memória da mídia impressa cascavelense
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Memória da mídia impressa cascavelenseJAWSNICKER, Claudia. Mestre – UNIVEL - PR
RESUMO
Este estudo se propõe a analisar a gênese do jornalismo impresso em Cascavel – cidade
localizada no interior do Paraná, a cerca de 500 km da capital do Estado. Emancipado
em 1954, o município ficou conhecido nacionalmente nos anos 50 como um dos mais
violentos do Brasil, apresentando distúrbios típicos da fronteira. Difíceis de serem
coibidos numa região em que ainda não existia lei e ordem, os conflitos pela posse da
terra se espalhavam pela cidade, mas não afastavam os migrantes, que atraídos pelo solo
fértil, chegavam em grupos: caboclos e também descendentes de poloneses, ucranianos,
alemães e italianos, vindos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A partir deste
contexto histórico-social, esta investigação acompanha o nascimento, na década de 50, e
a trajetória dos primeiros jornais na cidade (O Correio d’Oeste, A Verdade e O Diário
do Oeste), resgatando a sua história e contribuindo para a preservação da memória
midiática impressa de Cascavel.
Mídia – memória – jornais - Cascavel
1.Introdução
“Não é à toa que a cidade se chama Cascavel, nome popular da Crotalus
durissus, que pica sem perdão espalhando o seu veneno mortal”.1 A avaliação é do
advogado Yves Cordeiro, há mais de 25 anos morador do município, localizado no
Oeste do Paraná, a cerca de 500 quilômetros da capital do Estado. Ele conta que, há 50
anos, o lugar era “uma terra de ninguém. Não havia autoridade, juiz, nada. Quem
desagradasse os poderosos, levava chumbo”.2 A lenda oferece uma versão mais amena
à escolha do nome da cidade: na década de 30 um grupo de colonos, pernoitando na
região, foi acordado pelo ruído dos anéis dos chocalhos das cobras que formavam um
ninho ali perto. Assustados, fugiram e espalharam a notícia no povoado. Desde então, o
1 Entrevista à autora em 24 de novembro de 2005.2 Idem.
local ficou conhecido como Cascavel, nome não muito lisonjeiro e que chegou a ser
modificado por influência da Igreja, descontente com a simbologia da cobra na Bíblia.
No entanto, o fundador do município, o comerciante José Silveiro de Oliveira, não
aceitou a mudança e brigou para que Cascavel mantivesse seu nome original.
Qualquer que seja a versão escolhida, o consenso é que a luta pela terra marcou
o nascimento do município. “Cascavel era o reino da anarquia”, explica o historiador
Vander Piaia, referindo-se às brigas entre posseiros, grileiros e pistoleiros pela posse da
terra nos anos 40.3 Diferentemente da colonização de cidades vizinhas, como Toledo,
que aconteceu a partir da distribuição organizada de terras pela empresa colonizadora
Maripá4, em Cascavel o processo foi desordenado. Como não havia restrições ou
controle das ocupações, os colonos, atraídos pela conquista de terras devolutas
chegavam, cercavam os terrenos, faziam uma plantação e, com o tempo, consolidavam a
posse. As regras da civilidade durante a época de colonização da fronteira eram
inexistentes pela falta de presença do Estado. “A sociedade estava em fase de
organização, as estruturas sociais eram frágeis, o que permitia que cada um que
chegasse quisesse impor a sua visão de mundo”, explica Piaia.5
Os primeiros colonos chegaram à região a partir do final da década de 20 e
estabeleceram pequenas propriedades agrícolas e prestadoras de serviço, introduzindo
os ofícios de carpintaria, marcenaria, serraria e sapataria na área. Segundo dados da
Prefeitura, fluxos migratórios de diferentes frentes compuseram a população de
Cascavel: os caboclos (que vieram de Guarapuava para vários pontos do Oeste do
Paraná), pessoas com tradição de plantio de café (oriundas do Norte do Estado) e,
principalmente, os descendentes de poloneses, ucranianos, alemães e italianos, vindos
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. “Abriam-se os caminhos do oeste
paranaense para os gaúchos. [...] Avançava o projeto de italianização de Cascavel”,
explica o jornalista Alceu Sperança.6 Os migrantes iniciaram a agricultura de erva-mate,
a exploração de suínos e, mais tarde, a exploração da madeira. Para Piaia, o Oeste do
3 Entrevista concedida aos jornalistas Flaviane Christ e Leozil Ribeiro. 06 de novembro de 2004.4 A Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A. – Maripá comprou a fazenda Britânia dos ingleses da Companhia de Maderas del Alto Paraná, subdividindo o latifúndio em pequenas propriedades de 10 alqueires paulistas, aproximadamente 25 hectares e desenvolvendo um projeto para a povoação de uma nova cidade.5 Entrevista concedida aos jornalistas Flaviane Christ e Leozil Ribeiro. 06 de novembro de 2004.6 SPERANÇA, Alceu. Cascavel, a história. Curitiba: Lagarto, 1992. Página 122.
Paraná foi a fronteira final a ser ocupada no processo migratório do sul do país, “a
última grande etapa do avanço da expansão humana no sul”.7
Esta ocupação acompanhou a tendência migratória em toda a região, a partir da
década de 1940. Atraídos pelas terras fáceis e solo fértil, os migrantes chegavam em
grupos, formados por familiares, amigos e vizinhos, também trabalhadores agrícolas,
que adquiriam lotes numa mesma área. A eles, juntavam-se os tropeiros, tradicionais
desbravadores, que além de possuir habilidade em lidar com boiadas, levavam
mercadorias de primeira necessidade para as localidades mais isoladas. Cascavel
crescia; em 1946 já contava com um grupo escolar, delegacia de polícia, armazéns e
capelas. O censo demográfico de 1950 revela que a cidade possuía, na época, 404
habitantes.8
Emancipado em 14 de dezembro de 1952, o município ficou conhecido
nacionalmente nos anos 50 como um dos mais violentos do Brasil – apresentando
distúrbios típicos da fronteira, como os que acontecem atualmente em Rondônia ou no
Pará. Difíceis de serem coibidos numa terra em que ainda não existia lei e ordem, os
conflitos se espalhavam pela cidade. Moradores pioneiros lembram que era comum
avistar jagunços andando tranquilamente pela Avenida Brasil, a principal da cidade,
“com revólveres na cinta, como se aqui fosse o Velho Oeste americano”9, como conta
Cleide Antunes, 56 anos. Ela presenciou, em plena Avenida Brasil, o assassinato de um
deles, envolvido numa briga com um outro pistoleiro. “Ele tirou uma faca da cintura e
acertou o coração do outro, que caiu morto na hora”. A situação de Cascavel era tão
crítica que os juízes relutavam em assumir a Comarca ou não paravam muito no posto.
O livro“50 anos de história”, publicado em 2000, pela Prefeitura, oferece a dimensão da
dificuldade:
Em 1953, o juiz inicialmente designado, Inácio Pinto de Macedo, não quis saber de vir para Cascavel, e o juiz Aurélio Feijó, que afinal concordou em assumir, ficou no cargo por menos de um mês”10 .
Mas, apesar da violência, o município alcançou um crescimento populacional
surpreendente nesta época. “Isso é, na verdade, um paradoxo. Teoricamente, as pessoas
7 Entrevista concedida aos jornalistas Flaviane Christ e Leozil Ribeiro. 06 de novembro de 2004.8 SPERANÇA, Alceu. Cascavel, a história. Curitiba: Lagarto, 1992. Página 131.9 Entrevista à autora em 05 de dezembro de 2005.10 Cascavel, livro Ouro – 50 anos de história. Cascavel. 2002. Página 14.
não querem se estabelecer numa cidade violenta”, avalia Piaia. O desafio de vencer
numa terra de oportunidades falava mais alto ao coração de muitos migrantes e
Cascavel já apresentava, em 55, um estável crescimento populacional e significativo
número de empreendimentos comerciais. Um levantamento feito pela Prefeitura sobre
as indústrias em atividade no município revelou, na época, a existência de 43
estabelecimentos registrados oficialmente11.
Assim como no restante do Estado, a história antiga de Cascavel pode ser
contada através dos vários ciclos econômicos: inicialmente os pioneiros se dedicaram ao
plantio da erva mate – esteio da economia paranaense por um longo período. Cultura
perene e que requisitava poucos cuidados, era desenvolvida a partir do extrativismo. Em
seguida, estabeleceu-se o ciclo da madeira. Das serrarias, estabelecimentos que
contavam com uma série de profissionais, entre eles eletricistas, mecânicos, tratoristas
e motoristas de caminhão, saía a madeira a ser transportada para Foz do Iguaçu (e que
de lá era exportada para a Argentina) e outros estados do país. Em torno destas serrarias
formava-se uma vila, com cerca de 200 famílias – todas vivendo e trabalhando em
função da indústria madeireira. “Muita madeira daqui foi utilizada na construção de
Brasília, na década de 60”, lembra Dona Aurora, cujo marido trabalhou como motorista
de caminhão durante 12 anos na Serraria Santa Rosa. A indústria da madeira foi
propulsora do crescimento populacional em Cascavel. A partir de 1950, a população
crescia cerca de 80% ao ano.
É neste contexto social e econômico que vai nascer a história da imprensa da
cidade, com o lançamento do jornal Correio d’Oeste, em 6 de maio de 1953.
2. A gênese
O Correio D `Oeste
O jornalismo impresso de Cascavel nasce pelas mãos de um anarquista. Aos 14
anos, rebelde e indisciplinado, Celso Formighieri Sperança incendeia o colégio onde
estuda em Caçador, sua cidade natal, no interior de Santa Catarina. De castigo, é
enviado pelo pai, o prefeito da cidade e comerciante Carlos Sperança, para estudar em
11 Cascavel, livro Ouro – 50 anos de história. Cascavel, 2002. Página 16.
Curitiba. Era 1942, época de exílio para o jovem rapaz. Sem conhecer ninguém na
capital paranaense e preso a um colégio interno, planeja sua vingança: torna-se em
pouco tempo persona non grata também na escola. A direção comunica aos seus pais
sua expulsão da instituição. Com 15 anos, e brigado com os pais, decide permanecer em
Curitiba. Consegue um emprego no laboratório farmacêutico Raul Leite e, mais tarde,
uma vaga como escrivão policial. Responsável pelos boletins divulgados à imprensa,
atrai a atenção dos repórteres locais por seu texto preciso, claro e detalhado. Em pouco
tempo o Estado do Paraná oferece a ele sua primeira oportunidade de trabalhar como
repórter no jornal. Aceita a proposta, Sperança inicia sua experiência jornalística
produzindo matérias sobre polícia, economia e política. Em maio de 1950 casa-se com
Nilce Leite, com quem teve três filhos: Alceu, Carlos e Regina.
Intelectual, envolvido com movimentos políticos e de vanguarda, Sperança
recebe, dois anos mais tarde, uma intimação de seu pai, com quem ainda estava brigado:
deveria ajudar o primo, José Neves Formighieri, recém-eleito primeiro prefeito de
Cascavel, na administração da cidade. Disposto a uma reconciliação definitiva com os
pais, aceita a proposta. Mas como Cascavel é conhecida como terra de pistoleiro e
violência, decide não trazer, inicialmente, a mulher e os filhos.
Ao chegar à cidade, em 1953, vai trabalhar com o primo que é prefeito,
assumindo a função de Secretário Geral do Paço Municipal. Envolve-se logo com a
política local e funda o Partido Social Democrático (PSD), procurando atrair as
lideranças mais importantes da cidade para o seu partido. Na época, o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), de Getúlio Vargas, e o Partido Republicano (PR), do
governador Bento Munhoz da Rocha Neto, eram os partidos majoritários em Cascavel.
As atividades políticas de Sperança desagradam os simpatizantes do PR, que
pressionam o prefeito para demiti-lo – o que acaba acontecendo.
Mesmo desempregado, Sperança decide permanecer em Cascavel para
concretizar um sonho: montar um jornal que oferecesse sustentação política ao PSD na
cidade. Em Curitiba, consegue parte do equipamento para montar o periódico com o
governador Moyses Lupion (PSD). O governador Lupion, homem de imensa fortuna
com negócios nas áreas de comércio, indústria e agricultura, era também proprietário de
jornais – tinha participação no O Dia e na Gazeta do Povo. Outra parte do maquinário,
Sperança consegue em Guarapuava, com o deputado Antônio Lustosa de Oliveira, que
lhe cedeu alguns equipamentos antigos que dispunha no jornal Folha do Oeste, de
Guarapuava, de sua propriedade. Era “uma impressora histórica, uma prensa
minúscula, mas que deu conta do recado,”12 e que chega à cidade em lombo de burro.
Nasce, assim, o primeiro jornal da cidade: o Correio D´Oeste, cujo primeiro
número é publicado em 6 de maio de 1953. No expediente, Celso Sperança aparece
como diretor responsável e Lyrio Bertoli como redator. “Mas quem fazia o trabalho
jornalístico mesmo era o Celso. Minha tarefa era apenas a correção ortográfica e
gramatical dos textos”, explica Bertoli. 13Com o lema Jornal independente a serviço do
oeste paranaense, estampado logo abaixo do logotipo do jornal, O Correio D´Oeste
recebia verbas da Prefeitura e apresentava oito páginas. Numa casinha de madeira na
Avenida Brasil ficavam a redação e a oficina do periódico. “Acompanhei, várias vezes,
as máquinas rodarem e o jornal ser impresso. Aguardava ansioso e apanhava um
exemplar fresquinho. Era uma novidade na área de comunicação na cidade, que não
contava nem com telefone nem rádio – apenas um serviço de auto falante instalado em
cinco postes da cidade ”, lembra o ex-vereador Dércio Galafassi, morador de Cascavel
desde a década de 50.14
O jornal, que se apresentava como um jornal de ‘Cascavel do Sul’ – como ainda
era conhecida a cidade -, publicava, essencialmente, matérias sobre a movimentação
política do município: textos integrais de leis aprovadas pela Câmara, atos do poder
executivo municipal, entrevistas com vereadores e deputados e, é claro, notícias curtas
sobre as atividades e viagens dos filiados do PSD, como o presidente do partido na
cidade ou os candidatos da legenda a cargos públicos. Anúncios do comitê de
propagando do PSD -“A 3 de outubro o povo votará confiante em Moises Lupion para
governador” - recheavam as páginas, e as colunas (não assinadas) Comentando e
Carroussel Político opinavam sobre a política local, repassavam rumores - “dizem por
aí, mas eu não afirmo, que o sr. Guaraná Menezes [...] espera-se eleger-se deputado
federal a três de outubro” - e reivindicavam à Prefeitura melhorias como aberturas de
estradas ou reformas no aeroporto. Em artigos, personalidades locais – como médicos e
empresários – dissertavam sobre assuntos variados, como saúde e habitação. A coluna
12 Entrevista à autora em 21 de novembro de 2005.13 Entrevista à autora em 29 de março de 2006.14 Entrevista à autora em 29 de março de 2006.
assinada por J. Urutu de Souza, pseudônimo do próprio Celso Sperança, era popular
pelo estilo irônico e pelas alfinetadas – diretas ou indiretas – na elite local:
A cidade vive infestada de felizes tesouras que falam por falar, numa generalizada falta de profundidade no que dizem, (me perdoem!!!) do que repetem por ouvirem dizer...Não sei se o nome da cidade influi no ânimo e no espírito das tesouras, mas o fato é que venenos pupulam pela praça, numa demonstração inequívoca de que a sinceridade anda oculta, e esbaforida, encolhida pelo número astronômico de boatos, de artimanhas invencionais e de intrigas que circulam por todos os pontos cardeais da sede do município.15
Muitas vezes, as alfinetadas – que tinham endereço certo - não agradavam. “ Era
uma época em que o “direito de resposta” de quem se sentia ofendido não se garantia
com educados e-mails e advogados, mas no cano do revólver.”16, revelam os irmãos
jornalistas Alceu e Carlos Sperança, filhos de Celso.
Numa cidade habitada por colonos, muitos dos quais sequer alfabetizados, quem
seria o público-alvo do jornal? A maioria dos exemplares do Correio D´Oeste não era
distribuído na cidade – o jornal era produzido para ser lido pelas autoridades políticas de
Curitiba, pelos membros da Assembléia Legislativa, políticos do Rio de Janeiro (ainda
capital do país) e Prefeitos do Estado. Iniciando uma tradição dos jornais cascavelenses,
o Correio d`Oeste não nasceu da necessidade da comunidade, e sim fruto de um
objetivo eleitoreiro partidário específico. O jornal era porta-voz do programa e da
plataforma político-partidária do PSD. Mas sem assinantes e patrocinadores regulares,
contando apenas com alguns pequenos anunciantes (uma média de um a cada edição), o
jornal – que apresentava periodicidade e tiragem extremamente irregular - enfrenta
dificuldades. Já na segunda edição, numa nota, na primeira página, a direção do jornal
pede desculpas aos leitores pelo atraso na distribuição do jornal, que deveria ser
semanal.
Em face a dificuldades diversas, a segunda edição do nosso jornal saiu com sensível atraso. Todavia a sua nova apresentação gráfica, a melhoria sensível das matérias,, a sua ilustração farta compensou[ sic] a demora verificada. Com tais dificuldades afastadas esperamos entregar as edições seguintes com a desejada regularidade. 17
15 Correio D´Oeste. 6 de junho de 1954. Página 4.16 SPERANÇA, Alceu. SPERANÇA, Carlos. Pequena história de Cascavel e do Oeste. Cascavel, 198017 Correio D´Oeste. 6 de novembro de 1956. Página 1.
Após 13 edições, a verba da Prefeitura foi cortada, fazendo com que O Correio
D´Oeste tivesse vida curta. Em 1956, Celso Sperança vende o jornal a empresários de
Foz do Iguaçu.
A Verdade
Sem desanimar com as dificuldades enfrentadas durante o seu primeiro
empreendimento jornalístico, Celso Sperança resolver tentar nova empreitada. Ainda
em 1956, adquire em Ibiporã uma tipografia moderna, que é instalada na rua das
Palmeiras (atual rua Souza Naves). Além de se dedicar a imprimir folhetos de igreja,
cartazes e formulários, decide montar o segundo jornal de Cascavel, cujo número 1 é
lançado em maio do mesmo ano. A publicação é batizada de A Verdade, nome
inspirado nos versos do poeta espanhol Lope de Veja: “A verdade nada se envergonha
senão de estar oculta.” 18
O jornal – assim como o seu predecessor – tem uma característica
essencialmente eleitoreira: ajudar o PSD na campanha de 1956 à Prefeitura. No entanto,
A Verdade conta com um diferencial importante. As escolas municipais, construídas
durante a administração do Prefeito Formighiere, estavam formando cada vez mais
leitores na cidade. Numa época em que não existiam emissoras de rádio ou TV, o jornal
e o sermão do padre aos domingos eram praticamente as únicas formas de informação.
A Verdade, então, ao contrário do Correio d´Oeste, era distribuído essencialmente em
Cascavel, de casa em casa e, principalmente, nas serrarias, pelos cabos eleitorais do
PSD. “Onde houvesse um possível leitor ou estudante, o jornal era distribuído”, explica
Alceu Sperança19. Os leitores eram eleitores em potencial do partido.
O jornal tinha mais leitores que o seu antecessor, mas não contava com muitos
anunciantes: as empresas da região ainda não demonstravam interesse em divulgar seus
serviços em um jornal. “Não havia o conhecimento da força da publicidade”, avalia
Alceu.20 Ou seja: A Verdade dependia da generosidade do partido em financiar sua
produção. Quando o PSD ganhou a eleição para a Prefeitura de Cascavel, em 1956, o
18 Poeta e dramaturgo barroco (1562 – 1635), é considerado o criador do teatro espanhol do século XVII. Extremamente produtivo, consta que escreveu 1.500 peças.19 Entrevista à autora em 21 de novembro de 2005.20 Idem.
novo prefeito, Helberto Schwarz entendeu que o jornal já tinha cumprido o seu papel e
decidiu que não iria mais financiar um jornal que não tinha leitor nem anunciante.
Diante da dificuldade, Celso Sperança fecha o jornal em novembro de 1956, vende a
gráfica e volta a trabalhar para a Prefeitura, organizando a contabilidade do município.
Mais tarde, assume a programação da rádio Colméia, primeira emissora radiofônica da
cidade, criada em 1958. Era o fim de A Verdade.
O Diário do Oeste
No final de 1962, o médico Wilson Joffre encontra-se numa situação
complicada. Ambicionando ser candidato à Prefeitura de Cascavel pelo PTB, Joffre
tentava montar um jornal, pois acreditava que o veículo seria fundamental para dar
sustentação à sua campanha. Natural de Curitiba, o médico chegara a Cascavel em 1951
para exercer a Medicina. Com idéias progressistas, logo mobilizou a comunidade em
favor de seu primeiro grande projeto: a construção de um hospital. Lançou a proposta de
financiar a obra por um sistema de ações. A idéia foi um sucesso e o Hospital Nossa
Senhora Aparecida foi construído e inaugurado em 1952. No mesmo ano, empenha-se
pela construção do novo aeroporto, inaugurado no ano seguinte. Em 1956, aventura-se
como candidato à Prefeitura. Apesar de favorito, é derrotado pelo vereador Helberto
Schwarz. Apesar do fracasso eleitoral, Joffre continuava a alimentar aspirações
políticas.
Decidido, então, a montar um jornal, investe na compra de equipamentos e
contrata gente de Curitiba para dar conta do trabalho. Mas, o resultado não sai de acordo
com seus planos. As matérias não haviam chegado e o médico se angustiava com a
proximidade do dia do lançamento do jornal. Autoridades como o governador Ney
Braga e o ministro do Trabalho Amaury de Oliveira e Silva haviam sido convidadas a
vir a Cascavel para a ocasião. Assustado, o médico recorre a Celso Sperança:
E, assim, Sperança inicia a tarefa de produzir mais um jornal na cidade, com a
colaboração de Eli do Espírito Santo, Luiz Antônio de Guiné e Agenor Pacheco, entre
outros. Em 11 de novembro de 1962, antes do prazo final da aposta, Sperança e Joffre
lançam o Diário do Oeste. Como previsto, a festa de inauguração do jornal é prestigiada
pela elite política local, da região e do Estado. Entre os convidados, o governador Ney
Braga, o prefeito de Cascavel, Octacílio Mion, deputados, senadores e vereadores, além
de empresários. Joffre é o proprietário e diretor da publicação e Sperança atua como
redator-chefe. “Todos comemoraram, mas eu já tinha estourado de tanto trabalho”,
explicaria mais tarde, em entrevista, Celso Sperança ao seu filho Alceu.21
Contando com uma gráfica própria, o jornal trouxe uma certa modernidade à
incipiente imprensa da cidade: era impresso em duas cores. “O linotipo foi o primeiro a
chegar em Cascavel, procedente da capital”, lembraria Eli do Espírito Santo22, diretor
gráfico do jornal. Na página 2 da primeira edição, Wilson Joffre assina um artigo no
qual afirmava que o jornal lutaria para que Cascavel não fosse mais apontada “como um
núcleo de jagunços e aventureiros” e apresentava os ‘objetivos’ do jornal:
A nossa crítica será sempre construtiva. Estaremos sempre ao lado dos bons. Combateremos os maus. Os ternos derrotistas e políticos de ocasião não terão vez em nossas páginas. Aceitaremos sugestões e conselhos de homens prudentes, e que estejam ligados a qualquer setor de atividade desta imensa zona oeste paranaense. Seremos os arautos de todas as reivindicações justas da coletividade. Prestigiaremos o governo estadual, federal e municipal contanto que esses governos atendam as justas reivindicações do povo. 23
Na capa, logo abaixo do logotipo do jornal – em verde – lia-se o lema da
publicação: “Um jornal a serviço do município, estado e do Brasil”. Em formato
avantajado – 36,5 cm por 54 cm -, o jornal apresentava oito páginas. No primeiro
número, trazia, na capa, diversas notas curtas sobre assuntos regionais – como a visita
do senador Juscelino Kubitschek a Londrina, a posse do líder do PSD paranaense na
Câmara Federal, a internação hospitalar do ex-presidente da República Café Filho -,
outras internacionais, como o rompimento das relações diplomáticas entre o Vietnã do
Sul com Laos, e uma notícia ‘espetacular’: uma menina de 10 anos havia dado à luz em
Chicago (o título anunciava: “Fenômeno: menina mãe”).
Textos curtos sobre assuntos locais espalhavam-se ao longo das outras páginas: a
primeira edição apresenta notícias sobre as atividades das lideranças políticas e do clube
Lions de Cascavel. O jornal também abordava assuntos mais leves, de entretenimento,
como turismo no Paraná, e contava com uma seção de horóscopo e a programação do
cinema Delfim. Na página 2, a coluna Álbum Social, que divulgava eventos como
21 O Paraná. 15 de maio de 1996. Página A 622SPERANÇA, Alceu. SPERANÇA, Carlos. Pequena história de Cascavel e do Oeste. Cascavel, 198023 Diário D´Oeste. 11 de novembro de 1962. Página 2
batizados, aniversários, casamentos, convidava o leitor a contribuir com notas sobre o
‘calendário social’ da cidade. “Este jornal divulgará com o máximo prazer e solicitude
acontecimentos sociais e familiares de Cascavel e região”. Com o passar do tempo, a
coluna acrescentaria outras bossas, como sonetos, poesias e “gotas filosóficas”.
É no Diário do Oeste que começa a desabrochar o talento de Frederico Sefrin
Filho, que viria a ser um dos mais importantes jornalistas da cidade, mentor de uma
geração de repórteres. Paulista criado no Rio Grande do Sul, Sefrin conhecera Sperança
na Rádio Colméia, onde trabalhava como radialista. Confiando no talento do jovem de
21 anos, Sperança convida Sefrin a assumir o cargo de ‘redator secretário’ no Diário,
título imponente, mas que, na prática, resumia-se a um faz-tudo: Sefrin trabalhava da
reportagem à edição. Ele era ainda responsável pela seção Esportes em Revista, que
ocupava toda a página 7 e apresentava matérias, pro exemplo, sobre a nova liga
cascavelense de basquetebol - uma novidade na cidade - e os times de futebol da cidade.
Em coluna assinada, o jornalista afirma, na edição número 1, que o compromisso
‘sagrado e inviolável’ do jornal seria “levantar os véus de mistério que esmaecem as
contundências do fato”.24
Em dezembro de 1962, sentindo-se assoberbado com o acúmulo de trabalho
simultâneo no Diário e na Rádio Colméia, Sperança desliga-se do jornal. “Foi saindo o
primeiro, o segundo, o terceiro, o número 4 [do jornal], mas eu já não agüentava”.25
Sefrin assume a chefia de uma redação de cerca de 17 pessoas. E, aos poucos, o Correio
D´Oeste vai passando por algumas reformulações. A coluna Telegramas dos Estados,
na primeira página, resume notícias que as várias Prefeituras do Estado e país enviavam
ao jornal e a Rumor...zinhos, apresentava notinhas sobre os bastidores da política local e
regional. . O espaço Síntese mundial registrava, também de maneira breve, notícias da
Europa, Estados Unidos e Ásia. O mundo é da mulher, assinada pela dupla Sirlei e
Maria América (esta última mulher de Sefrin), trazia dicas para mães e donas de casa
sobre receitas culinárias, cuidados com bebês e como fazer embrulhos bonitos para
presentes de Natal. Correspondentes das cidades de Céu Azul e Foz do Iguaçu
enviavam notícias destas cidades.
O jornal se engaja em campanhas de cunho político, quando, por exemplo, a
partir de dezembro de 1963, conclama seus leitores a dizer não no plebiscito que
24 Diário D `Oeste. 11 de novembro de 1962. Página 7.25 Fronteira do Iguaçu. 30 de março de 1977.
decidiria sobre a aprovação do Ato Adicional que criara o parlamentarismo no país. E,
aos poucos, vai conquistando alguns anunciantes – como madeireiras, relojoarias, lojas
de ferragens, bares e confeitarias -, que divulgavam serviços e produtos em suas
páginas. Mas a publicidade e os cerca de 200 assinantes não eram suficientes para
financiar o jornal, que sobrevive graças aos investimentos do próprio dono.
Com a saída de Sefrin, em 1962, que decide voltar a trabalhar na Rádio Colméia,
o jornal perde seu comandante. Como o Diário enfrentava problemas financeiros,
Wilson Joffre decide vender parte do maquinário do jornal para reduzir estrutura e
custos. Sem uma direção, o jornal deixa de ser produzido durante três meses. Joffre
convida, então, em 1963, o jovem gráfico Elcir João Carlos Neis, de 21 anos, para
dirigir as oficinas da publicação e retomar a sua circulação. Gaúcho, Neis era dono de
uma pequena gráfica em Medianeira e tinha tido contato com o jornalismo desde cedo.
“Eu fui criado dentro de uma gráfica. Aos sete anos, já trabalhava em uma tipografia.
Depois, aos 18 anos, fui free-lancer de um jornal em Caxias do Sul”. 26
Com essa experiência, Neis assume a gerência do jornal, o que na prática,
aprenderia ele, significava trabalhar na reportagem, edição e gráfica. Profissional sério,
ele percebe que, como responsável pelo jornal, teria que sanar enormes dificuldades. “O
jornal não estava no vermelho, já era roxo de tanta dívida”. Além disso, muitos
funcionários não desempenhavam suas funções adequadamente. Em poucas semanas,
ele dispensa nove funcionários e inicia o processo de organização do jornal. O primeiro
passo é diminuir o formato do jornal para 33 cm por 48 cm. Em seguida faz uma
proposta ao médico: o jornal deveria transformar-se em semanário para cortar despesas.
Proposta aceita, Neis faz visitas a vários comerciantes locais para convencê-los a
anunciarem na publicação. Mas “a maioria torcia o nariz. Diziam que não precisavam
de anúncios”. Neis tem uma idéia para aumentar a venda do jornal: faz acordo com as
prefeituras da região e o jornal torna-se diário oficial de municípios como Cascavel, Foz
do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, entre outros. A idéia dá excelente resultados: ao final de
30 dias o Diário do Oeste já apresentava um faturamento 12 vezes maior que o
faturamento médio do ano anterior. O médico proprietário da publicação fica encantado
com o tino comercial de Neis, que passa a receber uma comissão sobre as vendas do
jornal.
26 Entrevista à autora em 29 de março de 2006.
Em dezembro de 1966 morre o proprietário do jornal, Wilson Joffre. Neis
assume ainda mais funções dentro do jornal: passa a ser responsável pela produção dos
editoriais. Mas os constantes desentendimentos com a viúva do médico acabam por
fazer com que ele decida deixar o jornal em 1969 e abrir um negócio próprio. Com sua
saída, O Diário D´Oeste deixa de circular.
3. Considerações finais
Um dos papéis da mídia é o do registro dos acontecimentos que marcam o rumo
da nossa história. Mas também, como nos lembra Dines27, trata-se de um centro de
memória sobre pessoas, costumes, cultura. A memória, complementa Le Goff,28 “é um
elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja
busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na
febre e na angústia”. Através da memória nos definimos como pessoas, cidadãos e
cultura.
Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando com as percepções imediatas, como também empurra “descola” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora.
Bosi 2003, p. 3629
Este estudo – que faz parte uma investigação maior, embrião de um livro,
compreendendo a trajetória de todos os jornais impressos de Cascavel - tem por objetivo
auxiliar na preservação da mídia impressa do município, através do resgate da história
dos primeiros jornais da cidade, desde o lançamento do primeiro periódico, a Gazeta D’
Oeste, em 1952. A análise contempla a influência do contexto histórico-social da época
no estabelecimento de condições que favoreceram o lançamento dos jornais analisados e
identifica o caráter político-partidário destas primeiras publicações. Com peridiocidade
e tiragem irregular e sem contar com verbas publicitárias que os financiassem, estes
veículos sobreviveram enquanto existia o ideal de formação política. Assim como
ocorreu em outras cidades do Paraná – por exemplo, em Londrina, Maringá e Ponta
27 DINES, Dines. O papel do jornal. São Paulo: Summus, 1986.28 LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1992.29 BOSI, Ecléa Bosi. O tempo vivo da memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
Grossa –, “muitos grupos criavam jornais para expressar suas idéias, vender elogios à
cidade, potencializar a cultura ou criticar o poder vigente através das páginas
impressas”.30 E, assim que terminava o apoio político ou o momento do interesse, o
jornal desaparecia. Vale ressaltar, também, que a intenção de obter lucros econômicos
através desses jornais estava relegada a um segundo plano; a atividade jornalística era,
com freqüência, deficitária, confirmando Habermas31.
Esta investigação relaciona-se ainda com o crescimento e consolidação dos
cursos de graduação e pós-graduação em Jornalismo na cidade de Cascavel, cursos estes
que formam, anualmente, cerca de 150 novos profissionais e futuros pesquisadores na
área. Na fase de produção de monografias e artigos, os acadêmicos enfrentam
dificuldade em encontrar fontes documentais que descrevam a história dos jornais da
cidade.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
DINES, Alberto. O papel do jornal. São Paulo: Summus, 1986.
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide - para uma teoria marxista do
jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
SPERANÇA, Alceu. Cascavel, a história. Curitiba: Lagarto, 1992.
PONTES, Felipe Simão; GADINI, Luiz. Mídia, História e Memória dos Campos
Gerais do Paraná. Breve análise histórica do jornalismo impresso na cidade de
Ponta Grossa (PR). Anais do III Encontro Nacional de História da Mídia. Rede Alcar,
Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, 2005.
30 PONTES, Felipe Simão; GADINI, Luiz. Mídia, História e Memória dos Campos Gerais do Paraná. Breve
análise histórica do jornalismo impresso na cidade de Ponta Grossa (PR). Anais do III Encontro Nacional de
História da Mídia. Rede Alcar, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, 2005. 31 HABERMAN, Jurgen. In GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide - para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987.