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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 1

Os impactos daprodução de cana noCerrado e Amazônia

OrganizadoresComissão Pastoral da Terra

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

OrganizadoresComissão Pastoral da Terra

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Os impactos daprodução de cana noCerrado e Amazônia

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2 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

Índice

55555 Introdução

77777 Impactos do monocultivo de cana no Brasil

1111111111 Estudos sobre os impactos dos agrocombustíveis

nas mudanças climáticas

1515151515 A expansão do monocultivo de cana no Cerrado

2121212121 A devastação da Amazônia brasileira

2525252525 A expansão do cultivo

de cana na Amazônia

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2929292929 Dados por estado: produção de

cana na Amazônia e no Cerrado

Acre, Amazonas, Goiás, Maranhão,Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,Minas Gerais, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins

6969696969 Projetos de Infra-estrutura na Amazônia

7272727272 Um histórico de violações de direitos humanos

7777777777 Homenagem à luta pela

Reforma Agrária e pela

preservação de bens naturais:

As várias mortes de Irmã Dorothy

Mae Stang

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Texto: Maria Luisa Mendonça

Colaboraram: Isidoro Revers, Marluce Melo, Plácido Júnior e Renata Albuquerque.

Artigo: “As várias mortes de Irmã Dorothy Mae Stang” de Aton Fon Filho.

Pesquisa de campo: Isidoro Revers, João Ripper e Maria Luisa Mendonça.

Colaboraram com a pesquisa de campo: Comissão Pastoral da Terra - GO, MS, MT,AM e RO, Conselho Indigenista Missionário – MS, Centro Burnier Fé e Justiça - MS.

Fotos: João Ripper

Projeto Gráfico e Diagramação: Luciane Udovic Bassegio.

Assessoria administrativa: Magali Godoi, Marta Soares e Silvana Silva.

Publicação: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e Comissão Pastoral daTerra, Outubro de 2008.

Apoio para pesquisa e publicação: EED - Evangelischer Entwicklungsdienst /Misereor / ICCO & Kerk in Actie/ Grassroots International / Intermón-Oxfam.

Os impactos da produção de canano Cerrado e Amazônia

Expediente

Os impactos da produção de canano Cerrado e Amazônia

Informações:Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Rua Castro Alves, 945 - São Paulo, SP - Cep: 01532-001, BrasilTel/Fax: 55- 11 - 3271-1237 | 3271-4878 - Email: [email protected] - www.social.org.br

Comissão Pastoral da TerraRua Esperanto 490 - Recife, PE - Cep: 50070-390, Brasil

Tel/Fax: 55-81-3231-4445 - Email: [email protected] - www.cptpe.org.br

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Esta publicação visa sistematizar osdados e análises recentes sobre aexpansão do monocultivo de cana

no Brasil, a partir da chamada “febre doetanol”. Essa expansão está baseadaprincipalmente na expectativa de aumentara exportação do produto. Nesse sentido,houve uma mudança no perfil da indústria,com forte presença de empresasestrangeiras de diferentes setores, não sóagrícolas, mas principalmente financeiras,automotivas e petroleiras.

O impacto no meio rural é imensurável,pois fortalece o modelo agrícola baseado nomonocultivo e na consolidação da grilagemde terra. Em pleno século 21, o Brasil baseiasuas políticas nas necessidades dos paísescentrais e de grandes empresastransnacionais, em detrimento do bem-estar de sua população e da preservação debens naturais. A propaganda do etanol comoenergia “limpa” já não convence a sociedade.É isso que procuramos mostrar nesse estudo.

O Brasil tem um enorme potencialenergético. As novas descobertas depetróleo colocam questões centrais para suaautodeterminação sobre recursosestratégicos, que devem ser geridos deacordo com os interesses do povo brasileiro.Ao mesmo tempo, o meio rural brasileiro érico em bens naturais, que devem serpreservados para futuras gerações, a partirdo cumprimento dos direitos dascomunidades camponesas, indígenas equilombolas.

É preciso lembrar que a energiaprimordial que a humanidade necessita parasua sobrevivência é gerada pelos alimentos.Apesar de todo o potencial agrícola do país,milhões de pessoas não têm acesso aodireito básico à alimentação. Segundo dadosdo IBGE, 14 milhões de pessoas passam fomeno Brasil e mais de 72 milhões vivem emsituação de insegurança alimentar.

Um modelo de desenvolvimentocompatível com a demanda histórica dos

Os impactos daprodução de cana noCerrado e Amazônia

Introdução

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movimentos sociais teria que priorizar aSoberania Alimentar e realizar aReforma Agrária, para garantir o acessoà terra a milhões de trabalhadores rurais.Ao contrário, o que presenciamos hojeé a legalização da grilagem de terras,favorecida pelos órgãos públicos, o

aumento da concentração fundiária, amercantilização da natureza e odescumprimento de leis ambientais etrabalhistas. Os estudos apresentadosnessa cartilha demonstram esse processo,a partir de um quadro detalhado daexpansão dos canaviais e seus impactos.

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Todo monocultivo tem impacto sócio-ambiental, uma vez que é feito de ma-neira extensiva com um único vegetal.

Além de exaurir o solo com o tempo, reduz abiodiversidade, causando devastação ambiental.Do ponto de vista social, as desvantagens sãograndes, pois a expulsão da população rural causadesemprego e reduz a produção de alimentos,principalmente realizada por pequenos e médiosagricultores. Esses elementos têm seintensificado nos últimos anos, com o processode investimento governamental no agro-hidronegócio.

Segundo dados da Companhia Nacional deAbastecimento (CONAB), a área de plantação decana-de-açúcar cresceu de 4,5 milhões para cercade 7 milhões de hectares nos últimos dois anos. Asafra de 2006/2007 foi 9% maior que a safra anterior.A produção de etanol teve um aumento de 16%.Nos últimos cinco anos, a monocultura da canacresceu o equivalente ao tamanho dos estados doRio de Janeiro e Sergipe.

A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)estima que cerca de 70% da cana colhida nestasafra foi utilizada para a produção de etanol e 33%para a produção de açúcar.1 Atualmente, o setorsucroalcooleiro produz 18 bilhões de litros de

etanol por ano. A estimativa é chegar a 28 bilhõesde litros em 2010. Previsões indicam que a safrade cana em 2008/2009 deve ser a maior da história,chegando a 498,1 milhões de toneladas.2

O pesquisador Horacio Martins de Carvalhoestima que, “O Brasil vai construir, em média, duasa três usinas de álcool e açúcar por mês até 2013.Hoje com 336 unidades, deve chegar a 409 (ou 598,com os projetos sob consultas em andamento) atéo final da safra 2012/2013”.3 A previsão é que, até2025, o país tenha 615 usinas de etanol.4

Essa expansão está sendo aquecida peloPrograma Nacional de Biocombustíveis, comgrandes subsídios por parte do governo. Dados doBanco Nacional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES) revelam que há atualmentepropostas de financiamento que somam R$ 7,2bilhões. O total de investimentos do banco paraa construção de novas usinas deve chegar a R$ 12,2bilhões.

Em todo seu processo produtivo, desde oplantio até a colheita, os impactos ambientais esociais dos monocultivos de cana são enormes. Autilização intensiva de produtos químicos faz comque a poluição do solo e das águas seja inevitável.Os agrotóxicos são usados desde o processo depreparação do solo, com produtos para inibir o

Impactos do monocultivode cana no Brasil

BRASIL

Os monocultivos são responsáveis pela destruição domeio ambiente e de comunidades camponesas, além deimpedir que o Brasil alcance a Soberania Alimentar.

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nascimento de ervas e eliminar insetos. Quando acana começa a brotar, são aplicados herbicidas,provocando a poluição do solo e das fontes deágua, inclusive no subsolo.

De acordo com o pesquisador Horácio Martins,“Um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, oóxido nitroso (N2O), tem como principal fonte deemissão a agricultura, e é 310 vezes mais poluenteque o dióxido de carbono (CO2), o mais comum naatmosfera”. Martins cita ainda o problema da“contaminação das águas e do solo pelosagrotóxicos e os herbicidas, assim como saturaçãodos solos pelos fertilizantes nitrogenados”, alémda “compactação dos solos pela motomecanizaçãopesada”.5

Apesar do aumento da mecanização, que ocorreem cerca de 40% das lavouras, as queimadas aindasão freqüentes na colheita da cana. Essa prática

Além da contaminação dos recursos hídricos, se utilizamuita água na produção do etanol.

destrói os microorganismos do solo, polui o ar ecausa doenças respiratórias. A queima da palha dacana libera gases que contribuem para o efeito estufa.A fuligem liberada a partir da queima da cana causaprejuízos ao bem-estar e à saúde da população, poisgrande quantidade de cinzas é lançada sobre ascidades próximas às lavouras. Em São Paulo, maiorprodutor de cana do país, as queimadas levam aumidade relativa do ar a atingir níveis extremamentebaixos, entre 13% e 15%.

Além da contaminação dos recursos hídricos,se utiliza muita água na produção do etanol. Deacordo com um estudo publicado na revistaNatural Resources Research, são necessários 7 millitros de água para cultivar 12 quilos de cana,usados para a produção de um litro de etanol. Ecada litro de etanol gera 10 litros de águacontaminada residual.6

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1 Agência Reuters, 15/05/2008.2 Agência Brasil, 17/04/2008.3 Texto de Horacio Martins de Carvalho, Avalanche do Imperialismo Verde , 3/5/07.4 Jornal O Popular, Cerrado vira ‘refúgio’ da cana , 08/09/08.5 Texto de Horacio Martins de Carvalho, Avalanche do Imperialismo Verde , 3/5/07.6 Texto original: “cada litro de etanol gera 10 litros de água contaminada residual, o vinhoto. Isso significa que, para cada litro deetanol, são utilizados 7 mil litros de água e contaminados outros 10 litros”. http://revistagalileu.globo.com/Revista/Galileu/0 , ,EDG83925-7837-203-3 ,00-BIOCOMBUSTIVEL+OU+COMIDA.h tml .7 Radioagencia Notícias do Planalto, 5/5/08.8http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=1421

Segundo estudo da agrônoma Marília CastroLima, da Universidade Federal Rural dePernambuco (UFRPE), para cada litro de etanolproduzido são gerados de 10 a 13 litros devinhoto.Uma parte do vinhoto é utilizada comofertilizante, se diluído em água. Porém,pesquisadores advertem que esta substânciacontamina rios e fontes de água subterrâneas. NoBrasil, a maior parte dos reservatórios de vinhotonão é feita de cimento e, portanto, essa substânciapolui o subsolo e os aqüíferos.

Outro efeito da expansão dos monocultivospara produção de commodities é o aumento dopreço da terra. Em 2007, este aumento foi emmédia de 18%. Segundo o professor José Gilbertode Souza da Universidade Estadual de São Paulo(Unesp), “essa trajetória tem sido influenciada demodo mais decisivo pela expansão da cana”.7

Uma história de destruiçãoPara avaliar os impactos no Cerrado e na

Amazônia, basta constatar a enorme devastaçãoque o monocultivo da cana causou na MataAtlântica, especialmente no Nordeste e no Centro-Sul. De acordo com estudo do advogado BrunoRibeiro, “a ação destruidora da Mata Atlânticapromovida pela atividade canavieira se acentuouno período do Proálcool, nas décadas de 70 e 80.

Em 2008, um fato inédito aconteceu emPernambuco. Depois de tantas denúncias feitaspor organizações sociais ao IBAMA, todas as 24usinas de cana-de-açúcar do estado foramautuadas por crime ambiental. Essas empresas sãoresponsáveis pela destruição da Mata Atlântica naregião e contaminação dos cursos de água. Comoconseqüência do desmatamento, o estado passoua ter o menor índice de áreas preservadas dobioma. Enquanto a média nacional é de 8%,Pernambuco possui apenas 2,7% de Mata Atlântica.Segundo dados apresentados pelo ministro doMeio Ambiente, Carlos Minc, essas 24 usinas sãoresponsáveis por um passivo ambiental de 85 milhectares.8

Portanto, os monocultivos são responsáveispela destruição do meio ambiente e decomunidades camponesas, além de impedir queo Brasil alcance a Soberania Alimentar. É precisodenunciar a enorme destruição da biodiversidadecausada pela expansão da indústria da cana edefender a demanda histórica dos movimentossociais pela Reforma Agrária. O Brasil continuasendo um dos campeões do mundo emconcentração de renda e terra, além de manterum alto índice de pobreza e fome. É precisodefender um modelo de desenvolvimento voltadopara a Soberania Alimentar, que priorize ademocratização da terra e a preservação derecursos naturais.

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“Denúncias de problemassociais e ambientais fizeramcom que a União Européiareduzisse sua meta de usode agrocombustíveis”

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Estudossobre os impactos

dos agrocombustíveis nasmudanças climáticas

IMPACTOS

Apesar do esforço do governo brasi-leiro para convencer a comunidade internacional de que o etanol

brasileiro é “renovável”, entre 2007 e 2008houve uma mudança significativa em relaçãoa essa imagem. Recentemente, denúncias deproblemas sociais e ambientais fizeram comque a União Européia reduzisse sua meta deuso de agrocombustíveis, fixada inicialmenteem 10% até 2020.

Em 7 de julho de 2008, o Comitê de MeioAmbiente do Parlamento Europeu aprovoua redução dessa meta para 4% até 2015,quando uma nova resolução será adotadaa partir de estudos mais aprofundadossobre seus impactos. A meta de 4% incluio uso de hidrogênio e energia elétricanos transportes, o que significa umaredução ainda maior na utilização deagrocombustíveis.

Dois dias entes da votação, a agência denotícias France Presse havia registrado uma

reunião informal de ministros de energiada União Européia e descreveu que “o queparecia ser um impressionante engano porparte de políticos em Bruxelas chega a talponto que a imagem dos biocombustíveismudou em um período de meses, desalvadores do clima para forasteiros do clima”.9

Segundo nota da organização Amigos daTerra, “membros do Parlamento Europeuvotaram para reduzir de forma significativaas metas de promoção de biocombustíveisdiante de evidências crescentes de seusimpactos no preço dos alimentos, nos povose na biodiversidade, e de sua incapacidadede combater a mudança climática”.

O próprio Comitê Científico da AgênciaEuropéia de Meio Ambiente (EEA -European Environment Agency) haviarecomendado a suspensão da meta de 10%na utilização de agrocombustíveis e avaliadoa necessidade da realização de estudos maisabrangentes sobre seus riscos.10

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O problema de muitas pesquisas realizadasanteriormente foi excluir os impactos ambientaisdo modelo de produção, de utilização de recursosnaturais (como terra e água) e da pressão sobreáreas de preservação ou de produção dealimentos. Uma reportagem da revista Timeobserva que a maioria dos estudos tem calculadoo potencial de seqüestro de carbono dosagrocombustíveis sem levar em conta o impactoda implantação de monocultivos em áreas onde avegetação e o solo acumulam uma quantidademaior de carbono. “É como se esses cientistasimaginassem que os biocombustíveis fossemcultivados em estacionamentos”, comenta amatéria.11

Um dos estudos mais importantes sobre amudança nas formas de utilização da terra e suarelação com o aumento nas emissões de carbonofoi publicado pela revista Science. Os autoresafirmam que “A maioria dos estudos anterioresdescobriu que substituir gasolina porbiocombustíveis poderia reduzir a emissão decarbono. Essas análises não consideraram asemissões de carbono que ocorrem quandoagricultores, no mundo todo, respondem à altados preços e convertem florestas e pastos emnovas plantações, para substituir lavouras de grãosque foram utilizadas para os biocombustíveis”.12

O artigo cita o aumento do preço da soja comofator de influência para acelerar o desmatamento

O etanol produzido a partir da cana-de-açúcar e obiodiesel feito a partir da soja causam mais danos aomeio ambiente do que os combustíveis fósseis.

Os impactos do modelo de produção

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9 PARIS (AFP), 5/7/2008, EU ministers ‘discover’ biofuels not an obligation after all.10 EEA Scientific Committee – Opinion on biofuels use in Europe, http://www.eea.europa.eu/highlights/suspend-10-percent-biofuels-target-says-eeas-scientific-advisory-body 11 Time Magazine, 14/4/2008, The Clean Energy Myth.12 Science Magazine, 28/2/2008, Use of U.S. Cropland for Biofuels Increases Greenhouse Gases Through Emissions from Land-Usechange.13 Lusa, 09/01/2008 , Estudo da “Science” diz que etanol pode ser mais nocivo ao Ambiente do que a gasolina ,www.ultimahora.publico.clix.pt/noticia.14 El País, Biocombustíveis perdem o rótulo ecológico, 31/3/2008.

na Amazônia e estima que seu cultivo para aprodução de diesel resulta em uma “dívida decarbono” que levaria 319 anos para sercompensada. De acordo com o pesquisadorTimothy Searchinger, da Universidade dePrinceton, “Florestas e pastos guardam muitocarbono, portanto não há como conseguirbenefícios ao transformar essas terras em cultivospara biocombustíveis”.

Essa pesquisa demonstra que os efeitos daprodução de agrocombustíveis devem seravaliados a partir de todo o ciclo da expansão demonocultivos. No Brasil, sabemos que asplantações de cana avançam rapidamente, alémde “empurrar” a fronteira agrícola das fazendasde gado e soja. Diante disso, um estudo confiávelde impacto ambiental teria que incluir todo o setoragrícola e todo o processo de produção do etanol.

Em janeiro de 2008, o Instituto de PesquisasTropicais Smithsonian constatou que o etanolproduzido a partir dacana-de-açúcar e obiodiesel feito a partirda soja causam maisdanos ao meioambiente do que oscombustíveis fósseis.A pesquisa alertapara a destruiçãoambiental no Brasil,causada pelo avançodas plantações decana e soja naAmazônia, na MataAtlântica e noCerrado. Segundo opesquisador William

Laurance, “a produção de combustível, seja de sojaou de cana, também causa um aumento no custodos alimentos, tanto de forma direta quantoindireta”.13

A divulgação desses estudos confirma asdenúncias de organizações sociais e demonstra amudança de tom no debate internacional. Comoobservou o jornal El País “diversos centros depesquisa e a maior parte dos grupos ecológicos ede direitos humanos emitem diariamentedeclarações, afirmando que os biocombustíveisnão contribuem para combater as mudançasclimáticas, que provocam graves impactosambientais em regiões de alto valor ecológico,alteram o preço dos alimentos e que consolidamum modelo agrícola de exploração trabalhista ealta dependência de grandes multinacionais”.14

Os biocombustíveis nãocontribuem para combater as

mudanças climáticas.

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“A cada ano,

cerca de 22 mil quilômetros

quadrados de

cerrado são desmatados”.

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A expansão do monocultivode cana no CERRADO

DESTRUIÇÃO

O cerrado é conhecido como “pai das águas”, pois abastece as principais bacias hidrográficas do País.

A região do Cerrado possui dois milhõesde quilômetros quadrados e está localizada entre a Amazônia, a Mata

Atlântica, o Pantanal e a Caatinga, incluindo osestados de Minas Gerais, Mato Grosso, MatoGrosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Tocantins,sul do Maranhão, oeste da Bahia e parte do estadode São Paulo.

O cerrado é conhecido como “pai das águas”,pois abastece as principais bacias hidrográficas doPaís. A região é tão importante por sua riqueza embiodiversidade quanto a Amazônia, pois abrigacerca de 160 mil espécies de plantas e animais,muitas ameaçadas de extinção. No entanto, sua

destruição não tem gerado tanta visibilidade,apesar da intensidade e das sérias conseqüênciasque tem causado. Estudos indicam que, a cada ano,cerca de 22 mil quilômetros quadrados de cerradosão desmatados. Estima-se que mais da metadeda região já tenha sido devastada e, nesse ritmo,sua total destruição poderá ocorrer até 2030.

Em seu artigo, “Carta aberta a invisibilidade doCerrado na política ambiental”, o professor CarlosWalter Porto-Gonçalves, da Universidade FederalFluminense, explica que, “O Cerrado, senhorministro, é o único dos biomas brasileiros que fazlimite com todos os outros biomas e, por isso,mantém áreas de tensão ecológicas que têm umaelevada complexidade, inclusive por suamegabiodiversidade, e onde o conhecimentopormenorizado advindo de uma longa vivência,como a dos camponeses, quilombolas e povosoriginários, se torna particularmente importantee, por isso, esses povos devem se tornarpatrimônio do país (e da humanidade) pelarelevante contribuição que têm para qualquerpolítica ambiental para o país pelos Cerrados”.15

Nessa região, o corte da cana começa no mêsde abril, que coincide com o final do períodochuvoso. Então, a renovação da lavoura - ou brota

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- só acontece com a ajuda de irrigação do solo. Éjustamente neste período que o volume de águados rios diminui, pois coincide com o período deestiagem. Com o uso da água para a irrigação dacana-de-açúcar, esse volume diminui ainda mais.Dessa forma, ocorre um processo de secagem dosbrejos e dos leitos dos rios, dizimando pequenasnascentes. Soma-se a esse fato a destruição damata ciliar, provocando a erosão do solo ecomprometendo ainda mais o fluxo normal daságuas, diminuindo inclusive os índicespluviométricos. Esse processo está acarretandoprofundas mudanças na paisagem do cerrado epõe em risco a própria existência deste bioma.16

A expansão dos canaviaisNos últimos anos, o governo elegeu o Cerrado

como prioritário para a expansão das lavouras decana, pois essa região apresenta uma topografiafavorável, com terras planas, de boa qualidade, efarto potencial hídrico. Dados do IBGE indicam que,na safra de 2007, as lavouras de cana ocupavam5,8 milhões de hectares no Cerrado.17

A indústria canavieira tem se expandidorapidamente e gerado enorme devastaçãoambiental. Para iniciar o plantio da cana énecessário retirar a vegetação nativa e, portanto,todas as árvores são arrancadas. Em agosto de2008, um acordo entre o Ministério do MeioAmbiente e o Ministério da Agricultura resultouem uma série de modificações na Lei de CrimesAmbientais. Um dos resultados foi o anúncio deum decreto do presidente Lula que permite ainstalação de usinas de cana no Pantanal. Deacordo com dados do Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (INPE), do IBGE e do Ministériodo Meio Ambiente (MMA), novas usinas de canaestão sendo instaladas em áreas de preservaçãoambiental e de nascentes.18

Um relatório do Instituto Sociedade, Populaçãoe Natureza (ISPN) afirma que, “O ISPN detectousituações que apontam riscos para abiodiversidade, a água e o clima na região. Nosmunicípios de Goianésia e Barro Alto, em Goiás,uma área de cerca de 2, 5 mil km2 consideradapelo MMA como ´prioridade muito alta´ para ofomento e uso sustentável já está dominada pelacultura da cana. A situação se repete em outrasáreas do estado. Na região que engloba asnascentes do rio São Lourenço – um dos maisimportantes do Mato Grosso – as lavouras de canaavançam sobre áreas onde se tenta implementarum corredor de biodiversidade. Nesse caso, aprodução canavieira se concentra nos municípiosde Dom Aquino, Jaciara e Juscimeira. Em MinasGerais, estado que também está vivendo aexpansão da monocultura da cana, olevantamento aponta exemplos como o dopolígono que envolve os municípios de Lagoa daPrata, Luz, Arcos, Iguatama e Japaraíba e que tem‘alta prioridade´ para a conservação ambiental. Na

“O desmatamentopara dar lugar àlavoura de canaprejudicadiretamente aspopulações ruraisque sobrevivem douso dabiodiversidade doCerrado.

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região central do estado de São Paulo, uma áreaconsiderada como ´prioridade extremamente alta´para consolidar e conectar Unidades deConservação, agora convive com extensoscanaviais. A Reserva Biológica (REBIO) localizadano município paulista de Sertãozinho é vista nosmapas como uma ilha cercada de cana por todosos lados”.19

Segundo o ISPN, há 27 novas usinas em SãoPaulo; 17 em Goiás, onde estão previstas mais 40usinas; 31 em Minas Gerais, com previsão deconstrução de mais 14; e em Mato Grosso do Sulexistem 10 usinas e mais 15 em construção. O ISPNadverte que “o desmatamento para dar lugar àlavoura de cana prejudica diretamente aspopulações rurais que sobrevivem do uso dabiodiversidade do Cerrado. Outra conseqüênciatemível é que os pequenos produtores dealimentos deixem suas plantações atraídos pelosempregos temporários no corte da cana, o quepoderá diminuir a produção de alimentos naregião, além de agravar a migração para asperiferias urbanas”.20

Destruição ambientalA expansão da produção de agrocombustíveis

tem o efeito de multiplicar a destruiçãoambiental, pois na medida em que aumenta ademanda externa pelo produto, o Brasil é vistocomo grande “celeiro”, tanto para plantações decana quanto de soja. Em entrevista ao jornalWashington Post, Carlo Lovatelli, diretor comercialda Bunge, multinacional que controla 93% daexportação da soja brasileira, afirma que, “Se osEstados Unidos disputam a produção de etanol, opreço da soja tende a subir e essa demanda serásuprida pelo Brasil”. E completa, “O cerrado éperfeito para a agricultura e será usado—não hánenhuma dúvida sobre isso”.21

O efeito dominó também ocorre na criação degado. Dados do Inpe mostram que, entre 2003 e2007, houve um aumento de 17,64% nasplantações de cana em São Paulo, que chegaram a3,6 milhões de hectares no estado. Segundomatéria do jornal O Estado de S. Paulo, “O rebanhosem pasto segue para Mato Grosso do Sul, MatoGrosso, Goiás, Tocantins, lugares onde a canatambém avança. (...) “Quem desce de Barretosrumo ao Pontal tem a convicção de que São Paulopouco a pouco está se transformando num imensocanavial, digno de ser visto do espaço. Aliás, é oque tem mostrado a Embrapa Monitoramento porSatélite, que vê uma revolução cá embaixo. Sãomilhares de hectares de pasto, ao longo da RodoviaAssis Chateaubriand, arrancados sem cerimôniapara serem convertidos em canaviais”.22

Uma pesquisa do Centro de Estudos emEconomia Aplicada da Universidade de São Pauloestima que, nos próximos cinco anos, serão gastosUS$ 14,6 bilhões de dólares na construção de 73novas na região Centro-Sul. O pesquisador SérgioDe Zen acredita que, “A chamada pecuáriaextensiva, organizada em grandes extensões deterra, migra agora para Mato Grosso, Tocantins,para a fronteira agrícola que ameaça o biomaamazônico ou pantaneiro. Dessa forma, o etanol,que em todas as contas aparece como alternativaeconômica viável para o mundo - na corrida pelasubstituição do combustível fóssil -, converte-senuma ameaça ambiental”.23

“o Brasil é vistocomo grande‘celeiro’, tantopara plantaçõesde cana quantode soja.”

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18 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

15 Brasil de Fato, Carta aberta a invisibilidade do Cerrado na política ambiental, 04/08/08.16http://www.faculdadeanicuns.edu.br/acad_monografias/geografia/geografia_200603_mariaaparecida.pdf17 PrimaPagina, Cana pressiona área de proteção no Cerrado, 09/04/2008, http://www.pnud.org.br/meio_ambiente/reportagens/index.php?id01=2902&lay=mam18 PrimaPagina, Plantio ocupou, em 2007, 162 mil hectares do bioma que hoje o governo indica como áreas de conservação, 08/04/2008.19 Instituto Sociedade, População e Natureza, Cana-de-açúcar avança em áreas prioritárias para a conservação e uso sustentável do Cerrado, http://www.ispn.org.br.20 O Estado de São Paulo, Cana coloca em risco o cerrado brasileiro, 03/12/07, 01:54, http://conexaotocantins.com.br/noticia/cana-coloca-em-risco-o-cerrado-brasileiro/92621 Washington Post, Losing Forests to Fuel Cars: Ethanol Sugarcane Threatens Brazil’s Wooded Savanna, 31/7/07.22 O Estado de S. Paulo, Cana invade os pastos e expulsa os rebanhos, 15/04/07.

as projeções indicam que a água necessária paraproduzir biocombustíveis crescerá na mesmaproporção que a demanda de água por alimentos,o que representaria a necessidade de 20 a 30milhões de m³ em 2050. E isto não é possível”.25

Um estudo sobre o impacto da produção deetanol sobre as fontes de água, publicado pelaNational Academies Press, nos Estados Unidos,revela que, “A qualidade da água subterrânea, dosrios, do litoral e das nascentes pode ser impactadapelo crescente uso de fertilizantes e pesticidasusados nos biocombustíveis. Altos níveis denitrogênio são a principal causa da diminuição dooxigênio em regiões conhecidas como ´zonas damorte’, as quais são letais para a maioria dos seresvivos. A poluição sedimentada em lagoas e riostambém pode causar erosão do solo”.26

Segundo o professor Antônio Thomaz Júnior,do Departamento de Geografia da UniversidadeEstadual de São Paulo (Unesp), “a expansão dacana-de-açúcar no Brasil para produção de etanolpode avançar sim sobre áreas onde atualmentese cultivam gêneros alimentícios, além de colocarem risco a integridade de importantes biomas,como a Amazônia e o Pantanal”.24

Outra preocupação é a demanda por água naprodução de agrocombustíveis. O diretor doComitê Científico do Instituto Internacional daÁgua de Estocolmo, Jan Lundqvist, adverteque,”Atualmente a quantidade de água usada emtodo o mundo na produção de alimentos é daordem de 7 mil m³. Em 2050, a previsão é de queessa quantidade aumente para 11 mil m³, o quesignifica quase o dobro da água utilizada hoje”. E

“A água necessáriapara produzir

biocombustíveiscrescerá na mesma

proporção que ademanda de água por

alimentos.”

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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 19

Há também uma série de estudos sobre oaumento da poluição ambiental, causada pelasqueimadas nas regiões dos canaviais. Um parecertécnico do Ministério Público do Trabalho do MatoGrosso do Sul, publicado em 6 de maio de 2008,(REF: OF/PRT24ª/GAB-HISN/Nº 134/2008) concluiuque a queima da cana “resulta na formação desubstâncias potencialmente tóxicas, tais comomonóxido de carbono, amônia e metano, entreoutros, sendo que o material fino, contendopartículas menores ou iguais a 10 micrometros(PM10) (partículas inaláveis), é o poluente queapresenta maior toxicidade e que tem sido maisestudado. Ele é constituído em seu maiorpercentual (94%) por partículas finas e ultrafinas,ou seja, partículas que atingem as porções mais

profundas do sistema respiratório, transpõem abarreira epitelial, atingem o interstício pulmonare são responsáveis pelo desencadeamento dedoenças graves”.

O documento cita diversos estudoscientíficos, como os do Dr. Marcos Abdo Arbex,que “revelaram que a poluição atmosféricagerada pela queima da cana-de-açúcar levou aum significativo aumento dos atendimentoshospitalares para tratamento de asma”. Tambémforam citadas outras doenças cardíacas, arteriaise cerebrovasculares, “tanto efeitos agudos(aumento de internações e de mortes porarritmia, doença isquêmica do miocárdio ecerebral), como crônicos, por exposição em

Riscos para a saúde dos trabalhadorese da população local

“A queima dacana resulta na

formação desubstâncias

potencialmentetóxicas”.

23 O Estado de S. Paulo, Cana invade os pastos e expulsa os rebanhos, 15/04/07.24Cana pode prejudicar meio ambiente e produção de alimentos, 03/04/2007,http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=98425 BBC Brasil, Biocombustível causaria falta de água, 13/08/07.26 National Academies Press, Report Considers Impact of Ethanol Production on Water Resources, 10/10/07, http://www.nationalacademies.org/morenews/20071010.html

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20 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

longo prazo (aumento de mortalidade por doençascerebrovasculares e cardíacas)”.

Em relação aos problemas sociais, o relatóriodestaca, “o não cumprimento da legislaçãotrabalhista e as intoxicações dos trabalhadores porprodutos químicos; morte dos trabalhadores porinalação de gás cancerígeno; incidência deproblemas respiratórios, pois a queima libera gáscarbônico, ozônio, gases de nitrogênio e deenxofre (responsáveis pelas chuvas ácidas);liberam também a indesejada fuligem da palha

queimada (que contém substâncias cancerígenas)”.O estudo conclui que “Os dados acima colocamem evidência que a exposição dos cortadores decana a materiais particulados gerados durante oprocesso queima da cana-de-açúcar constitui umimportante fator de risco a ser considerado naanálise e associação das possíveis causas da mortesúbita de alguns destes trabalhadores”. Eacrescenta, “As condições de trabalho expõem oscortadores de cana a poluentes que levam ao riscopotencial de adoecimento, principalmente, porproblemas respiratórios e de câncer de pulmão”.27

“As condições de trabalhoexpõem os cortadores de cana apoluentes que levam aorisco de adoecimento.”

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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 21

A devastação

DESMATAMENTO

da Amazôniabrasileira

Nos últimos anos, o Inpe tem divulgadodados alarmantes sobre o ritmocrescente de desmatamento na

Amazônia brasileira. Entre agosto de 2006 e julhode 2007, a devastação atingiu 11.200 quilômetrosquadrados. Entre agosto de 2007 e março de 2008,o Sistema de Detecção do Desmatamento emTempo Real (Deter) registrou 4.732 quilômetrosquadrados de desmatamento.28 O InstitutoBrasileiro dos Recursos Naturais Renováveis(IBAMA) calcula que, em 2007, 20% dodesmatamento na Amazônia atingiu reservasindígenas ou de proteçãoambiental.29

Em março de 2008, o Inpeconstatou que este índice eraoito vezes maior do que emmarço de 2007. Em abril de 2008,mais de 1,1 mil quilômetros deflorestas foram devastados.30 Emjunho de 2008, o Instituto doHomem e Meio Ambiente daAmazônia (Imazon), registrou umaumento no índice dedesmatamento na Amazônia,principalmente nos estados doMato Grosso e Pará, onde mais de600 quilômetros quadrados

foram devastados. Este número é 23% maior doque os dados apurados em junho de 2007. Deacordo com Paulo Barreto, representante doImazon, este aumento é conseqüência daexpansão da agropecuária na região.31

Entre agosto de 2007 e julho de 2008, o Inpeconstatou um aumento de 64% no desmatamento,que atingiu 8.138 quilômetros quadrados naAmazônia.32 O Inpe calcula que, nos últimos 20anos, um hectare de floresta desaparece a cadadez segundos no Brasil. De um total de quatromilhões de quilômetros quadrados, cerca de 700mil já foram desmatados. Previsões do Institutode Pesquisas Ambientais da Amazônia indicamque outros 670 mil quilômetros quadrados podemser devastados até 2030, caso se mantenha o atualmodelo predatório na região.33 Outro estudorealizado pelo Instituto Sociedade, População eNatureza (ISPN), alerta que o desmatamentopoderá destruir completamente a Amazôniabrasileira em apenas 40 anos.34

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22 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

Em julho de 2008, uma pesquisa publicada narevista PNAS revela que o Brasil foi responsávelpor 47,8% da destruição de florestas tropicais nomundo. O estudo foi realizado pelo professorMathew Hensen, da Universidade de Dakota doSul (EUA) e cobriu o período de 2000 a 2005.35

Todos os estudos recentes revelam que o maiornível de desmatamento na Amazônia brasileiraocorreu no estado do Mato Grosso, responsávelpor 54% do total. Em seguida vêm os estados doPará, com 18% e Rondônia, com 16%.36

Estes dados constatam o impacto da expansãode atividades agropecuárias em grande escala nadevastação da floresta. Esta expansão foi uma dasprincipais razões da saída da ex-ministra do MeioAmbiente, Marina Silva, pressionada a atender osinteresses de grandes produtores rurais,principalmente diante do aumento do preço decommodities agrícolas, em conseqüência darelação crescente entre os mercados de energia ealimentos. O governo brasileiro tem ignorado adimensão da crise ambiental causada pelaimplementação de um modelo de desenvolvimentobaseado no monocultivo e na exportação quecausam, entre outras coisas, o aumento dodesmatamento, tanto na Amazônia quanto noCerrado.

Em junho de 2007, a Comissão Econômica paraa América Latina (Cepal), das Organizações dasNações Unidas (ONU), havia alertado para oproblema da desertificação, que tem aumentado

em nível continental, causando o agravamentoda pobreza, a insegurança alimentar e a migraçãodas populações rurais. Segundo o secretário geralda ONU, Ban Ki-moon, “mais de 200 milhões depessoas sofrem diretamente a ponto de ter queabandonar suas terras e emigrar para outraszonas”.37 Durante sua visita ao Brasil, emnovembro de 2007, Ban Ki-moon expressou grandepreocupação ao declarar que a Amazônia - descritapor ele como “pulmão da terra” - está“sufocando”.38

O ambientalista Lester Brown, um dospioneiros no estudo do tema, declarou ao jornalFolha de São Paulo que “os biocombustíveis são amaior ameaça à diversidade da Terra”. Ele sugereque “o Brasil comece a desenvolver outras fontesde energia, incluindo a solar e a eólica, em quetem grande potencial”. E alerta, “O que temos quefazer é pensar em uma nova economia, com fontesrenováveis de energia, que tenha um sistema detransporte diversificado e que reúse e recicletudo... Se não reestruturarmos a economia nomundo, o progresso econômico não sesustentará”.39

Porém, o governo brasileiro insiste emdefender a expansão de monocultivos emgrande escala para a produção de agroenergia.Além dos discursos do presidente Lula em proldesse modelo, o governo institui uma série demedidas administrativas e econômicas parafacilitar essa expansão.

Áreadesmatadamês a mês

Em março de 2008,o Inpe constatouque este índice eraoito vezes maior doque em março de2007. Em abril de2008, mais de 1,1mil quilômetros deflorestas foramdevastados.

FONTE: INPE - INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS

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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 23

Grilagem de terraEm julho de 2008, o Senado

aprovou uma Medida Provisóriaproposta pelo governo, queaumenta a área de terras públicasque pode ser vendida semlicitação na Amazônia, de 500 para1.500 hectares. De acordo com aex-ministra do meio ambiente esenadora Marina Silva, que votoucontra a medida, “isso vai aumentara grilagem e, consequentemente,o aumento do desmatamento naAmazônia. Vai promover aprivatização da floresta pública,sem responder a qualquerprocesso de licitação”.40 No dia 6de agosto de 2008, o presidente Lulaassinou a lei que regulamenta essa MedidaProvisória e, além de confirmar o aumento dasáreas que podem ser vendidas sem licitação, aindavetou um artigo que condicionava esta medida aozoneamento ecológico-econômico na Amazônia.

O termo “grilagem” se refere ao processo defraude na apropriação de terras públicas e áreasde posseiros, principalmente nas regiões defronteira agrícola. Historicamente, essemecanismo foi utilizado para garantir o domíniodos “coronéis” ou latifundiários sobre vastasextensões de terra. Com a modernização daagricultura, além do domínio político, apropriedade da terra possibilitou a ampliação dodomínio econômico e tecnológico, inclusive deempresas transnacionais, que apropriam-se deterra públicas para produzir commodities paraexportação em larga escala. Os principaismecanismos usados na grilagem de terras são os

registros ilegais com a conivência de cartórios emembros do poder judiciário.

A prática da grilagem, ou posse ilegal de terraspúblicas, representa um sério problema naAmazônia, pois serve a atividades predatórias,como extração ilegal de madeira, seguida deimplantação de agricultura ou pecuária intensiva.Em julho de 2008, um estudo do Instituto doHomem e do Meio Ambiente da Amazônia(Imazon) estimou que cerca de 42 milhões dehectares de terras na Amazônia têm posse ilegal.Segundo o engenheiro florestal Paulo Barreto,coordenador da pesquisa, “trata-se na prática deuma privatização gratuita da floresta”.41 Barretoestima que, além dos casos de fraudes dedocumentos, há cerca de 40 milhões de hectaresde terras com títulos duplicados. Ele conclui que aárea grilada na Amazônia pode chegar a 80 milhõesde hectares.

28 Folha de São Paulo, 15/5/2008, “Inpe prevê desmatamento maior em 2008”.29 Radioagência Notícias do Planalto, Desmatamento registra alta também no Acre, 21/07/08.30 Radioagência Notícias do Planalto, 03/06/08, Amazônia sofre com crescimento acelerado do desmatamento.31 Radioagência Notícias do Planalto, Desmatamento na Amazônia registra alta no mês de junho, 29/07/08.32 Folha de São Paulo, Desmate na Amazônia subiu 64% em um ano, avalia Inpe, 30/8/08.33 Adital -15/02/08, Amazônia devastada, artigo de Frei Betto.34 Última Instância - 16/06/2008, O Ministério Público e a expansão da atividade sucroalcooleira, artigo de Jefferson Aparecido Dias.35 Folha de São Paulo, 01/07/2008, “Brasil é líder total em desmatamento, mostra novo estudo”.36 REBRIP - Rede Brasileira pela Integração dos Povos, 28/1/2008, Nota de Imprensa.

Desmatamento na Amazônia revela insustentabilidade do modelo agroexportador.

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24 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

37 Adital, 18/06/2007, Desertificação atinge metade da América Latina e Caribe. http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=2810138 Folha de São Paulo, 17/11/2007, ‘A Amazônia está sufocando’, diz secretário-geral da ONU.39 Folha São Paulo, 2/7/2007, ENTREVISTA/LESTER BROWN, “Biocombustíveis são maior ameaça à diversidade na Terra”, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0207200721.htm40 Diário de Pernambuco, 10/07/2008, Mais área pública na Amazônia. http://www.pernambuco.com/diario/2008/07/10/brasil10_0.asp41 O Estado de São Paulo – 6/6/2008, Amazônia: 8,5% das terras têm posse ilegal.42 Folha Online 27/06/2008, País ignora o que ocorre em 14% da Amazônia, diz Incra.43 Brasil de Fato, Lula é o presidente companheiro dos grileiros da Amazônia, artigo de Ariovaldo Umbelino, 08/08/2008,http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/lula-e-o-presidente-companheiro-dos-grileiros-da-amazonia

A maior parte das irregularidadesfoi encontrada, respectivamente, nosestados do Pará e do Mato Grosso, com16 milhões e 9,6 milhões de hectaresgrilados, respectivamente. Nestesestados registram-se também osmaiores índices de desmatamento. Opróprio Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária(Incra), responsável por gerir terraspúblicas na Amazônia, reconhece quenão tem controle fundiário sobre710,2 mil quilômetros quadrados naAmazônia. Este território equivale a14% da região e 65% das terrasreguladas pelo Incra. A maior parte -o equivalente a 288,6 mil quilômetrosquadrados - encontra-se no estadodo Pará.42

Segundo o professor AriovaldoUmbelino, da Universidade de SãoPaulo (USP), “mais de 212 milhões dehectares de terras públicas devolutasou não, estão fora dos registros doIncra, dos Institutos de Terrasestaduais e dos Cartórios de Registrode Imóveis. Ou seja, estão cercadas,mas não existem para o Estado.Outros 84 milhões de hectaresaparecem no cadastro do Incra comoposse, e, dentre elas, apenas 21 milhões de hectares são posses legalizáveis pela legislação em vigor.Cabe esclarecer que a Constituição de 1988 permite a regularização apenas das posses até 50 hectares, eaté 100 hectares excepcionalmente. Logo, as áreas maiores ocupadas não podem ser legalizadas”.43

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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 25

A expansão do

cultivo de cana na

Em 29 de julho de 2007, o Ministro da Agri-cultura, Reinhold Stephanes, declarou aojornal O Globo que, “Não existe cana na

Amazônia. Não temos conhecimento de nenhumprojeto na região, nem recente nem antigo.” Essaafirmação tem sido repetida constantementepelo presidente Lula, com o objetivo de evitarcríticas, principalmente de países que pretendemimportar o etanol brasileiro. Em junho de 2008,em seu discurso na Conferência da Organizaçãodas Nações Unidas para Agricultura e Alimentação(FAO), o presidente Lula afirmou que não haviaprodução de cana na Amazônia.

Porém, a própria Companhia Nacional deAbastecimento (CONAB) - órgão ligado aoMinistério da Agricultura - registrou um aumentona produção de cana na Amazônia de 17,6 milhões

para 19,3 milhões de toneladas entre 2007 e 2008.44

No Tocantins, a expansão será de 13% (de 4,5 milpara 5,1 mil hectares), seguido do Mato Grosso,com um aumento de 10%, e do Amazonas, com 8%(de 4,8 mil para 5,2 mil hectares). No Pará, a áreaplantada deve ficar em torno de 10,5 mil hectares.Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo(USP), o Pará é visto como uma das principais áreasde expansão para produção de etanol.45

Em 2006, a CONAB constatou que a região Norteapresentou os maiores índices de aumento daprodução de cana no País. A expansão foi de 68,9%no Tocantins, de 55,1% no Amazonas e de 34,3%no Pará. A produção dos três estados foi de 1,6milhão de toneladas, representando um aumentode 46,8% em relação à safra anterior.46

Estes dados têm gerado grande preocupação,tanto no Brasil quanto no exterior. Segundo opesquisador Écio Rodrigues, da UniversidadeFederal do Acre (Ufac), “O carbono da destruição

EXPANSÃO

AMAZÔNIA

Não existe cana na Amazônia?

AR

QU

IVO

SPM

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26 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

da floresta não será recuperado pelo plantio dacana. É por isso que o mundo fica muitopreocupado com a transformação do Brasil empotência dos biocombustíveis”.47

Um dos membros do Painel Intergoverna-mental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),Carlos Nobre, também expressou preocupaçãocom a expansão do plantio da cana-de-açúcarna Amazônia. Em entrevista ao jornal Folha deS. Paulo, ele afirma que, “O desmatamento estáalicerçado numa lógica muito fortementeembasada na ilegalidade. É uma indústria dailegalidade e tem dinheiro envolvido”.48

Pressionado por críticas em diversos espaçosde negociação comercial, o governo brasileirodecidiu elaborar um projeto de zoneamentopara a expansão de lavouras de cana-de-açúcar.Porém, o governo não explicou o que fará comas plantações de cana em regiões de fronteiraagrícola e de preservação, como a Amazônia, oPantanal e o Cerrado.

44Adital -11/02/08, Amazônia, ecocídio anunciado, artigo de Frei Betto.45 http://www.paranegocios.com.br/anterior_cont.asp?id=167046 Jornal Valor Econômico, 01/06/2006.47 Cana-de-açúcar avança na Amazônia com recursos públicos, 16/06/2008. http://www.reporterbrasil.org.br/agrocombustiveis/clipping.php?id=2548 Agência Folha, 20/10/2007, http://www1.folha.uol.com.br/folha/ambiente/ult10007u338325.shtml

O falso conceito de terras“degradadas”Segundo o governo, a expansão dos canaviais

no Brasil ocorre em terras “degradadas” e,portanto, não teria impactos sobre o meio-ambiente ou sobre a produção de alimentos. Osdados apresentados para justificar essa teoriapassam a idéia de que há no Brasil milhões dehectares de terras simplesmente “abandonadas”ou “marginais”. Porém, falta o governo explicarseu conceito de “terras degradadas”, já que nãofaria sentido grandes empresas e bancos públicosinvestirem pesadamente em um setor, se nãohouvesse possibilidade de se instalar em terrasplanas, de boa qualidade, com acesso a água einfra-estrutura.

Mesmo quando substituem outras atividadesagrícolas, ou mesmo a pecuária, a tendência é gerarum grau bem maior de devastação, porque asplantações de cana em grande escala não

SEGUNDO A CONAB EM 2006ESTES ESTADOS PRODUZIRAM

1,6 MILHÕES DE TONELADAS DE CANA

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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 27

convivem com outros tipos de vegetação. Serealmente existisse tanta terra disponível noBrasil, não haveria necessidade de tamanhadestruição da floresta amazônica. Portanto, nãohá nenhuma lógica em afirmar que a expansão daslavouras de cana não exerce pressão adicionalsobre áreas de preservação.

Dados oficiais indicam que tem havido grandeaumento da atividade pecuária na Amazônia,pressionada pela expansão da fronteira agrícola.De acordo com o IBGE, a criação de gado naAmazônia praticamente dobrou nos últimos dezanos. O Censo Agropecuário de 2006 constatouque, desde 1996, o aumento da expansão agrícolana Região Norte foi de 275,5%. Entre 1990 e 2006,houve um aumento anual de 18% das plantaçõesde soja e de 11% da criação de gado na Amazônia.49

Entre 2006 e 2007, a safra da soja na região Norteteve um aumento de 20%.50

As fortes pressões sobre a fronteira agrícola geramdúvidas sobre a capacidade de monitoramento doprojeto de zoneamento da produção de cana e daimplantação de mecanismos de punição eficientespara os casos de descumprimento da lei. SérgioLeitão, coordenador de políticas públicas do

49 Adital -15/02/08, Amazônia devastada, artigo de Frei Betto.50 Radioagencia Notícias do Planalto, 5/5/08.51 Agência Brasil, CANA E REBANHO BOVINO IMPULSIONAM DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA. http://www.malima.com.br/amazonia/blog_commento.asp?blog_id=5552 Cana pode prejudicar meio ambiente e produção de alimentos, 03/04/2007. http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=98453 Tribuna do Juruá, Projeto proíbe incentivo à cana-de-açúcar na Amazônia, 29/7/2008 http://www.tribunadojurua.com/index.php?option=com_content&task=view&id=561&Itemid=40

“O zoneamento proposto pelo governo na Amazônia, não somente permitirá, mas também incentivará

o plantio de cana-de-açúcar

Greenpeace no Brasil, explica que somente em2% dos casos de desmatamento ilegal naAmazônia, há registros de multas.51

O professor Antônio Thomaz Júnior, doDepartamento de Geografia da UniversidadeEstadual de São Paulo (Unesp), afirma que,“Ninguém tem condições técnicas para dizer quenão haverá impacto. Até agora, não foi feitonenhum estudo aprofundado sobre asconseqüências dessa expansão das lavouras decana”.52

Um projeto de lei (número 2323/07) dadeputada Rose de Freitas (PMDB-ES), pretendevetar financiamentos e incentivos fiscais para aprodução de etanol na Amazônia, incluindo osestados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará,Rondônia, Roraima e parte do Mato Grosso,Tocantins e Maranhão. De acordo com a deputada,“A cultura da cana é extremamente danosa pelodesmatamento que pode promover e tambémpela prática da monocultura que, mesmo em áreasdegradadas, resulta em graves danos ambientais”.Para ela, o zoneamento proposto pelo governo,“não somente permitirá, mas também incentivaráo plantio de cana-de-açúcar”.53

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28 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

“No Acre

foram desmatados

mais de 13 mil

hectares entre 2006

e 2007, inclusive

em locais de

conservação

ambiental.”

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Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia | 29

EXPANSÃO

No Acre, foi instalada a usina ÁlcoolVerde, da empresa pernambucanaFarias, que plantou mais de 2 mil

hectares de cana ao longo da BR-317 e tem planosde chegar a mais de 30 mil hectares na região, ondeo líder seringueiro Chico Mendes foi assassinadoem 1988. A Álcool Verde tem capacidade de moer3 milhões de toneladas de cana por safra.54 Aindústria estima que a produção média será 110toneladas por hectare, maior do que em RibeirãoPreto (São Paulo), que é de 90 toneladas, e damédia nacional, de 78 toneladas. A Álcool Verdeprevê uma produção de 36 milhões de litros deetanol na primeira safra.55

Em entrevista ao jornal O Globo, o presidenteda empresa, Eduardo Farias, afirmou que, “Vamoscolher nossa primeira safra no Acre em maio de2008. Será uma safra tímida, de 400 mil toneladas,mas já estamos prospectando novos mercados

para expandir ainda mais nossa produção na regiãoda Amazônia Legal. Estamos de olho no Maranhãoe no Tocantins”. A reportagem revela que o GrupoFarias pretende aumentar sua produção de canaem cinco vezes até 2015. Atualmente, a empresaproduz 9 milhões de toneladas por ano.56

O diretor de produção da Álcool Verde,Ezequiel Alves da Silva, considera que “opresidente Lula falou besteira em Bruxelas ao dizerque os solos na Amazônia não servem para oplantio de cana-de-açúcar”.57 A Empresa Brasileirade Pesquisa Agropecuária (Embrapa) prevê queno município de Capixaba as plantações de canaaumentarão em dez vezes até 2012.58

54 AGÊNCIA AMAZÔNIA, Acre deve ampliar cultivo de cana para produzir etanol. http://www.jbrasilbiodiesel.com.br index.php?option=com_content&task=view&id=192&Itemid=6055 O Estado de São Paulo, Usineiro paulista vai para o Acre, 02/03/2007http://www.riosvivos.org.br/canal.php?canal=19&mat_id=1030456 O Globo, Plantação de cana-de-açúcar também avança na Amazônia Legal, 29 de julho de 2007.57 30 mil hectares de cana no Acre, artigo do jornalista Altino Machado, 19/7/07, http://altino.blogspot.com/2007/07/30-mil-hectares-de-cana-no-acre.html58 Folha de S. Paulo, Órgão relata expansão de cana na Amazônia, 01/07/08

ACRE

DADOSpor EstadoProdução de cana naAmazônia e no Cerrado

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30 | Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia

O ex-governador, Jorge Viana, que atualmentepreside o Fórum Empresarial do Acre, declarouque pretende construir uma nova usina naregião.59 Informações da Embrapa sugerem que,até 2012, o Acre deve aumentar sua área plantadade cana em dez vezes. Atualmente, existem cercade 45 quilômetros quadrados de cana no municípiode Capixaba, a 70 km de Rio Branco.60 O estado évisto como estratégico, pois serviria de ponte deexportação de etanol para o Oceano Pacífico,através da rodovia Transoceânica, que conectaBrasil e Peru.

O governo do estado no Acre detém 5% dausina Álcool Verde, que foi financiada comrecursos públicos. O fato do governo do Acre seracionista da usina compromete os estudos deimpacto ambiental realizados pelo Instituto doMeio Ambiente do Acre, submetido aos interessesdos políticos locais.

Irregularidades nas licençasambientaisO projeto da Álcool Verde tem sido contestado

pelo Ministério Público Estadual, que moveu umaação contra a empresa por não apresentar umestudo confiável de impacto ambiental queconsiderasse o uso da terra e da água. A promotoraMeri Cristina Amaral Gonçalves declarou que, “Nãoera um estudo, parecia mais uma compilação, comuma série de falhas e aspectos não abordados,como o balanço hídrico”. Ela explica que a empresafez somente um estudo da implantação da usina esequer incluiu informações sobre a área plantada,estimada em 39 mil hectares. 61

A empresa também foi contestada judicial

mente por destruir sítios arqueológicos de até2.500 anos, contendo geoglifos, que são enormesestruturas geométricas construídas na antiguidade.Na área onde a Álcool Verde pretende expandirsua plantação, pelo menos nove geoglifos foramidentificados. Segundo reportagem do jornalFolha de S.Paulo, “Alguns dos chamados geoglifosestão sendo destruídos antes mesmo de seremestudados. Compostos de desenhos geométricosgigantes, esses sítios têm a forma de quadrados,círculos, quadrados dentro de círculos e círculosdentro de quadrados. Já foram descobertos umoctógono e dois círculos que formam uma espéciede boneco, com cabeça e tronco”.62

O professor Écio Rodrigues, da UniversidadeFederal do Acre (Ufac), explica que a usina recebeurecursos dos Governos Estadual e Federal e alertapara os riscos desse projeto, “A cana destrói afloresta pelo seu elevado potencial de mercadoe, por outro lado, pela fragilidade institucionalpresente na região”. Ele relaciona a demandainternacional por etanol ao aumento dodesmatamento e afirma que, “No Acre, aumentou-se na área da cana o desmatamento legalizado de20% para 50% das propriedades, duplicando oterritório da cana”.63

O Acre apresentou aumento no índice dedesmatamento medido pelo Sistema de Proteçãoda Amazônia (Sipam). Entre janeiro de 2006 edezembro de 2007 foram desmatados mais de 13mil hectares no estado, inclusive em locais deconservação ambiental. Entre as áreas maisdevastadas estão a Reserva Extrativista ChicoMendes e o Parque Nacional Serra do Divisor. Dadosdo Sipam mostram que o desmatamento em terrasindígenas aumentou mais de 150%.64

59 Lula erra em Bruxelas: há cana-de-açúcar na Amazônia, 8/7/07.

http://pt.shvoong.com/law-and-politics/politics/1628035-lula-erra-em-bruxelas-h%C3%A1/60 Folha de S. Paulo, Embrapa relata expansão de cana na Amazônia, 1/6/08.61 http://www.reporterbrasil.org.br/agrocombustiveis/clipping.php?id=2562 Folha de S. Paulo, Cana ameaça sítios arqueológicos no Acre, 31/12/2007.63 Amazonia.org.br, Cana-de-açúcar avança na Amazônia com recursos públicos, 16/06/2008.64 Radioagência Notícias do Planalto, Desmatamento registra alta também no Acre, 21/07/08.

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A Companhia Nacional de Abastecimen-to (CONAB) estima que a produção decana no estado do Amazonas terá um

aumento de 273,1 mil toneladas para 303 miltoneladas entre 2007 e 2008, representando umcrescimento de 10,90%.65

A Usina Jayoro, de propriedade do grupo Coca-Cola, está instalada no município de PresidenteFigueiredo, na antiga Fazenda Rio Negro, àsmargens da BR-174. A área total da empresa é de59.000 hectares, em região de floresta nativa. Ausina foi fundada na década de 80, através deincentivos do Pró-Álcool e se expandiurecentemente para fabricar etanol.

De acordo com reportagem do jornal Estado deS. Paulo, “a Jayoro tem cinco colhedoras de canaque rasgam os canaviais às margens da imensidãoda floresta. ‘Já vi onça, veado, todo o tipo de bichonesse canavial’, diz Osvaldino Santos de Oliveira,operador de uma das máquinas há oito safras.”66

De acordo com artigo de Agnaldo Brito, “A estrada,de piso novo, corta a mata fechada. O clima éúmido ao extremo, em alguns momentos acimade 80%.” A reportagem explica que, na safra de2007, as chuvas intensas impediram o corte dacana.67

Segundo entrevistas com organizações locais,para o início da plantação de cana foram destruídoscerca de 10.000 hectares de floresta. Outroproblema é o uso de agrotóxicos e o vinhoto, quetêm seus resíduos depositados nas lagoas eigarapés, chegando até o rio que corta o municípioe é usado para banho pela população local.Segundo Paulo Sergio Ribeiro, que é técnico emagropecuária e trabalhou 18 anos para a usinaJayoro, são usados vários tipos de inseticidas,aplicados com tratores e de avião. Enquanto ostrabalhadores cortam cana, pequenos aviõessobrevoam a plantação jogando agrotóxicos.

AMAZONAS

DESTRUIÇÃOMais de 10.000 hectares defloresta destruída parainiciar a plantação da cana

EXPANSÃO

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Trabalho escravoMuitos trabalhadores vêm do Nordeste, em

condições de trabalho escravo, agenciados por“gatos”. Outros vêm do Pará, atraídos pelapropaganda de “desenvolvimento” na cidade. Jáhouve um surto de beribéri entre os trabalhadoresno corte da cana. Essa doença é causada pela fome,ausência de vitaminas e sais minerais naalimentação. O quadro de desnutrição doscanavieiros é agravado pela atividade física pesadae péssimas condições de higiene.

O trabalhador Geraldo da Costa, migrante deAlagoas, diz que a meta é cortar entre 8 e 12toneladas de cana por dia. Ele relata outrosproblemas de saúde como dor no corpo edesmaios. Diz que a temperatura no campo émuito alta e que na época da queima da cana ficaentre 48 e 50 graus.

Alcides Alves foi empregado da usina de 1991a 1999. Trabalhou no corte de lenha para alimentara caldeira, que consumia uma média de 25toneladas de madeira por dia, e recebia R$ 3,50por tonelada de lenha cortada. Depois trabalhou

na portaria e no serviço de almoxarifado. Naportaria, trabalhava 24hs por dia sem folga, moravana usina e recebia um salário mínimo. Teveproblemas na coluna, hérnia de disco, e foiafastado. Depois de fazer várias perícias, entroucom processo, mas ainda não conseguiu beneficiodo INSS.

Segundo a sindicalista Fátima Monteiro, houveuma denúncia de trabalho escravo em 2006 e outraem 2003. Ela foi chamada para acompanhar afiscalização da Delegacia Regional do Trabalho, masa estrada que leva ao local foi interditada pelausina, que impediu a entrada da fiscalização.Fátima diz que os trabalhadores têm medo de fazerdenúncias porque há perseguição dentro e forada usina.

É difícil denunciar essa situação, porque ospolíticos fazem questão de mostrar a usina comoempresa que traz progresso e recursos para acidade. Porém, as usinas de cana são beneficiadascom isenção fiscal e outras formas de subsídios,como o perdão ou negociação de dívidas combancos públicos. Na Amazônia, muitas dessasempresas foram instaladas em terras da União.

65 http://www.paranegocios.com.br/anterior_cont.asp?id=167066 O Estado de S. Paulo, 7/10/07.67 O Estado de S. Paulo, 7/10/07 http://www.mndh.org.br/index.php?Itemid=56&id=172&option=com_content&task=view

“O amargoaçúcar que

adoça aCoca Cola.”

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GOIÁS

O estado de Goiás é oquarto produtor deetanol do Brasil e

pretende ocupar o segundo lugarnos próximos anos. De acordocom o Sindicato da Indústria deFabricação de Açúcar do Estado deGoiás (Sifaeg), na safra de 2008/2009 já há 27 usinas em operação,

DEVASTAÇÃOMais de 339,2 mil hectares de cana

destruiram a mata nativa e ocuparam áreasde produção de alimentos

com previsão de chegar a 55usinas até 2012. Ao todo, há 97projetos de novas usinas, comincentivos fiscais aprovadospelo governo estadual.68

Segundo a Sifaeg, o aumentona produção de etanol nestasafra será de 78%, chegando a2,12 bilhões de litros.69

As plantações de canaocupam hoje 339,2 mil hectaresem Goiás. O relatório “O impactoambiental da cana-de-açúcar”,do Instituto de Meio Ambientee Desenvolvimento, revela quea expansão dos canaviais tem seintensificado nos últimos anos.Em 2005, a área plantada era de174.756 hectares e, em 2006,chegou a 256.998 hectares, o querepresenta um aumento de47,06%.

O Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (INPE)detectou a devastação doCerrado pelo monocultivo dacana em diversos municípios doestado, principalmente emHidrolina, Itapaci, Paraúna,Quirinópolis, São Luís do Nortee São Miguel do Araguaia.70 Aexpansão do setor ocorretambém nos municípios deAcreúna, Caçu, Jataí, Montividiu,Serranópolis e Itumbiara.

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Além da destruição de mata nativa, a indústriada cana substitui áreas de produção de alimentose criação de gado, o que, consequentemente,pressiona a fronteira agrícola para a Amazônia.Preocupado com o avanço do monocultivo de canano sudoeste goiano, o prefeito de Rio Verde criouuma lei municipal, em novembro de 2006, paralimitar o plantio a 10% da área agrícola. Portanto,dos 500 mil hectares agrícolas, a cana pode ocuparno máximo 50 mil hectares. Dessa forma, omunicípio pretende manter a diversidade daslavouras e evitar que produtores locais arrendemsuas terras para as usinas. A prática doarrendamento tem sido comum em outras regiõese pode comprometer a produção agrícola noestado, pois os agricultores perdem o domíniosobre suas terras.

Porém, o governo estadual estimula aexpansão dos canaviais através de incentivos fiscaispara empresas de etanol. Em nível federal, ogoverno investe em infraestrutura para facilitar aexportação do produto. Está prevista a expansãoda ferrovia Norte-Sul e a construção de umalcoolduto para ligar o terminal da Petrobrás emSenador Canedo (GO) à refinaria de Paulínia (SP),que será o local de transporte para o Porto de SãoSebastião.71

Empresas estrangeirasEstima-se que a Petrobrás tenha negociado 20

contratos com empresas estrangeiras para aprodução e exportação de etanol. Uma dessasempresas é a japonesa Toyota Tsusho, que firmouum acordo com a Petrobrás para instalar uma usinano município de Itumbiara, com previsão deproduzir 4 milhões de toneladas de cana por ano.A Petrobrás estabeleceu sociedade com outraempresa japonesa, a Mistui, para a construção deuma usina no município de Itarumã. A Mistui atuatambém no setor siderúrgico, automobilístico e decelulose, e tem parcerias com a Vale do Rio Doce,a Toyota e a Mitsubishi. A associação da Petrobráscom essas empresas tem como objetivo exportaretanol para o Japão.

A British Petrolium (BP), uma das maiorespetroleiras do mundo, é outra empresa

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estrangeira que atua no estado. Em 2008, a BP seassociou ao grupo Tropical Bioenergia, formadopela Santelisa Vale e pelo Grupo Maeda, paraproduzir etanol no município de Edéia. A previsãoé produzir 435 milhões de litros de etanol por ano,visando os mercados dos Estados Unidos, Europae Ásia. Para isso, a empresa irá utilizar 60 milhectares para a produção de cana, que substituirãooutras culturas através do arrendamento de terrasde agricultores locais. De acordo com o presidenteda divisão de biocombustíveis da BP, Philip New,“Este investimento é o maior já feito por umaempresa internacional de petróleo na indústriabrasileira de etanol”.72

Trabalho escravoA expansão dos canaviais aumenta as violações

de direitos trabalhistas e os casos de trabalhoescravo. Entre fevereiro e março de 2008, o GrupoMóvel do Ministério do Trabalho resgatou 1.500trabalhadores em usinas da empresa Brenco, nosmunicípios de Campo Alegre de Goiás, Mineiros(GO) e Alto Taquari (MT). A Brenco (Brazi lRenewable Energy Company - CompanhiaBrasileira de Energia Renovável) é um grandeconsórcio administrado pelo ex-presidente daPetrobras, Henri Phillipe Reischtul, do qualparticipam o ex-presidente dos Estados Unidos,Bill Clinton, o ex-presidente do Banco Mundial,James Wolfensohn, além de outros empresáriosestrangeiros como Stephen Case, fundador da AOL,e Vinod Khosla, fundador da Sun Microsystems. Aempresa controla cinco usinas na região Centro-Oeste e tem outras cinco em construção.73

Segundo a auditora fiscal Jacqueline Carrijo, osalojamentos eram inadequados. “Numa das casas,15 pessoas dormiam no mesmo quarto. Em outra,a chuva havia molhado todos os colchões. Oalojamento era sujo e havia ratos e baratas. Ochuveiro estava quebrado com risco de choque eos quartos não tinham armário. Tudo estava pelochão: lixo, roupas e pertences. Um dos quartos,com 11 metros quadrados, era dividido por setetrabalhadores. Alguns trabalhadores estavam comproblemas para receber devido à falta de

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documentos e passavam fome. Elessofriam ameaças do contratador por nãopagarem o aluguel. O contratador daempresa manteve a prática antiga dealiciamento com base na promessaenganosa”, denuncia Carrijo. O procuradordo trabalho, Antônio Carlos Cavalcante,declarou que vai ajuizar três ações pordanos morais coletivos e cada umademandará da empresa o pagamento de5 milhões de reais.74

Em abril de 2008, outra operação daSuperintendência Regional do Trabalho deGoiás resgatou 421 trabalhadores na UsinaSão Francisco, também conhecida comoAgropecuária Campo Alto, no municípiode Quirinópolis (GO). A empresa éassociada à Usina São João, de Araras (SP).Segundo o fiscal Welton Oliveira, “osalojamentos da usina eram inadequados,superlotados e sem condições de higiene.Tinha um colchão em cima do outro enunca havia sido trocada a roupa de cama.Uma das casas com dois quartos e umbanheiro abrigava 18 pessoas. Outroalojamento era um bar adaptado que nãopossuía nenhuma janela.” A maioria damão-de-obra na usina é formada por

migrantes e arregimentada por “gatos”.Mesmo quando não recebem salário, ostrabalhadores são obrigados a ficar naempresa, pois não têm dinheiro pararetornar aos seus locais de origem.75

Em julho de 2008, a SuperintendênciaRegional do Trabalho de Goiás resgatou244 cortadores de cana na Usina FortalezaAçúcar e Álcool, no município dePorteirão. Segundo nota da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), “Além dosalojamentos precários, a fiscalizaçãoflagrou cortadores de cana-de-açúcartrabalhando sem condições de segurançae com alimentação de péssima qualidade.Um dos principais problemas encontradospelos fiscais foi a inadequação dosequipamentos de proteção individuais(EPIs) utilizados pelos trabalhadores nalavoura. Além das rescisões, que somarammais R$ 350 mil, a usina poderá serobrigada a desembolsar mais de R$ 2milhões em uma ação que será ajuizadapor danos morais coletivos e outros R$ 3ou 5 milhões pelos 102 autos de infraçãolavrados pela fiscalização”.

Os fiscais denunciaram irregularidades nacontratação e no transporte de trabalhadores

migrantes, através deintermediários ou“gatos”, além da falta deassistência médica emcasos de acidentes detrabalho. Em junho de2008, ocorreram duasmortes de trabalhadoresnesta usina. “A falta desegurança e o pouco casocom a saúde foram osproblemas mais graves.Havia muitos acidentesde trabalho e esseshomens estavamc o m p l e t a m e n t edesassistidos. Muitasvezes o trabalhador da

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“Alojamentos inadequados,superlotados e sem condiçõesde higiene.”

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usina chegava no médico com um corteprofundo no braço, na mão, na perna e eledava um atestado de cinco dias e nãoregistrava a Comunicação de Acidente deTrabalho (CAT). Esse registro é essencialpara que o trabalhador possa receber osbenefícios a que tem direito”, afirma a nota.76

Segundo a Associação Brasileira paraPrevenção de Acidentes (ABPA), os dadossobre acidentes de trabalho no setorsucroalcooleiro são alarmantes. “Ocorremdez cortes por facões por dia em cada usinacanavieira no Brasil. A grande maioria nãoé notificada”, explica Guido Fleming,médico do trabalho em Goiás. A ABPAdenuncia outros problemas recorrentes,como “lombalgias, tendinites, dores na

coluna, câimbras, perda de líquidos e saisminerais, que podem levar a quadrosgraves de exaustão e até à morte”.77

Ano após ano, esta situação se repete.Em agosto de 2006, o Grupo Móvel resgatoucerca de 4 mil trabalhadores em trêsfazendas das usinas Vale do Rio Verdão eGoiatuba Álcool, e determinou a interdiçãodo corte da cana. Segundo matéria do jornalO Popular, “Homens e mulheres foramencontrados vivendo em condiçõessubumanas em alojamentos na área dausina”.78 Dercides Pereira, um dos fiscaisresponsáveis pela operação, explica que aempresa é reincidente, “No início de 2004,a Delegacia Regional do Trabalho já haviamultado a usina por más condições detrabalho. Foram 100 autos de infração”.79

68 Jornal O Popular, Estado tem 97 projetos aprovados para implantação ou expansão de usinas de álcool e açúcar, 04/06/08.69 Jornal O Popular, Produção de álcool em usinas goianas vai crescer 78% este ano, 06/06/08.70 Jornal O Popular, Cerrado vira ‘refúgio’ da cana, 08/09/08.71 Jornal Valor Econômico, 14/8/08.72 Jornal O Popular, Petroleira investe em etanol em GO, 25/04/2008.73 Folha de S. Paulo, 1.500 trabalhadores em situação precária numa empresa de biocombustíveis, 8/3/2008.74 Brasil de Fato, Trabalhadores da Brenco são flagrados em alojamentos precários, 07/03/2008.75 Repórter Brasil, Fiscalização em usina de cana é concluída com 421 resgates, 10/4/08.76 Projeto de Combate ao Trabalho Escravo, Escritório da OIT no Brasil, Condições precárias: 244 cortadores de cana são resgatados, 14/07/2008.77 Jornal O Popular, Setor da cana lidera acidentes de trabalho, 24/02/08.78 Jornal O Popular, Flagrante de trabalho escravo, 31/08/06.79 Repórter Brasil, Quatro mil são flagrados em condições degradantes em Goiás; TEM interdita três fazendas de cana, 01/09/06.

“Ocorrem dezcortes por facõespor dia em cadausina canavieira

no Brasil”.l

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Dados do IBGE indicam que entre 2005 e 2006, o cultivo de cana no estado aumen-tou 20,93%, significando um crescimento

de 19,15% na produção.80

Em setembro de 2006, o governo do Estado criouo Programa Maranhense de Produção deBiocombustíveis, que prevê a construção de 45novas usinas, com estimativas de produzir entre 4bilhões e 7 bilhões de litros de etanol.81 Segundoo governo, o objetivo seria “incentivar pequenos,médios e grandes produtores de todo o país,especialmente do Nordeste e Centro-Sul, ainvestirem no plantio de cana-de-açúcar para aprodução de álcool, açúcar e biocombustível”,afirmou o governador José Reinaldo Tavares,durante o lançamento. O governo cita ainda comovantagens as instalações do Porto de Itaqui, aFerrovia dos Carajás e a Companhia Ferroviária doNordeste. A primeira parte do projeto prevê aconstrução de 20 usinas em um prazo de cinco anos,o que representaria a expansão de 15% naprodução nacional de etanol.82

Grilagem de terrasSegundo o governador do Maranhão, o Estado

poderia utilizar 500 mil hectares para plantaçãode cana.83 O pesquisador Mayron Régis, daSecretaria Executiva do Fórum Carajás denuncia aprática da grilagem de terras para a indústria sucro-alcooleira e afirma que, “nos anos mais à frentefiquem certos que entre elas estão as melhoresterras do Maranhão como as dos municípios deCampestre e Porto Franco, oeste maranhense,onde o grupo Maity, um dos grandes beneficiáriosdo Pró-álcool, compraz-se em ferrar agricultoresfamiliares, com seus funcionários e com policiaismilitares, para que suas rotinas produtivas sedesajustem, e, desajustados produtivamente, ficamais fácil para a empresa retirá-los da área”.84

O estudo do Fórum Carajás indica que cerca de200 mil hectares de terras griladas serão

MARANHÃO

Alimentos, sembiodiversidade,sem futuro...

EXPANSÃO

SEM

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apropriadas para a produção deetanol no Maranhão, incluindo osmunicípios de Morros, Humberto deCampos, Bela Água, São Benedito doRio Preto e Urbano Santos. “Osimpactos que a indústria de canaproporcionará serão a rápidaurbanização da zona rural, pelaerradicação das populações e dosseus plantios para a introdução damonocultura, a diminuição daprodução de alimentos, a perda dabiodiversidade e a captação demilhões de litros de água dos rios ede seus afluentes”, afirma o textode Mayron Régis.85

Há hoje seis usinas em funciona-mento no estado. O grupo TG AgroIndustrial/Costa Pinto, em parceriacom o fundo de investimentoCooper Fund e a Maity Bioenergia,produz etanol no município de Al-deias Altas. A empresa negocia comgrupos estrangeiros a construção demais quatro usinas, que produziri-am 1,2 milhão de toneladas de canano município de Campestre. O orça-mento de cada usina é estimado emUS$ 130 milhões de dólares. O gru-po Maity produz hoje cerca de 1 mi-lhão de toneladas anuais de cana.86

A Comanche Clean Energy, uma em-presa de capital inglês e norte-ame-ricano, está construindo um pólo deprodução de biodiesel e duas desti-larias de álcool no Maranhão.

80 Plantações de cana aumentam 20% no MA, 5/2/06. http://www.badaueonline.com.br/2006/2/5/Pagina6662.htm81 Maranhão lança projeto para produção de etanol, 04/09/2006, http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=%7BF75855B0-0595-40CB-9DB7-78D4AB15E488%7D82 Radiobrás, Maranhão terá programa de incentivo ao plantio de cana-de-açúcar para geração de energia, http://www.radiobras.gov.br/abrn/brasilagora/materia.phtml?materia=23463083 Gazeta Mercantil, Maranhão quer atrair investimentos no setor, 24/03/06 - www.gazetamercantil.com.br.84 Cana-de-açúcar: 200 mil hectares de grilagem no Maranhão (Esse texto faz parte do projeto Desintoxicando os Excessos do Etanol: uma proposta deinvestigação da dinâmica e dos efeitos da propagação da cana de açúcar na região do Projeto Grande Carajás, projeto do STTR de Loreto, financiado peloCentro de Apoio Sócio-Ambiental). http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=3262785 http://blog.ecodebate.com.br/2008/03/11/baixo-parnaiba-cana-de-acucar-artigo-de-mayron-regis/86 O Globo, Plantação de cana-de-açúcar também avança na AmazôniaLegal, 29/7/ 07.

“Captação demilhões de litros

de água dos rios ede seus afluentes.”

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MATO GROSSOExistem atualmente 11 usinas em funcio-

namento no Mato Grosso: Itamaraty,Cooprodia, Libra, Cooperb I, Pantanal,

Barrálcool, Gameleira, Jaciara, Cooperb II, Usimate Alcoopan. Destas, seis produzem somenteetanol e cinco produzem etanol e açúcar. Háoutros cinco projetos de novas usinas no estado.

As plantações de cana ocupam regiões doPantanal, do Cerrado e da Amazônia, em uma áreade 214.511 hectares, com uma média de 18.509,8hectares por usina. Essas empresas tambémcompram cana de fornecedores independentes,que hoje plantam em 29.551 hectares. Segundo oIBGE, em 1990, a área de cultivo de cana em MatoGrosso era de cerca de 65 mil hectares e, em 2005,chegou a cerca de 206 mil hectares. Na últimasafra, as usinas moeram em torno de 16.750.000toneladas de cana, obtendo uma produção de538.139 toneladas de açúcar e 844.395 m3 deetanol. 87

A safra de cana em 2008 deverá ter um aumentode 6% e as plantações chegarão a 216,037 mil

hectares.88 A Secretaria de Planejamento esperatriplicar os atuais 800 milhões de litros de etanolproduzidos no estado, para que o Mato Grosso sejaincluído nos planos da Transpetro - empresa ligadaà Petrobrás - para a construção de um polidutopara o escoamento da produção.89

Essa região é considerada de transição entre ocerrado, o pantanal e a floresta tropical. Asplantações de cana se expandem no chamado“corredor de biodiversidade” nas regiões dasnascentes do Rio São Lourenço, que inclui osmunicípios de Aquino, Jaciara e Juscimeira.90 Nomunicípio de Nova Olímpia há três grandes usinas,do grupo Itamaraty, que produziu sete milhões detoneladas de cana na última safra.91

De acordo com o diretor-executivo doSindalcool-MT, Jorge dos Santos, há previsão de

EXPANSÃO

Insumos químicoscomprometem o Pantanal

IMPACTO

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expandir as plantações de cana em cerca de doismilhões de hectares nas proximidades domunicípio de Alto Taquari. Uma nova usina irácultivar 35 mil hectares na região a partir de 2009,com capacidade para moer três milhões detoneladas de cana.92

Ameaça ao PantanalSegundo o pesquisador Inácio Werner, do

Centro Burnier Fé e Justiça, cerca de 80% da canaproduzida no Mato Grosso está nos 51 municípiosque fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, nobioma Pantanal. As outras usinas do estado estãoem áreas de Cerrado e no bioma amazônico. Eleexplica que as empresas de etanol buscam a regiãopor suas terras planas e grande quantidade de águaproveniente do Rio Paraguai, da Bacia do Rio Pratae da Bacia Amazônica. O cultivo da cana é feitocom grandes quantidades de insumos químicos, oque aumenta o impacto no Pantanal, causando oassoreamento dos rios e a morte de peixes. “Oimpacto ambiental é grande. Aumentam osconflitos com populações indígenas do Araguaia,que denunciam os desmatamentos causados pelaexpansão da cana e a poluição dos rios em seusterritórios”, afirma Werner.

O Ministério Público do Estado de Mato Grossoinstaurou um inquérito (N.º 5/2008/MPBB/MT),visando apurar “o cometimento de danos ao meioambiente e à saúde pública, consistente napoluição atmosférica bem como no aumento de

doenças respiratórias e demais conseqüênciascausadas pela queima da cana-de-açúcar nacomarca de Barra do Bugres/MT praticada pelasUsinas Barralcool, Itamaraty e outros produtoresda cana-de-açúcar, violando o disposto no art. 3.º,inciso IV, no art. 170, incisos III e VI, no art. 186,inciso II e no art. 225, todos da Constituição Federalde 1988, incorrendo, em tese, na prática de ilícitoambiental e cível em razão de conduta lesiva aomeio ambiente, dessa maneira, transgredindo asnormas ambientais e constitucionais acimadestacadas.93

Violação de direitostrabalhistasHá graves denúncias de violações de direitos

trabalhistas nas usinas da região. O MinistérioPúblico do Trabalho (MPT) registrou como ocorreo aliciamento ilegal de mão-de-obra no MatoGrosso. O aliciador Raimundo Pinto “utiliza-se da

fachada de dono de hotel para arregimentar mão-de-obra para o trabalho em fazendas da região.Como os trabalhadores ficam alojados em hotelde sua propriedade, o aliciador acaba recebendodos donos das propriedades e dos trabalhadores.Essas práticas são características do trabalhoescravo”, constatou o procurador José Pedro dosReis.

“Insumos químicos causamassoreamento dos rios e amorte de peixes.”

“Insumos químicos causamassoreamento dos rios e amorte de peixes.”

“Queima da cana-de-açúcarcausa doenças respiratórias “.

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O MPT ouviu denúncia de um trabalhadormigrante de Alagoas, que foi agredido por reclamarde falta de pagamento na fazenda Milani. Segundoo relatório do MPT, o proprietário da fazenda,Amarildo Milani, “ao ser procurado para pagar adívida trabalhista, negou o vínculo empregatício,afirmando que o acerto de contas tinha de ser feitocom o Raimundo Pinto (gato) e não com afazenda”. Segundo o procurador José Pedro dosReis, “Isso prova que as contratações não eramfeitas diretamente pelo tomador do serviço que éo fazendeiro, e sim pelo intermediador de mão-de-obra, o que é característico nesse tipo decrime”.

O trabalhador relata ainda que “as condiçõesde trabalho nas fazendas são precárias” e que,“além dele, outros seis colegas de trabalhodormiam em camas feitas de varas instaladas sobos barracos de lona, as necessidades fisiológicaseram feitas no chão, bebiam água de um córregoe a comida era fornecida pelo “gato” uma vez porsemana”. O MPT instaurou processo contra oaliciador e o dono da fazenda por crime detrabalho escravo. 94

De acordo com Leonir Carlos Pedroso, daPastoral do Migrante (SPM), é preciso apoiar ostrabalhadores em suas denúncias, pois eles vivemsob constante ameaça de demissão. Segundo oSPM, 90% dos cortadores de cana no estado sãomigrantes do Nordeste, que podem chegar a 16mil por safra. “Os principais problemas de saúdesão dores na coluna, mutilação, stress e câimbras.Se o trabalhador falta por motivo de doença, seusalário é descontado. Também constatamos asuperlotação nos alojamentos e a falta dealimentação adequada. O almoço é feito aorelento, com um calor de 40 graus ou mais, e, alémdisso, a comida pode vir estragada. É comumvermos maus tratos de trabalhadores pelos “gatos”ou pelos próprios patrões. O consumo de bebidasalcoólicas e drogas tem aumentando muito, poisserve para resistir à fadiga e para aliviar a dor dasaudade da família e do trabalho do dia-a-dia”,explica Leonir.

É importante observar que 66,7% da cana écolhida manualmente. Um trabalhador corta em

média 8 toneladas de cana por dia, enquanto queuma máquina chega a cortar 700 toneladas por dia.De acordo com informações do Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Denise, a jornada detrabalho, que era semanal, passou a ser de 5 por 1,a partir de 2004. Ou seja, os cortadores trabalhamcinco dias e folgam um. Portanto, não têm fins-de-semana regulares. A mudança de sistemaalterou o ganho dos trabalhadores. O sindicatotem uma lista de 3.493 trabalhadores quereivindicam um montante de R$ 4.150.211,83. Adívida da empresa com alguns trabalhadores chega a5 mil reais.

A usina da região é do grupo Itamaraty, quepertence a Olacir de Morais e planta cana nosmunicípios de Denise, Nova Olímpia, Tangará daSerra, Nortelândia e Arenápolis. Há também novefornecedores de cana na região. Em 2006, umtrabalhador morreu numa dessas áreas quandoestava colocando fogo para o corte da cana.

A cidade é praticamente formada por migrantesmaranhenses, alagoanos e baianos, que chegaramaliciados por “gatos” ou aliciadores ilegais. Em umdos alojamentos da cidade, o trabalhador Josielda Rocha Macedo, de 25 anos, afirmou que, “asusinas não pagam direito, pagam em cheque e nãoem dinheiro. O trabalhador se mata e não ganhanada”. Ele tinha um ferimento abaixo do joelho,feito pelo podão.

A empresa distribui pela manhã um soroenergizante para cada trabalhador, com o objetivode evitar câimbras, que são comuns neste tipo defunção. De acordo com informações do hospitalda cidade, entre 20 e 25 cortadores de cana são

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atendidos por mês com problemas de sutura,dores no corpo ou câimbras.

No município de Barra do Bugre fica instalada ausina Barraalcool, onde houve uma greve doscortadores em 2007, para reivindicar melhoressalários. Outro problema é a péssima condição dosalojamentos. Muitos trabalhadores dormem nomesmo espaço, em beliches e colchões de máqualidade, com poucos banheiros, sem higiene.Mesmo assim, o valor do aluguel é muito alto.

Em um galpão de uma antiga serralheria, ondeestavam hospedados 60 trabalhadores vindos doPiauí e da Bahia, cada um pagava R$ 30,00 reais pormês, somando um aluguel de R$ 1.800,00 reais. Ostrabalhadores dormiam em beliches, extremamentepróximos um do outro e praticamente sem condiçõespara se movimentarem. Havia apenas três banheirosem condições precárias. A usina desconta o valordo aluguel diretamente do salário. Isso significaque os proprietários dos alojamentos têm umarelação direta com a empresa. Em quatro outrosalojamentos visitados, as condições eram asmesmas. Nenhum trabalhador quis dar entrevistaporque são proibidos pela empresa.

No distrito de Chumbos, a 34 quilômetros dePoconé, está localizada a Usina Alcoopan, queparalisou suas atividades na safra passada pordenúncias de trabalho escravo. Em entrevista parao noticiário local MT-TV, a procuradora doMinistério Público do Trabalho, Rosimere Lobo,afirma que foi constatado fraude nos acordostrabalhistas, além de degradação do meio-ambiente e da dignidade dos trabalhadores. OProcurador do Trabalho, Eduardo Angarten,denuncia as jornadas exaustivas, nas quais a médiadiária é cortar 20 toneladas de cana, causandoinclusive mortes de trabalhadores.

Os cortadores de cana afirmam que o salárioque recebem não é suficiente nem mesmo paravoltar para casa, pois a maioria é migrante donordeste. A Federação dos Trabalhadores naAgricultura (FETAGRI) explica que é difícilencontrar mão-de-obra local porque o trabalho émuito pesado. Um grupo que veio do Maranhão

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não encontrou nem mesmo colchões noalojamento e foi abandonado pelo aliciador.“Apesar da propaganda de modernização do setor,a situação dos trabalhadores no corte da canacontinua igual. Todos os anos recebemosdenúncias de trabalhadores que, ao final da safra,não recebem salário. A jornada de trabalho é de10 a 12 horas e continua a prática de trabalhoescravo e grilagem de terras”, denuncia JoãoRoberto Buzatto, membro da CPT no Mato Grosso.

Segundo Valdiney Arruda, SuperintendenteRegional do Ministério do Trabalho em MatoGrosso, “O trabalho no corte da cana é exaustivo everificamos problemas constantes de saúde,alimentação e moradia, o que constitui uma formade super-exploração que nós entendemos comotrabalho escravo. O primeiro passo para nós écombater o aliciamento e a exploração dostrabalhadores migrantes”.

Em visita ao alojamento onde os trabalhadoresforam encontrados em regime de trabalho escravo,o vigia informou que mais de 80% dos cortadoresque se alojam naquele estabelecimento usamdrogas. Segundo ele, o uso de drogas serve paraaliviar a dor no corpo, o cansaço durante a noite e,de manhã, para esquentar o corpo e ir para o corteda cana. A usina nunca proibiu e não utilizounenhuma medida para coibir o uso de droga, queé comum para suportar o trabalho pesado.

Degradação ambientalno PantanalNo município de Jaciara existem duas usinas:

Pontal e Jaciara. A usina Jaciara está fechandoporque foi multada várias vezes pelo IBAMA, porjogar vinhoto no Rio Amaral, afluente do Rio SãoLourenço, do Rio Vermelho e do Rio Paraguai,causando a contaminação da fauna e flora doPantanal. Recentemente, a usina Jaciara foivendida para o Grupo Naoum, que controla a UsinaPantanal.

As terras dessas duas usinas foram griladas. Agrilagem ocorreu no início da década de 80,quando dois gaúchos montaram a cooperativaCooperjaque e se apossaram das terras da região.Nessa época, houve conflitos e assassinatos demoradores locais. Em 1998, o grupo Naouminstalou a usina Pantanal, apropriando-se de 8.400hectares das terras da união, através de umanegociação ilegal com a Cooperjaque.

Segundo a moradora Maria do CarmoFernandes Cunha, em 2003, cerca de 380 famíliasocuparam uma parte dessa área, reivindicando5.641 hectares, pois sabiam que as terras eram daUnião e exigiam do Incra um assentamento deReforma Agrária. Elas conseguiram permanecerdentro da área por nove meses, com o apoio daCPT e do MST. No dia 11 de maio de 2004, foiconcedida liminar de reintegração de posse para

87 IBGE, http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=t&o=1&i=P88 Jornal A Gazeta, Mato Grosso terá a maior safra de cana este ano, 11/3/08.

http://www.afcop.com.br/boletim_informativo/2008/03/mato-grosso-tera-maior-safra-de-cana.html89 CANA-DE-AÇÚCAR: MT PODE SUPERAR BARREIRAS E AMPLIAR PRODUÇÃO DE ETANOL, www.seplan.go.gov.br.90 O Estado de São Paulo, Cana coloca em risco o cerrado brasileiro, 3/12/07.91 http://conexaotocantins.com.br/noticia/cana-coloca-em-risco-o-cerrado-brasileiro/926

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a usina. Mesmo assim, oIncra conseguiu requisitaressa área para a ReformaAgrária. Em novembro de2007, quando o Incra iriacompletar o processo, ausina negociou umadiamento com o oficial dejustiça. Logo depois, ummandado de segurançasuspendeu a imissão deposse. Hoje, as famíliasaguardam a decisão finalsobre o destino da área ereivindicam que terraspúblicas sejam destinadasà Reforma Agrária.

Doenças e acidentes detrabalhoHá outras denúncias contra essa empresa. A

trabalhadora Maria José Marques cortou cana desdeos 14 anos para a usina Jaciara e contraiu uma doençacardíaca. Até hoje não conseguiu aposentadoria peloINSS, apesar de ter atestado médico confirmandoque não tem condições físicas de trabalhar.

Uma pesquisa do professor Wanderlei Pignati,da Universidade Federal do Mato Grosso, revelaque, “Foi verificada a correlação linear entre oaumento dos ‘esforços produtivos’ (hectares deculturas/habitante e bovinos/habitante) com oaumento de incidências de acidentes de trabalho,intoxicações por agrotóxicos, acidentes poranimais peçonhentos, neoplasias e más-formações congênitas. Observou-se ainda que70% dos acidentes de trabalho estavamrelacionados às atividades do agronegócio”. 95

92 Google News, Cana-de-açúcar avança em Mato Grosso, 24/03/2008 - 19:20.93 Promotoria de Justiça da Comarca de Barra do Bugres, 4/3/08.94 Procuradoria Geral do Trabalho, Gato conta detalhes ao MPT sobre o aliciamento de mão-de-obra em Sapezal (MT), 01/08/2008.95 Artigo III da tese de Doutorado, Os riscos, agravos e vigilância em saúde no espaço de desenvolvimento do agronegócio em Mato Grosso. Rio de Janeiro:Fiocruz/Ensp, 2007, p 81-105.

O Professor Pignatti afirma que os acidentesde trabalho duplicaram no estado, passando de2.684 para 5.228, o que evidencia o aumento daprecariedade. As intoxicações agudas poragrotóxico triplicaram nos últimos oito anos, e osacidentes com animais peçonhentos multiplicaramde 61 para 685. As internações por neoplasia (câncerde todo tipo) e a má formação (anencefalia, máformação cardíaca e intestinal) duplicaram emCuiabá e Várzea Grande e triplicaram no interiordo Mato Grosso. Esse é um impacto bastantepreocupante quando se analisa o aumento daprodução agrícola no estado. De maneirapreventiva, se gasta mais em vigilância à saúde doboi e da soja do que à saúde dos trabalhadores. Osescritórios do Instituto de Defesa Agropecuária,que fazem a vigilância sanitária do boi e da soja,estão presentes em todos os municípios do estadoe possuem 1.238 funcionários e 242 veículos.Porém, para cuidar de maneira preventiva dasaúde do trabalhador o governo tem apenas 15escritórios, com 18 veículos e 183 funcionários.

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A Companhia Nacional de Abastecimento(Conab) estimou um aumento de 51 mil hectares nas plantações de cana em

Mato Grosso do Sul, na safra de 2007/2008, o quesignifica 32% a mais do que a safra anterior, que jáocupava 160 mil hectares. Desta forma, o estadochegara a 211,1 mil hectares com produção decana.96

Há nove usinas instaladas no estado (SonoraS.A, R.S.S.A, Rio Brilhante, Debrasa, N. Andradina,MR LTDA, Copernavi, Alcoovale, Cachoeira) e cercade 50 novos projetos, com solicitações deincentivos fiscais, que poderiam ocupar 800 milhectares nos próximos anos, de acordo comprevisões da Secretaria de Estado deDesenvolvimento Agrário.97

Algumas das usinas em período de implantaçãosão a da empresa francesa Louis Dreyfus (com 50mil hectares), do grupo Tavares de Melo (com 128mil hectares), do grupo Benedito Coutinho (com

275 mil hectares) e do grupo Talent Safe – PrivateSecurities (com 191 mil hectares). Há tambémgrande interesse de empresas estrangeiras deprodutos agrícolas, como Basf, Bayer e Syngentaque têm desenvolvido “produtos apropriados àsregiões Centro-Oeste e Norte, para as novasfronteiras da cana”.98

Em agosto de 2008, durante a inauguração dausina da empresa Luis Dreyfus, em Rio Brilhante,o governador Antré Pucicnelli, afirmou que o“Mato Grosso do Sul será o maior produtor deálcool do mundo, em sete anos”.99Orepresentante da Luis Dreyfus, Christofhe Akli,explicou que “a atração pelo Mato Grosso do Sul,em especial por Rio Brilhante, deu-se em virtudede disponibilidade de terra agrícola e climafavorável”.100

Povos indígenas

MATO GROSSO DO SUL

Resistência

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Violência contra povosindígenasEnquanto as empresas comemoram a enorme

quantidade de terras disponíveis para omonocultivo de cana, aumenta a violência contrao povo Guarani Kaiowá, que vive confinado, semdireito ao seu território. O Ministério PúblicoFederal estima que os Guarani- Kaiowá em MatoGrosso do Sul cheguem a 47 mil pessoas,representando a maior população de um povo

indígena no país, e vivem em uma área de cercade 20 mil hectares.

A expansão do monocultivo da cana agrava oproblema fundiário no estado. Segundo oConselho Indigenista Missionário (CIMI), os povosGuarani-Kaiowá vivem em situaçãoextremamente precária e a falta de terra gerasérios problemas sociais como morte de criançaspor desnutrição, suicídios (principalmente dejovens entre 12 e 18 anos), alcoolismo eassassinatos. Estes povos têm sido alvo daviolência de latifundiários, com casos deassassinatos e trabalho escravo no corte da cana.Segundo o relatório do CIMI, de 2007, “há registros

de quatro assassinatos de indígenas ocorridos emalojamentos de usinas”.101

O setor ruralista pressiona o governo contra ademarcação de territórios indígenas e agrava asituação de conflito no estado. O governo estadualpretende, inclusive, mudar a legislação parapermitir que novas usinas se instalem no Pantanal,na região entre as bacias dos rios Paraguai eParaná. O projeto pode agravar ainda mais osconflitos por terra, além de aumentar a destruiçãodo cerrado e a contaminação de rios e fontes deágua subterrâneas, incluindo o Aquífero Guarani.Segundo Alessandro Menezes, da entidadeEcologia e Ação, “A monocultura da cana podealterar grandes áreas de Cerrado, comprometendoa biodiversidade e desfigurando o entorno doPantanal, região considerada Patrimônio daHumanidade pela Unesco”.102

Em junho de 2008, a Assembléia Legislativaaprovou uma lei que acaba com a distância mínimade 25 quilômetros entre as usinas. Isso significaque a monocultura da cana pode ocupar 70% dosul do estado, além de permitir a instalação deum álcoolduto para transportar etanol até o Portode Paranaguá.103

As conseqüências climáticas, como a seca naregião, já podem ser verificadas. No município de

96 Correio do Estado, Cana espalha-se por mais 51 mil hectares em MS, 31/08/07.97 Correio do Estado, Cana inflaciona preço de terras no Mato Grosso do Sul, 04/06/07.98 Comissão Pastoral da Terra, A expansão canavieira em mato grosso do sul, artigo de Mieceslau Kudlavicz e Juliana Grasiéli Mota Bueno, junho de 2007.99 Diário do MS, 23/08/08. 100 Diário do MS, 22/08/08.101 Jornal Pequeno, Usinas de cana degradam índios no Mato Grosso do Sul, 15/04/ 08, http://www.jornalpequeno.com.br/2008/4/15/Pagina76789.htm

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Dourados, as usinas desrespeitam a legislaçãoambiental e praticam queimadas. Uma matériapublicada no jornal Dourados Agora denuncia que,“Mesmo proibida, a atividade da queima da palhade cana-de-açúcar inicia seu ciclo em Dourados. Apoluição em grande escala já é visível em váriasáreas do município e a umidade relativa do ar embaixa já começa a preocupar organismos de

segurança acerca do perigo das doenças respiratórias.No Instituto do Meio Ambiente (Imam), as denúnciascomeçam a ser investigadas”.104

Trabalho escravo eassassinatosDezenas de indígenas têm sido assassinados

todos os anos no estado. Um destes casos ocorreuno dia 8 de julho de 2007, quando o líder Guarani-Kaiowá Ortiz Lopes foi morto por pistoleiros.Segundo nota do CIMI, “Ortiz sempre esteve àfrente das lutas pela recuperação de suas terras,já havia sobrevivido a outro atentado e vivia sobfortes ameaças de morte. Por volta das 18h30 dodomingo, quando já estava escuro, um homem seaproximou da frente de sua casa, desejou boa noitee chamou por Ortiz. Ao perguntar quem era, a vítimase dirigiu à porta e foi recebida por tiros. Enquantodisparava sua arma, o assassino informou: osfazendeiros mandaram acertar contas com você”.

As usinas da região possuem um extensohistórico de trabalho escravo e assassinatos de

trabalhadores. A maioria dos cortadores de cana éformada por migrantes e indígenas. O MinistérioPúblico do Trabalho estima que cerca de 7.000indígenas trabalhem no corte da cana em MatoGrosso do Sul. Em março de 2007, a DelegaciaRegional do Trabalho/MS fechou a Usina deIguatemi por prática de trabalho escravo contra409 trabalhadores, entre eles, 150 indígenas.

Em relação ao trabalho escravo, o CIMIdivulgou a seguinte denúncia: “Em março de2007, 150 indígenas que trabalhavam no corte decana na Destilaria Centro Oeste Iguatemi Ltda.(Dcoil) foram libertados por fiscais da DelegaciaRegional do Trabalho/MS. Em novembro domesmo ano, o Grupo Especial de FiscalizaçãoMóvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)descobriu 1.011 indígenas vivendo em condiçõesdegradantes na usina Debrasa. A maioria dosresgatados pertencia ao povo Guarani-Kaiowá evários ao povo Terena.105

Em 29 de julho de 2008, o Grupo de FiscalizaçãoMóvel do Ministério do Trabalho realizou inspeçãona Destilaria Centro-Oeste Iguatemi e constatouque “O meio ambiente do trabalho ao qual ostrabalhadores eram submetidos (local inapropriadopara preparo e consumo das refeições, alojamentosem condições insalubres, não fornecimento deequipamento de proteção individual e demateriais para primeiros socorros, alimentaçãoprecária, falta de instalações sanitárias e águaconsumida sem higiene) configurou tratamentodegradante coibido pela Constituição FederalBrasileira, artigo 5º, inciso III”.

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Sobre as violações contratuais, o Grupo Móvelrevelou que, “Os contratos dos trabalhadoreseram desprovidos da formalidade exigida por lei;o empregador não enviava informações aoCadastro Geral de Empregados e Desempregados– CAGED; não recolhia o FGTS em conta vinculadaao trabalhador; não efetuava o pagamento até o5º dia útil ao mês subseqüente ao vencido; nãohavia junto aos postos de trabalho nenhumadocumentação referente aos vínculos laborais dosobreiros; não foram anotados os dadoscontratuais nas Carteiras de Trabalho daquelesque as possuíam, sendo que os empregados nãoeram registrados e não havia o controle da jornadalaboral exigido por lei.

Diante das irregularidades encontradas, osfiscais determinaram que “Visando evitar danosimediatos aos empregados, após inspecionar asáreas de vivência, e nas frentes de trabalho

optamos por determinar a interdição (nº303267/30072008) do trabalho manual de corte de cana,ficando informado no mesmo instrumento que senum prazo de 48 horas as irregularidades nãofossem sanadas os trabalhadores seriamresgatados”.106

A Superintendência Regional do Trabalho emMS tem registrado outras violações de direitos,principalmente contra trabalhadores indígenas emigrantes, que são transportados de formairregular de seus locais de origem, são obrigadosa pagar valores muito altos por transporte ehospedagem, em condições degradantes, nãorecebem remuneração adequada ou tratamentomédico em caso de acidentes de trabalho,incluindo mutilações no corte da cana e doençascontraídas pela condição insalubre do meio-ambiente, como pneumonia e outras doençasrespiratórias.

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102 Instituto Sócio Ambiental, Governo do Mato Grosso do Sul quer liberar usinas perto do Pantanal, 15/07/08, http://www.brasiloeste.com.br/noticia/1623/usinas-pantanal103 Midiamax, Incentivo à cana acaba com produção de grãos, 26/6/2008, http://www.portalms.com.br/noticias/Ecoa-incentivo-a-cana-acaba-com-producao-de-graos/Mato-Grosso-do-Sul/Meio-Ambiente/16525.html104 Dourados Agora, Mesmo proibidas, começam queimadas de cana em Dourados, 07/07/2008 18:34.105 Jornal Pequeno, Usinas de cana degradam índios no Mato Grosso do Sul, 15/04/ 08, http://www.jornalpequeno.com.br/2008/4/15/Pagina76789.htm106 Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em MS, Grupo Fiscalização Móvel, coordenador: Luiz Carlos dos Santos Cruz, Auditor-Fiscal doTrabalho, 4/8/08.

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Dados da Companhia Nacional de Abas- tecimento (Conab) indicam que, em Mi-nas Gerais, a safra da cana em 2008 será

de 60,2 milhões de toneladas. Essa quantidade é47% maior do que a safra anterior, quando foramcolhidas 46 milhões de toneladas. Com esteaumento, o estado passou a ser o segundo produtorde cana-de-açúcar do país, com uma área plantadade 467 mil hectares. A Conab estima que aprodução de etanol em Minas Gerais chegará a 2,2bilhões de litros este ano. Segundo o Sindicato daIndústria do Açúcar e do Álcool (Sindaçúcar),existem 36 usinas em funcionamento no estado.Até 2012, a previsão é chegar a 52 usinas, comprodução de 5,5 bilhões de litros de etanol. 107

Na região do Triângulo Mineiro, algumasempresas que participam desta expansão são:Usina Frutal (no Vale do Rosário/Moema), Usina

Central Energética (em Veríssimo), Cia. Energéticade Açúcar e Álcool do Triângulo Mineiro do GrupoComfrio/Fittipladi (em Uberaba e Uberlândia),Grupo Balbo (em Uberaba), Usina Santa Vitória doGrupo Crystalsev (em Santa Vitória), S.A UsinaCoruripe Açúcar e Álcool (em Carneirinhos, Prata,Campo Florido e União de Minas), Usina Cerradãodo Grupo Frutal (em Pitangueiras/Queiroz),Cabrera Central Energética (em Limeira do Oeste),Usina Nova Ponte (em Tenório), Grupo Carlos Lyra(em Uberaba, Sacramento e Uberlândia), GrupoSanta Elisa (em Ituiutaba e Campina Verde), Cia.Energética Vale do São Simão (em Andrade), UsinaZanin Açúcar e Álcool Ltda. (em Prata).108 Há outrosprojetos de novas usinas no Noroeste do estado,no Alto Paranaíba e no Alto São Francisco.

EXPANSÃO

“A expansão das lavourasacontecem acompanhadaspela violação dos direitoshumanos”.

MINAS GERAIS

VIOLAÇÕES

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A Cia. Energética de Açúcar e Álcool doTriângulo Mineiro anunciou que irá instalar umade suas usinas nas proximidades do Rio Tijuco eoutra na Floresta do Lobo. Segundo o diretor daempresa (que pertence ao grupo J.F Citrus), JoséRaimundo Santos, “Estamos com 15 mil hectaresde terra consolidados na região, mas, em umaprimeira fase, precisamos de 50 mil hectares”. Paraisso, a empresa está negociando contratos dearrendamento com agricultores locais, que seriamde, no mínimo, dez anos. As áreas arrendadastinham como finalidade principal o cultivo de milho,soja e a criação de gado para corte e para produçãode leite.109

A expansão das lavouras de cana em MinasGerais, assim como em outras partes do país, éacompanhada por violações de direitos humanos.Um dos casos emblemáticos foi a morte de umtrabalhador na Usina Monte Alegre, em outubrode 2007. Gilmar Donizete dos Santos, de 35 anos,morreu carbonizado quando fazia a queima dacana. O caso só foi divulgado porque seus colegassentiram sua falta e descobriram seu corpoqueimado em meio aos canaviais.110

Alto São FranciscoOs problemas sociais e ambientais ficam

evidentes também na região do Alto SãoFrancisco. No município de Lagoa da Prata já existiauma usina de açúcar desde a década de 70, de

propriedade de Antonio Luciano, “coronel” elatifundiário, conhecido como um dos maioresgrileiros de Minas Gerais. Mais recentemente, aempresa francesa Louis Dreyfus adquiriu esta usinae expandiu o monocultivo de cana para a produçãode etanol. Nos últimos dois anos, outras empresasparticipam do processo de expansão damonocultura da cana na região.

Os efeitos são devastadores. Na fazenda deAntonio Luciano chegaram até a desviar o cursodo rio São Francisco para facilitar o escoamentoda produção, sem licença ambiental ou estudostécnicos. Tanto no período inicial de implantaçãoda cana, como nesta fase recente, a monoculturasubstitui áreas de lavouras e criação de gado, alémde destruir as reservas florestais e a mata ciliar.Na implantação dos plantios, as empresas fazemqueimadas clandestinas das matas nativas à noite,derrubam e enterram as árvores, para fugir dafiscalização.

“Hoje é comum encontrarmos animais mortosnas estradas, fugindo da devastação das matas. Jáencontramos lobos, raposas, tamanduá-bandeira,tamanduá-mirim, lontra, quati, tatu, serpentes,garças, corujas, lagartos, além de peixes mortosno rio, como surubins, que chegam a pesar 40quilos. Plantam cana até na beira dos rios e daslagoas”, afirma Francisco Colares, professor dezoologia na Universidade de Iguatama.

Segundo Colares, a usina de Lagoa da Pratautiliza a água do São Francisco emtodo o processo de produção - parairrigação durante o cultivo, paralavar a cana depois da colheita epara resfriar as caldeiras noprocessamento. Em um dos pontosde captação, o bombeamento é de500 litros por segundo -quantidade de água suficientepara abastecer todo o município.

O processo de expansão éintenso. A Empresa Total estáconstruindo uma usina em Bambuíe está prevista a implantação demais três usinas na região - duas

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em Arcos e uma em Iguatama, alémda expansão da produção em Lagoada Prata. O cultivo de cana chega atéa Zona de Amortecimento doParque Nacional da Serra daCanastra, considerada pelo Atlas daBiodiversidade em Minas Geraiscomo sendo de importânciabiológica extrema.

O parque fica entre asnascentes do rio São Francisco e abacia do Rio Grande. A preservaçãoda Zona de Amortecimento, ouárea circundante ao parque, éessencial para garantir suaconservação. A produção de cana no local causagrande impacto, por seu potencial invasor, pelointenso uso de agrotóxicos, entre outros. A UsinaItaiquara se instalou no município de Delfinópolise plantou cana em áreas de preservaçãopermanente, próximas ao grande reservatório deáguas de Furnas.

“A cana chega até a margem do reservatório;plantam cana praticamente dentro d’água.Desmataram a área e praticaram queimadas, o querepresenta um grande risco para toda a região. OMinistério Público moveu uma ação contra aempresa e esperamos que a área seja recuperadaem breve e que os responsáveis sejam punidospelo dano ambiental. È necessário que os órgãoscompetentes fiscalizem essa atividade, pois amonocultura traz sérios problemas ambientais. OBrasil deveria priorizar uma agriculturadiversificada”, afirma Joaquim Maia Neto, Chefeda unidade do IBAMA responsável pelo ParqueNacional da Serra da Canastra.

O Secretário de Agricultura e Meio Ambientedo município de Luz, Dario Paulineli, descreveoutros impactos na região. “A cana se expandiurapidamente nos últimos anos. A empresa LouisDreyfus fez muitos contratos de arrendamentocom agricultores locais e o impacto ambiental foienorme. A usina aplica o veneno de avião e atingeos agricultores vizinhos e a população das cidades.Desmatam madeira de lei, árvores protegidas por

lei como o pequizeiro e a gameleira, plantam canaperto das nascentes dos rios, não respeitam osestudos de impacto ambiental. Muitos animaisestão morrendo com a devastação das matas”.

Arrendamento de terrasPara o agricultor Gaudino Correia, não vale a

pena arrendar a terra. “Os contratos são de 12 anose depois disso a cana já acabou com tudo. A usinausa máquinas pesadas para preparar a terra e causaerosão do solo. Depois queimam a cana e a cinzase espalha por toda a região. Eu não quis arrendarminha terra e estou cercado de cana. Aqui não temmais terra para lavoura e por isso subiu tanto opreço dos alimentos. Meus vizinhos deixaram deproduzir milho, feijão, café, leite e arrendaram aterra para a empresa Total. Eu ainda planto milho,feijão, e produzo leite, mas para o produtor o preçonão aumentou, só para o atravessador e para apopulação. Ainda consigo produzir leite porquefaço a ração. Se fosse comprar, não sobravanenhuma renda. O preço da ração aumentou 50%e fica difícil criar animais”.

O agricultor Sebastião Ribeiro tem a mesmaposição. “A usina insistiu, mas eu não quis arrendarminha terra. Meus vizinhos arrendaram e depoisficaram com depressão, porque é o mesmo queperder a terra. O que vai acontecer se os

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agricultores deixarem de plantar alimentos?”Ribeiro explica também que a usina faz irrigaçãoda cana com pivô central, usando água do SãoFrancisco.

Especialistas alertam que não há fiscalizaçãoeficiente sobre os impactos sociais e ambientais.“O Estado deveria priorizar a preservação dasnascentes dos rios. É como desgastar as veias quelevam o sangue para o coração. Essa expansão temsido muito rápida e a idéia é dobrar a produção decana na região. A agricultura familiar vai sumir epodem faltar alimentos”, afirma Lessandro daCosta, diretor da Associação Ambientalista do AltoSão Francisco.

Apesar da propaganda das empresas, quedizem gerar emprego e desenvolvimento,organizações locais denunciam que as usinas nãorespeitam leis ambientais e trabalhistas. “Usamvenenos violentos que afetam a saúde dostrabalhadores e da população. Onde antes seproduzia milho, feijão, café, leite e outrosalimentos, agora é só cana. Não há crédito para ospequenos produtores, mas o Banco do Brasil temdinheiro de sobra para incentivar as grandesusinas, que destroem o cerrado e a Amazônia. Essapolítica vai deixar uma herança de destruição”,afirma Carlos Santana, assessor do Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Bambuí.

Trabalho degradanteEle explica que “Aqui tem serviço, mas só

braçal. Os trabalhadores chegam de todas as partesdo país para cortar cana e o aluguel na regiãoaumentou muito. Outra conseqüência foi ocongestionamento do sistema de saúde pública.Os cortadores de cana recebem por produção eisso causa a exploração. Muitos ficam doentes enão conseguem mais trabalhar”.

O Presidente do Sindicato dos TrabalhadoresRurais de Lagoa da Prata, Nelson Rufino, denunciaque, “A usina Louis Dreyfus causa grandedestruição ao meio-ambiente. O trator da empresaarranca as árvores e depois enterra para escondero crime ambiental. Somente metade dos canais

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onde depositam o vinhoto é feita de cimento. Nosoutros canais o vinhoto vai direto para o subsolo epara os rios. Nós chamamos o vinhoto de “águaque fede”.

Rufino descreve ainda os impactos sociais nosmunicípios da região. “As cidades estão totalmentecercadas porque a cana chega até as áreas urbanas.A empresa joga veneno de avião e o índice decâncer na população é enorme. Só na minhafamília temos cinco casos de câncer e isso é comumna cidade. Há mais de 140 trabalhadores afastadospor problemas de saúde como tendinite,problemas de coluna, asma e outras doençaspulmonares. Temos registros de cinco casos demortes por acidentes de trabalho. Doistrabalhadores caíram nas caldeiras, um morreudurante a queima da cana e outros dois morreramem acidentes com o trator”.

Grande parte dos cortadores de cana é migrantee está vulnerável à exploração e ao preconceito.O local onde vivem em Lagoa da Prata é chamadode “Carandirú”. Rufino afirma que “Para ostrabalhadores a situação piorou porque perdemosrenda. Ano passado fizemos uma greve de 45 diase conseguimos um aumento de $2,50 para $2,80por tonelada de cana cortada. Mas a empresa querbuscar uma forma de nos incriminar e estáprocessando o sindicato”.

Outra forma de manipular os trabalhadores éestimulando a competição. Para isso, a empresaos divide em grupos, de acordo com a quantidadede cana cortada. Quem não cumprir a meta nãoserá contratado na próxima safra. Aqueles queatingem a maior meta vão para a turma dos“touros”, que cortam de 17 a 25 toneladas de canapor dia. Muitos trabalhadores desse grupo foramafastados por problemas de saúde e agora sãochamados de “bezerros doentes”.

Mesmo em áreas onde já havia atividadeagrícola, o monocultivo da cana gera um graumuito maior de devastação porque substituiagricultura diversificada por cultivos homogêneose contínuos, o que leva à destruição total dasreservas florestais. A demanda das empresas porgrande quantidade de terras de boa qualidade,com acesso à água e à infra-estrutura, geradevastação dos recursos naturais e da agriculturalocal. Portanto, não é verdade que a indústria dacana se expande para áreas degradadas e terrasmarginais, como afirma o governo.

Moacir Gomes, ex-presidente do Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Bambuí, conclui que, “Opresidente Lula não conhece a realidade. Como podedizer que a cana não substituiu áreas de produção dealimentos? As usinas estão trazendo miséria e vaifaltar comida na mesa da população”.111

107 Agência Safras, Minas Gerais colhe safra recorde em 2008, 11/09/08 16:10, http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/safra/2008/09/11/cana_de_acucar_minas_gerais_colhe_safra_recorde_em_2008_1768933.html108 Agronegociar, Empresas vão arrendar terras para o cultivo de cana no Triângulo Mineiro http://agronegociar.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1574:minas-gerais-empresas-vao-arrendar-terras-para-o-cultivo-de-cana-no-triangulo-mineiro&catid=88:Informacao&Itemid=88109 Agronegociar, Empresas vão arrendar terras para o cultivo de cana no Triângulo Mineiro http://agronegociar.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1574:minas-gerais-empresas-vao-arrendar-terras-para-o-cultivo-de-cana-no-triangulo-mineiro&catid=88:Informacao&Itemid=88110 Folha Online Lavrador morre em queima de cana em Monte Belo (MG), 29/10/2007 - 17h42min, http://www.bobnews.com.br/noticias/lavrador-morre-em-queima-de-cana-em-monte-belo-mg.html.111 Brasil de Fato, Monocultivo da cana devasta Cerrado no Alto São Francisco, artigo de Maria Luisa Mendonça, 02/07/08.

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PARÁ

“Não é à toa quea era dos biocombustíveischegou com força total naAmazônia Legal”.

De acordo com reportagem do Jornal OGlobo, “Não bastassem os dados ofici-ais da Conab indicarem crescimento do

plantio em áreas de floresta, pesquisasacadêmicas confirmam a vocação de estados, comoo Pará”.112 A matéria cita um estudo da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq),da Universidade São Paulo (USP), que indica queo Pará poderia dispor de 9 milhões de hectarespara produção de cana, o que significaria umaumento de 136% na produção de etanol no Brasil.Segundo o estudo, citado pelo Ministério dasRelações Exteriores, “A produção no Pará tem boascondições de produtividade, custos de mão-de-obra, de terras e de logística, com potencial paratornar-se uma das mais competitivas plataformasde exportação”. E conclui que, “Não é à toa que aera dos biocombustíveis chegou com força totalna Amazônia Legal. Não temos dúvidas de que oPará provavelmente terá a plataforma de

exportação do etanol mais competitiva do Brasil,que propiciará os maiores lucros para osinvestidores”.113

A CONAB estima que o Pará deve colher cercade 736 mil toneladas de cana na safra de 2007/2008.A maior parte da produção (648,3 mil toneladas) évoltada para a produção de etanol e somente 36,8mil toneladas para a produção de açúcar. A usinaPagrisa, localizada no município de Ulianópolis,tem a maior plantação do estado, com 11,6 milhectares, e produz 50 milhões de litros de álcoolpor ano.114

Trabalho escravoEm julho de 2007, fiscais do Ministério do

Trabalho libertaram 1108 trabalhadores que faziama colheita da cana para a fazenda Pagrisa (Pará

EXPANSÃO

DESTRUIÇÃO

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Pastoril e Agrícola S.A.), no município deUlianópolis (Pará), localizado a 390 km de Belém.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT)informa que: “De acordo com o auditor fiscal dotrabalho e coordenador da ação, Humberto CélioPereira, havia trabalhadores que recebiam menosde R$ 10,00 por mês, já que os descontos ilegaisrealizados pela empresa consumiam quase tudoo que havia para receber de salário. O auditorinforma ainda que a comida fornecida aos

112 O Globo, Ministro nega evidências e insiste que cana não chegou à Amazônia, 29/07/2007.113 Ministério das Relações Exteriores: Seleção Diária de Notícias Nacionais, http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=361026114 http://www.paranegocios.com.br/anterior_cont.asp?id=1670

trabalhadores estava estragada e havia váriaspessoas sofrendo de náuseas e diarréia. A águapara beber, segundo relato dos empregados nafazenda, era a mesma utilizada na irrigação da canae, de tão suja, parecia caldo de feijão. O alojamento,de acordo com Humberto, estava superlotado e oesgoto corria a céu aberto. Vindos em sua maioriado Maranhão e do Piauí, não havia transporte àdisposição dos trabalhadores para levá-los da fazendaao centro de Ulianópolis, distante 40 quilômetros”.

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Em Rondônia, há dois projetos dedestilarias de etanol, nos municípios deCerejeiras e Santa Luzia d’Oeste. Há

outra usina no município de São Felipe, a 530 kmde Porto Velho. Segundo Cléber Calixto, prefeitode Cerejeiras, “a cidade tem terras extremamenteférteis e terá uma fábrica de etanol a partir deabril de 2009.”115 Em Cerejeiras há um plantio demudas de cana com 3 mil hectares, que foifinanciado pelo BNDES (Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social).

A usina de Santa Luzia do Oeste foi instaladahá três anos e possui área de cerca de 8 milhectares. A fazenda foi adquirida por LuisFrancisconi através do mecanismo de Contrato deAlienação de Terras Públicas (CATP), queincentivou os projetos de colonização. A usinatambém arrenda terras para expandir o plantiode cana. Com o aumento da produção, a empresa

passou a utilizar mão-de-obra de trabalhadoresmigrantes do Nordeste. Entretanto, na safra de2006/2007, o acordo sobre o salário não foicumprido e o Ministério do Trabalho determinouque os trabalhadores retornassem ao seu local deorigem, com as despesas pagas pela usina.116

Nivaldo Martins começou a trabalhar na usinade Santa Luzia em 2006. Ele conta que ostrabalhadores recebem por produção e oscontratos são de apenas 45 dias. A empresaprefere trabalhadores migrantes do Nordeste,porque se submetem a uma jornada de trabalhomaior. Mas a empresa não cumpriu o contrato dopreço do corte e os migrantes retornaram. O queNivaldo recebe não é suficiente para o sustento

EIxpansão

“Mão-de-obra detrabalhadores migrantesdo nordeste”.

RONDÔNIA

EXPLORAÇÃO

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da família. Ele consegue plantar alguma coisa noseu sítio para garantir o sustento da família, mas nãohá incentivo para a produção de alimentos.117

De acordo com a agrônoma Maria Magda, da CPT– RO, é muito difícil para os pequenos agricultoresconseguirem linhas de crédito para produziralimentos. O Estado apóia somente os grandesfazendeiros que expandem os monocultivos.Segundo ela, “qualquer tipo de monocultivo édestrutivo em nossa região, pois causa destruiçãodo solo, das nascentes dos rios e da biodiversidade”.

Êxodo ruralSegundo João Afonso, coordenador da CPT em

Rondônia, a expansão do agronegócio no estadose intensifica a partir dos anos 90, como uma novafronteira agrícola a partir do Mato Grosso. Essaexpansão coincide com o êxodo rural. Na décadade 70, mais de 70% da população vivia no meiorural e atualmente essa situação se inverteu, poishoje mais de 70% da população do estado está nascidades. Essa política incentiva o desmatamento,que é feito com recursos públicos. Os projetos decolonização permitiram a grilagem de terras porgrandes latifundiários, através do CATP. Essagrilagem foi regularizada através de fraudes emcartórios de registro de imóveis. Não há estímulopara o plantio de grãos pela agricultura camponesae por isso o êxodo rural continua. A mentalidadecolonial é reforçada por grandes projetos de infra-estrutura, através do Plano de Aceleração doCrescimento (PAC), como o Complexo do RioMadeira, que complementa o modelo baseado naexportação de produtos primários, tanto agrícolascomo minerais.

Políticos locais têm feito pressão para que o governo não proíba o cultivo de cana na Amazônia

através do zoneamento. O senador Expedito Júnior(PR-RO) chegou a convocar o ministro daAgricultura, Reinhold Stephanes, para discutir otema na Comissão de Agricultura e ReformaAgrária do Senado.118 Há forte lobby da bancadaruralista no Congresso Nacional para que ogoverno siga liberando a expansão daagropecuária na região.

Seguindo a mesma linha, o deputado estadualLuiz Claudio (PTN-RO) declarou ao jornal Diário daAmazônia que, “A intenção da ministra Marina Silvade proibir o plantio de cana-de-açúcar em toda aRegião Amazônica e também no Pantanal refleteum péssimo hábito de muitos ocupantes de altoscargos em Brasília: tomar decisões gerais, dealcance nacional, sem dar o devido valor àspeculiaridades locais, de Rondônia, diante donoticiário de que o zoneamento agrícola para 2008excluirá o plantio da cana-de-açúcar em toda aregião amazônica”.119

Parece que esse tipo de pressão tem dadoresultados. Recentemente, o jornal O Estado deSão Paulo, noticiou que, “Às vésperas da definiçãode um zoneamento agrícola que indicará ondepoderá haver o plantio de cana-de-açúcar e quaisserão as áreas de restrição, o ministro daAgricultura, Reinhold Stephanes, disse que épossível, do ponto de vista agronômico, o plantioem áreas da Amazônia”.120

Para o pesquisador Evandro Ferreira, daUniversidade Federal do Acre (UFAC), “O ´dinheironovo´ das usinas de açúcar e álcool que estão seinstalando em Rondônia irá, sem a menor dúvida,contribuir de forma indireta para a destruição demilhares de hectares de florestas nativas naqueleEstado. E a destruição vai acontecer de forma legalou ilegal, dentro e fora de áreas de conservação,como sempre aconteceu no passado”.121

115 Correio Braziliense, GOVERNO ESTUDA LIMITE PARA PLANTIO DA CANA, 27/8/07.116 Dados baseados em entrevista realizada com Genair Capedini, membro do conselho da CPT, em Santa Luzia do Oeste, Rondônia, 24/07/2008.117 Dados baseados em entrevista realizada com o trabalhador rural Nivaldo Martins, em Santa Luzia do Oeste, Rondônia, 25/07/2008.118 Agência Senado, Rondônia não aceita proibição do plantio de cana, 5/9/07. http://www.direito2.com.br/asen/2007/set/5/expedito-junior-rondonia-nao-aceita-proibicao-do-plantio-de-cana119 http://ambienteacreano.blogspot.com/2007/11/cana-de-aucar-em-rondnia.html120 O Estado de São Paulo, Ministro admite plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, 31/07/08.121 http://ambienteacreano.blogspot.com/2007/11/cana-de-aucar-em-rondnia.html

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Em Roraima, há dois projetos de usinas emandamento, com previsão de cultivar canaem uma área de 90 quilômetros

quadrados até 2009122, com uma primeira safra de3 milhões de toneladas. O governo de Roraimaincentiva o setor e oferece isenção do Impostosobre Circulação de Mercadorias (ICMS) até2018.123 O Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio indica que o leste de Roraimaseria uma das principais áreas de expansão doplantio de cana.124

Políticos locais fazem pressão para que ogoverno federal transfira terras públicas paracontrole dos estados. O deputado FranciscoRodrigues (DEM) afirmou que, “Nós reivindicamosda União, cerca de 5 milhões de hectares paraimplementar o desenvolvimento de Roraima. Opróprio governador Ottomar Pinto está ansiosopara que Lula assine um decreto que passe odomínio dessas terras ao Estado, para podermosdesenvolver, por exemplo a cultura da cana-de-açúcar, para produção de etanol”.125

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa) anunciou novos investimentos em

Roraima para a produção de etanol à base de cana-de-açúcar e de biodiesel à base de dendê.Segundo nota, a Embrapa pretende “validarinformações para subsidiar produtores quequeiram investir nessas culturas no Estado”.126

Segundo Alvaro Callegari, secretário deAgricultura, Pecuária e Abastecimento deRoraima, “A qualidade de vida aqui é excepcional.O clima é ideal para a cana-de-açúcar, temos muitaluz, por exemplo. Parece que estamos na praia.”127 O estado tem concedido incentivos fiscais paranovas usinas, como desconto no ICMS. A empresapaulista Biocapital, instalada recentemente emRoraima, foi uma das que recebeu este tipo desubsídio.

EXPANSÃO

“Novos investimentosno estado para aprodução de Etanol”.

RORAIMA

SUBSÍDIOS

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O diretor de Desenvolvimento de NovosNegócios da Biocapital, Milton Steagall, afirmaque, “A iniciativa partiu da empresa, mas fomosmuito bem recebidos pelo governo”. SegundoSteagall “o rendimento da cana-de-açúcar nassavanas amazônicas deve ser superior ao obtidoem São Paulo”. A Biocapital iniciou o projeto comuma plantação de mudas e espera produzir 6milhões de toneladas de cana até 2014, queserviriam de base para processar 530 mil litros deetanol.128

A empresa pernambucana CamaçariAgroindustrial, cultivou 200 hectares de mudasna fazenda São Sebastião e pretende expandir aprodução de mudas em 1000 hectares até agostode 2009. A empresa obteve isenção de 100% doICMS e sua previsão é produzir 3 milhões de

toneladas de cana até 2009. Segundo o governolocal, “seria possível plantar cana-de-açúcar ematé 65% do lavrado roraimense, quase 4 milhõesde hectares”. O secretário de Agricultura, Pecuáriae Abastecimento, Rodolfo Pereira, afirmou aojornal Folha de Boa Vista que, “o Governo do Estadovai lutar contra a política de não se produzir etanolna Amazônia”.129

Há também interesse de empresas japonesas naexploração agrícola em Roraima. Segundo notícia daSecretaria da Fazenda, “O presidente da COC ProductsCO Ltda, Fumiaku Miyashita, disse que, diferente doJapão, Roraima é um Estado com uma área bastanteextensa e com grande potencial agrícola”, e que suaintenção seria “trazer a biotecnologia do Japão parainvestir na área de agricultura, principalmente na novavariedade da cana-de-açúcar”.130

122 Folha de S. Paulo, 1/6/08.123 Radiobrás, Roraima pode virar nova fronteira agrícola da cana-de-açúcar, 11/09/2007 - 02h48min. http://www.radiobras.gov.br124 Ministério do Desenvolvimento, Governo incentiva plantio de cana na Amazônia, 28/9/ 07. Exteriorhttp://www.amazonia.desenvolvimento.gov.br/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=1&Itemid=59&limit=9&limitstart=9125 http://deputados.democratas.org.br/noticias/?nid=974126 Embrapa amplia sua estrutura em Roraima, http://www.cpafrr.embrapa.br/index.php/cpafrr/not_cias/embrapa_amplia_sua_estrutura_em_roraima127 Folha de São Paulo, Plantio de cana avança no Norte do país, 2/9/07.128 Folha de São Paulo, Plantio de cana avança no Norte do país, 2/9/07.129 Jornal Folha de Boa Vista, 65% do lavrado roraimense têm potencial para a cana-de-açúcar, 28/01/08http://www.folhabv.com.br/noticia.php?pageNum_editorias=28&editoria=cidades&Id=34765130 Empresários japoneses se reúnem com secretário da Fazenda, 16/11/2006, 15:23:30 http://www.sefaz.rr.gov.br/noticias/detailnotice.asp?ID=143

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O Grupo Cucaú, de Pernambuco, adqui- riu uma área de 1.300 hectares para ocultivo de cana e iniciou a produção em

2006, com uma safra de 250 mil toneladas, comprevisão de expandir para 500 mil toneladas. Ausina, chamada Tocantins Açúcar e Álcool, está nomunicípio de Arraias, e negociou com o governoestadual a construção de uma ponte sobre o rioPalmas, para o escoamento da produção atravésda cidade de Taguatinga.131

Em 2006, o governo do Tocantins tambémassinou um protocolo de intenções com a empresaMaity Bionergia para a construção de trêsdestilarias de etanol, cada uma com capacidadepara processar 2,4 milhões de toneladas de cana,cultivada em 90 mil hectares.132

Segundo a CONAB, houve um aumento dequase 16% na produção de cana no Tocantins,entre 2007 e 2008. A safra passou de 252,1 mil para291,1 mil toneladas no estado.133 Na safra anterior,entre 2006 e 2007, a maior expansão da regiãoocorreu no Tocantins, onde houve um aumentode 68,9%.134

Em 2007, a principal atração da Feira deTecnologia Agropecuária do Tocantins foram osprojetos de agroenergia. O governo aproveitou afeira para divulgar o projeto Tocantins Rural, deincentivo à produção de agrocombustíveis, queinclui plantas oleaginosas e cana-de-açúcar. ASecretaria da Agricultura, Pecuária eAbastecimento (Seagro) utilizou o evento parapromover e “ impulsionar a produção deoleaginosas e cana-de-açúcar, matérias-primaspara extração de biocombustível”. As empresas eo governo destacam como “vantagens”apresentadas pelo estado a “abundância dosrecursos hídricos, solos férteis, chuvas e climaregulares”.135

EXPANSÃO

TOCANTINS

ProjetoTocantins Rural

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A imprensa local também divulga as condiçõesoferecidas pelo estado, como no seguinte texto,“O engenheiro agrônomo Luiz Antônio Vieira,coordenador de Agroenergia da Secretaria deAgricultura, Pecuária e Abastecimento do Estadoargumenta que, além do crescimento da demandapor etanol, das condições favoráveis de clima esolo e da oferta de água para irrigação dos plantios,o Tocantins oferece outras vantagens adicionais.Ele ressalta que a logística de transportespermitirá exportar etanol pelo Porto de Itaqui(MA), com chegada dos trilhos da Ferrovia Norte-Sul ao pátio multimodal nas proximidades dePalmas”.136 Este projeto de infraestrutura incluihidrovias nos rios Araguaia e Tocantins.

Além da produção de 250 miltoneladas de cana, gerando 20 milhõesde litros de etanol, no município deArraias, a Seagro afirma que há 16empresas interessadas em se instalar noestado. Uma delas é o grupo PetrogoiásDistribuidora de Petróleo Ltda, queassinou um protocolo de intenções como governo estadual e deverá atuar comoTocantins Petrotins, no município deAraguaína, com início da safra previstopara 2008.137 Outra empresa que atua noestado é a Brasil Ecodiesel, com um

projeto de plantio de mamona nomunicípio de Porto Nacional.

Entre os municípios de Peixe e Gurupi,a Companhia Bioenergética Brasileira(CBB) construiu uma usina e implantou umcanteiro de mudas de cana com 150hectares, suficiente para uma produçãode dez anos. Para a safra de 2008, o cultivoalcançou 2,4 mil hectares e a empresapretende chegar a 5 mil hectaresplantados.138 A previsão é produzir 2milhões de toneladas de cana até 2014.Em 2008, a empresa prevê uma produçãode 120 mil toneladas, resultando em 10milhões de litros de etanol. A usina

obteve um financiamento de R$ 275 milhões dereais e um desconto de 90% no ICMS, além dadoação de um terreno da prefeitura para suainstalação.

De acordo com o governo do Tocantins, oestado poderá utilizar 650 mil hectares para ocultivo de cana. Destes, 90 mil hectares seriam emGurupi, onde está prevista a conexão das rodovias153 e 242 com a ferrovia Norte-Sul. Um dosproblemas é que nesta região aumenta também oconflito pelo controle de fontes de água, pois aBrasil Bioenergética pratica irrigação no rio Santo

131 Governo de Tocantins: usina de cana-de-açúcar fará primeira colheita em maio, 10/4/06, artigo de Kelly Costa132 Grupo sucroalcooleiro pode instalar destilaria no Tocantins, 28/06/2006, http://www.portaldoagronegocio.com.br/conteudo.php?id=14403133 http://www.paranegocios.com.br/anterior_cont.asp?id=1670134 SECOM TO, Tocantins comprova vocação para a produção de cana-de-açúcar, 13/7/06.http://portalamazonia.globo.com noticias.php?idN=37147&idLingua=1135 Tribuna do Planalto, Biocombustível é tema de feira tecnológica, 20/1/07.

Conflito pelo controlede fontes de água

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Antônio. Outro impacto foi o aumento no preçoda terra, que chegou a 50% desde 2005.139

Há um projeto do grupo Coruripe para construiruma usina em Santa Fé do Araguaia. Segundo VitorWanderley, diretor da empresa, “Temos umprojeto de parceria com a Petrobrás paraexportação, precisamos expandir nossos negóciose dentro de um prazo de 4 a 5 anos vamos estarmoendo cana no Tocantins”. A previsão da empresaé produzir 3,5 milhões de toneladas de cana naregião.140

A empresa paulista Agrícola Rio Galhãotambém pretende produzir cana no Tocantins, na

136 O jornal, Etanol traz cultivo para o Tocantins, 03/11/2007.http://www.ojornal.net/ojornal/index.php?option=com_content&task=view&id=1145&Itemid=25137 SECOM TO, Tocantins comprova vocação para a produção de cana-de-açúcar, 13/7/06.http://portalamazonia.globo.com/noticias.php?idN=37147&idLingua=1138 Embrapa relata expansão de cana na Amazônia http://www.tribunadoplanalto.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=2813139 Valor Econômico, Canaviais também avançam e concorrem com a pecuária no Tocantins, 20/12/07.http://www.faunabrasil.com.br/sistema/modules/news/article.php?storyid=1195140 Secom, Usina de álcool deve ser implantada em Santa Fé do Araguaia, TO, 19/06/2007. http://secom.to.gov.br/noticia.php?id=13988141 Cultivo da cana de açucar no Jalapão, no Tocantins, uma das atividades que está mudando a realidade da economia local, 03/04/08, www.anoticia-to.com.br/noticias.php?IdNoticia=6883142 Paraíso perdido no Tocantins, http://mundooi2.oi.com.br/materia_revista_42/materia.php?id=16938

região do Jalapão, que inclui 34 mil km² nosmunicípios de Ponte Alta, Mateiros, São Félix doJalapão, Novo Acordo, Santa Tereza e Lagoa.141 Aárea faz parte do parque ambiental do Jalapão,por onde passam os rios Formiga, Novo, Sono,Soninho, Balsas, Preto e Caracol. A fauna abrigaespécies raras como tamanduás-bandeira, antas,capivaras, raposas, gambás, macacos, jacarés,onças, tucanos, emas, papagaios e araras-azuis. Aliestão as cachoeiras da Velha, de Formiga, da Grutade Suçuapara e o poço do Fervedouro, formadopor uma nascente subterrânea e considerado umpatrimônio natural.142

“Dentro de um prazo de 4 a 5 anosvamos estar moendo cana no Tocantins.”

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INFRA-ESTRUTURA

Projetos de Infra-estrutura na

AmazôniaO estudo sobre a expansão de

monocultivos na Amazônia e adestruição ambiental coincide com a

implantação de projetos de infra-estrutura para aexportação de commodities agrícolas e energéticas.Em nível regional, estes projetos estão incluídos naIntegração da Infra-estrutura Sul-Americana - IIRSA,que tem sua versão brasileira expressa no PAC.

O projeto da IIRSA foi apresentado em agostode 2000, durante uma reunião de países Sul-Americanos, organizada pelo ex-presidenteFernando Henrique Cardoso, em Brasília. Aproposta foi elaborada pelo Banco Interamericanode Desenvolvimento(BID), em parceria coma Corporação Andina deFomento (CAF) e com oFundo para o Desen-volvimento da Bacia doPrata (Fonplata) e incluimegaprojetos de trans-porte, energia e comuni-cação na Amazônia,Pantanal, Chaco eCordilheira dos Andes. Oprincipal objetivo éfacilitar as exportaçõesde produtos primáriosatravés dos portos doAtlântico, Pacífico eCaribe.

A primeira fase da IIRSA contém 31 projetosorçados em US$ 6,921 bilhões de dólares, comprevisão de chegar a 350 projeto a um custo deUS$ 38 bilhões de dólares. Segundo estudo doObservatório Latinoamericano de Geopolítica, oeixo Amazonas do projeto seria o mais estratégicoporque “concentra cerca de 40% da biodiversidadedo planeta e entre 15 e 20% da água docecongelada. Além do carbono que contém em seusubsolo, é uma fonte incalculável de biomassa.(...) A via de interconexão, portanto, tem comoobjetivo penetrar as riquezas da selva amazônica,

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dirigindo-as para os oceanos mediante a uniãodos rios que quase a desenham naturalmente,através dos portos de Tumaco (Colômbia),Esmeraldas (Equador), Paita (Perú), Manaus,Belém e Macapá (Brasil). A área definida para oeixo é estimada em 4.5 milhões de km2 e contacom 52 milhões de habitantes”.143

Algumas das obras previstas, que teriamenorme impacto ambiental na Amazônia são ocomplexo hidroelétrico e hidroviário do RioMadeira e a hidroelétrica de Belo Monte. Segundoo jornalista Igor Fuser, “Na Amazônia brasileira,que tem seu território incluído em quatro dos“eixos de integração”, a influência das obras seestenderá por 2,5 milhões de hectares, atingindo107 terras indígenas, cujos residentes representam22% da população indígena brasileira. Outras 484áreas prioritárias para a conservação debiodiversidade também seriam afetadas”.144

Em 2007, o governo brasileiro lançou o PAC que,na prática, viabiliza mais recursos para a realizaçãoda IIRSA. Alguns dos projetos previstos são: arodovia que ligará os municípios de Lábria eHumaitá no estado do Amazonas; a rodovia entreManaus e Boa Vista (passando por territóriosindígenas), onde está localizada a Usina Jayoro; aBR 401 que ligaria Boa Vista até o município deNormandia, com acesso ao porto de Georgetownna Guiana; a BR 317 que ligará Rio Branco a

Brasiléia, na divisa do Acre com o Amazonas; e aBR 364, que sairia de Sena Madureira até o RioLiberdade, com acesso ao Anel Rodoviário de RioBranco.

A idéia é transformar Rio Branco no ponto deescoamento de commodities do Mato Grosso, deRondônia e do Amazonas em direção aos portosdo Pacífico. No Mato Grosso está prevista aconstrução de uma rodovia entre os municípiosde Diamantino, Sapeza e Comodoro, cujo objetivoé o escoamento da produção até os portos de PortoVelho, em Rondônia e Itacoatiara, no Amazonas.Há também um projeto de ampliação da BR 163,entre Cuiabá e Santarém; além da reabertura daBR 319, entre Porto Velho e Manaus.

Em Rondônia, o projeto prevê a construção dashidroelétricas de Santo Antônio e Jirau. No Amapá,a previsão é o asfaltamento da BR 156, entreOiapoque e Ferreira Gomes. No Pará, a principalobra é a BR 163, cujo objetivo é o escoamento daprodução agrícola para o porto da Cargill, emSantarém. Há ainda o projeto da BR 230, parainterligar o Pará ao Tocantins, por onde seriamfeitas as exportações de produtos do leste do MatoGrosso e do sudeste do Pará.145

O que vemos hoje na Amazônia é o avanço deuma política voltada para os interesses de grandesempresas nacionais e transnacionais, além dacontinuidade do modelo predatório baseado nolatifúndio e na exploração de bens naturais. Nesteprocesso, a autonomia do país para a utilização desuas terras e seus recursos naturais, de acordo comas reais demandas do povo brasileiro, é colocadaem cheque. Esta política integra um complexoeconômico agrícola, industrial, financeiro ecomercial, monopolizado por empresas comoCargill, ADM, Monsanto, Bungue, Dreyfus,Syngenta, Basf, Coca Cola, Bayer, Vale do Rio Doce,Votorantim, Alcoa, Odebrecht, entre outras. Nosetor de agrocombustíveis, verifica-se ainda aintegração das indústrias automobilística,petroleira e do capital financeiro internacional.

143 Observatorio Latinoamericano de Geopolítica, Territorialidad de la dominaciónIntegración de la Infraestructura Regional Sudamericana (IIRSA), estudo de Ana Esther Ceceña, Paula Aguilar e Carlos Motto.144 Infra-estrutura a serviço do grande capital, Igor Fuser, Texto publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, Março 2008, pgs. 12/14.145 Cadernos de formação nº 4 . Fase Amazônia. 2007.

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Segundo a Comissão Pas-toral da Terra (CPT), os 50municípios onde houve

maior grau de desmatamento naAmazônia, entre 2004 e 2007,também apresentaram maiorincidência de violência nocampo e trabalho escravo. A CPTconclui que a violência e adevastação da florestacaminham juntas e sãoconseqüências do modeloeconômico imposto na região.Segundo o advogado JoséBatista Afonso, “A valorização nomercado mundial dos produtosoriundos dos monocultivos,principalmente aqueles utilizadospara os agrocombustíveis, alémdo gado e da mineração, têmimpulsionado fortemente aderrubada da florestaamazônica”.146

Segundo nota da CPT, “Em2007, os agrocombustíveis foramapresentados como a grandealternativa ao aquecimentoglobal. A expansão da áreaplantada com cana-de-açúcar veioacompanhada de grandesinvestimentos em novas usinas.Atualmente existem 363 usinasem operação no Brasil. O etanolse tornou o carro-chefe destesnovos combustíveis e foi o centroda agenda do presidente Lula emsuas viagens internacionais, quechegou a guindar os usineiros àcategoria de “heróis nacionais”.Mesmo contra todas asevidências, afirmou que aAmazônia não se prestava aocultivo da cana. Esta atividadeencontrou ardorosos defensorestambém no Congresso Nacional.Os números, porém, mostram o

DIREITOS HUMANOS

Desmatamento na Amazônia: violência nocampo e trabalho escravo

VIOLAÇÕES DEDIREITOS HUMANOS

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lado amargo da cana-de-açúcar.52% dos trabalhadoreslibertados pelo Grupo Móvel doMinistério do Trabalho emcondição análoga à escravidão,foram encontrados em usinas dosetor sucroalcooleiro: 3.131 dototal de 5.974. Outras formas deexploração dos trabalhadores ede desrespeito à legislaçãotrabalhista também estãoligadas a esta atividade. Doscasos de desrespeito à legislaçãotrabalhista que a CPT registrou,a imensa maioria está ligada aosetor da cana”.147

Alguns casos foram emble-máticos. Em julho de 2007, fis-cais do Ministério do Trabalho li-bertaram 1108 trabalhadoresque faziam a colheita da canapara a fazenda Pagrisa (Pará Pas-toril e Agrícola S.A.), no municí-pio de Ulianópolis (Pará), locali-zado a 390 km de Belém.

A OIT informou que: “De acor-do com o auditor fiscal do traba-lho e coordenador da ação, Hum-

berto Célio Pereira, havia traba-lhadores que recebiam menosde R$ 10,00 por mês, já que osdescontos ilegais realizados pelaempresa consumiam quase tudoo que havia para receber de sa-lário. O auditor informa aindaque a comida fornecida aos tra-balhadores estava estragada ehavia várias pessoas sofrendo denáuseas e diarréia. A água parabeber, segundo relato dos em-pregados na fazenda, era a mes-ma utilizada na irrigação da canae, de tão suja, parecia caldo defeijão. O alojamento, de acordocom Humberto, estava superlo-tado e o esgoto corria a céu aber-to. Vindos em sua maioria doMaranhão e do Piauí, não haviatransporte à disposição dos tra-balhadores para levá-los da fa-zenda ao centro de Ulianópolis,distante 40 quilômetros”.

Outro caso semelhante ocor-reu na Usina Debrasa, que utili-zava trabalhadores indígenascomo escravos. No dia 13 de no-vembro de 2007, o Grupo Espe-cial de Fiscalização Móvel, com-posto por Auditores Fiscais doTrabalho, Ministério Público doTrabalho (MPT) e Polícia Federalinterditou esta usina, que per-tence a Companhia Brasileira deAçúcar e Álcool/Agrisul, emBrasilândia, município localizadoa 400 quilômetros de CampoGrande, no Mato Grosso do Sul.

Segundo informações doGrupo Móvel, cerca de 800trabalhadores indígenas foramencontrados em condiçõesdegradantes. O relatório afirmaque os trabalhadores foramencontrados em “alojamentosprecários e sem higiene, com

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esgoto a céu aberto, semcondições sanitárias adequadas econstante falta de água. Otransporte era precário, realizadopor veículos sem segurança e semautorização para transporte detrabalhadores”. Também foiconstatado atraso no pagamentode salários e o não recolhimentode Fundo de Garantia por Tempode Serviço (FGTS).

Na área industrial da usina, oGrupo Especial de FiscalizaçãoMóvel identificou excesso devazamento nas tubulações, altode nível de ruído e presença debagaços de cana livres no ar(situação que pode provocardoenças respiratórias como abagaçose), além da falta desistema de combate a incêndio,entre outras irregularidades.Após a fiscalização, a Auditoria-Fiscal do Trabalho interditou osalojamentos e as frentes detrabalho. Essa empresa já foidenunciada e autuada váriasvezes por infringir normas deproteção ao trabalhador, poratraso de pagamento de saláriose descumprimento das normasde saúde e segurança dotrabalho.

Todos os anos, centenas detrabalhadores são encontradosem condições degradantes noscanaviais: sem registro trabalhista,sem equipamentos de proteção,sem água ou alimentaçãoadequada, sem acesso abanheiros e vivendo emmoradias precárias. Muitas vezesos trabalhadores precisam pagarpor instrumentos como botas efacões. No caso de acidentes detrabalho, não recebemtratamento adequado.

O setor sucroalcooleiropossui um histórico de violaçõesde direitos trabalhistas.Arquivos do Ministério dotrabalho mostram que otrabalho escravo tem sidorecorrente na região. Porexemplo, em 12 de junho de1997, ocorreu uma fiscalização naDestilaria Gameleira, no MatoGrosso, onde foram registradasas seguintes ocorrências:

“Alguns empregadosinformaram que trabalhariamem jornada superior a 12 horasdiárias, bem como em domingose feriados. Foi encontrado ogoiano Reginaldo Ferreira deAndrade, trabalhador aliciadoem Goiás, e que não suportandoo clima de humilhação, pedirademissão e tivera como saldoapenas R$2,00. Fomosinformados de todas as formasde humilhação e coação a quevinham sendo submetidos 106trabalhadores aliciados emGoiás. A fiscalização dirigiu-se a

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um setor do plantio de cana paraconstatar o trabalho noturno, naaplicação de veneno. Chovia eos trabalhadores que seencontravam na atividade nãotinham a proteção necessária,muito menos iluminação local.Ao examinar os documentos daempresa, detectamos retençãode CTPS, atraso no pagamentode salários, descontos indevidosno salário, entre outrasinfrações. No corte da cana

detectamos vários trabalhadorescom lesões. Tivemos o relato deque é prática trabalharemdoentes, por falta de assistênciada empregadora e que durantea safra o empregado CíceroAmaro da Silva, oriundo dePernambuco, adoeceu comcrises abdominais. Segundo seuscompanheiros, ia ao corte e,muitas vezes caía, contorcendo-se de dores. Não conseguindomais trabalhar, foi obrigado pelaempresa a solicitar dispensa eretornar à origem, onde faleceulogo ao chegar “.

Denúncias como essas sãocomuns. Nas usinas Jaciara,Cooperb e Alcoopan, em MatoGrosso, há uma série de registrosde trabalho escravo.148 Aindústria canavieira tem umhistórico de violações, comofalta de pagamento de saláriose condições desumanas demoradia e alimentação, quegeraram uma série de greves detrabalhadores.149 Na destilariaAlcomat, no município deComodoro, fiscais do Ministériodo Trabalho resgataramtrabalhadores presos em duascelas, que eram mantidas porseguranças da usina.150 Tambémforam encontrados cassetetes earmas, que serviam para espancara ameaçar trabalhadores.151

A história de violência naregião é marcante também noPará. Segundo a jornalistaEvanize Sydow, “O massacre deEldorado dos Carajás suscitou oDia Internacional da LutaCamponesa da Via Campesina –o fatídico 17 de abril de 1996,quando 19 trabalhadores ruraissem terra foram assassinados

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pela Polícia Militar, na chamadaCurva do S, na Rodovia PA-150, eoutros 69 ficaram feridos. Entre1996 e 2006 – 10 anos depois domassacre de Eldorado dosCarajás - cerca 170 liderançasforam assassinadas no Pará,sendo que em 1996 foram 33trabalhadores assassinados noestado. A violência no campo éuma triste marca do territórioparaense. É ali que estão osmaiores números de casos deutilização de mão-de-obraescrava. Foi ali que fazendeirosmandaram assassinar amissionária Dorothy Mãe Stang

em fevereiro de 2005. Mesmocom a presença do Exército e daPolícia Federal em Anapu,cidade onde morava a freira, ostrabalhadores ruraispermanecem inseguros esofrendo ameaças veladas. Osgrandes proprietários de terra doestado, em sua maioria, contamcom milícias armadas. Segundoa CPT, no Pará, nos últimos 34anos, houve mais de 770assassinatos de trabalhadoresrurais e de pessoas que osapoiavam. Somente em trêscasos houve o julgamento demandantes dos crimes.”152

146 Radioagencia Notícias do Planalto, Municipios que más deforestan son más violentos, afirma CPT, 5/5/08.147 Comissão Pastoral da Terra, Explode o número de trabalhadores escravizados no setor sucroalcooleiro, www.cptnacional.org.br.148 A Gazeta, Cooperb é denunciada de novo, 23/06/92; A Gazeta, Paralização no canavial, 12/08/97; Diário de Cuiabá, Trabalho escravo édenunciado em Poconé, 03/07/91.149 Diário de Cuiabá, Trabalhadores estão em greve por causa de atraso salarial, 19/12/96.150 Diário de Cuiabá, Usina de álcool punia empregados ´rebeldes´ com prisão em celas, 24/10/96.151 Diário de Cuiabá, Espancamento e cela faziam parte da rotina de terror, 24/10/96.152 Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Relatório Direitos Humanos no Brasil 2006, Massacre de Eldorado dos Carajás completa 10anos e movimentos lutam contra a impunidade, artigo de Evanize Sydow, www.social.org.br.

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Símbolo da luta pelos di-reitos humanos, a religi-osa, que foi alvo de tiros

em Anapu, no Estado do Pará,morreu pela primeira vez nadécada de 70 e seguiu morrendooutras vezes após o dia 12 defevereiro deste ano. IrmãDorothy Mae Stang começou aser assassinada quando osmilitares empoderados em 1964,visando à proteção do latifúndiocontra os questionamentos quese apresentavam em outrasáreas e à penetração capitalistana Amazônia, lançaram as basespara o programa de ocupação daregião.

Com o alarde proporcionadopor vastíssimos recursos para apropaganda, anunciavam que oempreendimento levaria “ho-mens sem terra para a terra semhomens” e forneceria recursosnaturais e energia para a região,de modo que nas vastíssimasáreas concedidas a empresáriosque se comprometessem a in-vestir no desenvolvimento daregião estariam presentes todosos fatores produtivos, capital,força de trabalho, energia e ma-térias-primas.

O que se apresentava, po-rém, como eliminador de raízes

Homenagem à luta pela ReformaAgrária e pela preservação de bens naturais:153

HOMENAGEM

AS VÁRIASmortes de IrmãDorothy Mae Stang

do conflito fundiário resultou nomaior gerador da violência,corrupção, apadrinhamento eimpunidade, eis que, longe depromover a expansão do meiotécnico na região, levando a pro-dução capitalista até onde se-quer se conhecia ainda a presen-ça de grupos autóctones, os mi-litares lograram a inserção detodos os elementos de atraso,que até hoje são característicosdo Pará.

Falhou a equação propostapelos militares, no que estevedeterminada pela visão positi-vista, quando considerou que os

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atores sociais se conformariamem desempenhar o papel que aeles fora designado no projeto.

Ao contrário do planejado,porém, o elemento que se ima-ginava viesse a constituir o fatorprimordial do novo, o empreen-dedor capitalista que, com seusrecursos e mentalidade avança-da, possibilitaria a interação detodos os demais, optou por re-velar que sua face de persegui-dor do lucro não se diferenciavade sua face concentradora dapropriedade da terra reduzida àimprodutividade, de um lado,ou de explorador escravista, deoutro.

Por que, raciocinaram os pri-meiros, imobilizar capitais nemsempre realmente existentes

ou disponíveis, se era possívelpleitear – e muitas vezes obter –que o Estado fornecesse créditotendo como garantia os títulospor ele próprio outorgados, ecom uma fiscalização pratica-mente inexistente ou posta emmãos de funcionários as quaissempre se podia umedecer comagrados? Ou, por que fazê-lo, seera possível apenas manter ostítulos de concessão, aguardan-do que as pressões resultantesda presença do elemento huma-no deslocado obrigassem o Es-tado a fornecer a infra-estruturanecessária, aquela que pelostermos conveniados cabia comocontrapartida ao capital?

A negativa dos contempladoscom as concessões de realizar os

investimentos compromissadosimplicou na manutençãoinalterada da vitória da durarealidade da natureza sobre oagente humano, e noprolongamento da falta de mão-de-obra. Se a ausência de infra-estrutura desestimulava a idapara a região na condição detrabalhador agrícola, aquelesque se deixavam seduzir pelapromessa da “terra semhomens” não havia porque sesubmeterem ao trabalhoassalariado, quando a vastidãoda selva prometia a cada um aparcela que julgasse necessáriapara seu esforço.

Já por isso o que pudesse sera vertente avançada do capita-lismo viu-se frente à dificulda-

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153 Texto de Aton Fon Filho, advogado e diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

de de concretizar o anunciadodesenvolvimento e, repetindo aanterior solução das plantations,recorreu freqüentemente aoemprego de trabalho escravo. Arespeito, recorde-se ter sido de-nunciado, mais de uma vez, oemprego de mão-de-obra cati-va por empresas capitalistas, asmais avançadas e reconhecidas,como o Bradesco (fazendas reu-nidas Taina Recan, em Santa doAraguaia, e Alto Rio Capim, emParagominas) e a Volkswagen(fazenda Vale do Rio Cristalino,no sul do Pará).

Mantidas intocadas por maisde dez anos, as áreas que tinhamsido objeto das concessõesoutorgadas pelos militaresdeveriam ter retornado há muitoao controle da União, mas, emvez disso, vieram e vêm sendoutilizadas ainda hoje comogarantia para esquema definanciamento de projetosexistentes somente no papel,sem que fossem realizadas asobras conveniadas, e para aexploração predatória damadeira, o que somou àsriquezas provenientes dasconcessões de terras aquelasoriginárias da degradação do

meio ambiente e das fraudescontra os programas dedesenvolvimento da Amazônia.

A Terra do Meio, entre os riosXingu e Tapajós, assiste há muitoo conflito entre os posseiros quese estabeleceram na região e osconcessionários inadimplentesque ainda querem fazer valertítulos por esse motivo jáinvalidados.

À omissão da União de decla-rar a nulidade dos títulos face aodescumprimento dos contratose de propor as ações reivindica-tórias nos casos em que neces-sário, somam-se a inação e len-tidão do Judiciário e o acumpli-ciamento de autoridades com oslatifundiários, o que garante acobertura da polícia à jagunça-gem e os pistoleiros, perpetuan-do o conflito e a violência.

Contra essa prática de frau-des, degradação ambiental eapropriação latifundiária da ter-ra, entidades ambientais e deapoio aos trabalhadores ruraisdesenharam Projeto de Desen-volvimento Sustentado, que ga-rante a sustentabilidadeambiental e da produção cam-ponesa, em contraste com as

políticas predatórias da nature-za, do erário e dos direitos hu-manos. A esse projeto de desen-volvimento sustentado, IrmãDorothy dedicou seu tempo esua vida.

A morte de Dorothy MaeStang é a coroação de um pro-cesso político-econômico quesangra não apenas corpos físicos,mas uma economia e um futuro.É parte desse movimento quearticulou na Amazônia, milita-res, empresários e aventureiros.Mas as coroações, sendo mo-mentos de mudança, represen-tam uma transformação num ci-clo, mas não seu término. É aabertura de um momento, queprolonga a monarquia. A monar-quia do atropelo dos direitoshumanos no Estado do Pará nãoparece, longe disso, próxima deajustar contas com a Repúblicabrasileira. Morta Irmã Dorothy,tivemos a ilusão da presença doEstado na Terra do Meio, com odesdobrar de forças militares eda Polícia Federal, o que nãoimpediu as comemorações e osfogos com que as classes domi-nantes de Anapu e Pacajá sau-daram o homicídio.

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“Contra a prática de fraudes,

degradação ambiental e

apropriação latifundiária da

terra, entidades ambientais e

de apoio aos trabalhadores

rurais desenham um Projeto de

Desenvolvimento Sustentado,

que garante a sustentabilidade

ambiental e a produção

camponesa, em contraste com

as políticas predatórias da

natureza, do erário e dos

direitos humanos.”

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“Dados e análisesrecentes sobre a expansãodo monocultivo de canano Brasil, a partirda chamada febre do etanol”.