o ateísmo cristão

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Lançamento da Editora Mundo Cristão

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  • O apstolo Paulo escreveu aos corntios que a palavra da cruz loucura para a mente carnal e natural, para aqueles que es-to perecendo (1Co 1:18,21,23; 2:14; 3:19). Ele mesmo foi chamado de louco por Festo quando lhe anunciava a palavra da cruz (At 26:24). Pouco antes, ao passar por Atenas, havia sido motivo de escrnio dos filsofos epicureus e estoicos por lhes anunciar a cruz e a ressurreio (At 17:18-32).

    O evangelho sempre parecer loucura para o homem no regenerado. Todavia, no h do que nos envergonharmos se formos considerados loucos por anunciar a cruz e a ressurrei-o. Como Pedro escreveu, se formos sofrer, que seja por ser-mos cristos, e no como assassinos, ladres, malfeitores ou como quem se intromete em negcios de outros (1Pe 4:15-16).

    Nessa mesma linha, a certa altura da carta que escreveu aos corntios, o apstolo Paulo pede que eles evitem parecer loucos: Se, pois, toda a igreja se reunir no mesmo lugar, e to-dos se puserem a falar em outras lnguas, no caso de entrarem

    A loucura do evangelho e as loucuras dos evanglicos

    captulo um

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  • 14 O atesmo cr isto e outras ameaas Igreja

    indoutos ou incrdulos, no diro, porventura, que estais loucos? (1Co 14:23). Ou seja, o apstolo no queria que os cristos dessem ao mundo motivos para que nos chamassem de loucos, a no ser pela pregao da cruz.

    Infelizmente, os evanglicos ou uma parte deles no deram ouvidos s palavras de Paulo, de que vlido tentarmos no parecer mais loucos do que j nos consideram. Existe no meio evanglico tanta insensatez, falta de sabedoria, supers-tio, coisas ridculas que acabamos dando aos inimigos de Cristo um chicote para nos baterem. Somos ridicularizados, desprezados, nos tornamos motivo de escrnio, no porque pregamos Cristo crucificado, mas pelas sandices, tolices e bo-bagens, todas feitas em nome de Jesus Cristo.

    O que vocs acham que o mundo pensa de um pregador que diz ter tido uma viso na qual galinhas falam em lnguas e um galo interpreta falando em nome de Deus, trazendo-lhe uma revelao proftica?! Podemos dizer que o constrangi-mento que isso provoca resultado da pregao da cruz? Ou, ainda, o pastor pio, que, depois de falar em lnguas e profe-tizar, rodopia como resultado da uno de Deus?! Ou, ainda, a uno do leo, supostamente recebida da parte de Deus durante um show gospel, que faz a pessoa andar de quatro no palco como um animal selvagem?!

    Eu sei que vo argumentar que Deus falou atravs da ju-menta de Balao e que pode falar atravs de galinceos ungi-dos. Mas a diferena que a jumenta falou mesmo. Ningum teve uma viso em que ela falava. E deve ter falado na lngua de Balao, e no em lnguas estranhas. Naquela poca, falta-vam profetas Deus s tinha uma jumenta para repreender o mercenrio Balao. Eu no teria problemas se um galinheiro

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  • 15A loucura do evangelho e as loucuras dos evangl icos

    inteiro falasse portugus na falta de homens e mulheres de Deus nesta nao, mas no me parece que o caso.

    Sei que Deus mandou profetas andarem nus, profetizar e fazer coisas estranhas como esconder cintos de couro para apodrecerem. E ainda mandou outros comerem mel silvestre e gafanhotos e se vestir de peles de animais. Tudo isso fazia sen-tido naquela poca, quando a revelao escrita, a Bblia, no estava pronta, e os profetas eram os instrumentos de Deus para sua revelao especial e infalvel. No vejo nenhuma se-melhana entre o pastor pio e a pastora leoa e o profeta Isaas, que andou nu e descalo por trs anos como smbolo do que Deus haveria de fazer ao Egito e Etipia (Is 20:2-4).

    Eu sei que o mundo sempre vai zombar dos crentes, mas que esta zombaria, como queria Paulo, seja o resultado da pregao da cruz, da proclamao das verdades do evangelho, e no o fruto de nossa insensatez.

    Eu no me envergonho da loucura do evangelho, mas das loucuras de alguns que se chamam evanglicos.

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  • No se preocupem, o apstolo Juvenal no existe. Tambm nunca tive amigo que virou apstolo. O apstolo Juvenal um personagem fictcio, embora baseado em personagens da vida real.

    Meu caro Juvenal,Espero que voc se lembre de mim, o Augustus Nicodemus,

    seu colega de turma do seminrio presbiteriano. Faz uns vin-te anos que no temos contato. S recentemente consegui seu e-mail com um amigo comum.

    Desculpe-me por no trat-lo como apstolo. Voc sabe, desde os tempos do seminrio, minha opinio que os aps-tolos constituram um grupo nico e exclusivo na histria da Igreja e que hoje no existem mais. Qual no foi a minha surpresa quando deparei com seu programa de televiso e com voc se apresentando como apstolo Juvenal! Eu no sabia que havia deixado o pastorado em nossa denominao,

    Carta ao apstolo Juvenal

    captulo dois

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  • 17Carta ao apstolo Juvenal

    montado uma comunidade e adquirido esse ttulo de apsto-lo, o qual, como j disse, no consigo reconhecer como legtimo.

    Voc sabe que para ns, cristos histricos, os apstolos de Jesus Cristo tiveram um papel crucial e extremamente re-levante na fundao da Igreja crist. um cargo, um ofcio, to srio e fundamental, que ver pessoas usando esse ttulo nos dias de hoje causa um grande desconforto, uma profun-da perplexidade e tristeza inominvel. No consigo imaginar uma banalizao maior do que essa. No que voc seja uma pessoa indigna, pfia, prfida ou mesquinha, no se trata dis-so. Eu sentiria a mesma coisa se o prprio Calvino resolvesse usar esse ttulo.

    No sei o que se passou por sua cabea para que voc, co-nhecedor da Bblia e da histria da Igreja, resolvesse virar um apstolo e montar sua prpria comunidade. Pelo seu pro-grama de televiso, ficou patente para mim que voc adotou os cacoetes, o linguajar e as ideias que so prprias dos outros apstolos que j esto por a h mais tempo. Valendo-me da nossa amizade dos tempos de seminrio, resolvi escrever-lhe e tirar as dvidas, perguntar diretamente a voc, para no ficar imaginando coisas.

    1. Quem foi que lhe conferiu esse status, Juvenal? Refiro-me ao ttulo de apstolo. Nas igrejas histricas ningum toma para si o cargo, a funo e o ttulo de dicono, presb-tero, pastor. So ttulos concedidos por essas igrejas a pes-soas que elas reconhecem como vocacionadas e aptas para a funo. No sei quem lhe conferiu esse ttulo de apstolo. Ouvi falar que existe um conselho de apstolos no Brasil, ligado a outros conselhos similares no exterior, responsvel

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    por ordenar e investir os apstolos no Brasil. Mas, pergunto, quem ordenou, investiu e autorizou os membros desse con-selho de apstolos? Retrocedendo, veremos que em algum momento algum deste conselho se autonomeou apstolo, j que esse ttulo e ofcio deixaram de existir na Igreja crist desde o sculo 1. Os apstolos de Cristo no deixaram su-cessores que, por sua vez, fizessem outros sucessores, numa corrente ininterrupta at os dias de hoje. S quem reivindica isso o papa, e ns no aceitamos essa reivindicao. Alis, esse foi um dos motivos da Reforma Protestante ter aconte-cido. Por isso, considero a utilizao do ttulo apstolo hoje uma usurpao, uma apropriao indevida dentro da Igreja de uma funo histrica que no mais existe.

    2. Fala srio, Juvenal, voc acha mesmo que um apsto-lo? Quando voc usa esse ttulo, est se igualando aos doze apstolos e a Paulo, ou simplesmente usa o termo no sentido de enviado, missionrio, que o sentido original da palavra no grego? Se for nesse ltimo sentido, fico menos consterna-do. H outras pessoas na Bblia que so referidas como aps-tolos, alm dos Doze e Paulo, como Tiago, irmo do Senhor (Gl 1:19; v. tb. 1Co 9:5, em que Paulo distingue entre apsto-los e os irmos do Senhor) e Barnab (At 14:14). O sentido aqui quase sempre o de enviado de igrejas locais, missio-nrio, para usar o termo mais popular. Todavia, esse uso secundrio e desconhecido pelas igrejas modernas. Quando se fala em apstolo, as pessoas imediatamente associam o termo a Pedro, Tiago, Joo, Paulo etc. Usar o ttulo apstolo hoje igualar-se a eles ou, no mnimo, causar confuso na mente das pessoas. Voc acredita mesmo que um apstolo como Paulo, Pedro, Joo, Mateus, Andr, Filipe etc.?

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  • 19Carta ao apstolo Juvenal

    3. Se voc acredita, ento minha prxima pergunta esta: voc viu Jesus ressurreto? Ele lhe apareceu e lhe comissionou como apstolo? Pois foi assim que ele fez com os Doze e com Paulo. Todos eles foram chamados diretamente por Jesus e o viram depois da ressurreio. Se voc disser que Jesus lhe apareceu e lhe comissionou, pergunto ainda como fica a decla-rao de Paulo em 1Corntios 15:8, e, afinal, depois de todos, [Cristo] foi visto tambm por mim, como por um nascido fora de tempo? Ele est defendendo que Jesus apareceu a vrias pessoas, depois da ressurreio, e afinal [finalmente], depois de todos apareceu a ele. Literalmente, no grego, Paulo est dizendo que por ltimo de todos Cristo apareceu a ele. Ou seja, Paulo entendia que a apario do Cristo ressurreto a ele era a ltima de uma sequncia. assim que os cristos hist-ricos sempre entenderam. Se a condio para ser apstolo era ter visto Jesus ressurreto, conforme Pedro declarou (At 1:22; v. tb. 1Co 9:1), ento, Paulo foi o ltimo apstolo. Desculpe-me, no creio que Cristo lhe apareceu no corpo da ressurrei-o. Se voc disser que sim, prefiro acreditar em Paulo, de que ele foi o ltimo.

    4. Voc acha, sinceramente, que usar esse ttulo vai ajudar de alguma forma a Igreja? Em que sentido? Veja s, grandes lderes da Igreja, atravs de sua histria, pessoas que deram contribuies duradouras na rea de teologia, misses, social, nunca buscaram esse ttulo. Nem mesmo aqueles grandes homens de Deus que viveram na poca imediatamente aps a dos apstolos e que foram discpulos deles, como Papias e Policarpo. Outros, como Agostinho, Calvino, Lutero, Wesley, Spurgeon, e os grandes missionrios como Carey, jamais ar-rogaram a si essa designao. Se algum teria esse direito, depois dos apstolos, seriam eles, e no pessoas como voc

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    e outros que se apropriaram desse ttulo, cuja contribuio para a Igreja crist mnima comparada contribuio deles.

    5. Outra pergunta. Pelo que entendi, voc o fundador e presidente dessa Igreja Apostlica Global da Misericrdia de Deus. Como voc concilia isso com o fato de que os aps-tolos de Cristo no se tornaram donos, presidentes, chefes e proprietrios das igrejas locais que eles mesmos fundaram? Eles eram apstolos da Igreja de Cristo, da Igreja universal, e no de igrejas locais. A autoridade deles era reconhecida por todos os cristos de todos os lugares. Onde eles chegavam, eram recebidos como emissrios de Cristo, com autoridade designada por ele. A prova disso que os escritos deles, como os evangelhos e as cartas, foram recebidos por todas as igre-jas como Palavra de Deus e autoritativos em matria de f e prtica, foram organizados e colecionados naquilo que hoje conhecemos como o cnon do Novo Testamento. Pergunto, ento: quem reconhece sua autoridade como apstolo? Todas as igrejas crists do Brasil ou somente sua igreja local? Seus escritos, seus sermes so recebidos como Palavra infalvel e autorizada da parte de Deus em todas as igrejas crists ou somente em sua igreja local?

    6. Juvenal, pelo que me recordo, voc sempre foi uma pes-soa com dificuldades de relacionamento com as autoridades. Est lembrado daquela suspenso que pegou no seminrio por desacato ao diretor e ao capelo? Para no mencionar as brigas constantes incitadas em sala de aula com os professo-res, no por causa dos contedos, mas porque voc insistia em questionar, s vezes at zombeteiramente, a autoridade deles em aula. Lembrando-me desse trao da sua personali-dade e do seu carter, at que posso entender o motivo pelo

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  • 21Carta ao apstolo Juvenal

    qual voc resolveu abandonar o sistema conciliar da nossa denominao e fundar outra, onde voc o chefe supremo. Imagino que voc no preste contas a ningum da sua con-duta, do que ensina e de como usa os recursos financeiros que arrecada. Afinal de contas, acima dos apstolos s Jesus Cristo, e, pelo que sei, ele no emite nada-consta nessas reas.

    7. Uma ltima pergunta e depois vou deix-lo em paz. Voc faz os mesmos milagres que os apstolos fizeram? No me refiro a curas em massa de pessoas que no tm CPF nem endereo e que foram curadas de males internos como en-xaqueca, espinhela cada, presso alta etc. Refiro-me a curas efetuadas pelos apstolos de Cristo, de aleijados, surdos, cegos, paralticos, cujas deformidades, endereo e identida-de eram conhecidos das comunidades. Refiro-me s ressur-reies de mortos, como a ressurreio de Dorcas feita por Pedro. Voc faz esse tipo de sinais? Os apstolos jamais fra-cassaram ao dizer em nome de Jesus, levanta-te e anda. O ndice de sucesso deles era de 100%. E as curas eram instan-tneas e completas. Quem era cego voltava a ver completa-mente, e no em parte. Aleijados voltavam a andar e a pular. Voc faz isso, Juvenal? Voc se incomodaria em me deixar participar de uma daquelas reunies de cura que voc anun-cia em seu programa, para que eu entrevistasse as pessoas que dizem ter sido curadas?

    No me leve a mal, mas que tem muita charlatanice nes-se meio, muita gente que paga para dar testemunho falso de cura, muitos que pensam que foram curados quando no mximo foram sugestionados nesse sentido. Curas reais e au-tnticas sero assim comprovadas por laudo mdico, exames etc. No que eu no creia em milagres hoje. Eu creio, sim,

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    que Deus cura hoje em resposta s oraes. Inclusive, eu mes-mo j fui curado em resposta s oraes. O que eu no creio que existam hoje pessoas com o dom apostlico de curar sim-plesmente pelo comando verbal e de realizar curas imediatas e completas de aleijados, cegos, surdos, paralticos, doentes mentais, cancerosos, aidticos etc. Esse dom fazia parte do equipamento apostlico e servia como credenciais do apos-tolado, conforme Paulo declarou aos corntios (2Co 12:12). Se voc no capaz de fazer os sinais que os apstolos fa-ziam, no creio que tenha o direito de se chamar apstolo.

    Bom, no sei se voc vai me responder. Fique vontade. Eu precisava lhe perguntar essas coisas, para no ficar imagi-nando no corao que voc um mercenrio, uma daquelas pessoas disposta a tudo para ganhar poder, espao e dinheiro, mesmo que seja s custas da credulidade do povo brasileiro e em nome de Deus. Um abrao, Augustus

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  • Recentemente, estudando para dar aulas de teologia paulina, percebi mais uma caracterstica do apstolo Paulo que o dis-tancia dos apstolos modernos. Ao contrrio dos tais aps-tolos que se lanam para fazer carreira solo e ter seu prprio ministrio, Paulo sempre fez questo de mostrar que ele fazia parte do grupo apostlico de sua poca, embora tivesse sido chamado para ser apstolo quando o prazo de matrcula j havia expirado (nascido fora de tempo, 1Co 15:8).

    Se alguns tm uma viso de Paulo como um individualista que seguiu carreira e ministrio prprios, isso se deve, em parte, Igreja Catlica, que colocou Pedro acima dos demais apsto-los e, portanto, longe de Paulo. Os liberais tambm contribu-ram para isso, quando fizeram de Pedro o lder do cristianismo judaico da Palestina e Paulo o lder do cristianismo gentlico de Antioquia, em constante tenso e hostilidade mtua.

    De todos os apstolos, Paulo era o mais culto, o mais prepa-rado intelectualmente e com maior experincia intercultural.

    O apstolo prdigo

    captulo trs

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  • 24 O atesmo cr isto e outras ameaas Igreja

    Nascido em Tarso da Cilcia, em territrio grego, educado no que havia de melhor e mais refinado na erudio judaica, de fa-mlia rica o suficiente para lhe dar o status de cidado romano, Paulo se destacava dos pescadores, cobradores de impostos, artesos e ex-guerrilheiros galileus que compunham o quadro dos doze apstolos iletrados de Jesus Cristo (At 4:13). Com facilidade, ele poderia ter iniciado um movimento indepen-dente, ter seu prprio ministrio e at mesmo fundar uma reli-gio. Todavia, ele se negou a fazer isso e at mesmo repreendeu os fs que queriam comear o partido de Paulo (1Co 3:4-9).

    Na realidade, o retrato que temos de Paulo em suas cartas e no livro de Atos de um apstolo que no se via tendo um ministrio solo, nem prprio, mas em perfeita harmonia e cooperao com os demais. Para ele, a Igreja est edificada sobre o fundamento dos apstolos e dos profetas (Ef 2:20). Ele no se v como um fundamento parte. Ele honrou os apstolos antes deles, visitando-os em Jerusalm e procurando comunho e harmonia com eles (Gl 1:18). Foi provavelmen-te nessa ocasio que ele aprendeu com os apstolos acerca de vrias tradies originadas em Jesus (1Co 11:2; 15:3-7). Paulo declara que eles eram importantes e colunas da igreja, apesar de terem uma condio humana muito humilde, o que realmente no importava, pois Deus no olha para o exterior (Gl 2:6). Os sinais e prodgios que ele realizava eram creden-ciais do apostolado (2Co 12:12), isto , sinais operados por todos os que eram apstolos. Paulo no teve problemas em se submeter s instrues de Tiago quando esteve em Jerusa-lm (At 21:18-26).

    E quando foi obrigado a dizer que trabalhou at mais que eles, Paulo logo acrescenta que foi somente pela graa

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  • 25O apstolo prdigo

    (1Co 15:10). Mesmo aps repreender Pedro por sua inconsis-tncia (Gl 2:11-21), no separou-se dele. Na verdade, Pedro mais tarde at mesmo recomenda as cartas de Paulo como parte legtima das Escrituras (2Pe 3:15-16)!

    A melhor maneira de descrever como Paulo se via entre os demais apstolos aquela do filho prdigo, que disse ao pai, ao regressar: no sou digno de ser chamado teu filho (Lc 15:21). Por ter perseguido a Igreja, Paulo fala de seu apos-tolado como uma honra nunca merecida, um favor especial concedido por Deus: Porque eu sou o menor dos apstolos, que mesmo no sou digno de ser chamado apstolo, pois per-segui a igreja de Deus (1Co 15:9).

    Fico com a impresso de que a inspirao dos apstolos evanglicos contemporneos no Paulo ou um dos Doze, mas o atual bispo de Roma.

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  • Um nmero da revista poca de agosto de 2010 trouxe re-portagem de capa sobre a reao de diversos segmentos da igreja evanglica ao que se convencionou chamar no Brasil de evanglicos, especialmente aps o crescimento das igrejas neopentecostais. A manchete era Os novos evanglicos, e a capa trazia a ilustrao de um grande monumento religioso em construo, talvez em referncia rplica do templo de Salomo que est sendo erguida pela Igreja Universal do Rei-no de Deus em So Paulo.

    A reportagem representa um avano na maneira em que a mdia em geral trata os evanglicos, como se fossem todos fa-rinha do mesmo saco. E farinha imprestvel. Reunindo depoi-mentos de lderes evanglicos de diversos segmentos (incluiu um socilogo ateu), o jornalista Ricardo Alexandre mostrou como todos eles concordam em dois pontos: rejeio s doutrinas e prticas das igrejas neopentecostais e desejo por uma mudan-a profunda nos atuais rumos da igreja evanglica brasileira.

    Novos evanglicos?

    captulo quatro

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  • 27Novos evangl icos?

    Nesse assunto, nada a reparar. De fato, de pentecostais a episcopais, reaes contrrias a essas igrejas, consideradas seitas por algumas denominaes histricas, tm sido veicu-ladas abertamente por meio de blogs e livros. J estava na hora da grande mdia ouvi-las e entender que nem todos que fazem reunies onde o nome de Cristo citado so necessa-riamente evanglicos ou mesmo cristos.

    Eu s fiquei um pouco desconfortvel com dois ou trs pontos da matria que cito aqui. Estou vontade para isso, uma vez que meu nome foi mencionado no artigo, ainda que de raspo.

    1. Achei que a chamada de capa um equvoco histrico, pois novos evanglicos se aplica mais exatamente a grupos como a IURD, Renascer e Igreja Mundial, e no queles que reagem a tais grupos. Eu no me considero um novo evang-lico, e sim um bem antigo, com razes histricas na Reforma do sculo 16 e razes teolgicas nas Escrituras Sagradas. No h nada de novo em nosso desejo de ver o antigo evangelho ser pregado corretamente em nossa ptria. Essas seitas que chegaram ontem. Todavia, entendo o autor. Esses grupos neo-pentecostais cresceram tanto e influenciaram tanto a mdia e a opinio pblica que viraram o padro. Eles que seriam os evanglicos. E quem no como eles e quer mudanas visto como o novo, a novidade.

    Em certo sentido, foi o que aconteceu na Reforma. Os re-formadores foram acusados pelos papistas de trazerem no-vidades Igreja, ao pregarem que a justificao era pela f somente. Lutero e Calvino retrucaram que estavam pregando as antigas doutrinas da graa, encontradas nos pais da Igreja e nos ensinos de Cristo e de Paulo. Eu entendo que para uma

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    igreja como a de Roma, com vrios sculos de existncia, os protestantes pareciam nova seita. Mas, convenhamos, con-siderar episcopais, presbiterianos, batistas e assembleianos novos evanglicos passar recibo para a pretenso desses grupos sectrios de serem igreja evanglica legtima.

    2. Tambm achei que pode ter ficado a impresso para leitores menos avisados de que os reacionrios esto unidos entre si e que se aceitam mutuamente sem problemas. Antes fosse. Mas nem sempre o inimigo do meu inimigo meu alia-do. Eu entendo que um dos principais focos da reportagem so as igrejas da prosperidade. Contudo, no posso deixar de ressaltar que aqueles que se levantam contra os abusos des-sas seitas no so necessariamente aliados entre si. Na verda-de, pode haver entre eles diferenas to abissais como a que existe entre eles e as seitas da prosperidade.

    3. Denunciar o erro dos outros no nos absolve dos nos-sos. Se, por um lado, as seitas neopentecostais espalham um falso evangelho deformado pela teologia da prosperidade, por outro h os que tambm propagam um evangelho dis-torcido pelo liberalismo teolgico e por heresias antigas. As seitas da prosperidade acabaram sendo demonizadas como a prpria encarnao do antievangelho, a ponto de, conforme a reportagem de poca, se fazer necessria uma nova Re-forma. No discordo desse ponto, apenas considero que o enfoque nele acaba desviando a ateno de outras linhas de pensamento dentro dos arraiais cristos que so to preju-diciais quanto a teologia da prosperidade e que igualmente clamam por uma reforma.

    Por exemplo: e aqueles que destroem a f em Jesus Cristo e nos padres morais do cristianismo? A mdia fica

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  • 29Novos evangl icos?

    indignada com o mercenarismo dos pastores dessas seitas, mas aplaude os evanglicos que defendem o casamento gay, o aborto, a teoria da evoluo contra o relato da criao, o relativismo moral, o sexo livre e o ecumenismo com todas as religies. A mdia no consegue enxergar que o liberalismo teolgico e a teologia da prosperidade so irmos gmeos e hipocritamente aplaude um e condena o outro.

    No me entendam mal. A reportagem est correta. preciso deixar claro que esses grupos neopentecostais esto deturpando o evangelho de Cristo. Porm, tendenciosa ao retratar os neopentecostais como a raiz de todos os males no meio evanglico, esquecendo o dano feito pelos liberais, pelos defensores de outro deus e pelos libertinos.

    4. Por ltimo, acho que faltou mencionar que os chama-dos novos evanglicos concordam apenas que preciso uma mudana, mas discordam entre si quanto ao modelo de igreja que deve ocupar o lugar dessas seitas. A Reforma do sculo 16, em que pesem as diferenas entre os refor-madores principais, tinha uma mensagem relativamente uniforme e praticava um modelo de igreja que era basica-mente igual. s comparar as confisses de f escritas por presbiterianos, batistas, episcopais, congregacionais e inde-pendentes, para verificar esse ponto. J os tais novos evan-glicos bem, h entre eles desde os desigrejados que desistiram completamente de qualquer coisa que se parea com uma igreja , at aqueles que desejam apenas expur-gar o modelo tradicional de igreja dos acrscimos indevidos em sua doutrina, culto e prtica, mantendo a pregao, o batismo e a ceia, alm do exerccio da disciplina para os membros faltosos.

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    E no meio ainda temos os emergentes, as igrejas em clu-las sem liderana oficial, igrejas com liturgia inclusiva e por a vai.

    aquela velha histria... Grupos contrrios se unem con-tra um inimigo comum e, aps venc-lo, comeam a brigar entre si. A luta comum contra as igrejas da teologia da prospe-ridade est longe de representar uma nova Reforma. Quando esta luta terminar se que vai terminar um dia , teremos de continuar a outra, mais antiga, que contra o liberalismo teolgico fundamentalista, o relativismo moral, o pluralis-mo inclusivista e o libertinismo que assolam os evanglicos no Brasil muito antes de Edir Macedo abrir seu primeiro templo. Para mim, essas coisas so at mais perniciosas, pois, enquanto as seitas neopentecostais criam igrejas e co-munidades prprias, os liberais se infiltram nas estruturas e igrejas criadas por conservadores e drenam seu vigor at deixar somente a carcaa.

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