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1 PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO Ariel Alberto Zottola PASTORAL DA JUVENTUDE, ALGUNS PRINCÍPIOS E PROPOSTAS ATUAIS PARA O SEGUIMENTO DE JESUS (uma reflexão a partir do encontro de Jesus com o cego Bartimeu) Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Teologia Pastoral à comissão julgadora da pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação do Prof. Dr. Mons. Tarcísio Justino Loro São Paulo – 2007

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1

PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA

NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

Ariel Alberto Zottola

PASTORAL DA JUVENTUDE, ALGUNS PRINCÍPIOS

E PROPOSTAS ATUAIS PARA O SEGUIMENTO DE JESUS

(uma reflexão a partir do encontro de Jesus com o cego Bartimeu)

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Teologia Pastoral à comissão julgadora da pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação do Prof. Dr. Mons. Tarcísio Justino Loro

São Paulo – 2007

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2

Dedicatória

Aos jovens da pátria grande que participam das comunidades e dos movimentos populares, animando-os e suscitando vida, lutando para que seus sonhos de um mundo novo sejam uma realidade.

3

Agradecimentos

Agradecemos a nossa família que desde cedo nos ensinaram a amar a vida dos mais fracos e o que é o amor de Deus; agradecemos à Fraternidade dos Padres Operários Diocesanos, nossa segunda família, nos rostos dos Padres Eduardo, Daniel e José com os quais partilhamos a vida e a missão nestes anos de estudo; pela paciência e animação na reflexão e na busca de caminhos na evangelização da juventude; agradecemos aos jovens das diferentes comunidades pelas quais passamos ao longo dos anos de formação e do exercício do ministério, porque nos ensinaram a amá-los e encontrar sentido para nossa vida no compromisso com eles; e, finalmente, agradecemos ao Pe. Tarcísio Justino Loro, pelo seu acompanhamento na orientação da dissertação.

4

Siglas e abreviaturas

BM - Banco Mundial

CAJU - Casa da Juventude Pe. Burnier

CELAM - Conselho Episcopal Latino-americano

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Conc. Vat. II. - Concílio Ecumênico Vaticano II

CRB - Conferência dos Religiosos do Brasil

DNJ - Dia Nacional da Juventude

DP - III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano: Conclusões de Puebla

EA - Exortação Apostólica Ecclesia in América

EN - Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi

ERADI - Encontro Regional de Assessores Diocesanos

FMI - Fundo Monetário Internacional

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPV - Instituto de Pastoral Vocacional

LG - Constituição Dogmática Lumen Gentium (Vaticano II)

MEC - Ministério da Educação e Cultura

MCS - Meios de Comunicação Social

MD - II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano: Conclusões de Medellín

Mercosul - Mercado Comum do Sul

NMI- Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte

ONG - Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

PAMP - Projeto de Ação Missionária Permanente

5

PEF - Processo de Educação na Fé

PJ - Pastoral da Juventude

PJB - Pastoral da Juventude do Brasil

PPV - Projeto Pessoal de Vida

PV - Pastoral Vocacional

SAV - Serviço de Animação Vocacional

SD - IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano: Conclusões de Santo Domingo

6

Sumário

Siglas e abreviaturas........................................................................................................004

Sumário.............................................................................................................................006

Introdução geral...............................................................................................................009

Capítulo I – A realidade atual e sua influência na vida da juventude........................016

Introdução: “... estava sentado à beira do caminho...” (Mc 10,46).............................017

1.1. Diferentes aproximações da juventude...................................................................018

1.1.1. Aproximação etária..................................................................................................019 1.1.2. Aproximação biossomática......................................................................................020 1.1.3. Aproximação psicológica.........................................................................................021 1.1.4. Aproximação sociológica.........................................................................................024 1.1.5. Aproximação cultural...............................................................................................025

1.2. Alguns desafios da realidade para a juventude......................................................027

1.2.1. Os desafios da globalização......................................................................................027 1.2.2. Desemprego: desafio para os novos trabalhadores ..................................................030 1.2.3. Educação e profissionalização: metas a serem perseguidas.....................................033 1.2.4. O impacto negativo dos MCS na vida das pessoas...................................................036 1.2.5. A luta pela sobrevivência: drogas e violência na contra-mão..................................038 1.2.6. Caminho a ser perseguido: viver a cidadania, construção da democracia................041 1.2.7. Desafios domésticos: mudanças de paradigmas.......................................................044

1.3. Cultura atual e juventude.........................................................................................046

1.3.1. Influência da cultura moderna sobre a juventude.....................................................046 1.3.2. Influência da cultura pós-moderna sobre a juventude..............................................050

1.3.2.1. A subjetividade............................................................................................053 1.3.2.2. O individualismo narcisista.........................................................................054 1.3.2.3. Nova sensibilidade religiosa de nosso tempo..............................................056 1.3.2.4. A centralidade das emoções e do não racional............................................058 1.3.2.5. Pluralismo, relativismo e indiferença..........................................................059 1.3.2.6. O lazer e o divertimento (homo ludens)......................................................062 1.3.2.7. Consumismo: ilusão da passagem do ser ao ter...........................................063 1.3.2.8. Anonimato, solidão e afetividade................................................................065

1.3.3. Criações culturais de resistência da juventude.........................................................067

Considerações finais.........................................................................................................070

7

Capítulo II - O seguimento de Jesus: pistas para a Pastoral da Juventude................073

Introdução: “Coragem! Ele te chama. Levanta-te”. (Mc 10,49)..................................074

2.1. O seguimento de Jesus: novidade e fonte de identidade cristã..............................076

2.1.1. O seguimento na tradição rabínica............................................................................076 2.1.2. O seguimento de Jesus: novidade para seu tempo....................................................078

2.2. O cego Bartimeu, um seguimento paradigmático...................................................083

2.2.1. Contextualização da perícope...................................................................................084 2.2.2. Análise da perícope do cego Bartimeu (Mc 10,46-52).............................................089

2.3. O seguimento de Jesus, caminho de santidade........................................................103

2.3.1. O seguimento de Jesus move à valorização da própria dignidade............................107 2.3.2. O Seguimento de Jesus move à uma espiritualidade de comunhão..........................108 2.3.3. O seguimento de Jesus move ao exercício da misericórdia......................................109 2.3.4. O Seguimento de Jesus move à realização do Projeto de Vida.................................111 2.3.5. O seguimento de Jesus move à integração do racional com o simbólico-emotivo...112 2.3.6. O seguimento de Jesus move ao silêncio, à oração e à interioridade........................114 2.3.7. O seguimento de Jesus move à vivência do bom-humor, da alegria e da festa.........116

Considerações finais..........................................................................................................117

Capítulo III - Propostas de ação “paradigmáticas” para a Pastoral da Juventude....120

Introdução: “... o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho” (Mc

10,52)......121

3.1. Os processos de educação na fé: caminho do seguimento de Jesus.......................123

3.1.1. Gênese e importância da opção pedagógica no trabalho com a juventude...............123 3.1.2. Os processos de educação na fé................................................................................126

3.1.2.1. Convocação: “descoberta do caminho comunitário”...................................127 3.1.2.2. Nucleação: “descoberta do grupo”...............................................................129 3.1.2.3. Iniciação: “caminho do discipulado”...........................................................131

a) Primeiro passo: “descoberta da situação pessoal e das relações”..............132 b) Segundo passo: “descoberta da comunidade”...........................................133 c) Terceiro passo: “descoberta da sociedade”................................................135

3.1.2.4. Militância: “descoberta das estruturas”........................................................137

3.2. Acompanhamento e assessoria.................................................................................139

3.2.1. A necessidade do acompanhamento.........................................................................139 3.2.2. Assessoria: identidade, características e tarefas.......................................................142

3.2.2.1. Identidade em dimensões.............................................................................145

8

a) Identidade psicológica...............................................................................145 b) Identidade espiritual..................................................................................147 c) Identidade teológica...................................................................................149

3.2.2.2. Tarefas do assessor......................................................................................150

a) Acompanhamento pessoal.........................................................................151 b) Jesus, modelo de acompanhante................................................................152

1. Encurtando a distância...........................................................................154 2. Animando a caminhada.........................................................................155 3. Apresentando o projeto de Deus............................................................156 4. Assumindo o projeto de Deus................................................................157

3.3. Instrumentos de acompanhamento da juventude...................................................159

3.3.1. A entrevista pessoal....................................................................................................159

a) Algumas dificuldades e a comunicação na entrevista............................................160 b) A entrevista pessoal “não diretiva”........................................................................163

3.3.2. Projeto de Vida: "Caminho vocacional da Pastoral da Juventude”.........................166

Considerações finais...........................................................................................................176

Conclusões Gerais..............................................................................................................178

Bibliografia geral................................................................................................................184

9

Introdução geral

A evangelização dos jovens é um dos grandes desafios da atualidade para a Igreja.

Como todo ser humano, estes também têm sede de Deus e esperam da Igreja o serviço do

anúncio da Palavra para conhecer Jesus Cristo, sua vida e obra redentora, condição para a

verdadeira felicidade. Além disso, a reflexão sobre a juventude é de grande importância para a

Igreja, pois depende dos jovens o seu futuro como também o da sociedade. A juventude é

também força fundamental de transformação e renovação e, por isso, precisa ainda mais da

Palavra de Deus e de um encontro profundo com Jesus Cristo. Em Puebla, depois confirmada

em Santo Domingo, a Igreja da América Latina expressa sua atenção para com os jovens ao

afirmar a necessidade da “ opção preferencial pelos jovens” Diz o texto do documento:

A Igreja vê na juventude uma enorme força renovadora, símbolo da própria Igreja. E a Igreja

faz isto não por tática, mas por vocação, já que é “chamada à constante renovação de si

mesma, isto é, a um incessante rejuvenescimento” (João Paulo II, Alocução Juventude, 2. AAS

LXXI). O serviço prestado com humildade à juventude deve fazer com que mude na Igreja

qualquer atitude de desconfiança ou incoerência para com os jovens1.

Também em Puebla, a Igreja reafirma sua confiança nos jovens, porque vê na

juventude ““um verdadeiro potencial para o presente e o futuro de sua evangelização””(DP

1186). Para que o jovem torne-se protagonista da sua vida e da evangelização é preciso

desenvolver uma pastoral, como dizem os bispos:

... que leve em conta a realidade social dos jovens do nosso continente; atenda ao

1 CELAM. III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano: Conclusões de Puebla. 1979, 1178. In: CELAM. Documentos do CELAM. São Paulo: Paulus, 2005.

10

aprofundamento e crescimento da fé para a comunhão com Deus e os homens; oriente a

opção vocacional dos jovens; lhes ofereça elementos para se converterem em fatores de

transformação e lhes proporcione canais eficazes para a participação ativa na Igreja e na

sociedade. (DP 1187)

Este caminho deve ser um processo de educação na fé e de crescimento espiritual, mas

não pode deixar de oferecer aos jovens a formação sócio-política, educação do senso crítico e

estímulo à criatividade. Na última assembléia dos Bispos do Brasil, 44a Assembléia Geral da

CNBB, o tema central foi a Evangelização da Juventude e na redação final do documento de

estudo, nos dizem:

Queremos renovar a opção afetiva e efetiva de toda a Igreja pela juventude na busca conjunta

de propostas concretas que favoreçam uma verdadeira evangelização desta parcela da nossa

sociedade. A responsabilidade de anunciar Jesus Cristo e seu projeto aos jovens convoca-nos

a uma constante vigilância para que a vontade de Deus e os sinais dos tempos sejam

respondidos de modo adequado, principalmente em uma época de muitas mudanças2.

A partir da opção preferencial pelos jovens, realizada em Puebla, a Igreja no

continente, através do CELAM, foi amadurecendo uma proposta de evangelização da

juventude, alicerçada na longa experiência das diferentes Igrejas particulares, da Ação

Católica e de alguns movimentos. A Pastoral da Juventude, proposta pastoral da Igreja do

continente para a evangelização da juventude, foi esboçando, ao longo destes anos de

caminhada, alguns princípios teológicos, espirituais, pastorais e pedagógicos para que a

evangelização seja, de verdade, libertadora e encarnada. Na publicação do CELAM,

“Civilização do Amor: tarefa e esperança”,encontramo-nos com uma síntese amadurecida e 2 CNBB. Evangelização da Juventude: desafios e perspectivas pastorais. (Estudos da CNBB n. 93). São Paulo: Paulus, 2006, 4.

11

consensuada destes princípios na América Latina, onde o Brasil teve sua boa contribuição.

Para compreender ainda mais do que falamos ao dizer Pastoral da Juventude e evitar

equívocos vamos ver o que o Setor Juventude do CELAM, nessa publicação, descreveu e

definiu:

A Pastoral da Juventude é a ação organizada da Igreja para acompanhar os jovens a

descobrir, seguir e comprometer-se com Jesus Cristo e sua mensagem, a fim de que,

transformados em homens novos e integrando sua fé e sua vida, se convertam em

protagonistas da construção da civilização do amor3.

Mas este consenso que se tinha na América Latina e no Brasil foi desaparecendo, e se

hoje centramos nosso olhar na Pastoral da Juventude do Brasil no contexto cultural e eclesial,

percebemos que se está vivendo um momento difícil e complexo. Em muitos lugares as

estruturas diocesanas e regionais da PJ carecem da presença dos jovens nos grupos de base e

perderam a capacidade de convocação. Por outro lado, cresce o número de jovens ligados aos

movimentos eclesiais.4 Em muitas ocasiões, principalmente na hora dos conflitos, seja a

Pastoral da Juventude ou o movimento, cada um por seu lado, sente-se “possuidor” de uma

das dimensões da fé que considera a mais importante, esquecendo que a proposta de Jesus é

uma proposta integral e totalizante que envolve toda a pessoa e não só uma de suas

dimensões. Estes priorizam questões de ordem espiritual ou sacramental, social, devocional,

catequético, humano-afetiva, de acordo com a natureza do movimento ou a tendência da

Pastoral da Juventude na região em que acontece.

3 CELAM. Civilização do Amor: tarefa e esperança. São Paulo: Paulinas, 1997. p. 178-179. 4 Dentre eles destacamos a Renovação Carismática Católica, Comunhão e Libertação, Geração Nova (GEM) com origem nos Focolares, Movimento Apostólico de Schoenstatt, movimento Neocatecumenal, Arautos do Evangelho, Opus Dei, entre outros.

12

Percebemos também que, em muitos lugares, a ação pastoral com a juventude, seja da

Pastoral da Juventude ou dos diferentes movimentos, está normalmente preocupada apenas

em reunir a juventude, convertendo-se desta maneira num “depósito” de jovens, sem a

necessária clareza sobre o que deve se oferecer e sem a consciência da necessidade de

provocar em suas vidas processos de mudança, motivo que nos leva a pensar que o tema da

evangelização da juventude nem sempre é tratado com a devida seriedade. A preocupação

que, às vezes, está por trás de muitas lideranças de nossas Igrejas particulares é a

sobrevivência e a manutenção da pastoral ou do movimento. As opções pastorais, muitas

vezes, são pensadas a partir das necessidades “institucionais”5 e não das necessidades da

juventude ou da análise das propostas. Essa realidade pastoral nos impõe questionamentos e

nos leva a refletir as maneiras de realizar o trabalho evangelizador da juventude na Igreja e,

sobretudo, nas intenções e motivações que carregamos no relacionamento com ela.

Diante desta realidade, a afirmação de Puebla se torna muito atual quando expressa o

desejo de reunir os jovens para a construção da civilização do amor, a partir do anúncio do

Evangelho que inclui todos os homens e mulheres de boa vontade.

A Igreja evangelizadora faz um veemente apelo para que os jovens nela busquem o lugar de

sua comunhão com Deus e os homens, a fim de construir a “civilização do amor” e edificar a

paz na justiça. Convida-os a que se comprometam eficazmente numa ação evangelizadora que

não exclua ninguém, de acordo com a situação em que vivem e tendo predileção pelos mais

pobres. (DP 1188)

5 Estas necessidades podem ser reais ou criadas pela mídia ou pelas próprias comunidades. Entre as necessidades que podem mover as comunidades para se aproximar dos jovens estão: a de multidões dentro das Igrejas; de vocações sacerdotais ou religiosas; de expansão de algum movimento; a necessidade de algum agente de pastoral (Padre, Leigo/a ou Religioso/a) aparecer; de resolver rapidamente a evangelização da juventude etc.

13

Deixando de lado o contexto eclesial e geral da Pastoral da Juventude, queremos,

agora, olhar para as bases da Pastoral da Juventude, para a vida dos jovens e para os grupos

no seio de nossas comunidades. Desde cedo, aplicamos nossos esforços e tempo no

acompanhamento da PJ. Fomos acumulando experiências que eram acompanhadas de

avaliações, busca de novas propostas ou projetos que pudessem responder aos apelos da

juventude e da pastoral. As avaliações apontavam algumas constantes como fraquezas que, ao

longo do trabalho, queremos iluminar com alguns princípios e propostas que sejam atuais e

transformadoras da realidade. Entre as fraquezas queremos destacar: a falta de assessores

competentes (leigos/as, padres e religiosos/as comprometidos com a juventude), abertos para

acolher os jovens com todos seus problemas e esperanças, para acompanhá-los pessoal e

grupalmente; grupos de jovens com membros de diferentes idades e tempos de caminhada;

uma ação pastoral, muitas vezes, só preocupada com a quantidade de jovens que “arrebanha”

e não com a qualidade da proposta, pela qual, a metodologia usada e as ações realizadas estão

voltadas, quase exclusivamente, para as massas; desvalorização dos pequenos grupos e

desconhecimento dos processos de educação na fé por parte dos animadores e assessores;

formação voltada para uma das dimensões, deixando, desta maneira, de ser uma formação

integral6; e jovens sem os elementos suficientes para elaborar seu projeto de vida e fazer um

opção consciente.

Diante destas constatações, resolvemos aprofundar nossas reflexões, partindo de um

estudo teológico pastoral, a fim de propor caminhos, princípios e propostas que possam

fortalecer a Pastoral da Juventude visando a promoção da vida dos jovens. Por isso, o tema da

dissertação é: Pastoral da Juventude, alguns princípios e propostas atuais para o seguimento

de Jesus (uma reflexão a partir do encontro de Jesus com o cego Bartimeu).

6 Na Pastoral da Juventude do Brasil, as dimensões da formação integral são cinco: personalização, integração, conscientização política, dimensão teológica-teologal e capacitação técnica.

14

A metodologia a ser utilizada tem três momentos fundamentais, que respondem ao

método ver, julgar e agir. Mas é fundamental perceber que o método mais que uma ferramenta

é uma maneira de viver a fé e a missão evangelizadora, enfim, uma espiritualidade. Se

prestarmos atenção nos encontros de Jesus com as diferentes pessoas relatados nos

evangelhos, vamos perceber que ele ou o relato sempre parte da realidade do outro, (cego

Bartimeu, os discípulos de Emaús etc.), para depois fazer sua proposta ou explicar a Palavra.

Também é importante destacar que esta aproximação do outro, por parte de Jesus, está

motivada e inspirada pela ação amorosa e gratuita do pai, que percebendo a realidade de seus

filhos convoca-os a aproximarem-se dessa realidade para transformá-la, para que todos

tenham vida (Jo 10,10). Por outro lado, no que respeita à metodologia do presente trabalho, as

fontes serão bibliográficas, seja no levantamento da realidade como na elaboração teológica

pastoral.

No primeiro capítulo vamos realizar um estudo da realidade - ou do contexto atual -

nos aspectos mais relacionados com os jovens. Entendemos que nossa dissertação deve

contextualizar a juventude, já que os problemas da sociedade atingem, de maneira especial, os

jovens, já que eles são “caixas de ressonância” de tudo o que acontece na realidade. Como

ponto de partida, estudaremos a realidade urbana, com destaque na periferia das grandes

cidades7. Inicialmente, descreveremos critérios de aproximação da realidade da juventude e

logo focalizaremos os principais desafios e problemas sociais, especialmente os que

interferem na vida da juventude. Dentre eles, destacaremos as questões referentes à

globalização, trabalho, educação e profissionalização, os MCS, as drogas e a violência,

cidadania e democracia e, por último, a família. Também analisaremos a realidade cultural de

nosso tempo, onde caíram as grandes causas e discursos ideológicos; e o retorno ao sagrado é

7 As constatações que vamos fazer têm como ponto de partida a realidade da periferia urbana das grandes cidades, pela qual não atinge todas as realidades vividas do jovem brasileiro. Nossa motivação para refletir desde essa realidade vem de fato de morar na periferia de São Bernardo do Campo, onde atuamos como sacerdote e assessor paroquial da PJ.

15

uma realidade que acentua a liberdade à procura do divino e de experiências terapêuticas. Na

análise da realidade cultural desenvolveremos a influência da cultura moderna e pós-moderna

na juventude atual.

No segundo capítulo partiremos da situação analisada, em vista a iluminá-la à

luz da Palavra de Deus, da Tradição da Igreja e do Magistério, para encontrar caminhos novos

para a Pastoral da Juventude. Fazendo-nos eco da proposta de reflexão da V Conferência do

Episcopado Latino-Americano e Caribenho (“Discípulos e missionários de Jesus Cristo para

que n’Ele nossos povos tenham vida”), acreditamos que a experiência do seguimento de

Jesus, como eixo da missão evangelizadora da Pastoral da Juventude possa ser um caminho

para conseguirmos transformar e gerar vida nova no seio da juventude. Almejamos que esta

proposta evangelizadora possa suscitar nos jovens a vontade de alicerçar seu projeto de vida

no seguimento de Jesus. Para aprofundar esta proposta vamos adentrar a experiência do

seguimento dos discípulos, analisando de maneira especial a caminhada destes no Evangelho

de Marcos e, sobretudo, na experiência paradigmática do cego Bartimeu. A partir destas

experiências, ricas de encontro e seguimento de Jesus, as quais não esgotam, esboçaremos

alguns traços do seguimento situando-o na vida dos jovens como caminho de santidade.

Por último, no terceiro capítulo, tentaremos encurtar a distância entre a realidade e o

sonho, entre o ser e o dever ser. Desenvolveremos alguns caminhos e meios que possam

ajudar os jovens a vivenciar esta experiência do seguimento de Jesus. Esses caminhos são as

opções pedagógicas que foram confirmadas e amadurecidas ao longo da caminhada da

Pastoral da Juventude no continente e no Brasil. Destas, só vamos aprofundar duas que, pela

realidade, são fundamentais e atuais. Em primeiro lugar, queremos destacar a necessidade de

conhecer e respeitar “os processos de educação na fé” na Pastoral da Juventude, o qual, é

uma proposta de formação integral (sem desvalorizar nenhuma dimensão da vida e da fé), que

vai percorrendo diferentes estágios de amadurecimento do jovem e têm como ponto de

16

chegada a elaboração do projeto de vida e a opção vocacional. A segunda opção pedagógica

surge da percepção da necessidade do acompanhamento da juventude, para que tenha mais

elementos no seu amadurecimento e na hora de fazer opções duradouras na vida. Motivo pelo

qual, precisamos aprofundar e valorizar o “ministério do acompanhamento” dentro da Igreja e

formar “assessores” capazes de identificar os processos de crescimento e a vontade de Deus

na vida dos jovens. Estas duas opções pedagógicas, “os processos de educação na fé” e

“acompanhamento-assessoria”, junto com alguns instrumentos práticos para o

acompanhamento, sempre e quando sejam perpassados pela experiência do seguimento,

podem ser caminhos seguros que temos na Igreja, para que a “opção preferencial pelos

jovens” seja uma opção afetiva e efetiva8.

8 Cf. Evangelização da Juventude 4.

17

Capítulo I

A realidade atual e sua influência

na vida da juventude

18

Introdução: “... estava sentado à beira do caminho...” (Mc 10,46)

Como o cego Bartimeu9, muitos jovens vivem à beira do caminho, mendigando seus

direitos fundamentais, trabalho, formação profissional, lazer, enfim, um futuro digno. O

Evangelho narra que os próprios discípulos do Mestre não deixavam que o mendigo cego

fosse escutado por Jesus e recebesse dele a ajuda necessária. Os discípulos estavam marcados

pelo preconceito e, por isso, olhavam com a força da exclusão, em razão de seus princípios

religiosos e teológicos.

Hoje, igualmente, nós também corremos o risco de olhar nossos jovens, especialmente

os mais pobres, pela ótica da exclusão e do comodismo. Um grande desafio de nossos tempos

é mudar nosso olhar e nossas atitudes para que a juventude seja acolhida, apesar de todas a

suas limitações e enganos. Os agentes de pastoral, principalmente, são chamados a encontrar

no coração de Jesus o exemplo de quem acolhe a todos, de quem age movido pelo amor e não

pelos preconceitos e prejuízos que só deformam a realidade e o trabalho pastoral com os

jovens.

De fato, corremos o risco de conceber a realidade dos jovens de forma parcial. Por

exemplo10, tendo uma visão homogênea da juventude em que todos são olhados como

iguais, como uma só juventude, sem diferenças culturais, sociais e econômicas; olhando-os

como um estigma em que os jovens são um problema, não são responsáveis, não podem

assumir e levar nada a sério; simplificando sua realidade negando a complexidade da

realidade da juventude e das questões existenciais de que padece o jovem; idealizando-os

como os salvadores do mundo, e dizendo que todo o que não é jovem “não presta”. Também

não podemos alimentar a desconfiança em que se pensa que o jovem só atua corretamente se

9 Mc 10,46-52. Todas as citações serão extraídas da Bíblia de Jerusalém: BÍBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. 10 CF. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Espiritualidade Juvenil. Curso à distância. Envio n° 3. Buenos Aires, 2005. p. 2. Disponível em: www.pastoraldejuventud.org.ar/instituto.

19

está vigiado, sob controle; a meritocracia individual em que todo êxito ou fracasso é

responsabilidade pessoal esquecendo o contexto e as condições sociais; a competitividade que

leva a vender a imagem juvenil como ideal de vida, onde os adultos têm a obrigação de

parecerem jovens. Essas visões parciais manipulam uma verdadeira aproximação ou

acolhimento pastoral da juventude. Por isso, julgamos necessário recordar alguns critérios de

aproximação e de identificação, que orientem nosso olhar para não cairmos em enganos que

deformem ou simplifiquem a realidade da juventude. Os critérios de classificação são

diferentes aproximações da mesma realidade a partir de diversos ângulos e ciências. Após

ampliar nosso olhar, adentraremos no estudo de alguns desafios da realidade para a vida dos

jovens e a relação destes com a cultura atual.

1. 1. Diferentes aproximações da juventude

Na bibliografia consultada encontramo-nos com opções diversas sobre os critérios de

aproximação da realidade, o que nos leva a tentar integrar essas diferenças na hora de olhar

esta apaixonante e complexa realidade dos jovens11. Cada uma destas abordagens tem sua

riqueza e sua limitação, são visões não excludentes, complementares e necessárias para a

aproximação teórica da realidade.

Em nosso trabalho vamos abordar e aprofundar a realidade da juventude a partir de

diferentes ângulos, o que não quer dizer, que na vida se manifestem estas divisões. Na vida

dos jovens aparecem estes elementos conflitando ou harmonizando, mas nunca divididos. 11 O instituto de formação “Cardenal Pironio” em sua formação a distância sobre “Espiritualidade Juvenil”, no envio número três, nos apresenta a juventude como categoria etária, etapa de amadurecimento e como cultura; o Pe. Libanio em seu último livro Jovens em tempo de pós-modernidade. São Paulo: Loyola, 2004., nos convida a realizar três aproximações: bio-somatica, psico-estrutural e finalmente ver a juventude como construção social; o CELAM no seu livro “Civilização do amor: tarefa e esperança” fala que para enxergar bem a realidade da juventude latino-americana temos que ter 4 visões: a visão bio-cronológica, psicológica, sociológica e cultural-simbólica.

20

Estes diferentes olhares ajudaram-nos a conhecer melhor suas “alegrias e esperanças,

tristezas e angústias”; e a nos aproximar deles tirando as sandálias, despidos de preconceitos

diante do mistério da vida e da ação de Deus na juventude (Ex 3).

1.1.1. Aproximação etária

Esta aproximação nasce da necessidade de delimitar a idade dos jovens para fazer

comparações, olhar os processos evolutivos de diferentes aspectos da realidade e prever as

tendências do futuro, entre tantas outras coisas. Nesta perspectiva, se define os jovens como

aquelas pessoas situadas entre uma determinada faixa etária. Em geral, segue-se a definição

cunhada pela Organização das Nações Unidas em 1983, que delimita o tempo da juventude

entre 15 e 24 anos12. Todas as pesquisas de opinião têm como fundamento esta aproximação,

embora nem sempre coincida a faixa etária determinada, e procuram conhecer

quantitativamente a realidade. Esta aproximação permite-nos fazer comparações.

Por outro lado, não podemos negar que esta aproximação tem a limitação de esquecer

ou por própria metodologia não aprofundar os condicionamentos espaço-temporais da

realidade. Nestas categorias, espaço-temporais, é que estão as maiores diferenças e, é por elas

que podemos fugir de reduções simplistas da realidade como citávamos acima.

A partir desta aproximação etária demográfica, podemos dizer que a população de 15 a

24 anos, residente no território brasileiro é de 34,1 milhões de jovens, ou 20,1% do total da

população; em São Paulo de 37.035.455 milhões de habitantes, 7.175.836 milhões são jovens;

em São Bernardo do Campo de 703.177 mil habitantes, 137.210 mil são jovens (Censo 2000 –

IBGE).

É importante conhecer estes dados que muitas vezes assustam, dão medo, mas são

necessários para não conformarmos com meia dúzia de jovens que, às vezes, temos em nossas

12 A definição de juventude desde os 15 aos 24 anos podemos encontrar dentro da bibliografia consultada.

21

comunidades. Os dados das estatísticas nos fazem perceber que atingimos muito pouco a

juventude. Há jovens nas ruas, nos bairros, nas escolas, nos clubes esperando ser chamados

pelo nome para saberem que são importantes para o projeto de Deus, para o sonho que Deus

tem para a sociedade toda.

1.1.2. Aproximação biossomática

No relacionamento pastoral com os jovens precisamos ter o suficiente conhecimento

desta dimensão da pessoa, para entender os fenômenos do desenvolvimento biossomático do

adolescente e do jovem. Destaquemos duas questões importantes, uma mais conhecida que a

outra.

A primeira questão, a mais conhecida, é sobre as modificações do corpo por efeito do

desenvolvimento glandular e hormonal. Experimenta-se um rápido crescimento corporal e da

diferenciação sexual do adolescente13, tanto na sua capacidade generativa como nos caracteres

secundários da sexualidade. Esta situação se complica mais ainda quando os caracteres

secundários mais visíveis crescem de maneira diferenciada dos colegas, de maneira diminuída

ou exagerada. Estas questões são vitais para a elaboração e desenvolvimento da auto-estima e

a construção da identidade.

A segunda questão nos traz as novidades dos estudos e pesquisas sobre o sistema

nervoso e a maturação cerebral. Estes estudos e pesquisas mostram que o adolescente

aproxima-se fisiologicamente do adulto, mas seu desenvolvimento cerebral se aproxima mais

da criança. Nesta idade acontece uma verdadeira reconstrução do cérebro. Metade das

conexões eletroquímicas que ocorrem ali são desfeitas para ser refeitas de modo diferente.

Por outro lado os neurônios se comunicam através dos neurotransmissores, que são

mensageiros bioquímicos que carregam as mensagens do neurônio transmissor para entregar

13 Até agora estamos usando o termo juventude e adolescente sem diferenciação clara. Na aproximação psicológica vamos esclarecer algumas questões sobre o tema da diferenciação, ou não, dos termos.

22

ao neurônio receptor14. Estas mudanças já ditas estimulam os mensageiros bioquímicos

(neurotransmissores) que provocam emoções imaturas, maneiras violentas de agir e estados

depressivos entre outros. Nesta etapa da vida, onde se formam os julgamentos, também

permanecem certos comandos adormecidos, o que provoca a dificuldade de elaborar critérios

de julgamento e juízos.

A dimensão biossomática da pessoa pode ajudar na elaboração de um juízo mais

equilibrado das reações e maneiras de expressão dos jovens. Normalmente em nossas

comunidades, os jovens são cobrados pela falta de perseverança nos compromissos assumidos

e pela desordem que provocam. Isto gera desconfiança por parte dos adultos na hora de

delegar responsabilidades. O conhecimento, por parte das lideranças do mundo em

transformação na vida dos jovens, pode ajudar para o desaparecimento de muitas dificuldades

de relacionamento provocando atitudes mais compreensivas e de proximidade. O desafio que

temos é tomar consciência da etapa que estão vivendo os jovens e acompanhar seu processo

de amadurecimento, acolhendo-os e favorecendo uma inserção de maneira gradual na vida e

nos compromissos da comunidade15.

1.1.3. Aproximação psicológica

Uma questão muito importante é perceber que os limites da idade da juventude dados

pela ONU (15-24 anos) são redefinidos pela psicologia. Esta ciência tem o olhar nos

processos psicológicos, os quais não são estáveis nas pessoas nas diferentes culturas e épocas

da humanidade. Esta flexibilidade nos mostra que a juventude é uma construção sócio-

cultural.

14 Cf. TIBA, Içami. Adolescentes: quem ama educa!. São Paulo: Integrare Editora, 2005. p. 54-57. 15 Acontece muito no seio de nossas comunidades a queima das etapas dos jovens, delegando de repente responsabilidades importantes sem nenhum tipo de acompanhamento de alguém com mais caminhada. Quando o jovem não assume da maneira esperada muitas vezes a reação é a cobrança e a incompreensão. Isto influencia enormemente no processo de construção de sua identidade e desenvolvimento da auto-estima.

23

Seguindo em parte a contribuição Hernán Alzate16, psicólogo reconhecido no âmbito

juvenil vocacional, podemos dizer que a adolescência-juventude tem quatro fases principais:

A primeira fase (13 aos 15 anos17) desenvolve-se e realiza-se mediante o grupo, o qual

serve como substituto de uma identidade que se procura e que ainda não se manifesta com

clareza. Esta identidade é muito frágil e confusa, já que, por um lado está ligada à infância e

por outro, procura distanciar-se dela.

Na segunda fase (15 aos 17 anos) o jovem continua vinculado ao grupo, mas tenta ser

protagonista da sua própria vida, deslocando sua forte afetividade do grupo para uma relação

mais íntima e fechada com outra pessoa (amigos, namoro). A relação com a família é mais

conflitiva. A luta é entre a autonomia e a dependência.

Na terceira fase (18 aos 23 anos) o centro da atenção e luta interna é a pergunta, na

intimidade, pelo sentido de sua vida. A questão da intimidade, o relacionamento com os

outros, o amor, o namoro levado a sério, as responsabilidades ocupam grande parte de suas

energias psicológicas. Neste tempo vai forjando a escala de valores, sua opinião sobre as

questões da realidade e da fé e começa-se a sonhar o projeto de vida. O jovem começa a sair

de si para voltar-se para os outros.

A quarta fase (23 aos 28 anos) é a última etapa do desenvolvimento do jovem. Esta

introduz corretivos às outras fases, por meio da construção e elaboração do projeto de vida.

Orienta e concretiza a busca de experiências existenciais-valorativas na direção de uma

decisão significativa. Os jovens começam a realizar escolhas a longo prazo, buscam firmar-se

numa vocação. O que foi gerado na terceira fase, nesta se orienta para a concretização. É o

momento de tornar vida o sonho.

16 Cf. ALZATE, Hernán. O mundo dos adolescentes: problemas e esperanças. In: IMODA, Franco e KIELY, Bartholomew. (Org.) Buscando Jesus. São Paulo: Paulinas, 2002. p. 9-11. 17 A ciência psicológica, quando fala das idades, esta preocupada fundamentalmente com os processos vividos pelas pessoas, a resolução das crises e a resposta as perguntas existenciais. Ela, não centra sua atenção e estudo na questão etária.

24

Podemos dar diferentes nomes às fases, colocar mais das que fomos desenvolvendo,

mas o mais importante é levar em conta estes elementos na hora da práxis pastoral no meio

dos jovens nas suas diferentes fases.

É importante também destacar que há modos concretos de viver as passagens das

fases. As mudanças internas e externas dos jovens provocam muita instabilidade. Pelo fato de

estarem num processo de redefinição de sua identidade, eles procuram experimentar

diferentes comportamentos, às vezes até contraditórios. Olhando para muitos deles, a primeira

reação é de estranheza, pela extravagância e exagero. No fundo é a expressão da necessidade

de aparecer e ser notado. É uma tentativa de auto-afirmação, pela qual se manifesta muito

seguro exteriormente e até agressivo, mas no íntimo é o primeiro a duvidar de suas

capacidades e sentir sua vulnerabilidade. O jovem assume atitudes radicais chamadas

vicárias18, as quais são processos temporários para enfrentar a crise suscitada dentro dele e

enfrentar a carga de energia que ainda não domina.

A compreensão das diferentes fases da juventude e a percepção das atitudes vicárias

para atravessá-las podem orientar nosso trabalho em seu meio. Em primeiro lugar nos faz

entrar em contato com as necessidades vitais do momento existencial que estão atravessando.

Então, nosso julgamento deixará a superficialidade para ser profundo e, na medida que

conhecemos mais a realidade podemos fazer um melhor diagnóstico, utilizando uma medicina

adequada, num vocabulário médico. Outro elemento importante que aporta esta contribuição

psicológica é a visualização do processo de crescimento dos jovens e a relação que estes têm

com o processo grupal, que é de tanta importância para a evangelização da juventude. Na

elaboração dos blocos temáticos e das atividades espirituais, de lazer ou solidárias, temos que

levar em conta o processo pessoal e grupal. As mesmas necessidades sentidas, as crises das

etapas orientam sobre a temática a ser tratada. 18 Talvez possamos descobrir em cada fase a atitude vicária: na primeira, a procura de entrosamento com o grupo; na segunda fase, o conflito real com a família e a procura de relações de maior intimidade; na terceira fase, a procura da resposta sobre o sentido da vida; na quarta fase, orienta e concretiza o projeto de vida.

25

1.1.4. Aproximação sociológica

Esta aproximação vai ajudar a situar a juventude, em suas diferentes fases, no contexto

e espaço. Não é o mesmo ser jovem no bairro Morumbi de São Paulo e ser jovem no Parque

São Bernardo, da periferia de São Bernardo do Campo. A juventude tem diferentes

características, dependendo especialmente da condição socioeconômica da sociedade. Por

esse motivo, um elemento claro em todos os estudos e pesquisas é a afirmação que não existe

“juventude”, mas “juventudes”, porque ““efetivamente não existe um modelo único de

juventude. Aliás, os jovens19apresentam comportamentos diferentes conforme as culturas, as

classes sociais e os períodos históricos””20.

O Marco Referencial da Pastoral da Juventude do Brasil, quando aprofunda a

aproximação sociológica, nos diz:

Na juventude se torna definitiva e consciente a alocação de cada pessoa numa classe

social. As instituições e processos de “formação” do jovem, de qualificação

profissional e integração/submissão social, cultural e ideológica são diferenciadas. O

jovem começa a pensar, sistematicamente, sua vida a partir do que é na sociedade:

trabalhador, estudante, camponês, universitário (pobre ou de classe média, da cidade

ou do campo). Aquilo que se é na sociedade e, especialmente, nos meios de produção,

torna-se desde cedo um fator determinante na formação da personalidade e no

processo de educação na fé. (n.20)

19 O que está destacado no texto é uma mudança feita por nós, já que o original fala de adolescência, por se tratar de um livro de psicologia. Esta afirmação também é feitas por Hilário Dick em -DICK, Hilário. “Juventude e Adolescência”: indo além dos conceitos. PJ a caminho. Porto Alegre, n. 90, p. 20-30.- em falar de “juventudes” e não em “juventude”. 20 Cf. ALZATE, Hernán. Op. Cit. p. 22.

26

Esta abordagem da juventude olha-a como grupo social, admitindo diferentes setores,

dependendo de sua situação socioeconômica. O Marco Referencial fala de alguns grupos

sociais, mas podemos também agregar outros grupos sociais de jovens tais como indígenas,

afro-descendentes e em situações críticas (dependentes de drogas, delinqüentes, prostituídos,

sofredores de rua, homossexuais, pessoas com deficiências, etc.)

O mais importante desta aproximação é ter a certeza que, para intervir na realidade dos

jovens, temos que partir de suas realidades. Não é o mesmo trabalhar com jovens na periferia

e no centro da cidade, já que a questão do espaço, do lugar físico e social da pessoa

condiciona fortemente seu desenvolvimento e, para intervir em qualquer realidade,

precisamos partir desses condicionamentos.

Um mesmo traço da cultura vivida pelo jovem como o consumismo deve ser

trabalhado de diferentes maneiras, dependendo do lugar e da camada social onde se está

intervindo. A realidade do consumismo atinge a todos, ricos e pobres, mas a ressonância do

tema tem diferentes conseqüências para o jovem de acordo com a sua condição social.

1.1.5. Aproximação cultural

Olhando a história da juventude nas diferentes culturas e nas distintas épocas21,

podemos dizer que ela, nas diferentes fases, é basicamente uma “construção social”22. Este

fenômeno chega ao ponto de mexer no hormonal das pessoas23. Esta abordagem cultural nos

ajuda a ter um olhar mais profundo e amplo das demais abordagens realizadas (etária,

biossomática, psicológica e sociológica). Além disso, olhar a juventude como cultura, 21 DICK, Hilário. Op. Cit. p. 24-27. 22 A partir de diferentes aproximações os diferentes autores fazem esta afirmação: INSTITUTO CARDENAL PIRONIO. Op. Cit. p. 6; LIBANIO, J.B. LIBANIO, J. B. Jovens em tempo de pós-modernidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 35-39; ALZATE, Hernán. Op. Cit. p. 21-27; DICK, Hilário. Op.Cit. P. 23-29. 23 Em 1840, a idade média da menarca (primeira menstruação) rondava os 16-17 anos, idade claramente coincidente com o momento da incorporação da adolescente na vida adulta, na responsabilidade do matrimônio e da procriação. Hoje em dia, a sociedade espera que a jovem de 16 anos estude, se forme e encontre seu papel na sociedade. Entretanto, atualmente a média da menarca se situa em torno dos 12 anos.

27

apresenta e faz descobrir novas dimensões dos jovens e novas ferramentas de análise para a

intervenção na sua realidade.

Falar da juventude como cultura24, leva a considerar seus modos de pensar, sentir,

perceber e atuar como grupo social, distinto de outros. Esta abordagem ajuda a aprofundar e

positivizar outras abordagens. Como já colocamos, a abordagem biossomática e psicológica

nos ajudaram a enxergar os processos internos dos jovens; a abordagem sociológica, a

perceber os elementos da realidade que limitam e influenciam suas vidas.

A aproximação e abordagem cultural possibilitam perceber o exercício produtivo e

criador dos jovens25 em relação a si mesmos, aos outros, à natureza e a Deus. Isto nos faz

mergulhar na capacidade genial que lhes é própria de produzir sinais e símbolos que revelam

sua identidade e, por sua vez, se transformam na “carta de apresentação” no processo de

socialização. As culturas juvenis26 são respostas à realidade em que vivem. Estas são

respostas existenciais às grandes transformações das suas vidas,27 partilhadas com o grupo.

Por sua vez, não podemos deixar de enxergar que as culturas juvenis se inserem dentro

de uma realidade sócio-cultural maior, que caracteriza nosso tempo e hoje impregna até as

fibras mais íntimas da juventude. Isto nos leva a pensar e aprofundar a realidade do jovem na

cultura.

Qual é essa realidade sócio-cultural maior? As Conclusões do II Congresso

Vocacional do Brasil apontam que na atual realidade há dois fenômenos que caracterizam 24 Cf. DP 385-443. O documento nesses números trabalha o conceito de cultura e evangelização da cultura; e o dicionário Aurélio da Língua portuguesa nos diz que cultura é o complexo de padrões de comportamento das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais etc., transmitidos coletivamente e típicos de uma sociedade. 25 Cf. DP 391. Neste numero do documento nos diz: “A cultura é uma atividade criadora do homem pela qual responde à vocação de Deus que lhe pede que aperfeiçoe toda a criação (Gênese) e nela as próprias capacidades e qualidades espirituais e corporais.” 26 Isto está em perfeita harmonia com o afirmado acima da necessidade de falar de “juventudes” e não “juventude”. 27 Na aproximação psicológica trabalhamos a questão das atitudes vicárias (ou predominantes) como resposta diante das diversas crises e mudanças vividas pelos jovens. Nas expressões culturais estas respostas - atitudes vicárias - são socializadas e “asseguradas” pela “turma”. Por exemplo: um grupo que predominantemente esta conformado por pessoas em conflito com a família e a sociedade, provavelmente produzira expressões culturais em resposta a esses anseios. Na atualidade, podemos dizer que, o Hip Hop é uma expressão cultural que nos revela a resposta ou a reação dos jovens diante de determinadas realidades vividas ou padecidas.

28

nossa cultura e merecem particular atenção: a pós-modernidade e o retorno ao sagrado28.

Vamos estudar este fenômeno cultural mais adiante, mostrando como ele influencia e

condiciona os jovens, mas não os determina. Percebe-se também que estes geram maneiras

criativas como respostas, “produtos culturais de resistência” diante da realidade.

1.2. Alguns desafios da realidade para a juventude

Depois de ter percorrido as cinco aproximações da realidade queremos aprofundar

mais o contexto social, político e econômico no qual a juventude está inserida e, por isso,

sofre sua influência.

1.2.1. Os desafios da globalização

Olhando para a realidade mundial e latino americana, constatamos um fenômeno real

e complexo: a globalização. Não existe uma definição de globalização que seja aceita por

todos, mas basicamente entende-se como um processo ainda em curso de integração de

economias e mercados nacionais. No entanto, compreende mais do que o fluxo monetário e de

mercadoria; implica também a interdependência dos países e das pessoas e a uniformização de

padrões de comportamento, seja no âmbito social como no cultural. Apesar de ser um

processo antigo, só a partir da década de noventa a globalização alcançou dimensões

planetárias, favorecida pelo desenvolvimento da tecnologia da informática e das

telecomunicações29.

28 Cf. CNBB. 2 Congresso Vocacional do Brasil. Documento Final. Brasília: 2005, 8. 29 ESCOLA BRASIL. Globalização. Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/globalizacao.htm. Aceso em: 29 de novembro de 2006, 16:00 hs.

29

Entre as características mais importantes destacamos a comunicação mundial de forma

instantânea, o enriquecimento do saber, o intercâmbio de conhecimentos, de tecnologias e

bens, o fluxo de migração entre países e o aumento do peso das relações internacionais,

financeiras e políticas. 30

Por outro lado, contrário a este movimento de abertura e comunicação mundial, hoje

se destaca o perigo das intransigências nacionalistas, as diferenciações étnicas e os

dogmatismos e fanatismos religiosos, que trazem perigo à estabilidade mundial e à esperança

de um mundo em paz31.

Neste fenômeno da globalização sobressai a globalização da economia, que é a

primazia do modelo econômico capitalista neoliberal, que consagra o mercado como lei que

regulamenta as atividades, decidindo o destino da humanidade32. Este modelo, que se

desenvolve de maneira rápida, é alicerçado numa série de políticas desregulamentadoras e

privatizantes das economias nacionais dos países em desenvolvimento. O modelo econômico

reinante está justificado pela ideologia do neoliberalismo, que é um sistema que, ““apoiado

numa concepção economicista do homem, considera o lucro e as leis de mercado como

parâmetros absolutos, com prejuízo da dignidade e do respeito da pessoa e do povo””33.

Esta economia de mercado neoliberal também se concretiza na superação dos mapas

políticos pelas grandes empresas transnacionais e sua informatização que disputam entre si o

mercado de cada canto do mundo. Paradoxalmente, os países pobres têm que entrar na

dinâmica internacional para sobreviver e, por sua vez, por serem sócios minoritários e

endividados, esta inserção no mercado internacional gera mais pobreza em seu seio. As

grandes empresas transnacionais se instalam em países pobres, em troca de mão de obra 30 CF. CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006. (Documentos da CNBB. n. 71.) São Paulo: Paulinas, 2003, 45; Também fala do fenômeno da globalização: CELAM. Rumo à V Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe. Documento de participação. São Paulo: Paulinas e Paulus, 2005, 112-123. 31 Cf. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Espiritualidade Juvenil. Curso à distância. Envio n° 1. Buenos Aires, 2005. p. 4. Disponível em: www.pastoraldejuventud.org.ar/instituto. 32 Cf. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Ibidem., p. 4. 33 João Paulo II. Exortação apostólica Ecclesia in América. São Paulo: Paulus, 1999, 56b.

30

escrava e da sua transformação em grandes lixeiras do mundo, contaminando e piorando a

qualidade de vida da sua população34. Esta realidade gera dependência internacional,

veiculada pelo Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial, as empresas transnacionais

e outros organismos internacionais, como também acumulação de riquezas em grupos

hegemônicos e minoritários dentro dos países da América Latina e Caribe.

A distância entre ricos e pobres é cada vez maior. No começo do novo século, a

América Latina e o Caribe eram considerados a região menos eqüitativa do mundo. No final

dos anos noventa, 43,8% da população da região vivia na pobreza, ou seja, 211 milhões de

pessoas. Desta quantia, aproximadamente 42,18% da população, ou seja, 89 milhões, estavam

abaixo da linha da indigência35.

Em outros níveis de análise, esta região continental sempre se caracterizou pela riqueza

da existência de diversas culturas e tradições. Hoje a globalização e a introdução tecnológica,

que não têm fronteiras, produzem desvalorização e até a morte de algumas culturas originais.

Está produzindo uma ditadura da cultura e o pensamento único, que avança violentamente

sobre a riqueza e a fragilidade de nossas culturas.36

De modo simultâneo a este processo de desrespeito da dignidade das pessoas e dos

povos constatamos também traços positivos da globalização, como são os movimentos das

bases em defesa das identidades culturais, da ecologia e de grupos ameaçados. Gera-se desta

maneira uma rede de solidariedade internacional e formas criativas de resistência e de

promoção da dignidade das pessoas e das minorias; gera-se a assim chamada ““globalização

da solidariedade””EA 55. O conhecimento e a comunicação entre povos de diferentes

culturas e regiões foram permitindo a afirmação das identidades e da auto-estima, a

valorização da cultura própria e um processo de purificação de elementos culturais que

34 Cf. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Ibidem., p. 5. 35 Cf. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Ibidem., p. 5-6. 36 Cf. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Ibidem., p. 6.

31

abaixavam a dignidade das pessoas, como o machismo, a repressão da afetividade e da

sexualidade, o coronelismo político como também a submissão e passividade do povo.

No nível econômico e político regional foram surgindo a necessidade e a vontade da

integração dos povos do continente. Um dos exemplos no nível oficial é a criação do

MERCOSUL37, que foi dando os primeiros passos no processo de integração econômica,

cultural e política. Também temos que destacar que a economia globalizada trouxe para

muitos países da região o fenômeno da eficiência, o aumento da produção e, com o

crescimento das relações entre os países no âmbito econômico, a possibilidade de reforçar o

processo de unidade dos povos, em benefício e a serviço da família latino-americana e

caribenha38.

1.2.2. Desemprego: desafio para os novos trabalhadores

Os maiores problemas estruturais de nossa época, que enfrenta a América Latina e, em

especial, o Brasil, são o desemprego e as condições precárias de trabalho. Isto é provocado

por múltiplas causas, mas a “nova revolução tecnológica” da digitalização, informatização e

robotização é uma das grandes causas da substituição do homem pelas máquinas. O anexo 2

(situação sócio-econômica da juventude brasileira) do último documento de estudo sobre a

“Evangelização da Juventude”, diz que, segundo o IBGE, 49% do total de desempregados do

país em 2001 estavam na faixa entre 15 e 24 anos. Por sua vez, as condições de trabalho são

cada vez piores pela ausência de contratos, instabilidade e baixa remuneração. Também a

reestruturação produtiva, incentivada por programas de modernização tecnológica, promove a

37 Cf. No site oficial do Mercosul encontramos a seguinte descrição: “Os quatro Estados Partes do MERCOSUL compartilham uma comunhão de valores que encontra expressão nas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, de proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, incluindo seu compromisso com a consolidação da democracia, a segurança jurídica, o combate à pobreza e o desenvolvimento econômico e social com equidade.” Disponível em: http://www.mercosur.int/msweb/principal/contenido.asp. Aceso em: 19 de setembro de 2006, 00:20 hs. 38 CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 1999-2002. (Documentos da CNBB. n. 61.) São Paulo: Paulinas, 1999, 121.

32

redução de 1/3 dos postos de trabalho na indústria, atingindo especialmente a juventude39,

sobretudo os que procuram o primeiro emprego. Esta situação nos mostra o alto índice de

desemprego entre os jovens e a fragilidade dos que estão empregados, com graves

conseqüências para a sociedade40.

Segundo a pesquisa de opinião “Perfil da Juventude Brasileira41” a relação do jovem

com o trabalho e o desemprego é a seguinte: 36% está trabalhando, 32% já trabalhou e está

desempregado, 8% nunca trabalhou, mas está procurando trabalho, 24% nunca trabalhou nem

procura trabalho42.

O desemprego, além da pobreza e a miséria, entre outras conseqüências, ““provoca

deslocamentos populacionais, desenraizamento cultural, atinge a harmonia familiar, abala a

autoconfiança das pessoas desempregadas, infunde-lhes sentimentos de culpa e de perda dos

vínculos sociais””43. Esta experiência vivida pela população, especialmente a juventude, gera

uma profunda busca de segurança econômica e afetiva.

Os especialistas mostram que o desemprego é um dos principais responsáveis de uma

biografia pessoal e familiar fragmentada44. Os jovens ficam “quebrados”, vivendo na

incerteza e na dificuldade de tecer relações sérias e profundas, as quais se volvem utilitaristas

e superficiais. Segundo psicólogos especializados neste campo, o choque produzido pela

perda de emprego é o mesmo sofrido pelo efeito traumático da morte de um parente e, com

conseqüências psicossomáticas para a perda da saúde. Esta experiência faz perder a orientação

39 CNBB. Sem trabalho...por quê?. Texto-base. CF-99. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 1999, 25. 40 Para aprofundar na questão do desemprego como uma ameaça à vocação de toda pessoa humana ver em: OLIVEIRA, Jose Lisboa M. Pastoral vocacional e cultura urbana. São Paulo: Loyola, 2000. p. 59. 41 A pesquisa “Perfil da Juventude Brasileira” é uma iniciativa do Projeto Juventude/Instituto Cidadania, com a parceria do Instituto de Hospitalidade e do Sebrae. Foi realizada sob a responsabilidade técnica da Criterium Assessoria em Pesquisas, retomando e ampliando temas e questões investigados em outubro de 1999 pelo Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo. Trata-se de uma estudo quantitativo, realizado em áreas urbanas e rurais de todo o território nacional, junto a jovens de 15 a 24 anos, de ambos os sexos e de todos os segmentos sociais. Os dados foram colhidos em novembro e dezembro de 2003. Disponível em: http://www.projetojuventude.org.br/novo/assets/perfil_juventude_brasileira.ppt#405,59,Slide 59. Acesso em: 12 de agosto de 2006, 11:00 hs. 42 Cf. Perfil da Juventude Brasileira. p. 64. 43 Sem trabalho... por que? 10. 44 Sem trabalho... por que? 31.

33

na vida das pessoas45. A dificuldade dos jovens em conseguir o primeiro emprego46 leva ao

sentimento de exclusão da sociedade, internalizando uma mensagem negativa de

incapacidade, incompetência e inadaptação. Esta situação faz perder a capacidade de agir, de

desenvolver sua capacidade criadora, transformando-se num ser passivo e dependente dos

outros.

A incerteza pelo futuro leva os jovens a viver o presente (“curtir”), deixando-lhes sem

a capacidade de planejar seu futuro e construir seu projeto de vida. Esta atitude se manifesta

em todas as dimensões de sua pessoa e em cada atividade que realiza. Ficam sem poder fazer

nada (Mt 20,1-16). Essa situação torna-os alvos fáceis nas mãos do tráfico e da criminalidade,

porque oferece dinheiro fácil, porém às portas da violência e da morte prematura. Este não

poder fazer nada se vê reforçado pela falta de estruturas de lazer e possibilidade de formação,

sobretudo nas periferias.

Por outro lado, o alto índice de desemprego e a baixa oferta de trabalho leva-os a

aceitar empregos que não respeitam sua dignidade: horários “escravos” de trabalho, baixa

remuneração, pressão pela produção etc. O jovem no trabalho se converte em número, em

meio de produção e ganância dos patrões, o que tem grandes conseqüências para sua auto-

estima e construção de sua identidade.

A realidade do emprego e desemprego descrita tem muitas conseqüências para os

jovens na hora de pensar na elaboração de um projeto de vida inspirado no seguimento de

Jesus. Basta ver os jovens que conseguem emprego. Estes recuperam sua dignidade,

reconstroem sua auto-estima e voltam a ter capacidade de projetar sua vida. O jovem

empregado, que antes pensava só na sobrevivência, pode começar a sonhar, planejar seu

futuro e viver vínculos profundos de fraternidade de solidariedade.

45 Sem trabalho... por que? 32-33. 46 Cf. Primeiro emprego é instável e sem direitos. Folha de São Paulo. São Paulo, 1 de outubro 2006. Cotidiano. C10.

34

O trabalho da Pastoral da Juventude com o jovem subempregado e desempregado é de

vital importância, para ajudar-lhes a descobrir as causas verdadeiras e estruturais de sua

situação e na descoberta da potencialidade escondida nas suas vidas. Por outro lado, a Pastoral

da Juventude tem que continuar cultivando mais que nunca a dimensão profética de sua

missão para denunciar as estruturas de pecado que causam esse mal e para propor políticas

públicas em benefício da formação e emprego da juventude.

1.2.3. Educação e profissionalização: metas a serem perseguidas

Na atualidade, o mundo do trabalho exige boa escolarização para aspirar a um

emprego bem remunerado, ter os elementos necessários para exercer protagonismo na

sociedade e ter satisfação pessoal e familiar. Há de fato uma certa correlação entre as baixas

condições econômicas da população e a escolaridade. Esta situação que vivemos como

sociedade nos defronta com a realidade da educação47.

Os dados estatísticos da alfabetização e do analfabetismo no Brasil segundo o IBGE-

Censo 2000 são os seguintes: a população de 15 anos ou mais é de 119.533.048; a população

alfabetizada 103.238.159; a população analfabeta 16.294.889. Segundo estes dados a taxa de

analfabetismo é de 13,63%48.

No meio da juventude constata-se uma melhoria nos níveis de alfabetização. Mas há

diferentes realidades vividas pelos jovens, já que temos alguns que só estudam, outros que

estudam e trabalham e tem aqueles que não podem estudar pela miséria e pobreza. Essa

diferença de dedicação sem dúvida repercute na preparação e capacitação do jovem no seu

desenvolvimento futuro.

47 Sem trabalho... por que? 25. 48 MEC. Programa Brasil Alfabetizado. Disponível em: http://www.mec.gov.br/secad/sba/inicio.asp. Acesso em: 18 de agosto 2006, 8:45 hs.

35

Na atualidade, superando o grande esforço de muitos docentes, para melhorar a

qualidade de trabalho e a busca contínua de reciclagem profissional, é lamentável que em

muitos lugares ainda usam-se pedagogias “condutivas e bancárias”, na linguagem de Paulo

Freire. Este estilo de educação exige dos jovens passividade e submissão, abafando, desta

maneira, a criatividade, deixando de cultivar o seu protagonismo na sociedade. O texto base

da Campanha da Fraternidade do ano 1992 sobre a juventude nos fala claramente da crise que

ainda vive o sistema educativo brasileiro:

O descaso e o abandono da educação pelas sucessivas políticas governamentais

levam as escolas públicas ao sucateamento. Faltam bons professores (devido aos

baixos salários), giz, bibliografia e laboratórios, agravando a situação nas periferias

e zonas rurais... A escola particular vive situações críticas para manter seu padrão.

Em geral as administrações públicas, em todos os níveis, aplicam pouco do orçamento

para a educação, e boa parcela é aplicada na burocracia, demonstrando o pouco

valor que se dá a esta questão (CF 92 n.49).

A pesquisa “Perfil da Juventude Brasileira”, a respeito da educação, nos diz que 76%

dos jovens do Brasil estudaram em escolas públicas, 17% em escolas públicas e privadas e

5% só em escolas privadas. Por outro lado, diante da pergunta sobre a importância da

educação para diferentes itens, 76% respondeu que é importante para seu futuro profissional,

58% para conseguir trabalho49. Estes dados mostram quão cruel pode ser o sistema educativo

brasileiro, já que os que saem de uma escola pública dificilmente entram numa universidade

do estado e muito menos numa particular pela baixa renda familiar. Além disso, a escola não

o capacita para o mercado de trabalho; em muitos lugares é só um sistema de “contenção”.

49 Cf. Perfil da Juventude Brasileira. p. 59.

36

Também não podemos deixar de mencionar o surgimento de sinais claros de esperança

por meio das experiências de escolas profissionalizantes para jovens de periferia, como

também redes de microemprendimentos, políticas públicas para a juventude que visam a

incorporação do jovem ao mercado de trabalho.

Até agora descrevemos a realidade da educação quantitativamente e alguns elementos

que podem favorecer a sua qualidade (pedagogia, formação do corpo docente, condições

salariais e materiais), e caímos na conta da precariedade da educação no Brasil. Neste sentido

o desafio da PJ é ter uma postura profética diante desta realidade e reivindicar instâncias de

formação profissionalizante no meio das periferias urbanas.

Outro problema sério é a capacidade da escola, como instrumento de educação formal,

em formar pessoas integralmente, sem descuidar nenhuma das suas dimensões, com a

suficiente capacidade crítica para tornar a juventude protagonista da transformação da

sociedade. Esta realidade da educação desafia profundamente a PJ em sua capacidade de

formar homens e mulheres com capacidade de refletir, com consciência crítica, capazes de

discernir na realidade do mundo os sinais dos tempos, os sinais da presença da vida e de

morte no meio da sociedade, descobrindo sua missão no meio dessa realidade. Se acontece de

outra maneira, lamentavelmente, o jovem, que não tem capacidade de refletir criticamente,

possivelmente vai ser por toda a vida uma pessoa alienada, usada pelos interesses do

“Mercado e do Capital”.

1.2.4. O impacto negativo dos MCS na vida das pessoas

Os meios de comunicação social de massa têm uma missão muito importante na vida

das pessoas e na construção da sociedade. Tradicionalmente sua função é informar, educar e

entreter. Nos últimos tempos, os MCS alcançaram tanta importância que ganharam uma

credibilidade que os converteu em criadores de cultura e tendências políticas. Estes, chamados

37

“o quarto poder”, interferem na vida da nação e das pessoas. São eles que determinam o que é

ou não é notícia, são eles os que fazer aparecer ou desaparecer os grandes ídolos do esporte e

do mundo artístico. As pessoas, e especialmente os jovens, mudam de comportamento,

assumem modas e valores transmitidos pela mídia, que geralmente respondem aos interesses

econômicos do consumo e de setores minoritários da sociedade.

Os MCS podem produzir um forte impacto nas pessoas, alterando os padrões de

consumo e provocando uma grande frustração. Os meios provocam a generalização do

conhecimento dos bens de consumo, sem ter em conta a frustrante realidade de que só uns

poucos têm possibilidade de aquisição desses bens. Estes bens são apresentados como aqueles

que garantem o bem estar e a felicidade almejada. Tal frustração pelo desejo não alcançado

tem muitas conseqüências sociais, seja pela manipulação sofrida pelo povo ou pela reação

violenta daqueles que não têm possibilidade de alcançar esses bens.

A família também é atingida pela influência dos MCS na gestação de modelos

familiares e parâmetros culturais. Basta dar uma olhada em alguma novela das 20 horas, em

qualquer emissora, para ver os modelos de família aí apresentados. A conseqüência mais

grave para as famílias é a substituição do diálogo e a partilha causados pela TV e Internet.

Isto que acontece nas famílias está presente também nas experiências comunitárias de

caráter religioso. Na cidade, principalmente, é cada vez mais difícil que as pessoas se

encontrem fora de casa nos horários noturnos, para celebrações litúrgicas e reuniões

comunitárias. Estas não sentem a necessidade de participar da comunidade para viver sua fé

porque têm facilidade de encontrar programas religiosos radiofônicos e televisivos. O grande

desafio da Igreja para com os MCS é oferecer programas sérios para o crescimento da fé e não

cair na ambigüidade da mercantilização e banalização do religioso, utilizando este só para

entreter o público.

38

Muitos jovens de nosso tempo foram mudando a maneira de relacionar-se, deixando

de lado a amizade, o namoro e as relações reais e diretas por relações virtuais pela Internet:

em comunidades virtuais, amizades e namoros de diferentes partes do mundo onde o encontro

com estas pessoas é temido. Se as gerações anteriores tinham medo do sexo, podemos dizer

que as novas gerações têm medo do amor. A PJ tem que ajudar o jovem a reencontrar-se com

o outro por meio de experiências positivas de convivência e amizade e a perder o medo do

amor e do compromisso nas relações.

Como vimos, a presença dos MCS influencia quase todas as dimensões das pessoas e,

com muita facilidade, estas são massificadas e manipuladas. Por este motivo, existe a

necessidade de formar as pessoas para se relacionar com a mídia de maneira crítica, para

reagir e negar audiência a programas alienantes e de baixa qualidade e a tudo o que tenta

manipular as consciências50.

Segundo a pesquisa de opinião “Perfil da Juventude Brasileira”, na parte em que trata

dos hábitos dos jovens em relação à mídia, de 2˚ a 6˚ feira, 91% dos jovens consultados

assistem TV, 89% ouvem rádio e 17% navegam na Web; no final de semana, 87% dos jovens

consultados assistem TV, 89% ouvem rádio e 17% navegam na Web. Quando a pesquisa

pergunta sobre as atividades mais realizadas pelos jovens de 2˚ a 6˚ feira, assistir TV está

primeira com 91%, ouvir rádio 89% e encontrar-se com amigos 82%. No final de semana,

entre as atividades mais realizadas estão: 90% encontrar amigos, 89% ouvir rádio e 87%

assistir TV51.

Como podemos ver, a influência dos MSC na vida dos jovens, sobretudo nas horas

livres, é um tema preocupante que precisa ser debatido com eles e com a sociedade em geral,

para que estes cumpram sua função social e educativa e para que façam um uso adequado e

crítico.

50 Nos desafios da PJ diante da educação podemos encontrar pistas para abordar este tema. 51 Cf. Perfil da Juventude Brasileira. p. 88.

39

Outro elemento importante que não devemos deixar de lado na relação dos MCS e os

jovens é a linguagem e a virtualização das relações. A linguagem dos MCS (TV, rádio,

Internet e outros) é rápida, curta, direta e preferentemente audiovisual. Para a evangelização

da juventude temos que avaliar nossa linguagem eclesial que, muitas vezes, é ineficiente,

longa, pouco direta e muito racional e fazer as mudanças necessárias para que a Boa Notícia

possa chegar por meios mais adequados.

1.2.5. A luta pela sobrevivência: drogas e violência na contramão

A falta de perspectivas, a precariedade da vida, a desestruturação das famílias etc.,

leva os jovens a mergulharem na tarefa heróica da sobrevivência e de encontrar sentido para

suas vidas; lamentavelmente, um grande número fica mergulhado no sem sentido e preso na

ilusão das drogas.

O mundo das drogas não pode mais ser tratado como um universo compacto e

uniforme. Há diferentes tipos de drogas, de consumidores, de traficantes. O que temos certeza

é que o consumo cresceu e afeta, sobretudo, a juventude. Numa pesquisa com jovens,

publicada na “Folha de São Paulo” em 200552, encontramos os seguintes dados:

85% dizem que os jovens estão exagerando no consumo de bebida alcoólica; 94% que

as drogas estão fáceis, próximas, e o consumo praticamente não é reprimido; 36%

afirmam que a droga é o maior problema apontado pelos jovens; 74% acreditam que

poucos jovens chegarão aos 30 anos sem terem pelo menos experimentado algum tipo

de droga ilegal; 33% concordam que é possível o consumo responsável de drogas

52 Pesquisa mostra como o jovem define sua geração. O Dossiê Universo Jovem 3 entrevistou 2.359 adolescentes, de 15 a 30 anos, das classes A, B e C das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Porto Alegre. O trabalho revela como anda a relação dos jovens com o sexo, drogas, beleza e tecnologia da comunicação. Foi publicada na “Folha de São Paulo” no dia 23 de maio de 2005. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd230505c.htm. Acesso em: 20 de agosto de 2006, 11:00 hs.

40

ilegais; 71% posiciona-se contra a legalização da maconha; 33% concordam com a

frase “o tráfico tem um papel social e econômico na comunidade”.

A realidade descrita na pesquisa revela o fator preocupante da situação que estamos

vivendo, tendo em conta os efeitos da droga na vida do consumidor e a sua relação crítica

com a sociedade. Há basicamente dois tipos de consumidores: os da primeira experiência e os

adictos.

Há jovens que experimentam pela primeira vez para satisfazer a curiosidade, mas não

gostam, ou a informação dos males causados por ela o freiam, ou conseguem alguém que os

liberte no início. Outros consumem esporadicamente e ficam fazendo equilíbrio na corda

bamba, mas a droga não os domina.

O problema mais grave é o jovem adicto. Faz uso sistemático, descontrolado de uma

ou varias substâncias químicas, com repercussões negativas em diferentes áreas de sua vida.

Estes formam o grupo dos dependentes químicos, onde quase sempre transitam por um

caminho de mão única. A porta de entrada das drogas é o prazer, que responde ao desejo de

felicidade. As drogas são uma promessa de satisfação total, e no começo está o gozo, mas

depois vem a tragédia da insatisfação.

Lamentavelmente, o jovem consumidor e adicto da periferia entra num beco sem

saída: a adição vai crescendo e, junto com esta, o endividamento. Isto leva o jovem ao mundo

da delinqüência, alimentando sua dependência pelo furto, o tráfico e a submissão ao

narcotraficante. Este mundo de relações com freqüência desencadeia em violência e até

morte.

Segundo Oded Grajew53, o crime organizado no Brasil conta para suas atividades 20

milhões de jovens de 16 a 24 anos de baixa renda e escolaridade e desempregados. Muitos dos

53 Oded Grajew, 61, empresário, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e membro do Conselho do Pacto Global, das nações Unidas e do Conselho de

41

que ficam fora do mercado do trabalho por falta de oportunidade acabam aceitando, por falta

de opção, correr o risco do roubo, do assalto, do seqüestro, do assassinato, do tráfico de

drogas e armas. São grandes vítimas da violência e do crime54.

Esta situação de precariedade em que vivem os jovens agrava-se mais ainda quando

consideramos os índices de violência sofrida por eles: 57% das mortes entre jovens são

causadas pela violência: acidentes, homicídios, suicídios. O dado surpreendente e alarmante é

o seguinte: na guerra entre Israel e Palestina morreram 467 crianças entre 1987 e 2000. No

mesmo período, no Rio de Janeiro, morreram 3.937 menores de idade por ferimentos à bala.

No ano 2000, dos jovens que morreram, 74,3% perderam sua vida por homicídios, suicídios

ou acidentes de trânsito, sendo que 55% foi por assassinato. Por outro lado, a maioria dos atos

de delinqüência e violência na sociedade é cometida por jovens em estado de risco55.

O crescimento da violência no mundo todo e na região é um fato. A atuação do

narcotráfico, das gangues, da polícia, dos grupos para-militares, das guerrilhas, a violência

urbana nas periferias das grandes metrópoles gera desestabilização social. Isto se transforma

numa ameaça para o futuro das crianças e dos jovens e para o crescimento dos países56.

Sem dúvida, o primeiro desafio que a sociedade e a Igreja enfrentam é a inclusão

social da juventude em termos de formação, lazer e trabalho. Precisamos novamente fazer

uma opção pela juventude e, de maneira especial, pela juventude empobrecida. Outro

elemento importante é favorecer os espaços nas comunidades de pastorais e associações que

trabalham com a dependência química, como a Pastoral da Sobriedade, ALANOM etc. Estes

espaços comunitários aproximam novas alternativas aos jovens que optam por mudar de vida.

Desenvolvimento Social e Econômico. Foi idealizador do Fórum Social Mundial, idealizador e presidente da Fundação Abriq (1990-98) e assessor do presidente da República (2003). 54 GRAJEW, Oded. Contra o crime, um pacto pela juventude. Folha de São Paulo. São Paulo, 18 de agosto 2006. opinião A3. 55 LIBANIO, J.B. Op. Cit. p. 77. 56 Rumo à V conferência... 137-138.

42

No nível educativo, precisamos criar uma cultura de paz no seio das famílias, dos

bairros, das grandes cidades. Em todo o Brasil, existem muitas iniciativas criativas, como

jornadas de oração e caminhadas pela paz57; concurso de músicas, de desenhos, de poesias

inspiradas no desejo de paz; jornadas, cursos, debates, fóruns, encontros de jovens; todas as

iniciativas que servem para gerar uma cultura de fraternidade e paz, uma maneira de viver as

relações longe da violência e da morte.

Na medida em que os jovens vão participando neste tipo de eventos, junto com outros,

vão sentindo-se parte de um projeto que é maior do que eles, vão sensibilizando-se diante da

realidade e tomando consciência que, como cristãos têm que responder com suas próprias

vidas diante do chamado de Deus, que os convida a construir seu Reino.

1.2.6. Caminho a ser perseguido: viver a cidadania, a construção da

democracia.

A democracia é um regime político no qual a soberania reside no povo e é exercida

por ele de maneira direta ou indireta. A palavra democracia deriva da palavra grega

δημοκρατíα, composta por δημος (DEMOS), que significa “povo”, κρατειν (KRATOS) que

quer dizer “governar”, e o sufixo íα. Literalmente, significa, “governo do povo”. Na

atualidade, os sistemas democráticos no mundo são de tipo representativo, onde o povo

escolhe os representantes para governar e legislar. A democracia está baseada nos princípios

da soberania popular e da autonomia e equilíbrio dos diferentes poderes: executivo, legislativo

e judiciário 58.

57 Em nossa Paróquia participamos de duas caminhadas em favor da paz. O 1 de janeiro, acontece há 10 anos, a Caminhada da paz, na Paróquia São Geraldo Magella, onde se fazem concurso de musica e desenhos. A outra caminhada é no mês de junho, na Paróquia Jesus de Nazaré, lembrando o martírio do Pe. Leo Comissari, Italiano da diocese de Imola, assassinado pelo narcotráfico pelo trabalho com a juventude da favela mediante uma escola profissionalizante. 58 Conferir mais informação sobre o que é a democracia, a origem, o desenvolvimento histórico em: WIKIPEDIA, la enciclopédia libre. Democracia. Disponível em: http://es.wikipedia.org/wiki/Democracia . Acesso em: 23 de agosto 2006, 10:20 hs.

43

No século XX, os países da América do sul foram vivendo experiências de processos

democráticos interrompidos por ditaduras militares, mas nos últimos 20 anos, após muita luta

e sangue derramado, nossos países estão vivendo a consolidação do sistema democrático, o

que é um processo lento, construído pela participação das pessoas que se organizam e

mobilizam. Esta experiência de participação é um patrimônio histórico do povo brasileiro,

formado pelos movimentos sociais, sindicatos, pastorais e partidos políticos.

Mas este belo processo de conscientização, protagonismo e exercício da cidadania está

sendo manchado pela corrupção, as más administrações estatais e a perda de influência do

Estado pela privatização das empresas estatais e o crescimento do poder dos grupos

econômicos, ficando o Estado com o mínimo de sua expressão.

Esta realidade imposta e os novos paradigmas culturais (pós-modernidade)

provocaram a desvalorização da participação política e, por esse motivo, o enfraquecimento

da democracia real59. Isto se vê claramente na pesquisa de opinião “Perfil da Juventude

Brasileira” quando pergunta sobre a sua participação em grupos de jovens ou de qualquer

tipo, 85% não participa e só 15% estão inseridos em grupos60. Mas na mesma pesquisa ao

perguntar se gostariam de participar em grupos em benefício do bem comum, uma

porcentagem alta de jovens tem o desejo de participação. O potencial transformador da

juventude continua presente no coração dos jovens, só falta “avivar o fogo que está embaixo

das brasas”.

A desvalorização da participação política favorece o crescimento do poder dos grandes

grupos econômicos multinacionais que pretendem impor à sociedade aquilo que os favorece, e

substituir as instâncias políticas, às vezes, até comprando os representantes do povo para

agirem em beneficio próprio. Em contrapartida, a opinião pública procura corrigir as decisões

59 Rumo à V conferência... 129-135; Diretrizes gerais... (doc. 71) 48. 60 Cf. Perfil da Juventude Brasileira. p. 50.

44

políticas com maior vigilância, fazendo pressão popular em favor das causas que lhe parecem

essenciais: contra a guerra, exploração econômica, corrupção, direitos humanos etc.

A corrupção e a impunidade presentes nos diferentes poderes do Estado, o crescimento

da pobreza e a ostentação de riqueza de muitos representantes do povo gerou desencanto e

desconfiança nos partidos, nos políticos e nas instituições públicas, afastando a juventude de

tudo aquilo que possa estar vinculado com a política. Também não podemos deixar de

enxergar o crescimento da vinculação de pessoas, especialmente jovens, em movimentos

populares e organizações não governamentais (ONG), em defesa dos direitos individuais e

coletivos.

O Brasil está vivendo um momento histórico onde deve reconstruir a confiança da

população na democracia (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), e incentivar a

participação política e cidadã61. Este desafio e as grandes questões a serem resolvidas no País

não se resolvem com a eleição de um homem ou uma mulher para certo cargo político ou

legislativo. Precisamos mudar a mentalidade que reforça visões apocalípticas e messiânicas.

Na atualidade, nem o voto consciente é suficiente. É necessário acompanhar os

representantes eleitos, colaborando e cobrando para que os compromissos e promessas de

campanha sejam cumpridos; urge favorecer a participação popular nos diferentes Conselhos

de Políticas Públicas, que possibilitam o exercício de cidadania e do controle social

(conselhos de saúde, educação, crianças e adolescentes idosos e outros), e nas organizações

dos bairros e cidades que favoreçam o bem comum62.

A questão da cidadania é central na formação dos jovens na atualidade. Abrir os olhos

à realidade social e política é abrir os olhos à questão vocacional. Na medida em que o jovem

vai crescendo na capacidade de consciência crítica, descobrindo a vontade e o sonho de Deus

para seu povo e vai encontrando caminhos concretos de participação ao alcance deles, esse 61 CF. Diretrizes gerais... (doc. 71) 48,167,168,171,173. 62 Cf. Estes e outros desafios, podemos encontrar na introdução do documento da CNBB, em preparação para as eleições 2006. CNBB. Eleições 2006. (Doc. da CNBB n. 82). São Paulo: Paulinas, 2006. p. 11-13.

45

jovem, sem dúvida, já entrou na dinâmica vocacional e é um passo fundamental para a

elaboração do projeto de vida e sua opção vocacional. Podemos dizer que ser cristão é ser

cidadão.

Lamentavelmente, hoje são promovidas dentro da Igreja correntes espirituais que

pregam a “fuga do mundo”, que não favorecem a formação da consciência crítica nem a

participação cidadã, provocando nos jovens uma profunda “alienação espiritualista”. Por isso

é necessário promover espaços, dentro da PJ e dos Movimentos que trabalham com a

juventude, que alimentem a indignação diante de realidades sofridas diretamente, que os tire

da “anestesia social”. As Semanas de Cidadania, a celebração do Dia Nacional da Juventude

(DNJ), as passeatas reivindicando políticas públicas da juventude, a participação no Dia da

Consciência Negra e outros eventos sociais locais, podem ajudar no crescimento da

consciência social.

1.2.7. Desafios domésticos: mudanças de paradigmas

Poderíamos ter começado pelo tema da família, já que dela surgem as melhores e as

piores coisas dos jovens. A família influencia tremendamente a vida da juventude, de maneira

positiva ou negativa. Mas abordaremos por último a questão da família, porque ela é uma das

instituições mais vulneráveis diante das mudanças sociais e culturais da sociedade e em seu

seio se manifestam os sintomas da problemática social.

A primeira grande mudança é a passagem do mundo rural para o urbano, provocando

grandes conflitos na educação dos filhos, pelas diversas maneiras de encarar a vida. Há no

seio da família um conflito geracional e, sobretudo, cultural. Outro fator importante é a

mudança dos modelos de família. Hoje, na cidade, não podemos dar por suposto o modelo

tradicional de pais e filhos do mesmo matrimônio na mesma casa. Do ano 1995 a 2005 o

perfil tradicional de família diminuiu de 57,6% para 50% do total. Cresceram nos últimos dez

46

anos as famílias com um único morador (10% do total), os casais sem filhos (15,2%), as

mulheres solteiras com filhos (18,3%) e outras formas de arranjos (6,3%)63. Como podemos

perceber, a realidade atual coloca-nos diante da mais variada composição familiar. Desde a

presença heróica e solitária das mães na educação dos filhos, passando pelo convívio de filhos

da segunda ou terceira experiência matrimonial com parentes e amigos até casais

homossexuais educando filhos próprios ou adotivos.

Um assunto especialmente relevante é o da violência na família, fruto de múltiplas

causas sociais e culturais. Entre elas podemos citar a falta de condições de vida, os baixos

salários, o desemprego, a dependência química do álcool e das drogas e o arraigado machismo

cultural de homens e mulheres. Entre todos os fatores que influenciam destacamos também a

presença e influência relevante dos MCS na gestação de parâmetros culturais.

Esta perda de parâmetros claros, a tolerância extrema e vivências pouco duradouras

das relações familiares, não fazem senão confundir os jovens e levá-los a pensar que nada na

vida é para sempre e que tudo é relativo. Isto traz conseqüências gravíssimas para a juventude

na hora de pensar na elaboração do projeto pessoal de vida como resposta vocacional.

Nossas comunidades, e de maneira especial as comunidades de jovens, são chamadas a

ser a família que os jovens não encontram em suas casas. O perigo grande é que se produza

um processo inverso ao da evangelização, onde as maneiras agressivas de relacionamento, a

falta de diálogo, o machismo e até a agressividade se trasladem para a comunidade. Na

realidade, é a comunidade que tem que ser um ambiente evangelizador, que transforme as

pessoas e as famílias. A comunidade tem que ser casa e escola de relacionamento e

comunhão.

Em nossos tempos, precisamos cultivar as relações e a vida das comunidades para que

estas cumpram sua missão no meio de tantas famílias desintegradas. O chamado acontece na 63 GOIS, Antonio; SOARES, Pedro. Modelo “pai, mãe e filhos” perde espaço. Folha de São Paulo. São Paulo, 21 de dezembro 2006. Cotidiano C8.

47

família e na comunidade e, se não soubermos viver em comunidade, com certeza não vamos

saber descobrir o chamado de Deus.

1. 3. Cultura atual e juventude

É muito importante compreender a relação da cultura com a vida da juventude e como

esta influencia nela e como a juventude responde, de maneira criativa, gerando culturas

juvenis. Estas são respostas de resistência diante da realidade em que vivem.

Continuando, vamos situar o jovem na cultura atual, chamada por muitos autores de

“pós-moderna”. Para compreender a cultura pós-moderna é necessário aprofundar algumas

questões da cultura moderna. Esta fornece o chão necessário para refletir sobre a realidade

que estamos vivendo e, sobretudo, nos ajuda a ler corretamente alguns dados da realidade da

juventude que tem a origem nessa cultura. Como veremos, os traços de uma ou outra cultura

não se manifestam de maneira “pura” na vida das pessoas, mas, sim, podemos dizer que

predominam certos traços de algumas delas. Esses elementos se mesclam, interagem, entram

em conflito e se harmonizam na vida dos jovens. O importante é saber discernir e conhecer a

realidade na qual estamos trabalhando.

1.3.1. Influência da cultura moderna sobre a juventude64

A modernidade costuma ser entendida como um ideário ou visão de mundo que está

relacionada ao projeto de mundo moderno. Podemos dizer que esta é uma idéia reguladora,

64 Os temas da influência da modernidade na juventude estão inspirados numa contribuição de Jorge Boran, num encontro de especialistas de Pastoral da Juventude e Pastoral Vocacional, convocado pelo CELAM, em Buenos Aires. BORAN, Jorge. Numa perspectiva pastoral: A realidade da juventude latino-americana sob o ponto de vista social, econômico e cultural. PJ a caminho. Edição especial. N° 98. Porto Alegre: IPJ, 2005. p. 9-12.

48

uma cultura, um estado do espírito (conjunto de aspirações, buscas e valores)65, marcada por

seu dinamismo e por sua rejeição da tradição, ou sua marginalização. Por tradição entendemos

o conjunto de regras estabelecidas pela comunidade da aldeia e pela vida religiosa ou pelos

anciãos ou reis que estavam no poder. A modernidade substitui essas regras, com seu caráter

de aceitabilidade inquestionável, por regras novas relativas às rotinas da vida da fábrica ou

aos regulamentos da organização burocrática66. Por outro lado, o ponto central da visão de

futuro da modernidade se relaciona fortemente com a crença no progresso e com o poder da

razão humana de produzir liberdade67.

Na procura de caracterizar o momento histórico da modernidade, segundo Roberto

Follari, encontramo-nos com diferentes posições. Uma posição situa o início da modernidade

no começo do século XVI, final da Idade Média. Os traços diferenciais da modernidade são: o

final da legitimação teológica do poder político, a aparição da vida urbana como centro

econômico e cultural, o desvanecimento das corporações para a apropriação da riqueza em

mãos privadas e a racionalização crescente em todos os âmbitos da existência social e pessoal.

Isto levou ao surgimento da ciência empírica moderna (Copérnico e Galileu)68.

Outra posição refere-se à modernidade em termos de maquinismo e de revolução

industrial. A modernidade seria o que tem a ver com a industrialização, a urbanização, os

meios de comunicação, que mudaram radicalmente a vida das pessoas no dia a dia. Esta

concepção nos leva a pensar nos séculos XIX e XX69. Nesta concepção, para entrar na

modernidade, teriam que acontecer as mudanças necessárias relacionadas à revolução

industrial como, por exemplo, de assistência mecânica para o trabalho e dependência de

65 REDONDO CASTANERA, Eduardo Gonzalo. Modernidad, desafío para la misión en el mundo global. 2002. p. 12. Dissertação (Mestrado em teologia sistemática). Faculdade de teologia Nossa Senhora de Assunção, Centro Universitário Assunção, São Paulo. 66 Cf. LYON, David. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998. p. 37. 67 Cf. LYON, David. Op. Cit. p. 35. 68 Cf. FOLLARI, Roberto A. Modernidad y posmodernidad: uma óptica desde América Latina. Buenos Aires: Aique, 1994. p. 16-17. 69 Cf. FOLLARI, Roberto A. Ibidem., p. 16-17.

49

fontes de energia inanimadas para a força motriz70. Follari acredita que a revolução industrial

do século XIX é uma radicalização das tendências já existentes desde o século XVI.

Esta última interpretação pode encaixar no conceito de modernização a qual não se

refere a uma época e sim a um processo. O termo, muito discutido hoje na América Latina, e

não na Europa, porque lá a modernização já aconteceu e foi criticada, aplica-se às atividades

pelas quais alcançam-se os níveis mais altos da modernidade. A modernização não fará

chegar à época moderna se não chegar aos níveis mais altos de racionalização científico-

tecnológica que caracteriza a época. A modernização é um termo mais ligado aos processos

econômicos, sociais e culturais relativamente contemporâneos de prazos mais breves71.

Nos anos 70 e 80, na América latina, houve um processo de modernização e, devido a

isso, uma forte influência da cultura moderna sobre a maneira de comportar-se da juventude

latino-americana. O processo de urbanização, que colaborou com a penetração desta nova

mentalidade, no Brasil, nos anos 50 chegava a 35% e hoje está próximo aos 81,25%72. Esta

nova mentalidade foi gerando uma nova maneira de viver e dar sentido à vida. As grandes

transformações na vida dos jovens são:

De uma atitude fatalista a uma atitude de escolha. Na cultura pré-moderna, as

pessoas nascem num lugar determinado, numa classe social determinada e nada podem

mudar. Essa realidade é até querida por Deus. Essa atitude fatalista da cultura pré-moderna

muda na modernidade. As pessoas começam a descobrir que a realidade pode mudar, que o

futuro está nas mãos das pessoas, nas escolhas pessoais e sociais do povo. A liberdade e o

protagonismo ganham lugar, deixando de lado a resignação73.

De uma religião dogmática à testemunhal. A Igreja católica impregnada pela

cristandade foi uma Igreja que alimentou uma fé inspirada no dogmatismo e no princípio de

70 Cf. LYON, David. Op. Cit. p. 36. 71 Cf. FOLLARI, Roberto A. Op. Cit., p. 20. 72 Cf. Diretrizes gerais... (doc. 71) 50. 73 Cf. Diretrizes gerais... (doc. 71) 51.

50

autoridade. A cristandade desapareceu, mas continuam presentes alguns traços e tendências da

época, os quais entram em confronto com a nova mentalidade da juventude. Os jovens que

vivem impregnados dos valores da modernidade valorizam mais o testemunho e a coerência

de vida do que a formulação dogmática. Estes jovens, podemos dizer, têm anticorpos por tudo

aquilo que vêm de cima e é justificado desde a autoridade.

Do teocentrismo à autonomia das realidades terrenas. Esta transformação acontecida

na modernidade se manifesta em dois fenômenos: o secularismo e a secularização. O

secularismo74 nega a existência de Deus e acredita que só a ciência pode explicar o

significado da vida. Esta mentalidade está muito presente nos meios universitários, seja nos

livros, nos professores e na mentalidade reinante. Nestes meios, a Igreja e a fé são causas de

gozação e percebidas como meio de opressão e empecilho para o progresso. A secularização é

algo muito deferente. Ela é um valor da modernidade. Esta não nega a religião, mas exige a

autonomia da ciência. A secularização veio purificar elementos negativos da cultura pré-

moderna que colocava no centro a religião e não deixava a autonomia necessária às coisas do

mundo e à ciência. A secularização, por outro lado, reconhece que a ciência e o progresso não

podem dar resposta às grandes questões da vida como a morte, o sentido da vida e muitos

dramas pessoais.

Estas grandes transformações da modernidade vividas pelas pessoas trouxeram valores

importantes que foram assumidos pela juventude. Entre estes podemos citar a democracia, a

transparência, os direitos individuais, a liberdade, a valorização da sexualidade, a igualdade

das mulheres etc. Estes novos valores que aparecem na cena da vida dos jovens influenciam

na maneira de viver a fé e no entrosamento eclesial.

Como toda experiência histórica de mudança, muitas vezes se vive a experiência do

pêndulo, passando de um extremo ao outro. O importante é acolher estes valores e purificar

74 Cf. Rumo à V Conferência... 98.105-106.

51

tudo aquilo que se faz empecilho para a valorização da dignidade da Pessoa Humana. A

Pastoral da Juventude se estruturou e construiu seu fundamento, impregnada desta

mentalidade. Nesse processo histórico podemos destacar a formação da consciência crítica

dos jovens da PJ, valorizada por todos os movimentos sociais e políticos; a vivência de uma

espiritualidade encarnada e comprometida com os mais pobres; a capacidade de diálogo com

a sociedade desde uma proposta teológica aberta ao mundo e às questões sociais; o

surgimento de leigos e leigas, padres, religiosos e religiosas que renovaram a vida da Igreja; o

surgimento de testemunhas e profetas que chegaram até derramar seu sangue.

Por outro lado, o contexto histórico de transição da ditadura à democracia, a

reconstrução do tecido social pela participação política e social, a urgência das mudanças que

tinham que acontecer, não podemos deixar de mencionar, levaram membros da Pastoral da

Juventude a cometer alguns exageros como a unilateralidade da vida de fé pelo compromisso

político; a desvalorização das manifestações religiosas na religiosidade popular; o

esquecimento da subjetividade; a falta de sentido eclesial; e a dificuldade de viver uma

espiritualidade afetiva e amical com Deus75. Por este motivo, temos que prestar atenção para

que o processo formativo que acontece na Pastoral da Juventude seja integral e não seja

mutilada nenhuma das dimensões essenciais da fé.

1.3.2. Influência da cultura pós-moderna sobre a juventude

Desde o final do século passado, estão acontecendo mudanças muito

significativas no mundo. Seguindo alguns autores e documentos de estudo da Igreja76

75 Isto podemos analisar hoje, mas temos que ter cuidado de não cair no anacronismo histórico julgando a época a partir dos parâmetros culturais e teóricos atuais. 76 Esta opção conceitual, encontramos em David Lyon, professor de sociologia em Canadá e especialista e pesquisador na área de teoria social e aspectos sociais das novas tecnologias (Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998); também no livro do Celam, que é uma síntese amadurecida da caminhada, onde apresenta uma proposta e orientações para a pastoral da juventude Latino-americana (Civilização do amor: tarefa e esperança. São Paulo: Paulinas, 1997); e também, ultimamente, os Bispos do Brasil no documento de estudo sobre

52

pensamos que adentrarmos no fenômeno da pós-modernidade como uma chave de leitura

pode nos ajudar a alertar estas mudanças e compreender melhor a realidade mundial, Latino-

americana e brasileira que tanto influencia na vida da juventude.

Chama-se de pós-modernidade a condição sócio-cultural do estágio do capitalismo

pós-industrial, que é o contemporâneo. O industrialismo foi transformado pelo uso das novas

tecnologias de informação e comunicação77, as quais fizeram com o poder da mente e o

conhecimento o que as máquinas fizeram pela força muscular na revolução industrial. David

Lyon, num capítulo de seu livro, intitulado “Do pós-industrialismo à pós-modernidade”,

argumenta como estas condições sociais e técnicas, chamadas de pós-industriais, prepararam

o terreno para a pós-modernidade78.

Teóricos e acadêmicos têm diferentes concepções sobre o termo. Estas vão desde a

idéia de que a pós-modernidade é uma ruptura total com a modernidade até a daqueles que

afirmam que não é mais que uma expressão dela e que não há nenhuma novidade. Os autores

de formação sociológica nos ajudam a ver que há continuidade, amadurecimento e

radicalização de alguns conceitos da modernidade e ruptura em alguns outros elementos.

Juan Martin Velasco no começo do livro numa primeira aproximação do conceito nos diz:

O “pós” de pós-moderno indica uma despedida da modernidade”, escreve G.Vattimo,

uns dos teóricos do pensamento pós-moderno”. Mas a ruptura não significa

eliminação pura e simples, superação e esquecimento da modernidade. O “pós”(...)

significa vagamente um certo desencanto em relação as promessas e das esperanças

que a modernidade tinha suscitado,(...), mas também uma certa radicalização dos

objetivos que se tinha proposto e dos resultados aos quais se tinha chegado. Pós-

evangelização da juventude: CNBB. Evangelização da juventude, desafios e perspectivas. São Paulo: Paulus, 2006, 14-15, fala da influencia da modernidade e a pós-modernidade. 77 No ponto 1.2.2. descreve-se esta realidade, como a “nova revolução tecnológica” da digitalização, informatização e robotização do trabalho na atualidade. 78 Cf. LYON, David. Op. Cit., p. 59.

53

modernidade significa desta maneira re-elaboração, releitura e re-interpretação da

modernidade, isto é, um processo teórico de questionamento e ao mesmo tempo de

radicalização da categoria sócio-histórica da modernidade, baseado na mudança

sócio-cultural que o processo de modernização tem originado nas sociedades

avançadas desde o ponto de vista do processo de modernização.79

Esta re-elaboração, releitura, e re-interpretação da modernidade transformou-se num

talante, num tom vital, uma maneira de viver. Por isso, além das opiniões diversas dos

autores, o mais importante é perceber como culturalmente, em nossa época, a juventude vive

mergulhada numa sensibilidade diferente de 20 anos atrás, a qual corresponde com a assim

chamada cultura pós-moderna. Na descrição destes traços de diferenciação cultural vamos

aprofundar elementos de continuidade com a modernidade, outros que são uma radicalização

das conquistas modernas e, finalmente, nos encontramos com questões de corte e ruptura com

a mesma80. Na medida em que os temas a serem aprofundados forem desenvolvidos, teremos

mais elementos para compreender esta realidade cultural analisada pelos teóricos e, à sua vez,

presente nas ruas, na vida cotidiana das pessoas e de maneira especial da juventude.

1.3. 2.1. A subjetividade

A subjetividade é um valor importante da modernidade, que na pós-modernidade

adquire traços particulares, talvez não levados em conta da maneira necessária. A geração de

jovens dos anos 60, 70 e até 80 era uma geração preocupada pelo destino do País, e o que

dava sentido a suas vidas era o projeto de construção social. No final da década de 80,

79 Esta é uma tradução livre de: VELASCO, Juan Martin. Ser Cristiano em uma cultura posmoderna. Madrid: PPC, 1996. p. 9-10. 80 Para aprofundar o tema da modernidade e pós-modernidade se pode consultar: GONZÁLEZ-CARVAJAL, Luis. Ideas e creencias Del hombre actual. 3° edición. Santander: Sal Terrae, 1993; LYON, David. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998; MARDONES, José M.ª. Postmodernidade e cristianismo: el desafio Del fragmento. Santander: Sal Terrae, 1988; VELASCO, Juan Martin. Ser Cristiano em uma cultura posmoderna. Madrid: PPC, 1996.

54

vivemos uma passagem para uma juventude centrada na sua subjetividade. O centro de suas

preocupações é a melhora da auto-estima, as necessidades pessoais e a superação dos traumas.

O paradigma que dava sentido à vida dos jovens mudou. Neste contexto, as relações

interpessoais e a amizade adquire grande importância no processo de personalização e

amadurecimento na fé. É imprescindível que militantes da Pastoral da Juventude possam fazer

uma revisão profunda de suas práxis para ver se responde a estes anseios da juventude ou

simplesmente estão respondendo aos anseios pessoais81.

A realidade social de pobreza e exclusão gera nos jovens apatia e cansaço

generalizado, levando esta geração, por suas características, a viver à margem da sociedade. A

realidade e o descrédito das ideologias e a queda dos meta-relatos levam-nos a não preocupar-

se pelo futuro e a viver, desde o efêmero e passageiro. É o imperativo de viver o presente e do

prazer momentâneo. Por outro lado, a juventude por ser juventude tem um potencial muito

grande de generosidade e solidariedade, capaz sair de sua subjetividade e doar-se para o bem

dos irmãos. Temos a missão de acompanhar este processo, mas para isso temos que ter em

conta que os processos vividos pelos jovens na atualidade levam tempo e exigem paciência. É

importante não queimar etapas e partir da vida, da realidade mesma dos jovens82.

Fernando Gabiera83, ao voltar do exílio, instaurou uma autocrítica do “militantismo”

que desconhecia a subjetividade. Diz que, por estar tão envolvido com a luta política contra o

regime militar, não se dava o luxo de responder às exigências afetivas, de gozar os prazeres

normais da vida84. É importante resgatar este testemunho e valorizar este traço da juventude

pós-moderna harmonizando-a com a experiência da solidariedade e a luta pela justiça85.

Segundo o escritor norte-americano, Steinem, estudioso desse fenômeno, expõe o desafio

81 Cf. BORAN, Jorge. Op.Cit., p. 16. 82 Cf. BORAN, Jorge. Ibidem., p. 16. 83 Fernando Gabeira, militante político na época da ditadura que participou do seqüestro do embaixador norte-americano. 84 GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Rio de Janeiro: Codecri, 1979. In: LIBANIO, João Batista. Cenários da Igreja. São Paulo: Loyola, 2001. p. 52. 85 Evangelização da Juventude 16.

55

desta maneira: “"É como se os dois grandes movimentos de nosso tempo, o movimento pela

justiça social e o movimento pela auto-realização, fossem duas metades de um todo

esperando para se juntar em grupos realmente revolucionários””86.

1.3.2.2. O individualismo narcisista

No ponto anterior vimos a subjetividade como um valor da pós-modernidade e, por

sua vez, como esta tinha algumas exagerações. Estas se manifestam com claridade neste traço

da pós-modernidade: o individualismo narcisista. O individualismo é uma maneira de viver

centrado no indivíduo e descuidando da dimenção relacional da pessoa e seu contexto. A sua

vez a palavra narcisista se refere a alguém que se preocupa demasiadamente por si mesmo,

considerando-se superior a todos, incluindo seus amigos e sua família. A palavra narcisista,

vem de Narciso, personagem da mitologia grega87.

Este é um traço da modernidade radicalizado e exacerbado. Na modernidade foi

proclamado o direito à liberdade, aplicado principalmete no terreno político e econômico, mas

agora, na pós-modernidade, se instala nos costumes do povo e abaixa até a vida cotidiana. Os

sintomas desta situação são claros: busca de qualidade de vida, obsessão pela própria pessoa,

cuidado do corpo e da forma física, procura do prazer momêntaneo e rejeição do sacrifício e

envolvimento nos problemas dos outros. Por isso não é estranho que surjam na atualidade

ofertas para realização de terapia pessoal e de grupo; ploriferação das academias e centros de

86 BORAN, Jorge. Op.Cit. p. 16. 87 Narciso era um jovem muito bonito. Muitas mulheres queriam namorar com ele, mas ele era muito vaidoso e orgulhoso e rejeitava a todas. Uma das mulheres rejeitadas foi a menina Eco. Eco se sentia perdida e se trancou em seu quarto sem comer nem beber. Assim se foi consumindo lentamente de dor, até que desapareceu e somente podia-se escutar sua voz nas paredes do quarto. Daí a palavra "eco". A deusa Némesis (A deusa da vingança) escutou as preces de Eco e decidiu castigar a Narciso para que sofresse da mesma maneira que ela. Um dia, Narciso foi tomar água no rio. Ao agachar-se e beber, viu sua própria cara refletida na água. Némesis usou seus poderes para que Narciso se apaixonasse loucamente por essa imagem. Narciso não podia deixar de olhar-se. Queria tocar sua imagem e abraçá-la, mas não podia pois desaparecia ao tocar na água. Tampouco a podia ver bem, pois as ondas do rio o impediam. Ele não se podia beijar, pois a imagem desaparecia. Assim se tratando de admirar a si mesmo, pulou no rio e se afogou. Disponível em:"http://pt.wikipedia.org/wiki/Narcisismo". Acesso em: 1 de setembro 2006, 20:30 hs.

56

estética, saunas; casas de venda de produtos vitamínicos, comida saudável; livros de técnicas

sexuais, meditações trascendentais, guias de cuidado do corpo, de auto-ajuda etc88.

O jovem, mergulhado neste ambiente cultural, olha o universo desde seu próprio “eu e

suas necessidades”, as quais são identificadas com os desejos. O problema maior, nestes

casos, é que não existe limite entre as necessidades reais e criadas, o que provoca uma

tendência a julgar e avaliar as coisas a partir da capacidade que tem estas de satisfazer esses

“desejos-necessidades”. Então, o valioso é o que produz benefícios em qualquer ordem da

vida, e o autenticamente bom é o que aumenta as possibilidades de prazer. Estes jovens, que

entronizam o indivíduo e a autonomia, nem sempre são livres, já que são presas fáceis de

propaganda que cria as necessidades e determina o que é valioso e autenticamente bom89.

O individualismo narcisista produz uma grande dificuldade na juventude de assumir

compromissos estáveis e gera uma cultura do descartável. Quando algo, alguém ou uma

experiência (compromisso, relacionamento, serviço etc.) deixa de satisfazer as necessidades e

de ser prazeroso é deixada de lado. O motor das opções na vida destes jovens gira em torno do

“eu e seus desejos-necessidades”. Esta dinâmica se manifesta em todas as dimensões da

pessoa, onde a fé não fica de fora.

No caminho do seguimento de Jesus a ruptura desta mentalidade é fundamental para

que o processo possa continuar e não fique paralisado. Esta exigência surge porque falar de

seguimento de Jesus é falar de alteridade, do outro. Esse outro assume vários rostos. O outro

com maiúscula, que é Deus, o outro que é fraternidade na vivência da comunidade e da

família e o outro que me leva a solidariedade, que tem o rosto sofredor do pobre e excluído. A

PJ precisa usar maneiras novas e criativas para que o jovem possa romper essa casca dura do

individualismo narcisista. Em cada etapa do processo formativo, de maneira gradual, o

88 Cf. VELASCO, Juan Martin. Op. Cit. p. 53-54. 89 Cf. VELASCO, Juan Martin. Ibidem., p. 53-57.

57

animador e o assessor têm a missão de ajudar o jovem a sair de si mesmo. É necessário gerar

uma nova espiritualidade e uma nova pedagogia da fraternidade e da solidariedade.

1.3.2.3. Nova sensibilidade religiosa de nosso tempo

Na atualidade há uma surpreendente abertura para o transcendente e o sagrado90. As

conclusões de uma pesquisa feita no meio dos jovens brasileiros reforçam esta conclusão:

98,5% dos 800 brasileiros com a idade entre 15 e 24 anos, entrevistados disseram acreditar em

Deus91. Na pesquisa do Instituto da Cidadania, apenas 1% dos jovens se confessam ateus92.

Contrariamente do anunciado e profetizado na modernidade, que a ciência e a técnica

ocupariam o lugar da religião, o sagrado ocupa um lugar importante na vida das pessoas do

terceiro milênio. Diante do medo e o caos da realidade atual a experiência religiosa é um

porto seguro.

Mas temos que analisar com cautela este novo fenômeno, já que a fé vivida pelas

pessoas no terceiro milênio é uma fé particular, não institucional e desligada da religião. As

pessoas acreditam sem estar vinculadas a nenhuma Igreja e, se estão, estas são as Igrejas mais

“carismáticas” e não as hierárquicas. A fé é uma “questão privada”, longe das preocupações

pelo outros, pelos que sofrem. Se nos anos 60, 70 e 80, era muito forte a vivência da fé e o

compromisso com os pobres e com a transformação da realidade, hoje é a preocupação pelo

bem estar93. No fundo é uma “drogaria” onde se procura o remédio para a cura, para encontrar

a paz, para ter consolo. Preciso algo para minha vida e vou procurar no santo ou no ritual que

me concede isso.

90 Rumo à V Conferência... 109; Diretrizes gerais... (doc. 71) 44-54. 91 Cf. BORAN, Jorge. Op.Cit. p. 17. 92 Para maiores dados veja-se Juventude, percepções e comportamentos: a religião faz a diferença, artigo de Regina Novaes em “Retratos da Juventude Brasileira – análise de uma pesquisa nacional”. São Paulo: Fundação Perseu Abramos, 2005. p. 263-290. Também nos números 37-44 do recente documento de estudo da CNBB (Evangelização da juventude. 2006 ) nos encontramos com o perfil religioso dos jovens. 93 Cf. BORAN, Jorge. Op.Cit. p. 17-18.

58

Esta fé, que não tem influência na vida social das pessoas, se transforma em

mercadoria de mercado e, como em todo mercado, posso pegar diferentes produtos e marcas

sem problema nenhum. A fé autêntica se mistura com manifestações pseudo-religiosas como

ocultismo, horóscopo e astrologia.

Por outro lado, há um fenômeno paradoxal que é a convivência de duas tendências

como o fundamentalismo e a rejeição a toda religião organizada. Dizíamos que os jovens

rejeitam toda religião organizada e rígida, mas, ao mesmo tempo, os movimentos

fundamentalistas geram uma forte atração, provocando até lista de espera nas casas de

formação dessas congregações ou seminários diocesanos.

O neopentecostalismo na vida das Igrejas é outro fenômeno impressionante, sobretudo

no mundo dos mais pobres, nas periferias urbanas. Este fenômeno merece muita atenção e

estudo. Vamos aprofundar nele no seguinte ponto94.

É preciso que as lideranças da PJ acolham os jovens imbuídos desta atmosfera

religiosa e saibam acompanhá-los provocando um processo de amadurecimento da fé. A

metodologia pastoral utilizada na América Latina sempre parte da realidade das pessoas, das

comunidades e da sociedade. Partir da realidade é valorizar e respeitar o que há nas pessoas e

somente e a partir daí, que se vai poder construir uma fé madura, eclesial e comprometida. O

agente de pastoral está chamado a saber dialogar como o sincretismo religioso, o

fundamentalismo fanático e os espiritualismos irracionais. Na atualidade, há sede de Deus, do

absoluto e a Igreja deve responder a esse apelo do homem de nosso tempo, apresentando

poços profundos com água pura e potável para vida espiritual das pessoas.

1.3.2.4. A centralidade das emoções e do não racional

94 Cf. BORAN, Jorge. Op.Cit. p. 19.

59

O pensamento moderno se caracterizou em muitas ocasiões pela glorificação da razão e

da ciência. O irracional, a afetividade a religiosidade eram considerados como a causa da

pobreza e da falta de progresso. A razão supostamente ia proporcionar à humanidade o

progresso necessário, as condições para construção de uma sociedade alicerçada na igualdade,

na liberdade e na fraternidade. Os pensadores pós-modernos criticam fortemente esta idéia

que caiu diante das grandes guerras e desastres da humanidade. Estas experiências fizeram

cair a idéia de que a razão podia resolver todos os problemas.

Há necessidades profundas que não são só resolvidas pela razão, como a auto-

realização, a felicidade e a busca da própria identidade. Em nossa época, há uma irrupção

vulcânica dessas necessidades. É o pêndulo que foi para outro lado, para a glorificação das

emoções. Neste contexto cultural, a fé sofre o fenômeno do neopentecostalismo, que acentua

a subjetividade e o afetivo como instrumento evangelizador. A experiência é considerada mais

importante que o dogma95.

A glorificação e absolutização das emoções levam a um esvaziamento do intelectual,

do compromisso transformador e da consciência crítica; levam à superficialidade e à falta de

perseverança96. Esta tendência que coloca a fé em dependência das emoções sentidas pode

resultar perigosa para a caminhada dos jovens, porque as emoções são passageiras; e quando

estas desaparecem, a fé também pode desaparecer.

A absolutização das emoções pode levar ao fundamentalismo militante que não

respeita a diversidade. Quando uma religião, um grupo dá as pessoas o que elas precisam, um

lugar aconchegante para sentirem-se amadas, enfim, um lugar cálido para enfrentar “o gelo

das paredes de concreto das cidades” e dos grandes problemas da humanidade, estas

entregam-se por completo, como aquele que “assinou um cheque em branco pelo buraco

tampado”.

95 Evangelização da Juventude 22. 96 Evangelização da Juventude 21.

60

Por outro lado, a valorização dos sentimentos e das emoções na vivência da fé leva

muitos jovens a viverem experiências profundas de encontro com Deus; e provoca neles o

desejo de entregar-se pelos outros, comprometendo-se com os mais pobres, suscitando gestos

e opções heróicas.

Em definitivo, estamos diante da substituição do “homo sapiens” pelo “homo

sentimentalis”; a troca da máxima filosófica “penso, logo existo” por “sinto, logo existo”97.

Esta realidade está cheia de riquezas e deformações que, com senso pastoral, temos que saber

discernir e tentar reconhecer os sinais da presença da “semina verbi” na realidade da

juventude. Uma proposta pastoral com os jovens, para que seja realmente evangelizadora, tem

que estar alicerçada numa atitude nova da PJ, que integre todas as dimensões da pessoa: a

dimensão racional, emocional e espiritual98.

1.3.2.5. Pluralismo, relativismo e indiferença

O pluralismo é uma maneira de enxergar a realidade do outro no respeito e na

valorização, acolhendo as diferentes maneiras de viver, de sentir, de pensar. O pluralismo é

um fato sócio-cultural derivado de numerosos fatores, como os movimentos migratórios, seja

por questões políticas ou de trabalho, a rapidez e a facilidade das comunicações, a relação de

mais proximidade entre os diferentes povos, o conhecimento e a valorização das diferentes

culturas, religiões e correntes de pensamento99. Outro fator determinante que cria o ambiente

para o pluralismo é a urbanização e a secularização e, na medida em que estas crescem, vai

desaparecendo das sociedades uma interpretação hegemônica da realidade e da própria fé.

O pluralismo supõe a aceitação e valoração das cosmovisões diferentes como iguais e

legítimas. João Batista Libânio nos ajuda a compreender como tudo isto afeta a vida de fé das

pessoas e especialmente a dos jovens. Ele nos diz que a realidade do pluralismo afeta a fé por 97 Cf. GONZÁLEZ-CARVAJAL, Luís. Op. Cit. p. 165. 98 Evangelização da Juventude 24. 99 Cf. VELASCO, Juan Martin. Op. Cit., p. 49-50.

61

fora e por dentro. Por fora, porque tira as pessoas do ninho protetor da unidade e

homogeneidade. Por dentro, porque introduz na verdade revelada, tida como única e absoluta,

a possibilidade de outras verdades reveladas100.

Muitas vezes, os diferentes grupos da sociedade simplesmente estão justapostos, sem

nenhum tipo de diálogo e em permanente conflito. Na vida das pessoas e dos diferentes povos

acontece a pluralidade e o pluralismo é um desafio. Para que a pluralidade se transforme em

pluralismo é preciso que os diferentes grupos sejam valorizados e aceitos como membros com

direitos no seio dessa sociedade e que a relação entre os grupos aconteça em paz, sem

marginalizações nem exclusões101.

Esta riqueza e valor do pluralismo, que encontramos nas sociedades e culturas na

atualidade, às vezes, são desvirtuados por atitudes relativistas pelos membros dos diferentes

grupos. Isto acontece porque a aceitação das cosmovisões diferentes como legítimas gera

diversas reações em relação a própria identidade e a identidade do outro. Estas reações vão

desde o fechamento na própria identidade (fundamentalismo), valoração da identidade própria

e a do outro (enriquecimento mútuo), até a rendição que termina na dissolução da própria

identidade (empobrecimento mútuo). Neste último caso, a pluralidade se transforma em

relativismo102.

O relativismo que desvaloriza-se negando a própria identidade aprofunda-se quando se

mistura com o individualismo utilitarista que desconhece a verdade, a ética e o verdadeiro

sentido do religioso. Estas são relativas e válidas na medida em que respondem a meu “eu e

suas necessidades”.

A concepção da verdade fica reduzida à opinião ou preferência compartilhada por um

grupo determinado, o que produz nas pessoas uma “anestesia na razão” e na consciência,

100 Cf. LIBANIO, João Batista. As lógicas da cidade. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 113. 101 Cf. VELASCO, Juan Martin. Op. Cit., p. 50. 102 Cf. VELASCO, Juan Martin. Ibidem. p. 50.

62

deixando eles sem a capacidade de juízo crítico diante da realidade e sem a aspiração do bem

comum e a verdade universal (esta não existe)103.

A vida das pessoas não está regida por alguma lei ou imperativo ético universal (não

há valores universais, só há valores subjetivos). O único imperativo, a única lei, é fazer o que

me faz bem, o que me produz bem estar e felicidade. O que sinto e dá prazer é bom. O sentir é

o critério do que é certo ou errado, é o critério da verdade104. Nesta maneira de enxergar a

vida o outro não entra como critério de discernimento. Esta mentalidade deixa muitos jovens

sem um quadro de valores referenciais que norteiem suas vidas. E, logicamente, a religião

verdadeira, que pode chegar a orientar a vida, é a que satisfaz e responde às necessidades.

O pluralismo, inspirado no respeito e na valoração do outro, vira indiferença do

diferente, do outro, da verdade, dos valores que não me beneficiam. A indiferença instalada

na vida das pessoas gera uma sociedade que é indiferente para com os pobres, os doentes, os

anciãos, o fraco e improdutivo, enfim, ao excluído e marginalizado.

Na atualidade, onde nada é absoluto, é necessário apresentar aos jovens as atitudes de

Jesus diante do diferente. Ele sempre enxergou o outro com respeito, mas nunca perdeu sua

identidade nem deixou de apresentar o que era relativo e o que era absoluto na vivência da fé.

Uma apresentação nova e contextualizada de Jesus pode ajudar o jovem a deixar de lado o

relativismo e a indiferença, redescobrindo a verdade e a ética, vivenciando experiências reais

e autênticas do “pluralismo evangélico”.

1.3.2.6. O lazer e o divertimento (homo ludens)

A indiferença da verdade e da ética leva as pessoas a deixar de perguntar-se sobre as

coisas fundamentais da vida. A busca da verdade e do bem comum deixam de estar no centro

das atenções das pessoas. O importante é “passar bem” e não há nenhum princípio ético ou

103 Cf. VELASCO, Juan Martin. Ibidem., p. 52-53. 104 Rumo à V Conferência... 104.

63

ideológico que impeça de realizar esse objetivo. O paradoxal é que este propósito se

transforma na lei suprema, no princípio que conduz a vida das pessoas.

Para realizar este imperativo quase religioso, na atualidade, multiplicaram-se de

maneira assombrosa os meios de divertimento ao alcance do conjunto da sociedade. Estes são

cada vez mais eficazes e invasivos da intimidade das pessoas. Os meios audiovisuais de

comunicação, da indústria do ócio e de férias parecem concorrer para encher os espaços

vazios que deixa o trabalho, para evitar que na vida das pessoas surja a reflexão com as

perguntas fundamentais da vida105.

Diante da dor ou da crise se procura dissimular que nada acontece e fazer de tudo para

não ter tempo para aceitar e reconhecer estas experiências da vida. Para as pessoas embebidas

desta tendência cultural o silêncio é uma tortura, porque é nele que tomamos consciência de

nossa realidade, das grandes questões da nossa vida. Estamos diante de uma sociedade que

muitas vezes busca alienar-se pelo lazer e o divertimento, porque tem medo de si mesma e

interpreta sua condição de ser humano como “homo ludens”106. Para realizar este ideal a

cidade é o lugar adequado, já que:

... é novidade, diversidade, mobilidade, movimento. Na cidade há uma infinidade de

objetos que se mostram. A cidade é uma exposição permanente: o comércio, os

supermercados e, sobretudo, os shopping centers oferecem brilhantes espetáculos.

Mesmo para quem não pode comprar, só olhar já vale a pena!107.

Além desses lugares de espetáculo na cidade podemos encontrar teatros, circos,

estádios esportivos, desfiles, exposições, cinemas, museus, salas de concertos ou festivais, e

também diversidade de templos e Igrejas. 105 Cf. VELASCO, Juan Martin. Op.Cit., p. 46. 106 Cf. VELASCO, Juan Martin. Ibidem., p. 44-46. 107 COMBLIN, José. Viver na cidade. 2.ed. São Paulo: Paulus, 1996. p. 9-10.

64

A realidade dos jovens na cidade os faz mergulhar nesta mentalidade, nesta maneira de

viver, mediante o prazer e o divertimento. Porém, os jovens da periferia carecem de espaços

próximos de lazer, esporte e divertimento. A necessidade psicológica de lazer e divertimento

aprofundada pela mentalidade da cultura e pela falta de meios desafia profundamente a Igreja

e nos faz avaliar nossas opções e prioridades.

Não é casualidade que nos encontros de jovens e nas escolas seja uma dificuldade a

concentração e o silêncio. Como dizíamos acima, o silêncio nos faz encontrar com a nossa

própria realidade e com as grandes questões da vida ainda não resolvidas.

Como satisfazer e educar os jovens na vivência saudável do lazer e do divertimento e

desenvolver um processo de incorporação do silêncio na suas vidas? Precisamos encontrar

caminhos criativos para responder a esta pergunta e deixar os jovens mais preparados para

responderem ao chamado de Deus.

1.3.2.7. Consumismo: ilusão da passagem do ser ao ter

Estamos diante da tentação que o homem enfrentou ao longo de toda a sua história: a

possessão e a acumulação de bens. Todas as escolas de sabedoria, sejam filosóficas ou

religiosas, preveniram os homens das conseqüências trágicas para suas vidas àqueles que se

deixavam levar por estas realidades108. Na atualidade, nos encontramos com uma variante de

uma mesma realidade: o consumismo.

O homem de nossos tempos caiu no engano e na ilusão de que a possessão e consumo

de bens pode resolver as grandes questões da vida e do coração. Isto leva a exercer uma

relação com as coisas, onde estas são objetos capazes de satisfazer suas necessidades. Ao

privilegiar esta relação como a mais importante, reduz seu ser às suas necessidades. A falácia

que está por trás deste pensamento é a confusão de necessidade com desejo. As necessidades

108 Cf. VELASCO, Juan Martin. Op.Cit., p. 47.

65

viram “um poço sem fundo” de desejos, que escravizam o homem fazendo-o dependente dos

objetos que vêm para satisfazê-lo109.

O desejo é uma força que pode mobilizar para realizar grandes revoluções ou

escravizar os espíritos e as utopias. Seria muito interessante aprofundar a complexidade da

realidade do desejo, mas é impossível pela natureza deste trabalho. Uma face do desejo que

pode nos ajudar neste propósito é a do desejo mimético. É a imitação dos desejos de outros.

Este fenômeno acontece e é utilizado pelo mercado para transformar produtos de luxo em

“necessários”. Um bem começa sendo utilizado pelas elites e aos poucos é objeto de desejos

de todos. Os padrões de consumo são modificados pela publicidade e as classes populares

ficam escravas de algo que nunca vão poder possuir. Esta realidade nos revela que o

consumismo é uma realidade que atinge a ricos e pobres, a todos na sociedade.

Esta relação de possessão e consumo realizada com as coisas, com os bens, vai

entrando em todas as dimensões da pessoa: a família, os estudos, a religião, as amizades, a

natureza, o lazer etc. Esta maneira de se relacionar com as pessoas, os bens, a natureza e

Deus, acaba produzindo uma perda do sentido da vida e um vazio existencial.

Este vazio e perda de sentido na vida é produzido pela mesma dinâmica do consumo

que é uma cadeia ilimitada de insatisfação e frustração. De insatisfação porque na medida em

que consome precisa de mais e mais para satisfazer uma necessidade-desejo. Isto acontece

porque uma necessidade vital pode ser satisfeita, (por exemplo: quando temos sede, se

tomamos água essa necessidade desaparece), mas o desejo por sua mesma dinâmica não tem

limite. De frustração, porque não é real que esta maneira de se relacionar com as coisas e com

os outros possa trazer felicidade.

O consumismo não é uma questão só de consumo de bens, é uma mentalidade, uma

maneira de me relacionar, uma maneira de ser, onde o outro é uma coisa, um objeto de

109 Cf. VELASCO, Juan Martin. Ibidem., p. 48.

66

consumo. Lamentavelmente, acontece em algumas pessoas a passagem do ser para o ter, para

o consumir. Parafraseando Pascal, podemos dizer que as pessoas, embebidas por esta

mentalidade, afirmam com suas vidas o seguinte dito: “consumo logo existo”.

Em primeiro lugar, a PJ tem a missão de evidenciar o engano que sofrem as pessoas

pela ilusão do consumismo e fazer os jovens viver experiências que os levem a tomarem

contato com as necessidades básicas da vida longe dos locais de consumo, proporcionando a

eles a possibilidade de realizar acampamentos, caminhadas, peregrinações etc.

1.3.2.8. Anonimato, solidão e afetividade

Paradoxalmente, a pós-modernidade é a época do encontro, da alteridade, do

pluralismo; das grandes massas de homens nos centros urbanos e ao mesmo tempo; a época

do anonimato e da solidão.

Muitas pessoas, e especialmente a juventude, que migram do campo para a cidade

buscam liberdade e independência dos laços da família, das tradições culturais e religiosas. O

seu maior anseio é viver no anonimato, onde ninguém as obrigue a fazer o que não querem. O

anonimato possibilita às pessoas construir seu projeto de vida a partir das opções pessoais e

não de pressões familiares ou do cuidado do “bom nome” diante do povo.

De fato, na atualidade, vivemos em milhões de pessoas juntas, uma acima da outra,

mas sem saber quem mora ao nosso lado. Não é estranho escutar nos jornais pessoas surpresas

por terem morado durante anos próximos a assassinos ou ladrões sem nunca perceberem. Esta

realidade, outra face da moeda do anonimato, nos revela a dificuldade de construir relações

reais e profundas.

Esta dificuldade leva muitos a viverem relações superficiais, funcionais e fechadas. Na

medida em que esse tipo de relações vai crescendo, o fantasma da solidão é uma realidade

cada vez mais próxima. Por outro lado, a solidão combinada com os traços da pós-

67

modernidade desenvolvidos (a modernidade e a pós-modernidade desmontou as balizas claras

e orientadoras da razão, da ética e da religião) leva as pessoas a buscar o ninho aconchegante

e a segurança de relações cálidas e pouco exigentes. A maneira de relacionar-se com as

pessoas é baseada na necessidade e na carência. O outro se faz objeto de satisfação e de

consumo. O outro vira mercadoria.

As experiências de namoro são intensas e vinculadas com a satisfação imediata. A

sexualidade é uma maneira de tampar o buraco aberto pela maneira de viver os

relacionamentos. Neste ponto os jovens, muitas vezes, também são enganados e escravizados

pela mídia, que vende a ilusão da felicidade e do amor. A dinâmica é a seguinte: consumindo

a mercadoria da sensualidade e a sexualidade, as pessoas vão fugir da solidão e satisfazer os

anseios de serem amadas. Aqui também acontece a insatisfação e a frustração.

Por estes motivos é mais do que nunca necessário recriar os vínculos afetivos do povo

e oferecer propostas pastorais que promovam a vida fraterna e as relações de amizade. De

fato, as experiências pastorais com maior poder de convocação são as que privilegiam as

relações pessoais porque as pessoas são chamadas pelo nome, são reconhecidas na sua

dignidade, além de proporcionar uma estrutura onde elas podem desabafar, partilhar, quase

como numa terapia grupal110.

1.3.3. Criações culturais de resistência da juventude

Como dizíamos, na aproximação da juventude como cultura, esta aproximação

cultural nos vai possibilitar perceber o exercício produtivo e criador dos jovens em relação a

si mesmos, com os outros, com a natureza e com Deus. Isto nos faz mergulhar na capacidade

genial dos jovens de produzir signos e símbolos próprios que revelam sua identidade e, por

110 Uma experiência que não gostaria deixar passar em nossa paróquia é a da pastoral da sobriedade, a qual cresce em quantidade e qualidade. Nela as pessoas são reconhecidas a partir da sua fragilidade e dignidade.

68

sua vez, se transformam na “carta de apresentação” no processo de socialização. A cultura e

as subculturas da juventude são uma resposta à realidade em que eles vivem. São as repostas

existenciais, partilhadas com o grupo, as respostas às grandes transformações da sua vida.

A resposta à realidade se expressa em um conjunto de manifestações de diferentes

grupos juvenis, os quais foram surgindo como micro-sociedades. Estes grupos conseguem

uma certa autonomia do mundo adulto, assumindo orientações normativas e simbólicas que

nos permitem falar de culturas juvenis. Estas são construções de estilos de vida diferentes,

elaborados nos tempos livres, nos tempos em que estão fora da vida institucional.

Estes, em definitivo, são estilos de vida que têm traços concretos, como a linguagem, a

música e a estética. A necessidade de pertencer a um grupo é de muita importância para os

jovens, já que procuram encontrar nele sua identidade e, em alguns casos, é uma maneira de

resistir diante da realidade que exclui e gera insegurança em suas vidas.

Nesta realidade urbana de novas manifestações de culturas juvenis, em palavras de Maffesoli

(1988), um dos mais importantes sociólogos em diagnosticar e descrever este processo de

tribalização da sociedade, surge um fenômeno cultural novo na juventude: as “tribos

urbanas”111. Esta realidade, sem dúvida, manifesta de maneira clara o exercício produtivo e

criador da juventude.

As pessoas que participam destas tribos recuperam o caráter afetivo-emotivo de suas

vidas. Por isso os traços básicos desta neotribalização são: comunidades fundamentadas em

emoções intensas; afastamento do político cidadão pela opção do pequeno grupo; necessidade

de ter espaços e tempos próprios para desenvolver suas atividades; códigos internos de

comunicação e maneiras próprias de apresentar-se aos outros.

Estes traços nos mostram como as tribos urbanas assumem muitas necessidades e

anseios da juventude atual. A experiência de entrosamento nestes grupos dá aos jovens forte 111 Cf. OLIVEIRA, Rogério de. Pastoral da Juventude. São Paulo: Paulinas, 2002. p. 61-65; CF. INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Envio n° 3. Op. Cit. p. 6-9.

69

identidade e elementos para viverem o processo de socialização. Por essa razão é muito difícil

ver um jovem que não tenha sua turma, sua tribo. Isto nos questiona e mostra que é de vital

importância compreender a nova dinâmica cultural da juventude, para encarar um processo de

evangelização no meio deles.

As tribos são constituídas por características próprias como a linguagem, os símbolos,

as roupas, as músicas, os gestos, as danças, os espaços assumidos etc. Todos estes são uma

maneira de expressar, a carta de apresentação na sociedade para manifestar sua originalidade

e reafirmar sua identidade. Uma característica muito importante também é que em toda

“tribo” há necessidade de “caciques”. A juventude pós-moderna precisa de um pai, de um

referencial, de um líder, justamente o contrário de outras gerações que pediam a

horizontalização da liderança.

No Brasil podemos identificar algumas tribos. Logicamente que, em cada bairro das

grandes metrópoles, encontramos diferentes tribos e manifestações da cultura juvenil.

Seguindo parcialmente Rogério de Oliveira112, só vamos citar alguns exemplos de tribos

urbanas:

Mauricinhos e Patricinhas: Normalmente são da chamada classe média alta ou da

sociedade emergente. Têm carro, celular, computador, freqüentam festas, gostam de aparecer

em colunas sociais e são viciados em Shopping Centers.

Geração saúde: freqüentam as academias de ginástica, levam a vida em função de ter

um corpo perfeito. Só se alimentam de comidas saudáveis.

Torcidas organizadas: são fanáticos de determinados times, na maioria de futebol.

Andam sempre juntos, são agressivos com as torcidas contrárias e até promovem atos de

vandalismo. Muitos deles passam noites fazendo bandeiras, passando privações para seguir

com fidelidade seu time.

112 Cf. OLIVEIRA, Rogério de. Ibidem. p. 64-65.

70

Fãs do Hip Hop: seguem a música e normalmente é uma maneira de resistência diante

do racismo e da exclusão econômica e social. Têm uma maneira de se cumprimentar, de

caminhar e até de falar.

Grupos religiosos: são seguidores de uma Igreja, usam todos os sinais que dão

identidade. As relações entre os membros são as de família e de obediência. Normalmente são

grupos que procuram separar-se das coisas do “mundo”.

Grupos da capoeira: são grupos de pessoas vinculadas a danças e a um estilo de viver.

Dentro deles têm grupos mais identificados com o esporte e outros mais vinculados com a

resistência negra.

Grupos de traficantes e bandidos: têm códigos internos e até uma normativa moral

que os identifica e diferencia de outros grupos. São “donos de território” onde eles dominam e

cuidam dos moradores. São chamados “os meninos do morro”.

Grupos de ruas ou bairros: são grupos de amigos e amigas que geram fortes relações e

passam a maioria do tempo juntos. Normalmente têm um líder que os orienta e convoca.

É muito provável que ao longo destas poucas palavras sobre as tribos urbanas, já estamos

em condições de identificar as tribos de nossos bairros. A tipificação feita só quer ajudar

como exemplo, mas podemos seguir os seguintes passos para aproximarmos desta realidade

tão longe muitas vezes de nossas comunidades e movimentos.

• Reconhecimento das tribos

• Descrição das tribos

• Análise das causas de comportamento

• Descobrimento do potencial das mesmas113

Depois de feita a aproximação das tribos urbanas de nossos bairros, é necessário avaliar

nosso grau de relação e vinculação, as possibilidade que exista caso ainda não tenha e, por

113 INSTITUTO DE FORMAÇÃO CARD. PIRONIO. Envio n° 3. Op. Cit. p. 12.

71

último, procurar maneiras criativas e inculturadas para passar a mensagem, partilhar a boa

nova do seguimento de Jesus Cristo.

Considerações finais

Este percurso pela vida da juventude nos leva a perceber que a realidade social,

econômica, política e cultural de nossa sociedade gera na juventude muitas vezes uma cultura

de desesperança, de desilusão e sem sentido, onde a ausência de perspectivas e a pergunta

sobre o futuro se tornam uma tortura. Podemos dizer que os jovens sem projeto geram uma

sociedade sem projeto.

Isto também provoca uma maneira de viver desde o efêmero e passageiro. É o

imperativo de viver o presente e do prazer momentâneo. Enfim, podemos dizer, sem medo de

equívocos, que esta realidade cultural e social de exclusão não favorece ao jovem a vivência

de processos a longo prazo e muito menos ainda o de fazer opções definitivas, realizar o seu

sonho, construir um projeto de vida. Esta realidade deixa muitas vezes os jovens

“mendigando” experiências que promovam sua dignidade e tire a escuridão da falta de sentido

de suas vidas.

Mas, por outro lado, neste percorrido também fomos percebendo que no seio da

juventude há muitos valores e uma força, um fogo, que só esta faltando ser agitado um pouco

para que cresça e surja como energia transformadora e geradora da Civilização do Amor.

Graças a Deus, na juventude há gritos teimosos e corajosos que não se deixam vencer pela

crua realidade, há gritos que estão esperando com ansiedade ser escutados.

Em cada construção cultural dos jovens está a presença da semente do verbo, a

presença da graça de Deus que vai suscitando símbolos, gestos e tradições que fortalecem a

esperança e anima a caridade. Em cada cultura, em cada novidade do tempo nos encontramos

com palavras proféticas que denunciam aquilo que desumaniza e anuncia a vida, aquilo que

72

foi esquecido, deixado de lado. Sem dúvida que a nova cultura emergente surge na atualidade

como energia purificadora e dinamizadora da vida das pessoas. Mas é necessário chegar a

uma nova síntese existencial, teórica e prática, onde o racional, as emoções tenham seu lugar,

onde possa surgir um homem novo e uma mulher nova, aonde possa acontecer o anunciado

por Steinem, que refletindo sobre a realidade atual nos desafia com uma proposta de síntese:

"É como se os dois grandes movimentos de nosso tempo, o movimento pela justiça social e o

movimento pela auto-realização, fossem duas metades de um todo esperando para se juntar

em grupos realmente revolucionários".

Além deste desafio, que se apresenta como proposta integral de síntese, em cada ponto

da análise da realidade fomos realizando, de maneira rápida, propostas de ações concretas

para o trabalho com a juventude. Estas propostas de ação podem ser caracterizadas como:

ações educativas formativas, que têm a ver com a mudança dos paradigmas cognitivos e

conceituais em todas as ordens; ações comunitárias, que levam o jovem ao entrosamento com

outros jovens e com a comunidade maior comprometendo-se à vivência da fraternidade e a

busca de solução dos problemas comunitários; ações teológicas espirituais que procuram

facilitar o encontro com Jesus e o amadurecimento progressivo no caminho do seguimento;

ações comportamentais que visam a mudança de atitude e comportamento, seja do jovem

como daquele que o acompanha, diante da realidade vivida; e por último ações político-

estruturais que procuram a transformação da realidade e a melhora das condições de vida da

juventude.

Nossas palavras e ações, nossa proposta evangelizadora no meio da juventude tem que

suscitar a reação do cego Bartimeu diante do convite: “Coragem, levante-se, porque Jesus esta

chamando você ...”. Ele deixou o manto, deixou tudo, pulou e foi ao encontro de Jesus, pediu

para enxergar, ser curado e o seguiu com coragem pelo caminho. Este é nosso propósito neste

trabalho, é o que vamos tentar desenvolver ao longo da dissertação.

73

Capítulo II

O seguimento de Jesus: pistas para

a Pastoral da Juventude

74

Introdução: “Coragem! Ele te chama. Levanta-te”. (Mc 10,49)

A atual realidade social e cultural descrita no primeiro capítulo, muitas vezes nos

coloca diante de uma crise de identidade das pessoas em todos os âmbitos da vida, ou numa

perda de parâmetros seguros que em outros tempos estavam garantidos pela sociedade. A

vivência da fé também é atingida por esta realidade, provocando uma crise da identidade

cristã ou certa desorientação sobre os caminhos a percorrer. Aprofundando esta situação, na

atualidade, encontramo-nos com diferentes modelos de Igreja114 presentes na vida das

comunidades, os quais, às vezes entram em conflito e, diante disso, as pessoas, de maneira

especial os jovens, ficam perdidos sem saber qual é o caminho a seguir.

Confrontando-se com a complexidade da realidade, o teólogo Johann Baptist Metz

declarou que “soou a hora do seguimento para a Igreja”115. Por sua vez, Jon Sobrino, teólogo

espanhol inserido na América Latina, nos diz que o seguimento de Jesus é a melhor forma de

explicitar a identidade cristã. Esta experiência pode ser uma bússola para a juventude atual

que muitas vezes esta perdida diante de tantas possibilidades de escolhas para viver sua fé.

Cada modelo eclesial nos apresenta uma imagem de Jesus e, junto desta, uma maneira

de viver a fé, de olhar a Igreja e o mundo, enfim, uma maneira de ser cristão. Por isso,

precisamos superar imagens alienantes de Jesus116 e purificar a nossa práxis cristã à luz da

experiência do seguimento de Jesus, que é um caminho teórico e prático.

A categoria cristológica do seguimento concentra em si a experiência fundante do

cristianismo. Jesus de Nazaré, passando pelas estradas da palestina, chamou homens 114 Cf. LIBANIO, João Batista. Cenários de Igreja. Op. Cit. Este livro nos apresenta alguns modelos de Igreja presentes na atualidade: Igreja da Instituição, Igreja Carismática, Igreja da Pregação e Igreja da práxis Libertadora. 115 Cf. BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2002. p. 273. 116 Bonbonatto, no seu livro, diz: ““O teólogo salvadorenho afirma a necessidade de superar as imagens alienantes de Cristo, citando três abstrações: 1) Um Cristo “abstrato”... 2) Um Cristo reconciliador... 3) Um Cristo “absolutamente absoluto”...”” Cf. BONBONATTO, Vera Ivanise. Ibidem., p.267.

75

do meio de seu povo para segui-lo (Mc 1,16-20; Mt 4,18-22; Lc 5,1-11) e se

autodefiniu como o único caminho para o pai (Jo 14,6)117.

A metáfora do seguimento é muito rica e expressa a relação profunda e pessoal de

Jesus com seus seguidores. Por este motivo, a Tradição, com o tempo, passou a conceber a

vida cristã como resposta ao chamado de Deus, como caminho percorrido dos discípulos

seguindo as pegadas do mestre. Ser cristão, então, é ser seguidor de Jesus, é viver em

comunhão com ele, comunhão de vida, missão e destino.

No contexto religioso atual e diante das polarizações eclesiais, onde se acentuam

dimensões da fé em detrimento de outra (racional, emocional, política, espiritual, sacramental

etc.), a categoria cristológica do seguimento é uma categoria totalizante e integral para a vida

de fé das pessoas. Um exemplo desta experiência é a do cego Bartimeu que, ao escutar o

convite dos discípulos desconhecidos, foi tocado nas fibras mais íntimas de seu ser e

envolveu-o totalmente. Todo o seu ser respondeu ao chamado de Jesus e não a uma parte.

“Coragem! Ele te chama. Levanta-te”, são palavras que ressoam bem em qualquer

ouvido e é um convite a arriscar, ir atrás das pegadas de alguém que pode comunicar Vida,

que pode re-significar a caminhada das pessoas. São estas palavras, este convite, que muitos

jovens de nossas comunidades, bairros e cidades ainda não escutaram e, para que isso

aconteça, os jovens da Pastoral da Juventude são chamados a fazer a experiência do encontro

com Jesus, tornar-se discípulos e missionários do Mestre que os envia e os convida a serem

evangelizadores de outros jovens118. Neste segundo capítulo, aprofundaremos a experiência

do seguimento de Jesus, olhando para os apóstolos, para o convite recebido pelo cego

Bartimeu e sistematizando a experiência numa proposta atual para os jovens desejosos de

receber o convite de seguir Jesus pelas estradas da construção do Reino de Deus.

117 BONBONATTO, Vera Ivanise. Ibidem., p. 35. 118 Cf. Evangelização da Juventude 58.

76

2.1. O seguimento de Jesus: novidade e fonte de identidade cristã

A metáfora cristológica do seguimento se apresenta como doadora de identidade e, por

sua vez, como experiência totalizante e integral. Em razão da importância do seguimento para

a vida cristã, procuraremos aprofundar a experiência maravilhosa do chamado, da resposta e

do seguimento que viveram Jesus e seus discípulos. Aprofundaremos, em primeiro lugar, a

tradição rabínica do seguimento para depois, desta maneira, compreender a novidade trazida

por Jesus e a revolução que isso significou para a vida de fé das pessoas de seu tempo.

2.1.1. O seguimento na tradição rabínica

O fundamento da tradição do seguimento e discipulado na tradição rabínica vem do

universo hebraico, onde o estudo é um pressuposto indispensável para crescer na fé e alcançar

a plenitude. A verdadeira religiosidade adquire-se com o conhecimento e a consciência do que

se deve fazer, o que encontramos na lei, na Torá. Neste contexto, a figura do Mestre adquire

muita importância, já que ele é o depositário dos ensinamentos divinos e a interpretação da

lei. Reforçando esta tradição, os sacerdotes judaicos prescreviam a fidelidade absoluta da lei,

da Torá.

Estas fortes tradições exigiam a presença e a dedicação de pessoas dedicadas ao estudo

da Torá. Então, surgem com força os doutores da lei, que não eram da casta sacerdotal. Estes

eram teólogos profissionais que desempenhavam as funções de legisladores, juízes e mestres.

Eles tinham que conduzir o povo pelos caminhos da compreensão da vontade de Deus, que

estava presente no Pentateuco e na tradição dos antigos, transmitida apenas oralmente. Os

doutores da lei tinham muita influência na vida do povo, já que estes com freqüência iam ao

seu encontro para apresentar os problemas e litígios cotidianos para serem resolvidos de

77

acordo com a lei. Por este motivo, ser discípulo de um mestre era sinal claro de prestígio

social119.

Uma grande preocupação do povo e dos doutores da lei era conservar o patrimônio e,

para que isso acontecesse, tinha-se que formar as novas gerações de mestres. Para tal fim, os

jovens israelitas escolhiam livremente seu mestre a partir de alguns pressupostos

estabelecidos pela sociedade da época. Estes tinham que ser anciãos sábios, capacitados

intelectualmente e de vida moral exemplar.

O mestre era aquele que orientava a vida dos jovens no conhecimento e interpretação

da lei, na inserção na comunidade e nas opções de vida e fé. O método comum usado por

estes baseava-se no diálogo a partir de uma pergunta feita pelos discípulos. A resposta e a

instrução eram feitas por meio de comparações e terminava como uma pergunta, convidando

o discípulo a resolver a questão por si próprio. Esta experiência de formação, relação mestre-

discípulo, era transitória até atingir o objetivo, que era tornar o discípulo interprete da lei.

A relação do mestre com o discípulo era uma relação de respeito, veneração e,

sobretudo, de serviço. Na casa do mestre, onde acontecia a formação, o discípulo tinha a

tarefa de servi-lo e apreender de cada gesto e ato seu. O mestre tinha algumas obrigações,

como a de não ser pedante, ter paciência e compreensão da debilidade intelectual do discípulo

e tolerante diante dos desvios morais do mesmo. A inspiração e o fundamento para o

cumprimento de sua missão consistiam no cumprimento humilde do dever de educar e cuidar

da nova geração, como gesto de gratidão pela sabedoria adquirida das gerações anteriores.

Na convivência aconteciam algumas coisas que, a partir do nosso olhar, podem resultar

pitorescas. O discípulo devia cultivar algumas atitudes concretas.

119 Cf. CONSELHO EPISCOPAL REGIONAL SUL 1. PAMP: Projeto de Ação Missionária Permanente. São Paulo: (...), 2004, 49.

78

Não lhe era permitido chamar o mestre pelo nome; quando o mestre chegava, devia

levantar-se; permanecer diante dele com respeito, como se estivesse diante de um rei;

não podia discordar de seus ensinamentos; ao caminhar em companhia do mestre,

não devia andar ao lado dele, mas segui-lo a uma distância razoável120.

Na escala de valores da cultura rabínica, os direitos e necessidades do mestre

prevaleciam aos do pai do discípulo. A justificativa para isto era que os pais tinham dado vida

ao filho, mas o mestre dava-lhe a sabedoria que conduz à vida futura. O elemento biológico

deixa lugar ao elemento ético e espiritual.

Estas são algumas das características e exigências do seguimento no mundo judaico

rabínico, mas não podemos negar a existência de outras maneiras de viver o discipulado. Na

época de Jesus existiam movimentos de tipo carismático, messiânicos e proféticos, que

possuíam outras características particulares, como o movimento suscitado por João Batista121.

2.1.2. O seguimento de Jesus: novidade para seu tempo

Nos evangelhos, o termo seguimento deriva de “akolouthõ”, que quer dizer, “seguir”,

“ir atrás”, e aparece 79 vezes122. O uso desta palavra não é uniforme e é usado com diferentes

significados. O primeiro significado é seguir fisicamente Jesus; o segundo significado é um

seguir físico, com uma vinculação afetiva e espiritual à pessoa de Jesus. Neste caso, o

seguidor adere à sua causa e participa de sua missão e destino; o terceiro significado é mais

simbólico e acontece quando a fase da itinerância é superada pela Páscoa de Jesus e

transforma-se numa expressão de conduta e identidade cristã. Esta diversidade de significados

mostra a evolução pela qual passou o conceito do seguimento na vida cristã.

120 BONBONATTO, Vera Ivanise. Op. Cit., p. 40. 121 Cf. BONBONATTO, Vera Ivanise. Ibidem, p. 37-41. 122 A palavra “Seguir” aparece 25 vezes em Mateus, 18 em Marcos, 17 em Lucas e 19 em João.

79

Para compreender toda a densidade teológica e espiritual do seguimento de Jesus, é

necessário relacionar o verbo “seguir” como o conceito de “discípulo”, que nos defronta como

a experiência daqueles que ouviram o chamado de Jesus e se uniram a ele por meio de uma

resposta vital e ativa, comprometendo toda sua existência. Esta experiência totalizante na vida

dos discípulos começa com o encontro com o Mestre, o qual é caracterizado pela “amizade e

proximidade” (Jo 15,15). Enfim, podemos dizer que seguir alguém, seguir Jesus é estar

próximo, é estar com ele. De fato, o evangelho de Marcos reflete bem esse convite primeiro

de Jesus a estar com ele, para depois ir para a missão (Mc 3,14).

Esta experiência primeira no seguimento de Jesus levou aos discípulos a descobrirem

que esse encontro era fonte de vida, porque ele era o bom pastor que veio ao mundo para

comunicar vida e vida em abundância (Cf. Jo 10,10). Os frutos desse encontro para os

discípulos e para todo aquele que se vincula com Jesus, podemos descrevê-los da seguinte

maneira:

... cura as feridas, corrige os passos, orienta a vida, perdoa os pecados, acorda do

comodismo e da inércia, crítica as omissões e dá a alegria de viver... Este contato

amigo anima à conversão, à retomada do projeto de vida, ao desejo de santidade, ao

discernimento vocacional, ao compromisso com os mais pobres e sofredores, ao

envolvimento na comunidade, ao fortalecimento da fé, da esperança e do amor.

(Evangelização da Juventude 113).

Na caminhada da América Latina muitas vezes desprezou-se esta dimensão do

seguimento pela urgência das mudanças que tinham que acontecer. O compromisso com a

história levava os cristãos a pensar, às vezes, que estar com o Senhor era “perder o tempo”.

Jon Sobrino, refletindo sobre esta realidade, assinala que nos anos oitenta compreendemos

80

que o seguimento de Jesus implica, além do êxodo e do compromisso, a fundamental

experiência da proximidade do Senhor123.

Mas, o seguimento não se esgotava no encontro com Jesus, já que este levava-os a

participar da vida de Jesus, de sua obra messiânica, a serviço do Reino. As condições que

impunham-se para seguir Jesus eram claras e exigentes.

Ruptura com os ligames da família (Lc 14,26; Mt 10,37; Mc 1,20). Somente aquele

que está disposto a renunciar aos laços terrenos está em condições de seguir o Messias. Esta

experiência trouxe muita dificuldade para os discípulos que não conseguiam em certas

ocasiões colocar o reino e o amor por Deus acima de tudo. Hoje, também no seio das famílias

cristãs, acontecem crises e dificuldade pelo diferente grau de engajamento de seus membros e

até a falta de apoio ao compromisso assumido. Relações de dependência exagerada para com

a família e amigos seguram muitos jovens na hora de optar pelo seguimento de Jesus.

Seguir Jesus é carregar a cruz (Lc 14,27). Na morte de cruz o condenado era

obrigado a carregar o patibulum, isto é, a trave transversal, até o lugar da execução. Esta

condenação a morte, utilizada sobre tudo nas revoltas de fundo messiânicas, originou a

expressão carregar a cruz. É muito provável que Jesus, quando usa a expressão carregar a cruz

como condição de seu seguimento, está dizendo para seus discípulos que este tipo de morte

pode ser padecida por eles. Num contexto cultural, onde o sofrimento e a morte querem ser

olhados com indiferença como se não existissem, esta exigência questiona profundamente a

maneira de relacionar-se dos jovens com Deus, relação que muitas vezes esta imbuída da

busca de bem-estar e ausência de conflito, entendida como paz.

Renúncia às propriedades (Mc 1,18.20; 10,17-23). Acompanhar Jesus pelo caminho

era um convite à vivência do despojamento e a pobreza. Jesus exigia que seus discípulos

123 TEIXEIRA, Faustino Luiz Couto. A Espiritualidade do Seguimento. São Paulo: Paulinas, 1994. p. 23.

81

fizessem a experiência de Kénosis (Fl 2,6-11; 1Cor 8,9)124, do despojamento de bens e

privilégios. Diante desta proposta, o consumismo e a busca de reconhecimento permanente,

dificultam o desejo de muitos jovens de seguir radicalmente Jesus. A austeridade, a pobreza

evangélica, a sobriedade são traços necessários para o seguimento do terceiro milênio. A vida

e o testemunho do Pe. Alfredo Kunz125, chamado de Pe. Alfredinho, nos faz tomar

consciência que ““as bases de uma civilização da austeridade são a única coisa capaz de

saciar dignamente, neste terceiro milênio, a fome de milhões de crianças, mulheres e homens

que estão gritando no planeta Terra””126.

A proposta radical do seguimento ressoou de diversas maneiras no coração dos

contemporâneos de Jesus, como hoje acontece com tantos jovens que recebem o chamado de

Jesus para segui-lo. Alguns aceitaram o convite sem impor condições, mas outros sentiram

medo diante de semelhante proposta. Para ser fiel ao caminho percorrido pelos discípulos de

Jesus temos que tomar consciência, compreender que as pessoas, antes de assumir

radicalmente esta causa, viviam diferentes estágios de compromisso na caminhada. Talvez o

primeiro estágio fosse o da curiosidade pelo barulho causado por um novo profeta, por onde

ele passava. Depois de o escutarem e segui-lo por alguns quilômetros e perceber suas atitudes

e posições diante dos poderosos, eles começavam a simpatizar, a gostar, mas sem nenhum

tipo de compromisso pessoal. O terceiro estágio é o do envolvimento pessoal nas causas e na

procura em viver aquilo que Jesus dizia e fazia. E para terminar tinha algumas pessoas que 124 Cf. BONBONATTO, Vera Ivanise. Op. Cit., p. 46-51; e ver também: FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Marcos. p. 541-542. In: BARBAGLIO, Giuseppe; FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos (I). São Paulo: Loyola, 1990. 125 Frédy Kunz, o pe. Alfredinho, da congregação religiosa dos Filhos da Caridade, nasceu em 9 de fevereiro de 1920 na Suíça e, desde os primeiros anos, integrou-se à escola da Juventude Operária Católica (JOC), sendo ele mesmo um operário. A Segunda Guerra Mundial e o fato de ter sido prisioneiro do exército alemão revelaram-lhe que toda guerra e violência são uma brutalidade e um horror. Os membros da Irmandade do Servo Sofredor (ISSO) que fundou carregam, ainda hoje, um pedaço de tecido e o número de identificação de Maximiliano Kolbe, mártir e santo dos campos de concentração nazista. Chegou ao Brasil em 1968 e fez sua opção radical pelos pobres em Crateús. Na dura seca do sertão de 1983, decidiu ir trabalhar na frente de emergência, falando mais com a vida que com as palavras. Quando, mais tarde, em 1988, mudou-se para São Paulo, foi na favela Lamartine (Santo André) que arrumou um lugar para viver. No meio dos “danados da terra”, continuou sua vida de oração e de solidariedade. Morreu pobre com os pobres em 12 de agosto de 2000. 126 PEREIRA DIAS, Arlindo. A ressurreição de um servo sofredor. Disponível em: http://www.pimenet.com.br/mundoemissao/pobresressur.htm. Acesso em 12 de dezembro de 2006, as 16:00 hs.

82

descobriam nele o Messias, o Cristo, fazendo uma opção de vida e fé. Dentre estes havia

aqueles que mudavam radicalmente sua vida adotando o estilo de vida de Jesus. Estes estágios

eram vividos pelas pessoas de maneiras diferentes. Alguns passavam por todos os estágios,

outros só passavam por alguns, mas o mais importante é que todos eram convidados a

descobrir na experiência do seguimento o sentido de suas vidas.

Depois de ver a caminhada dos discípulos estamos em condições de perceber os

elementos de continuidade e de novidade. Entre as semelhanças, podemos destacar que Jesus

é reconhecido como mestre (Mc 12,32; Mt 22,36) de uma escola, que possui doze discípulos

que convivem com ele. Os discípulos seguem Jesus na caminhada (Mc 6,1; Mt 8,23; Lc 22,9)

e recebem as instruções na casa do mestre. O método usado por Jesus também é similar ao

dos mestres da época e também ensina ao povo na sinagoga.

A novidade da proposta de Jesus está inspirada na consciência que Jesus tem de sua

missão. Entre os elementos da novidade podemos destacar:

1) Na escola de Jesus é ele que toma a iniciativa e escolhe os discípulos127. Tudo parte de um

encontro e de uma palavra dirigida às pessoas: “segue-me” 128. Jesus, desta maneira, assume a

concepção profética onde é Deus que chama e escolhe (1Rs 19,19-21). Após a páscoa, é a

comunidade a continuadora da missão do mestre, a que chama e se faz mediadora do convite

divino (Atos 6,1-7).

2) O centro da experiência do discipulado era a lei e ajuda ao discípulo a ser interprete da

mesma. Agora o centro é Jesus e a fé na sua pessoa como enviado do Pai e Filho de Deus. Por

este motivo, todos os esforços da Pastoral da Juventude devem ser em apresentar de maneira

sempre nova a boa notícia do seguimento de Jesus e propiciar um encontro com ele. A

metodologia, as dinâmicas, as formas são mediações necessárias, mas sempre precisam ser

purificadas e reformuladas à luz de Jesus Cristo e sua práxis.

127 Jo 6,65; 15,16 128 Mc 1,17; Mt 4,19: Jo 1,43

83

3) A autoridade de Jesus não vem de seu saber e conhecimento da lei e sim de sua condição

de enviado do pai para servir. A autoridade de Jesus está no serviço e disponibilidade. No

itinerário formativo da juventude, favorecer a criatividade da solidariedade e do serviço pode

ajudar muito os jovens no processo de crescimento e no caminho do seguimento. Jesus foi

ensinando a seus discípulos na prática, no dia a dia, na experiência de colocar-se ao serviço do

Reino. Talvez compreender que Jesus veio para servir e não ser servido foi um dos pontos

mais difíceis de ser compreendido por seus discípulos.

4) A relação de Jesus com os discípulos estava marcada pela comunhão vital, pela amizade.

Eles compartilhavam a vida pobre do mestre. Entravam em comunhão de vida, missão e

destino. Jesus, como na parábola da videira e os ramos, revela aos discípulos a nova maneira

de relacionar-se com o mestre. ““Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que

seu senhor faz; mas vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu pai vos dei a

conhecer”” (Jo 15,15).

5) A diferença do discipulado rabínico está também no tempo e na finalidade. Os rabinos

acompanhavam seus discípulos temporariamente até que estes tornavam-se intérpretes da lei;

diferente de Jesus, que exigia uma resposta pessoal, total e permanente, já que a finalidade da

formação era que seus discípulos se tornassem anunciadores do Reino de Deus e

continuadores de sua missão redentora. Enfim, podemos dizer que ser discípulo, seguidor de

Jesus, é tornar-se missionários e missionárias129.

2.2. O cego Bartimeu, um seguimento paradigmático.

Esta experiência de seguimento vivida pelos discípulos, até agora descrita de maneira

geral, é vivida pelas pessoas de modos diferentes de acordo com a sua história e

129 Ver: BONBONATTO, Vera Ivanise. Op. Cit., p. 42-45; PAMP 49.

84

personalidade. Jesus chamou pessoas de diferentes idades, personalidades, classes sociais,

formação, pelo nome, de maneira personalizada, numa comunidade concreta. Por este motivo,

continuando, vamos descrever a experiência de seguimento do cego Bartimeu que se

transforma numa experiência paradigmática. Esta experiência que vai iluminar a caminhada

da Pastoral da Juventude neste trabalho surgiu no contexto do evangelho de Marcos, que tem

suas preocupações, motivações e propostas, motivo pelo qual vamos aprofundar o contexto da

perícope antes de dedicarmos totalmente ao estudo da mesma.

2.2.1. Contextualização da perícope

Todo começou na beira do mar da Galiléia, onde Jesus chamou pessoas simples do

povo para partilhar sua missão, para segui-lo na proclamação do Reino de Deus (Mc 1,16-20).

Nessa caminhada, a presença de Jesus era cada vez mais impressionante por suas palavras e

ações. Ele falava com autoridade (Mc 1,17), curava doenças e expulsava demônios.

As expectativas do povo iam crescendo e as idéias de Messias que cada grupo tinha

eram projetadas sobre Jesus e, por sua vez, o império romano olhava com desconfiança este

novo movimento popular nascente. Ele, por sua parte, nunca deixou-se manipular. Entre os

grupos existentes na época de Jesus podemos destacar os seguintes:

Os romanos: durante toda a vida de Jesus o povo não estava livre, estava dominado

pelo império romano. O costume do império era colocar um procurador ou governador em

cada terra submetida (Pilatos foi um deles), com a missão de arrecadar dinheiro por meio de

fortes cargas impositivas e controlar, por meio de tropas de ocupação, todo tipo de movimento

ou rebelião que procurasse a independência da terra conquistada. E estes reservavam-se

algumas decisões jurídicas e normalmente respeitavam os costumes locais e a religião. Outra

85

prática, modus operandi, era seduzir e ganhar as elites políticas, religiosas e econômicas, em

beneficio dos interesses do império130.

Os sacerdotes: a função destes era abençoar (Num 6), oferecer sacrifícios (Lv 1-7) e

ofertas (Dt 26), instruir (Lv 13) e julgar (Dt 17,8). Os profetas, ao longo da historia,

denunciaram abusos dos sacerdotes (Jr 2,26). Quando os romanos tomaram o poder, o

primeiro passo foi nomear o Sumo Sacerdote em Jerusalém, o qual controlava o templo, ou

seja, toda a vida econômica do país. O povo estava obrigado a ir de uma a três vezes por ano

ao templo, onde se pagavam os impostos. Por outro lado, além disso, o povo tinha que pagar o

dízimo aos sacerdotes, o imposto aos romanos e a renda aos donos da terra. Desse dinheiro

grande parte ia para os cofres do templo, e assim o dinheiro ia acumulando-se na mãos dos

sumos sacerdotes que, por sua vez, eram os donos da terra. Por este motivo, o poder dos

sacerdotes era muito grande. Os romanos deixavam que eles decidissem tudo o que tinha a ver

com a vida do povo, se estes favoreciam suas políticas impositivas. O messias esperado por

estes era claramente sacerdotal, da casta sacerdotal, motivo porque Jesus não entrava nos seus

paradigmas, o que provocou enfrentamentos e desavenças131.

Os saduceus: estes estavam muito vinculados aos sacerdotes. O nome vem de Sadoc,

que foi um sumo sacerdote no tempo de Davi. Eram uma espécie de seita religiosa e política.

Apegavam-se nas escrituras sem os acréscimos dos fariseus e não acreditavam na

ressurreição. Normalmente eram latifundiários, de classe alta, materialistas e aliados do poder

romano132.

Os fariseus e os doutores da lei133: os fariseus, leigos e observantes da lei de Moisés e

geralmente, nos diferentes povoados, formavam a classe média baixa. Ao grupo dos fariseus

pertenciam também os doutores da lei, às vezes chamados escribas, os quais se dedicavam ao

130 Cf. MESTERS, Carlos. Curso Bíblico 2. São Paulo: CCJ, 1999. p. 11-12; SCHÖKEL, Luís Alonso. Bíblia do peregrino. São Paulo: Paulus, 2002. p. 3041. 131 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 12; SCHÖKEL, Luís Alonso. Ibidem., p 3042. 132 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 12-13; SCHÖKEL, Luís Alonso. Ibidem., p 3042. 133 No ponto trabalhado na questão do seguimento na tradição rabínica descrevemos alguns traços deste grupo.

86

estudo da lei de Moisés. Após a escravidão na Babilônia, foram eles que organizaram e

uniram o povo, e por volta dos anos 70 conseguiram hegemonia dominando assim o judaísmo

posterior. Estes davam muita importância às coisas exteriores (por exemplo, a observância do

sábado, do jejum, da esmola etc.), para evitar a mistura com os estrangeiros. Para conseguir

isto, organizaram o povo em torno das sinagogas, que eram os locais de reunião. Ao lado da

sinagoga sempre tinha uma escola, chamada “Casa de letras”, onde as crianças apreendiam o

hebraico. Por todos esses motivos era um grupo de muita influência na vida do povo

simples134.

Os publicanos: eram pessoas contratadas pelos romanos para cobrar os impostos do

povo. Os romanos alugavam uma região e estes eram os responsáveis de passar o dinheiro e

fiscalizar o pagamento. Existiam os grandes publicanos, que eram donos dos postos fiscais; e

os pequenos que eram contratados por estes. Como todo serviço terceirizado, também este

aumentava a carga para o povo, já que todos precisavam ganhar. Eram odiados e considerados

pecadores pelo povo, pela pressão que exerciam sobre suas vidas e por serem aliados dos

romanos135.

Os Herodianos: eram grupos de pessoas vinculadas aos romanos para mandar e

representá-los nas diferentes regiões. O nome Herodianos vem do rei Herodes. Na história da

Palestina houve dois Herodes: um na época do nascimento de Jesus e outro no tempo da vida

pública de Jesus136.

Os zelotas: transcrição de um termo aramaico que significa o zeloso e designa os

zelotas. Era um grupo de cunho nacionalista religioso, que atuava sobretudo no norte e queria

voltar a ser pessoas livres e independentes. Tinham muito claro na sua mentalidade que eram

o povo eleito por Deus para governar o dominar o mundo. Acreditavam que eram o braço

134 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 13; SCHÖKEL, Luís Alonso. Ibidem., p 3011. 135 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 14; SCHÖKEL, Luís Alonso. Ibidem., p 3038.3041. 136 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 14.

87

armado de Deus e por isso eram muito ativos e violentos. Estes ganharam simpatia do povo

porque lutavam pela libertação do domínio estrangeiro137.

Os pobres: na ordem social consideram-se pobres de modo especial, os órfãos, a viúvas

e os migrantes. Naquela sociedade não havia lugar para estes. Ficavam sobrando. Os romanos

tiraram o poder e a participação; os fariseus a sabedoria; os saduceus e sacerdotes, com a

desculpa do dízimo e dos impostos, o pouco dinheiro que tinham. Os pobres também não

acreditavam muito nos zelotas já que estes também tinham um projeto de poder e domínio.

Depois de tantas promessas não cumpridas dos poderosos e da exploração sofrida, eles

colocavam sua esperança em Deus138.

Jesus, que viveu neste contexto, conforme o evangelho de Marcos, desde o começo

entrou em conflito com seus seguidores e adversários. Com os seguidores porque queriam que

ele respondesse às suas expectativas de um messianismo triunfante, vinculado ao poder e ao

espetáculo. Com os adversários, porque trazia um anúncio novo que quebrava tudo aquilo que

garantia seu poder e privilégios. Desde o começo do evangelho, Jesus procurou fugir de

triunfalismos populares e foi mostrando implicitamente (secreto messiânico) o rosto do

verdadeiro messias (evocando a categoria de Filho do Homem e Servo Sofredor, Is 42,1ss).

Esta experiência do povo, que fica desconcertado, e dos discípulos e adversários, que

não compreendem, Marcos a representa na cura de um cego (Mc 8,22-26). Marcos utiliza o

fato da cura do cego para fazer entender o que estava acontecendo com o povo e os discípulos

de Jesus: eles estavam cegos para descobrir a presença do Reino de Deus em seu meio. A

presença de Jesus ia abrindo-lhes os olhos e ajudando-os a reconhecer que ele era o Messias,

ele era a presença do Reino. Mas eles ainda tinham uma imagem deformada do Messias, de

137 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 14; TEB. Bíblia: Tradução Ecumênica. 5 ed. São Paulo: Loyola, 1997. p. 1876. 138 Cf. MESTERS, Carlos. Ibidem., p. 14-15 SCHÖKEL, Luís Alonso. Op. Cit., p 3036.

88

acordo com suas expectativas. Eles ainda deviam enxergar claramente, compreender

melhor139.

A incompreensão do messianismo, que o Evangelho de Marcos coloca simbolicamente

na cura do cego, se manifesta claramente na chamada crise da Galiléia (Mc 8,27-33). Pedro,

diante da pergunta de Jesus: “E vos que dizeis que eu sou?”, proclama e diz: “Tu és o Cristo”,

o Messias. Jesus, depois de dizer que não falem a ninguém o proclamado faz, o primeiro

anúncio da paixão. Pedro rejeita o que ele diz e Jesus o censura. Jesus nesse momento

compreende que os discípulos não estavam preparados para dar continuidade ao anúncio do

Reino e que era necessário acompanhar de perto a caminhada deles. Depois da censura de

Pedro ele o repreende duramente porque suas idéias eram do mundo e não de Deus.

A partir desse momento nada seria da mesma maneira. Jesus se dedica por inteiro a

acompanhar o processo de reestruturação dos paradigmas messiânicos e de compreensão das

conseqüências do seguimento. Todo contato de Jesus como o povo, toda sua ação em

benefício do povo, de agora em diante, tem como horizonte a formação dos discípulos140.

O texto que vamos aprofundar, a perícope do cego Bartimeu, é um texto de ligação

com a unidade última que relata o caminho final a Jerusalém e aparece na parte central do

evangelho de Marcos. É o ponto de chegada de uma longa instrução e preparação de seus

discípulos sobre a cruz, o Messias servo e a necessidade de conversão. Nesta caminhada,

podemos resgatar várias situações de nosso interesse: o processo vivido pelos discípulos e o

acompanhamento de Jesus. Eles não abriram os olhos de um momento a outro, precisaram de

139 BRAVO GALLARDO, Carlos. Galiléia ano 30: para ler o evangelho de Marcos. São Paulo: Paulinas, 1996. p. 85-86 e 117-119. 140 Cf. BRAVO GALLARDO, Carlos. Jesus homem em conflito. São Paulo: Paulinas, 1997. p.186. Jesus acompanha seus discípulos nesta unidade (9,11-10-45) respondendo a todas as perguntas que os discípulos faziam (9,11-13; 9,14-29; 10,2-12; 10,28-31); fazendo esclarecimentos que ele considerava necessários (9,30-32; 9,36-37; 10,17-27; 10,32-34); e fazendo correções a práticas erradas (9,33-35; 9,38-50; 10,13-16; 10,35-45) A proposta do esquema de divisão de Carlos Bravo Gallardo, que nos pode ajudar a visualizar melhor o texto que vamos estudar a perícope do cego Bartimeu. Sempre tendo em conta que todo esquema tem certa artificialidade e poderia ser diferente. Para ver outro esquema ver em: MESTERS, Carlos e LOPES, Mercedes. Caminhando com Jesus. (184/185) São Leopoldo/RS: CEBI, 2003. p. 2; FABRIS, Rinaldo. Op. Cit., p. 510-540.

89

tempo para confrontar idéias, experiências e expectativas. Eles passaram do estar com Jesus

pela atração que provocava por seus milagres e ações até compreender mais ou menos que

eram chamados a segui-lo no serviço e na doação de suas vidas, pela vida do povo.

Neste processo de crescimento, temos que resgatar a atitude de Jesus que compreende

pacientemente e dedica seu tempo e esforço em seu acompanhamento. Ele poderia tê-los

rejeitado porque não entendiam, por serem maus discípulos, mas com ternura e firmeza,

publicamente ou em privado, sozinhos ou em grupo, foi corrigindo e apresentando o projeto

do Reino de Deus e de Messias que ele trazia141.

Nesta perícope, vamos contemplar como acontece a proposta de seguimento de Jesus a

um cego mendigo, que no evangelho de Marcos transforma-se em protótipo de seguidor, de

discípulo. Esta experiência de encontro e seguimento vai iluminar a proposta evangelizadora

da Pastoral da Juventude, vai nos ajudar a compreender mais ainda que a questão vocacional é

vital para a vida e missão desta pastoral.

2.2.2. Análise da perícope do cego Bartimeu (Mc 10,46-52)

Agora nos deixaremos interpelar pela Palavra de Deus, fazendo uma leitura atenta e

orante da perícope da cura do cego Bartimeu (Mc 10,46-52), que nos enriquecerá a reflexão e

oferecerá novas pistas de ação para a Pastoral da Juventude. O cego Bartimeu é símbolo do

discípulo, do seguidor que abre os olhos à verdadeira identidade do Messias, “Filho do

Homem”, “Servo Sofredor”, e segue Jesus no caminho para Jerusalém, com coragem e

decisão.

O autor, colocando Marcos em primeira pessoa, nos relata de maneira clara a intenção

do evangelista interpretada pelos diferentes autores:

141 Estes dois temas vão ser retomados na elaboração dos princípios pedagógicos da dissertação: Os processos de educação na fé: caminho do seguimento de Jesus nos jovens; e Assessoramento e acompanhamento.

90

Se querem entender o que quero dizer, não se detenham apenas na cura, porque ali

não está a mensagem que quero passar. Utilizei este fato para que entendam o que

estava acontecendo com os discípulos de Jesus: era como se estivessem cegos,

proclamavam o Messias de acordo com suas próprias expectativas. Lembrem-se do

primeiro cego, o que foi curado em Betsaida: enxergava pouco, assim como eles. Não

obstante a instrução que lhes deu e os pontos de vista que lhes corrigiu, ainda não

chegam a vê-lo como realmente é. Mas também como este cego, quando chegam a

entender quem é Jesus, se levantam e o seguem. E eu espero que aconteça o mesmo

com todos os que leram o que estou escrevendo142.

O despertar de discípulo

46 Chegaram a Jericó. Ao sair de Jericó com os seus discípulos e grande multidão, estava

sentado à beira do caminho, mendigando, o cego Bartimeu, filho de Timeu.

Jericó, última parada a uns trinta quilômetros antes de subir para Jerusalém, era a

cidade mais antiga da Palestina e de grande importância, porque ali viviam os sacerdotes e

levitas que serviam no templo. É na saída desta cidade que acontece a cena do encontro de

Jesus com Bartimeu. O versículo 46 descreve o que viveu este homem rejeitado e excluído

pela sociedade. A cegueira de Bartimeu tinha uma repercussão teológica e espiritual. Ele

estava vivendo isso porque era pecador, ele ou alguém de sua família, e por isso não era

abençoado e sim rejeitado por Deus. Sua situação social e religiosa levou-o a viver

mendigando, a sobreviver da solidariedade dos “puros e santos”. Esta experiência sentida e

sofrida levou Bartimeu a ficar sentado, sem forças para caminhar. Ele tinha desistido e

perdido as esperanças.

142 BRAVO, Carlos. Galiléia ano 30... Op. Cit. p. 118-119.

91

Por outro lado, como já citamos acima, a intenção de Marcos, quando fala da cegueira,

é que possamos entender o que acontecia com os discípulos que estavam como cegos, sem

poderem ver a verdadeira identidade de Jesus. Proclamavam o Messias de acordo com suas

próprias expectativas de poder e privilégios. Não reconheciam que a proposta de seguimento

de Jesus, alicerçada no serviço e na doação, podia dar verdadeiro sentido a suas vidas.

Esta realidade do cego Bartimeu pode ser ícone da realidade dos jovens na periferia do

Brasil, onde também vivem à beira do caminho, mendigando futuro e dignidade e cegos

daquilo que dá verdadeiro sentido à vida (Mc 10,46-52).

A ação de Jesus, como toda ação pastoral, dá-se num contexto histórico, social e

cultural determinado. Os evangelhos mostram sempre, às vezes com mais claridade que

outras, a realidade dos interlocutores de Jesus. Para trabalhar pastoralmente no meio da

juventude precisamos também partir do contexto. Não podemos agir sem ter em conta a vida

das pessoas porque a Boa Notícia do Reino é uma realidade encarnada143.

47 Quando percebeu que era Jesus, o Nazareno, que passava, começou a gritar: “filho de

Davi, Jesus, tem compaixão de mim!”

Esses gritos resumem a esperança de Israel na ajuda divina e expressam a necessidade

e as aspirações do cego. Esses gritos continuam ressoando ainda hoje no clamor de tantos

jovens que vivem à beira do caminho, mendigando seus direitos fundamentais: trabalho,

formação profissional, lazer, enfim, um presente e um futuro dignos. É necessário que

saibamos escutar esses gritos que muitas vezes se manifestam de maneiras estranhas e até

agressivas, mas, no fundo, iguais ao cego Bartimeu; estão desejosos de acreditar, de confiar

em alguém que os trate como gente e devolva-lhes a dignidade e o sentido da vida.

143 Todo o primeiro capítulo quer ser uma descrição dos filhos de Timeu da periferia. Cada agente de pastoral deve fazer o trabalho de parar para analisar a realidade, ver que chão está pisando. Sem este passo é impossível fazer uma proposta pastoral seria e evangélica.

92

O cego Bartimeu, mergulhado e paralisado pela dor da exclusão, ao ouvir Jesus

Nazareno, sentiu uma força nova em seu coração, uma força que surgia do mais profundo e

que ele não a conhecia. Esta presença e encontro com Jesus é o ponto de partida de todo

processo de vida espiritual, de todo caminho de seguimento. A experiência de Bartimeu é a

experiência que todo seguidor de Jesus é chamado a fazer e, por isso, hoje mais que nunca

precisamos apresentar Jesus aos jovens. João Paulo II dizia que ““Se Cristo lhes for

apresentado como o seu verdadeiro rosto, os jovens reconhecem-no como resposta

convincente e conseguem a colher a sua mensagem, mesmo se exigente e marcada pela

cruz.””144 (NMI 9)

A passagem de Jesus pela beira do caminho no meio da multidão desperta a fé do cego

Bartimeu que com confiança grita teimosamente: “Jesus, filho de Davi, tem compaixão de

mim”. Ele tinha plena confiança que Jesus ia fazê-lo enxergar de novo. Bartimeu teve mais fé

em Jesus do que em suas idéias sobre Jesus. Assinou em branco. Soube entregar sua vida,

aceitando Jesus sem impor condições.

No evangelho de Marcos a fé em Jesus e em sua Palavra aparece como força

transformadora145 que desencadeia processos dignificantes, que curam e dão sentido à vida

das pessoas. Na atualidade, muitas pessoas procuram encontrar-se com Jesus para curar as

feridas do coração e até para eliminar doenças146. A cura de Bartimeu, em Marcos, nos ajuda a

descobrir que é um primeiro passo e só isso na vida deste cego. Jesus, partindo desta

“necessidade sentida” devolve a dignidade ao cego, incluindo-o na comunidade, e o faz

descobrir que o sentido de sua vida estava no seguimento e não no ficar sentado à beira do

caminho. 144 “O encontro com Cristo” é uma temática já presente na Exortação Apostólica Ecclesia in América e na Carta Apostólica “Novo Millennio Ineunte” (João Paulo II. Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte. 9.ed. São Paulo. Paulinas, 2001.), e aparece com força no documento de estudo da CNBB “Evangelização da juventude”. Este apelo do magistério nos questiona sobre o rosto que estamos apresentando de Jesus, as maneiras de apresentá-lo e as possibilidades que damos aos jovens de encontrar-se com ele. 145 CF. MESTERS, Carlos e LOPES, Mercedes. Op. Cit., p.47; Ecclesia in América 8. 146 No ponto 1.3.2.3 do primeiro capítulo desenvolvemos esta nova sensibilidade religiosa. É importante ter em conta esse elementos para a análise.

93

Atitude dos que acompanhavam Jesus

48 E muitos o repreendiam para que se calasse. Ele, porém, gritava mais ainda: “Filho de

Davi, tem compaixão de mim!”

O desejo do cego Bartimeu é encontrar-se com Jesus, mas defronta-se com o

empecilho dos discípulos que tentam abafar o seu grito. Eles, em lugar de cumprir sua missão

de aproximar o mestre do povo, o afastam e se transformam em muros que dificultam o

encontro. Os discípulos estavam marcados pelo preconceito e, por isso, olhavam com a força

da exclusão, em razão de seus princípios religiosos e teológicos.

Igualmente hoje, nós também corremos o risco de olhar nossos jovens, especialmente

os mais pobres, pela ótica do preconceito e da exclusão. De fato, precisamos mudar nosso

olhar e nossas atitudes147 para que a juventude seja acolhida apesar de todas as suas limitações

e fraquezas. A comunidade toda e principalmente os agentes da Pastoral da Juventude são

chamados a encontrar no coração de Jesus o exemplo de quem acolhe a todos, de quem age

movido pelo amor e não por preconceitos e prejuízos que só deformam a realidade e o

trabalho pastoral com os jovens.

A teimosia de Bartimeu o faz gritar ainda mais forte, a tal ponto que sua voz chega aos

ouvidos de Jesus que está no meio da multidão. Lamentavelmente, na atualidade, nos

encontramos com jovens de corações cansados, deixando a vida passar. Estes precisam de

experiências que gerem persistência, que despertem essa vitalidade e força interior

adormecida que está em cada jovem.

Mas, por outro lado, no seio da juventude há uma força, um fogo, que só está faltando

ser despertada para que cresça e surja como energia transformadora geradora da Civilização

do Amor. Graças a Deus, na juventude ainda há gritos teimosos e corajosos que não se

147 Na introdução do primeiro capítulo colocamos diferentes visões e atitudes que nos fazem iguais aos discípulos que abafam os gritos do cego Bartimeu.

94

deixam vencer pela crua realidade, há gritos que estão esperando com ansiedade ser

escutados.

Estamos preparados para acolher esses gritos? Essa pergunta surge com o desejo de

fazer as mudanças necessárias, deixarmos de ser muro entre Jesus e os discípulos e possamos

ser pontes, canais de comunicação da ação misericordiosa de Deus na vida da juventude.

Atitude e proposta do mestre

49 Detendo-se...

Os gritos insistentes de Bartimeu fazem interromper a viagem de Jesus. Ao contrário

dos discípulos, Jesus atende a súplica do cego mendigo. Jesus, nesta perícope comporta-se

como o samaritano (Lc 10,29-37) que não deixou o homem à beira do caminho, encheu o

coração de compaixão e colocou-se à disposição de Bartimeu para atender suas necessidades.

Com este gesto, ensina os discípulos a estarem atentos aos gritos daqueles que sofrem e não

são escutados, por causa do barulho da multidão. Estamos convidados a estar em sintonia com

a súplica dos jovens que gritam, que suplicam para que alguém os atenda.

Os “barulhos” de hoje talvez sejam diferentes, mas, da mesma maneira, nos deixam

insensíveis aos gritos dos pobres e excluídos. O barulho da multidão talvez hoje se chama

televisão, música, internet, prazer momentâneo, drogas, álcool, pura diversão. É a multidão

que procura tampar os ouvidos para não escutar, para não encontrar-se com a realidade. Uma

Pastoral da Juventude em chave vocacional, que busca suscitar o seguimento de Jesus, é uma

pastoral que desperta os jovens à realidade e ao sofrimento do irmão que está jogado à beira

do caminho. Diante de uma cultura da indiferença, do divertimento e do bem estar, temos que

apresentar uma proposta pedagógica que os ajude a irem progressivamente descobrindo que o

chamado de Deus acontece na realidade de tantos homens e mulheres que sofrem pela falta de

condições dignas de vida (Ex 3,1-14; Jr 1,4-19; Lc 4,14-21; At 6,1-6).

95

Hoje, mais do que nunca, temos necessidade de fazer nossa a oração litúrgica que

diz:““Dai-nos olhos para ver as necessidades e os sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs;

inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que a

exemplo de Cristo e seguindo o seu mandamento, nos empenhemos lealmente no serviço a

eles””148.

...Jesus disse: “Chamai-o!” Chamaram o cego...

Jesus, movido de compaixão, ordena que chamem o cego mendigo. O chamado de

Jesus acontece por uma ação comunitária. O texto não específica quem chama Bartimeu,

simplesmente diz que o chamaram. Eles não têm iniciativa própria, eles chamam o cego

mendigo por uma ordem de Jesus e em nome de Jesus e não por escolha pessoal.

O imperativo “chamai-o” e a ação “chamaram” nos levam a entrar em contato com a

raiz de toda experiência vocacional, a experiência do “chamado”, fundamento e princípio do

seguimento. A palavra vocação deriva do verbo latino vocare, que significa simplesmente

chamar. O substantivo desse verbo chamar é vocatio, que quer dizer, chamado, chamada,

convite, apelo. É muito importante ter clareza disto, para não identificar equivocadamente

vocação com inclinação ou aptidão149. Na experiência vocacional, o primeiro é o ato de

alguém que chama, alguém que reconhece o outro como sujeito, como interlocutor. Jesus

reconhece o cego Bartimeu em sua dignidade e como vocacionado, e convida seus discípulos

a que façam o mesmo.

O chamado do cego Bartimeu é feito comunitariamente, por isso é muito importante

redescobrir que toda ação pastoral no meio da juventude deve ser uma ação eclesial,

comunitária, enfim, uma experiência em mutirão. Em algumas comunidades eclesiais

acontece que a ação com a juventude é um trabalho restrito a umas poucas pessoas, sob a 148 Missal Romano. Oração Eucarística VI-D. Jesus Passou fazendo o bem. p. 860. 149 Cf. OLIVEIRA, José Lisboa M. de. Teologia da Vocação. Temas fundamentais. São Paulo: IPV/Loyola, 1999. p. 19.

96

pressão e cobrança da comunidade para obter bons resultados. Isto produz o afastamento de

lideranças e jovens que não se sentem acolhidos e valorizados. Na atualidade, precisamos

fazer um caminho de sensibilização das comunidades, para que todos possam reconhecer a

sua condição de “chamadores”, de animadores vocacionais150; para que toda a comunidade

faça uma opção pelos jovens. Isto sem dúvida pode possibilitar que toda a comunidade

eclesial reconheça os jovens em sua dignidade e em sua condição de vocacionados.

Hoje existem esforços para superar os preconceitos e visões simplistas daqueles que

trabalham com jovens e aceitar o pluralismo na ação pastoral. À luz deste esforço e do

imperativo de Jesus de chamar em comunidade, é urgente somar as forças de todos aqueles

que trabalham com a juventude: Pastorais da Juventude, Congregações e Movimentos

Eclesiais. Mas somar não significa que tudo é igual. Pluralismo não é relativismo151.

Precisamos acolher o desafio da valoração de cada contribuição e assumir juntos princípios

pastorais comuns para orientar a tarefa evangelizadora da juventude152.

Também é importante não esquecer que a comunidade que chama é uma comunidade

de discípulos de Jesus, que partilham com ele sua missão. Não é qualquer comunidade que

pode chamar e ajudar ao outro a descobrir-se vocacionado. Os membros das comunidades, os

assessores e animadores da PJ devem ser também vocacionados, discípulos do Mestre, para os

quais se supõe um encontro vivo com Jesus Cristo, uma identificação com suas opções e

150 É importante lembrar as aproximações da juventude e a realidade social e cultural que os jovens vivem. Conhecer isto pode ajudar a muitos adultos a relacionar-se de outra maneira com a juventude. 151 Cf. No ponto 1.3.2.5, do primeiro capítulo, trabalhamos o pluralismo, o relativismo e a indiferença. Esta abordagem nos pode ajudar a discernir critérios de diálogo e integração. 152 CLAR. “O mundo jovem”. Instrumento de trabalho. Cadernos da CRB n. 26. Rio de Janeiro: Publicações CRB, 1999. p. 55; Evangelização da Juventude 45-46. Também gostaríamos resgatar a experiência que vivemos em Tucumán-Argentina. A comissão Arquidiocesana da PJ estava conformada pelos grupos das paróquias e pelos diferentes movimentos. Esses movimentos estavam num processo de amadurecimento por meio da caminhada da PJ na América Latina e na Argentina. Na prática, todos, movimentos e grupos paroquiais levavam esses conteúdos e aplicavam na suas comunidades, respeitando seu carisma. O que tinham em comum eram os princípios pedagógicos, pastorais da PJ como fonte de amadurecimento para todos.

97

sentimentos, escuta amorosa da palavra, vida sacramental, vivência eclesial da fé e

compromisso com os mais pobres153.

...dizendo-lhe: “Coragem! Ele te chama. Levanta-te”.

No centro do convite feito por esses discípulos anônimos, encontramo-nos com a

pessoa de Jesus que chama. Eles não convidam Bartimeu para sua pastoral, movimento ou

congregação; eles convidam a encontrar-se com Jesus. É ele quem chama, é ele que tem uma

boa notícia para “os filhos de Timeu”. Às vezes, nossas propostas estão orientadas para um

fundador, um jeito de ser ou a códigos de grupos, esquecendo que chamamos em nome dele.

Por isso, é urgente uma mudança. Toda proposta pastoral realizada aos jovens tem que passar

do eclesiocentrismo (Pastoral da Juventude, Movimentos ou Congregações) a um

cristocentrismo. Não somos nós que chamamos, não sou eu que chamo, é ele que chama. A

comunidade é mediadora.

Depois de receber o imperativo de Jesus de chamar o cego Bartimeu, eles vão ao seu

encontro para cumprir a missão encomendada. As palavras pronunciadas para fazer a proposta

ao cego Bartimeu:

... soam bem em qualquer ouvido e principalmente naqueles que estão sentados à

beira do caminho fazendo a sofrida experiência da exclusão. Aprendamos com estes

anônimos animadores vocacionais a fazer uma proposta direta, objetiva e cheia de

ternura. Na frase dita a Bartimeu não falta nem sobra nada. O convite começa

estimulando o vocacionado cego e mendigo a ter coragem para enfrentar a realidade

e caminhar até Jesus154.

153 Cf. Ver o desenvolvimento do tema em: Rumo à V Conferência... 36-93; Evangelização da Juventude 61-75. 154 CNBB. Congresso Vocacional do Brasil. Vocações e ministérios para o novo milênio. Texto Base. Itaici, 1999, 62. O que esta em negrito é nosso.

98

O verbo levantar na Bíblia às vezes é traduzido por ressuscitar (Mc 16,6)155. Este

convite feito para levantar-se, para ressuscitar é muito sugestivo para Bartimeu e para os

jovens de hoje, pois estão chamados a deixar o velho e ir ao encontro do novo156, tomar uma

postura, assumir opções que o levem a recuperar a sua dignidade. Já não podem mais ficar à

beira do caminho.

Mudança do discípulo diante do chamado

50 Deixando o manto, deu um pulo e foi até Jesus.

A reação do cego mendigo demonstra uma vez mais a sua fé e confiança em Jesus.

Ninguém esperava essa reação. Talvez nem ele mesmo. Bartimeu acredita firmemente que

Jesus vai, devolve-lhe a visão e, com ela, a dignidade. A presença de Jesus desabrocha forças

e capacidades escondidas no mistério das pessoas que se encontram com elas.

Bartimeu joga o manto fora, talvez sua única propriedade, para ir ao encontro de Jesus.

A atitude de Bartimeu é diferente da do jovem rico, que depois de receber o convite de Jesus a

dar seus bens aos pobres e segui-lo, vai embora triste porque tinha muitos bens (Mc 10,17-

22). Marcos apresenta a realidade da necessidade da renúncia para seguir Jesus.

Há necessidade de deixar de lado bens e a velha mentalidade que impede de

compreender a proposta de Jesus. Pedro e seus companheiros não conseguiam mudar a idéia

de Messias que tinham. Eles não podiam aceitar que Jesus sofresse e muito menos ainda que

morresse. O cego Bartimeu, modelo de discípulo, tem o desprendimento e a coragem de jogar

fora a única coisa que lhe dava segurança.

Os jovens, na atualidade, estão mergulhados numa cultura que tem muitos elementos

contrários ao Evangelho e os atrapalha na hora de optar pelo seguimento de Jesus; encontram-

155 Congresso Vocacional do Brasil (Texto Base) 63. 156 Um traço da cultura atual é a perda de referenciais e a necessidade de segurança. As experiências que promovem a rejeição de costumes e acolhida de novas atitudes que gerem segurança estão em moda. Estas posturas geram fundamentalismos, mas a PJ precisa formular propostas que respondam a este anseio da atualidade sem alienações.

99

se com o desafio de deixar costumes muito arraigados, relações afetivas de dependência que

tiram liberdade e, semelhantes ao jovem rico, ficam tristes pela falta de coragem e decisão. Da

mesma maneira que os discípulos, os jovens precisam de tempo, paciência e dedicação por

parte dos assessores, para formar novos paradigmas de compreensão da vida e da fé e jogar

fora o que não presta. Nossa proposta evangelizadora para a juventude tem que suscitar a

reação do cego Bartimeu diante do convite dos discípulos anônimos, que jogou o manto e

pulou para ir ao encontro de Jesus que o chamava.

51 Então Jesus lhe disse: “Que queres que te faça? O cego respondeu: “Rabbuni! Que eu

possa ver novamente!”. 52 Jesus lhe disse: “Vai, tua fé te salvou”. No mesmo instante ele

recuperou a vista e o seguiu no caminho.

O diálogo de Jesus com o cego Bartimeu revela os efeitos e as conseqüências para a

vida das pessoas no encontro com Jesus. Podemos sintetizar esta experiência como

dignificante, que sana e dá sentido à vida do cego Bartimeu e todos aqueles que ao longo da

história da salvação viveram esta experiência.

Como já dizemos, chamar alguém é reconhecer o outro como interlocutor em sua

dignidade. Para o cego desprezado e ignorado, a presença de Jesus significa ser reconhecido e

valorizado. Ele recupera sua dignidade, a força, a esperança de continuar lutando. Por outro

lado, alguém acredita nele, acredita que possa caminhar, sair de sua situação. Jesus confia no

cego, confia em seu potencial. O encontro destes é um encontro de fé e confiança mútua, onde

a fé de Jesus em Bartimeu alimenta a fé dele, e a fé deste confirma Jesus em sua missão

libertadora.

Numa sociedade onde o jovem é um número e uma ferramenta para gerar ganância e

lucro, a PJ está convidada a chamar os jovens pelo nome, acreditar neles e desenvolver suas

capacidades e talentos. Desta maneira, o jovem terá a capacidade de descobrir seu primeiro

100

chamado, sua primeira vocação, que é a vocação à vida, a ser gente. Para que isto aconteça, a

PJ precisa desenvolver propostas criativas de lazer, formação, artes, encontros estáveis e

massivos, esportivos que fortaleçam a auto-estima, ajudem na construção da identidade

pessoal e extraiam o potencial escondido no coração de cada jovem157.

Bartimeu saiu ao encontro de Jesus com a confiança plena de que ele curaria sua

cegueira. A cura de sua doença era o primeiro objetivo do encontro com o Mestre. Jesus faz

questão de perguntar o que precisa, o que quer que faça por ele. Esta atitude de Jesus é muito

importante para nossa ação pastoral com os jovens. Muitas vezes esquecemos de perguntar e

respondemos a perguntas que o jovem não faz, ou fazemos coisas por eles que não precisam.

Jesus queria que o pedido saísse da boca do cego, que ele expressasse, que fosse ciente de sua

necessidade. Jesus poderia realizar a cura sem que o cego fizesse o pedido, ele poderia agir

em nossa vida sem que falemos para ele,

porém, espera que eu leve a sério minha vida; que ouse enfrentar o que me acontece e

lhe apresente confiante, sabendo que ele dispõe de poderes para mudar. Diz-nos

Santo Tomás que não peçamos a Deus que se inteire do que nos acontece, mas que

nós nos convençamos de que precisamos dele para resolver os nossos problemas. E,

quando a oração se torna convicção de que ele pode fazer o que nós pedimos e que,

sem ele, nada somos, então se transforma em verdadeira súplica158.

O cego Bartimeu, a partir de sua súplica cheia de fé e confiança, é curado por Jesus.

Esta experiência de cura do cego Bartimeu é desejada e procurada pelas pessoas de nosso

tempo. Como comentávamos na reflexão sobre a nova sensibilidade religiosa de nosso tempo,

157 Cf. Diretrizes gerais... (doc.71) 64-111. Nas diretrizes gerais do ano 2003-2006 nos encontramos com o desafio na promoção da dignidade humana, uma reflexão cristã e pistas de ação no serviço, diálogo, anúncio e testemunho de comunhão. Algumas dessas ações estão dirigidas à juventude diretamente. 158 FERNANDEZ, Victor Manuel. Curar um amor ferido. São Paulo: Paulus, 2002. p. 9.

101

no capítulo primeiro, um traço forte da religiosidade atual é a procura de cura, de paz e de

consolo. É importante que saibamos estar atentos aos gritos e aos novos sinais dos tempos. A

ação pastoral deve acolher esta busca dos homens e mulheres de nossa época e, a partir dela,

fazer um processo de amadurecimento das motivações da sua fé.

Com simplicidade e profundidade teológica, Victor Manuel Fernandez159, em seu livro

“Curar um amor ferido”, nos convida a encarar um processo de cura de vida interior, mas sem

escolher o caminho errado. Para transitar bons caminhos, diz o autor, temos que perguntar

para quê queremos curar-nos, ou seja, qual é o objetivo de nossa vida. Se buscamos a cura

somente para sentirmo-nos bem, para ter paz e consolo, ou libertar-mos de algum problema,

podemos escolher ioga ou terapias alternativas, mas a fé e a oração não são os caminhos. As

pessoas que procuram este ideal de vida, muitas vezes tentam afastar-se das pessoas com

problemas para que ninguém invada e destrua sua paz.

O ideal cristão é outro, é amar a Deus, ao próximo, é lutar por um mundo melhor,

ainda que isso nos traga problemas. Por isso, a cura está em função de minha missão, para eu

poder estar mais e melhor a serviço do outro, do Reino. Na medida em que vamos doando,

vamos servindo, vamos libertando-nos, curando-nos.

No contexto atual, onde os jovens estão muito machucados emocionalmente, com

famílias destruídas e com fortes experiências que marcaram negativamente suas vidas, é

necessário encarar um processo de cura de tudo aquilo que os atrapalha e é empecilho para

fazerem uma opção de vida consciente e duradoura. O jovem que não trabalha as questões de

sua história e encara as feridas do seu coração poderá encontrar dificuldades na hora de fazer

uma opção de vida e de vivê-la com serenidade, seja no laicato, na vida religiosa ou na vida

sacerdotal.

159 Victor Manuel Fernandez é sacerdote, doutor em teologia, professor de moral e de Bíblia, e vice-decano da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Argentina. Publicou livros e artigos de Bíblia, espiritualidade e pastoral.

102

A tendência espiritual pentecostal atual, seja católica ou evangélica, acentua a questão

da cura em sua tarefa evangelizadora. Às vezes, esta acentuação acaba provocando uma busca

doentia de saúde e cura, ficando obcecados por qualquer problema ou insatisfação.

Para pessoas feridas que vão ao encontro de Jesus para serem curados, como o cego

Bartimeu e tantos jovens que procuram os movimentos eclesiais e as comunidades, é legítimo

que o que busquem primeiro seja a cura. Jesus atende essa necessidade do cego, mas não fica

nisso. Aos poucos, o centro tem que deixar de ser o “eu e suas necessidades” para ser o

“outro”. Na medida em que saímos de nós mesmos e vamos atrás das pegadas de Jesus na

vivência comunitária, no serviço ao pobre e sofredor, no encontro assíduo com o Pai na

oração e na liturgia, enfim, entrando na dinâmica do Reino de Deus, o outro será dado por

acréscimo (Mt 6,33).

Por último, podemos constatar que a experiência de Bartimeu dá para sua vida um

novo sentido: seguir Jesus Ele, depois de ser curado, segue Jesus pelo caminho. Torna-se

discípulo que, com coragem, abre-se à verdadeira identidade de Jesus que, como servo, doa

sua vida pela vida de seu povo. Na figura de Bartimeu encontram-se representados todos os

jovens que procuram dar uma resposta diante do chamado de Jesus. Estes também, muitas

vezes, encontram-se cegos do verdadeiro sentido da vida e da verdadeira felicidade. Às vezes

a procuram no consumo, no divertimento, nas emoções fortes, nas drogas..., mas tudo isso os

deixa na beira do caminho, vazios, mergulhados na solidão e na busca da sobrevivência. O

seguimento de Jesus, com tudo o que esta experiência significa para as pessoas, transforma-se

na Boa Notícia, na proposta exigente e terna, que daí um novo sentido à vida das pessoas que

arriscam ir atrás das pegadas do Mestre.

A atitude de Jesus para com o cego Bartimeu é exemplo para todo aquele que trabalha

ou quer trabalhar ao lado da juventude. Todos os que passavam pela saída de Jericó só

enxergavam um cego mendigando. Jesus percebe nele um vocacionado excluído, que está

103

esperando ser chamado, ser reconhecido. Ele, cumprindo sua missão itinerante de anunciar o

Reino de Deus, ajuda a todos os que se encontram com ele a desenvolverem suas vocações e

a tornarem-se servidores do Reino.

Ao longo do encontro de Jesus com o cego Bartimeu, descobrimos algumas urgências

a serem trabalhadas na vida dos jovens e naqueles que assumem a missão de acompanhá-los.

Dentre as coisas a serem trabalhadas podemos resgatar: o encontro com Jesus, a amizade e

confiança nele, o despertar para a realidade do pobre, promover sua dignidade, encarar um

processo de cura e reconciliação com sua vida e história, a necessidade do acompanhamento e

a proposta vocacional do seguimento. Também, ao longo destas páginas, de uma maneira ou

outra, vamos percebendo que as experiências que os jovens possam ter, todas as realidades a

serem trabalhadas com eles encontram o verdadeiro sentido no Seguimento de Jesus. Caso

contrário, até o encontro com Jesus pode ser alienante. Precisamos tomar consciência da meta,

para não ficar estancados em alguma parada ou cidade do caminho, sejas com que nome for:

espiritualidade, questão social, cura, formação. Mais do que nunca, a questão do seguimento

de Jesus, com todas suas conseqüências, precisa estar presente em todo o processo de

amadurecimento do jovem.

2.3. O seguimento de Jesus, caminho de santidade

A experiência do encontro e seguimento de Jesus nos defronta com um tema de vital

importância para a vida da Igreja, presente em sua história e, hoje em dia, recuperado com um

novo vigor. O tema do qual estamos falando é a santidade, que João Paulo II, em sua Carta

Apostólica Novo Millennio Ineunte, colocava como programa de toda a Igreja para o terceiro

milênio:

104

Em primeiro lugar, não hesito em dizer que o horizonte para que deve tender todo o caminho

pastoral é a santidade. (...) Terminado o Jubileu, volta-se ao caminho ordinário, mas apontar

a santidade permanece de forma mais evidente uma urgência pastoral. (...) Na verdade,

colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma opção carregada de

conseqüências. NMI 30-31.

Nos dias de hoje, ainda percebem-se tendências a identificar a santidade com a vida

consagrada; com a prática de certos atos devocionais e ascéticos; em modos alienantes que

isolam os cristãos das realidades terrenas; e na busca de “modelos” para “imitar” que, na

maioria das vezes, não têm nada a ver com a realidade da pessoa, afastando-se, desta maneira,

da possibilidade de viver a santidade no exercício concreto de sua vocação160.

O Concílio Vaticano II, celebrado há quarenta anos, já convidava a todos os cristãos

batizados a descobrirem que são chamados à vivência da “Vocação Universal à Santidade””,

a qual acontece na dinâmica existencial de cada vocação específica161, inspirada no ““Senhor

160 CF. OLIVEIRA, José Lisboa M. de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. São Paulo: Loyola, 2001. p. 45-51. 161 Ao longo da história da Igreja, a temática das vocações específicas nem sempre foi bem compreendida, e por esse motivo produziram-se simplificações e deformações da comunhão eclesial e vocacional. Num primeiro momento, ressaltou-se com demasia a vocação dos consagrados e consagradas; após veio uma forte hierarquização e clericalização da Igreja, com a concentração da missão evangelizadora em suas mãos; e finalmente, após o Concílio Vaticano II, a acentuação foi colocada na vocação dos leigos e das leigas, com um desprezo pelas outras vocações que eram vistas como ultrapassadas e anacrônicas. Logicamente estas polarizações têm conseqüências para a vida eclesial, e quando uma das vocações não está presente ou é enfraquecida, sofre toda a comunidade (1Cor 12,22-30). Desde esta perspectiva eclesiológica, acentuar ou valorizar uma vocação em detrimento da outra, ou de duas, é mutilar a riqueza eclesial suscitada pelo Espírito. Esta realidade nos mostra que a Igreja e a ação pastoral não podem ser pensadas sem a presença destas três vocações paradigmáticas: os cristãos leigos e leigas, a vida consagrada e os ministérios ordenados. No magistério universal, nas conferências latino-americanas e nos documentos da CNBB, encontramo-nos com uma longa tradição que confirma a eclesiologia vocacional do Vaticano II que pensa estas três vocações específicas como paradigmáticas: PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi 19.ed. São Paulo: Paulinas, 2006, 68-70.73b; JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Christifideles Laici. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1989, 55a; JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica A Vida Consagrada. São Paulo: Paulus, 1996, 31c; MD 13,23; DP 854; SD 65-66.97; CNBB. Diretrizes Gerais da ação pastoral da Igreja no Brasil. (Doc. da CNBB 4) p. 38-41; (Doc. da CNBB 45) 259-286; (Doc. da CNBB 54) 102.304-328; (Doc. da CNBB 61) 309-335. Tudo isto sem considerar os documentos de estudo da CNBB, os textos base e as conclusões dos congressos vocacionais do Brasil e o texto do ano vocacional, onde encontramos mais elementos para nossa reflexão. Por outro lado percebemos que há necessidade de valorizar todas as vocações desde a interação, interdependência e complementaridade das mesmas. Sobre o tema pode-se consultar: OLIVEIRA, José Lisboa M. de. Nossa resposta ao amor... Ibidem., p. 11-15; EQUIPO DE ANIMACIÓN SOL. Manual de Orientação Vocacional. México. Servicios de Animación Sol, 1993. p. 81-153; ZUECO, Vicente. Uma propuesta vocacional para la pastoral vocacional. Seminários. Madrid, n. 147, p.451-452, (Octubre-Diziembre) 2004.

105

Jesus que é mestre e modelo divino de toda perfeição...””162 (LG 40a). Esta proposta universal

à santidade na Igreja está em coerência com a eclesiologia do “Povo de Deus” que restabelece

a igual dignidade de todos os membros pelo batismo, mas, por sua vez, diferenciada segundo

os estados. ““É assim evidente que todos os fieis cristãos de qualquer estado ou ordem são

chamados à plenitude da vida e à perfeição na caridade””(LG 40).

Esta mudança eclesiológica do Concílio nos leva a centrar nossa atenção na

experiência do seguimento de Jesus, como caminho de santidade. Y. Congar, comentando a

modificação do esquema anterior163 a ser aprovada da Constituição Dogmática Lumen

Gentium, ajuda-nos a percebermos a intenção e o espírito das mudanças que aconteceram para

a vida dos cristãos:

No esquema De Ecclesia poderia ter seguido a seqüência de Mistério da Igreja,

Hierarquia, Povo de Deus em geral. Em tal caso... teria sugerido a idéia de que, na

Igreja, o valor primeiro é a organização hierárquica, é dizer, a distribuição dos

membros segundo uma ordem de superioridade e subordinação. Em câmbio, seguiu-

se a seqüência de Mistério da Igreja, Povo de Deus, Hierarquia. Assim, coloca-se

como valor primeiro a qualidade de discípulo, a dignidade inerente cristã como tal

ou a realidade ontológica da graça e, logo, no interior dessa realidade, uma estrutura

hierárquica de organização social...164

O Concílio Vaticano II também ilumina e mostra o modo a ser vivido o caminho à

santidade: 162 CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição dogmática Lúmen Gentium sobre a Igreja, 40a In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 29.ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 163 O esquema corresponde ao segundo projeto do ano 1963, e apresenta dois fascículos. Primeiro fascículo: Capítulo I: O mistério da Igreja; Capítulo II: A estrutura hierárquica da Igreja e em particular o episcopado. Segundo fascículo: Capítulo III: o povo de Deus e especialmente os leigos; Capítulo IV: A vocação à santidade na Igreja. 164 AZCUY, Virginia. Pobreza de la Iglesia e Iglesia de los pobres. Buenos Aires: 2000. Mimeografado – Texto do curso. p. 3. O que esta em negrito é nosso.

106

... todos os fiéis cristãos nas condições, ofícios ou circunstâncias de sua vida, e

através disto tudo, dia a dia mais se santificarão, se com fé tudo aceitam da mão do

Pai celeste e cooperam com a vontade divina, manifestando a todos, no próprio

serviço temporal, a caridade com que Deus amou o mundo.(LG 41g)

A partir disso, é importante ressaltar que o seguimento de Jesus como caminho de

santidade é uma experiência situada no contexto da pessoa e da sociedade onde vive165. Por

isso, não é o mesmo ser seguidor de Jesus sendo criança, jovem ou adulto, porque o contexto

pessoal, as problemáticas a serem resolvidas são diferentes. Nos jovens encontramo-nos com

a realidade pessoal da procura da construção da identidade e do projeto pessoal de vida, a luta

pelo reconhecimento da dignidade e de ter oportunidades, num contexto cultural que dá

primazia à subjetividade, às emoções e ao consumo, acima de outras dimensões da pessoa.

Gustavo Gutierrez, em seu belo livro de espiritualidade, refletindo sobre a

espiritualidade da libertação, lembrava o que dizia Bernardo de Claraval: ““em matéria de

espiritualidade, cada qual deveria saber beber no seu próprio poço””166. O jovem é chamado a

fazer esta experiência e viver a proposta do seguimento de Jesus assumindo sua vida, seu

contexto, para que esta, realmente, possa ser água que brota do poço e limpa continuamente,

eliminando as rugas, as inércias e a falta de espírito, de espiritualidade em suas vidas.167

Movidos por estas reflexões, vamos desenvolver a proposta do seguimento de Jesus

como caminho de santidade, situando a mesma na realidade dos jovens (beber de seu poço),

esboçando alguns traços concretos do seguimento, para que seja uma proposta de felicidade

para suas vidas e transformadora da realidade na procura do Reino.

165 Cf. OLIVEIRA, José Lisboa M. Qual o sentido da vocação e da missão? São Paulo: Paulus, 2006. p. 32-33. 166 GUTIERREZ, Gustavo. Beber no próprio poço. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 17. 167 Cf. GUTIERREZ, Gustavo. Ibidem., p. 17.

107

2.3.1. O seguimento de Jesus move à valorização da própria dignidade

O momento da mudança, da conversão, constitui o começo de todo caminho espiritual.

Isto implica uma ruptura com a vida levada até o momento e a coragem de encarar um novo

caminho: ““Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me””

(Mc 8,34)

A experiência do “encontro” com a Trindade, em Jesus, levou o cego Bartimeu a

recuperar sua dignidade e a valorizar-se. Os agentes de pastoral são chamados a ajudar os

jovens a viverem esse encontro, e assim começarem um processo de valorização própria,

recuperação da auto-estima, descobrindo os dons e talentos que Deus suscitou e colocou em

suas vidas para o serviço do Reino.

Essa caminhada levará os jovens a ter um olhar diferente da realidade e, aos poucos,

da própria caminhada. O caminho espiritual tem que ajudar os jovens a ter um olhar de fé dos

acontecimentos de sua vida, sejam estes de alegria ou dor, mas que leve-os a sanar feridas,

reconciliar-se com a história e com as pessoas que com eles interagiram e a descobrir o

chamado de Deus em cada fato e acontecimento.

O profeta Jeremias, jovem de fé e esperança de seu povo, quando relata sua

experiência ao ser chamado por Deus para ser profeta, partilha conosco como Deus o foi

chamando mesmo antes de estar no ventre materno e em cada acontecimento de sua história:

““Antes de te formar no seio de tua mãe, eu já te conhecia, antes de saíres do ventre, eu te

consagrei e te fiz profeta para as nações”” (Jr 1,5).

Amadeo Cencini, trabalhando a questão da história pessoal como lugar da

manifestação do mistério de Deus e do discernimento vocacional, nos diz com clareza:

O jovem deve entender que há em sua vida uma presença de Deus que ele ainda

não conhece, e que essa presença se faz sentir todos os dias de sua existência,

108

porque “cada dia foi feito pelo Senhor”, cada dia tem uma teofania diferente. Esta

é uma verdade preciosa que deve ser entendida e sempre lembrada, como se fosse

uma palavra que Deus dirigiu à pessoa e na qual se resume o sentido de sua

vida168.

2.3.2. O Seguimento de Jesus move a uma espiritualidade de comunhão

A primeira característica da espiritualidade juvenil é o aspecto comunitário. Como já

estudamos no primeiro capítulo, nas diferentes aproximações, a vida em grupo é fundamental

para o desenvolvimento da identidade e do processo de socialização do jovem. Na vida de fé

não é diferente, e esta vivência transforma-se numa grande liturgia, onde o jovem vive seu

““encontro pessoal e comunitário com o Cristo vivo””(DP 1166)169.

O desafio da Pastoral da Juventude é passar de uma vivência da fé centrada no grupo,

a uma vivência da comunidade ampla (Estrutura da Pastoral da Juventude, Paróquia, Igreja

local), até interiorizar o sentido de pertença eclesial e uma espiritualidade de comunhão. Os

jovens apresentam muitas resistências diante da realidade da Igreja e sofrem muito com a falta

de testemunho e com as fraquezas dos membros das comunidades. Eles têm dificuldade para

entender que a Igreja é santa e ao mesmo tempo, pecadora.

Para que esta dimensão do seguimento de Jesus não fique enfraquecida, precisa-se

apresentar o verdadeiro rosto da Igreja presente nas primeiras comunidades, na renovação do

Vaticano II e na caminhada da América Latina170. A vivência das primeiras comunidades

diante da necessidade de um melhor atendimento às viúvas de origem grega e a forma de

resolvê-la (At 6,1-6), alerta para importância de trabalhar a dimensão eclesial do seguimento

de Jesus, e como desde os conflitos no seio da comunidade Deus vai suscitando caminhos de 168 CENCINI, Amadeo. A história pessoal, morada do mistério. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 9. 169 Cf. TEIXEIRA, Carmen Lúcia; DICK, Hilário. Espiritualidade do Seguimento na Pastoral da Juventude. P. 207.Im: Secretariado Nacional do 11 Intereclesial das Cebs. Cebs: Espiritualidade Libertadora: Seguir Jesus no compromisso com os excluídos. Texto base. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2004. 170 Evangelização da Juventude 61-75.

109

comunhão e favorecendo o surgimento de novas lideranças para assumir os novos serviços e

ministérios.

2.3.3. O seguimento de Jesus move ao exercício da misericórdia.

Na medida em que o jovem vai despertando à realidade do outro, da comunidade, em

sua espiritualidade, o pobre e o excluído vão adquirindo um espaço privilegiado. O jovem, em

geral, é muito sensível às situações de pobreza e desigualdade e, quando encontra caminhos

concretos para ser solidário, compromete-se com disponibilidade e generosidade. É claro que

a sensibilidade social do jovem nos abre caminhos para trabalhar sua espiritualidade e sua

consciência crítica171. O jovem, desta maneira, entra em sintonia com Jesus que, em toda sua

vida, foi movido pela ação amorosa como misericórdia, que é sobretudo uma reação diante

do sofrimento alheio interiorizado, que chegou até as entranhas e ao próprio coração; é o amor

prático que surge perante o sofrimento alheio injustamente infligido para erradicá-lo, por

nenhum outro motivo além da própria existência desse sofrimento e sem poder apresentar

nenhuma desculpa para não fazê-lo172.

Estas experiências progressivas na vida dos jovens vão levando-os a entrosarem-se na

caminhada da Igreja Universal e, de maneira especial, da América Latina, que foi

amadurecendo, ao longo de sua história, uma opção preferencial pelos pobres, a qual é,

sobretudo, uma opção teológica. Sua raiz está na gratuidade do amor de Deus que, desde

sempre, manifestou sua predileção misericordiosa pelos pobres e humilhados. Também a

partir da encarnação do filho e do desenvolvimento de sua missão redentora, o seguimento de

Jesus é um caminho que leva a “uma identificação cada dia mais plena com Cristo pobre e

171 Evangelização da Juventude 60. 172 SOBRINO, Jon. O princípio misericórdia: descer da cruz os povos crucificados. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 31-37.

110

com os Pobres” (DP 1140). É um convite para todos aqueles que querem seguir o Mestre a

fazer uma “clara e profética opção preferencial e solidária pelos pobres” (DP 1134)173.

A realidade dos pobres na Igreja esteve sempre presente mas, com força teológica,

apareceu antes do Concílio Vaticano II, nas diferentes correntes de renovação e na proposta

eclesiológica do Papa João XXIII de ser “uma Igreja de todos e em especial dos pobres”. No

Concílio, este traço eclesiológico não entrou com força, mas encontrou terra fértil na teologia

e no magistério latino-americano.

O teólogo Gustavo Gutierrez, em meados dos anos 60, na gênese da Teologia da

Libertação, explicou o tripé significado da pobreza: 1) a pobreza real, como escândalo não

querido por Deus. 2) a pobreza espiritual, como disponibilidade à vontade de Deus, chamada

de infância espiritual. 3) a pobreza como compromisso, solidariedade com o pobre e protesto

contra a pobreza.

Na II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, realizada em Medellín, os

bispos latino-americanos assumem e oficializam a contribuição do teólogo peruano, e

convidam a apresentar o rosto de uma verdadeira Igreja pobre, missionária e pascal,

comprometida com a libertação de todo os homens e mulheres do continente. Na III

Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, realizada em Puebla, assume-se a

fórmula “opção preferencial pelos pobres”, a qual, logo é confirmada na IV Conferência Geral

do Episcopado Latino-americano realizada em Santo Domingo e pelos pronunciamentos do

João Paulo II174.

A caminhada da Igreja na América Latina questiona os traços da cultura atual e os

modelos de Igreja reinantes. É importante ajudar os jovens em seu envolvimento solidário de

serviço aos pobres, para que este seja feito em sintonia com a pedagogia e as opções de Jesus

(Lc 10,25-37) e a da Igreja Latino-americana e do Brasil, evitando desta maneira modelos de 173 Cf. Civilização do amor... p. 336. 174 Esta síntese do tema encontramos em: AZCUY, Virginia. Op. Cit. Para um aprofundamento do tema pode-se consultar o livro: COMBLIN, José. O Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.

111

ajuda assistencialistas e pouco inculturadas. Não podemos deixar de colocar a importância do

encontro do jovem com a realidade do pobre e excluído em seu processo vocacional, já que

Deus chama e envia homens e mulheres para sua libertação.

2.3.4. O Seguimento de Jesus move à realização do Projeto de Vida

A falta de perspectivas de futuro, a precariedade da vida a desestruturação das famílias

levam os jovens a encarar a tarefa heróica da sobrevivência, gerando, nestes, uma cultura de

desesperança e sem sentido, onde a pergunta pelo futuro se torna uma tortura. Por outro lado,

provoca uma maneira de viver a partir do efêmero e passageiro, sendo obedientes ao

imperativo de viver o presente e o prazer momentâneo. Percebemos, também, que esta

realidade não favorece ao jovem a vivência de processos a longo prazo e muito menos ainda

a fazer opções definitivas de vida.

Diante desta realidade, a Pastoral da Juventude do continente Latino-americano

coloca-se como horizonte e sonha com uma geração jovem que:

a) Em sua busca pelo sentido da vida, pela realização de seus sonhos, projetos e

aspirações mais profundas de felicidade, assuma a própria vida em suas mãos,

decida livre e responsavelmente, descubra sua vocação pessoal de vida a partir de

um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo. d) Constrói a esperança,

pois descobriu razões para esperar em seu encontro com Jesus. Capaz de

enfrentar a dor, o desespero, a angústia, o sem-sentido da vida; com esperança de

uma presente e de um futuro melhor que constrói com sua vida, ações e

compromissos. e) Encontra-se pessoal e comunitariamente com Jesus, fascina-se

112

com seus gestos e atitudes, acolhe seu projeto de vida e se entrega a seu

seguimento com coração comprometido para sempre.175

Maria, em sua realidade de pobreza e exclusão, animou-se a sonhar, e com seu sim

mudou a face da terra. A vida das pessoas, depois de seu sonho, nunca foi igual, porque o seu

sonho era o sonho de Deus. Ela soube identificar-se com as causas de Deus, comprometer-se

na construção desse sonho, arriscando sua própria vida. Maria, hoje e sempre, é essa menina,

essa jovem que, com seu testemunho, anima a caminhada e a resposta generosa de tantos

jovens que desejam seguir seu filho Jesus na construção do sonho de Deus, do projeto de

Reino. O jovem, como Maria e tantos santos e santas, é ícone dos que acordam de tudo aquilo

que os deixa cochilando na vida, passivos e apáticos e, com coragem, assumem o projeto de

vida de Jesus para suas vidas.

A Pastoral da Juventude tem a missão de despertar o jovem para esta dimensão

fundamental do seguimento, que é a dimensão vocacional da sua vida, e para que isso

aconteça tem que propor o projeto de vida de Jesus como a proposta que os leva à plenitude e

à realização e responder às tendências e desejos mais profundos de seus corações176. Na

elaboração do projeto de vida está em jogo a felicidade dos jovens e o futuro da sociedade e

da Igreja. Por isso, a Pastoral da Juventude e todas as forças que trabalham com jovens estão

chamadas a empenharem-se neste propósito e colocar a serviço dos jovens seus melhores

recursos.

2.3.5. O seguimento de Jesus move à integração do racional com o

simbólico-emotivo

175 CELAM. Projeto de Vida: caminho vocacional da pastoral da Juventude Latino-americana. São Paulo: CCJ, 2003. p. 27. 176 Cf. PENEGO, Horacio G. O Projeto de Vida na vida eclesial de hoje. PJ a caminho. Porto Alegre, n. 98, p. 31, (setembro-outubro) 2005.

113

“O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para

onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8). Esta experiência

da ação do Espírito nos leva a discernir e a reconhecer essa ação na história e nas culturas

concretas dos povos e, de maneira especial, nas maneiras de viver e sentir das “juventudes”.

Diante desta afirmação teológica, a primeira constatação que fazemos é que uma certa

absolutização da dimensão racional na Pastoral da Juventude afastou muitos jovens, e fez

perder a sua capacidade de convocação. Nestes tempos, muitas lideranças da PJ não

perceberam que aconteceu uma mudança de paradigma e uma passagem do racional para o

emocional.

É preciso que nesta nova etapa, a PJ possa assumir uma antropologia mais integral, a

qual pode dar origem a uma maneira nova de viver a espiritualidade, de organizar os

processos de formação e acompanhar a juventude. Temos que tomar consciência da existência

de uma inteligência emocional que é tão importante como a intelectual.

Os nossos tempos estão precisando de uma nova síntese, onde a emotividade, a

subjetividade e o universo simbólico devem ser integrados no mundo racional. Uma proposta

pastoral com os jovens, para que seja realmente evangelizadora, tem que estar alicerçada

numa atitude nova de todos aqueles que trabalham. Em palavras de Jorge Boran, dizemos:

...os movimentos apostólicos que acentuam a dimensão emocional necessitam

trabalhar a dimensão intelectual e profética da fé. Por outro lado, a pastoral juvenil

precisa trabalhar a subjetividade e os sentimentos como porta de entrada para a

mensagem religiosa. As celebrações precisam ser mais inovadoras, menos racionais.

Busca-se vincular aos elementos afros da cultura popular: os instrumentos musicais, o

uso do corpo, a dança, o espaço celebrativo.177

177 BORAN, Jorge. Numa perspectiva pastoral... Op. Cit., p. 22.

114

Esta dicotomia entre o racional e o emotivo já era vivida pelos discípulos, provocando

neles uma dicotomia entre a teoria e a vida. Pedro reagiu emotivamente, e a partir da teoria,

dizendo que ele ia seguir Jesus assumindo todas as conseqüências. Jesus, em sua missão

educadora, ajuda Pedro e os outros discípulos a compreenderem que as opções na vida,

quando não são feitas integralmente, têm muita probabilidade de fracasso (Mc 14,26-31). Se

prestarmos atenção, podemos perceber como todas as experiências de seguimento e os

processos de conversão vividos pelos os discípulos são um convite a responder à proposta de

Jesus integralmente, com a razão, a emotividade e a vontade. Por isso é que precisamos

encontrar essa nova síntese e acompanhar os jovens, para que sejam discípulos de Jesus

inteiramente, e não surjam seguidores de Jesus desproporcionais, com a cabeça ou com o

coração grande demais.

2.3.6. O seguimento de Jesus move ao silêncio, à oração e à interioridade

A interioridade, podemos dizer, é uma experiência de fé e de vida consciente, que não

se consegue só pelo esforço, pela lógica e exercícios práticos. A experiência da interioridade é

um “dom” de Deus, uma graça, já que esta é uma experiência de relação com a Trindade, com

o amor gratuito de Deus. Para aquele que quer seguir Jesus, a interioridade é fundamental para

a vida, o amadurecimento, o crescimento na fé e para a busca do sentido da vida.

Esta experiência de interioridade nos leva a acordar, a despertar para a própria

dignidade, para a comunidade, para o pobre e sofredor, e para as opções fundamentais da

vida. O fruto desta experiência é a integração de todas as dimensões da vida (racional e

afetiva); a libertação integral da pessoa e de todos aqueles que interagem com ele;

interiorização e vivência por longo prazo dos valores e as opções assumidas na vida.

115

Para que aconteça a interioridade na vida dos jovens, necessitamos encarar com

seriedade, em nossas prioridades pastorais, uma pedagogia para educar na interioridade e no

silêncio178. O silêncio é uma realidade que o homem atual, e especialmente os jovens, têm

dificuldade de experimentar, ““de permanecer em silêncio, de deixar-se envolver, habitar e

enriquecer pelo silêncio. Movidos compulsoriamente... para ganhar dinheiro, para acumular e

consumir sempre mais... não só não buscam o silêncio, mas o silêncio lhes resulta

insuportável””179. No silêncio é que o discípulo encontra-se com ele mesmo e com Deus, que

lhe revela sua vontade e seu sonho de felicidade, enfim, revela-lhe a sua vocação. No Brasil,

está acontecendo a parceria da Pastoral da Juventude e movimentos com a comunidade de

Taizé180 que, por meio da “Jornada da Confiança,”181está ajudando muitos jovens a

reconciliar-se com a experiência do silêncio e da oração pessoal182. Esta experiência, para

muitos jovens, significa descobrir uma espiritualidade integral, comprometida, simbólica,

afetiva, que os envolve no compromisso da comunhão e do serviço aos mais pobres, ou seja,

entram na dinâmica do Reino de Deus.

Partindo da realidade descrita no primeiro capítulo, quando trabalhamos “o lazer e o

divertimento”, e do forte chamado a favorecer a vivência da interioridade e o silêncio na vida, 178 Cf. Comunidades ADSIS. El reto de los jóvenes. Madrid: Atenas, 1987. p. 79-101. 179 BARREIRO, Álvaro. Buscar a Deus e encontrar-se em Deus. São Paulo: Loyola, 2004. 180 A Comunidade de Taizé é uma comunidade ecumênica Cristã em Taizé, Borgonha, França. A Comunidade foi fundada em 1940 pelo Frère Roger (Irmão Roger), que permaneceu como seu Prior até à data de sua morte a 16 de Agosto de 2005, e é dedicada à reconciliação. A comunidade ecumênica é constituída por mais de cem homens de várias nacionalidades, representando ramos Protestantes e Católicos da Cristandade. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunidade_de_Taiz%C3%A9. Aceso em 20 de dezembro de 2006 as 15:00 hs. 181 Uma ou duas vezes por ano, os irmãos de Taizé, no Brasil, preparam um encontro de jovens numa grande cidade do país. Estas «Jornadas de Confiança» são etapas da peregrinação de confiança na terra. Uma Jornada da Confiança é um evento de Igreja, porém aberto a todos que buscam um sentido para a sua vida. Congrega numa mesma aventura de fé jovens católicos de várias tendências; evangélicos; jovens de outras religiões; todos que buscam o seu caminho. Estes jovens preparam-se na suas comunidades e logo participam do evento partilhando a vida com as famílias do lugar e fazendo-se presentes nas realidades de sofrimento e de esperança. No local de encontro a jornada tem diferentes momentos de formação e de profunda oração. Disponível em: http://www.taize.org.br/jornada/index_j.htm. Acesso em 20 de dezembro de 2006 as 15:30 hs. 182 Dom Pedro Casaldáliga falando do tempo de oração pessoal e reconhecendo que cada pessoa e situação são diferentes, ele afirma que: “um agente de pastoral que não fizer pelo menos meia hora de oração diária, além da que faz em equipe, não atingiu a estatura de agente de pastoral”. Também fala da importância da gratuidade na nossa relação com Deus e sita Gustavo Gutierrez que diz: “A oração é uma experiência de gratuidade. Este ato “ocioso”, esse tempo “desperdiçado” nos lembra que o Senhor está para além das categorias do útil e do inútil”. Em: CASALDALIGA, Pedro; VIGIL, José Maria. Espiritualidade da Libertação. São Paulo: Vozes, 2003. p. 153.

116

pensamos que é urgente encarar este desafio, mesmo na contramão da cultura, para que a

Pastoral da Juventude possa atingir o objetivo de sua missão no meio da juventude brasileira.

2.3.7. O seguimento de Jesus move à vivência do bom humor, à alegria e à

festa

Rir, expressar a alegria, procurar ter senso de humor, mesmo quando tudo parece tão

difícil, é uma característica bem brasileira, mas sobretudo do jovem brasileiro. Esta é uma

maneira de viver a vida e encarar as dificuldades; uma maneira de viver a fé e expressar a

gratidão a Deus pela sua presença em nosso meio. Este traço da vida e da fé do jovem, sem

dúvida, pode enriquecer consideravelmente a maneira de viver a fé das comunidades, às vezes

triste e sem expressão e, por outro lado, exige, destas, abertura ao jeito jovem, muitas vezes

estranho e violento para algumas lideranças antigas.

Mas não podemos cair na ingenuidade de que tudo o que é “bom humor”, “alegria” e

“festa” é autêntico na vida dos jovens. Uma distinção da língua latina, que não aparece no

português, pode nos ajudar a olhar criticamente a realidade vivida pela juventude. Para falar

de alegria, o latim tinha duas palavras, “letícia” e “gaudium”. A primeira é a alegria da piada,

do prazer momentâneo, do divertimento. É essa alegria a que é provocada para fugir das

questões profundas da vida183. Gaudium, em contrapartida, é a alegria profunda de saber que a

vida tem sentido, apesar de tudo, porque Deus está ao nosso lado; é a alegria provocada pela

esperança que nos faz ter um olhar profundo e superar a dor e o sofrimento184. Esta é a alegria

que fala Jesus e é produzida pela implantação do Reino de Deus.

183 “Letícia”, talvez, expressa o colocado no ponto 1.2.3.2.6 do primeiro capítulo que fala do divertimento. 184 TEPEDINO, Ana Maria. Espiritualidade do Seguimento de Jesus no compromisso com os excluídos. p. 113. In: Secretariado Nacional do 11 Intereclesial das Cebs. Cebs: Espiritualidade Libertadora: Seguir Jesus no compromisso com os excluídos. Texto base. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2004. Para ampliar o tema pode resultar interessante o tema da “Alegria e festa” desenvolvido em relação a todo o povo latino-americano em: CASALDALIGA, Pedro; VIGIL, José Maria. Op. Cit. p. 62-65.

117

Este traço dos jovens os faz sensíveis às expressões festivas e comunitárias, e quando

têm o espaço, sentem-se chamados a ter uma participação ativa na liturgia e nas celebrações.

É importante que nessas expressões comunitárias o jovem possa ir purificando o sentido da

alegria e vivendo uma passagem cada vez mais profunda de letícia para a gaudium. Para que

isto aconteça, a celebração litúrgica tem que ser uma celebração da vida, das dores, das

alegrias e esperanças do povo, que se reúne para celebrar a presença da Trindade em sua vida.

Para cultivar a alegria e a festa na espiritualidade dos jovens é preciso que nas

experiências comunitárias sejam bem cuidadas: a ambientação, os cantos e as músicas, a

variedade de gestos e sinais, a preparação esmerada das coisas, o clima, a acolhida etc. Tudo o

que há e acontece atrapalha ou ajuda na caminhada de fé dos jovens. Por isso, a vivência e a

preparação dos animadores e assessores são fundamentais para cultivar a verdadeira alegria

cristã. Os bispos reunidos em assembléia confirmam e dizem que:

Consoante com os tempos e com as características juvenis, a espiritualidade proposta

aos jovens deve contemplar a alegria, o movimento, a expressão corporal, a música,

os símbolos, o envolvimento com a vida, a amizade, a convivência, a espontaneidade

etc185.

Considerações finais

Ao longo deste segundo capítulo aprofundamos, a experiência fascinante e difícil, o

seguimento de Jesus Cristo, procurando que este possa iluminar a caminhada da Pastoral da

Juventude no Brasil. Começamos olhando a experiência do seguimento na tradição rabínica e

a novidade trazida por Jesus, a qual sempre foi e será uma experiência totalizante e fonte de

185 Evangelização da Juventude 110.

118

identidade cristã. Esta experiência do seguimento nos discípulos mostrou que, como naquela

época, há exigências que entram em confronto com as características da cultura atual e da

realidade dos jovens, como a desestruturação e não evangelização das famílias; relações

afetivas de dependência exageradas e pouco maduras; rejeição do sacrifício e do sofrimento; e

a cultura do consumo e da acumulação de bens.

Logo conhecemos mais de perto o processo vivido pelos discípulos, junto de Jesus à

luz do Evangelho de Marcos, deixando-nos iluminar por essa experiência paradigmática do

cego Bartimeu que, após o encontro com o Mestre seguiu com coragem e decisão pelo

caminho. O desenvolvimento deste “encontro paradigmático” está caracterizado pelo

constante diálogo da perícope com a realidade dos jovens e a Pastoral da Juventude, tentando

iluminá-las. A caminhada destes nos ajudou a ver nos discípulos e no cego Bartimeu a vida de

tantos jovens que hoje continuam querendo viver a experiência do discipulado. E, finalmente,

aprofundamos o seguimento de Jesus como caminho para a santidade, que é uma experiência

situada no contexto da história pessoal e social do jovem, o que exige uma vivência com

traços particulares próprios da etapa da juventude, os quais procuram a valorização, o

confronto quando necessário e a resposta às necessidades vitais dos jovens.

Todo esse percurso nos ajudou a perceber que, acolher o convite de seguir Jesus e fazer

a experiência, é de vital importância para a vida de cada batizado, especialmente de cada

jovem que deseja encontrar sentido para a sua vida. O futuro de nossa Igreja, a realização

plena da juventude, a vitalidade de nossas comunidades, estão intimamente relacionados com

o conhecimento, a experiência do encontro e do seguimento de Jesus. Por isso, é

extremamente importante, já no primeiro contato com os jovens, descobrir como eles vivem

este relacionamento com Jesus e propiciar um encontro profundo com ele, que os leve a viver

a experiência do discipulado.

119

Ter tomado consciência da importância do tema do seguimento de Jesus nos defronta

com a realidade da evangelização da juventude, que deverá ser sempre atraente, isto é, capaz

de tocar profundamente as consciências, despertando o desejo de seguir Jesus. Depois de toda

esta caminhada, podemos dizer que sabemos qual é a meta a ser alcançada, mas precisamos

conhecer melhor os caminhos que podem nos conduzir a ela. É isso que vamos tentar

desenvolver no terceiro capítulo, aprofundando e priorizando algumas das “opções

pedagógicas” da Pastoral da Juventude.

120

Capítulo III

Propostas de ação “paradigmas”

para a Pastoral da Juventude

121

Introdução: “... o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo

caminho” (Mc 10,52)

O encontro de Jesus com o cego Bartimeu desabrochou no mendigo a vida, a

dignidade e a possibilidade de viver de uma maneira diferente. Ele seguiu Jesus no caminho

transformando-se num discípulo. A Pastoral da Juventude é uma proposta educativa e

evangelizadora que surgiu na Igreja como resposta à situação dos jovens, procurando que

cada ação, cada proposta, faça acontecer na vida dos jovens, as mesmas mudanças que

aconteceram na vida de Bartimeu.

O que provocou a mudança na vida do cego foi, num primeiro momento, a proposta

feita pelos discípulos e, depois, o encontro com Jesus, considerado Mestre (Mc 10,51) e digno

de seguimento. Este, que foi um encontro do Mestre com seu discípulo, de um educador com

seu educando, se caracterizou por uma comunicação profunda por palavras, gestos, atitudes e

comportamentos. A maneira de Jesus tratá-lo, falar e agir em sua vida, transformou Bartimeu,

encheu seu coração de confiança e segurança, tendo força para seguir Jesus pelo caminho. Por

isso, ao longo do primeiro e segundo capítulos, fomos descrevendo diferentes propostas de

ação com os jovens, em resposta às diferentes realidades, sejam estas educativas, formativas,

comunitárias, teológicas espirituais ou político-estruturais. Mas, ainda insatisfeitos com essa

diversidade de propostas, muitas vezes justapostas umas às outras, nos perguntamos: como

encaixar todas essas propostas de ação num plano global de formação integral para os

jovens? Como garantir a dimensão processual de todo processo de formação que visa o

seguimento de Jesus? Como acompanhar esse plano global de formação integral e

processual?

Por outro lado, sabemos que há encontros, maneiras, métodos de abordagem da

realidade que geram medo, desconfiança e paralisam, deixam as pessoas sem força para

122

caminhar e encarar um futuro diferente. Agora, pensando na meta evangelizadora da Pastoral

da Juventude, temos que perguntar: que método, que caminho, que pedagogia temos que usar,

que tipo de relação temos que estabelecer com os jovens? A resposta é óbvia. Uma pedagogia

que pretenda acompanhar jovens, num processo de educação na fé, necessariamente deverá

inspirar-se na pedagogia do próprio Deus, que no seu amor de Pai quis estabelecer uma

relação de amor com toda a humanidade por meio de Jesus, no Espírito. A pedagogia divina

reflete-se em Jesus, que formou uma comunidade missionária a serviço do Reino. As

características fundamentais da pedagogia inspirada em Jesus são: experiencial,

transformadora e libertadora, comunitária, coerente e testemunhal, participativa,

personalizante e personalizada, integral186.

Para que esta pedagogia seja a maneira de estabelecer comunicação com os jovens,

precisará de instrumentos que a concretizem e facilitem sua prática. Estes instrumentos

pedagógicos devem encarnar os valores do Reino e a pedagogia divina e, por sua vez,

transformar os paradigmas educativos das pessoas, incorporados desde a infância.

Diante dessas reflexões e perguntas, acreditamos que as respostas se encontram na

mesma caminhada da Pastoral da Juventude que, ao longo do tempo foi amadurecendo as

chamadas “Opções Pedagógicas” que em 1995, o Setor Juventude do CELAM187 chegou a um

consenso. Estas são188:

1) O grupo ou comunidade jovem.

2) O processo de educação na fé. Formação integral e etapas do processo.

186 Para aprofundar mais no tema ver: Civilização do Amor... p. 185-192. 187 Em português: Civilização do Amor... Ibidem. 188 Após a edição do CELAM (Civilização do amor...), no Brasil definiram-se as opções pedagógicas da seguinte maneira: 1) grupos de base, 2) formação progressiva, integral e libertadora, 3) dimensões da formação integral, 4) diversidade da Pastoral da Juventude do Brasil (PJB), 5) estruturas de apoio: organização e acompanhamento, 6) assessoria. Depois coloca 7) outros recursos pedagógicos, 8) estruturas de apoio e o 9) método ver, julgar, agir. Cf. CNBB. Marco Referencial da Pastoral da Juventude do Brasil. (Estudo da CNBB n. 76). São Paulo: Paulus, 1998. Já no livro recente do CELAM quando desenvolve as cinco opções pedagógicas de Civilização do amor, troca a ordem: 1) a formação integral: dimensões e processos, 2) o grupo ou a comunidade juvenil, 3) pastorais específicas da Pastoral da Juventude: uma pastoral da juventude orgânica e diferenciada, 4) organização, e finalmente, 5)acompanhamento e assessoria. Os processos de educação na fé aparecem num ponto seguinte, para relacionar estes com a dimensão vocacional. Cf. Projeto de Vida... Op. Cit..

123

3) A especificidade. As pastorais específicas da Juventude.

4) A organização. Espaços de participação e estruturas de organização.

5) O acompanhamento. Os agentes da Pastoral da Juventude.

Tentando responder às perguntas feitas -Como encaixar todas essas propostas de ação

num plano global de formação integral para os jovens? Como garantir a dimensão

processual de todo processo de formação que visa o seguimento de Jesus?Como acompanhar

esse plano global de formação integral e processual? Que método, que caminho, que

pedagogia temos que usar, que tipo de relação temos que estabelecer com os jovens?-,

perpassando, elas, explicitamente, com a experiência do seguimento de Jesus, vamos

aprofundar parte de duas opções pedagógicas: “os processos de educação na fé” e

“acompanhamento e assessoria”.

3.1. Os processos de educação na fé: caminho do seguimento de Jesus

3.1.1. Gênese e importância da opção pedagógica no trabalho com a

juventude

Os processos de educação na fé são dos mais importantes legados da caminhada da

Pastoral da Juventude na América Latina e no Brasil, nestes últimos 20 anos. É uma

sistematização da experiência de milhares de jovens que, nos diferentes grupos espalhados

pelas quatro latitudes do continente, reuniam-se e reúnem-se habitualmente para partilhar a

vida e a Palavra, na procura de serem fiéis ao seguimento de Jesus.

A primeira sistematização das experiências da Pastoral da Juventude Latino-americana

está expressa no livro “Pastoral da Juventude, sim à Civilização do Amor”, publicado pelo

CELAM em 1987, onde se apresentam, como proposta pedagógica, “os processos de

124

educação na fé”. Os VI e VII Encontros Latino-americanos de Responsáveis Nacionais da

Pastoral da Juventude, realizados em Caracas (1988) e Quito (1989), aprofundaram os

conteúdos e as formas de implementar e acompanhar estes processos em cada uma de suas

etapas. Estas reflexões apareceram como fruto da nova sistematização, apresentada no livro

“Civilização do Amor: Tarefa e Esperança” publicado em 1995, que retomou as colocações

anteriores e ofereceu uma descrição mais completa do que são e do que quer alcançar com

eles. O tema foi retomado nos XIII e XIV Encontros Latino-americanos de Responsáveis

Nacionais de Pastoral da Juventude, realizados em Buenos Aires (2001) e em Quito (2003).189

No Brasil, a CNBB publicou três estudos para aprofundar a realidade da Pastoral da

Juventude, onde o princípio pedagógico dos “processos de educação na fé” aparecem nos dois

primeiros. Estes são: “Pastoral da Juventude no Brasil” (estudos da CNBB 44) 47-86; “Marco

Referencial da Pastoral da Juventude do Brasil” (estudos da CNBB 76) p.153-160; e

“Evangelização da Juventude” (estudos da CNBB 93), no qual não aparece explicitamente.

O mais importante deste pequeno percorrido histórico é a tomada de consciência que

dentre as cinco opções pedagógicas, a opção fundamental da Pastoral da Juventude é o

reconhecimento do caráter processual e dinâmico da formação e da educação na fé190. O

processo de conversão não acontece de um dia para outro e se faz realidade na medida em que

o jovem vai vivendo e passando pelas diferentes etapas. Parte da constatação de que nos

jovens há diferentes níveis de consciência e prática. Isto exige da Pastoral da Juventude

organizar um processo de formação diferenciado, que respeite as idades, ambientes e

momentos do processo191, procurando com que o jovem possa dar os passos necessários para

assumir o caminho do seguimento de Jesus192. Esta formação diferenciada procura respeitar os

tempos de crescimento, identificação afetiva, assimilação e compromisso, próprios dos

189 Cf. PENENGO, Horacio G. Op. Cit., p. 36. 190 Cf. Civilização do Amor... Op. Cit., p. 201; PENENGO, Horacio G. Ibidem.,p. 36. 191 Cf. SETOR JUVENTUDE CELAM. Os processos de educação na fé dos jovens. 2. ed. São Paulo: CCJ, 1990. p. 9. 192 Cf. CNBB. Pastoral da Juventude no Brasil. (estudos da CNBB 44). São Paulo: Paulinas, 1986. n. 75.

125

jovens193 e, por sua vez, evitar vanguardismos e o abandono da Igreja dos jovens mais críticos

e mais comprometidos194.

A formação, além de diferenciada, deve ser integral, ou seja, abrangente à todas as

dimensões da pessoa (dimensão psicoafetiva, psicossocial, mística, política e técnica). Neste

sentido, também é importante e necessário ter em conta o interesse dos jovens, que devem ser

respeitados e aproveitados como “janelas” ou “portas” que conduzem a tudo da pessoa, a tudo

dos jovens (afetividade, participação política, arte, música, mística, ecologia etc.)195.

Os processos de educação na fé versam sobre etapas de crescimento da pessoa do

jovem inserido no grupo e não sobre as etapas de crescimento do grupo196. Este processo

educativo é um caminho que o próprio jovem trilha e é o principal responsável pelos passos a

serem dados. Feita a distinção temos que dizer que estes processos, pessoal e grupal,

interagem e caminham juntos, sendo o grupo o meio natural por excelência para viver os

processos de educação na fé.

O Evangelho de Marcos confirma isto na experiência de Jesus, o qual teve que dedicar

grande parte de seu ministério ao acompanhamento dos processos dos discípulos. Jesus, a

partir da crise da Galiléia (Mc 8,27-33) dedica-se inteiramente a acompanhar o processo de

re-estruturação dos paradigmas messiânicos e da compreensão das conseqüências do

seguimento. Eles estavam como cegos (Mc 8,22-26) e não conseguiam abrir os olhos e

precisaram de tempo para confrontar idéias, experiências e expectativas. Jesus, em sua

193 A aproximação psicológica e cultural nos mostram a necessidade de etapas e fases a serem percorridas pelos jovens no processo de amadurecimento, na busca da construção da identidade e no processo de socialização. Também pode ajudar a compreender e confirmar a necessidade dos processos às etapas da elaboração do projeto de vida: o descobrimento e a interiorização dos valores, a eleição da opção fundamental do projeto de vida e, por ultimo, a verificação prática dos valores e das opções escolhidas. Cf. PENENGO, Horacio G. Op. Cit., p. 32-35. 194 Cf. Pastoral da Juventude no Brasil 76. 195 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia; DICK, Hilário. Projeto de Vida: alguns passos pedagógicos. PJ a caminho. Porto Alegre, n. 90, p. 14, (Novembro-Dezembro) 2002. 196 As etapas de crescimento do grupo são comparadas com as etapas da vida: gestação, infância, adolescência, juventude e maturidade. Há diferentes maneiras de sistematizar. A opção nossa foi tirada de: TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Passos na travessia da fé. Goiânia-São Paulo: CAJU-CCJ, 2005.

126

realidade de educador, com paciência e coragem, assumiu essa condição dos discípulos,

intrínseca a todo processo educativo e de crescimento197.

Além de todos os elementos já ditos, queremos ressaltar que o processo de educação

na fé é, antes de tudo, uma atitude de planejamento da formação que tem como referência um

ponto de partida, que é a realidade da juventude e um ponto de chegada, que é a realização do

projeto de vida e a escolha vocacional por parte destes jovens198. Com muita clareza, na

ultima publicação do CELAM, falando das metas dos processos de educação na fé, explicita-

se:

Um elemento essencial de todo Processo de Educação na Fé (PEF) é ajudar o/a

jovem a encontrar sua vocação e a discernir e elaborar seu projeto de vida. Todo PEF

deve ser, essencialmente, um processo que leve o/a jovem a descobrir sua própria

vocação, o chamado de Deus em sua história, e a encaminhar a concretização de uma

resposta num projeto de vida e num compromisso militante. Tudo isto, como já

apontamos em várias ocasiões, necessita de planejamento199.

Não podemos esquecer que, no caminho para chegar à meta, encontramo-nos com

etapas ou passos que são necessários atravessar, para não ficar sem fôlego e sem forças para a

caminhada. Vamos ver agora quais são essas etapas ou passos do caminho.

3.1.2. Os processos de educação na fé

197 No caminho dos seguidores do mestre distinguimos quatro estágios: curiosidade, simpatia, envolvimento pessoal, e opção de vida e fé. (capítulo II. Ponto 2.1.2). Com respeito as varias etapas de evangelização, encontramo-as explicitadas em: EN 21-25; CNBB. Catequese renovada: orientações e conteúdo. 8.ed. (Doc. da CNBB n. 26). São Paulo: Paulinas, 1984, 281-316. Este processo exige anúncio, denúncia, testemunho, adesão do coração, entrada na comunidade, participação dos sacramentos e serviço aos irmãos. 198 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia; DICK, Hilário. Op. Cit., p. 14. 199 Projeto de Vida... Op. Cit., p. 73.

127

No caminho que vamos fazer, colheremos a caminhada e as experiências realizadas até

agora e aprofundaremos em cada etapa ou passo a questão do seguimento de Jesus nos

processos de educação na fé. Acreditamos que esta questão deve estar presente desde o

começo da caminhada da Pastoral da Juventude de nossos tempos, que procura gerar

processos libertadores e ajudar os jovens na elaboração do projeto de vida e na opção

vocacional.

3.1.2.1. Convocação: “descoberta do caminho comunitário”

A convocação200 é a primeira etapa do processo e é talvez, a etapa menos refletida, o

que levou, em alguns lugares, ao esvaziamento de muitos grupos e comunidades de jovens.

Por isso, um dos desafios da Pastoral da Juventude é encontrar formas dinâmicas e criativas,

que respondam às necessidade vitais da juventude, para despertar neles o desejo de uma vida

nova, na vivência da comunidade e no seguimento de Jesus.

Este é um período de sensibilização, provocação e estimulação dos jovens, que devem

partir, em primeiro lugar, de suas aspirações, desejos e interesses. O centro está no jovem e

não nos grupos de jovens já existentes que, em muitas ocasiões, reagem diante dos possíveis

novos integrantes da Pastoral da Juventude de maneira prejudicial: como salvadores, vem

roubar espaço, para assumir tarefas imediatamente etc. Estes estão chamados a deixar de lado

motivações interesseiras para colocarem-se a serviço dos jovens numa atitude puramente

gratuita e missionária.

Na juventude atual percebem-se duas realidades: uma inclinação natural para o

esporte, a arte, a música, a dança; e uma sensibilidade pelo mundo das emoções e por tudo

200 Nos documentos da CNBB e do CELAM esta etapa aparece junto com a nucleação, como parte desta. Nós vamos assumir a proposta do último material da CAJU sobre o tema que as separa. Esta separação pode ajudar para aprofundar a etapa da convocação devido à perda de convocatória da Pastoral da Juventude em muitas comunidades. Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Passos na travessia da fé. Op. Cit.

128

aquilo que promove a subjetividade201. Esta inclinação e sensibilidade da juventude deveriam

ser consideradas como janelas ou portas de entrada para o começo da caminhada202 e, a partir

delas, pensar e planejar as diferentes etapas do processo. As atividades programadas devem

ser breves e anunciar valores que ajudem os jovens a “despertarem” para a vida, para a

comunidade, enfim, aos valores do Reino. Não há necessidade de trabalhar temas

explicitamente religiosos.

As formas da convocação precisam ser criativas para levar ao encontro dos jovens.

Dentre elas destacamos: 1) O convite pessoal, pela amizade ou pelo testemunho de vida. 2) A

captação de grupos naturais, que se reúnem a partir de interesses comuns como a amizade, o

esporte, “tribos urbanas” etc.203 3) Os convites amplos, como a catequese da crisma204, as

celebrações juvenis, retiros, convivências, encontros de reflexão, DNJ, campanhas em defesa

da vida e dos direitos dos jovens, dias de lazer, festivais e eventos artísticos etc. 4) Os

convites massivos, em caminhadas bíblicas, congressos, gincanas, romarias, encontros

diocesanos, estaduais e nacionais etc.205

Etapa do processo e seguimento de Jesus

Nesta etapa embrionária da caminhada pode-se trabalhar o seguimento de Jesus com

aqueles que: a) formam um grupo da crisma ou participam de alguma comunidade sem

vínculo a nenhum grupo estável b) jovens que não têm nenhum vínculo com a comunidade.

Estamos no primeiro momento do seguimento.

201 Cf. Nos traços da pós-modernidade, desenvolvidos no primeiro capítulo, aprofundamos a subjetividade, o individualismo narcisista, a centralidade das emoções e do não racional. 202 Cf. BORAN, Jorge. Numa perspectiva pastoral... Op. Cit., p. 22. 203 No capítulo primeiro (1.3.3.) foi desenvolvido o tema das “Criações culturais de resistência da juventude”, onde as “tribos urbanas” tinham um lugar destacado. Também levantávamos o desafio que temos como PJ de conhecer esses grupos e aproximarmos com uma proposta criativa e inculturada. 204 A Pastoral da Juventude faz tempo que vem pensando de diferentes maneiras a continuidade dos jovens que participam na catequese da Crisma. Movidos por essa vontade e reflexão fizeram-se experiências concretas na procura de convocar os jovens para formar os futuros grupos da PJ desde essa caminhada. Pode ajudar a consulta da sistematização de uma experiência concreta publicada: DA SILVA, Glécio Sandro. Pós-crisma: o desafio da continuidade como grupos de jovens. São Paulo: CCJ, 2001. 205 Cf. Civilização do amor... Op. Cit., p. 208-209; Os processos de educação na fé ... Op.Cit., p. 10-11.

129

a) Nas comunidades existem jovens preparando-se para o sacramento da Crisma, que

normalmente somem depois da celebração do sacramento, e alguns outros que só participam

das celebrações. A Pastoral da Juventude pode ajudar muito motivando estes na participação

de Shows e gincanas onde normalmente participa-se em equipes. Essa experiência de grupo e

o contato com a mensagem e a proposta de Jesus podem despertar nestes jovens o desejo de

entrosar-se nas comunidades ou formar um grupo de jovens.

b) Nos bairros moram milhares de jovens que não têm vínculo com nenhuma

comunidade nem com a Pastoral da Juventude, e estão sedentos de uma mensagem que os

ajude a se valorizar. Com estes é possível trabalhar campanhas onde seja semeada a proposta

do chamado de Jesus à vida, a ser gente, a viver com dignidade. Pode ser uma oportunidade

de despertar o desejo de viver de um modo diferente diante de tantas propostas

desumanizantes que a sociedade faz à juventude. Estas campanhas podem ser contra drogas,

desemprego etc., e por diferentes causas que respondam aos anseios da juventude.

3.1.2.2. Nucleação: “descoberta do grupo”

A nucleação, que é o tempo indicado para a criação dos grupos, inicia quando os

jovens já convocados, decidem começar sua participação no grupo de jovens. Em princípio, o

grupo tem a necessidade vital de ser acompanhado por alguém que saiba orientá-lo nos

caminhos a serem percorridos. Estes acompanhantes, o animador ou coordenador e o assessor

do grupo em diferentes níveis, devem ser pessoas com processos já vividos e formação

suficiente para poder orientar com clareza a caminhada do novo grupo206. Esta etapa grupal

pode ser comparada com a gestação onde o bebê ainda não nasceu e depende totalmente da

mãe.

206 Cf. Ver a temática da nucleação em: Projeto de vida... Op. Cit., p. 75-77; Civilização do amor... Op. Cit., p. 207-210; Marco referencial ... Op. Cit., p. 154-155; HERMANDAD DOS SACERDOTES OPERARIOS DIOCESANOS. Projeto e pastoral juvenil-vocacional. Roma: (Edición interna), 1994. p.20.

130

As maiores necessidades dos jovens nesta etapa são ser acolhidos e sentir o apoio do

animador e do assessor; ter ambiente de confiança para abrir-se e comunicar-se para

possibilitar o conhecimento mútuo e a integração; a definição de objetivos comuns e uma

organização que possibilite sua participação e protagonismo no grupo. O tempo desta etapa

não pode ser pré-estabilizado, pois há muitos fatores que influenciam no processo e que

podem adiar a caminhada. Mas esta etapa não pode eternizar-se gerando grupos vivendo anos

esta etapa da nucleação. A média que leva os grupos de jovens a viverem esta etapa é de seis

meses, com reuniões semanais.

A finalidade desta etapa é que estes jovens já convocados sintam-se chamados e

assumam o desafio de crescer num grupo organizado, onde possam descobrir o valor de suas

vidas, a vivência em comunidade no grupo. Esta meta da etapa pode ser considerada cumprida

quando o novo grupo tiver se estabilizado, seus integrantes conseguido um nível mínimo de

conhecimento, confiança e valoração mútua e houver um certo grau de clareza nos objetivos.

Só assim estarão em condições de passar para a segunda etapa.

Objetivos específicos

1) Conhecer os companheiros para criar laços de amizade. 2) Identificar os valores e

exigências da vida em grupo. 3) Assumir pequenas tarefas e expressar-se verbalmente para

sentir-se participante. 4) Organizar-se participativamente como grupo. 5) Avaliar a

experiência feita para decidir-se a continuar no grupo. 6) Celebrar a “passagem” para a nova

etapa.207

Para que a meta desta etapa seja cumprida é necessário trabalho, esmero e dedicação

do animador e do assessor, para que o jovem possa viver uma boa experiência de grupo e

decida continuar a caminhada. Os responsáveis terão que programar atividades e encontros

207 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op. Cit., p. 48; HERMANDAD DE SACERDOTES OPERÁRIOS DIOCESANOS. Op. Cit., p. 20.

131

para trabalhar todas as dimensões da formação integral. Lembremos que nesta etapa são

colocados os alicerces do grupo. Para não trabalhar temas isolados sem nenhuma vinculação,

os encontros e atividades devem se elaborados a partir de um programa formativo dividido em

blocos temáticos208. Isto garante o processo e a direção do grupo e, desta maneira, o animador

e o assessor transformam-se em verdadeiros geradores de processos de crescimento na vida

dos jovens209.

Etapa do processo e seguimento de Jesus

Neste momento aprofunda-se o chamado a ser pessoa, a ser gente, na partilha da

comunidade que se está gestando. Busca-se ajudar o jovem a descobrir-se como pessoa

humana, com uma dignidade de Filho de Deus, inserida num contexto determinado. É o

momento do autoconhecimento. A proposta da Pastoral da Juventude deve levar os jovens a

se abrirem para a comunhão e para comunicação com aqueles que vivem ao seu redor.

3.1.2.3. Iniciação: “caminho de discipulado”

Esta é a etapa vivida pela maioria dos grupos de jovens e é a mais intensa e, por isso,

mais longa. Este percurso pode ajudar os jovens a experimentar um caminho de crescimento e

realização pessoal na comunhão com Cristo e com os demais, na ação transformadora da

realidade. Da vivência desta etapa depende o crescimento e amadurecimento dos jovens que

caminham para viver a militância na elaboração do projeto de vida e da opção vocacional. O

ponto de partida desta etapa é a realidade vivida pelos jovens, a superação satisfatória ou não 208 Exemplo de programa dividido em blocos: I. Quem somos (quem somos e por que viemos; de onde viemos -história pessoal; somos um presente - qualidades e habilidades pessoais; como nos sentimos); II. Convivemos (Sozinhos? “não da pé” - importância da convivência e comunicação; o grupo é importante - vantagem do grupos para cada jovem; somos importantes - importância de cada um para o grupo; Vamos construir um grupo? - que é necessário e que grupo...); III. Organizamo-nos (Por onde começar? - esquema prático para o planejamento. Objetivos; Como vamos trabalhar? - estrutura de reunião - método; precisamos de uma coordenação - critérios; vamos eleger a coordenação? - processo de eleição; qual será nosso programa? - proposta da etapa seguinte...); IV. Avaliamos e celebramos (o que valeu? Vamos prosseguir?; celebramos um novo passo). Em: TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op. Cit., p. 48-49. 209 Isto vale para todas as etapas do processo.

132

da etapa anterior, o grau de consciência e adesão destes a Jesus. Tentar partir de idealizações

ou protótipos nos conduzem freqüentemente ao erro e ao fracasso do processo começado.

Por razões pedagógicas, assumindo o projeto de Pastoral da Juventude-vocacional da

Fraternidade dos Padres Operários Diocesanos (1994) e a proposta da Casa da Juventude Pe.

Burnier - CAJU (Passos na travessia da fé - 2005), que sistematizam esta etapa de maneira

similar. Na proposta acolhida a iniciação consta de três passos ou etapas.

a) Primeiro passo: “descoberta da situação pessoal e das relações”

Nesta etapa, o grupo está dedicado à partilha de experiências, sentimentos e opiniões.

Nesse abrir-se e conhecer-se mútuo revelam-se e purificam-se as idéias, pré-conceitos e juízos

de valores; descobrem-se dons e talentos desconhecidos. É o tempo para cultivar a amizade,

criando laços e abrindo-se à amizade com Jesus, que é o companheiro de caminho. Não

devemos esquecer que o grupo ainda é frágil e está começando e, por isso, às vezes, é

dependente, receptivo, inconstante, inseguro, incapaz de grandes responsabilidades e muito

sensível. Podemos comparar o grupo com uma criança nos primeiros seis anos de vida. Por

isso, ainda precisa especialmente da presença do animador e assessor acompanhando sua

caminhada.

O fim que se persegue é que o jovem se descubra e aceite a si mesmo e ao mundo que

o circunda, experimente a dignidade de ser “gente” e suas próprias capacidades como dom de

Deus e perceba que Deus tem um projeto de felicidade para ele e seu povo na proposta do

seguimento de Jesus210.

Os títulos dos blocos podem ser os seguintes: O jovem e a família, o lazer, o amor, a

Bíblia e a oração, a comunicação, a religião, a escola e o trabalho. Cada título pode levar até

três ou quatro temas para aprofundar na temática211.

210 Cf. HERMANDAD DE SACERDOTES OPERÁRIOS DIOCESANOS. Op. Cit., p.20-21. Tradução livre. 211 Para aprofundar e encontrar mais elementos ver: TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op. Cit., p. 54-55.

133

Objetivos específicos

1) Aprofundar o conhecimento, como pessoa, em relação com si mesma, com os

outros, com seu meio e com Deus. 2) Avaliar as relações com seu meio: família, grupo,

escola, trabalho, lazer. 3) Exercitar a partilha dos valores pessoais e do grupo. 4) Descobrir

Jesus Cristo, experimentá-lo como amigo. 5) Desenvolver a capacidade de organização e

participação nas atividades do grupo assumindo pequenas tarefas. 6) Despertar o jovem para

sua realidade, a do pobre e excluído, para desenvolver a solidariedade e a consciência

critica212.

Etapa do processo e seguimento de Jesus

O jovem está aprofundando o chamado a ser pessoa com um olhar mais teológico. Este

olhar de fé o permite encarar de maneira diferente sua história, com as alegrias, dores e

feridas e também o ajuda a descobrir seus próprios dons e talentos. Aos poucos, vai

descobrindo o chamado a ser cristão, ao seguimento de Jesus. Este momento do processo de

seguimento consiste em apresentar Jesus Cristo e seus valores. Estimular a pessoa a

desenvolver um conhecimento de Cristo que tenha o sabor de uma amizade com ele.

b) Segundo passo: “descoberta da comunidade”

É a fase do confronto, da contestação, da busca e ação e da afirmação das capacidades

e habilidades dos jovens dentro do grupo. Isto leva o grupo a assumir a realização de

pequenas ações, onde eles provam-se em suas capacidades, as quais são como carta de

apresentação na comunidade maior. Comparando com a evolução da vida humana, esta fase

212 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op. Cit., p. 54; HERMANDAD DE SACERDOTES OPERÁRIOS DIOCESANOS. Op. Cit., p. 20-21.

134

do grupo é a da adolescência. É uma etapa de crise e conflitos na busca de identidade

grupal213.

Depois de tomar consciência de si, o jovem abre-se ao mundo e a seu redor, onde

percebe problemas e, diante deles, o desejo de resolvê-los, às vezes com ações irreais,

grandiosas e meramente assistencialistas.

Vive-se a busca de independência de toda autoridade, às vezes, inclusive a do assessor.

Ao lado deste movimento, destacam-se líderes naturais, conformam-se panelinhas ou

subgrupos. Isto produz crise no grupo e a superação dela condiciona a sobrevivência do

mesmo. Muitos grupos desaparecem, outros regridem no estágio, mas aqueles que conseguem

superar a crise têm grandes possibilidades de chegar à etapa da militância ou pelo menos

terminar os passos da iniciação. É o momento de redefinir a identidade grupal.

O fim que se persegue é que o jovem chegue a descobrir os desafios da realidade que o

rodeia, viva a experiência de pertença à comunidade eclesial de tal maneira que se sinta

chamado a colaborar com Deus, participando ativamente na comunidade e respondendo às

necessidades da mesma e do povo214. Os títulos dos blocos podem ser: o grupo e a

comunidade, a realidade social, a religião, a oração, a vocação na comunidade e as relações

humanas215.

Objetivos específicos

1) Trabalhar as relações interpessoais e a valorização de si mesmo. 2) Exercitar a

capacidade de observação para descobrir a comunidade e nela atuar. 3) Desenvolver o

interesse por uma visão crítica e real dos problemas sociais. 4) Ter Jesus Cristo como modelo

de vida para segui-lo a serviço dos outros. 5) Exercitar-se na oração através da vida e da

213 Podemos identificar estas características com a segunda fase de amadurecimento psicológico desenvolvido no capítulo primeiro (1.1.3.) 214 Cf. HERMANDAD DE SACERDOTES OPERÁRIOS DIOCESANOS. Op. Cit., p. 21. Tradução livre. 215 Para aprofundar e encontrar mais elementos ver: TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op. Cit., p. 58-60.

135

bíblia, para um relacionamento pessoal e libertador com Jesus Cristo. 6) Coordenar com

criatividade as diferentes atividades216.

Etapa do processo e seguimento de Jesus

Nesta etapa do caminho de seguimento aprofunda-se sua dimensão eclesial. É preciso

despertar para uma concretização do compromisso batismal, deixando de ser cristão

“genérico”, só de missa. É necessário incorporar a dimensão do serviço na vida da

comunidade. Só na medida em que somos capazes de sair de nós mesmos para ir ao encontro

do outro e nos doarmos é que podemos dizer que somos cristãos. Baseado no momento em

que vivem os jovens será o tempo de apresentar o verdadeiro rosto da Igreja, que é santa e

pecadora e chamada a viver a comunhão e a participação, a partir das diferentes vocações

específicas.

c) Terceiro passo: “descoberta da sociedade”

Este terceiro passo do processo, comparado com as etapas da vida humana, podemos

dizer que estamos na juventude. Na vida do grupo o jovem é mais independente, toma

posições e faz opções de acordo com seus valores e pensamentos, apresenta-se com mais

estabilidade e segurança e vive uma relação mais independente do assessor.

Cada coisa que se vai vivendo toma outra profundidade e seriedade. As relações são

mais profundas, os objetivos grupais mais claros e assumidos pelos integrantes, os

compromissos são levados em frente, a ação é mais planejada e transformadora, a fé mais

pessoal e encarnada no dia a dia. Pela maneira que se assumem as coisas é necessário encarar

um processo reflexivo da caminhada, aprofundando e incorporando elementos teóricos e

216 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op.Cit., p. 59; HERMANDAD DE SACERDOTES OPERÁRIOS DIOCESANOS. Op. Cit., p. 21-22.

136

metodológicos para continuar o processo de amadurecimento em todas as dimensões da

pessoa.

É nesta etapa do processo que se percebem com claridade a diversidade de processos

realizados pelos membros do grupo. Cada jovem, escutando o apelo de Deus, a partir do

carisma pessoal e das necessidades da comunidade e do bairro, vão assumindo compromissos

e caminhos diferentes.

O fim que se persegue é o de aprofundar a análise conjuntural, descobrindo no clamor

do povo o chamado de Deus a fazer uma opção consciente e transformadora da realidade na

perspectiva da construção do Projeto de Vida e a opção vocacional. Os títulos dos blocos

podem ser: a pessoa humana, fé e vida, realidade social, Igreja, nova sociedade, organização,

método e planejamento, projeto de vida e discernimento vocacional.

Objetivos específicos

1) Intensificar a atitude de escuta da vontade de Deus na realidade. 2) Analisar

criticamente a realidade brasileira no contexto mundial e Latino-Americano. 3) Assumir Jesus

Cristo como Senhor da História, libertador pessoal e comunitário. 4) Comprometer-se com o

seu meio específico, através de um engajamento concreto, para uma opção consciente de vida.

5) Desenvolver na prática o seu potencial criativo. 6) Fazer da liturgia momentos fortes de

integração para celebrar e revisar a prática pessoal, grupal e comunitária. 7) Elaborar seu

Projeto de Vida Pessoal.

Etapa do processo e seguimento de Jesus

Quando os jovens dominados por aquele desejo de seguir Jesus por onde ele for, na

construção do Reino, entra em ação o processo de discernimento, que tenta verificar se os

sinais presentes na suas vidas são indicadores de um verdadeiro chamado de Deus. Neste

137

estágio, o jovem precisa começar a elaboração do projeto de vida e um caminho de

acompanhamento personalizado. A valorização positiva de todas as vocações específicas é

indispensável para que seja um discernimento livre e não direcionado visando sempre o

seguimento de Jesus.

3.1.2.4. Militância: “descoberta das estruturas”

A palavra “militante” tem uma longa história dentro da Igreja e refere-se a ação eficaz

do cristão no compromisso concreto no mundo e na Igreja. Esta experiência vivida pela

juventude define-se como a ação cada vez mais refletida, intencionada, consciente,

contextualizada e organizada na procura do Reino de Deus.

A militância é exercida depois da adolescência e “supõe a integração dinâmica dos

elementos cognitivos, afetivos, sociais e transcendentes numa opção e projeto de vida”217.

Este estágio na vida do jovem permite-lhe viver sua fé com maturidade, assumir

compromissos duradouros e realizar uma práxis libertadora e geradora de consciência crítica.

Normalmente acontece que a passagem para a militância não é uma coisa do grupo, e

sim de alguns jovens, que geralmente abandonam o grupo para assumirem seu compromisso.

Um desafio é gerar espaços para estes jovens que ficam isolados e soltos nas comunidades

sem nenhum tipo de acompanhamento. Estes grupos de militantes transformam-se em equipes

de vida, onde se revisam a vida e a prática à luz da fé, que alimentam e fortalecem a

caminhada dos jovens militantes.

A finalidade desta etapa é estimular a continuidade de uma militância dentro (na

Pastoral da Juventude ou na comunidade) ou fora das estruturas eclesiais (político, sindical,

comunitário etc.), a partir da realidade concreta, à luz da fé e da opção pelos pobres, visando a

transformação da sociedade e a concretização do projeto de vida e a opção vocacional. Os

217 Civilização do amor... Op. Cit., p. 216.

138

blocos podem ser: a militância, a Bíblia, o seguimento de Jesus, a Igreja, a sociedade e a

política, a capacitação técnica e a teologia da vocação.

Objetivos específicos

1) Rever criticamente a vida a prática, detectando as deficiências e dinamizando o

processo de integração do grupo. 2) Aprofundar a formação do militante num processo de

desenvolvimento permanente. 3) Fundamentar a ação, a partir da vida e do Evangelho,

celebrando-a no mistério pascal. 4) Verificar na realidade do dia a dia as opções do projeto de

vida. 5) Amadurecer a opção de vida feita ou encarar no discernimento, a realidade da opção

vocacional específica218.

Etapa do processo e seguimento de Jesus

Na etapa da militância procura-se concretizar o seguimento de Jesus colocando em

prática o projeto pessoal de vida, elaborado na etapa anterior, visando à opção vocacional.

Procura-se cultivar ou desenvolver as descobertas feitas na elaboração do projeto pessoal de

vida trabalhando mais a fundo os sinais do chamado divino percebidos neste caminho. Por

isso, esta etapa será caracterizada pela reflexão e aprofundamento do chamado de Deus numa

vocação específica, nos âmbitos da espiritualidade, da reflexão, e da ação, para finalmente

realizar uma opção vocacional (opção fundamental) na sua vida.

Para terminar, cabe esclarecer que, em todo o percorrido e em cada uma das etapas,

como já foi dito, devem estar presentes as cinco dimensões da formação, para que esta seja de

verdade integral219.

218 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Op.Cit., p. 69-71. 219 É importante perceber como o delineamento das “dimensões e etapas do processo” acontecem na América Latina de maneira diferenciada. No Brasil, as dimensões são cinco (personalização, integração social, teológico-pastoral, político e capacitação técnica), e as etapas três (nucleação, iniciação e militância), e na iniciação são seis passos (descoberta do grupo, da comunidade e do problema social, de uma estrutura organizativa mais ampla, das causas estruturais, da militância e das etapas percorridas); a PJ do Chile propões quatro dimensões

139

3.2. Acompanhamento e assessoria

3.2.1. A necessidade do acompanhamento

Da mesma maneira que precisamos de acompanhamento nas diferentes ordens da vida,

como na alfabetização, no esporte, numa profissão, em novos ofícios a desempenhar, mais

ainda precisamos de acompanhamento nas questões relacionadas à maturidade, ao sentido da

vida, à relação fé e vida, ao discernimento vocacional e à elaboração do projeto de vida.

Na Pastoral da Juventude, esse caminho de crescimento dos jovens acontece

preferencialmente na “comunidade juvenil”, mediante “os processo de educação na fé”, que

têm que ser acompanhados com carinho, decisão e firmeza, para alcançar os objetivos. Para

que aconteça este acompanhamento, a Pastoral da Juventude requer agentes pastorais

suficientemente “preparados” e “resolvidos” em todos os âmbitos da vida.

Por ser a evangelização da juventude uma ação eclesial, são todos os cristãos - bispos,

padres e diáconos, religiosos/as e leigos/as - que são chamados a acompanhar a caminhada

dos jovens. Certamente este acompanhamento tem responsabilidades diferenciadas de acordo

com a proximidade da juventude e da Pastoral da Juventude.

Neste processo de acompanhamento destacam-se os próprios jovens e seus grupos que

são os primeiros agentes e protagonistas da evangelização da juventude; logo aparecem com

força os animadores e assessores dos grupos e jovens; o pároco e o bispo como responsáveis

primeiros por animar a evangelização; e, de maneira especial, toda a comunidade.

Percebemos que em muitas comunidades acontece que a ação pastoral com a juventude é um

trabalho restrito a umas poucas pessoas, sob a pressão e cobrança por tudo o resto da

(personalização, socialização, crescimento grupal e discernimento cristão), e três etapas (motivação e iniciação, amadurecimento da fraternidade e amadurecimento da missão); a PJ do México propõe cinco dimensões (pessoal, grupal, crítico-construtiva, projeção comunitária e dimensão cristã), e quatro etapas (iniciação, aprofundamento, opções e compromisso). Em outros países estão sendo acrescentadas a dimensão vocacional e a relação com a natureza. Cf. Civilização do amor... Op. Cit. p. 223.

140

comunidade. O fato de que um padre, uma freira, um assessor ou um jovem animador

dedique-se com carinho, gratuidade e amor aos jovens, não é suficiente.

Muitas vezes, esta falta de eclesialidade e trabalho em conjunto produz o afastamento

de lideranças e jovens que não se sentem acolhidos e valorizados. Por esse motivo, na

atualidade, precisamos fazer um caminho de sensibilização das comunidades, para que estas

descubram e reconheçam a sua condição de “mediadoras” do chamado de Deus, que tem a

missão de acolher e acompanhar os jovens na sua caminhada220. Enfim, podemos dizer, para

que a ação evangelizadora da juventude seja eficaz é necessário que toda a comunidade faça

uma opção afetiva e efetiva pelos jovens.

Depois de re-descobrir e re-confirmar que a ação pastoral no meio da juventude é uma

ação da comunidade toda, em diferentes graus de responsabilidade, é necessário olhar para o

coração dos agentes de pastoral da Igreja e perceber suas motivações mais profundas na

aproximação e no trabalho com a juventude.

É triste constatar que muitos leigos/as, padres e consagrados/as, aproximam-se da

juventude, motivados pela ânsia de satisfazer “necessidades de ordem pessoal ou

institucional”. As necessidades pessoais mais comuns são de reconhecimento e realização,

buscando com o trabalho no meio da juventude uma compensação de tudo o que a vida não

lhe deu. O centro da caminhada passa a ser a pessoa do animador, assessor, padre ou

religioso/a. Em nível mais institucional nas comunidades os jovens às vezes são vistos como

“mão-de-obra barata”, e pior ainda, quando são procurados para “arrebanhar” vocações para

preencher vagas nas casas de formação da vida religiosa e nos seminários diocesanos. Sem

dúvida, estas motivações são inadequadas e nada evangélicas.

220 É importante lembrar as aproximações da juventude e a realidade social e cultural que os jovens vivem. Conhecer isto pode ajudar a muitos adultos a relacionar-se de outra maneira com a juventude.

141

Também, constatamos com alegria, a realidade de muitos agentes de pastoral que se

aproximam dos jovens com motivações, intenções e atitudes que favorecem o seu

crescimento, por estarem com o coração e a mente na vida deles. Entre elas destacamos:

• A primeira motivação que acompanha estes agentes é o amor à juventude221, amor

pela sua felicidade e o desejo de que tenham “vida em abundância” (Jo 10,10).

• A vivência da gratuidade no encontro com os jovens é outro traço a ser destacado

nestas lideranças. Este valor feito motivação é fundamental para jogar fora intenções

interesseiras. O jovem tem a capacidade de perceber no coração das pessoas que se

aproximam deles com intenções nobres, que procuram seu bem e felicidade e pessoas

com intenções desleais.

Do amor pela juventude e a gratuidade nas relações nascem a confiança e a amizade, as

quais exigem presença e proximidade. Isto leva os agentes de pastoral a conhecer a realidade

do jovem (o que vive, o que sofre, o que o faz feliz), e criar o ambiente propício para uma

proposta evangelizadora. Desta proximidade com os jovens surge uma forte exigência de

testemunho e coerência de vida, a qual nasce da sensibilidade da juventude que pede, mais

que mestres, testemunhas que demonstrem com a vida que é possível viver aquilo que é

anunciado.

Também é necessário ressaltar que, para que o jovem possa percorrer cada etapa dos

processos de educação na fé, elaborar o projeto de vida e realizar sua opção vocacional,

precisamos de preparo, planejamento, clareza de metas e estratégias. Caso contrário, acontece

que perdem-se na caminhada pela falta de acompanhantes qualificados que pensem a longo

prazo, que ajudem a juventude a deixar de lado uma maneira de viver, baseado no

momentâneo e imediato.

221 É muito interessante e enriquecedor a apresentação do assessor como “Neotéfilo”, ou seja, como amante da juventude, que faz Hilário Dick, importante pastoralista e reconhecido assessor da Pastoral da juventude no Brasil, em: DICK, Hilário. Cartas a Neotéfilo. São Paulo: Loyola, 2005.

142

Sem querer desprezar a importância de todos os agentes de pastoral, vamos aprofundar

a realidade do acompanhamento por parte do assessor, que tem a missão de acompanhar mais

de perto a vida dos jovens e dos grupos. Pensamos que este serviço é de vital importância para

a vida dos jovens e aos grupos da Pastoral da Juventude.

3.2.2. Assessoria: identidade, características e tarefas

Para abordar esta temática, em primeiro lugar temos que dizer que ““os pastores, a

comunidade e os próprios jovens percebem, juntos, a necessidade de um acompanhamento

real de seus processos de educação na fé e reconhecem a oportunidade e a validade de um

ministério que os possibilite.222”” Este ministério na Igreja da América Latina e no Brasil é a

assessoria. Os bispos do Brasil, reunidos em assembléia, nos diziam:

Desejamos identificar e capacitar assessores adultos, pois não há processo de educação na fé

sem acompanhamento, e não há acompanhamento sem acompanhante. Enquanto em nossas

dioceses não houver adultos e jovens-adultos que se responsabilizem efetivamente por um

consistente trabalho juvenil local, os resultados serão sempre aquém do desejado.

(Evangelização da Juventude 189)

Para poder aprofundar a questão do assessor na Pastoral da Juventude é necessário nos

perguntar sobre seu significado e sua identidade223. Olhando a raiz etimológica da palavra,

“assessor” provém do latim “sedere ad”, que quer dizer “sentar-se junto a” e sugere a idéia de

motivar, acompanhar e orientar alguém, um grupo ou tarefa concreta. Na Pastoral da

Juventude, o assessor é um cristão de caminhada chamado por Deus para exercer o ministério

222 Civilização do amor... p. 276. 223 Este tema foi aprofundado no Encontro Regional de Assessores Diocesanos (ERADI) do Regional Sul1 no ano 2004. A assessoria esteve a cargo de Eduardo Gonzalo Redondo, mestre em teologia e dedicado ao trabalho com a juventude. Muitas de nossas reflexões estão inspiradas neste encontro. Cf. REDONDO, Eduardo Gonzalo. A assessoria como ministério: enfoque teológico. Texto 1 do encontro. ERADI. São Paulo, 2004. Mimeografado.

143

de acompanhar (motivar, orientar), em nome da Igreja, os processos de educação na fé dos

jovens224.

Para aprofundar na identidade da assessoria neste momento eclesial, pode-nos ajudar a

visualização dos antecedentes históricos que configuraram o que hoje é a assessoria na

Pastoral da Juventude. Ao longo da história, a nomenclatura da “figura” que acompanhava a

juventude, respondia a um determinado modelo eclesiológico. Num modelo de Igreja “voltada

sobre si mesma”, mais preocupada com as estruturas de organização, falava-se de “diretor”,

ou “diretor espiritual” com uma presença forte e diretiva. Esta figura esteve muito presente

nas Congregações Marianas e, hoje, nos diferentes “movimentos eclesiais” com uma

espiritualidade própria. Num modelo de Igreja mais aberta ao mundo aparece a figura do

“assistente” ou “assistente eclesiástico” que age, orienta e delega em nome da hierarquia.

Esta experiência foi desenvolvida com êxito na Ação Católica. Já com o Vaticano II, a Igreja

teve uma maior compreensão de si mesma e da pedagogia que mais estava de acordo com a

pedagogia divina, valorizou a participação e o protagonismo dos leigos/as e apresentou à

Igreja o desafio da comunhão e participação. Neste modelo conciliar, aos poucos, abandonou-

se o termo assistente e passou-se a introduzir a figura do “assessor”. O assessor, neste

modelo, não coordena nem manda, porém motiva, acompanha e orienta225.

O assessor entra na dinâmica ministerial da Igreja, que é conferida para determinadas

pessoas em benefício da comunidade. A assessoria como ministério de serviço aos jovens só

pode ser exercida por aqueles que fizeram uma opção pessoal, receberam um envio eclesial e

são aceitos pelos próprios jovens. É necessário que estas três condições para ser assessor,

possam se harmonizar para que sua missão possa ser cumprida e chegar a um feliz término. A

assessoria não é um título de confiança da autoridade, nem uma responsabilidade que nasce de

224 Cf. Civilização do amor .... p. 276. 225 Cf. CELAM. Assessoria e acompanhamento na Pastoral da Juventude. São Paulo: CCJ, 1993. p. 10-11. Também em: DICK, Hilário. Cartas a Neotéfilo. Op.Cit., p. 20-21.

144

quem diz “eu quero ser assessor” ou do voto do grupo, nem algo que tenha a ver com a idade

da pessoa que vai assumir. Trata-se de um carisma, uma vocação especial para esse serviço.

É importante descobrir que existem diferentes tipos de assessores. Em primeiro lugar

podemos fazer menção do “assessor perito”, que é circunstancial e normalmente são aqueles

chamados para aprofundar temas específicos, sejam teológicos, pedagógicos, psicológicos,

pastorais etc. A contribuição destes é muito importante para o amadurecimento da capacidade

reflexiva e crítica dos jovens. Por outro lado, encontramo-nos com o tipo de assessor de maior

importância e com maior capacidade de influenciar no desenvolvimento da Pastoral da

Juventude, o “assessor permanente”, que acompanha o dia a dia do jovem, dos grupos e das

estruturas de coordenação e participação. Neste segundo tipo de assessores tem um destaque

vital a presença dos assessores adultos, sem os quais a Pastoral da Juventude dificilmente

alcançará êxito226. O adulto normalmente traz a experiência, a estabilidade emocional, a

memória histórica e a teoria, sem deixar de mencionar-se que fundamentalmente, servem

como modelos para os jovens.

Também encontramo-nos com a grande contribuição dos assessores jovens-adultos

saídos da mesma pastoral. Estes, chegados à etapa da militância, descobrem que podem viver

sua militância sendo bons assessores. Com este tipo de assessores ainda falta aprofundar a

transição da animação para a assessoria e amadurecer o papel destes no acompanhamento dos

jovens227.

O desafio dos assessores é a vida e o trabalho em equipe, onde cada um tem sua

contribuição desde sua especificidade e formação. Para que o trabalho em equipe aconteça, o

diálogo e a valorização mútua se fazem fundamental, para saber orientar e derivar as pessoas

ou grupos, quando um assessor não tem elementos suficientes para acompanhar determinadas

situações. Em relação à vida de equipe, podemos dizer que a equipe de assessores é um

226 Cf. BORAN, Jorge. O futuro tem nome: juventude. São Paulo; Paulinas, 1994. p. 295. 227 Cf. BORAN, Jorge. Ibidem., p. 314-318.

145

âmbito para partilhar a vida, para confrontar idéias e discernir situações concretas da vida

pessoal e dos jovens, para rezar, avaliar e celebrar juntos a caminhada e a graça do ministério

concedido pelo Senhor.

3.2.2.1. Identidade em dimensões

Na América Latina e no Brasil, assumiram-se algumas características da identidade do

assessor que são fundamentais para a escolha dos mesmos: conhecer o ideal e as condições

pessoais necessárias para assumir este ministério de serviço à juventude.

a) Identidade psicológica

Como já foi dito, a primeira vocação é o chamado à vida, a ser pessoa. Esta é o

alicerce de toda a caminhada e aquilo que vai sustentar as opções a longo prazo.

Lamentavelmente, muitos cristãos (padres, leigos/as e religiosos/as), fizeram e fazem opções

de vida, assumem compromissos pastorais sérios, sem ter resolvido elementos antropológicos

e psicológicos de suas vidas, o que os leva a desanimar diante da primeira dificuldade.

Carmem Lúcia Teixeira, trabalhando a questão da formação dos militantes e olhando para os

militantes formados tempo atrás, nos confirma e descreve esta realidade perguntando-se:

Quantos jovens daquele período, desiludidos com o primeiro fracasso, não abandonaram tudo

e passaram a lutar pelo poder à custa de qualquer arma? Alguns permanecem afetivamente

infantis, dependentes, não conseguindo estabelecer relações maduras com os outros. Qual é,

então, a sua vocação? Não seria algo maior, como por exemplo, a de oferecer instrumentos

para o discernimento vocacional daqueles que optam por este caminho? Elementos que

146

pudessem ir ajudando o sujeito a elaborar seu projeto de vida, de modo a ser gente realizada,

feliz, propagadora dos valores do Reino, também lideranças na Igreja e na sociedade?228.

Com facilidade, podemos imaginar as graves conseqüências para a juventude, caso

sejam acompanhada por assessores que estejam marcados por essas características na sua

personalidade. Por isso, é importante olhar o assessor em sua realidade como pessoa e ator de

seu próprio amadurecimento, destacando algumas características do perfil psicológico do

mesmo.

Em primeiro lugar o assessor é uma pessoa que viveu um processo de amadurecimento

que lhe permite olhar o caminho dos jovens a partir de outra perspectiva. Este processo que é

vivido por etapas é caracterizado pelo processo de conhecimento de si, de aprendizado no

amor e de localização na vida229. Deve ter superado as diversas etapas da juventude ou estar

na etapa final230 no caso dos assessores jovens-adultos, assumido ou assumindo um projeto de

vida numa vocação específica determinada. Isto permite aos jovens ter modelos de referência

na hora de discernir seus próprios projetos de vida.

O assessor tem que ter feito uma opção pela maturidade como tarefa permanente, tanto

em nível pessoal como em todas as dimensões da pessoa humana, e encontra-se num

momento da vida que procura dar, produzir, gerar vida, deixando de lado o egoísmo

egocêntrico da criança que só quer receber. Este vive muito mais de acordo com os fatos reais

da vida e não com fantasias, desejos e temores. Isto o leva a ter um olhar do conjunto e não só

das partes da realidade, a valorizar os aspectos positivos e negativos da sua vida pessoal, dos

jovens e da comunidade.

228 TEIXEIRA, Carmem Lúcia. Formação para o compromisso. PJ a caminho. Porto Alegre, n. 71, p. 30-31, (Março-Abril) 1998. 229 Cf. RODRIGUES, Feliciano. Maturidade psicológica do assessor da Pastoral da Juventude. In: CELAM. Assessoria em cinco enfoques. São Paulo: CCJ, 1994. p. 14. 230 Na aproximação psicológica da juventude do primeiro capítulo colocávamos quatro fases de crescimento: a primeira fase está marcada pelo entrosamento com o grupo; a segunda fase pelo conflito com a família e a procura de relações de maior intimidade; na terceira fase pela procura de uma resposta sobre o sentido da vida; e na quarta fase e última, o jovem orienta e concretiza o projeto de vida.

147

Este tem estabilidade no meio das crises e conflitos e não foge das dificuldades,

ficando sempre “acima do muro”. Toma posição, ajudando sempre os jovens a objetivar nas

situações e acontecimentos. O assessor consegue isto porque é seguro de si mesmo e não

depende de sua auto-estima, da opinião dos outros. Ele já conhece suas fortalezas e

debilidades.

O bom assessor tem capacidade de viver a base de valores de longa duração e de

assumir compromissos a longo prazo. É uma pessoa responsável com quem se pode contar.

Tem capacidade de viver em comunidade e trabalhar em equipe. Sabe aceitar e integrar

positivamente em sua vida os limites próprios e os do outro, sabe renunciar a posturas, idéias

pessoais em prol da comunidade, reconhecendo e valorizando a contribuição do outro.

Finalmente, temos que dizer que o assessor maduro precisa ter capacidade de amar a

outra pessoa e de maneira especial os jovens, de forma gratuita e desinteressada, evitando

sempre o paternalismo, possessividade, utilitarismo mercantil, promovendo o crescimento e

amadurecimento dos jovens. Tudo isto que foi dito tem que ser lido à luz do processo de

crescimento permanente que não acaba nunca. Por isso não existe um assessor maduro, existe

um assessor em caminho e desde esse caminhar que pode acompanhar outros.

b) Identidade espiritual

A espiritualidade de uma pessoa tem a ver com o mais profundo de seu ser, suas

motivações últimas, suas idéias, aquilo que o apaixona e dá sentido a sua vida231. Como a

espiritualidade cristã está caracterizada pelo encontro com a Trindade, no seguimento de Jesus

Cristo, o cristão está chamado a assumir o espírito de Jesus, suas paixões, motivações mais

profundas, suas idéias, seu projeto etc. Também é muito importante destacar que o

seguimento de Jesus acontece situado no contexto da pessoa e da sociedade e marcado pela

231 Cf. CASALDÁLIGA, Pedro; VIGIL, José Maria. Op. Cit., p. 22.

148

missão assumida. A partir disso, podemos começar a falar da identidade espiritual do

assessor, de sua experiência de seguimento de Jesus que vai estar situado num contexto

determinado e marcado pela missão assumida.

A espiritualidade do assessor é uma espiritualidade cristã alicerçada no encontro com a

Trindade no seguimento de Jesus e seu projeto, o Reino de Deus. Esse encontro leva os

assessores a uma abertura e descoberta da própria dignidade, da comunidade, do sofrimento

do pobre e excluído e do projeto de felicidade e realização que Deus tem para com seu povo.

Esse encontro e descoberta estão profundamente marcados pela opção preferencial pelos

jovens, que surge do discernimento eclesial da iniciativa de amor de Deus Pai.

O assessor é chamado a contemplar Deus Pai, que fixou seu olhar carinhoso nos jovens

amando-os, independentemente de seus talentos e deficiências e encarregando a seu filho, na

Igreja, por meio deles o cuidado da juventude232, para que os jovens tenham vida em

abundância (Jo 10,10). Aprofundando e confirmando, o Setor de Juventude do CELAM nos

dizia a respeito do assessor:

Crê em Deus e crê nos jovens. Sabe que a grandeza de sua vocação está na escolha que Deus

lhe fez para confiar-lhe a juventude, para fazê-lo participante do amor com que ele mesmo

ama os jovens (SD 118) e para enviá-los a acompanhá-los e estar presente no meio deles

como sinal de seu amor.233

Esta fé do assessor e a contemplação do amor gratuito de Deus pai vão possibilitar aos

assessores aproximarem-se da juventude, libertos de toda tendência de impor uma vontade

alheia a eles e, desprendidos deles mesmos, respeitosos da personalidade, das necessidades e

232 Cf. BONINO, Julio. Apontamentos sobre a espiritualidade do assessor. In: CELAM. Assessoria em cinco enfoques. São Paulo: CCJ, 1994. p. 36-37. 233 Civilização do amor... p. 279.

149

aspirações dos jovens234. Por outro lado, convida-o a encarnar-se no meio da juventude,

assumindo e promovendo os valores e sementes do reino já presentes na vida dos jovens e a

purificar aqueles elementos que afastam os jovens da espiritualidade cristã, vivenciada no

encontro com a trindade no seguimento de Jesus.

Exige a missão do assessor ser uma pessoa esclarecida em seu projeto de vida, ter feito

uma opção vocacional e lutar, procurar dia-a-dia a vivência de uma fé encarnada, uma fé

unida à vida235. Também o assessor, na vida espiritual, sente-se desafiado pelo mesmo que

questiona e desafia os jovens que os acompanha. Entre outros, no segundo capítulo

colocávamos os seguintes desafios: a integração do racional com o simbólico-emotivo; o

silêncio, a oração e a interioridade; a vivência do bom humor, a alegria e a festa. Estas

questões já descritas, anteriormente, desafiam aos assessores de maneira diferente, talvez, pela

falta de sensibilidade a esses temas, por serem lacunas de seu processo formativo ou pela falta

de equilíbrio na vivência dos mesmos. O importante é fazer caminho e não negar, abafar,

absolutizar elementos da fé que são essenciais para sua vivência saudável e integral.

c) Identidade teológica

Na introdução já desenvolvemos alguns elementos da dimensão teológica da identidade

do assessor. Falávamos que a assessoria é um ministério e por isso uma vocação. O assessor é

sobretudo um vocacionado, uma pessoa que foi chamada por Deus para cumprir uma missão

na Igreja. Por sua própria natureza, a assessoria não é um ministério de protagonismo e, sim,

de apoio e acompanhamento. O protagonista é o jovem que está vivendo o processo de

crescimento pessoal e na fé236.

Ao falarmos de ministério e vocação temos que reconhecer que estamos falando do

serviço e do mistério. O assessor é sobretudo um servidor, imagem de Jesus que ““não veio 234 Cf. GUTIEREZ, Gustavo. Op. Cit., p. 125. 235 Cf. Civilização do amor... p. 279. 236 Cf. Civilização do amor... p. 279-280.

150

para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos””(Mc 10,45). Este

serviço entra na dinâmica do mistério, do sagrado, de Deus que se comunica com seu povo237.

Na Igreja há duas formas principais de ministérios: os ordenados, que se referem a

uma missão ministerial na comunidade, que são: o diaconato, o sacerdócio e o episcopado; e

os ministérios instituídos que são funções ou serviços que a Igreja dá a determinadas pessoas

para o benefício da comunidade238. A questão dos ministérios não é, portanto, algo do qual só

agora se fala porque há poucos padres e, por isso, os leigos devem assumir (“quebra galho”).

É parte da essência mesma da Igreja, a qual está chamada a ser toda ela ministerial.

Como em toda vocação, o vocacionado precisa de um processo de discernimento da

vontade de Deus em sua vida, a qual vai acontecendo e manifestando-se na realidade concreta

dos jovens, nas pessoas da comunidade e no silêncio da oração e na escuta da palavra. Com

isto, queremos afirmar a necessidade do discernimento vocacional dos ministérios dentro da

Igreja.

No caminho do discernimento ou no exercício da missão encomendada, a pessoa que é

conduzida por diferentes motivações, as quais nem sempre são autênticas (poder, amizade,

dominação, espaço de realização etc.), precisa de ajuda, de alguém que também a acompanhe

para purificar as motivações não autênticas e eliminar as que não prestam.

Dito tudo isto, estamos em condições de afirmar que o assessor da Pastoral da

Juventude é uma pessoa chamada por Deus para exercer um ministério de serviço aos jovens;

um ministério que é assumido como opção pessoal, para o qual é enviado pela Igreja,

contando com a aceitação dos jovens.

3.2.2.2. Tarefas do assessor

237 Cf. REDONDO, Eduardo Gonzalo. A assessoria como ministério: enfoque teológico. Texto 1 do encontro. ERADI. São Paulo, 2004. Mimeografado. 238 Cf. SÄEZ GARCIA, Bráulio. A assessoria como ministério: enfoque teológico. In: CELAM. Assessoria em cinco enfoques. São Paulo: CCJ, 1994. p. 20.

151

A identidade do assessor, com toda a riqueza de dimensões que envolve, determina

também sua tarefa, a maneira dele agir no meio dos jovens. Esse papel e essa missão do

assessor explicitam-se em diversos âmbitos: na relação consigo mesmo, na procura de

formação integral, gradual e permanente; no acompanhamento pessoal aos jovens, ajudando-

os a clarear e definir seu projeto de vida e a fazer opções que configurem seu ser e seu agir na

Igreja e na sociedade; no acompanhamento aos grupos, para que estes possam ser verdadeiros

espaços de crescimento humano e de amadurecimento na fé; em sua relação com os outros

assessores, conformando equipe de vida e de tarefa e em sua relação com a comunidade

eclesial e social, sendo agente de comunhão e transformação239.

Neste trabalho não vamos aprofundar toda a missão e tarefa do assessor, simplesmente

vamos destacar a missão de acompanhar pessoalmente os jovens, por ser esta uma tarefa

muito delicada e específica. Muitos assessores descuidam e não valorizam este aspecto de sua

missão; outros não estão preparados, seja por formação ou por processo; ou em determinadas

comunidades, onde o modelo eclesiológico não valoriza plenamente a vocação leiga,

simplesmente é uma tarefa absorvida pelo clero e a vida consagrada.

a) Acompanhamento pessoal

Geralmente, o assessor começa a sua tarefa acompanhando a vida dos grupos e depois,

naturalmente, vai assumindo esta missão mais profunda, delicada e comprometida de

acompanhar pessoalmente os jovens. O objetivo deste acompanhamento é, como já

colocamos, ajuda-los a clarear e definir seu projeto de vida e a fazer opções que configurem

seu ser e seu agir na Igreja e na sociedade. Este acompanhamento pessoal deve ser integral,

respondendo a todas as dimensões da formação, (psicoafetiva, psicossocial, mística, política e

técnica), processual e gradual240.

239 Cf. Civilização do amor... p. 283-289. 240 CF. Civilização do amor... p. 284-285.

152

Conhecendo o objetivo do acompanhamento, precisamos saber em que consiste o

mesmo. O Pe. Vicente Zueco, especialista no tema, nos diz:

O acompanhamento pessoal é uma ajuda temporal e instrumental que um irmão maior

na fé e no discipulado oferece a um irmão menor, partilhando com ele uma parte do

caminho, para que este possa discernir a ação de Deus nele, tomar decisões e

responder com liberdade e responsabilidade241.

O acompanhamento pessoal realizado ao jovem por um assessor adulto está inspirado

no modelo de identificação projetiva. Esta mediação é um processo onde o acompanhado

partilha seu mundo subjetivo (sentimentos, projetos, imagens de si, dificuldades etc.)

projetando-o no acompanhante, que o re-elabora à luz de critérios precisos (antropológicos,

teológicos, psicológicos, pastorais etc.), e o devolve de maneira modificada para que o

acompanhado aproprie-se dele de novo242.

O instrumento, por excelência, para realizar um acompanhamento personalizado do

jovem é a entrevista pessoal, a qual deve ser periódica (semanais, quinzenais ou mensais) e

não deve exceder os 60 minutos243. Este acompanhamento pessoal, por meio da entrevista,

tem seu fundamento e “inspiração original” em Jesus, que entrou em diálogo com seus

contemporâneos. As atitudes, os gestos, as palavras de Jesus nos encaminham na tarefa de

acompanhar os jovens na tarefa de elaborar seu projeto de vida e realizar a opção vocacional.

b) Jesus, modelo de acompanhante

241 ZUECO, Vicente. Maestros del Espirito. Buenos Aires: IPV, 2000. Mimeografado. p. 5. Tradução livre. Também pode ajudar no aprofundamento o capítulo I, Naturaleza e finalidade de la dirección espiritual, de: RODRIGUEZ MIRANDA, Tomás. La dirección espiritual: pastoral del acompañamente espiritual. Buenos Aires: San Pablo, 2006. p. 11-55. 242 Cf. ZUECO, Vicente. Ibidem., p. 6. 243 Cf. PENENGO, Horácio. Discernir e realizar o projeto de vida: Cap. 4 – Como acompanhar processos para discernir e realizar o projeto de vida? PJ a caminho. Porto Alegre, n. 89, p. 31-33, (agosto-outubro) 2002.

153

No Evangelho de Marcos encontramos Jesus acompanhando seus discípulos, seja de

maneira pessoal ou grupal, no desafio de compreender sua identidade messiânica e as

conseqüências do compromisso assumido no seguimento dele.

Nesse caminho de acompanhamento Jesus, com carinho e compreensão, responde a

todas as perguntas feitas pelos discípulos244. Ele não se escandaliza com nada e responde com

interesse. Em nenhum momento faz o outro sentir que sua pergunta é pouco inteligente ou

sem sentido. As passagens do Evangelho nos demonstram que Jesus inspirava confiança e

motivava ao diálogo. Estas atitudes nos questionam diante da realidade da juventude que vive

e sofre situações impensáveis para o acompanhante ou que simplesmente não existiam na sua

juventude. Reações equivocadas são: escandalizar-se e repreender os jovens pelas perguntas

“impróprias”; “canonizar” e aceitar tudo o que vem do jovem; ou condenar suas experiências

e pensamentos. Jesus, com muita paciência, vai respondendo e ajudando seus discípulos a

abrirem suas mentes e corações ao projeto do Reino.

Jesus também ajudava os discípulos em seus processos de crescimento, fazendo alguns

esclarecimentos não pedidos por eles245. A partir de reações, pensamentos e maneiras de agir

dos discípulos, ele ia anunciando o projeto de Deus, duro para eles, mas com clareza e sem

medo. Jesus não tinha medo de colocar as exigências do seguimento. No acompanhamento

pessoal isto é fundamental para que o acompanhado possa confrontar sua vida com a vida de

Jesus e as exigências do seguimento. O acompanhante muitas vezes tem que provocar a crise

para que a pessoa possa crescer e fazer as opções necessárias para realizar seu projeto de vida.

Esta maneira de Jesus educar seus discípulos os ajudava a integrarem seus sentimentos,

pensamentos e sua vontade que, muitas vezes, iam em sentido contrário.

244 Mc 9,11-13; 9-14-29; 10,2-12;10,28-31. 245 Mc 9,30-32; 9,36-37; 10,17-27; 10,32-34.

154

Por último, no Evangelho de Marcos, encontramos Jesus que corrige a práxis dos

discípulos246. Jesus sabe que os princípios morais, teológicos e pastorais concretizam-se na

vida, no dia-a-dia. É necessário um equilíbrio entre a ortopráxis e a ortodoxia. Acontece na

vida de muitas pessoas que vivem com idéias e utopias muito bonitas, mas que não são

levadas à vida. Para que esta situação mude é necessário um acompanhamento no dia a dia,

estar presente na vida das pessoas. A avaliação contínua de práxis é um instrumento que não

pode faltar no acompanhamento pessoal para a elaboração do projeto de vida247.

Mas, se temos que olhar para o Evangelho e a práxis de Jesus para nos deixarmos

iluminar, não podemos deixar de aprofundar a caminhada de Jesus com os discípulos de

Emaús (Lc 24,13-35). Estes, igualmente ao cego Bartimeu, passam da escuridão, da cegueira

à luz, à visão, à coragem. O relato dos discípulos de Emaús revela-nos ainda que o

conhecimento de Jesus Cristo, a amizade com ele, a inserção na comunidade dos discípulos e

o testemunho de sua ressurreição são progressivos.

Que atitudes e gestos de Jesus ajudaram aos discípulos? Quais são os passos que ele foi

dando com os discípulos para que estes mudassem de direção suas vidas? São algumas das

perguntas que vamos tentar responder na busca de caminhos concretos para o

acompanhamento pessoal da juventude.

1. Encurtando a distância

Na narrativa dos discípulos de Emaús248 (Lc 24,13-35) nota-se que o primeiro gesto de

Jesus é o de apertar o passo com a finalidade de alcançar, de se aproximar dos dois

246 Mc 9,33-35; 9,38-50; 10,13-16; 10,35-45. 247 Estas três maneiras de acompanhar e formar os discípulos (resposta às perguntas, esclarecimentos não pedidos e correção da práxis dos discípulos) estão inspirados no esquema proposto por Carlos Bravo Gallardo, no seu livro já citado: Jesus Homem em conflito: o relato de Marcos na América Latina. Op. Cit. 248 As reflexões do acompanhamento de Jesus aos discípulos de Emaús estão inspiradas na contribuição de Álvaro Barreiro e de José Lisboa Moreira de Oliveira. Cf. BARREIRO, Álvaro. O itinerário da fé pascal: a experiência dos discípulos de Emaús e a nossa (Lc 24,13-35). 4. ed. São Paulo: Loyola, 2005; OLIVEIRA, José Lisboa M. de. Apertando o passo: fundamentos teológicos do método pedagógico vocacional. p. 53-88. In:

155

peregrinos. Não dá para acompanhar pessoalmente os jovens se permanecemos distantes do

seu mundo. Por idade ou processo, o acompanhante está “fora”, “distante” do mundo do

jovem acompanhado e pode cair na tentação de transferir perguntas e questões pessoais ou

punir as suas experiências escandalizando-se pelo que foi vivido por eles.

Esse gesto de encurtar a distância (ascese própria do ministério) procura aproximar-se

do outro e fazer caminho juntos, não como alguém que ensina ou com ar de superioridade,

senão como um irmão maior na fé, como companheiro de caminho. Este processo vivido pelo

acompanhante exige dele viver uma Kénosis pessoal (preconceitos, valores, estruturas, idéias

etc.) e fazer silêncio para que a vida do outro apareça, para que as alegrias e as dores do

jovem possam vir à luz.

Jesus aproximou-se e perguntou para eles de que estavam falando pelo caminho e

escutou com carinho e atenção o relato das experiências vividas por esses dois caminhantes.

Eles partilharam com Jesus o desânimo e como nesses dias tinham matado sua esperança.

Jesus nunca entra em nossas vidas como um intruso, mas aproxima-se sempre aos poucos. Só

depois de escutarmos, de o olharmos em silêncio, depois de comungar com a nossa tristeza e

alegria ele toma a iniciativa do diálogo, partilha a sua Palavra que nos transforma e anima.

Aproximar-se é conhecer o outro, é conhecer o mundo vital do acompanhado. A

biografia, as feridas da caminhada, os anseios, as motivações conscientes e inconscientes são

parte do mundo do acompanhado e é necessário conhecê-las para fazer um bom discernimento

da vontade de Deus na vida do jovem. Elaborar o projeto de vida, fazer uma escolha

vocacional é uma construção vital que deve estar alicerçada na vida da pessoa, no

reconhecimento da presença de Deus em cada momento do desenrolar da caminhada.

2. Animando a caminhada

CNBB. “Ide também vós para a minha vinha!”(Mt 20,4) temáticas do 2˚ congresso vocacional. (Estudos da CNBB n. 90). São Paulo: Paulus, 2005.

156

Jesus, nos diferentes encontros com seus discípulos, antes ou depois da Páscoa, anima

sua caminhada. Animar é dar vida, ânimo ao outro em sua particularidade e em seu contexto.

Logicamente para animar, curar, precisa-se de diferentes remédios, de diferentes maneiras de

agir: questionando, repreendendo, exigindo, empurrando, tranqüilizando, acolhendo,

motivando, explicando a palavra ou dialogando.

Olhando para ele, depois de conhecer a vida do jovem e perceber suas necessidades, o

acompanhante não tem outra missão senão “animar” o acompanhado. Para cumprir com

fidelidade esta missão que o Senhor encomendou-lhe, o acompanhante precisa perceber qual é

a sua tendência pessoal no acompanhamento. Alguns, por temperamento, são inclinados para

algumas das atitudes descritas (questionar, repreender, exigir, empurrar, tranqüilizar, acolher,

motivar, catequizar) o que pode levar a não saber reagir de maneira diferente diante de

situações diferentes. Tomar consciência disso exige um trabalho pessoal do acompanhante de

cultivar as atitudes ou maneiras de animar a caminhada do outro, que são alheias a seu

temperamento ou tendência.

Com os discípulos de Emaús Jesus usa uma terapia de choque, lançando no rosto dos

discípulos uma forte repreensão: “Insensatos e lentos de coração para crer em tudo o que os

profetas anunciaram!”(Lc 24,25). Estas palavras de Jesus, tão duras, estão envolvidas de amor

e carinho e de um profundo desejo do bem do outro, de felicidade, enfim, querem comunicar

vida. Ele não fica preocupado pela desaprovação de suas palavras ou pela aceitação ou não

dele, porque o centro está no outro e não em suas necessidades. O jovem não precisa de

alguém que aprove tudo o que ele faz, ele necessita de alguém que o acompanhe, o desafie,

exija e, sobretudo, que acredite em sua capacidade de mudança e de dar uma resposta

generosa ao Senhor.

3. Apresentando o projeto de Deus

157

Depois de animar a caminhada dos discípulos, fazendo-os acordar, provocando-os,

Jesus, com compreensão e paciência, explica-lhes o Projeto de Deus revelado nas escrituras.

O Mestre procura iluminar a realidade vivida pelos discípulos, à luz da palavra, discernindo a

vontade de Deus para esse momento e contexto histórico. É na partilha da Palavra que os

discípulos vão abrindo os olhos ao projeto de Deus, ao mistério do chamado de Deus que os

convida a voltar à comunidade para anunciar a presença viva do ressuscitado.

No acompanhamento pessoal do jovem, após escutar carinhosamente o partilhado, o

acompanhante deve confrontar, apresentar os princípios orientadores da realidade vivida pelo

jovem, presentes na escritura e nas ciências, sobretudo da pedagogia e psicologia. Este

encontro da vida do jovem e o ideal, a proposta de Deus, no começo pode entrar em conflito

ou gerar crise, mas é necessário que aconteça para o crescimento do acompanhado. É o

momento onde o acompanhante re-elabora o partilhado pelo jovem à luz da Palavra e das

ciências e o devolve transformado. Para que essa devolução tenha o mesmo efeito, o que nos

discípulos de Emaús ardia o coração, não pode ser uma devolução simplesmente teórica,

alheia à vida do jovem e sim existencial, que ilumine diretamente o seu mundo vital. Isto

exige dedicação e formação permanente da parte do acompanhante, para saber ler os sinais e

os traços da cultura atual e da presença de Deus no depoimento do jovem. Uma entrevista

feita por simples compromisso, sem a preparação e motivação necessárias, pode ser

contraproducente para o processo de acompanhamento.

4. Assumindo o projeto de Deus

Nesse tempo percurso, com esse peregrino desconhecido, os discípulos foram abrindo

os olhos gradualmente e percebendo os erros da caminhada, as infidelidades e aquilo que

tinham que mudar em suas vidas. Depois que o jovem chega a ter essa capacidade de auto-

crítica, que valoriza a suas capacidades e reconhece suas fraquezas, está em condições de

158

percorrer os caminhos necessários para o crescimento e o discernimento vocacional, para que

este seja o menos condicionado possível. O jovem está no momento de olhar

prospectivamente sua vida, sonhar e construir seu projeto de vida, de maneira gradual e

progressiva.

As mediações para este tempo de amadurecimento das opções de vida, para assumir de

verdade o projeto de Deus são dadas pela caminhada dos discípulos. A partilha, a

hospitalidade, a solidariedade com o peregrino são os primeiros sinais das mudanças que

aconteceram em seus corações, os quais servem como critério de autenticidade da vida

espiritual do jovem.

Depois o peregrino, ainda desconhecido, sentou-se na mesa com eles, tomou o pão,

pronunciou a bênção, partiu-o e deu a eles. Esta experiência dos discípulos, de oração e pão

partilhados, abriu definitivamente seus olhos e o reconheceram, confirmando sua presença

viva no meio deles. Agora não testemunhavam porque alguém lhes falou e sim porque eles o

viram e o experimentaram. Aparece desta maneira o segundo critério de autenticidade do

processo de todo jovem que está discernindo o projeto de Deus para sua vida, que é vivência

da fraternidade, do trabalho em equipe e o desejo de estar com Jesus, de passar tempo com ele

na oração pessoal e comunitária. O gosto pela oração, o gosto pela partilha, a comunitariedade

são sinais claros de motivações autênticas. Jovens isolados, acelerados, que fogem do

silêncio, demonstram que ainda têm coisas a amadurecer antes de fazer opções definitivas.

Por último, os discípulos abatidos e desesperançados, transformados pela presença do

Ressuscitado em suas vidas, espontaneamente deixam-se levar por um movimento

missionário que os leva a anunciar e testemunhar a Boa Nova que os queima por dentro. O

ardor missionário-apostólico é condição indispensável para o crescimento do jovem na fé. Por

este motivo, o acompanhamento na vida apostólica ou a avaliação contínua pode dar muita luz

e colocar alicerces firmes e duradouros.

159

Se lermos com atenção os títulos dos passos feitos por Jesus, no acompanhamento dos

discípulos de Emaús (encurtando a distância, animando a caminhada, apresentando o projeto

de Deus e assumindo o projeto de Deus), vamos poder perceber que o sujeito da ação muda.

Com o passar do tempo e da companhia de Jesus, este deixa de ser o sujeito, o protagonista, e

são os discípulos os que passam a ser sujeitos da ação, os protagonistas. Iluminados pela

práxis de Jesus, podemos confirmar que todo processo de acompanhamento do jovem visa o

seu protagonismo e procura que o acompanhado possa caminhar por seus próprios meios.

Para que isto aconteça, este acompanhamento pessoal, complementado na medida do possível

pelo acompanhamento grupal, deve ter metas claras, a curto, meio e longo prazo, respeitando

a realidade gradual e processual do acompanhamento; meios que possam concretizar os

anseios o sonhos; e tempos de avaliação contínua e geral.

3.3. Instrumentos de acompanhamento da juventude

3.3.1. A entrevista pessoal

A entrevista pessoal é um ato concreto por meio do qual se realiza o ministério do

acompanhamento pessoal do jovem. Seu sentido primeiro consiste em ser um encontro entre

duas pessoas, o qual é humano, vivo, cordial e espiritual. A entrevista é expressão de uma

relação pessoal. Temos que ter em conta que não se trata de uma comunicação de

experiências com o objetivo de desabafo da parte do jovem, ou de matar a curiosidade por

parte do acompanhante. Trata-se de uma comunicação íntima e profunda feita para ajudar o

jovem em sua realização pessoal e na sua resposta fiel as exigências que a vontade de Deus

lhe faz. É importante esclarecer que é uma ajuda espiritual e não uma sessão psicológica,

embora o acompanhante tenha que ter e usar elementos da psicologia249.

249 Cf. ZUECO, Vicente. Maestros del Espirito. Op. Cit., p. 123.

160

A entrevista ajuda o jovem a formular e expressar suas próprias convicções,

questionamentos e experiências que lhe provocaram inquietação, angústia ou aflição. Ajuda-o

a objetivar sua vida e olhá-la com distância, de modo tal que possa enxergá-la melhor e mais

serenamente. Em muitas oportunidades, a ajuda do acompanhante reduz-se a saber estar e

escutar. Esse acompanhamento pessoal é uma atividade profundamente educadora, que

procura favorecer as condições necessárias para que a pessoa descubra em si mesma suas

potencialidades e recursos que lhe permitam enfrentar ou resolver positivamente sua situação

existencial. A palavra educação vem do latim educare que significa tirar de dentro. Este é o

sentido mais profundo da educação. Para que o objetivo do acompanhamento por meio da

entrevista250 possa ser alcançado recomenda-se a opção pela pedagogia descrita251.

a) Algumas dificuldades e a comunicação na entrevista

Por ser a entrevista um encontro pessoal, encontram-se algumas dificuldades para que

este meio de acompanhamento possa atingir seu objetivo. A principal dificuldade consiste,

sem dúvida, em não conseguir uma comunicação plena. Comunicar-se é uma necessidade

profunda que todos experimentamos, mas não é fácil satisfazê-la. Freqüentemente nos

encontramos com jovens que têm uma comunicação bloqueada desde a infância ou

adolescência por causa dos acontecimentos, sentimentos ou experiências educativas. Isso cria

o medo a uma relação profunda com a outra pessoa e a contradição de querer e ao mesmo

tempo não poder comunicar-se. Além do medo e contradições existem outras dificuldades no

relacionamento na entrevista pessoal, seja por parte do jovem como do acompanhante.

Da parte do jovem temos que destacar a falta de confiança como uma das principais

dificuldades no processo de acompanhamento, a qual não se consegue por obrigação. Outras

250 O objetivo final da entrevista pessoal é o objetivo do acompanhamento pessoal: ajudar o jovem a clarear e definir seu projeto de vida e a fazer opções que configurem seu ser e seu agir na Igreja e na sociedade. Cf. Civilização do amor... p. 284-285. 251 Cf. ZUECO, Vicente. Op. Cit., p. 128.

161

dificuldades que podemos encontrar é a imagem fixa que o jovem forma do acompanhante

(bonzinho, rígido, amigão etc.); o sentido de obrigatoriedade da entrevista, que pode provocar

bloqueios, falta de atenção, vergonha e timidez; e a dependência que o jovem cria do

acompanhante, deixando de lado seu protagonismo e abafando sua capacidade de

discernimento e decisão própria252.

Da parte do acompanhante, uma dificuldade que pode aparecer é centrar-se demasiado

nele mesmo e não no jovem. Esta tendência manifesta-se no recurso contínuo de si mesmo e

em sua história. A experiência do acompanhante é importante e pode ajudar, mas a entrevista

tem que estar centrada no jovem e no que ele necessita de concreto, sejam caminhos de

solução de um problema, critérios de discernimento, informação, formação etc. Unida desta

dificuldade está o dogmatismo das apreciações. Esta maneira de ler a realidade pode

acontecer com mais freqüência com pessoas de anos de experiências que tendem a responder

como quem sabe tudo, não respeitando o processo de crescimento do outro pela falta de

paciência. Outra coisa que atrapalha os processos de acompanhamento é a sobrecarga de

tarefas do acompanhante o qual não o deixa estar sereno e preparado no momento da

entrevista. Os nervos, a pressa pelo próximo compromisso, o olhar no relógio interferem na

importância da entrevista e vão fazendo o jovem sentir que ele não é importante. É verdade

que as entrevistas não podem ser eternas (normalmente não devem exceder 60 minutos), mas

o jovem deve sentir que o acompanhante está de corpo e alma e que para ele sua vida é

prioridade naquele momento253.

Para tentar superar estas dificuldades próprias da entrevista aprofundaremos o

fenômeno da comunicação humana254, para desvendar equívocos e prestar atenção aos

252 A dependência é algo normal no começo do processo de acompanhamento, mas, gradualmente, e favorecido pelo acompanhante, tem que diminuir para deixar lugar ao protagonismo do jovem. 253 Cf. ZUECO, Vicente. Maestros de Espírito. Op. Cit., p. 126-127. 254 A pedagogia do acompanhamento pessoal quer superar o esquema clássico de comunicação, (Emissor – Mensagem - Receptor) por ser lineal e deixando um dos atores da comunicação passivos, para assumir um esquema mais circular, onde todos os atores da comunicação cumprem a missão ativa e receptiva. O

162

elementos que muitas vezes são esquecidos e dados por supostos. Os elementos que

analisaremos são: os protagonistas da comunicação, o contexto, os canais de comunicação, os

códigos, a realimentação e os ruídos. Todos estes elementos apareceram de uma maneira ou

outra nas dificuldades e nas formas de comunicação com as pessoas. Analisar estes elementos

pode ajudar para que a entrevista seja um espaço de crescimento e de comunicação plena.

Os protagonistas da entrevista são o acompanhado e o acompanhante. O acompanhado,

é a pessoa que comunica a mensagem que está contida num marco subjetivo, que podemos

chamar de contexto. Por isso, não basta estar diante da pessoa, deve-se estar também diante do

seu contexto. O acompanhante é o interlocutor natural do acompanhado. Ele tem a missão de

perceber a mensagem, e o acompanhado, de decodificá-la e interpretar tudo de acordo com

seu contexto.

O contexto na vida da pessoa está conformado pelas questões físicas, intelectuais,

emocionais, espirituais, sociais e culturais entre outras. A comunicação será cada vez mais

plena na medida em que as pessoas sejam mais cientes de seus contextos pessoais

(acompanhado e acompanhante).

No fenômeno da comunicação, a compreensão da mensagem emitida e a percepção da

demanda são fundamentais. Para que aconteça esta compreensão, o acompanhante deve ter

em conta os canais de comunicação, que podem ser verbais ou não verbais, e os códigos que

são o conjunto de sinais e símbolos verbais ou não verbais. As falhas da comunicação

normalmente se devem a erros de codificação, como por exemplo, a má interpretação ou mau

uso dos signos e símbolos, palavras que têm diversas interpretações, de acordo com os

códigos culturais. Tanto a codificação e decodificação das mensagens estão profundamente

condicionadas pelo contexto das pessoas.

acompanhante não só deve-se treinar para saber comunicar, senão também em saber receber, acolher a mensagem.

163

Por último, temos que ter em conta a realimentação, que é basicamente a resposta do

acompanhante depois de ter decodificado a mensagem. A partir da realimentação, o

acompanhado poderá avaliar de que modo foi compreendida a sua mensagem. No diálogo

interpessoal esta é imediata e permanente, com um sorriso, um gesto, um monossílabo, uma

pergunta ou bem devolvendo o compreendido. Esta experiência inverte constantemente os

papéis, seja o acompanhante ou acompanhando realimentando o diálogo.

Para que a entrevista seja um diálogo íntimo e profundo devem-se evitar os ruídos da

comunicação, sejam estes físicos, culturais, psicológicos ou ideológicos. É muito importante

nos primeiros encontros identificar esses ruídos para encarar um processo de eliminação ou

pelo menos ser cientes dos mesmos255.

b) A entrevista pessoal “não diretiva”

Carl Rogers, em seus estudos realizados, desde 1962 a 1967, sobre os efeitos da

terapia, fez três descobertas que nos podem ajudar e iluminar nossa maneira de nos relacionar

no acompanhamento pessoal do jovem256:

a- Em muitos casos a psicoterapia tem efeitos destrutivos nos clientes. Estes efeitos

não dependem dos pressupostos teóricos nem das técnicas usadas. b- O crescimento do cliente

não acontecia em função da abordagem teórico ou das técnicas usadas pelo terapeuta. c- O

crescimento do cliente dava-se por determinadas atitudes assumidas pelo profissional.

O autor nos propõe algumas atitudes básicas e necessárias para gerar as condições de

crescimento nos acompanhados. Entre elas destacamos a empatia, que é a capacidade de

colocar-se no lugar do outro, sentir com o outro. Para conseguirmos nos colocar no lugar do

outro temos que criar certas condições. A primeira é a aceitação incondicional do outro sem

255 Estes elementos estão tirados do artigo que versa sobre o projeto de vida e sua elaboração, onde a entrevista tem um lugar importante. Cf. PENENGO, Horácio. Op. Cit., p. 31-33. 256 Cf. ZUECO, Vicente. Entrevista vocacional. Buenos Aires: IPV, 1994. Mimeografado. p. 10-13. O Pe. Vicente Zueco é um especialista na questão do acompanhamento vocacional e na Pastoral da Juventude, e ministra cursos e oficinas na América Latina toda. Nas apostilas dos cursos propõe estas descobertas de Carl Rogers, psicólogo humanista norte-americano.

164

julgá-lo antecipadamente pela aparência, pelo que pensa, sente, fala ou faz. A outra condição

é a congruência, que significa ser sincero comigo mesmo, ser coerente e autêntico. Isto não

quer dizer que tenho que dizer tudo o que passa pela cabeça, e sim ser sensível a mim mesmo

e à situação que estou vivendo.

A terceira condição é a concretização, que é a capacidade de saber captar o mundo do

outro, decodificando a sua experiência em elementos simples, claros, específicos e objetivos,

para que o outro possa crescer na compreensão de si mesmo. Por último, destaca-se a

capacidade de confronto com as discrepâncias e incoerências no falar ou no comportamento.

Todas estas atitudes do acompanhante, presentes na maneira de agir de Jesus, ajudam a pessoa

acompanhada a mudar a maneira de enxergar as coisas, a conhecer-se mais e a crescer na

capacidade de expressão com mais claridade o que sente e pensa.

Esta maneira de agir do acompanhante deve ir sustentada por atitudes favoráveis do

acompanhado. Ele, em primeiro lugar, deve implicar-se e entregar-se no processo de

acompanhamento com tempo e carinho. O jovem também tem que crescer na capacidade de

exploração, de análise crítica de sua vida e contexto, para saber qual é a sua realidade, de

onde parte esse processo de elaboração do projeto de vida. Estas duas atitudes vão levar o

jovem a compreender-se mais ainda e, naturalmente, a saber aonde ele quer chegar, qual é seu

objetivo. E, finalmente, o acompanhado precisa mover-se, empenhar-se na mudança

necessária para chegar ao destino.

Depois de ver as atitudes e disposições gerais para o acompanhamento, por meio da

entrevista, chegue a feliz término, vamos ver agora algumas dicas práticas para os

acompanhantes.

* Antes de começar a entrevista devo ser ciente de meus sentimentos e movimentos internos.

É o momento para tentar deixar de lado todos os ruídos que serão empecilhos para uma boa

escuta.

165

* É necessário cuidar do lugar onde vai acontecer a entrevista para favorecer a tranqüilidade

externa e interna. É o tempo de desligar telefone e fazer o possível e necessário para que

ninguém o interrompa.

* Começada a entrevista precisa concentrar-se no acompanhado, nas suas manifestações e

experiências, desejos e sentimentos.

* Escutar não só o som das palavras, senão na eleição das palavras, o tom de voz, a

velocidade, as pausas, as paradas etc., também há que observar os gestos, vestimenta, enfim

toda a linguagem não verbal.

* É necessário prestar atenção nas expressões lógicas do interlocutor, mas também

compreender o que esta por traz, como sentimentos fortes, emoções positivas e negativas.

* Tentar sempre concentrar-se no tema e na experiência partilhada pelo acompanhante, sem

ficar fixos num tema anterior ou relacionado a esse.

* Deixar falar o jovem, sem interromper com opiniões apressadas ou perguntas.

* Se o outro faz uma pausa, não buscar palavras para preencher o espaço vazio. É necessário

respeitar os silêncios na conversa.

* Fazer só perguntas necessárias para esclarecer, aprofundar e continuar o diálogo.

* Diante da pergunta do outro, tentar devolver a pergunta, motivando a encontrar a resposta

nele mesmo.

* Deixar de lado a tentação de falar de experiências próprias, descrever um caso semelhante,

dogmatizar ou moralizar uma resposta.

* O que se fala surge do silêncio e da escuta e depois volta para a escuta. É necessário falar

quando o interlocutor quer escutar, quando a contribuição é indispensável, para reforçar o

dito, para garantir a compreensão do escutado e responder as perguntas que ele mesmo não

pode responder.

166

* Depois, a entrevista é muito importante avaliar as atitudes pessoais, sobretudo a capacidade

de escuta.

3.3.2. O Projeto de Vida: “Caminho Vocacional da Pastoral da Juventude”

A palavra projeto vem do latim “pro-iectus” que quer dizer “estar lançado a...”. A

pessoa humana precisa se projetar, lançar-se para crescer. Esse lançar-se exige da pessoa fazer

opções que influenciam na sua vida a curto, médio e longo prazo. Somente quando se vive

intensamente determinados ideais e valores, pode-se optar com decisão. A opção, a decisão é

sempre uma escolha entre duas ou mais alternativas e sempre se faz a partir de interesses,

motivações e utopias. A decisão demonstra de verdade as idéias e valores da pessoa. Por

exemplo, uma pessoa comprometida com a causa popular tem a capacidade de renunciar a

comodidades e benefícios pessoais em favor do bem comum. Esta capacidade de renunciar, de

optar, traslada-se a todos os âmbitos da vida e, sobretudo, na orientação fundamental da vida

das pessoas, no seus projetos de vida. No fundo, assumir um projeto de vida é tomar a vida na

próprias mãos em fidelidade aos valores e utopias pessoais. Uma pessoa pode construir seu

projeto de vida ao serviço do capital, ou do consumo, mas aqui estamos falando do projeto de

vida inspirado no projeto de Jesus, daqueles que querem ser fieis discípulos do mestre257.

No âmbito da Pastoral da Juventude Latino-americana se elaborou um instrumento

pedagógico de acompanhamento dos jovens para que estes possam construir seu projeto de

vida inspirado no projeto de Jesus. O projeto de vida, como instrumento pedagógico, também

tem seu fundamento antropológico e teológico258, o qual supõe uma postura de planejamento,

uma maneira de viver a própria vida e a fé. Como todo planejamento, desde o mais

257 Cf. PENENGO, Horacio. Discernir e realizar o projeto de vida. PJ a caminho. Porto Alegre, n. 87, p. 21-22, (março-abril) 2002. 258 Para aprofundar nos fundamentos antropológicos e teológicos pode ler: Projeto de vida... p. 97-100; TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Marcando História. Goiânia-São Paulo: CAJU-CCJ, 2005. p. 18-38; Penengo, Horacio. Ibidem., p. 23-31.

167

corriqueiro ao mais complexo, tem seu ponto de partida e de chegada e um caminho a ser

percorrido259.

A experiência da elaboração do projeto de vida não pode ser uma atividade mais na

vida da pessoa e muito menos um compromisso feito por obrigação. Este tem que ser fruto de

uma opção pessoal, livre e consciente da pessoa que se lança, que arrisca construir seu projeto

de vida no seguimento de Jesus. Para tomar uma decisão ciente temos que saber que este

percorrido supõe realizar uma análise global da realidade pessoal e social, visualizar e sonhar

o sentido amplo da vida em todas suas dimensões, e esquematizar um caminho a percorrer,

prevendo os recursos necessários para o mesmo.

O caminho pode parecer longo, mas será um caminho feito por etapas, com descansos,

celebrações, festas e com empenho pessoal. As etapas do caminho são basicamente as

mesmas e respondem a todo projeto, seja este um planejamento de processos pessoais ou

grupais260. As seguintes perguntas podem nos ajudar a visualizá-los de maneira sintética:

Onde estou e como estou? Para onde quero ir? Quais são os recursos com que posso contar?

Como vou alcançar as metas? O conteúdo das etapas muda de acordo com a pessoa, o

direcionamento e a etapa vivida pela pessoa.

Proposta prática de acompanhamento - Projeto Pessoal de Vida (PPV)

Vamos descrever a proposta da Caju261 com algumas modificações que consideramos

necessárias à luz do seguimento de Jesus como eixo da vida e missão da Pastoral da

Juventude. Este percurso está alicerçado em algumas decisões e passos prévios de parte do

jovem que em continuação colocamos: 259 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia; DICK, Hilário. Op. Cit., p. 14. 260 Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Marcando História. Op. Cit., p. 44. 261 O instituto de formação, assessoria e pesquisa sobre juventude, conhecido como “Casa da Juventude” ou “CAJU”, nos oferece um texto organizado por Carmem Lúcia Teixeira, onde aprofunda-se a realidade do Projeto de Vida. Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia (org.). Marcando História. Ibidem. Também a CAJU, no ano 2003, ofereceu-nos um instrumento simples e prático para elaborar o “Projeto Pessoal de Vida”. Cf. TEIXEIRA, Carmem Lúcia; RODRIGUES DA SILVA, Lourival. Projeto de Vida. Coleção Papo Jovem 1. Goiânia: CAJU, 2003. Este último material vamos descrever.

168

1. Em primeiro lugar tem que discernir se deseja investir tempo para organizar e elaborar

seu Projeto de Vida.

2. A elaboração do Projeto de Vida demora de um a três meses, e tem como referência os

próximos três anos de sua vida.

3. É importante marcar seu tempo para refletir, organizar e elaborar seu Projeto de Vida.

4. Busque um lugar tranqüilo e confortável para trabalhar cada exercício.

5. Coloque esse tempo nas mãos de Deus com uma música, uma oração, invocando a

presença do Espírito Santo.

Este instrumento pedagógico está organizado por exercícios práticos com perguntas,

tarefas e, ao final, algumas dicas para aprofundar e refletir à luz da palavra de Deus. Os

exercícios respondem a diferentes momentos e situações existenciais a partir de onde será

elaborado o PPV.

Primeiro exercício262

0. Minha situação de vida

É importante partir da descrição da realidade onde vivemos e desenvolvemos nossa vida:

* Quais são os principais acontecimentos de minha vida hoje nos âmbitos familiar,

comunitário, profissional, escolar, afetivo, pastoral etc.?

* Como vai minha vida de fé e de comunidade?

* Ler Mc 1,16-20 para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

262 Cada exercício pode levar vários encontros ou entrevistas com o acompanhado dependendo do tempo do jovem. É importante que cada exercício pensado e refletido possa ser concretizado com um resumo da realidade vivida por ele, sobretudo as dificuldades nessa situação existencial. Nos primeiros exercícios é necessário a paciência e o acompanhamento mais próximo pelas possíveis dificuldades que o jovem pode encontrar ao refletir sobre sua vida.

169

1. Compreendendo minha história

É importante olhar o caminho percorrido até aqui, e identificar as escolhas feitas e poder

vislumbrar as influências recebidas da família, da escola, do grupo, das pessoas. É necessário

retomar a nossa história, os acontecimentos da vida, sejam estes de alegria, dor, e reconciliá-la

com os acontecimentos, experiências, pessoas que influenciaram na nossa caminhada.

* Faça um levantamento breve do que você consegue lembrar de sua vida pessoal até o

momento (onde nasceu, o que estava acontecendo na história do Brasil e no mundo nesse

momento, quem são seus pais, irmãos etc. )

* Lembrar as principais decisões tomadas e acontecimentos da sua vida, alegres e tristes, em

relação à família, afetividade e sexualidade, escola, trabalho, Igreja, atuação pastoral,

participação social e cultural. Pode-se organizar o relato por faixa etária.

* Ler Is 49,15; Jr 1,5; Sal 139 (138) para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

170

2. Reconhecendo a minha realidade

* Descrever características pessoais percebidas por você mesmo (qualidade, capacidades,

atitudes, limites, defeitos).

* Após este trabalho pensar como os outros percebem você (qualidade, capacidades, atitudes,

limites, defeitos). Perguntar às pessoas mais próximas.

* Ler Mt 25,14-30; 1Cor 12-13 para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

Segundo exercício

3. Olhando a situação onde você mora

* Descrever a situação local onde você mora e destacar alguns aspectos da situação

econômica, social, cultural e religiosa.

* Descrever a situação do local onde trabalha e onde atua (pastoral, social, cultural).

* O que a sua realidade cotidiana exige de você?

* Partindo do fato que Deus chama desde a realidade de seu povo: a que Deus está chamando

você?

* Ler Ex 3,1-14; Mt 25,31-46 para aprofundar o refletido.

171

Realidade – dificuldades e experiências positivas

Terceiro exercício

4. Sonhando um mundo novo

* Que qualidade deve ter uma pessoa? Quais as condições para se realizar como gente? Quais

direitos precisam ser garantidos? Que projeto de humanidade você deseja ajudar a construir?

* Como você imagina a sociedade ideal? Como poderia ser a escola, a saúde, a moradia?

Como deve ser a relação com a natureza? Como poderiam ser as relações de gênero? Que

projeto de sociedade você sonha?

* Como Deus sonha a Igreja ideal? Quais as características dessa Igreja ideal?

* Ler Gn 42,4- 25; Lc 4,16-19; At 2,42-47 para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

172

5. Meu relacionamento com Deus

* Em que você acredita? Quem é Deus para você? Quem é Jesus para você? O que é o Reino

de Deus para você?

* Como é o relacionamento seu com Deus? Como são e como teriam que ser os momentos de

oração pessoal e comunitária?

* Ler Mt 6,5-15; Lc 10,38-42; Lc 15,11-32 para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

Quarto exercício

6. Revendo sua atuação

* O que lhe dá prazer nas coisas que realiza (trabalho, estudo, lazer, serviços pastorais,

culturais ou sociais)?

* De que forma você desenvolve estas atividades? Como gostaria de desenvolvê-las?

* Em quais atividades você gostaria de centrar suas energias?

* Ler algum texto Bíblico para aprofundar o refletido263.

263 A partir deste momento é bom que o jovem possa procurar o texto Bíblico para se familiarizar com a palavra. Casso não possa, pela sua realidade, o acompanhante poderá apresentar alguma proposta tentando sempre a autonomia e evitando a dependência.

173

Realidade – dificuldades e experiências positivas

Quinto exercício

7. Revendo a sua vida pessoal

* Como anda a relação com você mesmo?

* Como andam seus relacionamentos? O que você faz que aproxima ou afasta as pessoas?

* Construa uma rede de relações colocando-se ao centro: família, amigos, namoro, escola,

trabalho, lazer, Igreja, esporte, movimentos sociais.

* Que influências estas pessoas têm sobre você?

* O que deve mudar nessas relações?

* Ler algum texto Bíblico para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

174

Sexto exercício

8. Revendo a sua vida profissional e social

* Como você sente-se em relação ao que você faz profissionalmente?

* O que você tem feito para se capacitar profissionalmente?

* Com você tem garantido as questões básicas para a sobrevivência?

* Ler algum texto Bíblico para aprofundar o refletido.

Realidade – dificuldades e experiências positivas

9. Descobrindo a própria vocação

* Você se perguntou seriamente qual é sua vocação? Qual o chamado que Deus fez para

você?

* Olhando para tua comunidade: qual é o lugar onde você pensa que pode estar mais e melhor

a serviço de Deus e dos irmãos?

* Conhece e valoriza todas as vocações da Igreja (padre, religioso/a e leigo/a)? Por que você

poderia ser padre? Por que você poderia ser religioso/a? Por que você poderia ser leigo/a?

* Esta disponível a discernir seriamente tua vocação?

* Ler algum texto Bíblico para aprofundar o refletido.

175

Realidade – dificuldades e experiências positivas

Sétimo exercício

Assumindo algumas decisões264

Tópicos trabalhados Realidade

(dificuldade)

Prioridade

(objetivo)

Meios

1.Compreendendo

minha história

2.Reconhecendo a minha

realidade

3.Olhando a situação

onde você mora

4.Sonhando um mundo

novo

5.Meu relacionamento

com Deus

6.Revendo sua atuação

7.Revendo a sua vida

264 Este é o momento de assumir algumas decisões para que aconteçam as mudanças para o crescimento do jovem. Cada um dos trabalhos feitos e conversados nas entrevistas fechava com a descrição da realidade da pessoa nessa dimensão da vida. O trabalho do seguinte exercício é: transcrever a realidade de cada trabalho feito (sobretudo as dificuldades); elaborar uma prioridade ou objetivo para esse ano (tem que responder à realidade); e colocar meios concretos para fazer acontecer o objetivo.

176

pessoal

8.Revendo a sua vida

profissional e social

9.Descobrindo a própria

vocação

Data de avaliação – duas vezes por ano

Data de reformulação – uma vez por ano

Considerações finais

“... e foi seguindo Jesus pelo caminho”. Esta foi a reação do cego Bartimeu depois de

ser chamado pelos discípulos para encontrar-se com Jesus, e este curar sua cegueira. Jesus

abriu os olhos físicos e os do coração, da fé, os quais permitiram ao cego mendigo mudar

totalmente de vida. Como fomos colocando ao longo de todas estas páginas, abrir os olhos

para o verdadeiro discipulado é um processo que não acontece de um momento para outro,

leva seu tempo, precisa da caminhada e do acompanhamento de irmãos maiores na fé e na

vida.

Durante o desenvolvimento do terceiro capítulo esperamos ter respondido as perguntas

que nos fazíamos no começo do mesmo, por meio dos “Processos de Educação na Fé”, que

são um plano global de formação integral e processual; o desenvolvimento e aprofundamento

da questão do acompanhamento destes processos por meio dos assessores, especialmente.

Sem dúvida, poder-se-ia ter aprofundado outros aspectos do acompanhamento, mas

consideramos o serviço do acompanhamento pessoal do jovem, na ousadia de sonhar seu

projeto de vida, de vital importância para sua experiência de seguimento de Jesus e seu

crescimento integral. Acreditamos que a presença de assessores qualificados e preparados na

Pastoral da Juventude é uma fonte de água, um manancial necessário, para que os jovens

sejam de verdade protagonistas de suas próprias vidas e da construção de um mundo novo.

177

Estas duas questões desenvolvidas são propostas paradigmáticas para a ação pastoral

no meio da juventude, nas quais podem encaixar-se todas as outras propostas. Por isso,

consideramos de vital importância seu estudo, aprofundamento, mas, sobretudo, sua

colocação em prática. Agora, como vivenciar eles em cada contexto social e eclesial? Que

passos são necessários dar para que estas propostas aconteçam? São perguntas que ficam sem

resposta neste trabalho e que precisam ser encaradas por todos aqueles que amam os jovens e

se colocam a seu serviço.

Para terminar o terceiro capítulo, trabalhamos dois instrumentos práticos para o

acompanhamento pessoal dos jovens: a Entrevista Pessoal e o Projeto Pessoal de Vida. É a

colocação em prática da entrevista pessoal, ajudando os jovens na elaboração do Projeto

Pessoal de Vida, que pode ajudar a melhorar, adaptar e modificar estes instrumentos. Tomara

que estes temas estudados possam ajudar os jovens, principalmente, e aqueles que os

acompanham, a seguir com generosidade e radicalidade o Mestre pelo caminho.

178

Conclusões Gerais

Na introdução geral colocávamos como desafio fazer um estudo teológico pastoral, a

fim de propor caminhos, princípios e propostas que possam fortalecer a Pastoral da

Juventude visando a promoção da vida dos jovens. Este estudo foi perpassado pela

experiência do seguimento de Jesus, a partir da reflexão do encontro de Jesus e do cego

Bartimeu.

No primeiro capítulo fizemos o esforço de “apertar o passo” para estar ao lado dos

jovens e poder conhecer melhor o que está acontecendo nas suas vidas. Do encontro com a

realidade percebemos que estamos chamados a procurar uma nova síntese existencial, teórica

e prática, onde o racional, as emoções tenham seu lugar, onde o movimento pela justiça social

e o movimento pela auto-realização possam se encontrar, fazendo surgir o homem novo e a

mulher nova.

Além dessa proposta integral de síntese, em cada ponto da análise da realidade, fomos

realizando, de maneira rápida, propostas de ações concretas para o trabalho com a juventude.

Estas propostas de ação foram caracterizadas como educativas, formativas, comunitárias,

teológicas espirituais, comportamentais e político-estruturais. Por outro lado, ainda no

primeiro capítulo, a abordagem cultural e o tema das criações culturais por parte da juventude

nos chamaram a atenção para a criatividade e potencialidade que há no seio da juventude

como uma energia transformadora que nem sempre é tida em conta e está esperando ser

aproveitada para o bem da juventude mesma, da Igreja e da sociedade. Estes elementos

positivos na vida dos jovens, como também suas capacidades pessoais, podem ser caminhos

concretos por onde entrar e encarar um processo gradual de formação integral.

Depois de olhar a realidade, e nos defrontar com a crise que esta muitas vezes provoca

nos jovens, já no segundo momento da metodologia iluminou-se a realidade à luz da

179

experiência do Seguimento de Jesus, a qual é portadora de identidade cristã e fonte de

processos de crescimento integrais naqueles que com coragem seguem o mestre pelo

caminho. Esta experiência do seguimento, como toda experiência humana e espiritual, é

gradual e vai passando por diferentes estágios de amadurecimento. Por isso, é necessário

nestes tempos apresentar aos jovens, de uma maneira nova e progressiva, a pessoa, missão e

mistério de Jesus desde o primeiro contato e aproximação destes com a comunidade ou o

grupo de jovem. Esta apresentação de Jesus, não adocicada, deve ir acompanhada da

percepção dos elementos de contradição da proposta de Jesus com alguns traços da cultura

atual. Caso contrário, os jovens podem passar pelas comunidades ou pelos grupos de jovens

tendo escutado só superficialmente falar de Jesus e sua proposta de vida.

Para aprofundar ainda mais nesta proposta do seguimento, contemplamos a experiência

“paradigmática” do cego Bartimeu que recebeu o convite por parte dos discípulos para ir ao

encontro do mestre. Ao longo do estudo do contexto e da perícope mesma fomos confirmando

e descobrindo alguns princípios teológicos, pastorais, espirituais e pedagógicos que podem

orientar a vida e missão da Pastoral da Juventude, no desafio de evangelizar a juventude.

Dentre deles destacamos:

O seguimento de Jesus nasce da iniciativa do amor gratuito do pai que nos chama pelo

nome, para ser instrumentos da instauração do seu projeto, o Reino.

No centro da experiência do seguimento devem estar a pessoa, missão e mistério de

Jesus e a realidade do outro, do pobre, daquele que tem a vida enfraquecida.

O primeiro passo para a maturidade no caminho do seguimento é a recuperação da

dignidade, a auto-estima e a confiança nas próprias capacidades e potencialidades.

Partindo das contradições das propostas e os valores da sociedade com as propostas e

os valores do evangelho o seguimento de Jesus exige um processo de mudança, de

conversão.

180

Uma formação e acompanhamento graduais e progressivos, que tenham em conta os

processos de crescimento os jovens, apresenta-se como mediações necessárias para

que o jovem possa elaborar seu Projeto de Vida.

As pessoas que assumem esse serviço de formação e acompanhamento estão

chamadas a cultivar a escuta dos gritos dos jovens, as suas necessidades, para não

responder a perguntas que não foram feitas, para não providenciar soluções para

problemas que não existem.

O trabalho com a juventude, para que seja evangelizador, é chamado a ser uma tarefa

eclesial de toda a comunidade. Disso deriva-se a necessidade de um trabalho em

conjunto e em equipe de todos aqueles que amam a juventude e estão a seu serviço.

É no seguimento de Jesus que vivemos a experiência de mergulharmos no mistério do

amor divino, no mistério trinitário, que nos leva a acolher o chamado que o mesmo Deus faz a

todos os batizados, o chamado à santidade. Este convite, realizado ao coração de cada jovem,

a viver a santidade no seguimento de Jesus, acontece de maneira situada no contexto e na vida

dele. Esta constatação colocou-nos diante de alguns traços concretos da vivência do

seguimento próprios do mundo vital da juventude e do contexto cultural, que transforma as

relações do jovem com ele mesmo, com Deus, com os irmãos, canalizando essas mudanças na

sua vida na elaboração do projeto de vida. Esta maneira própria de viver a fé e o seguimento

transforma-se numa contribuição para a Igreja e para a sociedade. Desta maneira, a juventude

no só é uma realidade sociológica ou cultural, é uma realidade teológica, um lugar teológico,

de onde Deus fala para seu povo265. Por isso estamos chamados a escutar e perceber a

presença de Deus nas intuições, criações culturais, buscas, lutas e anseios da juventude.

265 Evangelização da Juventude 73-75.

181

Já no terceiro capítulo, ainda insatisfeitos com essa diversidade de propostas feitas com

capítulos anteriores, nos perguntamos: como encaixar todas essas propostas de ação num

plano global de formação integral para os jovens? Como garantir a dimensão processual de

todo processo de formação que visa o seguimento de Jesus? Como acompanhar esse plano

global de formação integral e processual? Que método, que caminho, que pedagogia temos

que usar, que tipo de relação temos que estabelecer com os jovens?

Tentando responder a estas perguntas desenvolvemos duas das cinco opções

pedagógicas da Pastoral da Juventude: “Os Processos de Educação na Fé” e

“Acompanhamento e Assessoria”. A primeira tarefa, em ambos os casos, foi apresentá-los

para depois procurar perpassá-los explicitamente pela experiência do seguimento de Jesus.

Acreditamos que estas duas questões desenvolvidas, podem ser “propostas paradigmáticas”

para a ação pastoral no meio da juventude, nas quais podem encaixar todas as outras

propostas, sempre e quando sejam levadas à vida dos jovens e dos grupos de jovens. Por isso,

consideramos de vital importância seu estudo, aprofundamento, mas, sobretudo, sua

colocação em prática. Para essa prática, apresentamos, também, dois instrumentos práticos

que podem ajudar na tarefa do acompanhamento: a “Entrevista Pessoal” e o “Projeto Pessoal

de Vida”.

Mas além das propostas desenvolvidas, provocados pela realidade e a experiência do

seguimento, pensamos que existem muitos caminhos de ação que podem ser percorridos e

trabalhados na evangelização da juventude. Entre eles podemos mencionar os seguintes:

novas experiências solidárias; cultivo das produções e expressões culturais juvenis;

experiências novas de encontro e amadurecimento no seguimento de Jesus; desenvolvimento

de uma espiritualidade encarnada juvenil. Estas propostas e outras mais poderiam ter sido

desenvolvidas, mas por questões de espaço e pela natureza do trabalho nos contentamos em só

fazer menção delas.

182

As características da juventude atual exigem de nós que recriemos experiências

solidárias satisfatórias, que ajudem ao jovem a conhecer-se e descobrir-se com novos talentos

e capacidades. Estas, fundamentalmente na primeira etapa do processo, precisam ser curtas,

voltadas ao processo do jovem e acompanhadas. O jovem precisa, neste momento do

engajamento, de ser acolhido e introduzido na experiência do serviço, no trabalho em equipe e

na responsabilidade. Por isso devem ser cuidadosamente preparados por aqueles que os

acompanham. Ao longo do processo o centro necessita ir mudando, passando de ser o jovem

o centro a ser aquele que sofre e é assistido. Na atualidade existem muitas iniciativas como os

estágios pastorais da Crisma, visitas a asilos e creches, pastorais sociais etc.

Um elementos importante da vida dos jovens é o cultivo das produções e expressões

culturais juvenis. Em nossos bairros existem jovens com talentos escondidos ou pouco

divulgados. A pastoral da juventude pode ser um espaço propicio para que essas expressões

sejam valorizadas, promovidas e ao mesmo tempo evangelizadas purificando-as de elementos

contrários ao projeto do Reino. O analise das culturas juvenis e das tribos urbanas no primeiro

capitulo nos podem dar alguns elementos para a aproximação e engajamento da pastoral da

juventude no mundo juvenil, que cada vez pode ficar mais longe da vida da Igreja si não é

assumido. Como já colocamos em outro momento, as novas experiências solidárias e as

expressões culturais juvenis podem chegar a ser janelas pela qual começar um processo de

crescimento integral e de seguimento de Jesus Cristo.

Esse caminho começado por muitos jovens nos leva a procurar experiências novas de

encontro e amadurecimento no seguimento de Jesus. Estas também teriam que integrar o

mundo da razão e das emoções, a procura da auto-realização e da instauração da justiça. Estas

novas propostas poderiam ser diversificadas em tempos e modos, na sua sistematização e

periodicidade. Mas sempre tendo em conta o grande desafio neste campo, que é propor uma

183

espiritualidade encarnada e inculturada no mundo juvenil, com traços próprios e

questionadores das culturas juvenis.

Conscientes que todo o caminho feito, onde sugerimos “alguns princípios e propostas

atuais para o Seguimento de Jesus” no seio da Pastoral da Juventude, é um ponto de partida e

o inicio de nossa reflexão queremos terminar fazendo nossas as palavras de Dom Pedro

Casaldáliga, que anima e encoraja os jovens a seguir o Mestre e Amigo Jesus, o qual pode dar

sentido a suas vidas e encher seus corações de força e sabedoria para a construção de seus

projetos de vida.

Jovens,

façam de sua juventude a ocasião decisiva

para definir sua vida.

Como opção pelo Reino,

no seguimento de Jesus.

Sejam radicais,

Alegres,

Servidores.

Vivam a comunidade.

Vivam a cidadania.

Vivam a família.

Não brinquem com os pobres,

Não brinquem com o amor,

Não brinquem com a política.

Não brinquem com o evangelho.

Sejam páscoa na Páscoa!

184

n’Ele, juventude aquele abraço.

D. Pedro Casaldáliga

185

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PERFIL DA JUVENTUDE BRASILEIRA. Projeto Juventude/Instituto Cidadania, com a parceria do Instituto de Hospitalidade e do Sebrae. Foi realizada sob a responsabilidade técnica da Criterium Assessoria em Pesquisas, retomando e ampliando temas e questões investigados em outubro de 1999 pelo Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo. Trata-se de uma estudo quantitativo, realizado em áreas urbanas e rurais de todo o território nacional, junto a jovens de 15 a 24 anos, de ambos os sexos e de todos os segmentos sociais. Os dados foram colhidos em novembro e dezembro de 2003. Disponível em:http://www.projetojuventude.org.br/novo/assets/perfil_juventude_brasileira.ppt#405,59,Slide 59. Acesso em: 12 de agosto de 2006, 11:00 hs.

O DOSSIÊ UNIVERSO JOVEM 3. Entrevistou-se 2.359 adolescentes, de 15 a 30 anos, das classes A, B e C das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Porto Alegre. O trabalho revela como anda a relação dos jovens com o sexo, drogas, beleza e tecnologia da comunicação. Foi publicado na “Folha de São Paulo” no dia 23 de maio de 2005. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd230505c.htm. Acesso em: 20 de agosto de 2006, 11:00 hs.

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