por causa de sua forma plana, cavalga sobre o

ar" (Aécio III 15-18). 270. A astronomia de Anaxímenes não chegou a ser tão significativa quanto a

de Anaximandro. Contudo, Anaxímenes gozava de grande fama entre os antigos, por causa de algumas idéias novas.

Os astros giram em torno de si: "Anaxímenes disse, que os corpos celestes giram, quando eles são projetados

para fora" (Aécio II 23 1). É notável o conceito dos astros a rodear a terra, como o chapéu em torno da

cabeça. Ainda que esta afirmativa seja errada no detalhe, ela contém algumas boas idéias, como a do flutuar os astros no espaço.

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Recorde-se, que Anaximandro de Mileto teve uma imagem da terra como um cilindro. É possível que, a partir desta concepção, se processasse a melhor da astronomia desenvolvida pelos pitagóricos, que passaram a erguer a teoria da terra como um globo, avançando assim bastante além das primitivas concepções sobre a terra.

Junto dos filósofos jônicos continuará ainda por muito tempo a tradição da terra imaginada como um disco plano, com os astros simplesmente no alto.

"Muitos dos antigos astrônomos creram, que o sol não passa por debaixo da terra, mas em torno dela, e por trás desta região [pelo norte] e que se oculta, e se faz noite, porque ao norte a terra é mais alta" (Aristóteles, Sobre os meteoros, II 1. 354a 28).

O mesmo, sobre a marcha do sol abaixo do horizonte, disse Hipólito, já citado (Refutações, I, 7, 6) (vd 269).

A esta imagem do sol indo por trás do horizonte se liga também a do Oceano contornando a terra como um disco.

"Uns [Anaxímenes] asseveram, que o cosmos gira como a pedra do moinho [ao nível do horizonte], outros [Anaximandro de Mileto] contrariamente, como a roda de um carro [verticalmente]" (Aécio II 2,4).

Algumas informações doxográficas de Aécio sobre o céu de Anaxímenes não são claras, porque o apresentam como abóbada de cristal, na qual os astros estariam afixados como pregos ou como pinturas.

"Anaximandro disse, que os astros estão fixados como pregos contra o céu cristalino; alguns contudo [que ele disse] como pétalas de fogo, como se fossem pinturas" (Aécio II 14,3-4).

Conforme a idéia essencial da cosmogonia de Anaxímenes, os astros se constituem de umidade evaporada da terra e que pela rarefação subiam ao espaço.

Também os astros cavalgam sobre o ar, como acontece com a terra. Neste contexto não poderiam estar encravados em uma abóbada cristalina, como se fossem pregos, nem poderiam ser pinturas senão como aparência descritiva.

As palavras de Aécio deverão por conseguinte ser tomadas em sentido figurado, retratando o aspecto exterior que a abóbada celeste apresenta. Aécio mesmo, em outros textos fala do movimento destes mesmos astros.

"Anaxímenes e Parmênides [dizem], que o céu é a parte mais exterior a partir da terra" (Aécio II 11,1).

"Anaxímenes [disse], que o sol é plano como pétala (B X J " 8 @ < )" (Aécio, II, 22,1), que pode significar também folha, lâmina.

Noutro tópico: "Anaxímenes afirmou, que a lua é de fogo" (Aécio II 25, 2). Se a lua é de fogo, conforme a astronomia de Anaxímenes, não pode ser

correta a seguinte outra atribuição de Eudemo, citada por Teon de Esmirna: "Eudemo narra... que Anaxímenes foi o primeiro descobridor disto, que a lua

recebe a luz do sol e da maneira como ela se eclipsa" (Eudemo, Frag. 145 W)" (Teon de Esmirna 198, 19).

Possivelmente ocorreu erro por parte do copista, que teria escrito Anaxímenes em vez de Anaxágoras, porquanto a afirmativa é verdadeira para este, como também para Empédocles e Parmênides.

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271. Os fenômenos meteorológicos receberam de Anaxímenes algumas

explicações. Se por vezes elas são equivocadas, as tentativas estão ao menos no caminho das observações científicas, fora dos caminhos da mitologia.

"Os ventos se geram quando o ar adensado se move rarefazendo-se. Quando ele mais se comprime e se adensa, o ar faz nascer as nuvens e finalmente se transforma em água. O granizo ocorre, quando a água caindo das nuvens se solidifica. Quando estas nuvens contêm mais umidade e se solidifica, neva. Quando as nuvens se rompem, por força dos ventos, brilha o raio. Depois do rompimento o céu se ilumina e faísca. O arco-íris, quando os raios se projetam sobre a água adensada" (Hipólito, Refutações, I, 7-8).

"Platão diz, que as mudanças de temperatura são causadas pela subida das estrelas. Anaxímenes não atribui isto às estrelas, mas somente ao sol" (Aécio II 19,1).

"As nuvens se criam, quando o ar se adensa mais; e quando o adensamento continua, cai a chuva; depois cai granizo, se a água se congela durante a queda; e neva, se à umidade se acrescentam ventos" (Aécio, III 4, 1).

"Anaxímenes disse, que o arco-íris se produz pelo brilho do sol contra uma densa nuvem, sólida e escura, porque os raios nela misturados não atingem o outro lado" (Aécio, III 5,10).

"O arco-íris aparece, quando os raios do sol incidem sobre o ar muito denso. A face anterior aparenta-se vermelha, porque queimada pelos raios solares, e a outra se mostra mais escura, porque nela domina a umidade.

E diz [Anaxímenes], que durante a noite também aparece o arco-íris, produzido pela lua. Isto não acontece muitas vezes, porque a Lua não está sempre plena, e também a luz da lua é mais fraca do que a do sol" (Escólio de Arato, Fenômenos, p. 515, Maas).

"Anaxímenes afirma, que os ventos são gerados da água e do ar, e que eles, movendo-se por não conhecida força, voam rapidamente como pássaros" (Galeno, Humores de Hipócrates, III 16).

"Anaxímenes diz o mesmo, como ele [Anaximandro de Mileto sobre a tempestade], acrescentando isto, que acontece no mar: quando batido pelo remo, ele brilha" (Aécio, III 3,2).

Explicou Anaxímenes, como Anaximandro, pela batida dos ventos, os trovões e os relâmpagos. Nem um, nem o outro, percebeu os fenômenos elétricos.

Concluindo sobre os fenômenos meteorológicos, Anaxímenes esteve no caminho certo quando esclareceu pela densificação e rarefação do ar (e portanto também pela densificação e rarefação da água) vários fenômenos dos ventos, nuvens, chuvas, granizo, geada, neve, ainda que não tivesse condições para dar detalhes.

"O terremoto acontece, quando a terra está muito alterada por causa do calor e do frio" (Hipólito, Refutações, I, 7, 8).

"Anaximandro disse, que o barro se rompe por causa da secura, ou pela umidade, e que o terremoto resulta da batida de fragmentos em queda. Eis porque os tremores de terra ocorrem em tempos de grande seca, ou de excesso de chuvas, porque, por causa do tempo seco o barro se fende, e cai, quando inundado de água" (Aristóteles, Sobre os meteoros, 2, 7. 365b 6).

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A não introdução de explicações míticas, nestes esclarecimentos sobre os mais graves fenômenos da natureza, é prova de que Anaxímenes se encontrava em avançado pensamento crítico. Ainda que nem sempre as explicações tenham acerto, elas por si mesmo significam o sucesso da iniciante ciência e filosofia dos gregos.

272. A alma como um sopro. A alma (R L P Z ) é ar, principalmente sob o

aspecto da mobilidade. Para Anaxímenes ela é sopro e respiração (B < , Ø : " ). Esta palavra grega pneuma, - que na língua latina se traduz por respiração ou por spiritus (= espírito), - passou ao uso geral durante o período pós-socrático da filosofia, por obra principalmente dos estóicos, tanto na forma grega, como na latina. R L P Z e B < , Ø : " se mantêm bastante próximos, entre psyché se interpreta como pneuma, isto é, como ar, sopro, respiração.

Este de alma como espírito se encontra pois motivado na filosofia de Anaxímenes, que a diz ser ar.

"Outros dizem que a alma é ar, como Anaxímenes e os estóicos" (Filipono, Sobre a alma, 9, 9).

"Eu não digo que o homem é totalmente ar, como afirmou Anaxímenes" (Galeno, Humores de Hipócrates, XV 25 K).

"Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrato, afirmou, que o princípio dos seres existentes é o ar, porque dele tudo nasce e de novo nele tudo se dissolve.

Assim, como a nossa alma, sendo ar, nos mantém, ele -, sopro e ar abarcam todo o cosmo [@ Í @ < º R L P Z , N 0 F \ < , º º : , J X D " • ¬ D @ Þ F " F L ( 6 D " J , Ã º : H , 6 " Â Ò 8 @ < J Î < 6 ` F : @ < B < , Ø : " 6 " Â • Z D B , D 4 X P , 4 Frag. 2 de Anaxímenes].

Ele tomou como sinônimos sopro (B < , Ø : " ) e ar (• Z D )" (Aécio, I, 3, 4). Este fragmento de Anaxímenes, encontrado em Aécio, evidencia a

semelhança entre a força, que guia o ser vivo e a força universal, que governa internamente todo o cosmo. Em todo o lugar o ar e o sopro (forma de ar) são princípio vivente. Isto se deve compreender segundo o monismo do sistema de Anaxímenes.

O termo B < , Ø : " (= sopro) é usado aqui no sentido de força viva, ou alma. 273. Conclusivamente sobre os filósofos de Mileto. Usando o modo dialético

de exprimir, pode-se concluir sobre a interação dos três primeiros filósofos: Tales exerceu a função de Tese, porque apresentou um elemento primitivo

totalmente definido, - a água; Anaximandro, a função de Antitese, porque apresentou um elemento

totalmente indefinido, - o infinito; Anaxímenes, a função de síntese, porque apresentou um elemento com ambas

as caraterísticas, o ar. No futuro, alguns preferirão a diretriz de Anaximandro, por haver sido mais

metafísico. Eis o que logo se poderá ver na filosofia grega nascida no Ocidente, com os eleatas e pitagóricos.

Outros ficarão com Anaxímenes, como se aconteceu com os representantes da escola jônica nova de Heráclito e atomistas, principalmente Demócrito.

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Verdadeiramente significativos foram os primeiros filósofos, porquanto eles são os primeiros em tudo o que houverem abordado. Nenhum grande rio nasce sem ser em pequenina torrente de água. Assim parece haver acontecido com Tales, quando singelamente apresentou a mesma água como origem de tudo.

A filosofia, que depois se converterá em grande movimento de idéias, começou nas pequenas torrentes de ponderações de três nomes que sempre serão por isso pronunciados pelos historiadores - Tales, Anaximandro, Anaxímenes.

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Cap. 4 ESCOLA JÔNICA NOVA. 0335y274.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 275. Introdução. O quadro geral da escola jônica nova é constituído por três

filósofos destacados, e que determinam didaticamente a exposição do tema, em três artigos: - Heráclito de Éfeso (c. 554-484 a.C.) (vd 0335y280); - Empédocles de Agrigento (c. 492-432 a.C.) (vd 0335y316); - Anaxágoras de Clasomene (c. 500-428 a.C.) (vd 0335y365). Passado também o século da escola jônica nova, teve esta os seus epígonos.

Estes já vão adentrando no período socrático. Dentro do novo período, o socrático, estes epígonos remanescentes do período anterior, não se deixaram assimilar pelos mentores do período socrático , - Sócrates (469-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), - num tempo em que a filosofia passou a ter em Atenas seu principal centro.

Há também a cuidar destes epígonos, tanto porque deram continuidade à escola jônica, bem porque tiveram sua influência sobre este novo período:

Hipon de Samos (5-o séc. a.C.) (vd 0335y403); Ideo de Himera (5-o séc. a.C.) (vd 0335y410); Cleidemo (5-o séc. a.C.) (vd 0335y412); Enópides de Quios (5-o séc. a.C.) (vd 0335y413); Diógenes de Apôlonia (5-o séc. a.C.) (vd 0335y414); Crátilo de Atenas (5-o séc. a.C.) (vd 0335y422), Arquelao de Atenas, ou de Mileto (5-o séc. a.C.) (vd 0335y427). Ainda manteve alguma relação como o pensamento jônico a escola atomista,

cujos integrantes procedem de Ábdera (cidade de Trácia, norte da Grécia. Leucipo (5-o séc. a.C.) (vd 0335y690), Demócrito (c.460-360 a.C.) (vd 0335y695). Mas os atomistas se distanciam bastante dos jônicos, de sorte que

didaticamente costumam ser tratados em capítulo próprio. 276. Distinção entre as duas escolas. Estando a Escola Jônica Nova em

função à Escola Jônica Antiga, importa imediatamente atender aos principais elementos de contraste.

A classificação dos filósofos em jônicos novos é cronológica, geográfica, ideológica.

Como se disse, em primeiro lugar, a escola jônica nova, é uma classificação cronológica, porquanto, vindos os jônicos novos depois dos jônicos antigos Tales (c. 624-546 a.C.), Anaximandro (c. 610-545 a.C.), Anaxímenes (c. 585-528 a.C.), são em consequência cronologicamente marcados pelo seu caráter mais recente.

É o que se depreende pelas suas datas Heráclito de Éfeso (c. 554-484 a.C.), Empédocles de Agrigento (c. 492-432 a.C.), Anaxágoras de Clasomene (c. 500-428 a.C.).

Conforme sabido, a escola jônica antiga é a primeira surgida no mundo grego, no curso do século 6o a.C., em Mileto, situada na Ásia Menor.

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Também os filósofos gregos da escola jônica nova cobriram um espaço de cerca de um século ou seja do começo do século 6-o ao começo do século 5-o a.C., situando-se pois na fase final do pensamento pré-socrático.

277. Em segundo lugar a diferença entre as duas escolas é geográfica. Não

obstante esta diferença geográfica, a cronológica continua a principal. As demais diferenças ainda que ocorram, não contam muito. Nem por isso, deixa de ser importante tratar destas outras diferenças.

É a escola jônica uma classificação geográfica, enquanto se refere à origem comum de dois dos filósofos, na Jônia: Heráclito é de Éfeso. Anaxágoras é de Clasomene.

Além disto, Empédocles é do Ocidente, nascido que foi em Agrigento, Sicília. Apesar de nascido na outra banda do mundo helênico, relacionou-se com os jônicos.

E todos se distinguem da escola jônica antigo pelo fato de nenhum haver nascido em Mileto.

Ocorreu ainda um elemento geopolítico. O tempo novo foi caracterizado pela dominação persa, desde 548 a.C., e que haviam convertido esta região da Ásia menor em uma satrapia. Uma dissensão intestina resultara mesmo na destruição de Mileto em 494 a.C., que desapareceu do campo da filosofia. Entram, todavia, as outras cidades jônicas com seu contributo.

A mudança política não resultara em alterações significativas, em virtude do sistema feudal vigente e que possibilitou a continuidade das elites regionais. Os tiranos, ou sátrapas, das diferentes cidades deram continuidade linear ao anterior sistema cultural.

A polarização crescente de Atenas fará que alguns dos representantes da escola jônica se desloquem para aquele centro.

278. Em terceiro lugar, a classificação que diz escola jônica nova também é

ideológica, porque sua linha de pensamento é evolutiva em relação à escola jônica antiga, no sentido de que passou a novos temas. Por exemplo, a escola; jônica nova apresenta não apenas os elementos constitutivos das coisas, mas se concentra nas das causas das mudanças.

Havendo aparecido outras escolas filosóficas mais a Ocidente, a escola jônica nova passa a ser comparada com elas. E então vai constatar, por exemplo, que ela é gnosiologicamente moderada frente ao racionalismo dos pitagóricos (Pitágoras, Filolaos) e eleatas (Xenófanes, Parmênides, Górgias). A moderação já vinha da escola jônica antiga.

Ver-se-á de futuro, que Platão se deixará influir mais fortemente pelo racionalismo dos pitagóricos, ao passo que Aristóteles, se manterá equilibrado entre o racionalismo dos eleatas e a moderação dos jônicos.

Há um tempo ideológico novo à época dos jônicos novos, e que vem por influência externa. Uma linha divergente de pensar, que fora criada por Xenófanes de Colófon (Jônico vindo para o Ocidente) e Pitágoras de Samos (também vindo para o Ocidente), excitava a dialética das discussões. O que assim pareceu opor-se à verificação óbvia, estimulou a especulação metafísica.

A manutenção da linha jônica tradicional induziu aos representantes desta escola a uma sistematização mais penetrante. E é neste rumo que se colocaram os representantes da escola jônica nova, a começar de Heráclito, seu mais significativo

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sistematizador. Neste sentido são desenvolvidos os elementos dinâmicos transformadores da natureza e até mesmo os de gnosiologia.

Mas a Jônia não ficou apenas o campo da escola jônica nova. Em virtude da penetração do pensamento racionalista ocidental na região da

Jônia, desenvolveram-se ali filósofos, - como Melisso de Samos (c. 485-425 a.C.) e outros, - que, apesar de Jônicos de nascimento, não se arrolam como sendo da escola jônica nova.

Também não se dizem da escola jônica nova aqueles que emigraram para o Ocidente, e ali adotaram outras filosofias.

Qualificam-se como representantes da escola jônica nova apenas os pensadores que conservaram uma linha de continuidade ideológica com a escola jônica antiga, e são, conforme já arrolados: Heráclito de Éfeso, Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clasomene.

ART. 1o. HERÁCLITO DE ÉFESO. 0335y280.

281. Introdução. Heráclito surge como primeiro filósofo da escola jônica

nova. Sua fama atravessou os tempos, sobretudo porque destacou as noções do devir (vd 292) e do logos (vd 304).

Didaticamente é abordável em dois momentos: - Vida e obras (0365y282); - Doutrinas (vd 0335y289). §1. Vida e obras. 0365y282. 283. Heráclito de Éfeso (Y D V 6 8 , 4 J @ H + N X F 4 @ H ) (c.544-484

a.C.), como já se adiantou, é filósofo grego da escola jônica nova. Certamente um misantropo, esta condição pessoal contribuiu para que em seu

torno se criassem ficções biográficas, que não podemos hoje tomar como precisas; nem mesmo o mobilismo de que falou o teria defendido de maneira tão radical quanto lhe foi atribuído.

Os que se referem a "Heráclito o obscuro, ou o tenebroso", como o fez Timeo de Fliunte, depois sempre repetido, mais não poderiam dizer senão que seu pensamento era de difícil penetração. Heráclito foi um sábio, que tinha consciência da acessibilidade do homem ao saber, ainda que não atingido por toda a massa.

A fonte principal das notícias biográficas de Heráclito se encontra em Diógenes Laércio (D. L., IX, 1-17), além das menções dispersas em Aristóteles e outros antigos.

Não restam elementos para determinar o ano de nascimento de Heráclito, nem o de sua morte. Mas se sabe onde nasceu e quando floresceu:

"Heráclito, filho de Bloson, ou, de acordo com outra tradição, de Heronte , nasceu em Éfeso. Floresceu na 69-a olimpíada" (D. L., IX, 1).

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Esta ligação com a 69-a olimpíada, acontecida nos anos 504-500 a.C., permite calcular vagamente o restante da cronologia de sua vida.

Poderá ter nascido por volta de 540 a.C. e vivido até pelo ano 480 a.C. Trata-se, pois de um tempo em que as cidades da Jônia grega já se encontravam integradas no império persa, desde 546 a.C., quando Ciro houvera conquistado Sardes, aos lídios, e logo também as cidades da Jônia. Mileto, que se rebelara, foi destruída em 494 a.C. , portanto ao tempo de Heráclito. Já agora o grande rei da Pérsia se chamava Dario (+ 486 a.C.).

284. Socialmente Heráclito pertenceu à nobreza de Éfeso. Ao seu tempo o

partido aristocrático fora alijado do poder. Este fato poderia ter sensibilizado sua aversão à massa popular, então exercendo democraticamente o poder, certamente com alguns desmandos, e que o deixaram pessimista. A si mesmo tinha em alto apreço frente aos demais, sobretudo no que se referia ao saber.

"Formou um alto conceito de si mesmo em seu livro onde diz: a erudição não ensina a sabedoria; assim fosse a teria ensinado a Hesíodo e a Pitágoras, e por sua vez a Xenófanes e Hecateo (Frag. 40 Diels).

Porque "nisto só consiste a sabedoria, conhecer a mente que governa todas as coisas através de tudo (§ 4 < " 4 ( D ª < J Î F @ N ` < , ¦ B \ F J " F 2 " 4 ( < f : 0 < ,0 ¦ 6 L $ X D < 0 F , B V < J " * 4 B V < J T < ) [Frag, 41].

E que Homero devia ter sido excluído das competições e açoitado e igualmente Arquíloco" [Frag. 42] (D. L., IX, 1).

Em contrapartida declarou também que "mais vale apagar o orgulho que um incêndio" [Frag. 43, Diels] ((D. L., IX, 2).

Descendendo da nobreza, que o liga à família de Codros, rei de Atenas e chefe da emigração jônica e fundador de Éfeso, gozava Heráclito do direito de posição de destaque, por ocasião de atos públicos, como por exemplo por ocasião das festas de Deméter (Strabão, Geografia, XIV, 3D. A2).

Talvez desiludido dos homens e de outra parte como sábio desprendido dos formalismos, renunciou Heráclito suas prerrogativas em favor de seu irmão (D. L., IX, 6).

Pronunciando-se sobre assuntos políticos, declarou muito positivamente: "É necessário que o povo lute em defesa da lei como por sua muralha" Frag.

44 D (D. L., IX, 2). Tudo o mais que disse da política e seus episódios tem a forma agressiva e

contestatória: "Reprovava amargamente aos efesinos a expulsão de seu amigo Hermodoro,

dizendo: Todos os efesinos adultos deviam ser condenados à morte, e os adolescentes

postos para fora da cidade, porque expulsaram a Hermodoro, seu benfeitor. Que ninguém aqui se destaca pela sua virtude; caso haja alguém deveria ir

viver em outro lugar e com outros" (D. L., IX, 2). Continua o mesmo informante sobre as declarações de Heráclito: "Como seus concidadãos lhe pedissem lhes desse leis, ele desdenhou a

solicitação, alegando que a cidade estava presa a uma má constituição.

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Retirando-se ao templo de Ártemis, e jogando os dados com as crianças, e quando os efesinos se reuniram em torno e o observavam, disse:

Porque estais atônitos? Perversos. Acaso não é melhor fazer isto, do que ter parte em vossa vida civil?" (D. L., IX, 2-3).

Informações políticas dispersas: "Heráclito, o filho de Bloson, persuadiu ao tirano Melancome a deixar o

poder. E se negou ao rei Dário quando o convidou a ir para entre os persas" (Clemente de Alexandria, Strômata, 165).

"Em Éfeso nasceram homens famosos. Dentre os antigos Heráclito, chamado o Obscuro, e Hermodoro, sobre o qual Heráclito pronuncia aquela frase contra os efésios. Ao que parece este homem escreveu algumas leis para os Romeos" (Estrabão, XIV 25 p.. 642).

285. Ao que parece, notoriamente inteligente, Heráclito muito desenvolveu a

partir de própria pesquisa. Mas não terá deixado de aproveitar os conhecimentos de outros. "Foi excepcional desde sua infância. Quando jovem usava dizer que nada

sabia. Quando adulto declarava tudo saber. De ninguém foi discípulo, mas dizia que indagava a si próprio e aprendera

tudo por si mesmo. Alguns, entretanto, como Sócion, asseveram que ele foi discípulo de Xenófanes" (D. L., IX, 5).

Outra informação acrescenta: "Dizem alguns que foi discípulo de Hípaso o pitagórico" (Suídas - s.v.

Heracleitos). Sabe-se que Xenófanes era de Colófon, outra cidade jônica, e que

desenvolveu um racionalismo, em que se criticava o antropomorfismo dos conceitos sobre Deus, e que se dirigindo para o Ocidente, fundou a escola de Elea.

Ora, Heráclito, se ocupou com uma espécie de panteísmo hilozoista. Quanto ao pitagórico Hípaso, que é de Metaponte (Itália) cultivou uma

doutrina que contém elementos tanto pitagóricos como jônicos, tendo o fogo como elemento principal.

Ora, Heráclito possui afinidades com este pensamento. O mais provável é que Heráclito influenciasse sobre Hípaso, e que por isso ambos tenham pensamento afim.

Heráclito não se deu a viagens, como outros sábios do seu tempo. Convidado por Dário, escreveu-lhe em resposta:

"Todos os homens sobre a terra se afastam da verdade e da justiça, entregues por falta de juízo à avareza e à sede de popularidade.

Eu, que ignoro todas as fraquezas e não desejo outra coisa senão horror ao esplendor, não posso seguir para a Pérsia. Contento-me com pouco, quando este pouco é para a minha mente" (D. L., IX, 14).

286. Morreu Heráclito aos 60 anos vitimado pela hidropisia, e foi enterrado

como os nobres em lugar público, isto é, na Agorá, ou Fórum. A luta dramática do filósofo contra a doença foi descrita de maneira muito

realista, e poderá não ser verdadeira em todos os detalhes:

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"Por fim passou a odiar os homens e se retirou para as montanhas. Como ali só se alimentasse de ervas, adoeceu de hidropisia, sendo obrigado a retornar à cidade.

Fez aos médicos a enigmática pergunta, se podiam mudar a chuva em secura. E como não o entendessem, meteu-se sob o calor do esterco num estábulo, esperando que evaporasse a água que o atormentava.

Como o remédio não trouxesse resultado, logo morreu, na idade de sessenta anos.

Hermipo conta o fato de outro modo. Teria ele perguntado aos médicos, se era possível, comprimindo-lhe os intestinos, extrair a água. E como o negassem, estendeu-se ao sol e ordenou aos seus empregados, que o cobrissem com esterco de boi. Assim deitado, no segundo dia faleceu, e foi sepultado na praça publica.

Neantes de Císico alega que, não tendo podido retirar-se de sob o esterco, lá ficou; e, irreconhecível, por deformado, o devoraram os cães" (D. L., IX, 3-4).

287. Escreveu Heráclito um livro Sobre a natureza (A,DÂ NbF,TH). Mas

não se pode afirmar diretamente fosse este o título, porquanto foi um hábito posterior atribuir a filósofos antigos um livro com semelhante denominação.

O texto certamente existiu, como provam os poucos fragmentos que dele restaram.

A circunstância de o haver depositado no famoso templo de Ártemis (ou Diana) de Éfeso permite supor houvesse tratado de coisas transcendentais. Ou teria ali depositado simplesmente, houvesse um pequena biblioteca junto ao templo.

Mas havendo-se criado em torno do livro a seita dos heraclíteos, este fato prova que Heráclito formou discípulos e que o livro continha elementos religiosos, que o tornavam como que um escrito sagrado.

Diógenes Laércio, depois de informar sobre o escrito de Heráclito, logo lhe fez também a resenha doutrinária:

"O livro que lhe atribuem se estende sobre a natureza, dividido em três exposições: sobre o todo, a política, a teologia.

Este livro o depositou no templo de Ártemis, e, de acordo com alguns, o tornou mais obscuro intencionalmente, para que senão os adeptos se acercassem dele, e não fosse desestimado pelo vulgo" (D. L., IX, 6).

Depois Diógenes Laércio menciona um testemunho importante, por ser de Teofrastro.

"Diz Teofrastro, que por causa da melancolia, deixou seus escritos, pela metade e imprecisos" (D. L., IX, 6).

E continua pouco depois: "Este livro adquiriu tamanha fama, que chegou a ter seguidores chamados

heraclíteos" (D. L., IX, 6). E mais: "Houve muitos comentários de sua obra, inclusive Antístenes e Heráclides do

Ponto, Cleantes e Esfero o Estóico, e ainda Pausânias denominado o Heraclitista, Nicomedes, Dionísio, e entre os gramáticos Diódoto.

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Este último afirma que o tratado de Heráclito não é sobre a natureza, mas sobre o governo e que a parte física serve como ilustração.

Jerônimo diz que Scitino, poeta satírico, empreendeu a tarefa de converter o discurso de Heráclito em verso" (D. L., IX, 15-16).

E mais continua informando Diógenes Laércio: "Existem vários epigramas acerca de Heráclito, entre outros os seguintes: Eu

sou Heráclito; porque me torturais ignorantes? Não é para vós que eu trabalhei, mas para os que me podem compreender. Para mim, um homem vale trinta minas; uma multidão não vale nem uma só. Eis o que vos digo, desde o fundo do palácio de Proserpina.

Outro epigrama: Não vos precipiteis em adquirir o livro de Heráclito de Éfeso; o caminho é difícil; trevas e impenetrável obscuridade o rodeiam; mas se um iniciado vos guia, o caminho brilhará mais que a luz solar" (D. L., IX, 16).

288. Tornara-se, pois, famosa a dificuldade de entender Heráclito. "Diz Seleuco o gramático que, segundo um tal Croton, em O mergulhador, o

livro havia sido levado pela vez primeira à Grécia por um certo Crates, o qual dizia que era preciso ser um mergulhador de Delos para não afogar-se nesta obra" (D. L., IX, 12).

Mesmo Sócrates ficara perplexo: "Como Eurípides lhe desse a ler uma obra de Heráclito e lhe pedisse a opinião

a respeito lhe contestou: - O que compreendi é excelente; o resto o suponho igual, mas para entendê-lo

é necessário um mergulhador de Delos" (D. L., IX, 22). Acredita Hermann Diels, que não devia ter sido Heráclito tão difícil quanto os

comentadores quiseram fazê-lo e ainda hoje alguns os repetem. Ainda sobre a obra de Heráclito, que a primeira informação parece sugerir

haver sido Sobre a natureza, sabe-se que era mencionada também com outros títulos: "O título dado para ela, por alguns é As Musas; por outros Sobre a natureza;

mas Diódoto a chama Um leme para governar a vida; outros, Ciência dos costumes, e Complemento e ornato de uma certa medida para todas as coisas" (D. L., IX, 12).

Didaticamente consegue-se expor em separado o pensamento cosmológico de Heráclito, a seguir seu monismo, conceitos psicológicos, finalmente, conceitos éticos, sociais e políticos.

§2. Doutrinas de Heráclito. 0335y289. I - O pensamento cosmológico de Heráclito. 0335y290. 291. O fogo. O princípio constitutivo de todas as coisas é o fogo (B Ø D ), e a

partir dele tudo se explica por transformações. O fogo é sempre móvel, de onde decorre sua dinâmica. Uma lei natural ordenadora, denominada Logos, tudo comanda. A ordenação se dá dialeticamente, em direções contrárias, de concórdia e

discórdia.

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Nesta visão complexa da realidade total do universo de Heráclito se distinguem aspectos, que importa abordar sucessivamente, começando pelo princípio constitutivo cosmológico, o fogo.

É o fogo de Heráclito concebido com as feições do indefinido ou infinito (– B , 4 D @ < ). Este infinito têm as mesmas feições daquele de Anaximandro de Mileto (vd 0335y222). Curiosamente Anaximandro não está incluído entre aqueles aos quais Heráclito criticou. Mas Anaxímandro permaneceu na concepção mais abstrata do infinito, enquanto Heráclito preferiu um elemento mais caracterizado na natureza, como o fogo.

Anaxímenes e Diógenes colocarão o ar como anterior à água, e, entre os corpos simples, lhe dão a preferência como princípio, ao passo que, para Hípaso de Metaponte e Heráclito de Éfeso, o primeiro elemento é o fogo (Aristóteles, Metaf. I, 3. 984a 5-7).

"Heráclito e Hipaso de Metaponte vêem no fogo o princípio de todos os seres. Tudo nasce do fogo e no fogo tudo finda.

Da extinção deste, todas as coisas são geradas; porque, contraindo-se em si mesma a parte mais espessa (do fogo), nasce a terra; depois, dilatando-se a terra, por virtude do fogo, nasce a água. Da evaporação desta se dá origem ao ar. E, ao invés, o cosmo e todos os corpos pelo fogo parecem na conflagração (¦ B b D T F 4 H )" (Aécio, I, 3, 11).

"Este mundo, o mesmo para todos, nenhum dos deuses e nem dos homens o fez, é e será fogo sempre vivo, que se acende e com medida se apaga" [Frag. 30 D] (Clemente, Strômata V, 105).

"Aqui está um sumário de suas doutrinas. Todas as coisas são compostas de fogo e no fogo se resolvem. As coisas todas se produzem segundo o destino. Entram em harmonia através de um movimento de opostos. E tudo está cheio de almas e divindades [6 " Â B < J " R L P ä < , É < " 4 6 " Â * " 4 : ` < T < B 8 Z D 0 ]" (D. L., IX, 7).

"Parte por parte, estas são as suas doutrinas: o fogo é o princípio, ou elemento (F J @ 4 P , Ã @ < ) e todos os seres são uma transformação do fogo, vindo a se produzir por rarefação e condensação.

Mas não dá explicação clara. Todas as coisas se produzem pelo conflito de opostos e o seu conjunto flui como um rio. Tudo o que se realiza é limitado e forma um só universo. E ele é gerado alternativamente do fogo, e de novo reduzido ao fogo em cada ciclo de tempo, por toda a eternidade, e isto é determinado pelo destino.

Dentre os opostos, um deles se chama guerra (B ` 8 , : @ H ) e discórdia (§ D 4 H ) e o outro, a tendência à destruição pelo fogo, se chama concórdia (Ò : @ 8 @ ( \ " ) e paz (¦ 4 D Z < 0 ).

A transformação é um caminho para cima e para baixo, e isto determina, o nascimento do mundo. Pela contração o fogo se umedece, e se converte em água. E a água ao contrair-se se converte em terra. Este é o caminho para baixo.

Mas depois novamente o fogo faz expandir-se a terra, que volta a produzir a água, e da água o restante da série, cuja maior parte resulta da exalação do mar. Este é o caminho para cima (D. L., IX, 8-9).

292. O devir universal das coisa era a principal preocupação de Heráclito. Por causa da constatação da universal transformação de tudo, induziu que fosse o fogo o elemento principal. Porquanto se apresenta eminentemente móvel.

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Afirmando enfaticamente que tudo flui e nada permanece (B V < J " P f D , 4 6 " Â @ Û * ¥ < : X < , 4 ) (Platão, Crátilo 402 a), intuía um dado importante da ciência moderna. Qualquer fosse o componente básico, a partir dele derivariam todas as coisas, através de uma geral mobilidade. Não insiste Heráclito no mesmo fogo, e concordaria fosse outro este elemento básico, desde que melhor explicasse a hipótese da geral mobilidade.

293. O mobilismo incorre em várias perguntas, dentre as quais importa

começar pela forma desta alteração contínua. Dar-se-ia a alteração mais fundamentalmente na mesma estrutura do elemento

em mudança ao modo do hilemorfismo (por substituição das determinações)? Ou se daria ao modo do atomismo (por disposição das partes, quer por

complexificação, quer por simples condensação e rarefação)? É difícil de decidir qual fora a precisa maneira de pensar de Heráclito. Ou seguiu inteiramente a Anaximandro, com quem já se assemelha por ter

substituído o ápeiron indeterminado, por um elemento semelhante pela mobilidade, o fogo, e então o fogo se transformaria ao modo hilemorfista, pela substituição substancial das formas.

Ou seguiu a Anaximenes, nesta outra parte, referente às mudanças, que o terceiro e último filósofo de Mileto concebia como simples rarefação e condensação das partículas, sem que elas mesmas individualmente se alterassem.

A aparência exterior do fogo parece conduzir à interpretação hilemorfista: então Heráclito à mesma maneira como Anaximandro, teria prenunciado o hilemorfismo aristotélico. Uma passagem de Platão sugere exatamente isto:

"Não declarou Heráclito que tudo está em movimento? E que nada permanece parado? Comparando a realidade ao curso de um rio, ele disse: duas vezes no mesmo rio não colocarás teu pé" (Crátilo, 402 a).

O "tudo flui, ou tudo está em movimento" contém o sentido hilemórfico da mudança da forma.

De outra parte, porém, "condensação" e "rarefação", usadas com referência à Heráclito, são tipicamente atomistas, estas expressões não deixam clara a tese do mobilismo, senão pelo contexto.

"Hipaso de Metaponte e Heráclito de Éfeso também admitem um só (princípio) movente e limitado (finito), que seria o fogo. Tudo nasce do fogo por condensação e rarefação, e tudo se resolve no fogo, sendo ele a única natureza substancial. Pois diz Heráclito, tudo se troca por fogo, e fogo por tudo. A ordem do cosmos e sua transformação em tempo limitado obedece a uma necessidade prefixada" (Simplício, Física 23-33).

"Heráclito suprimiu o repouso e a estabilidade no todo, pois isto é próprio dos mortos. Atribui o movimento a todas as coisas: Eterno às eternas; transitório às transitórias" (Aécio I, 23, 7).

"Não é possível descer duas vezes ao mesmo rio, segundo Heráclito, nem tocar duas vezes uma substância transitória no mesmo estado: por via da impetuosidade e da velocidade da transmutação, aflui e reflui, avança e retrocede, ou melhor, nem de novo, nem mais tarde, mas no mesmo instante, se congrega e se desagrega, se junta e se disjunta" (Plutarco, De E. Apud Delphos 18 p. 392 A).

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"Mas que Heráclito também ensinava a geração e a corrupção do cosmo, provam-no estas palavras suas:

transmutações de fogo: primeiro o mar; e do mar, metade terra e metade turbilhão ígneo, o que significa que é o fogo, mediante o qual o Logos ou Deus rege o todo, que, transmudado em ar, se volve em humor, o qual é, por assim dizer, o sêmen da ordenação cósmica, o que ele denomina: Mar.

Do mar renasce a terra e o que entre a terra e o céu se encontra. Mas de que maneira o cosmo regressa à ordem primordial e como se dá a

deflagração, isso claramente o exprime assim: (a terra) derrama-se qual mar, a medida da mesma lei que prevalecia antes que este se transmutasse em terra" (Clemente de Alexandria, Strômata, 5 1043).

"Da mesma opinião é sem dúvida Heráclito de Éfeso, quando ensina que um cosmo é eterno e outro transitório, sabendo ele, todavia, que este (o transitório), no que respeita à organização, não é diverso daquele (o eterno) que possui certa estrutura.

Mas que ele tenha considerado como eterno o cosmo, aquele que consiste de toda a substância, estruturado como quer que seja, isto claramente o revela, dizendo: - Este cosmo, que é o mesmo para todos, nem Deus nem homem algum o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, que se alumia por medida e por medida se apaga" (Clemente de Alenxandria, Strômata, 5 104, 2).

294. Causa e lei. A idéia de causa e de lei natural para as transformações é

um aspecto novo desenvolvido pela filosofia de Heráclito. Ela marcará a diferença entre os jônicos antigos e os novos. Os antigos

cuidavam da estrutura, e muito pouco da dinâmica das mesmas. Os novos apresentam hipóteses sobre as causas da mudança ou da transformação. Qualquer fosse o princípio primordial, importava saber como se dinamizava.

Heráclito ainda se preocupa com uma certa ordem racional, portanto de uma lei, e que denominava logos (inteligência ou razão). Não aconteceriam casos, por efeito de poderes gratuitos ou fortuitos, fatais, absurdos, míticos.

As causas do devir, além disto, mostravam outras características a serem examinadas, como por exemplo, suas direções para cima e para baixo, num sentido de diversificação do fogo primordial e num de retorno a ele, - de guerra e paz, de explosão e de apagamento. Em outras palavras, é a lei natural a reger as coisas.

Tais doutrinas sobre as leis da dinâmica das coisas apenas se encontram em embrião nos anteriores filósofos milésios. Admitiam estes a transformações a partir de causas dinâmicas; não lhes emprestaram, todavia o caráter racional da lei, ou seja de um logos inserido naturalmente.

Heráclito conduz à frente a interpretação dinâmica do ente. Não se preocupando apenas com o componente estático primordial, levou sua preocupação para a causa do comportamento dinâmico do mesmo. Orientou desta sorte as especulações filosóficas e cientificas para um campo que lhes é mais peculiar.

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295. O pensamento mítico também se ocupa de causas, todavia só das causas mágicas, como da vontade que se expressa em palavras e cria o mundo em um momento ou em poucos dias.

Para Heráclito o logos é a lei natural racionalmente entendida operando a partir de dentro do mundo. Se algumas versões anteriores comentam Heráclito entendendo a lei na forma de Destino, lhe deformam o pensamento, ou emprestam a estas palavras um sentido de lei racional, deu oportunidade a equívocos, como se ele admitisse deuses ou almas à maneira órfica ou ao modo do estoicismo eclético ulterior.

Encontramos no velho Platão, sem mencionar os autores, uma referência à doutrina da geração e corrupção alternada:

"Certas musas da Jônia e da Sicília (Heráclito e Empédocles) deliberaram que o mais seguro é combinar as duas teses e dizer que o ser é uno e múltiplo, mantendo sua coesão pelo ódio e a amizade. Efetivamente, discordando sempre concordam [Frag. 51]; assim dizem as musas mais decididas; porém as mais moderadas, embora asseverando que assim é sempre, também afirmam que alternadamente, ora o todo é um e amigo, por virtude de Afrodite, ora múltiplo e inimigo por obra de não sei que discórdia" (Sofista, 242 d).

Lê-se em outro antigo, ou seja em Aristóteles: "Todos [os físicos] admitem que [o céu] foi gerado, uns o proclamam eterno,

outros, corruptível, como qualquer outra natureza composta. Há também os que sustentam que a corrupção é alternada, ora num sentido, ou noutro, e que este processo é infinito. Tal é a doutrina de Empédocles de Agrigento e de Heráclito de Éfeso" (Do Céu I 10, 279b 12).

"Ao logos, que sempre existe, os homens não o compreendem" (Arist., Retórica 5. 1407b).

Confundindo-se a causa universal com o logos, e governando este como a lei de tudo, coere ele com o próprio destino:

"Heráclito mostrou que a essência do destino é o logos, que penetra a substância do todo" (Aécio IV, 7,2).

II - O monismo heraclíteo. 0335y298. 299. O monismo materialista é essencial à filosofia de Heráclito, e foi o seu

lado mais profundo entre Deus e o mundo, ou seja, entre o logos e o fogo; também não há esta distinção entre o corpo e alma.

O fogo contém a propriedade eminente da racionalidade, a qual denominou logos. Assim também o corpo não contém dualisticamente uma vida, que nele resida como substância autônoma. O mesmo corpo é vivo.

Mas como o logos é espiritual, o monismo materialista de Heráclito é um materialismo espiritual, isto é uma substância material com funções espirituais, por exemplo a de pensar.

300. Em Do ar, como em Anaxímenes, agora Heráclito simplesmente passa a

denominar de outro modo o princípio universal de tudo, o fogo. Deus, ou os deuses, somente podem ser concebidos como integrantes deste elemento de base. Assim se entende o episódio narrado por Aristóteles:

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"Heráclito, ao aquecer-se à lareira e vendo que uns forasteiros se detiveram, procurando-o, mandou que entrassem sem receio, pois também ali havia deuses" (Das partes dos animais I, 2 645 A 17).

Se tudo é um ser e se Deus se confunde com o ser, devia também estar ali. Não há verdadeiramente ser morto. Se tudo se move, isto exatamente confere

com a vida. O movimento inferior não é senão um apaziguamento da vitalidade do fogo universal.

Também o logos, em tudo existente como propriedade essencial, diminui as suas manifestações nos movimentos para baixo e cresce naqueles para cima. A alma plena não é senão o instante alto do logos em ação; a morte é o instante em que o logos já não se manifesta, sem haver todavia desaparecido.

A vida é rítmica, pois, cresce e dominou no macrocosmo do corpo humano, até que um dia não mais se manifesta, em virtude da dominância do movimento para baixo, quando se comporta como água, terra e outros materiais.

Os astros, sobretudo o sol, enquanto facho de fogo, devem ter pensamento. A presença do logos se faz sobretudo no espaço etéreo. Dali como que se dilata para o homem sobre a terra. Neste contexto se interpreta a afirmação:

"Heráclito diz que o sol é um facho inteligente" (Aécio I, 27, 1). Os textos referentes ao monismo panteísta, combinado com o logos universal

e a alma, se encontram com relativa profusão. Mas são inteligíveis apenas se levarmos em conta o contexto geral em que se situa o autor.

"Heráclito declara que a alma é o princípio primordial, uma vez que ela é (idêntica à) exalação, da qual tudo o mais provém. Ele acrescenta que este princípio é o que há de mais incorporal , e que ele está em fluxo perpétuo" (Aristóteles, Da alma 405 s 25).

"Heráclito diz que a alma é uma centelha da essência estelar" (Macróbio, Sonho de Scipião 14, 19).

"Heráclito diz que a alma do Cosmo é a exalação das coisas úmidas que nele há, mas a dos seres viventes deriva da exalação tanto de fora como de dentro deles mesmos, a qual em ambos os casos é homogênea" (Aécio, IV, 3, 12)"... uma vez separada do corpo, regressa à alma do Cosmo, que é da mesma natureza" (Ibidem, IV, 7, 2).

Compõem Heráclito a sua sentença, escrevendo aproximadamente isto: "Morte das almas, o tornarem-se em água, e morte da água, o volver-se em

terra; mas da terra renasce a água, e da água a alma" (Clemente de Alexandria, Strômata VI, 17, 1).

"Também afirma: os confins da alma, nem que percorras todos os caminhos, não os acharás; tão

profundo Logos ela tem [R L P H B , \ D " J " Æ ã < @ × 6 — < ¦ > , b B @ 4 @ , B F " < ¦ B 4 B @ D , L ` : , < @ H Ò * ` < ’ @ à J T $ " 2 b < 8 ` ( @ < § P , 4 ]" (D. L., IX, 7).

301. Não tem sentido para Heráclito o conceito mítico da divindade separada,

nem da doutrina órfica da alma separada. Verdadeiramente nada morre, mas apenas cessam funções, que em outras circunstancias poderão retomar-se. a respiração e a nutrição reacendem constantemente o fogo da vida. É como que o contato com o fogo universal, o logos, que contudo não está separado, como se de fora viesse.

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Repudiando a religião mítica, Heráclito indaga: "Se há deusas, porque os chorais? Mas se os chorais, não os venerais como

deuses" (Aristócritus, Teosofia, 69). "E se dirigem preces às estátuas como se falassem à edifícios; pois os deuses e os heróis não conhecem quem são" (Ibidem, 69).

"Bem dizia Heráclito: homens são deuses e deuses são homens, porque o logos é um só (Hipólito, Refutações IX, 10, 16).

III - A alma e suas funções. 0335y303. 304. A alma é o fogo em fluxo perpétuo, quando em manifestações

especiais. A respiração e a nutrição reacendem constantemente o fogo da vida. É como

que o contato como o fogo universal, o logos. Ainda que a água seja o fogo em instante decrescente, dali pode reacender-se.

Desta sorte, a água pode ser alimento da alma. Coerentemente, diz Heráclito que a alma humana, após a morte, retorna ao logos universal. Nada mais diz, senão, que a vida cessa de se manifestar, sem todavia desaparecer a condição substancial do fogo elementar de algum dia explodir na ekpyrosis.

305. A ressurreição de que fala Heráclito deve ser entendida dentro de seu

conceito monista de funções que sobem e descem, num emergir e regredir das manifestações da vida.

"Fala também de uma ressurreição desta carne visível em que nascemos e sabe que Deus é o causante desta ressurreição, dizendo assim:

ali se levantam e se convertem em guardiães vigilantes dos vivos e mortos. E fala também do julgamento do mundo e de tudo o que nele ocorre" [Frag. 63] (Hipólito, Refutações IX, 10).

306. O pensamento como um emergir da razão divina contida em todos nós, -

segundo Heráclito, - foi descrito um tanto imaginosamente, por Sexto Empírico, ao mesmo tempo que retransmitia suas idéias sobre o antigo autor:

"Segundo Heráclito, esta razão divina penetra em nós pela respiração, e assim nos tornamos inteligentes, no sono, inconscientemente, na vigília, conscientemente

Pois enquanto dormimos e cerrados permanecem os poros dos nossos sentidos, a inteligência (; @ Ø H ) que está em nós, aparta-se do que a rodeia, e só como que por uma espécie de raiz, a respiração mantém o liame. Em consequência desta separação perde a capacidade de memória que antes possuía.

Na vigília, pelo contrário, olhando através dos poros dos sentidos, ela retoma o contato com o circundante e readquire as faculdades racionais. Tal como os carvões que junto ao fogo se transformam e ardem, e, pelo contrário, se extinguem, uma vez apartados dele, assim também, a parte que do circundante em nosso corpo reside, dele separada, quase irracional se torna; ao passo que, reunida pelo maior número de poros (dos nossos sentidos) torna-se semelhante ao todo (do universo penetrado pelo logos).

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Este logos comum e divino, por participações do qual nós somos lógicos, - eis a faculdade da verdade segundo Heráclito. Por conseguinte tudo quanto a todos comumente pareça (claro), crível, será; mas, pelo motivo oposto, quanto a um só ocorra, incrível será.

Eis porque logo no princípio do seu livro Da natureza, aludindo de certo modo ao circundante, diz:

Este logos, ainda que exista sempre, os homens são incapazes de entendê-lo, quer antes de o haverem escutado, quer após o terem ouvido. Pois ainda que tudo aconteça segundo este logos, parecem não ter experiência alguma dele, - eles que experimentaram palavras e obras, tais como eu as exponho, distinguindo a natureza de cada uma delas , e explicando-a tal qual é. Os demais homens, porém, tão pouco sabem o que fazem despertos, quão pouco se lembram do que fizeram dormindo [Frag. 1 D].

Por estas palavras expressamente afirma que nós tudo fazemos e pensamos, enquanto partícipes do logos divino; e pouco depois acrescenta:

Por isso convém seguir o comum. Mas ainda que o logos seja comum a todos os viventes, vive a multidão como se tivesse pensamento próprio" (Sexto, Contra os matemáticos VIII, 132-133).

307. Distingue Heráclito entre sentidos e inteligência. Ato continuo,

aprecia o valor gnosiológico de ambas as formas de conhecimento. Acontece em Heráclito aquele vago cetecismo que perpassa toda a filosofia

pré-socrática e que alcança principalmente as faculdades sensíveis. A escola eleática (de Xenófanes e Parmênides, Senão e Melisso) adverte para a imobilidade e unidade do ente, o que provaria o engano dos sentidos ao apresentarem como móvel e múltiplo. Agora, em Heráclito, afirma-se a mobilidade geral e o ente, outra vez porém advertindo para a enganosidade dos sentidos; o devir generalizado do ente impediria o conhecimento preciso das coisas.

"Pois que lhe parecia ser o homem dotado de duas faculdades para o conhecimento da verdade, - sensibilidade e razão (ou logos), também para Heráclito, como para os mencionados físicos (Parmênides e Empédocles) a sensibilidade era suspeita. A razão (logos), pelo contrário, ele a considera como faculdade (da verdade). A experiência sensível reprova-a dizendo textualmente: más testemunhas os olhos e os ouvidos para os homens com almas de bárbaros" (Sexto, Contra os matemáticos VII, 126).

308. A relatividade do ente, do conhecimento, da moral decorre da doutrina

da mobilidade intrínseca do ente. Em virtude do movimento em direções opostas, para cima e para baixo, para a excitação e para o apaziguamento, ocorrem no mesmo ente, os contrários em busca de equilíbrio.

"Heráclito diz que os contrários conferem, e dos diferentes nasce a mais bela harmonia" (Aristóteles, Ética a N., VIII, 2. 1155 b 1).

"Heráclito, o obscuro diz, que as conexões são completo e incompleto, o que é concordante e o que é discordante; o que produz a consonância e o que produz a dissonância, - de tudo é composto o um; de um, tudo" (Aristóteles, Do mundo 5. 396 b 27).

"A virtude maior é ser moderado, e a sabedoria é falar coisas verdadeiras e obrar segundo a natureza, conhecendo-a" [Frag. 49 D] (Stobeu, Antologia III 1, 178).

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Aqui está diretamente indicada a moral natural, mas sempre com uma certa relatividade, por causa da mobilidade do todo.

"Aqueles que falam com inteligência, devem apoiar-se no que é comum a todos, como uma cidade em sua lei, ainda com muito mais firmeza. Pois todas as leis humanas se alimentam em uma só lei divina, já que esta domina quanto quer e é suficientemente para todos e ainda tem de sobra" [Frag. 114 D] (Stobeu, Antologia III 1, 179).

Os valores são apreciados diversamente. A felicidade não é buscada nas mesmas coisas.

"Se a felicidade estivesse nos deleites do corpo, chamaríamos de felizes os bois, quando encontram para comer ervas amargas [Frag. 4 D]" (Alberto Magno, De vegetelibus VI, 14, 401).

"O cavalo, o cão e o burro têm prazeres diversos e, como diz Heráclito, os burros prefeririam a palha ao ouro. Com efeito, mais grato aos burros é o pasto que o ouro" (Aristóteles, Ética a N., VIII, 2. 1155 b 1).

"... pois os porcos mais gostosamente chafurdam no esterco do que na água pura" (Athen. V p. 178 E).

"Não fosse por Dionísio que celebram a pompa e cantam os hinos fálicos, impudentíssima ação seria. Porém, o mesmo é Hades e Dionísio, que os inspira e que festejam nas Leneas" (Clemente de Alexandria, Protréptico, 2,22,2).

"Bem e mal são uma e a mesma coisa. Diz Heráclito: os médicos, cortando, torturando, queimando, os doentes de toda a maneira, ainda exigem deles uma recompensa que não merecem, pois só um e o mesmo efeito conseguiram: bens e males" (Hipólito, Refutações, 10,3).

Sobre a glória como fim aspirado: "Ora as Musas jônicas afirmam expressamente que a maioria dos homens e os

pretensos sábios seguem os dedos e acatam os seus ensinamentos, embora saibam que muitos são maus e poucos os bons; porém os melhores de entre os homens, cuidam da glória, pois diz (Heráclito, Frag. 29):

uma coisa os melhores preferem a todas: a glória (ou fama) imortal às coisas transitórias. A turba, esta repasta-se como o gado" (Clemente de Alexandria, Strômata, V, 59-60).

"E também teria dito: mais importa extinguir a soberba que o incêndio" (D. L., IX, 2). "O povo tem de lutar pela lei, como pelas muralhas da cidade" (D. L., IX, 2). Sobre classes sociais: "Que o pai entre todos os seres gerados, é ingênito e gerado, criatura e

criador, sabemo-lo, dizendo ele: Prélio é o pai de todas as coisas, de todas o rei; de alguns fez deuses, de outros fez homens; destes, escravos, e daqueles, homens livres" (Hipólito, Refutações 9,5).

"A inveja, o maior mal dos governos, é aos velhos que ataca menos. Segundo Heráclito: Os cães ladram às pessoas que não conhecem" [Frag. 97] (Plutarco, An seni respublica gerenda sit, 7 p. 787 C).

Ainda sobre a relatividade dos valores:

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"Dizem que é próprio dos deuses o regozijarem-se com o espetáculo das batalhas. Mas não é impróprio, pois todas as ações generosas são próprias para regozijar. Batalhas e combates parecem-nos horríveis, mas para a divindade nada disso é horrendo ... como diz Heráclito: para Deus todas as coisas são belas, boas e justas; os homens porém, umas consideram injustiça, outras justas [Frag. 97] (Porfírio, Questões Homéricas, Ilíada , IV, 4).

"Pois justamente também o nobre Heráclito vitupera a turba, como destituída de inteligência e raciocínio: que senso e intelecto é o deles? Deixam-se guiar por poetas errantes e amestrar pela multidão; não sabem que muitos são os maus, poucos os bons [Frag. 104] (Proclo, Comentário as Alcibíades, I, p. 525, 21 Cous.).

309. Teria negado o princípio de contradição? Ao dizer que o contrários se

unem, parece não ter pensado no alcance total dos termos, ao ponto de opor o ser e o nada. Por isso o mesmo Aristóteles ressalva a Heráclito de haver negado o princípio

de contradição: "Não é possível conceber jamais que a mesma coisa é e não é, como certos

acreditam que Heráclito o tenha dito: porque o que se diz, não se é obrigado pensar" (Aristóteles, Met. 1005 b 25.

Não parece legítima a inferência de Asclépio (258, 34-259, 1) e de Siriano (65, 22ss), a partir do texto de Aristóteles, que o estagirita supusesse haver Heráclito duvidado do princípio de contradição. O pensamento de Aristóteles é antes o de que, pelas palavras, Heráclito houvesse negado o princípio de contradição, mas não pelo contexto geral em que se situava.

IV - Doutrinas morais de Heráclito. 0335y311. 312. Conceitos éticos, sociais e políticos se encontram nos fragmentos de

Heráclito e em informações doxográficas, estando influenciada pelo seu geral mobilismo e relativismo, conforme já exposto (vd 308).

A divisão do seu livro em três partes, - o todo, a política, a teologia, - prevê mesmo tais questões.

O estudo dos temas humanos, apesar de menos cuidado pelos pré-socráticos, que são antes de tudo filósofos da natureza física, tem um primeiro importante sinal em Heráclito ao declarar:

"Eu me busquei a mim mesmo" [Frag. 101 D] (Plutarco, Contra Colotes, 20. 1118 C).

É similar à advertência do templo de Delfos "conhece-te a ti mesmo" assumida com efetividade por Sócrates.

Entretanto, o pouco, que se conservou dos ensinamentos morais de Heráclito, mal deixa a entrever um sistema, não havendo ultrapassado muito além dos dizeres sentenciosos da moral popular religiosa tradicional.

Entretanto, de outra parte, a filosofia de Heráclito contém o princípio racional, que comanda o todo, ao qual tudo o mais obedece.

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"Lei também é obedecer o plano do uno" [Frag. 33 D] (Clemente de Alexandria, Strômata V, 116).

"Um vale mais para mim, do que dez mil, se for melhor" [Frag. 49 D] (Galeno, Sobre a percepção do pulso VIII).

"Saber pensar é a mais alta virtude; e a sabedoria consiste em dizer a verdade e agir em conformidade com a natureza, obedecendo-lhe" [Frag. 112] (Stobeu, Antologia I, 178 ).

"Quem queira falar com inteligência, deve tornar-se forte com o (logos) comum a todos [Frag. 113], como uma cidade com a lei, e ainda mais forte; porque todas as leis humanas se nutrem de uma só, divina, que tudo governa, podendo quanto ser, sem tudo bastando, tudo excedendo" [Frag. 114] (Estobeu, Antologia I, 179 ).

Advertiu Heráclito para as mais diversas relatividades da perfeição física e moral. "O mais belo dos macacos é feio se se compara com a raça dos homens. O mais sábio dos homens, comparado com Deus parece um macaco em sabedoria, beleza e tudo o mais" [Frag. 82 D] (Platão, Hípias maior 289 a-b).

"O homem infantil ouve a Deus falar, como um menino a um homem" [Frag. 79 D] (Orígenes, Contra Celso VI, 12).

"Heráclito reprovou a Hesíodo que classificava aos dias em bons e maus, e desconheceu que a natureza de todos os dias é um só" [Frag. 106 D] (Plutarco, Camil. 19 p. 138 A).

313. Governo aristocrático. Ligado à nobreza de Éfeso, teve Heráclito

oportunidades de abordar e definir temas políticos, e nem lhe faltava coragem para isto, nem mesmo inteligência.

A circunstancia de haver sido alijado do poder o partido dos nobres, atingindo portanto a ele mesmo, proporcionou mais uma vez a discussão e a necessidade de defesa, inclusive a revisão dos conceitos. Do aceso das refregas resultam alguns dos pensamentos de Heráclito e que chegaram até nós apenas fragmentariamente. Com ironia falou:

"Que não vos falte a riqueza, ó efésios, para que fique demonstrada vossa má conduta" [Frag. 125 D] (Tzetzes, Comentários a Aristófanes, Plutão 88).

Fundando-se na diferença entre os homens, Heráclito defendeu a aristocracia como forma do poder. O povo se atém ao sensível, quando uns poucos se elevam ao poder raciocinativo do logos. Poucos são os que alcançam a virtude. O povo que não a atinge, expulsa os virtuosos, como sucedeu em Éfeso.

O conceito de sociedade como resultante de um pacto social e a partir de onde se julgaria sua forma de governo, conforme a capacidade do próprio povo, - é coisa que não passa pela cabeça de Heráclito, e nem passará mais tarde pela de Platão, também defensor do absolutismo ilustrado.

314. A cosmogonia e astronomia é similar aos dos primeiros jônicos,

todavia ajustada ao princípio primordial do fogo e ao seu devir. "O sol tem o tamanho de um pé humano" [Frag. 3 D] (Aécio,II, 21, 4).

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"O sol, como diz Heráclito, não somente é novo cada dia, senão que é novo continuamente" [Frag. 6 D] (Aristóteles, Metereologia 235 5). Esta afirmação se deve entender no contexto do mobilismo heraclíteo.

"As transformações do fogo são: em primeiro lugar o mar, e do mar a metade se transformou em terra e a outra metade em torvelinho ígneo. A terra se torna mar líquido e é medida com o mesmo logos que existia antes de se tornar terra" [Frag. 31 D] (Clemente de Alexandria, Strômata V, 105).

"O mais belo universo é somente um montão de desperdícios reunidos ao azar" [Frag. 124 D] (Teofrasto, Metafísica 7 a).

"Gosta a natureza de ocultar-se, segundo Heráclito" [Frag. 123 D] (Temístio, Discursos V, 69).

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ART. 2-o. EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO. 0335y316.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - - Cap. 4 "Escola Jônica Nova" - §1. Vida e obras. 0335y318. 319. Um filósofo de orientação similar aos jônicos, situado todavia no

Ocidente, Empédocles (W : B , * @ 6 8 Z H ) (c. 492-432 a.C.) nasceu em Agrigento, colônia dórica na Sicília. Ficava Agrigento na face frente à África, junto ao monte e rio do mesmo nome, que também se denominavam Acragas.

As informações transmitidas por Diógenes Laércio e Suídas se ocupam primeiramente em dizer da importância de sua família e de sua atuação como campeão olímpico. Mas discordam no que se refere ao nome de seu pai e nos detalhes quanto à sua participação nas olimpíadas. Entretanto o enredo o ambiente em que atuou e o relacionamento para fora de sua cidade.

As notícias sobre Empédocles são muitas, todavia desconexas nos detalhes. Diógenes Laércio, que as coletou de vários autores, diz:

"Empédocles, de acordo com Hipóboto, era filho de Méton, por sua vez filho de Empédocles de Agrigento.

O mesmo também diz Timeu em seu livro XV de Histórias, e diz que em o avô do poeta havia sido um homem notável.

Hermipo sustenta o mesmo. Heráclides, em seu livro, diz igualmente que era homem de uma família

ilustre, pois seu avô havia sido domador de cavalos. E Eratóstenes em Vencedores olímpicos, conta que o pai de Méton havia

ganho na olimpíada 71-a (496-2 a.C.), segundo diz Aristóteles. Apolodoro o gramático conta o seguinte: ele é filho de Méton, e que chegou a

Túrios quando era recém-fundada. E prossegue: os que contam haver ele fugido de sua pátria, e lutando em Siracusa, contra os atenienses, se equivocam inteiramente, segundo me parece, pois, ou bem ele já não vivia mais, ou já era muito velho, coisa que não é provável.

Aristóteles e Heráclides afirmam ambos que ele morreu aos 60 anos. E que o homem vencedor da corrida de cavalo era um homônimo e seu avô, de modo que a cronologia deste é também indicada por Apolodoro.

Sátiros, em Vidas, diz que Empédocles era filho de Exéneto, e que havia tido um filho do mesmo nome; que este havia saído vencedor em corrida de cavalo na mesma olimpíada em que seu filho foi vencedor como atleta, ou, conforme Heráclides em Epítome, em corrida a pé.

Tenho encontrado em Memórias, de Favorino, que Empédocles ofereceu aos espectadores um boi preparado de mel e farinha de cevada, e que era irmão de Calicrátides.

Telauges, o filho de Pitágoras, em sua carta a Filolao diz que Empédocles era filho de Arquinomo; e que era natural de Agrigento na Sicília, conforme escreve no início de Purificação" (D. L., VIII, 51-53).

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320. Ainda sobre Empédocles, informa Suídas, um lexicógrafo do 10-o século, o qual viveu provavelmente em Bizâncio:

"Empédocles, filho de Méton, segundo outros, de Arquínomo ou de Exéneto. Teve um irmão Calicrátides. Foi primeiramente ouvinte de Parmênides, do qual também chegou a ser discípulo, segundo diz Porfírio em História de filósofos. Outros dizem que foi discípulo de Telauges, o filho de Pitágoras.

Filósofo da natureza, de Agrigento e poeta, participou na olimpíada de 464. Ia pelas cidades com uma coroa de ouro sobre a cabeça e sandálias de bronze nos pés e nas mãos fitas délficas, querendo atrair a fama sobre si mesmo, de que era um Deus" (Suídas).

Seguem-se informações ainda menores. "Empédocles de Agrigento, havendo nascido não muito depois de

Anaxágoras, era admirador e amigo de Parmênides e muito mais do que dos pitagóricos" (Simplício, Física 25, 19).

"Empédocles era discípulo de Telauges na época em que florescia Heráclito o obscuro" (Eusébio, Preparação evangélica X, 14-15).

"Empédocles venceu em Olímpia em uma corrida de carros" (Atheneo I, 5 E). 321. A importância da família e a participação nos jogos olímpicos

esclarecem, porque Empédocles tenha vindo a ter contatos com a filosofia jônica e mesmo se estabelecido algum tempo no Peloponeso. A este tempo já vinha ocorrendo a centralização cultural e política em torno de Atenas, de sorte a polarizar-se naquela direção o interesse dos sábios gregos.

A notícia a respeito do boi preparado com mel e farinha de cevada induz a acreditar que assim o fizera em virtude das práticas pitagóricas de abstenção do que tinha vida.

Se viveu 60 anos, conforme uma das informações (D. L., VIII, 52), estes terão acontecido de cerca de 492 a 432 a.C., e então teria florescido pelos anos 444 a.C., quando da 84-a olimpíada.

No caso de ter atingido mais idade, conforme outros que lhe dão 77 anos, dever-se-á recuar seu nascimento e não avançar a morte, para que, coerentemente, permaneça contemporâneo de Anaxágoras ou mesmo anterior a este (c. 500-428 a.C.) e seja posto suficientemente cedo para explicar melhor seu relacionamento com os primeiros pitagóricos e eleatas.

Situado assim no tempo, Empédocles pertenceu à geração imediatamente anterior a de Sócrates (469-369 a.C.) e estava não distante de tempo de Platão (427-347 a.C.). Viveu na fase de maior florescimento da Grécia clássica, do tempo de Péricles (+ 429 a.C.), o notável estadista de Atenas.

Sobre o relacionamento dispersivo de Empédocles com os pitagóricos esclareceu Diógenes Laércio, citando testemunhos mais antigos.

Mas, cronologicamente não poderia ter sido discípulo direto de Pitágoras, como se diz, que já deveria ter falecido ao tempo em que Empédocles nascia. Mas aos seus vinte ou trinta anos ainda existiam Xenófanes e Parmênides, que terão vivido até pelos anos 475 ou 470 a.C.

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322. Também Diógenes Laércio informou sobre os relacionamentos culturais de Empédocles:

"Timeu no 9-o livro de História diz que ele foi discípulo de Pitágoras. Contando que havia sido acusado de haver divulgado suas doutrinas, foi excluído, como Platão, de participar de suas reuniões. E que era a Pitágoras a quem menciona, quando diz:

"E viveu entre eles um homem de saber sobre-humano que possuía a maior riqueza, a sabedoria" [Frag. 129].

Outros porém acreditam que, ao dizer isto, Diógenes Laércio se referia a Parmênides. Neantes diz que, até Filolau e Empédocles, todos os pitagóricos eram admitidos às discussões.

Mas quando o mesmo Empédocles as tornou públicas através de seu poema, fizeram uma lei que proibia a admissão de poetas. Diz que o mesmo aconteceu a Platão, motivo porque foi excluído. Mas não diz Diógenes Laércio qual fora o pitagórico, que havia sido discípulo de Empédocles.

Com referência à carta atribuída a Telauges, que faz a Empédocles ter sido discípulo de Hipaso e Brontino, assevera que não é digna de crédito.

Teofrasto diz que Empédocles fora um admirador de Parmênides, de quem imitou os versos, já que este compôs em versos seu Tratado da natureza. Mas Hermipo julga que não houvesse tomado como modelo a Parmênides, mas a Xenófanes (da mesma escola), com quem de fato viveu e cuja poesia imitou, e que sua convivência com os pitagóricos é posterior.

Alcidamas nos diz em seu tratado Física, que Zenão e Empédocles haviam escutado ao mesmo; tempo as lições de Parmênides. Mas que pouco depois ambos se retiraram, Zenão para filosofar em seu próprio nome, e Empédocles para seguir a Anaxágoras e Pitágoras, recebendo de um a gravidade de seus costumes e do outro suas doutrinas físicas" (D. L., VIII, 54-56).

Destacou-se Empédocles como orador: "Segundo Aristóteles foi Empédocles o fundador da retórica e Zenão o da

dialética. Diz em Tratado dos poetas que seu estilo era o de Homero, sua dicção vigorosa e que empregava habilmente as metáforas e demais recursos da poesia" (D. L., VIII, 57).

Fez um grande discípulo em Górgias de Leôncio, um dos mais destacados sofistas e notável orador:

"Sátiros em Vidas diz que era médico e um excelente orador; que Górgias de Leôncio foi discípulo seu, homem destacado em retórica; e que deixou um tratado desta arte" (D. L., VIII, 58).

323. Curandeiro e dominador dos ventos. Com referência ao curandeirismo

de Empédocles, combinou-o com práticas órficas, segundo informes colhidos por Diógenes Laércio:

"Sátiros relata que o mesmo Górgias disse haver estado presente, quando Empédocles exercia sua arte mágica. Através de seus poemas, dava a entender possuir este poder e outros coisas mais, quando diz:

Aprenderás comigo os filtros contra as enfermidades e defesas contra a velhice, porquanto só para ti eu os prepararia todos. Deterás o furor indomável dos ventos, os

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quais lançando-se sobre a terra destroem as plantações com o seu sopro. Depois, com uma só palavra, a tormenta se converte em ventos submissos. Farás suceder à negra tempestade a secura benéfica; à secura abrasadora, as chuvas fecundantes trazidas pelos ventos do estio. Trarás de volta do inferno (do Hades) a sombra dos mortos" [Frag. 111].

Timeu afirma em seu livro XVIII de Histórias que este homem era admirável em muitos aspectos. Por exemplo, havendo-se desencadeado os ventos etésios, a ponto de destruírem as plantações, mandou esfolar alguns burros, encheu de palha as peles e os mandou colocar sobre as colinas e nos picos das montanhas, para apaziguar o vento. Este lhe obedeceu e Empédocles foi honrado com o título de Dominador dos ventos.

Heráclides em seu livro Enfermidades diz que foi quem sugeriu a Pausânias o que este escreveu sobre a letargia" (D. L. VIII, 59-60).

324. O político. Não buscou Empédocles cargos públicos, mas preocupou-se

com as coisas públicas. Favorecido pela inteligência, e o fato mesmo de se exercer como retórico lhe dava o contato fácil com este gênero de assuntos. Aconteceu a sua atuação política em diferentes lugares por onde perambulou; retornando a Agrigento, ali não pode permanecer em virtude de resistências que criara, de sorte que por último foi estabelecer-se no Peloponeso, portanto na Grécia continental.

"Aristóteles diz que ele era pacífico e avesso ao exercício do poder, havendo rejeitado o reinado que se lhe oferecia, como conta Xanto em suas memórias sobre ele, evidentemente porque amava a simplicidade. Com isto concorda Timeu, explicando porque era um homem democrático" (D. L. VIII, 63-64).

A propósito dos seus sentimentos democráticos se conta o episódio seguinte: "Havendo o médico Acrón solicitado ao Conselho um lugar para construir um

monumento para seu pai, que houvera sido um médico eminente, se lhe opôs Empédocles em nome da igualdade, e ainda lhe fez a seguinte pergunta: que inscrição gravarás nele? Seria a seguinte?

Ao grande médico Acrón de Agrigento, nascido do seu pai não menos grande, repousa aqui sob um sepulcro não menos grande, em uma pátria grande" (D. L. VIII, 65).

"Neantes de Cízico, que escreve sobre os pitagóricos, relata que, depois da morte de Meton, começou a mostrar-se a tirania em Agrigento, até que Empédocles persuadiu aos seus concidadãos a pôr fim nas divergências e a cultivar a igualdade em política" (D. L. VIII, 72).

Outra informação sobre sua atuação democrática em Agrigento revela, que no final teve de abandonar a cidade natal, e ir morrer em lugar distante:

"Mais tarde, Empédocles dissolveu a assembléia dos mil que havia funcionado três anos, para que fosse composta não apenas de ricos, mas também de elementos favoráveis à causa popular.

Contudo Timeu, que fala com frequência dele, diz que tinha pontos de vista opostos em política e poesia.

Em algumas oportunidades era orgulhoso e individualista. Certa ocasião estas foram suas palavras: "Saudações! Eu sou entre vós um Deus imortal, não mais um mortal, etc.

No tempo quando ele visitou Olímpia, era de trato muito atencioso, de modo que deixou muita memória. Mas quando retornou a Agrigento os descendentes dos seu

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inimigos pessoais lhe fizeram completa oposição. Por isso foi para o Peloponeso, onde morreu" (D. L., VIII, 66-67).

"Mais tarde Empédocles fez abolir o conselho dos Mil e estabeleceu em seu lugar uma magistratura trienal, na qual fez entrar não somente aos ricos, senão também aos homens verdadeiramente democratas" (D. L., VIII, 66).

Relatou ainda neanto o Cínico, também citado por Diógenes Laércio; "Depois da morte de Méton, começou a mostrar-se a tirania em Agrigento, até

o momento em que Empédocles persuadiu a seus concidadãos a pôr fim às divergências e estabelecer a igualdade política" (D. L., VIII, 72).

Finalmente, Empédocles foi mal sucedido. Ao que parece, o partido democrático perdera sua hegemonia em Agrigento.

Esteve em Túrios, também da Magna Grécia. Depois ainda em Siracusa. Por último se transferiu para o Peloponeso, conforme já se adiantou. Ali já

houvera participado frequentes vezes dos jogos olímpicos. 325. Morte e ressurreição de Empédocles. Teria ocorrido aos 60 anos

conforme relata Aristóteles (D. L. VIII, 74). Neantes de Cízico, também citado por Diógenes Laércio, informa textualmente:

"Um dia, montado em um carro, se trasladou a Messene para assistir a uma solenidade, caiu e quebrou a perna. Morreu em consequência deste acidente, na idade de 77 anos e foi enterrado em Mégara" (D. L., VIII, 73).

Outra versão: "Lê-se em carta de Telauge, que já sendo velho e débil, deixou-se cair no mar

e se afogou" (D. L., VIII, 74). As lendas que logo o cercaram confirmam a importância em que era tido

Empédocles, como poeta, ginasta olímpico, médico e político. Mas Timeu, citado por Diógenes Laércio ofereceu elementos que permitem

esclarecer, porque isto se dera, quando assegura de maneira terminante, que Empédocles se retirara ao Poleponeso, de onde não mais voltou, o que deu por resultado, que se ignorassem as circunstâncias de sua morte" (D. L., VIII, 71).

326. Com referência às versões míticas, ocorreram, entre outras, estas duas

sobre as quais o informe é de Diógenes Laércio: "Depois de haver Heráclides contado a glória de que Empédocles se cobriu

por haver ressuscitado a uma mulher, acrescenta que ele ofereceu um sacrifício nos campos de Pisiana. Depois da comida dispersaram-se os amigos para o descanso. Empédocles permaneceu só no seu sítio.

Quando já era dia levantaram-se e não estava Empédocles, a quem não encontraram. Procuram-no e perguntaram aos servos. Todos asseguravam não o haverem visto. Um deles, porém, declarou que à meia noite ouviu uma voz sobre-humana que chamava a Empédocles, que ele se levantou e somente viu uma luz celestial e resplendores como de tochas.

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Em meio do assombro que causava este relato, Pausânias chegou e mandou de novo fazer investigações; depois de as fazer cessar, declarou que a sorte de Empédocles era digna de inveja, e que, elevado à categoria dos deuses, devia ser honrado dali em diante com sacrifícios" (D. L. VIII, 68).

A segunda versão: "Hipóboto sustenta que, havendo-se levantado, se dirigiu ao Etna, e se

precipitou em sua cratera inflamada, para confirmar com o seu desaparecimento a crença que se tornara um Deus. Depois a verdade foi descoberta, porque o vulcão expeliu uma sandália de bronze que costumava usar. Pausânias desmente este relato" (D. L. VIII, 69).

Estrabão (VI p. 274) e Suídas também relatam o episódio da sandália devolvida pelo vulcão.

As narrativas biográficas referentes a Empédocles, sábio e curandeiro, sacerdote político, o tornaram marcante, e em alguns aspectos similar a Pitágoras e Xenófanes, como já se advertiu. Estes dois outros não lograram todavia auréola mística alcançada em tão elevado grau pelo cidadão de Agrigento.

"Empédocles havia dotado, graças à sua riqueza, a um grande número de donzelas pobres.

Jamais foi visto usando púrpura com cinturão de ouro. Andava com sandálias de bronze, coroa délfica a cabeça e cortejo de servos.

Fazia-se notar pela grande cabeleira e constante gravidade do porte exterior. Quando saía, os que o encontravam se compraziam em admirar seu passo

quase régio" (D. L., VIII,73). 327. Obras. Como escritor, Empédocles foi o mais prolífero dentre os

filósofos até seu tempo. Reduz-se hoje a cerca de 150 fragmentos, que totalizam mais de 20 páginas de texto, de que um número considerável apresenta conteúdo filosófico.

Dos livros que se atribuem ao filósofo de Agrigento são seguros apenas dois, dos quais efetivamente restam os fragmentos:

Sobre a natureza (A,DÂ NbF,TH); Purificações (5"2"D:@\), traduzido também por Expiação, e Poema lustral. Quem ainda os conheceu, informa: "Seus tratados da Natureza e Purificações somam cinco mil versos, e

seiscentos o tratado sobre a Medicina" (D. L., VIII, 77). "As Purificações de Empédocles, se diz, foram cantadas em Olímpia pelo

rapsoda Cleomenes, como atesta Favorino em Comentários (D. L., VIII, 83). Citado por Diógenes Laércio, Aristóteles, que dissera de Empédocles ser

fundador da retórica, "cita, em seu tratado sobre os poetas, um poema sobre a invasão de Xerxes e um hino a Apolo, composições que sua irmã (ou sua filha, segundo diz Jerônimo), atirou ao fogo, sendo que o hino por engano. O poema, propositadamente, por ser imperfeito.

Também diz Aristóteles que compôs tragédias e um tratado político. Heráclides, porém, sustenta que as tragédias eram de outro autor. Em troca

diz Jerônimo, que ele teve em suas mãos 40 a 43 tragédias de Empédocles. Assegura Neantes que Empédocles as havia composto em sua juventude e diz que as possuiu" (D. L., VIII, 57).

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Do A , D Â N b F , T H (= Sobre a natureza) resta um papiro, que remonta ao 1-o. século a.C., conservado na Universidade de Estrasburgo (França), cujos 53 fragmentos foram reintegrados pelo papirólogo belga Alain Martin, da Universidade Livre de Bruxelas, e pelo filólogo helenista Oliver Primavesi, da Universidade Goethe, Alemanha, - tudo publicado em livro denominado O Empédocles de Estrasburgo. Trata-se de 74 versículos de texto.

§2. Doutrinas de Empédocles. 0335y328. 329. Classificado na Escola Jônica Nova, e situado cronologicamente entre

Heráclito e Anaxágoras, tem Empédocles de Agrigento a particularidade de haver nascido no Ocidente.

Pela sua condição de nascido no Ocidente, contactou, - por este lado, - as doutrinas racionalistas dos pitagóricos e eleatas, havendo sido influenciado sobretudo pela ontologia destes últimos, Xenófanes e Parmênides. Por outro, como frequentador da Grécia continental, - foi influenciado pelos filósofos menos racionalistas do Oriente grego, sobretudo jônicos, os quais também já frequentavam a Grécia continental, sobretudo Atenas. Portanto, Empédocles foi um filósofo abrangente. E até certo modo um conciliador de escolas.

Didaticamente, suas doutrinas podem ser apreciadas sob os seguintes títulos: - Doutrinas ontológicas (vd 0335y330); - Cosmogonia e astronomia de Empédocles (vd 0335y343); Todos os seres são vivos (vd 0335y351); Explicações psicológicas e fisiológicas (vd 0335y357). I - Doutrinas ontológicas e cosmológicas de Empédocles. 0335y330. 331. Monismo. A mundivisão de Empédocles é monista, em termos todavia

não claramente definidos. Defendeu um monismo metafísico, que não separa entre Deus e o mundo, e ainda um monismo da natureza, não dicotomizando entre corpo e espírito.

Ainda que multiplicasse para quatro o números dos elementos fundamentais da natureza, - fogo, ar, terra, água, - concebeu a cada um como substância estritamente unitária. Repetia portanto o monismo característico dos filósofos da escola jônica, e ainda incluiu nele a argumentação do unicismo da ontologia eleática.

Mesmo que se diga trata-se de um monismo materialista, não teve da matéria um conceito de coisa morta, mas intrinsecamente dotado de vida e inteligência, e cujas propriedades mais características eram as causas operando a maneira de amor, quando uniam, e de ódio, quando separavam.

Combateu Empédocles o conceito antropomórfico vulgar de Deus, ainda que não evoluísse para uma formulação subtil da divindade, quer em termos monistas, quer em termos dualistas, apresenta do ser supremo uma idéia relativamente adiantada.

Sabe-se que depois Anaxágoras partirá para a idéia de um Nous (ou inteligência) a governar o mundo; Platão para um Demiurgo organizador; Aristóteles para um Deus como primeiro motor imóvel. Tais maneiras de conceituar se encontram na mesma linha evolutiva em que Empédocles é um dos passos iniciais.

Disse de Deus, melhor do que qualquer profeta das antigas religiões:

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"Não é possível aproximar-se (do divino) com nossos olhos e tomá-lo em nossas mãos" [Frag. 133 D] (Clemente de Alexandria, Strômata, V, 140).

"Pois nem está provido de membros, com uma cabeça humana, nem nascem aladas vergônteas de seus ombros, não tem pés, nem joelhos rápidos, nem membros sexuais; mas é somente um espírito sagrado e inexpressável, cujo rápido pensamento percorre o universo" [Frag. 134 D] (Amônio, Da Interpretação, 249, 1).

333. A filosofia da natureza em Empédocles mantém a multiplicidade dos

elementos; neste sentido se conserva jônica e se opõe à unicidade dos eleatas. De outra parte, Empédocles concedeu aos eleatas a imutabilidade substancial

dos elementos; as mudanças seriam apenas acidentais, pela diferente participação nos todos maiores para os quais concorrem.

"Os seres não são para ele (Empédocles) corruptíveis uns, incorruptíveis outros, mas todos são corruptíveis, exceto os elementos" (Aristóteles, Metaf. 1000 b 18).

Esta filosofia da natureza contém noções ontológicas e implícitas, havendo-as em parte discutido. Mas não é ainda a ontologia o forte dos pré-socráticos, ainda que; já bem evoluída nos eleatas e em Empédocles.

334. A geração é apenas aparente, porque nada se cria substancialmente. "Eu

te direi ainda outra coisa: não há nascimento de nenhuma de todas as coisas mortais, nem existe o fim da morte funesta, mas somente há mistura e dissolução das coisas mescladas, pois nascimento é nome dado pelos homens [Frag. 8 D] (Plutarco, contra Colotes, 10).

Ao lado destas duas características fundamentais da filosofia de Empédocles,- sem nascimento e sem morte, - ocorrem ainda outras duas: nascer e perecer (substanciais) são aparências subjetivas, que se creditam à conta da subjetividade do conhecimento. As causas das transformações são concebidas como forças cósmicas, não só distintas da matéria substancial, mas também da potência vital ou hilozoista.

A subjetividade do conhecimento é uma concessão aos eleatas. A concepção das potências que processam as transformações é um desenvolvimento novo do hilozoísmo dos jônicos antigos.

Dentro do espírito indicado, Empédocles criou um sistema próprio; não inteiramente original e não apenas conciliatório, representa um novo desenvolvimento para a especulação grega; a partir dele outros desenvolvimentos serão dados depois por Anaxágoras e os atomistas, até se chegar a Aristóteles, que retomará a teoria dos quatro elementos de Empédocles e lhe dará uma fundamentação mais precisa.

Como se pôde constatar um pouco antes, a fonte biográfica principal de Empédocles está em Diógenes Laércio, o qual todavia pouco diz de suas doutrinas. Estas se encontram sobretudo em Aristóteles, Teofrasto e Aécio; em pequena escala em muitos outros autores, o que tudo mostra o papel que Empédocles exerceu junto aos pensadores antigos.

335. Os quatro elementos - fogo e água, terra e ar. O componente inicial de

tudo (B V < J @ < ) é chamado F J @ 4 P , Ã @ < , traduzido ordinariamente para elemento, no plural F J @ 4 P , Ã " , elementos. No latim elementum, com o sentido de elementar, que se

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encontra no princípio. O elemento é também denominado raiz (Õ \ . T : " ), no plural (Õ 4 . ä : " J " ).

A partir desta linguagem, Empédocles estabeleceu quatro elementos ou raízes, como constituintes de todas as coisas (Õ 4 . ä : " J " B V < J @ < ).

Em vista da eternidade, imutabilidade e primordialidade, os elementos são como que os deuses, não havendo outros deuses maiores.

São quatro os elementos fundamentais e por isso quatro os deuses. Dali porque se encontra em Empédocles o seguinte modo de dizer:

"Primeiramente escute, que são quatro as raízes (= elementos) de todas as coisas:

Zeus reluzente, Hera que produz vida, Edoneu e Nestis, cujas lágrimas alimentam as fontes dos mortais" [Frag. 6 D]

(Aécio I, 3, 20, Sexto, Contra os Matemáticos X, 315). 336. Quais seriam as quatro raízes? Um longo texto, conservado sob o título

hoje de fragmento n.17, apresenta em síntese os quatro elementos e suas propriedades, bem como sua maneira de compor as coisas sob a ação de sua forças contrárias:

"A dupla questão: ora uma nasce a partir de muitas coisas, ora muitas vêm de uma. Dupla é a geração das coisas mortais; dupla sua maneira de perecer. Uma, que gera e destrói o todo, a outra que, igualmente, desfaz o todo e o recompõe.

Esta transformação constante jamais cessa: ora tudo se une pelo Amor, ora se separam as unidades pelo ódio da Discórdia. Tanto as unidades que se tornam muitas, como as muitas que se separam, permanecem sempre. Em qualquer estágio do curso do ciclo, os elementos permanecem eternos. Atende, pois. O aprender te aumenta o juízo.

Como eu já disse anteriormente, ao expor o objetivo do meu ensino, apresento a dupla questão. Ora uma nasce a partir de muitas coisas, ora muitas vêm de uma:

fogo e água e terra e altura imensa do ar, a funesta Discórdia, deles separada, pesando por igual em torno, e o Amor no meio deles, igual em comprimento e largura. Contempla-o com o teu espírito (e não te admira, de olhos arregalados).

Está também nos membros dos mortais e por isso têm pensamentos de amor e praticam ações de paz, chamando-as pelos nomes de Prazer e de Afrodite. A ele, nenhum homem mortal o viu vaguear entre eles.

Tu, porém, escuta o discurso sem aparato de engano: estas coisas, na verdade, são iguais e coeternas; cada uma tem seu valor e seu tipo e predomina por seu turno no rolar do tempo.

Além disto nada cresce nem desaparece. Se houvesse de algo morrer continuamente, não mais existiria. O que pudesse aumentar este todo, de onde viria? Como haveria de desaparecer, se não há nada vazio? Mas, sempre são as mesmas, percorrendo entre si, tornando-se ora isto, ora aquilo, sempre eternamente iguais" [Frag. 17 D] (Simplício, Física, 157, 25; 161,14; Plutarco, Amat., 13 p. 756; Clemente Alexandria, Strômata, V, 15, em cada qual algumas parcelas).

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337. Os deuses míticos que Empédocles relaciona com os 4 elementos e as forças contrárias têm validade mais literária que real. Não há sequer precisão nos detalhes. O fragmento 6, que cita os 4 deuses dos elementos, não diz qual exatamente corresponde ao fogo, à terra, à água e ao ar.

Recorremos a Diógenes Laércio, que, ao citar o verso de Empédocles, acrescenta:

"Para ele Zeus representa o fogo, Hera a terra, Edoneu o ar, Nestis a água" (D. L. VIII, 76).

Com referência à Nestis, trata-se de deusa siciliana local. Pela ordem da importância, que os antigos atribuíam ao fogo, não poderia ter dado a Zeus (Júpiter) senão a simbolização do fogo (inclusive o éter).

Provou Empédocles cientificamente a existência do ar, neste sentido alegando a seguinte experiência:

"Quando uma menina, brincando com uma clepsidra (relógio de água) de metal brilhante, tapa o orifício do tubo com sua bela mão ao mesmo tempo que submerge a clepsidra na cedente água prateada, a massa líquida não penetra em seu interior onde se acha o ar, que a mantém afastada ao pressionar sobre as perfurações, até que a menina destape; então o ar escapa e entra um volume igual de água" (parte central do Frag. 100), conservado por Aristóteles, Da respiração 7, 473 a-b).

O elemento terra foi acrescido por Empédocles, porquanto filósofos anteriores ainda não o haviam lembrado, nem mesmo no sentido de elemento único.

"Empédocles estabelece como elementos quatro corpos simples, acrescentando a terra como um quarto aos já referidos, a saber água, ar e fogo. Estes elementos subsistem eternamente e não nascem, mas se unem em quantidade maior ou menor a unidade e dela separam-se novamente" (Aristóteles, Metaf. 984 a 9-11).

338. A imutabilidade substancial do ente, com a variação acidental da

natureza, é possível, desde que os elementos imutáveis sejam muitos. Esforça-se Empédocles em mostrar a imutabilidade do ente, insistindo diretamente nela mesma e ainda em mostrando que as variações conhecidas não são mais que acidentais.

O já citado fragmento 17 (colhido em Simplício e outros), onde se estabelecem os 4 elementos, ressalva a respeito destes:

"estas coisas são iguais e coeternas; cada uma tem o seu valor e o seu tipo e predomina por seu turno no rolar do tempo".

Depois acrescenta a prova, ao que estabelecia como tese: "Nada cresce nem desaparece. Se houvesse de algo morrer continuamente,

não mais existiria. O que pudesse aumentar este todo, de onde viria? Como haveria de desaparecer. Se não há nada vazio? Mas, sempre são as mesmas, percorrendo entre si, tornando-se ora isto, ora aquilo, sempre eternamente iguais" (vd 336).

Ali se encontra clara a dialética do eleata Parmênides, opinando sobre a impossibilidade da mutação do ente. Empédocles, ainda que multiplicasse o número dos elementos, os mantêm em si mesmos imutáveis. Repete-se a mesma tese, com a respectiva ponderação em outros fragmentos:

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"Digo-te o seguinte: não há nascimento de nenhuma dentre todas as coisas mortais, nem fim algum por morte funesta, mas somente mistura e troca das misturas, porquanto geração é nome dado pelos homens" [Frag. 8] (Plutarco, Contra Colotes 10 p. 1111; Aécio I, 30, 1).

"Quando estes (os elementos) estão mesclados à luz etérea, ou em forma de animais selvagens, ou de arbustos ou de pássaros, então os homens chamam a isto de nascer; quando se desagregam, chamam a isto de morte infeliz; não falam todavia direito, mas apenas conforme a conveniência" [Frag. 9] (Plutarco, Contra Colotes 11 p. 1113 AB).

"Pueris! Não pensam com larga visão; acreditam que possa nascer o que antes não era, ou que algo possa perecer totalmente e ser exterminado" [Frag. 11D] (Plutarco, Contra Colotes 12 p. 1113 C).

"Do nada não há possibilidade alguma de que algo possa nascer; é impossível e inexpressável que, o que é, possa perecer; sempre existe, o que uma vez está posto" [Frag. 12] (Filon, Da eternidade do mundo 2 p. 3,5).

"Não há nada vazio no todo, de onde viria o acréscimo?" [Frag.13] (Aécio, I, 18, 2).

Ainda hoje se conhecem apenas mudanças acidentais da natureza, cujas partículas mínimas não revelam alterações substanciais.

Ainda que as provas de Empédocles não tivessem aceitação, a tese da inexistência de mudanças substanciais nas variações conhecidas é experimentalmente verificada. Mas não está afastado de que em princípio possam ocorrer.

O que está mais na base continua desconhecido. Que se sabe dos neutrinos? Revelam-se como corpúsculos. Assim se manifestam. Mas não se sabe, se os corpúsculos são apenas o que manifestam ao modo de corpúsculos. Talvez não sejam corpúsculos, mas apenas manifestação corpuscular.

339. A complexificação crescente dos elementos pode resultar em coisas

muito diferenciadas. Eis para o que advertiu Empédocles. Previne-se assim contra a objeção, - que de futuro se fará, - de que as composições não poderiam assumir aspecto qualitativo diferente, caso trate apenas de diferentes misturas dos mesmos elementos iniciais.

"Todos os seres, os que foram, os que não e os que serão, nascem destes (elementos): árvores, homens e mulheres, feras, aves, e peixes que vivem na água e os deuses longevos aos quais se rende culto; mas circulando uns através dos outros, gera-se a mudança em aspecto; de tal modo se modificam pela mistura" [2-a parte, Frag. 21 D] (Simplício, Física 159, 13; Aristóteles, Metaf. 1000 a 29).

"Como os pintores que pintam com variadas cores as tabuinhas votivas, homens conhecedores de sua arte, na qual sabem como manipular as variadas cores, misturando-as em proporções certas, tomando mais de umas e menos de outras, para formar figuras semelhantes às coisas, criando árvores, homens, mulheres, feras, aves e peixes que vivem na água e deuses longevos e cultuados, - assim não deves deixar vencer teu ânimo pela ilusão de que os seres mortais e que são tantos, tenham outra fonte de origem. Saiba isto corretamente, ouvindo as mensagens divinas" [Frag. 23 D] (Simplício, Física 159, 27).

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340. Amor e Discórdia como nomes das causas naturais. As causas da transformação da natureza, - Amor (M 4 8 ` J 0 H ) e Discórdia (; , Ã 6 @ H ), - mereceram de Empédocles uma consideração especial, porquanto são concebidas por como forças cósmicas específicas.

Do ponto de vista da linguagem, estas forças recebem nomes míticos, que podem facilmente prejudicar a reta compreensão do pensamento de Parmênides, que escolheu esta linguagem colorida. Já em Parmênides, as leis da natureza, como a força do destino, são vistas como se fossem divindades, e quando se refere ao Uno, diz que o Uno é Deus. E agora, em Empédocles, cada um dos quatro elementos é Deus.

O conceito das causas opostas, - Amor e Discórdia, - não é o de dois elementos do mesmo nível, ao lado dos quatro já indicados (fogo, água, ar, terra); Amor e Discórdia são causas atuando em sentido contrário.

Não obstante, o longo fragmento 17 (já citado anteriormente no item 20), pode oferecer a impressão de também Amor e Discórdia são elementos, se lido fora do contexto geral de Empédocles. Linearmente se citam os componentes: "... fogo e água, terra e ar, a funesta Discórdia, deles separada ... a o Amor no meio deles ... ". A mesma impressão se colhe de outros relatos: Aristóteles, Da geração e corrupção (314 a 16) e Simplício, Física 25, 21).

Mais precisamente, o caráter da doutrina de Empédocles é a de que a matéria em si mesma seja inerte, cabendo às forças acioná-la; tais forças não seriam, pois, elementos materiais isoláveis.

Menos importante é a distinção em duas modalidades de forças acionantes, de atração (Amor) e repulsão (Discórdia). Neste particular não foi Empédocles capaz de estabelecer uma síntese unificante.

Incorre a dualidade de forças em dificuldades. Se a discórdia separa, ao mesmo tempo que separa, estabelece positivamente outras entidades. E se o amor une, prejudica aos elementos unidos.

Mais precisamente, enquanto uns elementos unem, devem rejeitar os outros; por isso, o Amor, enquanto une, ao mesmo tempo afasta. Aristóteles advertiu para o problema:

"Na sua teoria, a Discórdia é causa tanto da existência como do perecimento. E, por outro lado, a Amizade não é exclusivamente causa de existência, pois ao unir muitos seres num só, ela destrói todos os outros. E, ao mesmo tempo, Empédocles não menciona nenhuma causa da própria mudança" (Aristóteles, Metaf., 1000 b 10).

Já antes ponderava: "Quanto a Empédocles, se bem que faça muito mais uso das causas, não o faz

suficientemente, nem alcança a coerência nas suas exposições. Pelo menos são numerosos os casos em que, para ele, a Amizade separa e a Discórdia congrega; pois, sempre que o universo é dissolvido em seus elementos pela segunda, o fogo se congrega num todo só, e o mesmo sucede aos outros elementos; mas sempre que, por influência da primeira, eles tornam a unir-se num só todo, as partes devem novamente separar-se de cada elemento" (Aristóteles, Metaf., 985 b 21-29).

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342. As coisas semelhantes se atraem, porque nelas atua principalmente o Amor; as dissemelhantes se repelem, por força da discórdia. Tal doutrina de Empédocles resulta em dificuldades.

Coerentemente, deveriam os quatro elementos repelir-se, exatamente por serem distintos; desta sorte já não seria possível, sequer, dar início à mistura das composições variadas. Dali resultam, aliás, também, em última instância, as dificuldades apontadas já por Aristóteles.

Eis o que disse o mesmo Empédocles: "Unidas estão todas estas (coisas, ou elementos) com suas partes, - o sol

(fogo), a terra, o céu (ar) e o mar (água), - ainda que separadas nos seres mortais. As coisas que são mais atraídas a misturar-se, se desejam reciprocamente por terem sido feitas semelhantes, por Afrodite. São inimigas em alto grau, quanto mais diferem pela origem, mistura, forma impressa, sem inclinação para unir-se e atormentadas pelos impulsos da Discórdia, que lhes deu nascimento" [Frag. 22 D] (Simplício, Física 160, 26; Teofrasto, Da Sensação, 16).

"Assim o doce inclina-se para o doce, o amargo precipita-se sobre o amargo, o ácido caminha para o ácido, o quente se move para o quente" [Frag. 37 D] (Aristóteles, Da Geração e Corrupção, B, 6 p. 33 a 35).

Conforme depois se verá, a teoria dos semelhantes é aproveitada por Empédocles para explicar o conhecimento.

Um testemunho de Platão dado pela boca do Estrangeiro de Elea, é importante por estar mais próximo do tempo de Empédocles. Mas, como é do seu hábito, de Platão, ridiculariza as opiniões dos filósofos. Com referência à Empédocles, diz, sem mencioná-lo, das incoerências internas das forças que agem na natureza, segundo eram apresentadas por filósofos da Jônia e Sicília:

"Dão-me todos eles a impressão de contar-nos fábulas, cada um a seu modo, como faríamos a crianças. Segundo um deles, há três seres, que, ou bem promovem entre si uma espécie de guerra ou, tornando-se amigos, fazem-nos assistir aos seus casamentos, ao nascimento de seus filhos, os quais educam.

Outro, contenta-se com dois; úmido e seco ou quente e frio, os quais faz coabitar em forma devida.

Entres nós, os eleatas, vindos de Xenófanes e mesmo de antes dele, admitem que o que chamamos de o Todo é um único ser e assim o apresentam em seus mitos.

Posteriormente, certas Musas da Jônia e da Sicília concluíram que o mais certo seria combinar as duas teses e dizer: o ser é, ao mesmo tempo, uno e múltiplo, mantendo-se a sua coesão pelo ódio e pela amizade. O seu próprio desacordo é um eterno acordo: assim dizem, entre estas musas, as vozes mais elevadas; mas, as de voz mais fraca diminuíram o eterno rigor desta lei: na alternância que pregam, umas vezes é múltiplo e hostil a si mesmo, em virtude não sei que Discórdia" (Sofista, 242 c - e).

II. Cosmogonia cíclica e astronomia. 0335y343. 344. Coere a doutrina geral instalada por Empédocles sobre a natureza, com a

cosmogonia e astronomia por ele elaborada.

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Os períodos cósmicos, em que acreditavam os antigos, são explicados, por Empédocles, pelo predomínio, ora do Amor, ora da Discórdia.

Enquanto o Amor domina, os elementos se ordenam com homogeneidade e reina grande harmonia no universo. Não há Discórdia entre os elementos (agora chamados membros, conforme a comparação órfica e que reaparece também em Lucrécio (vd).

"Não há sublevação e nem desagradável contenda em seus membros" [Frag. 27 A] Plutarco, Max. cum. princip. phil. esse diss. 2. p. 777 c).

Enquanto este estado se mantém no mundo: "Não mais se distinguem os ágeis membros do sol, nem a força hirsuta da

terra, nem o mar. Fortemente está ligado ao segredo da harmonia, o sol redondo, em todas as partes igual e infinito em tudo, gozando de sua solidão circular" [Frag. 27 ] (Plutarco, Da Face da Lua 12 p. 926 d; Simplício, Física 1183, 28).

O pensamento se repete no fragmento 28: "Mas em todos os lados igual a si mesma e em todos infinita, a redonda esfera

alegre em sua solidão circular" (Estobeu, Eclogas I, 15 2 ab). No findar de um ciclo de Amor, ocorre a sublevação da Discórdia fatal. Este

fim de mundo cíclico é exposto em alguns fragmentos que nos restam, faltando os textos que talvez descreviam o próprio cataclisma:

"Quando a Discórdia cresceu nos membros (da Esfera), reclamou seus direitos no final dos tempos e que ela tinha por direito de juramento" [Frag. 30 D] (Aristóteles, Metaf., II, 4, 1000 b 15; Simplício, Física 1184, 12).

"Sucessivamente, todos os membros de Deus foram agitados" [Frag. 31 D] (Simplício, Física 1184, 2).

"Outros dizem que o mesmo mundo nasce e se destrói, e que havendo nascido de novo, de novo se destrói, e que tal alternância é eterna, como acredita Empédocles, dizendo que a Amizade e o Ódio dominam alternadamente, a Amizade para unir todas as coisas em uma só e acabar com o mundo do ódio e convertê-la em esfera, e o Ódio para dividir de novo os elementos e criar um universo da mesma classe" (Simplício, Do céu 293, 18).

A imagem grega do mundo em destruição e reconstrução, e que Empédocles amplamente difundiu, tem um significado histórico que ainda permanece nos autores bíblicos e cristãos, que também se referem a uma destruição final.

Ainda que tais doutrinas de destruição e reconstrução cíclica possam ter tido uma origem meramente especulativa entre os filósofos gregos, elas já circulavam nas religiões orientais, sobretudo do zoroastrismo. Mas nestas religiões, como também no judaísmo posterior dos profetas e no cristianismo, o fim catastrófico do mundo tem outro sentido, chamado escatológico, com o sentido de encerramento apocalíptico dos tempos.

Todavia o encontro das duas vertentes de pensamento, a oriental e a da filosofia grega, terminaram por se apoiar mutuamente.

345. As teorias cosmogônicas e astronômicas de Empédocles já contam com

as especulações e hipóteses pitagóricas; de certo modo são o desenvolvimento das mesmas. Não há apenas o cosmos organizado. "Empédocles postula que o cosmos é

um; todavia o cosmos não é tudo, senão uma pequena parte do todo, e o resto é matéria inerte" (Aécio I, 5, 2).

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Ocorre uma sequência cosmogônica na formação do cosmos. Ela não é irreversível, podendo desfazer-se, para de novo se refazer. Sendo o cosmos dinâmico, pode alterar-se pela ação de forças, por exemplo do movimento das massas, entre outras o sol.

"Empédocles disse que o ar se separou primeiro, depois o fogo, mais tarde a terra, e, fortemente impelida pela força da rotação, saltou a água. Desta se evaporou o ar. E do ar se formou a superfície terrestre" (Aécio II, 6, 3).

"Da mistura primeira dos elementos se separou em primeiro lugar o ar, espalhando-se todo ao arredor do círculo. Depois do ar escapou o fogo e não encontrando outro lugar, correu para cima até debaixo da zona firme que há ao arredor do ar. E há em consequência dois hemisférios, que vão em círculo ao arredor da terra, um inteiramente de fogo e outro misturado de ar e um pouco de fogo, e este último é o que acredita ser a noite. O começo do movimento resultou da ruptura de equilíbrio causada pela fusão da massa de fogo como a do ar (Pseudo Plutarco, em Eusébio, Preparações evangélicas 1, 8, 10).

346. O céu é sólido, ficando no exterior as massas por efeito do movimento

centrífugo. "Para Empédocles o céu é sólido, de ar condensado pelo fogo a maneira de

um cristal, apresentando um elemento ígneo e outro aéreo em cada um dos seus hemisférios" (Aécio II, 31, 4).

"Outros, como Empédocles, dizem que a maior rapidez do movimento de rotação do céu impede o movimento da terra, como a água em um copo, pois esta, ao ser movido o copo em círculo, ao encontrar-se debaixo do bronze, não cai, apesar de que o natural seria que caísse" (Aristóteles, Do céu II, 13. 215 a).

Sobre a natureza da abóbada celeste disse que é gelada: "Empédocles diz que o céu é uma massa cristalina condensada de uma

substância gelada" (Aquiles Tácio 5, 34, 29). 347. Dois hemisférios. O dia e a noite se explicam pela teoria de dois

hemisférios, um escuro e outro claro, que se sucedem com a revolução do céu. "A terra produz a noite interpondo-se aos raios sol" [Frag. 48 D] (Plutarco,

Questões platônicas 1006 F). 348. O sol não se movimenta linearmente, mas circularmente em torno da

terra, porque é obrigado a subordinar-se à curvatura da esfera do céu. Por impulso do Sol se inclinaram os pólos. "Cedendo o ar ao impulso do sol, se inclinaram os polo segundo Empédocles,

as zonas boreais se elevaram e as meridionais se rebaixaram, o que afetou cosmos por inteiro" (Aécio 8, 2).

Por causa da esfera, o sol dá a volta, pois está impedido de seguir totalmente reto" (Aécio II, 21, 2).

"Há dois hemisférios, que vão em círculo ao arredor da terra, um inteiramente de fogo, e o outro mistura de ar e um pouco de fogo, e este último é o que acredita ser a noite" (Ps. Plutarco, em Eusébio, Preparações evangélicas 1, 8, 10).

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349. Especulou Empédocles também sobre a natureza dos astros e de suas diferenciações.

"Os astros são ígneos e derivam do elemento ígneo que o ar do arredor expulsou na primeira separação dos elementos" (Aécio II, 13, 2).

"Diz Empédocles que as estrelas fixas estão presas ao cristal, e os planetas soltos" (Aécio II, 13, 11).

"Alguns dizem que o sol é anterior, seguido da lua e em terceiro lugar por Cronos. A opinião da maioria é que primeiro é a lua, por quanto dizem que ela é uma parte do sol, conforme Empédocles" (Aq. Is. 16 p. 43,2).

Sobre a lua, diz que "passa debaixo do sol" (Aécio II, 24, 7), que "é de ar condensado, em forma de nuvem, solidificado pelo fogo, de modo que é uma mescla" (Aécio II, 25, 15).

"Se irritam [os religiosos] com Empédocles quando afirma que a lua é uma rocha de ar solidificado rodeada por uma esfera de fogo" (Plutarco, Da face da Lua. 922 C).

Iluminada, a Lua recebe a luz do Sol, como já disseram Tales e Pitágoras (Aécio II, 28, 5).

350. Teorias sobre a força centrífuga e sobre a luz. Desenvolveu

Empédocles algumas idéias de detalhe de ciência natural, como a demonstração de que o ar existe, ainda que invisível (vd 335).

Apresentou também um exemplo de força centrífuga: fazendo girar uma vasilha com água presa em uma corda que se aciona, a água tende para fora e não se derrama (informação de Aristóteles, Do céu II, 13 p. 295 a).

Afirmava que a luz percorria os espaços, dentro de certo tempo, ainda que muito rápida, sem se poder observar pelos meios comuns (Aristóteles, De sensu 446 a 25).

Também arriscou uma teoria corpuscular sobre a luz: "Diz Empédocles, que a luz é um corpo, que flui de um corpo luminoso e

chega primeiramente ao espaço intermédio entre a terra e o céu, e que logo chega a nós, porém que este seu movimento se nos oculta por causa de sua rapidez" (Filopono, Da alma 334, 34).

III – Todos os seres são vivos e evolutivos. 0355y351. 352. O mundo orgânico, biológico despertou especial interesse de

Empédocles que, por sinal, exerceu funções de médico e taumaturgo. É dado mesmo como fundador remoto da medicina italiana. Influenciou os conceitos de Platão e Aristóteles sobre a vida.

De outra parte, não foi clara a posição de Empédocles sobre a vida. Ao menos não são claras as informações que foram transmitidas até nós. Ou a alma é um ser distinto dos 4 elementos (fogo, terra, ar e água), e então ocorreria o dualismo; ou é um deles, talvez fogo, por ser o mais móvel, e neste último caso estaria Empédocles com uma posição similar a de Heráclito; ou todos seres, isto é, todos os quatro elementos são intrinsecamente vivos, o que representa um monismo.

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Esta terceira posição talvez fosse a verdadeira doutrina de Empédocles, e que se repete em outros autores através dos tempos, para os quais todos os seres são intrinsecamente vivos, surgindo pois a vida como emergência cíclica. A terceira posição, foi defendida como havendo sido a de Empédocles, por Theodor Gomperz (Pensadores Gregos, c.6, VI, ano 1921).

Tanto a vida seria uma propriedade do fogo, como da terra, do ar e do mar. Os seres chamados vivos, como as plantas, os animais, os homens, os deuses seriam apenas organizações superiores dos elementos já em si mesmos intrinsecamente vivos.

Na verdade esta é a lógica natural das teses iniciais de Empédocles, que os apresenta como constituintes ingênitos e eternos, plenos e perfeitos, de todas as coisas.

"Se Empédocles houvesse considerado a substância como algo inerte, morto em si, que só obedecesse a impulsos que vêm de fora, que por si não possuísse princípio de movimento, teria agido desconcertadamente ao atribuir aos 4 elementos nomes de deuses, entre eles também os que ocupam, como Zeus e Hera, os postos supremos no panteão grego.

Seja lembrado também que já Aristóteles viu naqueles nomes muitos mais que mero adorno retórico ao dizer expressamente "porém deuses são para eles também estes" (a saber os elementos) (Gomperz, Pensadores Gregos, c.6, VI).

Não obstante alguns aspectos de fisionomia órfica do pensamento de Empédocles, não parece que tenha entendido a vida como uma substância separada e paralela à vida material, como dele as vezes se diz. Neste particular teria superado o dualismo pitagórico e se situado ao nível dos eleatas.

"Parmênides, Empédocles, Demócrito: a inteligência e alma são uma e a mesma coisa; não haveria ser vivo privado de razão (Aécio IV 5, 12)".

Dizia Empédocles: "Todos os seres são dotados de razão, não só os animais, mas também as

plantas" (Sexto, Contra os matemáticos VIII, 286). 353. Caráter evolutivo de todos os seres vivos. O hilozoismo dos elementos

primordiais de Empédocles está contido nas afirmações do fragmento 110, no final: "... pois todas as coisas têm inteligência (N D ` < 0 F 4 H ) e participação no

pensamento" (Sexto, Contra os matemáticos VIII, 286). Importa interpretar este hilozoismo em termos monistas e não dualistas,

conforme anteriormente advertido (vd 352). A partir desta propriedade universal passou Empédocles a explicar a

possibilidade de recuo e avanço de todos os seres nas diferentes fases dos ciclos de transformação dos elementos.

Em estágios mais adiantados, a inteligência se manifesta ou atua através do sangue.

"Nutre-se o coração na corrente sanguínea, ali onde está sediado o que é superior, e que pelos homens é denominado pensamento. Pois nos homens o pensamento é o sangue que rodeia o coração" [Frag. 105 D] (Porfírio, De Styge em Estobeu, Éclogas I, 49, 53 p. 424, 14 W).

Esta conceituação não impede que tenha Empédocles atribuído o conhecimento a todos os elementos, como propriedade intrínseca dos elementos desde o seu

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fundamento, ainda que neles não se manifeste. Nem obsta que exalte o pensamento do espírito divino. O sangue seria apenas uma especial instrumentação biológica da vida emergente.

Aliás, hoje se sabe que a importância psíquica é mais dos nervos, que do sangue. Dependia Empédocles de uma observação precária, vigorante em todo o pensamento antigo, e que também forjou as religiões que fizeram do sangue um símbolo da vida, por vezes até da divindade.

Em destaque excepcional se encontra o espirito divino, que Empédocles conceituou de maneira superior ao feito de seu tempo:

"Pois ele não tem membros adornados com uma cabeça, nem se articulam em seus ombros dois braços, nem tem pés, nem joelhos ágeis, nem sequer pêlos, mas só espírito sagrado e inefável, que se arroja por todo o mundo com velozes pensamentos" [Frag. 134 D] (Katharmói, em Amônio, Comentário à Da Interpretação 249, 1).

Nesta citação se destaca o espírito divino como sendo o de Apolo, especialmente.

354. As plantas no começo da evolução. A diversidade de espécies de vida e

sua evolução é também questão tratada por Empédocles, que sugere inclusive a seleção dos mais aptos.

As plantas estão no começo: "Empédocles diz que as árvores brotaram da terra antes que houvesse

animais, antes que o sol se destacasse em torno da Terra, antes que o dia e a noite se distinguissem.

De acordo com a forma que adquirem, têm a condição de macho e fêmea. Erguem-se no ar e crescem com o calor da terra, formando dela parte, assim como o embrião é parte do ventre da mãe. Os frutos são o excedente de água e de fogo e das plantas.

As árvores, que encerram menos umidade, perdem sua folhas em consequência da evaporação do verão; as que têm mais umidade as conservam, como o louro, a oliveira e a palmeira.

A diferença de sabores deriva da variedade da composição da terra, e se deve a que as plantas tomam diferentes elementos do solo que as nutre, como acontece nas uvas; é a diferença do solo que faz os bons vinhos, sem que dependa da vinha" (Aécio V 26,4).

355. A evolução animal, que anteriormente já é preconizada por

Anaximandro de Mileto (vd), conceitua-se agora em Empédocles com mais alguns conceitos, como os da seleção. Prevalecem as formas que conseguem funcionar.

Não apresentou Empédocles um sistema finalista. Não obstante o modernismo das proposições deste evolucionismo, mal apresenta alguns fatos comprovantes; nem se estrutura adequadamente, porque imagina sequências impossíveis. De qualquer maneira Empédocles está no caminho certo, isto é, por fora de uma explicação mítica.

"As primeiras gerações de animais e plantas não nasceram em sua integridade, mas como partes separadas umas das outras.

As segundas gerações nasceram com as partes reunidas, formando figuras diversas.

As terceiras com corpos completos.

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As quartas já não por partes proporcionais de terra e água, mas nascendo pela geração, quer por causa da rica alimentação, quer porque a beleza das mulheres excitou o movimento do esperma.

O tipo de mistura dos elementos resulta na diversidade dos animais. Uns tendem naturalmente para a água, outros para voar pelo ar: são aqueles em que prevalece o elemento ígneo. Os demais, com maior peso, tendem para a vida terrestre; e os que têm a mesma proporção na mistura se harmonizam com todas as regiões" (Aécio V 19,5).

"Surgiram (na terra) cabeças sem pescoço, braços nus vagavam sem ombros, moviam-se olhos solitários sem frontes" [Frag. 57 D] (Simplício, Do Céu 586, 29; Aristóteles, Do Céu III, 2 p. 300 b 25).

"Desmembrados, erravam os membros (buscando unir-se)" [Frag. 58 D] (Simplício, Do Céu 587, 18).

"Não deixando um demônio de se opor ao outro (amor e discórdia), os membros se uniam onde ao acaso se encontrassem, e muitos nasciam continuamente dessas uniões" [Frag. 59 D] (Simplício, Do Céu 587, 20).

"E nasceram muitos com o rosto duplo e o peito duplo, bois com faces de homem, ou bustos humanos com fisionomias de boi, formas mistas de machos e fêmeas, com membros peludos" [Frag. 61 D] (Eliano, Natureza dos animais XVI, 29; Simplício, Física 371, 33; Aristóteles, Física II, 7 p. 198 b 29).

Comentou no mesmo sentido Aristóteles: "Sem dúvida, conservaram-se aqueles seres constituídos vantajosamente pelo

azar, nos quais tudo aconteceu como se se produzisse com finalidade para algo; porém os que não o foram assim, estes pereceram e perecem, tal como disse Empédocles ... Mas (alegou Aristóteles) é impossível que este fosse o modo ... " (Física 199 a 29).

IV – Explicações psicológicas e fisiológicas. 0335y357. 358. A explicação do processo cognitivo pela semelhança entre a faculdade

cognoscente e o objeto conhecido é uma tese de Empédocles, que por isso mereceu a atenção de Aristóteles e Teofrasto. A semelhança, ou mimese, como explicadora do conhecimento se encontra facilitada no sistema de Empédocles, porque em princípio estabeleceu que os próprios elementos de base contêm as propriedades da vida e do conhecimento. O semelhante acusaria o assemelhado.

"Todos os filósofos que puseram sua atenção no fato de que a alma se move, consideraram a alma o motor por excelência. Ao contrário aqueles que notaram que a alma conhece e percebe os entes, estes dizem que a alma consiste nos elementos: para aqueles que admitem mais elementos a alma é idêntica aos seus elementos, e para aqueles que admitem somente um, a alma é este elemento mesmo.

É assim que Empédocles declara que ela é composta de todos os elementos, cada um destes elementos sendo ele mesmo uma alma. São estas as suas palavras:

É pela terra que vemos a terra, pelo fogo o fogo, pelo ar o divino ar, pelo amor o amor, pelo ódio o triste ódio" [Frag. 109 D] (Aristóteles, Da alma 404 b 8-15).

Conforme o mesmo Aristóteles imediatamente menciona, Platão tratará de igual maneira o processo cognoscitivo, ou seja, pela via da semelhança (Timeu 45 b ss.).

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Coerentemente, mudar a estrutura física do homem, redundará em consequente mudança de pensamento. Novamente Aristóteles advertiu-se para este aspecto defendido pelo filósofo de Agrigento, logo também por Demócrito além dos sofistas:

"Em geral, para estes filósofos, - porque identificam o pensamento com a sensação, e esta com uma simples alteração física, - a verdade é, segundo eles, necessariamente isto que aparece aos sentidos. É, com efeito, por estas razões, que Empédocles e Demócrito, e, por assim dizer, todos os outros filósofos, se inclinaram à mesma opinião.

Para Empédocles, mudar nosso estado físico, é mudar nosso pensamento. De acordo com o que se apresenta aos sentidos, a inteligência cresce, com efeito nos homens [Frag. 106 D]. Numa outra passagem ele diz que: Na medida que os homens se vão tornando outros, nesta medida sempre se apresentam novos pensamentos [Frag. 108 D]" (Metaf. 1009 b 12-22).

358. Os sentidos, tratou-os Empédocles, cada um em separado. A partir dele

os filósofos seguintes desenvolveram novas colocações, em parte as retomando, em parte as retocando, ou simplesmente as rejeitando.

Um notório trabalho de análise foi feito por Teofrasto, que em seu tratado Da sensação (DK 31 A 86) fez uma resenha crítica dos estudos de Empédocles, que em parte se conservou. Em consequência, tanto informou sobre as doutrinas de Empédocles, como revelou o estágio de desenvolvimento cem anos depois sobre o tema. Ainda que hoje anacrônicas, as antigas explicações sobre os sentidos têm a validade de serem a sua história.

Admira-se o detalhe a que chegou Empédocles, cujos defeitos mais se devem à falta dos recursos técnicos de então, do que à falta de subtilidade.

(1). "Parmênides, Empédocles e Platão crêem que a sensação se produz por obra do semelhante.

Contrariamente os seguidores de Anaxágoras e Heráclito por obra do oposto. Sobre cada uma das sensações em particular os demais quase as deixam de

lado. Empédocles, porém, trata de reduzi-las também à ação da semelhança. (7). Empédocles dá a mesma razão explicativa para todas as sensações, e diz

que a sensação está na adatação dos poros de cada sentido (ao objeto sensível). Por isso um sentido não pode julgar o outro, porque os poros de uns são mais

amplos que os de outro, ou mais estreitos que o objeto sensível, de modo que os de um o atravessam sem o tocar, enquanto os de outro nem sequer podem entrar neles.

(8). Ao descrever a visão, diz que a parte interna da vista é fogo, a externa terra e fogo, através das quais passa o fogo que é mais subtil, como a luz nas internas.

Os poros do fogo e da água estão dispostos alternadamente, e vemos com os do fogo os objetos brancos, com os da água os pretos, porque há correspondência entre os respectivos objetos e poros. As cores chegam até a vista por emanação.

Afirma também que nem todos os olhos se compõem do mesmo modo, formando-se uns de elementos semelhantes e outros de elementos contrários, e enquanto em uns o fogo está no meio, em outros está fora.

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Por esta razão vêem alguns animais de dia, porque neles a pouca luz de dentro é compensada com a de fora; aqueles outros pelo contrário, de noite, porque não têm dela a falta.

Nos que há muito fogo, a vista é débil de dia, pois a quantidade maior de fogo obstrui e retém os poros de água. E, nos que há água em excesso, se dá o mesmo vendo estes de noite. Pois o fogo é retido pela água. Isto acontece até que em uns se retire a água pela luz de fora, ou em outros se afaste o fogo pelo ar. Em cada caso o recurso vem pelo elemento contrario.

Os olhos melhor formados e melhores são aqueles em que a proporção dos elementos é igual. É mais ou menos o que ele disse sobre a vista.

(9). A audição se produz pelos ruídos de fora, pois quando o ar é movido pelo som, ressoa no interior da orelha. É aliás o ouvido como uma campânula, que reproduz os mesmos ruídos que soam fora. Chama ao ouvido de ressoador de carne. O ar ao mover-se, golpeia as partes sólidas, provocando o eco.

O olfato se produz por uma respiração. Por ele percebem mais agudamente os animais com um movimento de respiração mais rápido. E o odor mais forte flui dos corpos mais leves e sutis.

Com referência ao gosto e ao olfato ele não determina nem o modo e nem a causa para cada um individualmente, senão apenas o comum, ou seja, que a sensação deriva da adaptação aos poros.

Os mesmo diz sobre o conhecimento e a ignorância. (10). O conhecer se dá pela ação da semelhança e o ignorar pela ação do

contrário, de sorte que o pensamento é algo igual ou muito parecido à sensação. Depois de haver enunciado que se conhece cada elemento por meio de

elemento correspondente, acrescenta: Pois destes (elementos) estão harmonizadas todas as coisas e por eles

pensamos, gozamos e sofremos [Frag. 107 D] (Da sensação 10). (11). E aqueles seres nos quais estão misturados os elementos em quantidade

igual ou semelhante e sem grandes diferenças, e que não são muito pequenos e excessivos em seu tamanho, estes são os seres mais inteligentes e agudos em suas percepções, e proporcionalmente o são também os que se encontram mais próximos deles. Na posição oposta se encontram os menos inteligentes.

Se os elementos estão distanciados e dispersos, os indivíduos são inábeis e tardos; se são densos e muito minuciosamente divididos, eles são de impulso rápido e dispostos a cumprir pequenos empreendimentos, devido à rapidez do movimento do sangue.

Aqueles indivíduos que apresentam uma mescla proporcionada de elementos só em uma área do corpo, são sábios na respectiva parte. Por isso, uns são bons oradores, outros bons artífices, segundo a mistura esteja na língua ou nas mãos. E o mesmo se pode dizer de outras faculdades.

(12). Empédocles pensa que a sensação se produz do mesmo que o pensar. Pode-se lhe objetar ao que disse, em primeiro lugar a propósito de como os

seres com sensação se diferenciam dos outros. Pois nos inanimados também se dão os poros. Já que ele baseia a mistura na simetria dos poros, questiona-se também

porque o azeite não se mistura com a água, e assim a propósito de outros líquidos com

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mesclas. Desta sorte todas as coisas sentiriam e a mesma coisa, seria a mescla, a sensação e o crescimento. Pois tudo ocorre devido à simetria dos poros, a não ser que introduza outra diferença.

(13). Além disto, nos mesmos seres animados, porque sentiria mais o fogo que está dentro do olho, que aquele situado fora, se há uma adatação mútua? Pois também ali se dá simetria e homogeneidade. E é necessário que haja alguma diferença, se o de dentro não pode encher os poros e o de fora pode. De maneira que se fosse igual em todas as partes não se produziria a sensação.

Enfim, estariam os poros vazios ou cheios? Se estão vazios, cai em contradição consigo mesmo, já que afirma que o vazio não existe em absoluto. E, se estão cheios, então os animais estariam sentindo sempre. É, pois, evidente, segundo diz, que, o que se adata, é o semelhante" (Teofrasto, Da sensação 1 ss.).

361. Mais detalhes sobre os sentidos. Prossegue Teofrasto ingressando

ponderações críticas sobre a teoria das sensações de Empédocles: (14). "Poderia alguém insistir na mesma dificuldade. Mas a objeção

subsistiria, mesmo quando fosse possível que heterogêneos tivessem dimensões permitindo sua adatação, e quando fosse verdadeiro, como diz Empédocles, que os olhos cuja mistura não é proporcional se tornem menos penetrantes, porque ora o fogo ora o ar obstruiriam os poros.

Pois, se há proporção desta maneira, e se os poros estão cheios de corpos de uma outra natureza, como e onde, quando da sensação, sairão esses corpos? É, pois, necessário explicar que mudança é esta.

Assim, de todos os lados há dificuldades: é preciso, ou admitir o vazio, ou dizer que os animais sentem sempre todas as coisas, ou supor uma adaptação de corpos de natureza diferente, que não produzem sensação, nem têm mudança especial para os que os produzem.

(15). Enfim, se não há adaptação completa do semelhante, mas somente contato, segue-se que a sensação será produzida em todos os casos; pois a estes atribui o conhecimento, ao mesmo tempo à similitude e ao contato, e é por isso que ele fala de adaptação; desta maneira, se há contato do menor ao maior, haverá sensação.

Doutra parte, em tese geral, segundo Empédocles, a similitude não exerce nenhuma função e basta a só proporção; é assim que ele diz que não há sensação recíproca, porque os poros não estão em proporção: mas, que o eflúvio seja semelhante ou dissemelhante, ele não o distingue.

Portanto, deve-se concluir que, ou a sensação não é produzida pelo semelhante, ou a falta de percepção não é devida a uma certa desproporção, e é necessário que os sentidos e os objetos sentidos sejam sempre da mesma natureza.

(16). Ele também tratou, de maneira aceitável, do prazer e da dor, quando atribui o primeiro à ação dos semelhantes, a segunda a dos contrários, "hostis", como ele diz: (segue o fragmento 22, já citado, vd 342).

O prazer e a dor produzidos desta maneira são acompanhados ou não de sensações; estas, portanto, não seriam sempre produzidas pelos semelhantes. De outro lado, se são sobretudo os corpos de mesma natureza que produzem o prazer por seu contato, como o diz Empédocles, então os que são incorporados juntos é que deveriam experimentar o máximo

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de prazer ou em geral sentir do melhor modo, visto que ele atribui à mesma causa a sensação e o prazer.

(17). Todavia, muitas vezes, sentindo sofremos a própria sensação; segundo Anaxágoras, isto aconteceria sempre, pois não haveria sensação sem sofrimento.

Outra objeção particular: se o conhecimento é produzido pelo semelhante, quando ele compõe o olho de fogo e do contrário, podemos conhecer bem o branco e o preto pelos semelhantes, mas como perceber o marrom e as outras cores mistas? Ele não o atribui, nem aos poros do fogo, nem aos da água, nem aos outros comuns a estes dois elementos; todavia, não vemos menos estas cores do que as outras (as simples).

(18). O que Empédocles diz dos animais, que vêem melhor, uns de dia, outros de noite, não é menos estranho; pois o fogo menor é dissipado pelo fogo maior, o que faz com que não possamos olhar diretamente nem para o sol, nem em geral para o fogo puro.

Por conseguinte, os animais a que falta luz deveriam ver menos bem de dia; ou se, todavia, o semelhante aumenta de intensidade, como diz Empédocles, enquanto o contrário põe obstáculo e dissipa, deveriam todos, sempre que tenham mais ou menos luz própria, ver melhor o branco de dia, e o preto de noite.

Ora, de fato todos vêem melhor todas as coisas, de dia; não há exceção a não ser para um pequeno número de animais, e é provável que seu fogo próprio tenha bastante força para isso; é como aqueles cuja superfície é mais luminosa durante a noite.

(19). Enfim, para os olhos, cuja mistura é de partes iguais, os dois elementos devem aumentar alternadamente, de maneira que, se o excesso de um impede de ver, não poderia nisso haver grande diferença entre as vistas. Mas é difícil examinar todas as afecções da vista.

Quanto às outras sensações, como percebemos pelo semelhante? O semelhante é indeterminado. Não percebemos o ruído pelo ruído, nem o odor pelo odor, nem em geral o homogêneo pelo homogêneo, mas antes, para dizer a verdade, pelo contrário.

É necessário, em suma, a que o sentido não seja ainda afetado; se temos som nos ouvidos, sabor na boca, odor no nariz, todos esses sentidos se tornam mais obtusos e o são tanto mais, quanto são mais enchidos pelos semelhante; seria, portanto, necessário uma distinção a este respeito.

(20). O que diz respeito aos eflúvios, embora insuficientemente indicado, pode, porém, ser admitido em determinada medida para alguns sentidos; mas há dificuldades para o tato e o paladar.

Como discerniremos o áspero e o liso pelo eflúvio ou pela adaptação aos poros? Pois, entre os elementos, o fogo parece emitir eflúvios e nenhum dos outros. Se, de outro lado, é aos eflúvios e nenhum dos outros.

Se, de outro lado, é aos eflúvios que é preciso atribuir a perda, que ele indica como sendo o sinal mais geral, e se os odores provêm de eflúvios, seria necessário que as coisas que têm o máximo de odor se dissipassem o mais rápido; ora, é pouco mais ou menos o contrário que acontece; pois o que há de mais odorante nas plantas ou nos outros seres é também o que há de mais durável.

Dever-se-ía concluir também que, sob o reino do Amor, não haveria em geral sensações, ou ao menos que elas seriam mais fracas, visto que então a tendência à composição impede os eflúvios.

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(21). Mas, quanto ao ouvido, quando Empédocles o explica pelos ruídos internos, é estranho que creia fazê-lo claramente, imaginando este ruído de dentro como o de um guizo. Se é pelo guizo que ouvimos os ruídos de fora, por que ouvimos sua ressonância? É o que Empédocles deixou de procurar.

E o que diz do olfato não é menos estranho; primeiro, não há uma causa geral; pois há animais que sentem e absolutamente não respiram. Em segundo lugar, é grato dizer que os que aspiram o máximo sentem o melhor; se o sentido não está em bom estado e bem aberto, para nada serve.

A muitos sucede estarem cegos e absolutamente nada verem. Seria, portanto, necessário que na dispnéia, no trabalho ou no sono, a gente

sentisse melhor os odores, pois é então que se inspira o máximo de ar; ora, é o contrário que acontece.

(22). A respiração por si mesma não parece ser a causa do olfato, mas por acidente; é o que prova o exemplo de outros animais e o da afecções de que falamos. Mas Empédocles a reconhece como sendo a verdadeira causa deste, e no fim diz de novo como que insistindo: "Assim portanto respiração e olfato todos tiveram" [Frag. 102].

Também não é verdade que se sentem sobretudo as coisas sutis; é necessário que além disso elas tenham odor. Pois o ar e o fogo são o que há de mais sutil, mas não produzem a sensação do odor.

(23). Pode-se também levantar objeções a propósito do pensamento. Se, com efeito, ele se produz, segundo Empédocles, como a sensação, todas as coisas terão parte nele. Mas como é possível que o pensamento se dê ao mesmo tempo com uma mudança e pela ação do semelhante? O semelhante não é alterado pelo semelhante.

Atribuir o pensamento ao sangue é, além disso, completamente absurdo; há muitos animais que não têm sangue, e naqueles que o têm são bem compostos de todos os elementos.

Mas ele confunde de uma lado o pensamento, a sensação e o prazer, de outro o sofrimento e a ignorância, visto que produz estes dois últimos pelos dissemelhantes; portanto, seria necessário que o sofrimento se originasse na ignorância e o prazer no pensamento.

(24) Também é estranho que as faculdades se originem para cada um pela mistura do sangue nas partes, como se a língua fosse a causa da eloquência ou as mãos a da habilidade artesanal, mas sem terem articulação de órgão.

Seria melhor atribuir a causa à forma, de preferência à mistura do sangue, que é à parte do pensamento; pois assim é também como os outros animais.

Parece, portanto, que Empédocles cometeu numerosos erros" (Teofrasto, De sensação 1 ss.).

Aristóteles, que foi mestre de Teofrasto e examinou os mesmos assuntos, contestou também alguns pontos de vista de seu antecessor: "Se o olho fosse fogo, como diz Empédocles, e está escrito no Timeu (de Platão), e o ver proviesse do fogo que sai como a luz de uma lanterna, por que o olho não vê na obscuridade também?" (Da geração dos animais 779 b).

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"Empédocles disse que a audição se produz ao golpear o ar contra a membrana que está pendurada no ouvido, como uma campânula e que balanceia e é golpeada" (Aécio IV 16,1).

363. A metempsicose e a expiação constituem doutrinas presentes no sistema filosófico de Empédocles, difíceis de associar com os pressupostos monísticos anteriormente estabelecidos.

Fazendo a alma coincidir com os elementos imutáveis e eternos, não poderia senão admitir almas coincidindo com tais elementos, e nunca almas como espíritos que vão e vêm, expiando culpas ao modo das convicções órficas e pitagóricas vigentes na antiguidade.

Entretanto, a alma é um composto de todos os elementos, e por isso pode decompor-se. Mesmo assim, Empédocles admitia almas que se separam e vagueiam, dando lugar à metempsicose e mesmo à expiação.

"Há um oráculo da Fatalidade, um decreto dos deuses, antigo, eterno, selado com um juramento; se alguém manchar os seus membros com sangue culpável, acompanhando a discórdia e impiamente perjurar, no decurso de sua longa vida, ficará errando durante três vezes dez mil anos, longe dos benaventurados, renascendo no decurso dos tempos, sob todas as possíveis formas mortais, que se sucedem nos penosos caminhos da vida.

O poder do ar o impelirá para o mar, e o mar o arremessará para a árida terra, de novo a terra para as chamas brilhantes do sol, repelindo-o sempre.

Eu pertenço a um destes, fugitivo de Deus e errante" [Frag. 115 D] (Hipólito, Refutações, VII, 29; Plutarco, De izid. 361 c; Plotino, IV, 8, 1).

Verdadeiramente curiosa é a observação: "Já tenho sido jovem, menina, planta, pássaro, e peixe mudo" [Frag. 117 D]

(D. L. VIII, 77; Hipólito, Refutações, I, 3). A metempsicose redundava em condenar a alimentação de carnes e os

sacrifícios cruentos, tal como já o profligava Pitágoras. "Não quereis deixar a horrível matança? Não vedes, que vos devorais

reciprocamente por cegueira mortal?" [Frag. 136 D] (Sexto, Contra os matemáticos IH, 127). Semelhante é o texto do fragmento 137: "E o pai, ao seu próprio filho, que mudou de forma, levanta-o ao alto; e o

degola, pronunciando, como insensato, ainda uma oração; e está perturbado enquanto sacrifica a vítima; surdo aos clamores da vítima que degola, prepara o abominável banquete em sua casa.

Assim também o filho agarra seu pai, e as crianças sua mãe, arrancando-lhes a vida e devorando sua carne" [Frag. 137 D] (Sexto, Contra os matemáticos IX, 139; Orígenes, Contra Celso V, 49).

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ART. 3-o. ANAXÁGORAS DE CLAZOMENE. 0335y365.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - - Cap. 4 "Escola Jônica Nova" - 366. Com Anaxágoras (U < " " ( ` D " H ) (c. 500 - 428 a.C.) se chega ao

terceiro e último grande representante da escola jônica nova. Dele disse Aristóteles, situando-o cronologicamente: "Anaxágoras de Clazomene, que, embora mais velho do que Empédocles, lhe foi posterior na atividade filosófica" (Metafísica, 984a 13).

A circunstancia de haver nascido na Jônia deu a Anaxágoras a oportunidade fácil de assimilar o saber dos sábios de Mileto, - Tales, Anaximandro, Anaxímenes, - como ainda de Éfeso, cidade de Heráclito.

Situado embora como integrante da escola jônica nova, não se conhecem detalhes sobre a formação pessoal de Anaxágoras, nem como se deixou influenciar pela filosofia da escola eleática do Ocidente, de onde resultaram soluções conciliatórias.

Apresenta Anaxágoras a particularidade de se haver estabelecido longo tempo em Atenas, havendo participado assim nas transformações que então se davam no pensamento desta cidade, surgindo agora como centro dos acontecimentos culturais do mundo helênico. Nesta condição Anaxágoras representa ao mesmo tempo um ponto alto de sua escola jônica e o fim dela, ainda que ocorram depois dele alguns epígonos.

A abordagem didática pode ser a costumeira: Vida e obras de Anaxágoras (vd 0335y367); Doutrinas de Anaxágoras (vd 0335y373). § 1. Vida e Obras. 0335y367. 368. Anaxágoras (c. 500 - 428 a.C.),nativo de Clazomene, nas proximidades

de Esmirna, é filósofo grego pré-socrático da escola jônica nova. Foi também o primeiro filósofo jônico a se estabelecer em Atenas, cerca do

ano 480 a.C., razão do porque de sua importância no desenvolvimento ulterior da filosofia, sobretudo de Sócrates (c. 500 - 428 a.C.)

Platão (c. 500 - 428 a.C.), Aristóteles(c. 500 - 428 a.C.). Mas não poderia ter sido ouvinte imediato de Anaxímenes, porque este último

dos três milesianos já era então falecido, não obstante a afirmação de Diógenes Laércio que "ele foi discípulo de Anaxímenes" (D. L., II, 6).

Heráclito falecia quando Anaxágoras era apenas um adolescente, entre 490 e 480 a.C.

Quanto à Empédocles, seu contemporâneo mais novo, mas do Ocidente, informa a respeito Aristóteles:

"Anaxágoras de Clazomene, pela sua idade mais velho que Empédocles, mais jovem pelas suas obras..." (Metaf. 984 a 11).

Pela indicação das olimpíadas nasceu em 500 a.C. e morreu em 428 a.C., o que confere também com a idade de 72 anos e a invasão de Xerxes, rei da Pérsia, quando, em 480 a. C., ocorreu a batalha de Termópilas. Quanto à indicação de que permanecera 30 anos em Atenas, não implica em serem 30 anos sem interrupção, mas uma soma de 30 anos. Se

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fossem 30 anos a partir dos seus 20 anos, teria estado em Atenas de 480 a 450 a.C. É possível que se tenha estabelecido em Atenas por ocasião da movimentação de tropas, ocasionada pela invasão de Xerxes. Seguramente esteve em Atenas nos últimos anos de sua vida, quando fora acusado de impiedade.

369. Os detalhes sobre a pessoa de Anaxágoras são conhecidos praticamente

só pela biografia legada por Diógenes Laércio, à qual se acrescentam algumas indicações de outros filósofos.

"Anaxágoras de Clazomene, filho de Hegesíbulo ou Eubulo, foi ouvinte de Anaxímenes e o primeiro que atribuiu inteligência à matéria, como diz no começo de seu tratado, que foi composto em linguagem atraente e elegante. Todas as coisas estavam juntas; então veio a inteligência e estabeleceu a ordem.

Por esta razão ele foi apelidado Inteligência (; @ Ø H ), porque, segundo ele, a Inteligência reuniu os elementos dispersos que antes estavam em caos.

Ele era eminente pela riqueza e por nascimento, e além disto magnânimo, ao ponto de renunciar seus bens em favor dos seus domésticos.

Aos que o acusavam de negligência, replicava: - E vós, por que não sois mais diligentes? Finalmente retirou-se e se dedicou à investigação da natureza, sem se

preocupar com as coisas públicas. A alguém que lhe disse, - tu não cuidas da pátria? Respondeu, mostrando-lhe o céu: Meu caro eu me ocupo bastante com a

pátria. Diz que tinha 20 anos ao tempo da invasão de Xerxes e que viveu 72 anos.

Apolodoro em suas Crônicas diz que nasceu na 70-a olimpíada (ano 500 a.C.), e que morreu no primeiro ano da 88-a.

Começou a filosofar em Atenas no arcontado de Cálias, na idade de 20 anos, conforme declara Demétrio de Falera em sua Lista de arcontes. E ali permaneceu 30 anos" (D. L., II, 6-7).

Os cincoenta anos de prosperidade de Atenas, entre o fim das guerras médicas (480 a.C.), ditas também contra os persas, e os insucessos iniciais da guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), entre Atenas e Esparta, foram também os dos sucessos de Anaxágoras.

Um aluno de Anaxágoras se tornou o grande líder dos atenienses: Péricles (499-429 a.C.)

370. O fim de Anaxágoras. Quando Péricles declinou politicamente, por

causa dos insucessos iniciais da guerra do Peloponeso, também veio o fim de Anaxágoras. É o que se depreende confusamente do texto de Diógenes Laércio. Nem se depreende algo melhor de outros, que também se referem ao fim de Anaxágoras.

"Sobre seu julgamento deram-se versões discordantes. Diz Sócion em sucessões dos filósofos, que foi acusado de impiedade por Cléon, porque declarara que o sol era uma massa de ferro incandescente. Tendo-o defendido seu discípulo Péricles, foi contudo condenado a pagar cinco talentos e banido.

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Sátiro em Vidas diz que o seu perseguidor foi Tucídides, opositor de Péricles, o qual não somente o acusou de impiedade, mas também de traição; e que a sentença de morte foi declarada em sua ausência.

Quando a notícia lhe foi levada, de que havia sido condenado e que seus filhos haviam sido mortos, seu comentário sobre a sentença foi: há já muito tempo a natureza condenou a meus juízos e a mim.

Sobre seus filhos: Eu sabia que meus filhos haviam nascido mortais. Alguns entretanto narram esta história com referência a Sólon, outros a

Xenofonte. Que ele enterrou seus filhos com as próprias mãos é asseverado por Demétrio

de Falera em seu livro A velhice. Hermipo em Vidas diz que ele fora encarcerado primeiramente, ficando no

aguardo da execução; mas que Péricles, apresentou-se diante do povo, perguntando se havia alguma falta em sua própria vida a censurar; respondendo-lhe que não, ele continuou, - pois eu sou um discípulo deste homem; não o calunieis e nem o levai à morte; segui meu conselho e o absolvei. Ele foi efetivamente absolvido. Mas, não podendo suportar a afronta, deu-se a si mesmo a morte.

Jerônimo no segundo livro de suas Memórias diversas diz que Péricles o levou ante a corte tão fraco e extenuado pela enfermidade, que obteve a absolvição mais por piedade que pelo mérito da questão. Isto sobre o assunto de sua condenação.

Há quem pense que foi inimigo de Demócrito, por se ter recusado a admiti-lo em sua conversação.

Por último retirou-se a Lâmpsaco e ali morreu. Perguntando-lhe os magistrados desta cidade, que desejava fizessem em seu

favor, respondeu que desejava que todos os anos no mês de sua morte houvesse um dia de festa, para as crianças. O costume é guardado desde então.

Quando de sua morte, os habitantes de Lâmpsaco lhe prestaram honras fúnebres, e colocaram sobre a tumba a seguinte inscrição:

Aqui jaz Anaxágoras, que em seu estudo dos céus, mais se aproximou da verdade" (D. L., II, 12-15).

Cícero também se refere à morte de Anaxágoras em Lâmpsaco, na Jônia. Situado em Lâmpsaco, calcula-se houve ali estabelecido uma escola. Reconhecidamente inteligente e apelidado mesmo de Inteligência, foi sempre espirituoso e de respostas certeiras.

"A alguém que lhe perguntaram: Perdeu você a sociedade dos atenienses? Respondeu: - Não eu, mas eles me perderam" (D. L., II, 10). 371. Obra. Escreveu Anaxágoras um livro Sobre a natureza (A , D Â N b F ,

T H ), que é citado por Simplício. Vagamente também é mencionado por Diógenes Laércio: "Anaxágoras foi também o primeiro a publicar um livro com diagramas" (A

D ä J @ H * ¥ U < " > " ( ` D " H 6 " Â $ 4 $ 8 \ @ < ¦ > X * @ 6 , F L ( ( D " N H ) o que alguns têm traduzido inseguramente por "o primeira a escrever uma obra" (D. L., II, 11).

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Poder-se-ia alegar que fosse a primeira obra filosófica em prosa; anteriores a obra de Anaxágoras foram certamente as de Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Empédocles, Xenófanes, Parmênides.

Hoje somente restam fragmentos da obra de Anaxágoras, e que foram citados principalmente por Simplício, em sua Física.

Os documentos doxográficos procedem do mesmo Simplício, e de Aristóteles, Aécio, Diógenes Laércio, os primeiros para a sua doutrina, o último para a sua biografia.

§ 2. Doutrinas de Anaxágoras. 0335y373. 374. Caracterizou-se por ter concebido todas as coisas (P D Z : " J " ) da

natureza por um número indefinido de pequenas partículas homogêneas invariáveis, a que chamou espermas (F B X D : " J " ), às quais Aristóteles alude sob a denominação de homeomerias (Ò : @ 4 @ : X D , " 4 ) (vd 392)

Dotou uma destas partículas de inteligência (Nous) a qual é ordenadora de tudo (vd 376).

Dispensou a ação da forças opostas como guerra e paz (Heráclito), amor e ódio (Empédocles), nem se limitou às forças mecânicas, como os atomistas (Leucipo, Demócrito).

Estes conceitos são elaborados dentro do ponto de vista materialista da filosofia jônica, mas sob a influência eleática, em virtude da qual as homeomerias seriam em si mesmas imutáveis: mantêm pois a multiplicidade dos elementos, conforme os jônicos (de onde ser possível a transformação ainda que apenas por diversa composição) ao lado do imobilismo eleático, aplicado às partículas fundamentais.

A mistura, envolvendo composição e decomposição, explicaria a universal transformação das coisas. Não haveria, pois, verdadeira transformação substancial. Colocadas estas diretrizes gerais, semelhantes às de Empédocles, que lhe é anterior, e às dos atomistas, imediatamente posteriores, acrescenta Anaxágoras as suas particularidades filosóficas, marcadas primeiramente pelas homeomerias e o Nous já citados.

O Nous de Anaxágoras permite ver a este tema como seu lado metafísico, ao qual também se prendem algumas ponderações gnosiológicas. As homeomerias constituem fundamentalmente a filosofia da natureza de Anaxágoras, seguida finalmente de uma ciência positiva, a cosmogonia.

I - Natureza do Nous. 0335y376. 377. Que seria o Nous (; @ Ø H ) na filosofia de Anaxágoras? O Nous, ainda

que signifique Inteligência, é também força motriz, ou primeiro motoro, todavia com ação racional.

O termo significa diretamente Inteligência como faculdade de pensar. No contexto se encontra como substantivo e portanto como alma ou espírito.

Dadas as circunstâncias em que Nous foi usado, tem-se preferido não traduzir o termo, citando-o simplesmente no original grego. Além disto, o Nous em seu sistema reflete

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o conceito materialista do ser, quer da filosofia jônica, quer da eleática, sempre concebido especializado.

O Nous é uma substância apenas "mais fina" e sutil que as demais substâncias materiais. Enfim, nem mesmo aparece como todo poderoso, nas informações de uns, ainda que não nas de outros.

Ao Nous de Anaxágoras não se pode simplesmente denominar Deus, porquanto não detém todas as funções divinas, como posteriormente se dirá da divindade.

Preocuparam-se os historiadores em determinar o que exatamente é este Nous, examinando os textos diretos (fragmentos) transmitidos principalmente por Simplício e as declarações mais antigas encontradas ainda em Platão e Aristóteles.

Autores antigos todavia mais tardios, como Aécio e Cícero, dão o Nous de Anaxágoras simplesmente como divino, em que alguns modernos, entre eles Leibniz, os seguiram. Este divino não passa o sentido limitado que para os antigos tinha o temo.

Pergunta-se, pois, se o Nous teria mesmo "toda a ciência sobre toda a coisa ... do passado, presente e futuro?", além de ser "suprema força"?

378. O Nous nas informações de Simplício. Não nos podemos arredar dos fragmentos, que nos chegaram principalmente através de Simplício.

Para que Nous pudesse exercer a sua função de mover aos outros, deve não estar de mistura com eles. Neste sentido encontra-se no mesmo Anaxágoras:

"Em todas as coisas há partículas de tudo, exceto do Nous: pois o Nous se mantém uno" [Frag. 11 D] (Simplício, Física, 164, 22).

"Tudo o mais participa de cada coisa; o Nous é, porém, infinito, autônomo (" Û J @ 6 D " J Z H ) e com nenhuma coisa misturado, mantendo-se sozinho em si mesmo. Porquanto se não fosse por si mesmo, mas misturado com outra coisa, seria parte de todas as coisas, mesmo quando mesclado com uma só. Na verdade, em cada coisa há uma parte de tudo, como anteriormente se disse. As coisas com ele misturadas o estorvariam, de sorte a não poder exercer poder sobre coisa alguma, como o poderia ao estar sozinho em si mesmo [Frag. 12 D, início] (Simplício, Física, 164, 24).

O Nous é vivo em si mesmo, podendo transmitir aos outros o seu próprio movimento. Não recebe de nada sua própria capacidade de mover. Nesta condição, a natureza do Nous é excepcional. Não é, todavia, algo totalmente diferente; o Nous é uma coisa entre as outras coisas. Não deve ser concebido, pois, como um Deus, ao modo dualístico e transcendente, como se infere do mesmo dizer de Anaxágoras.

"Ele (o Nous) é o mais fino (8 , B J ` J " J @ < = o mais fino, o mais subtil, o mais delicado) entre todas as coisas; de tudo tem conhecimento e tem o maior poder.

Sobre o que só tem alma, seja grande, seja pequeno, sobre todos o Nous tem seu comando.

Exerce o comando sobre o conjunto da revolução (no universo), desde o início. Primeiramente começou este redemoinho em algo pequeno; transmitiu-se adiante e sempre mais. E o que então se misturou e se distinguiu, tudo o Nous reconhecia.

E como deveria tornar-se e como era, o que já não é, e tudo o que é agora, e como virá a ser, tudo ordenou o Nous.

E assim também a revolução que agora exercem os astros, o sol, a lua, o ar e o éter, que se diferenciam.

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Na verdade este redemoinho provoca a diferenciação. Distinguem-se o denso do raro, o frio do quente, o escuro do claro, o úmido do seco. As partes são constituídas de multiplicidades. Nada, por completo, se distingue de outra coisa, exceto o Nous.

Mas o Nous é igual a todas as coisas, quer das grandes, quer das pequenas..." [Frag. 12 D, parte final] (Simplício, Física, 164, 24).

379. O Nous nas apreciações de Platão. Muito próximo cronologicamente de

Anaxágoras, mas em diálogo situado no período de transição (380-365 a.C.), denominado Fedon, com surpresa Platão reduz Anaxágoras ao mesmo nível do naturalismo dos filósofos jônicos em geral, para no final mencionar, não sem alguma ironia, como é do seu uso, aos filósofos atomistas. Com palavras colocadas na boca de Sócrates diz:

"Ora, certo dia ouvi alguém que lia um livro de Pitágoras. Dizia este que o Nous é o ordenador e a causa de todas as coisas. Isto me causou alegria. Pareceu-me que havia, sob certo aspecto, vantagem em considerar o Nous como causa universal.

Se assim é, pensei eu, a inteligência ou espírito deve ter ordenado tudo e tudo feito da melhor forma. Desse modo, se alguém desejar conhecer a causa da origem e morte das coisas, deve, antes de mais nada, procurar indagar qual é a melhor maneira pela qual ela existe.

E pareceu-me ainda que a única coisa, que o homem deve procurar, é aquilo que é melhor e mais perfeito; porque desde que ele tenha encontrado isso, necessariamente terá encontrado o que é o pior, visto que são objetos da mesma ciência" (Fedon 97 b-d).

Mas, a seguir, Platão encaminhou uma virada, interpretando o Nous como uma simples força motriz, que poderia até ser material:

"Pensando desta forma, exultei acreditando haver encontrado em Anaxágoras o explicador da causa, inteligível para mim, de tudo que existe. Esperava que ele iria dizer-me, primeiro, se a terra é plana ou redonda, e, depois de o ter dito, que a explicação acrescentasse a causa e a necessidade desse fato, mostrando-me ainda assim como é ela a melhor. Esperava também que ele, dizendo que a terra se encontra no centro do universo, ajuntasse que, se assim é, é porque é melhor para ela estar no centro.

Se me explicasse tudo isso, eu ficaria satisfeito e nem sequer desejaria tomar conhecimento de outra espécie de causas.

Naturalmente, a propósito do sol eu estava pronto também a receber a mesma espécie de explicação, e da mesma forma para a lua e os outros astros, assim como também a respeito de suas velocidades relativas, como de suas revoluções de cada astro e de outros movimentos que lhes são próprios. Nunca supus que depois dele haver dito que o Nous os havia ordenado, ele pudesse dar-me outra causa além dessa que é a melhor e que é a que serve a cada uma em particular assim como ao conjunto" (Fedon 97e-98a).

380. E Platão continua, já mostrando que as demais homeomerias tinham

também alguma função na ordem do mundo, enquanto componentes dele: "Grandes eram as minhas esperanças! Pus-me logo a ler com muita atenção e

entusiasmo os seus livros. Lia o mais depressa que podia, a fim de conhecer o que era o melhor e o pior.

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Mas - meu grande amigo - bem depressa maravilhosa esperança se afastava de mim! À medida que avançava e ia estudando mais e mais, notava que esse homem não fazia nenhum uso do Nous, nem lhe atribuía papel algum como causa na ordem do universo, indo procurar tal causalidade no éter, no ar, na água e em muitas outras coisas absurdas. Parecia-me que ele se portava como um homem que dissesse que Sócrates faz tudo o que faz porque age com seu espírito; mas que, em seguida, ao tentar descobrir as causas de tudo o que faço, dissesse que me acho sentado aqui porque meu corpo é formado de ossos e tendões, e os ossos são sólidos e separados uns dos outros por articulações, e os tendões contraem e distendem os membros, e os músculos circundam os ossos com as carnes e a pele a tudo envolve!" (Fedon 98b-d).

Finalmente, foi Platão rejeitando a filosofia naturalista jônica declarando que tais causas constitutivas materiais são chamadas inadequadamente causas.

"Dar o nome de causas a tais coisas seria ridículo. Que se diga que sem ossos, sem músculos e outras coisas eu não poderia fazer o que me parece, isso é certo.

Mas dizer que é por causa disso que realizo as minhas ações e não pela escolha que faço do melhor e com inteligência - essa é uma afirmação absurda. Isso importaria, nada mais nada menos, em não distinguir e em não ver que uma coisa é a verdadeira causa e outra aquilo sem o que a causa nunca seria causa. Todavia é isso que aqueles que erram nas trevas, segundo me parece, dão o nome de causa usando impropriamente o termo" (Fedon 99 b).

Platão, ao usar o termo "aqueles que" ou "os demais", parece não querer citar nomes, por não lhes dar importância; mas é à filosofia dos jônicos, que ele se refere, à qual em lugar algum dos seus escritos deu importância, porquanto aqueles são naturalistas e ele mesmo racionalista idealizante, simpatizante do pitagorismo.

E imediatamente envolve, sem citar nomes, os atomistas, ligados aos jônicos, quando se refere ao turbilhão (* 4 < 0 ), termo característico do sistema dos atomistas de Leucipo e Demócrito. E quando se refere à gamela, ironiza ao jônico Anaxágoras:

"O resultado é que um deles, tendo envolvido a terra num turbilhão, pretende que seja o céu o que a mantém em equilíbrio, ao passo que para outro ela não passa duma espécie de gamela ao qual o ar serve de base e de suporte. Mas quanto à força, que a dispôs para que essa fosse a melhor posição, essa força ninguém a procura; e nem pensam que ela deva ser uma potência divina.

Acreditam, ao contrário, haver descoberto um Atlas mais forte, mais imortal e mais garantidor da existência do universo do que esse espírito; recusam-se a aceitar que efetivamente o bom e o conveniente formem e conservem todas as coisas" (Fedon 99 c-d).

Ali está, pois, Anaxágoras, com o seu Nous, interpretado materialisticamente por Platão, reduzido aos demais jônicos e atomistas.

381. Aristóteles também se refere ao Nous de Anaxágoras, sem o divinizar.

Todavia diferentemente de Platão, elogia a Anaxágoras por haver introduzido um princípio inteligente como causa da ordem.

O Deus desenvolvido pela filosofia de Aristóteles, ainda que mais eminente, contém algo deste Nous de Anaxágoras. É possível mesmo que Aristóteles esteja influenciado por Anaxágoras, ainda que fazendo seus retoques.

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Também Platão havia desenvolvido o pensamento de que Deus é uma espécie de alma do mundo, enquanto possui movimento próprio sem recebê-lo de outro. Mas o pensamento platônico é mais influenciado pelo exemplarismo pitagórico, enquanto que Aristóteles concebe a Deus como motor, analisando-o como um primeiro motor imóvel.

Na sua preliminar sobre Deus como primeiro motor imóvel, e advertindo que a ordem e o movimento não poderiam vir dos componentes em si mesmos, e nem do azar, Aristóteles apontou a Anaxágoras como aquele que melhor até seu tempo houvera tratado o assunto. Efetivamente, depois de historiar sobre os elementos constitutivos, introduz a nova questão, primeiramente em seus termos genéricos:

"Todos estes filósofos [de Tales a Anaxágoras] fazem pensar, ao que parece, que não há senão uma espécie de causa, aquela que é dita de natureza material. Mas a este ponto de sua marcha, a realidade mesma lhes traçou o caminho, e os obrigou a uma indagação mais profunda.

Quer se suponha que toda a geração e toda a corrupção venha de um princípio, quer de muitos, qual seria sua causa? Certamente não será o substrato mesmo o autor de suas próprias mudanças.

Por exemplo, não é nem a madeira, nem o bronze que é causa da alteração de um e de outro; não é a madeira que faz o leito, nem o bronze, a estátua, mas é uma qualquer outra coisa que é a causa da mudança.

E pesquisar esta outra coisa, é procurar o outro princípio, ou como diríamos, aquilo de onde vem o começo do movimento" (Metaf., 983a 17-28) (Veja-se ainda Aristóteles em Da geração e corrupção, II 9. 335b 29).

Depois de mostrar como se tentou explicar as mudanças, - que uns, como os eleatas, reduzem à ilusão, e outros as aceitam mas não explicam adequadamente, - advertiu Aristóteles, que não era possível explicar pelo azar e a fortuna uma obra tão grandiosa como o mundo, e que por isso Anaxágoras era digno de admiração, porque introduzira uma causa adequada.

"Assim, quando uma homem vem dizer que há na natureza, como junto dos animais, uma Inteligência (Nous), causa da ordem e do arranjo universal, ele aparece como único em seu bom senso em face das divagações dos seus predecessores. Nós sabemos, sem poder duvidar, que Anaxágoras adotou estes pontos de vista" (Metaf. 984b 15-19).

Acrescentou Aristóteles à sua frase de elogio a Anaxágoras: "Mas se diz que ele teve por antecessor Hermótimo de Clazomene". Quem

teria sido este Hermótimo? "Trata-se de um personagem provavelmente lendário (Hermann Diels A.58),

do qual se refere haver sua alma transitado por várias encarnações, inclusive por Pitágoras. Aristóteles concluiu a referência: "Quaisquer sejam os que professaram esta doutrina, ao mesmo tempo que eles

colocaram a causa do bem como princípio dos seres, fazem dele também o princípio do movimento dos seres" (Metaf. 984b 20-23).

O que preocupava a todos os filósofos era determinar qual era a causa última do movimento e da ordem. Em função a isto entrava em questão a existência de Deus e da alma, do movimento e da ordem.

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"Anaxágoras tem razão em proclamar que o Nous é impassível e sem mistura, porque faz dele um princípio do movimento: só pode mover, se não for movido; só pode dominar, se for sem mistura" (Física, VII, 5.256 b).

382. Elogiando embora o Nous como separado de tudo o mais, fez Aristóteles

restrições à mistura inicial deste tudo o mais. "Passando a Anaxágoras, se poderia supor que ele reconhecia dois elementos,

e esta suposição acordaria melhor com uma razão que ele mesmo não articulou, mas com a qual concordaria se a ela tivesse chegado.

Na verdade é absurdo sustentar, que, na origem, todas as coisas estavam misturadas, porquanto, entre outras razões, melhor seria que houvesse uma separação anterior. Nem seria natural que as essências se misturassem assim ao azar, e nem as qualidades e os acidentes existissem separados das substâncias.

Entretanto, se seguirmos o raciocínio de Anaxágoras, formulando distintamente o que ele teve a intenção de dizer, sem dúvida seu pensamento parece mais moderno" [mais platônico] (Arist., Metaf. 989a 30-989 b6).

Como se depreende do texto, Aristóteles não diviniza o Nous de Anaxágoras; todavia defendeu que, coerentemente, ele deveria tê-lo conduzido a esta divinização.

À vista do fragmento 12, vindo de Simplício, não se pode sustentar a tendência, que Aristóteles atribuiu a Anaxágoras. Seu Nous é apenas o mais capaz e o mais puro (separado) dentre os elementos materiais. É possível mesmo que não tenha diferença do amor e do ódio atribuído por Empédocles a todos os elementos, ao passo que em Anaxágoras apenas a um só elemento.

A argumentação, em virtude da qual no início as coisas não poderiam estar misturadas, não ultrapassa em muito a um verbalismo de Aristóteles. Insistindo nesta argumentação, prossegue seu texto, revelando ao menos a influência dialética de Anaxágoras sobre o próprio pensamento aristotélico:

"Quando nada, com efeito, estava separado, não se podia evidentemente nada afirmar de verdadeiro do sujeito desta substância primitiva. Quero dizer que ela não era nem branca, nem preta, nem cinza, nem de outra qualquer cor; ela era necessariamente incolor, pois senão ela teria qualquer dessas cores.

Paralelamente, e por esta mesma razão, ela era sem sabor, bem outra propriedade deste gênero. Ela não poderia ter nem qualidade, nem quantidade, nem determinação alguma, porque qualquer das formas particulares lhe teria sido aplicada, o que é impossível, se tudo fosse misturado; uma forma particular é exigida, com efeito, uma separação anterior, ao passo que, seguindo Anaxágoras, tudo seria misturado, com exceção da Inteligência, a qual somente seria pura e sem mistura [veja frag. 12, e Da alma 405 a 14]. Dali resulta que os princípios que ele admite são o Uno (pois é aquilo que é simples e sem mistura) e o Outro, o qual exerce o papel que atribuímos ao Indeterminado, antes de toda determinação e antes de toda participação em uma forma qualquer.

Assim esta opinião carece de retidão e de clareza; ela tende entretanto a se assemelhar às doutrinas posteriores e a se aproximar de soluções atualmente favoráveis" (Arist., Metaf. 989 b 6-21).

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II - A Alma em Anaxágoras. 0335y384. 385. O Nous move o universo no mesmo sentido como a alma é o motor do

corpo. Entendiam os gregos a alma como sendo naturalmente capaz de se mover a si mesma, e em consequência também ao corpo. Assim agora o Nous tudo move e ordena.

É o que deixa a entender Aristóteles ao estudar a alma e ali comparando mesmo o pensar de Anaxágoras com o daqueles que definiam a alma como causa de seu mesmo movimento.

"Certos entre eles [pitagóricos] declararam que a alma se constitui de partículas de ar, outros que é ela que as move; e a propósito destas partículas se anotou que elas parecem em movimento contínuo, mesmo quando a calma é completa. A mesma tendência é a daqueles (Platão, Xenócrates e Àlcmeon, segundo Philopono 71,6) que definem a alma como sendo o que se move por si mesmo; eles parecem todos pensar com efeito, que o movimento é a característica mais própria da alma, e que toda a coisa é movida pela alma, mas que esta é movida por ela mesma; a razão é porque não vê motor algum que não seja ele mesmo movido.

Da mesma maneira ainda Anaxágoras assevera que a alma é a causa motora motriz, e é também a opinião de todo outro filósofo, se ele existir [poderá ser referência possível a Hermótimo, conforme Metaf. 984b 19], que tenha admitido que a Inteligência imprimiu o movimento ao Universo" (Da alma 404 a 17-27).

Ao mesmo tempo que comparando a opinião de Anaxágoras com a de Demócrito, para diferenciá-la, deixou Aristóteles implícito que o Nous opera no mundo mais ou menos como a alma material opera no corpo para lhe dar movimento.

"A posição de Anaxágoras não é todavia tal como do atomista Demócrito. Este, com efeito, identifica, absolutamente a alma e a inteligência, pois, segundo ele, a verdade é o que aparece; também aprova a Homero o haver dito em um verso que Heitor estava estendido, a razão desgarrada; ele não trata a inteligência como uma faculdade de conhecer a verdade.

Anaxágoras se exprime menos claramente a este respeito: em várias passagens ele assevera que a causa do belo e da ordem é a Inteligência, mas em outras ele identifica a inteligência e a alma, pois ele a atribui a todos os animais, grandes e pequenos, superiores e inferiores.

Não parece contudo que a inteligência entendida como senso de prudência pertença igualmente a todos os animais, nem mesmo a todos os homens" (Da alma 404a 27 - 404b 6).

386. O Nous é impassível. Esta posição de Anaxágoras é única entre os

filósofos anteriores a Aristóteles. O Nous não é atingido pela ação das demais coisas, nem mesmo para se fazerem conhecidas a ele.

Não exercendo o Nous o conhecimento por efeito da impressão das coisas sobre si, Anaxágoras não explica diretamente o porque dessa impassibilidade. Mas ela é implícita ao ser perfeitíssimo.

Discordou Anaxágoras, pelo menos em parte, dos que dizem obter-se o conhecimento por meio de semelhanças.

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"Aqueles que definem a alma pelo conhecimento, fazem dela, ora um elemento, ora um composto de elementos [do primeiro grupo são Diógenes, Heráclito, e do segundo são Empédocles, Crítias, Platão] professam, a exceção de um só, opiniões aproximadas entre si.

Eles dizem, como efeito, que o semelhante é conhecido pelo assemelhado, e como a alma conhece todas as coisas, eles a constituem a partir de todos os princípios. Assim os filósofos, que não admitem senão uma só causa e um só elemento, enquanto que aqueles que reconhecem uma pluralidade de princípios introduzem também a pluralidade em sua composição.

Anaxágoras é o único a sustentar que a inteligência é impassível e que ela não tem nada de comum com qualquer outra coisa. Mas, se tal é sua natureza, como conheceria ela, e por meio de que causa? Anaxágoras não o explicou, e a gente não o consegue inferir claramente de suas palavras" (Aristóteles, Da alma, 405b 12-22).

Em outro livro, ainda informa Aristóteles sobre o Nous: "Anaxágoras tem razão em proclamar que o Nous é impassível e sem mistura,

porque faz dele um princípio do movimento: só pode mover, se não for movido; só pode dominar, se for sem mistura" (Física, VII, 5.256 b. Texto já citado, vd 381,no fim).

"Estando todas as coisas reunidas, - disse Anaxágoras - e em repouso por um tempo infinito, o Nous introduziu o movimento e separou-as" (Física VIII, 1.250 b 25).

III - O conhecimento, segundo Anaxágoras. 0335y387. 388. A questão do conhecimento pelo semelhante. A natureza do processo

cognoscitivo foi examinada por Anaxágoras. Suas colocações revelam que não se advertiu ainda a distinção entre causa eficiente e causa formal, com os respectivos efeitos na ordem da causa eficiente e na ordem da causa formal.

Os semelhantes se acusam por efeito formal, e por isso se fazem conhecer. Não se pode dizer que os semelhantes produzem os mesmos efeitos na ordem da causa eficiente, em cujo plano precisamente mais atuam os contrários. Não advertido destas particularidades, as explicações sobre o conhecimento dadas por Anaxágoras importam apenas como um início de um questionamento que os filósofos seguintes levarão avante.

Advertindo Anaxágoras para o efeito dos contrastes, - como o da mão fria que quanto mais sente o calor, mais dele se diferencia, - criou a teoria de que o conhecimento se processa pelos contrários.

"Anaxágoras diz que a sensação nasce dos contrários, porque o semelhante não é afetável pelo semelhante. Vemos pela imagem da menina dos olhos, que não reflete a imagem da mesma cor, mas a diferente ... " (Teofrasto, Da sensação, 27).

Um pouco adiante, sobre a interação dos diversos e a interação dos semelhantes:

"A cor inflete melhor sobre coisas diversas. Do mesmo modo o tato e o paladar discernem (seus objetos).

O que é do mesmo calor e frio, que nós, não nos aquece, nem nos esfria, ao se dar o contato. Nem percebemos o doce e o amargo por meio deles.

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Sentimos, porém, o frio, com o quente; por meio do desagradável, o agradável; o doce, pelo amargo. Ou seja, pelo que falta em cada um. Efetivamente, dizem que (os opostos) se encontram em nós, desde o início.

Toda a sensação é acompanhada de dor. Esta opinião parece ser consequência da referida hipótese, porquanto, cada semelhante, pelo seu contato, trás a dor.

A dor se torna manifesta com a longa duração e intensidade da sensação. As cores berrantes e os sons excessivos causam sofrimento, sendo nos

impossível ficar muito tempo sob sua ação" (Teofrasto, Da sensação, 28-29). Acreditava também Anaxágoras que o desenvolvimento mental do homem

estivesse ligado à circunstância de ter mãos. "Disse Anaxágoras, que o homem é o mais inteligente de todos os animais

por possuir mãos" (Aristóteles, Das partes dos animais, 687 a 7). A este propósito não faltaram aqueles que advertiram para a semelhança que

a frase de Anaxágoras tinha com o dizer de Benjamim Franklin sobre "o ser que produz ferramentas".

"Na força e ligeireza assemelhamo-nos aos animais; nós, porém, os aproveitamos. Valemo-nos da experiência, da memória, da sabedoria e da nossa arte" [Frag. 21 b] (Plutarco, Da fortuna, 3. p.98 F).

389. A relatividade no conhecimento. O problema gnosiológico levantado

por Anaxágoras importa em mais algumas considerações, porque ele admite uma certa relatividade da certeza e da verdade.

O relativismo ceticista será cultivado logo depois, amplamente, pelos sofistas. Quando Aristóteles se ocupa deste relativismo, destacando embora os sofistas, como Protágoras, não deixou finalmente de lembrar também a Anaxágoras.

Iniciando a exposição em termos gerais, diz Aristóteles: "Há, como dissemos, quem afirme a possibilidade de a mesma coisa ser e não

ser a um tempo, e que assim se pode pensar. E, entre outros, muitos físicos usam esta linguagem" (Metaf., 1006 a 1).

Já citando nomes, continua Aristóteles: "Da mesma opinião procede a doutrina de Protágoras, e ambas devem ser

igualmente verdadeiras ou falsas" (Metaf., 1009 a 8). Um pouco adiante, referiu-se expressamente Aristóteles ao jônico

Anaxágoras e ao atomista Demócrito: "Os que realmente sentem as dificuldades foram conduzidos a essa opinião

pela observação do mundo sensível. Eles acreditaram, que os contraditórios e contrários existem simultaneamente nos seres, ao verem a mesma coisa engendrar os contrários. Se, pois, não é possível que algo venha do nada, devem existir no objeto preexistente, ao mesmo tempo, os contrários, assim como Anaxágoras diz que tudo se acha misturado em tudo, e Demócrito também: pois este diz que o cheio e o vazio existem em todas as partes por igual, e no entanto, um deles é ser e o outro, não-ser" (Metaf., 1009 a 23-30).

Esclarece, então, ainda Aristóteles, que tais filósofos subjetivistas atribuem a relatividade à estrutura mutável do sujeito conhecedor:

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"E, em geral, esses filósofos identificam o conhecimento com a sensação e consideram esta como uma alteração física; por este motivo dizem, que o testemunho dos nossos sentidos deve ser verdadeiro: foi isso que induziu em erro a Demócrito, Empédocles, e - e quase se poderia dizê-lo todos os outros, levando-os a adotar opiniões desta sorte. Pois Empédocles diz que quando os homens mudam de disposição, também o seu conhecimento muda" (Ibidem, 1009 b 25).

Uns poucos fragmentos originais da gnosiologia relativista de Anaxágoras foram conservados nos comentários de Sexto Empírico.

Referindo-se aos sentidos diz Anaxágoras que "por causa de sua debilidade não somos capazes de discernir o verdadeiro" [Frag. 21 D] (Sexto, VII, 90).

Não obstante algo conhecemos. Na verdade, "diz Anaxágoras que os fenômenos são uma visão do invisível" [Frag. 21 D] (Sexto, VII, 140).

Ainda que a sensação deixe de perceber o que efetivamente ocorre nas coisas que se diferenciam, a razão consegue calcular que de fato as coisas não mudam senão acidentalmente, pela substituição de elementos em si mesmos imutáveis. E assim, para Anaxágoras, algumas das ilusões dos sentidos são superadas pelos cálculos da razão.

Em vista da pequenez dos elementos. Dizendo-o, todavia, enfaticamente, declara, que, "em consequência não podemos conhecer com distinção as coisas, nem com a utilização da razão e nem da experiência [Frag. 7 D]" (Simplício, Do céu, 608, 23).

IV - A cosmologia das Homeomerias. 0335y391. 392. Todas as coisas (P D Z : " J " ) se compõem de elementos imutáveis a

que Anaxágoras chamou espermas (F B X D : " J " ), plural de esperma (F B X D : " ), que em grego significa semente.

Depois Aristóteles deu curso ao termo homeomerias (Ò : @ 4 @ : X D , " 4 ), que não parece ter sido do mesmo Anaxágoras. No singular se diz homeomerê (Ò : @ 4 @ : , D Z ), derivado de Ò : @ 4 @ H (= igual) e : X D @ H (= parte). Tudo se traduz, portanto, por partículas iguais, semelhantemente à átomos (= partículas insecáveis).

São as homeomerias de Anaximandro em número infinito, em espécie e quantidade. Por serem diferentes em espécie, diferem da terra de Empédocles, porque reduzia aos elementos a quatro espécies (terra, água, fogo, ar), ainda que as unidades fossem em número considerável. No entender de Anaxágoras também estes 4 elementos se compõem de homeomerias, podendo consequentemente se decompor em partículas ainda menores.

Uma vez que os espermas são em tão grande número e variedade, facultam as mais variadas misturas. Os compostos resultantes se denominam pelos elementos que prevalecem. Os que se encontram em pequena dosagem, mal se manifestam.

A assimilação dos alimentos consiste na absorção daqueles espermas que são do interesse do ser vivo, deixados aqueles espermas que são de outra variedade.

Assim resulta que verdadeiramente não há nascimento e nem morte, mas recomposição e decomposição de elementos em si mesmos imutáveis. Em vista do grande número dos espermas e sua pequenez, tudo se dá como um aparente nascer e morrer. Ainda que a sensação deixe de perceber partículas tão subtis, o cálculo da razão as descobre. Eis um

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modo eminentemente moderno de ver a universal transformação das coisas sem morte efetiva e sem nascimentos reais.

Há também alguma analogia entre as razões seminais (rationes seminales) (vd), de que fala Santo Agostinho, ao propor que poderia ter havido uma criação simultâneo de todas as variações que depois ocorreriam na natureza.

393. O movimento é causado fundamentalmente por uma homeomeria

peculiar, denominada Nous (= inteligência), - conforme já se adiantou. Somente o Nous é móvel a partir de si mesmo e capaz de mover os demais elementos, os quais possuem apenas o movimento por transmissão.

Platão tem da alma a mesma noção, - aquilo que possui por si a capacidade de mover-se e de mover o corpo.

Imaginou-se Anaxágoras uma cosmogonia em que inicialmente tudo estivesse indiferenciado, com mistura homogênea dos elementos. Em seguida, o Nous coloca o todo em movimento, o qual assume o caráter circulatório, de onde finalmente resulta o universo atualmente existente, ao qual ele move com inteligência.

Não insistiu Anaxágoras, como fez Empédocles, na existência de duas forças contrárias (ódio e amor) (vd 340), mas com um só poder natural, tudo é acionado pelo Nous; além disto, as partículas ínfimas são concebidas mais especulativamente, como elementos mínimos, em plano infra-miscroscópico, e não em nível visual, como a água e a terra, o fogo e o ar. Encontra-se, por conseguinte, Anaxágoras, muito próximo dos atomistas (Leucipo e Demócrito). Pode-se mesmo comparar seu sistema com a monadologia de Leibniz.

Alguns detalhes da doutrina de Anaxágoras não chegaram até nós com clareza. A falta destes detalhes não viciam contudo o conhecimento das linhas gerais do sistema das homeomerias.

394. A divisibilidade das homeomerias é infinitesimal, de sorte que a divisão

sempre mantém em cada coisa algo de todas as referidas homeomerias. Nesta condições elas explicam todas as diferenciações qualitativas.

Há tantas homeomerias qualitativamente distintas quantas qualidades efetivamente houver no mundo. Praticamente, há infinitas modalidades de coisas.

Anaxágoras chega a esta conclusão em vista do parecer eleático de que nada se cria e nada se destrói. A divisibilidade infinitesimal proposta por Anaxágoras, como explicativa das diferenciações qualitativas da natureza, está exposta em textos que vêm principalmente de Simplício.

"Juntas estavam todas as coisas, infinitas pela multidão e pela pequenez; porquanto também a pequenez era infinita (ápeiron). Enquanto estavam juntas, nada era claramente reconhecível, em virtude da pequenez (dos elementos).

E o ar e o éter dominam o todo, sendo ambos infinitos, pois eles são os maiores (elementos), em quantidade e grandeza" [Frag. 1 D] (Simplício, Física, 155, 23).

Os infinitos de Anaxágoras são de variada ordem. O infinitamente grande se diz da totalidade do universo. O infinitamente pequeno, dos infinitésimos indiscerníveis, ou elementos. O infinitamente multíplice, do grande número de elementos, de que as coisa complexas de compõem.

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Não obstante o aspecto contraditório da frase que diz haverem se diferenciado o ar e o éter por dominarem o todo [Frag. 1], aparece sempre claro o pensamento de Anaxágoras sobre a indiferenciação inicial da mistura dos elementos. A mencionada diferenciação se reencontra noutros textos voltando a criar alguma dificuldade:

"O ar e o éter distinguem-se na imensidão envolvente, e o envolvente é infinito em quantidade" [Frag. 2 D] (Simplício, Física, 155, 30).

Um pouco adiante: "Não há um grau último do pequeno, mas sempre há um grau menor (pois é

impossível que o ser cesse de existir). Também do grande há sempre um maior. Ao pequeno é igual o grande. Comparada consigo mesma, toda a coisa é igualmente grande e pequena [Frag. 3 D] (Simplício, Física, 164, 16).

"Ocorrendo assim as coisas, precisamos admitir que em tudo, que se unifica, há muitos e variados elementos, com germes de todas as coisas, com todas as modalidades de formas, cores, sabores..." [Frag. 4 D, no início] (Simplício, Física, 34, 28).

Depois de narrar a formação do mundo, retoma Anaxágoras o pensamento inicial:

"Mas antes que estas coisas se separassem do todo, não era discernível nenhuma cor, nenhuma sequer. Opunha-se a isto, a mistura de todas as coisas do úmido e do seco, do quente e do frio, do claro e do escuro, da muita terra contida e da infinita multidão de espermas, nada semelhante entre si. Encontrando-se assim todas as coisas, importa ensinar que todas as coisas se encontram no todo [Frag. 4 D, no final]" (Simplício, Física, 34, 28).

A invariabilidade qualitativa do todo permanece, apesar da variação das misturas.

"Definidas assim estas coisa, compreendemos que elas em conjunto não perfazem maior, nem menor quantidade; não ultrapassam o todo; são sempre iguais ao todo [Frag. 5 D]" (Simplício, Física, 156, 9).

Mantém-se uma mistura permanente, por mais que alguns elementos saiam de um conjunto para outro. A divisibilidade infinitesimal não permite isolar a totalidade dos elementos diversos. Por isso "cada coisa misturada com cada coisa" permite haver este fenômeno de cada coisa possa gerar-se cada coisa", - como Aristóteles informa ser o pensamento de Anaxágoras (Física, I, 4, 187).

Sobre a permanência da mistura disse Anaxágoras: "São iguais em número as partes do grande e do pequeno; assim, tudo está em

todas as coisas. Não há partículas isoladas, mas todas as coisas têm parte de cada uma. E não sendo possível que possa haver uma que seja a menor, não é possível que se isole e seja por si. Como era no princípio, assim agora, tudo está junto. Em todas as coisas estão muitas. Ocorrendo a multiplicidade tanto nas coisas menores, como nas maiores" [Frag. 6 D] (Simplício, Física, 164, 25).

A presença dos contrários, no mesmo conjunto, é possibilitada precisamente pela omnipresença de tudo. É como diz o frag. 4, anteriormente citado: "...com germes de todas as coisas, com todas as modalidades de formas, cores, sabores...". sobra, desta maneira algo da doutrina dos contrários, existente na concepção do caos mítico, bem como ainda de Pitágoras e Heráclito, Anaxágoras e Empédocles.

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Suposto que nada se cria e nada se destrói, mas tudo se transforma, explicam-se todas as coisas pela composição e decomposição dos elementos primordiais.

"Com referência ao nascer e ao morrer não possuem os gregos uma correta opinião. Nenhuma coisa nasce ou perece. Assim, com mais exatidão de denomina ao nascer, reunir-se; ao morrer, separar-se" [Frag. 17 D] (Simplício, Física, 18).

Diante da hipótese, do nascimento e morte por simples reunião e separação, Anaxágoras se aventura a admitir a possibilidade de outros mundos com as respectivas vidas humanas:

"... formam-se homens e outros seres vivos dotados de alma. Possuem cidades e campos cultivados, como nós. Têm um sol e uma lua e outros (astros) como também nós. A terra (deles) produz muitas coisas, das que levam as melhores para casa e delas fazem uso. A separação, que exponho, se dá não só entre nós, mas ainda em outros lugares [Frag. 4 D, ao meio]" (Simplício, Física, 34, 28).

396. Ainda sobre a divisibilidade infinitesimal das homeomerias se ocupam

outros autores, complementando as informações de Simplício. Anotou Aristóteles: "Anaxágoras de Clazomene, que, embora mais velho do que Empédocles, lhe

foi posterior na atividade filosófica, diz que os princípios são em número infinito; pois, no seu modo de pensar, quase todas as coisas que são compostas de partes semelhantes a elas próprias, como a água ou o fogo, são geradas e destruídas dessa maneira - isto é, apenas por agregação e dissociação - não o sendo em qualquer outro sentido e persistindo eternamente" (Metaf., 984 a 13-17).

Aécio: "Anaxágoras, filho de Hegesíbulo, de Clazomene, dizia que as homeomerias

são o princípio de todas as coisas. Parecia-lhe inexplicável, que alguma coisa pudesse vir do não-ser ou findas

em não-ser. Pois nos nutrimos com alimentos de aparência simples uniforme, como o pão

e a água. Destes alimentos nutrem-se cabelos, veias, artérias, carne, nervos, ossos e todas as outras partes. Forçoso nos é reconhecer que, no alimento que tomamos, existem todas as coisas, e que se podem desenvolver. Naquele alimento estão contidas partes geradoras de sangue, nervos, ossos e demais partes que só são reconhecíveis pela razão.

Pois não se deve reduzir tudo aos sentidos que nos mostram o pão e a água, mas reconhecer pela razão que são compostos de partes. Por serem, para as coisas formadas, semelhantes estas partes contidas nos alimentos, chama-as de homeomerias, afirmando-as como princípio das coisas: as homeomerias, como matéria, e a inteligência, que ordenou o universo, como causa eficiente.

Começa assim: "Todas as coisas estavam juntas; a inteligência as separou e ordenou (...).

É mister aprová-lo, por ter acrescentado à matéria o artesão" (Aécio I, 3). "Segundo Anaxágoras e Demócrito, as misturas se fazem por justaposição

dos elementos" (Aécio I, 17, 2).

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Diógenes Laércio, que foi relativamente longo na biografia, mas muito breve nas informações doutrinárias, contudo informa:

"Ele dizia que os princípios das coisas são pequenas partículas homogêneas; o ouro é composto de pequenas partículas de pó de ouro, e assim todo o universo é composto de partículas mínimas" (D. L., II, 8).

"Destas diferenciações se formou a terra. Da nuvens separou-se a água. Da água, a terra. Da terra, as pedras, pelo efeito do frio [Frag. 16]" (Simplício, Física, 179, 6).

397. Astronomia. Prosseguindo, ensaiou Anaxágoras algumas teorias, sobre

fenômenos naturais, em que se mostrou perspicaz. Advertiu Anaxágoras para a força centrífuga, como uma das causas que

mantinha fora do centro (a terra) os astros, como o sol, a lua e as estrelas. E, desde que diminuísse esta força centrífuga, os corpos celestes haveriam de cair sobre a Terra.

Neste sentido apontou para o meteorito de Egos Pótamos (Trácia), dizendo que ele caiu por perda de força centrífuga. Ponderou que o mesmo deveria acontecer, se os demais astros perdessem sua velocidade. Ainda que não esteja ali toda a teoria de Newton de duas componentes de forças, apresenta alguma analogia e admirável intuição de Anaxágoras.

Menos precisos foram estes outros conceitos: "Os cometas são uma aglomeração de estrelas errantes que atiram chamas. As estrelas fugazes são como chispas desprendidas do ar" (D. L., II, 9). Ainda menos bem: "A via Láctea é resultado da reflexão da luz solar, quando não se interpõe

nenhum astro que eclipse a claridade" (D. L. II, 9). 398. O meteorito de Egos Pótamos. Teve Anaxágoras oportunidade de

argumentar suas explicações científicas a partir do meteorito de Egos Pótamos (Trácia), como já se adiantou, dizendo que ele caiu por perda de sua força centrífuga, o mesmo dizendo acontecer com os demais astros se perdessem a sua velocidade.

O meteorito também se prestou para induzir que os astros são de materiais semelhantes aos da Terra.

Mas estas explicações científicas custaram ao filósofo a perseguição dos religiosos fundados no mito. Pelo contrário, deveriam os religiosos ter aproveitado a oportunidade para reformular as idéias sobre que apoiar a religião.

"Diz-se que havia predito a queda de uma pedra sobre Egos Pótamos, e caíra do sol; que por este motivo seu discípulo Eurípides diz em Faeton que o sol é uma massa de ouro" (D. L., II, 10).

"Conta Sileno, no livro primeiro de História, que uma pedra caiu do céu durante o arcontado de Dimilo e que a este propósito ele disse, seguindo a Anaxágoras, que todo o céu está formado de pedra, que esta massa se mantém pela rapidez do movimento e que se cessasse este movimento, se despencaria imediatamente ...

Foi acusado de impiedade por haver dito que o sol era uma pedra incandescente e condenado a multa de cinco talentos" (D. L., II, 12).

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399. Com referência à Terra mesma, a conceituação de Anaxágoras não aproveitou os novos adiantamentos resultantes da hipótese parmenídea da esfericidade do globo terrestre, que também se difundira entre os pitagóricos.

Anaxágoras se manteve na tradição milesiana de Tales e Anaxímenes, da terra plana. Ente os milésios apenas Anaximandro se aproximara do conceito de uma terra central e equidistante de todos os lados do mundo, mas sem maiores desenvolvimentos teóricos. O assunto, que não preocupou muito a Anaxágoras, ficou, por isso mesmo, sem notícias claras.

Encontra-se em Aristóteles taxativamente: "Anaxímenes, Anaxágoras e Demócrito pretendem que é por ser a Terra

chata, que ela se sustém" (Do céu 294 a b15). Depois ofereceu um arrazoado: "Assim ela não pode soltar o ar que tem sob si, porquanto se apóia sobre ele

como uma tampa, o que fazem manifestamente os corpos chatos, pois que mesmo os ventos não os podem mover senão dificilmente, em razão da resistência que oferecem.

A mesma imobilidade é em consequência produzida, segundo eles, pelo fato que a Terra apresenta uma face chata ao ar situado debaixo dela; o ar, na falta de dispor de um lugar suficiente para onde ir, fica ;em repouso sob a terra, comprimindo-se em uma só massa, como se observa com a água contida por uma clepsidra. Provam que o ar quando está isolado e em repouso é capaz de suportar um peso considerável" (Do céu II, 13; p. 294 b15-20).

Com referência à clepsidra, à semelhança de um vaso emborcado, esclareciam um escolástico latino:

"Si enim sit clepsidra, in qua sit parvum foramen, et conetur quis illud introducere aquam, si aer sit pressus ita ut non possit magis premi, aqua non potest introduci, sed sustinetur et impeditur ab aere, ne descendat in clepsidram" (Sylvester Maurus, 345).

Também Simplício, Física 524, 17; Empédocles [Frag. 100]. Quando Aristóteles comparou Anaxágoras com Anaxímenes, parece não

haver dúvida que pretendeu, que a terra de Anaxágoras fosse chata e não um cilindro chato. Apesar de Simplício haver falado em tympanoeidés (= forma de tambor),

ainda convém atender apenas ao aspecto chato de uma das faces desta instrumento, porquanto o mesmo Simplício cita a Anaxágoras ao lado de Anaxímenes; ora este último concebia a Terra como chata.

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ART. 4-o. OS EPÍGONOS DA FILOSOFIA JÔNICA. 0335y400.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - - Cap. 4 "Escola Jônica Nova" - 401. Ainda que a filosofia pré-socrática se transformasse e resultasse no

espetacular pensamento novo, - representado pelos sofistas, e ainda por Sócrates, Platão, Aristóteles e as escolas socráticas menores de Euclides de Mégara, Antístenes de Atenas, Aristipo de Cirene, - houve também dezenas de nomes que prosseguiram linearmente as filosofias anteriores das quais são portanto os remanescentes, ou epígonos.

Uns, os primeiríssimos, são os epígonos jônicos, de que tratamos em detalhe logo a seguir.

Os epígonos destes últimos filósofos, situados já ao tempo da ilustração grega, são:

Hípon de Samos (vd 403), que se relaciona com Tales, porque estabeleceu a água como princípio primordial e é monista;

O grupo Ideo de Himera, Cleidemo, Enópides de Quios, Diógenes de Apolônia (vd 410), que se filiam a Anaxímenes, tendo o ar como princípio primordial;

Crátilo de Atenas (vd 422), que radicaliza o mobilismo de Heráclito; Finalmente Arquelaos de Atenas (vd 427), discípulo de Anaxágoras e mestre

de Sócrates. Paralelamente ocorrem os epígonos das demais escolas pré-socráticas, que

importa citar, porque em sua totalidade os epígonos interagem entre si. Os pitagóricos continuam remanescentes (vd) com Hípasos de Metaponte,

Ecfanto, Álcmeon de Crotona, Árquitas de Tarento. Também os eleatas continuam remanescentes (vd), bem presentes na escola

socrática menor, de Mégara, com Euclides. §1. Hípon de Samos, - epígono de Tales. 0335y403. 404. Hipon de Samos (sec.5-o a.C.), filósofo e médico grego, caracterizado

como seguidor de Tales, situa-se cronologicamente no final do período pré-socrático, havendo sido contemporâneo de Péricles (+ 429 a.C.). Nasceu na Ilha de Samos, onde também houvera nascido Pitágoras. Igualmente como este, deslocou-se para o Ocidente. Os estudos de medicina de Hipon poderão ter acontecido junto aos pitagóricos, em Crotona, por conseguinte na então Itália grega.

Dos escritos de Hipon resta apenas um fragmento, conservado nos Escólios homéricos. Mas ocorrem ainda referências doxográficas do seu pensamento em vários autores antigos, o que significa também não haver sido um personagem de todo sem significação, ao menos em assuntos de filosofia; natural e medicina.

405. Com referência à filosofia natural, Hípon de Samos propôs a água

como elemento primordial na formação de todas as coisas.

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Nos Escólios homéricos foi apresentado como continuador dos ensinamentos do próprio Homero. Como se sabe, Homero fez o Oceano ser o pai do mar, dos rios, dos deuses (Ilíada XIV, 202) e de todas as coisas (Ilíada XIV, 246).

A propósito ponderou Hípon, no fragmento contido no referido Escólio, que as águas fluviais procedem do Oceano, por ser este mais profundo que todos os rios (Schol. Homer. Genev. pag. 197 Nicole 38 B 1).

Aristóteles, na sua referência à doutrina de Tales de Mileto, que apresenta a água como elemento primordial de todas as coisas, não somente recordou a Homero, como ainda informou que Hípon fora da mesma opinião. Apôs, entretanto, que Hípon era um pensador rústico, isto é, sem profundidade (Metaf. 984 a 3; Da alma, 405b 2). Este depoimento não depõe entretanto diretamente contra a qualidade profissional de médico do mesmo Hipon.

Os comentadores de Aristóteles não deixaram também de repetir a informação.

Simplício disse que Hípon como Tales, propusera a água como elemento primordial (Física 23, 22).

Alexandre de Afrodísias disse, mais vagamente, que Hípon estabelecera como primordial o úmido (R L P D ` < ) (Metaf. 21,21), sem precisar se o ar úmido ou a água.

Observa-se que Hípon não se deixou influenciar pelos pitagóricos em cujo ambiente se encontrava, firmando-se como continuador da filosofia natural milésia. O mesmo aconteceu com seu contemporâneo Diógenes de Apolônia, ao estabelecer o ar (de Anaxímenes) como princípio primordial.

406. O monismo de Hípon, estabelecendo a água como princípio único de

todas as coisas, é claramente informado pelos que por primeiro dele falavam. Todavia informes posteriores parecem fazê-lo um dualista, apresentando-o como admitindo a matéria e o fogo. Efetivamente, é o que se lê em autores do 3-o século d.C.

Diz Sexto Empírico: "Hípon de Régio diz que o fogo e a água são os princípios universais"

(Hypotyposes pyrrhonianas III 30 e IX 361). O cristão Hipólito de Roma: "Hípon de Régio diz que os princípios universais são o frio, a água, e o calor,

o fogo" (Refutações I, 16). Para manter, como parece plausível, o monismo inicial dos filósofos milésios

(Tales a água, Anaximandro o infinito, Anaxímenes o ar) seria necessário reinterpretar os textos de Sexto e Hipólito, fazendo do fogo uma fase seguinte do desenvolvimento da água . Em virtude de sua importância, o fogo assume posição destacada apenas.

É possível interpretar a introdução deste segundo elemento como uma influência do pensamento ulterior na mente do historiador futuro, influenciado pelo dualismo pitagórico dos opostos e pelo dualismo dos contrários de Heráclito, bem como do pluralismo das homeomerias de Anaxágoras, dos quatro elementos de Empédocles (fogo, água, ar e terra), ou mesmo dos princípios complementares de Aristóteles (matéria e forma).

O monismo não era estranho aos filósofos jônicos remanescentes, pois Diógenes de Apolônia também o estabeleceu, com referência ao ar, renovando Anaxímenes

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de Mileto. Por isso mesmo o monismo de Hípon não pode ser afastado simplesmente como estranho ao seu tempo.

407. A preocupação com o homem é também evidente em Hípon, que assim

está coerente com a tendência humanística da ilustração grega. Não se ocupou em primeiro lugar com as explicações meteorológicas e astronômicas ao modo do hábito dos jônicos anteriores.

Como médico Hípon pôde constatar as relações da água com a vida: "Entre os filósofos de pensamento mais superficial, alguns professaram

mesmo que a alma é água, por exemplo Hípon; sua convicção parece derivar do fato que a semente em todos os animais é úmida; pois Hípon refuta aqueles que pretendem que a alma é o sangue, dizendo que a semente não é de sangue, e que é ela a alma primitiva" (Aristóteles, Da alma 405 b 1-5).

"Hípon, o crotoniense, opina que existe em nós uma umidade natural, através da qual sentimos e por meio da qual vivemos" (Menon Anonymi Londin. 11,12).

"Hípon disse que a alma é feita de água" (Aécio IV 3,9). Procurou mesmo uma prova etimológica, alegando uma aproximação entre

alma (R L P Z ) e frio (R L P D ` < ), o que equivaleria à água (Filopono, Da alma 92,2). Acreditava que a respiração se destinava à necessidade de esfriamento do

calor que rodeia o coração. Sabemos hoje que o fenômeno é quase inverso: o oxigênio do ar é elemento necessário à combustão.

Todavia Hípon levantou a questão de qual seria a função do ar que respiramos.

A escassez da água provoca a velhice e finalmente a morte. O cérebro é a sede da alma (= animi principale) (Censorino, De die natali

6,1). É o centro de coordenação dos sentidos (sensorium commune) e de onde se originam ordens para todo o corpo, como também diz Álcmeon de Crotona (Aécio IV 17,1).

"As vezes diz que a alma é o cérebro, outras vezes que é água" (Hipólito, Refutações I, 16). Esta afirmação aparentemente contraditória se supera, entendendo que o mesmo cérebro é formado de água.

Semelhantemente se pode entender o que diz Hérmias, que segundo Hípon, a alma é fertilizada e alimentada pela água (Irrisão dos filósofos 2).

Semelhantemente a semente é dita úmida, o que é informado por Aristóteles, neste sentido já citado acima (Da alma 405 a 1-5).

408. Por último lembre-se a informação que apresenta a Hípon como tendo

sido acusado de ateísmo (Aécio V, 30,1). A acusação também atingiu então ou depois a Diógenes de Apolônia, Anaxágoras de Clazomene, Sócrates e outros, acusados frente aos juizes do Areópago.

Filopono esclarece que Hípon foi chamado ateu "porque a nenhuma outra coisa senão à água atribuiu a causa do todo" (Da alma. 88, 23).

O ateísmo de Hípon foi também lembrado por Alexandre de Afrodísias (Metaf. 27,1; e 462, 29) e por Clemente de Alexandria (Protreptikós 24).

Não se trata entretanto de um ateísmo agnosticista, e sim de um monismo.

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§2. Ideo de Himera, Cleidemo, Enópides de Quios, Diógenes de Apolônia – os epígonos de Anaxímenes. 0335y410. 411. Ideo de Himera (5-o sec. a.C.), epígono da filosofia jônica, situa-se já

no tempo da ilustração grega, no início do período socrático. Retomou, como seus contemporâneos Arquelao e Diógenes de Apolônia, a

tese do ar, estabelecido já como por elemento primordial de todas as coisas (Sexto, Contra os matemáticos IX, 360).

412. Cleidemo (sec. 5-o a.C.), epígono da filosofia jônica, ocupou-se, como

Anaxímenes com explicações metereológicas, dedicou-se a estudos sobre o homem, como era peculiar à ilustração grega e ao período socrático, em cujo início se encontra.

Possivelmente estabelecia também, como Anaxímenes, o ar como princípio primordial de todas as coisas, porque em suas explicações se refere com frequência a este elemento.

Sobre os relâmpagos, na informação de Aristóteles: "Há alguns, como Cleidemo, que dizem que os relâmpagos não existem,

porquanto seriam aparências, e os assemelham ao fenômeno que se produz quando alguém fere o mar com uma vara: parece, então, que a água reluz na noite. Semelhantemente, o relâmpago é uma aparência de resplendor que se produz em uma nuvem tal como quando é ferida a água" (Aristóteles, Meteorologia II 9. 370a).

Também Sêneca se ocupou do fenômeno (em Questões da natureza II 55). Dedicou-se Cleidemo a estudos sobre o homem, como era peculiar é

ilustração grega e ao período socrático, em cujo início se encontra. Foi Cleidemo particularmente lembrado no estudo das sensações. Referiu a

respeito Teofrasto: "Cleidemo foi o único que tratou em especial sobre a visão. Diz que se sente

com os olhos, somente porque são transparentes; com os ouvidos, porque o ar, ao penetrá-los, produz um movimento; com as narinas, enquanto estas atraem a si o ar e com ele se mesclam; com a língua porque é porosa com referência aos sabores, ao sólido e ao frio; como o resto do corpo todavia nada se sente, pois suas partes contém elas mesmas o calor, a umidade e seus contrários.

Somente o ouvido nada julga (discrimina), mas remete (este juízo) à inteligência (Nous). Não faz, porém, da inteligência, como Anaxágoras, o princípio de todas as coisas" (Teofrasto, Dos sentidos 38).

A assertiva de Teofrasto a respeito da importância de Cleidemo pelos seus estudos sobre a visão é significativa, porque foi o mesmo Teofrasto quem informou a respeito das doutrinas de Empédocles sobre os sentidos.

Tanto as idéias de Empédocles quanto as de Cleidemo, ambos do 5-o século a.C. e da escola jônica nova, ofereceram oportunidade aos desenvolvimentos ulteriores que teria a psicologia, com notável progresso sobretudo em Aristóteles (Da alma, II; Dos sentidos e sensações).

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A preocupação de Cleidemo pelo detalhe se confirma também nos seus estudos sobre as plantas e a agronomia, de que Teofrasto conservou vários textos em sua Historia das plantas.

413. Enópides de Quios (sec. 5-o a.C.) é um epígono da filosofia jônica. Um

pouco mais jovem que Anaxágoras (Proclo, In Eucl. 65, 21), foi contemporâneo de Demócrito e Arquelaos (D. L., IX, 41).

De sua doutrina da natureza pouco se conhece hoje, sendo todavia mais notável pelos seus conhecimentos de astronomia, de que sobraram informações.

Defendeu um dualismo, cujos elementos primordiais são o fogo e o ar (Sexto, Hipotiposes pirronianas III 30). Mas é possível que o fogo se reduzisse ao ar, e então Enópides estaria no ponto de vista do monismo de Diógenes de Apolônia, renovador da de Anaxímenes.

Este monismo coere com a assertiva de Aécio, quando diz ao mesmo tempo de Enópides, Diógenes de Apolônia e o estóico Cleantes, que a alma do mundo é Deus. Ora, para os dois últimos este Deus é o ar (Aécio I 7, 17).

414. Diógenes de Apolônia, (c. 470-400 a.C.), filósofo monista grego, de

após os jônicos, dos quais se fez um continuador. Dentre seus epígonos talvez seja o principal e do qual maiores são as informações. Havendo atuado em Atenas, ali foi ridicularizado por Aristófanes na comédia As nuvens (423 a.C.).

Atentos a referências diversas, pode-se situar a Diógenes de Apolônia como contemporâneo de Sócrates, e portanto como tendo vivido mais ou menos entre 470 a 400 a.C.

De sua vida pessoal foi seu homônimo Diógenes Laércio o principal informante:

"Filho de Apolotemis, Diógenes de Apolônia é um dos filósofos mais célebres da escola dos físicos. Antístenes (de Rodes) diz que fora discípulo de Anaxímenes e contemporâneo de Anaxágoras. Conta Demétrio de Falera em sua Apologia de Sócrates, que frustrou a inveja de seus inimigos ao intentarem tirar-lhe a vida em Atenas" (D. L., IX, 57).

Considerando que havia cerca de vinte cidades gregas com o mesmo nome de Apolônia, e que homenageiam ao Deus Apolo, pergunta-se em qual delas teria nascido Diógenes?

A primeira referência que se fez, e que não parece segura, é Apolônia de Creta, conforme indicação de Estevão de Bizâncio, escritor tardio do 5-o século d.C.

Melhor diz Eliano, ao mencionar o filósofo como Diógenes o Frígio, em Histórias várias. Com isto permite identificar a pátria de origem do filósofo com a Apolônia fundada pelos milésios, que a estabeleceram como colônia grega sobre o Ponto Euxínio (hoje costa norte da Turquia). O fato de haver Diógenes escrito em dialeto jônico confirma esta interpretação. Se houvesse vindo de Apolônia de Creta, esperar-se-ia que houvesse escrito em dialeto dórico.

A afirmação de que Diógenes de Apolônia fora discípulo de Anaxímenes, falecido cerca do ano 528 a.C., e contemporâneo de Anaxágoras, por sua vez falecido em 428 a.C. importa em ser compreendido apenas como discípulo no sentido de identidade

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doutrinária do primeiro; porque cronologicamente não o poderia ter sido de pessoa para pessoa.

Pelas informações de Simplício, Diógenes seria ainda mais novo do que seu contemporâneo Anaxágoras, porque o fez dependente dele doutrinariamente, bem como de Leucipo, do mesmo tempo do referido Anaxágoras.

"Também Diógenes de Apolônia, que foi quase o último dos que a estas coisas dedicaram seus ócios, escreveu a maioria (de seus livros) recolhendo algumas (doutrinas) de Anaxágoras e outras de Leucipo" (Simplício, Física 25,1).

Quem teria sido o mestre de Diógenes, situado cronologicamente entre ele mesmo e Anaxímenes? O espaço entre os milésios (Tales, Anaximandro, Anaxímenes) e a posteridade não é bem conhecido. Presume-se que tenha havido um intermediário, ou mesmo vários,.

Especula-se em torno do nome de Hermótimo de Clazomene, mencionado de trânsito por Aristóteles em seu I livro da Metafísica; teria sido o possível mestre de Anaxágoras, que através dele contataria a escola de Mileto. Assim também sem nenhuma prova positiva poderá ter sido Hermótimo o mestre de Diógenes.

Infere-se do seu grande saber biológico reproduzido em detalhes por Aristóteles (História dos animais, 551 b), que Diógenes de Apolônia houvesse sido um médico. Talvez vivesse por conta desta profissão.

A projeção de Diógenes de Apolônia no cenário cultural de Atenas fez com que suas doutrinas se refletissem, como já se adiantou, nas comédias e dramas de Eurípides.

Ocorre mesmo a presença das doutrinas de Diógenes em algumas das obras pseudohipocráticas, tendo portanto contribuído para o desenvolvimento do corpus hippocraticum.

415. Das obras de Diógenes de Apolônia restam ainda fragmentos e longas

referências doxográficas. Sua obra principal se intitula Sobre a natureza (A , D Â N b F , T H ). Esta subsistiu por mais tempo antes que desaparecesse, e foi ainda estudada por Simplício (6-o século d.C.), que também mencionou os títulos das demais:

"Deve-se saber que muitas obras foram escritas por este Diógenes, - como ele mesmo recorda em Sobre a natureza, ao dizer que também escreveu Contra os filósofos físicos, aos quais chama de sofistas, e que compôs Meteorologia, - em que afirma haver falado sobre o princípio, - e Sobre a natureza do homem.

Porém em Sobre a natureza, a única das quais chegou a mim, propõe-se demonstrar mediante diversas razões, que no princípio por ele estabelecido há muita inteligência" (Simplício, Física 151, 20).

As informações de Simplício nos levam a especular sobre a duração da influência de Diógenes de Apolônia, cuja obra talvez estivesse à disposição na biblioteca da Academia de Atenas e mesmo de Alexandria.

Os títulos mencionados permitem imaginar que seus escritos tivessem abordado em sistema os diversos assuntos.

Pela ordem, Sobre a natureza teria exposto a hipótese monista do mesmo autor sobre a natureza;

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Contra os filósofos físicos teria tratado do mesmo assunto refutando as teses opostas, talvez exatamente as dos pluralistas como Empédocles e Anaxágoras;

Meteorologia teria tratado em especial da natureza exterior; Sobre a natureza do homem teria feito o mesmo, em especial para o ser

humano. Esta sistemática abre o caminho para se imaginar também que todos os livros

mencionados houvessem constituído de fato uma única grande obra sob o título da primeira: Sobre a natureza. Mas, desta simples possibilidade não podemos passar à certeza do fato.

O fragmento sobre as veias (B 6) poderá ser parte do texto do tratado Sobre a natureza do homem, que teria sido um estudo de fisiologia e medicina, em vez de uma consideração meramente filosófica ou moral sobre o homem.

Teofrasto (c. 372-285 a.C.), discípulo de Aristóteles e dedicado à história do pensamento, também deu atenção a Diógenes de Apolônia, conforme se constata no catálogo de seus livros, na maioria depois desaparecidos; entre os desaparecidos consta o título "Coleção dos ditos de Diógenes" (D. L., V, 42).

416. Doutrinas. Sobre a realidade em geral teve uma concepção monista,

como era peculiar a todos os representantes da escola jônica, quer antiga, quer; nova. Alegando que as coisas radicalmente distintas não poderiam atuar umas sobre

as outras, concluiu que todas as coisas derivam de um mesmo elemento, e este seria o ar. Seguiu, pois, a Anaxímenes de Mileto.

Mas como já a Anaxímenes, o que importava em primeiro lugar a Diógenes de Apolônia é que o primeiro princípio seja de uma só natureza e que tenha as propriedades adequadas a esta condição de primeiro. Eventualmente escolheu o ar, como também poderia ser outro este primeiro elemento.

O primeiro elemento não é algo morto e nem estúpido, mas é dinâmico e inteligente. Sem estas características, o mundo não se poderia ter organizado.

O monismo é, pois, um destaque no sistema doutrinário de Diógenes de Apolônia, porque, como se disse, coloca na base de tudo um só ser (contra Empédocles e Anaxágoras e contra o dualismo pitagórico) e este ser com a característica de dinâmico (contra os eleatas) e inteligente (reformulando o Nous de Anaxágoras).

"Damos um esquema do seu pensamento científico: O ar é o princípio de todas as coisas. Existem mundo infinitos [no sentido

que se podem formar uns após outros indefinidamente] e infinito é também o espaço. O ar produz os mundos ao condensar-se e rarefazer-se. Nada procede do não ser, e nada se resolve no não-ser" (D. L., IX, 56). O monismo é apresentado como condição inicial de todas as transformações.

Por isso logo de começo o monismo envolve a dinâmica do ser. Se não houvesse uma só natureza, os seres, resultantes da diversificação operada pelo primeiro ser, não se poderiam misturar uns com os outros; como a planta volta a ser terra, e a terra de novo surge como planta. Uns não poderiam nascer de outros, nem estes outros poderiam retornar aos primeiros, e finalmente ao primeiríssimo; também uns não poderiam agir sobre os outros, - conforme se depreende de textos de Aristóteles e Simplício.

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Com palavras próprias destacou Aristóteles as razões do monismo de Diógenes:

"É necessário dizer que a produção (do mundo) deriva de um único (princípio) e isto o exprime corretamente Diógenes, pois se todas as coisas não derivassem de um (princípio) único, não seria possível que trocassem ações entre si, como quando o quente se esfria e de novo se esquenta: não são, com efeito, o calor e o frio os que entre si se trocam, senão evidentemente o substrato" (Aristóteles, Sobre geração e a corrupção A6, 332b 12).

Similares são as considerações do texto de Simplício (Física 151, 28) (vd 417).

O que verdadeiramente importava a Diógenes de Apolônia ao apresentar o ar como principio primordial não era ser este ou aquele o primeiro ser; o que importava era a unidade de um princípio gerador inicial; portanto o monismo em si mesmo.

Ainda que se posso criticar a Diógenes de Apolônia por ter escolhido o ar (vd 419) como princípio primeiro, não prejudica este fato sua tese mais fundamental.

417. O monismo de Diógenes é dinâmico. Portanto não é estático, como dos

eleatas (Xenófanes, Parmênides, Zenão, Melisso), porque não exclui a transformação, que implica em movimento, causa e efeito. Manteve, pois, o monismo dinâmico dos jônicos novos (Heráclito, Empédocles e Anaxágoras).

A escola jônica antiga, de Mileto, não houvera ainda explorado o problema da dinâmica, ocupando-se apenas do elemento constitutivo das coisas. Mas, a causa e o efeito estavam contudo virtualmente contidos nos sistemas daqueles mais antigos.

Os jônicos posteriores, ou novos, sobretudo Empédocles e Anaxágoras, haviam conduzido, contudo as soluções para a multiplicidade dos elementos: Empédocles para os 4 elementos (terra, fogo, água e ar) e Anaxágoras para as homeomerias em número infinito. Similarmente também os atomistas (Leucipo e Demócrito) multiplicaram os átomos infinitamente.

Contra todos estes físicos da escola jônica nova, restabeleceu Diógenes de Apolônia o monismo da escola jônica antiga, de Mileto. Concebendo ao primeiro elemento como capaz de causar, o monismo de Diógenes de Apolônia passou a ser eminentemente dinâmico.

"Diógenes de Apolônia estabelece o ar como elemento e (diz) que todas as coisas se movem e que os mundos são infinitos. Surge assim o mundo. Como um Todo se move, e aqui se rarefaz, ali se condensa. Onde se condensa, faz as coisas; as mais leves tomando o lugar superior, constituem o sol" (Plutarco, Tapetes 12).

"Diógenes elogia a Homero, porque discorre sobre o divino de maneira poética mas verídica; diz, com efeito, crer que Deus é o ar, pois sustenta que Zeus tudo conhece" (Filodemo, Sobre a piedade c. 6 b).

"Diógenes, Cleantes e Enópides (dizem que Deus) é a alma do mundo" (Aécio 17, 17).

A dinâmica do primeiro princípio é aquela do fogo de Heráclito, o qual alterando-se sempre, continua sempre o fogo, apesar de todas as formas que assume nas coisas em que o mundo se divide. Tal é o modo dos milésios conceberem o mundo, e ainda de novo de Diógenes.

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Mais tarde o platônico Simplício dirá com admiração a respeito do ar de Diógenes:

"É assombroso que, afirmando que as demais coisas são produzidas por ele por diversificação, o chame, não obstante, eterno, ao dizer:

E este mesmo é igualmente um eterno e imortal corpo; entre (outras coisas), em alteração, umas começam a ser e outras deixam de

ser" (Simplício, Física 153, 17). 418. Ainda sobre o monismo de Diógenes de Apolônia, consideremo-lo

diretamente, a partir dos textos dele mesmo, embora em fragmentos. Muito sugestivo é aquele conservado por seu homônimo Diógenes Laércio, que o apresenta do seguinte modo:

"O tratado de Diógenes começa assim: Segundo minha opinião todo o tratado deve ter por ponto de partida um princípio indubitável (•DP¬ < •<":N4F$ZJ0J@<), e a exposição deve ser simples e solene ( B 8 < 6 " Â F , : < Z < )" (D. L., IX, 57).

Simplício apresenta a continuação: "Porém em Sobre a natureza a única [obra] sua, que chegou até mim, se

propõe demonstrar mediante diversas [razões] que no princípio (• D P Z ) por ele estabelecido há muita inteligência. Imediatamente depois do proêmio, escreve pois [Diógenes de Apolônia] o seguinte:

"A mim parece, para dizê-lo tudo de uma vez, que todos os entes são diversificações de um só e são um só.

E isto é bem claro: porque, se os que agora existem neste mundo, - a terra, a água, o ar, o fogo e todos os mais que aparecem neste mundo, - fosse cada um diferente do outro, diferente por sua própria substância, e não um mesmo ente que de muitas maneiras muda e se diversifica, de nenhum modo poderiam eles misturar-se uns com os outros, nem ajudar-se ou prejudicar-se entre si.

Não poderia a planta surgir da terra, nem o animal, nem outra coisa poderia nascer, se não estivessem de tal modo constituídos que fossem o mesmo.

Todos estes entes, uma vez que se diversificam a partir de um só, se tornam diferentes em circunstancias diversas e retornam ao mesmo" (Simplício, Física 151, 28).

No final do texto citado por Simplício sobre a unidade inicial de toda a transformação, Diógenes se coloca no contexto do eterno retorno à origem, de acordo com o ciclo cósmico - Deus (princípio) , mundo, de novo Deus (fim), peculiar também a Heráclito.

O retorno cíclico de que tratou Diógenes de Apolônia é também peculiar aos cultos agrários em geral. Ainda ocorre na religião dos mistérios órficos de raízes não helênicas, vindas do Oriente; mas neste caso inclui elementos escatológicos, que são estranhos ao retorno cíclico em si mesmo.

419. O primeiro princípio, além de dinâmico, deverá ser inteligente,

porquanto sem esta condição deixará de ordenar o todo. Ora, este de fato se ordena inteligentemente, conforme se observa na ordem do mundo. Temos, pois como supor esta inteligência do princípio do qual tudo deriva.

Simplício, em meio aos seus comentários, cita um texto do mesmo Diógenes. O comentário vem imediatamente após o texto (antes citado), em que Simplício prossegue:

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"Ao encontrar-me com estas primeiras (palavras), também eu acreditei que ele se referia a este algo diferente substrato comum, que está além dos quatro elementos, pois dizia que aqueles não se misturariam nos outros, se um deles fosse o princípio, tivesse sua própria natureza, e não estivesse subjacente, idêntico, a todas as coisas, a partir de onde todas se diversificam.

Em seguida, havendo demonstrado que há neste princípio muita inteligência, (diz):

"Pois seria impossível que houvesse uma divisão tal como a há, apta para estabelecer a medida de todas as coisas, do inverno e do verão, da noite e do dia, da chuva, dos ventos e das boas temporadas, sem inteligência; e todas as demais coisa, se alguém quiser meditar nisto, encontrará ordenadas do melhor modo possível" (Simplício, Física 151, 28).

O que Diógenes de Apolônia parece ter diante de si é a lei da unidade da natureza, e que constitui do simples azar.

O raciocínio de Diógenes está na dependência da interpretação finalística da natureza, reclamando por isso um ser inteligente, ou pelos menos a lógica interna ao ser em geral. O teleológico poderá ser interpretado, portanto, como simples unidade das leis naturais, as quais, então, fatalmente criam o estado de coisas que se observa. Não haverá então um finalismo inteligente do modelo antropológico a orientar o mundo para a ordem em que atualmente se encontra, mas um finalismo ontológico intrínseco ao ser, o qual em vez absurdo, tem uma lei.

Não oferece Diógenes outro argumento para que o ser primeiro seja inteligente. Implicitamente, apenas, supõe que ele seja algo superior ou abarcante, porque somente assim terá como gerar as diversificações. Se é infinito, também por esta via o princípio primeiro implica em ser perfeito e consequentemente inteligente. Como se vê, não derivou o monismo de Diógenes para o panteísmo de Spinoza, o qual apresenta o espaço e o pensamento como "modos" do ser infinito.

O caráter divino do princípio estabelecido por Diógenes é frequentemente anotado, mesmo por autores cristãos, como Agostinho de Hipona:

"Também Diógenes, o outro discípulo de Anaxímenes, disse em verdade que o ar é a matéria das coisas, do qual todas se fazem, porém que participa da razão divina, sem a qual nada se pode fazer" (Cidade de Deus, 8, 2).

420. O ar é estabelecido por Diógenes de Apolônia como primeiro princípio

de todas as coisas, porque é o que ele encontra em melhores condições de exercer tal função. Certas condições se podem de pronto observar, como sua dinâmica e subtilidade. Outras se lhe atribuem ao menos especulativamente, como as de ser infinito, eterno, inteligente.

Repetindo a tese de Anaxímenes em virtude da qual o ar é o elemento primordial único, Diógenes lhe deu contudo novos desenvolvimentos. Mais do que um simples epígono, ele explicitou o monismo e o dinamismo que ainda não estavam de todo explicitados na escola de Mileto e nem suficiente adequação na escola jônica nova.

Eis um texto em que a insistência é o ar, como princípio primeiro, e já não este monismo em si mesmo:

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"Mas isto me parece claro; que (o ar) é grande e potente, eterno e imortal e sabedor de muitas coisas" (:X(" "Ç*4@< J4 6"Â •2V<"J@< 6"Â B@88 ,Æ*`H) (fragmento citado por Simplício, Física 153, 17).

Preocupou-se Diógenes em relacionar o ar com a vida e a inteligência, desde os casos mais óbvios até os movimentos do sangue e o esperma. Simplício, mais do que outros se ocupou de Diógenes de Apolônia como se vê neste longo texto, sobre a importância do ar e seu caráter divino:

"Acrescenta que também os homens e os demais animais graças a este princípio, que é o ar, não somente vivem senão também têm alma e inteligência, expressando-se da seguinte maneira:

aparte destas, - mencionadas acima por nós, - há ainda as grandes provas que seguem:

os homens e os demais animais vivem ao respirar o ar e este constitui para eles a alma e a inteligência, segundo se porá em evidência no presente escrito, e quando aquele lhes falta, perecem e a inteligência os abandona.

Imediatamente, pouco depois, claramente acrescenta: E me parece que o que tem inteligência é o que se denomina ar entre os

homens. E por ele todas as coisas regidas e a todas ele governa. Por isso, ele me parece Deus, e que tudo ele alcança, tudo estrutura e está presente em toda a parte, e não há ente algum que dele não participe.

Nenhum ente todavia participa dele do mesmo modo que o outro, pois muitas são as modificações do ar e da inteligência. O ar é com efeito multiforme, mais quente e mais frio, mais seco e mais úmido, mais permanente e mais rapidamente móvel, e nele se dão muitas outras diversificações e uma infinita série de gostos e de cores. E ele mesmo constitui a alma de todos os animais, um ar mais quente que o do ambiente em que estamos, todavia mais frio que aquele mais próximo do sol. Este calor não igual em nenhum dos animais (nem mesmo nos homens), mas não difere mais do que entre coisas semelhantes. Nenhuma dessas diversificações pode, realmente, chegar a ser inteiramente igual a outra, sob pena de se identificar (como espécie). Ainda que a diversificação seja múltipla, múltiplos são também os animais e variados, não se assemelhando entre si nem por sua figura, nem por seu regime de vida, nem por sua inteligência, graças ao grande número de diversificações.

Todos, porém, igualmente vivem, vêem e ouvem em virtude do mesmo, e todos obtém do mesmo diferente inteligência" (Simplício, Física 151, 28, 3-5).

Ainda Simplício com palavras próprias, expõe claramente a hipótese de Diógenes referente ao ar:

"Ele (Diógenes) diz que a natureza do todo, o ar, é infinita e eterna, e que desta, que se condensa, se rarefaz ou muda de qualidade, surge a forma das demais coisas. Isto refere Teofrasto sobre Diógenes.

Seu escrito chegado até mim, que se intitula Sobre a natureza, diz claramente que o ar é aquilo de que surgem todas as outras coisas.

Nicolau, não obstante, refere que estabeleceu como elemento algo intermediário entre o fogo e o ar. E estes creram que a impressionabilidade e a mutabilidade do ar era muito apropriada para a mudança, razão porque não consideram nada conveniente

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estabelecer como princípio a terra, porquanto esta resiste ao movimento e à mutação. E assim se diferenciam os que dizem que um só é o princípio" (Simplício, Física 25, 1).

421. Concluindo e resumindo, Diógenes de Apolônia se opôs às teorias

atomistas pluralistas de Anaxágoras, para se pôr no ponto de vista monista milésio de Anaxímenes.

Entretanto, atribuiu ao ar elementos desenvolvidos por Anaxágoras e que são da ordem dinâmica ou espiritual. Assim, denominou as vezes ao ar de sopro (B < , Ø : " ), que então chama de corpo eterno, imortal e sábio em muitas coisas e o identifica com Deus (Simplício, Física 151, 30).

No organismo vivo predomina a ação do ar como alma: "Os pensamentos são engendrados, pelo ar, que, junto com o sangue, se

difunde por todo o corpo" (Simplício 153, 13). As plantas não têm alma, porque não inspiram ar. De Leucipo tomou a teoria do torvelinho de que resultou a formação do

mundo. §3. Crátilo de Atenas, epígono de Heráclito. 0335y422. 423. Crátilo (5 D V J L 8 @ H ) de Atenas (5-o séc. a.C.), filósofo grego é o

mais conhecido entre os seguidores do mobilismo de Heráclito, ao qual radicalizou. É lembrado principalmente por ter sido mestre, ou familiar, de Platão (417-

347 a.C), conforme Aristóteles (Metaf., 687a 29). Teria Platão deixado a Crátilo, apenas quando encontrou a Sócrates. Era Crátilo mais jovem do que Sócrates, por quem foi trocado. Entretanto, não deixou Platão de destacar ao seu jovem primeiro mestre, designando pelo seu nome um diálogo.

Uma outra notícia, - que veio através de Diógenes Laércio, - narra pela inversa, que Platão primeiramente seguira, a partir dos seus 27 anos, a Sócrates. E que Platão, "depois da morte de Sócrates (+399 a.C.), seguiu as lições de Crátilo, discípulo de Heráclides, e as de Hermógenes da escola de Parmênides. Aos 28 anos [Platão] se retirou para Mégara" (L. L., III,6

Dentro deste contexto, as lições recebidas de Crátilo, teriam ocorrido pelo ano 399 a.C. e por curto tempo.

É possível que houvesse acontecido um relacionamento simultâneo de Platão com ambos os mestres, ora mais formalizado com um, ora mais com outro, e que o contato com Crátilo pudesse ter ocorrido mesmo antes que com Sócrates.

O diálogo platônico apresenta a Crátilo como jovem (Crátilo 440 d). Pode-se depreender dali que fora um mestre de um Platão ainda jovem, e que este jovem Crátilo fora, apesar de tudo, mais velho que Sócrates, que o sucedeu.

424. Crátilo, como seguidor de Heráclito, tomou deste apenas a doutrina do

fluxo essencial de todas as coisas, sem interpretá-las como um Logos, fogo sempre vivente e uno. Em vez disto, reduziu tudo a um instantismo inteiramente mobilista.

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Em consequência deste mobilismo não é sequer possível conhecer as coisas, porquanto nos escapam. Nem sequer podemos entrar uma vez no mesmo rio (Heráclito apenas dizia não ser possível entrar duas vezes). Nem mesmo é possível pronunciar o nome das coisas (porquanto já são outras, quando termina a palavra). Importa limitar-nos a apenas indicá-las com um sinal natural, como um som, ou como um movimento instantâneo do dedo.

Informou Aristóteles referindo-se aos heraclíteos em geral e depois ao mesmo Crátilo:

"Estes filósofos, vendo que toda esta natureza sensível estava em movimento, e que a gente não pode julgar da verdade daquilo que muda, pensaram, que, a gente não pudesse enunciar a verdade de nenhuma maneira, muito menos sobre o que muda em tudo e em todo o sentido. Este modo de ver se desenvolveu na mais radical de todas as doutrinas que nós temos mencionado, que é aquela dos filósofos que se dizem discípulos de Heráclito, e tal como a sustenta Crátilo.

Este último chegou por fim a pensar que não era possível algo dizer, e se contentava em mover o dedo, ele reprovava a Heráclito de ter dito que não se desce duas vezes ao mesmo rio, porque ele considerava que nem sequer se podia fazê-lo uma vez" (Aristóteles, Metaf. IV, c. 5. 101a 5-15).

Complementou Aristóteles em outro lugar: "E como sobre Crátilo disse Ésquines, que silvava e agitava as mãos: o que é

verossímil, porquanto as coisas se conhecidas vem a ser sinais das que não se conhecem" (Retórica III, 16. 147 b).

Já Platão se referia aos discípulos de Heráclito de modo jocoso: "Sobre as teorias dos heraclíteos não é possível entreter-se com elas com a

gente de Éfeso em pessoa, eles que fazem todos profissão de estarem em movimento como se fossem loucos.

Efetivamente, em se conformando com as doutrinas dos seus tratados, eles estão em movimento. Não se detém no objeto da questão que lhes é apresentada, porque isto lhes é contrário (Teeteto 179 e).

425. Língua natural. No diálogo, de nome Crátilo, Platão apresentou as duas

teorias sobre a origem da língua, - a convencionalista, defendida pela boca de Hermógenes e Sócrates, e a naturalista, pela do heracliteo Crátilo.

Ocorre a ocupação com um tema particular referente ao homem, que caracterizou o período socrático e pós-socrático.

De futuro, os naturalistas, a que pertence Crátilo, serão chamados anomalistas, e ocorrem entre os gramáticos de Pérgamo e estóicos em geral.

Os convencionalistas serão denominados analogistas, havendo sido mais frequentes entre os gramáticos Alexandrinos.

Estão aqui também os primeiros marcos da linguística e da filosofia da língua. Mas os gramáticos antigos não chegaram a tentar uma língua planejada, o que acontecerá apenas modernamente, de que o Esperanto (vd), criado só em 1887, é um exemplo.

§ 4. Arquelao de Atenas, discípulo de Anaxágoras. 0335y427.

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428. Arquelao de Atenas, ou de Mileto (sec. 5-o a.C.) é filósofo da escola jônica, na linha de Anaxágoras, de quem foi discípulo, e como este tendo vivido em Atenas. Por isso, é dito de Atenas, embora pela origem se diga também de Mileto.

Transferiu os conhecimentos de sua escola jônica a Sócrates, de quem foi mestre. Sua importância está ainda em haver sido um dos últimos representantes conhecidos da escola jônica nova.

Possivelmente Arquelao tenha escrito uma obra sobre filosofia da natureza, ou sobre fisiologia, de que nenhum fragmento restou. Foi mencionado por alguns poucos doxógrafos. Manteve-se entretanto conhecido pelo apreciável resumo de Diógenes Laércio:

"Arquelao, de Atenas ou de Mileto, filho de Apolodoro, segundo outros, Mison, foi discípulo de Anaxágoras e mestre de Sócrates, e o primeiro que da Jônia trouxe a filosofia natural.

Por esta razão chamaram-no o físico, ou então porque com ele termina a filosofia natural, introduzindo Sócrates a moral. Parece que Arquelao a cultivou também, porque tratou das leis, do bem e do justo. Tendo-o ouvido Sócrates, o propagou e ampliou, e passou a ser tido como autor da mesma" (D. L., II, 15).

Considere-se que Arquelao, como discípulo de Anaxágoras, recebeu da Jônia, sua filosofia. Ainda que melhor se atribua a Anaxágoras, como vindo da Jônia, o haver introduzido em Atenas a filosofia natural, o título também cabe a Arquelao, como se vê na informação de Diógenes Laércio.

Pode-se subentender que Aquelao participava deste processo, acontecido quando Atenas passou, após a vitória sobre os persas, a se desenvolver econômica e culturalmente. Anaxágoras foi um ádvena, um protegido de Péricles, seu mais ilustre discípulo. Arquelao talvez já seja um filósofo instruído na mesma Atenas, como ádvena ali desenvolvido e até mesmo influenciado pela tendência pelos estudos humanos, que associou aos da física.

Diferentemente, Anaxágoras teve de fugir, ao ser acusado de contrário aos deuses, morrendo em naufrágio ocorrido quando se evadia para a Sicília (vd ).

429. Doutrinas. As homeomerias de Anaxágoras são comparadas por

Arquelao ao ar. Conforme o hilozoísmo jônico o todo é vivo e infinito. O espírito não é simples, mas contém uma certa mescla.

Neste sentido informou Hipólito de Roma a respeito de Arquelao: "Este concebe de pronto que há no Espírito uma certa mescla (@ Ø J @ H * ¥

< è ¦ < 4 B V D P , 4 < J 4 , ` 2 , T H )" (Refutações I 9). "Dizia que as causas da geração eram o calor e o frio. Que os animais eram

formados do limo. E que o justo e o injusto não o são por natureza, mas pela lei (@ Û N b F , 4 •

8 8 < ` : T ). Fundava-se no seguinte raciocínio: a água, cuja liquidez dimana do calor,

enquanto se conserva condensada produz a terra, e quando se liquidifica produz o ar. Por conseguinte a terra é conservada pelo frio, o ar pelo movimento do fogo. Que os animais se engendram do calor da terra, a qual distila um limo semelhante ao leite que lhes serve de nutrimento. Assim também foram procriados os homens.

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Arquelao foi o primeiro que disse que a voz é a percussão do ar. Que as águas do mar estão nas entranhas da terra, por cujas veias se infiltrou. Que o Sol é o maior de todos os astros. Que o universo não tem limites" (D. L., II, 15-16).

A interpretação do som como trepidação do ar, atribuída a Arquelao, também é dita de Anaxágoras (Teofrasto, Da sensação 59), podendo ser uma tese em que ambos tenham mérito, porquanto são mais ou menos da mesma época.

430. Importa destacar a tendência de Arquelao para temas de ordem humana e

moral. Disse, "que o justo e o injusto não o são por natureza, mas pela lei (@ Û N b

F , 4 • 8 8 < ` : T )... Tratou das leis, do bem e do justo " (D. L., II, 15). 431. Concluindo sobre os filósofos das duas escolas jônicas e seus

epígonos, anotamos sua tendência de estarem atentos ao que diziam os filósofos imobilistas do Ocidente, contra os quais defendem o movimento.

Ora o defendem pela colocação da mobilidade substancial, como o fez Heráclito.

Ora estabelecem a imutabilidade dos elementos iniciais, que contudo são múltiplos, de sorte a permitirem a alteração generalizada da natureza pela composição diferenciada dos mesmos.

Concentraram-se os jônicos novos na investigação da natureza, derivando para o estudo do homem apenas englobadamente. Ocorre algum crescimento humanístico com os epígonos, por efeito certamente da tendência criada em Atenas.

Os filósofos jônicos não derivaram para as doutrinas racionalistas metafísicas radicalizadas, como acontecia no Ocidente com os eleatas e pitagóricos e depois em Atenas com os sofistas (ádvenas), Sócrates e Platão.

Os jônicos sempre foram moderados, mesmo em seu positivismo, materialismo, monismo. Foram um ingrediente de moderação na filosofia grega, e por este lado foram precursores de Aristóteles, porque este se situará entre os jônicos e os eleatas.

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CAP. 5 ESCOLA PITAGÓRICA. 0335y434.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 435. Introdução à escola pitagórica. Depois da escola jônica, fundada por

Tales de Mileto (c. 624 – 546 a.C.), a qual dera origem à filosofia grega, segue cronologicamente, pela ordem de antiguidade, a escola pitagórica, fundada por Pitágoras de Samos (c. 570-496 a.C.).

A escola se diz pitagórica, no sentido de que foi fundada por Pitágoras, mas também se fez conhecida como escola itálica, porque surgida na Itália.

A denominação escola itálica desde logo a localiza geograficamente e a diferencia claramente da escola jônica. De outra parte, porém, não demorou a aparecer na própria Itália a escola eleática, ou de Elea.

Assim sendo, melhor se apresenta o nome escola pitagórica, até mesmo porque depois se difundiu para todo o mundo helênico.

Dada a sua antiguidade, como vinda imediatamente após a escola jônica, integra-se o estudo da escola pitagórica no contexto do tema – como pensavam os primeiros filósofos.

Imediatamente após aos pitagóricos, ainda no contexto de como pensavam os primeiros filósofos, cabe examinar também a escola eleática, igualmente situada na Itália. Finalmente, não fogem a este contexto os primeiros filósofos atomistas.

Numa introdução à escola pitagórica há a advertir sobre o que mais a diferenciou da escola jônica. Assim fazendo, não somente distinguimos as duas escolas pela sua sucessão cronológica e pelo situamento geográfico, mas também pelo seu significado interno.

O pitagorismo se destacou pelo seu racionalismo, em contraste com a moderação da escola jônica.

Ainda com maior detalhe didático, numa introdução à escola pitagórica há a advertir primeiramente sobre o racionalismo em geral, que a guiou, e depois mais estritamente sobre o racionalismo específico do pitagorismo enquanto diferenciado de outros racionalismos.

436. Sobre o racionalismo em geral. Sempre foi evidente, que a razão marcha mais para longe que o nível de conhecimento atingido pelos sentidos, estes limitados à superfície experimentável dos objetos. Os sentidos têm como objeto as qualidades sensíveis, em função às quais se diz haver a matéria.

Enquanto os sentidos têm, - como se disse -, por objeto a matéria sensível, o pensamento opera em termos de verbo ser, afirmando é, e não é. Ou simplesmente, dizendo - sim, e não.

Discute-se, - até onde vai este conhecer racional da mente? Empiristas (ou positivistas) e racionalistas discordam sobre esta dimensão do pensamento. Em cada caso as discordâncias são, ora mais radicais, ora menos.

Há um empirismo que permanece apenas nos sentidos; este é; o sensismo, o qual reduz o pensamento a apenas uma sensação subtilizada. E há um empirismo, - e este é o

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mais frequente, - que admite a especificidade do pensamento. Todavia este empirismo somente atribui valor ao pensamento enquanto apreende os objetos da experiência.

O empirismo não avança para os conceitos puramente racionais. Os empiristas usam o verbo ser, mas somente para dizer que o empírico é.

Dizer mais, seria afirmar algo sem valor, sem sentido, e que somente ajudaria para formalisticamente criar esquemas mentais de simplesmente ordenamento didático. Este empirismo limitado começará a ter seus primeiros representantes com os sofistas (vd).

O racionalismo, a que pertence o pitagorismo, não se limita ao conhecimento empírico, porque vai em frente.

Assevera, por exemplo, o racionalismo, que sob a experiência há uma substância, que pode ser corpórea, e ser mesmo espiritual. Mas nem a substância corpórea, nem a substância espiritual são atingíveis pela experiência

Ainda que não seja a substância alcançável pela experiência, ela se justifica, - no entender do racionalismo. De outra parte, para o empirismo elas são sem sentido.

Também se justificam no racionalismo as noções de espaço, tempo, lugar, ação, espírito, essência, existência, nos elementos não empíricos que tais noções contêm. Para o empirismo (quando coerente!), continuam sem sentido.

Assim admitida a progressão do pensamento, desenvolve-se vastamente a filosofia racionalista, diferentemente da filosofia empirista.

Mas só modernamente a questão da validade do pensamento foi ser adequadamente examinada pela assim denominada teoria do conhecimento.

437. Também há duas espécies de racionalismo, o moderado e o radical. Admite o racionalismo moderado a validade de uma progressão a partir do ser inicialmente intuído na experiência; tudo começa no ser da experiência, e a partir dele somente se pode progredir validamente. O racionalismo radical estabelece diferentemente, que é possível pensar com validade, sem começar pela experiência.

Na história do racionalismo aparece imediatamente a divisão mencionada, e que por isso devemos logo claramente entender, para tratar adequadamente um grave problema, e que divide vastamente toda a história da filosofia.

A esta distinção importa atender, porque os argumentos contra o racionalismo podem atingir a uma de suas formas e não à outra.

O racionalismo moderado foi característico dos jônicos (vd), mas sobretudo de Aristóteles (384-322 a.C.), neste particular retomado por Tomás de Aquino (1225-1274). Tem como ponto de partida o ser colhido na experiência sensível. Nada é admitido no mundo racionalistico, sem ter este ponto de partida na experiência.

O racionalismo radical foi paralelamente peculiar ao pitagorismo e ao eleaticismo, e teve seu prosseguimento depois em Platão (427-347 a. C.), Plotino (c. 205 - c. 270), Agostinho (354-430), os filósofos agostinianos da escolástica medieval, entre os modernos por Descartes (1596-1650) e Leibniz (1646-1716).

O tratado sobre as duas escolas jônicas, - antiga e nova -, equivale à história dos fundadores da filosofia racionalista moderada, enquanto que o tratado sobre as duas escolas do Ocidente, - itálica e eleática, - à história dos fundadores da filosofia racionalista radical.

438. Introdução específica à escola pitagórica. Para compreender

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o movimento pitagórico, deve-se atender ao fenômeno conhecido como "bordado helênico", de acordo com o qual o antigo mundo grego fora maior que o da Grécia atual. Em torno de todo o Mar Mediterrâneo prosperaram então cidades gregas.

Na Ásia Menor, em região hoje da Turquia, situava-se a Jônia grega, em cujas cidades nasceram os primeiros filósofos, - Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Heráclito de Éfeso, Anaxágoras de Clazomene, Xenófanes de Colofon.

Ainda que próxima à costa da Turquia, continua grega a Ilha de Samos, onde nasceu Pitágoras.

No Ocidente se destacaram particularmente as cidades gregas da península Itálica e Sicília, o que veio a ser denominado Grande Grécia. Na região haviam ganho desenvolvimento as cidades de Crotona, Tarento, Síbaris, Zancle, Leôncio, Elea, Siracusa, Agrigento, com frequência citadas na história da filosofia e das ciências, que então se encontravam em fase de formação.

A posterior conquista romana não removeu a cultura grega, mas foi o caminho para que fosse assimilada pelos latinos.

Ao ocorrer o movimento dos primeiros pitagóricos estas cidades eram independentes e prósperas.

Acresce ainda lembrar, que no Oriente a conquista persa da Jônia provocou a reemigração de muitos gregos para o Ocidente.

Pitágoras de Samos veio de sua ilha jônica e se estabeleceu em Crotona, no sul da península da Itália. Ali seu movimento, fundado como sociedade, se denominou por isso mesmo Escola Itálica. À mesma pertenceram Filolao de Crotona, Árquitas de Tarento.

Vindo também da Jônia, Xenófanes de Colófon, esteve na Sicília, havendo atuado ainda em Zancle, Catânia, e possivelmente em Elea. Como já se disse, a escola de Elea, se notabilizou com Parmênides de Elea e Zenão de Elea.

439. Comparando a escola pitagórica e a escola eleática, estão ambas no Ocidente e são ambas racionalistas, todavia a pitagórica mais que a eleática, ainda que esta defendesse um unicismo radical.

Quando as manifestações culturais forem se concentrando em Atenas, também ambas as escolas, - a pitagórica e a eleática, - vão ter lá seus representantes.

O caráter interno das escolas filosóficas ocidentais, - conforme já advertido, - é sua tendência racionalista pronunciada. Elas conceberam o ser como racionalmente estruturado, obediente a leis gerais. Sobretudo os pitagóricos advertiram para a ocorrência de um mundo exemplar arquétipo, de acordo com o qual tudo é gerado.

Os arquétipos da filosofia pitagórica são descritos como de modelo matemático, e são referidos como sendo números. Depois Platão, - que, embora de Atenas, apreciava aos pitagóricos, havendo-os mesmo visitado na Magna Grécia, - denominará a estes arquétipos com um novo nome, certamente mais adequado, idéias reais.

Os filósofos eleatas conduzirão a pesquisa na direção do ente. Analisando-o como noção básica, criaram a partir dali uma ontologia apreciável. Puseram em destaque a racionalidade do ente, - o que não é pensável como ente, não existe. Ficou portanto o ente como a lei geral de tudo.

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Este racionalismo da escola de Elea se mostra evidentemente muito próximo do pitagorismo, do qual sofreu aliás desde o início a influência.

Historicamente, Platão, que fundou a Academia em 387 a.C., será um continuador do pitagorismo, e Aristóteles do eleaticismo, ao qual entretanto moderou.

440. O que é de Pitágoras e o que de seus discípulos. Historicamente não é possível determinar precisamente o que vem de Pitágoras pessoalmente e o que vem dos discípulos. Não há texto do mesmo Pitágoras, o que dificulta decidir.

A doutrina dos números é possivelmente uma elaboração de Filolau, de quem restam fragmentos de livro, situado um século depois de Pitágoras.

441. O pitagorismo é um corpo doutrinário, com as características seguintes: - dualismo corpo e espírito; - complementaridade dos elementos, como finito e infinito, calor e frio, pleno

e vazio, fogo e terra; - retorno cíclico dos acontecimentos, inclusive dos espíritos; - doutrina arquética dos números; - prática de ritos de purificação. 442. Didaticamente o temário sobre o pitagorismo é abordável em três

artigos: • Pitágoras de Samos (vd 0335y444); • Os pitagóricos mais destacados (vd 0335y468); • O pitagorismo como um todo doutrinário (vd 0335y493).

Evidentemente, de cada pitagórico é possível dizer algo individualmente.

ART. 1o . PITÁGORAS DE SAMOS. 0335y444.

445. Pitágoras (A L 2 " ( ` D " H ) (c. 570-496 a.C.), de Samos, um dos "sete

sábios da Grécia", foi filósofo e matemático, moralista e fundador no sul da Itália de uma comunidade religiosa, denominada por isso mesmo pitagórica, ou simplesmente escola itálica.

Ainda que não tenha deixado escritos, sua doutrina se transferiu oralmente ao que o seguiram. Fosse através da comunidade que fundou, fosse através dos escritos criados neste contexto, Pitágoras influenciou toda a antiguidade, inclusive ao cristianismo e ainda hoje continua a inspirar algumas organizações sociais de cunho místico.

A abordagem do tema, neste primeiro artigo, importa em destacar: - vida de Pitágoras (vd 0335y447); - fundação da comunidade pitagórica de Crotona (vd 0335y458), - dos escritos pitagóricos em geral (vd 0335y462) Conforme anunciado, depois deste destaque ao mesmo Pitágoras, serão

abordados ainda os pitagóricos mais destacados (vd Art. 2o), encerrando com o pitagorismo como um todo doutrinário (vd Art. 3o).

§1. Vida de Pitágoras. 0335y447. 448. A biografia de Pitágoras contém episódios lendários, os quais todavia

confirmam haver sido pessoa tida em alto apreço e influência. Figura Pitágoras entre os filósofos pré-socráticos sobre os quais Diógenes

Laércio, do 3-o. século, mais vastamente informou.

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Entretanto, as fontes biográficas próximas ao tempo do mesmo Pitágoras são poucas e parcas nas informações. Este fato parece dizer que os episódios de sua vida vieram crescendo no curso dos séculos, como facilmente acontece com os líderes religiosos.

Platão citou a "Pitágoras", pelo seu nome, apenas uma vez (Resp. VII. 530 b), e aos "pitagóricos" também somente uma vez (Resp. VII. 530 b).

Todavia Platão foi diretamente influenciado pelo pitagorismo. Contatou aos mesmos pitagóricos. As estes citou pelos seus nomes pessoais, como dialogantes em seu livro Fédon. Também citou pelos nomes pessoais aos discípulos do pitagórico Filolau (Fédon, 61).

Aristóteles somente menciona aos "pitagóricos" (Met., 985b 20), em vez de "Pitágoras".

Os informes doxográficos crescem somente com os autores tardios, situados já ao tempo da era cristã, quando o pitagorismo já assumia as novas formas do neopitagorismo e mesmo do neoplatonismo, num contexto moral e religioso, típico do período helênico-romano.

Datam deste tempo tardio Apolônio de Thyana e Nicômaco de Gerasa, - estes neopitagóricos, sobre os quais logo se apoiarão Diógenes Laércio (VII, 1-50), Porfirio (Vivo de Pitagoro), Jâmblico (Vida de Pitágoras).

As aproximações entre pitagorismo e cristianismo, bem como oposições, fizeram com que algumas informações sobre o referido pitagorismo fossem dados por autores cristãos.

449. Onde nasceu mestre Pitágoras? Três são as versões sobre o lugar de nascimento.

Aceita-se como mais verossímil a versão de que Pitágoras teria nascido em Samos, uma ilha grega do mar Egeu, junto à costa da Jônia. Embora a Jônia continental esteja integrada hoje à Turquia, permanece contudo a Ilha de Samos como território grego, - como já se adiantou.

De acordo com outro informe, Pitágoras teria nascido em uma Ilha do Mar Tirreno, portanto à Ocidente da Itália. Provavelmente, se trata de uma confusão com a região onde efetivamente viveu.

Ainda de acordo com terceiros, Pitágoras teria sido um bárbaro procedente de Tiro, ou mesmo da Síria. Neste caso teria vindo depois para Samos e finalmente para a Itália.

A possibilidade dispersiva do lugar de nascimento coere com a circunstância de haver Pitágoras vivido quando os persas conquistaram a Ásia Menor. Desde então aumentou a possibilidade de movimentação das pessoas no vasto mundo oriental, além de a tendência de reemigração dos gregos para o Ocidente.

450. Mais um desencontro, no que transmitiram os informantes de Pitágoras, ocorre ao dizer-se, ora que fora filho de Nesarco, ora de Mármaco. Mais comum é dizer-se que fora filho de Nesarco.

"Segundo Hermipo, Pitágoras, filho de Nesarco, gravurista de selos, era de Samos. Contrariamente, Aristóxeno afirma, que era de Tirreno e que nascera em uma das ilhas que os atenienses conquistaram pela expulsão da população anterior.

Outros o fazem filho de Mármaco, por sua vez filho de Hípaso, neto de Eutifro e bisneto de Cleônimo, exilado de Flionte (cidade do Peloponeso, segundo Plinio).

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Diz-se que Mármaco morou em Samos e que por isso Pitágoras tomou o apelido de Samosano" (D. Laércio, VIII, 1).

"Pitágoras, filho de Nesarco, era de Samos, disse Hipóboto. De acordo com Aristóxeno, em sua Vida de Pitágoras, Aristóteles e Teopompo, ele era de Tiro. Em resumo, a maioria via a Pitágoras como um bárbaro" (Clemente de Alexandria, Strômata, I, 62).

451. O tempo em que viveu Pitágoras, ainda que não seja conhecido em detalhes, é todavia suficientemente determinável, como tendo sido aquele em que viveu Xenófanes de Colófon (c. 570 – 475 a.C.), ligado à escola de Elea. Possivelmente Pitágoras nasceu entre os anos 580 e 570 a.C.

Com referência à morte de Pitágoras, uns a colocam pelos anos 500 e 496 a.C. Outros a situam um pouco mais tarde, atribuindo-lhe a mesma longa vida de Xenófanes.

Conhece-se uma citação de Heráclito, referindo-se ironicamente a Pitágoras e a Xenófanes, como anteriores a ele mesmo:

"Muito saber não ensina a ser inteligente. Isto não ajudou a Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes e Hecateo" (Heráclito, Frag. 40, em D. L., IX,1).

Ora, Heráclito, o primeiro filósofo da escola jônica nova, floresceu na 69-a olimpíada (504-501 a. C.) (D. L., IX,3). Isto representa meio século depois da morte de Tales de Mileto. Dentro deste raciocínio, Pitágoras e Xenófanes viveu e floresceu entre Tales e Heráclito.

"Diz Heráclito filho de Serapion, que Pitágoras morreu aos 80 anos, conforme o cálculo que ele havia feito sobre as idades da vida. Contudo a opinião mais generalizada é a de que atingiu 90 anos" (D. L, VIII, 44).

Estes informes coerem mais ou menos com os demais episódios citados na mesma biografia de Pitágoras. Por exemplo, foi contemporâneo de Polícrates, tirano em Samos de 537 a 522 a. C.) e do Faraó Amasis (570-526 a. C. ).

452. Mestres de Pitágoras. Aparentemente, Pitágoras pertenceu a uma rica família de comerciantes gregos. Nesta condição pôde facilmente viajar, contatando homens de saber e mesmo aprender por obra da observação sobre os costumes e doutrinas vigentes em outras regiões, sobretudo do Oriente.

O informe de Diógenes Laércio, dizendo que Pitágoras é filho de Mármaco, acrescenta "que indo ele à Lesbos [capital Mitilene], seu tio Zojlo o recomendou à Ferécides".

Pouco adiante complementa: "Ele teve como mestre, conforme dissemos, Ferécides de Siros, indo depois da morte deste para Samos, para ouvir a Hermodamos, neto de Cléofilo, então já idoso" (D. L., VII, 2).

Como se sabe Ferécides de Siros é um personagem importante do pensamento órfico iraniano que então penetrava no Ocidente, e haveria de generalizadamente influenciar a filosofia e as religiões.

453. Viagens. Muito viajou Pitágoras. Até seu tempo a passagem de um país para outro era difícil. Com o crescimento do comércio marítimo, mas sobretudo com o domínio persa, tornaram-se mais fáceis as viagens.

Em consequência também se transpuseram costumes e crenças. Pitágoras se tornou um destes transportadores de mentalidade, havendo introduzido no Ocidente particularidades trazidas do Oriente, com destaque os mistérios, ou suas novas formas, em que se destacam os ritos de purificação.

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Com referência ao Egito, que desde tempo se enfraquecera politicamente, passou a depender de apoiamentos externos, e que em parte lhe eram dados pelos gregos. O Faraó Psametico (rei de 657-617 a. C.) conseguiu a unidade sobre todo o Egito com o apoio dos piratas cários e jônicos então arremessados por uma tempestade contra as bordas do delta do Nilo.

A mesma política de amizade com os gregos durou sob o Faraó Nécao II (610-595 a. C.), com vistas à concorrência comercial com a frota fenícia.

Situação especial ocorreu no tempo do Faraó Amasis (570-526 a. C.), que prosperou em paz com Ciro, o grande rei da Pérsia, que então conquistou Babilônia. Foi então que o enfraquecido faraó permitiu aos gregos estabelecer a cidade de Náucratis no delta do Nilo.

De outra parte, no Mar Egeu cresceu a frota de Samos, controlando o comércio desde os Balcãs até a Ásia Menor, sob o governo de Polícrates, tirano desde 537 até 522 a.C. No quadro desta conjuntura internacional favorável, pôde certamente Pitágoras viajar em todas as direções, portanto ir ao Egito e mesmo ir às distantes regiões dos sábios caldeus e aos magos da Pérsia.

As condições de viagem não mudaram muito, quando depois Cambises, rei da Pérsia, vencerá ao faraó Psametico III, em 525 a.C., anexando o Egito e a Ásia Menor, inclusive as cidades gregas da Jônia e a Ilha de Samos. Sem barreiras políticas, o vasto reino persa favoreceu a movimentação dos sábios.

Esta foi a razão que permitiu a Heródoto (c. 484-425 a.C.) deixar em 464 a. C. sua cidade de Halicarnasso, para viajar primeiramente pela Grécia européia e depois, no quadro do reino persa, viajar também para Babilônia e para o Egito, tendo como resultado as descrições, que se podem ler em livro por ele redigido, de nome História.

Com referência à Pitágoras, viajou para o Egito no tempo de Polícrates e do faraó Amasis; portanto, entre 537 e 526 a.C., quando este último morreu.

"Jovem e desejando instruir-se, ele deixou a pátria para ser iniciado nos mistérios dos gregos e dos bárbaros. Ele embarcou para o Egito com carta de recomendação de Polícrates a Amasis.

Diz Antifon, no tratado Sobre los homens famosos por causa de suas virtudes, que ele aprendeu a língua egípcia e que se comunicou com os caldeus e os magos.

Dali passou para Creta, onde ele entrou com Epimênides na gruta de Ida [ construção em honra de Júpiter].

Entrou nos oráculos dos santuários do Egito e estudou os segredos da religião nos livros sagrados" (D. Laércio, VIII, 3).

"Em Vida de Pitágoras informa Jâmblico, que Pitágoras viajou à Creta, não somente para ser iniciado sobre os ritos, como diz Diógenes Laércio, mas também para estudar as leis desta ilha" (Porfirio, Vida de Pitágoras, 25).

Possivelmente alguém aconselhou a Pitágoras ir ao Egito. Este conselheiro poderia ter sido discípulo de Tales de Mileto, mas não o mesmo Tales conforme imprecisa informação de Porfírio:

"Tales persuadiu a Pitágoras, que ele embarcasse para o Egito e ali convivesse com os sacerdotes de Mênfis e Heliópolis, porque também ele mesmo obtivera sua

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instrução junto desses sacerdotes, pela qual o sábio é estimado pelo povo" (Jâmblico, Vida de Pitágoras).

Algumas décadas depois, Heródodo descreverá os mistérios, possivelmente os mesmos, que Pitágoras houvera então aprendido. Segundo Heródoto, os egípcios não levam o costumeiro manto ao entrarem no templo e nem envolvem nele o morto. Eis, quando acrescentou uma curiosa explicação, porque se refere ao orfismo e ao pitagorismo:

"Este costume tem relação com as cerimônias órficas e pitagóricas" (Heródoto, História, II, 81). "Diz Aristóxeno, que Pitágoras recebeu suas doutrinas de Temistóclea,

sacerdotisa de Delfos" (D. Laércio, VIII, 21). Pitágoras teve um escravo, cujo nome foi Zamolclo. Contudo, "ele jamais,

mesmo em cólera, bateu em alguém, fosse livre, fosse servo" (D. L., VIII, 20). "Eu sei, segundo narram os gregos do Helesponto e do mesmo Ponto, que

Zamolclo, ainda que filho de mulher e de um homem, serviu como escravo em Samos, mas felizmente a Pitágoras, filho de Nesarco. Saindo livre de Samos, ele colheu por meio de hábil trabalho próprio um tesouro significativo, com o qual voltou à sua pátria [Trácia]"

454. A vinda de Pitágoras para o Ocidente poderá ter sido motivada nas alterações políticas no Oriente grego, principalmente em Samos. Depois de suas viagens, e retornando à Samos, decidiu abandonar definitivamente a região, para tomar o rumo de Crotona, uma cidade portuária do Sul da Itália.

"Ao retornar à Samos, ele encontrou sua pátria em mãos do tirano Polícrates, e se retirou para Crotona, Itália" (D. L., VIII, 3).

Possivelmente, agora este mesmo Polícrates, que o havia recomendado ao Faraó Amasis, ter-se-ia tornado intolerável. Como se sabe, finalmente Polícrates conspirou contra os persas, os quais o capturaram e o crucificaram, em 522 a.C.

A saída de Pitágoras para o Ocidente poderá ter acontecido cerca de dez anos antes, talvez pelo ano 532 a.C., tendo então cerca de 40 anos de idade.

455. Quando Pitágoras chegou à Crotona, esta cidade aparentava estar vencida por outra. O ádvena assim pôde surgir como um salvador. Efetivamente, Pitágoras reorganizou a sociedade de Crotona. Sabe-se mesmo que cerca do ano 510 a.C., venceram a sua vizinha cidade rival de nome Síbaris, situada pelo lado Norte.

"Legislador dos crotonianos, ele captou de tal maneira a confiança dos mesmos, que eles depunham em suas mãos o imposto do Estado, e ainda nas dos seus discípulos, ao todo cerca de trezentos; rapidamente a sabedoria de sua administração fez do seu governo uma verdadeira aristocracia" (D. Laércio, VIII, 3).

456. Casamento de Pitágoras. No laborioso período em Crotona, ele também amou.

"A esposa de Pitágoras chamava-se Teana, filha de Brontino e companheiro de Pitágoras. Teve uma filha de nome Dama, mencionada por Lisis em carta a Hiparco [...] Ele teve também um filho, Telauges, que o sucedeu como herdeiro, e foi, segundo uns, mestre de Empédocles. A este respeito, Hipóboto cita verso de Empédocles: Telauges, famoso filho de Teano e Pitágoras " (D. L., VIII, 41).

§ 2. Fundação da comunidade pitagórica de Crotona. 0335y458.

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459. A comunidade pitagórica, eis uma instituição significativa criada por Pitágoras em Crotona, para estudo e prática religiosa.

Teve a comunidade uma primeira fase, em vida do mesmo Pitágoras, e que se confunde ainda com sua biografia.

Outra fase da comunidade pitagórica é dispersiva, quando se expandiu por toda as cidades gregas. Finalmente no período helênico-romano a comunidade se fará conhecer como neopitagórica.

Estas organização tipicamente oriental pela forma e pela ideologia, transformou a vida política da cidade de Crotona, a qual por isso mesmo progredia.

460. Dispersão da comunidade pitagórica. Não teve a comunidade pitagórica um resultado final feliz em Crotona. Ela se tornou excessivamente aristocrática e teocrática.

Uma reação popular abateu finalmente a comunidade, matando a muitos dos seus membros, inclusive ao mesmo Pitágoras.

Não são claras as versões sobre o incidente da dispersão da comunidade pitagórica e morte de Pitágoras.

Diz uma versão, que a morte infligida a Pitágoras aconteceu na mesma Crotona. Outros dizem, que ele morreu em Metaponte ou em Siracusa, depois de sua fuga.

"Eis como morreu Pitágoras: Estava em casa de Milon, com seus companheiros, quando um, ao qual havia despedido, pôs fogo na casa, para se vingar.

Conforme outra versão, foram os mesmos crotonianos que colocaram o fogo, para livrar-se da tirania a que ele os havia submetido.

Pitágoras conseguiu escapar. Alcançaram-no todavia em sua fuga, porque, havendo chegado a uma semeadura de favas, se deteve, dizendo:

- É melhor ser detido que pisá-las com os pés. Antes morrer, que falar. Então foi degolado pelos que o vinham perseguindo. A maior parte dos seus ,

em número de 40, pereceram nesta ocasião. Muito poucos conseguiram escapar, entre os quais estavam Árquitas de

Tarento e Lísis, dos quais temos falado. Assevera Dicearco, que Pitágoras havia buscado asilo em Metaponte, no

templo das Musas, onde morreu de fome após 40 dias. Heráclides sustenta opinião contrária em seu compêndio das Vidas de Sátiro.

Diz que Pitágoras, depois de haver ido a Delos para sepultar Ferécides, retornou à Itália. Havendo encontrado a Milon de Crotona nos preparativos de um grande festim, se retirou imediatamente à Metaponte, de onde, cansado de viver, se deixou morrer de fome.

Hermipo dá outra versão. Segundo ele, Pitágoras havia ido com seus companheiros para pôr-se à frente dos agrigentinos em uma guerra que estes sustentavam contra os de Siracusa; posto em fuga, encontrou um campo de favas e foi morto pelos de Siracusa.

Seus companheiros, em número de 35, foram queimados em Tarento, por se haverem oposto aos chefes do governo " (D. Laércio, VIII, 38).

§ 3. Dos escritos pitagóricos em geral. 0335y462.

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463. Por causa do caráter coletivo do pitagorismo e da inspiração religiosa de todo o movimento, encontram-se algumas semelhanças entre a documentação pitagórica e a cristã.

Como Pitágoras, também Jesus nada escreveu, ocorrendo a codificação de suas doutrinas em décadas posteriores, em escritos, chamados Evangelhos e outros documentos. Também à semelhança dos pitagóricos, os cristãos deram toda a doutrina como tendo sido de Jesus, ainda que pudessem ter introduzido variantes, quer no estilo, quer nas ênfases.

Ainda que alguns escritos pitagóricos tenham determinação clara dos seus autores, já outros não os têm tão claros. Por isso, didaticamente importa um item com esta titulação geral, - Escritos pitagóricos, - mesmo que isto resulte em repetitividade.

Dentre os escritos que não apresentam autor claro, alguns parecem haver sido aperfeiçoados através do tempo, como já acontecia com os códigos das religiões orientais. Mas, ainda que renovados, eles não perdem de todo seu valor de conteúdo. Eles continuam representando sobretudo a escola onde nasceram e se desenvolveram. Devem então ser citados como o fez Aristóteles. Este cautelosamente diz pitagóricos, e não Pitágoras.

464. O mesmo Pitágoras talvez nada houvesse escrito pessoalmente ao modo de livro.

Sabe-se que o texto denominado Física (De natura) atribuído à Pitágoras é um apócrifo de Alexandria, escrito em dialeto jônico.

Ocupou-se Diógenes Laércio em arrolar detalhadamente as obras que se atribuíam a Pitágoras:

"Afirmam alguns autores, que Pitágoras não deixou obra alguma. Isto porém não importa, porque Heráclito o físico, diz expressamente o contrário: ‘Pitágoras, filho de Nesarco, é de todos os homens o que mais bebeu nas fontes históricas; ele explorou em todas as obras e compôs assim sua própria sabedoria, muito erudita, certamente, mas também muito mal ordenada’.

Assim se expressou Heráclito, porque Pitágoras, em exórdio em seu tratado da Natureza, emprega as seguintes expressões:

‘Não é pelo ar que respiro, pela água que bebo, a censura não me alcançará por estes escritos’.

Pitágoras deixou três tratados: Sobre a educação; Sobre a política; Sobre a natureza.

Quanto à obra que hoje se lhe atribui, esta é de Lísis de Tarento (vd 486), filósofo pitagórico, que, havendo-se refugiado em Tebas, foi aqui mestre de Epaminondas.

Assegura Heráclides, filho de Serapion, no compêndio, que havia escrito muitas obras poéticas:

uma acerca do universo, um canto sagrado que começava assim: ‘O jovens, guardai silenciosamente estes preceitos’;

um poema sobre a Alma; outro sobre a Piedade; um quinto intitulado Helotal, do nome do pai de Epicarmo de Cós; um sexto sobre Crotona, e muitos outros.

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Diz-se que o tratado dos Mistérios é de Hípaso e que este o compôs para obscurecer a Pitágoras.

Também se diz que lhe haviam sido atribuídas muitas composições de Astón de Crotona.

Aristóxeno assegura que Pitágoras havia recebido de Temístoclea, uma sacerdotisa de Delfos, a maior parte de seus preceitos morais.

Ion de Quios diz, em Triagmes, que ele havia apresentado algumas de suas composições poéticas como se fossem de Orfeo.

Atribuem-se-lhe também os célebres Mandamentos, os quais começam assim, - Não ofendas a ninguém" (D. Laércio., VIII, 7).

465. Versos de ouro. Fizeram-se muito conhecidos e citados os Versos de ouro, ou Sentenças de ouro (latinizados sob o título Carmen aureum), ao todo 71, em cerca de 4 páginas.

Consistem em afirmações de sabedoria, sobre a vida e os costumes. Expressam o espírito pitagórico, ainda que com o estilo posterior.

A coletânea aparenta haver sido realizada por autor do período helênico-romano, o qual tinha ao seu dispor escritos os mais diversos que então circulavam entre os neopitagóricos.

O Crísipo (282 -204 a.C.), um filósofo estóico, já cita uma destas sentenças pitagóricas (vd Aulo Gélio, I, VI, 2). Não garante esta citação de trezentos após Pitágoras, que já então existisse a coleção como um todo, porque Crísipo racionalmente poderia ter tomado este verso do texto mesmo de um discurso santo.

Hoje a mais aceita das opiniões é a de que estes Versos de Ouro, datam do 3-o. século d.C., portanto 700 anos após Pitágoras, e que esta coleção tenha sido criada nos meios neopitagóricos de Alexandria. Neste tempo os platônicos e pitagóricos se aplicavam à conservação da herança cultural da antiguidade, reafirmando-a frente às inovações.

465. Texto dos Versos de ouro: 1. Honra antes que nada aos Deuses imortais, na ordem que lhes foi

assinalada pela lei. 2. Respeita o juramento. 3. Honra logo aos heróis glorificados. 4. Venera assim mesmo aos Gênios terrestres, cumprindo tudo aquilo que é

conforme às leis. 5. Honra também a teu pai e a tua mãe e ateus parentes próximos. 6. Entre os demais homens, toma por amigo aquele que se destaca na virtude. 7. Cede sempre às palavras de brandura e às atividades salutares. 8. Não chegues nunca, por uma culpa leve, a aborrecer a teu amigo; 9. Quando isto te for possível; porque o possível reside próximo do

necessário. 10. Saiba que estas coisas são assim, e acostuma-te a dominar estas outras: 11. A gula primeiramente, e o sonho, a luxúria e o arrebatamento. 12. Jamais cometas ação alguma de que possas envergonhar-te; nem com

outro, 13. Nem tu particularmente. E, mais que nada, respeita-te a ti mesmo.

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14. Pratica logo a justiça em atos e em palavras. 15. Não te acostumes a proceder sem reflexão em coisa alguma, por pequena

que esta seja. 16. Mas recorda que todos os homens estão destinados a morrer; 17. E chega a saber por igual adquirir e perder os bens da fortuna. 18. A respeito de todos os males que tem de sofrer os homens por obras dos

augusto fados do Destino, 19. Aceita-os como sorte que tens merecido; sobreleva-os com mansidão e

não te molestes por isso. 20. Convém te pôr-lhes remédio, na medida que esteja em tuas mãos fazê-lo.

Mas pensa bem nisto: 21. Que o Destino evita às gentes de bem a maior parte destes males. 22. Multidão de discursos, mesquinhos ou generosos, caem ante os homens; 23. Não os acolhas com admiração, mas tão pouco te permitas desviar-te

deles. 24. Porém se te advertes que dizem algo de falso, sobreleva-o com paciência

e mansidão. 25. Quanto ao que te vou dizer, observa-o em toda a circunstancia: 26. Jamais alguém, nem com suas palavras nem com sua ações, possa induzir-

te a que profiras ou faças coisa alguma que para ti não seja útil. 27. Reflita antes de agir, para que não leves a cabo coisas insensatas. 28. Já que é próprio dos desditados proferir ou fazer coisas insensatas. 29. Não faças nunca, portanto, coisa alguma de que possas ter depois lugar a

te afligir. 30. Jamais empreendas coisa que não conheças; senão deverás aprender. 31. Tudo aquilo que é preciso que saibas, com o que viverás a mais ditosa

vida. 32. Não deves descurar da saúde de teu corpo, 33. Antes com medida conceder-lhe a bebida, o alimento, o exercício; 34. E chamo medida a aquilo que jamais possa prejudicar-te. 35. Acostuma-te a uma existência decorosa, singela, 36. E guarda-te de fazer tudo aquilo que possa atrair-te invejas. 37. Não faças gastos inúteis, como fazem os que ignoram em que consiste o

formoso. 38. Tão pouco sejas avaro: excelente é em tudo a justa medida. 39. Jamais tomes a teu cargo empresa que possa prejudicar-te, e reflita antes

de obrar. 40. Não permitas ao doce sonho que se deslize sob teus olhos, 41. Antes que hajas examinado cada uma das ações de tua jornada. 42. Em que falte? Que fiz? Que omiti do que deveria fazer? 43. Principia a recorrer tuas ações pela primeira de todas, e logo se achares

haver cometido culpas, admoesta-te; mas, se houveres agido bem, regozija-te. 44. Esforça-te para pôr em prática estes preceitos, medita-os; é preciso que

ponhas amor neles.

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45. E eles te porão sobre a pista da virtude divina; 46. Juro-te por aquele que transmitiu à nossa alma o sagrado quaternário, 47. Fonte da Natureza cujo curso é eterno. 48. Não comeces a tomar sobre ti nenhuma empresa 49. Sem pedir aos Deuses que a terminem bem. 50. Quando todos estes preceitos te forem familiares 51. Conhecerás a constituição dos Deuses imortais e dos homens mortais;

saberás 52. Até que ponto diferem entre si as coisas e até que ponto se reúnem. 53. Conhecerás, assim mesmo, na medida da justiça, que a Natureza é em

tudo semelhante a si mesma; 54. De sorte que não esperarás o inesperado, e nada estará já oculto para ti. 55. Saberás igualmente que os homens escolhem por si mesmos e livremente

os males; 56. Míseros, deles!, não sabem ver nem entender os bens que têm junto de si. 57. Pouco numerosos são os que aprenderam a libertar-se de seus males. 58. Rolam de cá para lá, oprimidos por inúmeros males. 59. Inata neles, a aflitiva Discórdia os acompanha e danifica sem que eles o

vejam; 60. Não devemos provocá-la, senão fugir dela, cedendo. 61. Oh Zeus, pai nosso, a todos os homens livrarias dos numerosos males que

os oprimem, 62. Se fizesses ver a todos de que Gênio se servem! 63. Mas tu, cobra ânimo, pois que sabes que a raça dos homens é divina 64. E que a sagrada Natureza lhes revela francamente as coisas todas. 65. Se a ti te as descobre, conseguirás quanto te é prescrito: 66. Havendo curado tua alma, a libertarás desses males. 67. Mas abstém-te dos alimentos de que falamos, aplicando teu juízo 68. A tudo aquilo que possa servir para purificar e libertar tua alma. Reflita

sobre esta coisa, 69. Tomando por guia à excelente Inteligência do alto. 70. E se, depois de haver abandonado teu corpo, chegas ao livre éter, 71. Serás Deus imortal, incorruptível, e para sempre emancipado da morte.

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ART. 2o. PITAGÓRICOS MAIS DESTACADOS. 0335y468.

469. A comunidade pitagórica de Crotona, Itália, foi a primeira organização

no Ocidente, com as formas orientais de religião e prática intensa de ritos de purificação. Outras organizações religiosas viriam a se formar mais tarde no Ocidente,

sobretudo as cristãs, beneditinas e agostinianas, inspiradas nas ordens monásticas do Oriente, onde seu (331-379) notável organizador foi São Basílio.

Rapidamente cresceu a ciência e a filosofia nos meios pitagóricos. A escola de Pitágoras "foi sementeira de muitos homens famosos por causa

de suas virtudes, por exemplo, Zaleuco e Carondo, ambos legisladores. Não menosprezava nenhuma oportunidade para fazer amigos. Bastava-lhe saber que algum tinha com ele comunidade de símbolos, para que logo dele se fazer companheiro e amigo" (D. Laércio, VIII. 16).

"Sua escola durou ao menos nove ou dez gerações, porque Aristóxeno conheceu os últimos pitagóricos, Xenófilo de Cálcis na Trácia, Fanton, Exécrates, Diócles e Polimnesto, todos de Flionte [Peloponeso]. Estes filósofos foram discípulos dos tarentinos Filolau e Eurito" (D. L., VIII, 46).

"A escola pitagórica se estabeleceu em Metaponte e ali ela durou muito tempo" (Clemente de Alexandria, Strômata, 1, 63).

470. Contudo a crença em inspirações sobrenaturais, atribuíram à Pitágoras grande autoridade, devendo os seus discípulos somente ouvi-lo. Até mesmo as doutrinas eram consideradas secretas, não devendo ser simplesmente divulgadas à massa popular.

Alguns pitagóricos posteriores superarão as restrições misticistas. Contudo estes pitagóricos conservaram alguns radicalismos da escola, como por exemplo o rijo dualismo entre espírito e matéria, bem como o inatismo das idéias. Como se sabe, este modo de pensar prosperou com o platonismo e mesmo nos primeiros pensadores cristãos.

471. Por atração da personalidade mágica de Pitágoras os discípulos se multiplicaram. De modo semelhante aos fundadores de religião, foi capaz de influenciar as mentes e se situar como centro de atração.

Certamente já houvera feito discípulos ao tempo em que visitou as cidades jônicas da Ásia Menor, onde já de algum tempo florescia a ciência e a filosofia. Também suas viagens ao Egito e possivelmente ao Oriente lhe permitiram conhecer os mistérios praticados pelas religiões, consolidando os crentes de em seu torno, vindo a comunidade de Crotona ter um crescendo contínuo.

Algumas versões anedóticas ilustram a magia da personalidade do mestre Pitágoras:

"Hermipo conta a seguinte anedota: Quando Pitágoras chegou à Itália, fechou-se em um subterrâneo, e recomendou à sua mãe, que ela escrevesse sobre umas tabuinhas todos os acontecimentos, com a indicação do exato tempo.

Depois de muito tempo reapareceu Pitágoras sujo e enfraquecido, apresentando-se ante a assembléia do povo, como tendo vindo do Inferno e contando tudo o que havia acontecido durante sua ausência. Este discurso de tal modo impressionou aos ouvintes, que eles choravam de emoção e derramavam lágrimas, convencidos que Pitágoras

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era efetivamente um homem divino. Também queriam que ele tomasse sobre si a instrução de suas mulheres, e por isso se criou o nome de pitagóricas, dada a estas últimas" (D. Laércio, VIII, 40).

472. Merece atenção o interesse pela educação feminina, cujo começo já acontecia em algumas cidades gregas. Em Esparta ela evoluíra por exemple mais rapidamente que em Atenas. Platão, ao retornar da Itália, advertiu para a mesma, admitindo o ingresso de mulheres na Academia, que então fundara.

473. "Pitágoras despertou tal admiração, que os discípulos acreditavam em suas sentenças, como palavras de Deus. Em seus escritos, ele mesmo declarou, que ficara duzentos anos no Inferno, antes de chegar aos homens. Os habitantes de Lucânia, de Ancona, de Otranto e de Roma correram a ele e atendiam às suas prédicas.

Contudo as doutrinas pitagóricas haviam permanecido em segredo, até que Filolau deu publicidade a estes famosos livros, os quais Platão comprou, sob encomenda, de um amigo, pelo preço de cem minas.

Os aprendizes, que vinham à noite para ouvir suas lições nunca eram menos de seiscentos, e quando alguém era aceito para vê-lo, isto era uma grande honra comunicada por carta aos amigos" (D. L., VIII, 15).

474. A comunidade pitagórica praticava a comunhão dos bens e o silêncio respeitoso diante do mestre.

"Ele [Pitágoras] foi o primeiro, - informa Timeu, - que disse dever tudo ser comum entre os amigos, e que a amizade é uma espécie de igualdade. Seus discípulos juntaram todos os seus bens, para usufruí-los em comum. Durante cinco anos silenciosamente, os iniciantes somente o ouviam; a eles não era permitido conviver com Pitágoras, até quanto esta prova estivesse concluída" (D. L., VII.12).

Por alguns era considerado Deus: "Diz-se que ele era extraordinariamente belo e que seus discípulos o

supunham ser Apolo Hiperbóreo. Diz-se também, que certo dia, estando ele nu, alguns viram que sua coxa era de ouro. Muitos asseveram, que o rio Neso recebeu dele este nome, enquanto ele o atravessava" (D. L., VIII, 13).

475. Sistematização dos nomes dos principais pitagóricos. Apesar de uma consciência ideológica coletiva peculiar a todo o grupo, os pitagóricos ao mesmo tempo se dispersavam em comunidades ou ligas, sobre as quais não restam informações claras. Através dos tempos, até hoje, há os que acreditam numa certa linha de continuidade.

O que mais aqui deve interessar, em termos de história da filosofia, é o arrolamento de pitagóricos de destaque, com vistas a denominá-los com algumas de suas doutrinas, sobretudo quando se diferenciam entre si.

Importa entretanto arrolar, que se fizeram listas de mais de 200 pitagóricos, e que aparecem sobretudo nos textos de Jâmblico (c. 250-330).

Pela sua ordem cronológica, alguns são dos primeiros, outros são ditos posteriores. Estudados individualmente, o detalhe cronológico interessa para a análise comparativa.

Alguns pitagóricos são originários de Crotona, onde se havia estabelecido a comunidade inicial do movimento pitagórico:

Alcmeon de Crotona (vd 477);

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Filolao de Crotona (vd 479); Eurito de Crotona (vd 486). A mais significativa das ligas pitagóricas posteriores foi a de Tarento, à qual

pertenceu um nome de destaque doutrinário e político, mas que não foi cronologicamente dos primeiros:

Árquitas de Tarento (vd 483); Clínias de Tarento (vd 487); Lisis de Tarento (vd 485). Há também aqueles pitagóricos, com originalidades pessoais, a partir de onde

por exemplo, uns eram considerados os acusmáticos (esotéricos, sentenciosos, dogmáticos) e outros matemáticos .

Hípaso de Metaponte (vd 482), com idéias heraclíteas, foi chefe dos acusmáticos.

Os matemáticos se consideravam mais pitagóricos, que os precedentes. Esta distinção terá surgido posteriormente a Pitágoras e mostra apenas a

tendência de uns mais para o misticismo e outros mais para a ciência, ou filosofia. Ainda na Itália se fizeram conhecer, como pitagóricos: Hicetas de Siracusa, astrônomo que propôs a rotação da terra (D.L., VIII, 85); Ecfanto de Siracusa, astrônomo, com tendências atomistas, e que também

propôs a rotação da terra, que também se disse de Filolau. Ainda na Itália se citam Pitagóricos dispersos, que não desapareceram no

tumulto da história (vd 488), como Ocelo de Lucânia e a liga pitagórica de Régio. Na Grécia continental encontrava-se um grupo de pitagóricos em Tebas

(capital da Trácia), onde atuou de passagem e pessoalmente Filolau de Crotona, entre cujos discípulos diretos e indiretos, vários nomes se fizeram conhecidos:

Cebes e Símias (vd 489), e outros notáveis. Em Cirene, da África, atuou Proro (vd 491). Outros pitagóricos foram apenas citados. Poderão ter sido atuantes, ainda que

deles não restem detalhes ideológicos significativos. Houve também pitagóricos que simplesmente passaram para a Academia de

Platão, em vista das afinidades do platonismo com o pitagorismo. Estes têm o mérito de haverem contribuído para a estabilidade da importante instituição criada por Platão.

477. Álcmeon de Crotona (! 8 6 : " \ @ < ) (c. 520 – c. 450 a.C.) foi um dos principais discípulos de Pitágoras e de primeira hora. Floresceu quando o mestre já estava idoso, e portanto na volta dos anos 400 a.C. Não é o mesmo Álcmeon, filho de Anfiaro, citado por Ovídio.

Havendo estudado a natureza como físico e como médico, foi talvez o primeiro a praticar a pesquisa pela dissecação dos corpos e a aventurar-se a fazer uma operação nos olhos. Infere de suas experiências, que no cérebro está a sede do pensamento.

Muito pouco resta de suas obras e poucas são as informações doxográficas. Praticou a medicina, a física, bem como a filosofia em geral, advertindo para a doutrina dos contrários, típicas do pitagorismo, as quais todavia têm origem, em última instância no orfismo de procedência oriental.

Tais notícias chegaram através de Diógenes Laércio:

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‘’Alcmeon de Cortona outro discípulo de Pitágoras. Havendo cultivado a medicina, abordou algumas vezes a física, como quando diz por exemplo, - "A maior parte dos coisas humanas são duplas".

Parece [continua Diógenes Laércio] como diz Favorino, em Histórias diversas, que foi o primeiro a escrever um Tratado sobre a natureza, e ensinava que a natureza da Lua deve permanecer eternamente igual a que tem atualmente.

Ele é filho de Pirito, como ele mesmo diz no começo de sua obra: ‘Alcmeon de Crotona, filho de Pirito a Brontino, Leonte e Batilo. Os deuses têm um conhecimento perfeito dos segredos da natureza e de tudo que é mortal. Os homens somente podem fazer conjeturas, assim por diante ‘ [Frag. 1].

Ele disse também que a alma é imortal e que se movia sem cessar como o Sol "§ N 0 * ¥ 6 " Â J ¬ < R L P ¬ < • 2 V < " J @ < 6 " Â 6 4 < , Ã F 2 " 4 " Û J

¬ < F L ( ( , P X H " (D. L., VIII, 82). "Álcmeon de Crotona, filho de Perito, foi quem primeiro escreveu sobre a

natureza. Outros dizem, que o primeiro autor do livro foi Anaxágoras de Clasomene" (Clemente de Alexandria, Strômata, I, 78).

478. O caráter pitagórico de Álcmeon se manifesta na doutrina dos contrários. Ainda que não tenha conduzido a estes a características precisas, como farão os pitagóricos ulteriores, a importância esta na antiguidade destes seus pontos de vista. Dos pitagóricos tomou a doutrina dos opostos (bom e mau, doce e amargo, etc.); ou inversamente dele a tomaram os pitagóricos.

Aristóteles, depois de expor esta doutrina dos contrários em nome dos pitagóricos, declara:

"Sensivelmente a mesma parece a doutrina de Álcmeon, seja porque este as recebeu dos pitagóricos, ou estes últimos, de Álcmeon, porque ele floresceu ao tempo da velhice de Pitágoras, e as doutrinas que professaram são quase idênticas" (Arist., Metaf., 986a 28).

No contexto pitagórico Álcmeon definiu a saúde como o equilíbrio (Æ F @ < @ : \ " ) dos contrários, e a supremacia (: @ < " D P \ " ) de um dos dois a causa da doença [frag. 4.].

Comentou ainda Aristóteles a respeito de Álcmeon: "Ele diz, com efeito, que a maior parte das coisas humanas vão em dois,

designando contrários, tomados ao azar, e não contrários definidos como aqueles dos pitagóricos, por exemplo o branco e o preto, o doce e o amargo, o bem e o mal, o grande e o pequeno. Assim, pois, este filósofos emitiu idéias imprecisas sobre o resto [sobre os números e contrários], enquanto que os pitagóricos explicaram claramente os números e os contrários" (Met., 986a 30-32).

Sobre o homem disse ainda Álcmeon: "Os homens morrem, porque não podem unir o princípio ao fim" (Frag. 2). "O homem distingue-se dos demais [seres] por ser o único que compreende,

pois todos os outros percebem, mas não compreendem"(Frag. 2a). "Mais fácil é proteger-se de um homem inimigo, do que de um amigo" (Frag.

5).

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479. Filolau de Crotona (M 4 8 @ 8 V @ H ) (sec. 5-o.a.C.). Foi discípulo de Lisis, este por sua vez de Pitágoras. Viveu no final do século 5-o.a.C., como indicado, e foi contemporâneo mais velho de Sócrates (469-399 a.C.).

A informação de que vivera em Tebas se funda no diálogo de Platão. O assunto é órfico, portanto pitagórico, sobre a alma, o prazer, a dor, a morte, o suicídio. Então Cebes, pitagórico daquela cidade, é perguntado por Sócrates:

"Então, Cebes, acaso tu e Símias já não ouvistes sobre estes assuntos, porquanto vós vivestes tanto tempo com Filolau?" (Fédon, 61, d).

Um pouco depois, Cebes complementa: "Eu mesmo efetivamente já escutei a Filolau dizendo, no tempo quando ele

viveu entre nós, que tal coisa era um grande mal" (Fédon, 61 e). A partir dali se induz que Filolau houvera estado algum tempo em Tebas,

cidade da Grécia central, antiga capital da Beócia. O Fedon é um diálogo do período de transição doutrinária de Platão, de entre

os anos 390-365 a.C. A função de Filolau como mestre que consolida o pitagorismo na Grécia foi

anotada por Diógenes Laércio, o qual, após arrolar os nomes dos últimos pitagóricos, acrescenta:

"Estes filósofos eram discípulos de Filolau e Eurito de Tarento" (D. L., VIII, 46).

O retorno de Filolau ao Ocidente ocorreu talvez na passagem do século, pela volta do ano que morria Sócrates (399 a.C.). No contexto de Platão Filolau se encontrava de novo na Itália, porquanto ali encomendara suas obras.

Dispersivamente informou Diógenes Laércio sobre as obras de Filolau, ao mesmo tempo que se referiu à compra que Platão fizer das mesmas:

"Filolau de Crotona é pitagórico. Dele são os livros, cuja compra Platão encomendou por carta a Díon. [...] Havia escrito uma obra que Platão, segundo diz um escritor citado por Hermipo, ele escreveu um livro, que Platão, durante sua estadia em Sicília junto a Dionísio, comprou por 40 minas alexandrinas de prata aos pais de Filolau, do qual ele obteve elementos para seu Timeu.

Outros dizem, que Platão recebeu estas obra de um jovem discípulo de Filolau, o qual a obsequiava como agradecimento por havê-lo libertado junto a Dionísio.

Também diz Demétrio em seus Homônimos, que Filolau é o primeiro pitagórico, que escreveu uma tratado Sobre a natureza. Assim dizia este livro: A natureza (o cosmo e tudo nele contido) formam um todo harmônico, composição de finito e infinito" (Frag. 1, em D. L., VIII, 85).

Com referência a Dion e as obras pitagóricas adquiridas por Platão, se encontra ainda uma referência meramente contextual no informe no qual Diógenes Laércio se ocupa ao biografar ao mesmo Platão:

"Dizem alguns autores, entre eles Sátiro, que [Platão] escreveu a Dion, à Sicília, pedindo que lhe comprasse (de Filolaus?) três obras pitagóricas por cem minas. Estava então em opulência. Assegura Onetor, na obra entitulada, Se o sábio pode enriquecer-se, que havia recebido de Dionísio mais de oitenta talentos" (D. L., III, 9).

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Alguma nova luz sobre a época de sua vida como sua personalidade revelam os recém descobertos extratos dos Iatrika de Menon, entre os quais se encontra um grande fragmento de conteúdo médico de Filolau, a base do qual H. Diels deduziu que, pelo menos em medicina, era um eclético sem originalidade, tributário do sofista Pródico, do qual caberia deduzir, por sua vez, que não era mais velho senão mais jovem que Sócrates (Hermes 28,1893, p. 417)" (Windelband, Hist. da filosofia antiga, n. 24).

Morreu Filolau por razões políticas, como se depreende de uma afirmação isolada. "Morreu suspeito de querer a tirania" (D. L., VIII, 84). Mas a afirmação de Diógenes Laércio poderá ser um equívoco, porquanto o morto poderá ter sido Dion antes mencionado pelo texto, o qual efetivamente o fora por tal razão.

480. O pensamento de Filolau importa sobretudo, porque numa fase posterior desenvolveu novas idéias, devendo-lhe o pitagorismo parte considerável sobre a doutrina dos números como elementos constitutivos das coisas, dos números como arquétipos, bem como ainda as noções sobre harmonia.

Um informe, oferecido no curso da biografia de Pitágoras refere: "As doutrinas pitagóricas permaneceram secretas, até que Filolau publicou

estes três famosos livros, os quais Platão adquiriu de um amigo pelo preço de cem minas" (D. L., VIII, 15).

Perdida a obra a obra de Filolau, restaram alguns fragmentos citados por Estobeu, Jâmblico, Teo de Esmirna, Clemente de Alexandria, Macróbio, Nicômaco, Diógenes Laércio.

Sobre medicina Filolau aceitou e reproduziu sem originalidade, - como já se adiantou, - os conceitos do sofista Pródico. Eis uma conclusão extraída do livro Iatrika (Sobre medicina), de Menon, reencontrado no século 19-o. e citando um fragmento de Filolau.

Do fragmento se depreendeu que Filolau depende de Pródico, o que também prova haver sido contemporâneo mais novo de Sócrates.

"Acreditava que todas as coisas vêm da necessidade e da harmonia. Foi o primeiro em ensinar que a Terra tem movimento de rotação sobre si mesma; outros atribuem a primazia deste descobrimento a Hicetas de Siracusa" (D. Laércio, VIII, 85).

O pensamento de Filolau põe em destaque os contrários, e entre estes sobretudo o finito, ou limitado (– B , 4 D @ < ), conforme é peculiar à doutrina dos pitagóricos. Um importante texto de Aristóteles sobre a doutrina dos contrários, defendida pelos pitagóricos, menciona nominalmente apenas um pitagórico mais antigo, Álcmeon de Crotona (Física 213b 22. Todavia é a mesma doutrina que exporá Filolau, segundo outros textos, quer fragmentos, quer doxografias.

Um deles é o já citado: "A natureza (o cosmo e tudo nele contido) formam um todo harmônico,

composição de finito e infinito" (Frag. 1, em D. L., VIII, 85). O fragmento seguinte: "Necessariamente todas as coisas deve ser, ou limitadas ou ilimitadas, ou

tanto limitadas como ilimitadas. Tão só limitadas (ou apenas limitadas) não podem ser. Portanto, como evidentemente não são na totalidade nem do limitado, nem do ilimitado, é claro então que do limitado e do não limitado o cosmos e as coisas (existentes) nele são constituídas. Evidenciam-no também as (coisas que são) nos atos, pois delas as (constituídas)

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de (elementos) limitados são limitadas, as de (elementos), limitados e ilimitados são limitadas e ilimitadas, e as de (elementos) ilimitados mostram-se ilimitadas" (Frag. 2, em Estobeu, Eclogas I, 21 7 a).

Referência doxográfica: "O pitagórico Filolau afirma o limitado e ilimitado como princípio" (Aécio I,

3, 10). Não há só o infinito: "Se tudo fosse ilimitado, não haveria em princípio objeto para ser conhecido"

(Frag. 3, em Jâmblico, Nicômaco, p. 7, 24). 481. A doutrina dos números de Filolau foi, como já se adiantou, uma das

geradoras principais do que os pitagóricos desenvolveram neste sentido (vd 0335y505). Primeiramente se destaca a afirmação geral: "E de fato, tudo o que se conhece, tem número. Impossível é pensar, ou

conhecer, sem ele" (Frag. 4 de Filolau, em Estobeu, Éclogas, I, 21 7 a). "A unidade [o um] é o princípio de todas as coisas" (Frag. 8 de Filolau, em

Jâmblico, Nicômaco, p. 77,9). Os números estão na essência das coisas, dispondo-se em par, ímpar, par-

ímpar, em consequência formando a harmonia, de acordo com suas diversas combinações. "Tem o número duas formas particulares: ímpar e par. E uma terceira

decorrente da mistura de ambas: par-ímpar. Cada uma das formas apresenta muitos aspectos, que por si cada coisa revela" (Frag. 5, de Filolau, em Estobeu, Éclogas, I, 21, 7 c).

O Frag. 11 de Filolau, encontrado em Teo de Esmirna, mostra quanto o pitagórico de Crotona se alongou em detalhes de sua teoria dos números como elementos compositivos das coisas:

"Há que julgar as atividades e a essência do número pela potência havida no dez. Ele é grande, tudo cumpre, tudo efetua. É princípio da vida divina e celeste, como também da humana. Sem ele, todas as coisas restam ilimitadas, obscuras, imperceptíveis.

A natureza do número é a causa do conhecimento. É capaz de dirigir e instruir todo homem, quando qualquer coisa é duvidosa e ignorada. Se não houvesse número e sua essência, nenhuma das coisas seria evidente, nem a si mesma, nem na relação entre si. Efetivamente, o número ao harmonizar na alma as coisas com a percepção, as torna inteligíveis, relacionadas entre si, de acordo com a medida dos gnômon, revelando o corpo das coisas e suas relações, tanto para as ilimitadas como para as limitadas.

Constata-se a natureza do número como também sua potente atividade, tanto nas coisas acima da natureza e divinas, como ainda em todos os atos e palavras dos seres humanos, em qualquer parte, em todas as criações técnicas e na música.

A natureza do número e da harmonia não acolhe nenhuma falsidade, por não lhes ser própria. A falsidade e a inveja são do ilimitado, do insensato, do irracional.

O número não insinua de maneira nenhuma a falsidade., porquanto é própria e inata a verdade" (Frag.11, em Teo de Esmirna, 106, 10).

A partir da combinação dos números desenvolveu Filolau, juntamente com os pitagóricos em geral, uma teoria da harmonia, ou seja, da escala musical. Neste sentido resta o frag. 6, relativamente longo, por citação de Estobeu (Éclogas, I, 21 7 d) (vd ).

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482. Hípaso de Metaponte (3 B B " H @ H ) (5-o séc. a.C.). Foi contemporâneo de Filolau.

É considerado fundador da seita dos acusmáticos, distinta da dos matemáticos.

Mas não se sabe, se também ele veio à Grécia continental. Fez-se conhecido por causa de um episódio disciplinar.

Conforme a versão de Ecfanto, revelou Hipaso um segredo matemático. Em consequência foi expulso da comunidade pitagórica e atirado ao mar (Jâmblico, Vida de Pitágoras, 88).

"E eles [os matemáticos] surgiram a partir destes, enquanto que os outros [os acusmáticos] a partir daqueles.

A cerca de Hípaso se conta que era pitagórico, mas que, por haver publicado por escrito pela vez primeira a constituição da esfera dos doze pentágonos, pereceu no mar, em vista do sacrilégio cometido. E recolheu a fama de ser; o descobridor, ainda que tudo era daquele varão (como se chamava a Pitágoras e; não com o seu nome).

O ensino matemático progrediu depois que publicaram as suas obras os que mais a promoveram, Teodoro de Cirene e Hipócrates de Quios.

Dizem os pitagóricos que o ensino da matemática foi tornada pública deste modo: um dos pitagóricos perdeu a sua fortuna, e, como lhe aconteceu isto [esta desgraça], lhe foi permitido lucrar com a geometria" (Jâmblico, De comuni mathematica scientia 77, 17-25a 78, 1-4).

Sobre o conteúdo doutrinário de Hípaso informou Diógenes Laércio: "Hípaso de Metaponte foi outro pitagórico. Ensinou que o mundo tem

mudanças periódicas, cuja duração está determinada; que o universo é infinito e está sempre em movimento. De acordo com Demétrio em sua obra Homônimos nada deixou escrito" (D. L., VIII, 84).

Destacou, à semelhança de Heráclito, o fogo como principal elemento da natureza, segundo as informações de Aristóteles (Metafísica, 1,3. 984a 5; Simplício, Física, 23,33).

Introduziu portanto no pitagorismo novas idéias, como aliás também o fizeram outros.

Hípaso, como Ecfanto, foi ainda astrônomo. Afirmaram ambos, como também Filolau, a rotação da terra em torno de seu próprio eixo.

483. Árquitas de Tarento (! D P b J " H ) (5-o. e 4-o. séc. a. C.) foi pitagórico já muito depois do desaparecimento da primeira comunidade de Crotona. Dedicou-se à filosofia, matemática e música. Foi de grande influência em seu tempo, por causa de sua condição de homem de Estado, eleito sete vezes general de sua cidade.

Livrou a Platão das dificuldades que o haviam indisposto com o rei Dionisio de Siracusa.

Tais informes foram transmitidos por Diógenes Laércio: "Árquitas de Tarento, filho de Neságoras, ou de Estico, segundo Aristóxenes,

era também pitagórico. Foi ele quem, mediante uma carta que escreveu a Dionísio, salvou a vida a Platão, a quem o tirano havia resolvido matar. Eminente em todas as suas virtudes, havia despertado de tal maneira a admiração geral, que seus concidadãos lhe conferiram sete

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vezes seguidas o título de general, contrariando a lei que proibia exercer mais de um ano tais funções. Platão lhe escreveu duas cartas, tendo sido entretanto Árquitas que lhe escreveu primeiramente" (D. L., VIII, 78).

484. Houvera Platão vindo duas vezes de Atenas às cidades gregas do sul da Itália. Já antes da fundação da Academia em 387 a.C. estivera em Siracusa, quando se intrometeu em assuntos políticos, sendo preso por Dionísio o Grande, ou o Velho, e entregue ao piloto de um navio, para ser vendido como escravo. Desta vez o pitagórico Aniceris o adquiriu, dando-lhe a liberdade, havendo a seguir fundado a Academia em Atenas.

Muitos anos depois, em 361 a.C., quando o rei era Dionísio o Jovem, de novo Platão se envolveu em questões políticas de Siracusa, então em favor de Dion. Sem sucesso, Platão sofreu uma segunda prisão. Foi nesta oportunidade que ocorreu a interferência bem sucedida de Árquitas de Tarento.

As duas cartas de Platão, - a que se refere Diógenes Laércio, que inclusive lhes dá o texto, aliás pequeno (D. Laércio, VIII, 79), - são hoje consideradas apócrifas.

Continua a informação de Diógenes Laércio: "Quanto ao pitagórico [Árquitas de Tarento], diz Aristóxeno que, durante

todo o tempo em que foi general, jamais foi vencido; porém havendo-se-lhe, por inveja, obrigado a renunciar, foram surpreendidos os soldados" (D. L., VIII, 81)

E ainda sobre o seu saber: "Foi o primeiro que aplicou a; matemática à ;mecânica e o primeiro também

que deu impulso metódico à geometria descritiva, buscando nas secções do semi-cilindro a média proporcional que permite encontrar o duplo de um cubo dado. É, por último, o primeiro, segundo Platão, em sua República [528 b] a medida geométrica do cubo" (D. L., VIII, 81).

Para alcançar fama, como matemático, teriam sido suficientes suas descobertas sobre o cubo; mas ele fez mais, porquanto também calculou a harmonia musical.

Atribuem-se ainda a Árquitas de Tarento várias obras, com certeza sobretudo de Ciência matemática e de Harmonia.

Possivelmente escreveu sobre mecânica. Restam somente fragmentos sobre matemática e harmonia musical. Como Filolau de Crotona, contribuiu Árquitas de Tarento, para o desenvolvimento teórico da música, que se dera nos meios pitagóricos (vd 535).

485. Lisis de Tarento (7 Ø F 4 H ), contemporâneo de Pitágoras, salvou-se quando do ataque à comunidade pitagórica de Crotona (D. L., VIII, 39).

É possível que houvesse influenciado a Filolau, que lhe é mais recente. Transferindo-se para Tebas (vd 489), ali foi o principal pitagórico, autor de

livros e mestre do já citado Epaminondas, o general que deu projeção àquela cidade. "Quanto à obra que hoje se atribui [ à Pitágoras], esta é de Lísis de Tarento,

filósofo pitagórico, que, refugiado em Tebas, foi aqui mestre de Epaminondas" (D. Laércio, VIII, 7) (cf. Jâmblico, Vida de Pitágoras, 185; Atenágoras, 5 p.5, 15).

486. Eurito de Crotona (+ Û D b J @ H ) (segundo Jâmblico, Vida de Pitágoras 148), ou Eurito de Tarento (segundo Diógenes Laércio, VIII, 46), foi discípulo de Lisis e também de Filolau. Atuou no século 4-o. a.C., quando portanto morria Sócrates (399 a.C.) e não demora a criação da Academia de Platão (387 a.C.), amigo dos pitagóricos.

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Foi Eurito, juntamente com Filolau, mestre dos últimos pitagóricos (D. L., VIII, 46) (vd 469).

Conhecido de Aristóteles, este se refere aos conceitos de Eurito, sobre a maneira como os números são causas ou princípios da substância (Metafísica, 1092b 8).

As informações encaminhadas por Aristóteles sobre este assunto, serão logo complementadas Teofrasto, Nicômaco de Gerasa, Teon de Esmirna, finalmente pelos doxógrafos mais recentes.

As considerações pitagóricas sobre os números assumiram o gosto dos matemáticos subtis no jogo das relações. Mas, - como considera Aristóteles, - isto tudo não pode ser confundido com a matéria e a essência das coisas.

O Mestre do Liceu, ao examinar longamente a questão dos contrários, do par e do ímpar, e dizendo que os platônicos e Empédocles de Agrigento não dão resposta aos problemas suscitados, ponderou:

"Não se definiu de que maneira os números são as causas das substâncias e do ser. Seria como se fossem os limites, a maneira como os pontos determinam as grandezas?

Teria sido assim que Eurito fixou um número para cada coisa, por exemplo, um para o homem, outro para o cavalo, imitando a configuração dos seres vivos nas figuras do triângulo e do quadrado?

Ou então o número seria causa, porque o acorde musical é uma numeração numérica, e porque o homem e cada outra coisa são semelhantemente também relações numéricas? Mas, então, como é que as qualidade, o branco, o doce, o frio, seriam números?" (Arist., Metafísica, 14,5. 1082b 8- 17).

Disse também Os. Alexandre ter sido método de Eurito exprimir uma figura pelo número correspondente. Por exemplo, a do homem pelo número 250 (Ps. Alexandre, 826, 35). O número das coisas era obtido pela contagem das pedrinhas necessárias para contornar das respectivas figuras.

Sobre os métodos de Eurito se ocupou também Teofrasto (Metaf., 6 a 15). 487. Clínias de Tarento ficou conhecido por causa do episódio de Platão, o

qual quisera queimar os livros do atomista Demócrito: "Narra Aristóxeno, em Comentários históricos, que Platão intencionou

queimar os escritos de Demócrito. Os pitagóricos; Amiclas e Clínias o impediram, esclarecendo que ele nada ganharia com aquilo, porque eles já estavam muito difundidos" (D. L., IX, 40).

488. Ainda na Itália se mencionam pitagóricos, cujos nomes não desapareceram inteiramente no tumulto da história.

Ocelo de Lucânia é um destes nomes. Todavia os escritos que se lhe atribuem são na verdade apócrifos.

Em Régio, no Sul da Itália, existiu uma liga pitagórica, com algum tempo de duração. Mas nenhum dos seus representantes se destacou.

489. Na Grécia continental operou primeiramente o grupo de pitagóricos de Tebas. O grupo remonta ao tempo de Lisis de Tarento (vd 485), um remanescente de quando, por volta do ano 500 a.C. a população revoltada pusera fim à comunidade pitagórica de Crotona.

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Em Tebas teve Lisis um destacado discípulo, - Epaminondas, - o general que construiu a breve, mas brilhante hegemonia de Tebas, quando da vitória sobre os espartanos em 379 a. C.

Ainda de Lisis fora discípulo Eurito de Crotona (vd 486). Também Filolau de Crotona (vd), quando por algum tempo em Tebas (talvez

até 410 a.C.), fez ali alguns discípulos, entre outros Cebes e Símias. O renome de Cebes e Símias, ambos de Tebas, está em haverem sido

contemporâneos de Platão e haver este os tornado interlocutores no importante diálogo, denominado Fedon. Ali se diz haverem sido discípulos de Filolau, enquanto discutem com Sócrates sobre a questão do suicídio e temas similares (vd 479)

Na península do Peloponeso, de língua dórica, a mesma da Itália, formou-se um grupo pitagórico em Flius.

Diógenes Laércio, apesar de sempre minucioso, não citando os nomes de Tebas, menciona um pitagórico da Trácia (Norte da Grécia) e a seguir uma lista de quatro pitagóricos de Flius, como sendo os últimos.

"A escola [de Pitágoras] durou até a nova ou décima geração. Os últimos pitagóricos, que Aristóxeno em seu tempo conheceu, foram Xenófilo Calcidiense da Trácia, Fanto de Flius, e Exécrates, Diocles e Polimnesto, também de Flius, que foram discípulos de Filolaus e Eurito de Tarento" (D. L., VIII, 46).

Xenófilo não é nome de todo desconhecido (vd Val. Max VIII, 13 ext. 3; e em Suidas s.v.; Jâmblico, Vida de Pitágoras, 251, 267. Idem para os demais. Exécrates foi também citado por Platão, Fedon, 88 d).

Exécrates foi citado por Platão (Fedro 88 d.). Outros e outros pitagóricos se fizeram conhecer pelo mundo helênico.

Na Grécia Timeu de Lócrida é um pitagórico místico. A obra que se lhe atribuiu Sobre a alma do mundo, talvez não passe de um extrato posterior do Timeu de Platão, todavia acrescido de elementos estóicos e peripatéticos. Usualmente se tem impresso juntamente com as obras de Platão.

Depois destes chamados últimos pitagóricos, o movimento continua influenciando sobretudo a Academia platônica e ainda sob a denominação de neopitagorismo.

Como foi dito, uma parte das influências pitagóricas se canalizou para dentro da Academia de Platão, prosseguindo pois as tendências do mesmo fundador. A mística pitagórica dos números, os temas morais e religiosos crescem nos representes da assim chama Velha Academia.

A direção da Academia houvera passado primeiramente a Espeusipo (+ 339 a.C.) sucedido por Xenócrates de Calcedônia, que já havia acompanhado a Platão em sua terceira viagem à Sicília. Durante esta última viagem de Platão ficara a Academia sob a direção de Heráclides (de Heracléia) do Ponto. Este, ao retornar à sua pátria, ali criou também escola, que presidiu até 330 a. C.. Conhecedor das doutrinas pitagóricas, platônicas e aristotélicas, foi escritor produtivo. Em um de seus livros mencionou a figura de Ecfanto.

No relacionamento da Academia de Platão com os pitagóricos destacou-se sobretudo Árquitas de Tarento, o qual, num sentido amplo se pode dizer integrante mental da mesma.

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491. Proro foi pitagórico de Cirene, conhecida cidade grega da África, da costa mediterrânea, não longe de Alexandria.

Com Proro estão relacionados Amiclas e Clínias de Tarento (Jâmblico, Vida de Pitágoras, 127).

Foi sobretudo na África de Alexandria que o pitagorismo resistiu ao tempo, vindo a ser finalmente o neopitagorismo. Este é estudado como um capítulo da filosofia helênico-romana (vd).

ART. 3o . O PITAGORISMO COMO UM TODO DOUTRINÁRIO.

0335y493.

494. Os textos pitagóricos se ocupam dispersivamente de várias doutrinas da

escola, as quais entretanto importa sistematizar. Mas, ao se fazer a citação do mesmo texto, não se pode evitar uma certa repetição.

Pela ordem adotada por Aristóteles, a tese principal do racionalismo pitagórico é a dos números, apresentados como elementos constitutivos das coisas.

Logo depois importa advertir que estes números contêm o caráter de haverem obedecido a arquétipos correspondentes, como exemplares universais das coisas individuais.

Também se deve advertir que os números se apresentam como contrários entre si, e que devem ser harmonizados.

Depois desta metafísica racionalista seguem os parágrafos sobre os restantes temas da filosofia pitagórica.

Posto isto, chega-se a uma ordem didática de parágrafos a tratar: - Os números como elementos dos seres (vd 0335y496); - Os números como arquétipos (vd 0335y505); - Os contrários segundo os pitagóricos (vd 0335y510); - Cosmologia e astronomia (vd 0335y0521); - A harmonia e a música (vd 0335y531); - A matéria e o espírito (vd 0335y537); - A ética pitagórica (vd 0335y550). §1. Os números como elementos fundamentais dos seres. 0335y496. 497. A consistência do ente é uma pergunta importante, já levantada pela

escola jônica, vindo agora a receber junto aos pitagóricos uma nova e curiosa resposta: A consistência do ente é o número. De pronto esta doutrina reclama esclarecimentos, - o que efetivamente os

pitagóricos entendiam pelos números? E quais as propriedades que lhes atribuíam? Historicamente, a doutrina dos números talvez nem pertença ao mestre

Pitágoras. Mas aos seus discípulos, principalmente a Filolau (vd 479) . A preocupação do mestre estava antes na espiritualidade, enquanto a doutrina dos números, que em parte talvez o inspirava, floresceu efetivamente um século depois.

A Pitágoras, como aos órficos e orientais em geral, o que importava era o simbolismo dos números. Isto não é o mesmo exatamente que estabelecer aos números como elementos constitutivos das coisas.

Vivenciou Pitágoras o simbolismo dos números e terá estudado a matemática.

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Mas possivelmente não se estendeu até a criação de uma interpretação metafísica de tudo pelos números. Nem terá estudado a matemática ao ponto de descobrir o assim chamado Teorema de Pitágoras. Somente de futuro os neopitagóricos atribuirão a totalidade do sistema pitagórico ao primeiro mestre da escola. Nesta hipótese Pitágoras teria sido um religioso, um moralista, um político e pouco mais, todavia o suficiente para crescer aos olhos dos discípulos do futuro.

A natureza dos números pitagóricos, eis uma questão polêmica. Estes números não se confundem com os símbolos gráficos, os quais entre os gregos nem existiam senão como letras com um acento diacrítico.

O nome número incluía mais do que a simples numeração – um, dois, três, etc., - mas também as noções geométricas, - face, área, longitude, linha, esfera, volumes, etc..

498. Alongou-se Aristóteles sobre os números dos pitagóricos, ao instalar em sua metafísica o estudo do ser em geral. Como não podia deixar de fazer, informou com abundância sobre a interpretação dada pelos pitagóricos.

Advertiu claramente que os elementos constitutivos dados pelos pitagóricos para o ente, eram os números, e que se opunham como par e ímpar. Informou ainda que alguns pitagóricos apresentavam outras espécies de contrários.

"Os assim chamados pitagóricos foram os primeiros a se aplicarem à matemática, e não só fizeram progredir o seu estudo, mas também adestrados como estavam nele, julgaram que os seus princípios eram os princípios de todas as coisas.

Como, de tais princípios, os números são por natureza, os primeiros, e lhes parecia ver nos números muitas semelhanças com as coisas que são e vêm a ser. São números o fogo, a terra e a água. Tal ou qual modificação dos números são a justiça, outra a alma e a razão, e outra ainda a oportunidade. E, analogamente, comportam quase todas as demais coisas uma expressão numérica. Por outro lado, viam ainda que as modificações e as razões da escala musical podiam ser expressas em números.

E, como, em suma, todas as outras coisas pareciam ser modeladas em sua natureza integral pelos números, e os números se afiguravam ser as primeiras coisas na natureza como um todo, supuseram eles que os elementos dos números fossem os elementos de todas as coisas, e que o céu inteiro fosse uma escala musical e um número.

E, sempre que podiam mostrar uma correspondência das propriedades dos números e das escalas dos atributos, as partes e a disposição total dos céus, incluíram e ajustaram tais propriedades ao seu sistema, preenchendo sem hesitar as lacunas que se lhes deparavam, a fim de dar coerência à teoria.

Por exemplo: como o número dez é considerado perfeito e contendo em si a natureza de todos os números, dizem eles que os corpos que se movem através dos céus são dez; ora, como os corpos visíveis são apenas nove, de maneira que, para vencer a dificuldade, inventam o décimo, a Anti-terra" (Arist., Metafísica, 985b 23 – 986a 12).

"Antes de Demócrito os pitagóricos haviam definido umas poucas coisas em função dos números: a oportunidade, a justiça, o casamento, etc.," (Arist., Metafísica, 1078b 20).

499. Como precisamente entender aos números como elementos dos corpos. São evidentemente os números apenas determinações dos corpos, a partir das quais não

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parece possível reduzi-los simplesmente aos números, como se estes fossem a substância mesma de sua entidade.

Também não se mostra como se pudesse reduzir as propriedades em geral, como a justiça, a números. Consequentemente, todo o contexto pitagórico se apresenta obscuro, pouco convincente, ainda que contivesse elementos que puderam inspirar a posterior doutrina dos arquétipos reais de Platão e ao simbolismo em geral.

Aristóteles, depois de haver examinado diversas teorias sobre a natureza dos corpos, aludiu mais uma vez ao ponto de vista pitagórico:

"Alguns filósofos opinam, que os limites dos corpos, como superfície, linha, ponto e unidade são substâncias, e também que isto é o corpo e o sólido mesmo"(Metafísica, VII, 1.1028 b 15-17).

Aristóteles, ao arrolar uma série de problemas, - aporias, - colocou sob número 14 a que atingia aos pitagóricos:

"Os números, sólidos, superfícies, pontos são, ou não são substâncias? " (Metafísica, III, 5. 1001b 27).

Mais adiante: "Mas o corpo certamente é menos substância do que a superfície, a superfície

menos que a unidade e o ponto. O corpo é aliás definido por estas grandezas, e possivelmente elas podem

existir sem os corpos, e o corpo não pode existir sem elas. Eis a razão porque – ainda que a maioria dos filósofos e entre eles os mais antigos acreditaram, que as substâncias e o ente são o corpo, e que as outras coisas são apenas afecções dos corpos, de maneira que os princípios do corpo são também os princípios dos entes – os filósofos recentes, com fama de mais hábeis que os anteriores, opinam que os princípios do ente são os números" (Arist., Metafísica, III, 5. 1002a 3-12).

Advertindo, que os filósofos anteriores à escola jônica não falaram claramente sobre os elementos constitutivos das coisas, Aristóteles opina que os pitagóricos também não o fizeram:

"Os pitagóricos têm falado, no mesmo sentido [como Parmênides, Anaxágoras e Empédocles, com a mesma obscuridade] de dois princípios [causa material e eficiente], mas acrescentaram as duas particularidades seguintes.

Primeiramente, o Limitado, ou Uno (6 " Â J Î ª < ), e o Ilimitado não são, pensam eles, certas outras realidades, tais como o fogo, a terra ou outro elemento desta espécie, mas é o Ilimitado mesmo e o Uno mesmo que são a substância das coisas das quais eles são afirmados, e é porque eles disseram que o número é a substância de todas as coisas. Tal é a maneira pela qual eles têm opinado sobre estas coisas.

Em segundo lugar, a respeito da essência (J Î J \ § F J 4 ), foram eles que começaram a examinar e a definir. Ma o fizeram de maneira muito simples.

Com efeito, definiram a superficialmente, e o primeiro número ao qual aplicaram a definição dada, eles o consideraram como a essência da coisa definida. Acreditaram serem idênticos o duplo e a díada (o dois), porque a díada (o dois) é a primeira coisa de que o duplo é afirmado.

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Sem dúvida, a essência do duplo e da díada não são a mesma coisa, senão o Uno seria múltiplo. Entretanto, eles não hesitaram tirar esta consequência" (Arist., Metafísica, I, 5. 987a 14-28).

E assim é que o finito e o infinito, os números em geral, não são atributo de algo mais fundamental, mas são o mesmo fundamento.

Afinal, que seriam efetivamente os números? Eles talvez não sejam substancializáveis, como queriam os pitagóricos, ao convertê-los em fundamento, mas seriam consequência das substâncias numeráveis. Embora talvez errando sobre a natureza dos números, os pitagóricos introduziram o seu questionamento.

No inícios dos tempos modernos, Descartes (1596-1650) asseverou algo similar aos pitagóricos, quando propôs que a quantidade é a essência dos corpos. O conceito pitagórico dos números era algo similar à quantidade na filosofia cartesiana. Pelo mesmo caminho se tenta a refutação. Mas nem só a quantidade espacial importa em números, ainda que sobretudo nesta eles ocorram. Em qualquer substância podem ocorrer os números, mas sempre como decorrência, ou seja, como propriedade.

500. As qualidades, por obra das quais os entes se diferenciam entre si, novamente se fundam nos números, no entender dos pitagóricos, e por isso geram símbolos.

Os números determinam os entes. O finito como que limita ao infinito. O que o número não limita, resta impreciso e obscuro.

As hierarquias matemáticas dos números são, além disto, traduzidas em valores morais e símbolos; místicos. Pode-se duvidar sobre algumas das categorias e sobretudo sobre a eficácia mística de tais símbolos, não raro equivocadamente utilizados em argumentações; mas não de haver base para a criação de tais símbolos.

"Efetivamente, tudo o que se conhece, tem número. Sem ele nem seria possível conhecer ou pensar algo" (frag. 4 de Filolau, em Stobeo, Eklogoj I, 21, 7 b).

Principalmente o número dez tem importante função no ordenamento e compreensão de cada coisa, de acordo com os pitagóricos. Ele contém tudo o que existe, e por isso ele é o número perfeito.

É o que aparenta estar neste quadro 10 = 1+2+3+4. O uno é a mônada, porque não é nem par, nem ímpar. Ele é todo o número. O dois é a linha. Ou seja, o primeiro par. O três é a superfície. Ou seja, o primeiro ímpar. O quatro é o sólido. Ou seja, o primeiro quadrado. Até onde tem acerto esta análise pitagórica? A divisão dos números se faz

pela unidade. Portanto, 3 é 1+1. Assim, também 3 é 1+1+1, e não 1+2. Na medida que a análise pitagórica supõe os elementos anteriores, não pode

estabelecer o número dez como perfeito e superior. "Entre as grandezas aquela que é divisível conforme uma só dimensão é uma

linha; aquela que é divisível pelas duas dimensões, uma superfície; e aquela que é divisível pelas três dimensões, corpo. Fora disto não há outra grandeza, visto que não há senão três dimensões em tudo o que é divisível.

Com efeito, como o dizem também os pitagóricos, o mundo, e tudo que ele contém, é determinado pelo número três, porque o fim, o meio e o começo, forma o número daquilo que é um todo. O número dado é a tríada.

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É ainda porque havendo recebido estas determinações, da natureza mesmo, como se elas fossem de alguma maneira suas leis, nós nos servimos também do número três no culto dos Deuses" (Aristotelo, Tratado do mundo, I, 1. 268a 7-15).

501. A diversidade, a mudança, as causas, as coisas compostas, - tudo e esclarecido pelos números.

Conforme a diversidade dos limites da figura, os números definem os seres. Portanto, nas mudanças, a modificação das é também a modificação dos números. Tal é evidente na escala musical.

Não obstante Aristóteles adverte que as causas não se explicam adequadamente pelos números.

"Não se definiu como os números são as causas das substâncias e do ente. Eles são como limites, como os pontos ao longo da grandeza: Eurito atribuiu um número para cada coisa, por exemplo, um para o homem e outro para o cavalo; imitando com pedrinhas as figuras dos seres vivos, do mesmo modo como se arranjam os números nas figuras do triângulo e do quadrado" (Arist., Metafísica, 5. 1092 b 10-14).

Um fragmento de Teo de Esmirna esclarece mais sobre a concepção pitagórica dos números na formação dos seres:

"Julgam-se as obras e a essência do número pela potência do número dez (que está na década). Sendo grande, completa tudo, é princípio e guia da vida divina e celeste, como também da humana. Participa do poder do número dez (potência da década). Sem esta, todas as coisas seriam sem limites, incertas e obscuras.

A natureza do número é causa do conhecimento. Ele é guia e mestre para cada um, em tudo o que lhe é duvidoso e desconhecido. Se não fosse o número e a sua essência, nada das coisas seria manifesto a ninguém, nem em si mesmas, nem em suas relações com outras.

Agora, porém, este torna todas as coisas conheciveis, ao harmonizá-las na alma com a sensibilidade, harmonizando também as suas relações mútuas, de acordo com o indicador (gnômon), revestindo-se de corpos, distinguindo as relações de cada coisa das demais, sejam ilimitadas, sejam limitadas. Pode-se ver a natureza e a potência do número desenvolver a sua força, não só nas coisas demoníacas e divinas, mas também em toda a parte, em todas ações e palavras humanas, bem como no domínio da arte e da música.

Nem a natureza, nem a harmonia abrigam em si a falsidade. Pois ela não lhes é própria. A falsidade e a inveja são próprias da natureza do ilimitado, do insensato e do irracional. A falsidade não se insinua de nenhum modo no número. Pois a falsidade é hostil e inimiga de sua natureza, ao contrário da verdade, conforme e congênita à natureza do número"[Frag. 11] (Theo de Esmirna 106, 10).

Conhecem-se os números atribuídos pelos pitagóricos para diferentes seres. Ocorrem também discordâncias. A justiça para uns é o número 4, ou 9; ela seria 2+2=4; ou 3 x 3=9 (vd Alexandre de Afrodísio, Comentário à Metafísica de Aristotelo, 38, 12 k.s.). Também seria o número 3, pelo informe de Plutarco (Sobre Isis e Osiris, 75).

O número da alma é dado como sendo 1 (vd Alexandre de Afrodísio 39, 13). Mais detalhadamente, Asclépio (36,20) informa, que o número é 1 para a razão intuitiva; 2 para a razão inteletiva. Mas, segundo Siriano a inteligência teria o número 6, ou 216.

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Eis alguns outros números, ainda que divergindo segundo os informantes e dos mesmos pitagóricos: 5 – união sexual; 7 - tempo; 8 - harmonia; 10 - perfeição.

502. A inserção de elementos míticos na doutrina dos números foi muito grande entre os pitagóricos (vd Ross, I, 144, Sobre o misticismo aritmético,).

Já procede dos tempos primitivos o misticismo dos números e das cifras. Mas por causa da interpretação dos números como componentes da natureza, cresceram os mitos e os misticismos neste campo.

Possivelmente ainda, por causa da crescente influência do orfismo e do pitagorismo no mundo helênico, encontra-se a presença mítica e mística dos números em toda a literatura que desde então se criou.

Até mesmo o primeiro capítulo do Gênesis da Bíblia judaica descreve a criação do mundo em seis dias, com o descanso do criador no sétimo. Eis um texto redigido aproximadamente no 7-o século a.C., exatamente quando no Ocidente principiava a atuação mais pronunciada do misticismo dos números.

Com referência ao misticismo do número 3, alcançou sucesso nos meios neoplatônicos, especialmente em Plotino (c. 205-270).

Já antes de Plotino o judeu Filon de Alexandria (î. 25-î. 50 d.C.) se fizera neoplatônico e passava logo a influenciar aos primeiros cristãos. O resultado foi a formulação de uma conceituação racional para o dogma da Trindade.

O prestígio mítico do número dez aconteceu em todos os povos, em função certamente do sistema decimal de contagem. Antropologicamente, o sistema decimal esteve sob a influência óbvia dos dez dedos do homem. Mas junto aos pitagóricos esta convicção se firmou com a análise, que dava a este número como o mais perfeito no seu conteúdo, porquanto coincidia com a soma dos demais: 1+2+3+4=10.

Respectivamente ainda ocorria a relação com a linha, a superfície. Tudo estava, de acordo com o texto de Filolau:

"Julguem-se as funções e as essências do número de acordo com a potência do número dez; porque ele é grande, é aquele que tudo completa".

Pelo número 4 e o 10 os pitagóricos juravam. "Juro-te, por aquele, que transmitiu à nossa alma o sagrado quaternário"

(Versos de ouro, 46) (vd também Luciano, De lapsu inter salut., 5). O juramento ante o Dez se fazia frente à misteriosa figura do tetraktys. § 2. Números como arquétipos. 0335y505. 506. O caráter exemplarista dos números é uma particularidade importante

do pitagorismo. Por este caminho influenciou a filosofia de Platão, o qual estabeleceu a doutrina das idéias arquétipas.

Primeiramente, a doutrina pitagórica estabeleceu que tudo era constituído de números. Tal doutrina se desenvolveu sobretudo com Filolau (vd 481). A seguir passou esta doutrina dos números a desenvolver o princípio de exemplarismo, o que já um novo detalhe.

Caracteriza-se qualquer exemplarismo pelo fato de admitir que todo o indivíduo se cria obedecendo a um modelo geral anterior. A perfeição se dá na medida que o indivíduo modelado se aproxima do exemplar absoluto.

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De acordo com a doutrina pitagórica o modelo é o número. De uma parte, estão colocados como modelos os números: linha, área, esfera, etc. De outra parte surgem os números individualizados: linhas individuais, áreas individuais, esferas individuais, etc.

Efetivamente, se se atender ao que se observa, por exemplo, uma roda concreta, pode-se imaginar imediatamente a idéia abstrata de roda, e situá-la como independente desta realização concreta.

A questão que imediatamente se ergue, é a de como interpretar a natureza do arquétipo. Os pitagóricos destacaram o número, Platão a idéia real, Aristóteles um elemento absoluto sem separá-lo dos indivíduos. Finalmente os relativistas de toda a espécie simplesmente negam o exemplarismo ontológico.

507. Sobre o exato alcance do exemplarismo defendido pela escola pitagórica não restam muitos informes, sobretudo não sobre as provas. Mais resta sobre o exemplarismo de Platão, que teria apelado aos universais reais, porque pensava não poder apoiar-se nas coisas singulares. Infere-se que os pitagóricos também tenham pensado, e já anteriormente.

Ao tratar Aristóteles do exemplarismo platônico, fez uma breve menção da origem pitagórica desta doutrina, advertindo que Platão trocou o número pelas idéias.

O mesmo Aristóteles defendeu um exemplarismo muito moderado. Aceitou, como Parmênides, a verdade ontológica, segundo a qual todo o ente obedece a um esquema racional. Este esquema é representado pelo conteúdo das idéias universais. Em Platão os arquétipos exemplares são idéias universais reais, enquanto em Aristóteles todo absoluto é interno ao mesmo indivíduo, no sentido de que não existem idéias universais reais separadas.

"Depois dos sistemas que mencionamos vem a filosofia de Platão, que a muitos respeitos segue a estes pensadores [os pitagóricos], mas tem

características próprias, que a apartam da escola itálica. Tendo-se familiarizado desde jovem com Crátilo e as doutrinas heraclíteas

(de que todas as coisas se encontram em perpétuo estado de fluxo e que não se pode ter conhecimento delas), manteve mais tarde essas opiniões.

Sócrates, no entanto, ocupava-se com questões éticas e negligenciava o mundo como um todo, mas buscava o universal nesses assuntos de Ética e, pela primeira vez, aplicou o pensamento às definições. Platão aceitou sua doutrina, sustentando, porém, que o problema não dizia respeito às coisas sensíveis e sim a entidades de outra espécies – e, por este motivo, a definição comum não podia versar sobre qualquer coisa sensível, uma vez que estas mudavam constantemente.

A essa outra espécie de coisas chamou Idéias (ou formas), dizendo que os sensíveis eram denominados de acordo em elas e em virtude uma relação com elas: pois o múltiplo existe graças à participação nas Idéias que com eles têm o nome em comum. Aqui só existe de novo o termo participação, pois os pitagóricos dizem que as coisas existem por imitação dos números, e Platão, por participação, mudando apenas o nome. Mas quanto ao que seja imitação ou participação nas idéias, deixaram a questão aberta" (Metafísica, I, 6. 987a 29 – b –13).

Na Idade Média Tomás de Aquino fez de Deus criador o exemplar único de todas as coisas por ele criadas. O contexto é todo outro, por causa da introdução do conceito de criação, e ainda porque Deus é considerado infinito. Assim sendo, não poderia a criatura não poderia ser senão a imitação de algum aspecto da divindade.

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A posição de Tomás de Aquino conjuga em um só sistema o platonismo e o aristotelismo.

Possivelmente os pitagóricos se fundavam no mesmo argumento de Platão. Segundo este, conforme a citação feita "não é possível que a definição universal esteja em algum das coisas sensíveis individuais".

e, por este motivo, "a definição comum não podia versar sobre qualquer coisa sensível, uma vez que estas mudavam constantemente".

§ 3. Os contrários segundo a doutrina pitagórica. 0335y510. 511. Fundamentalmente, a natureza é composição de elementos contrários, - o

finito (B X D " H ) e o infinito (– B , 4 D @ < ), o calor e frio, o pleno e o vazio, a matéria e o espírito, o par e o ímpar, o masculino e o feminino, o bem e o mal, e assim por diante.

Há uma distinção entre a contrariedade e os mesmos elementos que se situam em contrariedade. Há, pois, como tratar primeiramente da contrariedade simplesmente e depois dos elementos em contrariedade.

Por causa da contrariedade, a doutrina pitagórica se apresenta claramente diversa da dos filósofos jônicos de Mileto (Tales, Anaximandro, Anaxímenes).

Esta harmonia de contrários se complementando entre si é precursora da teoria platônica e depois também aristotélica da composição dos corpos de matéria e forma.

Como se sabe, o atomismo tem dos corpos a compreensão de elementos inteiramente simples. Diferentemente, o hilemorfismo, como se veio a denominar, a teoria da composição dos corpos em matéria e forma, entende as coisas como estrutura de um elemento indeterminado e outro determinador.

Tal nova doutrina terá diferenciações na sua concepção, mas fundamentalmente é igual em todos os que a adotaram.

512. Os precedentes órficos. Todavia nem tudo é novo no pitagorismo sobre a harmonia dos contrários. O orfismo, cujo representante à época de Pitágoras fora Ferécides de Siros, já vinha insistindo na composição dos contrários.

Mais remotamente a doutrina vem do mitraísmo e mazdeismo da Pérsia. já continha tais princípios . A insistência se encontrava sobretudo nos contrários do bem e do mal, do espírito e da matéria. Agora os pitagóricas passam a desenvolver tais idéias, aperfeiçoando-as filosoficamente. E finalmente as transferem ao sistema do platonismo, já agora bastante desligadas do mito.

Com referência à escola eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão) também ela foi influenciada pela consideração dos contrários, todavia somente para o mundo físico exterior alcançado pelos sentidos. Diferentemente, a verdade da inteligência, que trata do ente, encontra a este como homogêneo. A realidade da inteligência é verdadeira, enquanto que a dos sentidos é ilusória.

Platão, - discípulo que foi dos mestres eleaticistas da escola de Mégara e frequentador dos meios pitagóricos do Ocidente, - manterá a restrição contra o mundo material. Finalmente Aristóteles estabelecerá uma filosofia em que sensação e razão se coordenam.

Ainda quanto aos pitagóricos há a anotar que, ao tratarem dos contrários, não se ocuparam quanto os eleatas, com o ser e o não ser. Ficaram os pitagóricos retidos em

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contrariedades particulares, como a oposição entre finito e infinito, par e impar, espírito e matéria, bem e mal, quente e frio, etc.

Também estes contrários particulares são de importância. Todavia, eles dependem de questionamentos maiores, e que se situam no plano mesmo do ser.

No futuro foi levantada pela filosofia dialética de Fichte, Schelling, Hegel, Marx a possibilidade de que a contrariedade incluiria um terceiro elemento, a síntese dos contrários, estes ditos tese e antítese.

A este respeito importa considerar que a antiga noção de contrariedade era a da contrariedade à identidade. Esta contrariedade à identidade, peculiar sobretudo à lógica de Aristóteles, entende que o ente é tudo, o não ente é nada, não podendo portanto do ser e do não ser resultar uma nova síntese.

513. Restam ainda fragmentos e doxografias sobre a teoria dos contrários oferecida pelos pitagóricos.

Filolau, em texto já citado, assevera em seu tratado Sobre a natureza: "A natureza – o cosmo e tudo nele contido – forma um todo harmônico, do

infinito e do finito" [fragmento 1, de Filolau] (D. L., VIII, 85). "O pitagórico Filolau afirma serem princípios o finito e o infinito" (Aécio, 3,

10). "Ao princípio da unidade, do ser idêntico e igual, chamou-se Uno. Em

contrapartida, chamou-se dualidade, ao princípio da diversidade e da desigualdade, de tudo o que é divisível e mutável, e ora se acha em um estado, ora em outro" (Porfirio, Vida de Pitágoras, 52).

" Ao mesmo tempo todos os entes necessariamente são finitos e infinitos. Não podem todos ser apenas finitos, ou apenas infinitos. Pelo fato de os entes não serem formados apenas de elementos finitos, ou apenas de elementos infinitos, fica evidente que o cosmos e as coisas nele contidas são compostos de elementos finitos e infinitos. Os fatos o confirmam, porque entre eles, aqueles constituídos de finitos são finitos; de finitos e infinitos são finitos e infinitos; de infinitos são infinitos" (frag. 2 de Filolau. Stobeu, Éclogas, I, 21, 7 a).

"Efetivamente se tudo fosse infinito [indefinido], não haveria sequer objeto de conhecimento" (frag. 3, de Filolau, em Jâmblico, Nicômaco, p. 7, 24).

"O número tem duas espécies peculiares – pares e impares; e a terceira, resultante da mistura destes dois – par e ímpar. De ambas as espécies derivam muitas formas, e que cada uma demonstra por si mesma" (frag. 5, de Filolau, em Estobeu, Éclogas, I, 21, 7 b).

514. Aristóteles informou vastamente sobre o contrário na doutrina pitagórica. Depois de haver exposto a doutrina dos pitagóricos sobre a essência das coisas, passou a destacar os componentes par e ímpar.

"Eles [os pitagóricos] também consideram o número como princípio, tanto na qualidade de matéria das coisas, como de origem de suas modificações e estados permanentes, afirmando que os elementos do número são par e ímpar, e que, dos dois, o segundo é limitado e o primeiro, ilimitado; e que a unidade procede de ambos (sendo, ao mesmo tempo, par e ímpar), e que o número procede da unidade; e que dos números se constituiria, com o já se disse, o céu inteiro" (Metaf., 986a 15-22).

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Outros entre estes filósofos propuseram dez princípios, que eles ordenaram em séries paralelas:

Finito e infinito; Par e ímpar; Uno e múltiplo; Direita e esquerda; Macho e fêmea; Repouso e movimento; Reto e curvo; Luz e trevas; Bom e mau; Quadrado e oblongo" (Metaf., I, 5. 986 a 15-26). Também este é o ponto de vista Álcmeon, ainda que não tão preciso na

contrariedade: "É deste modo que Álcmeon de Crotona também parece ter concebido o

assunto, opinião que ele recebeu dos pitagóricos ou estes dele, pois tanto um como os outros se expressam de maneira semelhante. Diz Álcmeon que a maioria das coisas humanas anda aos pares, sem se referir, no entanto, a oposições definidas como as de que falam os pitagóricos, mas a quaisquer oposições que o caso nos possa deparar, como preto e branco, doce e amargo, bom e mau, grande e pequeno. Alude vagamente aos outros pares de opostos, enquanto os pitagóricos definem com precisão quais e quantos são eles.

De ambas estas escolas se depreende, por conseguinte, que os contrários são os princípios das coisas; e quantos e quais sejam esses princípios, podemos sabê-lo de uma delas" (Metaf., 986a 23 – 986b 8).

Ocorre paralelismo entre as duas classes de contrários. O par, por exemplo, é idêntico ao infinito, o par inverso ao finito. Na mesma espécie de contrário as características são desta espécie; por isso o infinito parece par, o finito ímpar. "O par é infinito, e o par contrário é finito" (Arist., Metaf., I, 5. 986a 20).

A divisibilidade do par, eis a explicação de seu caráter infinito. "Estes [os pitagóricos] disseram que o infinito é o número par, porque o par se divide em partes iguais, e este, que se divide em partes iguais, pode indefinidamente dividir-se por dois, De outra parte, no ímpar o recebimento de algo o limita, não permitindo a divisão em partes iguais" (Simplicio, Física 545, 20).

516. Natureza do infinito. A natureza do infinito pitagórico é uma espécie de indefinido, inferior portanto ao finito bem definido. É qualquer coisa como a potência real.

Não se consegue entender exaustivamente o infinito pitagórico por falta de informações e também por causa do defeito da doutrina mesma. Este infinito vazio dos pitagóricos é uma espécie de espaço real, no qual são recebidos os corpos. A infinitude não é determinação dos mesmos seres. Nem mesmo o infinito é uma propriedade do ente simplesmente. Ele mesmo, por si, é um ser por si.

"Afirmam também os pitagóricos que há o vazio. Que, a partir do sopro ;ilimitado, penetra até o céu (@ Û D " < ` H ), que absorve por sua vez, o vazio, o qual delimita as naturezas dos corpos, por ser o vazio uma separação e distinção das coisas

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colocadas umas após outras. Dizem que isto acontece principalmente nos números, visto que o vácuo distingue a natureza dos mesmos" (Arist., Física, IV, 6. 213b 22).

Nesta condição, o vácuo se exerce como realidade, ainda que sui generis. Seria um espaço real, entende como ente capaz de receber corpos. Não coincidindo este vácuo real com o próprio ente, não seria ele um predicado do ente infinito, mas o próprio infinito seria um ente.

"Não consideram os pitagóricos e Platão o infinito como acidente (atributo) de outra substância, mas por si, como substância ele mesmo. Os pitagóricos; o incluem entre as coisas sensíveis... e (contra Platão) dizem que o infinito é o que está fora do céu" (Arist., Física, III, 4. 203b 1-9).

Portanto, o cosmo vai até certa distância, e para além vai o espaço sem fim como um vácuo real, exterior ao céu astronômico.

Estobeu repete a mesma informação sobre o vácuo pitagórico, dizendo que ele distingue os lugares de todas as coisas, e que ele separa os números" (Estobeu, Éclogas, I, 18,1).

517. Distinguiu Filolau o mundo superlunar, cujo nome é Cosmo (5 ` F : @ H ), do mundo sublunar, cujo nome é Céu (? Û D " < ` H ). Quanto ao céu, ele contém os seres da geração inconstante" (Aécio, II, 7, 7). Em relação ao Olimpo, ele é a parte mais alta do cosmo.

Note-se que o conceito pitagórico sobre o váculo como entidade subsistente passou aos atomistas, cujos átomos são mergulhados no referido váculo, onde nele se movimentam. Eis um conceito que subsiste inconscientemente entre os físicos modernos e que não tem, nem base; científica, porquanto o vácuo em si mesmo é algo paradoxal.

518. Entre os pitagóricos mesmos variam os conceitos sobre o infinito e o vácuo.

O mestre Pitágoras acrescentou ao infinito a qualidade de trevas. Este modo de pensar possivelmente chegou a ele através de mitos do Oriento, os quais caracterizam o caos como sem luz. Também a Bíblia judaica recebeu tal influência, porque Deus cria a luz já no primeiro dia (Gen 1,3).

A inferioridade do infinito sem luz de Pitágoras mostra-se também no número par. Os pitagóricos o mostram com exemplificações:

"Ao se distribuírem as partes, resta uma parte no centro do impar; resta o váculo no par, portanto número imperfeito e incompleto" (Plutarco, em Estobeu, I , 22, 19).

Vejam-se as figuras, com as quais os pitagóricos explicam suas afirmativas. Na primeira linha os pontos não encontram o ponto do meio e por isso podem

sempre multiplicar-se. Na segunda linha o ponto do meio – ímpar – não permite a progressão dos pontos.

Os ocidentais tendem contra este conceito obscuro. Por exemplo, os filósofos eleáticos, se caracterizam por aperfeiçoarem a noção sobre Deus. Xenófanes diz sobre Deus, que "Ele tudo vê, tudo ouve, mas não respira. Ele é ao mesmo tempo tudo, intelecto, sabedoria, eternidade" (D. Laércio, IX, 19).

O mesmo repete Parmênides, porque para ele o ente é sempre completo (Frag. de Parmênides 8,1).

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Filolau e os pitagóricos da nova liga geralmente asseveram, que o infinito é algo luminoso, que eles nomeiam éter. No grego este nome significa não somente a região superior do céu, mas também fogo, brilho. Outro nome deste fogo exterior é empírio, do adjetivo § : B L D @ H , -@ < (= abrasador).

Alguns sugerem ser o infinito como o ar. Desta idéia deriva a outra sugestão, que o infinito penetra o cosmo interno, como o ar que este respira.

Árquitas tentou provar a infinitude do espaço por meio de um exemplo curioso:

"Árquitas, segundo o dizer de Eudemo, argumenta assim: Se acaso eu chegasse à esfera exterior, a das estrelas fixas – poderia eu estender, ou não, mais além a mão, ou o bastão? Seria absurdo que não o pudesse; contudo, se eu pudesse fazer isto, tal significaria, que ainda existe mais espaço e matéria... Isto eu poderia fazer em cada novo limite fixado e argumentar pela mesma forma. Enquanto resta algo, em direção do que estender o bastão, é evidente, que isto será também infinito".

§ 4. A cosmologia e astronomia pitagórica. 0335y521. 522. A imagem pitagórica do mundo é o da esfera, em cujo interior operam 4

elementos - fogo, água, terra, ar. Os elementos podem misturar-se, mas o contorno consiste em puro fogo. Este circundante se chama também empírio, ou céu, ou ainda éter.

Eis, segundo Filolau: "E os corpos [elementos] são cinco: dos quatro internos à esfera - fogo, água,

terra, ar, - e o navio" [fragmento 12] (em Teo de Esmirna 106, 10). Evidentemente, "navio" é apenas uma comparação com este instrumento de

navegação. Com referência à região exterior, ela é concebida como fogo.

Etimologicamente, o seu nome éter, significa algo efetivamente luminoso. E assim também empírio deriva de palavra que em grego significa fogo.

Do empírio procedem as almas e para ele retornam depois da morte dos corpos. Elas vêm do céu e para ele retornam.

Persistiu o conceito do empírio na filosofia platônica e passou finalmente para a teologia cristã.

São Paulo, falando sobre o terceiro céu, diz que ele, em espírito, fora raptado até ele.

Conforme a imagem antiga, o primeiro céu é o sublunar, o segundo aquele dos astros, o terceiro fora da região dos astros, o empírio.

Somente nos tempos modernos foi removida esta convicção, e mesmo assim apenas na área científica. Culturalmente a massa popular continua vivendo a imagem pitagórica do terceiro céu acima das estrelas, e o céu continua a ser referido poeticamente como lá no empírio.

Ocorre uma semelhança entre os conceitos da física pitagórica e os de Empédocles de Agrigento. Este é da escola jônica, ainda que nascido no Ocidente. Como se sabe, Empédocles apresentou como elementos constitutivos originários das coisas uma sequência de quatro, - fogo, água, terra e ar. Adotou também Aristóteles estes esquema.

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Em Platão, mas no duvidoso Epínomis (981), se encontra uma doutrina curiosa, atribuída por ele a Teeteto, e que contém algo de pitagórico, ao mesmo tempo que jônico. Identifica os elementos originários, em número de cinco sólidos, aos diferentes poliedros: fogo, terra, ar, água, éter.

Aécio (II, 6, 5) opina, que aqui Platão está sendo pitagórico. Mas, talvez. Porque esta nova forma de pitagorismo poderia ter sido criada ao tempo de Platão, mas não pelo mesmo Platão.

523. A cosmogonia pitagórica não é mítica, porque o mundo se originou em consequência de leis naturais, de acordo com as quais se processa a mistura dos elementos.

Muito progrediu a astronomia com a idéia do fogo central, em torno do qual giram a Terra e os astros.

Mas este fogo central não é o Sol, nem é visível a nós, porque estamos situados na face exterior. Somente na época moderna o sistema pitagórico se aperfeiçoará definitivamente. Enquanto outros permaneciam religiosamente geocentristas, os pitagóricos haviam chegado ao menos à idéia do fogo centro, com os astros girando em torno.

Na face oposta ao fogo central ia a Antiterra, que também não se vê. Estes outros astros vão igualmente em torno do fogo central.

No todo os astros visíveis eram nove, e somente por hipótese se podia saber a respeito de mais um. Existe, pois, a Antiterra, para que se completasse o número dez, o número da perfeição.

Diz-se no texto muitas vezes citado: "O número 10 é considerado perfeito e contendo em si a natureza de todos os

números, dizem eles [os pitagóricos], que os corpos que se movem através dos céus, são dez; ora, os corpos visíveis são apenas nove, de maneira que, para vencer a dificuldade, inventam o décimo , - a Antiterra" (Aristóteles, Metafísica, 986a 12).

Similarmente especulativo era o argumento em favor do fogo central. Por causa da importância do centro, ali não poderia localizar-se a Terra, mas somente o fogo, o mais significativo dos elementos. Finalmente também na beira exterior tudo era fogo, formando o B , D 4 X P T < (= circundante).

524. A rotação da terra sobre si mesma foi mais uma inovação atribuída principalmente aos pitagóricos, mais especificamente a Hicetas, Ecfanto, Filolau de Crotona. Levará mais algum tempo, para que outros mais avencem a teoria heliocêntrica do movimento da Terra em torno do Sol.

"Filolau... foi o primeiro a ensinar que a Terra tem movimentos de rotação sobre si mesma. Outros atribuem a primazia deste descobrimento a Hicetas de Siracusa" (D. Laércio, VIII, 85).

"O pitagórico Filolau situou o fogo no centro, a Antiterra no lado oposto e em segundo lugar, a Terra povoa em terceiro lugar, ambas em oposição e girando" (Aécio, III, 11, 3).

"Os outros filósofos afirmam, que a Terra permanece em repouso. Mas o pitagórico Filolau afirma a rotação em torno do fogo central, e isto em círculo obliquo, como também o diz do Sol e da Lua" (Aécio, II, 13, 1).

Platão, ainda que pitagórico em muitos aspectos, continuou fiel à antiga hipótese geocêntrica.

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Informa com detalhe Aristóteles sobre as opiniões astronômicas dos pensadores gregos, até porque ele mesmo escreveu um tratado Sobre o céu:

"A maior parte dos filósofos afirma que ela [a Terra] está situada no centro do mundo, e com efeito estes são todos aqueles que consideram o céu como finito [no contexto se trata de Anaxágoras, Anaximandro, Empédocles, Demócrito, Platão].

São de opinião contrária os representantes da escola itálica, que se denominam pitagóricos. Para estes últimos é o fogo que ocupa o centro. A Terra é somente um dos astros, e é ela, pelo seu movimento circular ao redor do centro, que produz o dia e a noite. Além disto, eles constróem uma outra Terra, contrária à nossa e que ele designam a Antiterra" (Arist., Do céu, 293a 18-24).

525. Comenta Aristóteles sobre os argumentos especulativos dos pitagóricos: "Eles não procuram as razões e as causas nos fenômenos, mas solicitam os

fatos para os fazer entrar de acordo com certas teorias e opiniões que lhes são próprias no afã de os combinar todos. Também há outros filósofos que estão de acordo com eles, enquanto reconhecem que não se deve localizar a Terra na região central e colocam sua convicção, não nos fatos, mas nos raciocínios.

Pensam que cabe ao corpo mais nobre situar-se na região mais nobre; o fogo, conforme eles, seria mais nobre que a terra, e o que estiver no limite, mais nobre que as coisas que se encontram no intermédio; ora a extremidade e o centro (de uma esfera) são o limite, e por conseguinte tomando estas considerações por ponto de partida de seu raciocínio, eles acreditam que não é a terra que ocupa o centro da esfera, mas antes o fogo" (Arist., Do céu, 293, 35-29b 1. Vd também Metaf., 986a 1-13) (vd 523).

Como avaliar estes argumentos especulativos? A nobreza do fogo é apenas um ponto de vista do homem. Assim também ocorre com a nobreza do centro, do alto, do lado direito. O centro físico do homem é o umbigo, o centro animal é o coração (Simplício, 514, 8 ss.). No pensamento de Aristóteles o centro do mundo é a Terra.

Contudo, Aristóteles não podia ter reduzido a uma especulação pura e simples da razão. Tinham os pitagóricos fatos a explicar, como o dia e a noite; estes fenômenos receberam ao menos melhor esclarecimento na astronomia dos mesmos, e que confirmavam as sugestões aduzidas pelas especulações.

"Os pitagóricos apresentam ainda outro argumento. Eles asseveram que a parte mais fundamental do universo deve ser a melhor guardada e esta parte é o centro. Eles a chamam Cidadela de Zeus [Platão, Timeu, 40c] e é o fogo, que ocupa esta região. Como se centro fosse um termo tomado em um sentido simples, e que o centro da grandeza fosse também aquela coisa e seu centro natural. Pelo contrário, nos animais o centro do animal não é o mesmo que aquele do corpo, de onde ser preferível atender a aquilo que efetivamente se passa no caso do Céu todo inteiro.

A este respeito não há como se preocupar com o universo, introduzindo nele uma cidadela! Mas se deve, antes, procurar o centro efetivo, e dizer o que ele é, onde ele naturalmente se encontra situado. Este centro será um princípio e uma realidade preciosa, visto que o centro puramente local parece dever ocupar antes o último lugar que o primeiro, porque o que é definido é o meio, e o que define é o limite" (Arist., Do céu, II, 13. 293b 1-13) (vd 527).

Mais informações de Aristóteles:

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"Todos os negadores da localização da Terra no centro pensam que ela gira em torno deste centro, e não somente a Terra, mas também a Antiterra acima citada. Alguns acreditam que podem existir mais corpos se; movendo em torno do centro, corpos invisíveis por causa da intercalação da Terra. Eis uma explicação, segundo eles, por causa do maior número de eclipses da lua, que do Sol, por que cada um dos corpos em movimento, não somente a Terra, podem posicionar-se ante a Lua" (Arist., Do céu, II, 13. 293b 17-25).

O jônico Anaximandro havia explicado os eclipses pela falta de luz, por causa da obstrução das aberturas pelas quais saia o fogo dos astros. Na explicação pitagórica os eclipses passam a ser melhor compreendidos.

"A ele [Pitágoras] se deve também, conforme Parmênides, a descoberta de que Fósforos [Estrela Matutina] e Hésperos [Vênus] são um só e mesmo astro" (D. Laércio, VIII, 14).

527. Trono de Deus. O fogo central exerce uma função no todo como cidadela de Deus, ou Custódia de Deus, ou ainda como Trono de Deus. Neste sentido se tem uma informação de Simplício, um comentarista de Aristóteles, e que contém um fragmento deste:

"Eles dizem que o fogo central é a potência demiúrgica, que a partir do centro vivifica toda a Terra e aquece a sua frialdade. Alguns a chamam por isso Cidadela de Zeus (como ele, Aristóteles, relata no livro Sobre os pitagóricos), outros Custódia de Zeus (como diz aqui em Do céu), outros, Trono de Zeus. Além disto diziam que a Terra é astro, enquanto instrumento do tempo, causa dos dias e das noites. A parte iluminada pelo lado do Sol produz o dia; a noite é gerada pela parte orientada para o cone da sombra" (Simplício, Do céu, II, 13, com o frag., 204, Sobre os pitagóricos).

Finalmente e melhor Heráclides do Ponto – pitagórico do 4-o século a.C., que passou para a Academia de Platão a convite de Espeusipo, - situou no centro o Sol.

Aristarco de Samos – do 3-o. séc. a. C. aperfeiçoou esta teoria heliocêntrica. 528. As esferas celestes, para sustentação dos astros nas alturas, eis uma

convicção curiosa dos antigos. Eles não conseguiam conceber o posicionamento no espaço sem um sistema corporal de apoio.

A Terra paira no espaço, - dizia o jônico Anaxímenes, - mas apoia sobre o ar. A Bíblia judaica afirma que Deus criou o firmamento no segundo dia

(Gênesis, 1, 6) e os astros no quarto dia (Gênesis1,16). O velho erro persistiu até os tempos modernos, quando se desenvolveu a

teoria da gravidade e toda a sua mecânica, sobretudo a partir de Galileu (1564-1642) e Kepler (1571-1630).

Havendo dado à Terra a condição de um astro, os pitagóricos também lhe atribuíram uma esfera para se mover em torno do fogo central. Nós homens não a vemos, porque vivemos na outra face.

Eis a sequência das esferas, pela ordem, a partir do fogo central: Antiterra, Terra, Lua, Sol, cinco planetas, céu das estrelas fixas.

Os pitagóricos ainda não distinguiam entre a Lua como satélite da Terra, e os outros astros.

Estes outros astros eram: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno.

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Faltam nesta lista dos astros pitagóricos: Urano (descoberto em 1781), Netuno (em 1846), Plutão (em 1930).

Com referência à Antiterra, efetivamente não existe. "Um é o cosmo, e começou a se formar a partir do centro, e deste centro para

cima com os mesmos intervalos de distância que em baixo. O que está acima, está em oposição ao que está em baixo. O que está em baixo está em relação invertida com o que está em cima. [frag. 17 de Filolau, de Estobeu, Éclogas, 1, 15, 7).

§ 5. A harmonia e a música. 0335y531. 532. No final do período pré-socrático, quando aconteceu a evolução geral da

filosofia e das ciências, também progrediram as artes, inclusive a música. Os pitagóricos, como decorrência de suas doutrinas sobre os contrários, atingem uma interpretação sistemática da harmonia dos sons. Eis o início da ciência e da filosofia sobre a música, em que se destacam algumas contribuições teóricas de Filolau de Crotona (vd 481) e de Árquitas de Tarento (vd 483).

Descobrindo, que acontece uma relação entre os sons e o número de grandeza, os pitagóricos entraram pelo reto caminho.

533. A harmonia. Os pitagóricos exploraram a natureza da harmonia das partes. Para eles a harmonia resulta da coordenação de elementos contrários, também no que se refere aos sons musicais.

A harmonia dita em termos genéricos, por Filolau: "É a harmonia a unificação de muitos misturados, com a concordância dos

discordantes" (Frag. 6, de Filolau, citado por Nicômaco, Aritmética, II, 19, p. 115, 2). Sobre a geral harmonia entre os contrários, eis outro fragmento significativo

de Filolau: "Dá-se o seguinte com a natureza e a harmonia: Requer a essência das coisas

e a própria natureza um conhecimento divino, e não apenas humano. Seria absolutamente impossível que alguma das coisas existentes se fizesse conhecida de nós, se não houvesse a essência das coisas, das quais se constituiu o cosmo, tanto das limitadas, como das ilimitadas.

Não sendo estes princípios iguais (1 e 2), nem de iguais famílias, teria sido impossível criar com cosmo com eles, sem o acréscimo da harmonia, qualquer seja a modalidade desta.

Coisas iguais e aparentadas não reclamam a harmonia. Diferentemente ocorre com as coisas desiguais, não igualmente dispostas e não de famílias iguais, precisam da harmonia para serem contidas em uma ordem" [frag. 6, de Filolau, em Estobeu, Éclogas, I, 21, 7d) (vd 481).

Prossegue o fragmento de Filolau, com raros detalhes sobre a harmonia, ou oitava:

"Abrange a harmonia (oitava 1:2) uma quarta (3:4) e uma quinta (2:3). A quinta, - por um tom inteiro, - é maior que a quarta.

Pois [traduzido em notação moderna], ocorre uma quarta, do Mi grave ao Lá; uma quinta, do Lá ao Mi agudo. Uma quarta, do Mi agudo ao Si. Uma quinta, do Si. É de um tom, o intervalo de Lá a Si.

A quarta contém a relação 3:4. A quinta, 3:3. E oitava, 1:2.

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Abrange, pois, a harmonia (oitava), cinco tons, e dois. E a quarta, dois tons e um semitom" (2-a parte do frag. 6, de Filolau).

534. A música dos astros. Fizeram ainda os pitagóricos uma aplicação especulativa curiosa sobre os movimentos dos astros e das esferas celestes, induzindo que ali acontecem sons harmoniosos. Diziam que a gente não os ouve, por causa de nosso costume desde o nascimento. Platão tratou mitologicamente sobre estes sons cósmicos (República, X, 616c), certamente sob influência pitagórica.

Opinou contrariamente Aristóteles, que, depois de um comentário sobre as esferas celestes, disse conclusivamente:

"Estas considerações mostram, que a teoria, segundo a qual os movimentos dos astros geram a harmonia de um acorde musical, apesar da elegância e da originalidade dos defensores disto, não é verdadeira.

Alguns filósofos dizem que dos movimentos dos grandes corpos necessariamente decorre som, porque isto já acontece sobre a nossa Terra, ainda que com corpos não tão grandes e nem movidos tão rapidamente. Consequentemente, não é possível que os astros, embora grandes, mas se movendo rapidamente, não produzam fortes sons.

Apoiando-se sobre tais razões, e sobre o fato, que a rapidez depende da distância, asseveram que o som produzido pelo movimento circular dos astros é harmonioso.

De outra parte, por não ser normal, que ouçamos tais sons, eles explicam que o som já existe em nós por nascimento, restando indistinto, do seu respectivo som contrário, o silêncio. Som e silêncio são sons contrários.

Acontece a nós o mesmo que ao forjador, o qual perde a diferença por efeito do costume. Mas, conforme já afirmamos acima, os fatos não provam isto" (Aristóteles, Do céu, II, 10. 290b 13-32) (vd também Simplício, 463, 23).

Obviamente, os pitagóricos ainda não conheciam o detalhe, de que pelo vácuo não fluem os sons, de sorte que os astros no espaço não poderiam provocar sons, apesar de seus movimentos velozes e cíclicos.

535. Árquitas de Tarento, contemporâneo e amigo de Platão, escreveu detalhadamente sobre alguns temas da música. Um fragmento notável e relativamente longo, de sua obra denominada Harmonia, chegou até nós através de Porfírio.

"Os matemáticos parecem ter alcançado grande discernimento e não admira que houvessem opinado corretamente sobre as mais diversas coisas. Uma vez alcançado o conhecimento do todo, podiam também derivar para a compreensão das coisas particulares. Transmitiram-nos claros conhecimentos a velocidade dos astros, do surgir e declinar dos mesmos; sobre a geometria, os números, e ainda sobre a música. Estas ciências se entreligam porque tratam de coisas relacionadas entre si, porquanto tratam das primeiras formas do ente, o número e a grandeza.

Constataram que o som não é possível, sem haver choque entre os corpos, e o choque acontece quando corpos em movimento se encontram.

Os corpos que se encontram em direção oposta produzem um som por efeito simultâneo. Os que se movem na mesma direção e com desigual velocidade, produzem som ao se atingirem, batidos pelos que vêm atrás.

Muitos destes sons deixam de ser audíveis por causa de sua natureza de serem produzidos, - uns por causa da pouca força do choque; outros por causa da grande distância

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em relação a nós; e outros ainda por causa de nossa distância; outros ainda por causa do excesso da força atida, porquanto não penetram nossos ouvidos, do mesmo modo como nada se mete em vaso de pouca abertura quando se derrama algo excessivo.

Entre os sons, que chegam aos nossos sentidos, são agudos aqueles, que chegados rápida e fortemente, e são baixos os chegados devagar e fracamente.

Se alguém move uma vara lentamente e com pouca força, produzirá um choque de som baixo; mas se a movimentar rapidamente e com força, um som agudo.

Não somente se pode sabê-lo por este modo, mas também por outro, como quando, falando ou cantando, emitimos som mais forte mediante forte respiração.

Também isto acontece ao jogarem-se objetos. Os que são atirados com força se projetam longe, e os sem força, perto. Para os projetados com força, o ar cede mais. Para os outros, menos. Ora, acontece o mesmo com os tons: emitido o som com forte expiração, o tom soa forte e agudamente. Com expiração fraca, ele soa fraco e grave.

Constata-se isto também na seguinte prova, de muito valor: o mesmo homem emitindo um som alto, pode ser ouvido ao longe, e o emitindo baixo não o é nem de perto.

Semelhantemente, acontece com as flautas, - o ar lançado aos orifícios perto da boca, emite um som mais agudo, por causa da maior força; aquele lançado aos orifícios mais distantes, um som mais grave.

Evidencia-se, pois, que o movimento rápido produz som agudo, e o mais lento, som grave.

Também acontece o mesmo com os instrumentos de ruído, movidos durante as cerimônias dos mistérios. Quando movidos lentamente, produzem som grave; fortemente, som agudo.

O mesmo acontece com a flauta. Se se fechar a parte inferior, o assoprar produz som grave; mas se na parte média, ou noutro lugar, o som será agudo. O mesmo ar passa fracamente no espaço longo e forte no espaço curto" (frag. 1, de Árquitas de Tarento, em Porfirio, Harmonia de Ptolomeu, p. 56).

O texto se alonga ainda sobre a análise do movimento, para finalmente repetir a conclusão:

"Os sons agudos se movem rapidamente, os graves mais lentamente, por muitos exemplos" (Idem).

§ 6. Matéria corporal e espirito segundo os pitagóricos. 0335y537. 538. O espírito como pneuma. Os conceitos definito (B X D " H ) e de

infinito (– B , 4 D @ < ) dos pitagóricos contêm algumas curiosidades, porque eles são os mais significativos contrários de suas doutrinas sobre o ente.

O finito está situado no centro. Ele constitui o mundo sublunar e o cosmos. O infinito é o vazio sem fim – o vácuo (6 , < ` < ), onde subsiste contudo algo não de todo definível, - o caos.

Ali se encontra a respiração (B < , Ø : " ), que é o espírito, ainda que não como a materialidade sublunar.

439. O espírito como matéria muito especial. Apesar de tudo, o espírito é material, ainda que diferente da matéria corporal.

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Esta espécie de espírito, concebido como matéria totalmente diversa, se reencontra depois nos círculos neoplatônicos, e mesmo na filosofia neoplatônica cristã, por exemplo, de Agostinho de Hipona.

Para estes filósofos a alma é uma composição muito especial de matéria e forma, ou seja de uma matéria diferente daquela dos corpos. Este modo de pensar tem na base o princípio que toda a criatura, inclusive a alma, deva ser necessariamente material. Somente seria peculiar a Deus o ser exclusivamente espiritual.

Inversamente, Aristóteles e depois o cristão Tomás de Aquino defenderão que a alma essencialmente é somente forma, sem qualquer matéria. Mas esta forma se une em composição substancial com o corpo material, para constituir o ser humano. Neste caso, o espírito continua exclusivamente espiritual, embora assuma o corpo sob seu substancial poder.

No pitagorismo e platonismo a alma não precisa ser a forma do corpo, cabendo-lhe simplesmente morar nele, como um espectro na máquina, ou como o piloto no navio.

540. Dualismo radical de corpo e espírito. Para os pitagóricos, a essência da alma é totalmente diversa do corpo, conforme a doutrina dos contrários entre si irredutíveis e portanto intrinsecamente insociáveis. Este é um dualismo radical, típico do orfismo oriental, em que a convivência é apenas exterior, podendo mesmo ser considerado um acontecimento punitivo.

"Testemunham também os antigos teólogos e adivinhos, que por punição, a alma está ligada ao corpo, no qual está sepultada como num túmulo" (Frag. 14 de Filolau de Crotona, em Clemente de Alexandria, Strômata, III, 17).

Platão herdará a doutrina radical dos pitagóricos sobre a alma, porque também para ele alma e corpo são substâncias totalmente distintas e separadas, como o piloto e o navio pilotado.

Ainda como os pitagóricos, admitiu Platão a preexistência da alma. Esta colocação deixa clara sua concepção do espírito como distinta do corpo.

O dualismo pitagórico apoia sua tese na consideração de que o intelecto e a vontade não podem simplesmente ser funções do corpo. Na verdade, importa haver uma proporção de causa e efeito. Então se o corpo for concebido apenas como matéria corporal, não pode senão produzir efeitos corporais (ditos ordinariamente mecânicos, ou físicos).

Aliás, no ponto de vista aristotélico também ocorre um dualismo, ainda que moderado, por uma união mais íntima, de composição substancial. As funções corpóreas continuam do corpo, as psíquicas da alma.

No dualismo de Aristóteles também é possível conceber a alma como separada, ainda que incompleta, porquanto sua função natural é ser forma substancial do corpo. Não obstante é essencialmente distinta do corpo, porquanto é uma forma substancial. Disse mesmo Aristóteles que a alma vem ao corpo, como que por uma porta.

O monismo propriamente dito, - contrário tanto ao pitagorismo e platonismo, e mesmo ao aristotelismo, - reduz corpo e alma a duas faces da mesma coisa. Neste reducionismo se salva a proporcionalidade entre causa e efeito de todas as funções, quer do corpo, quer da alma, porque a mesma coisa é corpo e alma.

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Colocadas as considerações acima, resta bem clara a posição pitagórica, como de um dualismo de elementos bem diferenciados, de certo modo opostos e mesmo adversários entre si. Tudo é desenvolvido dentro do clima da oposição hostil entre matéria e espírito.

541. A alma como um mover-se por si. Além de se lhe atribuir o conhecer e o querer, a alma é definida pelos pitagóricos como aquilo que se move por si, e em consequência como sendo princípio do movimento dos corpos.

"Ele [Álcmeon] disse também, que a alma é imortal e se move sem cessar como o Sol" (D. Laércio, VIII, 82).

542. Ter capacidade de se mover por si e de mover o corpo, é uma atribuição generalizada que quase todos os antigos fazem à alma, sobretudo os pitagóricos e platônicos.

Que sentido tem, dizer que a alma se move por si mesma? Mover-se está entendido aqui como movimento mecânico.

Aristóteles já dirá o contrário, que a alma é imóvel, todavia capaz de mover a outros.

E porque atribuir à alma a capacidade de mover a outros? Defendeu Aristóteles que Deus é motor imóvel, que ao mesmo tempo é o

primeiro motor de tudo o mais (Física, VIII, 5). Depois, em outro livro, ele asseverou sobre a alma:

"Sem dúvida, não só é falso conceber a substância da alma como movente, mas também é de todo impossível que o movimento pertence à alma" (Arist., Da alma I, 3. 406a 1).

De início já fizera Aristóteles uma exposição histórica: "O ponto de partida de nosso estudo consiste na exposição das características

pertencentes – segundo as opiniões em geral – à alma em decorrência de sua natureza. A alma se diferencia do não animado, por duas características principais: o

movimento e o sentir. Estes são dois conceitos que ao antepassados transmitiram a nós sobre a alma.

Certos entre eles dizem que a alma é por excelência e primordialmente o motor. E, no pensamento de que o que é móvel por si mesmo é incapaz de mover uma outra coisa, acreditaram que a alma pertence à classe das coisas em movimento. Dali vem que Demócrito assevera que a alma é uma espécie de fogo e calor" (Arist., Da alma, I, 2. 403b 23-32).

Depois de expor os detalhes da teoria atomista de Demócrito, continuou Aristóteles:

"Parece também que a doutrina dos pitagóricos apresenta a mesma significação. Com efeito, alguns entre eles declararam que a alma é o pó que se agita no ar, outros que é aquilo que o move. Advertem que este pó está em contínuo movimento, mesmo quando ocorre a completa calma" (Arist., Da alma I, 2. 404a 17-20).

Continua Aristóteles, com velada referência (no entender do seu comentarista Filopono, 71,6) a Platão, Xenócrates e Álcmeon:

"A mesma tendência é aquela dos que definem a alma como sendo o que por si se move. Pensam todos eles, com efeito, que o movimento é o caráter mais próprio da alma, e que toda a coisa é movida pela alma, e que ela se move por si mesma. A razão é que não se vê nenhum motor que não seja ele mesmo móvel" (Da alma, 404a 21-25).

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Avançou ainda mais Aristóteles: "Também Heráclito tomou a alma como princípio, porque ela é evaporação,

de que os outros seres se compõem. Ele acrescenta que este princípio é o mais imaterial, e que ele eternamente flui.

De outra parte, que o movido é conhecido pelo movente, porque por ele e a maioria dos filósofos, todos os seres estão em movimento. Parece que esta é a opinião de Álcmeon [pitagórico] sobre a alma. Ele aliás quer, que ela é imortal por causa de sua semelhança com as coisas imortais, e que estas coisas semelhantes sempre se movem, a Lua, o Sol, os astros e o céu inteiro" (Arist., Da alma I, 2. 405a 25-33).

543. As relações entre alma e corpo não foram claramente explicadas pelos pitagóricos. Como poderia uma alma especificamente distinta alojar-se em um corpo tão diverso? E por que motivo entraria a alma em algo tão alheio à sua natureza? Além disto, como poderia a alma transferir ao corpo o movimento?

Tais questões continuarão a ser um debate em toda a filosofia futura, e vão ser motivo para tendências menos dualistas, sem que os dualistas deixem também de ter seus defensores.

Aristóteles critica o conceito de alma como motor do corpo, e adverte inclusive para o que de futuro se denominará antitipia (vd), propriedade que cada ser tem de resistir à penetração de outro.

"Eis ainda um absurdo decorrente desta doutrina, encontrada na maioria dos que tratam da alma, porquanto eles unem a alma e o corpo, sem esclarecer a razão desta união, nem como o corpo se comporta. A explicação, contudo é necessária. Não basta a coexistência, por que um seja ativo e o outro passivo, para que um seja movido e outro movente. Nenhuma destas relações pertence às coisas por acaso.

Estes filósofos somente se esforçam por explicar a natureza da alma, mas no que concerne ao corpo que a recebe, nada apresentam, como se fosse possível que qualquer alma, segundo os mitos pitagóricos, penetrar um corpo qualquer. [É absurdo], porque cada corpo tem sua forma e uma figura própria" (Arist., Da alma, I, 3. 407b 15-23).

De uma parte, Aristóteles tentou solucionar a união de corpo e alma por meio da teoria de matéria e forma, em que a alma seria a forma do corpo material. E como o teria provado o mesmo Aristóteles? De outra parte, os pitagóricos e os platônicos conceberam a alma como espécie de matéria, ainda que de diversa espécie de matéria. De acordo com esta concepção, as relações entre corpo e alma não seriam tão difíceis, ainda que não sem suficiente explicação.

544. Em favor da união pitagórica de alma e corpo está a teoria dos contrários, que se harmonizam entre si (vd). Se corpo e espírito são contrários, eles podem efetivamente se complementar e se harmonizar.

A teoria da alma como harmonia, da qual tratou Aristóteles sem mencionar os seus autores, é possivelmente de alguns pitagóricos. O mesmo Aristóteles se refere à mesma em continuidade a sua crítica anterior, aos mitos pitagóricos.

"Mas outra opinião nos foi transferida a respeito da alma, opinião que, para muitos filósofos, não é menos convincente que as que já temos indicado... Seus partidários, com efeito dizem que a alma é uma espécie de harmonia, porquanto (para eles) a harmonia é

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uma fusão e uma composição de contrários, e o corpo é composto de contrários" (Arist. Da alma, I, 4. 407b 30).

Encontra-se mais, em outro livro: "Por natureza, a música se acha entre as coisas muito doces. Há, em nós, uma

afinidade com as harmonias e os números, ao que parece. Efetivamente, muitos filósofos dizem unânimes, que a alma é uma harmonia.

Outros dizem que tem uma harmonia" (Arist., Política, 8, 5. 1340b). De acordo com esta alma-harmonia, a alma não seria um ser especial. Por

exemplo, ela não seria forma do corpo ao modo da teoria aristotélica de forma. Ela seria uma situação resultante da harmonia de elementos contrários, assim como a saúde é o equilíbrio das funções corporais. Eis a crítica de Aristóteles:

"Mas a harmonia é uma certa proporção de coisas misturadas, e a alma não pode ser, nem uma e nem outra coisas. Além disto, o mover não depende da harmonia, mas da alma, a que todos os filósofos, por assim dizer, a assinam como caráter principal. É à saúde, e dum maneira geral, às virtudes corporais que convém denominar harmonia, mais que à alma" (Arist., Da alma, 408a 1-4).

545. A metempsicose e a transmigração das almas é doutrina adotada desde o início pelo pitagorismo, podendo ter tido sua origem no orfismo. De acordo com os pitagóricos, as almas procedem da região exterior da espera, ou seja do infinito, do éter.

"O que [Pitágoras] dizia aos seus discípulos, não se conhece com segurança, em vista do silêncio praticado entre eles. Fizeram-se conhecer especialmente as seguintes doutrinas:

1) a afirmação da imortalidade da alma; 2) sua transmigração de uma para outra espécie animal; 3) dentro de certos períodos retornam os mesmos acontecimentos, de sorte

que nada existe absolutamente novo; 4) todos os seres vivos são parentes entre si. Na Grécia tais crenças parece que foram introduzidas pela primeira vez por

Pitágoras" (Dicearco, em Porfirio, Vida de Pitágoras, 19). Curiosas versões dão conta das reencarnações do mesmo Pitágoras. Ainda

que o próprio texto mereça reparos, ele reproduz pelo menos as crenças de então: "Eis aqui, segundo Heráclides do Ponto, o que ele mesmo contou de si

mesmo: Havia sido antigamente Etálides, filho de Hermes; havendo prometido

Hermes conceder-lhe tudo, com exceção da imortalidade, havia pedido conservar, durante toda sua vida e depois de sua morte, a memória de suas experiências; e, efetivamente, vivo e morto havia conservado a recordação de todas as coisas.

Havia passado em seguida ao corpo de Euforbo e havia sido ferido por Menelau; sendo Euforbo, dizia que ele em outro tempo havia sido Etálides, que Hermes lhe havia dado consciência das transmigrações de sua alma, e que recordava em que plantas, em que animais havia estado sucessivamente, o que havia experimentado nos infernos, o que havia visto sofrer a outros.

Depois da morte de Euforbo, sua alma passou ao corpo de Hermótimo. Este, querendo verificar que houvera estado no corpo de Eurforbo, foi ao templo de Apolo, junto

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aos Brânquidas [sacerdotes de Apolo Didimeu, na cidade jônica de Posideu] e, entrando no templo de Apolo, identificou o escudo de Menelau, que este dedicara a Apolo. Menelau, quando voltara de Tróia dedicou a Apolo seu escudo, agora podre, dele restando apenas a placa.

Morto Hermótimo, passou a Pirro, pescador de Delos, e, conservada a recordação exata do passado, se lembrava então de haver sido primeiro Etálides, depois Euforbo, a seguir Hermótimo, e por último Pirro. Depois da morte de Pirro, veio a ser Pitágoras, havendo conservado as mesmas recordações" (D. Laércio, VIII, 4-5-6).

546. Ainda sobre a metempsicose: "Pitágoras proibia matar os animais e com mais razão comer sua carne. Dava

como razão disto, que eles tinham uma alma como a nossa e direitos iguais aos nossos, Não era senão um pretexto. Em realidade, ele proibia o uso do que havia tido vida, com uma finalidade diferente: acreditava que os homens, acostumados a uma alimentação delicada, comendo a estes alimentos com moderação e bebendo água pura, poderiam por isso mesmo atender mais facilmente à suas necessidade. Acreditava também que este gênero de vida era útil à saúde corporal e ao vigor do espírito.

O único altar em que ele oferecia sacrifício era o de Apolo gerador, em Delos, atrás do altar de Asta, porque ali somente se oferecia trigo, tortas não cozidas, e que naquele lugar não se imolavam vítimas, como testemunha Aristóteles, em Governo de Delos.

Foi o primeiro a ensinar, dizem, que a alma percorre, por uma espécie de necessidade, uma espécie de círculo" (D. Laércio, VIII, 13-14).

Um pouco mais a frente: "Excitou Pitágoras tal admiração que seus discípulos acreditavam

sinceramente que todos os deuses vinham conversar com ele. Manifestou ele mesmo em seus escritos que passou duzentos e sete anos nos infernos, antes de vir a viver entre os homens" (D. L., VIII, 14).

547. A imortalidade da alma, no sentido de espírito separado do corpo material, é crença universal das religiões dualistas. Acrescenta-se o detalhe de "espírito separado". É que no monismo também nada morre.

Todavia no dualismo a imortalidade não é tão clara, devendo ser expressamente provada. Esta costuma fazer-se em torno da metempsicose, e, quando não admitida esta, pelo menos em torno da espiritualidade.

Mas é comum admitir-se no dualismo, - ainda que não na doutrina da transmigração, - que é mortal o princípio vital (ou alma) dos animais e plantas.

"Nenhuma alma [segundo Pitágoras] morre, nem cessa, senão durante o tempo de transmigração de uma em outra vida" (Sêneca, Epístola 108 nr. 19).

"O discurso de Pitágoras merece crédito – às almas dos homens restou serem imortais, revivendo de novo alguns anos em outro corpo" (Diodoro V, 28 Schl.).

Vários cristãos dos primeiros séculos mantinham a mesma crença dos pitagóricos sobre a preexistência das almas.

548. O retorno cíclico dos acontecimentos foi uma convicção de muitos, principalmente dos pitagóricos.

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Hoje se fala sobre a evolução, que não é senão uma repetição cíclica. Algumas religiões crêem sobre a repetição da vida presente em forma de vida feliz no céu. Esta sobrevivência não é todavia evolutiva, e sim escatológica de encerramento.

"Pode-se ficar em dúvida, sobre se o tempo renasce, conforme o dizer de uns, ou não, conforme o de outros. Segundo os pitagóricos, como inúmeros outros repetem, também eu voltarei falando, com esta varinha na mão, e vós de novo sentados como agora; e todas as outras coisas acontecerão igualmente, como se o tempo fosse o mesmo..." (Eudemo, Física, II, 3, Frag. 51, em Simplicio, Fiziko 732, 26).

§ 7. A ética pitagórica. 0335y550. 551. Pitágoras atuou principalmente como reformista moral e político. Mas,

para esta atuação partiu de princípios teóricos, os quais eram definidos ao menos em sentenças de ordem geral, representando um sistema global de idéias, ainda que não inteiramente acabado.

Ordinariamente, os criadores de religiões, como Confúcio, Buda, Zaratustra, Moisés, Jesus, Mahomé, não chegaram a sistematizações englobantes, mas todos possuem uma linha central de pensamento, que se manifestam em sentenças de sabedoria, com imagens brilhantes.

Com referência à Pitágoras, suas doutrinas morais fizeram-se conhecidas pela informação de terceiros, não havendo ele mesmo escrito, conforme parece (vd). Ainda que as outras doutrinas de Pitágoras houvessem ganho maior desenvolvimento com os discípulos, o que mais parece contudo pertencer a Pitágoras pessoalmente é sua doutrina moral. Neste sentido o que de valioso restou são os assim chamados Versos de Ouro (vd).

Como coleção ordenada, os Versos de ouro datam do 3-o século d. C., e representam a fixação definitiva de dizeres, que vinham oralmente atravessando os tempos desde o 5-o. século a.C. Em fragmentos diversos já vinham sendo fixados, no curso dos séculos, e outros ainda restaram por se fixar depois (vd D. Laércio VIII, 17; VIII, 23).

Não fosse esta fixação da ética pitagórica, ela ter-se-ia depois perdido inteiramente, porque a comunidade pitagórica foi progressivamente substituída pela cristã. Como anteriormente se houvera perseguido aos cristãos, estes passaram depois a perseguir aos pitagóricos.

552. Conforme o espírito geral do pitagorismo, - a harmonia dos contrários, - a norma ética que o caracterizou foi a moderação.

Diz um dos Versos de ouro: "Não seja avaro. Em tudo o preferido é a justa medida" (verso 38). 553. A culpa original anterior ao nascimento, como já acreditavam as

religiões orientais em geral, faz parte também do pitagorismo. Como punição, os espíritos são introduzidos em um corpo humano, no qual se

purificam pelo sofrimento. Que o sofrimento purifica, eis outra convicção pitagórica e que faz parte da

herança de todas as religiões antigas, mas principalmente das que acreditam na ocorrência de um pecado original.

Ainda que não haja como provar uma relação direta entre o sofrimento e a purificação, o sofrimento pode contudo advertir contra aquilo que o causa. Este fato produz a

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incompreensão, que o sofrimento purifica. Efetivamente, devemos sempre aspirar a felicidade, e não o sofrimento, nem sequer para a purificação.

554. Os ritos de purificação também caracterizam as práticas pitagóricas, como aliás também às religiões orientais em geral, inclusive o cristianismo.

"Diz-se que [Pitágoras] recomendava a seus discípulos, que examinassem a sua consciência, quando regressavam às suas casas, com as seguintes perguntas:

- Que omiti eu? - Que fiz? - Que deveres deixei de cumprir?" (D. Laércio, VIII,22). Com referencia à purificação havia as coisas de que se devia fazer a

abstenção, porque maculavam pela sua impureza, e as coisas que se praticavam como rito purificador.

Os mistérios, cujo equivalente latino é sacramentos, consistiam em cerimônias, não apenas simbólicas, mas consideradas eficazes espiritualmente.

O termo grego : L F J Z D 4 @ < (= mistério, cerimônia religiosa secreta) deriva do verbo : b T (= fechar, estar com a boca e os olhos fechados). Dali também deriva o adjetivo : 4 F J 4 6 ` H (= místico, relativo aos mistérios).

O correspondente termo latino sacramentum, derivado de sacrum (= santo, sagrado) é mais genérico, podendo mesmo significar juramento. Mas, em qualquer de suas acepções, é sempre uma cerimonia ritual.

O mais significativo dos mistérios praticado pelos pitagóricos era o batismo. Outro, bastante destacado, era o da unção do óleo aos doentes, ou extrema unção.

Como se sabe, ambos estes mistérios ou sacramentos subsistem entre os cristãos, e antes deles, no próprio meio judaico, já eram praticados pelos essênios.

Em sentido análogo, as religiões antigas praticavam a purificação pela aspersão pelo sangue. Autores cristãos falam mesmo da purificação pelo sangue de Jesus Cristo morto na cruz. Há, pois todo um contexto semântico atrás dos mistérios da crença antiga, e que hoje mal se sente nos textos que a eles se referem.

"... Acrescenta [Pitágoras] que não se devem tributar iguais honras aos deuses e aos heróis, que é preciso em qualquer tempo cantar loas aos Deuses com vestes brancas e depois de purificar-se e que basta honrar aos heróis uma vez no dia; que a purificação se alcança com expiações, abluções, aspersões, evitando as exéquias e os prazeres do amor, preservando-se de toda mancha, abstendo-se, em fim, da carne dos animais mortos por eles mesmos, de algumas espécies de peixes, melões, ovos, animais ovíparos, favas e de tudo aquilo que proíbem os que presidem os sacrifícios dos templo.

Diz Aristóteles no tratado sobre as Favas, que ele proibia o uso das mesmas, já porque se parecem com as partes vergonhosas, ou também às portas do inferno, porque é o único legume cujo desenvolvimento não tem nós, e ainda porque secam às outras plantas, porque representam a natureza universal, porque finalmente também se empregam para as eleições nos governos oligárquicos.

Proíbe comer o que cai da mesa, para habituar-se a comer com moderação, ou ainda porque isto está destinado aos mortos. O que cai da mesa é para os heróis, segundo Aristóteles; porque ele disse em Heróis: Não saboreai o que cai da mesa!

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Proibia comer galos brancos, porque estão consagrados ao Deus Mene [do mês] e servem para as preces e as cerimônias, nas quais somente se utilizam animais considerados bons e puros. Estão consagrados a Mene, porque anunciam as horas.

Proibia também os pescados consagrados aos deuses, sob o pretexto de que não convém servir os mesmos alimentos aos deuses e aos homens, o mesmo que não se dão idênticos alimentos aos homens livre, que aos escravos.

Declara que o branco é símbolo do bem e o negro do mal" (D. Laércio, VIII, 31-32).

555. A educação intelectualizante caracterizou o pitagorismo. Apesar do fundo moral do grupo, nascido sob influencia religiosa oriental, ele derivou para a teorização do que praticava, gerando uma filosofia, e até uma ciência experimental. O saber se torna mesmo purificador.

A tendência dos grupos religiosos é a prática meramente ascética, no sentido do desenvolvimento da virtude moral. As comunidades religiosas surgiram no oriente, e só tardiamente passaram ao Ocidente, onde os pitagóricos são um primeiro sinal. Também os cristãos, ao estabelecerem comunidades religiosas no Ocidente, já as tinham no Oriente.

Contudo, mesmo no Oriente e no Egito os sacerdotes, - nem sempre constituindo comunidades, - desenvolveram a escrita. Como se sabe, a complicação crescente dos ritos e das doutrinas religiosas estimulavam a isto. Mas o desenvolvimento desta prática não tinha por objetivo a ciência em si mesma, e sim os objetivos religiosos.

Não obstante, uma religião perfeita reclama como pressuposto uma boa filosofia. E foi assim que, finalmente, os grupos religiosos acabaram por desenvolver também este campo do saber humano.

Neste contexto, vieram a ser os pitagóricos os primeiros a darem à educação uma diretriz intelectualista. Apesar de conservarem muito do saber meramente sentencioso das religiões, ingressaram cedo para a sistemática do saber, tomado agora como um dos objetivos da educação e formação religiosa em geral.

Os pitagóricos que participam dos diálogos platônicos abordam efetivamente assuntos de ordem moral à base de justificativas filosóficas sistemáticas.

De acordo com uma versão famosa, não de todo certa, Pitágoras chamou modestamente a si mesmo de filósofo, no sentido grego de amigo da sabedoria: N \ 8 @ H (= amigo), F @ N ` H (= sábio).

"Assevera Sosícrates, em Sucessões, que Leonte, tirano de Flionte [do Peloponeso], lhe perguntou, quem era ele?, e este [Pitágoras] lhe respondeu, - filósofo, - e que, comparando a vida a uma reunião pública, acrescentou, o mesmo que em uma feira, uns vão para lutar, outros para comerciar, e finalmente outros para ver e examinar. Também na vida uns são escravos da glória, outros ambicionam riqueza; porém o filósofo somente busca a verdade. Tal é o testemunho de Sosícrates" (D. Laércio, VIII, 9).

Sobre o desenvolvimento da instrução, Árquitas de Tarento enuncia o ideal, que é o de todos os pitagóricos:

"Para aprender o que não sabemos, devemos aprende-lo junto aos outros, ou por investigação própria. Com referência ao que se aprende, isto vem de outros e auxílio alheio. Com referencia à investigação, a fazemos nós mesmos e com meios próprios. Achar

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sem investigar é difícil e raro. É fácil aprender, investigando. Todavia é impossível, se não se souber como investigar" (Frag. 3, de Árquitas, em Estobeu, Antologia, IV, 1,132).

Até aqui Árquitas destacou o conhecimento e o método de o adquirir. Continua ressaltando o rendimento social que o conhecimento oferece:

"Encontrada a razão, cessa a rebelião e aumenta a concórdia. Não é possível competição quando a razão existe e reina a igualdade. Por seu intermédio, os pobres recebem os poderosos, os ricos dão aos necessitados, ambos confiados nela de que receberão o justo. Regra e obstáculo para os injustos, ela obriga à desistência aqueles que sabem refletir antes de operarem a injustiça, persuadindo-os a não serem omissos; aos que não sabem, revela-lhes a sua injustiça no momento de a cometerem, impedindo-os de a praticar" (Frag. 3, de Árquitas, Harmonia).

556. Sobre os costumes morais, a doutrina pitagórica é rígida, já desde o comportamento pessoal.

"Com referência ao amor, se expressa [Pitágoras] do modo seguinte: O inverno se pode consagrar ao amor; o verão, jamais; o outono e a

primavera, o uso é menos fatigante; em todas as ocasiões, todavia, ele enerva e mata a saúde. Perguntado sobre a época em que se deve ceder a este sentimento, ele

respondeu: Quando vos sentirdes demasiado fortes" (D. Laércio, VIII, 10). 557. Moderação nas comidas e bebidas, eis conselho frequente de

Pitágoras, não raro de mistura com tabus populares. Lê-se em Versos de Ouro: "Não deves descuidar da saúde de teu corpo" (verso 32); "Antes com medida conceder-lhe a bebida, o alimento e o exercício" (verso

33); "E chamo medida àquilo que jamais possa prejudicar-te" (verso 34).

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CAP. 6 ESCOLA ELEÁTICA. 0335y560.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 561. Introdução. Elea, - hoje Castellmare, numa pequena baía da Itália, que

tem ao fundo as montanhas calabresas, não longe de Nápoles, - foi centro de um significativo movimento filosófico já no período pré-socrático da filosofia grega.

Seu primeiro filósofo foi Xenófanes de Colófon (c. 570- c. 475 a.C.), vindo da Jônia. Assim sendo, está na origem da escola de Elea.

Nascidos já na mesma Elea, foram seus dois mais notáveis representantes: Parmênides e Zenão.

Ao grupo, já como um dos seus epígonos, pertenceu ainda Melisso de Samos. 562. O esquema didático da escola de Elea se apresenta claro e enérgico, em

virtude da grandeza dos seus representantes, cada um merecedor de ser tratado em artigo próprio:

- Xenófanes de Colófon (c. 570- c. 475 a.C.) (vd 0335y566); - Parmênides de Elea (c. 540 – c. 479 a. C.) (vd 0335y593); - Zenão de Elea (c. 490 a.C. – c. 430 a.C.) (vd 0335y640); - Melisso de Samos (c. 485 – c. 425 a. C.) (vd 0335y669). 563. Características externas . Desenvolveu-se a escola eleática

paralelamente à pitagórica, tanto pelas suas circunstâncias exteriores, - sobre a as quais advertimos primeiro, - como pelo pronunciado racionalismo de ambas, sobre as quais advertiremos a seguir; (vd 564).

A semelhança exterior já ocorre com a procedência dos seus respectivos fundadores, porque ambos vieram da Jônia, sendo Xenófanes, natural de Colófon, e Pitágoras, de Samos.

E por que teriam saído desta região da Ásia Menor para o Ocidente? Ocorria então uma geral tumultuação política interna e externa na região.

Primeiramente se dera a tumultuação interna na mesma Ásia Menor, com a expansão da Lídia (capital Sardes) por sobre as cidades jônicas. O rei Creso (que sucedera a Aliates, em 571 a.C.) conquistou a cidade jônica de Éfeso e fez de Sardes uma capital próspera.

Acontecia entretanto um perigo global e externo, com a expansão medo-persa. Por isso Creso se aliou à Babilônia e ao Egito. Mas Ciro, o grande rei da Pérsia, venceu a Lídia em 548 a.C., como também à Babilônia.

O Egito, que mantinha relações de amizade com os gregos será também atingido mais adiante. Mileto, que fora o berço dos primeiros filósofos (Tales, Anaximandro Anaxímenes) será destruída em 494 a.C. Já não subsistindo a grandeza de Mileto, passou então a cultura grega da Ásia Menor a ter seu principal centro em Éfeso, onde pontificou Heráclito.

Não era a cultura um valor estanque em cada cidade grega, não pela identidade de língua, como ainda por causa da mobilidade de seus cidadãos. Com as dificuldades ocorridas na Ásia Menor, alguns homens cultos reemigraram para outras regiões, inclusive para o Ocidente, onde prosperavam as cidades da Magna Grécia (Sul da Itália).

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Depois de advertida a semelhança exterior entre a escola eleática e escola pitagórica, em função à procedência dos seus respectivos fundadores, vindos ambos da longínqua Jônia, - sendo Xenófanes, natural de Colófon, e Pitágoras, de Samos, - tem-se de advertir também, que ambas estão muito próximas geograficamente no mesmo ocidente, onde Elea (dos eleatas) e Crotona (dos pitagóricos) não distanciavam muito.

564. Características internas. O pronunciado racionalismo de ambas as escolas, - eleática e pitagórica, - é uma característica interna, inteiramente ideológica. Como racionalistas ao extremo, as duas escolas se distanciam da moderação da escola jônica.

Sabe-se que Parmênides de Elea veio a conhecer o livro de Heráclito de Éfeso. Dali pode resultar uma oposição consciente entre as doutrinas de ambos.

Uma dialética, pois, ocorre nas diferenças que há entre o pensamento das duas periferias do mundo grego.

Comparem-se também entre si as duas escolas do Ocidente. A escola eleática, sobretudo pelo seu representante mais expressivo, Parmênides, atinge mais profundidade metafísica do que a pitagórica. Enquanto se ocupa com a conceituação especificamente filosófica do ser, os pitagóricos se retiveram na superfície das relações matemáticas dos números.

Aristóteles anotará a importância do estudo do ser e será o melhor continuador do seu estudo, como o demonstra o seu tratado Metafísica em 14 livros.

A escola eleática não criou entretanto uma tradição à maneira da pitagórica. Todavia desembocou em importantes vertentes como a de Aristóteles fundador do Liceu, e de Euclides, fundador da escola socrática menor de Mégara.

ART.1o - XENÓFANES DE COLÓFON. 0335y566.

567. Introdução. A posição de Xenófanes não é clara como filósofo fundador

da escola de Elea, todavia muito clara com referência às novas idéias que caracterizaram a escola.

As informações sobre o filósofo seguem a seguinte ordem: - a vida e obras (vd 569); - pensamento (vd 576). §1. Vida e obras de Xenófanes de Colófon. 0335y569. 570. Xenófanes de Colófon (= , < @ N V < 0 H ) (c. 570- c. 475 a.C.) é

filósofo grego, ao mesmo tempo que rapsoda, que emigrou da Jônia para o Ocidente. Fixando-se finalmente em Elea, passou a ser considerado o fundador da escola do mesmo nome. Esta se fez famosa por defender a unidade e imutabilidade do ser, e pela reduzindo a diversidade e o movimento às impressões subjetivas dos sentidos.

A curta biografia legada por Diógenes Laércio sobre Xenófanes é praticamente só o que sabe a seu respeito. A partir de uma análise se determinam mais alguns esclarecimentos.

"Xenófanes, filho de Déxio, ou de acordo com Apolodoro, de Ortomenes, era de Colófon. Foi elogiado por Timon assim:

Xenófanes, não altivo, castigador com homéricos embustes.

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Foi banido de sua cidade natal. Viveu em Zancle, e em Catânia. Segundo alguns, não foi discípulo de ninguém; segundo outros foi discípulo de Boton de Atenas, ou como dizem alguns, de Arquelao.

Socion o fez contemporâneo de Anaximandro. Seus escritos são em metro épico, como elegias e Jambos, contra Hesíodo e Homero, denunciando o que eles diziam sobre os deuses. Ele mesmo cantava seus versos.

Diz-se ainda que se opôs às opiniões de Tales e Pitágoras, e atacou também a Epimênides.

Atingiu uma longa idade, como testemunhou por suas próprias palavras: Sessenta e sete são agora os anos em que me agito em cuidados pela terra

grega; antes já eram passados outros vinte e cinco anos, se ainda sei dizer a verdade a cerca disto" (D. L., IX, 18-19).

Depois de se referir às suas doutrinas, retoma Diógenes Laércio as informações biográficas:

"Xenófanes escreveu dois mil versos sobre a fundação de Altabosco [Colófon] e a colonização de Elea na Itália.

Floresceu na sexagésima olimpíada [540-537 a.C.]. Lê-se também em Demétrio de Falera, no Tratado da velhice, e em Panécio o

Estóico, Da tranquilidade, que enterrou os filhos com as próprias mãos. Acredita-se houvesse sido vendido como escravo e posto em liberdade pelos pitagóricos Parmenisco e Orestades" (D., L., IX, 20).

Pouquíssimo mais se encontra em outros doxógrafos, que citaremos oportunamente.

571. Primeiramente uma vida acidentada no Oriente. Infere-se dos dados conhecidos que Xenófanes tenha nascido pela volta de 570 a.C. Teria deixado a Ásia Menor aos 25 anos quando já não era considerada terra grega, pois em 548 a.C. a conquistara o rei Ciro da Pérsia. Para ter sido discípulo de Anaximandro, falecido por volta de 545 a.C., deveria também ter nascido cerca do ano 470 a.C.

Creso, rei da Lídia [Ásia Menor], que sucedeu a Aliates em 571 a.C., conquistou a vizinha Éfeso, principal cidade a cujo grupo pertence Colófon. A esta nova situação parece estar coerente uma referência de uma elegia de Xenófanes aos seus compatriotas colofônios, quando diz que:

"Com os lídios aprenderam os modos relaxados, nocivos; e, antes de experimentarem a odiosa tirania, dirigiam-se ao agorá, não menos de mil cada vez, revestidos de púrpura, cheios de orgulho, envaidecidos de seus bem amaneirados cabelos, gotejantes de artificiosos bálsamos" (Frag. 3) (Atheneu XII, 526 A).

Poderia Xenófanes ter sido discípulo de Bóton, mas não de Arquelau. Veio-se a saber que este último é mais recente que Xenófanes cerca de um século.

Haver-se oposto a Tales e Pitágoras, pode significar um contato com as doutrinas destes, já no oriente jônico. Também já aqui teria conhecido os textos de Homero e Hesíodo. E, se Xenófanes foi citado por Heráclito, isto demonstra sua forte presença, tanto no Ocidente como também na jônica Ásia Menor.

Tendo tido dois escravos e que mal conseguia manter, reconstrói-se com estes elementos sua imagem de pregador profissional. Ainda que não tão aquinhoado quanto outros

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bardos, caminha de povoado em povoado, tendo por companhia, além de mulher e filhos, dois servos. Perguntado por Hieron, quantos escravos tinha, respondeu: "dois, e ainda a estes resulta difícil manter" (Ápotegma incluído em Griomolog. Paris, 160).

572. Uma longa vida no Ocidente. Depois de sua fase jovem de até 25 anos (e o poeta se revela sobretudo nesta idade), teria vivido mais 67 anos perambulando por terras gregas, como deixa calcular pelos seus versos. Resulta ter alcançado 92 anos, e, por conseguinte o ano de 475 a.C.

O clima em que tudo isto se dá, admite dizer que tenha sido compelido a sair de sua pátria, por ocasião da conquista persa, quando, em 548 a.C., o rei Ciro derrota a Creso da Lídia (capital Sardes), à qual até ali estavam submetidos os efésios.

Xenófanes de Colófon, o cantor afoito, não teria sido bem visto pelos novos senhores da Ásia Menor, os persas. Expulso, terá sido mandado andar e cantar por outras terras. Agora o artista empobrecido, se aprimora como pensador e crítico, radicando-se finalmente em Elea, depois de passar por Zancle e Catânia cidades da Sicília.

O fato de haver enterrado seus próprios filhos outra vez confirma sua longa idade, ao ponto de ter sobrevivido a estes.

Os versos para Colófon significa haver atuado em sua terra pelo tempo suficiente para formar vivências, que teria depois transformado em poema de saudade.

Por sua vez os versos sobre Elea confirmam sua estadia significativa nesta. Não tendo sido um homem rico e nem mestre de uma escola, o colofônio

exilado foi um pregador de civismo e de pensamentos filosóficos, morais e religiosos, através de um importante instrumento de comunicação, o do canto e da recitação. Desta sorte influenciou aos de sua época. Receptivo, por causa de sua arte, ensinou um pensamento novo, reagindo contra os aspectos mais ingênuos da religiosidade mítica.

573. Anterior a Parmênides. Não é clara a posição de Xenófanes (c. 570- c. 475 a.C.) como fundador da escola de Elea, sendo todavia muito plausível, que o tenha sido. Dado como mais antigo em relação a Parmênides, a atribuição de fundador da escola, se faz sem contradição. Apoia-se na afirmativa de Aristóteles, feita século e meio depois:

"Xenófanes, o mais antigo partidário da unidade, pois Parmênides foi, se diz, seu discípulo…" (Metafísica 986 b 21-22).

As poucas informações colocam portanto a Xenófanes antes de Parmênides, e ainda como o mais antigo unicista, mas não o declara diretamente fundador da escola.

Em Platão o texto também é fugidio: "Lá a nossa gente de Elea, que vem de Xenófanes, e de mais além… (Sofista,

242 d). Diógenes Laércio, que se limitou a dizer que Parmênides fora discípulo de

Xenófanes, não se refere a este como fundador da Escola de Elea. As informações vagas se repetem nos doxógrafos, vindo finalmente a ser

expressamente afirmada a posição de Xenófanes como fundador da escola de Elea: "Xenófanes, o fundador da escola eleata…" (Teodoreto IV, 5, in Aécio). 574. As obras de Xenófanes, de que já se fez referência (vd 570), restaram

apenas fragmentariamente, nas citações de outros autores, representadas por meia dúzia de páginas de versos, com predominância de elegias e sátiras.

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Mas é sobretudo em informações doxográficas que encontramos suas doutrinas tipicamente eleáticas; elas vem de Platão, Aristóteles, Simplício, Sexto, Hipólito, Aécio. Mas os versos fragmentários se prestam para estabelecer o clima religioso e moral em que se situava.

Perderam-se, todavia, os versos referentes à fundação mesma de Colófon e Elea.

§2. Pensamento de Xenófanes de Colófon. 0335y576. 577. A terra como elemento. Tal como os primeiros jônicos, a investigação

de Xenófanes foi primeiramente à busca de uma natureza elementar a partir da qual se formariam todas as coisas. Tales propusera como primeiro elemento a água, Anaximandro o infinito, Anaxímenes o ar, Heráclito o fogo. Xenófanes propõe a terra.

"Pois tudo vem da terra e na terra tudo finda" [Frag. 27] (Aécio IV, 5). Todavia, não há rigidez na proposição de Xenófanes.

Também diz: "Terra e água é tudo quanto vem a ser e cresce" [Frag. 29] (Simplício, Física

188, 32). "Pois todos nascemos da terra e da água" [Frag. 33] (Sexto, Contra os

matemáticos X, 314). "Porfírio afirma que Xenófanes considera princípios o seco e o úmido; eu

digo que ele considera a terra e a água" (Filopono, Física 125, 27). 578. A metafísica é a glória de Xenófanes. Partindo para uma nova

interpretação da diversidade múltipla da natureza, dizendo que esta multiplicidade é apenas o efeito aparente dos sentidos, estabeleceu a unidade em si mesma da coisa que existe. O ser é uno e imutável, não se dividindo e não se multiplicando, nem se transformando e nem se movendo.

A base desta afirmação a estabeleceu Xenófanes mediante considerações metafísicas. Seus sucessores avançarão as especulações, mas é com o velho rapsodo que tiveram início. As relações entre o uno e o múltiplo são diferentes das que se supunham até então:

"Opõe-se às opiniões de Tales e Pitágoras, e também de Epimênides" (D. Laércio, IX, 18), – eis como se pode entender o texto já citado anteriormente.

579. Unidade do ser. Percebendo a unidade da natureza – à que chama terra, a intuiu já não somente como sendo esta matéria sensível, mas simplesmente como um todo entitativo, assim apreendido pela inteligência. As coisas são simplesmente ser, instituído como resultado de uma especulação abstrata, alteado este ser acima do meramente sensível. O ser é indicado por qualificativos como uno, eterno, imutável, infinito, divino.

Num diálogo de Platão se exprime pitorescamente o Estrangeiro de Elea: "Cada qual parece que nos conta um conto, como se fossemos crianças. Diz

um que são três os seres que ora se combatem, ora se convertem em amigos, dos quais assistimos as bodas, os partos e a criação dos filhos. Outro, dizendo que são apenas dois, o úmido e o seco, ou quente e o frio, junta-se e os casa. Mas, lá a nossa gente de Elea, que vem de Xenófanes, e de mais além, admite em suas doutrinas que um único é o ser, designando tudo" (Platão, Sofista 242 c-d).

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Adverte Aristóteles contudo que Xenófanes não aprofundou a doutrina da unidade do ente. Concluída a exposição das doutrinas pluralistas do ente, continua o Mestre do Liceu, comentando as da unidade.

"O pensamento dos velhos filósofos, que admitiram a pluralidade dos elementos da natureza, está suficientemente conhecida pelo que precedeu. Há ainda outros que professaram que o todo é uma só realidade, mas a excelência da exposição não alcança o mesmo nível junto de todos, nem a conformidade com os fatos" (Aristóteles, Metafísica, 986, b, 10).

Esclarece que não se trata de um princípio primordial, a partir do qual as coisas derivam. "A discussão de suas doutrinas não entra no quadro do presente exame de causas. Eles não procedem à maneira de certos fisiólogos; estabelecendo o ser como um, não engendra todas as coisas a partir do Uno considerado como matéria. Suas doutrinas são outras. Enquanto os fisiólogos admitem o movimento no todo, os filósofos de que falamos pretendem, pelo contrário, que o todo é imóvel" (Metafísica, 986b 13).

Prossegue Aristóteles distinguindo entre unidade material (aquela adquirida por um elemento de determinada espécie, por exemplo, a água) e a unidade formal (por definição), adquirida pela unidade simplesmente do ente. Pretende, então, dizer que Parmênides alcança a unidade formal do ser, ao passo que não Melisso. Quanto a Xenófanes não teria alcançado precisão de conceitos sobre o assunto. Na verdade, Xenófanes tem a visão da unidade, através da unidade da natureza, de suas leis, de suas transformações cíclicas. Transcende à unidade material, sem maiores esclarecimentos, sobre monismo fundamental.

"Parmênides concebeu a unidade quanto à definição e Melisso a unidade material; ela é finita, para o primeiro, infinita, para o segundo.

Quanto a Xenófanes, o mais antigo adepto da unidade (pois se diz que Parmênides foi seu discípulo), não há nada claro, visto que não parece ter entendido a natureza de uma e de outra destas causas. Mas, observando o universo material em conjunto, asseverou que o Uno é Deus. Estes filósofos, como dissemos, deverão ser postos à margem da presente investigação, e completamente dois deles, cujas concepções são, em verdade, muito grosseiras, a saber, Xenófanes e Melisso. Pelo contrário, Parmênides parece raciocinar aqui com mais penetração" (Metafísica, 986b 20-25).

580. Subjetivismo e relativismo. O unicismo de Xenófanes, - qualquer seja a avaliação de sua profundidade, - tem implicações gnosiológicas, - o caráter subjetivo e relativo do conhecimento. Conscientizou-se Xenófanes sobre a dificuldade do problema levantado. E isto é importante anotar. Parece haver estado próximo do vago ceticismo depois praticado por outros:

"Não há homem algum que claramente visse, e nenhum haverá jamais que claramente tivesse visto, e saiba dos deuses e de tudo quanto eu falo; pois ainda que alguém viesse a pronunciar o melhor possível a lavra definitiva, nem esse saberia: sobre tudo recai a opinião" (Sexto, Contra os matemáticos, VII 49, 110; Plut. Aud. Poet. 2 p.17 E).

Sobre a relatividade advertiu Xenófanes que: "Se Deus não tivesse feito o dourado mel, muito mais doces diriam [os

homens] são os figos" (Frag. 38, em Herodiano Gramático, Sobre particularidades da linguagem, 41,5).

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Diante da diversidade oferecida pelos sentidos, os eleatas advertem que é preciso ficar com a razão, que oferece a unidade e a imobilidade do ser. Sobre esta ponderação dos eleatas informou genericamente Aristóteles:

" Achavam, com efeito, alguns dos antigos, que o ser é um e imóvel. Alegando, que o vazio é um não -, não podendo haver nele movimento, porquanto não há vazio separado" (Da geração e corrupção, I, 8. 825a 2).

581. O ser uno é caracterizado como divino – a tudo superior . Repete aqui Xenófanes o pensamento dos milésios, que faziam do elemento primordial um ser divino. Trata-se, pois um panteísmo monista, ou simplesmente de um monismo materialista.

"Teofrasto assevera que Xenófanes admite um só princípio, considerando o ser como um e tudo (nem finito, nem infinito, nem móvel, nem imóvel).

Concorda, Teofrasto, que a menção desta doutrina mais convém a outro domínio, que ao da história natural. Porque, na verdade, no dizer de Xenófanes, este um e tudo é Deus.

Declara que é um, por ser o mais poderoso de todos; se vários entes houvesse, estaria repartido em igualdade o poder entre todos; ora Deus é o que há de mais sublime e a tudo superior quanto ao poder.

É ingênito; o que nasce, haveria de nascer, ou do semelhante, ou do dissemelhante. Ora, o semelhante, diz ele, não pode exercer este efeito (de gerador) sobre o semelhante, porquanto não convém mais a um que a outro o gerar e o ser gerado.

De outra parte, se nascesse do dissemelhante, nasceria do que não é. Assim demonstra a ingenerabilidade e a eternidade. Não é infinito; porque o infinito é o não ser, pois não tem início, nem meio,

nem fim e porque (só) os múltiplos seres se limitam reciprocamente. Do mesmo modo elimina o movimento e o repouso; porque o imóvel é o não

ser, que em outro não se torna, nem outro nele se torna; o movimento convém mais ao múltiplo, que o uno, pois neste caso podem um em outro se transmutar.

Por conseguinte, quando se diz – E sempre se mantém no mesmo lugar, sem mover-se, nem convém à sua natureza que se mova para cá e para lá [Frag. 24], entenda-se não a imobilidade que se opõe à mobilidade, mas sim a estabilidade sem movimento e sem repouso.

Nicolau Damasceno, em seu tratado A cerca de Deus, atribui a ele [Xenófanes] a declaração de que o princípio é infinito e imóvel.

Conforme Alexandre (de Afrodísio), seria limitado e esférico. Claramente sua doutrina é a que ele é infinito e ilimitado; demonstra a limitação e a forma esférica dizendo que semelhante é o ente por todos os lados. Também afirma que ele pensa todas as coisas, dizendo – e sem custo tudo move por força do próprio pensamento (Simplício, Física, 22,22ss).

"Deus é uma substância esférica sob nenhum aspecto parecido com o homem. O todo vê, o todo ouve, porém não respira. Ele é ao mesmo tempo todas as coisas, inteligência, pensamento, eternidade" (D. Laércio, IX, 19).

"Todo inteiro vê, todo inteiro pensa, todo inteiro ouve" [Frag. 24] (em Sexto, Contra os matemáticos, IX 144).

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"Se a divindade é a mais forte de todas as coisas, só pode ser uma única (...), pois se houvesse dois ou mais deuses, não poderia ser o mais forte e o melhor de tudo. Portanto, só pode haver uma divindade (Pseudo-Aristóteles, De Meliso, Xenophonte, Gorgias 3,3).

582. A mais antiga advertência contra o antropomorfismo teológico. Destacou-se Xenófanes pelo seu combate aos conceitos antropomórficos da divindade, ocorridas sobretudo na religião tradicional.

Ainda que se pudesse pôr restrições a tudo o que houvera o mesmo Xenófanes dito sobre a natureza divina, encontrava-se no reto caminho, o de uma análise ontológica a partir do ser. Até seu tempo, foi Xenófanes o melhor dos profetas, no sentido de haver melhor falado sobre Deus. Nenhuma teologia é boa, sem uma correta noção filosófica de divindade.

Aqui importa relembrar o texto de Platão em que o Estrangeiro ridiculariza o que se diz dos deuses e adverte para a doutrina do ser:

"Mas lá a nossa gente de Elea, que vem de Xenófanes , e de mais além, admite em suas doutrinas que um único ser é o que designa tudo" (Sofista 242 d).

O mérito teológico de Xenófanes também foi reconhecido por Aristóteles: "Os poetas representam a opinião dos homens, como as histórias que se

contam dos deuses. Essas narrativas talvez não sejam verdadeiras, nem melhores; talvez as coisas sejam como pareciam a Xenófanes; no entretanto, assim as dizem os homens" (Poética, 25 p.1460 b 35).

Em outro passo: "… dizia Xenófanes que tantos são ímpios os que afirmam que os deuses

nasceram, como os que asseveram que eles morreram. De ambos os modos se diz que em determinado tempo não existiram" (Retórica, II, 23 p. 1399 b 5).

"Perguntaram os cidadãos de Elea a Xenófanes se deviam, ou não, oferecer sacrifícios a Leucotéia, e lamentá-la como uma defunta. Aconselhou-os a que não lamentassem, se como deusa a veneravam; mas se a consideravam como um ser humano, não lhe deveriam sacrificar" (Ibidem, II, 26 p. 1400 b 5).

Fragmentos dos Silos apresentam a mesma linguagem satírica de Xenófanes contra as imaginações antropomórficas.

"Homero e Hesíodo imputaram aos deuses tudo quanto entre os homens e indecoroso e censurável: roubos, adultérios, enganos recíprocos" [Frag. 11] (Sexto, Contra os matemáticos, IX, 193).

"Muitos atos ilícitos eles contam dos deuses: roubos, adultérios, enganos recíprocos" [Frag. 12] (Ibidem, I, 289).

"Mas crêem os mortais que os deuses nasceram, e que, tal como eles, têm figura, vestes e voz" (Clemente de Alexandria, Strômata, V, 109).

"Se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões, e se pudessem com as mãos pintar ou produzir obras de arte, como se fossem homens, pintariam as figuras dos deuses, os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois; esculpiriam os corpos deles, respectivamente, de acordo com o próprio aspecto" [Frag. 15] (Ibidem, V, 110).

"Os etíopes se afiguram os deuses, com pele negra e nariz achatado; os trácios, com olhos azuis e cabelos loiros" [Frag. 16] (Ibidem, VII, 22).

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583. Entidades divinas secundárias. A noção de um deus supremo e único nesta condição, ainda não exclui a admissão de deuses como entidades secundárias e criaturas como os anjos, desde que não sejam aventados como uma necessidade ontológica.

Por esta outra via os deuses foram admitidos por Xenófanes, ao que parece. De futuro, também Heráclito, Platão, Aristóteles não sacrificarão totalmente a idéias das deidades individuais e subalternas.

Seria demais, que um homem, como Xenófanes, em tão remota época se despojasse inteiramente do lastro cultural da religiosidade helênica de seu povo. Xenófanes não foi um monoteísta em sentido pleno. Ou melhor, não foi um monista em sua totalidade.

Não há conflito entre combater o antropomorfismo religioso e a admissão de divindades secundárias. Combateu Xenófanes, a figuração humana dos deuses, mas não os deuses simplesmente em si mesmos.

A conceituação politeísta de Xenófanes está bem clara neste fragmento: "Um só Deus, o maior entre os deuses e os homens, diferente na forma e no

pensamento dos mortais" [frag.23] (Clemente de Alexandria, Strômata V, 109). O mesmo contexto politeísta se reencontra nos versos, como este: "Ter sempre veneração pelos deuses, isto é bom" (Final do Frag. 1, em

Atebeo X, 462 C) (vd 586). Por isso se tem contestado a afirmação de outros tempos de que Xenófanes

fosse o primeiro monoteísta. "Xenófanes havia sido considerado antigamente como o primeiro monoteísta

grego. Os argumentos contra esta opinião foram expostos e defendidos com êxito por Freudenthal em sua obra Ueber die Theologie des Xenophanes, Breslau, 1866, trabalho a que nós devemos muito. O argumento decisivo contra o pretendido monoteísmo de Xenófanes está contido no único verso: um só deus, entre os deuses..." (Th. Gompers, Pensadores gregos, nota ao item Xenófanes).

Não obstante, importa não desatender ao fato de que Xenófanes foi também um poeta, e neste sentido poderia ter usado por vezes a linguagem poética, a qual certamente é favorecida pela imaginação politeísta.

584. Sobre a alma "Xenófanes foi o primeiro a declarar, que tudo está destinado a perecer, e que a alma é um sopro (B < , Ø : " )" (D. Laércio, IX, 19).

585. A Ética de Xenófanes se mantém ainda nas frases sentenciosas, peculiares às religiões tradicionais, envolvidas em considerações episódicas. Depois de se referir ao fato de ser apreciado como mais ilustre aquele que vence nos jogos, adverte:

"A sabedoria de certo é mais nobre que o vigor dos homens e dos cavalos. Insensato costume, e injusto, este, de mais prezar a força que a sabedoria. Mesmo que haja entre o povo um pugilista hábil, ou quem vença no pentatlo e na luta, ou até na corrida (que mais estimada é a rapidez que a força), quem quer que vitorioso saia das másculas competições, - nem por isso o povo andará mais bem governado. Pouco proveito adviria à cidade, se algum cidadão vencesse as margens do Pisa. Não é isso que lhe aumenta tesouros da cidade" [Frag.2] (em Ateneo X, 413 F).

586. Um sentir geral de tolerância se observa no pensamento religioso e moral de Xenófanes, não sendo nem fanático e nem contrário ao culto popular dos deuses,

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tudo dentro de uma ética aberta. Este é o clima de um longo fragmento elegíaco, em que participa, e ao mesmo tempo que recomenda moderações:

"Agora o chão da casa está limpo, as mãos de todos e as taças; um cinge as cabeças com guirlandas de flores, outro oferece odorante mirra numa salva; plena de alegria ergue-se uma cratera, à mão está outro vinho, que promete jamais faltar, vinho doce, nas jarras cheirando flor; pelo meio perpassa sagrado aroma de incenso, fresca é a água, agradável e pura; ao lado estão pães tostados e suntuosa mesa carregada de queijo a espesso mel; no centro está um altar todo recoberto de flores, canto e graça envolvem a casa. É preciso que alegres os homens primeiro cantem os deuses com mitos piedosos e palavras puras. Depois de verter libações e pedir forças para realizar o que é justo – isto é que vem em primeiro lugar -, não é excesso beber quanto te permita chegar à casa sem guia, se não fores muito idoso. É louvar-se o homem que, bebendo, revela atos nobres como a memória que tem e o desejo de virtude sem nada falar de titãs, nem de gigantes, nem de centauros, ficções criadas pelos antigos, ou de lutas civis violentas, nas quais nada há de útil. Ter sempre veneração pelos deuses, isto é bom" [Frag. 1] (em Ateneo X, 462 C).

587. Cosmogonia e cosmologia. Não obstante sua nova maneira de interpretar a variedade dos entes como sendo fundamentalmente um unicismo, Xenófanes apresentou uma filosofia da natureza não menos curiosa.

Não deve todavia condenar a Xenófanes de contradição com sua tese da unidade do ente ao estabelecer una interpretação cosmológica à natureza, como já o quis invectivar de incoerência, na antiguidade, Teodoreto:

"Xenófanes, o fundador da seita eleática, assevera que o todo é um, esférico e limitado; ingênito, mas eterno e absolutamente imóvel; mas depois, olvidado destas doutrinas, diz que da Terra tudo nasce" (Teodoreto, IV, 5 em Aécio).

Não temos informações sobre a evolução cronológica do pensamento de Xenófanes. Mas não é impossível que seu unicismo fosse uma evolução ulterior, e que de início pensasse apenas como os jônicos, sobre um ser material. Nesta condição inicial terá desenvolvido uma cosmologia em que os elementos seriam a terra e a água.

Depois com a teoria do ser uno, esta cosmologia somente se manteria como aparência sensível. No futuro, também o idealista Emanuel Kant, apresentará uma teoria do céu astronômico. E assim já na antiguidade os eleatas desenvolveram a doutrina da aparente variedade e movimento do ser.

"Nasce o sol por via de aglomeração de partículas inflamadas, que vai aumentando dia a dia; a terra é ilimitada, e nem o ar, nem o céu a cingem, infinito

O mar é salgado porque nele convergem muitas matérias amálgamas. Xenófanes crê que a terra se mistura com o mar. Com o tempo nele se dissolvera" (Hipólito, Refutação, I, 14).

588. "Todos os dias os astros se apagam e todas as noites se reacendem como carvões; nascimentos e ocasos, são inflamações e extinções" (Aécio II, 13,14).

"O sol apaga-se, e outro sol renasce no Oriente" (Aécio,II,24,2). "O sol provém de nuvens inflamadas... provenientes de exalações úmidas" (Aécio, I,20,3).

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Por mais hipotéticas que sejam as teorias de Xenófanes sobre os astros, elas representam algo muito mais evoluído que a interpretação mítica e mitológica então dominante.

"Muitos afirmam que a parte inferior da terra se prolonga indefinidamente, asseverando que ela radica no infinito, assim o diz Xenófanes de Colófon" (Aristóteles, Do céu, 2,13. 294a 21).

589. Evolucionismo. Defendeu Xenófanes a evolução universal dos entes, inclusive da vida, ao mesmo tempo que uma forma cíclica deste fenômeno. Sua hipótese se apresenta curiosa, porque inferida de uma observação dos fósseis da Sicília.

A dissolução da terra no elemento úmido também se fundou nesta observação. Lê-se, na continuidade do texto antes citado:

"Assegura que disso tem ele a prova, pois no meio da terra firme e nas montanhas, se encontram conchas, e diz que nas pedreiras de Siracusa foram achadas impressões de peixes e de focas, e em Faro, a impressão de uma anchova, na profundidade da rocha, e em Malta, outras, de outros possíveis animais marinhos. Diz ele que tal aconteceu, quando outrora, tudo era lama, e que as impressões produzidas na lama teriam endurecido depois.

Todos os homens pereciam se a terra resvalasse para o mar e se tornasse em lama. Mas depois voltaria a nascer; e, à mutação tal, todos os cosmos estão sujeitos" (Hipólito, Refutação I, 14).

O evolucionismo de Xenófanes, com base em observação de restos paleontológicos, desperta, admiração. Tanto isto mais espanta, se consideramos que tais observações não tiveram maiores desenvolvimentos, senão nos tempos modernos.

A imagem da evolução das espécies, presente em alguns filósofos antigos, em tempo algum alcançou uma pesquisa mais profunda, tendo sido até sufocada pelas imagens míticas da criação das espécies fixas.

"Pelo que sabemos, foi o primeiro que de achados de restos fossilizados de animais e plantas tirou conclusões corretas e de vasto alcance" (T. Gomperz).

590. Um conceito adiantado da meteorologia, já se encontra formulado em Xenófanes. Um circulo de ações ocorreria a começar da água salgada, continuando pela água doce, pela evaporação, finalmente pela formação das nuvens, das chuvas, dos rios e de novo do mar. Ocorre ali a visão da natureza como um sistema de leis, sem mitos.

"Supurada a água do mar, a doce separa-se pela subtileza própria, e depois, condensando-se em névoa, forma as nuvens; e prosseguindo a condensação, cai a chuva e sopram os ventos" (Aécio, III,4,4).

Diz então Xenófanes: "Fonte da água é o mar, e fonte dos ventos; pois nem existiriam as nuvens

sem o vasto mar, nem o curso dos rios, nem a chuva dos céus. Mas é ele, o vasto mar, que gera as nuvens, os ventos e os rios" [Frag. 30] (Aécio, III,4,4).

A terra e a água são as fontes sempre presentes nas explicações de Xenófanes. Não importa a qual dê prioridade. O importante é que formula o sistema de uma explicação.

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ART. 2o - PARMÊNIDES DE ELEA. 0335y593.

594. Introdução. Parmênides é um dos grandes nomes da filosofia pré-

socrática e mais do que isto, um dos grandes filósofos de todos os tempos. Na escola eleática é ele o referencial principal, ainda que cronologicamente

situado como o segundo, ou seja, após Xenófanes. Caracterizou-se pela concepção unicista do ser e redução dos sentidos á

relatividade, figurando seu poema sobre a se como o primeiro importante documento sobre a ontologia.

Há a examinar sobre Parmênides, com muito detalhe, e pela seguinte ordem didática:

- Vida e obras (vd 595); - Exposição das doutrinas de Parmênides (vd 605) §1. Vida e obras de Parmênides. 0335y595. 596. Parmênides (A " D : , < \ * 0 H ) de Elea (c. 540 - c. 479 a.C.) é filósofo

de língua grega, nascido em Elea (Itália meridional). A antiguidade referia-se a Parmênides como um sábio importante e

respeitável. Assim é configurado ao comparecer ficticiamente aos diálogos de Platão. Um dos dialogantes se expressa enfaticamente: "O grande Parmênides" (Sofista 237 a). Outro, que é Sócrates, não deixou por menor sua admiração: "A meu parecer, Parmênides, como um herói de Homero, é venerável e

temível. Tive contato com este homem (diz Sócrates) quando eu era jovem e ele velho, e justamente me pareceu que tinha pensamentos profundos; temia não compreender suas palavras e que seu pensamento nos deixasse atrás" (Teeteto, 183 e).

597. Deste homem tão conceituado se conhecem todavia mui poucos episódios biográficos. Isto pode significar que se concentrou mais com a vida intelectual, do que com atividades administrativas.

Diógenes Laércio (do 3-o. século), um dos raros informantes, dedicou a Parmênides tão só uma página, em que se refere à vida e à doutrina do mesmo.

E o que se encontra nos diálogos de Platão, ainda que seja em forma de ficção, tem ao menos a validade testemunhal do prestígio doutrinário de Parmênides.

O mesmo acontece com as citações fragmentárias feitas do poema de Parmênides. Não trazendo embora informações biográficas, ao menos transmitiram o referido texto, o qual veio através de Teofrasto, Simplício, Sexto Empírico, Plotino, Proclo, Clemento de Alexandria e outros.

"Parmênides de Elea, filho de Pireto, era discípulo de Xenófanes (ou de Anaximandro, diz Teofrasto no Compêndio).

Ainda que discípulo de Xenófanes, abandonou suas doutrinas para seguir a Amínias e ao pitagórico Dioquete, homem pobre, segundo Sócion, porém. homem honesto e virtuoso. Dioquete era seu mestre predileto e, depois de sua morte, lhe edificou uma capela como a um herói. Rico e de ilustre nascimento. deveu mais a Amínias que a Xenófanes, seus estudos filosóficos, que levam à tranquilidade" (D. L., IX, 21).

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Conhecendo embora o diálogo platônico denominado Parmênides, ao qual também cita Diógenes Laércio não incluiu o que ali se narra, como sendo parte biográfica real de Parmênides. Se fosse, dever-se-ia dizer que Parmênides estivera em Atenas pela volta de 450 a. C., quando Sócrates era ainda jovem e que teria tido conhecido então o eleata e com ele dialogado. Nesta hipótese, inclusive, dever-se-á retardar a data de nascimento de Parmênides pelo menos 515 a.C..

598. A cronologia de Parmênides toma como base a afirmativa de Diógenes Laércio: "Floresceu na 69-a. Olimpíada" (504-501 a.C.) (D. L., IX, 23). Esta data combina com as informações do mesmo Laércio, de que Parmênides fora discípulo de Xenófanes e de Anaximandro.

Também Aristóteles opina de maneira semelhante quando diz: "Quanto a Xenófanes, o mais antigo adepto da unidade (pois se diz que

Parmênides foi seu discípulo)" (Metafísica, 986 b 20). Sabe-se ainda: "Diz Espeusipo, em sua História dos filósofos, que havia dado leis aos seus

concidadãos" (D. Laércio, IX, 23). Isto quer dizer que Parmênides poderia ter ocupado posição de destaque em

sua cidade, que era de recente fundação, de Jônicos vindos da Ásia menor. 599. As referências doxográfìcas a Parmênides se devem principalmente aos

filósofos que se ocuparam de importantes questões ontológicas e gnosiólogas, como Platão, Aristóteles, Teofrasto, Simplício, Sexto Empírico.

Ao mesmo tempo os doxógrafos fizeram citações relativamente numerosas dos textos originais do mesmo Parmênides. Dali resultou a possibilidade de reconstruir, pelo menos sofrivelmente, o texto propriamente dito.

600. Poema filosófico. O texto filosófico de Parmênides não poderia ter sido mais solene, do que a forma de poema, que lhe deu.

"Nosso filósofo expôs suas doutrinas em verso, tal como fizeram Hesíodo, Xenófanes e Empédocles" (D. Laércio, IX, 22). Pelo conteúdo terá tido o nome Sobre a natureza (A , D Â N b F , T H ), tal como acontece com as obras de Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito.

601.Reconstrução do poema de Parmênides. Restando embora apenas fragmentos, consegue-se conectá-los entre si, reconstruindo-se o texto (vd 602).

Sexto Empírico (VII,111) citou os versos 1 a 30. Estes se aglutinam com as citações de Simplício (Do céu, 557, 20) com os

versos de 28 a 32. Da combinação de ambos se obtém a ordem interna do Frag. l do poema de

Parmênides. Eis a Introdução, ou Proêmio, que solenemente introduz ao poema, e que nesta parte inicial se lê espontaneamente (vd 602).

Seguem-se, em pequenas dimensões, os fragmentos 2, 3, 4, 5, 6 respectivamente citados por Proclo, Clemente de Alexandria (duas vezes), de novo Proclo.

Esta página introduz as teses fundamentais sobre o ser, e se fazem admirar pelo impacto com são apresentadas.

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Continua a reconstrução do texto com o grande enredo dos fragmentos 7 e 8. Representam mais duas páginas no texto geral do poema, e que se ocupam com a doutrina do ser (vd 603).

O fragmento 7 deriva das citações de Platão (Sofista 237 a), versos 7, 1-2; e das citações de Sexto Empírico (VII, ll4), versos 3, 3-6.

O fragmento 8 reúne duas citações de Simplício (Física, 114,29), versos 8,1-52; e (Física, 38,28) versos 50-61.

Depois deste texto central, seguem-se os 11 textos menores finais, ocupando-se com a doutrina de Parmênides sobre a natureza (vd 604):

fragmento 9 de Simplício; fragmento 10 de Clemente de Alexandria; fragmentos 11 e 12 de novo, de Simplício; fragmento 13 de Platão (Banquete 178 b). fragmentos 14 e 15 de Plutarco; fragmento 16 de Aristóteles (Metafísica 1009 b 21); fragmento 17 de Galeno; fragmento 18 de Célio Aureliano; fragmento 19 de Simplício (sendo este autor o que apresenta maior número de

versos, seguido de Sexto Empírico). Na tradução, o que nos importa hoje não é a reprodução cadenciada dos

versos, mais que a enunciação direta do conteúdo das proposições. Importa atender primeiramente para o texto mesmo do poema do ser, de

Parmênides, para assimilá-lo como um todo, para somente depois fazer sua leitura literária, lógica, física, metafísica.

Redistribuímos o texto, dado a seguir, em 3 partes, - primeiramente a introdução, ou proêmio, depois a doutrina do ser, finalmente a doutrina sobre a natureza.

602. Poema de Parmênides – Introdução. (Frag. 1) (Sexto, VIII, 111; Simplício, Do céu., 557,20): (1,1) "As éguas, que me conduziam, quanto meu coração desejava, levaram-

me pelo famoso caminho das deusas, que conduz o sábio através de todas as cidades. Por ele era eu conduzido; por ele me levavam as mui destras éguas (1, 2), puxando o carro, e as moças indicavam o caminho.

Os eixos ardiam nos cilindros e ressoavam com estridente sibilo (pois duas rodas se aceleravam de ambos os lados), sempre que as jovens heliades aumentavam a velocidade, que deixavam a morada da noite (1,10) na direção da luz, afastando os véus da cabeça.

Ali estão os portais dos caminhos da noite e do dia, tendo em cima uma trave e em baixo um degrau de pedra; a porta mesma, a etérea, é fechada com duas imensas folhas; a chave, de uso alternante, da porta, é guardada pela Justiça muito castigadora (l,15).

As jovens lhe falam com suaves palavras e a convencem habilmente, para que 1hes retire da porta as aferrolhadas traves. Então esta abriu largamente o abismo entre seus batentes de bronze, que giraram sobre seus gonzos, (1, 20) providos de dobradiças e cravos. Conduziram então as jovens o carro e as éguas, através do portal sobre o caminho.

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E a deusa me acolheu com afeto, tomou a minha mão direita com a sua e me dirigiu a palavra, dizendo-me:

Jovem, companheiro de imortais condutores (1, 25), que chegas à nossa morada com as éguas que te conduzem, saúdo-te!

Pois não foi nenhum fado mau que te induziu vir por este caminho (que está longe do caminho, dos homens), mas a Lei e a Justiça (1 X : 4 H , ) 4 6 Z ).

Porém é preciso que conheças tudo, tanto o coração imperturbável da verdade bem rotunda, (1,30) como as opiniões dos mortais, nas quais não reside a verdadeira crença. Aprenderás também isto, como as aparências são um saber aparente, estendendo-se todas através de tudo.

Esta última frase é de tradução difícil, e foi dada por H. Diels, na seguinte forma: "Doch wirst du trotzdem auch dieses kennen lernen und zwar so, wie das ihnen Scheinende auf eine probehafte, wahrscheinliche Weise sein musste, indem es alles ganz und gar durchdringt".

603. Poema de Parmênides – doutrina do ser. (Frag. 2) (Proclo, Comentário ao Timeu I, 345, l8; também Simplício, Física

1l6, 25), doutrina do ser: (2, 1) "Pois bem, eu te quero instruir (guarda as palavras que ouves) sobre

quais os únicos caminhos da investigação que são pensáveis: O primeiro, o que é, é. E o não-ser, não é [Frag. 2,3]. Esta é a verdade da

convicção (pois segue à verdade); (frag. 2,5) o outro, o não-ser é e o ser necessariamente não é; esta vereda, eu

te digo, é totalmente impraticável; pois não conhecerias o não-ente (porque isto é impraticável), nem o expressarias".

(Frag. 3) (Clemente de Alexandria, Strômata VI, 23; também Plotino, Enéada V, 1, 8):

(3,1) "...pois o mesmo é pensar e ser". (Frag. 4) (Clemente de Alexandria, Strômata, V, 15): (4,1) "Observa como o longínquo se fez firmemente presente ao pensamento;

pois não separará o ente de sua conexão com o ente, nem como quando o dispersa totalmente por todas as partes conforme o cosmos (= ou ordem do universo), nem quando o reúne".

[Frag. 5] (Proclo, Comentário Parmênides, I,p.708, 16): (5,1) "Igual é para mim, por onde comece, pois ali mesmo de novo

retornarei", [frag. 6] (Simplício, Física, 117,2): (6, l) "É necessário dizer e pensar que o ente permanece; pois o ser é, o nada

não é, - eu te exorto que consideres isto. Desta primeiro caminho da investigação eu te afasto. Mas então também daquele onde erram os mortais ignorantes, bicéfalos (6,5). Pois a incapacidade de seu peito dirige o pensamento vacilante. São impelidos como surdos e mudos, estupefatos, gente incerta, para as que o ser e o não-ser parece que são o mesmo e não o mesmo, como se houvesse para todas as coisas duas contrárias vias.

[Frag. 7 e 8 (7, 1-2 Platão, Sofista, 237 a; Aristóteles, Metafísica, 1089 a 2; 7, 2-7; Sexto Empírico VII, 114, 8,1-52; Simplício, Física, 114, 29; 8, 1-14 == Ders 78-5; 8, 3-4; Clemente de Alexandria, Strômata, V, 113; 8,38; Platão, Teeteto, 180 d; 8,39 Melissos 30

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B 8; 42 Simplício, Física, 147,13;843-45, Platão, Sofista, 244 e; Eudemo, em Simplício, Física, l43,4;8,44 Aristóteles, Física, 207 a 15; 8,50-61 Simplício, Física, 38,28; 8,50-59, Simplício, Física, 30,13; 8,52, Simplício, Física,147,28; 8,53-59 Simplício, Física, 179,31):

(7, 1) "Pois é impossível, conseguir que o ser não seja; afasta, pois, teu pensamento deste caminho de investigação. E que o costume não te obrigue a este caminho frequente, deixando valer a vista oscilante e o ouvido que zune (7,5) e a língua. Mas julga com a razão a discutida questão, por mim proposta.

(8,1) Resta então um só caminho para o discurso: é. Há nele muitos sinais; é ente ingênito e imperecível, é completo, imóvel e sem fim (8,5). Não terá sido e nem será, pois é agora tudo de uma vez, uno, contínuo. Pois que nascimento lhe acharias? Como, de onde teria nascido? Nem do não-ente permitirei que digas ou penses. Porque não é nem expressável e nem pensável que o é, seja como o não é. Que necessidade teria de nascer (8,10) antes ou depois, se procedesse do nada? Assim é necessário que seja todo, ou nada. Tão pouco a força da verdade permitirá que do não-ser nasça algo. Por isso, a justiça não relaxa as cadeias, nem para que engendrem nem para que pereça algo (8,15), porém, as mantêm firmes. O juízo sobre isso, a este respeito é: é ou não é. Decidido está, como fora necessário, que um (caminho) é impensável, (pois não é o caminho da verdade), em vista de que o outro avança e é verdadeiro. Como poderia, aliás, o ente perecer? Como poderia nascer? (8,20) Se tem nascido, não é, nem mesmo é se houver de ser alguma vez. Assim, está extinto o nascimento e inacreditável a destruição. Nem é tão pouco divisível, pois é todo homogêneo. Nem é mais aqui, pois impediria fosse contínuo; nem é menos ali, pois tudo está pleno de ente. (8,25) Todo ele é contínuo, pois o ente toca o ente.

É imóvel entre o vínculo de poderosas cadeias; é sem começo e nem fim, pois o nascimento e a destruição foram afastados mui longe, rechaçados pela verdadeira crença.

Ele mesmo permanece no mesmo e descansa sobre si mesmo, (8,30) e assim residirá imutável ali mesmo. A poderosa necessidade o mantém nas cadeias envolventes, cercando-o inteiramente. Por isso não é permitido ao ente ser incompleto (indefinido), pois não é indigente; e se o fosse, de tudo careceria.

O mesmo é o pensar e aquilo por o que é o pensamento (8,35). Pois sem o ente, em que ele é expresso, não encontrarás o pensar. Não há, pois, nada, ou será outro, que o ente, visto que o Fado o encadeou para que permaneça inteiro e imóvel. Por isso são apenas nomes, o que os mortais em sua linguagem têm como sendo verdade: (8,40) nascer e morrer, ser o não ser, troca de lugar e alteração de cores resplendentes.

Sendo o seu limite o último, ele está completo por todos os lados, à maneira da massa de uma esfera bem redonda, desde o centro igual em equilíbrio. Não é (8,45) nem maior e nem mais pesado aqui ou ali. Já que não é, nem o não-ente, que o pudesse impedir de ser homogêneo; nem um ente que tivesse mais de ente aqui, menos lá, porquanto é todo inviolável. Em sendo igual em todas as direções, encontra de igual maneira todos os seus limites.

(8,50) Com isso encerro para ti o meu fidedigno discurso e pensamento sobre a verdade

[Vai encerrando aqui o frag. 8,50, a primeira metade do discurso, que abordava a metafísica, e anuncia a exposição da física, que virá pouco adiante].

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Aprende, porém, a partir daqui, as opiniões dos mentais, escutando a ordem enganosa de minhas palavras.

Pois eles (os mortais) decidiram dar nomes a duas formas à maneira de interpretação (das quais não deveriam nomear uma, em que desandaram em erro). (8,55) Julgaram-nas com aspecto oposto; aqui o fogo etéreo da chama, doce, muito leve, idêntico a si mesmo por toda a parte, com a outra todavia não idêntica. Esta, diferentemente, é por si mesma, o oposto, noite escura, corpo pesado e espesso.

(8, 60) Esta razoável ordem do mundo eu te revelo, para que nunca ingresses em nenhuma interpretação dos mortais".

604. Poema de Parmênides – Doutrina sobre a natureza: [Frag. 9] (Simplício, Física, 180,8): "Posto, porém, que todas as coisas foram nomeadas luz e noite, esta e aquelas

conforme as suas potências, tudo é pleno tanto de luz como de escura noite, de ambas por igual, por nada haver entre ambas."

[Frag. 10] (Clemente de Alexandria, Strômata, V, 138, Vgl. Plut. Adv. Col. 1114 a):

"Conhecerás, pois a natureza do éter, todas as constelações no Éter e a força ofuscante da pura tocha clara do sol, e de onde procedem terás notícia das operações, do giro da lua (10,5) e sua natureza; saberás também do céu que tudo circunda e de onde ele vem e ainda como a Necessidade, que o regem o destinou a manter os limites dos astros".

(1) Encerra aqui em fragmento 8,50 a primeira metade do discurso, que abordava a metafísica; segue a exposição da física.

[Frag. 11] (Simplício, Do céu, 559,20): "(Eu quero começar a narrar) como a terra e o sol e a lua e o éter comum a

todas e a celeste via láctea e o Olímpio remoto e a força ardente dos astros esforçaram-se para nascer".

[Frag. 12] (Simplício, Física, 39,12): "Os círculos mais estreitos estão cheios de fogo puro, os que vêm depois

cheios de noite; pelo meio se projeta uma parte de chama. No centro está a deusa que tudo governa. Por toda a parte reina o odioso nascimento e a união, (12,5) impelindo a fêmea unir-se ao macho, inversamente o macho à fêmea".

[Frag. 13] (Platão, Banquete, 178 b; Simplício, Física, 39, 18): "Por primeiro dentre todos os deuses, foi Eros, por ela concebido". [Frag. 14] (Plutarco, Contra Colotes, 15, 1116 a): "(A lua uma) luz noturna, em torno à terra, errante e com luz de outro". [Frag. 15] (Plutarco, Da face da Lua, 16, 6. 929 a): " (A lua) sempre olhando para os raios do sol". [Frag. 16] (Aristóteles, Metafísica, 1009 b 21): "Como em qualquer tempo, a mistura torna os órgãos enganosos, assim se

apresenta o pensamento dos homens. São a mesma coisa: a inteligência e a natureza dos órgãos nos homens, em todos os homens e para todo o homem, pois o que predomina no corpo faz o pensamento".

[Frag. 17] (Galeno, In Hippocratis Epidemias, VI, 48): "À direita os moços, à esquerda as moças".

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[Frag. 18] (Célio Aureliano, De morbis chronicis., IV 9 p.116 Sichard): "Quando o homem e a mulher misturam as sementes do amor, a força, que

informa as veias com sangues opostos, modela corpos bem constituídos, se se exerce com mistura exata. Se, porém, as forças conflitam e não realizam nenhuma unidade, tornarão funesto o sexo daquele que nasce".

[Frag. 19] (Simplício, Do céu, 558,8): "Assim, segundo a opinião, estas coisas nasceram e são agora. Depois,

passado o tempo, crescerão e morrerão. Para cada uma, os homens estabeleceram um nome determinado".

§ 2. Exposição das Doutrinas de Parmênides. 0335y605. 606. Os temas, - abordados pelo mesmo Parmênides em seu poema e

chegados até nós também através dos doxógrafos, - se alargam sobretudo sobre a metafísica, na qual se destacam uma gnosiologia e uma ontologia.

Mas, não deixou de se manifestar sobre a natureza, assim se ajustando com a tendência pré-socrática prioritariamente ocupada com os temas físicos e cosmológicos.

Em Parmênides é difícil abordar separadamente os diversos temas da filosofia, não só porque seus textos os abordam de maneira abrangente, mas porque efetivamente há uma coesão interna entre os mesmos. Também aqui é Parmênides mais profundo que os demais pré-socráticos.

É entretanto o primeiro filósofo do qual se pode tratar com nítido destaque a gnosiologia (vd 608) e a ontologia (vd 615).

I - A gnosiologia de Parmênides. 0335y608. 609. A metafísica é a única ciência filosófica que deve justificar seu próprio

objeto. Principia pois a metafísica sua primeira tarefa, e que se denomina

gnosiologia, para depois desenvolver, de acordo com estes resultados, uma ontologia (vd). Efetivamente, o saber sistemático principia com a justificação do ponto de

partida, e por isso tudo começa com a metafísica, ou outro nome que se dê esta parte inicial de todo o saber.

Assim procedeu Parmênides, justificando um começo, o qual para ele era o conhecimento do ser. Embora não contasse ainda com a palavra metafísica, criada apenas ao tempo da filosofia helênico-romana, e com os termos ontologia e gnosiologia, que são de criação moderna, ainda que sob base da língua grega, - o que Parmênides inaugurava era a metafísica sistemática, ou seja uma gnosiologia e uma ontologia. Depois dele a tarefa será levada avante por Aristóteles, que foi o primeiro a entrar pelas definições destes setores da filosofia.

A gnosiologia (também dita teoria do conhecimento), enquanto examina a validade do conteúdo do conhecimento, ganhou nos eleatas as primeiras considerações, embora tenha seu maior desenvolvimento só muito tempo depois, com Platão, Aristóteles, os céticos, mas, sobretudo com os modernos.

O primeiro da escola eleática foi Xenófanes de Colófon (vd 566), ao qual Parmênides retomou e aprofundou.

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610. O ser como objeto específico do pensamento. Que é que surge efetivamente ao nosso pensamento? Eis uma pergunta subtil, por onde principia sistematicamente a gnosiologia.

Posto um objeto de conhecimento, importa determinar com que certeza ocorre, - se com efetiva certeza, ou se com nenhuma certeza, isto é, com dúvida; se com verdade objetiva, ou se com subjetividade; se com evidência clara e distinta, ou se com evidência confusa.

A respeito do que Parmênides disse sobre o objeto específico do pensamento, restou um texto breve e relativamente claro:

"... pois o mesmo é pensar e ser" (Frag. 3, em Clemente de Alexandria, Strômata, VI, 23).

A insistência com que Parmênides opõe a doutrina do ser e o conhecimento sensível, deixam como certa a especificidade destas duas modalidades de conhecer.

Na mesma direção operam a insistência com que deu como verdadeiro o conhecimento do ser e subjetivo o que nos apresentam os sentidos.

611. Subjetividade do conhecimento sensível. Inspirou-se Parmênides na disparidade entre as teses metafísicas do ser (imutável, uno e imóvel) e o mundo empírico (mutável, diversificado, movente).

Há, consequentemente, duas verdades, no entender de Parmênides, - a efetiva, descoberta pela inteligência, e a aparente, oferecida pelos sentidos. Na primeira acreditam os filósofos; na segunda, os mortais.

"São apenas nomes o que os mortais têm como sendo verdade: nascer e morrer, ser e não ser, troca de lugar e alteração de cores resplendentes" [Frag. 8, 39-41].

A ilusão da multiplicidade já era defendida por Xenófanes. Deste antecessor de Parmênides se conhecem apenas textos vagos sobre a ilusão em que incorrem os sentidos (vd 580). Em Parmênides isto já vem mais desenvolvido.

A natureza das provas de Parmênides, com referência à ilusão dos sentidos, é a priori. Posto o unicismo do ente, infere-se que a multiplicidade oferecida pelos sentidos é ilusória. Não se conhece de Parmênides nenhuma prova estritamente específica da ilusão mesma dos sentidos. Esta outra modalidade argumentativa a posteriori será desenvolvida por Zenão de Elea (vd), e terá seus verdadeiros sistematizadores nas escolas dos sofistas e dos céticos.

612. A capacidade é índole do pensamento está relacionada com a estrutura das faculdades que o exercem, diz ainda Parmênides.

"Como em qualquer tempo, a mistura torna os órgãos enganosos, assim se apresenta o pensamento dos homens. São a mesma coisa: a inteligência e a natureza dos órgãos nos homens, em todos os homens e para todo o homem, pois o que predomina no corpo faz o pensamento" [Frag. 16].

Esta passagem foi citada por Aristóteles, quando comentou o relativismo do sofista Protágoras (Metafísica, 1009a ss.). Na oportunidade citou ainda Empédocles de Agrigento (da escola jônica), para quem "mudar nosso estado físico é alterar nosso pensamento", para logo a seguir referir que "Parmênides se exprime da mesma maneira", seguindo-se, então, o texto acima citado [frag. 16].

II - Ontologia de Parmênides. 0335y615.

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616. Na base de todas as coisas está o ser. Tudo é ser. Nada há, que não seja ser. O não-ser, simplesmente não existe.

Estas e outras afirmativas do gênero começaram a ser veiculadas em filosofia a partir de Parmênides.

As primeiras afirmativas neste campo da ontologia já se manifestam em Xenófanes, havendo sido levadas a plena enfaticidade com o grande Parmênides.

Em Xenófanes se afirmara do ser quase tão somente a sua unidade, portanto, apenas uma de suas peculiaridades (vd 579). Do ser em si mesmo, anterior à sua unidade, pouco disse Xenófanes; de certo modo o entendia quase somente como algo material, como terra, e nem isso com clareza, conforme advertiu depois Aristóteles.

617. A leitura dos fragmentos de Parmênides nos coloca prontamente diante especulações inteiramente novas sobre o ser (Frag. 2, encontrado em Proclo, Comentário ao Timeu I, 345, l8; também Simplício, Física 1l6, 25):

(2,1) "Pois bem, eu te quero instruir (guarda as palavras que ouves) sobre quais os únicos caminhos da investigação que são pensáveis:

O primeiro, o que é, é; e o não-ser não é, - esta é a verdade da convicção (pois segue à verdade);

(2,5) o outro, o não-ser é e o ser necessariamente não é; esta vereda, eu te digo, é totalmente impraticável; pois não conhecerias o não-ente (porque isto é impraticável), nem o expressarias".

Tais expressões, de notória enfaticidade, - originariamente ditas em grego, - tiveram diferentes traduções, mas todas conduzindo para a idéia do ente e da inefabilidade do não-ente.

618. Ao mesmo tempo que Parmênides estabelece a noção de ser, encaminha a sua propriedade de verdade ontológica. O ser objetivo é idêntico à sua noção ideal de ser. Uma vez que o ser da idéia é o mesmo que o ser objetivamente, não é possível pensar o não-ser.

Tem o ser a propriedade de ser o que é e de não poder ser o que não é. Não pode ser tratado de outro modo. O caminho praticável é somente a do ser enquanto é, e do não-ser enquanto não é. Jamais o ser não é; como jamais o não-ser é.

Verdade ontológica se distingue da verdade lógica (pelo menos abstratamente), pela diferença dos termos do acordo, verdade lógica, se diz do acordo entre a representação mental e o objeto representado. Diz-se a verdade ontológica do acordo entre um objeto e seu modelo ideal. Assim, para a verdade ontológica de um automóvel se exige que este automóvel seja um veículo de acordo com o seu modelo ideal, isto é, com algo que seja capaz de transportar de um lugar a outro; só então é verdadeiramente um automóvel.

No plano eminentemente geral do ente, a pergunta é, - também o ente obedece a um modelo arquétipo, sem o qual nenhum ente seria ente? Pretendendo-o, como existente, os entes, para terem verdade ontológica, deverão estar de acordo com o ser ideal de ente. Este seria o de serem ser… Então, o ente, enquanto é, é verdadeiramente ente; enquanto não é, ente (é falso ente).

A negação da verdade ontológica leva ao relativismo, à facticidade pura, à situação simplesmente, à desnecessidade da logicidade presa por todos os lados. Parmênides

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deu início à ontológica da verdade ontológica, absoluta, imutável, pela qual enveredaria a metafísica de Platão e Aristóteles.

Esta propriedade ontológica do ser, ao converter-se em princípio de argumentação, se denomina princípio de contradição. Neste sentido, pois, a metafísica de Parmênides encaminhou também a formulação do princípio de contradição.

O estabelecimento da verdade ontológica como propriedade do ser permite dizer que o ser é pensável, o não-ser não é pensável, porque o ser é verdadeiro (não verdadeiramente ser). a pensabilidade do ser, torna-o vereda praticável; só o ser é expressável, finalmente, ser o pensamento coincidem.

O paralelismo entre o ser e sua pensabilidade não deve ser entendida ao modo idealista kantiano, como se bastaria poder pensar, para que as coisas passem a existir. Inversamente, só se pensa o ser, que de algum modo já existe, de tal sorte que o não-ser não é pensável e nem existe.

619. Além do atributo da intrínseca inteligibilidade do ser, ocorrem ainda no ser de Parmênides atributos tais como:

- a unicidade, negando a diversificação numérica; - a homogeneidade, negando a diversificação qualitativa; - a indivisibilidade, negando a composição; - a eternidade, negando o devir de toda a sorte, sendo pois ingênito e

imperecível; - plenitude, negando portanto o crescimento e a mobilidade. 620. Os fragmentos são taxativos: "julga com a razão a discutida questão por

mim proposta. Resta um só caminho para o discurso; é. Há nele muitos sinais: é ente ingênito e imperecível, é completo, imóvel e sem fim. Não terá sido e nem será, pois é agora tudo de uma vez, uno, contínuo" [Frag. 8, 1ss.]

Depois de arrazoar porque é impossível o nascer e perecer, volta a afirmar a tese:

"Assim, está extinto o nascimento e inacreditável a destruição" [Frag. 8, 20]. E prossegue: "Não é tão pouco divisível, pois é todo homogêneo. Nem é mais aqui, pois

impediria fosse contínuo, pois o ente toda o ente. É imóvel entre o vínculo de poderosas cadeias; é sem começo e nem fim, pois o nascimento e a destruição foram afastados mui longe, rechaçados pela verdadeira crença. Ele mesmo permanece no mesmo e descansa sobre si mesmo, e assim residirá imutável ali mesmo. A poderosa necessidade o mantém nas cadeias envolventes, cercando-o inteiramente. Por isso não é permitido ao ente ser incompleto (indefinido), pois não é indigente, e se fosse, de tudo careceria" [Frag. 8,23,33].

Mais, para dizer que tudo não passa de nomes: "Não há pois, nada, ou será outro, que o ente, visto que o Fado o encadeou

para que permaneça inteiro e imóvel. Por isso são apenas nomes, o que os mortais em sua linguagem têm como sendo verdade: nascer e morrer, ser e não ser, troca de lugar e alteração de cores resplendentes" [Frag. 8,36-41].

621. Impossível o devir e qualquer criacionismo. Particularmente significativa é a argumentação de Parmênides contra a possibilidade do devir. Percebe as sutis dificuldades do criacionismo.

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Aponta para a dificuldade de onde viria o que ainda não existia: - ou viria do nada, que não existe; - ou viria do ser que já existe, o que também é impossível, porquanto o que já

existe, existe, e não passa a poder existir como antes não existente. E assim, o devir é impossível, pelo seu caráter contraditório, inconcebível. Parmênides não admite, pois, o ser que vem do nada. E nem admite o ser que

venha de um ser potencial. Esta última posição será defendida por Aristóteles como alternativa contra as alegações de Parmênides. Pretende Aristóteles, alegando os fatos, que o ser é com alguma atualidade, contendo ainda realmente a potência de poder ser mais, pela atualização das potencialidades.

No futuro, os criacionistas cristãos defenderão ainda a possibilidade pura e simples do nascimento do ser, a partir do nada, por obra de Deus; desta sorte, a mera possibilidade, combinada com a potência de Deus, criaria novos entes; é claro que se apresenta difícil compreender como isto seja possível, que um ente cause algo extrínseco a ele mesmo, e que aquele outro ente novo possa surgir simplesmente do nada. A questão levantada por Parmênides, contraditado pelos criacionistas, é, seguramente, de difícil resposta.

622. Atendamos às poucas ponderações que restaram de Parmênides, sempre contrário à possibilidade da criação do nada:

"Não terá sido e nem será, pois é agora tudo de uma vez, uno, contínuo. Pois que nascimento lhe acharias? Como, de onde teria nascido?

Nem do não-ente permitirei que digas ou penses. Porque não é nem expressável e nem pensável que o é, seja como não-é. Que necessidade teria de nascer antes ou depois, se procedesse do nada? Assim é necessário que seja todo, ou nada. Tão pouco a força da verdade permitirá que do não-ser nasça algo.

Por isso, a justiça não relaxa as cadeias, bem para que engendre, nem para que pareça algo, porém as mantém firmes. O juízo sobre isto, a este respeito, é. Decidido está, como fora necessário, que um caminho é impensável e inexpressável (pois não é o caminho da verdade), em vista de que o outro avança e é verdadeiro. Como poderia, aliás, o ente perecer? Como poderia nascer? Se tem nascido, não é, nem mesmo é se houver de ser alguma vez. Assim está extinto o nascimento e a inacreditável destruição" [Frag. 8,5-22].

De futuro surgirão as filosofias antiontológicas para advertir que as coisas em si mesmas são neutras. Com isso, respolidem mesmo tempo contra Aristóteles e contra Parmênides, que todos os principais da verdade ontológica de não-contradição de razão suficiente de causalidade são exigências meramente mentais (conforme o idealismo) ou mesmo não existem ( conforme o empirismo). Mas também agora as colocações encontram dificuldades. E é sempre Parmênides que ressurge como atualidade, em vista de haver colocado por primeiro a questão e assumido uma posição.

623. Contra o mobilismo de Heráclito? Historicamente, contra quem teriam sido endereçadas as ponderações de Parmênides, ao agredir tão drasticamente o devir do ser?

Pensa-se que fosse contra Heráclito de Éfeso . Florescera este vigoroso espírito, como o mesmo Parmênides, na 69-a olimpíada (504-501 a.C.). Para que Parmênides se opusesse à doutrina do efesino, importava o livro deste já estivesse escrito pela volta de 480 a. C. Teria sido então possível que Parmênides ainda o tivesse em vista, nos seu poema, antes que viesse ele mesmo a falecer por volta de 470 a.C.

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As dificuldades cronológicas possíveis, não se opõem rijamente à esta hipótese. O que mais fortalece este ponto de vista anti-heraclíteo é a clara oposição entre o pensamento de um e de outro.

624. Com referência aos pitagóricos, merece alguma consideração houvesse sido Parmênides por certo tempo um discípulo da escola destes, como informou Diógenes Laércio (IX, 21), que relata a estima que teve por Dioquete.

Mas não terá tido aos pitagóricos como seus oponentes principais, ao insistir sobre a noção do ser, contrária ao não ser; da unidade contrária à mobilidade, da unidade contrária à multiplicidade.

Dificilmente se poderia considerar o pitagorismo uma doutrina já desenvolvida ao tempo de Parmênides. Eram variadas as tendências dos pitagóricos e o mesmo Parmênides é influenciado por eles no atinente aos princípios opostos e complementares.

Não obstante as diferenciações ocorrem entre Parmênides e os pitagóricos. Estes admitiam os contrários, o que está excluído em Parmênides. Admitiam o primeiro Uno, ou Céu, o qual teria um desenvolvimento de expansão para o vácuo circundante. Ora, Parmênides não admite acréscimo ao ser e nem o não ser do vácuo.

625. O ser é extenso. Diferentemente da de Aristóteles, a ontologia de Parmênides não se desprende do ser natural. É a ontologia de um ser material, corpóreo, extenso. Nesta condição, acredita que o ser mais perfeito é esférico e pleno (contrário do vácuo).

É possível que Parmênides chegasse a esta conclusão em vista da correlação estabelecida entre o ser e o pensamento. Se o ser e o pensado se equivalem, se o ser que efetivamente se pensa é o ser das coisas empíricas, resulta que o ser é material, corpóreo, extenso. Retirar do ser esta propriedade, não parece possível, ou, pelo menos, não se oferece de pronto ao pensador.

Depois, Aristóteles insistirá que a extensão é uma determinação particularizante, que não pertence ao ser em geral.

Diz o texto parmenídeo: "Sendo o seu limite o último, ele está completo por todos os lados, à maneira

da massa de uma esfera bem redonda, desde o centro igual em equilíbrio. Não é nem maior e nem mais pesado aqui ou ali. Já que não é, nem o não-ser, que o pudesse impedir de ser homogêneo; nem um ente que tivesse mais de ente aqui, menos lá, porquanto é tudo inviolável. Em sendo igual em todas as direções, encontra de igual maneira todos os seus limites" [Frag. 8, 43-49].

A identificação do ser com o corpóreo, o faz identificar-se com o pleno, ou o cheio. Consequentemente, o vazio equivale ao não ser. a impossibilidade do não-ser redunda em não admitir o vácuo

"Nem é mais aqui, pois impediria fosse contínuo; nem é menos ali, pois tudo está pleno de ente. Todo ele é contínuo, pois o ente toca o ente" [Frag. 8, 24-25].

Entendido o movimento como deslocamento para o vácuo, e, não existindo este, o movimento é impossível.

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"É imóvel entre o vínculo de poderosas cadeias; é sem começo e nem fim, pois o nascimento e a destruição foram afastados mui longe, rechaçados pela verdadeira crença" [Frag. 8,26].

Zenão de Elea, discípulo de Parmênides, insistirá especialmente nesta imobilidade (vd).

626. O ente unívoco. Comparando ainda a ontologia de Parmênides com a de Aristóteles, há a observar que a ontologia parmenídea concebe o ente como conceito unívoco, quando para a ontologia aristotélica o ente é análogo. Como análogo, o ente se distribui nos diferentes indivíduos em parte igual e me parte não.

Parmênides não se advertira ainda para esta distinção. Mas, desatento a ela, criou um ontologia unicista, a qual caracterizou a escola de Elea. Do impasse se evadirá, mais conscientemente, o pluralismo transcendentalista da ontologia aristotélica.

627. Finalmente, a ontologia de Parmênides opera com a noção abstrata de ente, como se a abstrata fosse a concreta. Efetivamente noção abstrata é um ente uno e imutável.

III – Cosmologia e cosmogonia de Parmênides. 0335y630. 631. O fogo e a terra como elementos. Na opinião de Parmênides, a partir de

dois elementos fundamentais, - o fogo e a terra, - ocorre a diversificação de todas as coisas físicas, como os astros e as esferas, inclusive dos deuses e dos homens.

Identificou Parmênides o fogo e a terra com o frio e o calor. Pela ordem da diversificação, tudo teve início pela água e pelo ar. Tais conceitos de Parmênides sobre a natureza não se apresentam muito

originais frente aos demais filósofos de seu tempo. Nem poderia sê-lo, porquanto não havia como dizer coisas novas, depois do muito que já haviam proposto os filósofos anteriores.

De outra parte, não restam muitas informações para julgar sobre o que efetivamente Parmênides pudesse ter proposto sobre a natureza.

632. Os informes sobre os elementos primordiais, - fogo e terra, - são geralmente breves, mas suficientemente claros sobre serem dois, dos quais derivam os demais seres.

Diógenes Laércio, diz o seguinte sintetiza: "Admitia [Parmênides] dois elementos, o fogo e a terra, considerando ao

primeiro como princípio ordenador [como Demiurgo], ao segundo como matéria [hyle]. Fazia nascer primitivamente aos homens do limo da terra. E identifica com a terra e o fogo ao frio e ao calor, do qual fazia derivar todas as coisas" (D. L., IX, 21-22).

Aristóteles foi mais abrangente e liga a cosmologia ao contexto geral do pensamento parmenídio:

"Parmênides parece raciocinar com mais penetração (que Xenófanes e Melisso). Persuadido que, fora do ente, o não-ente não existe, ele pensa que necessariamente uma só coisa é, a saber, o ente ele mesmo, e que não existe nada mais; mas constrangido de se inclinar diante dos fatos, de admitir respectivamente a unidade formal e a pluralidade sensível, ele coloca duas causas, dois princípios, o quente e o frio, dito de outro modo, o fogo e a terra; e, destes dois princípios, reduz o quente ao ente, o outro ao não-ente" (Aristóteles, Metaf'. 986 b, 28 - 987 a 2).

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Distanciou-se portanto Parmênides dos pontos de vista de Tales de Mileto e Anaxímenes de Mileto, que haviam colocado respectivamente a água e o ar como elementos primordiais.

E assim também se manteve afastado da posição de Empédocles de Agrigento, que arrolara ao todo quatro elementos primordiais (água, ar, terra e fogo).

Nem ficara com Heráclito, que houvera colocado um só elemento, o fogo. Havendo admitido dois elementos, e estes entre si contrários, Parmênides se

conservou próximo ao pitagorismo. Completa Aristóteles: "Para os que professam que há apenas um (elemento) e que engendram os

outros seres por condensação e rarefação, são conduzidos a colocar de fato dois princípios, a saber, o raro e o denso, ou melhor: o quente e o frio, pois são essas qualidades que são as forças ordenadoras, enquanto um lhes serve de sujeito como matéria.

Mas os filósofos que desde o início colocam dois elementos (tal Parmênides, o fogo e a terra) consideram os elementos intermediários, a saber o ar e a água, misturas desses elementos" (Aristóteles, Do céu, 330 b 9-15).

634. Tais doutrinas, sobre os dois elementos primordiais, transmitidas pelos doxógrafos, são também conhecidas diretamente em texto do mesmo Parmênides, sobretudo no fragmento citado por Simplício:

"Aprende, porém, a partir daqui, as opiniões dos mortais, escutando a ordem enganosa de minhas palavras. Pois eles (os mortais) decidiram dar nomes a duas formas à maneira de interpretação (das quais não deveriam nomear uma, em que desandaram em erro).

Julgaram–nas com aspecto oposto: aqui o fogo etéreo da chama, doce, muito leve, idêntico a si mesmo por toda a parte, com a outra todavia não idêntica. Esta, diferentemente, é por si mesma, o oposto, noite escura, corpo pesado e espesso" [Frag. 8, 50-8, 59].

Ainda citado pelo mesmo Simplício: "Posto, porém, que todas as coisas foram nomeadas luz e noite, estas e

aquelas conforme as suas potências, tudo é pleno tanto de luz, como de escura noite, de ambas por igual, por nada haver entre ambas" [Frag. 9].

635. Astronomia. A concepção cosmogônica de Parmênides é excepcional, todavia tomada aos pitagóricos ou desenvolvida em conjunto com eles.

Defendeu a esfericidade da terra e seu interior ígneo. O universo teria a terra como centro; em torno se formariam círculos sucessivos de fogo e terra, com sucessões ora de fogo puro, ora de misturas. O governo de tudo estaria no centro, ao cuidado de uma deusa (daimon).

"Foi o primeiro a declarar a esfericidade da terra e sua posição no centro do mundo" (D. Laércio, IX, 11).

Diz um texto do mesmo Parmênides: "Os círculos mais estreitos estão cheios de fogo puro, os que vêm depois

cheios de noite; pelo meio se projeta uma parte de chama. No centro está a deusa que tudo governa. Por toda a parte reina o odioso nascimento e a união, impelindo a fêmea a unir-se ao macho, inversamente o macho à fêmea" (Frag. 12, citado por Simplício, Física, 39, 12).

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Notável é ainda a conceituação da lua como "luz noturna", em torno à terra, errante e com luz de outro (Frag. 14, em Plutarco, Contra Colotes, 15, 1116a) e "sempre olhando para os raios do sol" (Frag. 15, em Plutarco, Da face da Lua, 16,6 729a).

636. A declaração de que entre todos os deuses, a divindade gerou por primeiro a Eros, permite entrever por mais uma fresta a presença órfica no pensamento de Parmênides. Tudo aliás coere com a presença das demais peculiaridades pitagóricas já anotadas, - a complementaridade dos elementos, calor e frio.

Mas, pelo seu esquema total, o sistema parmenídeo não é misticista ao conservar estas noções. Eleva-as à objetividade e as ordena logicamente.

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ART. 3º - ZENÃO DE ELEA. 0335y640.

641. Introdução. Zenão (- Z < T < ) de Elea (c. 490 c. 430. a.C.), filósofo da

escola eleática, fez-se também famoso, como os que o precederam, Xenófanes e Parmênides. As informações sobre o filósofo seguem a mesma ordem que se deu ao estudo

de seus predecessores: - a vida e obras (vd 643); - pensamento (vd 653). §1. Vida e obras de Zenão de Elea. 0335y643. 644. Sobre sua paternidade e que sua vida restrita quase que só à cidade natal

de Elea, onde tinha relacionamento com Parmênides, informou Diógenes Laércio, retransmitindo dados obtidos de diversos:

"Zenão de Elea era filho de Teleutágoras, mas, por adoção, filho de Parmênides, segundo as Crônicas de Apolodoro [conforme texto reestruturado por Rossi}.

Timon fala dele e de Melisso nestes termos: Todos cedem a Zenão e a Melisso, à sua palavra de dois gumes, à sua

eloquência poderosa, irresistível Zenão era de uma língua poderosa, jamais foi vencido, era sempre vencedor; igualmente Melisso argumentava, superado por mui poucos.

Zenão foi discípulo de Parmênides e de sua estima. Era de elevada estatura, como diz Platão em seu Parmênides [diálogo]. Em Fedro [outro diálogo] o chama Palamedes de Elea" (D. Laércio, IX, 25).

645. Cronologicamente situado depois de Parmênides e antes de Melisso, Zenão "floresceu na 79a Olimpíada (464-460 a.C.)" (D. L., IX, 29).

De outra parte, havendo sido morto em uma conspiração (vd 572), pode-se inferir que não houvesse atingido uma elevada idade. Atribuindo-se neste quadro a ele uma vida no máximo de 60 anos, é possível calcular seu nascimento pelo ano de 490 a.C. e sua morte pelo ano 430 a.C.

Neste esquema cabe poder ter sido jovem discípulo de Parmênides (+c. 470 a.C.) e contemporâneo do pitagórico Filolau de Crotona, do jônico Anaxágoras de Clazomene, Empédocles de Agrigento, também da escola jônica, e mesmo de Leucipo e de Demócrito, atomistas de Ábdera.

O tempo de Zenão de Elea já é próximo do de Sócrates (469-399 a.C.). Por isso a ficção literária de Platão em seu diálogo denominado Parmênides (127 b), colhe a figura deste com a idade de 65 anos e a de Zenão com apenas 40. Seguramente um e outro não poderão ter participado dos colóquios de Sócrates.

Mas, é significativo que Platão pusesse a diferença de idade em 25 anos, entre mestre e discípulo. O texto imaginado por Platão apresenta o jovem Zenão "de talhe belo, de boa aparência, favorito de Parmênides" (Parmênides, 127 a-b).

A viagem de Zenão a Atenas, sobre a qual Platão se ocupa no diálogo Parmênides, - se não for ficção -, deve ter acontecido no ano 449 a.C. a narrativa coere com as circunstâncias de mencionada festa em honra da deusa Atena, e que acontecia sempre no terceiro ano de Olimpíada. Somente não coere a afirmação sobre a presença de Parmênides mesmo, que já deveria estar falecido ao nascer Sócrates (469-399 a.C.).

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"Vimos certo dia chegar Zenão e Parmênides às festas de Atena. Era Parmênides homem verdadeiramente idoso: todo grisalho, belo e de nobre aspecto. Poderia ter 65 anos. Zenão tinha aproximadamente 45 anos: talhe belo e de boa apresentação, dizendo-se quer era o favorito de Parmênides" (Parmênides 127 a-b).

646. O Palamedes de Elea. Restrito ordinariamente à sua cidade natal, Zenão era um estudioso, pouco viajando, tendo estado somente algumas vezes nos círculos de Atenas. Se contudo se tornou famoso, deve-se o fato ao valor de suas conceituações e à força dialética dos seus raciocínios.

"Outras qualidades tinha Zenão. E desprezava aos grandes, não menos que Heráclito. Por exemplo, sua terra natal, a colônia fócia, primeiramente conhecida como Hiélen e depois como Elea, uma cidade de pequena dimensão e de homens de bem, a preferia mais que o esplendor de Atenas, onde ia raras vezes, vivendo toda a sua vida em sua mesma casa" (D. L., IX, 28).

Platão, em Fedro (261 d), pela boca de Sócrates, faz uma referência ao "Palamedes de Elea", sem dizer de quem se trata, porque todo o contexto leva à Zenão, ali lembrado como o hábil dialético, capaz de provar pontos de vista opostos.

Com referência à expressão palamedes (de B " 8 V : 0 = palma da mão, arte, expediente), ela caracterizava a Zenão como hábil manipulador dialético. A expressão palamedes tomava sua força semântica pelo fato de denominar também um herói da Ilíada.

647. Zenão também teve discípulos, ente os quais o sofista Górgias, que igualmente se notabilizou pela capacidade dialética.

Notam-se influências de Zenão sobre o atomista Demócrito. Também sobre o jônico Anaxágoras, e mesmo sobre Platão, enquanto preocupados com o infinitamente pequeno e insecável.

"Diz-se que, tendo sido injuriado, se indignou muito; a alguém, que o censurava por isso, respondeu:

- se não me indignasse e me acostumasse aos ultrajes, não me alegraria com os louvores" (DL, IX, 29).

648. O incidente da morte de Zenão. Por ser um bom cidadão, envolveu-se na oposição à tirania decorrendo dali ter sido morto.

"Ele era um caráter nobilíssimo, que em filosofia, que em política, como se vê em seus escritos cheios de sabedoria.

Querendo destronar ao tirano Nearco (ou, de acordo com outros a Diomedon), foi aprisionado, como refere Heráclides em Compêndio de Sátiro.

Nesta ocasião, sendo inquirido sobre os cúmplices e sobre as armas reunidas na (Ilha) de Lípara, ele denunciou a todos os amigos de tirano, para dar-lhe a impressão de estar sem apoio. Depois, dizendo que ele tinha a dizer-lhe algo ao ouvido sobre certas pessoas, agarrou-lhe a orelha com os dentes, não a soltando até que o abateu à morte, como aconteceu ao tiranicida Aristógiton.

Demétrio em seu livro Homônimos diz que não lhe arrancou com a mordida a orelha, mas o nariz. De acordo com Antístenes em Sucessões, depois de denunciar amigos do tirano, este lhe perguntou, se havia mais algum culpado; respondeu: "Sim, tu, o mal da cidade".

E aos presentes, disse:

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"Admiro-me de vossa covardia. Por medo do que eu padeço, vós vos fazeis escravos do tirano".

Por fim, mordeu a própria língua e a cuspiu sobre ele. Incitaram-se com isto os cidadãos, que apedrejaram o tirano até a morte.

Nesta versão muitos autores concordam, mas Hermipo disse, porém, que (Zenão), foi metido em um almofariz, triturado e morto (D. Laércio, IX, 27).

O fim trágico de Zenão fez-se assunto de vários autores antigos, como Plutarco (Cf. Plutarco, Adversus Colotem,1126 D; De garrulitade, p.505 D; De stoicorum 436).

Diógenes Laércio também lhe destacou versos, de que os dois últimos são: o que é que eu digo? Ao teu corpo bateram, não a ti" (D. L., IX, 28). 649. Escreveu Zenão quatro obras, citadas pelo lexicólogo bizantino Suídas

(sec. 10º d.C.): Discussões, Contra os Físicos, Sobre a natureza. Outros se referem a uma obra somente. Platão, (em seu Parmênides 128 b), ao atribuir uma obra a Zenão o fez ainda

assim apenas pela forma genérica de Escritos, ou Tratado [G b ( ( D " : : " ]. No diálogo, ainda que não dê título específico ao livro de Zenão, se diz mesmo que a discussão gira em torno dele (vd 656).

Simplício, comentarista aristotélico do 6o século, também menciona, (em sua Física, 139, 5), um só livro de Zenão.

Diógenes Laércio, do 3o séc. , se refere apenas aos "seus livros cheios de sabedoria" (D. L., IX, 26), sem mencionar títulos.

Os fragmentos que restam são citações de Simplício e Diógenes Laércio. Consequentemente, ao menos um livro foi escrito por Zenão de Elea.

650. Gênero literário, - o diálogo dialético. Zenão foi o primeiro a escrever em prosa, e esta no gênero do diálogo, por sua vez o diálogo de cunho dialético.

Comentou Diógenes Laércio a propósito, favorecendo a Platão: "Diz-se que Zenão de Elea foi o primeiro a escrever diálogos. Mas, de acordo

com Favorino em seus Comentários, Aristóteles no primeiro livro do seu diálogo Sobre os poetas, que foi Alexandre da Stíria ou Teos. Na minha opinião foi Platão, que levou esta forma de escrever à perfeição, e se deve adjudicar a ele não só o primeiro lugar no perfeito uso desta forma, como ainda sua invenção" (D. L., III 48).

Ainda que a dialética represente um progresso na evolução da filosofia, o seu uso quase que exclusivo na posterior filosofia socrática e platônica não foi um bom procedimento.

Mesmo em filosofia, em que o diálogo dialético é um procedimento usual, com vistas a testar toda as alternativas afirmadas, ele não constitui toda a filosofia, a qual também precisa iniciar por uma intuição de evidência imediata. Efetivamente, o fato é sempre anterior. Não haverá através de muitos séculos um cuidado suficiente com a constatação

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inicial, - como cabe a uma boa fenomenologia, - razão porque a evolução do pensamento permaneceu por tanto tempo limitada e mesmo exposta a erros.

De outra parte, a dialética é um procedimento típico da filosofia racionalista, porque depende de princípios gerais, contra os quais, no entender do racionalismo, nada se pode aceitar. Estes princípios gerais são principalmente os de não contradição e de razão suficiente, dos quais se derivam os restantes, e dos quais, por aplicações, se formam os axiomas.

A atuação de Zenão, conduzindo em frente a filosofia de Parmênides, foi portanto um notável desenvolvimento no campo do saber, ainda que não fosse tudo o que deveria ter sido feito.

§ 2. O pensamento de Zenão de Elea. 0335y653. 654. Uma tese de escola. Retomando a doutrina do ser de Parmênides,

também Zenão estabeleceu o ser como objeto específico da inteligência, como fundamento de tudo, e com os atributos da unidade e imutabilidade, não obstante o testemunho em contrário dos sentidos, os quais são portanto, ilusórios neste particular.

A doutrina de Zenão se apoia no racionalismo, que toma por base os procedimentos puros da mente. E uma vez que este tem por objeto o ser, e se apresentando este como uno, prevalece como verdadeiro o que a razão por primeiro estabeleceu, independentemente dos informes dos sentidos.

Não há em Zenão uma nova doutrina do ser, e sem uma grande capacidade dialética de defesa da posição de sua escola.

655. Uma resposta aos que pensam o contrário. Certamente a posição unicista e imobilista da ontologia dos eleatas, de que Zenão é um representante juntamente com Xenófanes e Parmênides, não se estabelecia apenas como uma tese posta simplesmente.

Os eleatas, - sobretudo Zenão, - poderiam estar dando também uma resposta, contraditando a posição contrária então defendida pelos pitagóricos, cujo racionalismo institui a doutrina dos números como explicadores de tudo, e defendida ainda pelos filósofos jônicos, dentre os quais sobretudo Heráclito, proponente da mobilidade substancial de tudo.

Foi assim que o versátil Zenão se tornou o Palamedes de Elea, - conforme a linguagem de Platão e como este o apresenta em seus diálogos a defender ao mestre Parmênides (vd 656).

655. Desenvolveu-se a dialética a partir de Zenão. "Aristóteles, em Sofista, anotou que Zenão foi o inventor da dialética, como

Empédocles o foi da retórica" (D. L., IX, 25). Consiste a argumentação dialética em tomar, como ponto de partida, uma tese

segura, - ou pelo menos a posição do adversário, - conduzindo à rejeição pelo absurdo tudo o que se lhe opõe, bem como todas as contradições internas. Segundo Proclus, Zenão teria criado cerca de 40 destas argumentações, que despertavam admiração.

Mais do que a dialética, importa o mesmo fundamento de onde ela toma ponto de partida. É claro que os dialéticos sabiam da importância do próprio ponto de partida. O que não podiam imaginar, era que este ponto de partida deveria ser examinado ainda com muito maior rigor. Nada mais pernicioso em filosofia e em teologia, do que a fé inicial não examinada adequadamente.

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656. A continuidade entre Parmênides e Zenão é sugerida num diálogo de Platão e onde a defesa é dialética;

"Sim, Sócrates, respondeu Zenão, ainda não compreendeste o verdadeiro significado de meus escritos...

Estes escritos [continua Zenão] querem servir de auxílio às teses de Parmênides, contra os que buscam ridicularizá-lo, alegando que, se o ser for uno, ridículas serão as decorrências e contraditórias. Então o meu escrito é uma resposta aos que afirmam a multiplicidade dos seres, mostrando que mais ridículos são as consequências de suas hipóteses, se existisse a multiplicidade em vez da unidade" (Platão, Parmênides 128 b-d).

Esta já era o estilo dialético pouco antes: "Sócrates pediu-lhe que relesse a primeira proposição do primeiro capítulo.

Isto feito, disse: o que queres dizer Zenão? Que, se os seres são múltiplos, uma e a mesma coisa deve ser semelhante e dissemelhante? Ora, isto é impossível, pois o dissemelhante não pode ser semelhante, nem o semelhante dissemelhante; não é isso que queres dizer?

- Sim, respondeu Zenão. - Se é impossível que o dissemelhante seja semelhante e o semelhante

dissemelhante, impossível também é a multiplicidade, pois se existisse, incorreria em contradição. A finalidade de teus argumentos não é precisamente de provar, contra a opinião comum, a inexistência da multiplicidade? Não pensas que cada um dos teus argumentos é uma prova, crendo possuíres assim tantos multiplicidade? É isto o que queres dizer, ou sou eu quem não te compreende bem?

- Não, disse Zenão, ao contrário, bem compreendeste a intenção der meu livro" (Platão, Parmênides 127 d-e).

657. A multiplicidade é impossível, havendo neste sentido Zenão tentado argumentos dialéticos vários.

Num primeiro argumento em favor da unidade adverte Zenão, que, no caso da multiplicidade, as coisas deveriam ser ao mesmo tempo pequenas, ao ponto de não terem grandeza, e grandes ao ponto de serem infinitas; ora, isto é impossível, razão porque o ser é uno.

As coisas, enquanto constituem uma pluralidade, requerem sejam grandes e pequenas ao mesmo tempo, o que é contraditório; deve-se readmitir que as coisas são uma só e não muitas.

"Ele [Zenão] mostra primeiramente que (segue o fragmento 1, citado por Simplício), se a unidade não tivesse grandeza, também não existiria. Continua então, - mas se existe, importa que cada uma (parte do multíplice) tenha uma certa grandeza e espessura, bem como estejam a certa distancia. O mesmo se dirá da que está à sua frente. Isto vale dizer uma vez a repetir sempre, porquanto nenhuma parte é a última, nem haverá parte sem relação com outra. Quando, pois, há muitas coisas hão de ser necessariamente pequenas e grandes: pequenas até sua nulidade, grandes até sua infinitude" [Frag. 1] (Simplício, Física 140, 34).

Anteriormente Simplício já apresentara a ponderação de Zenão sobre a unidade sem grandeza (Frag. 2, em Simplício, Física, 139, 5). Nestes termos

"Em seus escrito, que contém muitas provas, revela que aquele que estabelece a multiplicidade, se contradiz. No seguinte argumento, ele quer mostrar que, quando há a multiplicidade, esta deve ao mesmo tempo ser grande e pequena, e grande até a nulidade.

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Nisto ele procura agora mostrar, que uma coisa, que não é nem grande, nem grossa, nem possui massa, não é absolutamente nada.

[São suas palavras:] Efetivamente se tal unidade estivesse junta a outra entidade, não a tornaria maior; sendo privada de grandeza, não teria, se estivesse junta, nenhuma capacidade de contribuir para a grandeza. A agregação é, então, nula. Se, porém, se tirar de outra coisa, esta outra não se tornará menor; se se juntar, não aumentará. É claro que era nulo, o que se juntou; nulo o que se tirou.

Isto não diz Zenão para abolir a unidade, mas porque extensas tem de ser cada uma que se tome, há de sempre existir uma outra, por efeito de infinita repartição. Eis o que ele demonstra, depois de haver mostrado que nada possui grandeza, pois cada uma das múltiplas coisas é uma e idêntica a si mesma" (Simplício, Física, 139,5).

658. Outro argumento em favor da unidade, contra a multiplicidade do ente, é o seguinte:

a multiplicidade dos entes postula que eles sejam ao mesmo tempo finitos e infinitos;

ora, aqui ocorre uma contradição, da qual é preciso recuar, restabelecendo o ser uno.

"Para que tantas palavras? Já no Tratado de Zenão. Escreve Zenão que a multiplicidade resulta na identidade das contraditórias do finito (limitado) e do infinito (ilimitado)".

Segue então o fragmento citado por Simplício: "Se há a multiplicidade, é necessário que as coisas sejam tantas quantas são,

nem mais nem menos que estas. Se efetivamente são todas as que são, são em número limitado.

Se há a multiplicidade, os entes são também infinitos. Entre os seres há sempre outros intermediários, novamente outros entre os intervalos destes, e assim por diante, de sorte que os entes são em numero infinito" (Frag. 3 de Zenão, em Simplício, Física, 140, 27).

O dilema de Zenão se aplica contra os que admitem a multiplicidade dos entes. Visava sobretudo, ao que parece pelo contexto das partes do dilema, aos pitagóricos.

Estes – os pitagóricos - admitiam a multiplicidade dos seres e o infinito. Combinavam o finito com o infinito.

Além disto, os pitagóricos, e depois também os atomistas, admitiam um intervalo vazio entre os seres reais, intervalo vazio que todavia concebiam como um ente real.

Advertia, então, o Palamedes de Elea, que este ente entre os outros entes, novamente supunha outros entre si, e assim por diante, ao infinito.

A aporia de Zenão foi comentada por Aristóteles: "Se um ser é indivisível, segundo o postulado de Zenão, ele nada será. Pois

Zenão nega existência àquilo que nem torna uma coisa maior quando lhe é acrescentado, nem tudo quanto é, e uma grandeza (espacial). E, se é uma grandeza, é corpóreo, pois o corpóreo possui o ser em todas as dimensões, ao passo que os outros objetos da matemática, como o plano e a linha, acrescentados de certo modo a uma coisa aumentam-na, e de outro modo, não, e um ponto ou uma unidade não o fazem de modo algum.

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Sua teoria, no entanto, é inepta, e uma coisa indivisível pode existir de maneira que refute essas especulações (pois o acréscimo do indivisível aumentará o numero, se não o tamanho). E todavia, como pode uma grandeza provir de um indivisível desta espécie, ou mesmo de muitos? Isso equivale a dizer que a linha é formada de pontos" (Metafísica, 1001b 7-19).

O mesmo problema é retomado em Simplício: "Eudemo diz que Zenão tratava de demonstrar, que não é possível que os

entes sejam multíplices, pelo fato de que nos entes a unidade não é nada, e os multíplices são uma multidão de unidades" (Simplício, Física, 97,13).

659. Os conceitos de espaço, extensão, lugar não atingiram suficiente esclarecimento na filosofia eleática e nem nas demais de seu tempo. Por isso a dialética em que estas filosofias se envolveram, - e em que se notabilizou sobretudo Zenão, - não chegou a bons resultados em ontologia, ainda que tivesse criado elementos que estimularam depois a Aristóteles a examinar com maior profundidade o problema.

Não substancializou Aristóteles o espaço, a extensão, o lugar, e nem o vazio. O corpo contém tais determinações e como que as carrega consigo; apenas se podem considerar, por abstração, em separado, tais modos de ser. Desaparecido o corpo, com ele desaparece o próprio espaço, como determinação integrante sua. Reduzido, pois, o espaço a uma determinação do próprio corpo, este como que carrega seu mesmo espaço. Não resvala, pois, o corpo para dentro de um espaço ou de um lugar e nem sai dele, porquanto é parte dele mesmo. Aumentado o corpo, com ele aumenta o espaço, e não se torna maior que um espaço anterior independente dele.

Uma vez suposta verdadeira a posição de Aristóteles sobre o conceito de espaço, teriam laborado em equivoco as escolas pré-socráticas, sobretudo a pitagórica, a eleática, a atomista. A procedência deste fato aniquilou a especulação pitagórica em torno do número e a dialética eleática, sobretudo a de Zenão. Mas, se estes primeiros filósofos não abordassem a questão, a filosofia ulterior não se teria advertido de lhe dar melhor solução.

660. A questão do lugar. Por terem abordado tais problemas, sobre espaço, extensão, lugar, com vistas a uma nova solução, - Aristóteles e seu comentador Simplício acabaram não só por apresentar seu próprio pensamento, como ainda registraram aquele de seus predecessores combatidos.

"Zenão inquire sobre esta dificuldade, - se tudo o que existe, está em um lugar, é manifesto que também o lugar está em um lugar. Assim sucessivamente procede ao infinito.

Mais amplamente, - assim como todo corpo está em um lugar, assim também em todo o lugar há um corpo.

E como haveríamos de dizer à respeito das coisas que aumentam? É necessário que aumente simultaneamente o lugar com as coisas, senão será maior ou menor o lugar, que o corpo.

Por causa disto não só é necessário duvidar sobre o que é o lugar, mas também se ele existe" (Aristóteles, Física, L. IV, 1 p.209a 22).

Enquanto para Aristóteles o lugar é apenas uma determinação da coisa, para a concepção de Zenão é um ente real, distinto do corpo que o ocupa.

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Repete, pois, a maneira de ver dos pitagóricos, para os quais o vácuo é uma entidade qualquer e não simplesmente um nada. Partindo deste conceito de lugar autônomo em relação ao ente, chega a conclusão que só um ente o pode ocupar.

As novas ponderações de Zenão despertam a discussão do problema, sem que ele mesmo supere a visão superficial do espaço distinto dos corpos.

Advertirá Aristóteles que nada há no espaço, que não seja identificado, em concreto ou em realidade, com os mesmos corpos. Desta outra sorte, o espaço não passa de uma das muitas determinações, como que os corpos se estruturam. O espaço em si mesmo será uma abstração, desde o instante em que passamos, com a ajuda da imaginação, a concebê-lo em separado dos corpos;.

"Não é difícil resolver o que opôs Zenão, - se o lugar é algo, existira em algo. Nada impede que em algo esteja em primeiro o lugar, não todavia nele como no lugar, mas como a saúde no cálido como modo de se haver; como o calor está no corpo a maneira de modo. Por isso, não é necessário ir ao infinito" (Aristóteles, Física, 210b 25).

661. O movimento é um fenômeno amplamente tratado na dialética de Zenão, com vistas a reduzi-lo a uma impressão ilusória dos sentidos. Suas ponderações efetivamente enredam aos especuladores.

Mas o encaminhamento do problema, ao qual depois Aristóteles deu mais alguns avanços, requer condicionar a explicação do movimento à soluções de outros problemas mais fundamentais, como as do espaço, extensão, lugar. O movimento. Reduzem-se a dois pares de argumentos, porque os primeiros dois se assemelham entre si, como também os outros dois.

São conhecidos através do relato de Aristóteles, que os abordou e tentou refutar:

"Quatro são os argumentos à respeito do movimento, de Zenão, criando dificuldades aos que tentam resolvê-los (Física, L. VI, 9. 239b 10).

Seguem, então, por ordem, os argumentos de Zenão, todos discutidos por Aristóteles:

- dicotomia, - Aquiles, - flecha, - estádio. 662. Argumento da dicotomia. "O primeiro é o da impossibilidade de se

mover, em vista do móvel dever alcançar o meio, antes que o fim, conforme já esclarecemos anteriormente" (Física, 239b 12).

A subtilidade de Zenão está à vista: antes de chegar o movimento ao fim, deverá passar pelo meio; mas antes de passar pelo meio, deverá passar pelo meio do meio, e assim infinitamente.

Entre os esclarecimentos anteriores a que se refere Aristóteles se destaca o seguinte:

"Zenão opina falsamente, que não se possa percorrer infinitos pontos ou tocar um a um infinitos pontos em tempo finito.

É que em duplo sentido chamam-se infinitos o comprimento e o tempo, e em geral todo o contínuo: ou por divisão, ou por extensão.

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Não podem as coisas infinitas em quantidade ser tocadas em um tempo finito; podem-no as infinitas por divisão, porque também o tempo é infinito neste sentido. Assim se tocam os infinitos, com os infinitos..." (Aristóteles, Física, 233a 22-30).

Mas o movimento é um fenômeno mais complexo, que o de uma simples relação de espaço e tempo com o trata Zenão. Situa-se também no plano qualitativo e finalmente no da essência.

Efetivamente, a alteração de lugar não significa mudança de um lugar para outro lugar, porque o lugar não é autônomo do corpo movido. Cada corpo é o seu lugar real e não tem senão o seu lugar. O movimento é uma alteração intrínseca na propriedade mesma do lugar real. O que isto seja, não se sabe senão como um fato que acontece.

Não se pode todavia julgar e interpretar com a maneira imaginativa, como se movimento fosse a trasladação de um corpo para um outro lugar, como se o movimento fosse a troca de lugares reais, para dentro dos quais sucessivamente deslizem os corpos.

663. Argumento de Aquiles. Prossegue Zenão, citado por Aristóteles: "O segundo (raciocínio ) é o chamado de Aquiles. É este: O mais lento jamais será alcançado pelo que corre mais velozmente; antes é

necessário que o perseguidor chegue, de onde se moveu o fugitivo. Desta sorte o mais lento estará sempre um pouco a frente" (Física, 239b 14-16).

Comentou ainda o Estagirita: "Este é o mesmo argumento que o da dicotomia: difere deste por não dividir

em dois o espaço; conclui que o mais lento não é alcançado. Mas deriva pelo mesmo caminho, que o da dicotomia. Em ambos ocorre não alcançar o termo, por uma certa divisão da grandeza.

Acrescenta ainda a dramaticidade, porquanto nem o mais veloz consegue alcançar o mais lento. Dali resulta dever admitir-se a mesma solução" (Física, 239b 16-18).

Ponderou ainda Aristóteles: "Querer que o precedente não seja alcançado, é falso. Ele é alcançado, se se

conceder que se pode superar uma distância finita" (Ibidem). Mas Zenão, jogando com seus pressupostas, quis mostrar que também esta

alternativa é impossível. A respeito da autoria do argumento de Aquiles, lê-se em Diógenes Laércio: "Foi (Zenão) o primeiro a propor o argumento de Aquiles, o qual Favorino

atribuiu a Parmênides, e vários outros argumentos" (D. L., IX, 29). 664. Argumento da flecha. Mais obscuros são os demais dois argumentos de

Zenão, o da flecha e o do estádio. "O terceiro (argumento) diz que a flecha, ao ser posta em movimento está

imóvel. Isto decorre do fato, de que o tempo se compõe de instantes. Mas, se isto não for pressuposto, não haverá argumento" (Aristóteles, Física VI, 9. 239 b 30).

Efetivamente, se o tempo for concebido como dividido em átomos indivisíveis, e assim também o espaço em parte átomos, em cada instante a flecha disparada estaria em repouso. De fato, não se moveria.

O texto de Aristóteles referente a Zenão concorda com o fragmento citado por Diógenes Laércio, sobre os termos do argumento da flecha:

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"o movido não se move no lugar onde está, nem naquele em que não está" (D. L., IX, 72).

Sobre a divisão do tempo em átomos indivisíveis, o mesmo Aristóteles ofereceu uma observação, muito antes de comentar a Zenão, mas que interessa ao caso:

"Se a grandeza consta de indivisíveis, também o movimento desta constará de movimentos igualmente indivisíveis ... e de maneira análoga à grandeza e ao movimento, será necessário que seja indivisível o tempo e que conste de instantes indivisíveis" (Física, VI, 1).

O raciocínio de Zenão, ao conceituar o tempo como átomos de instantes em sucessão, pretende, que em cada instante haja uma posição, tomada pelo corpo que ingressa de um instante, para o outro instante. Por isso, o corpo em movimento não estaria verdadeiramente em movimento. Seria o movimento apenas uma soma de posições; em cada posição, dentro de um outro instante, não haveria movimento; o corpo, dentro de um instante, estaria em repouso.

A aporia de Zenão se condiciona inteiramente ao conceito de tempo como átomo de instantes distintos do ente temporalizado. Mas, seria este um conceito correto do tempo?

Importa por conseguinte a pergunta, - que é o tempo? Não se pode ponderar sobre os raciocínios de Zenão, sem antes determinar que é que vale sobre o tempo.

Talvez o tempo não seja algo absoluto, como um ser autônomo, segundo a suposição havida no argumento de Zenão.

Se o tempo só existe como duração presente, não há como operar com um tempo situado no passado, nem como futuro. Só imaginativamente podemos separar e substancializar o tempo, para depois tratá-lo em separado daquela coisa. O tempo real não é separável das coisas.

O tempo nasce como um atributo das coisas. O tempo é o existir que dura: desaparece com o mesmo existir quando este cessa. Cada coisa tem o seu tempo. Outro tempo não existe. Da inconstância na duração, resulta a relação diferenciada entre o passado, o presente e o futuro. Mas, já não existe o passado, senão como noção; também não há futuro, senão como imaginação.

O movimento ocorre, no tempo, enquanto algo, que dura, deixa de durar. Algo novo entra a durar. Isto pode cessar outra vez. E uma terceira coisa entra a durar. E assim ocorre a sucessão das coisas que duram, sem que verdadeiramente haja átomos, ou instantes de tempo, que se sucedam.

No movimento mais comum, as sucessões de durações se dão apenas no plano acidental das posições. O movimento não passa portanto de uma alteração nas determinações entitativas acidentais de posição, e somente estas oscilam no tempo.

665. O argumento do estádio. O quarto argumento de Zenão contra o movimento examina a situação de elementos B e C, vindo de posição oposta se cruzam, ao mesmo tempo que passam diante de A em repouso.

Resultam tempos diferentes relativamente a uns e outros, quando na verdade o tempo é um só.

Atenda-se para a figura de Alexandre, em Simplício, Física 1015, 14 ss:

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AAAA A - Elementos Imóveis

B - Elementos movidos de D para E

D BBBB Y C - Elementos movidos de E para D

D - Começo do estádio

Z CCCC E - Fim do estádio

"O quarto (argumento) trata de elementos iguais que se movem em sentido contrário no estádio ao longo de outros elementos iguais, uns a partir do fim do estádio, outros do meio, com velocidades iguais; a consequência pretendida é a de que a metade do tempo seja igual a seu dobro.

O paralogismo consiste em se pensar que uma grandeza igual, com velocidade igual, se movimente num tempo igual, tanto ao longo do que está em movimento como ao longo do que está em repouso. Mas isso é falso.

Sejam AA as de elementos iguais que estão imóveis; BB, os que partem do meio dos AA e são iguais a essas em numero e tamanho e de mesma velocidade que a dos BB.

Consequências: o primeiro B está na extremidade ao mesmo tempo que o primeiro C, visto que se movem paralelamente.

Doutro lado, os CC percorreram todo o intervalo ao longo de todos os BB, e os BB, a metade do intervalo ao longo dos AA; por conseguinte, só a metade do tempo; com efeito, para os grupos tomados dois a dois, há igualdade do tempo de passagem diante de cada A.

Mas ao mesmo tempo os BB passaram diante de todos os CC; pois o primeiro B e o primeiro C estão, ao mesmo tempo, em extremidades opostas, sendo o tempo para cada um dos BB - diz ele - o mesmo que para os CC, porque os dois passam em tempo igual ao longo dos AA" (Aristóteles, Física VI, 9. 239b 33).

Sobre a questão acrescenta o comentador Simplício: "Este é o argumento, e o mais conveniente, como diz Eudemo [Frag. 68], pelo

fato de o paralogismo ser evidente, pois os elementos em sentido contrário uns aos outros afastam-se com dupla distancia no mesmo tempo em que o que se move ao longo do que está imóvel se afasta pela metade, e será de igual velocidade à daqueles" (Simplício, 1019, 32).

Se os átomos do tempo fossem indivisíveis, não seria possível este tipo de movimento, - raciocina Zenão. O progresso indicado importa em divisão dos átomos do tempo. Ou se admite a indivisibilidade e com isso a negação do movimento; ou se admite o movimento referido, como o afastamento da tese da atomicidade do tempo.

Se os BBBB se movem, ao encontrarem AAAA imóveis, passam diante deles com uma certa velocidade.

Se os CCCC também se movem em sentido oposto, passarão diante dos AAAA, com a mesma velocidade como acontecia com os BBBB.

Mas, os BBBB e os CCCC, em direções opostas, também se cruzam entre si. Este cruzar é eminentemente rápido, e, - como se diz hoje, - são como trens, cujos vagões vêm de direções inversas; dão a impressão de imensa velocidade. São como dois astros no cosmos,

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em direção oposta, dando a impressão que a velocidade em direções opostas é dobrada; efetivamente apenas dobra a distância, e não a velocidade.

Pergunta-se agora, como medir os átomos do movimento. Os CCC se movem mais rapidamente em relação aos BBB e menos rapidamente em relação aos AAAA. Ergue-se a questão da relatividade da medida. A medida frente aos AAAA é maior. Frente aos BBB é menor. Admitidas ambas as medidas, importa em aceitar a divisão dos átomos do tempo...

A solução consiste em não isolar o tempo, como fez Zenão, mas em considerá-lo intrínseco aos entes. O existir, enquanto dura, é o tempo. Qualquer relacionamento exterior como o acima indicado, ou como os dos ponteiros do relógio, é um relacionamento extrínseco e que, portanto, não decide nada sobre o tempo em si mesmo.

A medida é essencialmente relativa... É o relacionamento de dois termos entre si. Alterada a medida, outro é o relacionamento. Ambas as modalidades são medidas legítimas, ainda que diferentes...

666. Subjetividade dos sentidos. Com referência à subjetividade do conhecimento sensível, todo o sistema eleático, e portanto inclusive o de Zenão, a favorecem. É que o caráter ilusório dos sentidos vem de encontro à doutrina da unidade do ser. Admitida a veracidade da inteligência, que estabelece a unidade do ser, a tese não encontra dificuldade diante da diversidade apresentada pelos sentidos, porquanto estes não são objetivos.

Diógenes Laércio, no decorrer da biografia que fez de Pirro, informa que os pirromanos:

"Incluem entre os céticos Xenófanes, Zenão de Elea e Demócrito. A Xenófanes, por haver dito ‘ninguém chegou a saber jamais, ninguém saberá

claramente a verdade’. A Zenão, porque suprime o movimento, dizendo: o objeto em movimento não

se move, nem o lugar em que está, nem naquele em que não está. A Demócrito, porque nega a existência de qualidades" (D. L., IX, 72). Observou ainda Zenão que um monte de trigo, deixado cair, faz ruído. E que,

grão após grão, cai imperceptivelmente. Este fenômeno é indicador da quantidade diferencial dos objetos dos sentidos.

A lei será determinada futuramente, em psicologia experimental, por Webber e Fechner. 667. Cosmogonia. A formação do mundo e do homem resulta de um

equilíbrio de princípios contrários. Ocorre aqui uma doutrina semelhante à dos pitagóricos e dos eleatas anteriores. A realidade tudo enche, de sorte a não haver o vácuo.

"O pensamento de Zenão pode resumir-se nestas linhas: Há o mundo, mas não há o vazio. Os seres são produzidos pelo calor e o frio, do seco e úmido, que se transformam uns em outros. O homem nasce da terra, e a alma é formada pela união dos quatro princípios anteriores, numa proporção sem que uns predominam sobre os outros" (D. Laércio, IX, 29).

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ART. 4o - MELISSO DE SAMOS. 0335y669.

§1. Vida e obras. 0335y670. 670. Vida. Melisso (9 , 8 \ F F @ H ) de Samos (c. 485-425 a.C.) é filósofo

grego filiado ideologicamente à escola de Elea, em vista de suas doutrinas sobre a unidade e imobilidade do ser. Mas se destacou sobre os seus antecessores pela abordagem dos temas sobre o infinito no tempo, ou seja sobre a eternidade (vd 674).

Da vida particular de Melisso pouco mais se conhece do que as resumidas informações provenientes de Diógenes Laércio:

"Melisso, filho de Itaigeno, de Samos, foi discípulo de Parmênides. Além disto, esteve em relações com Heráclito, o qual o contatou com os

efésios, que não o conheciam, como Demócrito foi introduzido em Ábdera por Hipócrates" (D. L., IX, 24).

Não se colhe dali em que circunstancias tomou contato com a escola de Parmênides de Elea, situado no Ocidente. Já a este tempo circulavam, sobretudo em Atenas, os discípulos de diferentes doutrinas.

Na vizinha Mégara não demoraria a se estabelecer a escola socrática menor de Euclides, defensora também da unidade do ser.

Informa também Suídas, que Melisso era do tempo de Zenão e Empédocles; eram estes do Ocidente, mas com trânsito por Atenas.

671. Cronologicamente, Melisso está situado no final do período pré-socrático, um pouco mais velho que o mesmo Sócrates.

"De acordo com Apolodoro, ele floresceu na 84-a. Olimpíada (444-440 a.C.)" (D. Laércio, IX, 24).

O mesmo informa Suídas. Então já era falecido de longo tempo Parmênides (+ c. 470 a.C.) e ainda era vivo Zenão (+c 430 a.C.).

A este tempo ocorrem também acontecimentos políticos, em que primeiramente os antenienses de Péricles tentam conquistar, Samos, devendo Melisso ter tido participação na vida política e militar de sua ilha.

"Ele tomou também parte na política com a aprovação dos seus concidadãos, e por esta razão foi eleito comandante da frota, crescendo a admiração pelos seus méritos" (D. L., IX, 24).

Em 441 a.C. infligiu uma derrota aos atenienses; reagem entretanto os atenienses, tomando a ilha de Samos em 440 a.C.

672. Quanto aos escritos de Melisso, não se refere a eles Diógenes Laércio, ainda que mencione suas doutrinas.

Sabemos, entretanto, que escreveu um livro, pela menção feita por Simplício, que a ele se refere da seguinte forma:

"Tratado sobre a física ou sobre o ente (G L ( ( D V : : " J @ H B , D Â N b F , T H º B , D Â J @ Ø Ð < J @ H ) (Simplício, Física 70,16). Também se pode traduzir Sobre a natureza e sobre o ser.

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Dos 10 fragmentos que se lhe atribuem, o 7o e 8o são duas longas páginas. Os cinco primeiros (coleção H. Diels) não parecem autênticos, ainda que possam ser a expressão do pensamento de Melisso.

Com referência ao tratado pseudo-aristotélico, De Melisso Xenophane et Gorgia, acredita-se que lhe diga respeito o texto de 6 páginas dos dois primeiros capítulos; estes conservariam uma análise fiel dos seus argumentos pro unidade do ser.

Conforme H. Diels, deve ser atribuído a um peripatético eclético do 1o século da era cristã e por conseguinte ainda em condições de informar sobre Melisso.

O tratado fora impresso sob o título De Xenophane, Zenone et Gorgia (edição Bekker, 974-980), sendo depois substituído o nome de Zenão pelo de Melisso. "Com prudência, pode ser utilizado" (J. Tricot, nota 4 à Metafísica de Aristóteles, em 986 b 20).

§ 2. Doutrinas de Melisso de Samos. 0335y673. 673. Representa Melisso uma fase mais avançada da metafísica grega,

imediatamente anterior ao período socrático. Ainda que eleata, sua tendência é a de condescender com a física dos

representantes da escola jônica. O ecletismo que então se estabelecia, outra coisa não era que a superação progressiva dos extremismos insustentáveis das primeiras escolas filosóficas.

Contudo, Melisso de Samos se mantém identificado substancialmente com a doutrina do ser de Parmênides, enquanto este institui o ser como uno, imóvel, pleno.

Mas, diferencia-se, estabelecendo o ser como infinito (em vez de rotundo); neste particular, portanto, se aproxima de Anaximandro de Mileto, que estabelecera o ápeiron, ou o infinito, como base de tudo.

"O universo segundo ele (Melisso) é infinito, imutável, imóvel, uno, em tudo semelhante a si mesmo, e completamente cheio" (D. Laércio, IX, 24).

674. O infinito no tempo, ou eternidade. Ainda sobre as alterações introduzidas: no eleaticismo:

"Melisso, filho de Itaigeno, foi discípulo de Parmênides, mas não conservou intacta a doutrina do mestre. Dizia que o cosmos é ilimitado [infinito], ao passo que os outros o haviam dito limitado" (Aécio II, 1,2).

Mencionamos o atributo do infinito para detectar uma diferença de Melisso em relação ao seu antecessor. Mas, do ponto de vista meramente sistemático não tratou primeiramente da propriedade do ser como uno e sim de sua existência eterna.

A existência é infinita no tempo, como é infinita na extensão. A prova vem da impossibilidade do contrário, pois não pode vir do que é, nem do que não é; nem pode passar ao que é, nem ao que não é.

Esta ponderação de Melisso veio através de Simplício: "E Melisso demonstrou a impossibilidade de o ente ser gerado por meio deste

axioma comum, pois escreve assim: sempre foi o que foi e sempre será. Se tivesse vindo a ser, necessário seria

que, antes de nascer, fosse nada. Mas, se nada era, de modo nenhum, poder-se-ia ter tornado de nada em algo" [Frag. 1] (Simplício, Física 162, 24).

A este argumento já se referia Aristóteles: "O argumento de Melisso, de que o universo é infinito, supõe que o universo

não foi engendrado, em vista de nada poder ser engendrado a partir do que não existe, e que

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tudo o que foi engendrado, o foi a partir de um começo; portanto, se o universo não foi engendrado, não tem começo e é infinito" (Aristóteles, Argumentos sofísticos, c.5, p.176 b 13).

Imediatamente passou Aristóteles à crítica do argumento: "Esta consequência não se deduz necessariamente; ainda quando o que foi

engendrado tenha um começo, o que tem começo não necessita por isso haver sido engendrado, não mais que é admissível a consequência de que, porque um homem que tem febre esteja quente, um homem que esteja quente deva ter febre" (Ibidem).

Retomamos Simplício: "Porque não nasceu, por isso ele é, sempre foi, sempre será, e não tem

princípio, nem fim; é infinito. Mas se tivesse nascido, teria princípio (pois teria, em vista de haver nascido, alguma vez principiado, uma vez findado).

Como, porém, não principiou, nem acabou, sempre foi e sempre será e não tem princípio, nem fim. É impossível, portanto, que seja sempre o que não seja tudo e pleno" [Frag.2] (Simplício, Física 22,29;109,20).

675. A conexão entre a eternidade (infinitude no tempo) e a infinitude na extensão é uma constante no pensamento de Melisso, postado contra a finitude rotunda do ser de Parmênides.

"Do mesmo modo como sempre é, assim também na grandeza deve sempre ser infinito" [Frag. 3] (Simplício, Física, 109, 29).

"Nada, do que tem princípio e termo, é eterno e infinito" [Frag.4] (Simplício, Física 110,2).

Como logo adiante veremos, há também uma relação entre a unidade e o infinito. Tal circunstancia será caracterizada de futuro por Aristóteles, como peculiar aos conceitos análogos, os quais se envolvem, ao contrário dos conceitos unívocos, que são estanques e sem transcendência de uns para os outros.

Outra prova do infinito de Melisso é a alegação de que se o ente fosse limitado, deveria sê-lo pelo vácuo e que não existe (Cf. Aristóteles, Da geração e corrupção, 325 a).

Esta maneira de argumentar pressupõe o infinito espacial. Sobre o vácuo, em Melisso (vd 678). 676. O ser é único. Eis a tese básica do eleaticismo e que reaparece em

Melisso de Samos. Citado por Simplício, ponderou: "Se o ente não fosse um, teria limites com um outro" (Simplício, Física,

110,5). [Frag.5]. Isto quer dizer que, no caso de ser múltiplo, o ente implicaria em limitações, o

que estaria em conflito com a tese já admitida, de que o ente é infinito. Ainda é o mesmo Simplício que evoca uma crítica de Eudemo: "Admitindo que o ente seja infinito, por que há de ele ser também um só?

Não porque haja mais, teriam de confinar uns com os outros: o tempo passado parece infinito, embora confine com o presente (Ibidem, 110, 5).

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O unicismo de Melisso é reafirmado ainda em outro texto e com a mesma ponderação: "Se o ente é (infinito), deve ser uno; se se tratasse de dois, não poderiam ser infinitos, porque um constituiria o limite do outro" [Frag.6] (Simplício, Do Céu, 557, 14).

Aristóteles menciona o argumento de Melisso sobre a unidade do ente, depois que havia afastado o vazio e o movimento:

"Acrescentam que não pode haver pluralidade, por não haver nada que separe as coisas umas de outras" (Da geração e corrupção, 1, 8. 325a 3).

No futuro, a metafísica continuará alegando, que não poderá haver dois entes infinitos, porquanto um limitaria ao outro. Só haveria um infinito.

Mas, ficou a pergunta, - se, ao lado do infinito (ou melhor, dentro do infinito), poderia haver muitos seres finitos?

A tese de Melisso é aproveitada pelos unicistas do ente no campo infinito, mas com um retoque por parte dos criacionistas, que admitem o mundo das coisas finitas ao lado (ou dentro) do único infinito. Mas há também os monistas que se mantém firmes com Melisso.

677. O ser incorpóreo. Informou ainda Simplício: "Ponderava [Melisso]que o ser deve ser incorpóreo (• F f : " J @ H ), dizendo:

Se houver de existir, deverá também ser uno; e se deve ser uno, não poderá ter um corpo (F ä : " ). Possuísse uma espessura, teria também partes e já não seria mais uno" [Frag. 9] (Simplício, Física, 139,34).

No texto do fragmento 9 a palavra corpo indica, no contexto, a delimitação. Aparentemente parece dizer o contrário de espírito (ou de incorpóreo). Este sentido não pertence ainda ao pensamento pré-socrático.

Para Melisso, o ente é o pleno no sentido corpóreo, do espaço cheio, sem vácuo (Cf. Frag. 7).

"Um ser dividido, se move; mas o que se move não pode ser" [Frag.10] (Simplício, Física, 109,32).

Esta ponderação se completa na prova de que o ser não se pode mover (Cf. Frag. 7, comentado adiante) (Cf. ainda Aristóteles, Física, IV, c.2,p.184 a 32 ss).

678. Não há vácuo e nem movimento local. Não havendo vácuo, e portanto não havendo outro lugar, não existe possibilidade de movimento local. Esta decorrência está evidentemente na dependência da conceituação dada ao movimento local, como uma trasladação de lugar absoluto para outro lugar absoluto.

Negando o vácuo, Melisso contradita uma tese dos pitagóricos, para os quais existe o pleno e o vazio. Contraria uma tese que importará, depois, aos atomistas. A negação do vácuo prejudica também à teoria do denso e rarefeito, peculiar à escola jônica, sobretudo a Anaxímenes e a Heráclito. Além disto, contradita qualquer crescimento ou mudança.

Diz, pois, Melisso citado por Simplício: "Eterno e infinito, pois é o ente. E uno. E todo homogêneo. Não pode perecer,

nem tornar-se maior, nem transformar-se, nem sentir dor ou castigo. Se padecesse alguma destas coisas, não seria uno. Se padecesse algo, não

seria homogêneo, pois deveria perecer algo que já era e nascer algo que antes não era. Se no decurso de dez mil anos mudasse o tanto de um cabelo, na totalidade do

tempo pereceria ele todo" [Frag. 7,1 e 7,2].

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Prossegue abordando detalhes: "Impossível ordenar de outra maneira. A ordem (6 ` F : @ H ) que foi, não

deixa de ser e não virá a ser a que não é. Se nada é acrescido, ou perdido, ou alterado, como seria possível

transformarem-se as coisas? Qualquer coisa que se alterasse, estaria feita uma alteração" [Frag.7,3].

Nem sequer as mutações de caráter psicológico são possíveis: "Nem sofre. Não seria pleno, se sofresse. O que sofre, aliás, não pode ser

eterno, nem tem o vigor do que é são. Não seria homogêneo, se sofresse. Sofreria por algo mais, ou por algo em

falta; já assim não seria homogêneo. Quanto às dores, o sadio nem as poderia sofrer; pereceriam o sadio e o ser, e

não ser viria a ser. O mesmo se diria do doente" [Frag.7,4-6]. "Não há nada vazio, pois o vácuo é nada, e o nada não poderia efetivamente

existir. Nem se move, pois não existe lugar para onde se mover, porquanto está

cheio. Se estivesse vazio, teria o vazio para se mover. Não existindo o vácuo, não tem para onde se mover.

Não há denso e nem rarefeito. Pois o rarefeito não é cheio como o denso, porquanto já é mais vazio que o denso, mas de si já é mais vazio que o denso.

Deve-se fazer a diferença seguinte, entre o cheio e não cheio: se der lugar a mais alguma coisa, não esta cheio; se não der lugar e não a receber, está cheio.

É necessário que esteja cheio, se não existir vácuo. Se estiver cheio, não se move" [Frag. 7, 7-10, final] (Simplício, Física, 111,118).

Não há oposição entre o vácuo e o cheio, mas entre o vácuo e o não ser. Decorre dali que Melisso colocou bem a questão ao entender o vácuo como não ser, de onde induzia que o vácuo não existe.

Mas não foi seguro ao opor o vácuo ao pleno. É que o pleno se diz do ser corpóreo enquanto se dilata e enche o seu mesmo espaço, e não simplesmente do ser em geral. Em decorrência, Melisso teria que identificar o ser simplesmente como a corporeidade.

O que dizem os fragmentes de Melisso contra o vácuo e o movimento, é relatado também pelos doxógrafos. Encontra-se taxativamente em Aristóteles:

"Melisso demonstra, partindo destes argumentos, que o todo é imóvel, porque, - se ele se movesse, haveria o vazio, que é um não-ser" (Física, 4,6. 213b 12).

679. A teoria do conhecimento recebeu em Melisso mais uma página. Insistiu, como todos os da escola eleática (vd 580), na tese de que os sentidos são ilusórios, em vista de mostrarem o ser diversificado e em movimento, quando importa seguir a razão, que o apresenta como um e imóvel. Eis a posição dos eleatas em geral, como informou Aristóteles (Da Geração e corrupção, I, 8. 325a 2ss).

Encontra-se mais em Simplício, com os respectivos fragmentos: "Dizendo (Melisso) que o ente é uno, ingênito, imóvel, sem estar dividido

pelo vácuo mas pleno de si, adverte: (1) ‘O mais importante argumento da unidade do ente é este; mas há ainda

estas outras provas.

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(2) Se múltiplas fossem as coisas, elas deveriam ser da mesma maneira como se diz do Uno. Quanto à terra e água, ao ar e ao fogo, ao ferro e ao ouro, a um vivo e a outro morto, à um escuro e à outro claro, e assim por diante, quanto à todas estas coisas, que os homens dizem verdadeiramente existir, - estas coisas são e nós bem as vemos e as ouvimos, - devem necessariamente cada uma ser tal, como se nos pareceram primeiramente, isto é, não devem mudar e nem transformar-se, mas ser sempre cada uma como é. Agora julgamos que vemos, ouvimos e entendemos corretamente.

(3) Parece-nos que o calor se transforma em frio e o frio em calor: que o duro se torna macio; que o vivente morre e nasce do não vivente, transformando-se todas estas coisas; que o que era antes e o que é agora não é de fato igual, pois o ferro, apesar de duro, se consome ao contato dos dedos, perdendo-se, acontecendo o mesmo ao ouro, à pedra e a tudo o que nos parecia forte; e que da água nascem a terra e a pedra. Dali resulta que não vemos e nem conhecemos os seres.

(4) Tais coisas não concordam entre si. Porquanto dizemos existirem muitas coisas (eternas?) com formas e forças próprias, quando na verdade parece que todas as coisas se transformam e cada vez mudam em coisas diferentes do que antes fora visto.

(5) É, então, claro que nós não vemos direito, nem mesmo quando elas se apresentam como muitas. Se fossem verdadeiras, não mudariam; cada uma continuaria igual como anteriormente aparecera. Nada é melhor do que é verdadeiramente.

(6) Ao se transformar algo, - perece o que era, nascendo o que não era. Po conseguinte, se existissem muitos seres, deveriam ser da mesma maneira como acontece ao uno" [Frag. 8] (Simplício, Do Céu, 558,19).

680. Sobre os deuses Melisso nada tem a dizer, senão que se encontram fora do alcance de nosso conhecimento.

"Sobre os deuses nada se consegue decidir, por ser impossível conhecê-los" (D. L., IX, 24).

Este agnosticismo em relação as crenças de sua época, não afeta a metafísica. O unicismo de Melisso estabelecendo um ser único, eterno, infinito, nada mais é do que um monismo cujo ser único também se poderia chamar de divino.

"Melisso e Zenão: o um e o todo é Deus; o um é eterno e ilimitado" (Aécio I, 7,27).

681. Com Melisso encerra-se o que didaticamente se denomina escola eleática.

Todavia a doutrina do unicismo eleático tem continuidade na escola socrática menor de Mégara. Seu fundador é Euclides de Mégara, que viveu entre 450 e 380 a.C., com sucessores em Eubúlides de Mileto, Stilpon, Fedo, Menedemo.

Acrescentaram este neo-eleatas à escola uma ética, sob influência de Sócrates, bem como novos argumentos dialéticos em favor do unicismo e imobilidade do ente.

Mas destes outros filósofos, ainda que sejam verdadeiros epígonos da filosofia eleática, cuida A filosofia no tempo de Sócrates (vd).

682. Como um todo, as filosofias dos pitagóricos e dos eleatas representam a fundação do racionalismo. Ocorre também um racionalismo jônico, mas não na mesma escola. Pitagóricos e sobretudo eleatas especulam não somente sobre a natureza, mas

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principalmente sobre o ser em geral, criando pois uma filosofia geral, também denominada metafísica e ontologia.

Sem repetir tal qual a doutrina dos números, Platão aproveitou as especulações pitagóricos, principalmente no que se refere ao exemplarismo das idéias arquétipas.

E assim também Aristóteles se utilizou da ontologia do ser da filosofia eleática, ainda que com outras conclusões. O racionalismo fundado pelas escolas pitagórica e eleática prosseguiu pois no tempo.

Em conjunto, todas as formas de racionalismo constituíram sempre uma resistência contra um outro bloco de filósofos que o dos empiristas de toda a espécie. Neste plano já atuavam na antiguidade os atomistas.

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CAP. 7 ESCOLA ATOMISTA. 0335y686.

- Como Pensavam os Primeiros Filósofos - 687. Introdução. A importância dos atomistas se encontra no fato de

haverem estes filósofos da Grécia clássica se antecipado em vários pontos às teorias atômicas modernas. Ainda outras idéias tem apresentado a escola, porquanto alguns dos seus representantes foram de vasto saber.

A escola atomista é representada por Leucipo (nascido entre c. 490 e 460, falecido c. 420 a.C.) e Demócrito (c. 460-370 a.C.- c. 370 a.C.).

Cronologicamente se situam, pois, os primeiros atomistas no final do período pré-socrático e início do socrático. Desenvolvendo-se em Ábdera, cidade representativa da Trácia (norte da Grécia), alcançou, ao tempo de Aristóteles, uma repercussão considerável, e que mantém ressonância na escola de Epicuro, do período pós-socrático.

688. Ordenamente didático. Se conhecêssemos suficientemente as diferenças entre as doutrinas de Leucipo, mais antigo, e de Demócrito, mais recente, deveríamos tratar o primeiro como um pré-socrático e o segundo como um socrático. Entretanto, as notícias que nos chegaram da escola atomista tratam suas doutrinas como um corpus, atribuído globalmente aos seus dois primeiros representantes, sem muito distinguir entre um e outro.

Perderam-se as obras destes seus autores, de sorte a ser impossível uma análise da evolução interna exaustiva dos mesmos. Presume-se que os aspectos peculiares à atomística sejam posteriores e por isso mais peculiares a Demócrito. Mas, aquilo que é essencial à escola, o atomismo, se deve em primeiro lugar a Leucipo, do qual Demócrito terá sido o continuador e aperfeiçoador.

Com referência aos livros atribuídos a Demócrito, alguns talvez já viessem do mesmo Leucipo. Hoje, estando todos perdidos, já não resta possibilidade de verificação. É lamentável que esta perda ocorresse, porquanto, ao lado da obra de Platão, a dos atomistas terá sido a única dos tempos anteriores capaz de lhe ser comparada, tanto pelo valor, como pelo número de tratados.

"A perda dessas obras é um dos fatos mais lamentáveis para ao estudo das fontes da filosofia antiga" (Windelband, Hist. da filosofia antiga, n.31, p.158).

Alguns autores como Windelband, tentaram a exposição em separado, de Leucipo e Demócrito, mas sem maiores resultados.

Contudo, a história deve perseguir este objetivo, separando o mais que puder os distintos tempos cronológicos do mesmo atomismo. Sem este esforço, se terá a impressão de que Leucipo não passaria de uma introdução ao seu sucessor. Na verdade, porém, Leucipo, que talvez precede em 40 anos a Demócrito, é o autor do essencial da escola. O mesmo Demócrito citou o sistema cósmico de Leucipo, dizendo-o 9 X ( " H * 4 V 6 @ F : @ H (= Grande sistema cósmico). E depois de ambos os mestres, ocorrem ainda os sucessores, do atomismo. Estes atomistas posteriores já se situam no período socrático e pós-socrático.

Resulta, pois, o seguinte quadro didático para a história do atomismo: Leucipo (vd 0335y690); Demócrito (vd 0335y705); Atomistas posteriores (vd 0335y730).

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ART. 1O - LEUCIPO DE ABDERA. 0335y690.

691. Ainda que pouco se possa dizer sobre Leucipo, os problemas que o

assunto oferece podem contudo alongar o texto, o qual por isso mesmo admite a distribuição didática em dois parágrafos:

- Vida e obras de Leucipo (vd 693); - Doutrinas de Leucipo (vd 699). § 1. Vida e obras de Leucipo. 0335y693. 694. Leucipo (7 , b 6 4 B B @ H ) de Ábdera (nascido entre c. 490 e 460,

falecido c. 420 a.C.) é o primeiro filósofo da escola atomista. É dito de Ábdera, talvez porque ali houvesse nascido, mas sobretudo porque

ali floresceu. A informação vem de Diógenes Laércio. Este deu também outras possíveis

procedências, como se lê em seu breve texto : "Leucipo, de Elea, mas outros dizem de Ábdera, e outros de Mileto" (D. L.,

IX, 30). 695. O situamento de Leucipo (n. entre 490 e 460 - c. 420 a.C.), no quadro

geral dos filósofos de seu tempo, ainda que parcamente conhecido, se consegue estabelecer através da convergência de várias pequenas informações. Dado uma vez como discípulo de Zenão (este nascido cerca de 490 a. C.) , e como anterior a Demócrito (este nascido cerca de 460 a. C.), infere-se tranquilamente que Leucipo teria nascido entre 490 e 460 a. C., o que significa na década de 470 a. C.

No quadro geral dos filósofos do seu século, Leucipo está assim posicionado: - é mais jovem que Parmênides (c.540 a. C.- c. 479 a. C.), Zenão de Elea (c.

490-c. 430 a. C.), Anaxágoras (c. 500-c. 428 a.C.). - é contemporâneo de Empédocles (c. 490-435 a.C.), Sócrates (469-399 a.C.),

e dos sofistas Protágoras (c. 481-411 a. C.), Górgias de Leôncio (c. 483-c. 375 a. C.). - é mais velho, que Demócrito (c. 460-c. 370 a.C.), - bem mais velho que Platão (427-347 a. C.). 696. Passamos ao elenco das várias pequenas informações que levaram ao

quadro apresentado. Diógenes Laércio, acrescentou ao informe sobre o nascimento: "Ele foi discípulo de Zenão" (D. L., IX, 30). Mais adiante, o mesmo Diógenes Laércio, já situado no texto sobre

Demócrito: "... Magos e caldeus foram os mestres de Demócrito... sendo criança... Mais

tarde recebeu lições de Leucipo" (D. L., IX 34). Voltando Diógenes a mencionar uma terceira vez a, ainda que

passageiramente, a Leucipo, - desta vez ao escrever sobre Epicuro, - declara que este contestava o saber de Leucipo:

"Negava o título de filósofo a Leucipo, mestre de Demócrito, como dizem Apolodoro e outros autores" (D. L., X,13).

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De qualquer maneira, esta afirmação denota haver deixado Leucipo elementos que o fizessem ser conhecido e discutido.

Qualificado por Aristóteles como companheiro (© J " Ã D @ H ) de Demócrito, esta condição afasta qualquer dúvida com referência ao relacionamento de Leucipo com o referido Demócrito e a cidade de Ábdera, ainda que pudesse ter vindo de outra parte, como de Eléa ou de Mileto. Não deixa de haver sentido no relacionamento com outras cidades, porque efetivamente o atomismo é influenciado pelo imutabilismo eleático e pela física jônica.

Importante é a mencionada informação vinda de Aristóteles, que situa Leucipo em primeiro lugar, atribuindo a Demócrito a posição de companheiro, ou adepto (é como se pode traduzir (© J " Ã D @ H ). "Leucipo e seu companheiro (ou adepto) Demócrito..." (Metafísica, 985b 4).

Esta maneira muito simples de se referir aos atomistas, para a seguir tratar globalmente da doutrina atomista, significa a aceitação de que Leucipo não era figura insignificante.

Em mais lugares cita Aristóteles a ambos os atomistas, com alternância: "Leucipo e Demócrito..." (Da geração e corrupção 324, 35); "Demócrito e Leucipo..." (Ibidem, 314a 21). A mesma alternância se repete em Do céu. Simplício, comentador de Aristóteles, também conexiona a Leucipo com a

escola eleática. Em Clemente de Alexandria igualmente se encontra a informação que

relaciona Leucipo a Zenão, e com isso à escola eleática, mencionando inclusive a todos os seus representantes, desde o início:

"Xenófanes tem por ouvinte Parmênides, ao qual sucederam Zenão, depois Leucipo, depois Demócrito" (Strômata, 64).

Praticamente se sabe apenas isto da vida pessoal do fundador do atomismo, colocado em relacionamento, de um lado com a escola de Elea, e de outro com Demócrito de Ábdera, de quem teria sido companheiro mais velho.

697. Mégas diakosmos. Sobre as obras de Leucipo as informações são muito fragmentárias e mal documentadas.

Escreveu um livro, cujo título é retomado por Demócrito para um seu outro texto, o que fez confundir provavelmente as informações.

Tácio Aquiles (3-o. séc.) em seu Introdução aos ‘Fenômenos’ de Arato, I, 13 (Diels-Kranz 67 B 1) atribui a Demócrito livro com o título 9 X ( " H * 4 V 6 @ F : @ H (= Grande sistema cósmico, traduzível também por Grande ordem do mundo).

No Papiro Herculano 1788 (Diels-Kranz 67 B 1a) se acusa a Demócrito de haver plagiado a obra de Leucipo.

Com referência ao Grande sistema cósmico (= Mégas diákosmos), Teofrasto discorda de alguns autores e o atribui a Leucipo.

Sobre o espírito é citado por Aécio (I, 24, 4; DK 67 B 2), como obra de Leucipo, ao transcrever uma frase (Frag. 2).

Esta obra é interpretável como sendo apenas a citação de parte da primeira, ou seja , do 9 X ( " H * 4 V 6 @ F : @ H .

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§ 2. Doutrinas de Leucipo. 0335y699. 700. Atomismo. Em princípio todas as doutrinas pré-socráticas sobre a

natureza são de caráter atomista, porque se imaginam elementos iniciais, de que as coisas se formam por composição progressiva, ao mesmo tempo que podendo retornar aos elementos originários.

Entretanto o atomismo de Leucipo e Demócrito, inaugura um tratamento novo dado ao tema, que destaca nos elementos o seu caráter inicial insecável (– J @ : @ H , -@ < ). São os átomos partículas homogêneas quanto ao conteúdo, ficando a diversificação por conta da figura dos mesmos e dos arranjos atômicos.

Alguns dos aspectos do atomismo foram confirmados pela física moderna, e se citam neste sentido as descobertas de John Dalton (1766-1844), inglês criador da química atômica, e Amadeo Avogadro (1776-1856), físico e químico italiano, com trabalhos sobre o número de átomos e moléculas, sobretudo em massas gasosas.

O que entretanto o atomismo antigo esteve longe de prever foi a atuação das forças, que então se consideravam meramente mecânicas.

Além disto, o atomismo clássico supõe a existência do vácuo (6 , < ` < ) como um espaço simplesmente vazio. Isto não parece fazer sentido, sobretudo se através deste suposto vácuo, como hoje se acredita, atuam forças de atração e repulsão. Por isso, a transformação final do atomismo clássico deverá seguir para a efetiva substancialização do vácuo, fazendo-o um campo de forças e não apenas um vazio.

Mas ainda sobre o vácuo não sabemos com toda a precisão como o entendiam os atomistas, porquanto nos faltam informações. Por isso, não podemos reduzir o atomismo clássico ao atomismo ingênuo daqueles modernos que simplesmente equacionam a realidade como átomos no vazio absoluto.

701. O primeiro informante sobre o atomismo de Leucipo é Aristóteles, que o equaciona juntamente com Demócrito.

"Leucipo e Demócrito explicam todas as coisas por uma só maneira, por um princípio primeiro por natureza" (Geração e corrupção I. 8. 325 a 3 ss.).

Também se refere a ambos o texto de Metafísica I, 4. 985 b 4 - 20 em que se definem o átomo e o vazio, as mudanças pela mistura, as diferenças dos átomos pela sua forma ou figura, como A de N; pela ordem como AN de NA; pela posição, como N e Z (N é um Z deitado).

"Leucipo e seu companheiro (© J " Ã D @ H ) Demócrito tomam como elemento o pleno e o vazio, que eles chamam respectivamente o ser e não-ser. Destes princípios, o pleno e o sólido é o ente: o vazio e o raro, o não-ser (é porque, na sentido deles o não-ser não tem menos existência que o ser, o vazio não existindo menos que os corpos. Estas são as causas dos seres, no sentido de causa material.

E tal como aqueles que admitem a unidade da substância tomada como material engendram todas as outras coisas por meio de modificações desta substância, colocando o raro e o denso como princípios de modificação, estes filósofos pretendem que as diferenças nos elementos são as causas de todas as demais qualidades.

Estas diferenças são, segundo eles, somente em número de três: a figura, a ordem, a mudança. As diferenças do ser, dizem eles, não vêm senão da proporção (D L F : ` H ), do contato (* 4 " 2 4 ( Z ), do deslocamento (J D @ B Z ). Ora a proporção é a figura, o

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contato é a ordem, e o deslocamento é a posição. Assim A difere de N pela figura, AN de NA pela ordem, e Z de N pela posição.

Quanto ao problema do movimento: de onde e como os seres o possuem, estes filósofos o têm, como os outros, negligentemente passado em silêncio" (Metafísica, 985b 4-20).

Prenuncia-se aqui o moderno sistema dos elementos, até porque Demócrito usou a linguagem das letras.

"E como os corpos diferem pelas formas, e são infinitas as formas, dizem que também os corpos simples são infinitos" (Aristóteles, Do céu III, 4.303).

"Assim como Leucipo, também Demócrito, seu discípulo, dizia que o cheio e o vazio são os princípios, sendo um existente, e o outro não-existente. Pois os átomos são a matéria das coisas, e todo o resto se segue de suas diferenças. Estas são três: forma, movimento e ordem" (Simplício, Física, 28,15).

Ainda sobre o movimento, informou Aristóteles: "Alguns filósofos, como Leucipo e Platão, consideram que o ato é eterno,

porquanto afirmam que o movimento existe sempre. Não obstante, não explicam, nem a natureza do movimento e nem a causa do movimento eterno" (Metafísica XII, 6. 1071 b 32-33) (vd 710).

Em Cícero: "Ista enim flagitia, Democriti, sive etiam ante Leucipi, esse corpuscula

quaedam levia... (De deorum natura, I, 24, 66). 702. Diógenes Laércio informa sobre o pensamento de Leucipo,

primeiramente em geral, depois entrando em alguns detalhes sobre o atomismo, finalmente sobre sua cosmogonia e astronomia.

"Admitia a pluralidade absoluta dos seres e suas transformações recíprocas, e ainda a existência simultânea do vazio e do cheio no universo.

Os mundos, diz ele, são formados quando os átomos caem no vazio e ali se aglomeram. Estes corpos, acrescidos de sucessivas adições, formam os astros. O sol, colocado mais além da Lua, percorre um círculo maior.

A Terra, situada no centro, está sujeita a um movimento circular. Sua forma é a de um tambor.

Foi [Leucipo] o primeiro a estabelecer os átomos como princípios das coisas (B D ä J @ H J , • J @ : @ L H • D P V H ß B , D F J Z F " J @ ).

Estas é uma exposição geral de seus pontos de vista. Os detalhes são como seguem:

Ele declara que o todo é ilimitado, como já disse. Mas, o todo parte é cheio [matéria, átomos], parte é vazio [espaço]. Ambos estes elementos são infinitos, como também os mundos que produzem e que neles se resolvem.

Os mundos se formam desta maneira: Grande número de corpos separados do infinito e afetando todas as formas

possíveis, se movem na imensidade do vazio; de seu conjunto resulta um redemoinho único, de onde, arrastados circularmente, entrechocam uns com os outros e acabam por desfazer-se, de tal sorte, que se reúnem os que são semelhantes.

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Mas, como todas as partículas não podem, por causa de sua multiplicidade, seguir uniformemente o movimento do torvelinho, as mais ligeiras são lançadas para o vazio exterior.

As outras permanecem e, abraçadas no mesmo movimento, se enlaçam e formam uma espécie de contínuo, um primeiro conglomerado esférico, uma membrana que envolve corpos de toda espécie.

Depois, a continuidade do movimento circular, unida à resistência do núcleo central, faz que os corpos sejam levados incessantemente para o centro, chegando a ser cada vez menos densa a membrana exterior; uma vez no centro, permanecem unidos nele, e se forma a terra.

Por outra parte, se produz no espaço outro conglomerado que se acrescenta constantemente pela arribação de corpos exteriores e que, animado o mesmo de um movimento circular, arrasta e leva consigo tudo o que encontra.

Alguns dos corpos assim agrupados se reúnem, e formam compostos primeiramente úmidos e lamacentos; despejados seguidamente e arrastados pelo movimento universal do torvelinho circular, se inflamam e constituem as substâncias dos astros" (D. Laércio, IX, 33).

703. Astronomia de Leucipo. É possível considerar em separado de sua cosmogonia, a astronomia. Já inicialmente o texto de Diógenes Laércio coloca alguns elementos neste sentido:

"O sol, colocado mais além da Lua, percorre um círculo maior. A Terra, situada no centro, está sujeita a um movimento circular. Sua forma é

a de um tambor" (D. L., IX, 20 Prossegue o restante texto de D. Laércio: "A órbita do sol é a mais afastada, a da Lua é a mais próxima à Terra; entre os

dois estão as órbitas dos outros corpos celestes. Todas estrelas se inflamam por causa da rapidez do movimento; o calor do

Sol é ajudado também pelas outras estrelas; a Lua só é iluminada debilmente. O Sol e a Lua são eclipsados [quando... ] (uma provável lacuna do texto).

[ ... mas a obliquidade do círculo do Zodíaco é devida], à que a Terra está inclinada ao meio dia (Sul).

Às regiões árticas estão nevadas, são extremamente frias e geladas. Os eclipses do Sol são raros. A frequência dos da Lua se devem à desigualdades das órbitas destes astros.

A produção dos mundos, seu desenvolvimento e declínio se devem a certa necessidade, cuja natureza ele não especifica" (D. Laércio, IX, 31-33).

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ART. 2O - DEMÓCRITO DE ÁBDERA. 0335y705.

706. Introdução. As notícias sobre Demócrito o apresentam com uma das

mais representativas figuras do pensamento antigo. Emerge desde logo como mais importante que Leucipo, e de fato o foi.

Didaticamente: - Vida e obras (vd 708); - Doutrinas (vd 720). § 1. Vida e Obras. 0335y708. 709. Demócrito () 0 : ` 6 D 4 J @ H ) nasceu em Ábdera (norte da Grécia) (c.

460-370 a.C.- c. 370 a.C.). Mesmo que alguns o façam haver nascido em Mileto (Jônia, Ásia Menor), seu

lugar de atuação foi no meio abderitano, então muito ativo, resultância aliás do desenvolvimento macedônio recente.

"Demócrito, - filho de Hegesistrato, segundo outros de Atenócrito, ou ainda de Damasipo, - é de Ábdera; e conforme alguns, é de Mileto" (D. Laércio, IX,34).

710. Cronologicamente, a posição de Demócrito é clara, em vista de mais informações transmitidas por Diógenes Laércio:

"Quanto ao tempo, ele mesmo diz em Micro Diacosmos, que era jovem quando Anaxágoras era velho e que tinha 40 anos menos que ele. Nos dá a conhecer também que havia escrito seu Micro Diacosmos 737 anos depois da conquista de Tróia.

Apolodoro, na Crônicas, coloca seu nascimento na 80a Olimpíada. Trásilo, porém, em sua obra Preparação para a leitura dos escritos de Demócrito, o faz nascer no 3o ano da 77a Olimpíada, um ano antes que Sócrates. Segundo este cálculo, foi contemporâneo de Arquelau, discípulo de Anaxágoras e Enópidas aos quais cita em vários lugares de seus escritos" (D. L., IX, 41).

Quanto à data do nascimento de Demócrito, ela se fixa com facilidade. Tendo Demócrito 40 anos menos que Anaxágoras e, nascendo este na 77a olimpíada (500-497), infere-se que Demócrito nasceu pelo ano 460 a.C.

Foi Demócrito chamado por Aristóteles como o companheiro (© J " Ã D @ H ) de Leucipo (vd 696), num contexto que se deve entender como partidário das mesmas idéias, ainda que em idade estivessem distanciados de algumas décadas.

711. Com referência aos seus estudos e contatos de Demócrito, diz a informação de Diógenes Laércio:

"Conta Heródoto que, havendo Xerxes recebido hospitalidade em casa de seu pai, deixou nela magos e caldeus que foram os mestres de Demócrito. Deles aprendeu, sendo menino, teologia e astronomia; mais tarde recebeu lições de Leucipo e também, segundo alguns autores, de Anaxágoras, quarenta anos mais velho" (D. L., IX, 34).

Quanto a Xerxes (rei da Pérsia de 485-465 a.C.), logo de início invadiu a Grécia pelo norte e foi quando transitou pela Macedônia. Os magos e caldeus, que então teriam vindo com o rei, tomam contato com o meio científico de Ábdera. Este meio já era ativo e nele existiam elementos como o atomista Leucipo e o sofista Protágoras, este último mais jovem. Para que os magos fossem mestres do menino Demócrito, deverão ter

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permanecido na cidade, porquanto o nosso atomista ao tempo de Xerxes ainda não fora nascido.

Não obstante, Demócrito superou aos seus mestres, encaminhando-se para um monismo sistemático. Sobretudo não manteve o misticismo dos magos e nem o dualismo do bem e do mal da filosofia persa em geral, e que então se expandia no Ocidente sob a forma do orfismo e do pitagorismo. Desenvolveu o atomismo de Leucipo. Eliminou elementos racionalistas das homeomerias e do Nous, de Anaxágoras.

Deste poderia ter sido discípulo, mesmo para depois contrariá-lo: "Criticava seu si (de Anaxágoras) sobre a organização do mundo e sobre a

inteligência; enfim, tinha contra ele sentimentos hostis, porque o não admitira em suas conversações.

Como poderia pretender-se que fora seu discípulo?" (D. Laércio, citando Favorino, IX,35).

712. Tomou seus haveres e se foi viajar. "Tinha dois irmãos maiores, com os quais compartilhou a herança paterna. A

maior parte dos autores estão conformes em reconhecer que ele tomou dinheiro para cobrir os gastos de suas viagens, porém que só se reservou uma pequena parte de sua herança, o que não o garantiu, contudo, contra as suspeitas de seus irmãos maiores. Pretende Demétrio que sua parte se elevava a mais de cem talentos e que os gastou inteiramente" (D. L., IX, 35-36).

Suas viagens teriam alcançado a Pérsia, o Egito. A possibilidade de ir tão longe acontecia porque a este tempo uma parte do mundo grego (a Jônia) já se encontrava integrada ao mundo persa, o mesmo acontecendo com o Egito anteriormente conquistado por Cambises e desde muito antes aberto aos gregos. Mais difícil talvez fosse haver ido até a Índia.

"Demétrio, nos Homônimos, e Antístenes, nas Sucessões, asseguravam que viajou ao Egito para aprender Geometria com os sacerdotes e que foi também às nações dos Caldeus e dos Persas, e até o mar Vermelho. Alguns autores são de parecer que também manteve conversações com os gimnosofistas da Índia e que percorreu a Etiópia (D. L., IX, 35).

Em Atenas, onde também esteve, não estabeleceu relações. Parece haver assim acontecido em vista de serem suas preocupações pessoais a filosofia da natureza, ao passo que a dos atenienses a sofística e a política. Observe-se que já ali estivera Anaxágoras, de 460 a 430 a. C. (tempo de Péricles), sendo forçado a abandonar a cidade por causa de suas idéias avançadas sobre a natureza e os deuses.

Não teve contato com Sócrates, ao que parece, do qual não apresenta qualquer influência. Mesmo mais tarde, não parece que Platão o conhecesse com profundidade, pois jamais o cita pelo nome em qualquer dos seus diálogos.

Apenas ao tempo de Aristóteles o atomismo será objeto de discussão, em Atenas. "Conta também Demétrio que foi a Atenas e que, pouco cuidadoso da glória, não intentou dar-se a conhecer; ele conheceu a Sócrates, porém sem ser conhecido por este:

"Vindo a Atenas, - disse, - ninguém me conheceu" (D. L., IX,36). "Demétrio de Falera diz na Apologia de Sócrates que ele não veio jamais a

Atenas. Se assim for, o desdém que mostra por tal cidade, deve fazê-lo aparecer-nos maior

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todavia; porque, em vez de dever sua glória ao lugar que habitava, preferia enobrecê-lo com sua presença" (D. L., IX, 37).

713. Retornou finalmente Demócrito à cidade natal. Para um homem de ciência, não fora sem sentido manter-se ali, porquanto em Ábdera se desenvolvia, desde Leucipo, uma sociedade de avançado saber. Agora, ele mesmo, seria um dos seus mais representativos mestres.

Não restam dados para determinar quando teria ocorrido o retorno de Demócrito à sua cidade natal de Ábdera. Poderia ter acontecido antes de sua plena maturidade, por conseguinte pela volta de 420 a.C.

Os longos anos que depois viveu, lhe deram tempo para criar um grande número de tratados. Estes demonstram que devia haver em Ábdera uma escola, para os quais serviam.

Paralelamente atuava em Atenas, ainda por algum tempo, Sócrates (falecido em 399 a. C.). Platão criaria em 387 a. C.) a Academia, portanto, ainda em vida de Demócrito, cuja longevidade o levará até o ano 370 a. C.

714. Perfil do sábio de Ábdera. Pelos seus hábitos de recolhimento, solidão e estudiosidade , o filósofo atomista Demócrito despertou a admiração dos seus contemporâneos:

"Antístenes no-lo mostra na soledade e retirado entre as tumbas, a fim de poder meditar desembaraçadamente e exercitar livremente sua inteligência. Segundo o mesmo autor, gastou toda sua fortuna em viagens e regressou em completa nudez, tanto que seu irmão Dámaso se viu obrigado a mantê-lo.

Haver feito uma predição, que o cumprimento confirmou, lhe valeu porém o título de divino.

Sabendo, disse Antístenes, que uma lei proibia enterrar em sua pátria àquele que houvesse gasto seu patrimônio, e, não querendo dar razão aos invejosos e caluniadores, leu [Demócrito] a seus concidadãos seu Megas Diacosmos, sem dúvida a melhor de todas as suas obras. Foi tal o entusiasmo que, não contentes com um obséquio de 500 talentos, lhe levantaram estátuas.

Quando morreu, foi enterrado a expensas do público. Havia vivido cerca de cem anos" (D. L., IX,38-39).

Outros informes falam em morte aos 109 anos (D.L., IX,43). Acredita-se que teve alguns contatos com Hipócrates (469-399 a.C.) médico

com atuação em Atenas e que por último viveu em Larrisa, da Tessália. Suas observações físicas e fisiológicas terão aproveitado muito a Demócrito, exatamente seu contemporâneo.

"Conta Atenodoro, no livro VIII de seus Passeios, que tendo sido procurado por Hipócrates, mandou-lhe Demócrito trazer leite e que, ao vê-lo declarou que aquele leite procedia de uma cabra negra que não houvera parido não mais que uma vez. Isto fez Hipócrates admirar-se de sua aguçada penetração.

Hipócrates havia levado consigo uma jovem; no primeiro dia lhe disse Demócrito, - Salve Jovem! No dia seguinte, porém, disse, - Salve, jovem mulher! Ela havia efetivamente coabitado naquela noite" (D. L., IX, 42).

As relações entre Demócrito e Hipócrates deram lugar a uma correspondência, hoje considerada apócrifa.

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715. O silêncio absoluto de Platão sobre Demócrito, seu laborioso contemporâneo, já era comentado na antiguidade, porquanto é difícil entendê-lo, visto que aquele atomista era mais velho 30 anos e possuía uma obra, mais antiga que a dele e certamente mais erudita sobre o estudo da natureza.

Relata Diógenes Laércio: "Aristoxeno, em seus Comentários históricos, que Platão desejou queimar

todos os escritos de Demócrito que ele pôde coletar, mas que os pitagóricos Amiclas e Clínias o impediram, dizendo que não era vantagem fazê-lo, porque os livros já se achavam muito difundidos.

Este relato se confirma no fato segundo o qual Platão, que menciona quase todos os filósofos antigos, nenhuma alusão faz a Demócrito, nem mesmo onde fora necessário combatê-lo, obviamente porque sabia ter contra si o melhor dos filósofos de quem Timon fez o seguinte elogio:

Tal é o sábio Demócrito, guardião do discurso, hábil disputador, o melhor dentre os que li" (D. L., IX, 40).

Referiu-se Platão várias vezes ao materialismo (Sofista, 246 a; Teeteto 155 e; Fedon, 79ss.), mas sem que isto se fizesse referir especialmente ao atomismo.

Hoje mostram-se alguns sinais de Demócrito na ética e na metafísica de Platão.

Na ética de Platão os sinais de Demócrito foram apontados primeiramente por R. Hirzel (Untersuchung zu Ciceros philos. Schriften, I, 141 ss), em Filebo (43 ss) e em Republica (583 ss).

Referências metafísicas, quer positivas, quer negativas, se pode acreditar haver em Filebo (28 ss) e referências físicas em Timeu, em conexão com o anterior.

É difícil acreditar que Platão se omitisse por um eventual ódio a Demócrito, de sorte se ter de dar como invenção a história relatada por Aristoxeno e retransmitida por Diógenes Laércio, sobre a intenção de queimar os livros do grande abderita.

Entretanto não basta como esclarecimento, que os temas de Platão fossem humanos, enquanto que os de Demócrito físicos. Não poderia Platão se ter omitido de abordar sem motivo o atomismo em Sofista e em Parmênides, porquanto estes diálogos se propuseram tratar do ser, do uno e do múltiplo.

De outra parte, fora Demócrito um pensador enciclopédico, não se havendo restringido apenas ao mundo físico.

Poderia haver acontecido que ao tempo de Platão ainda não houvesse uma atenção maior para o que em geral acontecia em Ábdera. Esta alegação é um começo de explicação para o silêncio de Platão sobre Demócrito, mas não explica tudo.

716. Obras. Muito escreveu Demócrito. Ultrapassa o número dos seus títulos aos de Platão.

Usou Demócrito o método didático, de sorte a ter dito talvez muito mais em seus textos, do que Platão no seu estilo dialogal. De outra parte, porém, o caráter literário do texto de Platão contribuiu para a conservação dos seus livros.

Ainda que se houvessem perdido todas as obras de Demócrito, esta perda só foi acontecer alguns séculos depois. Infere-se, por conseguinte, que várias gerações

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aprenderam nos livros do sábio de Ábdera. A prova disto está no fato de que restaram mais de 300 fragmentos, cerca de 15 páginas de texto, em autores que citaram a Demócrito.

Pouco se pode decidir hoje sobre a autenticidade de cada título atribuído a Demócrito, porquanto já não restam os livros para um exame direto.

Mas, todos pertencem ao círculo do atomismo, e que Demócrito comandava (vd 702).

Com rigor, pode-se tomar como certamente autênticas as obras seguintes: Pequeno sistema cósmico (9 4 6 D Î H * 4 V 6 @ F : @ H ); Sobre a paz interior (A , D Â , Û 2 4 : \ " H ). Com referência ao título 9 X ( " H * 4 V 6 @ F : @ H (= Grande sistema

cósmico, traduzível também por Grande ordem do mundo), Teofrasto, que é um informante mais antigo, discorda de alguns autores e o atribui a Leucipo (vd 697). Esta discordância de Teofrasto foi anotada por Diógenes Laércio, no curso mesmo da lista que apresentou das obras de Demócrito (IX, 46).

Os fragmentos éticos, que haviam sido postos em dúvida, foram restabelecidos em sua autenticidade e importância por Paul Natorp (Die Ethik des Demokritos, Marburgo, 1893).

717. O ordenamento em 15 tetralogias. A grande lista das obras de Demócrito, que chegou até nós através de Diógenes Laércio (IX, 47), foi ordenada pelo gramático romano Trásilo, ao tempo do Imperador Tibério (14-37), quando ainda a podia verificar sobre os livros subsistentes. À semelhança do que o mesmo Trásilo já fizera com os livros de Platão, distribuiu as obras de Demócrito em 15 tetralogias, além da disposição em 4 classes.

A tradução dos títulos é muitas vezes aproximativa, por causa da alteração semântica dos termos gregos. Em alguns casos precisaríamos o conteúdo das obras desaparecidas para decidir sobre o contexto de seus títulos. Para assegurar a separação dos títulos, colocamos ponto após cada um deles, e damos início com linha nova e hífen ao título imediato.

"Trásilo deixou um catálogo metódico de suas obras, ordenando-as como as de Platão quatro classes (6 " J J , J D " 8 @ ( \ " < ).

AS OBRAS ÉTICAS são as seguintes: I. - Pitágoras. - Disposição do Sábio. - Dos Infernos. - Tritogenia (assim denominada porque dela, Minerva, procedem três coisas,

nas quais se resume todo o homem, raciocinar bem, expressar bem o pensamento e obrar bem).

II. - Da probidade ou da virtude. - O corno de Amaltea (Cornucópia da Abundância). - Sobre a paz interior (A , D Â , Û 2 4 : \ " H ). - Comentários morais: a obra sobre O bem estar não mais se encontra. Tais foram as obras éticas.

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AS OBRAS FÍSICAS são as seguintes: III . - Grande organização do mundo (que a escola de Teofrasto atribui a

Leucipo). - Pequeno sistema cósmico (9 4 6 D Î H * 4 V 6 @ F : @ H ); - Descrição do mundo (5 @ F : @ ( D " N \ 0 ). - Sobre os planetas. IV. - Da natureza, primeiro tratado. - Da natureza do homem (ou da carne), dois livros. - Da inteligência. - Dos sentidos (alguns editores reúnem as duas últimas obras sob o título de

Tratado da alma). V. - Dos humores. - Das cores. - Das diferentes figuras. Da mutação das figuras; VI. - Confirmações (complemento das obras precedentes). - Das imagens ou das previsões. - Da lógica, ou critérios do pensamento, em 3 livros. - Problemas. Tais foram as obras sobre a física. Não classificadas: - Causas dos fenômenos celestes. - Das pestes ou das enfermidades pestilenciais, 3 livros; - Causas dos fenômenos do ar. - Causas da face terrestre. - Causas do fogo e das coisas ao fogo. - Causas referentes ao som. - Causas relativas aos germes, às plantas e às frutas. - Causas relativas aos animais, em 3 livros. - Causas diversas [ou Miscelânea de causas]. - A respeito do magnete. Estas obras não foram classificadas. AS OBRAS MATEMÁTICAS são as seguintes: VII. - Da diferença em um ângulo, ou da tangência do círculo e da esfera. - Sobre a geometria. - Geométrica [ou Das coisas da geometria]. - Dos números. VIII. - Das linhas incomensuráveis e dos sólidos;

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- Explicações [Extensões, projeções]. - Calendário ou Tábua astronômica; - Discussão sobre a clepsidra [relógio de água]. IX. - Uranografia [Descrição do céu]. - Geografia. - Descrição do Polo. - Actinografia [Descrição dos raios da luz). Estas foram as obras de matemática. AS OBRAS DE MÚSICA [literárias e musicais ] são as seguintes: X. - Sobre o ritmo e da harmonia. - Sobre a poesia. - Da beleza dos versos. - Das letras eufônicas e cacofônicas [bem ou mal sonantes]. XI. - Sobre Homero, ou da boa pronúncia e dos dialetos. - Do Canto. - Dos Nomes. Estas foram as obras sobre música e poesia. AS OBRAS SOBRE AS ARTES são as seguintes: XII. - Prognósticos. - Sobre a dieta e a dietética. - Diagnóstico médico. - Causas favoráveis e desfavoráveis. XIII. - Da Agricultura, ou agrimensura. - Da Pintura. - Tratado sobre a Tática, e - Sobre a arte militar. Tais foram suas obras. Alguns autores incluem à suas obras, títulos em separado, tomados às suas

notas: - Sobre os escritos sagrados de Babilônia. - Sobre os [escritos sagrados] em Meroe. - Uma viagem em torno do Oceano. - Sobre [o reto uso da] a história.. - Um tratado caldeu. - Um tratado frígio. - Da febre e daqueles cuja doença os faz tossir. - Dos selos. - Problemas.

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Atribuem-se-lhe ainda outros tratados; estes são porém, ou extraídos de seus livros, ou obras evidentemente não genuínas.

Estes foram os livros que ele escreveu e seu número" (D. Laércio, IX, 45-49). 702. Diante da lista de obras de Demócrito, apresentada por Trásilo e

retransmitida por Diógenes Laércio, tem-se a viva sensação de se estar diante de um grande corpus de escritos, sem precedentes até ao tempo de seu autor, cobrindo praticamente todos os assuntos naturais, com a respectiva ponderação filosófica.

Ainda que se queira atribuir a grande lista de obras mencionada à escola de Ábdera, operando pelo mestres, o mentor de toda esta criação terá sido aquele que acima de tudo criou o movimento. Foi a ele, o mestre inteligente e de longa vida, Demócrito, a quem finalmente foi atribuído o mérito de todo o conjunto.

É evidente que alguns tratados deverão ter sido de Leucipo, como diz claramente Teofrasto a respeito de Grande organização do mundo. E outras deveriam ter sido preparados pelos demais professores.

A escola de Ábdera tem continuidade após a morte de seu grande representante Demócrito, alcançando os tempos de Aristóteles e Epicuro. Seus grandes continuadores foram Metrodoro de Quios (vd 732), Anaxarco (vd 734), Nausífanes (vd 735) e outros.

§ 2. Doutrinas de Demócrito. 0335y720. 721. O atomismo é o destaque principal de Demócrito. Para apreendê-lo

adequadamente precisamos atender em separado primeiramente à natureza dos átomos e do vazio; depois, ao peso, divisão e movimento dos átomos; por último, às misturas resultantes.

Esta distribuição se fará apenas na medida do possível, porque os textos não o permitem por vezes. Tomado o atomismo de Demócrito ao de Leucipo, embora acrescido de inovações, impossível expô-lo sem alguma repetitividade, porque algumas das informações não distinguem o que foi de um, e o que de outro.

Apesar de haver frequentado aos magos e logosofistas, bem como aos demais filósofos jônicos, Demócrito se livra de influencias misticistas e antropomórficas, desenvolvendo um materialismo puramente mecanicista. Somente há o pleno e o vazio, movimentando-se os átomos no espaço constituído pelo vazio.

Diógenes Laércio diz em seu informe sobre o atomismo de Demócrito: "Opinou o seguinte: o princípio de todas as coisas são os átomos e o vazio (•

D P H , É < " 4 J ä < Ô 8 T < • J ` : @ L H 6 " Ã 6 , < ` < ); tudo o mais é opinião (J J * – 8 8 " B V < J " < , < @ : \ F 2 " 4 ).

Os cosmos [ou mundos]são ilimitados; surgem e se decompõem. Nada pode vir à existência a partir do não existente; nada do que é, passa ao que não existe. E os átomos são ilimitados em tamanho e multidão (6 " Ã J H • J ` : @ L H • B , \ D @ L H J , , É < " 4 6 " J : X ( , 2 @ H 6 " Â B 8 2 @ H ).

Movem-se em vórtice em todo o universo, e geram todas as coisas compostas - fogo, água, ar, terra; pois todas estas coisas são conglomerados de átomos, sendo estas pela sua solidez impassíveis e inalteráveis.

O sol e a lua são compostas de tais polidas e esféricas massas, e assim também a alma, a qual, ele diz, ser idêntica com a razão.

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Nós vemos em virtude do impacto das imagens (, Æ * f 8 T < ) sobre nossos olhos.

Todas as coisas acontecem pela força da necessidade, sendo o vórtice a causa da criação de todas as coisas, e isto ele chama necessidade.

O final da ação é a tranquilidade, que não é idêntica com o prazer, como uma falsa interpretação entendeu, mas um estado em que a alma se encontra continuamente calma e firme, sem ser perturbada por qualquer superstição ou qualquer emoção. Isto ele chama de bem-estar e com vários outros nomes.

As qualidades das coisas existem por convenção; na natureza não há senão átomos e vazio. Tais são suas opiniões" (D. Laércio, IX, 44-45).

Aristóteles, que por primeiro se ocupou amplamente de Demócrito, quase sempre o cita juntamente com Leucipo, razão porque se torna repetitivo se fizermos um estudo em separado sobre ambos. Seja o seguinte texto, em que se define o átomo e depois também o vazio:

"Leucipo e Demócrito explicam todas as coisas por uma só maneira, por um princípio primeiro por natureza...", em Geração e corrupção I.8. 325 a 3 ss.

Também se refere Aristóteles a ambos os atomistas conjuntamente, em Metafísica I, 4. 985 b 4 - 20 (vd 701 texto completo), onde se destaca o seguinte sobre como se dão as diferenças das coisas:

" Segundo eles, estas diferenças são somente em número de três: a figura, a ordem, o deslocamento. As diferenças do ser, dizem eles, não vêm senão da proporção (D L F : ` H ), do contato (* 4 " 2 4 ( Z ), do deslocamento (J D @ B Z ). Ora a proporção é a figura (Æ * X " ) , o contato é a ordem (J V > 4 H ), e o deslocamento é a posição (2 X F 4 H ). Assim A difere de N pela figura, AN de NA pela ordem, e Z de N pela posição [N é um Z deitado]" (Arist., Metaf'. 985b 15).

Prenuncia-se aqui o moderno sistema dos elementos, até porque Demócrito usou a linguagem das letras.

Anota-se o uso da palavra idéia no sentido de figura ou forma, para um aspecto concreto da coisa, ou seja, do átomo. Este uso da palavra ocorre também em Anaxágoras, finalmente porque Platão podia falar em idéias reais, situadas no transcendente e que vão tornar-se as formas modelares das coisas contingentes.

Um dos livros de Demócrito se intitula Sobre as formas (A , D Â Æ * , ä < ), anotado por Sexto Empírico, Contra os matemáticos VII, 137) e que se deve referir às formas dos átomos.

722. Pertencem ao vocabulário técnico de Demócrito as palavras do texto citado e que dizem proporção, contato e deslocamento (D L F : ` H , * 4 " 2 4 ( Z , J D @ B Z ), de que resultam as diferenças dos seres, a que se refere o texto mencionado de Aristóteles e de seus comentadores (Ascl. 33,26).

Sobre a natureza dos átomos ainda informou Aristóteles: "Em geral, admitir como um princípio de explicação suficiente o fato, de que

algo é e acontece sempre assim, não é fazer uma suposição correta. Contudo, a isto reduz Demócrito as causas naturais: porque assim aconteceu anteriormente; e não crê dever procurar o princípio deste sempre; tem ele razão em tal ou tal caso, mas não se trata de todos. Com efeito, no triângulo, os seus ângulos são sempre iguais a dois retos, mas a causa de tal

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eternidade é outra; os princípios, contudo, não têm, além de próprios, outra causa de sua eternidade" (Aristóteles, Física VIII, 1.262 a).

"E como os corpos diferem pelas formas, e são infinitas as formas, dizem que também os corpos simples são infinitos" (Aristóteles, Do céu III, 4.303).

Simplício, ao comentar um texto de Aristóteles, expôs com detalhes a doutrina de Demócrito sobre os átomos:

"Poucas notas marginais da obra de Aristóteles De Demócrito mostrarão a opinião destes homens.

Demócrito julga que a natureza das coisas eternas são pequenas substâncias infinitas e em grande quantidade.

Para estas admite um outro lugar infinito em grandeza. E chama ao lugar com estes nomes vazio, nada, infinito, e à cada uma das substâncias como os nomes algo, sólido, ser.

E julga que as substâncias são tão pequenas que fogem às nossas percepções. E lhes são inerentes formas de toda espécie, figuras de toda espécie, e diferenças em grandeza.

Destas, pois, como de elementos, [Demócrito] engendra e combina todos os volumes visíveis e perceptíveis. E estas substâncias se agitam e são arrebatadas no vazio por causa da dissemelhança e das outras diferenças mencionadas; e, arrebatadas, tombam e se enlaçam num entrelaçamento tal, que faz com que elas se toquem e estejam próximas umas das outras, e são todavia uma só natureza a partir delas verdadeiramente. Elas não engendram qualquer uma, pois é deveras ingênuo que o duplo ou múltiplo se tornem um.

E a causa de se coordenarem as substâncias umas com as outras até certo ponto, ele [Demócrito] atribui aos ajustes e correspondências dos corpos. Pois alguns deles são oblíquos, outros em forma de anzol, oco, curvos, e mais outros de inúmeras diferenças.

Julga, portanto, que se mantêm a si mesmas e se coordenam até que alguma mais forte por uma necessidade surgindo do ambiente as agite e disperse. E afirma que a geração e a separação que lhe é contrária se processam não apenas com animais mas também com plantas, com mundos e, em suma com todos os corpos sensíveis. Se, efetivamente, a geração é uma combinação dos átomos, a concepção é uma separação, e, conforme Demócrito, a geração seria uma alteração" (Simplício, Do céu, p.294,33 Heib.).

"Assim como Leucipo, também Demócrito, seu discípulo, dizia que o cheio e o vazio são os princípios, sendo um existente, e o outro não-existente. Pois os átomos são a matéria das coisas, e todo o resto se segue de suas diferenças. Estas são três: forma, movimento e ordem" (Simplício, Física, 28,15).

Também Aécio se ocupa da natureza dos átomos: "Os princípios são o cheio e o vazio" (Aécio I,3,16). "Os átomos têm grandeza e forma, às quais Epicuro acrescenta o peso, porque

os corpos, dizia, ele, movem-se pela ação do peso" (Aécio I,3,18). "Os átomos não são divisíveis, e não há divisão até o ilimitado" (Aécio

I,16,2). 723. O vazio (ou vácuo), como parte do todo, e dentro do qual se move o

átomo, constitui a originalidade principal do sistema atomista e, ao mesmo tempo, seu lado

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frágil. A fim de ser compreendido como um espaço, o vazio é algo; ainda que seja descrito como um não-ser, o atomismo não está dizendo, que ele seja um nada simplesmente.

Com referência ao espaço, também não parece possível conceituá-lo senão como fazendo parte integrante do próprio corpo do átomo. O espaço pertence ao corpo em si mesmo; cada corpo carrega consigo o seu espaço; o corpo é seu espaço e não existe outro espaço que este do corpo, de tal maneira que, aniquilado o corpo, com ele se aniquila o espaço; sendo o espaço uma determinação do mesmo corpo, somente se pode conceber a separação de corpo e espaço mediante uma abstração mental e a imaginação, criando então o assim chamado espaço imaginário, e dito também espaço matemático.

A concepção do espaço como determinação do corpo substancial será desenvolvida por Aristóteles; ele também conceberá assim o tempo, que portanto se confunde com a mesma permanência ou duração do existir, do ser. Assim espaço e tempo se unem, conforme figurativamente se diz que são terceira e quarta dimensão das cosias. Há, pois, uma oposição manifesta e radical entre o atomismo de Leucipo e Demócrito, de um lado, e a concepção aristotélica de corpo.

Certamente a tese de Aristóteles apresenta muitas dificuldades para explicar o movimento, porquanto os corpos, ao se movimentarem, como que deverão carregar consigo o seu espaço. Entretanto, o que importa aqui destacar é a origem de uma discussão, que teve começo com os atomistas, por sua vez influenciados pelo eleaticismo, do qual entretanto discordavam no que se refere ao vazio. Todavia o problema não recebeu tratamento mais profundo, ou pelo menos não restaram notícias claras a respeito.

Plutarco fez uma referência ao nada dos atomistas: "Colotes diz contra Demócrito que ele, afirmando que cada uma das coisas

não é mais assim do que assim, confunde a vida. Mas Demócrito está tão longe de pensar, que cada uma das coisas não é mais assim do que assim, confunde a vida. Mas Demócrito está tão longe de

pensar que cada uma das coisas não é mais assim, que lutou contra Protágoras, autor de tal afirmação; e contra ele escreveu obras numerosas e convincentes. Não tendo conhecimento dessas obras nem em sonho, Colotes errou sobre o enunciado do homem (isto é, de Demócrito), no qual há uma definição: o ada não existe mais que o nada, chamando de ada o corpo e de nada o vazio, já que este também é uma certa natureza e substância própria" (Plutarco, Contra Colotes 4, p.1108 F.).

O atomismo de Descartes excluiu o vácuo. Depois, Newton voltou ao espaço físico vazio.

O que a teoria atômica denomina vácuo não pode ser necessariamente um vazio. O mais que poderá dizer é que nada detecta ali. Hoje já não pode dizer que pelo suposto vácuo atuam forças da gravidade.

724. Peso e dureza. O atomismo clássico relacionou com o vazio o peso e a dureza. Uma vez considerados compostos de muitos átomos. Imaginou que, havendo mais corpúsculos neste vazio, o todo se torna mais pesado e duro; havendo menos, e sendo então em maior número os espaços vazios, o corpo também se apresenta mais leve e mole.

Surge aqui uma teoria, que tem o mérito de avançar uma explicação para fenômenos físicos importantes. Mas ainda estabelece que o corpúsculo individualmente maior, também é de maior peso.

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A informação veio através de Aristóteles: "Na verdade diz Demócrito que cada um dos elementos indivisíveis é tanto

mais pesado quanto maior" (Da geração e corrupção I,8. 326 a 9). Com referência aos espaços menos e mais vazios a influenciarem o peso,

contestou Aristóteles a teoria, ao mesmo tempo que deu esta informação: "Para os que dizem sólidos os primeiros elementos é mais admissível que o

maior é o mais pesado deles. E dos compostos, já que cada um deles não parece assim, mas ao contrário observamos que muitos, menores em volume, são mais pesados, como por exemplo, o bronze em relação ao algodão, alguns afirmam e julgam que a causa é outra.

Pois dizem que o vazio, encerrado nos corpos, torna-os mais leves, e faz com que os maiores apresentem menos peso; pois têm maior número de vácuos. Falam, portanto deste modo, mas é preciso acrescentar aos que assim discorrem, que um corpo, quando mais leve, não apenas tem mais espaços vazios, mas também é menos sólido; pois, se o sólido exceder a proporção do vazio, o corpo não será mais leve. Por isso, dizem que o fogo é o mais leve dos corpos, por ser o mais vazio.

Poderá acontecer, por conseguinte, que uma grande quantidade de ouro, com maior número de vazios do que uma pequena quantidade de fogo, seja mais leve, se não tiver o sólido tantas vezes mais. E sendo a matéria uma oposição, como os que a fazem vazia e plena, não será possível saber por que causa os intermediários entre os absolutamente pesados e os absolutamente leves são mais pesados e mais leves em relação uns aos outros e em relação aos simples.

O definir por grandeza e por pequenez se parece mais com uma ficção do que as definições anteriores. Nem há nada absolutamente leve nem absolutamente em ascensão senão por consequência ou por impulso e muitas coisas pequenas são mais pesadas que poucas grandes" (Do céu, IV, 2. 309a 1 ss.).

Continua ainda hoje coisa mal esclarecida o que seja a propriedade do peso, ou gravidade, dos corpos.

Sobre a questão informou também Teofrasto, referindo-se ao mesmo tempo ao pesado e leve, duro e mole:

"Quantos aos corpos compostos, o mais leve assim é por conter mais vácuo, o mais pesado menos. Semelhantemente diz do duro e do mole; duro é o denso, mole o rarefeito, com variação na proporção.

Também diferem a posição e a distribuição dos vazios, no duro e no mole, no pesado e ao leve. Por este modo, o ferro é mais duro e o chumbo mais pesado; o ferro tem contextura desigual, mais vazios e mais estes mais consideráveis... o chumbo menos vazios, e contextura mais uniforme" (Teofrasto, Dos sentidos 61-62).

725. A divisibilidade ou não divisibilidade do ser é uma questão que opõe fundamentalmente eleatas (Xenófanes, Parmênides, Zenão) e neo-eleatas (Empédocles, Anaxágoras, atomistas).

Para Leucipo e Demócrito o vácuo entre as partículas faculta a divisão do ser em átomos. Seria mesmo possível esta divisão do ser?

Depois Aristóteles distinguirá entre a divisão por abstração, como na matemática, a qual poderá ser conduzida ao infinito, e a divisão em partes efetivas, que, segundo ele, não vai além de certo nível de grandezas. Discutiu a questão citando Demócrito.

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"Ao que parece, Demócrito persuadiu-se com argumentos próprios da Física, conforme passamos a esclarecer. Pois há dificuldade em admitir esta possibilidade, se se puser um corpo, uma grandeza de todo divisível. Pois que será o que escapa à divisão? Se o corpo fosse de todo divisível, e isso fosse possível, resultaria que, ao mesmo tempo, poderia ser dividido inteiramente, sem que efetivamente não chegue a ser dividido. Nesta hipótese, o nada seria impossível. Assim também aconteceria se sujeitássemos a metade à divisão em relação à metade..." (Da geração e corrupção, I,2. 316a 13 ss).

Continua Aristóteles examinando longamente as mais diversas alternativas, mostrando que, se a grandeza fosse divisível ao infinito, ao ponto da sem-grandeza, dever-se-ia admitir que, a grandeza se compõe do que não tem grandeza, - o que é impossível. "Logo é impossível à grandeza constitui-se de pontos. É necessário que haja corpos e grandezas indivisíveis" (Idem).

710. O movimento. No contexto do atomismo apresenta-se difícil esclarecer a origem do movimento. Foi entretanto um dos objetivo do atomismo esclarecer o movimento, ainda que tenha sido explicado de maneira bastante simplista.

Afirmado o movimento por Heráclito, pela conversão do ser em um geral vir à ser, e negado pelos eleatas, como impossível ao conceito mesmo de ser, é agora readmitido pelos atomistas. Ainda que os átomos em si mesmos fossem considerados imutáveis, sempre atuais, são ditos contudo como se movendo no vácuo.

Este movimento se daria sem implicar em uma alteração do mesmo átomo, e de outra parte o vácuo não é parte do mesmos átomo.

"Diz Demócrito que os átomos são imóveis por natureza, movendo-se tão só por um impulso" (Simplício, Física 42,10).

Aristóteles, ao abordar a questão do movimento, diz que os atomistas não explicam a origem do movimento. Não apelou Demócrito a uma alma, definida como capacidade de se mover por si (Pitágoras, Platão); nem a uma entidade superior, que se chamasse Inteligência (Anaxágoras), ou como Primeiro Motor Imóvel (Aristóteles).

Mas informou Aristóteles que os atomistas atribuíam a origem do movimento local ao efeito do peso em direção do vácuo. Efetivamente, a possibilidade de se moverem os átomos, não quer dizer ainda que de fato se movam. Se um átomo entra a mover-se por ter sido chocado por outro, - de onde este outro recebeu por sua vez o movimento?

"Afirmam que o movimento se dá por causa do vazio; para este se deslocam os corpos naturais e elementares ao modo de movimento local; porque o movimento devido ao vazio é um transporte, como em um lugar. Os movimentos não pertencem aos corpos elementares. Eles se movimentam localmente pelos peso havido neles, por causa do vazio que cede lugar. e não resiste. Pois são agitados em círculo. Estes movimentos são os primeiros, e únicos. Afirmam que os corpos crescem e se desfazem, mudam e perecem por causa da combinação e separação dos elementos insecáveis" (Física VIII, 9. 265 b 24 ss).

"... tudo acontece pelo destino, trazendo este destino consigo a força da necessidade. Esta opinião defendiam Demócrito, Heráclito, Empédocles e outros" (Cícero, De Fato 17,39).

"Leucipo e Demócrito dizem que os átomos se movem chocando-se uns com os outros, e se repelindo mutuamente. Entretanto, nada dizem sobre onde está o princípio do

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movimento atribuído à natureza. Ora, sendo recebido o movimento por força de um choque, é posterior ao que é natural" (Alexandre, Metafísica I, 47).

"Demócrito tinha a opinião de que os átomos se movem eternamente em um espaço vazio. Há inumeráveis mundos, que se distinguem pelo seu tamanho" (Hipólito I, 13,2).

Um texto de Aristóteles, que se refere a Leucipo e Platão, curiosamente não inclui o de Demócrito, mas que talvez possa incluir-se:

"Alguns filósofos, como Leucipo e Platão, consideram que o ato é eterno, porquanto afirmam que o movimento existe sempre. Não obstante, não explicam, nem a natureza do movimento e nem a causa do movimento eterno" (Metafísica XII, 6. 1071 b 32-33).

711. Advertiu ainda Aristóteles que no espaço infinito o "para cima" (– < T ) e o "para baixo" (6 V J T ) do movimento não tem significado (Metaf. 985 b 20) e que no váculo não há efetivamente diferença de velocidades na queda dos corpos (Física IV,8).

Entretanto, para compreender a linguagem usada por Demócrito, precisa-se ter em conta sua concepção cosmogônica; é possível que movimento para cima e para baixo signifique apenas a oposição entre direção centrífuga da terra, que sensivelmente é o movimento para cima, e direção centrípeta, que é o movimento para baixo (Windelband, H. da Filosofia antiga, n.32, p.163).

A velocidade e gravidade estão em função ao tamanho. Quanto aos compostos (: 4 6 J ) são mais pesados ou mais leves segundo a quantidade de vazio contida; hoje sabemos que esta é só uma questão de porosidade (nos casos comuns) ou de peso específico, mas que no vácuo caem em igual velocidade.

Diz ainda o velho atomismo que os átomos toscos se movimentam com maior dificuldade; no torvelinho se orientam para o centro, ao passo que os menores e ágeis são expulsos para a periferia.

712. O determinismo das forças físicas, sobretudo do movimento mecânico, sem qualquer finalismo, ou teleologia, é uma das mais significativas características do sistema de Demócrito, e talvez por isso não viesse a ser aceito em Atenas, e olvidado propositadamente por Platão. A necessidade (• < V ( 6 0 ) não é o simples acaso ou fortuna (J b P 0 ), e sim uma lei da natureza.

Ainda que Lactâncio (Divinae institutiones I, 2) chame a Demócrito de adepto do azar, porque o reduz ao esquema de Epicuro, esta interpretação é apenas generalizante e não diz a verdade com precisão.

Em consequência do seu determinismo as coisas são o que são, porque assim acontecem, e não porque se encaminham teleologicamente assim. Está ali a maneira moderna de conceber o mundo, e foi a razão porque Demócrito foi represtigiado pelo pensamento moderno.

713. O monismo é uma constante na interpretação geral da realidade, oferecida pelo atomismo de Demócrito. O ser é pleno e não requer mais do que ele é, conforme a doutrina dos eleatas. Não há como postular um ser exterior ao mundo e que tenha a posição de causa primeira e suficiente. A divindade de que fala Demócrito não é senão a hipótese das forças da natureza, como se depreende de Sexto Empírico (IX, 24).

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Um fragmento de Demócrito, citado pelo cristão Clemente de Alexandria, também destaca o seu pensamento monístico, ainda que, quem o citou não o tenha percebido:

"Dos homens sábios poucos estenderam as mãos em direção ao lugar que hoje nós helenos chamamos ar, e disseram:

Tudo Zeus fala e tudo ele sabe, dá e tira, e é ele rei de todas as coisas" ([Frag. 30], em Protréptico, 68).

O mesmo Clemente de Alexandria, não se advertindo do sentido monístico do atomismo, interpretou equivocadamente a citação, atribuindo a ela um significado teísta dualista.

Apesar do seu monoteísmo, parece contudo que Demócrito não se evadiu inteiramente da influência mitológica, aceitando divindades de natureza secundária e que deveriam constituir-se apenas de modo mais perfeito que as demais coisas geradas.

Entretanto, libertou-se do temor supersticioso aos deuses e do além, advertindo:

"Os deuses só dão o bem, não o prejudicial" [Frag. 24]. "Só o temor à morte cria às falsas legendas sobre o estado de depois da

morte" [Frag. 92]. 714. A cosmogonia de Demócrito é apenas conhecida em suas linhas gerais,

tendo por base o movimento dos átomos, enquanto progressivamente se agregam, construindo astros e mundos.

Conforme Diógenes Laércio, já citado "Os cosmos são ilimitados; surgem e se decompõem..." (D., L., IX, 44).

Diversos mundos podem resultar de torvelinhos de origem distinta, e mundos menores poderão tornar-se tributários de outros maiores, e assim por diante, até formar todo o céu astronômico.

O mundo universo está suspenso no vazio como uma esfera. O envoltório exterior está constituído de átomos mais solidamente

encaixados. No interior está o ar. No centro, como um disco, encontra-se a terra. Os astros

são corpos semelhantes à terra e de grande dimensão, havendo montanhas na lua. Integrou, portanto, Demócrito a concepção antiga do mundo no seu sistema

atomista. 715. A importância dada ao fogo coloca aos atomistas em afinidade com

Heráclito, que no fogo via o elemento primordial. Considerando o fogo uma organização atômica mais peculiar, e projetado

para o mundo exterior, onde se acredita estarem os deuses, coerentemente dele se formaram estes deuses.

"Demócrito crê que com o fogo restante no alto surgiram os deuses" (Tertuliano, Ad nationes II, 2).

Na elaboração atômica dos primeiros elementos, é o fogo o mais importante, mais perfeito, porque o mais móvel.

Certamente por falta de recursos experimentais, - porque a tão só especulação pouco resolve no caso, - não conseguiram os atomistas formular uma doutrina acabada dos elementos. Refere Aristóteles:

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"De que espécie e qual é a figura de cada um dos elementos, é o que eles não têm jamais explicado em detalhe, com exceção apenas do fogo, ao qual eles atribuem a figura esférica. Quanto ao ar, a água e aos outros elementos, eles os diferenciavam pela grandeza ou pela pequenez dos seus átomos" (Do céu, 303 a 14).

Mas, ao passo que progride a explicação atomista do mundo, o fogo, em virtude de suas peculiaridades de movimentação, vai exercendo funções cada vez mais específicas, até dar lugar à vida orgânica.

Passa, então, o fogo exercer funções semelhantes ao Nous de Anaxágoras. É, portanto, o fogo um átomo, ou uma composição atômica superior, capaz de atuar sobre um conjunto, provocando o fenômeno chamado vida.

Passamos assim à psicologia materialista de Demócrito, tentando por esta via sistemática explicar a vida e o conhecimento.

716. A vida e o espírito. Envolve o problema da vida primeiramente a questão do movimento do ser vivo. Destaca Aristóteles que uns definem a alma antes de tudo em função ao movimento próprio e coloca neste plano Demócrito, ao passo que outros a vêem mais através da função do conhecimento.

A concepção de Demócrito sobre a alma é desde logo monista, sem a divisão a divisão radical entre corpo e alma. A vida e o espírito pertencem desde logo ao mesmo corpo material. Não estabeleceu pois um ser específico como causa dos fenômenos psíquicos. Não é a alma senão um organização superior da matéria, cujo estágio supõe ser o fogo, pela sua capacidade de movimento e subtilidade.

Informou Aristóteles: "O animado difere do inanimado por dois caracteres principais: o movimento

e a sensação. Estas são também, aproximadamente, as duas concepções que nos foram transmitidas por nossos predecessores a respeito da alma.

Alguns dentre eles, com efeito, dizem que a alma é por excelência e primordialmente o motor. E pensando que o que não se move por si mesmo é incapaz de mover outra coisa, eles acreditaram que a alma pertence à classe das coisas em movimento.

Dali vem que Demócrito assevera que a alma é uma espécie de fogo e de calor. Suas figuras ou átomos são, com efeito, infinitos (em número), e aqueles que têm a forma esférica, ele chama de fogo ou alma. Eles podem ser comparados ao que se chama poeira do ar, que aparecem nos raios solares através das janelas. Dessas figuras da universal panspermia se constitui, segundo ele, toda a natureza (A mesma é a teoria de Leucipo).

E aqueles dentre estes átomos que se constituem de forma esférica são identificados com a alma, porquanto as figuras deste gênero são as mais aptas para penetrar através de todas as coisas e movimentar o resto, visto que elas mesmas estão em movimento; e estes filósofos são de opinião que é a alma aquilo que imprime o movimento aos animais. É também porque a respiração é a característica essencial da vida" (Da alma I,2. 403 b 24-404 a 9).

Informa também Aécio: "Demócrito e Epicuro - a alma é perecível e desaparece com o corpo" (Aécio

IV, 7,4). "Demócrito, Epicuro - alma é dupla; tem uma parte racional, instalada no peito, e outra irracional distribuída em toda a substância do corpo" (Aécio IV,4,6).

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717. A doutrina do conhecimento do atomismo, conhecida sobretudo a partir de Demócrito, tem como base a objetividade dos átomos e a subjetividade das qualidades.

Diógenes Laércio: "As qualidades das coisas existem por convenção; na natureza há senão

átomos e vazio" (D. L., IX, 45). Os átomos de fogo, ou os átomos psíquicos, espalhados por todo o corpo,

exercem em diferentes lugares funções específicas: no cérebro, o pensamento, (< ` 0 F 4 H ) nos órgãos sensoriais, a percepção (" Ç F 2 0 F 4 H ) no coração, a excitação do sentimento (Ï D ( Z ), no fígado, o apetite sensual.

Distinguem-se, pois, as faculdades ou funções, embora sem sair do esquema atomista materialista. Em princípio todo o processo se realiza mecanicamente, isto é, por contatos e choques. O sentido fundamental fica sendo, pois, o tato (Arist. De sens 442a 29).

Para a realização de qualquer conhecimento se faz necessário que emanem partículas das coisas e penetrem nos órgãos. Estas partículas desprendidas das coisas se apresentam como fantasmas, ou imagens (, Ç * T 8 " ); este nome, até mesmo por causa de sua etimologia, lembra principalmente as impressões visuais. São as imagens recebidas pelos átomos psíquicos, de gogo, que reagem de modo mecânico.

Os órgãos da sensação (" Ç F 2 0 F 4 H ) são capazes apenas de perceber as determinações secundárias, como o calor, o sabor, a cor, enfim, aquilo que se apresenta como qualitativo.

O pensamento (< ` 0 F 4 H ) percebe os mesmos átomos e o vazio. Dali se infere que as imagens (, Ç * T 8 " ) que atuam de modo a produzir a intelecção, isto é, a percepção do átomo e do vazio, são mais perfeitas e subtis, de sorte a produzirem a verdadeira configuração do referido átomo e vazio. Pensar é, pois, ter a intuição da realidade tal qual é, a saber, constituída de átomos e de vazio.

A maioria dos homens não se adverte destas imagens e fica apenas nas impressões rudes dos órgãos sensitivos.

Discorda Aristóteles na redução de todos os sentidos a um fundamental, o tato. "Demócrito e a maior parte dos fisiológos que falam das sensações, estabelecem algo de totalmente absurdo, pois reduzem todos os sentidos ao tato, a despeito de que seria bem claro, se assim fosse, que cada uma das outras sensações seria uma espécie de tato" (De sens. 4, 442).

Aécio: "Leucipo e Demócrito explicam a percepção e o pensamento como

modificações do corpo" (Aécio IV, 7, 4). "Leucipo, Demócrito e Epicuro são de opinião que a percepção sensível e o

pensamento acontecem em consequência de imagens que nos vêm de fora" (Aécio IV,8,10). Considerando que o conhecimento é uma atividade qualitativamente distinta

do movimento, importa ao átomo de Demócrito conter esta qualidade como sua propriedade. Como o ser de Demócrito se reduz ao átomos, que é material, isto é, corporal, deveu coerentemente ter admitido que ele é também ser pensante.

A alma segundo ele é átomo: como átomo, portanto, é pensante. Sua alma não é um ser especificamente distinto injetado no átomo, conforme o orfismo e as doutrinas

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dualistas em geral. O atomismo é, pois, um materialismo espiritualista, ou seja, um reducionismo em que matéria e espírito são duas faces da mesma realidade.

718. A gênese do conhecimento é examinada por Demócrito com detalhes fisiológicos, psicológicos e até criteriológicos (ou gnosiológicos), dos quais o informante principal é Teofrasto.

"Segundo Demócrito, a visão se produz pela imagem; sobre esta, contudo, tem uma opinião particular, porque não diz que se produz imediatamente sobre a pupila, mas o ar, entre o olho e o objeto visto e daquele que vê: pois todas as coisas emitem constantemente um certo eflúvio.

Então este ar, tendo tomado uma forma sólida e uma cor diferente, forma a imagem nos olhos úmidos, portanto, são melhores para ver do que os endurecidos; a membrana exterior deve ser fina e tão densa quanto possível, e as partes interiores dos olhos muito porosas sem carne espessa e densa, mas com uma umidade e gordurosa; as veias nos olhos devem ser retas e vazias, de maneira a poderem tomar uma forma semelhante à imagem, pois cada coisa é sobretudo conhecida pela sua semelhante (Dos sentidos, 50).

719. Subjetividade das qualidades sensíveis. Algumas qualidades dos corpos são objetivas como o peso e a leveza, o mole e o duro, que são explicados pela maior e menor quantidade de átomos e espaços vazios (vd 724).

Depois desta explicação, Teofrasto prossegue, advertindo para uma importante constatação gnosiológica, a da subjetividade das qualidades sensíveis. Está evidentemente sob influência eleática. Todavia os eleatas negam a objetividade de todos os fenômenos sensíveis, ao passo que Demócrito se limita a negar aqueles que mais obviamente o são:

"Quanto às demais qualidades sensíveis, não têm realidade objetiva; são afecções da sensação. Nem frio e nem o calor são objetivos, e se produzem pela transformação da forma e da maneira nos diversos animais. O que é doce para nós, é, para outros, amargo, ou ácido, o mesmo acontecendo como as demais qualidades. Os mesmos indivíduos mudam de temperamento, com a idade e a experiência. É evidente, pois, que a disposição é causa da representação" (Teofrasto, Dos sentidos, 63-64).

Como se sabe, modernamente, já desde Descartes, se tem distinguido entre qualidades primárias, consideradas objetivas, e qualidades secundárias, consideradas subjetivas. Estas doutrina, como se viu, já se encontra bastante clara em Demócrito.

720. Não obstante o caráter subjetivo das qualidades secundárias, admitiu Demócrito um fundamento objetivo para as mesmas. A subjetividade estaria apenas nas peculiaridades da resposta gnosiológica, - continua informando Teofrasto:

"Como todos os outros, também [Demócrito] reduz estas (qualidades sensíveis) às formas (do átomo), ainda que não saiba determinar todas as formas. Reduzindo a representação ao homem, conseguiu estabelecer as formas atômicas dos sabores e das cores. O ácido tem forma angulosa, tendo muitas causas, sendo pequeno e sutil. Diversamente, o doce tem formas redondas e não muito pequenas. O adstringido se compõe de formas grandes, muito angulosas. O amargo, pequenas, lisas e redondas. O salgado, grandes, redondas, com algumas escalenas. O ardente, arredondadas, com ângulos, não todavia os escalenos.

E assim também atribui formas atômicas às demais propriedades das coisas. Não se encontram nas coisas forma pura e sem mistura com outras. Em todas, se encontram

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formas de variadas espécies, contendo a mesma coisa o liso, o áspero, o redondo, o agudo e assim por diante, sendo o efeito decisivo na sensação provocada por aquela de maior quantidade, nisto influindo também a disposição subjetiva de quem a sente. Isto já produz bastantes diferenças.

Da mesma coisa se podem obter efeitos até contrários, e coisas contrárias dão o mesmo efeito" (Teofrasto, Dos sentidos, 64-67).

Não deixou Teofrasto, logo a seguir, de manifestar sua estranheza diante da afirmação de que a diversidade das qualidades dependesse tanto das formas atômicas, como da subjetividade dos sentidos (Ibidem, 64-67).

"Demócrito diz que em realidade não há cores. Pois o cheio e o vazio, os átomos, são desprovidos de qualidades. Contudo, as composições dos átomos, consequentes de sua ordem, forma e de seu movimento, são coloridas" (Aécio I, 15,8).

Admitindo Demócrito a possibilidade de se alterarem as imagens enquanto marcham através do ar até a inteligência, deu base para um ceticismo virtual. Coincide, neste particular, com o sofista Protágoras, seu conterrâneo e contemporâneo, o qual dizia que "o homem é a medida de todas as coisas".

Sexto Empírico, em virtude de suas preocupações gnosiológicas e ceticistas atendeu ao lado gnosiológico de Demócrito, transferindo-nos algumas informações.

"Baseado no fato de que o mel é amargo para uns e doce para outros, ensinava Demócrito que não existe o amargo e o doce em si" (Sexto, Hipotiposes pirronianas II,63).

"Por convenção (< ` : @ H ) existe o doce e por convenção o amargo, por convenção o quente, por convenção o frio, por convenção a cor; na realidade porém os átomos e o vazio... Nós, porém, realmente nada de preciso apreendemos, mas em mudança, segundo a disposição do corpo e das coisas que nele penetram e chocam" (Sexto, Contra os matemáticos VII, 135-136) [Frag. 9].

"E diz novamente: Que na realidade não compreendemos como cada coisa é ou não é, ficou muitas vezes demonstrado" (Ibidem, 136) [Frag. 10].

"Há duas espécies de conhecimento, um genuíno, outro obscuro. Ao conhecimento obscuro pertencem, no seu conjunto, vista, audição, olfato,

paladar e tato. Quando o obscuro não pode ver com maior minúcia, nem ouvir, nem sentir

cheiro e sabor, nem perceber pelo tato, - e sendo então preciso procurar mais finamente, - apresenta-se o genuíno que possui um órgão de conhecimento mais fino" (Ibidem VII, 138) [Frag. 11].

721. A linguagem. Ocupou-se Demócrito também com a língua, a qual considerou de origem convencional. Vem de Proclo a informação:

"Demócrito afirmava que os nomes têm origem no acaso e construiu quatro provas. Chamou a primeira prova polissemia, à segunda equilíbrio, à terceira metonímia, e à quarta anonímia" (Proclo, comentário ao Crátilo 16, p.5, 25).

Também do poesia cuidou Demócrito. Neste sentido também informou Proclo, comentando que equilíbrio em Demócrito equivale a homonímia.

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"Muitas vezes ouvi dizer que não pode existir (afirmação atribuída a Demócrito e Platão) nenhum bom poeta sem entusiasmo da alma e sem um sopro como que de loucura" Arte divinatória, I,38,80.

"Pois Demócrito diz que nenhum poeta pode ser grande sem loucura, afirmação idêntica a de Platão" (Horácio, Arte poética, 295.

"Demócrito acreditou que o gênio é mais fecundo que uma arte pobre e excluiu do Helicão os poetas saudáveis" (Cícero, Sobre o orador, II,46,194).

722. A ética de Demócrito é pragmatista. Encontra-se em seus escritos, em forma de sentenças numerosas. Estas estão desvinculadas de princípios mais fundamentais, em que talvez se fundavam.

A fonte da ética pragmática de Demócrito terá sido em primeiro lugar a experiência de sua vida moderada e dedicada ao estudo sério da natureza. Também o senso comum e a sabedoria popular terão introduzido nas suas sentenças muito do que elas contêm, inclusive aparentes incoerências com o seu sistema naturalista.

Dado o caráter do sistema atomista, a referida ética de Demócrito deverá ter sido mais uma regra racional de vida, formada em coerência com os fatos, do que a resultância de um princípio metafísico. Trata-se, pois, de uma sabedoria, a conduzir a vida a um bom resultado, afastando o que não resulta para o bem do homem. Esta prudência de vida a enuncia Demócrito ao insistir na medida do que se quer (vd 725).

"O prazer e a dor são o critério do útil e do prejudicial" (Stobeu III,1,46) [Frag.188].

Também há alternativas: "Quem escolhe os bens da alma, escolhe os divinos; quem escolhe os do

corpo, escolhe os humanos" [Frag. 35] (Sentenças de Demócrates, 1). As chamadas Sentenças de Demócrates, que constituem os fragmentos que na

coleção de Diels vão do número 35 a 115, contém alguma sistemática, mas a nível quase sempre de atitudes concretas.

De quando em quando porém afloram princípios mais gerais. Por exemplo, "Não por medo, mas por dever, evitai os erros" [Frag. 41] (Demócrates, 7).

Ou esta outra, que parece conter elementos da moral autônoma: "Há que se envergonhar antes de tudo diante de si mesmo e gravar esta lei na própria alma, para não fazer nada de inconveniente [Frag. 43] (Demócrates, 43,9). Não obstante a moral de Demócrito é normativista, ainda que relativista, enquanto atenta à natureza e seus sucessos.

"O fim da ação é a tranquilidade (, Û 2 L : \ " ) que não é idêntica com o prazer (º * @ < Z ), como uma falsa interpretação entendeu, mas um estado em que a alma se encontra continuamente calma e firme, sem ser perturbada por qualquer superstição ou qualquer emoção. Isto ele chama de bem-estar, prosperidade (, Û , F J f ) e com vários outros nomes" (D. L., IX, 45).

Os termos usados por Demócrito em diferentes oportunidades para indicar o fim são paz (º F L P \ " ), tranquilidade ou paz interior (, Û 2 L : \ " ), impassibilidade (• B V 2 , 4 " ), harmonia ( D : @ < \ " ), equilíbrio (• J " D " > \ " , • 2 " L : " F \ " , > L : , J D \ " ).

723. A verdadeira felicidade. Na maneira de se encontrar a felicidade, encontra-se a ética de Demócrito em dependência de sua psicologia atomista. Assim como os

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conhecimentos sensitivos não são exatos, mas só os do entendimento, que configuram os átomos, os gozos dos sentidos enganam e só os do espírito são verdadeiros.

Por hábito mal formado muitos dão alto valor ao prazer sensível, o que não acontece com o sábio. Os movimentos excitados dos sentidos só perturbam o equilíbrio da alma, ou seja dos átomos de fogo. Se produzem prazer, é uma aparência momentânea apenas; na realidade porém, conduzem à dor.

O verdadeiro prazer resulta do movimento suave e exato da atividade pensante:

"A paz interior surge nos homens na medida do prazer e do equilíbrio na vida, pois as deficiências e os excessos tendem transtornar a alma e produzem nela grandes agitações" (Frag. 52, Diels). Distinguindo assim entre o prazer sensível e o espiritual, a ética de Demócrito se ergue ao nível da de Sócrates, apesar da diferença que o dualismo este introduz com o espírito a ser preparado para depois se separar.

725. A medida no prazer. Do objeto capaz de produzir a felicidade, diz Demócrito, que não basta ele em si mesmo, porém mas de sua medida:

"A felicidade e a infelicidade da alma não estão na posse de gado e de ouro" (Frag. 171).

"A felicidade decorre da medida no prazer e da proporção da vivência; a falta ou excesso mudam para pior e causam movimentos na alma" (Frag. 191).

"É preciso que aquele que quer sentir-se bem não faça muitas coisas, nem particular e nem publicamente, e que aquilo que faz não assuma além de sua força a natureza. Ao contrário, é preciso que, mesmo que a sorte lhe seja hostil e, pela aparência, o leve pouco a pouco ao excesso, tenha cuidado bastante para renunciar e não procurar mais que suas forças permitem, pois uma plenitude razoável é coisa mais segura que uma superplenitude" (em Plutarco, Da tranquilidade da alma, 2p. 465 C) [Frag.3].

Neste bom resultado, o prazer é a medida. "Pois o prazer e o desprazer são o limite (das coisas vantajosas e

desvantajosas)" (em Clemente de Alexandria, Stromata II,130) [Frag. 4]. 726. As relações entre o bem moral e a intenção, ou conhecimento, são

abordadas sob diversas perspectivas por Demócrito. A moralidade pressupõe a intenção, ou o conhecimento. "Bem não é o não

fazer a injustiça, mas o não querer praticá-la" [Frag. 62]. 727. Ainda outras perspectivas de ordem geral foram abordadas por

Demócrito, sobre as quais restam sábias sentenças. Sobre a virtude: "Combater o próprio coração, é árduo; vencê-lo é próprio do homem que

raciocina bem" [Frag. 23-b]. "Como a medicina cura os males do corpo, a sabedoria liberta a alma das

paixões" [Frag. 31]. "Quem comete a injustiça é mais infeliz, que quem a padece" [Frag. 48, em

Demócrates, Sentenças]. "Bom, não é o não ser injusto, mas o não querer sê-lo" [Frag. 38, em

Demócrates, Sentenças].

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"Coisa grande é, mesmo no infortúnio, pensar naquilo que é preciso" [Frag. 38, em Demócrates, Sentenças).

"Muitos eruditos não têm inteligência"[Frag. 64, em Demócrates, Sentenças]. "Belo é o justo em cada coisa" [Frag. 110, em Demócrates, Sentenças].

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ART. 3O - ATOMISTAS POSTERIORES. 0335y730.

731. A escola atomista de Ábdera teve além de seus dois primeiros

representantes, - Leucipo e Demócrito, - continuadores significativos em diferentes cidades da Grécia. Teve, além disto, a expressiva adesão da escola de Epicuro, porquanto este adotou a teoria atomista e sua ética pragmatista.

Foram continuadores imediatos do atomismo, dos quais há ainda a tratar:: - Metrodoro de Quios, que voltou à idéia de Heráclito de que o sol se apaga e

volta a acender-se todos os dias; - Anaxarco de Ábdera, que acompanhou a Alexandre na expedição à Ásia; - Nausífanes de Teos que foi um dos mestres de Epicuro, herdeiro final da

escola atomista. 732. Metrodoro [9 , J D @ * f D @ H ] de Quios (5o - 4o a.C.) é filósofo

atomista grego, de Quios (ilha da costa jônica, Ásia Menor). Foi discípulo de Demócrito, diretamente, ou por intermédio de Nessos de Quios (vd. Diels-Kranz, Vorz. N. 69).

É considerado o mais importante atomista após Demócrito, apesar de não ter conseguido maiores projeções para a escola a que pertenceu

Desenvolveu temas gnosiológicos e que foram aproveitados pelo ceticismo pirrônico. Do livro de Metrodoro Sobre a natureza restam fragmentos e que são citados neste sentido.

733. Como atomista, retomou Metrodoro as proposições de Demócrito: a realidade constituída por átomos e vazio; átomos em número infinito; o espaço também infinito, bem como um número infinito de mundos.

Voltou Metrodoro à idéia de Heráclito, de que o sol e as estrelas se apagam e volvem a acender todos dias a partir da água atmosférica sob os efeitos do calor (Pseudo-Plutarco, Stromáteis 11; Doxogr. 582). Nesta explicação não fica claro como os planetas poderiam receber sua luz do sol (Doxogr. 346).

O ceticismo já implícito em Demócrito se explicitou mais em Metrodoro. Tendo o anterior feito reservas à capacidade dos sentidos para aprenderem a verdade sobre os átomos, aos quais somente a inteligência alcançaria, passou Metrodoro a pôr dúvida também no resultado colhido pela inteligência.

Declara no começo do seu livro Sobre a natureza, aqui citado por Cícero: "Digo que nós não sabemos, se sabemos algo, ou se nada sabemos; que não

sabemos sequer o que é saber, ou não é saber; que não sabemos absolutamente se existe alguma coisa, ou se nada existe" (Pr. Acad., II, 23, 73).

734. Anaxarco (! < " > V D 6 @ H ) de Ábdera (4o século a.C.) é filósofo da escola atomista posterior, importante por causa de sua convivência com Pirro (D. L., IX, 63), ao qual transferiu a mentalidade de sua escola, quanto aos átomos e à tranquilidade como objetivo moral.

Na informação de Diógenes Laércio, "nasceu em Ábdera, estudando sob Diógenes de Esmirna; outros dizem sob Metrodoro de Quios" (D. L., IX, 58).

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Anota-se com destaque sua presença na corte de Alexandre e seus envolvimentos com um tirano de Chipre . Este o levou finalmente a um trucidamento cruel, durante o qual manteve a tranquilidade pregada por sua filosofia.

"Conviveu Anaxarco com Alexandre e floresceu na 110a Olimpíada. Tornou-se inimigo de Nicocreon, tirano de Chipre. Certa vez, durante um banquete, perguntado por Alexandre, se estava gostando da festa, respondeu:

Tudo, ó grande rei, está magnífico; somente falta uma coisa, a de que a cabeça de um sátrapa seja servida sobre a mesa, - diz voltado para Nicocreon, que nunca o esqueceu.

Quando, depois da morte do rei Anaxarco, teve de aportar, contra sua vontade em Chipre, ele o capturou e colocando-o num almofariz, ordenando que fosse amassado até a morte com a mão de pilão. Mas ele, sem se perturbar com o suplício, disse as conhecidas palavras:

- bate, bate o invólucro contendo Anaxarco; não bates Anaxarco. E quando Nicocreon mandou que lhe cortassem a língua, diz-se que a mordeu

cuspindo-a contra ele" (D. Laércio, IX, 59). A ação pessoal de Anaxarco era notável e notada. "Por sua fortaleza e contentamento de vida, era chamado Felizardo (+ Û * " 4

: @ < 4 6 ` H ), por causa de seu caráter impassível e tranquilidade de alma. Tinha por demais a capacidade de trazer alguém à correção. Os orgulhosos

encontravam nele um censor cheio de sagacidade e delicadeza. Por exemplo, um dia deu uma lição indireta a Alexandre que se tinha por um Deus: vendo fluir sangue de uma ferimento que Ele se tinha feito, a apontou, dizendo:

Este é verdadeiro sangue; não é aquele licor celestial que circula pelas veias dos Deuses [Homero, Ilíada, V, 340].

Plutarco diz que isto foi relatado por Alexandre aos seus amigos. Numa outra ocasião, passou a Alexandre a taça na qual acabava de beber,

dizendo-lhe: - Um Deus será afligido pela mão de um mortal (Euripedes, Orestes, V, 265)"

(D. Laércio, IX, 60). 735. Nausífanes (; " L F \ N " < 0 H ) de Teos (fim do 4o século a.C.) é

filósofo grego da escola atomista, lembrado por ter sido discípulo de Pirro e mestre de Epicuro. Este último, por seu através, se ligou ao atomismo, e por Pirro ao ceticismo.

As informações sobre Nausífanes nos são dadas por isso mesmo em função à biografias de Pirro e Epicuro da autoria de Diógenes Laércio.

Cronologicamente, Nausífanes é jovem em relação a Pirro, do qual , como se disse, foi discípulo (D. L., IX, 69). Admirava-o pelo modo de conduzir as discussões e que por ter privado de sua companhia, pudera depois informar a Epicuro, quando este perguntava a respeito de Pirro (D. L., IX, 64).

Na declaração de que Nausífanes foi discípulo de Pirro, acrescenta-se que por sua vez Nausífanes foi mestre de Epicuro:

"Entre os discípulos de Pirro se incluem Hecateu de Ábdera, Timon de Flius, e também Nausífanes de Teos, dito por alguns ter sido o mestre de Epicuro" (D. L., IX, 69).

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Na biografia de Epicuro, entretanto, se mostra haver ocorrido um certo deterioramento nas relações do mestre com o discípulo, o que talvez tenha ocorrido por causa da vida dissipada deste. Citando a Timócrates, diz Diógenes Laércio:

"Epicuro em seus 37 livros Sobre a natureza é repetitivo e escreve contra os demais filósofos, especialmente contra Nausífanes, e aqui estão suas próprias palavras: teve este, mais que outros, jactância sofística, tal como a dos escravos. Além disto, dizia em suas cartas, que Nausífanes se excedera, dizendo ter sido seu mestre. Chama-o ainda de estúpido, iletrado, prostituta" (D. L., IX, 7-8).

Citando já outra fonte: "Apolodoro em sua Cronologia nos diz, que nosso filósofo (Epicuro) foi

discípulo de Nausífanes e Praxífanes; mas em sua carta a Euríloco o mesmo Epicuro o nega e diz que aprendi por mim mesmo" (D. L., X, 13).

O certo é que Nausífanes viveu no círculo em que se encontrava Epicuro, o qual terá conhecido o atomismo, que adota, através deste atomista.

Escreveu Nausífanes obras que se perderam. Ao se dizer que Pirro nada escreveu, mas que seus discípulos o fizeram, é lembrado Nausífanes, juntamente com Timo, Enesidemo, Numênio (DL IX, 102).

Sua obra intitula-se Trípode, conforme informação de Diógenes Laércio: "Ariston diz em sua Vida de Epicuro que ele redigiu sua obra O cânon,

derivando-a de Trípode de Nausífanes, de quem tinha sido discípulo, como também do platônico Pânfilo em Samos" (D. L., X, 14).

740. Conclusão sobre como pensavam os primeiros filósofos. Em tudo há um começo, e ter começado bem já é um bom caminho andado.

Haverem deixado o pensamento mítico e ingressado no pensamento crítico foi o bom caminho por onde entraram os primeiros filósofos, e que por isso mesmo puderam ser chamados assim.

Uma vez lançado o debate, não mais parou a discussão. Eis porque a história da filosofia se tornou uma constante.

Não há hoje, como conhecer a história do debate filosófico, sem voltar aos tempos da Grécia clássica, quando surgiram os primeiros filósofos, de cujo pensamento acabamos de tratar.

Já então havia homens eruditos, mas sobretudo inteligentes. Evaldo Pauli, ano 1999.