um dos grandes desafios do homem na atualidade é o

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ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA O USO DA FORÇA: a utilização das algemas pelo aparato policial conforme a Súmula Vinculante n. 11 do Supremo Tribunal Federal Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Orientador: Prof. Lásaro Moreira da Silva BRASÍLIA – DF 2009

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  • ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA

    O USO DA FORA: a utilizao das algemas pelo aparato policial

    conforme a Smula Vinculante n. 11 do Supremo Tribunal Federal

    Monografia apresentada como requisito para concluso do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitrio de Braslia (UniCeub).

    Orientador: Prof. Lsaro Moreira da Silva

    BRASLIA DF

    2009

  • O nico privilgio do Supremo errar por ltimo.

    Nlson Hungria

  • Dedico este trabalho aos meus pais, aos meus irmos e minha filha, pessoas do bem e que tm f em Deus. Dedico ainda a todos os professores e alunos do UniCEUB, os quais labutam por um mundo melhor.

  • Agradeo em primeiro lugar a Deus, ao nosso senhor Jesus Cristo, por tudo nesta vida. Agradeo a toda minha famlia pelos momentos felizes e pela paz que me proporcionam. Agradeo ao meu orientador Lsaro Moreira da Silva pelas constantes orientaes, as quais foram de grande valia, para a concluso deste trabalho. Agradeo a todos os professores e companheiros de sala do UniCEUB pelo convvio harmonioso e salutar.

  • SUMRIO

    INTRODUO ......................................................................................................................09

    1 CONTEXTO LEGAL DO USO DA FORA ...................................................................11

    1.1 O uso da fora na perspectiva do plano internacional ..............................................12

    1.2 Legislaes nacionais relacionadas aos usos da fora e das algemas....................... 14

    1.3 O uso progressivo da fora...........................................................................................21

    1.4 A polcia no exerccio do poder de polcia .................................................................. 24

    1.5 A trplice responsabilidade resultante do uso indevido da fora e das algemas .....27

    2 A SMULA VINCULANTE N. 11 DO SUPREMO E A SEGURANA PBLICA ...30

    2.1 Circunstncias que envolvem a edio de uma Smula Vinculante ........................31

    2.2 Principais crticas existncia da Smula Vinculante n. 11...................................... 34

    2.3 Argumentos favorveis Smula Vinculante n. 11.................................................... 45

    2.4 Decises adeptas ao uso de algemas aps a vigncia da Smula Vinculante n. 11..47

    2.5 Tragdias e outros problemas que envolvem o uso e o no uso das algemas...........48

    2.6 O uso da fora e das algemas por rgos ligados Segurana Pblica...................53

    3 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS .............................................................56

    3.1 Anlise dos dados referente s entrevistas...................................................................57

    CONCLUSO.........................................................................................................................61

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................68

    APNDICE.............................................................................................................................. 73

    Apndice A Entrevista com membro do Departamento de Polcia Federal................... 74

    Apndice B Entrevista com membro da Polcia Civil do Distrito Federal..................... 78

    Apndice C Entrevista com membro do Tribunal Regional Federal..............................81

    Apndice D Entrevista com membro do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Ter-

    ritrios......................................................................................................................................83

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 Nveis do uso progressivo da fora ................................................................... 23

    FIGURA 2 PMs abusam de poder........................................................................................ 49

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    art. Artigo

    CBMDF Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal

    CC Cdigo Civil

    CF Constituio Federal

    CP Cdigo Penal

    CPM Cdigo Penal Militar

    CPP Cdigo de Processo Penal

    CPPM Cdigo de Processo Penal Militar

    DF Distrito Federal

    DPF Departamento de Polcia Federal

    DPRF Departamento de Polcia Rodoviria Federal

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    HC Habeas Corpus

    LEP Lei de Execues Penais

    MPDFT Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios

    n. Nmero

    p. Pgina

    PCDF Polcia Civil do Distrito Federal

    PMDF Polcia Militar do Distrito Federal

    RDEx Regulamento Disciplinar do Exrcito

    RHC Recurso em Habeas Corpus

    SSP Secretaria de Segurana Pblica

    TRF Tribunal Regional Federal

  • RESUMO A presente monografia teve por objeto de estudo, o uso da fora e das algemas pelo aparato policial, conforme a Smula Vinculante n. 11 do Supremo Tribunal Federal (STF). A importncia desse tema se deve a insegurana proporcionada por esse verbete sumular ao estabelecer discutidas condies para o agente ou autoridade, alm de, ter que justificar por escrito, o uso das algemas. Destarte, buscou-se analisar os seguintes problemas: a) a Smula Vinculante n. 11 do STF formal e materialmente constitucional? b) essa Smula resolve a carncia de Decreto Federal para regulamentar a utilizao das algemas? c) esse verbete sumular trouxe melhorias para quem prende e para quem preso? Nesse sentido, chegou-se a seguinte constatao, dentre outras: a) a Smula Vinculante n. 11 do Pretrio Excelso formalmente inconstitucional, tendo em vista que inovou no ordenamento jurdico ao criar uma obrigao que no existia ao tempo de sua edio e que tambm no de sua competncia. Segundo o art. 22, I da CF, compete privativamente Unio legislar sobre direito penal, processual, etc. Portanto, houve violao ao princpio constitucional da separao dos poderes; b) esse verbete sumular no resolveu a ausncia de Decreto Federal para regulamentar a utilizao das algemas, conforme o previsto no art. 199 da Lei n. 7.210/84, por ser vaga e subjetiva; c) a referida Smula trouxe melhorias como aspecto pedaggico para quem prende e permite para o preso, permanecer sem algemas, quando no tiverem presentes as condies desse verbete sumular. Palavras-chave: smula; algemas; inconstitucional

  • INTRODUO

    Esta monografia tem por objeto de estudo, o uso da fora e das algemas pelo

    aparato policial, conforme a Smula Vinculante n. 11 do STF. A importncia desse tema est

    relacionada contribuio que pode oferecer aos policiais de uma forma geral e sociedade

    como um todo.

    A smula vinculante n. 11 do STF dispe no seu texto, as condies para o uso

    das algemas, a responsabilidade a que esto sujeitos o agente ou autoridade, a nulidade da

    priso ou do ato processual, no caso de desobedincia dos requisitos previstos, entre outros.

    Com isso, surgem os seguintes problemas: a) a Smula Vinculante n. 11 do

    Pretrio Excelso formal e materialmente constitucional? b) esse verbete sumular resolve a

    ausncia de Decreto Federal para regulamentar a utilizao das algemas, conforme o contido

    no art. 199 da Lei n. 7.210/84, ou seja, na LEP? c) a referida Smula trouxe melhorias para

    quem prende e para quem preso?

    Os nominados problemas transformaram-se nos objetivos dessa pesquisa para que

    possam ser esclarecidos. Em sendo assim, pretende-se utilizar o mtodo de pesquisa

    dogmtico-instrumental na perspectiva dedutiva, no intuito de que possam ser estudados

    diversos conceitos doutrinrios e jurisprudenciais acerca do tema.

    Pretende-se tambm, realizar uma pesquisa qualitativa com investigao

    exploratria por meio de bibliografias, documentos e entrevistas. Com relao pesquisa

    bibliogrfica, sero coletadas informaes em livros, revistas, artigos, internet e outras

    referncias bibliogrficas que possibilitem esclarecer os problemas surgidos.

    No que concerne pesquisa documental, almeja-se realizar diligncias em

    diversos rgos pblicos com o intuito de subsidiar os resultados da pesquisa. Para isso, as

    decises do STF, sero de grande valia para verificar o entendimento mais atualizado a

    respeito do assunto.

    Com relao s entrevistas, sero coletadas informaes com autoridades que

    possam contribuir de alguma forma para o seguimento da pesquisa. Nesse contexto, sero

    realizadas entrevistas com Membros do Departamento de Polcia Federal (DPF), da Polcia

    Civil do Distrito Federal (PCDF), do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios

    (MPDFT) e do Tribunal Regional Federal (TRF).

    Portanto no primeiro captulo, sero abordados assuntos: o uso da fora na

    perspectiva do plano internacional; legislaes nacionais relacionadas aos usos da fora e das

  • 10

    algemas; o uso progressivo da fora; a polcia no exerccio do poder de polcia e; a trplice

    responsabilidade resultante do uso indevido da fora e das algemas.

    J no segundo captulo, sero estudados os seguintes assuntos: circunstncias que

    envolvem a edio de uma Smula Vinculante; principais crticas existncia da Smula

    Vinculante n. 11; argumentos favorveis Smula Vinculante n. 11; Decises adeptas ao uso

    de algemas aps a vigncia da Smula Vinculante n. 11; Tragdias e outros problemas que

    envolvem o uso e o no uso das algemas e; o uso da fora e das algemas por rgos ligados

    segurana pblica.

    Com relao ao terceiro captulo, sero analisados e interpretados os dados

    referente s entrevistas. Nesse captulo, as entrevistas sero correlacionadas com a pesquisa

    bibliogrfica e documental no intuito de que se possa realizar uma concluso mais apurada.

  • 1 CONTEXTO LEGAL DO USO DA FORA

    O uso da fora no cenrio mundial tem sido palco de discusses todas as vezes

    que ela empregada, em tese, pela defesa da soberania de um pas, ou mesmo, quando

    utilizada com interesses diversos e por iniciativa de uma pessoa qualquer.

    No Brasil no diferente, pois a todo o momento ela questionada

    principalmente quando a utilizam de forma indevida, isto , fora da legalidade. No que diz

    respeito aos direitos humanos, existem uma srie de legislaes internacionais que iro

    direcionar os pases signatrios a proteger e preservar, principalmente, a dignidade da pessoa

    humana.

    Com o surgimento da Organizao das Naes Unidas (ONU) em meados de

    1945, os direitos humanos passaram a ser mais fiscalizados e consagrados nas mais diversas

    legislaes que determinam o cumprimento por parte de todos os Estados-membros, aqui

    includo o Estado Brasileiro.

    No plano interno, observa-se tambm que existem vrias legislaes que tratam

    dos direitos humanos e, por conseqncia, do uso da fora. A comear pela Constituio

    Federal da Repblica Federativa do Brasil (CF), que traz uma srie de enunciados e princpios

    dispostos a assegurar direitos e deveres para o seu povo.

    Essa Constituio visa, ainda, servir de parmetro para que os Poderes Executivo,

    Legislativo e Judicirio possam de forma harmnica e independente, estabelecer regras que

    permitam uma convivncia salutar e pacfica dentro de um cenrio de Estado Democrtico de

    Direito.

    Nesse sentido, as normas e condutas existentes sobre o uso da fora necessitam de

    obedincia aos direitos e garantais individuais e coletivos previstos na Carta Magna, sob pena

    de se tornarem invlidos ou nulos, na sua origem, para o ordenamento jurdico.

    Sendo assim, a utilizao das algemas aliadas ao uso progressivo da fora obriga

    sua insero no conceito e nos limites do poder de polcia como algo que d legitimidade a

    ao dos rgos responsveis por usar tais recursos.

    Os policiais como agentes do Estado tero necessariamente que servir a

    coletividade e prestar o seu servio de maneira que todos possam usufruir de seus direitos

    constitucionais, sem que estes sejam molestados ou violados por qualquer pessoa ou entidade.

    A Manuteno da Ordem Pblica deve ser cumprida, primeiramente, por quem

    tem o dever de preserv-la. O estrito cumprimento do dever legal no pode ser invocado ao

  • 12

    arrepio da Lei para se cometer excessos. Essa como qualquer outra excludente de ilicitude,

    deve ser exercida para se fazer justia, conforme estabelecido pelo Cdigo Penal Brasileiro

    vigente no Pas.

    1.1 O uso da fora na perspectiva do plano internacional

    A ONU como rgo promotor da paz e de proteo dos direitos humanos,

    estabeleceu diversas legislaes e normas de conduta para que todos os seus Estados-

    Membros possam solucionar seus conflitos, sejam eles no plano externo ou interno,

    promovendo assim, o bem-estar social.

    Como exemplo, foi promulgada em 1948 a Declarao Universal dos Direitos

    Humanos, a qual o Brasil aderiu desde a sua proclamao. Nela, h dispositivos importantes,

    conforme Mazzuoli (2006, p. 554): art. V Ningum ser submetido tortura, nem a

    tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante; [...] art. IX Ningum ser

    arbitrariamente preso, detido ou exilado.

    Sobre as Regras Mnimas para o Tratamento dos Reclusos, resoluo da ONU

    adotada em 30 de agosto de 1955, Kuehne (2005, p. 595-600) descreve o que constam nos

    nmeros 33 e 34, in verbis:

    33. Os meios de coero, como algemas, correntes, grilhes e camisas-de-fora, nunca devero ser aplicados como sanes. Tampouco devero empregar-se correntes e grilhes como meios de coero. Os outros meios de coero, isto , algemas e camisas-de-fora, s podero ser utilizados nos seguintes casos: a) como medida de precauo contra fuga durante uma transferncia, devendo ser retirados quando o recluso comparecer perante uma autoridade judicial ou administrativa; b) por motivos de sade, segundo indicao do mdico; c) por ordem do Diretor, se os demais meios de dominar o recluso tiverem fracassado, com o objetivo de impedir que este cause danos a si mesmo ou a terceiros, ou produza danos materiais; nestes casos, o Diretor dever consultar urgentemente o mdico e informar a autoridade administrativa superior. 34. O modelo e os mtodos de emprego autorizados dos meios de coero sero determinados pela administrao penitenciria central. Sua aplicao no dever prolongar-se alm do tempo estritamente necessrio.

    O Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Polticos e o Pacto Internacional dos

    Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, tambm influenciaram de forma

    considervel na consolidao dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Piovesan (2002, p.

    167-180) relata que:

    Os principais direitos e liberdades cobertos pelo Pacto dos Direitos Civis e Polticos so: o direito vida; o direito de no ser submetido a tortura ou a

  • 13

    tratamentos cruis, desumanos ou degradantes; [...] a no ser sujeito a priso ou deteno arbitrrias [...]. Tal como o Pacto de Direito Internacional dos Direitos Civis e Polticos, o maior objetivo do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais foi incorporar os dispositivos da Declarao Universal sob forma de preceitos juridicamente obrigatrios e vinculantes. Enquanto o Pacto dos Direitos Civis e Polticos estabelece direitos endereados aos indivduos, o Pacto dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais estabelece deveres endereados aos Estados. Enquanto o primeiro pacto determina que Todos tm direito a... ou ningum poder..., o segundo Pacto usa a frmula os Estados-partes reconhecem o direito de cada um a [...].

    Outro exemplo a ser mencionado, diz respeito Conveno Americana de

    Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San Jos da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992.

    O seu artigo 5 descreve, de acordo com Mazzuoli (2006, p. 737), que: 1. Toda pessoa tem

    direito que se respeite a sua integridade fsica, psquica e moral [...].

    Nota-se que ONU tem um papel de destaque no cenrio mundial e de fundamental

    importncia na soluo de controvrsias e na garantia da paz. Prova disso, so as diversas

    legislaes existentes em torno dos direitos humanos. Nesse sentido, Pedroso (2004, p. 1)

    afirma que:

    A Organizao das Naes Unidas consciente de que a polcia como rgo de gerenciamento e aplicao da lei em defesa da ordem pblica influencia sobremaneira a qualidade de vida dos indivduos em sociedade, estabeleceu a partir de trs resolues um rol de princpios a serem seguidos pelas corporaes policiais em todo mundo. Trata-se de trs resolues internacionais aprovadas pela Assemblia Geral. So elas: O Cdigo de Conduta para os Funcionrios Responsveis pela Aplicao da Lei (Resoluo 34/169 de 17 de dezembro de 1979); os Princpios Orientadores para a Aplicao Efetiva do Cdigo de Conduta para os Funcionrios (Resoluo 1989/61 de maio de 1989, do Conselho Econmico e Social) e os Princpios Bsicos sobre a Utilizao da Fora e de Armas de Fogo pelos Funcionrios Responsveis pela Aplicao da Lei (Resoluo 45/166, de 18 de dezembro de 1990).

    Essas resolues esto fundamentadas principalmente no respeito dignidade da

    pessoa humana. Assim, recomendam que os governos adotem medidas para que promovam a

    educao, seleo e formao dos policiais encarregados pela aplicao da lei. Informam

    ainda que os responsveis pela aplicao da lei devem recorrer aos procedimentos no

    violentos antes do uso das armas de fogo (PEDROSO, 2004, p. 1-2).

    Ainda existem diversas outras legislaes criadas pela ONU que possuem notvel

    importncia no cenrio internacional e que foram ratificadas pelo Brasil. Vale ressaltar a que

    diz respeito sobre a tortura, segundo Piovesan (2002, p. 202):

  • 14

    Outra conveno a merecer destaque a Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela ONU em 28 de setembro 1984 [...]. Considerando que um crime que viola o Direito Internacional, a Conveno estabelece a jurisdio compulsria e universal para os indivduos suspeitos de sua prtica (arts. 5 a 8). Compulsria porque obriga os Estados-partes a punir os torturadores, independentemente do territrio onde a violao tenha ocorrido e da nacionalidade do violador e da vtima. Universal porque o Estado-parte onde se encontre o suspeito dever process-lo ou extradit-lo para outro Estado-parte que o solicite e tenha direito de faz-lo, independentemente de acordo prvio bilateral sobre extradio.

    Enfim, os usos da fora e das algemas devero estar sempre relacionados aos

    princpios e legislaes da ONU, tendo em vista que o Brasil segue o padro dessa

    Organizao Internacional, por ser um dos Estados-membros tambm promotor da paz e dos

    direitos humanos.

    1.2 Legislaes nacionais relacionadas ao uso da fora e das algemas

    A utilizao da fora e das algemas no contexto atual tem sido palco de discusses

    calorosas envolvendo os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio. Tanto que

    recentemente foram criadas legislaes no sentido de que a dignidade da pessoa humana e por

    conseqncia os direitos humanos sejam respeitados na sua totalidade.

    Para que haja uma melhor compreenso sobre o assunto, necessrio se faz

    entender sobre as peculiaridades e o significado das algemas. Capez (2009, p. 257) ensina que

    algema uma palavra originria do idioma arbico, aljamaa, que significa pulseira.

    Nesse sentido, Herbella (2008, p. 22) leciona: Em ingls usa-se o termo

    handcuffs para as algemas e leg Irons ou leg cuffs para as peas destinadas a jungir os

    tornozelos de presos.

    No que se refere ao mbito nacional, o prprio Texto Constitucional, j cita a

    dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrtico de Direito.

    Desse modo, sobre a dignidade da pessoa humana, Mendes (2009, p. 172) ensina que [...]

    um dos princpios desde logo considerado de valor pr-constituinte e de hierarquia

    supraconstitucional em que se fundamenta a Repblica Federativa do Brasil [...].

    Quando for empregado o uso legal da fora por qualquer pessoa, deve ser

    observado o contido no art. 5, inciso III da CF, segundo Nucci (2009, p. 51): ningum ser

  • 15

    submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. A respeito disso, Piovesan e

    Salla (2001, p. 31) relatam que:

    A constituio de 1988, marco jurdico da transio democrtica e da institucionalizao dos direitos humanos no pas, foi a primeira a consagrar a tortura como crime. Ela define tal crime como inafianvel e insuscetvel de graa ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-lo, se omitirem (artigo 5, XLIII). Em 1997, foi aprovada a lei n 9.455, que tipifica o crime de tortura (como tipo penal autnomo e especfico). At ento, a prtica era punida como leso corporal ou constrangimento ilegal, em flagrante afronta aos comandos constitucionais e internacionais. A lei n 9.455/97 prescreve que crime de tortura: I. Constranger algum com emprego de violncia ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico ou mental [...] II. Submeter algum, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violncia ou grave ameaa, a intenso sofrimento fsico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo (artigo 1).

    Percebe-se desta forma, que nenhum policial deve alegar desconhecimento dessa e

    de outras legislaes que versam diretamente sobre direitos humanos, sob pena de ter que

    responder sobre toda e qualquer violao. Piovesan e Salla (2001, p. 32) relatam ainda que:

    Apesar de todas as interdies legais, no plano nacional e internacional, so diversas as circunstncias em que se pode constatar a prtica de tortura e dos maus-tratos no cenrio brasileiro. [...] negros e jovens, moradores da periferia, continuam sendo alvos constantes de abordagens policiais envolvendo agresses fsicas e humilhaes. Mas o maior conjunto de prticas de tortura se d quando cidados esto sob a custdia do Estado, em delegacias, cadeias e presdios. A tortura um recurso constantemente usado por policiais para obter informaes sobre crimes. Com freqncia, pessoas detidas, em flagrante ou no, so torturadas para dar informaes sobre como ocorreu ou foi planejado o crime, para apurar esconderijos ou denunciar outras pessoas envolvidas etc.

    No intuito de seguir os preceitos da ONU, no dia 11 de novembro de 1994, foi

    criada a Resoluo 14 do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP),

    rgo esse vinculado poca ao Ministrio da Justia da Repblica Federativa do Brasil, que

    fixou as Regras Mnimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

    Nessa resoluo, existe dispositivo que versa como devem ser utilizadas as

    algemas nos presos, conforme relata Kuehne (2005, p. 622), in verbis:

    Art. 29. Os meios de coero, tais como algemas, e camisas-de-fora, s podero ser utilizados nos seguintes casos: I - como medida de precauo contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audincia perante a autoridade judiciria ou administrativa; II - por motivo de sade, segundo recomendao mdica; III

  • 16

    em circunstncias excepcionais, quando for indispensvel utiliz-los em razo de perigo iminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.

    A Carta Magna descreve no inciso LXI do artigo 5, segundo Poletti (2009, p. 72)

    que: ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de

    autoridade judiciria competente, salvo nos casos de transgresso militar ou crime

    propriamente militar, definidos em lei.

    Assim, nota-se que existe todo um arcabouo jurdico constitucional protegendo

    os direitos individuais e coletivos das pessoas, sempre com enfoque da prevalncia dos

    direitos humanos.

    Nesse contexto, os agentes e autoridades responsveis por aplicar a lei, quando

    utilizarem as algemas para prender qualquer pessoa, tero que observar primeiramente a

    legalidade do ato, uma vez que a priso uma exceo a regra de liberdade, sob pena dessa

    priso ser relaxada. Sobre a priso, Ventura (1980, p. 158) ensina que:

    A palavra priso vem do latim prensione, e esta de prehensione e que significa o ato de prender, a captura. Deu no espanhol prision, no italiano prigione, no ingls prison, etc. Por metonmia, passou a significar, tambm: a) o lugar ou estabelecimento em que algum fica segregado; b) o recolhimento do preso ao crcere; c) a guarda, a mantena da pessoa, na situao de preso aps a captura e recolhimento.

    No que diz respeito ao conceito de priso, Capez (2009, p. 251) entende que:

    a privao de liberdade de locomoo determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito. Alm das hipteses de flagrante delito e ordem escrita e fundamentada do juiz, consubstanciada em um documento denominado mandado (CF, art. 5, LXI), a Constituio Federal permite a constrio da liberdade nos seguintes casos: (a) crime militar prprio, assim definido em lei, ou infrao disciplinar militar (CF, art 5, LXI); (b) em perodo de exceo, ou seja, durante o estado de stio (CF, art. 139, II). Alm disso, a recaptura do ru evadido no depende de prvia ordem judicial e poder ser efetuada por qualquer pessoa (CPP, art. 684). Neste ltimo caso, pressupe-se que o sujeito esteja regularmente preso (por flagrante ou ordem escrita de juiz) e fuja.

    J com relao priso-pena e priso sem pena, Tourinho Filho (2009, p. 417)

    leciona que:

    Ao lado da priso-pena, isto , priso decorrente de sentena penal condenatria irrecorrvel, temos ainda a priso sem pena, que, como o prprio nome est a indicar, no deflui de condenao definitiva. Temos, por exemplo, a priso civil, assim denominada no s porque decretada pelo

  • 17

    Juzo do Cvel, como tambm pelo fim a que visa, nas hipteses prvistas no art. 733 e 1 do CPC [...], a priso cautelar tratada nos art. 69 e 81 da Lei n. 6.815, de 19-8-1980 (Estatuto de Estrangeiros), pertinentes expulso e extradio; a priso cautelar de natureza constitucional prevista no art. 139, II, b, da CF, admitida durante o estado de stio; a priso cautelar de natureza processual, que se apresenta sob cinco modalidades: a) priso em flagrante; b) priso preventiva strictu sensu; c) priso temporria; d) priso resultante de pronncia; e e) priso decorrente de sentena penal condenatria recorrvel.

    Ainda no mbito nacional e mais especificamente no campo processual, existem

    dispositivos no Cdigo de Processo Penal (CPP) e no Cdigo de Processo Penal Militar

    (CPPM) que tambm tratam da questo do uso da fora e suas variveis.

    No tocante ao CPP, o artigo 284 consta segundo Jesus (2009, p. 229) que: no

    ser permitido o emprego de fora, salvo a indispensvel no caso de resistncia ou de

    tentativa de fuga do preso. Nesse sentido, o artigo 292 informa, conforme Choukr (2009, p.

    500) que:

    Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistncia a priso em flagrante ou determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem podero usar dos meios necessrios para defender-se ou para vencer a resistncia, do que tudo se lavrar auto subscrito tambm por duas testemunhas.

    Nesse caso, comum aos dois artigos a palavra resistncia a qual deve ser vencida no

    caso de priso, dentro de uma proporcionalidade para que no ocorra excesso. O Cdigo Penal

    Brasileiro no seu art. 329 descreve uma pena para quem utiliza do artifcio de resistir priso.

    Algumas peculiaridades devem ser observadas para caracterizar e definir quem est sendo afetado com

    tal atitude, como mostra Prado (2007, p. 925-926):

    Art. 329. Opor-se execuo de ato legal, mediante violncia ou ameaa a funcionrio competente para execut-lo ou a quem lhe esteja prestando auxlio: Pena deteno, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos. [...] 2 As penas deste artigo so aplicveis sem prejuzo das correspondentes violncia. [...] 1. Bem jurdico: normal funcionamento da Administrao Pblica, assegurando o exerccio da autoridade estatal, o prestgio da funo pblica e a segurana dos agentes pblicos, bem como daqueles que lhe prestam auxlio, para a consecuo dos atos de ofcio. [...] 2. Sujeitos: sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (delito comum). Sujeitos passivo so o Estado e, ao lado dele, o funcionrio competente ou quem lhe esteja prestando auxlio para a execuo do ato legal.

    Destarte, verifica-se que a resistncia s ir se caracterizar se estiverem contidos todos os

    requisitos elementares para tal enquadramento. Estando presentes esses requisitos, a ao penal

  • 18

    incondicionada, independe de representao da vtima, pois o principal ofendido nesse caso o

    Estado. Para uma melhor compreenso, Tourinho Filho (2008, p. 749) ensina que:

    Quanto resistncia, distinguem-se em passiva e ativa. A primeira consiste num simples gesto instintivo de autodefesa, sem inteno de ofender e, por isso mesmo, no constitui propriamente a resistncia a que se refere o art. 329 do CP. J a ativa, sim. Em qualquer uma dessas espcies de resistncia, pode ser usada a fora, dentro dos limites indispensveis para venc-la. [...] A lei permite tambm o uso da fora no caso de tentativa de fuga do preso. [...] se algum recebe voz de priso, capturado e resiste, pode ser empregada a fora. Se por acaso ele ainda no foi preso e foge, ainda assim pode o executor usar a fora necessria para impedir-lhe a fuga. E se o capturando receber voz de priso e se puser em fuga sem ao menos tocar no executor da ordem, haveria resistncia? Obviamente no. Nem mesmo haveria a desobedincia, malgrado uma deciso escoteira do STF (RTJ, 70/360). Diz-se, ento, que ele age impelido pelo instituto de liberdade (RT, 423/416, 551/311, 555/374).

    Portanto, o responsvel pela priso, alm do conhecimento, deve ter o

    discernimento ao invocar que o preso utilizou-se de resistncia, pois na fase do flagrante,

    pode no configurar o delito. No que se refere ao CPPM, o art. 234 combina com o artigo 292

    do CPP, quando o primeiro define, de acordo com Rangel (2009, p. 645):

    O emprego da fora s permitido quando indispensvel, no caso de desobedincia, resistncia ou tentativa de fuga. Se houver resistncia da parte de terceiros, podero ser usados os meios necessrios para venc-la ou para a defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a priso do ofensor. De tudo se lavrar auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

    J o pargrafo 1 do art. 234 do CPPM combina com o art. 284 do CPP quando o

    primeiro descreve, segundo Anger (2009, p. 493): O emprego de algemas deve ser evitado,

    desde que no haja perigo de fuga ou de agresso da parte do preso, e de modo algum ser

    permitido, nos presos a que se refere o art. 242.

    Uma das diferenas entre o CPP e o CPPM que esse ltimo utilizado para os

    processos referentes ao cometimento de crimes militares, seja por parte do cidado, seja por

    parte dos membros das foras armadas e foras auxiliares, no caso das Polcias Militares e

    Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal (DF). Vale destacar que o

    art. 234 1 do CPPM probe a utilizao das algemas nos presos contidos no art. 242 do

    CPPM, o qual versa segundo Angher (2009, p. 494) que:

  • 19

    Sero recolhidos a quartel ou a priso especial, disposio da autoridade competente, quando sujeitos a priso, antes de condenao irrecorrvel: a) os ministros de Estado; b) os governadores ou interventores de Estados, ou territrios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretrios e chefes de Polcia; c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da Unio e das Assemblias Legislativas dos Estados; d) os cidados inscritos no Livro de Mrito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei; e) os magistrados; f) os oficiais da Foras Armadas, das Polcias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou no, e os reformados; g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional; h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional; i) os ministros do Tribunal de Contas; j) os ministros de confisso religiosa.

    Para Alencar e Tvora (2009, p. 457), existem restries a parte final do art. 242

    do CPPM, onde informam que: A parte final desse dispositivo, ao vedar o uso de algemas

    em determinadas autoridades e portadores de diplomas de curso superior, afigura-se anti-

    isonmica, por no se compatibilizar com o sistema constitucional.

    Recentemente, o Cdigo de Processo Penal passou por modificaes, dispondo

    sobre o uso das algemas no Tribunal do Jri. Com a existncia da Lei n 11.689/08,

    subentende-se ser exceo, a utilizao das algemas no acusado quando do seu interrogatrio,

    conforme relata Herbella (2008, p. 48-49):

    Foi somente, porm, no ano de 2008, com a reforma do procedimento do Jri, feita atravs da Lei n 11.689, de 9 de junho de 2008, que a palavra algemas apareceu no Cdigo de Processo Penal. Somente aps 67 anos de seguidas discusses polmicas foi introduzida no diploma legal processual. Assim, em dois artigos as algemas esto mencionadas: Artigo 474, in verbis. A seguir ser o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Captulo III do Ttulo VII do Livro I deste Cdigo, com as alteraes introduzidas nesta Seo. 3 - No se permitir o uso de algemas no acusado durante o perodo em que permanecer no plenrio do jri, salvo se absolutamente necessrio ordem dos trabalhos, segurana das testemunhas ou garantia da integridade fsica dos presentes. (NR) Artigo 478, in verbis. Durante os debates as partes no podero, sob pena de nulidade, fazer referncias: I deciso de pronncia, s decises posteriores que julgaram admissvel a acusao ou determinao do uso de algemas com argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; Esta incluso aplica-se to-s aos julgamentos perante o Tribunal do Jri.

    Nessa linha, alguns doutrinadores entendem que o ru algemado pode influenciar

    na deciso dos jurados. Dessarte, Gomes (2008, p. 183-184) corrobora com esse entendimento

    ao afirmar:

    A manuteno do ru algemado cena capaz de influir no esprito do julgador leigo. H situaes, alis, em que se verifica uma certa compaixo do jurado com a figura do ru que, cabisbaixo e por vezes choroso, ingressa

  • 20

    em plenrio imobilizado pelas algemas [...]. Entendemos que, durante o interrogatrio, devam ser retiradas as algemas do ru. Claro: mant-lo com as mos imobilizadas inibiria seu direito de defesa, na medida em que impedido de expor, alm de verbalmente, tambm por meio de gestos, a forma como se deram os fatos. Assim, por exemplo, o ru que alegue ter agido em legtima defesa, em vista de um ataque com utilizao de faca que lhe desferia a vtima, por certo necessitar das mos livres para explicar seu ato defensivo e o posterior revide. Algemado, restaria impedido de, com maior preciso e riqueza de detalhes, ofertar sua verso defensiva. J durante a realizao do plenrio, a nova lei foi clara: em regra no se pode utilizar as algemas, salvo em caso de absoluta necessidade. Com o calor dos debates, o cansao atingido a todos, pode ser conveniente o uso de algemas. O juiz deve decidir em cada caso e em cada momento, devendo evitar abusos.

    Outra lei federal que merece destaque e ateno dos organismos policiais a que

    trata do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), conforme Alves (2008, p. 4), o qual

    entende que:

    O Estatuto da Criana e do adolescente (ECA) previsto n 8069 de 13 de julho de 1990 no faz proibies quanto ao uso de algemas para conter a resistncia do menor infrator. A nica proibio de no conduzir o adolescente em compartimento fechado de viatura policial, com vistas a evitar o atentado sua dignidade. Contudo, a jurisprudncia ptria tem permitido o uso das algemas quando imprescindvel segurana dos policiais, desde que observados alguns requisitos como: periculosidade do adolescente, porte fsico, comportamento durante a priso. Assim, cabe ao policial [...] avaliar a convenincia ou no do emprego das algemas, respeitados os limites legais, de modo a no expor o menor a constrangimento no autorizado. [...] e, em acrdo de 06.06.2005, o Conselho Superior da Magistratura, TJGO, Relator Desembargador Jos Lenar de Melo Bandeira, assim decidiu: [...] III A utilizao das algemas autorizada nas hipteses em que se configure com meio necessrio de conteno e segurana, pelo que inadmissvel a invocao de arbitrariedade, se no demonstrada pela defesa essa situao indicativa da sua no ocorrncia. Writ indeferido.

    Sendo assim, nota-se que no existem problemas de se algemar um adolescente,

    desde que fundamentado nos requisitos da lei. Existem, inclusive, jurisprudncias amparando

    tal ato, no entanto, esto todas revestidas de legalidade que o caso requer.

    O art. 2 da Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criana e do

    Adolescente), de acordo com Nucci (2009, p. 233): Considera-se criana, para os efeitos

    dessa lei, a pessoa at 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12

    (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.

    Por derradeiro, no que diz respeito Lei n 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de

    Execues Penais (LEP), Rangel (2009, p. 644-645) ensina que: A lei de Execuo Penal

  • 21

    apenas se refere no art. 199 que: O emprego de algemas ser disciplinado por decreto federal.

    E at hoje o decreto no saiu.

    Enfim, existem ainda outras legislaes nacionais que esto ligadas direta ou

    indiretamente ao uso da fora e das algemas, entretanto, no que diz respeito ao uso das

    algemas, o assunto est atualmente disciplinado pela Smula Vinculante n. 11 do STF, a qual

    ser abordada mais adiante.

    1.3 O uso progressivo da fora

    O quantum da fora a ser aplicado para prender uma ou mais pessoas, constitui-se

    em um dos fatores nevrlgicos para o sucesso das vrias operaes policiais. Isso porque a

    autoridade policial ou o seu subordinado no utilizando a quantidade correta do uso da fora

    poder comprometer, por exemplo, seu objetivo, sua segurana e a de terceiros.

    Recorda-se que em um passado recente, como no perodo da ditadura, o uso da

    fora era utilizado de forma indiscriminada, tanto pela polcia, bem como pelas Foras

    Armadas. Em muitos casos isso era feito para se obter a confisso do indivduo, sem a busca

    da verdade real, totalmente em desacordo com o que reza o processo penal. Nesse contexto,

    Bittner (2003, p. 198) ensina que:

    No passado (em alguns lugares, at mesmo atualmente), os policiais freqentemente utilizam a fora fsica como parte da assim chamada justia do meio-fio [...]. Isto , a punio fsica administrada pelos policiais em lugar das penas do cdigo penal. Hoje a fora geralmente est associada com a realizao de prises. Isso no significa que hoje os policiais usam a fora apenas para prender pessoas suspeitas de terem cometido crimes, mas apenas que, quando eles usam a fora, tambm fazem prises; que nem todas as pessoas presas vo a julgamento uma outra questo com que temos de tratar no presente.

    Assim, nos dias atuais, doutrinas e legislaes sobre o uso da fora esto sempre

    sendo revistas e fiscalizadas, tanto no plano internacional com no plano interno. Para Moreira

    e Corra (2006, p. 77-80) depreende-se da fora vrios conceitos, como:

    Fora toda interveno compulsria sobre o indivduo ou grupos de indivduos, reduzindo ou eliminando sua capacidade de autodeciso [...]. Uso progressivo da fora a seleo adequada de opes de fora pelo policial em resposta ao nvel de submisso do indivduo suspeito ou infrator a ser controlado. Os nveis de fora apresentam seis alternativas adequadas

  • 22

    ao uso da fora legal como formas de controle a serem utilizadas, como se v a seguir: a) Presena policial A mera presena do policial, bem fardado, equipado, bem postado e em atitude diligente, ser o bastante para cessar a prtica de crime ou contraveno ou para prevenir um futuro crime [...]. b) Verbalizao [...] O contedo da mensagem muito importante, sendo sempre melhor a escolha de palavras e intensidade corretas, que podem aumentar ou diminuir, conforme a necessidade. c) Controles de contato [...] Neste nvel, os policiais utilizam-se primeiramente de tcnicas de mos livres para imobilizar o indivduo. Compreende-se em tcnicas de conduo e imobilizaes, inclusive atravs de algemas. d) Controle fsico [...] Neste nvel, podem ser utilizados ces, tcnicas de foramentos e agentes qumicos mais leves. e) Tticas defensivas no letais a utilizao de todos os mtodos no letais, atravs de gases fortes, foramento de articulaes e uso de equipamentos de impacto (cassetetes, tonfa). Aqui ainda se enquadram todas as situaes de utilizao das armas de fogo desde que excludos os casos de disparo com inteno letal. f) Fora letal - Ao enfrentar uma situao agressiva que alcana o ltimo grau de perigo, o policial pode utilizar tticas absolutas e imediatas para deter a ameaa mortal e assegurar a submisso e controle definitivos. o mais extremo uso da fora pela polcia e s utilizado em ltimo caso, quando todos os outros recursos j tiverem sido experimentados. Trata-se do disparo de arma de fogo com fins letais que somente possvel ser realizado por policiais nas circunstncias que impliquem defesa da vida dele prprio ou de terceiros.

    Dessa maneira, nota-se que para o emprego legtimo da fora, a autoridade

    policial ou o seu subordinado, devem levar em conta os diversos nveis de escalonamento para

    a sua utilizao adequada com o caso concreto.

    Rotineiramente, os policiais possuem fraes de segundos para decidir sobre o uso

    correto da fora. Da a necessidade da especializao constante desses operadores de

    segurana pblica para que no incorram em erro ou abuso de autoridade.

    Em decorrncia disso, o policial deve est preparado fazer a avaliao do perigo

    iminente e conseqentemente do uso da fora, sem exageros, pois sabido que a presena do

    policial, em vrias situaes, j inibe o cometimento do delito.

    Essa preparao do policial inclui tambm o poder de dilogo e de convencimento

    que deve ser treinado a todo o momento para que a presena do policial, no seja motivo de

    desagregao, represso e confronto.

    Nesse aspecto, todos os agentes da lei devem atentar para os princpios essenciais

    no uso da fora que, segundo Lima (2007, p. 21-22) so:

    1) Legalidade Os agentes da lei somente recorrero ao uso da fora, quando todos os outros meios para atingir um objetivo legtimo tenham falhado [...]. 2) Necessidade Os agentes da lei no exerccio de suas atividades s empregaro o uso da fora dentro das necessidades de momento e do fato gerador da ao policial. 3) Proporcionalidade Os

  • 23

    policiais devem ser moderados no uso da fora [...] e devem agir em proporo gravidade do delito cometido e ao objetivo legtimo a ser alcanado [...]. Estas avaliaes devem ser feitas individualmente, pelo encarregado da aplicao da lei, em cada ocasio em que a questo do uso da fora surgir e levar concluso de que h implicaes negativas para uma determinada situao e que no so equiparadas importncia do objetivo legtimo a ser alcanado. Nestas situaes, recomenda-se que os policiais se abstenham de prosseguir.

    Verifica-se, portanto, que o trinmio legalidade, necessidade e proporcionalidade

    devem estar contidas nas aes policiais que ensejarem a aplicao da fora. Dentro desse

    critrio, na figura 1, Moreira e Corra (2006, p. 83) mostram como so escalonados os nveis

    do uso progressivo da fora:

    FIGURA 1 Nveis do uso progressivo da fora

    Fonte: Moreira e Corra (2006, p. 83)

    Ressalta-se que esse modelo adotado, inclusive, pela Secretaria Nacional de

    Segurana Pblica (SENASP) do Ministrio da Justia (MJ), no curso de ensino a distncia,

    sobre o uso progressivo da fora. Moreira e Corra (2006, p. 83-84) ao descreverem esse

    modelo para os policiais, relatam que:

    O modelo apresentado um grfico em forma de trapzio com degraus em seis nveis, representados por cores. De um lado (esquerdo), temos a percepo do policial em relao atitude do suspeito. Do outro lado (direito), encontramos as respostas (reao) de fora possveis em relao atitude do suspeito. A seta que dupla descreve o processo de avaliao e seleo de alternativas. De acordo com a atitude do suspeito, haver uma reao do policial, na respectiva camada. Os nveis so crescentes de baixo para cima [...]. Da base para o topo, cada nvel representa um aumento na intensidade de fora. Isto , a escala se move daquelas opes que so mais reversveis; daquelas que oferecem menor certeza de controle, para aquelas que oferecem maior certeza. Assim, quanto mais voc sobe na escala de

  • 24

    nvel, maior ser a necessidade de se justificar posteriormente. Uma vez que vez que existem resistncias e agresses em variadas formas e graus de intensidade, o policial ter que adequar sua reao intensidade da agresso, estabelecendo formas de comandar e direcionar o suspeito promovendo seu controle. Em contato com um suspeito que estar atentando contra sua vida, claro que voc no ter que progredir nvel por nvel sua escala de fora at voc alcanar alguma forma de faz-lo parar. O ideal que voc fale antes e use a fora somente se sua habilidade de negociar falhe [...].

    Em sntese, com esse entendimento padronizado, fica mais difcil do policial

    incorrer em erro, atuando sempre dentro da legalidade, sendo isso, o que a sociedade espera.

    Por fim, vale enfatizar o que ensina Bittner (2003, p. 200): [...] os policiais devem adquirir a

    atitude dos mdicos que tm orgulho de empregar todos os meios disponveis para evitar a

    cirurgia, e que, quando a cirurgia inevitvel, tm orgulho de fazer a inciso menor possvel.

    1.4 A polcia no exerccio do poder de polcia

    As competncias das polcias esto previstas na Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil, mais especificamente no artigo 144 do Captulo III, o qual trata da

    segurana pblica.

    No que tange apenas s polcias, Carvalho (2009, p. 1390) informa que esto

    descritas no art. 144, os seguintes rgos: a) Polcia Federal; b) Polcia Rodoviria Federal;

    c) Polcia Ferroviria Federal; d) Polcias Civis; Polcias Militares [...]. Nesse aspecto,

    Moraes (2009, p. 804-805) ensina que:

    - polcia federal: [...] Destina-se a: apurar infraes penais contra a ordem poltica e social ou em detrimento de bens, servios e interesses da Unio ou de suas entidades autrquicas e empresas pblicas, assim como outras infraes cuja prtica tenha repercusso interestadual ou internacional [...]; - polcia rodoviria federal: o rgo permanente, organizado e mantido pela Unio e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais; - polcia ferroviria federal: rgo permanente, organizado e mantido pela Unio e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais; - polcias civis: devero ser dirigidas por delegados de polcia de carreira, so incumbidas, ressalvada a competncia da Unio, das funes de polcia judiciria e a apurao de infraes penais, exceto das infraes militares; - polcias militares: sua atribuio a de polcia ostensiva, para a preservao da ordem pblica; [...].

  • 25

    Dessa forma, resta claro que as polcias possuem atribuies diversificadas,

    atuando cada uma, dentro de sua esfera de competncia. No que se refere ao termo polcia,

    Silva (2009, p. 778-779) entende que:

    A palavra polcia correlaciona-se com a segurana. Vem do grego polis que significava o ordenamento poltico do Estado [...]. A atividade de polcia realiza-se de vrios modos, pelo que a polcia se distingue em administrativa e de segurana, esta compreende a polcia ostensiva e a polcia judiciria. A polcia administrativa tem por objeto as limitaes impostas a bens jurdicos individuais (liberdade e propriedade). A polcia de segurana que, em sentido estrito, a polcia ostensiva tem por objetivo a preservao da ordem pblica e, pois, as medidas preventivas que em sua prudncia julga necessria para evitar o dano ou o perigo para as pessoas. [...] polcia judiciria, que tem por objetivo precisamente aquelas atividades de investigao, da apurao das infraes penais e de sua autoria, a fim de fornecer os elementos necessrios ao Ministrio Pblico em sua funo repressiva das condutas criminosas, por via de ao penal pblica.

    Depreende-se dos limites de competncia das polcias, estabelecidos no Texto

    Constitucional, que no se deve confundir polcia administrativa de polcia judiciria. Nesse

    aspecto, Mello (2008, p. 820-822) ensina que:

    Costuma-se, mesmo, afirmar que se distingue a polcia administrativa da polcia judiciria com base no carter preventivo da primeira e repressivo da segunda [...]. Tem, a nosso ver, razo [...] rejeitar a oposio carter preventivo/carter repressivo como critrio de distino entre as duas polcias judiciria e administrativa. Com efeito, freqentemente a administrao, no exerccio da polcia administrativa, age repressivamente. Sempre que obsta uma atividade particular, j em curso, porque esta se revelou contrastante com o interesse pblico, isto , lesou-o; enfim, causou um dano para a coletividade [...]. O que efetivamente aparta polcia administrativa de polcia judiciria que a primeira se predispe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se preordena responsabilizao dos violadores da ordem jurdica [...]. A polcia administrativa manifesta-se tanto atravs de atos normativos e de alcance geral quanto de atos concretos e especficos. Regulamentos ou portarias como as que regulam o uso de fogos de artifcio ou probem soltar bales em pocas de festas juninas , bem com as normas administrativas que disciplinem horrios e condies de vendas de bebidas alcolicas em certos locais, so disposies genricas prprias da atividade de polcia administrativa.

    No se pode, tambm, confundir poder de polcia e poder da polcia, pois o poder

    da polcia sem os atributos do poder de polcia pode ensejar em arbitrariedade, ou seja, uma

    ao divorciada do Estado de Direito (CRETELA JNIOR, 1999, p. 11). O Poder de polcia

    na concepo de Meirelles (2008, p. 133-139), significa:

  • 26

    [...] a faculdade de que dispe a Administrao Pblica para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefcio da coletividade ou do prprio Estado [...]. A razo do poder de polcia o interesse social e o seu fundamento est na supremacia geral que o Estado exerce em seu territrio sobre todas as pessoas, bem e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pblica [...]. O poder de polcia administrativa tem atributos especficos e peculiares ao seu exerccio, e tais so a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. Discricionariedade [...] traduz-se na livre escolha, pela administrao, da oportunidade e convenincia de exercer o poder de polcia, bem com de aplicar as sanes e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que a proteo de algum interesse pblico. Discricionariedade a liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade ao fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O ato discricionrio, quando se atm aos critrios legais, legtimo e vlido; o ato arbitrrio sempre ilegtimo e invlido; nulo, portanto [...].

    No tocante aos atributos da autoexecutoriedade e da coercibilidade, o primeiro se

    refere ao poder que a Administrao possui de realizar seus atos sem a dependncia do

    Judicirio, j o segundo, refere-se ao poder invocar a coero para cumprir suas obrigaes,

    como instrui Di Pietro (2009, p. 120-121) ao afirmar que:

    A autoexecutoriedade (que os franceses chamam de executoriedade apenas) a possibilidade que tem a Administrao de, com os prprios meios, pr em execuo as suas decises, sem precisar recorrer previamente ao Poder Judicirio [...]. Por exemplo, ela dissolve uma reunio, apreende mercadorias, interdita uma fbrica. A autoexecutoriedade no existe em todas as medidas de polcia. Para que a Administrao possa se utilizar dessa faculdade, necessrio que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poder ser ocasionado prejuzo maior para o interesse pblico [...]. A coercibilidade indissocivel da autoexecutoriedade. O ato de polcia s e autoexecutrio porque dotado de fora coercitiva [...]. Alguns autores indicam regras a serem observadas pela polcia administrativa, com o fim de no eliminar os direitos individuais: 1. a da necessidade, em consonncia com a qual a medida de polcia s deve ser adotada para evitar ameaas reais ou provveis de perturbaes ao interesse pblico; 2. a da proporcionalidade [...] que significa a exigncia de uma relao necessria entre a limitao ao direito individual e o prejuzo a ser evitado; 3. a da eficcia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse pblico.

    Seguindo essa linha, o policial investido do poder de polcia, no poder invoc-lo

    para utilizar as algemas fora do que preceitua a legislao vigente, sob pena de ter que

    responder pelo uso equivocado. Nesse sentido, consta no site da Associao dos Magistrados

    do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ), uma matria intitulada AMAERJ repudia estado

    policialesco, datada de 08/01/08, onde informa que:

  • 27

    Um dos pilares do Estado social democrtico de direito o poder de polcia. O poder de polcia d vida Lei, nica fonte da autoridade de umas pessoas sobre as outras. Ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno por fora da Lei. O poder no pessoal e no pode residir na fora fsica, espiritual ou blica. Portanto, os rgos do Estado encarregados do exerccio do poder de polcia, ou seja, os fiscais e os policiais em primeiro plano devem ser instrumentos da legalidade, pautando suas condutas exclusivamente nos mandamentos da Lei. Os policiais devem ser identificados com HOMENS DA LEI, nunca com descumpridores das leis e da Constituio. Inconcebvel que na vigncia da Constituio cidad agentes policiais do Estado atuem como verdadeiros infratores da Lei, prendendo arbitrariamente e utilizando indevidamente algemas [...]

    Enfim, os policiais ao utilizarem as algemas para cumprir com suas funes,

    devero atentar para a legalidade do ato, utilizando o poder de polcia da maneira como

    prescreve seus atributos e seus limites, tendo sempre como suporte, a Carta Magna ora

    vigente.

    1.5 A trplice responsabilidade resultante do uso indevido da fora e das algemas

    Um dos aspectos de grande relevncia para a Administrao Pblica est na

    maneira de como melhor realizar suas atividades. Tal fato estar condicionado obedincia

    pelos seus agentes, dos princpios que regem a administrao pblica, principalmente os da

    legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficincia, dentre outros.

    A m utilizao das algemas pelos policiais poder acarretar em uma srie de

    responsabilidades que iro variar dentro das esferas administrativa, civil e penal. Sobre

    responsabilidade administrativa, Meirelles (2008, p. 505) assegura:

    a que resulta da violao de normas internas da Administrao pelo servidor sujeito ao estatuto e disposies complementares estabelecidas em lei, decreto ou qualquer outro provimento regulamentar da funo pblica [...]. A punio administrativa ou disciplinar no depende de processo civil ou criminal a que se sujeite tambm o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administrao o desfecho dos demais processos, nem mesmo em face da presuno constitucional de no culpabilidade. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicncia, ou meio sumrio), o servidor fica sujeito, desde logo, penalidade administrativa correspondente. A punio interna, autnoma que , pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato [...]. A absolvio criminal s afastar o ato punitivo se ficar provada, na ao penal, a inexistncia do fato ou que o acusado no foi seu autor.

  • 28

    Destarte, os policiais que por ventura incorrerem em infrao administrativa por

    ocasio do mau uso das algemas, podero ser sancionados, administrativamente, de acordo

    com as legislaes internas de cada rgo policial.

    Na Polcia Militar do Distrito Federal, por exemplo, aplicado atualmente o

    Decreto n 4.346 de 26 de agosto de 2002, isto , o Regulamento Disciplinar do Exrcito

    (RDEx).

    Dessa forma, os Policiais Militares do Distrito Federal que incorrem em

    transgresso da disciplina, estaro sujeitos s penalidades que variam de advertncia at o

    licenciamento e excluso a bem da disciplina. Elas so proporcionais a conduta praticada.

    Com respeito responsabilidade civil, especificamente, objetiva do poder

    pblico, Moraes (2009, p. 371-373), descreve que:

    As caractersticas bsicas do preceito constitucional consagrador da responsabilidade civil objetiva do Poder Pblico (CF, 6 do art. 37) so: - as pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa; a obrigao de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurdicas de direito pblico ou pelas de direito privado prestadoras de servios pblicos, causarem danos ou prejuzos aos indivduos, dever reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa; - os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado so: ocorrncia do dano; nexo causal entre o eventus dammi e a ao ou omisso do agente pblico ou do prestador de servio pblico; oficialidade da conduta lesiva; inexistncia de causa excludente da responsabilidade civil do Estado; - no Direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado objetiva, com base no risco administrativo, que, ao contrrio do risco integral, admite abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de fora maior, caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vtima; - havendo culpa exclusiva da vtima, ficar excluda a responsabilidade do Estado. Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilidade civil do Estado dever ser mitigada, repartindo-se o quantum da indenizao.

    Nessa situao, verifica-se que qualquer policial que utilizar as algemas de forma

    arbitrria, o Estado ter o dever de reparar o dano quem foi vtima da m ao policial. Em

    contrapartida, o Estado entrar com uma ao regressiva para que o policial possa indenizar-

    lo com o valor da reparao dispensada vtima.

    Por responsabilidade penal, Stoco (2007, p. 118) entende que: pressupe uma

    turbao social, determinada pela violao da norma penal, sendo necessrio que o

    pensamento exorbite do plano abstrato para o material, pelo menos em comeo de execuo.

  • 29

    Por conseguinte, vrios so os casos em que o agente pblico, por exemplo, um

    policial, pode incorrer em responsabilidade penal no uso das algemas, como apert-las em

    excesso, causando leses no brao do preso. Em sendo assim, a lei 4898/65 pode ser aplicada

    quando houver abuso. Especificamente no que diz respeito ao abuso de autoridade, Meirelles

    (2008, p. 515) descreve que:

    O abuso de autoridade, definido na Lei 4.898, de 9.12.65, alterada pela Lei 6.657, de 5.6.79, sujeita o agente pblico federal, estadual ou municipal trplice responsabilidade civil, administrativa e penal. [...] Os abusos de autoridade punveis nos termos dessa lei so somente os indicados em seus arts. 3 e 4, relativos liberdade [...] direito de locomoo [...] bem como os concernentes incolumidade fsica do indivduo. Para os efeitos dessa lei considera-se autoridade todo aquele que exerce cargo, emprego ou funo pblica, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente ou sem remunerao. As penas de abuso de autoridade vo desde a advertncia administrativa at a demisso, e no processo penal escalonam-se em multa, deteno, perda do cargo e inabilitao para a funo pblica, aplicadas isolada ou cumulativamente (2008, p. 515).

    J para Tourinho Filho (2009, p. 443) humilhante algemar qualquer pessoa sem

    ter ela oferecido resistncia, chega a ser degradante, quando a pessoa exposta imprensa

    televisiva.

    Logo, os agentes e as autoridades pblicas devero zelar pelo respeito dignidade

    da pessoa humana e s algemar o preso de acordo com a legislao vigente, sempre

    respeitando os direitos constitucionais, sob pena de responder por abuso de poder.

  • 2 A SMULA VINCULANTE N. 11 DO SUPREMO E A SEGURANA

    PBLICA

    A introduo da Smula Vinculante n. 11 do STF no ordenamento jurdico

    brasileiro vigente, trouxe com ela, uma gama de divergncias entre doutrinadores,

    representantes dos trs poderes e de rgo diversos, sindicatos e da sociedade em geral, no

    que diz respeito ao surgimento e a solidez da referida Smula, em contraste, com a

    constitucionalidade desta norma e da prtica da utilizao das algemas pelo aparato policial

    no cenrio atual.

    Essa afirmao tem como foco principal a questo da constitucionalidade dessa

    Smula Vinculante. A polmica gira em torno da suposta falta de requisitos basilares

    previstos na Carta Magna, que no foram respeitados pelo Pretrio Excelso, por ocasio da

    sua edio.

    Nesse sentido, h quem defenda que a citada norma formal e materialmente

    inconstitucional, elencando vcios na forma e no contedo, contrrios ao que prescreve o

    Texto Constitucional.

    Os crticos tambm abordam que a teoria da Smula Vinculante no est em

    consonncia com a realidade prtica dos operadores da segurana pblica, mais

    especificamente, dos rgos policiais. Em contrapartida, existem aqueles que a defendem,

    pois, dessa forma, restringe os excessos cometidos pelos policias na utilizao indevida das

    algemas.

    O fato que a no utilizao ou a utilizao incorreta desse equipamento policial

    poder trazer transtornos para o Estado, para as autoridades constitudas, para a sociedade e

    para os agentes pblicos, transformando-se em tragdias no Brasil e no mundo, conforme tem

    divulgado os meios de comunicao.

    Destarte, nota-se que os rgos policiais a nvel nacional, estadual e distrital, tm

    elaborado normas para que seus servidores cumpram rigorosamente o estabelecido na Smula

    Vinculante em comento.

    Prova disso, a publicao recente de uma Portaria em que a Secretaria de

    Segurana Pblica do Distrito Federal padroniza condutas a serem seguidas pelos policiais

    quando usarem as algemas.

  • 31

    2.1 Circunstncias que envolvem a edio de uma smula vinculante

    Para que se tenha uma maior noo do que venha a ser a Smula Vinculante n. 11

    do STF, necessrio entender os requisitos para a sua elaborao, em obedincia aos

    preceitos constitucionais norteadores desse processo. Nesse aspecto, Carvalho (2009, p. 1325-

    1329) ensina que:

    As smulas so concisos enunciados que, de maneira objetiva, explicitam a interpretao de tribunal superior a respeito de determinada matria [...]. A EC n. 45/2004 acrescentou o art. 103-A Constituio Federal, instituindo a smula de efeito vinculante, nos seguintes termos: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poder , de ofcio ou por provocao, mediante deciso de dois teros dos seus membros, aps reiteradas decises sobre matria constitucional, aprovar smula que, a partir de sua publicao na imprensa oficial, ter efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder sua reviso ou cancelamento, na forma da lei. 1 A 2 Sem prejuzo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovao, reviso ou cancelamento de smula poder ser provocada por aqueles que podem propor a ao direta de inconstitucionalidade. 3 Do ato administrativo ou deciso judicial smula ter por objetivo a validade, a interpretao e a eficcia de normas determinadas, acerca das quais haja controvrsia atual entre rgos judicirios ou entre esses e a administrao pblica que acarrete grave insegurana jurdica e relevante multiplicao de processos sobre questo idntica que contrariar a smula aplicvel ou que indevidamente a aplicar, caber reclamao ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anular o ato administrativo ou cassar a deciso judicial reclamada, e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplicao da smula, conforme o caso. [...] O art. 103-A da Constituio Federal foi regulamentado pela Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, com vigncia prevista para trs meses aps a sua publicao, ocorrida em 20 de dezembro de 2006, disciplinando a edio, a reviso e o cancelamento de enunciado de smula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

    Assim, verifica-se uma srie de procedimentos que devem ser observados para a

    feitura de uma Smula Vinculante. Essas condies so essenciais para a validade da norma,

    sob pena de ser declarada inconstitucional no presente ou no futuro.

    No que diz respeito legitimidade para a edio das Smulas Vinculantes,

    Moraes (2009, p. 790-791) leciona que:

    - rgo competente: somente o Supremo Tribunal Federal poder editar smulas vinculantes [...] legitimidade: as smulas vinculantes podero ser editadas de ofcio ou por provocao de qualquer de qualquer dos co-legitimados para o ajuizamento de aes diretas de inconstitucionalidade que possuem legitimao constitucional, ou seja, pelo Presidente da Repblica, Mesa da Cmara dos Deputados, Mesa do Senado Federal, Governadores de Estado ou do Distrito Federal, Mesas das Assemblias Legislativas, Procurador-Geral da Repblica, partido poltico com representao no Congresso Nacional, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e

  • 32

    confederaes sindicais ou entidades de classe de mbito nacional (CF, art. 103, I a IX). A Lei n 11.417/06 ampliou a co-legitimao para a propositura de edio, reviso ou cancelamento de enunciado de smula vinculante, estendendo essa faculdade ao Defensor Pblico da Unio, aos Tribunais Superiores, aos Tribunais de Justia de Estado ou do Distrito Federal e Territrios, aos Tribunais Regionais Federais, aos Tribunais Regionais do Trabalho, aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos Tribunais Militares (legitimao legal).

    Dessa maneira, procurou-se mostrar a fundamentao para a instituio de uma

    Smula Vinculante. Em assim sendo, nota-se que o art. 103-A da CF e a sua regulamentao

    por meio da Lei n 11.417/06, so os pilares para a sua propositura. Destarte, Mendes (2009,

    p. 1014) instrui que:

    A smula vinculante somente ser eficaz para reduzir a crise do Supremo Tribunal Federal e das instncias ordinrias se puder ser adotada em tempo social e politicamente adequado. Em outras palavras, no pode haver um espao muito largo entre o surgimento da controvrsia com ampla repercusso e a tomada de deciso com efeito vinculante. Do contrrio, a smula vinculante perder o seu contedo pedaggico-institucional, no cumprindo a funo de orientao das instncias ordinrias e da Administrao Pblica em geral. Nesse caso, sua eficcia ficar restrita aos processos ainda em tramitao.

    Concernente data de aprovao, fonte de publicao, referncias legislativas e

    precedentes da Smula Vinculante n. 11, consta no site do STF (2009) que:

    Smula Vinculante 11: S lcito o uso de algemas em casos de resistncia e de fundado receio de fuga ou de perigo integridade fsica prpria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da priso ou do ato processual a que se refere , sem prejuzo da responsabilidade civil do Estado. Data de Aprovao: Sesso plenria de 13/08/2008. Fonte de publicao: DJe n 157/2008, p. 1, em 22/08/2008. DOU de 22/08/2008, p. 1. Referncia Legislativa: Constituio Federal de 1988, art. 1, III, art. 5, III, X e XLIX. Cdigo Penal, art. 350. Cdigo de Processo Penal, art. 284. Cdigo de Processo Penal Militar de 1969, art. 234, 1. Lei n 4898/1965, art. 4, a. Precedentes: RHC 56465 Publicao: DJ de 6/10/1978; HC 71195 Publicao: DJ de 4/8/1995; HC 89429 Publicao: DJ de 2/2/2007; HC 91952 Publicao: DJe n 241/2008, em 19/12/2008.

    com base, principalmente, nessa informao e no que consta o art. 103-A, caput

    e 1 da CF, que se cria toda a celeuma a respeito da constitucionalidade, da validade e da

    eficcia da Smula Vinculante n. 11 da Suprema Corte.

    Nesse sentido, percebe-se que foram observados quatro precedentes julgados pelo

    Pretrio Excelso para a edio da Smula Vinculante n. 11 do STF, sendo que dois deles, ou

  • 33

    seja, o HC 91.952/SP e o HC 89.429-1/RO so constantemente comentados por parte da

    corrente que contrria esse verbete sumular.

    O primeiro precedente trata-se do HC 91952/SP, julgado em 07/08/2008, cujo

    relator foi o Ministro Marco Aurlio, sendo que, esse HC possui como ementa, segundo o site

    STF (2009):

    ALGEMAS UTILIZAO. O uso de algemas surge excepcional somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou risco concreto de fuga. JULGAMENTO ACUSADO ALGEMADO TRIBUNAL DO JRI. Implica prejuzo defesa a manuteno do ru algemado na sesso de julgamento do Tribunal do Jri, resultando o fato na insubsistncia do veredicto condenatrio.

    Portanto, nesse HC 91.952, a utilizao das algemas no Tribunal do Jri resultou

    em nulidade do julgamento condenatrio. O segundo precedente refere-se ao HC 89.429/RO,

    julgado em 22/08/2006, cuja relatora era a Ministra Crmen Lcia, sendo que, tm-se como

    trechos do acrdo e do relatrio da deciso, conforme o site do STF (2009), o seguinte:

    A C R D O [...] acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal [...] por unanimidade, deferir o pedido de habeas corpus [...] RELATRIO [...] Cuida-se de habeas corpus impetrado por [...] para que fosse deferido ao paciente salvo-conduto a fim de que lhe seja garantido o direito de no ser algemado, nem muito mesmo ser exposto exibio para as cmeras da imprensa .... Explica que o paciente est encarcerado na superintendncia da Polcia Federal em Braslia e ser levado ao Superior Tribunal de Justia amanh (dia 08/08/2006) para ser ouvido pela em. Ministra Eliana Calmon, s 8hrs. Faz-se, ento, necessrio seja expedido ordem autoridade policial para que se abstenha de utilizar algemas no paciente por ocasio dessa sua transferncia [...].

    J esse HC 89.429/RO trata-se de uma questo especfica em que o paciente

    deseja alm de no ser algemado, de tambm no ser exposto aos holofotes da imprensa, o

    que foi deferido pelo STF. No que concerne ao terceiro precedente, o HC 71.195/SP, julgado

    em 25/10/1994, cujo relator foi o Ministro Francisco Rezek, tm-se como ementa, segundo o

    site do STF (2009) o seguinte:

    HABEAS CORPUS. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. PROTESTO POR NOVO JRI. PENA INFERIOR A VINTE ANOS. UTILIZAO DE ALGEMAS NO JULGAMENTO. MEDIDA JUSTIFICADA. I No concurso material de crimes considera-se, para efeito de protesto por novo jri, cada uma das penas e no sua soma. II O uso de algemas durante o julgamento no constitui constrangimento ilegal se essencial a ordem dos trabalhos e a segurana dos presentes. Habeas corpus indeferido.

  • 34

    Com relao ao HC 71.195/SP, o paciente pediu a realizao de um novo jri pelo

    motivo, entre outros, de ter sido julgado algemado, sendo esse pedido indeferido pela Corte

    Suprema. Nesse caso houve um contraste com o HC 91.952/SP.

    Por derradeiro, o quarto precedente versa sobre o Recurso em HC (RHC) 56.465,

    julgado em 05/09/1978, cujo relator era o Ministro Cordeiro Guerra, sendo que, esse RHC

    tem a seguinte ementa, segundo o site do STF (2009):

    NO CONSTITUI CONSTRANGIMENTO ILEGAL O USO DE ALGEMAS POR PARTE DO ACUSADO, DURANTE A INSTRUO CRIMINAL, SE NECESSRIO A ORDEM DOS TRABALHOS E A SEGURANA TESTEMUNHAS E COMO MEIO DE PREVENIR A FUGA DO PRESO. INEPCIA DA DENUNCIA NO COMPROVADA. RHC IMPROVIDO [sic].

    No caso desse RHC 56.465, salienta-se que desde 1978, o fator segurana e

    utilizao das algemas j se destacavam como importantes para a ordem dos trabalhos durante

    uma instruo criminal.

    Enfim, constata-se que a Suprema Corte elencou quatro precedentes ao editar a

    Smula Vinculante n. 11, sendo que dois deles, o HC 91.952/SP e o HC 89.429/RO foram

    contrrios utilizao das algemas e, os outros dois, o HC 71.195/SP e o RHC 56.465 foram

    favorveis utilizao das algemas.

    2.2 Principais crticas existncia da Smula Vinculante n. 11

    Sero descritas adiante, algumas crticas relacionadas publicao da Smula

    Vinculante n. 11 do STF. Essa Smula tem sido motivo de diversas reclamaes junto ao

    STF, principalmente de sindicatos ligados aos rgos de segurana pblica, relatando sobre a

    inconstitucionalidade da referida legislao.

    Nesse contexto, Rangel (2009, p. 649-651) discorda do surgimento da Smula

    Vinculante n. 11 do STF, dizendo que:

    [...] o STF resolveu editar uma smula vinculante disciplinando a matria [...] ousamos discordar [...]. Anular um julgamento de um homicida pelo fato de estar ele com algemas desconsiderar que isso ocorre em todos os pases do mundo e que em nada avilta mais o acusado do que o cerceamento ao direito de defesa ao devido processo legal que, em muitas vezes, a ele negado. No sistema americano, por exemplo, o processo penal pautado pelas 4 e 5 emendas constitucionais, e o preso entra em audincia algemado pelos ps e pelas mos e o seu julgamento perfeitamente vlido [...]. Cria-se, com a smula vinculante, um novo vcio jurdico: o vcio do uso de

  • 35

    algemas que acarreta a sano da nulidade do ato prisional [...]. H algo que no pensam: quando o preso chega ao frum trazido do sistema penitencirio, ele vem de escolta armada. Normalmente homens altos e fortes ostentando armas de grosso calibre. Se forem retiradas as algemas, ser que os jurados no ficaro influenciados com aquele aparato humano? Isso tambm ir influir no julgamento da causa? Ou ser que daqui a pouco vo proibir a escolta de permanecer presente porque humilha o preso? [...]. O sistema tem regras claras, horrios para os presos, uniformes, corte de cabelos, enfim, tudo que possa dar a eles uma vida com limites dentro de uma sociedade a qual eles desrespeitaram. Todavia, no ritmo que andamos, daqui a pouco vo proibir de se estabelecerem regras aos presos porque isso tambm fere sua dignidade enquanto pessoa humana, em especial seu poder de autodeterminao. Vo permitir aos presos escolher a roupa que querem usar no presdio, de manter o corte de cabelo que bem entender, etc.

    Doutrina tambm dessa forma, Neves (2008), quando critica, de forma veemente,

    a Smula Vinculante n. 11 do STF, ao contestar a constitucionalidade formal e material da

    referida norma, onde relata que:

    [...] como afirma o professor Ren Ariel Dotti em suas palestras, o Supremo Tribunal Federal tambm erra, s que erra por ltimo! [...] Referimo-nos especificamente ao teor do verbete da Smula Vinculante n 11, editada no dia 13 de agosto de 2008 e publicada no Dirio Oficial do dia 22 do mesmo ms, momento em que passou a ter fora vinculante perante os demais rgos do poder judicirio e administrao pblica (leia-se: instituies polciais) [...]. Tal ato normativo foi editado aps a anlise do Hbeas Corpus n 91.952/SP (Rel. Min. Marco Aurlio) pelo Supremo Tribunal Federal, o qual declarou a nulidade do julgamento que condenou o ru a 13 anos de priso, sob o argumento de que o uso das algemas perante o corpo de jurados do Tribunal do Jri fere a dignidade da pessoa humana (art. 1, inc. III, CF) [...]. O primeiro ponto que se questiona e que foi desrespeitado pelo STF foi o fato de no ter havido reiteradas decises sobre a matria em anlise [...]. Outro requisito que no foi observado diz respeito validade, a interpretao e a eficcia de normas determinadas. Ora, a prpria Min. Carmem Lcia afirmou que a matria no tratada especfica e expressamente na legislao brasileira, muito embora haja meno nos artigos 199, da Lei de Execuo Penal, 234, 1, do Cdigo de Processo Penal Militar e 474, 3, do Cdigo de Processo Penal (sendo que este no estava em vigor poca em que a smula foi editada). Se no existem normas determinadas, a edio de smula vinculante fica inviabilizada. De igual sorte, no se verifica a controvrsia atual entre rgos judicirios ou entre esses e a administrao pblica. A questo simples, pois apesar da meno contida na Lei de Execuo Penal (que de 1984), desde ento tais fatos no eram objeto de debate perante o poder judicirio.

    Desse modo, nota-se que esse verbete sumular aparenta ser inconstitucional tendo

    em vista que a Suprema Corte no observou os mandamentos constitucionais imprescindveis

    para a sua elaborao.

  • 36

    Destarte, vale pena destacar o que informa Neves (2008), pois continua expor

    uma srie de requisitos que no foram observados pelo Pretrio Excelso na composio dessa

    normativa, como:

    Todos sabem que somente com o episdio Daniel Dantas tal discusso veio tona, demonstrando, destarte, que o pau que bate em Chico, no bate em Francisco. Como conseqncia lgica, os fatos discutidos numa relao processual para dar azo aprovao da smula devem causar grave insegurana jurdica e relevante multiplicao de processos sobre questo idntica [...]. Alm desses aspectos, verifica-se que nosso tribunal maior extrapolou o papel reservado a ele na Constituio, pois estipulou, ao arrepio da lei, a necessidade da fundamentao por escrito por parte do agente pblico que determinou a priso. Isso porque somente a lei pode inovar o ordenamento jurdico e impor ao administrador pblico uma obrigao, principalmente sobre a forma pela qual o ato administrativo deva ser praticado (escrita, verbal, fundamentada, etc.) nos termos que preconiza o art. 22, da Lei n 9.784/99 [...]. A pior parte o STF deixou para a parte final do enunciado da Smula Vinculante n 11. Ele determinou que haver nulidade da priso ou do ato processual caso a ela seja desrespeitada [...]. Isso sim ferir os princpios da razoabilidade (to utilizado pelo STF em seus julgamentos) e do prejuzo (um dos mais importantes princpios da teoria geral das nulidades), o qual estipula que nenhum ato ser declarado nulo, se da nulidade no resultar prejuzo para a acusao ou para a defesa (art. 563, CPP) [...]. Chegamos concluso que a smula formal e materialmente inconstitucional, pois o devido processo legal e o princpio da razoabilidade foram desrespeitados. A lei (e somente ela) deve fixar os requisitos para a utilizao ou no das algemas. No cabe ao Supremo Tribunal Federal, que no tem competncia legislativa (princpio elementar da separao dos poderes art. 2, CF), fixar tais requisitos.

    A lei 9.784/99, a qual regula o processo administrativo no mbito da

    Administrao Federal direta e indireta, descreve em seu art. 22, segundo Angher (2009, p.

    1479) que: Os atos do processo administrativo no dependem de forma determinada seno

    quando a lei expressamente a exigir.

    Nessa linha, a Smula Vinculante n. 11 do STF seria inconstitucional por ter a

    Suprema Corte descumprido diversos requisitos para sua elaborao. Assim, pode-se inferir

    que a Smula Vinculante n. 11 do STF contm vcios que comprometem a norma, tornando-a

    incerta quanto sua durabilidade e eficcia.

    Para Bertasso (2008), Juiz de direito do Estado do Paran, a Smula Vinculante n.

    11 do STF inconstitucional pelos seguintes motivos:

    1) Por no ter havido reiteradas decises envolvendo a restrio de algemas violando,

    assim, o caput do art. 103-A da CF;

    2) Por no haver norma determinada sobre algemas a ser interpretada pelo STF,

    contrariando o art. 103-A, 1 da CF;

  • 37

    3) Por no ter havido controvrsia atual entre os rgos do Judicirio ou entre esses e a

    administrao pblica, contrariando o art. 103-A, 1 da CF;

    4) Por no ter gerado grave insegurana jurdica e relevante multiplicao de processos

    sobre questo idntica, ou seja, acerca da validade do julgamento pelo jri com ru

    algemado, contrariando tambm o art. 103-A, 1 da CF;

    5) Por ter o STF extrapolado seus limites quando estabeleceu condies que nem a lei

    fez, ou seja, legislou quando exigiu a justificao do uso das algemas por escrito;

    6) Tendo em vista que o uso de algemas em atos processuais, por si s, no pode

    importar em nulidade;

    7) Tendo em vista que a smula vinculante n. 11 do STF no poderia ter estabelecido

    pena de responsabilidade civil, disciplinar e penal para quem a descumprisse.

    No aspecto formal e material, a Smula Vinculante n. 11 do STF para Queiroz

    (2008) tambm inconstitucional, quando afirma que essa Smula :

    (....) um sacrilgio contra a integridade da CF/88. A edio da smula no atendeu vrios requisitos impostos pelo artigo 103-A da CF/88 [...]. A smula extrapolou os limites da deciso tomada no HC 1952, pois no houve reiteradas decises sobre matria constitucional envolvendo uso de algemas, mas, somente, um julgamento isolado de um HC cujo objeto foi uma nulidade no mbito de tribunal do jri. Nesse ponto, a falta de correlao entre o objeto do HC e o objeto da smula patente. No bastasse, no houve a ponderao pelo STF sobre validade, interpretao e eficcia de norma determinada, simplesmente porque a Lei n 11.689/2008, que talvez justificasse a edio, sequer havia entrado em vigor por ocasio do julgamento do HC. O objeto de discusso do HC nulidade causada pelo uso de algemas em acusado em julgamento em plenrio do jri. E isso bastante diferente do uso de algemas em qualquer situao. Ou seja, uma smula vinculante sobre algemas, nesse contexto, somente seria possvel se versasse sobre nulidade pelo uso de algemas em jri [...]. A prova de que o STF regulamentou a matria, fazendo as vezes de Poder Legislativo [...] que a nova smula impe condies para o uso de algemas que nem mesmo a legislao ordinria faz. Apenas os artigos 474, 3, do CPP e o 234, 1, do CPPM versavam, antes da Lei n 11.689/2008, sobre algemas. Mas nenhum deles exige explicao por escrito para uso da algemas. Ou seja, o STF inovou por via contestvel. Alm disso, a smula alerta para a aplicao de penas diante do seu descumprimento. O nexo de causalidade para a aplicao da penalizao civil, administrativa e penal reside na inobservncia da smula. O problema que, segundo o princpio da legalidade, apenas lei ordinria pode criar crimes e preceitos secundrios (penas). Afora isso, somente estatutos que disciplinam carreiras jurdicas podem prever hipteses de incidncia de pena disciplinar, sem mencionar que danos morais pelo uso de algemas no dano in re ipsa no dispensa prova.

  • 38

    Nesse aspecto, nota-se que so diversos os autores que relatam da

    inconstitucionalidade formal e material da Smula que trata da regulamentao do uso das

    algemas.

    Com isso, torna-se necessrio alguns esclarecimentos do que venha a ser vcio

    formal e material. Lenza (2009, p. 161-163) conceitua que:

    Vcio formal subjetivo: o vcio formal subjetivo verifica-se na fase de iniciativa. Tomemos um exemplo: algumas leis so de iniciativa exclusiva (reservada) do Presidente da Repblica, como as que fixam ou modificam os efeitos das Foras Armadas, conforme o art. 61m 1, I, da CF/88. Iniciativa privativa, ou melhor, exclusiva ou reservada, significa, no exemplo, ser o Presidente da Repblica o nico responsvel por deflagrar, dar incio ao processo legislativo da referida matria. Em hiptese contrria (ex.: um Deputado Federal dando incio), estaremos diante de um vcio formal subjetivo insanvel, e a lei ser inconstitucional. Vcio formal objetivo: por seu turno, o vcio formal objetivo ser verificado nas demais fases do processo legislativo, posteriores fase de iniciativa. Como exemplo, citamos uma lei complementar sendo votada por um quorum de maioria relativa. Existe um vcio formal objetivo, na medida em que a lei complementar, por fora do art. 69 da CF/88, deveria ter sido aprovada por maioria absoluta [...]. Vcio material (de contedo, substancial ou doutrinrio): [...] diz respeito matria, ao contedo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princpio da Lei Maior dever ser declarado inconstitucional, por possuir um vcio material. No nos interessa saber aqui o procedimento de elaborao da espcie normativa, mas, de fato, o seu contedo.

    Portanto, os conceitos de vcio formal e material, esto intimamente ligados

    Smula Vinculante n 11 do Supremo, na medida em que, parte da doutrina, elenca

    inconstitucionalidade quanto a sua forma e contedo.

    Ainda no que tange inconstitucionalidade formal e material, Carvalho (2009, p.

    368-371) entende que:

    Inconstitucionalidade formal ou nomodinmica: O vcio que afeta o ato inconstitucional traduz defeito de sua formao, ou desrespeito da competncia constitucional prevista para a sua prtica. A inconstitucionalidade formal abrange, portanto, a inconstitucionalidade orgnica e a inconstitucionalidade formal propriamente dita. A inconstitucionalidade orgnica decorre da inobservncia da regra de competncia para a edio do ato, ou do vcio de competncia do rgo de que promana o ato normativo, como, por exemplo, a edio, pelo Estado-Membro, de lei em matria penal, que viola a regra de competncia da Unio (art. 22, I, da Constituio Federal) [...]. A inconstitucionalidade formal propriamente dita decorre da inobservncia do procedimento legislativo fixado na Constituio. Um dos exemplos de inconstitucionalidade formal, nesse caso, ocorre quando matrias que so reservadas pela Constituio, para serem tratadas por via de uma espcie normativa, so veiculadas por outra [...]. Em rigor, a inconstitucionalidade formal afeta todo o texto

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    normativo na sua integralidade, pois o ato considerado formalmente como uma unidade [...]. Inconstitucionalidade material ou nomoesttica: [...] inconstitucionalidade por excesso de Poder Legislativo, traduzida na incompatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos, ou na inobservncia do princpio da proporcionalidade.

    Para corroborar com esse entendimento, Alencar e Tvora (2009, p. 457) citam

    algumas observaes sobre a inconstitucionalidade dessa Smula e informam que:

    Da serem necessrias duas observaes sobre essa situao de deficincia no acatamento e na concretizao jurdica. A primeira relativa a um indicativo de crise na aplicao do direito, haja vista que j existiam enunciados normativos no ordenamento jurdico brasileiro que disciplinavam o uso de algemas e que no eram respeitados como deveriam [...]. A segunda observao a de no serem atendidos os requisitos para a edio da prpria smula vinculante, isto , para que justificasse a emisso da smula vinculante sobre o uso de algemas, seria preciso que existissem reiteradas decises sobre a matria constitucional, versando sobre a validade, a interpretao e a eficcia de normas determinadas, acerca das quais houvesse controvrsia atual entre os rgos judicirios ou entre esses e a administrao pblica que acarretasse grave insegurana jurdica e relevante multiplicao de processos sobre questo idntica, nos termos do art. 103-A, 1, da Constituio Federal.

    Os doutrinadores que defendem a inconstitucionalidade da Smula Vinculante das

    algemas salientam, portanto, que o art. 103-A da CF foi desrespeitado por diversas vezes pela

    Suprema Corte. Somado a isso, a no obedincia aos princpios constitucionais como o da

    separao