monografia flora Última versÃo 03-094.4 cronograma de atividades para o tfg – arq 349 ......
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Morro da Mangueira:
O samba como (trans)formador da favela
Por Flora d’El Rei Lopes Passos
Trabalho apresentado à disciplina ARQ 348 – Monografia – do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa, com objetivo de reflexão sobre determinado tema a fim de elaborar um projeto arquitetônico na disciplina ARQ 349 – Trabalho Final de Graduação.
Orientadora: Regina Lustoza
Viçosa‐MG Universidade Federal de Viçosa
Novembro / 2008
II
Agradecimentos
A benção a toda minha família coruja, pelo incentivo e grande ajuda! A benção a todos os meus amigos, principalmente, os que ajudaram na produção
dessa Monografia e que me acompanharam na Mangueira, em feijoadas, ensaios de escolas de samba e outras tarefas “difíceis” como essas. Em especial, o Jojô e o Preza,
meus dois queridos parceiros de samba! Uma benção mais que especial ao último! A benção à Regina que desde o início se animou com o tema e me orientou à
distância. A benção ao Renato Pontello pela linda capa.
A benção a todos que me visitaram. A benção aos entrevistados, pela boa vontade e grande ajuda.
A benção ao Samba! A benção à Cidade Maravilhosa!
E saravá...
III
Sumário Lista de Figuras............................................................................................................................ V
Lista de Músicas.......................................................................................................................... VI
Apresentação........................................................................................................................ 2
1. Conceitos
1.1 Favela: “mazela” da cidade ............................................................................................ 5
1.2 Favela: o espaço em movimento na ginga do samba ...................................................... 7
1.3 Direito à cidade inclui direito à cultura ......................................................................... 10
2. O Samba na história do Rio de Janeiro
2.1 As origens do Rio de Janeiro ........................................................................................ 13
2.2 A chegada da família real portuguesa .......................................................................... 14
2.3 Crises e repressões na República .................................................................................. 16
2.4 Uma capital da Belle Époque ........................................................................................ 17
2.5 E surge o samba carioca! .............................................................................................. 22
2.6 A reforma urbana em forma de lei ............................................................................... 24
3. A Mangueira dos bambas
3.1 A ocupação do Morro da Mangueira ............................................................................ 27
3.2 A afirmação da Mangueira na paisagem carioca ........................................................... 30
3.3 Do samba religioso ao samba profano ......................................................................... 31
3.4 Nasce a Estação Primeira de Mangueira ....................................................................... 33
3.5 A favela: uma “questão social” .................................................................................... 35
3.6 As costuras viárias no Rio de Janeiro ............................................................................ 37
3.7 A voz do Morro ............................................................................................................ 38
3.8 A grande crise política .................................................................................................. 43
3.9 Novos tempos .............................................................................................................. 46
IV
3.10 O carnaval do espetáculo ............................................................................................. 49
3.11 A densidade, o tráfico e o funk ..................................................................................... 50
3.12 O Favela‐Bairro ............................................................................................................ 53
3.13 A dura realidade .......................................................................................................... 55
3.14 O Morro da Mangueira hoje ......................................................................................... 57
3.14.1 Localização e situação do Complexo da Mangueira ............................................... 57
3.14.2 Acessos ao Complexo da Mangueira ..................................................................... 58
3.14.3 Dados do Morro da Mangueira ............................................................................. 62
3.14.4 Estrutura urbana do Morro da Mangueira ............................................................ 62
3.14.5 Usos do solo e equipamentos comunitários .......................................................... 63
3.14.6 Projetos sociais e eventos culturais: ..................................................................... 63
4. Considerações Finais .................................................................................................... 68
4.1 Participação popular .................................................................................................... 68
4.2 Morfologia urbana ....................................................................................................... 69
4.3 Propostas projetuais .................................................................................................... 71
4.4 Cronograma de atividades para o TFG – ARQ 349 ......................................................... 71
5. Referências Bibliográficas ............................................................................................ 72
6. Anexos ......................................................................................................................... 74
V
Lista de Figuras
Figura 1: O Morro do Castelo em 1920 ....................................................................................... 13
Figuras 2: As danças africanas.................................................................................................... 13
Figura 3: O lundu africano ........................................................................................................... 14
Figura 4: Baile de máscaras no carnaval de 1840 ....................................................................... 15
Figuras 5: Inauguração da Estrada de Ferro............................................................................... 15
Figura 6: Morro da Providência, chamado de Morro da Favella ................................................ 17
Figura 7: Avenida Central ............................................................................................................ 18
Figura 8: Ecletismo no Tetro Municipal da Av. Central.............................................................. 18
Figura 9: Morro do Pinto no início do séc. XX ............................................................................. 20
Figura 10: Praia de Botafogo em 1863....................................................................................... 20
Figura 11: o Corso – carnaval da alta sociedade carioca............................................................. 21
Figura 12: A Praça Onze em 1910 ............................................................................................... 22
Figuras 13: A casa da Tia Ciata na Praça Onze............................................................................ 22
Figura 14: Demolição do Morro do Castelo ................................................................................ 24
Figura 15: À direita, o Copacabana Palace................................................................................. 24
Figura 16: Favelas no Rio de Janeiro até 1900 ............................................................................ 27
Figura 17: Morro do Telégrafo .................................................................................................... 28
Figura 18: Morro do Telégrafo com plantação........................................................................... 28
Figura 19: Fábrica Fernando Braga ............................................................................................. 28
Figura 20: A Estação ferroviária da Mangueira.......................................................................... 28
Figura 21: Lavadeiras na região da Candelária ............................................................................ 29
Figura 22: Vista da região do Chalé............................................................................................ 29
Figura 23: Morro do Telégrafo .................................................................................................... 30
Figura 24: Rua Visconde Niterói sem pavimentação .................................................................. 31
Figura 25: Rua Visconde de Niterói e linha férrea...................................................................... 31
VI
Figura 26: O jongo ....................................................................................................................... 32
Figura 27: Tia Fé......................................................................................................................... 32
Figura 28: O Buraco Quente em 1930 ......................................................................................... 34
Figura 29: 1ª Ala da Mangueira – “Periquitos” ........................................................................... 35
Figura 30: Ala dos compositores................................................................................................ 35
Figura 31: Favelas no Rio de Janeiro até 1930 ............................................................................ 36
Figura 32: Armazém do Zé de Castro .......................................................................................... 36
Figura 33: Pavimentação da Rua Visconde de Niterói................................................................ 36
Figura 34: Desfile na Presidente Vargas em 1952 ....................................................................... 38
Figuras 35: Cartola em desfile na Presidente Vargas................................................................. 38
Figura 36: Arquitetura de “sopapo” ............................................................................................ 39
Figura 37: Barraco da Timbaca, na Mangueira........................................................................... 39
Figura 38: O choro do cavaquinho .............................................................................................. 39
Figura 39: Um menino e a uma cuíca......................................................................................... 39
Figura 40: Ala das Caprichosas da Mangueira ............................................................................. 41
Figura 41: Mangueira na Embaixada britânica........................................................................... 41
Figura 42: O mestre‐sala da Mangueira no Buraco Quente ....................................................... 41
Figura 43: Porta‐bandeira da Mangueira................................................................................... 41
Figura 44: A Mangueira em 1951 ................................................................................................ 42
Figura 45: Roda de samba familiar na Mangueira ...................................................................... 43
Figura 46: Banho “curtido” na Mangueira.................................................................................. 43
Figura 47: Favelas no Rio de Janeiro até 1964 ............................................................................ 45
Figura 48: Unidos de Lucas em 1971 ........................................................................................... 47
Figuras 49: Império Serrano em 1973........................................................................................ 47
Figura 50: Beija Flor de Nilópolis em 1977 .................................................................................. 49
Figuras 51: Estação Primeira de Mangueira em 1977................................................................ 49
VII
Figura 52: Mangueira em 1985 ................................................................................................... 50
Figura 53: Mangueira em 1987.................................................................................................. 50
Figura 54: Manguira em 1988.................................................................................................... 50
Figura 55: Inchaço nas favelas ..................................................................................................... 51
Figura 56: Habitação nas favelas................................................................................................ 51
Figura 57: Tráfico de drogas ........................................................................................................ 52
Figura 58: Baile funk “Furacão 2000” na Mangueira.................................................................. 52
Figura 59: Foto geral das habitações .......................................................................................... 54
Figura 60: Lixão no topo do Morro............................................................................................. 54
Figura 61: Vila da Miséria ............................................................................................................ 54
Figura 62: Palácio do Samba com dois pavimentos.................................................................... 54
Figura 63: Favelas no Rio de Janeiro até 1997 ............................................................................ 55
Figura 64: Cidade do Samba ........................................................................................................ 56
Figura 65: Áreas de Planejamento do Rio de Janeiro.................................................................. 57
Figura 66: Mapa com entorno.................................................................................................... 57
Figura 67: Foto aérea do entorno com delimitação do Complexo da Mangueira ...................... 58
Figura 68: Quadra do Palácio do Samba ..................................................................................... 64
Figura 69: Auditório do Palácio de Samba.................................................................................. 64
Figura 70: Feijoada da família mangueirense ............................................................................. 64
Figura 71: Nélson Sargento da Velha Guarda............................................................................. 64
Figura 72: Fachada frontal do Palácio do Samba ........................................................................ 65
Figura 73: Rua Visconde de Niterói antes do ensaio.................................................................. 65
Figura 74: Interior da quadra no ensaio ...................................................................................... 65
Figura 75: Mestre‐sala e Porta‐bandeira.................................................................................... 65
Figura 76: Bateria da “Mangueira do Amanhã” .......................................................................... 65
Figura 77: Mestre‐salas, Porta‐bandeiras e passistas................................................................. 65
VIII
Figura 78: Ginásio de esportes .................................................................................................... 66
Figura 79: Posto médico............................................................................................................. 66
Figura 80: Área de enventos....................................................................................................... 66
Figura 81: CIEP ............................................................................................................................. 66
Figura 82: Escola Tia Neuma....................................................................................................... 66
Figura 83: Sala de informática.................................................................................................... 66
Figura 84: Centro Cultural Cartola .............................................................................................. 67
Figura 85: Salão de eventos........................................................................................................ 67
Figura 86: Área externa.............................................................................................................. 67
Figura 87: Rua Visconde de Niterói vista do Palácio do Samba .................................................. 67
IX
Lista de músicas
Recordações do Rio Antigo (1961) / Hélio Turco, Pelado e Cícero ........................................... 12
Foram‐se os malandros (1928) / Donga e Casquinha ................................................................ 25
Dos carroceiros do imperador ao Plácio do samba (sem data) / Jurandir e Rubem..................26
Samba do operário (sem data) / Cartola .................................................................................... 31
Escurinha (1950) / Geraldp Pereira e Arnaldo Passos ................................................................ 39
Mundo de Zinco (1952) / Wilson Batista e Antônio Nássara...................................................... 40
Palácio encantado (sem data) / Jurandir e Irson Pinto ............................................................. 40
Saudosa Mangueira (1954) / Herivelto Mratins ......................................................................... 42
Exaltação à Mangueira (1956) / Enéas Brites e Aloísio Augusto da Costa ................................. 42
Sala de recepção (sem data) / Cartola ........................................................................................ 43
Opinião (1964) / Zé Kéti .............................................................................................................. 45
Favela (1966) / Jorginho e Padeirinho da Mangueira ................................................................. 46
Sei lá Mangueira (1968) / Paulinho da Viola e Hrmínio Bello de Carvalho ................................ 46
Alvorada (1976) / Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho ................................. 46
Estação Derradeira (sem data) / Chico Buarque de Hollanda .................................................... 49
Encanto de paisagem (1986) / Nélson Sargento ........................................................................ 52
Nomes de favela (2000) / Paulo César Pinheiro ........................................................................55
1
[...] Padecemos este pânico, mas o que se passa no morro é um passar diferente,
dor própria, código fechado: Não se meta, paisano dos baixos da Zona Sul.
Tua dignidade é teu isolamento por cima da gente. Não sei subir teus caminhos de rato, de cobra e baseado,
tuas perambeiras, templos de Mamalapunam em suspensão carioca.
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,
medo só de te sentir, encravada favela, erisipela, mal‐do‐monte na coxa flava do Rio de Janeiro.
Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver
Nem de tua manha nem de teu olhar. Medo de que sintas como sou culpado
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.[...]
Favelário Nacional, Carlos Drummond de Andrade
2
Apresentação
Durante a minha graduação na Universidade Federal de Viçosa, dividi meu tempo entre o curso de Arquitetura e Urbanismo e a Dança. Tentei, portanto, relacionar as duas fornas de manifestação humana nesta Monografia. Morar no Rio de Janeiro por um ano me proporcionou conviver intensamente com as favelas e também com o samba. O convívio físico com as favelas iniciou‐se com o estágio na Fundação Bento Rubião/RJ, entretanto, ao longe, as janelas do ônibus enquadravam os morros cariocas nos meus percursos cotidianos. Já o samba traduz o ritmo da cidade, no seu gingado, no seu movimento, que faz dançar o corpo na apropriação desse espaço urbano.
Desta forma, o presente projeto é voltado para a área de urbanismo e consiste em um estudo da evolução morfológica de um assentamento informal localizado na Cidade do Rio de Janeiro. Acima de tudo, é uma reflexão sobre a gestão democrática das cidades, as desigualdades e segregações socioespaciais que se estampam nelas. É ainda, sobre o resgate do papel social do samba como identidade e memória da cultura popular.
Buscar conhecer o Rio de Janeiro é tentar entender a gênese e a evolução dos seus espaços populares, já que a favela se insere no contexto da cidade como sendo parte dela, de forma material, simbólica e cultural. E é, além de tudo, viver o turbilhão de cultura que esquenta as veias cariocas. Usando as palavras de Henri Lefebvre, é escutar a cidade como se fosse uma música (LEFEBVRE, 1991).
O projeto se pauta em alguns conceitos da Geografia Humanística, que entende o homem como produto e produtor do espaço, incluindo na pesquisa sentimentos, valores, enfim, experiências dos homens que criam, atuam e vivem no espaço, inclusive, analisando como a simbologia e o significado dos lugares pode afetar a organização espacial (MELLO, 1990).
O objeto de estudo são as favelas e a relação da música com a construção deste espaço. Como área de estudo foi escolhida o Morro da Mangueira, localizado na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, na sub‐região de São Cristóvão. O gênero musical estudado é o Samba, de autoria de moradores do morro e/ou compositores da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, assim como demais compositores que já cantaram a Mangueira em versos.
3
O objetivo geral deste trabalho é analisar a evolução de um assentamento informal da Cidade do Rio de Janeiro, por meio da morfologia urbana e das criações musicais, relacionando‐as aos acontecimentos históricos.
Assim, além dessa apresentação, a Monografia é constituída de três capítulos, assim distribuídos:
No primeiro capítulo serão abordados e relacionados alguns conceitos que norteiam a pesquisa e ajudam a compreender melhor a realidade da construção dos espaços informais nas cidades, são eles: cidade e favela; favela e samba e, por último, cultura e cidadania.
O segundo capítulo trata da evolução urbana da Cidade do Rio de Janeiro, relacionando os acontecimentos históricos, políticos e culturais da cidade como um todo, enfatizando a formação das favelas do início do século XX, bem como o surgimento do samba e de manifestações relacionadas, como o carnaval.
Por fim, o quarto capítulo busca descortinar a gênese, a evolução e a consolidação do Morro da Mangueira no espaço urbano. As suas transformações e manifestações do ponto de vista físico, político e cultural serão relacionadas aos acontecimentos históricos da cidade, em escala maior, passando do início do século XX aos dias atuais.
Para o apoio à análise física, política e cultural da cidade e, pricipalmente, da Mangueira, são utilizadas letras compostas em diferentes épocas da história. A literatura, especificamente a música, evoca a alma dos lugares, capta e descreve o desempenho dos seres humanos, a fixação aos lugares, o cotidiano, o transcendental, o exílio, as viagens festivas, a nostalgia, enfim, uma ampla gama de motivos, privações, humores e emoções (MELLO, 1990).
A metodologia da pesquisa contou com uma extensa revisão bibliográfica abordando os temas: favelas e evolução urbana do Rio de Janeiro, manifestações culturais do início do século XX, Samba, Morro da Mangueira, G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, cultura, cidadania, entre outros. Foram consultadas obras em bibliotecas públicas do Rio de Janeiro, além de bibliotecas pessoais e dissertações disponíveis na internet.
Em pesquisa iconográfica foram selecionadas algumas fotos da cidade e, especificamente, da Mangueira no início do século XX, além de mapas cadastrais de diferentes anos, que permitissem compreender a evolução da conformação da favela. Foram adquiridos materiais no Instituto Pereira Passos (IPP) e no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ).
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Em pesquisa de discografia, em acervos pessoais e disponíveis na internet, foram selecionadas letras de sambas que retratassem momentos políticos e culturais relevantes, além de características físicas e sociais da Mangueira e favelas, em geral. Tendo em vista a indisponibilidade dos anos de composição de todas as letras, por se tratarem de músicas antigas, foi dado um enfoque mais temático que temporal, em alguns casos.
Finalmente, foram feitas visitas à campo com o objetivo de entrevistar moradores do Morro da Mangueira e pessoas relacionadas à Estação Primeira ou aos projetos sociais realizados na favela, além de observações in loco do cotidiano e de momentos com manifestações culturais.
Com a reunião das informações acerca do tema, foram elaborados mapeamentos que tratam da formação das favelas no Rio de Janeiro e da evolução do Morro da Mangueira, assim como sua consolidação através do diagnóstico realizado até o momento.
É de grande importância estudar a favela desde sua gênese aos dias de hoje, para somente assim, propor, com a participação popular, estratégias de melhoria nas condições de habitação e/ou nos espaços de convivência coletiva. Nossa hipótese é que ao resgatar a memória e a cultura que marca a identidade dos moradores do Morro da Mangueira é possível revitalizar aquele espaço. Como por exemplo, o samba, que outrora contribuiu para sua formação, hoje, com seu resgate, pode ser capaz de transformá‐lo.
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1. Conceitos
1.1 Favela: “mazela” da cidade
O que é favela? Para muitas pessoas, o uso deste termo pode causar estranhamento. A primeira visão que temos ao se falar em favela é a miséria, a carência, a ausência de infra‐estrutura, de saneamento, de moral, de leis e até de bem‐estar. Esses espaços se tornaram invisíveis, sendo identificados mais pelos “pré‐conceitos” do que pelas suas reais caracteísticas (SILVA; BARBOSA, 2005), sejam essas características físicas, culturais ou sociais. As favelas são enxergadas de forma homogênea e estigmatizadas ao longo da história de formação das cidades.
É impossível compreender a cidade como um todo sem entender a gênese e a evolução dos seus espaços populares. O adensamento populacional dos centros urbanos e a fragmentação destes em infinitos territórios, definidos pela lógica do mercado, criam um cenário de segregação socioespacial em que se distanciam cada vez mais a pobreza e a riqueza na cidade. E é nesse viés que surgem os assentamentos ditos “informais” 1, as favelas.
Considera‐se que as primeiras favelas do Rio de Janeiro surgiram no final do século XIX e início do século XX, com as demolições de cortiços do Centro. O termo favela foi inaugurado em 1897 para nomear o “Morro da Favella”, ocupação onde seria o Morro da Providência, no Centro do Rio de Janeiro.
Com o fim da Guerra de Canudos, cerca de 10.000 soldados ex‐combatentes desembarcaram no Rio de Janeiro e se instalaram no morro, onde já havia habitantes. O nome dado fazia referência ao local em Canudos que seviu de acampamento aos soldados e a um arbusto típico do sertão nordestino.
Na virada do século XX, a forma de ocupação em morros com alta densidade ocupacional e com barracões – especialmente de zinco – construídos pelos próprios donos, já havia se espalhado pela cidade. Assim, o termo favela passou a ser usado para designar outras localidades, se tornando um substantivo (ZALUAR, 1998). Em 1950, o censo realizado pela Prefeitura do Distrito Federal reconhece as favelas, como:
Proporções mínimas: agrupamentos prediais ou residenciais formados com unidades de número geralmente superior a 50. Tipo
1 As favelas e loteamentos irregulares são identificados, em geral, pelos órgãos públicos como espaços informais, devido à ausência do cumprimento de determinadas normas urbanas. Do lado considerado formal, estão os bairros.
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de habitação: predominância, no agrupamento, de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente de folhas de flandres, chapas zincadas, tábuas ou materiais semelhantes. Condição jurídica de ocupação: construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida. Melhoramentos públicos: ausência no todo ou em partes, de rede sanitária, luz, telefone, água encanada. Urbanização: área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento. (Departamento de Geografia e Estatística da Prefeitura do Distrito Federal – Censo – 1950)
No Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, promulgado em 26 de maio de 1992, o fator renda é colocado como um determinante na definição das favelas. E em 2000, o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – mantem a caracterização marcada pelas “ausências” (do censo de 1950), acrescentando, ainda, termos como desordem e carência.
De substantivo, o termo favela se torna, pelo senso comum, um adjetivo que representa a negatividade. Hoje, as percepções anacrônicas dos espaços populares se ampliam cada vez mais e as dicotomias favela‐cidade, formal‐informal continuam a se enraizar na sociedade brasileira. A favela ainda é o oposto de um determinado ideal de urbano vivenciado por uma pequena parcela dos habitantes da cidade (SILVA; BARBOSA, 2005).
As políticas públicas de remoções e relocações dos moradores para conjuntos habitacionais, aplicadas por muito tempo, além de intervenções propostas de cima para baixo, são exemplos da tentativa de integração na malha urbana.
Será mesmo necessária a homogeneidade formal da malha urbana? Por que não assumir a estética das favelas que já existem a mais de um século? (JACQUES, 2001).
Seguindo esta linha de raciocínio, os últimos anos têm sido marcados pelo esforço em reconhecer os aspectos morfológico‐espaciais da favela e compreender sua dinâmica de tranformações, através, por exemplo, de propostas de melhoria in loco. Essa melhoria se trata de procedimentos como a legalização da posse da terra, a proteção contra a especulação imobiliária e projetos de intervenção urbana. Apesar dessa forma de intervenção ser considerada, atualmente, a mais eficaz, existem muitos casos em que se impoem certos padrões estéticos da cidade dita formal, ocorrendo uma contradição entre planejamento e dinâmica natural, ao contrário do seu propósito inicial de reconhecimento da “informalidade” (SOBREIRA, 2003).
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1.2 Favela: o espaço em movimento na ginga do samba
As expressões artísticas, os rituais e os modos de vida, constituintes da cultura da população, se concentram na cidade como a memória afetiva de pessoas em uma determinada faixa de tempo. A favela, assim como os demais espaços da cidade, é um lugar de vida, criação e arte.
[...] as favelas são espaços em movimento. O espaço em movimento é, ao mesmo tempo, o espaço da ginga e a ginga do espaço. A ginga do espaço está diretamente relacionada à ginga corporal. [...] Ginga também passou a estar relacionada ao samba, ao movimento de mexer os quadris, requebrar, rebolar. [...] Antes de ser forma, o espaço em movimento é um estado sensorial. Antes de ser espaço, é um caminho a ser percorrido. Em lugar de andar, é preciso também se aprender a dançar. (JACQUES, 2001).
Ao longo da história de formação da cidade, as favelas acompanham as transformações do espaço físico, os conflitos, as lutas, as festas, os movimentos políticos, os anseios dos moradores, e mais recentemente, o tráfico de drogas e a violência.Considerado o ícone da música brasileira, o Samba surge entre as camadas populares do Rio de Janeiro. Surpreendentemente, este que se torna símbolo nacional é justamente uma estética que se pauta pela simplicidade (NAVES, 1998).
Segundo o autor Hermando Vianna (2004), nunca existiu um samba pronto, “autêntico”, depois transformado em música nacional. O samba, como estilo nacional, vai sendo criado concomitantemente à sua nacionalização (VIANNA, 2004).
Em O Mistério do Samba, VIANNA (1995) coloca que a nacionalização do samba carioca é a coroação de um processo secular de interação recíproca entre cultura popular e a cultura erudita, considerando emblemático um encontro entre membros da elite intelectual da época e músicos populares para uma noitada de violão, que ocorria no Rio de Janeiro de 1926 (VIANNA, 1995). Essa interação entre grupos de diferentes camadas sociais e a projeção do samba se deu graças à ocupação dos espaços abertos pela nascente cultura de massa. Além disso, sua legitimidade vincula‐se, ainda, ao processo de reconhecimento do negro no Brasil.
Quando se instaura a República, em 1889, o cenário do país é de repressão às manisfestações culturais e políticas da maioria da população, causando a sensação de confinamento principalmente para as camadas populares da nação. Devido ao descontentamento, aparecem as repúblicas atomizadas, que são pequenos nichos de
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movimentos artísticos (CARVALHO, 1987: 38‐41), como a “Festa da Penha” e a “Pequena África do Rio de Janeiro”2.
Já, nos fins do século XIX e início do XX, surgem os primeiros cordões de Carnaval e Chiquinha Gonzaga compõe a primeira marchinha carnavalesca Ô Abre Alas, em 1899.
Assim, nos arredores da Praça Onze no Centro do Rio de Janeiro, mais precisamente nas casas das tias baianas3 – em ambientes festivos, devocionais ou não – nasce o samba carioca.
Cria‐se então um duplo movimento com relação às manifestações de origem negra: a condenação por parte de alguns, considerando‐as práticas bárbaras e o enaltecimento por outros, vendo‐o como símbolo na originalidade nacional. A vinda de estrangeiros que apreciavam as manifestações populares do Brasil também contribuiu para que o samba se firmasse no cenário musical nacional e internacional. Vale ressaltar que o samba ainda não era considerado um gênero musical na época.
O samba se instala então no Rio da Regeneração e no Rio das Malocas (RIO, 1951), isto é, entre integrantes da classe dominante e artistas das camadas populares, e passa a se definir com diferentes estruturas.
O Teatro de Revistas4, surgido no Rio de Janeiro ainda no final do século XIX, foi uma importante forma de dilvulgação de sambas, assim como gravação de discos, que tem como marco inicial a gravação de Pelo Telefone, de Ernesto Joaquim Maria dos Santos (o Donga) e Maurício de Almeida (1919). A partir de então, o samba é considerado gênero musical.
Na década de 60, o Teatro de Revistas, já chamado de “Teatro Rebolado” pela ousadia que ganhara com o tempo, declinou principalmente com o advento do rádio e do cinema falado. Surge um novo ritmo de samba que se torna hegemônico (REIS, 2 Abrangia os bairros Cidade Nova, Gamboa, Saúde e adjacências. Lá morava uma grande concentração de africanos, crioulos e mestiços.
3 A casa da Tia Ciata, sacerdotisa do candomblé, era onde se reuniam o maior número de pessoas em festejo do samba. Em depoimento de um antigo morador, é dito que: baile na sala de visitas, samba de partido‐alto nos fundos da casa e batucada no terreiro. A festa era de preto, mas branco também ia lá se divertir (MOURA, 1983: 104).
4 Gênero de teatro musicado de uma época em que o principal mercado de trabalho era o teatro, os cabarés e os cafés dançantes. Surgiu como uma opção de lazer para as camadas da crescente classe média urbana do Rio de Janeiro e narrava os principais acontecimentos do ano, de forma humorada, usando o recurso da dança e da música. Após 1887, passa a valorizar a canção popular e a usar o carnaval como tema. Figuras como a da baiana eram reincidentes nos palcos. Dentre os grandes sucessos estão: Corta‐jaca, de Chiquinha Gonzaga e No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso.
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1999) e em 1928, o bloco carnavalesco Deixa Falar pelos sambistas, do bairro Estácio de Sá, introduz o surdo e a cuíca como novos instrumentos.
Este momento é marcado pelo surgimento das Escolas de Samba que determinam a nova face do Carnaval. Em No Princípio era a Roda, Roberto Moura (2004) relata como a passagem do samba para as ruas causou desencanto entre alguns sambistas tradicionais, que reafirmam a volta às origens – à roda e à casa (MOURA, 2004). A fundação das Escolas de Samba sugeriu uma interação cultural social e política entre os moradores da favela e entre esta e os demais bairros da cidade.
Mais tarde, o samba carioca foi subdividido em três tipos, de acordo com a estrutura, melodia e letra: o “Partido‐alto”, “Samba de Terreiro” e “Samba Enredo”.
O “Partido‐alto” nasceu das rodas de samba, é marcado pela improvisação e tem forte relação com a dança, podendo ser do tipo “miudinho”, “amoladinho” e “com as mãos nas cadeiras”. O próprio nome da modalidade indica que existe nela certa superioridade entre seus praticantes, que tem como desafio improvisar as frases do samba sem fugir da proposta temática. As longas estrofes se encaixam em um tempo musical geralmente acelerado.
O “Samba de Terreiro” foi o primeiro samba das escolas e tinha um forte laço com a comunidade, perceptível, não somente nas letras das músicas que enalteciam a escola, o espaço (o morro), os moradores e o próprio samba, mas também, pelo fato do compositor sempre submeter o samba ao público, para aprovação.
Em 1933, a G.R.E.S. Unidos da Tijuca faz o primeiro samba que narrava o seu enredo de desfile de Carnaval e assim nasce o “Samba Enredo”. Semelhante ao chamado samba de exaltação, com melodias pomposas e letras rebuscadas, narravam, geralmente, temas da história do Brasil e de homenagem à própria escola, ao Rio ou à Bahia.
Além dos laços de pertencimento ao lugar, frutos das relações sociais que expressavam alegria, malandragem e momentos de lazer, o Samba reflete em suas letras, uma história de favela e favelados marcada por preconceitos e estigmas, conflitos (políticos, sociais e ambientais), resistência e vitalidade. Os sambas cariocas – “Samba de Terreiro”, “Partido‐alto” e “Samba Enredo” – retratam a expressividade cultural do Rio de Janeiro e foram tombados como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil em 2007.
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1.3 Direito à cidade inclui direito à cultura
Segundo o artigo 6º da Constituição Federal, todos têm o direito à cidade, uma vez que é nela que o cidadão usufrui de seus direitos sociais, tais como: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer além da segurança.
Para falar em direito à cidade, o primeiro passo é a não fragmentação em oposições como favela versus asfalto. Afinal, a cidade é uma só. É necessária também a luta por uma gestão democrática da cidade. A favela não pode ser representada como lugar de pobreza, ausência, criminalidade e “não‐cidade” (OLIVEIRA, 2005). Ela deve ajudar a recuperar o sentido da cidade como obra humana, consequência das relações sociais e pressuposto para o bem estar.
O direito à cidade inclui o direito as diversas manisfestações culturais e a democratização da cultura, isto é, o acesso aos bens culturais devem ser estendidos a todos de forma ampla e irrestrita. Este, é hoje, o principal desafio para se alcançar a cidadania plena, uma vez que todos, indistintamente, sofrem com a massificação da cultura, imposta pela mídia. O que vemos hoje é uma cidade regida pelo mercado, pelo poder conforme exemplificam as palavras de GHOÈZ:
(...) Eles nos querem onde estamos, nos querem brutos e tristes, nos darão drogas e armas e escreverão novos roteiros e farão novos filmes sobre nossas vidas em nosso hábitat, mal sabem eles que o sangue já transborda da periferia, que existe mão‐de‐obra excedente com armas na mão, mas eles nos querem assim como melhor ator coadjuvante, não nos querem escrevendo, dirigindo, atuando... eles nos querem assim, sem voz, no escuro do anonimato (...) Mas alguns de nós já sabem: cultura é poder. (GHOÉZ apud CAMPELLO, 2005)
A “responsabilidade social” é um termo usado a esmo já que “ajudar” os menos favorecidos virou terceiro setor (FERRÉZ apud CAMPELLO, 2005)5. O cerne da questão não é levar a cultura clássica às favelas. Além disso, não garantir um mundo livre de confrontos e exclusões, não é viável e nem desejável do ponto de vista da preservação da pluralidade cultural sob a ótica do multiculturalismo. Nas favelas são construídas relações de sociabilidade, formas de trabalho e de geração de renda, criações artísticas e práticas culturais produtoras de identidade (SILVA; BARBOSA, 2005). É necessário o direito à arte. O direito de ser humano (LINS apud CAMPELLO, 2005).6
5 Ferréz é romancista, criador da revista Literatura Marginal e colaborou na revista Caros Amigos.
6 Paulo Lins, nascido e criado na periferia do Rio de Janeiro, é poeta, escritor e roteirista, autor do romance Cidade de Deus.
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É assim que se derrubam os muros dos guetos e se abrem os canais de troca, na cidade cindida. [...] a linguagem universal da arte é, na diversidade das culturas, a mediação que torna possível o seu diálogo. [...] Enquanto existir a possibilidade de propagar o milagre da criação, espaços de cultura e arte continuarão a ser cidadelas que permitem aos homens redescobrir em si mesmos o idioma de nossa humanidade. (MONTES, apud CAPELLO, 2005.)7
Quando houver o respeito e a afirmação das diferenças, conjugados à construção de pontes e pontos de encontro haverá a cidadania plena. Quando houver o direito à arte, haverá sintonia plena com toda a humanidade. E, usando as palavras do poeta Vinícius de Moraes “quando derem vez ao morro, toda a cidade vai cantar”.
7 Maria Lúcia Montes tem formação em filosofia, ciência política e antropologia, lecionou na USP e trabalha com projetos culturais e exposições.
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2. O Samba na história do Rio de Janeiro
Recordações do Rio Antigo
Rio cidade tradicional Teu panorama é deslumbrante
É uma tela divinal Rio de janeiro
Da igreja do castelo Das serestas ao luar
Que cenário tão singelo Mucamas sinhás moças e liteiras
Velhos lampiões de gás Relíquias do rio antigo
Do rio antigo Que não volta mais
Numa apoteose de fascinação
As cortes deram ao rio Requintada sedução Com seus palácios
Majestosos altaneiros Rio dos chafarizes
E sonoros pregoeiros Que esplendor! Quantos matizes!
Glória a estácio de sá
Fundador desta cidade tão formosa O meu rio de janeiro Cidade maravilhosa.
Hélio Turco, Pelado e Cícero Samba‐Enredo da Estação Primeira de Mangueira (1961)
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2.1 As origens do Rio de Janeiro
Iniciando a ocupação no continente sul‐americano pela parte meridional, os portugueses fundaram a Vila de São Vicente (SP) em 1532. Seguindo no sentido leste‐oeste, burlando a linha imaginária estabelecida em Tordesilhas, criaram São Paulo. O cenário era de natureza exuberante e os nativos de diferentes tribos que habitavam a região recém “descoberta”, já usavam a música e a dança como formas de expressão, sendo utilizados instrumentos como flautas, apitos, chocalhos, tambores e outros.
Somente por volta de 1565, os portugueses se estabeleceram no Rio de Janeiro, onde ocupantes franceses já haviam fundado a France Antarctique em uma ilha da Baía da Guanabara. A topografia carioca, que formava uma verdadeira muralha natural de proteção, somada a placidez das águas e à estreita barra oceânica, faziam da baía o local perfeito para a base naval portuguesa. Assentaram‐se, primeiramente, aos pés do Pão de Açúcar e mais tarde nos arredores do Morro do Castelo, onde estabeleceram as tradições urbanas medievais do Velho Mundo, no reduzido espaço plano (Figura 1).
Em 1577, o Rio de Janeiro exportava cachaça e farinha de mandioca para mercados africanos, em troca de escravos. O comércio com o outro lado do Atlântico foi se intensificando com o aprimoramento da construção naval e, assim, o tráfico negreiro (que só se findou em 1850), trouxe cada vez mais escravos africanos, e com eles, sua cultura, tradições, músicas, danças, religiões (Figura 2).
Figura 1: O Morro do Castelo em 1920 Figuras 2: As danças africanas Fonte: http://farm3.static.flickr.com Fonte: http://www.colband.com.br
Ao longo do século XVIII, crescia a exploração de ouro e diamante nas Minas Gerais fazendo surgir um novo circuito comercial que se centrava no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro consolidou‐se como o maior mercado negreiro da Colônia (NICOLAEFF, 2008) e o sistema baseado no trabalho escravo se intensificou ainda mais na passagem do ciclo do ouro ao ciclo cafeeiro. O sucesso da monocultura do café se deu,
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principalmente, pela abundância e fácil acesso de três recursos da região: terras, alimentos e mão‐de‐obra (FLORENTINO 1993).
Nesta época, surge o lundu – gênero musical trazido dos escravos bantos do Congo
e Angola8 – entre os grupos de negros africanos, que seria amplamente popularizado. O estilo de música é descrito como uma dança lasciva com suas umbigadas. Ele pode ser considerado um dos elementos embrionários de formação do futuro samba (Figura 3).
Figura 3: O lundu africano Fonte: http://blogimg.terra.com...
2.2 A chegada da família real portuguesa
O Rio de Janeiro foi então promovido à capital e sede do Vice‐Reino português. Com a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, e a chegada de imigrantes, a cidade foi se expandindo para o subúrbio. As costas marítimas ainda não eram espaços muito ocupados pelo risco de ataques inimigos. Nesta época esteve presente o diálogo com a natureza, sendo notável a construção do Jardim Botânico, o reflorestamento da Floresta da Tijuca e a Quinta da Boa Vista. Durante o vice‐reinado são realizadas algumas melhorias nos aspectos urbanos, como a construção do Arqueduto da Carioca e de chafarizes para o abastecimento de água na cidade.
Por volta de 1840, já havia registro de baile de carnaval9 (Figura 4). O primeiro importante personagem do carnaval carioca foi o Zé Pereira, que seguia pelas ruas
8 A partir do século XIX, o lundu apresenta variantes como o miudinho, a tirana tipo espanholada, o fado batido e a chula. Seu apogeu vai do começo de 1800 a 1920, sendo Xisto Bahia (1841‐1894) o compositor mais importante.
9 O Carnaval tem sua origem ligada a cultos agrícolas, festas egípcias e rituais da Grécia Antiga (entre 605 e 527 a.C.). No Brasil, chegam em 1723, festejos e brincadeiras carnavalescas trazidas pelos portugueses, porém, era chamado de Entrudo. Os carros alegóricos chegam em 1786, por ocasião do casamento de Dom João com Carlota Joaquina.
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animando as pessoas com seu bumbo, e deixou como sucessores a cuíca, o tamborim, o reco‐reco, o pandeiro e a frigideira, instrumentos que acompanhavam a festa. Em 1855, surgiram as Grandes Sociedades que desfilavam ao som de ópera com alegorias, fantasias luxuosas, cantando críticas e sátiras ao governo.
Outro acontecimento foi a inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II (1858) que incluía as estações: Central, Engenho Novo, Cascadura, Moxambomba e Queimados (Figura 5). O trem como trasporte coletivo permitiu a maior expansão no sentido dos subúrbios, que de início seguiu o eixo da linha férrea. Dez anos depois, com o aparecimento dos bondes de tração animal, a expansão da cidade se intensificou. O aumento da mobilidade propiciou a mistura de manisfestações culturais dos diversos bairros, que fez fervilhar um caldeirão de novos ritmos, principalmente no carnaval (FERNANDES, 2007).
Figura 4: Baile de máscaras no carnaval de 1840 Figuras 5: Inauguração da Estrada de Ferro Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br Fonte: http://br.geocities.com
Entre esses ritmos está o maxixe, que surge entre os grupos populares, principalmente, na Cidade Nova, Gamboa, Saúde – a “Pequena África do Rio de Janeiro” – e nos cabarés da Lapa. Resultado da mistura do lundu com o tango argentino, maxixe é considerado o primeiro ritmo (e dança) genuinamente brasileiro. Sua dança era marcada pela sensualidade e nas letras usava‐se muita gíria. Seu surgimento causou polêmica e houve na época uma dupla percepção do maxixe. Era condenado por alguns, que o considerava bárbaro e inaceitável, mas admirado por outros, sendo inclusive levado a Paris no início do século XX, como representante da legítima expressão nacional.
Vale salientar enfim que, conforme o histórico aqui traçado, o embricamento entre povo, ritmo e espaço urbano já se fazia presente nas primeiras configurações da Cidade do Rio de Janeiro.
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2.3 Crises e repressões na República
Proclamada a República, em 1889, o Rio de Janeiro se encontrava em uma situação promissora, pelo acúmulo de recursos vindos do comércio, principalmente do ramo cafeeiro, e já de aplicações industriais. Encontrava‐se na condição de centro político e comercial do país, além de núcleo da maior rede ferroviária nacional.
A velha estrutura urbana do Rio de Janeiro não atendia às demandas dos novos tempos promissores. O antigo cais não permitia os grandes navios, as ruelas estreitas e em declive – tipicamente coloniais – dificultavam a circulação de pessoas e produtos na cidade e as áreas pantanosas eram focos de doenças como a varíola e a febre amarela.
Entre os europeus, havia não só o medo das doenças, mas as suspeitas para com a comunidade de mestiços em constante turbulência política (SEVCENKO, 1999), que estavam descontentes com a situação de repressão às manifestações culturais populares. Com a abolição da escravatura e a ampliação da cidadania para os ex‐escravos, é acirrada a tensão racial entre negros e brancos, que vêm a refletir nas rejeições a manifestações culturais de raízes negras, marcadas por fortes heranças africanas. A nova burguesia que se erguia passou a rejeitar também as brincadeiras de carnaval já que participavam, em grande parte, ex‐escravos.
Contudo, as manifestações culturais dos grupos oprimidos – na sua maioria negros – se fortaleciam cada vez mais, e assim, iam surgindo novos ritmos. Pode‐se perceber isso, nos fins do século XIX, quando nasce o choro, tocado pelos moradores do subúrbio carioca que se reuniam com flauta, cavaquinho e violão. As músicas eram nostálgicas e marcadas por improvisações.
Em 1890, o Brasil passa pela crise do Encilhamento que causa o aumento da inflação, crise na economia e aumento da dívida externa (FERNANDES, 2007). A situação crítica era satirizada com bastante frequência nos teatros de revista e ainda em letras de marchinhas de carnaval.
Relatos da época que já confirmavam a existência de barracões localizados em morros, mas que, não se destacavam na paisagem urbana e ainda não eram alvos de repúdio da classe dominante, mais preocupados com os cortiços e casas de cômodos, que cresciam principalmente no Centro e eram considerados insalubres e focos de doenças (ABREU, 1987). Apesar da precariedade desse tipo de moradia, a vantagem de morar nos cortiços era a proximidade da oferta de trabalho (SILVA; BARBOSA, 2005), fator importante na análise do histórico das habitações populares.
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2.4 Uma capital da Belle Époque
Por razões higienistas, os cortiços que ocupavam casarões coloniais foram os primeiros alvos de demolições, ainda na prefeitura de Barata Ribeiro. Eram aproximadamente 600 cortiços só no Centro da cidade, sendo que o maior deles, chamado de “Cabeça‐de‐Porco”, abrigava cerca de 2.000 pessoas.
Os desabrigados, usando o resto de madeira da demolição dos cortiços, subiram ao Morro da Providência e construíram suas próprias moradas (Figura 6). Foi assim que surgiu a primeira favela. Conforme já mencionado, o termo favela, porém, só designou aquele espaço depois da chegada dos ex‐soldados de Canudos em 1897. A partir daí aquele local passou a ser chamado de Morro da Favella e com o surgimento de várias ocupações semelhantes, o termo se generaliza.
Figura 6: Morro da Providência, chamado de Morro da Favella Fonte: http://www.vivafavela.com.br...
Nesse período, a cidade passava por uma grave crise habitacional. Entre 1870 e 1890 a população aumentou cerca de 120%, passando de 235 mil a, aproximadamente, 520 mil habitantes. E o crescimento de número de domicílios aumentou 74% (SILVA; BARBOSA, 2005). Em 1900 a população beirava 691.565 habitantes. O pouco caso do poder estatal com a crise habitacional era visível nas propostas de reforma urbana da época que mantinham a política de demolições de cortiços e “limpeza” da cidade. Esta limpeza denotava não somente o aspecto físico, mas já imprimia o fator da desigualdade social.
Na posição de capital, era preciso colocar fim à imagem de cidade insalubre e insegura. Somente com uma imagem de credibilidade seria possível trazer ao Brasil uma parcela de fartura, conforto e prosperidade do mundo civilizado (SEVCENKO, 1999). Para acompanhar o progresso – que se torna obsessão da nova burguesia – era necessário seguir os moldes europeus e “desinfectar” as áreas de moradia consideradas contaminadas. O tom era de entusiasmo por parte de alguns, como no trecho da crônica abaixo:
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O Brasil entrou – e já era tempo – em fase de restauração do trabalho. A higiene, a beleza, a arte, o ‘conforto’ já encontraram quem lhes abrisse as portas desta terra, de onde andavam banidos por um decreto da Indiferença e da Ignomínia coligadas. O Rio de Janeiro, principalmente, vai passar e já está passando por uma transformação radical. A velha cidade, feia e suja, tem os seus dias contados.10 (BILAC apud SEVCENKO, 1999)
Nesta mesma linha, em 1904, houve a promulgação da Lei da Vacina obrigatória contra varíola, ordenada por Oswaldo Cruz. O procedimento levou a uma série de tensões entre grupos sociais populares e autoridades, que culminou na Revolta da Vacina.
No intuito de higienizar a cidade, o prefeito Pereira Passos que governou entre 1902 e 1906, era conhecido como o prefeito “bota‐abaixo”. O primeiro grande marco da época da regeneração foi a inauguração da Avenida Central – atual Avenida Rio Branco – que seguiu os preceitos haussmanianos11 para, em lugar das estreitas ruelas, abrir grandes avenidas, com uma nova arquitetura inspirada nas principais capitais européias (Figura 7).
O traçado da Avenida Central se mostrou uma operação cenográfica. Através de concursos, foram selecionados os desenhos das fachadas que seguiam o estilo inspirado na arquitetura francesa, o estilo eclético (Figura 8). O novo eixo viário retilíneo, que arrasou cerca de 400 edifícios coloniais, tinha como justificativa a melhoria na circulação de ar da cidade.
Figura 7: Avenida Central Figura 8: Ecletismo no Tetro Municipal da Av. Central Fonte: http://www.ignezferraz.com.br... Fonte: Instituto Moreira Salles
10 Trecho de crônica, datada em 1904, escrita por Olavo Bilac, jornalista e poeta carioca, membro fundador da Academia Brasileira de Letras.
11 O barão de Haussmann foi o encarregado de modernizar a cidade de Paris na epóca do 2º Império de Napoleão III, a partir de 1851. A antiga cidade medieval deu lugar à geometria de largos bulevares e à novas edificações monumentais como a Ópera de Paris.
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A cidade passou por uma transformação no seu espaço público e no modo de vida e mentalidade dos seus habitantes. Segundo Nicolau Sevcenko, foram quatro princípios que regeram essa transformação: a condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de cultura popular; uma política rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade; e um cosmopolitismo agressivo identificado com a vida parisiense (SEVCENKO, 1999).
As reformas ocorreram somente na parte nobre da cidade, principalmente no Centro, tendo suas ruas alargardas e retificadas, alguns rios canalizados e muitos dos seus edifícios renovados. Para a população de baixa renda, removida do Centro, restavam os bairros do subúrbio servidos pelo trem, ficando cada vez mais distantes do local de trabalho.
Assim, cresciam as favelas. Na imprensa o termo passou a ser associado à imagem de “perigo” e “desordem”, por abrigar malandros e marginais. Vale destacar ainda que a palavra “marginal” deixou de designar apenas o espaço limítrofe entre Centro e aquilo que o margeava e ganhou o sentido pejorativo que hoje se vê acentuado, marcando um tipo de preconceito. Constantemente, eram publicadas charges irônicas, descrevendo os maus tratos aos pobres.
Apesar dos ataques da imprensa, nada foi feito pelo poder público, além de investidas policias e sanitárias (SILVA; BARBOSA, 2005). As favelas foram “permitidas” por não estarem localizadas em áreas de interesse da elite dominante, entretanto, não foram garantidos os direitos aos equipamentos urbanos, aos seus moradores. (Figura 9)
Na época, Lima Barreto12 – escritor e jornalista – descreveu sobre as favelas:
Há casas, casinhas casebres, barracões, choças, por toda a parte onde se possa fincar quatro estacas de pau e uni‐las por paredes duvidosas. Todo o material para essas construções serve: são latas de fósforos distendidas, telhas velhas, folhas de zinco, e, para as nervuras das paredes de taipa, o bambu, que não é barato. Há verdadeiros aldeamentos dessas barracas, nas covas dos morros, que as árvores e os bambuzais escondem aos olhos dos transeuntes. Nelas há quase sempre uma bica para todos os habitantes e nenhuma espécie de esgoto. Toda a população pobríssima vive sob a ameaça constante da varíola e, quando ela dá para aquelas bandas, é um verdadeiro flagelo. (BARRETO, apud SEVCENKO, 1999)
12 Nascido em 1881 no Rio de Janeiro, mulato filho de escravo, teve boa instrução escolar e inicou seus escritos na imprensa ainda jovem, em 1902. Simpático do Anarquismo, passou a militar mais tarde na imprensa socialista.
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Outro vetor de crescimento da época foi no sentido Zona Sul, onde bairros como Flamengo e Botafogo se tornaram espaços da aristocracia. O banho de mar passou a ser bastante cultuado e na década de 1920 seria a vez de Copacabana ser ocupada por aqueles que se sentiam atraídos pelo mar (Figura 10)
Figura 9: Morro do Pinto no início do séc. XX Figura 10: Praia de Botafogo em 1863 Fonte: http://odia.terra.com.br... Fonte: Instituto Moreira Salles
O carnaval que antes acontecia na Rua do Ouvidor passa para a Avenida Central. Os cordões13, dos grupos populares, vinham desfilando do subúrbio até o centro, animados por instrumentos de percussão com forte influência dos rituais festivos e religiosos africanos. No auge dos ranchos14, já se apresentavam elementos como Abre‐alas, comissão de frente, figurantes, alegorias, mestres de manobra e mestre‐sala e porta‐estandarte. É desta época também o bloco dos “sujos” que tinham como diversão principal, jogar água nos outros.
Visto com maus olhos por alguns, por ter forte participação popular, o carnaval ganhou outra roupagem para acompanhar o glamour da nova cidade. O carnaval que se desejava pela elite era o da versão européia, com arlequins, pierrôs e colombinas de emoções comedidas, e não os cordões, batuques, pastorinhas e as fantasias populares de índio e cobra viva (SEVECNEKO, 1999). Foi então incorporada a Batalha das Flores15, trazido de Paris, que mais tarde ganhou a versão carioca, o corso, aonde as pessoas nos seus automóveis, iam e vinham jogando confetes, serpentinas e esguichos de lança‐perfume (Figura 11). Por outro lado, os blocos carnavalescos tomavam força,
13 Surge em 1870, mas tem sua fase áurea no início do século XX, quando somam 200 agremiações. Eram formados por negros, mulatos e brancos de origem humilde.
14 Surgem no fim do século XIX e eram mais organizados que os cordões. Tinham instrumental de banda, fantasias criativas, além de pórticos e painéis artísticos.
15 Desfile sofisticado em que os foliões, fantasiados e em carruagens ou automóveis enfeitados, jogavam buquês de flores uns nos outros.
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formando conjuntos mais simples, sem fantasias elaboradas e alegorias, e seus adeptos se tornam cada vez mais numerosos16.
Figura 11: o Corso – carnaval da alta sociedade carioca Fonte: http://bp1.blogger.com...
Entre 1914 e 1918 há um maior crescimento industrial no Rio de Janeiro, principalmente, indústrias de bens de consumo. A maior parte das fábricas de médio porte foi para o bairro de São Cristóvão, que já tinha uma infra‐estrutura consolidada. Algumas fábricas de grande porte instaladas no Centro da cidade passaram para áreas maiores, próximo à linha férrea. Com isso, os operários foram atraídos para a região da fábrica, se instalando nos bairros vizinhos, criando bairros operários.
É importante ressaltar que os dois vetores de crescimento da cidade, no sentido da zona sul e zona norte, tinham características distintas. Eram implantados somente no vetor zona sul serviços de iluminação pública e infra‐estrutura urbana. O compromisso com a estética e salubridade só existiam nos bairros nobres enquanto os subúrbios não tinham planejamento nem auxílio do Estado, e cresciam de forma desordenada.
A crise habitacional elevou brutalmente os aluguéis e expulsou ainda mais as classes populares para o subúrbio e para os morros. Simultaneamente, a imprensa inicia uma campanha de “caça aos mendigos”, eliminando os grupos marginais do Centro e colocando o coração da cidade como espaço onde a segurança era imprescindível (SEVECNEKO, 1999).
A década de 1920 marca a afirmação das favelas no Rio de Janeiro que se expandem principalmente no sentido da Zona Norte, acompanhando o vetor de
16 Em 1933 o carnaval é oficilaizado no Rio de Janeiro, mesmo ano que surge a figura do Rei Momo na folia carioca. Momo era o deus da galhofa e do delírio na Mitologia Grega.
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crescimento da cidade. E é neste contexto, do deslocamento de fábricas e formação de favelas na Zona Norte, próximo a linha férrea, que surge a ocupação na Mangueira, que terá sua história contada mais adiante.
2.5 E surge o samba carioca!
Enquanto isso, nos arredores da Praça Onze, músicos populares se reuniam na casa da Tia Ciata e compunham músicas de tom irônico, satirizando os acontecimentos políticos da época (Figura 12). Surgia o samba, ritmo que animava as festas dos bambas, termo que designava os próprios sambistas. Em depoimento de um antigo frequentador da casa da Tia Ciata, é dito que: baile na sala de visitas, samba de partido‐alto nos fundos da casa e batucada no terreiro A festa era de pretos, mas brancos também iam lá se divertir. (REIS, 1999) – Figura 13.
Figura 12: A Praça Onze em 1910 Figuras 13: A casa da Tia Ciata na Praça Onze Fonte: http://www.flaviorio.globolog.com.br... Fonte: http://www.flaviorio.globolog.com.br...
Com a introdução do rádio, da gravação de discos, do gramofone e do telefone, a capital se moderniza e os benefícios eram vislumbrados por todos. Por meio da música que nesse momento podia ser facilmente divulgada, as classes populares buscavam uma ascensão social. Porém, para isso era preciso seguir quem ditava as regras.
O grupo “8 Batutas”, que imortalizou grandes nomes do samba como Donga e Pixinguinha, despontaram no início do século XX, inclusive, entre a elite da sociedade. Em contrapartida, ainda eram enxergados por muitos, como a representação do atraso, da desmoralização brasileira, principalmente, pelo fato dos integrantes serem todos negros. Esses fatos mostram como havia uma dualidade na aceitação do samba, bem como a de outras expressões que vinham das camadas populares que eram representantes da identidade nacional.
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A partir do primeiro samba gravado, “Pelo Telefone”, de autoria de Donga e Mauro de Almeida17 (1916), o samba passou a ser considerado um gênero musical e o termo ficou inscrito nos rótulos dos discos.
Diferentemente da versão gravada em disco, “Pelo Telefone” teve uma primeira versão em tom de ironia, uma sátira à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito. É significante observar o cunho político do samba, dando um enfoque polêmico a um retrato do cotidiano. A modificação da versão original demonstra a repressão da época, podendo ser observada nos primeiros versos:
O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar/ Que na Carioca tem uma roleta para se jogar
Que foi substituído por:
O chefe da folia pelo telefone manda avisar/ Que com alegria não se questione para se brincar
A repressão se dava também na forma de invasões policiais às casas onde se festejava o samba, principalmnete nas rodas de samba ao ar livre. Por outro lado, entre a elite e os governantes locais, vai se delineando uma aceitação do samba em espaços privados.
Antônio Candido chama de “dialética da malandragem” essa imprecisão das fronteiras entre o público e o privado no país, uma interação entre o mundo da ordem e da desordem (CANDIDO, apud REIS, 1999). O autor estabelece através da figura do malandro, que oscila entre o lícito e o ilícito, uma simbologia do nacional. A malandragem virou uma cultura marginal à medida que mais pessoas viviam desse tipo de representação, tendo em vista a sobrevivência.
Além da figura do malandro, a figura da mulata se difundiu tanto nacional como internacionalmente, sendo definida como a “frutinha nacional”. A mulata se torna símbolo popular do país e traz à tona mais um tema do cotidiano das cidades: as relações afetivo‐sexuais interétnicas (REIS, 1999). O termo mulata era também usado em algumas letras para designar a favela, colocando‐a como sedutora e fascinante.
17 Existe uma controvérsia com relação à autoria de Pelo Telefone na sua primeira versão, sendo considerado um samba de João da Mata, mestre Germano, Tia Ciata e Hilário.
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2.6 A reforma urbana em forma de lei
De 1920 a 1922, Carlos Sampaio assumiu a prefeitura e as reformas urbanas continuavam tendo um enfoque estético. O principal acontecimento do período foi a Exposição Internacional de 1922 em comemoração ao 1º Centenário da Independência do Brasil. Para sediar a exposição, foi arrasado o Morro do Castelo, o berço da história do Rio de Janeiro, com a justificativa de que o morro prejudicava a ventilação na cidade. Foi destruído o bairro da Misericórdia e desalojadas outras milhares de pessoas.
É importante destacar o movimento nacionalista de 1922, tendo como marco a Semana de Arte Moderna em São Paulo, que passa a valorizar a cultura popular, buscando compreender o país pelo que ele tinha e não pelo que lhe faltava (REIS, 1999). O samba era visto como uma expressão original e autêntica de identidade nacional.
Surgem nessa época alguns hotéis balneários, como o Copacabana Palace. A Cinelândia vira palco dos teatros, cinemas, hotéis e famosos bares, como o Café Nice (Figura 15). Crescia a vida cultural no Rio de Janeiro, diferenciada entre as áreas nobres e os morros. Existia o malandro dos morros e o “alinhado” dos cafés e bares do Centro.
Figura 14: Demolição do Morro do Castelo Figura 15: À direita, o Copacabana Palace Fonte: Instituto Moreira Salles Fonte: http://www.flaviorio.globolog.com.br...
Depois de reformas de ação direta com caráter higienista, o segundo passo do Estado foi promulgar uma legislação de controle e repressão das moradias em cortiços e de uso do solo em geral (SILVA, 2005). Em 1926 foi criado, pelo urbanista Alfred Donat Agache, o Plano Agache – primeiro plano de remodelação da cidade – que tratava de temas como: legislação, traçado viário, transporte, zoneamento e saneamento. O Plano já identificava os caminhos da industrialização e das moradias dos operários, em especial, o bairro de São Cristóvão que era definido pela primeira vez como um bairro industrial. A tônica do plano seria a de espacializar de forma
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racional as classes sociais seguindo a tendência segregacionista (SILVA, 2005). Isso é percebido em trecho de marchinha de Ary Kerner, composto para o carnaval de 1927, no qual satiriza o momento e reflete a situação desfavorecida dos grupos populares:
Seu Agache anda solto e preparado/ Quem for feio fuja dele/ Pra não ser remodelado.
Crescia a insegurança das populações das favelas do Centro, com relação à demolição dos morros. Sentimento este, que se espalhava ao restante das favelas. Como pode ser observado na composição “Foram‐se os malandros”, de Donga e Casquinha (1928), o risco de perder o barracão chegaria, inclusive, à Mangueira:
Minha casa foi abaixo/ Meu cachorro se perdeu/ A mulher que eu mais amava/ De desgosto já morreu Os malandros da favela/ Não têm mais onde morar/ Foram uns para Cascadura/ Outros para Circular Coitadinhos dos malandros/ Em que aperto vão ficar/ Com saudades da favela/ Todos eles vão chorar. Os malandros de Mangueira/ Que vivem da jogatina/ São metidos a valentões/ Mas vão ter a mesma sina/ Mas eu hei de me rir muito/ Quando a Justiça for lá/ Hei de ver muitos malandros/ As carreiras, se mudar.
Com a Revolução de 30 e o fim da República Velha pouco se usou do Plano Agache. Mas a industrialização continuava se fortalecendo, o que levou à promulgação do Decreto 6000, de 1º de julho de 1937, que definia as zonas industriais da cidade, influindo nas formas futuras de apropriação do espaço (SILVA, 2005).
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3. A Mangueira dos bambas
Dos carroceiros do imperador ao palácio do samba
Trago para este carnaval Um passado de grande valor
Quem descreve este tema É o carroceiro do imperador
Quantas saudades Do famoso marcelino
Foi um grande mestre sala Desde os tempos de menino
Brigão e arruaceiro Era o grande destaque
Do bloco dos arengueiros
Não posso esquecer Buraco quente santo antonio e chalé
E o ponto alto da escola Mestre candinho tia tomazia e cartola
Chorava a viola Em noite enluarada Samba duro no faria Ia até de madrugada
Canto a minha história
De um celeiro de bamba Cinquenta anos de glória
Estão no palácio do samba Tudo para o coração
De um brasileiro Lá no morro eu te ponho no samba
Te ensino a ser bamba.
Jurandir e Rubem da Mangueira
Samba‐enredo da Estação Primeira de Mangueira (1978)
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3.1 A ocupação do Morro da Mangueira
A favela da Mangueira é a terceira mais antiga do Rio de Janeiro – ficando atrás da Providência e do Santo Antônio – e a primeira fora da região central da cidade. Como já apontado, sua ocupação está ligada à expansão no vetor da Zona Norte e ao longo da linha férrea, na passagem do século XIX para o século XX. Na vertente Norte do Morro da Mangueira, que compreende a atual Rua São Luiz Gonzaga, foi criado o caminho para Minas Gerais e São Paulo.
No mapa a seguir (Figura 16) observa‐se as primeiras favelas da Cidade do Rio de Janeiro.
Figura 16: Favelas no Rio de Janeiro até 1900 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005.
Quando Dom João VI passou a morar no Rio de Janeiro, ele primeiro se instalou na Praça XV, Centro da cidade, e depois em uma chácara na Quinta da Boa Vista, ao lado do Morro da Mangueira, em São Cristóvão. O bairro passou então a se tornar um espaço da aristocracia.
Em 1852 foram inauguradas as linhas telegráficas no alto do morro, o que justifica o nome dado antigamente, “Morro do Telégrafo”, conhecido anteriormente
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como “Morro do Pedregulho” (Figura 17 e 18). Outra inauguração importante, em 1861, foi o transporte coletivo pela linha férrea.
Figura 17: Morro do Telégrafo Figura 18: Morro do Telégrafo com plantação Fonte: AGCRJ Fonte: AGCRJ
O processo de industrialização está fortemente ligado à formação de favelas no Rio de Janeiro. A Mangueira foi um exemplo claro, já que sua ocupação se expandiu na medida em que se instalaram fábricas na Rua Visconde de Niterói e no bairro de São Cristóvão. As Vilas Operárias também surgiram neste sentido, já que cabia ao patrão fornecer condições – como a habitação – para a reprodução da força de trabalho.
Na vertente sul do morro, em um terreno cheio de mangueiras, se instalou a Fábrica Fernando Braga, de chapéus (Figura 19). A mercadoria passou a ser chamada “chapéu das mangueiras”, e assim, toda região rapidamente foi ligada ao termo “mangueira”. E, finalmente, em 1889 foi inaugurada a Estação Ferroviária da Mangueira, firmando definitivamente a relação do termo com o espaço (Figura 20).
Figura 19: Fábrica Fernando Braga Figura 20: A Estação ferroviária da Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
Com a Proclamação da República, a Quinta da Boa Vista foi de certa forma abandonada e por isso, em 1908, o prefeito Serzedelo Correia decidiu resgatar este espaço. As casas que lá se instalavam, dos soldados do 9º Regimento de Cavalaria, comandado por Joaquim Inácio, teriam que ser demolidas. Um dos cabos, conhecido
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como “Cardosinho”, procurou o comandante e este lhe ofereceu todo o material das demolições para que os soldados e suas famílias pudessem se abrigar em outra localidade. O cabo escolheu o Morro da Mangueira, e assim, foi iniciada a ocupação do morro (Figuras 21 e 22).
Na primeira década do século XX, a Mangueira foi se formando, e era caracterizada pela “Revista da Semana”, em 1909, como sendo:
[...] uma localidade em princípio, mas que promete e terá razões cabíveis para prosperar [...] como ponto salubre, dizem os entendidos que não há em toda a zona dos subúrbios lugar algum que se lhe compare. E vem dessa fama, naturalmente, o título que lhe dão de Petrópolis dos Pobres. (apud SILVA; OLIVEIRA et al, 1980)
Figura 21: Lavadeiras na região da Candelária Figura 22: Vista da região do Chalé
Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
Em 1916, devido a um incêndio no Morro do Santo Antônio, localizado no Centro, moradores se transferiram para a Mangueira. O número de moradores aumentou ainda, após a derrubada de casebres do Morro da Favella. Em 1920, o Morro da Mangueira já havia, portanto, se consolidado (Figura 23).
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Figura 23: Morro do Telégrafo Fonte: AGCRJ
3.2 A afirmação da Mangueira na paisagem carioca
Com o agravamento da crise habitacional e a instalação de indústrias próximas ao morro da Mangueira, o aluguel de barracos tornou‐se cada vez mais interessante. Um dos primeiros locatários foi Tomás Martins, padrinho de Carlos Moreira de Castro – famoso sambista conhecido como Carlos Cachaça18. Ainda criança, ele mesmo era o encarregado na cobrança dos aluguéis para o padrinho.
O pequeno comércio supria as necessidades básicas dos moradores que estavam longe do Centro da cidade (Figura 24 e 25). A industrialização se tornou cada vez mais crescente na região e passou a absorver a mão‐de‐obra barata e abundante da favela. Algumas das fábricas da época foram: a Olaria do Gama (1900), Diamantino e Lage (1905), Cerâmica Brasileira (1907), Aviário Ivo Martins (1907), Fábrica de Calçados Tupã (1908), além da Fábrica Fernando Braga, já citada, que passa a se chamar Fábrica Chapéus Mangueira.
18 Nascido nos arredores do Morro da Mangueira, foi um dos sambistas que mais viveu no local, vindo a falecer em 1999, com 97 anos. Muitas de suas composições foram em parceria com Cartola, mas entre a infinidade de sambas, poucas foram gravadas na Era do Rádio.
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Figura 24: Rua Visconde Niterói sem pavimentação Figura 25: Rua Visconde de Niterói e linha férrea Fonte: AGCRJ Fonte: AGCRJ
Anos mais tarde, Angenor de Oliveira19 – o mestre Cartola – cantava em “Samba do operário”, versos que nos remetem a essa época de exploração da força de trabalho encontrada nos morros:
Se o operário soubesse/ Reconhecer o valor que tem seu dia/ Por certo que valeria/ Duas vezes mais o seu salário Mas como não quer reconhecer/ É ele escravo sem ser/ De qualquer usurário Abafa‐se a voz do oprimido/ Com a dor e o gemido/ Não se pode desabafar Trabalho feito por minha mão/ Só encontrei exploração/ Em todo lugar.
Não é por acaso que Cartola escreveu esses versos. Ele próprio já exerceu diversas atividades, como: combono de rua20, ajudante de cavalariça, vendedeor de peixe, queijo, verduras, e pedreiro. A última profissão lhe rendeu o apelido “Cartola” devido ao chapéu de côco que usava para proteção.
3.3 Do samba religioso ao samba profano
No aspecto religioso, a maioria da população era adepta ao candomblé, e esta, como outras religiões afro‐brasileiras, sempre foi muito ligada ao samba21. Nos 19 Negro, nascido em 1908 no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, aos 11 anos foi morar no Buraco Quente, bairro do Morro da Mangueira. Considerado um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira, o "mestre e divino do morro", de talento intuitivo e refinado, aprendeu a tocar cavaquinho muito cedo com seu pai.
20 Combono é o ajudante do pai ou mãe‐de‐santo. O combono de terreiro ajuda na preparação das cerimônias, enquanto o combono de rua leva o despacho de acordo com as determinações das entidades.
21 A palavra “samba” em quimbundo e em congolês (dialetos africanos) significa reza, invocação, queixa. Na época, o samba e o candomblé eram praticados nos mesmos terreiros, simultaneamente.
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terreiros de candomblé nasce a música da Mangueira. O jongo – dança semi‐religiosa – foi a transição do samba religioso (“africano”) para o samba profano brasileiro (Figura 26). Na Mangueira, o grande centro de jongo era a casa da Maria Coador (SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al). Outro famoso terreiro era na casa da Tia Fé, no Buraco Quente, bairro da Mangueira (Figura 27).
Figura 26: O jongo Figura 27: Tia Fé Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/117594 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
O primeiro grupo musical do local foi o Bloco da Velha Guarda da Mangueira, contudo, os Cordões que eram outros agrupamentos carnavalescos, apresentavam‐se mais animados e com mais participantes, como descrito pelo sambista Carlos Cachaça:
Entre os anos de 1910 e 1913, quando o samba não tinha nenhum valor e nem se pensava em Escolas de Samba, a Mangueira já despontava como pioneira dos carnavais cariocas. Naquela época já existiam aqui dois fortes aguerridos cordões: Guerreiros da Montanha e Trunfos da Mangueira. O primeiro tinha sua sede na casa da Tia Chiquinha Portuguesa e o segundo na casa do Leopoldo da Santinha, ambas no Buraco Quente (apud SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al).
Depois dos Cordões, vieram os Ranchos: Pingo do Amor, Príncipe das Matas e Pérolas do Egito. Este último foi fundado na casa da Tia Fé. Mais tarde, nasceram vários blocos da Mangueira. Só no Buraco Quente tinha o Bloco da Tia Fé, que se transformou em Bloco do Seu Júlio, havia ainda, o Bloco da Tia Tomásia, Bloco do Mestre Candinho e outros (SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al). O samba entrava sempre depois das festas de santo dos terreiros e eram marcados pelo improviso, refletindo a forma comunitária em que os músicos se divertiam
O Buraco Quente, como já diz o nome, esquentava os moradores da Mangueira. Lá o pessoal era barra pesada, gostava de batucada, com rasteira, queda de corpo (SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al). Do grupo, que gostava de briga e de samba, surge o “Bloco dos Arengueiros”, idealizado por Zé Espinguela e liderado por Carlos Cachaça e Cartola.
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Enquanto isso, no Bairro do Estácio, nasceu a primeira Escola de Samba do Brasil – “Deixa Falar” – fundada em 1927. Seus sambistas eram considerados os verdadeiros professores do novo tipo de samba e os criadores do instrumento surdo de marcação.
3.4 Nasce a Estação Primeira de Mangueira
Em 28 de abril de 1928, foi fundada a segunda escola de samba: a Estação Primeira de Mangueira. Acabou‐se a imagem de briguentos dos Arengueiros e afirmou‐se o talento para o samba, aclamado nos versos de Cartola:
Chega de demanda, chega!/ Com este time temos que ganhar./ Somos da Estação Primeira/ Salve o Morro de Mangueira!
Os fundadores, que se reuniam na casa do Seu Euclides – número 21 do Buraco Quente – foram: Seu Euclides (Euclides Roberto dos Santos), Satur (Saturnino Gonçalves), Massu (Marcelino José Claudino), Cartola (Angenor de Oliveira), Zé Espinguela (José Gomes da Costa), Pedro Caim e Abelardo da Bolinha. O nome e as cores da escola foram definidos pelo mestre Cartola:
Eu resolvi chamar de Estação Primeira, porque era a primeira estação de trem, a partir da Central do Brasil, onde havia samba. As cores verde e rosa foram homenagem ao rancho em que meu pai, Sebastião de Oliveira, saía, lá em Laranjeiras, o Arrepiados. (apud SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al)
O tempo passava e a Mangueira, apesar de toda dividida em sub‐regiões, convergia sempre para o Buraco Quente no Carnaval, criando‐se uma unidade geográfica para a defesa da verde‐e‐rosa (Figura 28).
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Figura 28: O Buraco Quente em 1930 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
A Escola de Samba Unidos da Mangueira, que surgiu no Santo Antônio – outra localidade da Mangueira – se torna rival da Estação Primeira. Enquanto que a Estação Primeira reunia nomes como Cartola, Carlos Cachaça e Massu, a Unidos da Mangueira também produziu compositores notáveis como Geraldo Pereira, Nélson Sargento e Zagaia. Entretanto, a existência da segunda Escola durou pouco e muitos de seus compositores se uniram à verde‐e‐rosa (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980).
Os Blocos dos terreiros, ao tornarem‐se Escolas de samba, não só se apresentaram ao público sem máscaras, como abriram espaço à participação de diversos setores da sociedade, que imediatamente passaram a disputar sua liderança (SANTOS apud ZALUAR, 1998).
Percebe‐se com isso, a tentativa de um convívio entre diferentes grupos sociais, privilegiando o contato mais aberto e sem preconceito, tendo como ponto de convergência a manisfesta cultural.
Com o Estado Novo de Getúlio Vargas, a cultura popular deixa de ser descriminada e passa a ser amplamente valorizada, como forma de estratégia política populista, que passa a enxergar os grupos populares como um grande eleitorado. Grandes nomes, como o maestro Heitor Villa‐Lobos, acolhe ritmos como o samba, o choro, o maxixe, o jongo, e outros, valorizando a originalidade dos compositores populares.
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Em 1932, o governo oficializa o desfile de carnaval das Escolas de Samba, que ocorria na Praça Onze, e tem como 1ª campeã a Estação Primeira de Mangueira, título que se repete no ano seguinte (Figuras 29 e 30). É fundada mais tarde a União das Escolas de Samba, que transforma as escolas em Grêmios Recreativos Escolas de Samba (G.R.E.S.), e passam a receber subvenção da Prefeitura. Esse período, que vai de 1930 até 1934, é considerado a fase heróica das escolas samba (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980), momento em que as disputas e rivalidades na Praça Onze esquentam os primeiros desfiles.
Figura 29: 1ª Ala da Mangueira – “Periquitos” Figura 30: Ala dos compositores Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
3.5 A favela: uma “questão social”
Da década de 1930 até meados de 1940 as favelas ganham importância como representação nacional do “problema habitacional”, e a essa altura já se espalhavam pela cidade (Figura 31).
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Figura 31: Favelas no Rio de Janeiro até 1930 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005.
Na gestão do prefeito Pedro Ernesto Baptista foi priorizado a “questão social” na cidade (SILVA, 2005), como estratégia populista. O governo preocupou‐se com a regulamentação de códigos trabalhistas, com melhorias na área de educação, saúde e infra‐estrutura, com o controle social, e inclusive, com o samba, criando um forte vínculo entre as escolas de samba e o Estado (SANTOS apud ZALUAR, 1998). Nos Anos 30 o comércio na Mangueira se resumia a armazéns, e lojas de suprimentos (Figura 32). Em 1935, se pavimenta a Rua Visconde de Niterói (Figura 33).
Figura 32: Armazém do Zé de Castro Figura 33: Pavimentação da Rua Visconde de Niterói Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: AGCRJ
Em visita à Mangueira, em 1936, pelo prefeito Pedro Baptista, os moradores pediram a construção de uma escola primária, que foi prontamente atendido. O nome
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sugerido por Carlos Cachaça em homenagem ao grande sambista e um dos fundadores da Estação Primeira, Saturino Gonçalves, acabou não sendo usado para nomear a escola, que recebe o nome de Escola Humberto de Campos.
Enquanto a primeira escola pública em uma favela é inaugurada, também no Buraco Quente, moradores da Mangueira se organizam em mutirão para a construção da segunda sede da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Inica‐se em meados da década de 1930 – se estendendo até 1953 – a fase autêntica das escolas de samba. Nesse período os compositores populares passavem pelo seu período áureo (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980).
3.6 As costuras viárias no Rio de Janeiro
A partir dos anos 1940 medidas urbanísticas autoritárias voltam a ser a tônica do governo do Rio de Janeiro, sendo retomada a Comissão do Plano da Cidade e como parte dela, o Serviço Técnico. Foi dada ênfase ao melhoramento do sistema viário, e ainda, a medidas de erradicação de favelas, como o programa de construção dos parques proletários22. Nesse período destaca‐se a abertura da Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro, que causou a destruição de um importante espaço de identidade da cidade: a Praça Onze.
As obras, tanto viárias como as ligadas ao problema habitacional, pretendiam dar conta de uma cidade que sofria pelo estrangulamento de uma infra‐estrutura ainda pouco afeita, à intensificação da industrialização, à pressão crescente da migração e à expansão do mercado imobiliário (SILVA, 2005).
Os desfiles de carnaval, agora realizados na Avenida Presidente Vargas e não mais na destruída Praça Onze, passam a ser organizados, por iniciativa do manguerense Zé Espinguela (Figuras 34 e 35). Com horários, intinerários, disputa, e premiações dadas por julgadores de “fora” do samba, as escolas crescem em número de integrantes, formando alas, criando estatutos e elegendo presidentes. Uma das exigências da época era a História do Brasil como tema do samba‐enredo.
22 Através de um rigoroso esquema de controle social do Estado, os moradores dos parques proletários eram obrigados a assinar termos de responsabilidade por suas condutas e zelo pelas casas, que na maior parte das vezes tinha instalações precárias.
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Figura 34: Desfile na Presidente Vargas em 1952 Figuras 35: Cartola em desfile na Presidente Vargas Fonte: http://www.portelaweb.com.br Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
Em meados da década de 1940, surgem outras tentativas de intervenção na crise habitacional, como a Lei do Inquilinato23. Na década de 1950, ocorre uma efetiva expansão e metropolização da cidade, aumentando‐se o número de indústrias e de construção de rodovias. As indústrias passam a ser implantadas próximo à Avenida Brasil e à rodovia Rio‐São Paulo (Presidente Dutra), enquanto que nas áreas tradicionais, como é o caso do bairro São Cristóvão, ocorre um esvaziamento do uso industrial.
3.7 A voz do Morro
Os parques proletários são extintos e deixam como legado uma forte organização social dos moradores das favelas. Na Mangueira, essa mobilização entre os moradores já era vista desde meados da década de 1930, quando é publicado o primeiro jornal comunitário: A Voz do Morro. Um trecho do editorial mostra a visão provacativa:
[...] Há de lhe causar dúvida que estas páginas hajam descido os caminhos íngremes do morro da Mangueira ao lado dos sambas que ela canta entusiasmada [...] Mas a sua identidade se estabelecerá de pronto, pois que elas não lhe falarão dos sambas dedilhados em pianos caros, mas só, só e unicamente do samba pobre e espontâneo que ecoa no barracão como hino fácil. (apud SILVA ; BARBOSA, 2005).
Mais forte que o jornal na Mangueira, era a própria música, e mais especificamente, o samba. No samba, a favela se afirma a partir de suas características
23 Lei de 1942 que decretou o congelamento dos aluguéis com a justificativa emergencial do período de guerra. Tentou redirecionar os investimentos na habitação de aluguél para as indústrias, e manteve baixos os salários para reduzir os custos da força de trabalho. (SILVA, 2005). Contribuiu ainda mais para a crise habitacional, sendo extinta em 1964.
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físicas, de seus aspectos visuais, emergindo como espaço de habitação precária e improvisada, do predomínio do rústico sobre o durável (Figura 36). (OLIVEIRA; MARCIER apud ZALUAR, 1998). E ainda, a partir dos laços de vizinhaça e relações sociais que se entremeiam no espaço (Figuras 37).
Figura 36: Arquitetura de “sopapo” Figura 37: Barraco da Timbaca, na Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
O samba Escurinha (1950), de Geraldo Pereira e Arnaldo Passos, nos permite refletir tanto sobre aspectos construtivos do barracão como sobre as relações homem e mulher no universo do samba e da favela:
Escurinha/ Tu tem de ser minha de qualquer maneira/ Eu te dou meu barraco/ Te dou meu boteco/ Que tenho no morro de Mangueira/ Comigo não há embaraços/ Vem que eu te faço, meu amor/ A rainha da escola de samba/ Que teu preto é diretor/ Quatro/ paredes de barro/ Telhado de zinco/ Assoalho no chão/ Só tu escurinha/ É quem está faltando no meu barracão/ Sai disso, tolinha/ Aí nessa cozinha levando a pior/ Lá no morro eu te ponho no samba/ Te ensino a ser bamba/ Te faço a maior.
O samba estava nos terreiros, nos botecos, em qualquer esquina. Era a voz dos idosos, jovens e crianças do Morro da Mangueira (Figura 38 e 39).
Figura 38: O choro do cavaquinho Figura 39: Um menino e a uma cuíca Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
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O samba Mundo de Zinco (1952), de Wilson Batista e Antônio Nássara, permite visualizar o cenário da Mangueira no íncio da década de 1950, trazendo além de aspectos físicos, o sentimento de pertencimento ao lugar e a elevação do Samba:
Aquele mundo de zinco que é mangueira/ Desperta com o apito do trem/ Uma cabrocha, uma esteira/ Um barracão de madeira/ Qualquer malandro em mangueira tem
Aquele mundo de zinco é mangueira... Mangueira fica pertinho do céu/ Mangueira vai assistir o meu fim/ Mas deixo o nome na história/ O samba foi minha glória/ E sei que muita cabrocha vai chorar por mim
O enaltecimento do morro nas letras era uma forma de demonstrar o enorme amor que se sentia pelo seu espaço de moradia, contrariando os impulsos vigentes de se extinguirem as favelas. O “barracão” coberto de “zinco” também aparece em Palácio Encantado, de Jurandir da Mangueira e Irson Pinto, assumindo um tom poético e até luxuoso com a associação de termos como palácio, estrelas, céu e jardim:
De palácio encantado é que chamo/ Meu barracão em Mangueira/ E essa vida que eu tanto amo/ Dedico à minha companheira/ Sempre em seus olhos tristonhos/ A me esperar em sonhos/ Eu me encontro em Mangueira/ O meu palácio é de zinco coberto/ Quando não chove estrelas sem fim/ Vejo nos buracos no teto aberto/ Faz parecer que o céu é um jardim/ E pelos olhos da minha querida/ Creio que a vida talhou‐a pra mim/ Eu sou feliz por viver onde vivo/ Pois em Mangueira a vida é assim.
A década de 1950 é a fase de interação das escolas de samba, marcada por uma maior relação entre os moradores das favelas, o “mundo do samba”, e o campo político ou o “mundo social” (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980). É o momento de apoximação dos intelectuais, músicos e artistas do “asfalto”, que passam a frequentar aquele espaço, refletir sobre ele e muitas vezes influenciar as composições musicais. Momento em que a construção de arquibancada nos desfile permite maior participação do público e intervenção crítica da imprensa (Figuras 40 e 41)
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Figura 40: Ala das Caprichosas da Mangueira Figura 41: Mangueira na Embaixada britânica Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
Um dos marcos dos desfiles de carnaval dessa fase é quando a G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro destaca a figura do negro no samba enredo. Outras inovações do período são: o carnavalesco, o mestre‐sala e a porta‐bandeira e as passistas que sambam no pé com coregografias ensaiadas (Figuras 42 e 43). O Salgueiro também foi responsável por trazer a participação de artistas pláticos na preparação dos desfiles, redefinindo a estética do carnaval.
Figura 42: O mestre‐sala da Mangueira no Buraco Quente Figura 43: Porta‐bandeira da Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
As intervenções viárias na cidade continuavam em alta e a visibilidade das favelas se tornou maior, sendo definidas informações mais específicas sobre suas localizações e dimensões numéricas, através do primeiro censo de favelas do Distrito Federal e de um levantamento mais detalhado pelo IBGE. É criada a Fundação Leão XIII24 que buscava o controle social através de práticas autoritárias e preconceituosas.
24 Instiuição criada pela iniciativa conjunta da prefeitura com a Arquidiocese, com o lema de que era necessário subir o morro antes que descessem os comunistas.
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Figura 44: A Mangueira em 1951 Fonte: http://oglobo.globo.com
O samba Saudosa Mangueira (1954), de Herivelto Martins, canta este momento de mudanças no cenário político, assim como no cenário cultural:
Tenho saudades da Mangueira/ Daquele tempo em que eu batucava por lá/ Tenho saudade do terreiro da escola/ Eu sou do tempo do Cartola/ Velha guarda o que é que há?/ Eu sou do tempo em que malandro não descia/ Mas a polícia no morro também não subia/ Aí Mangueira, minha saudosa Mangueira/ Depois que o progresso chegou/ Tudo se transformou e a Mangueira mudou/ Já não se samba mais a luz do lampião/ E a cabrocha não vai pro terreiro de pé no chão.
Por um lado, essas transformações serviram para aumentar o grau de organização dos grupos populares envolvidos e de luta pela defesa do espaço da favela. Surgem sambas que buscam, primordialmente, enaltecer o morro. Um exemplo é Exaltação à Mangueira (1956), composta por Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa, foi o samba do carnaval de 1956 e virou o verdadeiro hino da Estação Primeira de Mangueira,
A Mangueira não morreu nem morrerá/ Isso não acontecerá/ Tem seu nome na história/ Mangueira tu és um cenário coberto de glória Mangueira teu cenário é uma beleza/ Que a natureza criou/ O morro com seus barracões de zinco/ Quando amanhece que explendor Todo mundo te conhece ao longe/ Pelo som dos seus tamborins/ E o rufar do seu tambor Chegou ô, ô, ô, ô/ A Mangueira chegou, ô, ô Mangueira teu passado de glória/ Está gravado na história/ É verde e rosa a cor da tua bandeira/ Prá mostrar a essa gente/ Que o samba é lá em Mangueira.
Ao mesmo tempo em que os sambas enaltecem o morro, enaltecem também as relações de solidariedade e amizade na comunidade, em oposição à “cidade formal”, onde prevalecem relações impessoais e frias (Figuras 45 e 46).
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Figura 45: Roda de samba familiar na Mangueira Figura 46: Banho “curtido” na Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980
Esse retrato da realidade no Morro da Mangueira, por um lado pobre, mas por outro, solidário e motivo de orgulho dos moradores, é cantado no samba Sala de Recepção do compositor Cartola:
Habitada por gente simples e tão pobre/ Que só tem o sol que a todos cobre/ Como podes, mangueira, cantar? Pois então saiba que não desejamos mais nada/ A noite, a lua prateada/ Silenciosa, ouve as nossas canções Tem lá no alto um cruzeiro/ Onde fazemos nossas orações/ E temos orgulho de ser os primeiros campeões Eu digo e afirmo que a felicidade aqui mora/ E as outras escolas até choram/ Invejando a tua posição Minha mangueira essa sala de recepção/ Aqui se abraça inimigo/ Como se fosse irmão
O Morro ora se confunde com a Escola de Samba, como pode ser visto nas duas composições acima citadas, criando uma diferenciação interfavelas que é, simultaneamente, uma diferenciação interescolas de samba (OLIVEIRA; MARCIER apud ZALUAR, 1998), dada pela competição criada nos desfiles de carnaval.
3.8 A grande crise política
Na década de 1960 o Rio de Janeiro perde a função de capital federal para Brasília, enquanto que no campo cultural, a Era do Rádio perde para a televisão que chega com força total. Os desfiles do carnaval passam a cobrar ingresso do público que formavam grandes torcidas, inclusive, com integrantes da alta sociedade, que só então passa a prestigiar o evento. As escolas abrem os desfiles para pessoas de fora da comunidade, marcando uma maior integração entre diferentes camadas sociais.
Em 1963 é criado o Plano Doxiadis, um plano urbanístico que visava não mais o belo, e sim o eficiente, tendo como foco principal as intervenções viárias através das
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vias expressas e construções de túneis. Um novo censo contabiliza 147 favelas na Cidade do Rio de Janeiro, espalhadas por quase todos os bairros da cidade. Ocorria uma explosão demográfica na cidade e a Zona Sul sofria uma intensa verticalização.
O golpe militar de 1964 instaura um período de autoritarismo, controle sobre as camadas populares e interesses nos setores econômicos. É o momento em que surge o crime organizado, resultado do convívio entre presos comuns e presos políticos. Era necessária a organização e um refúgio, um território, que foi escolhido como sendo a favela25. O “bandido‐benfeitor” passa a suprir a ausência do poder púlico no que diz respeito à segurança na favela.
O grande número de favelas, que já se afirmava na paisagem urbana preocupava os governantes (Figura 47). Inicia‐se um novo período marcado pela política de remoção de favelas e de transferência de seus moradores para conjuntos habitacionais (Cohab) construídos pelo Estado (SILVA ; BARBOSA, 2005). É desta época também a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), com o objetivo inicial de financiar a construção de habitações populares. As remoções, principalmente de favelas da Zona Sul, tinham justificativas de cunho moral e higiênico, surgindo também critérios estéticos.
25 A conformação da favela, que se assemelha a um labirinto, com seus becos e ruelas, facilita a fuga e o esconderijo. O fato de estar em posição elevada também propicia um maior controle do que está abaixo, e consequentemente, maior proteção. Essa conformação de um território de defesa pode ser comparada às cidades medievais, que se conformam a partir de pontos estratégicos.
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Figura 47: Favelas no Rio de Janeiro até 1964 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005.
Além dos conjuntos habitacionais serem distantes do Centro – a exemplo da Cidade de Deus – não atendiam às demandas das famílias. Os pequenos apartamentos, monótonos e todos iguais, se distanciavam da criatividade e espontaneidade das conformações das favelas, e ainda, os preços dos aluguéis pesavam muito no orçamento familiar.
A questão do aluguel, e os outros problemas advindos das remoções, fizeram Zé Keti compor o samba Opinião (1964), que transmite a revolta com relação a essas medidas e o forte laço de pertencimento e identidade dos moradores com relação à favela:
Podem me prender/ Podem me bater/ Podem, até deixar‐me sem comer/ Que eu não/ mudo de opinião/ Daqui do morro/ Eu não saio, não Se não tem água/ Eu furo um poço/ Se não tem carne/ Eu compro um osso/ E ponho na sopa/ E deixa andar/ Fale de mim quem quiser falar/ Aqui eu não pago aluguel/ Se eu morrer amanhã, seu doutor/ Estou pertinho do céu.
E enquanto o Poder Público definia as favelas como espaços com graves problemas, e alvos de uma erradicação necessária, os compositores do morro também mostravam a cara das favelas, mas por outro ângulo.
O tema da propriedade da terra é colocado em questão no samba Favela (1966) de Jorginho e Padeirinho da Mangueira:
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Numa vasta extensão/ Onde não há plantação/ Nem ninguém morando lá/ Cada um pobre que passa por ali/ Só pensa em construir seu lar E quando o primeiro começa/ Os outros depressa procuram marcar/ Seu pedacinho de terra pra morar É assim que a região/ Sofre modificação/ Fica sendo chamada de “A Nova Aquarela”/ É aí que o lugar/ Então, passa a se chamar/ Favela.
Os moradores mostravam a favela da poesia, da alegria, da beleza, do ensinamento de vida por trás da imagem precária. O samba Sei lá Mangueira (1968), de Paulinho Da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, retrata este sentimento:
Vista assim do alto/ Mais parece um céu no chão/ Sei lá, em Mangueira a poesia feito o mar, se alastrou/ E a beleza do lugar/ Pra se entender/ Tem que se achar/ Que a vida não é só isso que se vê/ É um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber/ E as mãos não ousam tocar/ E os pés recusam pisar/ Sei lá, não sei/ Sei lá, não sei/ Não sei, se toda beleza de que lhes falam/ Sai tão somente do meu coração/ Em Mangueira a poesia/ Num sobe e desce constante/ Anda descalço ensinando/ Um modo novo da gente viver/ De sonhar, de pensar e sofrer/ Sei lá, não sei/ Sei lá, não sei não/ A Mangueira é tão grande, que nem cabe explicação...
3.9 Novos tempos
A partir do final da década de 70, com o fim do milagre econômico, o enfraquecimento do regime militar e uma série de outros fatores, acabam‐se as remoções de favelas e surgem organizações entre as camadas populares.
A fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, determinou a elaboração do Plano Urbanístico Básico (PUB‐RIO). O plano de diretrizes, desenvolvido por técnicos do Município, divide o território em seis grandes áreas de planejamento, em função de critérios geográficos e de compartimentação e similaridades morfológicas e socioeconômicas.
Consolidada a equivalência entre samba e morro, é importante ressaltar a situação geográfica privilegiada e particular das favelas na Cidade do Rio de Janeiro, como é o caso da Mangueira. A localização das favelas em morros descortina exuberantes vistas da paisagem, que inspirou compositores, como Cartola, em Alvorada (1976), uma parceria com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho:
Alvorada lá no morro, que beleza/ Ninguém chora, não há tristeza/ Ninguém sente dissabor/ O sol colorindo é tão lindo, é tão lindo/ E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo A alvorada...
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Você também me lembra a alvorada/ Quando chega iluminando/ Meus caminhos tão sem vida/ E o que me resta é bem pouco/ Ou quase nada, do que ir assim, vagando/ Nesta estrada perdida.
Inicia‐se em meados da década de 1970 a fase da Escola de Samba S.A. – que se estende até os dias atuais – marcada pela comercialização do samba‐enredo, das construções das grandes quadras para receber pessoas nos ensaios, e a transformação da Escola de Samba em empresa. (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980). O número de escolas de samba cresce vertiginosamente, causando problemas nos desfiles, também relacionados aos precários equipamentos de som. A rádio e a televisão passam a transmitir os desfiles e as agências de turismo a fazer pacotes para turistas. As escolas até então não eram beneficiadas (Figuras 48 e 49).
Figura 48: Unidos de Lucas em 1971 Figuras 49: Império Serrano em 1973 Fonte: http://escolassamba.multiply.com Fonte: http://escolassamba.multiply.com
A G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, devido à sua rica história e tradição, se afirma como referência no cenário cultural carioca, entre compositores do “asfalto”. As cores, verde e rosa, estavam em todo lugar (CABRAL apud CONSTANT). É o caso do compositor Chico Buarque de Holanda, que adota a escola como uma grande paixão e compõe diversas músicas enaltecendo a Mangueira, como Estação Derradeira:
Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação À sua maneira/ Com ladrão/ Lavadeiras, honra, tradição/ Fronteiras, munição pesada São Sebastião crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande / Fogueira desvairada Quero ver a Mangueira/ Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai Rio do lado sem beira/ Cidadãos / Inteiramente loucos/ Com carradas de razão À sua maneira/ De calção/ Com bandeiras sem explicação/ Carreiras de paixão danada São Sebastião crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande / Fogueira desvairada Quero ver a Mangueira/ Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai
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É em 1970 que se inaugura o Palácio do Samba, a nova quadra para ensaios da Estação Primeira de Mangueira, localizada no Buraco Quente, na Rua Visconde de Niterói. A construção foi feita aos poucos, como conta em entrevista, o diretor atual da Estação Primeira de Mangueira, Guerra Peixe26. Na antiga quadra, localizada também no Buraco Quente (travessa Saião Lobato como hoje é cadastrada), a frequencia de visitantes nas escolas era alta e a estrutura era precária. A construção de um espaço novo, com dois pavimentos, se deu graças a articulações políticas. Os arquitetos responsáveis foram Sabino Barroso e José Leal. Somente no final da década de 1990, foi construído um terceiro pavimento, presenteado pela Fundação Roberto Marinho.
Em 1977, o carnavalesco Joaozinho Trinta transforma a face do carnaval carioca, investindo em um desfile grandioso na G.R.E.S. Beija‐Flor de Nilópolis, escola até então desconhecida. O desfile causou muitas críticas contra o luxo excessivo nas fantasias e alegorias, que quebrava as tradições. O diretor social do Centro Cultural Cartola, Jorge Luiz27, em entrevista, conta que no mesmo carnaval a Mangueira levou ao desfile fantasias simples, muitas de pano de chitão, e ficou somente um ponto atrás da grande vencedora, a Beija‐Flor (Figuras 50 e 51). Na sua visão, se a Mangueira tivesse consagrado campeã naquele ano, o carnaval teria tomado outros rumos e talvez não tivesse os excessos atuais, já que a partir daquele desfile todas as escolas seguiram os passos da Beija‐Flor. Usando as palavras do grande sambista Candeia28, “escola de samba é povo na sua manifestação mais autêntica! Quando o samba se submete a influências externas, a escola de samba deixa de representar a cultura do nosso povo.” (CANDEIA; LIMA; MONTE et al, 1975)
26 Guerra Peixe nasceu em Petrópolis e mora no Rio de Janeiro. Nunca morou no morro da Mangueira, mas há muitos anos trabalha em prol da Estação Primeira de Mangueira “sem ganhar um tostão”, como ele conta.
27 Além de diretor social do Centro Cultural Cartola, Jorge Luiz é também um dos encarregados pela organização do projeto Mangueira do Amanhã, escola mirim da G.R.E.S. Estação Primeira da Mangueira. Foi um dos entrevistados para a monografia.
28 Antônio Candeia Filho, nascido e criado em Oswaldo Cruz, foi um dos sambistas mais versáteis e mais engajados nos movimentos de resistencia cultural afro‐brasileiras. Autor de “O mar serenou” e “Testamento de partideiro”.
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Figura 50: Beija Flor de Nilópolis em 1977 Figuras 51: Estação Primeira de Mangueira em 1977 Fonte: http://escolassamba.multiply.com Fonte: http://escolassamba.multiply.com
Em um período de 49 anos (1932 a 1981), a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira participou de 45 desfiles. Foi campeã 12 vezes, vice‐campeã 18 vezes, em 3º lugar 7 vezes e em 4º lugar também. Somente em 1977 a Escola ficou abaixo do 4º lugar. Em 1989 e 1991, contudo, ficou em 11º e 12º lugares,
respectivamente, um vexame para a tradicional escola.
3.10 O carnaval do espetáculo
As mudanças que foram ocorrendo nas Escolas após se transformarem em Grêmios Recreativos, a necessidade de se encaixar nos moldes da sociedade, da elite dominante, abalaram profundamente alguns costumes do passado, inclusive na Estação Primeira de Mangueira, famosa por manter as tradições.
No início da década de 1980, o desfile das escolas samba era a maior fonte de captação de dólares do setor do turismo. O evento, que ia tomando proporções gigantescas, necessitava de um espaço fixo. O arquiteto Oscar Niemeyer foi o responsável pelo projeto do Sambódromo (1984), localizado na Rua Marquês de Sapucaí, com estrutura definitiva para receber milhares de pessoas. Neste período cria‐se a Liga Independente das Escolas de Samba, responsável por dividir o desfile em dois dias, fazer contrato com as emissoras de televisão para receber pelas transmissões, e receber porcentagem da venda de ingressos do público. O Sambódramo pode ser considerado um marco para drásticas transformações com relação ao formato do carnaval carioca (Figuras 52, 53 e 54).
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Figura 52: Mangueira em 1985 Figura 53: Mangueira em 1987 Figura 54: Manguira em 1988 Fonte: http://escolassamba.multiply.com
A paisagem nas favelas – berços das escolas de samba – não condizia, e contrastava, com o luxo dos desfiles. As próprias escolas tentam mudar essa situação, com investimento em projetos sociais, como é o caso da Vila Olimpica, na Mangueira, que será tratado adiante.
3.11 A densidade, o tráfico e o funk
O processo de democratização da década de 1980 fortaleceu as reinvindicações populares, contribuindo para o acesso a serviços públicos como redes de distribuição de água, esgoto, coleta de lixo, asfaltamento e iluminação. Além de equipamentos urbanos como creches, escolas, postos de saúde, e outros. Porém, não se avançou muito na questão da regularização das propriedades, fator essencial e que tem forte relação com o modo que se dá a apropriação e o uso do espaço pelos moradores.
Foram elaborados os Projetos de Estruturação Urbana (PEU), com o objetivo de orientar o crescimento dos bairros, respeitando as características da área, além de criadas Áreas de Proteção Ambiental (FERNANDES, 2007). Em 1983 é aprovado o Projeto do Corredor Cultural, para preservação patrimonial da área central do Rio de Janeiro.
As favelas passavam por um momento de inchaço, sendo calculada uma população de 5.616 habitantes em favelas no Rio de Janeiro, no ano de 1980 (Figuras 55 e 56). É importante ressaltar ainda o alto índice de desemprego e o crescimento do tráfico de drogas, que passa a tomar conta dos morros cariocas, divididos em facções inimigas (CAMPOS, 2005).
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Em 1988 a Constituição Federal foi revista e definiu‐se que toda cidade com mais de 20.000 habitantes teria plano‐diretor, aprovado sob forma de lei, através da Câmara Municipal. O Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro foi aprovado em 1992 através da Lei 16/92. O Plano analisa o município de forma setorial determinando políticas e programas referentes a: Meio‐ambiente e Patrimônio Cultural, Habitação, Sistema viário e Transportes, Serviços Públicos e Equipamentos Urbanos, Atividades Econômicas e Patrimônio Imobiliário Municipal.
Figura 55: Inchaço nas favelas Figura 56: Habitação nas favelas Fonte: http://acordabrasil.wordpress.com Fonte: http://acordabrasil.wordpress.com
A discussão entre “tradição” e “modernidade” no carnaval tem grande enfoque na década de 1990. A tradição associa‐se à manutenção de padrões do passado, ao samba de raíz, à fidelidade à escola e aos membros da Velha Guarda. A “modernidade” aceita a atualização de ritmos (como a insersão do funk na bateria), temas e rituais, a contratação de profissionais especializados de “fora”, enfim, a abertura às novas tendências e novos mercados. (SANTOS apud ZALUAR, 1998).
O crescimento do baile funk e a influência do tráfico de drogas nas escolas são os principais alvos de crítica de integrantes da Velha Guarda, que relembram um carnaval do passado não ditado pelo poder (Figuras 57 e 58). A rejeição às mudanças pode ser vista em depoimento de Dona Neuma29, uma das lideranças mais significativas da história da Mangueira:
Ah que diferença... Na época da Praça Onze era carnaval. A gente às vezes vinha a pé da Praça Onze até em casa. Não tinha condução, mas era mais gostoso. Você vinha brincando no bonde, quando tinha bondes. Agora, nos ônibus não da pra gente cantar, brincar. Eu adorava. (apud ZALUAR, 1998)
29 Dona Neuma é considerada a primeira‐dama da Mangueira. Filha de Saturnino, um dos fundadores da Estação Primeira, e fundadora de Departamento Femino da escola, foi a maior liderança da comunidade.
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Figura 57: Tráfico de drogas Figura 58: Baile funk “Furacão 2000” na Mangueira Fonte: http://www.janchipchase.com Fonte: http://carosamigos.terra.com.br
O jogo de poder, na realidade, sempre esteve ligado às escolas de samba, ora pelo Estado, através de práticas clientelistas de alguns políticos, ora pelos banqueiros de jogos de bicho30. A entrada dos bicheiros como novos “donos” em algumas escolas nem
sempre foi bem recebida pelas lideranças locais. Por outro lado, eles estabeleceram relações de fidelidade e compromisso para com as populações adotadas, através de investimento,
organização e modernização. Ao longo dos anos, os desfiles foram se adaptando às necessidades do grande espetáculo.
O controle do tráfico de drogas foi se estabelecendo não só sobre as favelas, mas sobre as escolas de samba (SANTOS apud ZALUAR, 1998). Diferentemente do jogo do bicho, o tráfico de drogas é uma atividade mercantil, que cresce com o mercado consumidor, e que tem uma considerável rotativa na sua liderança. Por isso, o poder se dá de forma diferenciada.
O desfile das escolas de samba tornou‐se uma grande indústria cultural cujo produto é mercantilizado, cujas estruturas hierárquicas perduram e cujos componentes continuam sendo espoliados. (SANTOS apud ZALUAR, 1998).
A década de 1990 é marcada por um aumento notório das populações em favelas, que se tornam cada vez mais densas. Enquanto que em 1993, calcula‐se cerca de 6.458 habitantes morando em favelas no Rio de Janeiro, em 1996 esse número passa para 952.429. O crescimento do número de favelas também aumenta consideravelmente. De 1994 para 1997 o número passa de 573 para 608 favelas na cidade. (CAMPOS, 2005).
Com o passar dos anos, as desigualdades sociais no Rio de Janeiro ficam mais estampadas na paisagem. O tráfico de drogas faz das favelas um verdadeiro campo 30 O Jogo do Bicho é um tipo de sorteio não controlado por órgãos públicos em nível territorial onde são escolhidos ou sorteados diariamente cinco prêmios, cujas possibilidades estão afixadas entre os números 0000 a 9999
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minado, onde territórios se delimitam e relações cotidianas, assim como manisfestações culturais, ficam ameaçadas. Quem nasce na favela é obrigado a viver em meio à violência, sofre preconceitos, e tem dificuldades em conseguir emprego. O samba Encanto de paisagem (1986) do compositor manguerense Nélson Sargento31:
Morro, és o encanto da paisagem/ Suntuoso personagem de rudimentar beleza/ Morro, progresso lento e primário/ És imponente no cenário/ Inspiração na natureza/ A topografia da cidade com toda simplicidade és chamado de elevação/ Vielas, becos e buracos/ Choupanas, tendinhas, barracos/ Sem discriminação/ Morro, pés descalços na ladeira/ Lata d`água na cabeça/ Vida rude alviçareira/ Criança sem futuro e sem escola/ Se não der sorte na bola vai sofrer a vida inteira/ Morro, o teu samba foi minado, ficou tão sofisticado, já não é tradicional/ Morro, és lindo quando o sol desponta/ E as mazelas vão por conta do desajuste social.
3.12 O Favela‐Bairro
Nessa década surgem políticas de urbanização em favelas, que é o caso do Programa Favela‐Bairro32, implantado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
O complexo da Mangueira – incluindo o Morro da Mangueira (Chalé e Buraco Quente), Morro dos Telégrafos e Parque Candelária – foi uma das favelas que receberam o Programa Favela‐Bairro, sendo cadastrado em 23 de março de 1996. A iniciativa de se urbanizar as favelas foi importante, principalmente, tendo em vista os melhoramentos dos sistemas de drenagem, da rede de esgoto, além de questões abordadas como a coleta de lixo. As fotos abaixo foram retiradas do diagnóstico do Programa Favela‐Bairro no Complexo da Mangueira (Figuras 59, 60, 61 e 62).
31 Nascido em 1924, foi morar na Mangueira ainda com 12 anos, onde se tornou um dos maiores compositores da história da Estação Primeira. Hoje, aos 84 anos, é integrante da Velha Guarda, músico, pesquisador, artista plático, e mora em Copacabana.
32 O Programa Favela‐Bairrro na Mangueira foi feito por Paulo Casé e Luiz Acioli Arquitetos associados Ltda.
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Figura 59: Foto geral das habitações Figura 60: Lixão no topo do Morro Fonte: Biblioteca do IPP Fonte: Biblioteca do IPP
Figura 61: Vila da Miséria Figura 62: Palácio do Samba com dois pavimentos Fonte: Biblioteca do IPP Fonte: Biblioteca do IPP
No que tange às intervenções urbanísticas em pontos específicos podemos apontar uma dupla percepção. Por um lado, alguns objetivos – como reduzir a injustiça da cota e promover locais de encontro – são valorozas, porém, outras podem não ter sido bem aceitas por todos os moradores, já que estes, muito provavelmente, não participaram das decisões. Pode ser o caso de propostas como a aplicação de sinais e placas nos bairros da Mangueira e de aumentar a permeabilidade e intercomunicabilidade das circulações. Frases utilizadas no programa como “integração da favela à cidade formal” e “objetivo de absorver características do ‘urbano’” mostram uma posição de rejeição à estrutura urbana da favela e de impulso por aplicar nela parâmetros de outras camadas sociais. O sambista e morador do Morro, Tantinho da Mangueira, afirma: “hoje nem reconheço estes lugares onde eram os bairros. O Favela‐Bairro mudou tudo, acabou com as referências.” (apud VIANNA, 2005).
Essas mudanças na relação do samba com comunidade vão além da destruição de alguns pontos de encontro referenciais, onde se tocava o samba e se reuniam os bambas.
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3.13 A dura realidade
Nos fins do século XX as favelas já ocupam uma grande extensão da cidade, como pode ser visto no mapa abaixo (Figura 63).
Figura 63: Favelas no Rio de Janeiro até 1997 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005.
Em 2006 é criada a Cidade de Samba33, edificação próxima à Marquês de Sapucaí, para abrigar os barracões das escolas do grupo especial (Figura 63). A construção deste espaço pode ser visto, por um lado, como a descentralização das escolas e seu desligamento da própria comunidade que o gerou – o corte do cordão umbilical. Para o entrevistado, Jorge Luiz, o carnaval passou “do fundo de quintal para a era industrial”. Ele conta que a maioria dos empregados da Cidade do Samba não é das comunidades que geraram aquelas escolas.
33 A Cidade do Samba ocupa uma área de 114.000m2 na região portuária do Rio de Janeiro. Além dos 12 barracões para construção do carnaval das escolas do grupo especial, o local recebe visitação de turista diariamente e promove shows semanalmente, como prévia dos desfiles de carnaval.
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Figura 64: Cidade do Samba Fonte: http://www.rio.rj.gov.br
A Mangueira, famosa pela defesa da tradição, é uma das escolas mais modernas, contando com investimentos de diversos setores da sociedade (SANTOS apud ZALUAR, 1998). Sua quadra, o Palácio do Samba, nos meses de preparação do carnaval, recebe milhares de visitantes nos ensaios dos sábados, sendo a maior parte deles estrangeiros e jovens da classe média alta do Rio de Janeiro34.
Hoje, os moradores das favelas encontram‐se cada vez mais fragmentados culturalmente e afastados do samba o que não lhes permite reunir forças para disputar suas marcas junto ao público maior (SANTOS apud ZALUAR, 1998). A ala das comunidades correponde a cerca de 30% dos componentes das escolas, enquanto que se aumentam cada vez mais os foliões da classe média alta de outros estados e estrangeiros.
Essa fragmentação cultural é resultante de uma série de fatores aqui colocados, como a alta densidade habitacional nas favelas atualmente, a destruição de referências que guardam a memória do lugar, o tráfico de drogas e a violência decorrente, o descaso do Poder Público, dentre outros.
O samba Nomes de Favela, de Paulo César Pinheiro relata a situação atual das favelas do Rio de Janeiro e faz o chamado por mudanças urgentes:
O galo já não canta mais no Cantagalo/ A água já não corre mais na Cachoeirinha/ Menino não pega mais manga na Mangueira/ E agora que cidade grande é a Rocinha! Ninguém faz mais jura de amor no Juramento/ Ninguém vai‐se embora do Morro do Adeus/ Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres/ E a vida é um inferno na Cidade de Deus Não sou do tempo das armas/ Por isso ainda prefiro/ Ouvir um verso de samba/ Do que escutar som de tiro
34 O preço de entrada para os ensaios de carnaval, que se iniciam por volta do mês de outubro, é de 20 reais, valor justificado pelos diretores como sendo a forma de arredação de dinheiro para o desfile, além da forma de selecionar o número de visitantes. (Dados obtidos por entrevista na quadra da escola)
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Pela poesia dos nomes de favela/ A vida por lá já foi mais bela/ Já foi bem melhor de se morar/ Mas hoje essa mesma poesia pede ajuda/ Ou lá na favela a vida muda/ Ou todos os nomes vão mudar
3.14 O Morro da Mangueira hoje
A partir de dados de órgãos envolvidos, de entrevistas com moradores, das visitas ao Morro da Mangueira, e da análise comparativa entre as observações in loco e o diagnóstico do Programa Favela‐Bairro, foi possível verificar alguns aspectos físico‐estruturantes da favela, assim como manifestações culturais entre moradores e não moradores no local.
3.14.1 Localização e situação do Complexo da Mangueira
A Mangueira, mais conhecida por Complexo da Mangueira, foi cadastrada pela Prefeitura em 14/08/1981 e faz parte da Área de Planejamento 1 (AP1), em verde no mapa abaixo (Figura 65). Sua ocupação obedece a Lei no 2811, publicado em 15/06/1999 – Lei de Área de Interesse Social (Anexo 1). A Mangueira é um bairro dentro do bairro de São Cristóvão, Região Administrativa VII, na Zona Norte do Rio de Janeiro (Figura 66).
Figura 65: Áreas de Planejamento do Rio de Janeiro Figura 66: Mapa com entorno Fonte: http://www.rio.rj.gov.br Fonte: http://www.rio.rj.gov.br
Os limites do Complexo da Mangueira são ao norte o bairro de Benfica, a nordeste e leste o bairro de São Cristóvão, ao sul o bairro do Maracanã e a sudoeste e oeste o bairro de São Francisco Xavier.
O seu entorno pode ser visto na foto aérea (Figura 67). Em vermelho está a delimitação do Complexo da Mangueira.
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Figura 67: Foto aérea do entorno com delimitação do Complexo da Mangueira Fonte: http://www.rio.rj.gov.br
Compreendem o Complexo da Mangueira as localidades: Morro dos Telégrafos, Morro da Mangueira, Chalé e Parque Candelária, sendo identificadas sub‐regiões conhecidas como: Santo Antônio, Faria, Olaria, Joaquina, Grotão e Buraco Quente (Mapa 1: Complexo da Mangueira).
3.14.2 Acessos ao Complexo da Mangueira
O acesso principal ao local é feito pela Rua Visconde Niterói. Mas existem outras vias de acesso como a Rua Ana Neri, a Rua Abdon Milanez, a Avenida Bartolomeu Gusmão (no Parque Candelária) e a Rua Dias da Silva (no Morro dos Telégrafos). A circulação na favela se dá por ruelas estreitas, becos e escadas, conformando uma espécie de labirinto. (Mapa 2: Figura‐Fundo Circulação).
A partir da Rua Visconde de Niterói (via coletora principal), a entrada no morro se dá por ruas estruturantes locais, como: a Rua Poteri, no Chalé; a Alameda Francisco Ribeiro, no Buraco Quente e a Travessa Saião Lobato, também no Buraco Quente (Mapa 3: Hierarquia Viária). Todas estas são pavimentadas. A Travessa Saião Lobato é a mais longa e corta a parte central do Morro da Mangueira com uma variação de 18m de curva de nível. Ela se inicia na Visconde de Niterói e termina em um largo.
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3.14.3 Dados do Morro da Mangueira
O presente trabalho busca analisar especificamente o Morro da Mangueira e, principalmente, a sub‐região Buraco Quente.
A área do Morro da Mangueira é de 116.045, 78 m2 (2004). Segundo dados da Prefeitura, este número era o mesmo em 1999. A estagnação da esua exapansão se deve a limites de cristalização como: a linha férrea à sudoeste e bairros já consolidados ao norte.
De acordo com o censo demográfico do IBGE de 2000, a população do Morro da Mangueira é 3.529 habitantes, e existem 976 unidades habitacionais.
3.14.4 Estrutura urbana do Morro da Mangueira
O sistema de abastacimento de água foi apontado como boa por alguns moradores entrevistados. Enquanto que o sistema de esgoto é regular, já que pode ser visto alguns pontos na Rua Visconde Niterói – parte baixa do Complexo – com depósito de esgoto a céu aberto.
O problema de acúmulo de lixo também ocorre na parte baixa do Complexo, que além de atrair bichos que causam doenças, impedem a entrada da água pluvial nos bueiros. O sistema de drenagem nas ruas é deficiente, existindo uma parte oficial e outra natural. Um dos agravantes é devido a própria condição das ruas, que apresentam buracos e desníveis acentuados.
O sistema de coleta de lixo se dá pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), porém, o acesso é restrito à Visconde de Niterói e proximidades. A coleta de lixo domiciliar é, portanto, deficiente.
A iluminação pública não abrange o Complexo na sua totalidade, concentrada mais na parte baixa, próximo a Visconde Niterói, onde existe bastante movimento de carros e pedestres durante todo o dia. É nesta área também que se encontra a quadra da escola de samba que promove muitos eventos noturnos.
Os mobiliários urbanos são deficientes, se concentrando mais na parte baixa do morro, como por exemplo, os telefones públicos próximos ao Palácio do Samba. Existem poucas áreas de convívio coletivo que permitem as relações sociais entre os
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moradores e suas manisfestações culturais cotidianas. Se restringem à algumas pequenas praças no interior do Morro, o Palácio do Samba e bares espalhados por toda a área.
3.14.5 Usos do solo e equipamentos comunitários
Ao longo da Rua Visconde de Niterói, mais próximo ao Palácio do Samba, existe uma concentração de comércio, incluindo bares, biroscas e trailers, que funcionam na maior parte do tempo no período noturno, quando há eventos no Palácio do Samba e arredores.
De um modo geral, os principais equipamentos comunitários são: o Palácio do Samba, o Centro Cultural Cartola, e a Escola Municipal Humberto de Campos. Existem ainda, as creches: Creche MunicipalHomero José dos Santos, Creche Municipal Nação mangueirense e Creche Municipal Vovó Lucíola.
No seu entorno existem 5 centro de assistência social, 8 unidades de saúde e 4 praças. Os maiores hospitais do entorno são o Hospital Municipal Jesus e o Hospital Municipal Barata Ribeiro. O posto de saúde mais utilizado se localiza na Vila Olimpica da Mangueira, no lado oposto à linha férrea.
3.14.6 Projetos sociais e eventos culturais:
O Palácio do Samba é considerado o ponto referencial no Morro relacionado à cultura. No edifício de três pavimentos, ao redor da grande quadra destinada aos ensaios (que possui cobertura retrátil), existem salões de reunião e pequenos ensaios, áreas administrativas, loja, posto médico, sala de exposições, camorotes, salas de aula, e auditório (Figuras 64 e 65).
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Figura 68: Quadra do Palácio do Samba Figura 69: Auditório do Palácio de Samba Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
Acontecem diversos eventos culturais na quadra nos fins‐de‐semana. Todo segundo sábado do mês, à tarde, tem a feijoada da família mangueirense, onde os visitantes além de saborear uma feijoada, assistem a show da Velha Guarda e convidados.
Figura 70: Feijoada da família mangueirense Figura 71: Nélson Sargento da Velha Guarda Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
Os ensaios preparativos para o desfile, que se iniciam no mês de outubro e vão até as vésperas do carnaval, acontecem todos os sábado à noite, recebendo milhares de visitantes, principalmente, turistas estrangeiros e jovens cariocas de classe média alta. Em dia de ensaio, os moradores da Mangueira se divertem do lado de fora, nos trailers de comida e bebida ao som de música mecânica (samba e funk).
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Figura 72: Fachada frontal do Palácio do Samba Figura 73: Rua Visconde de Niterói antes do ensaio Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
Figura 74: Interior da quadra no ensaio Figura 75: Mestre‐sala e Porta‐bandeira Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
No seu funcionamento durante a semana, de 9h às 18h, são oferecidos diversos cursos por meio de projetos sociais destinados aos moradores da Mangueira e arredores. Existem cursos de costura, manicure, cabelereiro, e outros. O principal projeto social, e o primeiro a ser criado pela G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, é o Mangueira do Amanhã, uma escola de samba mirim que atende crianças e jovens da comunidade.
Figura 76: Bateria da “Mangueira do Amanhã” Figura 77: Mestre‐salas, Porta‐bandeiras e passistas Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
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Outro projeto social vinculado ao Palácio do Samba é a Vila Olímpica. Com 37.000 m2, a Vila promove assistência média, odontológica e social, esportes das mais variadas modalidades, cursos profissionalizantes como de mercenaria elétrica e carpintaria (“Faz Tudo”), um CIEP, um Colégio primário (“Colégio Tia Neuma”), uma biblioteca, lanchonete, área para eventos comunitários como churrascos, e ainda, uma casa de apoio à portadores de necessidades especiais. Em visita ao local, com o diretor cultural da Estação Primeira, Guerra Peixe, foi possível notar o grande número de crianças e jovens da Mangueira que usufruem do local.
Figura 78: Ginásio de esportes Figura 79: Posto médico Figura 80: Área de enventos Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
Figura 81: CIEP Figura 82: Escola Tia Neuma Figura 83: Sala de informática Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
Um ponto de grande importância para a promoção de cultura na Mangueira é o Centro Cultural Cartola. Fundado pelos familiares do Cartola, a estrutura ocupa a antiga Fábrica de Chapéus Mangueira. Seu projeto, ainda não concluído, já conta com salas de aula de dança, música, judô e outros esportes, salão de eventos, áreas administrativas, salas de exposição e lanchonete. Os cursos são oferecidos principalmente às crianças e jovens, sendo o grupo juvenil de violinos, um dos grandes destaques. À noite, são organizados bailes uma vez por mês.
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Figura 84: Centro Cultural Cartola Figura 85: Salão de eventos Figura 86: Área externa
Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal
Em entrevista com Marion35, a cozinheira do Centro Cultural Carioca, foram descobertas iniciativas individuais de eventos beneficentes. Ela própria organiza duas festas abertas aos moradores da Mangueira, um no dia de São Jorge e outro no dia de São Cosme e Damião (dia das crianças). No segundo evento, ela distribui camisetas no seu trailer para cerca de 500 crianças, que aproveitam a festa com cachorro quente por ela preparado e brinquedos sorteados, adquiridos por doações.
Outro evento cultural é a Rua de Lazer que acontece todos os domingos na Rua Visconde de Niterói. Contudo, como conta Marion, o objetivo da brincadeira, da descontração e da relação entre moradores está tomando outros rumos que acabam por afastar muitas pessoas. Como é o caso das caixas de som com funk, o “proibidão”, como é chamado por ela, que são ligadas no volume máximo. Além do volume ela se queixa dos palavrões das letras dos funks, que prejudicam a educação das crianças.
Figura 87: Rua Visconde de Niterói vista do Palácio do Samba Fonte: arquivo pessoal
35 Além de coznheira do Centro Cultural, Marion tem um trailer em frente ao Palácio do Samba. Nasceu em Campos e mora atualmente em Vila Isabel, porém, morou 6 anos na Mangueira nas sub‐regiões Buraco Quente, Joquina, e Ana Neri.
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4. Considerações Finais
Dentre várias reflexões, o presente trabalhou proporcionou um estudo sobre a formação das favelas na Cidade do Rio de janeiro, a evolução da ocupação do Morro da Mangueira, e ainda, sobre o Samba como identidade de um povo, de uma cidade e de uma nação. Permitiu perceber como o samba, a voz do morro, transita entre o concebido e o mítico, o que auxilia na compreensão da consolidação dos assentamentos populares, e das relações sociais que constroem este espaço.
No Trabalho Final de Graduação, a ser produzido no semestre em sequência, serão delineadas propostas para o resgate de certos aspectos construídos em cima de determinadas histórias, memórias ou lugares da memória e que contribuam para o r
O primeiro contato com a realidade local e o estudo histórico, foram fundamentais para reconhecer alguns dos aspectos relevantes da Mangueira e para embasar a primeira proposta de delimitação da área de intervenção, assim como pontos referencias consolidados e possíveis espaços para intervenção. Foi escolhido o Buraco Quente, por se tratar da sub‐região mais representativa do Samba no Morro da Mangueira (Mapa 4: Buraco Quente).
4.1 Participação popular
Em um segundo contato, em de visitas de campo, serão feitas mais entrevistas e questionários com moradores, além de um contato com a Associação de Moradores, situada na Travessa Saião Lobato (Buraco Quente), a Cooperativa Habitacional da Mangueira (COPEMANGA) e outros contatos envolvidos em projetos no local. A participação popular na elaboração de projetos em assentamentos de tal natureza é vista como de extrema importância.
4.2 Diagnóstico
Uma melhor identificação socioespacial da área permitirá os seguintes levantamentos e mapeamentos:
• Uso e ocupação do solo da área de intervenção;
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• Gabaritos das edificações;
• Pontos críticos no sistema de drenagem, rede de esgotamento sanitário, acúmulo de lixo, rede de iluminação pública, pavimentação de vias, e outros;
• Áreas permeáveis, de lazer e terrenos vazios ou subutilizados.
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4.3 Propostas projetuais
A partir da análise da morfolologia urbana e dos resultados dos questionários e entrevistas, será construído um mapa de intenções projetuais em função das características locais, que poderão abranger temas como, por exemplo:
• Projetos de estruturação urbana;
• Ambiência paisagística;
• Projetos de reabilitação não habitacional;
• Projetos de revitalização e/ou requalificação de espaços de uso coletivo.
Será dada ênfase a projetos de valorização e recuperação de espaços públicos, mantendo as características atuais dos lugares e os usos dos espaços, agregando maior conforto e qualidade ao cotidiano dos moradores.
Vale ressaltar a importância em resgatar através desses projetos a memória e a cultura que marca a identidade dos moradores do morro na Mangueira e que contribuiu para a formação daquele espaço: o Samba.
4.4 Cronograma de atividades para o TFG – ARQ 349
Março Abril Maio Junho
Visitas à campo
Esntrevistas e questionários
Análise das entrevistas e questionários
Mapeamentos do diagnóstico
Mapa de intenções
Desenvolvimento do projeto
Montagem das pranchas
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5. Referências Bibliográficas
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6. Anexos
Lei nº 2811 de 15 de junho de 1999
Declara como de Especial Interesse Social, para fins de urbanização e regularização, as áreas faveladas delimitadas no anexo, e estabelece os respectivos padrões especiais de urbanização.
Autor: Poder Executivo
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1° ‐ Ficam declaradas como Áreas de Especial Interesse Social para fins de inclusão em programa de urbanização e regularização nos termos do parágrafo 1° do art 141 da Lei Complementar n° 16 de 4 de junho de 1992 as áreas cujos limites estão descritos no Anexo.
Art. 2° ‐ As áreas de que trata o art 1° serão urbanizadas e regularizadas pelo Poder Executivo, observados os arts 147 a 155 da Lei Complementar n° 16, de 4 de junho de 1992, respeitando os seguintes padrões de urbanização, parcelamento da terra, uso e ocupação do solo:
I ‐ sistema viário e de circulação, com acesso satisfatório às moradias, compreendendo ruas, vielas, escadarias e servidões de passagens;
II ‐ condições satisfatórias de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e iluminação pública;
III ‐ uso predominante residencial.
Parágrafo Único ‐ O Poder Executivo adotará os procedimentos necessários a regularização urbanística e fundiária, aprovando projetos de parcelamento da terra e estabelecendo normas que respeitem a tipicidade da ocupação e as condições de urbanização.
Art. 3°‐ Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
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LUIZ PAULO FERNANDEZ CONDE
DO RIO de 16/06/99
ANEXO
MANGUEIRA ‐ MORRO DOS TELÉGRAFOS ‐ PARQUE DA CANDELÁRIA (VII R.A. ‐ SÃO
CRISTÓVÃO)
Partindo do prolongamento da divisa lateral esquerda do lote 2 da Rua Vigário Morato, seguindo por esta até os fundos dos lotes desta rua; seguindo por estes até o prolongamento dos fundos dos lotes do lado par da Rua Henrique de Mesquita; deste ponto segue até o prolongamento e pelos fundos dos lotes da Rua Henrique de Mesquita até a Rua Ferreira da Prata; seguindo por esta, lado par incluído até a cota +55m; seguindo por esta até o talvegue existente; deste ponto, seguindo perpendicular ao eixo da Rua Jupará, até esta; seguindo por esta, em direção noroeste, lado ímpar incluído, até o prolongamento da divisa lateral esquerda do prédio n° 113 desta rua; deste ponto, seguindo sobre esta divisa e seu prolongamento até a cota +50m; seguindo por esta até o topo da pedreira da Rua Chantecler; seguindo sobre este até a cota +65m; deste ponto, seguindo em direção sul, até a cota +75m; seguindo por esta até encontrar o Marco Limítrofe/Trecho 1; seguindo por este até a divisa dos fundos da Escola Municipal José Moreira; seguindo por esta e por seu prolongamento até encontrar a Rua Cruzeiro, incluída, seguindo por esta até encontrar a Avenida Cartola, incluída; seguindo por esta até encontrar o topo da Pedreira da Rua Projetada A, seguindo por este até encontrar a cota +36; seguindo por esta por 130m; deste ponto, seguindo pelas divisas laterais dos lotes da Rua da Pedreira até os fundos dos lotes desta rua; seguindo sobre os fundos dos lotes até a Rua Projetada B; seguindo por esta por 15m; deste ponto, seguindo perpendicular, a sudeste, por 40m; deste ponto, seguindo perpendicular, a sudoeste, até o prolongamento da divisa dos fundos dos lotes da Rua da Pedreira; seguindo pelo prolongamento e pelas divisas dos fundos dos lotes da Rua da Pedreira até a Av. Visc. de Niterói; seguindo por esta, lado par incluído, por 80m; deste ponto seguindo pela Av. Neves, incluída, por 90m; seguindo em direção leste por 14m; deste ponto, seguindo em direção sul até encontrar a Rua Visc. de Niterói; seguindo por esta, lado par incluído, até encontrar a Rua Graciette Matarazzo; seguindo por esta incluída, até os fundos dos lotes da Av. Visc. de Niterói; seguindo por estes e por seu prolongamento até encontrar o Marco Limítrofe/Trecho 2, seguindo por este até seu término. Deste ponto, seguindo em direção sudoeste por 220m, quando encontra a cota +46; deste ponto, seguindo até o entroncamento da Rua dos Baianos com a Tv. Do Farias; seguindo por esta lado ímpar incluído, até encontrar a curva +45m; deste ponto em direção sudeste até encontrar a curva de
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nível +28m; deste ponto, em direção sudoeste até encontrar a Av. Visc. de Niterói; seguindo por esta, lado par incluído até a Rua Poteri; seguindo por esta, incluída, até o entroncamento com a Rua Projetada C; deste ponto até encontrar a Praça 04; seguindo por esta, lado ímpar incluído, até a Rua Icarai; seguindo por esta, lado par incluído, até a Rua Visc. de Niterói; seguindo por esta, lado par incluído, até o prolongamento da linha dos fundos dos lotes do final da Rua Rui; seguindo por esta linha até a cota +30m; seguindo por esta até os fundos dos lotes da Rua 31 de Maio; seguindo por estes até encontrar o alinhamento da Rua 31 de Maio, seguindo por este até a Rua Vigário Morato, segue por esta, lado par incluído, até o prolongamento da divisa lateral esquerda do lote 2 desta rua, no ponto inicial desta poligonal.