pensar a cibercultura ambientalista: comunicação...
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
KATARINI GIROLDO MIGUEL
PENSAR A CIBERCULTURA AMBIENTALISTA:
Comunicação, mobilização e as estratégias
discursivas do Greenpeace Brasil
Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Doutora. Orientadora: Profª. Dra: Elizabeth Moraes Gonçalves.
São Bernardo do Campo, 2014
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FICHA CATALOGRÁFICA
M588p
Miguel, Katarini Giroldo Pensar a cibercultura ambientalista: comunicação, mobilização e as estratégias discursivas do Greenpeace Brasil / Katarini Giroldo Miguel. 2014. 266 p. Tese (doutorado em Comunicação Social) --Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014. Orientação : Elizabeth Moraes Gonçalves 1. Comunicação 2. Cibercultura 3. Discurso 4. Greenpeace 5. Ciberativismo I. Título.
CDD 302.2
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A Tese “Pensar a cibercultura ambientalista: comunicação, mobilização e as estratégias
discursivas do Greenpeace Brasil” elaborada por Katarini Giroldo Miguel foi defendida e
aprovada no dia 1º de abril de 2014, perante banca examinadora composta por Prof. Dra.
Elizabeth Moraes Gonçalves (Presidente/UMESP), Prof. Dr. José Salvador Faro
(Titular/UMESP), Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno (Titular/UMESP), Prof. Dra Graça
Caldas (Titular/UNICAMP) e Prof. Dr. José Luis Bizelli (Titular/UNESP).
______________________________________________________
Prof. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________________
Prof. Dra. Marli dos Santos
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
Programa: Comunicação Social
Área de Concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Comunicação Institucional e Mercadológica
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AGRADECIMENTOS
Tive muita sorte nessa caminhada de poder contar com pessoas cruciais, que me
ajudaram, me ensinaram, me criticaram, abriram e também fecharam meus olhos em
determinadas ocasiões, mas seria inviável citar a todas. Mas posso dizer que essa Tese é
repleta de Cláudia, Ivan, Aline, Ivy, Cláudio, Kamila, Faro, Danilo, Catharina, Tereza,
Renata, Alexino, Wilson, Márcia...
De modo particular e nominal agradeço à minha orientadora Elizabeth Moraes
Gonçalves que me deu autonomia necessária, me mostrou o lado humano e generoso do
pesquisador, e constantemente me lembrava de que minha melhor obra ainda estava por vir.
Ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Paulo que me
proporcionou o ambiente adequado para o desenvolvimento dos trabalhos acadêmicos e me
concedeu a bolsa de estudos que me permitiu a dedicação exclusivamente à pesquisa. Devo,
portanto, agradecer aqui explicitamente também aos órgãos de fomento CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior), esta última por ter me proporcionado a
experiência do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, realizado na Universidade
Complutense de Madri entre fevereiro e julho de 2013. Uma experiência pessoal e acadêmica
que marcou minha trajetória de vida e que seria inviável sem o apoio do coorientador Jesus
Miguel Flores Vivar e da amiga quase madrileña Juliana Colussi.
Agradeço também à banca examinadora que se prontificou a contribuir com a minha
pesquisa, aos colegas de doutorado que confiaram em mim como representante discente, à
Katia Franca e Vanete Viegas, funcionárias da Umesp, que tão prontamente me atenderam
sempre que precisei. De modo particular, sou grata à compreensão e ao apoio do meu
companheiro Rafael Tadashi, sem sua colaboração não sei se seria possível tanto empenho
para pensar a cibercultura ambientalista.
Ainda não posso esquecer do Instituto Ambiental Vidágua, o principal responsável
pela minha imersão e entrega ao mundo ambientalista.
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RESUMO
MIGUEL, Katarini G. Pensar a cibercultura ambientalista: comunicação, mobilização e
as estratégias discursivas do Greenpeace Brasil, 2014. 266p. Tese (Doutorado em
Comunicação Social) Programa de Pós Graduação em Comunicação Social. Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP, 2014).
Nossa Tese postula a existência de uma cibercultura ambientalista, própria do movimento ambiental, que conta com uma dinâmica comunicativa caracterizada por estratégias de discurso e mobilização específicas. O movimento ambiental, aqui representado pela organização de espectro internacional Greenpeace, soube se apropriar das ferramentas digitais, difundir a problemática em um cenário de redes sociais digitais, ciberativismo, interatividade e composição de uma esfera pública em rede, que colocamos em debate. Para entender esse panorama realizamos uma ampla discussão teórica, em permanente diálogo com nosso objeto de estudo, abrangendo a trajetória do ambientalismo e seu lugar enquanto movimento social; as tecnologias da sociabilidade, a Internet e suas mídias como espaço de resistência e controle, assinalando a cibercultura como a própria cultura contemporânea, pautada pelas influências tecnológicas. Realizamos entrevistas com voluntários, seguidores, além de responsáveis pela comunicação do Greenpeace que nos permitiram traçar as motivações da participação e confirmar que o engajamento na causa ambiental foi fortemente impulsionado pelas facilidades do ciberespaço. As estratégias discursivas foram desvendadas com as coordenadas metodológicas da Análise do Discurso, focada na identificação do ethos e das cenas de enunciação, com base em um protocolo de análise que formulamos para compreender a maneira de dizer que leva os sujeitos aderirem maciçamente ao discurso ambiental. Na primeira etapa da análise realizamos diagnóstico de perspectiva quantitativa e caráter exploratório para levantar as campanhas/temáticas principais e avaliar a repercussão dos assuntos nas redes sociais digitais e na mídia convencional. Posteriormente, selecionamos os textos das principais campanhas que passaram pela fase qualitativa, que abarcou os itens lexicais, as técnicas argumentativas e os elementos de destacabilidade, além de aspectos externos ao texto linguístico, como fotos, vídeos, cores e cenas predominantes. O discurso na cibercultura ambiental desvela o ethos do amigo, do parceiro, que oscila entre o drama e a agressividade para chamar atenção à causa. Problemas graves como denúncias ambientais são tratados com um ethos lúdico, até mesmo infantil, usando de linguagem coloquial e de códigos da cultura contemporânea – desenhos animados, jogos virtuais, belos animais que cantam e dançam – que para os nossos olhos revelam uma cenografia esquizofrênica, mas é justamente o que garante o êxito das campanhas.
Palavras-chave: Comunicação; Cibercultura; Discurso; Greenpeace; Ciberativismo.
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ABSTRACT
MIGUEL, Katarini G. Thinking the environmentalist cyberculture: communication,
mobilization and the discursive strategies of Greenpeace Brazil., 2014. 263p. Thesis
(Doctoral Thesis) Postgraduation Program of Social Communication. Universidade Metodista
de São Paulo (UMESP, 2014).
Our thesis postulates the existence of an environmental cyberculture, typical of the environmental movement, which has a communicative dynamics characterized by discourse strategies and specific mobilization. The environmental movement, represented here by the international organization Greenpeace, knew how to appropriate the digital tools, to spread the problematic in a scenario of digital social networks, cyberactivism, interactivity and the composition of a networked public sphere, that we put into debate. To understand this situation, we performed an extensive theoretical discussion, in constant dialogue with our object of study, covering the history of the environmentalism and its place as a social movement; the technologies of sociability, the Internet and its media as a space of resistance and control, noting the cyberculture as the contemporary culture itself, guided by technological influences. We conducted interviews with volunteers, followers and people in charge of the communication of Greenpeace, that allowed us to trace the motivations of participation and to confirm that the engagement in the environmental cause was strongly driven by the easiness of cyberspace. The discursive strategies have been elucidated with the methodological coordinates of Discourse Analysis, focused on identifying the ethos and the scenes of enunciation, based on an analysis protocol we formulated to understand the way of saying that leads subjects to adhere massively to the environmental discourse. In the first step of the analysis, we performed a diagnosis of quantitative perspective and exploratory aspect to discriminate the campaigns/main themes and assess the impact of the issues in digital social networks and the mainstream media. Subsequently, we selected the texts of the main campaigns that have passed through the qualitative phase, which encompassed lexical items, argumentative techniques and elements of contrast, as well as external aspects to the linguistic text, such as photos, videos, colors and predominant scenes. The discourse on environmental cyberculture unveils the ethos of the friend and the partner, ranging from drama and aggression to bring attention to the cause. Serious environmental problems such as environmental complaints are dealt as a playful ethos, even childish, using colloquial language and codes of the contemporary culture – cartoons, virtual games, beautiful animals that sing and dance – that before our eyes reveal a schizophrenic scenography, but is precisely what ensures the success of the campaigns.
Key-words: Comunication; Cyberculture; Discourse; Greenpeace; Cyberactivism
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RESUMEN
MIGUEL, Katarini G. Pensar sobre la cibercultura ambientalista: comunicación,
movilización y las estrategias discursivas de Greenpeace Brasil 2014. 263p. Tese
(Doctorado e Comunicación Social) Programa de Posgrado en Comunicación Social.
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP, 2014).
Nuestra Tesis prevé la existencia de una cibercultura ambientalista, propia del movimiento ambiental, que tiene una dinámica comunicativa caracterizada por estrategias de discurso y movilización específicas. El movimiento ambiental, representado por la organización internacional Greenpeace, supo apropiarse de las herramientas digitales, difundir la problemática ambiental en un escenario de redes sociales digitales, ciberactivismo, interactividad y composición de una esfera pública en red, que colocamos en debate. Para entender el panorama, ejecutamos una amplia discusión teórica, en contacto permanente con el objeto de estudio, tratando la trayectoria del ambientalismo y su territorio de movimiento social, las tecnologías de la sociabilidad, la internet y sus medias como espacio de resistencia y control, asimilando la cibercultura como la propia cultura de la contemporaneidad, sellada por las influencias tecnológicas. Realizamos entrevistas con voluntarios, seguidores, además de los responsables por la comunicación de Greenpeace que nos permitieron ver las motivaciones de la participación y confirmar que el compromiso en la causa ambiental fue despertado por las facilidades del ciberespacio y por la credibilidad que la organización adquirió. Las estrategias discursivas fueron descubiertas por medio de la metodología del Análisis del Discurso, con énfasis en la identificación del ethos y de las escenas de enunciación, basada en un protocolo de análisis que elaboramos para comprender la manera de decir que lleva a los sujetos a creer en el discurso ambiental. En la primera etapa de análisis formulamos un diagnóstico de perspectiva cuantitativa para conocer las campañas/temáticas principales y para evaluar la repercusión de los asuntos en las redes sociales y en la media convencional. Posteriormente, elegimos los textos de las principales campañas que fueron analizados cualitativamente, considerando los términos léxicos, las técnicas de argumentación y los elementos destacables, además de los aspectos externos al texto como fotos, vídeos, colores y escenas predominantes. El discurso de la cibercultura ambiental muestra el ethos de un amigo, compañero, que oscila entre el drama y la agresividad para llamar la atención a la causa. Problemas graves como denuncias ambientales son abordados con un ethos lúdico, quizá infantil, haciendo uso de un lenguaje coloquial y de códigos de la cultura contemporánea – dibujos animados, juegos virtuales, animales que cantan y bailan – que para nuestros ojos revelan una escena esquizofrénica, pero es justamente lo que garante el éxito de las campañas.
Palabras-clave: Comunicación; Cibercultura; Discurso; Greenpeace; Ciberactivismo.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Reprodução da página inicial do portal do Greenpeace Brasil.........................38
Figura 2. Reprodução da página inicial do hotsite Liga das Florestas...........................164
Figura 3. Reprodução da página inicial do portal Greenpeace Brasil............................170
Figura 4. Reprodução da página inicial do hotsite Salve o Ártico.................................175
Figura 5. Reprodução da página inicial do portal do Greenpeace Brasil.......................188
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‘Abraço-me, pois às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta’ (por enquanto).
José Saramago
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11
CAPÍTULO I – O DESENHO METODOLÓGICO PARA DESVENDAMENTO
DA CIBERCULTURA AMBIENTAL
1.1 Diálogo empírico e teórico................................................................................................. 18
1.2 A abordagem do ethos e cenas de enunciação................................................................... 22
1.3 Modos de Fazer................................................................................................................. 28
1.4 A expressão comunicativa em rede do Greenpeace.......................................................... 38
CAPÍTULO II – MOVIMENTO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA
COMUNICAÇÃO
2.1 A saga do ambientalismo .................................................................................................. 47
2.2 O ambientalismo na modernidade indefinida: inconclusa, líquida, superada, espetacular 64
2.3 O Greenpeace no espetáculo da mídia.............................................................................. 76
CAPITULO III – TECNOLOGIAS SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO E DA
MOBILIZAÇÃO 3.1 O fundamento da sociedade em rede e das tecnologias da sociabilidade no controle e na
resistência................................................................................................................................ 86
3.2 Cibercultura(s) e suas declaradas perspectivas................................................................. 99
3.3 Ciber política, ativismo, redes sociais digitais, interatividade......................................... 107
CAPITULO IV - POTENCIAL POLÍTICO DO MOVIMENTO AMBIENTAL
EM REDE 4.1 As possibilidades e fragilidades da esfera pública (em rede).......................................... 123
4.2 A participação em rede e suas possíveis significações no Greenpeace........................... 137
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CAPÍTULO V - O DISCURSO AMBIENTALISTA NA CIBERCULTURA 5.1 Primeiro cenário: diagnóstico.......................................................................................... 151
5.2 Delimitando as campanhas e temáticas........................................................................... 159
5.3 Análise do Discurso......................................................................................................... 164
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 198
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 207
APÊNDICE 1
1.1 Entrevistas realizadas com os representantes do Greenpeace......................................... 219
1.2 Íntegra das entrevistas realizadas com colaborador, voluntário e ou ciberativista.......... 224
APÊNDICE 2
2.1 Levantamento demonstrativo dos destaques do portal do Greenpeace Brasil entre junho de
2012 e junho de 2013....................................................................................................... 244
ANEXOS
Telas Facebook Greenpeace Brasil....................................................................................... 260
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INTRODUÇÃO
O movimento ambiental se apropriou das TICs (Tecnologias da Informação e
Comunicação) para difundir a causa, ganhar visibilidade e adeptos, delineando formas de
mobilização, gestão de redes sociais e uma cultura comunicativa, amparada por estratégias
discursivas oportunas, que nos instigaram a pensar sobre a existência de uma cibercultura
ambientalista, que poderia ser caracterizada e compreendida em sua amplitude. Sob as lentes
dessa hipótese tem início nossa Tese de Doutorado e insurge o objeto de estudo: a
comunicação em rede do movimento ambiental. Uma comunicação que é moldada pelas
tecnologias, materializada na Internet, mas que a extrapola. E aqui cravamos a primeira letra
em maiúscula justamente para denotar a rede das redes, o espaço sem fronteiras e de inúmeras
possibilidades comunicativas da Internet.
Para o desenvolvimento da pesquisa, buscamos como referência a organização de
espectro internacional Greenpeace, forte representante do movimento ambiental, que acumula
experiências com a prática virtual de comunicação, ilustra com propriedade os conceitos, nos
fornece exemplos e revela tendências. Estabelecemos como eixo principal o portal
institucional no Brasil: www.greenpeace.org/brasil.
Nossas coordenadas metodológicas para o desvendamento da cibercultura ambiental
abarcaram a pesquisa teórica, para nos ajudar a conceituar e compreender o lugar dos
movimentos ambientais na contemporaneidade, o fenômeno das TICs e seus impactos; a
existência (ou não) de uma cibercultura, seu potencial de engajamento e participação política;
entrevistas com representantes do Greenpeace e com os seguidores/ciberativistas. Além da
avaliação empírica-exploratória dos produtos disponibilizados e de procedimentos de Análise
do Discurso em uma etapa mais aprofundada. A preocupação, nesse sentido, foi estabelecer
uma dinâmica de escrita que estabelecesse um diálogo entre objeto de estudo, as diferentes
teorias e conceitos apresentados e os exemplos oriundos da constante observação e, inclusive,
imersão nas práticas comunicativas do Greenpeace. As explicações sobre nossas opções
metodológicas, a base teórica e empírica e uma importante descrição do portal e das redes
sociais digitais do Greenpeace estão presentes no Capítulo I, como forma de clarear nosso
cenário de investigação. Além disso, explicamos neste capítulo os caminhos que percorremos
para a elaboração do nosso protocolo de análise, que traçou o modo de fazer com base na
concepção do ethos e das cenas de enunciação (MAINGUENEAU, 2004, 2008;
CHARAUDEAU, 2008). O objetivo foi criar instrumentos que nos permitissem identificar no
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discurso ambiental, representado aqui pelas campanhas da organização, quais as formas de
dizer que revelam maneiras de ser e fazem com que as pessoas se engajem e deem
credibilidade à causa ambiental. Ou seja, “o processo mais geral da adesão de sujeitos a uma
certa posição discursiva” (MAINGUENEAU, 2005, p. 69). Para tanto, consideramos para a
análise, a identificação dos itens lexicais, as técnicas argumentativas e os elementos de
destacabilidade presentes nos textos. Também envolvemos os fatores externos ao texto
linguístico, como fotos, vídeos, cores e composição das campanhas, importantes na
construção do discurso nos cenários multimidiáticos da rede de computadores.
No Capítulo II demos início à discussão teórica contextualizando o ambientalismo na
contemporaneidade e suas formas de comunicação, defendendo a assertiva que o Greenpeace
se configura como um legítimo movimento social porque atua como agência de significação
coletiva para a sociedade, intenta produzir mudanças sociais e tem forte capacidade de
persuasão coletiva (LARAÑA, 1999, GOHN, 2000). Portanto, ele é enquadrado na Tese como
uma ONG (Organização Não Governamental), mas pertencente a um movimento social amplo
e heterogêneo em posições. Também procuramos entender a natureza da atuação do
movimento ambiental e sua experiência comunicativa em uma sociedade de múltiplas
nomenclaturas: pós-moderna, de modernidade indefinida, inconclusa, líquida e ou espetacular.
(HARVEY, 2004; BAUMANN, 2001; DEBORD, 2001, MARTINS, 2000). Para finalizar o
capítulo composto pela saga ambientalista, seu histórico, trajetória e configuração na
atualidade, delineamos o perfil propriamente do Greenpeace. Evidenciamos sua consolidação
em 40 anos de atuação global e presença em mais de 40 países, sua magnitude e os recursos
mobilizados que lhe dão a alcunha de multinacional de ecologia. Também buscamos seus
antecedentes midiáticos, sua afeição ao espetáculo e a habilidade em lidar com diferentes
estratégias de comunicação, em especial em rede, para garantir a eficácia de suas mensagens e
campanhas.
O fato é que, com as ferramentas tecnológicas, os movimentos sociais contemporâneos
ampliam o alcance das lutas, as formas de mobilização e participação. Estar na Internet hoje é
condição para garantir o êxito e a visibilidade da atuação ambientalista. Com essa direção, no
Capítulo III nos dedicamos a adentrar no universo das tecnologias sociais que vêm
desenhando a atuação dos movimentos sociais. As diferentes formas de comunicar com
propostas de convergência, colaboração, liberdade, mas também controle, poder e vigilância.
Para abranger todo o cenário dividimos o capítulo em três linhas principais. 1) “O
fundamento da sociedade em rede e das tecnologias da sociabilidade no controle e na
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resistência”, onde situamos as formas de viver em sociedade e suas esferas impactadas pelas
tecnologias, retomando os conceitos de era eletrônica, sociedade da informação, mas
centralizando na leitura da sociedade em rede, que tem como espinha dorsal a Internet, a
“estrutura organizativa e o instrumento de comunicação que permite a flexibilidade e a
temporalidade da mobilização” (CASTELLS, 2003, p.277). 2) “Cibercultura e suas declaradas
perspectivas”, considerando as prerrogativas do ciberespaço para demarcar a cibercultura
como a própria cultura contemporânea que não se restringe a manifestações no espaço virtual,
mas novas formas de sociabilidade pautadas pelas influências tecnológicas, problematizando
autores como Gonzáles (2012); Levy (1999); Lemos (2004), Rudiger (2011ab) e Santaella
(2008). 3) “Ciber política, ativismo, redes sociais digitais, interatividade”, um item para
debater as formas de comunicação e mobilização que pulsam no ciberespaço; as diferentes
mídias, as comunidades virtuais e as oniscientes redes sociais digitais que ganham espaço
como plataformas cotidianas. Nesse caso, convém esclarecermos que termos como em rede,
online, digital, virtual são usados ao longo da Tese como apoios similares para indicar formas
de comunicação que se moldam na Internet. Nossas atenções estão voltadas mais
profundamente, nesse último componente, ao ciberativismo, como tática amplamente
utilizada e propagada pelo Greenpeace, e suas derivações - infoativismo, netativismo,
netwars, multidões inteligentes. E na proposta de entender os precedentes e a formatação atual
do ativismo em rede recorremos a Mattelart (2006), Di Felice (2013) e Ugarte (2007) este
último resumindo o ciberativismo como a forma de empoderamento pessoal, que se conquista
no discurso, nas ferramentas e na visibilidade. Finalizamos o capítulo com o entendimento de
que a sociedade em rede representa uma alternativa aos controles midiáticos, uma proposta de
autonomização do sujeito comunicativo, que oferece espaço para a sociedade civil expandir
seus objetivos, suas reivindicações, conquistar simpatizantes e estabelecer novas formas de
atuação. Mas também pode favorecer grupos dominantes, estimular o individualismo ou
fomentar uma cidadania limitada, restrita aos que têm acesso e habilidade para lidar com o
emaranhado de ferramentas. É um terreno árido onde não convêm afirmações categóricas,
mas ponderações, criação de proposituras e múltiplos olhares.
Uma dessas visões aponta para as TICs como facilitadoras e fomentadoras da
participação, que podem estimular e liberar o debate, remodelando a proposta da esfera
pública, e é justamente a partir desse argumento que desenvolvemos o Capítulo IV: ‘O
potencial político do movimento ambiental em rede’.
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Discutimos as possibilidades e fragilidades da esfera pública em rede, conectada,
digital, partindo do segmento original de Habermas - de instância legítima para formação da
opinião - percorrendo suas significativas alterações, principalmente com os meios de
comunicação e a formação de ‘pseudoesferas públicas’ (GOMES, 2008). Na Internet, abrem-
se possibilidades de criações, críticas, participações com a chancela da interatividade que
fazem emergir momentos de esfera pública. Visualizamos nas páginas e redes do Greenpeace
a conformação de esferas públicas temporárias que conseguem pautar e debater assuntos
importantes relacionados às politicas públicas ambientais, mas de forma efêmera, desconexa,
acompanhando a dinâmica ágil da própria cibercultura. As redes sociais digitais da ONG, por
exemplo, oferecem formas de participação por meio de comentários onde é possível
estabelecer debates, originar discussões, dar visibilidade para as causas e conseguir um
engajamento massivo.
Logo, buscamos entender o que faz as pessoas participarem, aderirem à causa
ambiental de maneira tão significativa. Com essa proposta, na segunda parte do Capítulo IV,
intitulada “A participação em rede e suas possíveis significações no Greenpeace”, discutimos
mais diretamente os estímulos à participação, a partir de autores que estudam os principais
marcos motivacionais dos movimentos sociais e elencamos como centrais: a relação dos
movimentos com o cotidiano, sua capacidade de ressonância cultural entre os prováveis
seguidores, a força das emoções para instigar a adesão (LARAÑA, 1999; MCADAM,2001;
FLAM, 2005). E, acima de tudo, um discurso adequado que constrói um ethos acertado e
digno de fé, para o qual nos atentamos no quinto e último capítulo, reservado para a Análise
do Discurso propriamente.
Mas ansiamos também entender as formas de participação de maneira mais intensa,
abarcando o contexto das recepções e, nesse sentido, fizemos uma sondagem com os
participantes do Greenpeace na tentativa de compreender, entre outras questões, como eles
mesmos significam sua participação. Abordamos voluntários, ciberativistas e seguidores,
prioritariamente pela Internet, e aplicamos questionários com perguntas abertas sobre os
motivos, as formas de participação e o tempo dedicado para a atividade. Obtivemos 25
respostas que são aferidas no Capítulo IV. Também realizamos entrevistas com os
responsáveis pela comunicação do Greenpeace no Brasil e na Espanha que nos permitiram
entender a dimensão das tecnologias para atuação da ONG e a maneira como se relacionam
com os usuários. A íntegra das entrevistas segue no APÊNDICE I. Conseguimos visualizar
que o engajamento foi não apenas incrementado, mas viabilizado pelas ferramentas da
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Internet. Quase a totalidade dos entrevistados começou a participar das questões ambientais
após o surgimento e consolidação das redes sociais digitais. Para os representantes do
Greenpeace, a Internet também teve papel determinante para a luta ambiental. Mas persiste o
formato verticalizado em que tudo é decidido e implantado hierarquicamente pela
organização.
O discurso, corresponsável por essa participação, foi construído e difundido na
cibercultura, e no Capítulo V nossa tarefa foi desvendá-lo. No último capítulo apresentamos,
então, as análises das campanhas do Greenpeace Brasil e uma breve comparação com o
discurso espanhol, que nos foi propiciada pela experiência no Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior, realizado na Universidad Complutense de Madrid.
Em um primeiro momento, como parte do nosso protocolo de análise, elaboramos um
diagnóstico baseado no próprio trabalho empírico-exploratório e, para melhor visualização
dos resultados encontrados, formatamos um levantamento demonstrativo, presente no
APÊNDICE 2, com as principais campanhas e temáticas pautadas pelo Greenpeace.
Elegemos para as análises os conteúdos em destaque, localizados de forma randômica na
página inicial do portal institucional, porque verificamos que ali estavam as propostas
principais da organização, seu agendamento prioritário, aquilo que ela realmente queria
viabilizar e divulgar. O levantamento de caráter quantitativo elencou 87 destaques durante um
ano da nossa observação – junho de 2012 a junho de 2013. Incluímos na tabela os campos
para discriminar os títulos, os temas/campanha principais e a repercussão que cada um dos
destaques alcançou no próprio portal, nas redes sociais digitais Twitter e Facebook. Também
informamos se o assunto conseguiu repercussão na mídia convencional e se tinha proposta
política agregada ao conteúdo. A intenção foi compreender, de maneira mais mensurável, a
dinâmica comunicativa, os assuntos principais, o impacto alcançado e se extrapolavam de fato
o ambiente virtual.
Com isso, conseguimos identificar a tendência hiper e transmidiática do Greenpeace,
que constrói universos comunicacionais diferentes para cada campanha, a participação
massiva que conquista na rede Facebook em detrimento do próprio portal, sua habilidade em
investir no virtual com táticas diferenciadas e imagéticas, mas sempre amarrando a propostas
concretas de modificações legislativas, projetos e lobbys políticos. Também foi a partir dessa
quantificação que identificamos as principais campanhas desenvolvidas pela organização no
período da nossa investigação: Salve o Ártico e Desmatamento Zero. A primeira delas,
desenvolvida em nível internacional, denuncia as consequências do degelo no Ártico que vem
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prejudicando as espécies locais e contribuindo para o aquecimento global, e reivindica às
Nações Unidas, por meio de uma petição, a criação de um santuário ecológico naquela região.
Já a campanha contra o desmatamento tem caráter nacional e intenta a aprovação de uma lei
de iniciativa popular que proíba qualquer tipo de retirada de florestas no Brasil e, para isso,
coleta assinaturas, junto com outras organizações ambientalistas, para levar o projeto de lei ao
Congresso. As campanhas tiveram êxito no portal, nas redes sociais digitais, estiveram
presentes durante todo nosso período de observação e representam, para a própria
organização, seus projetos mais importantes, portanto, formando um corpus suficientemente
expressivo para nossas análises. Optamos por analisar os sites temporários, construídos
especificamente para as ações –www.salveoartico.com.br e www.ligadasflorestas.com.br,
além de uma notícia relacionada a cada campanha. Também apresentamos uma análise da
campanha Salve o Ártico na Espanha - www.savetheartic.es. Vale lembrar que o Greenpeace
mantém a mesma estrutura organizativa e layout em suas páginas web, mas nos interessava,
nesse momento, avaliar se o discurso se diferia, comparar o ethos da mesma organização em
países distintos.
Com isso, analisamos o discurso pelo desmatamento zero e o discurso para salvar o
ártico considerando, de acordo com nosso protocolo de análise, os itens lexicais, as técnicas
argumentativas e os elementos de destacabilidade. Pudemos reconhecer nos textos analisados
um padrão discursivo pautado em expressões românticas, beirando o idílico, como “riqueza”,
“beleza”, “patrimônio”, uma aparente ingenuidade, amparada por uma cenografia lúdica com
desenhos, imagens infantilizadas de florestas e animais como personagens principais, que
contam sua história. A todo o momento invoca a participação e a corresponsabilidade: “assine
pelo desmatamento zero”, “precisamos da sua ajuda”, “precisamos proteger as águas do
Ártico”, revelando o ethos emotivo e de parceria. E reforça os argumentos por meio de
elementos de destacabilidade como os slogans militantes e as hashtags, constantes na
cibercultura, #salveoártico, #desmatamentozerojá! As construções argumentativas, bastante
coloquiais e evasivas, não trazem dados concretos e fazem uso da autossuficiência, valendo-se
da autoridade ambientalista. Ao mesmo tempo em que apresentam elementos conflitivos e até
agressivos por meio de termos como “catastróficos”, “mazelas”, “retrocesso”, “desastre”, e
acusações diretas a empresas e governos.
O Greenpeace é uma organização que realiza pesquisas, tem informações suficientes
e forte atuação política para o desenvolvimento de suas campanhas, mas prefere lidar com
conteúdos subjetivos, dados alarmantes que podem mostrar mais resultado, ser de fácil
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assimilação e exercer influência sobre o outro. Ousamos denominar a cenografia como
esquizofrênica pela capacidade de deslocar questões, graves, sérias e acusatórias para uma
cena lúdica, até infantil, que acaba por caracterizar a cibercultura ambientalista. Na
comparação entre os conteúdos do Greenpeace Brasil e Espanha o que ficou mais evidente foi
a preocupação do país europeu em oferecer mais informações para o internauta,
disponibilizando vídeo e relatório técnico e desvelando um tom mais professoral.
Evidenciamos uma cibercultura ambiental, que contribui sobremaneira para a
visibilidade das ações ambientalistas, por meio do excesso de imagens, de elementos da
cultura contemporânea, da linguagem adequada a cada meio, da presença cativa nas mídias e
redes sociais digitais e por se apoiar em um histórico reconhecimento público anterior à
atuação nas redes. E que ainda proporciona formas de participação e esferas de
discutibilidade, mas que acontecem de forma isolada, quantitativa (por meio de assinaturas de
petições, replicação de mensagens). Não notamos durante nossa investigação a construção
conjunta de reivindicações ou formas colaborativas de comunicação, contrariando as
propostas de comunicação horizontal que caracterizam o ciberativismo na web 2.0. Uma
cibercultura moldada em recursos lúdicos, de apelo afetivo, emocional e também agressivo,
exagerado, que encontra respaldo na sociedade encantada pela possibilidade de contribuir
com a preservação ambiental a partir de um clique.
A Tese cumpre sua tarefa de pensar a cibercultura ambientalista, mas não se esgota.
Temos uma paisagem em constante modificação, inovação e aperfeiçoamento, que não
comporta rigidez. Apresentamos, portanto, a cibercultura ambiental de agora e esperamos
poder repensá-la sempre que necessário.
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CAPÍTULO I - O DESENHO METODOLÓGICO PARA O DESVENDAMENTO DA
CIBERCULTURA AMBIENTAL
O ethos e as cenas de enunciação no modo de fazer. Apresentamos nossa base teórica,
empírica, metodológica e a composição do protocolo de análise da Tese, fundamentado
na Análise do Discurso, e finalizamos com a pertinente descrição do nosso objeto de
estudo: a comunicação em rede do Greenpeace.
1.1 Diálogo empírico e teórico
A presente Tese busca estabelecer um diálogo permanente entre o objeto de estudo, a
avaliação empírica e as discussões teóricas, que abordam, problematizam e norteiam o âmbito
da comunicação, meio ambiente, tecnologia, (pós) modernidade, participação política,
ativismo e discurso. Persistimos, ao longo da investigação, na proposta de contextualização,
de diluir conceitos com exemplos específicos e ilustrar as proposituras com a criação de
cenários relacionados.
A dinâmica da sociedade contemporânea exige diferentes perspectivas de investigação
dos fenômenos tecnológicos contemporâneos, que implicam em mudanças sociais e culturais.
Nesta direção, Martín-Barbero (2009) avalia que é preciso renovar epistemologicamente
formas de construir objetos de conhecimento, adotando pontos de vista diferenciados, a
criação de hipóteses ou contra-hipóteses que desafiem os saberes constituídos e tragam a
maturidade necessária para a pesquisa.
Introduzir a análise do espaço cultural, todavia, não significa
introduzir um tema a mais num espaço a parte, e sim focalizar o lugar onde se articula o sentido que os processos econômicos e políticos têm para uma sociedade. O que no caso dos meios massivos implicaria construir sua história a partir dos processos culturais enquanto articuladores das práticas de comunicação – hegemônicas e subalternas – com os movimentos sociais. Alguns trabalhos já se orientam neste sentido, parciais, mas que nos permitem começar a revelar algumas mediações a partir daquelas que são constituídas historicamente pelos aparatos tecnológicos como meios de comunicação. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.232)
20
O movimento ambiental em rede, entendido como aquele que se molda na cibercultura
e representado aqui pelo Greenpeace, apresenta-se como um objeto autêntico para a demanda
empírica e exploratória, no sentido de nos permitir experienciar a investigação e revelar
evidencias que complementam a perspectiva teórica. Como bem colocam Fragoso, Recuero,
Amaral (2011, p.13-14) a Internet, como uma representação de nossas práticas sociais, e um
meio de natureza mutável e efêmera, exige diferentes formas de investigação, instrumentos e
métodos que saltam ao pesquisador por meio de observações rigorosas e transparentes. Nossa
proposta é abordar a Internet enquanto cultura e tecnologia midiática, enxergando os
fenômenos e formações sociais do contexto, suas estruturas, narrativas, a dimensão simbólica
e material (FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, 2011). Os autores que nos ajudam na
empreitada teórica são muitos, como Manuel Castells (1999) (2000) (2011), Enrique Leff
(2002), Muniz Sodré (2010), Yochai Benkler (2006), Douglas Kellner (2007) (2004), David
Harvey (2004), Zigmund Baumann (2001), Francisco Rudiger (2011), André Lemos e Pierre
Levy (2010), Howard Reinghold (1994) (2004), David de Ugarte (2007), Wilson Gomes
(2011), Sérgio Amadeu da Silveira (2010) e outros, sempre com a preocupação em balizar e
situar as discussões para nosso contexto de pesquisa. Para o embasamento dos procedimentos
metodológicos priorizamos Dominique Maingueneau (2004) (2007) (2008ab) e Patrick
Charaudeau (2008).
O trabalho foi fundamentado empírica e teoricamente com as entrevistas realizadas
com os responsáveis pela comunicação do Greenpeace Brasil e Espanha, para entender os
objetivos, dinâmicas e os resultados da comunicação em rede. E também com os voluntários,
ciberativistas/ativistas e os seguidores da organização1, que nos permitiram realizar uma
sondagem para visualizar, ainda que timidamente, o contexto das mediações e entender as
motivações da participação. A partir desse propósito cabe contextualizar Martín-Barbero
(2009), que traça um mapa das mediações, entendendo a recepção como um processo
individual, porém impregnado de dimensões sociais e culturais. Para o autor, a influência de
um meio só é de fato compreendida se alcançada a forma como as pessoas se relacionam com
ele. “Tudo isso nos exige continuar o esforço por desentranhar a cada dia mais complexa
trama de mediações que a relação comunicação/cultura/política articula” (MARTÍN-
BARBERO, 2009, p.12).
1 De acordo com o portal institucional - www.greenpeace.org/brasil/pt/quemsomos, acesso em 25 fev.2014, a ONG conta 35 mil colaboradores e 300 voluntários. O Facebook do Greenpeace Brasil ultrapassa 1 milhão de seguidores. Em entrevista concedida a nossa tese o coordenador de web do Greenpeace, Élcio Figueiredo, informou que existem mais de 900 mil pessoas cadastradas como ciberativistas – APÊNDICE 1.
21
No caso de processos políticos, no qual incluímos a temática ambiental, as mediações
exigem uma performance simbólica, que provoque na cena da vida pública a “capacidade de
representar o vínculo entre os cidadãos, o sentimento de pertencer a uma
comunidade”(MARTÍN-BARBERO, 2009, p.15), ou, quiçá, a um movimento, uma causa. O
autor observa a relação dos meios de comunicação com as competências de recepção e as
transformações na sociabilidade, inclusive na ascensão dos mais diferentes movimentos em
busca de outras institucionalidades, e que atuam na mediação e transmissão de informações,
introduzindo novos sentidos e diferentes usos sociais dos meios. E esses usos, no nosso caso
de apoiar e participar de campanhas pela Internet podem ser os mais diversos, desde a
apropriação por conformidade, interesse político e/ou humanitário, receio, identificação pelo
discurso e até mesmo motivos jocosos e oportunistas.
Martín-Barbero adiante (2009, p.260) evidencia sua leitura. “Assim, o eixo do debate
deve-se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre práticas de
comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade das
matrizes culturais”. E os movimentos sociais, ao mesmo tempo em que produzem sentido
exterior, também atuam como produtor e forjam uma cultura específica, como o próprio autor
reconhece.
Nesse sentido, as entrevistas para avaliar as mediações, em especial nessa concepção
de recepção que não apenas decodifica mensagens, mas interage, produz e reproduz, tem
como mote compreender os diferentes usos e propósitos que os participantes dão à mensagem
(no caso, recebida pela Internet) avaliando, por exemplo, a quantidade de tempo dedicada, o
entendimento do engajamento nas campanhas, como e por quê aderem às manifestações.
Realizamos uma entrevista semi-estruturada, que teve como base um roteiro de perguntas
previamente elaborado, enviado, majoritariamente, para seguidores contatados pela Internet,
com finalidades exploratórias para o detalhamento de questões pertinentes à nossa
investigação. As entrevistas constam na íntegra no APÊNDICE 1, e são oportunamente
contextualizadas e comentadas no decorrer da Tese, em especial no Capítulo IV, que teve
como proposta debater as motivações da participação.
Mas enquanto Martín-Barbero centraliza suas atenções na comunicação sob a ótica da
cultura, esta por sua vez miscigenada, hegemônica e contra-hegemônica, influenciando
diferentes mediações, nosso trabalho abarca essa perspectiva como um dos procedimentos
para compreender o panorama da circulação e o significado social dos conteúdos gerados pelo
Greenpeace.
22
Nosso núcleo estruturante da estratégia metodológica é baseado na Análise do
Discurso dos produtos virtuais disponibilizados pelo Greenpeace, em seu portal institucional
(www.greenpeace.org/brasil), pois entendemos como o meio “mais convencional de
representar a materialidade expressiva de uma organização na ambiência digital” (SAAD,
2009, p.330). Realizamos uma constante investigação empírica que nos permitiu compor o
seguinte corpus para as análises: elencar os destaques de comunicação da organização, ou
seja, voltar-se para o conjunto atualizável/móvel do portal, localizado sempre na página
inicial em sistema de slider randômico/rotativo, que congrega, em especial, as campanhas em
desenvolvimento, locais e globais, e as notícias de mais interesse e relevância para o trabalho
institucional.
Por meio das campanhas a organização divulga a causa ambiental, alerta para as
problemáticas, exerce pressão política, propõe novas legislações, políticas públicas, projetos,
realiza estudos e levantamentos. E precisa dar visibilidade às temáticas em questão,
conquistar adeptos, colaboradores, ativistas. Daí o destaque que adquirem no portal com
fotos, links, vídeos, notícias relacionadas, propostas de ciberativismo e repercussão nas redes
sociais digitais2 Twitter e Facebook, que também englobamos em nossas análises. O período
que abarcou o nosso corpus teve como marco o início da Rio+20, Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, um evento emblemático e o mais importante para área
ambiental, realizado no Rio de Janeiro em junho de 2012 e que marcou os 20 anos de
fundação do Greenpeace; e seguiu durante um ano.
Portanto, entre junho de 2012 e junho de 2013 acompanhamos em tempo real os
conteúdos de destaque do portal, as repercussões em outras plataformas, as adesões,
compartilhamentos e conversações em redes sociais digitais; observamos o impacto e espaço
das temáticas, as produções multimídias; participamos de eventos e mobilizações virtuais.
Com isso, elaboramos uma quantificação e um posterior diagnóstico da dinâmica
comunicativa do Greenpeace, e pudemos selecionar o conjunto de textos com relevância para
passar pela análise mais sistemática.
A análise compreendeu o ethos e as cenas de enunciação do discurso ambiental na
cibercultura, ou seja, a imagem que se constrói, e as cenas, como recursos argumentativos,
que compõem as mensagens do movimento ambiental e que estabelecem uma maneira de
dizer própria, que faz o público ser digno de fé ou em termos mais atuais, se engajar e seguir a
2 Entendemos redes sociais digitais como sistemas de comunicação pela Internet que conecta rede de pessoas em uma proposta colaborativa de compartilhamento, troca de informações e agregação de afinidades (RECUERO, 2010). No Capítulo III definimos e exemplificamos melhor o conceito.
23
organização. Na sequência fundamentamos nossos procedimentos metodológicos, com amplo
auxílio de Maingueneau (2004) (2005), Charaudeau (2008) em menor escala e Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996) para a formatação do protocolo de análise, na perspectiva da
argumentação.
1.2 A abordagem do ethos e cenas de enunciação
Ethos: Consciência atuante de um grupo social. Lugar de interpretações simbólicas.
Instância de regulação das identidades individuais e coletivas. Maneira ou jeito de agir, de
falar, “a vida definida pelo jogo aleatório de carências e interesses” (SODRÉ, 2010, p.45-46).
A questão do ethos, como se presume, remonta à retórica antiga, à proposta aristotélica
que dividiu os meios discursivos que influenciam o auditório em três categorias principais - o
logos, o pathos e o ethos - sucessivamente a razão, a paixão e o costume, este último
diretamente relacionado ao orador, a quem emite a mensagem, e que necessariamente precisa
causar boa impressão, seja pelo tom de voz, pela modulação da fala, escolha de palavras,
gestos, argumentos ou mesmo pelo modo de se vestir. (CHARAUDEAU, 2008;
MAINGUENEAU, 2008b, 1997). As propostas de Aristóteles incluíam ainda os itens
necessários para a construção de uma imagem positiva de si, resumidamente a prudência,
virtude e benevolência.3.
Essa maneira de dizer que evoca uma forma de ser e atua como um elemento central
da retórica é apropriada e remodelada pela Análise do Discurso na década de 1980, e o
conceito de ethos passa a ser parte integrante e inerente ao ato de enunciação em si,
implicando ainda em uma experiência sensível de discurso, que mobiliza a afetividade do
destinatário (MAINGUENEAU, 1997, p.56). Mas a abordagem é ampla e suscita os mais
diferentes investimentos de estudo – desde modelos estáveis para formação de identidades de
grupos, de traços de caráter do orador, por exemplo, até formas instáveis, como do ethos
conveniente a cada tipo de público, construído para suscitar paixões, alinhado ao ethos do
auditório, e ainda ao persuasivo, pronto para mobilizar. “A persuasão só é obtida se o
auditório constatar no orador o mesmo ethos que vê em si mesmo: persuadir consistirá em
fazer passar em seu discurso o ethos característico do auditório, para dar-lhe a impressão de
que é um dos seus que se dirige a ele”. (MAINGUENEAU, 2008, p.58). E, nesse âmbito,
3 Os termos são colocados por Maingueneau (1997, p.45) retomando Aristóteles, originalmente, como phronesis – ponderação e prudência, areté - atitude franca, de verdade e virtude e eunóia – imagem agradável e benevolente.
24
encontramos convergência com nossa proposta de entender o ethos do movimento ambiental e
suas estratégias para atrair diferentes tipos de público pela Internet, utilizando, por exemplo,
de códigos específicos da contemporaneidade, privilegiando a rede virtual e suas ferramentas
para se aproximar e constituir uma comunidade discursiva, que apresenta um código
linguageiro4, facilmente identificável. A retórica aristotélica também se mostra pertinente na
medida em que vê o ethos como um processo de influência sobre o outro.
Essa proposta da persuasão bastante alinhada à vertente da retórica é prudente, mas no
nosso caso, do ethos discursivo, trata-se de apenas um dos elementos que se compõem nos
modos de difusão do enunciado. O ethos ultrapassa a argumentação e persuasão e apresenta-
se como uma noção híbrida, integrada a uma conjuntura sócio-histórica determinada
(MAINGUENEAU, 2008, p.63).
Nesse amplo panorama, sem negligenciar sua complexidade e possibilidades, é preciso
fazer escolhas para abarcar o ethos enquanto referencial metodológico, e aqui optamos pela
noção inscrita no quadro da Análise do Discurso, no sentido de Maingueneau, que estabelece
uma relação entre corpo e discurso, que não é o necessariamente dito, mas se mostra, e está
diretamente ligado aos 'atos' da enunciação. Em suma, o conceito visa refletir sobre “o
processo mais geral da adesão de sujeitos a uma certa posição discursiva”(MAINGUENEAU,
2005, p. 69). Está relacionado à aparência do ato de linguagem, naquilo que o sujeito falante
dá a ver e entender. “O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre
aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro
vê”(CHARAUDEAU, 2008, p.115). Integra a construção de uma identidade social, por meio
de um discurso e de um ambiente edificado em uma dinâmica do verbal e não verbal.
O público receptor constrói a ideia do ethos antes mesmo da manifestação direta. “De
fato, mesmo que o coenunciador não saiba nada previamente sobre o caráter do enunciador, o
simples fato de que um texto pertence a um gênero de discurso ou a certo posicionamento
ideológico reduz expectativas em matéria de ethos” (MAINGUENEAU, 2005, p.71). Neste
caso, vale ressaltar que o ethos se reconhece na enunciação, mas é fato que o histórico do
movimento ambiental, a própria trajetória da organização escolhida para análise, já traz
indícios pré-discursivos antes mesmo de conhecer a estrutura comunicativa virtual da
organização, por exemplo.
4 Charaudeau e Maingueneau (2004, p.97) definem o código linguageiro como um posicionamento que mobiliza a linguagem, resultante de variedades de língua acessíveis tanto no tempo como no espaço, em uma conjuntura determinada.
25
Diversos ethos são evocados e permitem a incorporação de um leitor tomado no
movimento da enunciação, é o caso justamente do ethos pré-discursivo que pode ser previsto
antes mesmo de qualquer revelação textual, considerando o estilo, os objetivos, o
conhecimento prévio que se tem do enunciador e a própria trajetória histórica. Já o ethos
discursivo (ou mostrado) não é dito diretamente, mas pode ser reconstituído através das pistas
fornecidas pelo discurso. Enquanto o ethos dito está ligado propriamente aos fragmentos do
texto, que fazem referência direta ao enunciador. Portanto, o ethos efetivo, como o
destinatário compõe, trata de uma interação entre os diferentes tipos, como o pré-discursivo, o
discursivo propriamente, o ethos dito e mostrado.
A maneira pela qual o destinatário apropria-se do ethos e adere às ideias, o que nos
interessa sobremaneira, denominada como incorporação, guarda relação direta com a
vocalidade do discurso. “Parece-nos que a fé em um discurso, a possibilidade de que os
sujeitos nele se reconheçam presume que ele esteja associado a uma certa voz”
(MAINGUENEAU,1997, p.46) que o autor prefere denominar como tom, possibilitando
ampliar a noção tanto para discursos falados como para textos escritos. Esse tom está
integrado a um caráter e a uma corporalidade, isto é, à representação do corpo do enunciador
da formação discursiva. “Corpo que não é oferecido ao olhar, que não é uma presença plena,
mas uma espécie de fantasma induzido pelo destinatário como correlato de sua leitura”
(MAINGUENEAU, 1997, p.47).
Assim, qualquer discurso escrito possui uma vocalidade específica, que se manifesta
no momento da enunciação, indicando o tom do discurso e, ao mesmo tempo, permitindo ao
coenunciador delinear um perfil do enunciador, concebido, muitas vezes, com base em
representações sociais, estereótipos e esquemas determinados culturalmente, que fazem
insurgir a figura do fiador. O fiador implica em um mundo ético, ativado na enunciação, no
movimento de leitura, constituído e acessado a cada conjuntura. Mas o autor vai além. “O
fiador, cuja figura o leitor deve construir com base em indícios textuais de diversas ordens,
vê-se, assim, investido de um caráter e de uma corporalidade, cujo grau de precisão varia
conforme os textos” (MAINGUENEAU, 2005, p.72). Em outra obra Maingueneau (2004,
p.99) ressalta que “a qualidade do ethos remete, com efeito, à imagem desse fiador que, por
meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que ele deverá
construir em seu enunciado”. Manifesta-se uma instância subjetiva que não levanta um
estatuto, mas uma voz que provoca o público a identificar-se com “a movimentação de um
corpo investido de valores historicamente especificados” (MAINGUENEAU, 2005, p.73).
26
Obviamente que há outras questões no processo, não menos relacionáveis, como a doutrina,
as filosofias, as ideias que movimentam o indivíduo. Mas, pensando preliminarmente no
fiador, este pode transparecer na enunciação do movimento ambiental como um indivíduo
panfletário, catastrófico, apelativo, mas, em outros momentos, como parceiro ou solidário. E a
fala ambientalista tem um fiador e ativa um mundo ético característico, que pode restringir o
meio ambiente aos estereótipos de fauna e flora, por exemplo, colocando a natureza como
algo externo, isolado, que o homem tem que defender.
Na mesma linha, Amossy (2005, p.120) argumenta que a eficácia da palavra está
ligada à autoridade do orador. Nesse sentido, ela indaga se o ethos deve ser considerado uma
“construção puramente linguageira ou uma posição institucional?” A autora retoma Bourdieu
ao afirmar que não existe relação pura de comunicação, porque a palavra e sua força não se
concretizam propriamente na linguística, mas implicam na autoridade do locutor: “o discurso
não pode ter autoridade se não for pronunciado pela pessoa legitimada a pronunciá-lo, em
uma situação legítima, portanto, diante dos receptores legítimos” (AMOSSY, 2005, p.120). O
ethos, nesse contexto, consiste em grande parte na autoridade exterior do locutor, ou seja, sua
fala concentra capital simbólico acumulado. Tem-se, então, a perspectiva interacional, no
sentido da troca entre os participantes, e institucional, considerando que a troca está
relacionada à função social de tais integrantes. Há, assim, na construção do ethos, a imagem
que se faz do público a quem se vai dirigir e, ao mesmo tempo, o orador constrói sua própria
percepção em função da imagem que ele faz de seu auditório, conforme Amossy (2005,
p.134), “a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso é modelada pelas
representações sociais que ele julga partilhadas por cada uma das frações de seu público”.
O estereótipo, para Amossy (2005, p.125), desempenha papel essencial no
estabelecimento do ethos, no sentido em que pensa o real por meio de uma “representação
cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado”, ao mesmo tempo em que é ativado
pelo corpo do fiador, como prefere Maingueneau (2008), ou remete a imaginários sociais, na
opinião de Charaudeau (2008). O fato é que se procura atingir o público por meio de
premissas éticas e políticas, às quais ele é suscetível de aderir imediatamente, e a
estereotipagem é a muleta nesse caso, um modelo para construir a imagem do público e
consentir um discurso de acordo. Assim, é relevante pensar no ethos do movimento ambiental
na perspectiva institucional e construção discursiva, buscando entender quem é o auditório do
Greenpeace. Haja vista a emergência do movimento ambiental na modernidade, o discurso
27
seria voltado para jovens? Com formação superior? Público plenamente educado? Ou mais
focado nos próprios entusiastas da causa?
Mas as modalidades de apresentação em uma situação discursiva preveem a criação de
cenas de enunciação, da qual o ethos é parte constitutiva, desdobrando um código linguageiro
para abordar um conteúdo. E aqui não se trata de uma simples cena ou mesmo um quadro
estável e ou independente, “mas aquilo que a enunciação instaura progressivamente como seu
próprio dispositivo de fala” (MAINGUENEAU, 2008, p.70).
As cenas de enunciação são compreendidas em três categorias principais, para
Maingueneau. A primeira como englobante, sendo o tipo de discurso um regulamento
pragmático necessário para que o investigador se situe ao interpretá-lo. Em seguida, a
genérica, que está relacionada ao gênero ou subgênero, que forma o quadro cênico do texto,
definida como “espaço estável no interior do qual o enunciado adquire sentido – o espaço do
tipo e do gênero de discurso” (MAINGUENEAU, 2004, p.87), onde se permitem cenografias
diferentes. O próprio estatuto da enunciação, para o autor, depende dos gêneros, e as possíveis
coerções de gênero estão presentes desde, por exemplo, o ethos pré-discursivo. Esse tipo de
classificação organiza a estrutura narrativa e a própria práxis discursiva, mas não será nosso
foco. Enquanto nossa cena englobante pode ser delimitada como o discurso ambiental
veiculado na Internet, a cena genérica, de acordo com nossa proposta de análise, são as
campanhas realizadas e disponibilizadas como uma seção/gênero dentro do tipo de discurso,
que possibilita diferentes cenografias. Mas é só no decurso do texto que é possível identificar
a cenografia que legitima o discurso, agrega o ethos, o conteúdo e o próprio código
linguageiro e, de maneira mais autoral, se enreda com base em uma dêixis discursiva, que
veremos mais à frente.
Essa tal cenografia é construída dentro do próprio texto, que pode ter apelos e
construções variadas, como é o caso dos discursos políticos, publicitários e até mesmo os
ambientais, que mobilizam diferentes cenografias, “uma vez que, para persuadir seu
coenunciador, devem captar seu imaginário, atribuir-lhe uma identidade invocando uma cena
de fala valorizada” (MAINGUENEAU, 2005, p.76). A cenografia não só legitima o
enunciado como atua como um recurso argumentativo utilizado para se aproximar do leitor,
ou, melhor, harmonizar-se com o perfil de seu público ideal. E não se restringe a um tipo
único de cenografia, pois o repertório de cenas varia em função do grupo visado pelo
discurso. Há, normalmente, uma cena genérica rotineira da comunicação pela Internet para
28
fazer denúncias ambientais em um quadro de seriedade, preocupação e acusações, mas a
cenografia mostra muitas vezes tom irreverente, jocoso ou mesmo emotivo.
Existem ainda, segundo Maingueneau (2005) as cenas validadas, ou seja, já instaladas
na memória coletiva, seja como antimodelo ou modelo valorizado, que não se caracteriza
propriamente como discurso, mas como estereótipo autonomizado, descontextualizado,
disponível inclusive para outros textos em outras circunstâncias. A 'cena validada' fixa-se, por
exemplo, em representações estereotipadas. Neste sentido, vale o questionamento se existe
uma cena validada no movimento ambiental.
Mas os autores já adiantam que não é tão fácil pressupor o ethos produzido no
destinatário. Há zonas de variação e mesmo modelos que se pressupõem convencionais, em
parte fixos, mas como estão inseridos em articulações discursivas que não são permanentes,
podem simplesmente se alterar, modificar ou mesmo apresentar brechas de incorporação, para
não perdermos o foco dos autores. E não existe um único ethos, mas vários, em diferentes
cenografias, apoiados pelo conteúdo apresentado, e que mobilizam a adesão do sujeito.
Não podemos esquecer ainda que a face social e textual do discurso integra não só
uma formação, mas também uma comunidade discursiva, entendida como “redes
institucionais específicas que partilham, geram e produzem o discurso” (MAINGUENEAU,
2008, p.44). A comunidade é balizada justamente pelos discursos que emergem no interior de
si própria. Avaliamos, como ressaltam os autores, que não é possível compreender o discurso
de um grupo desvinculando seu conteúdo das instituições que os produzem, é preciso
relacionar ideias e lugares. No entanto, como lembra Maingueneau (1997, p.61), é inviável
afirmar que todos que aderem a um determinado discurso tenham envolvimentos diretos ou
equivalentes com as tais comunidades, mas, sem dúvida, elas são significativas na sua
constituição e eficácia. Um discurso amplo, como o ambiental, pode ir além da própria
comunidade, mas se respalda e se constrói nela.
Outro conceito importante, que integra o ethos e sedimenta as cenas de enunciação, é a
noção de dêixis discursiva como o espaço e tempo do discurso, em estruturas muito mais
profundas do que a data e os locais de produção de um texto, mas abrangendo uma cena
fundadora que respalda a legitimidade de um discurso. A palavra dêixis, de origem grega, tem
como significado a ação de mostrar os indicativos gramaticais que são claramente
identificados e revelam as pessoas, o lugar e o momento do enunciado, em uma relação da
expressão linguística com a situação de enunciação. Mas se no sentido estrito a dêixis é
claramente identificada, na perspectiva discursiva esse processo vai além do explicitado e
29
remete a um lugar do discurso fundador, muito pertinente à nossa análise. Portanto, o discurso
ambiental aqui analisado não é propriamente o produzido em 2012/2013, mas aquele no
interior de uma cibercultura, que emerge na crise do capitalismo, em uma configuração pós-
moderna, midiática, moldado pelas tecnologias que delimita a cena e autoriza o discurso. “De
uma maneira ou de outra, trata-se de estabelecer uma cena e uma cronologia conforme as
restrições da formação discursiva” (MAINGUENEAU, 2007, p.93). Assim, o trabalho ganha
força e estatuto para entender o discurso como algo amplo, em movimento, mas constituído
em valores sócio históricos. Os discursos, ou melhor, a aceitação deles, está diretamente
relacionada à conjuntura em que eles se inscrevem e às instituições que os representam. O
discurso ambiental da década de 1980, por exemplo, não tinha a mesma efetividade e espaço
na sociedade que ocupa hoje. A dêixis revela-se como legitimadora do sujeito, do lugar e do
tempo de um discurso, como o ambiental, que se evidencia como orientador de posições na
sociedade contemporânea.
Isso posto, nossa tarefa foi identificar o ethos - a construção da imagem do movimento
ambiental, no contexto da cibercultura, indicando também os elementos que compõem a
cenografia: os conteúdos e as cenas construídas para persuadir o público e que caracterizam a
força política e de mobilização da organização. Para tanto, percorremos um caminho que
passa por um amplo processo empírico, composição de um diagnóstico quantitativo, para
posterior análise qualitativa com base em um conjunto de itens que nos pareceram mais
pertinentes para oferecer resultados de consistência para a nossa Tese. Nossos passos são
detalhados a seguir.
1.3 Modos de fazer
Nossa proposta aqui foi estabelecer um padrão para as análises de discurso das
campanhas do Greenpeace, apresentando e justificando as escolhas que nos levaram a
formatação de um protocolo de análise – um modelo de conhecimento e reconhecimento
discurso ambiental - com auxílio das leituras da Análise do Discurso, em especial
Maingueneau (1997, 2007, 2008a,b), Charaudeau (2008) e também, neste momento, Perelman
e Olbrechts-Tyteca (1996). A constituição do ethos, como já evidenciada, foi peculiar para
entender a adesão dos sujeitos à posição do discurso ambiental que, por meio da Internet, não
só apoiam, mas fazem doações, participam de manifestos, assinam petições, repercutem
mensagens. Por mais que meio ambiente seja um assunto universal, atrativo, com inerentes
30
valores humanos, há elementos no discurso ambientalista muito particulares, que além de
caracterizarem uma (ciber) cultura própria, atuam para a persuasão coletiva. Maingueneau
(2008b) ressalta, e com razão, que a noção de ethos é muito intuitiva e, assim, pode dar
margem aos questionamentos, então, para uma exploração adequada é necessário estabelecer
uma problemática precisa, “privilegiando esta ou aquela faceta, em função, ao mesmo tempo,
do corpus que nos propomos a analisar e dos objetivos da pesquisa que conduzimos, mas
também da disciplina, isto é, do que é corrente no interior da disciplina em que se insere a
pesquisa” (MAINGUENEAU, 2008b, p.12).
Partimos do pressuposto de que as relações sociais são constituídas pela linguagem, e
é por ela que o locutor constrói a imagem de si mesmo, portanto, estabelece um ethos e uma
cena de enunciação legitimadora. Mas existe uma multiplicidade de análises do discurso e
objetos, assim como podem ser muitas as explorações e os procedimentos discursivos que
compõem o ethos (MAINGUENEAU, 2008, CHARAUDEAU, 2008). Nesse panorama, é
preciso ter clara as preocupações de cada conjuntura, e o olhar da pesquisadora guiou as
escolhas e os recortes consistentes, centrados nos objetivos principais, que garantiram uma
avaliação sólida que nos permitiu delinear a identidade criada, o movimento discursivo
próprio, que faz com que as pessoas se engajem, ainda que possamos e devemos discutir os
níveis de envolvimento. Portanto, não procuramos aplicar cegamente um método a um corpus,
mas aliar técnicas em uma estratégia flexível e questionadora. “É o fato de levar em conta a
singularidade do objeto, a complexidade dos fatos discursivos e a incidência de métodos de
análise que permite produzir estudos mais interessantes” (MAINGUENEAU, 1997, p.19).
Nosso recorte não foi reservado a entender as técnicas de persuasão em padrões
rígidos, ainda que eles sejam necessários para organizar e mensurar a práxis, mas persistimos
em um trabalho reflexivo, que contemplasse a estrutura histórica, os valores sociais e culturais
do movimento ambiental enquanto locutor/enunciador, a situação de comunicação, a dêixis
enunciativa, entre outras questões que compõem os “modos de expressão capazes de produzir
efeitos de ethos” (CHARAUDEAU, 2008, p.168).
Para análise dos conteúdos das campanhas e das informações produzidas e divulgadas
pelo Greenpeace no âmbito da Internet elaboramos um protocolo de análise composto por
fase de diagnóstico e componentes qualitativos, aplicados ao corpus, que evidenciaram as
estratégias discursivas, abrangendo a análise do texto linguístico propriamente e os
componentes externos ao texto. Mas não buscamos exposição de grade sistemática ou a
exaustividade, mas marcas no discurso, pistas que vão além do texto, uma vez que ele é
31
apenas um dos rastros de um discurso inserido em um abrangente quadro de enunciação.
Além disso, recorrendo mais uma vez a Maingueneau (2008b, p.73). “de fato, o que nos
interessa, antes de mais nada, é o estudo do funcionamento discursivo, não a origem das
categorias que somos levados a utilizar”. Em todo o caso, tomamos o cuidado de explicá-las.
1.3.1 Fase de diagnóstico
Em um primeiro momento, realizamos um amplo diagnóstico das campanhas
veiculadas no portal do Greenpeace Brasil, que integram a seção de destaque, durante os anos
de 2012 e 2013, com início a partir da realização da Rio+20, Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, realizada de 13 a 22 de junho, no Rio de Janeiro, totalizando
um ano de observações e levantamentos. Essa etapa tem aproximação com que Fragoso,
Recuero e Amaral (2011) denominam como codificação, no que se refere a construção de
categorias para o reconhecimento de padrões. A cúpula funciona como um marco para nosso
mapeamento por pontuar os 20 anos de Greenpeace no Brasil - a ONG foi fundada
oficialmente no contexto da Rio 92 - além de se tratar do maior evento temático do planeta
que mobiliza diferentes organizações ambientalistas, entre elas, o Greenpeace, que tem essa
vinculação histórica.
Neste item, elaboramos uma tabela (ver APÊNDICE 2 - Levantamento demonstrativo)
descriminando os destaques do portal durante o período, as principais temáticas e campanhas
relacionadas. Buscamos sofisticar o diagnóstico incluindo na tabela um campo para visualizar
a repercussão no universo online, descrevendo se o conteúdo estava presente também nas
redes digitais Twitter e Facebook, considerando a força e relevância que esses softwares
sociais adquiriram (LEMOS, LEVY, 2010). Indicando, por exemplo, a quantidade de
comentários e compartilhamentos, se transcende o virtual e alcança a mídia convencional. É
fato que a mídia massiva ainda é o espaço de reconhecimento legitimado, de esfera pública
enraizada, portanto atingi-la tem peso e importância para as mensagens (LEMOS; LEVY,
2010, p.26). E ainda para esboçar o quadro do potencial político das publicações, também
indicamos se o conteúdo estava vinculado à propostas políticas mais incisivas como petições
e projetos de lei.
Este diagnóstico nos permitiu reconhecer e quantificar o corpus, uma vez que estamos
trabalhando com campanhas na Internet, portanto, variáveis, numericamente indefinidas, que
tanto podem permanecer por um ano como por um dia no portal. Além de traçar o perfil da
32
organização, com bases mensuráveis, sem pretensão estatística, mas identificando,
preliminarmente, a quantidade de destaques, sua apresentação no portal e redes sociais
digitais, as principais características das campanhas, e já sinalizando para os prováveis ethos e
dando subsídios informativos e quantitativos para a Análise do Conteúdo.
Para nossa análise especificamente, buscamos componentes qualitativos, procurando
nos concentrar nos indícios textuais propriamente, a partir de três classes principais: Itens
Lexicais, Encadeamento/Técnicas Argumentativas e Destacabilidade . Essa proposta permitiu
inferir sobre o ethos e as cenas de enunciação do movimento ambiental na cibercultura, e
sinalizar para os elementos que os envolvem, como o próprio ethos pré-discursivo, o fiador e
os esquemas de estereotipização.
1.3.2 Itens lexicais
Trata-se de um campo muito abrangente, mas indispensável, uma vez que o
vocabulário, locuções e expressões compõem um conjunto de palavras-chave que,
consequentemente, compõem o código linguageiro e clareiam a posição do discurso. Neste
contexto, procuramos abarcar os substantivos e seu conteúdo ideológico, explicitamente mais
revelados, mas também advérbios, adjetivos e verbos que possam caracterizar o discurso
ambientalista. E não só em aspectos qualitativos, considerados mais apropriados, mas, na
medida do possível, avaliamos a frequência de determinados termos que acabam por
caracterizar o discurso. Vale lembrar, porém, que não se trata apenas do vocabulário puro,
mas das relações que ele estabelece no contexto. Por exemplo, palavras que não são próprias
do terreno ambientalista, mas ali aparecem com um estatuto privilegiado, empregadas de
forma deliberada para integrar um sistema de restrições específico, podem dar pistas
importantes. “O vocabulário encontra-se necessariamente situado no cruzamento de múltiplas
instâncias, da cena enunciativa aos modos de coesão textual, passando pelo interdiscurso.”
(MAINGUENEAU, 1997, p.155).
No conjunto lexical buscamos também identificar as três zonas de vocabulário
proposta por Maingueneau (1997, p.144), sendo: neutralização discursiva, que intenta um
consenso no sentido da palavra (no meio ambientalista temos o exemplo da expressão
desenvolvimento sustentável); fechamento de um saber, em que o termo é definido e não dá
margem para outras interpretações; e, por fim, a contradição aflorada, quando as palavras
estabelecem uma relação polêmica e revelam conflito. Essa possibilidade do vocabulário
33
gerar relação conflituosa é uma realidade no discurso ambientalista combativo, que traz em si
uma memória polêmica, mas suas nuances precisam ser desvendadas com propriedade.
Normalmente, as organizações ambientalistas ressaltam assuntos em controvérsia, insistem
em pontos de crítica, realizam acusações diretas e condenam o discurso, o posicionamento do
outro, desqualificando-o. “A polêmica não se instaura de imediato; ela só se legitima ao
aparecer como a repetição de uma série de outras que definem a própria memória polêmica de
uma formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.124).
Contemplamos aqui também os verbos utilizados, incluindo os verbos introdutórios de
opinião ou aqueles destinados a introduzir declarações ou discursos relatados, como prefere
Maingueneau (1997, p.88). Os verbos revelam conjecturas: segurança (afirma, assegura)
verdade (revela, desvela) opinião (acredita, pensa, julga). No mais, intuímos sobre o peso, o
valor das palavras utilizadas e sua conotação. Convém exemplificar aqui, com apoio de
Charaudeau (2008) que o exagero de expressões técnicas, por exemplo, pode remeter ao ethos
de competente, enquanto termos como ‘talvez’ e ‘pode ser’ ilustram um ethos não autoritário
e o uso de palavras coloquiais e gírias podem revelar intimidade (ou a tentativa de) com o
interlocutor.
1.3.2 Encadeamento/Técnicas Argumentativas
O emprego de figuras de linguagem, o fenômeno da ironia, as marcas da pontuação, a
maneira própria de construir parágrafos e argumentar, passar de um tema para outro em cada
plataforma virtual, por exemplo, além da ordenação desses argumentos, indicam um
movimento importante para conhecer o ethos e as cenas de enunciação.
Buscamos aqui uma semântica global - avaliar um sistema de ideias - auxiliado pelo
Tratado de Argumentação postulado por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), que fazem uma
releitura da retórica aristotélica, apresentando as mais variadas e arenosas técnicas de
argumentação utilizadas para conseguir a adesão do público. Para os autores (1996) a mera
descrição dos fatos não é suficiente, é preciso englobar a função e a posição social na
autorização da fala, com meios argumentativos, visando um público específico, para galgar os
34
estágios de persuasão e convencimento5. As diferentes estratégias utilizadas garantem a
intensidade da adesão, o que, no nosso caso, pode desencadear manifestações, mobilizações
em rede, apoio e respaldo às campanhas ambientalistas. Uma das formas de construir
argumentos com força persuasiva é invocar autoridade, mostrar competência técnica, trazer
elementos de comparação, aproximação (de acordo com cada grupo e códigos culturais
específicos), exemplos, empirismo dos fatos, verossimilhança, probabilidade e ou hipóteses.
A hierarquia dos argumentos apresentados também é importante, pois o lugar dado aos
elementos modifica seu significado. O que é mais importante, normalmente, localiza-se logo
no início, ainda mais considerando a forma de divulgação rápida e instantânea feita pela
Internet. A orientação dos autores é que a construção dos parágrafos seja arquitetada de forma
incisiva, convincente, com todos os aspectos verossímeis e sem doses exageradas de emoção,
catastrofismo, que podem reduzir a força dos argumentos. No entanto, não raro podemos
observar frases mal adaptadas ou irrelevantes, mas que são colocadas no debate para adestrar
as emoções do orador.
Nessa proposta de construção dos argumentos um recurso muito utilizado são as
figuras que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) designam de maneira muito ampla,
alcançando desde figuras de estilo, de linguagem, de retórica e de argumentação, até figuras
de escolha e presença, incluindo a pontuação como um tipo também figurativo. Para os
autores é improvável de antemão definir o que são figuras, porque ela deve ser conhecida e
interpretada no interior do conteúdo apresentado, mas para efeitos de definição a figura aqui é
colocada como um elemento que ilustra, diversifica e relaciona a construção textual,
diferencia a função denotativa da conotativa. Entre elas elencamos as mais importantes no
contexto estudado e que contribuem para a elaboração das cenas enunciativas. É o caso da
metonímia ou sinédoque, que propõe a substituição de um nome por uma qualidade ou
característica, o que pode indicar a qualificação de alguém ou coisa de modo útil para a
argumentação. A sinonímia que, enquanto repetição de uma mesma ideia, causa um efeito de
presença e constância. Além da hipérbole que, como figura que remete ao exagero, pode
provocar a ampliação do ethos, e da metáfora – essa, na opinião de Perelman e Olbrechts-
Tyteca (1996), merece uma atenção especial, e estabelece uma relação direta com outras
figuras como a alusão e a própria hipérbole. Resulta em uma “analogia condensada” 5 Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p.30 - 31) fazem uma discussão exaustiva sobre as diferenças entre persuasão e convencimento, e definem, em suma, que para o resultado final da argumentação persuadir vai além de convencer, pois “a convicção não passa da primeira fase que leva a ação”. Já para o caráter racional da adesão, convencer está acima de persuadir, uma vez que se faz por elementos objetivos e concretos, ao contrário da persuasão que prioriza aspectos emotivos.
35
(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 453), um processo de aproximação que se
dá por meio de substantivos, adjetivos ou mesmo verbos, e que institui uma assimilação entre
o foro e um tema no discurso. Essa forma de expressão que não deixa de ser simbólica pode
ter um caráter inusitado, poético, dependendo do meio cultural e da analogia que evoca
(PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.464).
Aqui entra também o metadiscurso usado na construção das argumentações como uma
estratégia para se explicar melhor, marcar uma inadequação de termos, uma correção, ou
mesmo se fazer entender antecipadamente, o que retifica a trajetória da enunciação e
direciona as intenções interpretativas do locutor. São polimentos que organizam o discurso e
mostram domínio de suas dimensões. O discurso ambiental stricto sensu, por não ser de
conhecimento comum, pode necessitar de operações metadiscursivas para auxiliar na
compreensão da complexidade das problemáticas.
As marcas e pontuações também são relevantes na construção semântica e ditam o
ritmo do texto. O termo aspeado, por exemplo, refere-se a outro espaço enunciativo que o
locutor em questão não quer assumir. As aspas, nesse sentido, assinalam a relação com o
exterior, enquanto a ausência desse sinal pode indicar uma construção unicamente endógena.
As aspas têm relação com o implícito, podendo indicar ênfase, aproximação, proteção, ou
mesmo ironia (MAINGUENEAU, 1997, p.90) e o deciframento depende do destinatário. O
fenômeno da ironia, também importante e por vezes referenciado com as aspas, evidencia
uma voz diferente do locutor, um recurso sutil, mas defensivo, que subverte as normas da
instituição da linguagem e da própria coerência ao dizer o que não se quer dizer. Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996, p.236) também dão atenção à ironia e a colocam como um
procedimento de defesa, que exige conhecimentos complementares para a interpretação e uma
posição muito bem demarcada do locutor.
Há ainda o uso de reticências, por exemplo, outra marca do discurso, que pode indicar
interrupção violenta da frase, truncamento, dúvida, espaçamento, silêncio. Além da utilização
de outras pontuações com significados mais óbvios como a interrogação e a exclamação, que
compõem esta fase de encadeamento.
Neste item, portanto, nos orientamos pela construção e hierarquização dos
argumentos, a utilização e identificação de figuras e marcas que podem balizar o ethos e as
cenas de enunciação.
36
1.3.3 Destacabilidade
Este item se mostrou bastante pertinente para a nossa análise, pois abrange uma
tendência do discurso ambientalista, que é o uso de máximas, expressões, o que Maingueneau
(2008) denomina enquanto destacabilidade. Em suma, pequenos enunciados com vocação de
dizer e tomar uma posição, que se transvestem em fórmulas. E ainda que o conteúdo não seja
original, esses breves enunciados, inseridos como títulos, intertítulos ou mesmo no final de
frases ou em legendas, devem ser percebidos como inéditos e imemoriais, dependendo do
formato.
Um dos exemplos é o que o autor denomina enquanto máxima heroica, que são curtas,
bem estruturadas, de modo a impressionar, a serem facilmente memorizáveis e reutilizáveis.
Elas devem, além disso, ser pronunciadas com o “ethos enfático conveniente”
(MAINGUENEAU, 2008, p.77). São asserções generalizantes completas, que podem ser
destacadas do próprio ambiente textual, mas são dignas de ser consagradas e autonomizadas,
atribuídas a um sujeito em específico, ou, no nosso caso, a uma instituição. A relação com o
heroísmo se dá pela autonomia da enunciação que preceitua a si próprio e aos outros. Os
gestos do herói se universalizam e o pequeno enunciado auxilia a corroborar isso.
Maingueneau (2008) também denomina, no âmbito da destacabilidade, a
sobreasseveração, uma expressão recortada (e ou que se sobressai do texto), para formar um
contexto semântico apropriado para a realização do discurso, revelando também uma tomada
de posição em meio a um conflito de valores. Aqui as ideias do texto são transformadas em
uma proposta, uma espécie de sentença, com a figura de um enunciador forte e presente que
revela um ethos, inicialmente autorizado, que estabelece valores e dá força à argumentação. A
sobreasseveração pode ser fraca quando diretamente relacionada ao texto de origem e forte
quando dissociadas da origem, portanto, são fragmentos associados ou mesmo dissociados do
texto.
37
No discurso ambiental essa destacabilidade pode indicar sobreasseveração, mas como
sequências formatadas e apropriadas, sinalizam para a formação de slogans com potencial de
transformarem, na linguagem virtual, em hashtags 6 e ou peças virtuais para o ciberativismo,
por exemplo. O slogan, mesmo diretamente ligado a fórmulas autônomas e de publicidade,
também tem espaço em movimentos militantes, como o ambiental. Slogans militantes são
coletivos, assegurados por grupos e comunidades suportes, que enunciam e trazem resultados
efetivos. Além de caracterizar um enunciado, o slogan adquire um estatuto de autoridade e
ação, e, no caso militante, pode prever um potencial inimigo sob o qual se quer sobressair
(MAINGUENEAU, 2008; PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 1996).
Diferente da sobreasseveração, que põe em relevo determinada sequência sobre um
fundo textual, Maingueneau (2008) levanta também o destaque aforizante, que atribui um
novo estatuto à enunciação, que não necessariamente foi expressado no texto de origem.
Deste modo, é preciso analisar a tensão entre o fato do enunciado aforizante se pretender fora
de todo texto e estar efetivamente em um texto que o cita. Trata-se de uma fórmula autônoma,
diretamente interpretada e generalizante, dirigida ao todo, para compreensão, de instância
anônima, sem contexto.
Com esse percurso traçado, selecionamos os itens de destacabilidade mais comuns e
como eles compõem a cenografia. Avaliamos que esses breves enunciados estabelecem um
fio condutor que compõem a cenografia da comunicação ambiental no espaço virtual,
juntamente com os outros elementos do léxico e das técnicas argumentativas.
1.3.4 Componentes externos ao texto linguístico
Como se trata de uma avaliação multimidiática, os elementos que complementam o
texto como imagens, vídeos e animações, cores e cenas predominantes, que podem revelar
tendências e perfis estereotipados, foram devidamente elencados na amostra quantitativa e
discutidos na etapa de aprofundamento. No caso dos vídeos e outras produções recorremos a
Charaudeau (2008) e avaliamos os procedimentos expressivos que caracterizam a enunciação
em sua forma oral, ou seja, a maneira de falar. Elementos como a velocidade e o ritmo da fala
(o tom fraco, forte, tranquilo), a construção de frases, os níveis de agressividade, tipo de
entonação, o ritmo, e outras questões que apresentam vocalidades específicas para
6 Em tradução livre hashtag significa rótulo/etiqueta, e são termos utilizados para indicar o assunto em pauta, especialmente no Twitter, normalmente precedida do símbolo #. Essas hashtags são elementos importantes de destacabilidade e merecem investigação até pela centralidade que adquirem nas redes digitais.
38
composição, por exemplo, de um ethos profissional, combativo, irônico. Assim, dividimos
essa categoria em 1)Fotos, desenhos, imagens, 2) vídeos e 3) cores/cena predominante.
Para adentrar na dinâmica comunicativa, nas estratégias, ferramentas e mídias
disponibilizadas pelo Greenpeace, nas próximas páginas apresentamos uma pertinente
descrição deste contexto, tendo como ponto de partida o portal institucional, e como horizonte
a emergência de uma cibercultura ambiental.
39
1.4 A expressão comunicativa em rede do Greenpeace
Figura 1. Reprodução da página inicial do portal do Greenpeace Brasil
40
Postulamos o Greenpeace como um exemplo de movimento social que soube se
apropriar das tecnologias para expandir fronteiras, angariar adeptos, divulgar a causa, pautar a
sociedade e provocar debates na esfera pública referentes à questão ambiental. A organização,
presente em 40 diferentes países de todos os continentes, conta com 33 portais eletrônicos
institucionais, além de manter blogs agregados e perfis nas principais redes sociais digitais
como Facebook (www.facebook.com/GreenpeaceBrasil) e Twitter
(twitter.com/GreenpeaceBR), os quais nos atentamos por serem mais atualizados e com mais
adesões. Conta ainda com canal de vídeos no Youtube (www.youtube.com/user/greenbr) que
reúne um acervo de mais de 400 audiovisuais e ainda está presente em espaços digitais menos
expressivos como Pinterest, Google+, Flickr, Foursquare, Instagram e Orkut.
Nosso parâmetro para esse primeiro cenário descritivo, que tem por intenção oferecer
elementos prévios para nossa trajetória investigativa que se propõe dialógica, é o portal
institucional do Greenpeace Brasil (www.greenpeace.org.br). Convém frisarmos que a
organização mantém nos portais e redes sociais digitais de cada país onde atua a mesma
estrutura, layout, ferramentas, seções, com variação de terminologias, até por conta das
traduções. Pela nossa avaliação exploratória em portais de diferentes países, em especial
Brasil, Espanha7 e o Greenpeace Internacional8, verificamos que, apesar do desenho idêntico
das páginas e dos mesmos ícones, as campanhas e os destaques podem variar, com temáticas
mais vinculadas às problemáticas nacionais, assim como as formas de abordagem, a
estruturação do texto e, acima de tudo, os discursos se distinguem, pois são construídos e ou
adaptados por cada país deixando transparecer a forte vinculação cultural.
Mas sem entrar no mérito de diferentes discursos, por enquanto, nos atentamos aqui a
observar o portal e as redes sociais digitais do Greenpeace em sua composição geral,
considerando para isso seus três conjuntos principais, conforme Saad (2009, p.330). Sendo a
“área viva” como as informações estruturadas que compõem o perfil da organização, a “área
de significação” composta pela apresentação das mensagens, hierarquização e pela própria
identidade visual e a “área de ação” que envolve os links, downloads, arquivos e outros
serviços. Nos deparamos, de imediato, no portal do Greenpeace, com um terreno multimídia e
7 Realizamos durante fevereiro a julho de 2013 um estágio doutoral na Universidad Complutense de Madrid, por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/Capes). Na ocasião, nos empenhamos, entre outras coisas, em entender a comunicação em rede do Greenpeace Espanha e publicamos artigos e trabalhos sobre os diferentes discursos da organização naquele país. O portal na Espanha pode ser acessado pelo endereço: www.greenpeace.es. 8 Trata-se de um portal do Greenpeace para contemplar todos os países em que atua, publicado em inglês, com informações institucionais e as campanhas desenvolvidas em âmbito global: www.greenpeace.org/internacional.
41
transmídia, na medida em que disponibilizam diferentes formas de comunicação, como textos,
notícias, fotos, vídeos, documentários, redes sociais digitais, de forma isolada, convergente e
com linguagens apropriadas.
As seções são apresentadas por meio de textos, mas as imagens têm grande destaque
nos banners de campanhas, petições, ícones de redes sociais digitais em uma interface gráfica
de fácil manuseio, mas bastante caótica. As fotos ilustram animais silvestres, paisagens e
manifestações/ações realizadas. A cor predominante, na página inicial, o verde, já evidencia
uma cor típica e estereotipada de movimento ambiental.
O layout da página principal, um modelo já bastante conhecido na Internet com seções
fixas na barra superior, banners laterais, parte central para conteúdos atualizáveis e notícias.
As seções fixas são ‘Home’ (com hiperlink9 para a página principal), ‘Junte-se a nós’ (leva
para uma página específica ‘Ajude o Greenpeace’, indicando os valores e a importância da
doação – junte-se-ao-greenpeace.org.br/2014) ‘Quem Somos’, ‘O que fazemos’, ‘Participe’,
‘Multimídia’ e ‘Blog’. Na parte superior também constam o ícone curtir do Facebook e a área
para cadastrados (‘Entrar’, ‘Novo por aqui?’ ‘Cadastre-se’). O cadastro é obrigatório para
aqueles que querem fazer comentários no portal.
No centro da página estão os destaques, que denominamos como slider randômico,
justamente por seu caráter de tela em deslizamento, que de maneira rotativa apresenta os
principais assuntos, sempre com fotos, chamadas e hiperlinks que direcionam para página
com informações, ao blog, e aos hotsites10. Este espaço foi o alvo de nossas análises por ser
um lugar de divulgação das principais ações, campanhas e atualizações, mas, além disso, por
indicar as tensões e o agendamento realizado pela própria organização. São divulgadas de três
a quatro temáticas por vez, em sistema rotativo, referentes às campanhas e atuações
específicas locais e internacionais, que são atualizadas a cada quatro dias, em média,
conforme elencamos no APÊNDICE 1, considerando as 87 atualizações verificadas durante
um ano. Mas não há como indicar com rigor a frequência de atualizações no ambiente instável
da Internet.
9 Hiperlinks são elementos lógicos que interligam os computadores da Rede. Mais comumente são endereços de páginas web, palavras destacadas que quando ‘clicadas’ direcionam para o ambiente da informação. Diretamente relacionados estão os conceitos de hipertexto, blocos de texto que oferecem acesso instantâneo a outros conteúdos por meio de links, e hipermídia no caso direcionando para produtos audiovisuais, imagens e sons em uma combinação multimídia (PINHO, 2003). 10 Hotsites ou microsites são denominações dadas a páginas da web de menor tamanho com foco em determinado serviço, ou campanha no nosso caso, elaborados com conteúdo bastante específico e de forma temporária (PINHO, 2003, p.250).
42
Logo abaixo dos destaques figura um banner solicitando doação, seguido do item
‘Últimas atualizações’, que conta com menu de ‘Notícias’, ‘Fotos’, ‘Vídeos’ e ‘Publicações’.
As laterais são reservadas para banners das campanhas em destaque, com solicitações para
assinar petição vigente (na imagem que ilustra o item, por exemplo, está a campanha do
Desmatamento Zero), e para doação de recursos financeiros ‘Precisamos da sua ajuda’. A
solicitação de recursos financeiros é uma constante, está presente nas seções fixas, nos
banners nas laterais, logo abaixo dos destaques e, ainda, sempre constam no slider randômico,
com variedade de fotos e mensagens, direcionando para a página de doação financeira. Há
uma real insistência em pedir doações que vamos problematizar nas análises.
Ainda na página constam os ícones das redes sociais digitais ‘Conheça o Greenpeace
nas redes’, e a ação ‘Doe um tweet’ que consiste em incentivar o internauta a aderir a um
aplicativo que permite que o Greenpeace publique, automaticamente, em seu perfil do
microblog, tweets sobre campanhas e ações. No rodapé da página existe uma espécie de
resumo do site, com todos os ícones em texto corrido. Além dos itens ‘Em destaque’; ‘Fique
atualizado’ (assine a newsletter/Feed RSS), um mapa com ‘Contatos do Greenpeace no
mundo’, e o quadro ‘Fatos sobre o Greenpeace’: ‘Em ação desde 1972; 3 navios no oceano; 2
mil funcionários; 3.875.000 colaboradores’.
Retomando as seções fixas, na barra superior estão os itens ‘Quem somos’, divididos
nos subitens ‘Greenpeace no Brasil’ (com texto sobre a fundação da organização e vídeo
comemorativo sobre as ações desenvolvidas durante os 20 anos no país); ‘História do
Greenpeace’ (contando o ‘O surgimento do Greenpeace’) e ‘Missão e valores’ (com
descrição sobre os referidos itens). A seção ‘O que fazemos’, descreve as principais áreas de
atuação no momento no Brasil, desmembrada, na ocasião da nossa observação, em
‘Amazônia’, com o texto ‘Amazônia – Patrimônio brasileiro, futuro da humanidade’, trazendo
informações sobre a situação no bioma e as ações já realizadas pelo Greenpeace, e ‘Clima e
Energia’, com texto corrido sobre condições energéticas, aquecimento global e possibilidades
de fontes alternativas de energia.
No item ‘Participe’ constam as opções ‘Ajude com o seu blog’, que disponibiliza
ferramentas para o usuário compartilhar no seu espaço pessoal os banners de campanhas e
petições, conteúdos, oferecendo, inclusive, um canal para os blogueiros interessados em
receber e compartilhar informações do Greenpeace. Na sequência estão os subitens
‘Ciberativista’, que vamos discutir com mais afinco na sequência, ‘Seja um colaborador’, para
contribuir financeiramente, e ‘Voluntário’, explicando o trabalho voluntário e com opção de
43
cadastro para os interessados. A organização informa que possui grupos de voluntários em
oito capitais brasileiras, e quem não reside nestes centros pode atuar como colaborador,
ciberativista e divulgador das ações, “além, claro, de manter um estilo de vida sustentável”.
Percebemos aqui um incentivo à participação virtual e às ações individuais.
Por fim está o item ‘Divulgue’ – ‘espaço dedicado aos veículos de comunicação que
desejam apoiar o Greenpeace e veicular as campanhas’, que oferece vídeos publicitários,
mídia impressa, spots de rádio e mídia digital. Apesar de não diferenciar o tipo de veículo,
este canal pode mostrar a preocupação da ONG com as limitações de acesso e a necessidade
de difundir a causa também na mídia convencional.
Portanto, temos nestas seções fixas informações institucionais que pouco são
atualizadas, pois trata-se de descrever a história, atuação da ONG e as principais linhas de
trabalho. Há ainda o ícone específico de ‘Multimídia’, que ao acessar já oferece opção para
visualizar álbum de fotos, galeria de vídeos, redes sociais digitais; e o hiperlink para o ‘Blog’.
O Green Blog – “Notas sobre meio ambiente em tempo real”
(www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/), não se trata de outro espaço, mas de uma página no
próprio portal, com fotos e textos corridos, e que se diferencia por ser mais autoral, uma vez
que as notas são assinadas pelos ativistas e funcionários. Muitas destas notícias e artigos do
blog ganham espaço na área de destaque do portal.
O item ciberativista, que nos aprofundamos teoricamente no Capítulo III, merece uma
atenção especial e o centralizamos como uma estratégia importante de comunicação e
mobilização, que contribui para a consolidação de um ethos que consegue mobilizar a
afetividade do destinatário e fazê-lo se engajar mais diretamente nas ações. O tema (dentro da
seção ‘Participe’ - www.greenpeace.org/brasil/pt/Participe/Ciberativista) leva para uma
página específica com a chamada ‘Proteste nas ruas da Internet’. A seção faz a metáfora entre
o virtual e o real e como (e quanto!) o internauta pode atuar sem sair do computador. O texto
principal diz ‘A Internet ganha cada vez mais espaço político ao permitir que as pessoas
exponham publicamente sua vontade e sua opinião de modo interativo, dinâmico e veloz’. E
explica as maneiras para se tornar um ciberativista: assinar e compartilhar petições online,
comentar notícias, publicar reportagens, vídeos e banners do Greenpeace em sua rede social
ou blog. Há ainda o item para se cadastrar como ciberativista e receber notícias da ONG e
acessar o Greenpeace nas redes.
As petições fazem parte de campanhas específicas e solicitam a implantação de
políticas públicas relacionadas ao meio ambiente, como moratórias, aprovação de projetos de
44
lei, criação de áreas de preservação. São delineadas em banners de divulgação, que compõem
uma cenografia com fotos, chamadas com caráter de slogan, como ‘Assine pelo
Desmatamento Zero’ e hiperlink para página com mais explicações ou para os hotsites. Além
de fotos, vídeos e jogos desenvolvidos especialmente para a campanha e para incentivar a
participação.
No espaço da petição consta o cadastro para assinar a petição, com breve enunciado,
que privilegia a quantidade de assinaturas e o nome do último ‘ciberativista’ a aderir. No
período da nossa observação identificamos duas campanhas principais, que traziam petições,
contavam com hotsites, e foram o alvo das nossas análises. A campanha Desmatamento Zero
(www.ligadasflorestas.org) que intenta, em parceria com outras organizações ambientalistas,
coletar assinaturas suficientes para solicitar a criação de uma lei de iniciativa popular que
proíba a supressão de florestas em todo território nacional. A comunicação nesse caso visa
incentivar a coleta de assinaturas, propondo, inclusive, uma competição entre os usuários para
‘premiar’ quem mais participa – assinando, divulgando a campanha, compartilhando e
também coletando assinaturas presenciais. E seguindo na mesma linha está a campanha Salve
o Ártico (www.salveoartico.org.br), de caráter internacional, que também destaca os números
de assinaturas e a divulgação nominal dos internautas que assinaram o documento que tem
por objetivo exigir das Nações Unidas a criação de um santuário mundial na área do Polo
Norte. Temos, portanto, petições específicas, com propostas de políticas públicas, incitação à
participação do usuário, mas de maneira bastante passiva. Basta incluir os dados pessoais e
clicar. Além do tema e da própria petição já estarem pré-definidos, a preocupação é mais com
a quantidade de assinaturas do que propriamente em detalhar o motivo do documento.
Como já constatamos, os comentários no portal são permitidos unicamente para
cadastrados e passam por um filtro prévio, por isso mesmo as redes sociais digitais se
apresentam como um espaço mais aberto e participativo. O Twitter e Facebook, por exemplo,
são meios de interação cotidiana do Greenpeace e mereceram nosso acompanhamento, com
levantamentos de dados empíricos importantes que foram destrinchados no Capítulo V, mas
convém antecipar o cenário.
O Facebook do Greenpeace, criado em outubro de 2009, mostra-se como um espaço
de comunicação muito utilizado pelos usuários até pela dinâmica mais livre, possibilidade de
postagem imediata de comentários, compartilhamentos, adesões, já que a intervenção direta
no portal não é permitida. Trata-se de uma fanpage (página para o fã, como o próprio nome
diz, criada para manter relacionamento mais direto com os seguidores e sem limitação de
45
participantes) que atende à dinâmica da rede social com conteúdo reduzido, slogans,
priorização de imagens, sempre com link para a página principal, e atualização frequente
(mais de um novo post por dia). Em março de 2014, contava com mais de um milhão de
curtidores/seguidores. Os números de atualizações, assim como de comentários e curtições é
muito variável e inviável de ser mensurado. Para termos um exemplo, dentro da nossa
amostra verificamos um post sobre a campanha Salve o Ártico, com foto do urso polar, no dia
23 de agosto de 2012, que registrou 34.800 curtidas, 1.884 comentários e mais de 30 mil
compartilhamentos. A mesma campanha, pouco tempo depois, em 17 de outubro do mesmo
ano, com foto de urso, contou com 25 mil curtidas, 1.111 comentários e 12 mil
compartilhamentos. Já em 14 de maio de 2012 um post sobre um protesto ao vivo contra a
cadeia de produção de ferro gusa teve 169 curtições, seis comentários e 94
compartilhamentos.
Já na rede de microblog Twitter conta com 660 mil seguidores (março de 2014) e já
publicou 15 mil tweets/atualizações, desde setembro de 2008, quando foi criado o perfil. Estes
números indicam a média de nove tweets por dia, que ganham um alcance imensurável com a
possibilidade de retweet, que consiste em cada seguidor replicar a mensagem, e seus
seguidores também, assim sucessivamente, gerando um ciclo que não se pode controlar. A
mensagem, nesse caso, deve ser adaptada aos 140 caracteres, com isso o Greenpeace abusa
dos itens de destacabilidade, a partir de máximas e slogans que resumem as ações. Além de se
apropriar das hashtags - as etiquetas, que se convertem em links e criam uma espécie de fio
condutor para congregar as pessoas que estão postando sobre o mesmo assunto. Exemplos
como #desmatamentozerojá #detoxmoda #salveoartico são replicadas e reproduzidas pelos
seguidores e estabelecem uma cadeia de busca, com forte repercussão e visibilidade. Para
Tascon e Abad (2011, p.12) trata-se do sistema público mais impressionante para distribuir
informação. “Twitter é, sobretudo, informação compartilhada e feedback contínuo sobre o que
se diz”.
Vale comentar aqui outra modalidade de engajamento e de interação com o público, o
#PapoGreenpeace, que é divulgado, postado e manejado pelas redes supracitadas. Trata-se de
uma videoconferência em tempo real em que os ativistas e funcionários do Greenpeace
conversam com internautas, esclarecem campanhas e situações ambientais. Durante a
exibição ao vivo, a plataforma permite a integração com Twitter e Facebook, o envio de
perguntas e comentários, que são lidos por um entrevistador/moderador, além de
disponibilizar um chat para que os visitantes possam discutir entre si.
46
A questão da participação (notada de forma bastante massiva nas redes sociais
digitais) fica mais clara no Capítulo IV, mas adiantamos a visão de participação e
comunicação online do próprio Greenpeace, que nos foi apresentada pelo coordenador de web
do Greenpeace no Brasil, Élcio Figueiredo, e pela responsável pela comunicação do
Greenpeace Espanha, Marta San Román11.
Figueiredo informou que mais de um milhão de pessoas participam ou já participaram
de alguma ação ou campanha virtual do Greenpeace no Brasil. Mas o engajamento ativo é
difícil mensurar e as temáticas/campanhas também variam muito em número de participantes,
obviamente por ser um processo subjetivo que depende do interesse do internauta. Ele
apontou a campanha do Desmatamento Zero como um exemplo de grande êxito e participação
(na época da entrevista, agosto de 2012, a petição da campanha contava com 400 mil
assinaturas, em março de 2014 esse número já estava próximo de um milhão, confirmando o
sucesso da campanha, ao menos quantitativamente. A representante do Greenpeace Espanha
informou que contam com 93 mil sócios ativos e que pelo menos 200 mil pessoas já tinham
assinado as petições da organização. Tanto no Brasil como na Espanha os entrevistados foram
poucos claros sobre os elementos e ou estratégias de comunicação específicas que poderiam
conferir êxito às campanhas. San Román afirmou que todas as campanhas têm êxito,
principalmente nas redes sociais. Já Figueiredo atribuiu o sucesso das ações e a quantidade
significativa de participação à própria importância da causa e ao trabalho de longa data e com
legitimidade, realizado desde a década de 1970. A resposta dele vai na esteira da própria
composição do ethos, que considera que a aceitação dos discursos está diretamente
relacionada à instituição que ele representa. Isso ficou claro também nas respostas que
obtivemos dos ciberativistas e seguidores, muitos atribuíram sua participação ao
reconhecimento e à importância do trabalho realizado pelo Greenpeace12. As entrevistas com
os seguidores e ciberativistas deixaram evidente que a participação mais do que incrementada
pelas ferramentas digitais, ocorre prioritariamente, senão exclusivamente, online. Os
entrevistados tomam conhecimento pela Internet, com uma frequência considerável,
participam assinando petições e replicando mensagens pelas redes sociais digitais.
O contato com os ciberativistas, que são aqueles que se cadastram como tal e,
portanto, têm mais interesse na participação, é feito por e-mail, sem uma frequência 11 Realizamos entrevistas por telefone e por e-mail com os responsáveis pela comunicação da organização na Espanha, na ocasião do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior em junho de 2013, e no Brasil entre julho e agosto de 2012, que seguem na íntegra no APÊNDICE 1. 12 Contatamos 100 voluntários, ciberativistas e seguidores do Greenpeace e aplicamos questionário para entendimento das motivações da participação. As 25 respostas obtidas estão também no APÊNDICE 1.
47
específica, mas buscando, segundo Figueiredo, pelo menos um contato semanal. Já na
Espanha este contato é menor, em média são enviados dois e-mails por mês, o que pode ser
ampliado quando há ações específicas e convocatórias. Quanto aos canais de comunicação
mais explorados, é interessante notar que o Greenpeace trabalha com a proposta de meios
complementares e planeja a utilização de cada meio. “Cada meio tem seu próprio modo de
operar, você deve conhecer primeiro como cada um funciona e adequar sua mensagem”
(FIGUEIREDO, 2012). O Twitter, por exemplo, ele cita como suporte (até mesmo de
divulgação) do portal, enquanto este último guarda o conteúdo mais consistente e
aprofundado, e o Facebook atua como um meio de relacionamento. Há ainda a urgência de
renovação constante. “No Brasil, por exemplo, o Orkut já foi nosso principal canal nas redes
sociais, depois tivemos o Twitter, hoje em dia é o Facebook, mas o e-mail continua sendo um
dos meios mais efetivos” (FIGUEIREDO 2012). E para dar conta das novas e diferentes
plataformas, conta com ferramentas para monitorar a audiência do site e das redes em tempo
real. O Greenpeace Espanha também faz uso de ferramentas para medir as participações e
realizar monitoramento, e atua com diferentes meios, com destaque para as participações no
blog. “O blog é nosso meio com mais visitas, nosso Facebook é a principal fonte de tráfego
(de informações) e o Twitter é o melhor para expansão de conteúdos” (SAN ROMÁN, 2013,
tradução nossa).
No geral, os comunicadores da ONG avaliam que fazem um trabalho de vanguarda no
mundo virtual. “Hoje o trabalho online é essencial para a organização. Muitas vezes
precisamos primeiro dar voz a nossas campanhas no mundo virtual para depois repercutirem
no offline” (FIGUEIREDO, 2012). “Tentamos inovar em todas nossas propostas
comunicativas digitais” (SAN ROMÁN, 2013, tradução nossa).
Confrontamos e entendemos melhor estas informações ao longo da nossa tese. O que
queremos adiantar é a existência de um terreno multi e transmidiático, um campo vasto de
informações com diferentes possibilidades de comunicar, por meio de notícias integradas a
hiperlinks, documentos, imagens, elementos de destacabilidade, vídeo, redes sociais digitais.
Compondo uma narrativa não linear que atende as expectativas de velocidade, autonomia e
domínio. Na perspectiva transmídia, por exemplo, podemos perceber que a linguagem é
aperfeiçoada e modificada a cada plataforma de comunicação, além disso, as campanhas estão
nas camisetas, nos produtos, nos vídeos, nos banners, nos jogos, criando um universo
comunicacional diferenciado a cada meio, mas que compõem o todo (JENKINS, 2008). O que
em um primeiro momento pode indicar o caos da informação, evidencia, para nós, que a
48
organização faz jus ao papel de pioneira no ambiente virtual, e está alinhada às práticas da
cibercultura, sabe lidar com diferentes meios e investe estrategicamente nas mídias sociais
digitais. Outra questão determinante para avançarmos na nossa reflexão é que a comunicação
em rede ampliou sobremaneira as possibilidades de participação e criou novas formas de
engajamento na causa ambiental.
Mas é preciso entender todo esse cenário de forma aprofundada e embasada
teoricamente. No Capítulo II contextualizamos o ambientalismo na contemporaneidade e suas
formas de comunicação, defendendo a assertiva que o Greenpeace se configura como um
legítimo movimento social. Também traçamos um histórico da organização e de seus
antecedentes midiáticos.
49
CAPÍTULO II – MOVIMENTO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA
COMUNICAÇÃO
A trajetória de um movimento plural, que nasceu para defender a natureza, emerge em
uma cibercultura, no seio de uma sociedade particularmente líquida, espetacular, pós-
moderna, paradoxalmente incorpora esses elementos e cria um modelo de luta global,
amparado por estratégias de comunicação e mobilização em rede.
2.1 A saga do ambientalismo
Neste primeiro capítulo teórico a proposta é discutir o surgimento, desenvolvimento e
ascensão do movimento ambiental, em suas múltiplas perspectivas, buscando traçar a
trajetória de grupos ambientalistas, não só histórica, mas conceitualmente, justamente para
identificar o cenário de atuação desses atores, suas práticas, políticas, performances,
importância na sociedade contemporânea e lugar que adquirem na comunicação.
Diferentes autores nos ajudam nessa empreitada de caracterizar e compreender o
movimento ambiental, com segurança, situando-o no âmbito das tecnologias da informação e
comunicação, ou, melhor, de uma sociedade em rede, como prefere Castells (2000). Sem
negligenciar, contudo, que o ambientalismo ascende como fenômeno da modernidade, seja ela
inconclusa, líquida ou já em fase de posteridade, que traz em seu eixo as estratégias da
midiatização e do espetáculo (BAUMAN, 2004; DEBORD, 2001; HARVEY, 2004). Essas
diferentes nomenclaturas que se estabelecem na contemporaneidade apontam complexidades,
divergências e convergências que precisam ser abarcadas pela pesquisa em comunicação e
trazem reflexões cruciais para entender o momento e o contexto da saga ambientalista.
É pertinente, neste momento, conceituar o ambientalismo como parte de um
movimento social, mas também apreender a origem de uma cultura propriamente
ambientalista, que é desenhada por diferentes grupos, apresenta características peculiares,
predominância de comunicação e visibilidade, moldada pelas tecnologias, pela virtualidade e
por um discurso específico que a presente pesquisa busca averiguar. Vale lembrar que na
nossa proposta de diálogo constante com o objeto, os olhares estão voltados, desde o
princípio, para os exemplos da dinâmica comunicativa da Organização Não Governamental
Greenpeace, forte representante do movimento ambiental e do seu discurso, mas o
pensamento em constante circulação para abarcar a profundidade da temática.
50
É improvável aqui conseguirmos definir um conceito único de movimento social para,
então, contextualizar o ambientalismo em uma determinada perspectiva, considerando as
transformações constantes, as diversas estratégias e oportunidades políticas dos atores sociais.
Gohn (2000) buscou descrever as diferentes teorias sobre os movimentos sociais no final da
década de 90, em uma linha evolutiva que se inicia com estratégias de luta totalmente fora das
esferas de poder até a forte tendência de institucionalização, favorecida pela criação das
ONGs (Organizações Não Governamentais)13. O movimento social é, a priori, um fenômeno
histórico, decorrente de lutas sociais, e sua representação sempre “envolve um coletivo de
pessoas demandando algum bem material ou simbólico” (GOHN, 2000, p.193). São
manifestações coletivas que marcam mudanças na sociedade e na política, com capacidade,
inclusive, para gerar novos códigos culturais. Entre as diversas teorias e hipóteses, a que nos
cabe melhor aqui, é a relacionada aos novos movimentos sociais14, que atuam de forma
autônoma, pautam novos temas e formas de fazer política, e aderem amplamente à
midiatização. “Eles usam a mídia e as atividades de protesto para mobilizar a opinião pública
a seu favor, como forma de pressão sobre os órgãos e politicas estatais. Por meio de ações
diretas, buscam promover mudanças nos valores dominantes (...)” (GOHN, 2000, p. 125).
Para Laraña (1999) a estrutura organizativa e os meios, com grande volume financeiro,
que dispõe o Greenpeace, pode diferenciá-lo dos habituais movimentos sociais, e dar-lhe a
chancela de multinacional ecologista. No entanto, defendemos o argumento do Greenpeace
13 Embora existam desde o século XIX como fundações, instituições, associações de caridade e grupos religiosos, o termo específico Organização Não Governamental, foi uma criação da ONU (Organizações das Nações Unidas), utilizado pela primeira vez na década de 1950 para designar as instituições que não pertencem ao setor governamental, 1°setor, nem ao privado/mercado, 2° setor. (VIEIRA, 2001). Compondo assim um 3°Setor, categoria híbrida de organizações privadas, com fins públicos. Essa designação é vista por um lado como um verdadeiro fenômeno de participação social e fortalecimento da democracia, por outro, como forma de enfraquecer e ou se aliar com o Estado, favorecendo a proposta neoliberal e de expansão da dinâmica capitalista. Preferimos avaliar ONGs como potencial integrante de movimentos sociais antisistêmicos, como representantes legítimos de setores da sociedade civil, que carregam muito mais tensão com o Estado e com os setores produtivos do que consenso. 14 Os novos movimentos sociais surgem, segundo Gohn (2000), na década de 1970, justamente época da fundação do Greenpeace, o que revela mais que mera coincidência. Essa categorização esbarra em premissas do chamado neomarxismo, ao colocar em questão elementos como ideologia, lutas sociais, ação coletiva. Sendo respaldada por autores como Manuel Castells e Alain Touraine, no sentido de entender “a cultura, a ideologia, as lutas sociais cotidianas, a solidariedade entre as pessoas de um grupo ou movimento social e o processo de identidade criado” (GOHN, 2000, p.121). São movimentos caracterizados por sua natureza reflexiva, com poder de persuasão e estão fortemente relacionados com a capacidade de influenciar a opinião pública, produzir públicos e novas pautas de ação coletiva (LARAÑA, 1999; MELUCCI, 2001).
51
como um movimento social15, considerando as características determinantes colocadas pelo
autor: atuam “como agência de significação coletiva que difundem novos significados na
sociedade”, fenômenos que ajudam a compreender o funcionamento da sociedade, com
capacidade de produzir mudanças sociais, atuando como “um espelho em que a sociedade
pode se olhar e se fazer consciente de seus problemas e limitações” (LARAÑA, 1999, p.88,
tradução nossa).
Mais tarde, Gohn (2011) reitera suas ideias ao discorrer sobre os movimentos sociais
na contemporaneidade, mas ratifica sua preocupação com a institucionalização dos
movimentos, através das ONGs. Para ela, o movimento social que trazia uma vinculação
histórica com luta de classes, relações econômicas, total incompatibilização com as estruturas
de poder, pode se perder em organizações altamente estruturadas, dependentes de parcerias
com governos e fundos de financiamento, que trabalham com projetos, metas, muitas vezes,
em torno de um consenso com o Estado e com o modelo neoliberal capitalista. O fato é que
ONGs e movimentos, na dinâmica social contemporânea, acabam por se fortalecer, se
qualificar, com recursos e parcerias e, muitas vezes, até se integrar, se fundir. A própria autora
indaga se na era da institucionalização os atores dos movimentos não seriam as próprias
ONGs. Embora muitas vezes um movimento se esvazie, politicamente e em força de combate,
justamente quando se converte em ONG, ainda assim pode “continuar como parte de um
movimento mais amplo, enquanto organização de apoio daquele movimento”(GOHN, 2000,
p. 247). E nesse sentido, o Greenpeace ainda que seja uma organização institucionalizada
com figura jurídica na condição de ONG, forma parte de um movimento social e ambiental
mais amplo, pois exerce influência nas decisões políticas, com ações diretas, eficácia
simbólica e capacidade de persuasão coletiva, além de manter como principais alvos de luta e
contestação a política ambiental de governos e empresas.
Dentro dessa composição difusa do movimento social está o ambiental. A primeira
questão que nos intriga é a sua abrangência, que deve ser discutida a partir de perspectivas
teóricas e metodológicas que não reduzam o campo de visibilidade meramente aos grupos e
organizações ecologistas (LEFF, 2001, P.107). Para entender o movimento ambiental em toda
sua complexidade o mesmo autor elenca tarefas primordiais como as de investigar a
legitimidade, as demandas, os valores, os objetivos e o impacto do discurso ambientalista,
15 Em artigo publicado na revista Razón y Palabra (n.84, set/nov.2013) La participación ciudadana en al web de Greenpeace: comunicación, discurso y emoción en la red, elencamos as características e conjunturas, que para nós, tornam o Greenpeace um legítimo movimento social, tendo por base autores que conceitualizam a problemática como Laranã (1999) (2001) e Melucci (2001).
52
além de “esclarecer as estratégias de poder destes novos movimentos da sociedade civil para
transformar a racionalidade dominante, incorporando os valores éticos e princípios produtivos
do ambientalismo” (LEFF, 2001, p.108). A nossa investigação, confluindo indiretamente com
a proposta do autor, está centralizada também em compreender a eficácia das propostas de
luta desse movimento plural, a força política real que pode exercer e como a comunicação, em
especial a virtual, auxilia nesse processo. Motes que trazem outras cogitações não menos
importantes relacionadas à identidade social dessas organizações, às influências na
sociabilidade e polêmicas como: São supervalorizados no contexto da luta ambiental na
contemporaneidade ou minimizados como grupos dispersos sem força política concreta ou
resultados práticos? (LEFF, 2001).
É fato que o rótulo do ambientalismo agrega diferentes campos de conhecimento,
atuação, princípios e perspectivas que buscam entender a articulação dos múltiplos processos
que integram o ambiente e as relações sociedade-natureza. (LEFF, 2001, p. 116). Formado
por propostas de equidade, sustentabilidade, diversidade, autogestão e democracia, o
ambientalismo, para Leff (2001), enquanto grupo organizado, chega até mesmo a reorientar os
objetivos e estratégias de outros movimentos sociais ou mesmo outras esferas da sociedade.
Isso porque, consegue reivindicar maior participação em assuntos políticos, tem táticas de
inserção em aparelhos do Estado, ao mesmo tempo em que atua de forma descentralizada,
com relações políticas horizontais, problematiza o conhecimento e as formas de
relacionamento e participação, com estratégias de comunicação e mobilização bastante
demarcadas. São grupos variados, que abarcam uma heterogeneidade de atores, que carregam
uma inerente transdisciplinaridade para tratar da preservação do meio ambiente - outro
conceito não menos difuso que traz diversas considerações16 - e por muito tempo ficou
reduzido a questões de fauna e flora, não concebendo a interdependência necessária com
fatores sociais, econômicos e políticos.
Viola e Leis (1995), que estudam o ambientalismo desde sua fundação, propõem uma
concepção bastante ampla de movimento ambiental, que será retomada aqui. O
16 Em nossa dissertação de mestrado, Os paradigmas da imprensa na cobertura das políticas ambientais (Unesp/2009), utilizamos Leff (2002) para definição de meio ambiente e pensamos pertinente retomá-lo para entender um conceito implícito na biologia evolutiva e que foi importado por Lamarck da mecânica newtoniana, mas atualmente é reduzido ao sistema de relações entre os diferentes indivíduos. O termo ambiental aparece como um campo de problematização, que resultou em especialidades ou disciplinas ambientais, que não necessariamente constitui um novo objeto científico. Neste sentido, as pretendidas ciências ambientais são inexistentes e o conceito de meio ambiente passa a ter carga ideológica e é ressignificado a cada contexto. Já Giddens (1991) (1994b), em uma avaliação comparativa situa a natural como aquilo que é livre da intervenção humana e o meio ambiente como a natureza transfigurada pela ação do homem e propõe pensar, então, no fim da natureza, já que ela foi totalmente socializada.
53
ambientalismo, em especial o brasileiro, foi se caracterizando pela multissetorialismo e pela
redefinição de problemáticas, a partir de duas tendências estruturais, especificamente no final
da década de 1980, sendo: de um lado, o esvaziamento das ideologias, com o enfraquecimento
do Estado e triunfo do mercado e, de outro, a emergência de problemas ambientais que se
mostravam transfronteiriços, como o aquecimento global, a destruição da camada de ozônio, a
perda de biodiversidade, a proliferação nuclear e os consequentes riscos e acidentes
biotecnológicos. Ou seja, a concretização de uma crise ecológica pautada, especialmente, pela
imprevisibilidade estrutural e pelas incertezas que caracterizam a sociedade de risco, para qual
nos alerta Giddens (1994ab), (1997)17 , entre outros autores.
Como produtos dessas preocupações públicas emergem não só as associações e grupos
ecologistas organizados, mas também instituições que pesquisam os problemas ambientais,
setores de administradores e gestores focados no ideal da sustentabilidade18, no mercado
consumidor verde, que cria uma nova demanda voltada para produtos sustentáveis, além de
agências e tratados internacionais buscando equacionar os problemas ambientais globais. E
ainda que as respostas aos problemas ambientais possam não ultrapassar as ações
propagandísticas e retóricas, formou-se um legado ambiental que inclui empresários, sistema
produtivo, instituições científicas e de pesquisa, governo e as ONGs (LEIS E VIOLA,1995,
FERREIRA E FERREIRA, 1995). “O ambientalismo, surgido como um movimento reduzido
de pessoas, grupos e associações preocupados com o meio ambiente, transforma-se num
capilarizado movimento multissetorial” (LEIS E VIOLA, 1995, p.76). Neste sentido, os
autores propõem as seguintes categorias principais que compõem o movimento ambientalista:
as instituições e ou ONGs ambientalistas propriamente ditas; os movimentos sociais de causas
abrangentes, que permeiam a questão ambiental; as agências estatais de meio ambiente; as
instituições científicas e de pesquisa e o empresariado voltado para práticas limpas e
sustentáveis. Podemos incluir aqui ainda uma mídia ambiental, ou seja, veículos de
comunicação, especializados ou não, focados em noticiar as problemáticas ambientais, ainda
que essa opção tenha um viés mais mercadológico do que propriamente altruísta.
17 Giddens (1994a) (1991), com apoio de Beck e Lash (1994b), cita entre as consequências da modernidade, os riscos produzidos, ou seja, aqueles que são resultados das intervenções humanas na natureza e nas condições da vida social, que têm efeitos imprevisíveis e causam as incertezas, a constante preocupação com desastres ecológicos, a fragilidade das circunstâncias e a reflexividade social/modernidade reflexiva (que acarreta também na destradicionalização e na instabilidade das práticas sociais). 18 Conceito largamente utilizado que provém da expressão “Desenvolvimento Sustentável” definida oficialmente no relatório da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, ‘Nosso Futuro Comum’ (1991), e está relacionado a satisfazer as necessidades atuais sem comprometer a geração futura.
54
Tavolaro (2001, p.19) partilha da mesma interpretação, devido à grande imprecisão
que carrega a denominação movimento ambiental “tamanho o número de setores sociais
passível de ser categorizado no seu interior”. Restringir à palavra ambientalismo também não
seria a solução, haja vista a amplitude do conceito que torna difícil, se não impossível, o
delineamento. Por esta razão, Tavolaro opta, a exemplo de Leis e Viola (1995), pela
designação ambientalismo multissetorial, agregando essas diferentes esferas da sociedade.
O grande gargalo desta interpretação é que os autores incluem no rol do movimento
ambiental, o setor empresarial, constantemente colocado em xeque pelas organizações não
governamentais ambientalistas, por exemplo, porque não podem incorporar a chancela
ambiental sem superar o atual modo de produzir. Ainda que muitos empresários contribuam
financeiramente com as instituições ou façam investimentos isolados em projetos ditos
ambientais, compatibilizar o lucro individual com o interesse social de longo prazo para a
proteção ambiental é um desafio para empresas e seus modelos de desenvolvimento. A
organização que ilustra e representa o movimento ambiental na nossa tese, o Greenpeace, é
uma das que mais enfrenta e denuncia o setor empresarial, com ataques diretos e campanhas
específicas contra empresas poluidoras, e ainda prega em seus documentos e tem como
valores definidos a questão da independência e autonomia e, com isso, não aceita doações de
empresas, justamente para não se comprometer. Nesse contexto, é extremamente arriscado, se
não paradoxal, incluir esse setor no movimento ambiental, assim, preferimos trabalhar aqui
com uma concepção de movimento ambiental mais fechada em grupos da sociedade civil19.
Obviamente, não pretendemos anular a pluralidade do movimento e a importância de setores
acadêmicos, científicos e do próprio governo, que contribuíram para alçar a questão ambiental
no debate público.
E nessa proposta de conceber o movimento ambiental enquanto
grupos/organizações/representantes da sociedade civil, antisistêmicos, atuando com
propósitos especificamente de preservação do meio ambiente, temos a companhia de Castells
(2000), para quem o ambientalismo é uma dinâmica conduzida para corrigir formas
destrutivas de relacionamento entre homem e seu ambiente natural. As finalidades do
19 Sociedade civil como um espaço de disputa, lutas e processos políticos, base da vida social que no sentido gramsciano, explicado por Bobbio (1999), envolve a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem a margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Compreende o escopo das relações econômicas, ideológico-culturais, toda vida espiritual e intelectual, suas formas de organização espontâneas ou voluntárias. Mas a sociedade civil mantém relação intrínseca com o Estado, inclusive atuando como seu conteúdo ético, enquanto o Estado é o reflexo da sociedade civil. Para Gramsci a sociedade civil é sempre organizada, “representa o momento ativo e positivo do desenvolvimento histórico” (BOBBIO, 1998, p. 55), embora ela esteja propensa aos valores e interesses hegemônicos.
55
movimento estão nucleadas na defesa de ambientes específicos, novos valores humanos e
formas de convivência entre economia, sociedade e natureza. Mas o autor ressalva que
existem diferenças latentes entre as práticas ambientalistas, seja por questões culturais,
sociais, econômicas ou ainda por propósitos, filosofias, táticas, prioridades ou mesmo
linguagem. O movimento é multifacetado, não pode ser considerado uniforme e tem sua
manifestação em cada país ou cultura, condição social ou econômica. São grupos, por
exemplo, que buscam manter a vida selvagem, pregam a ecologia profunda ou que atuam com
comunidades locais e defendem o próprio espaço. Há, ainda, aqueles da vertente da política
verde, que buscam se estabelecer partidariamente, além de entidades, que nos interessam em
particular, como o Greenpeace, denominadas como “internacionalistas na luta pela causa
ecológica”, que buscam conter o desenvolvimento global desenfreado, pregando a
sustentabilidade (CASTELLS, 2000, p.143). O autor lembra que se tratando da maior
organização ambiental do mundo, o Greenpeace é também um dos responsáveis pela
popularização da problemática na sociedade contemporânea, feito atribuído pela sua
abrangência e táticas de ações diretas, transnacionais e altamente articuladas, sem violência e
explicitamente orientadas à mídia. Pontos que serão vistos e detalhados mais adiante.
Leff (2001, p.69) acredita em uma diferença mais acentuada entre o ambientalismo de
pobres e ricos, o que vem ao encontro da proposta de Touraine (1978) apud Gohn (2000,
p.144) para quem todo movimento legítimo tem o componente de classe, é anticapitalista e
abarca conflitos sociais em um determinado tipo de sociedade. De fato, no ambientalismo isso
não pode ser anulado. O desenvolvimento industrial que, genericamente, nos países do norte é
a causa principal dos problemas ambientais, no sul este mesmo desenvolvimento poderia
corrigir os desequilíbrios socioambientais. Sendo assim, os ricos, segundo Leff, atuam na
linha conservacionista da natureza, visando remediar os efeitos contaminantes da produção,
por exemplo, por meio de tecnologias e planejamento, sem questionar de fato a ordem
econômica dominante. Enquanto o ambientalismo de ‘terceiro mundo’ tem que satisfazer
necessidades básicas e lutar pela sobrevivência.
(...) são movimentos desencadeados por conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos; são movimentos pela reapropriação social da natureza vinculados a processos de democratização, a defesa de seus territórios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia política e sua capacidade de autogerir suas formas de vida e seus estilos de desenvolvimento. (LEFF, 2001, p. 114).
56
Vale ressaltar que o Greenpeace, como uma ONG internacional com representação em
países com condições socioeconômicas diversas, coloca-se em uma situação peculiar, pois
atua de forma global, com temáticas e campanhas integradas internacionalmente, ao mesmo
tempo em que deve contemplar as diferentes nuances, performances, objetivos da preservação
ambiental em cada país, cultura, realidade social e política.
Ainda na questão ambiental, há o conflito de interesses e o campo político
heterogêneo, “onde se mesclam interesses sociais, significados culturais e processos materiais
que configuram diferentes racionalidades, onde o ‘ecológico’ pode continuar subordinado
(por razões estratégicas, táticas e históricas) a reivindicações de autonomia cultural e
democracia política (...)” (LEFF, 2001 p. 73). Um pouco mais adiante o mesmo autor destaca
que as demandas ambientais atuam também de forma multidimensional e estimulam a
participação democrática da sociedade não só no uso e no manejo dos recursos, mas também
na defesa do ambiente, nas críticas à economia de mercado, ao estilo de vida predatório,
propondo novas formas de desenvolvimento e uma mudança civilizatória.
O fato é que o movimento ambiental, pela sua multiplicidade e versatilidade, foi o que
mais questionou as condições presentes de vida. “Sob a chancela do movimento ecológico,
veremos o desenvolvimento de lutas em torno de questões as mais diversas: extinção das
espécies, desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica,
poluição do ar e da água” (CASTELLS, 2000, p.12) Ele avalia ainda que não há setor de lutas
e reivindicações que o movimento ecológico não seja capaz de incorporar – daí a dificuldade
em precisar categoricamente esses movimentos. Portanto, pensando aqui nas organizações
ambientalistas (institucionalizadas ou não) com o propósito específico da defesa do meio
ambiente e da qualidade de vida, traçaremos mais algumas linhas menos conceituais e mais
históricas para adentrar o percurso dessas entidades.
A trajetória ambientalista remonta ao velho continente, como lembra Tavolaro (2001).
A primeira campanha pela proteção da vida selvagem de que se tem notícia se deu em defesa
das aves marinhas, que eram abatidas por caçadores, ao longo da costa de Yorkshire, na Grã-
Bretanha. Foi então que, em 1867, os residentes da área fundaram a Society for the Protection
of Seabirds, já fazendo uso de um jornal, no caso, o Times, para divulgar e ampliar a
campanha. A relação estreita e programada que o movimento ambientalista tem com a mídia
fica evidenciada desde esse primeiro momento. Mais tarde, as consequências da revolução
industrial também suscitaram a luta a favor do meio ambiente, ainda que de forma incipiente,
57
mas com duras críticas às formas de produção econômica, que resultavam em degradações
ambientais e sociais das mais diferentes maneiras.
Apesar de remontar séculos anteriores, a luta ambiental que nos interessa aqui ganha
força, especificamente, entre os anos 1950 e 1960, no significativo contexto pós II Guerra
Mundial, com os movimentos contraculturais povoando a cena política e colocando em pauta
a apropriação da natureza, a defesa dos recursos naturais, as formas de consumo e os modelos
de desenvolvimento econômico e social. Os impactos destrutivos da guerra acabaram,
inclusive, por revitalizar e orientar os atores sociais, especialmente no ocidente, pela
necessidade da reconstrução, da preservação ambiental, de novas formas de sociabilidade,
apostando na não violência, na cultura da paz e nas comunidades hippies. Nesse contexto, o
aniquilamento causado pela bomba atômica no Japão e os riscos dos testes nucleares
impulsionaram o movimento ambiental, inclusive a própria fundação do Greenpeace, que
surge justamente em manifestações contrárias a geração de energia nuclear.
Em 1962, a publicação do romance de Rachel Carson, Silent Spring (Primavera
Silenciosa), criou uma celeuma e deu relevância e abrangência à causa ambiental ao descrever
os efeitos dos agrotóxicos no meio ambiente e denunciar abertamente a degradação da
natureza, especificamente nos Estados Unidos. Com isso, teve origem a revolução ambiental
estadunidense, pautada pelo questionamento da civilização urbano-industrial, do crescimento
populacional e dos impactos devastadores na natureza, pregando o uso conservacionista de
recursos – demandas que refletiram significativamente em países da Europa, além de Canadá,
Japão até conquistar a América Latina (LEIS E VIOLA,1995).
Se antes a proposta ecológica estava restrita às elites dos países dominantes, afetadas
pela industrialização, foi a partir da década de 1960 que os ideais ambientalistas começam a
permear as classes populares e, com base na opinião pública, dão margem para a formação de
um movimento que, senão de massas, ao menos com uma amplitude considerável
(CASTELLS, 2000, p.154). Vale lembrar também que, nesse momento, vem ganhando corpo
a configuração da sociedade em rede, ao mesmo tempo em que se fala em uma condição pós-
moderna, que tem como fatores caracterizadores os elementos da cultura da mídia e do
espetáculo, que repercutem na trajetória do movimento ambientalista, e que vamos discutir na
sequência.
A problemática ambiental é alçada a fenômeno politicamente significativo a partir dos
eventos e conferências na área, que envolvem comunidades científicas, políticos, empresários
e setores da sociedade civil. A primeira delas foi a Conferência de Estocolmo, em 1972, que
58
ainda que reduzisse a questão a soluções técnicas, deu início ao aprofundamento crítico da
temática. “Problemas antes tomados como periféricos atingem o centro da cena política e
cultural, e questões antes menores começam a receber o status de categoria explicativa”
(FERREIRA E FERREIRA, 1995, p.13). Mas, no Brasil, as autoras explicam que a posição
desenvolvimentista era muito forte e a questão ambiental foi colocada como antítese do
desenvolvimento nacional, com isso, até o fim do regime militar as propostas ecologistas não
tiveram influência no debate político do Brasil. O avanço da problemática pelo mundo foi
respingando por aqui e ganhou uma dimensão global impossível de ser ignorada.
Um pouco antes de Estocolmo, em 1968, surgiu o Clube de Roma, que reuniu
diferentes personalidades políticas e acadêmicas, para discussão de problemas ambientais, e
culminou na célebre publicação “Os Limites do Crescimento”, pautando questões, até então
incomuns, como geração de energia, saneamento, saúde, crescimento populacional. A
organização continua ativa (www.clubofrome.org), publicando relatórios em parceria com
Unesco e OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Em 1972
também foi criado o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), mais tarde
em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente da ONU, que publicou o relatório
‘Nosso Futuro Comum’ (1989), documento preparatório à Rio 92, trouxe as diretrizes
ambientais e definições de termos como Desenvolvimento Sustentável.
Mas foi a Comissão do Meio Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio 92,
o maior e mais importante evento ambiental que, de fato, deu visibilidade ao postulado do
desenvolvimento sustentável e da preservação ambiental em nível internacional. A
Conferência, considerada o boom do ambientalismo, impulsionou a criação das organizações
voltadas para a problemática. O próprio Greenpeace fixa bases no Brasil no contexto desse
evento, em 1992. As proporções foram gigantescas: participação de 35 mil visitantes, dois mil
representantes de governo, 179 chefes de Estado, sete mil jornalistas e pelo menos três mil
ONGs, no Fórum Global, evento paralelo para discussão das questões ambientais, atos de
mobilização e pressões nos governos. Com isso, a questão ambiental e, por consequência, os
movimentos envolvidos foram colocados nos holofotes da mídia. Os conceitos e propostas da
Rio 92, como o próprio desenvolvimento sustentável, gestão ambiental, Agenda 21, Carta da
Terra, Convenção Mudanças Climáticas e da Diversidade Biológica20 se consolidaram como
20 Realizada de 3 a 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro, a Rio 92 buscou firmar compromissos e metas entre os países participantes e, para isso, estabeleceu diferentes acordos como a Agenda 21 documento de propostas para alcançar o desenvolvimento sustentável, e as convenções que traçam diretrizes, no caso, para reduzir a emissão de substâncias nocivas na atmosfera e para proteger a biodiversidade.
59
sinônimo do ambientalismo e passaram a integrar o discurso da defesa ambiental, ainda que
nenhuma inversão significativa de tendências tenha sido efetuada nos anos que sucederam a
conferência.
A Rio+10, Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que aconteceu em
Johanesburgo, África do Sul, 10 anos depois, buscou reavaliar os compromissos firmados.
Ainda que sem o destaque da primeira edição, conquistou novamente visibilidade midiática e
os setores ambientais foram focalizados, desta vez dando atenção especial ao setor produtivo
e à conciliação entre desenvolvimento e preservação. Cerca de 100 chefes de Estado
marcaram presença e as ONGs novamente se reuniram no Fórum Global para debater
propostas alternativas ao evento oficial.
Uma nova e recente conferência das Nações Unidas para o desenvolvimento
sustentável, a Rio+20, realizada entre 13 e 22 de junho de 2012, marcou os 20 anos do evento
histórico, retornando à cidade do Rio de Janeiro. O evento englobou reuniões preparatórias, a
Cúpula dos Povos, organizada e gestionada pela sociedade civil, com quase 20 mil
representantes, e a programação oficial de Alto Nível da Conferência com a presença oficial
de 94 estadistas. O tema da economia verde substituiu o desenvolvimento sustentável, mas
sem modificar sua essência e as discussões se pautaram na erradicação da pobreza e na
estrutura institucional para garantir o desenvolvimento equilibrado, mas em uma tendência de
capitalização da natureza. O documento final “O futuro que nós queremos” traz uma lista com
mais de 700 compromissos acordados entre os países, ainda que de maneira bastante evasiva,
para frear a degradação ambiental, incluindo investimento em saneamento, energia renovável,
transporte sustentável, educação para a sustentabilidade e combate a fome21. O Greenpeace
teve participação ativa no evento, foi uma das 50 organizações com estande na Cúpula dos
Povos, abriu as portas do mais novo navio Rainbow Warrior para visitação pública e compôs
o grupo de 36 representantes da sociedade civil que puderam participar de encontro com o
secretário geral da ONU e com os chefes de estado.
Da Rio 92 à Rio+20 Alonso e Favareto (2012) avaliam que houve significativas
mudanças no perfil do movimento ambiental, em especial brasileiro, que se encontra cada vez
mais forte e globalizado porém pouco contestador. Isso porque, como lembram os autores, as
organizações cada vez mais saem da postura contestadora de antagonista do Estado para
firmar parcerias com governo. O Greenpeace resiste a este modelo, já que não realiza
21 Os dados do evento foram extraídos do site oficial: www.rio20.gov.br. O documento final, na íntegra, encontra-se em http://www.rio20.gov.br/documentos/documentos-da-conferencia/o-futuro-que-queremos/.
60
parcerias governamentais, mas, por outro lado, pode apresentar estratégias altamente
midiatizadas, como bem colocam os autores.
O novo estilo de ativismo ambientalista repousa mais em declarações de lideranças e personalidades, como artistas e intelectuais, à mídia e em ações simbólicas diretas que requerem apenas poucos e motivados indivíduos (estilo que consagrou as campanhas do Greenpeace), do que em manifestações populares massivas com o volume, a força e a diversidade demonstrados em 1992 (ALONSO E FAVARETO, 2012).
Neste contexto, os grupos tornaram-se altamente profissionalizados e especializados,
focados mais em execução e menos em ações políticas reivindicatórias. E, atualmente, com o
crescimento das questões ambientais entre jovens, governos locais e mesmo entre a iniciativa
privada, Alonso e Favareto (2012) acreditam que a capacidade de mobilização, pelo menos
em sua forma tradicional, está enfraquecida, em comparação há 20 anos. Isso pode sim
demonstrar fragilidade, resignação, mas, por outro lado, amadurecimento das entidades, por
estarem mais presentes nas mesas de negociações, por exemplo, e um constante movimento
de reinvenção de suas reivindicações.
Os eventos internacionais não só consolidaram a importância dos movimentos
ambientais nas agendas públicas e políticas, como auxiliaram sobremaneira no progressivo
amadurecimento e fortalecimento das organizações ambientalistas, que passaram a atender
demandas específicas em meio a problemas complexos, abrangendo fatores sociais,
econômicos e políticos. Foi a partir de então, também, que a questão ganhou espaço de fato e
passou a ser pautada pelos órgãos nacionais e internacionais, a ilustrar TVs, rádios, jornais e
se consolidar politicamente como um movimento de valores, e arriscamos denominar como
um movimento altamente midiatizado.
A primeira organização de espectro mundial oficialmente criada foi a WWF, em 1961.
O Greenpeace surgiu em 1971, já com uma ação de projeção internacional (e alta
visibilidade): uma mobilização contra o teste nuclear em uma ilha no Canadá e ganhou bases
praticamente por todo o globo, presente atualmente em 40 países e caracterizado por suas ações
estratégicas e amplos protestos para mobilizar a opinião pública. O Brasil ganhou a primeira
organização ambientalista logo em 1958, a Fundação Brasileira para conservação da
Natureza. E, em 1971, surge a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente
Natural), em atuação até hoje no Rio Grande do Sul. Esse período formativo, como reiteram
Leis e Viola (1995), ficou concentrado em denúncia, muitas vezes radical, e conscientização
61
pública sobre a degradação ambiental, com campanhas locais, por exemplo, combate à
poluição e preservação de ecossistemas naturais, sem aliar a temática social. O Greenpeace,
criado nesse contexto da década de 1970, fase fundacional das organizações, carrega as
reminiscências do período e faz das denúncias, ainda hoje, seu carro-chefe, mas podemos
avaliar que consegue superar a estrutura mais radical ao fazer petições, moções, projetos,
discussões, assim como estudos que evidenciam uma postura mais propositiva.
Já em 1980 os desafios mostraram-se mais amplos e incluíam a superação da pobreza,
a participação e o controle social do desenvolvimento. Na década seguinte, consolidadas em
bases mais humanas e profissionais, as organizações foram se aperfeiçoando e abrindo espaço
enquanto movimento consolidado, excedendo o âmbito da denúncia para atuar com propostas
políticas, objetivos bem definidos e maior influência na sociedade.
No contexto de um ambientalismo complexo, as entidades profissionais se capacitam para exercer, e exercem de fato, uma nítida influência sobre as agencias estatais de meios ambiente, o Legislativo, a comunidade científica e o empresariado; e além disso constituem um agente social de introdução de um novo estilo administrativo (que combina a eficiência e o interesse social a longo prazo) no país (LEIS E VIOLA, 1995, p. 86).
Na esteira da década de 1990, as organizações não puderam ficar alheias aos
problemas sociais, o que deu margem para uma denominação mais abrangente, o
socioambientalismo, que transcende a prática da denúncia para atuar mais fortemente com
políticas públicas, congregando homem e meio ambiente. Com isso, obviamente, o
ambientalismo mostra ainda mais ramificações, e agrega agora, no mesmo escopo e com
legitimidade, movimentos de seringueiros, indígenas, trabalhadores sem terra, atingidos por
barragens, movimento de moradores, estudantil, mulheres, defesa do consumidor, entidades
pacifistas, sindicatos (LEIS E VIOLA,1995, JACOBI, 2007), evidenciando na prática a
questão da transdisciplinariedade ambiental22 mas, ao mesmo tempo, colocando desafios pela
heterogeneidade organizativa e ideológica de cada um dos grupos e reiterando nossa
preocupação, talvez em vão, em delinear com precisão o movimento ambiental.
O marco diferenciador desse sociombientalismo, como explica Jacobi (2007, p.465) é
a substituição da reação para a ação, com propostas políticas e afirmações de alternativas
22 A transciplinaridade ambiental é evidenciada na obra de Leff (2002) como a inerente relação e integração das questões ambientais com outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, ele prega a necessidade, inclusive, de uma epistemologia ambiental.
62
viáveis de preservação ambiental. “As entidades se capacitam cada vez mais para exercer uma
nítida influência sobre as agências estatais de meio ambiente, o poder legislativo, a
comunidade científica e o empresariado”.
Segundo Tavolaro (2001), com essa trajetória os grupos ambientais se consolidaram
como um movimento social e conseguiram se aliar a setores populares e adquirir uma
perspectiva mais ampla, não defendendo apenas o verde e regiões selvagens, mas também
ambientes urbanos que estão longe de serem intocáveis, e trazem à tona a tal “natureza
artificial” (TAVOLARO, 2001, p.132), o homem como parte desse meio ambiente, e os
problemas urbanos como um componente latente entre as reivindicações ambientalistas.
Neste cenário de diferentes qualificações e abrangência da causa, Tavolaro (2001)
aposta em um “novo” ambientalismo, já não tão novo assim, que emerge na modernidade, em
meio à artificialização intensa, abarca diversas vertentes e contextos, em um mundo complexo
onde também cabem mitos, sacralização e crenças imbricadas na própria dinâmica dos
fenômenos ambientais e, mais diretamente, nos temores de uma catástrofe natural. O processo
de racionalização, que está na base do mundo moderno, não trouxe apenas uma postura de
subjugo à natureza, como lembra o Tavolaro (2001, p.40), mas a “busca de um pretenso
equilíbrio no convívio humano com a natureza”. O movimento então, nas democracias
industriais avançadas, tem seu eixo reconfigurado para repensar o materialismo e o consumo
excessivo que caracterizam as sociedades modernas.
Foi aí que para Dalton (1992) emergiu um novo movimento ambientalista, com uma nova consciência ecológica, apresentando um desafio tanto ao paradigma social dominante nas sociedades industriais avançadas quanto aos métodos políticos próprios às democracias ocidentais. As associações ambientalistas Friends of the Earth e o Greenpeace são frutos desse momento, conforme define o autor. (TAVOLARO, 2001, p.147).
A questão ambiental, protagonizada pelas organizações ambientalistas, é cada vez
mais presente na contemporaneidade. Castells (2000) avalia, por exemplo, que entre os
movimentos sociais, o ambiental é o de maior produtividade e repercussão por influenciar os
diversos setores da sociedade. Nos últimos 10 anos as instituições consolidaram sua atuação
politicamente e constituíram um discurso, amparado por estratégias comunicativas e com base
em direitos fundamentais, que conquista forte adesão social.
Isso porque, reiteramos, o movimento, que nasceu para defender a natureza, também
desde sua fundação demonstrou um caráter midiático, que contribuiu com sua legitimidade
63
social e com a difusão da causa ambiental. As ONGs tornaram-se referência, são
exaustivamente procuradas como fontes de informações, formuladoras de conceitos, de novas
diretrizes e pautas para a imprensa e sociedade, se apresentando também como produtoras de
conteúdo, pregando mobilização e interatividade, especialmente no espaço virtual, delineando
novas práticas de comunicação e informação que ainda não foram estudadas de forma
sistemática.
As novas tecnologias, em especial as ferramentas da Internet, vista por Castells (2000)
como um meio ideal de interação e organização social, deu ainda mais visibilidade e
possibilidades para as ONGs. Castells acredita que a expansão do movimento ambiental seu
deu, principalmente, pela composição da sociedade em rede, pós década de 1960 e da própria
incidência das tecnologias da informação e comunicação, e justifica com propriedade:
Proponho a hipótese de que existe uma relação direta entre os temas abordados pelo movimento ambientalista e as principais dimensões da nova estrutura social, a sociedade em rede, que passou a se formar nos anos 70 em diante: ciência e tecnologia como os principais meios e fins da economia e da sociedade; a transformação do espaço, a transformação do tempo; e a dominação da identidade cultural por fluxos globais abstratos de riqueza, poder e informações construindo virtualidades reais pelas redes de mídia (CASTELLS, 2001, p.154).
Nesse sentido, Castells (2000, p.155) coloca o movimento como “protagonista do
projeto de uma temporalidade nova e revolucionária”. Isso porque atua com base no que o
autor denomina como tempo glacial23 – que é evolucionário, holístico e busca uma
perspectiva histórica avançada. “Em termos bem objetivos e pessoais, viver no tempo glacial
significa estabelecer os parâmetros de nossas vidas a partir da vida de nossos filhos, e dos
filhos dos filhos de nossos filhos” (CASTELLS, 2000, p.158). E os conceitos e propostas são
moldados de acordo com a demanda de cada organização: se fazem globalistas no tempo e
localistas em termos de defesa do espaço, entendendo, por exemplo, que por mais que os
problemas sejam transnacionais, a relação entre pessoas e meio ambiente começa na
comunidade local.
23 Castells (2000, p.155) descreve três tempos: o cronológico como aquele formato linear, característico do capitalismo e dos sistemas industriais; o intemporal voltado para instantaneidade e eliminação de continuidades, próprio do paradigma informacional e, por fim, o glacial como uma proposta altruísta. Trata-se, grosso modo, de cuidar de nossos descendentes, como pressupõe o próprio conceito de desenvolvimento sustentável – termo referência do movimento ambiental.
64
Com isso, Castells avalia que os ecologistas inspiram a criação de uma nova
identidade, fundamentada nas lutas sobre apropriação da ciência, do tempo e do espaço, ainda
que no âmbito de diversidade e contradições. “A cultura verde, na forma proposta por um
movimento ambientalista multifacetado, é o antídoto à cultura da virtualidade real que
caracteriza os processos dominantes de nossas sociedades”. (CASTELLS, 2000, p.160). O
autor continua acompanhando e analisando os diferentes movimentos da sociedade, e se
mantém fiel ao pensamento da estrutura da sociedade em rede que não só viabiliza como
facilita as mobilizações, induz novas possibilidades de democracia e alternativa política. A
Internet como um espaço de livre manifestação, que inaugurou uma era da comunicação
compartilhada, que iremos discutir com mais intensidade no próximo capítulo24.
E o movimento ambiental soube se atualizar para difundir a causa, conseguir adeptos,
lançar manifestos, divulgar informações, propor formas de mobilização, por meio de portais,
redes digitais, plataformas multimídias. Neste contexto, temos uma arquitetura em rede que
possibilita um ativismo online, que, na opinião de Jacobi (2007, p.467), instrumentaliza o
alcance das novas tecnologias da informação, exerce pressão, cria consciência ambiental,
atuando local e mundialmente. As novas tecnologias e o trabalho em rede possibilitam,
especialmente, a publicização das problemáticas, aumentando, portanto, o grau de
legitimidade e credibilidade das ONGs, provoca e estimula o interesse da sociedade e também
de agências de financiamento, governos e empresas, que acabam por introduzir e dar destaque
à problemática em suas agendas. Na rede temos também a globalização da percepção dos
riscos. ONGs transnacionais, como o Greenpeace, exercem papel fundamental na
disseminação das informações e imagens em escala mundial, “fortalecendo a necessidade dos
riscos serem percebidos como globais, alertando sobre o seu alcance e a necessidade de
impedir que aconteçam” (JACOBI, 2007, p.467).
Essa perspectiva leva, inclusive, a idealizar a existência de uma sociedade civil
mundial, como colocam Vieira (2001) e Marzochi (2009), que seria forjada por organizações
internacionais como o Greenpeace, no decorrer das atuações e mobilizações, com abrangência
24 Em entrevista concedida à TV internacional da Rússia, em julho de 2012, e disponível em: http://www.outraspalavras.net/2012/08/03/castells-quer-tecer-alternativas/ Castells fala sobre as redes de indignação e esperança que são possibilitadas pelas tecnologias. Ele comenta a importância de movimentos como os Indignados e os Occupy, que tiveram início em 2011, usaram a Internet como espaço livre de comunicação ao mesmo tempo em que ocuparam os espaços públicos. Em julho de 2011, em um discurso para os acampados em Barcelona (Espanha), Castells reforçou a ideia da comunicação como espaço de democracia e poder, e falou sobre suas longas observações que mostram o quanto a autonomia comunicativa da internet foi importante para organizar e ampliar as mobilizações sociais pelo mundo, e que esse processo não pode parar. O discurso foi transcrito em http://www.outraspalavras.net/2011/07/18/castells-propoe-outra-democracia/.
65
e repercussão internacional. Uma sociedade internacional em uma esfera pública mundial, que
teria sido facilitada pelo trabalho das ONGs com status na ONU, pelas significativas e
diversas conferências, tratados mundiais, movimentos globalizados e antiglobalização, e
também pela difusão das redes eletrônicas. Mas essa arguição é delicada, uma vez que as
tensões próprias de cada nação, de cada estrutura sociopolítica permanecem, independente da
atuação em âmbito internacional organizações25.
Por fim, é neste movimento, que não é único, mas carrega consigo uma multiplicidade
de proposições, diversidade cultural, diferentes associações, que integra uma cultura verde,
uma cultura ambientalista agora reconceitualizada no contexto das tecnologias da
comunicação, que se concentra nosso trabalho. O ambientalismo que parte para a rede
congrega um discurso próprio e estratégias de mobilização, ciberativismo, que se transformam
em componentes indispensáveis da nova luta ambiental. É preciso entender, porém, que esse
ambientalismo emerge na contemporaneidade, amparado por uma sociedade em rede, mas
também por outras nomeações não menos importantes como a condição pós-moderna, a
modernidade líquida, inconclusa, que situam o tempo, o espaço e as contradições da
denominada cibercultura, que tem seu lugar cravado a partir, principalmente, de 1960, e
acabam por caracterizar o âmbito dos movimentos ambientais na comunicação. Nas próximas
páginas pretendemos clarear essa paisagem.
2.2 O ambientalismo na modernidade indefinida: inconclusa, líquida, superada,
espetacular
A relação da modernidade com a natureza desde o principio foi peculiar. A razão
positivista, o paradigma antropocêntrico e a industrialização intensa, que caracterizaram o
período, foram justamente o estopim para as duras críticas do movimento que nasceu para
defender uma natureza em pleno processo de degradação. O movimento ambientalista, apesar
25 Marzochi (2009, p.39) em sua tese de doutorado sobre a metamodernidade e contrapoder do Greenpeace levanta questões como se é possível “considerar a existência, pelo menos empírica, de algum tipo de governo ou governança global, como um conjunto entrelaçado de Estados, organizações multilaterais, ONGs internacionais e nacionais, articulados por forças hegemônicas, que nos permita admitir a realização de uma Sociedade Civil Mundial em torno desta constelação internacional de instituições?” Mas conclui que se a sociedade civil e o Estado estão intrinsicamente ligados, como propõe Gramsci, se não existe um Estado Mundial, tampouco é provável a definição de uma sociedade civil mundial, que abarque as diferenças culturais e as representações politicas em escala global.
66
de contestar, expressa a multidimensionalidade e as contradições típicas de uma modernidade,
sob nossa ótica, indefinida, haja vista a quantidade de terminologias que adornam o momento.
Castells (2000) não esconde a preocupação com a modernidade que ele indica como tardia,
mas prefere avaliar que a ascensão do movimento não só coincide como se apropria da
sociedade em rede. Àquela caracterizada pela globalização das atividades econômicas, por sua
forma de organização em redes; pela cultura de virtualidade real construída a partir de um
sistema de mídia onipresente e pelo surgimento de um espaço de fluxos e de um tempo
intemporal (CASTELLS, 2000, p.17).
Mas não podemos negligenciar que esse período, de cultura contemporânea, também
recebe as chancelas de modernidade líquida, inconclusa, condição pós-moderna – abordagens
que trazem elementos consensuais ao modelo em rede, entre outros indicativos importantes
para essa pesquisa, que prevê o entendimento do movimento ambiental em toda sua
heterogeneidade.
Tavolaro (2001) traz, na sua obra sobre movimento ambiental e modernidade, uma
investigação do fenômeno ambientalista imerso nas transformações das complexas sociedades
modernas. Um dos fundamentos da emergência do movimento ambiental está na percepção de
situações crescentes de incerteza e instabilidade típicas da modernidade, que outras gerações
não tiveram que enfrentar, como a crise climática, nuclear, biotecnológica. Aqui o risco está
relacionado à normatividade e consequências das sociedades modernas e do próprio
capitalismo, como coloca Giddens (1994, p.15)26. "Um capitalismo em constante expansão
vai contra não somente os limites ambientais, no que diz respeito aos recursos da terra, mas
contra os limites da modernidade na forma da incerteza produzida". Entre os fatores desta
sociedade de risco temos o grau de desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e o
impacto ambiental ocasionado, além das incertezas do industrialismo, das situações de guerra
e conflitos. Se por um lado o desenvolvimento assegura calculabilidade e certa
previsibilidade, por outro, as instabilidades e a insegurança têm seu lugar cravado nessa
modernidade, dando espaço às demandas estruturais propostas pelo ambientalismo.
O emblemático, para Tavolaro, é a reaproximação visível com a natureza que vem
ocorrendo nas últimas décadas, depois de um longo período de distanciamento, justamente
“no interior de uma sociabilidade que tem a racionalização dos processos de reprodução 26 Giddens (1991, p.8) define a modernidade em período de tempo e espaço como “estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. Mas que passa por um período de transição que ocasionou as diferentes abordagens da pós-modernidade, que ele não rejeita, mas prioriza a investigação da natureza da modernidade (reflexiva) e suas consequências na vida social.
67
material, de administração, de reprodução cultural como seu princípio básico” (TAVOLARO,
2001, p.18). Em um momento de acelerado progresso industrial e desenvolvimento
econômico, grupos específicos começam a pregar o resgate do natural e a necessidade da
preservação ambiental. Existe, portanto, um reencantamento da natureza, que evidencia uma
situação paradoxal, que faz Tavolaro (2001, p.131) questionar: “Não haveria algo de
anacrônico no fato de associações ambientalistas se erguerem em busca da reconciliação do
homem moderno e da natureza num período em que o processo de racionalização avançou a
ponto de estruturar o funcionamento básico de nossa sociedade?”
E vale ressaltar que o resgate pregado pelo movimento não se restringe ao natural, mas
abrange uma enorme carga de reivindicações que poucos movimentos sociais são capazes de
incorporar, além de se apropriarem da defesa da natureza artificial, ou seja, da condição
urbana típica da modernidade. Permanece, sim, a insegurança causada pelas transformações
industriais e científicas, mas também o desconforto gerado pelo rompimento dos laços sociais
tradicionais e pelo consequente processo de desintegração social que faz com que o
movimento ambiental ganhe centralidade ao responder:
aos déficits de integração social característicos de um momento em que concepções de mundo tradicionais mostram-se ineficazes na tarefa de proporcionar o acervo cultural com base no qual as situações cotidianas possam ser interpretadas, num momento em que laços tradicionais foram rompidos e o quadro normativo deixa de criar expectativas de comportamento com base em determinações tradicionais.(TAVOLARO, 2001, 152).
A relação do homem com a natureza está pautada na reprodução cultural e na
socialização, mas o homem moderno, segundo Tavolaro, encontra-se apoiado no nível de
desenvolvimento das forças produtivas, imerso em tal processo de racionalização, que acolhe
um conflito intenso entre o mundo natural não só modificado, como depredado.
Nas sociedades complexas, em que o indivíduo tem mais autonomia para transitar livremente no interior de suas esferas de reprodução cultural, integração social, busca de identidades, e em que a natureza transformada pode ser diversamente percebida, verifica-se a existência de setores que agem predatoriamente em relação a natureza, mas também de setores que resgatam o mundo natural, dotando-o de importância central para a vida social (TAVOLARO, 2001, p.38).
68
Aliás, Martins (2000, p.19) reconhece que o tema da modernidade está profundamente
comprometido com a ideia de progresso27, mas não se pode escamotear o aspecto transitório.
“Modernidade é a realidade social e cultural produzida pela consciência da transitoriedade do
novo e do atual”. E, nesse cenário, o autor (2000. p.50) lança a ideia da modernidade
inconclusa e coloca inúmeras hesitações que são pertinentes reiterar, “é como se fossemos
pós-moderno antes mesmo de chegarmos a modernidade, há muito misturando numa colagem
desarticulada tempos históricos e realidades sociais”. O autor fala também em modernidade
anômala, por conta da falta de crítica, de autonomia em reconhecer que tudo é transitório,
passageiro; “é modernidade, mas sua constituição e difusão se enredam em referenciais do
tradicionalismo sem se tornar conservadorismo (…) estamos em face do inconcluso, do
insuficiente, do postiço” (MARTINS, 2000, p.54). Propostas que convergem com a
conceituação da pós-modernidade: uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero e
caótico, enquanto rejeita representar e exprimir o eterno e imutável (HARVEY, 2004, p.111).
O ambientalismo aflora uma sociabilidade característica desta modernidade
inconclusa, com estruturas complexas e contraditórias, como lembram Tavolaro (2001) e
Martins (2000), que trazem a natureza enquanto objeto de discussão, de debate, de decisão, de
reflexão, também como referência para relações e busca de identidade, balizando
comportamentos em um mundo agora midiatizado, onde as pautas ambientais são cada vez
mais constantes e ganham espaço na sociedade, inclusive para as relações sociais e
reprodução cultural. Esse momento de modernidade inconclusa propiciou diferentes
denominações que buscaram entender e clarear os confrontos da sociedade, como é o caso da
condição pós-moderna, proposta por Harvey (2004) e da modernidade líquida, delineada por
Bauman (2001), que trazem ainda mais densidade para a discussão do movimento ambiental e
mostram nuances importantes, principalmente no aspecto da visibilidade e transitoriedade dos
movimentos ambientais.
As grandes mudanças, em especial na qualidade da vida urbana, com intensos
processos sociais e tecnológicos, na década de 1960, exigiram novas conceituações, não
exatamente de uma superação total do moderno, mas de uma condição diferenciada e difícil
de definir exatamente, que representa “alguma espécie de reação ao modernismo ou de 27 O termo progresso é utilizado no fragmento acima como ideia positiva de avanço na sociedade, melhoramento futuro, crescimento do bem-estar. Mas o conceito demanda diferentes interpretações, dependendo do momento histórico e das correntes teóricas que não influem no contexto da nossa Tese, mas que consultamos em Bobbio (2001). O progresso, que indicou o desenvolvimento da razão no início da modernidade, entra em crise no século XX com as mudanças tecnológicas (que geram possibilidades e precariedades) e com a proposta de um modelo que repense a natureza interior e exterior ao homem. “A fé no progresso depende do tipo de valor que se escolhe como medida” (BOBBIO, 2001, p.1010).
69
afastamento dele” (HARVEY, 2004, p.19), também visto como uma exaustão moldada por
uma lógica cultural do capitalismo avançado. De fato, o ponto de partida para entender o pós-
moderno reside na sua relação com o moderno, entendendo a modernidade como o transitório,
o contingente, como a sensação avassaladora de fragmentação, efemeridade e mudança
caótica. Mas, aos poucos, na avaliação de Harvey (2004), o modernismo perdeu seu atrativo
de antídoto revolucionário e deu lugar a uma ideologia reacionária e tradicionalista, que fez
surgir os vários movimentos contraculturais e antimodernistas, que contestam essa realidade,
entre eles, o ambiental.
Nesse contexto, Harvey (2004, p.47) acata a proposta de condição (e não conceito),
pois é improvável definir se o pós-modernismo é um estilo, uma revolta, um conceito
periodizador dos anos 60 e 70, uma domesticação ou comercialização do próprio
modernismo, um fenômeno urbano marcado pela busca por sinais de posição, de moda ou
marcas de excentricidade individual. Ou, ainda, uma resposta às políticas neoconservadoras
em uma época de pós-industrialização.
Começo com o que parece ser o fato mais espantoso sobre o pós-modernismo: sua total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico (…) Mas o pós-modernismo responde a isso de uma maneira bem particular; ele não tenta transcendê-lo, opor-se a e sequer definir os elementos 'eternos e imutáveis' que poderiam estar contidos nele. O pós-modernismo nada, e até se espoja, nas fragmentárias e caóticas correntes da mudança, como se isso fosse tudo o que existisse (HARVEY, 2004, p.49).
Mais recentemente Harvey (2012 ab) reforçou suas ideias ao falar sobre a provável
falência do modelo capitalista e os movimentos atuais de contestação política28, que refletem
a mobilidade e a fragmentação de forma ainda mais acentuada nos dias de hoje. Ele reitera
também a predominância da vida urbana, como fenômeno pós-moderno, e os grandes
impasses da contemporaneidade, na sua visão: desigualdade social e a degradação ambiental.
A condição pós-moderna ainda revela a perda de uma continuidade histórica, dos
valores e crenças, incluindo a falta de profundidade, da fixação nas aparências, nas superfícies 28 Em entrevista concedida na ocasião de sua visita ao Brasil, para lançamento da obra O enigma do Capital, Harvey (2012) falou sobre a aceleração, acumulação do capital e da mobilidade das crises do capitalismo, prevalecendo sua visão marxista. E ele não abandona, neste contexto, as premissas da condição pós-moderna no que se refere à compressão do espaço e tempo, a insegurança e volatidade das relações. Em uma coletânea, também de 2012, sobre os movimentos de protesto anticapitalistas, que tomaram as ruas em diversas partes do mundo, a partir de 2011, denominados como Occupy, Harvey, apoiador das manifestações, centralizou a problemática nas desigualdades sociais, na luta de classes (que persiste), na vida customizada e antinatural, típicas da pós-modernidade, que precisam ser superadas com um modelo alternativo.
70
e nos impactos imediatos. Nessa mesma linha, Baumann (2001) denomina o período enquanto
modernidade líquida, metáfora que explica, com outras palavras, a fragmentação e a
efemeridade da presente fase histórica da modernidade. Ao contrário dos sólidos, os líquidos
não mantêm sua forma, são fluídos, não se prendem em espaço e tempo, não se atêm a
modelos fixos, modificam-se com facilidade, preenchem vazios por curto período.
Um dos pontos-chave da modernidade líquida é a questão das incertezas, do
esvaziamento e da individualização, em detrimento do coletivo. Apesar de aparentemente
manter a crítica, a sociedade está esvaziada, acomodada tanto no pensamento como na ação, e
existe, para Baumann (2001), a decadência do engajamento político. E, nessa conjuntura,
avaliamos que os movimentos ambientais querem subverter essa ordem, pregando novas
formas de participação, engajamento e ativismo, mas por meio de ferramentas tecnológicas
que estão, de certa forma, adaptadas a essa liquidez (agora, o indivíduo se mobiliza sozinho,
por meio do computador, por exemplo). Baumann (2001) esclarece que enquanto o cidadão
tenta buscar o bem estar comum, com uma causa também comum, o indivíduo tende a ser
morno, cético, sua atuação deve satisfazer apenas seus próprios interesses. Esse
individualismo permeia a questão ambiental, pois mesmo em processos que se pressupõem
interesses de cidadão, do bem comum, uma vez que as causas ambientais são em sua essência
altruístas, há uma tentativa de individualização, de responsabilizar o indivíduo, de exigir que
‘cada um faça sua parte’. Isso integra a tendência dessa modernidade que acredita que as
soluções, para parecerem razoáveis e viáveis, devem ser acompanhadas da individualização
das tarefas e responsabilidades, como explica Baumann (2001). O próprio Greenpeace tem
entre seus valores institucionais estimular atitudes individuais que promovam a solução dos
problemas ambientais.
E, nessa direção, não existe espaço para revoluções sistêmicas. “Ninguém ficaria
surpreso ou intrigado pela evidente escassez de pessoas que se disporiam a ser
revolucionários: do tipo de pessoas que articulam o desejo de mudar seus planos individuais
como projeto para mudar a ordem da sociedade” (BAUMANN, 2001, p.12). Percebe-se sim, e
vamos confrontar isso mais a frente, uma mudança conjuntural com a difusão das tecnologias
da comunicação e das redes digitais, atuando na articulação de manifestações e
reivindicações. Ainda que nem sempre massivas e sistêmicas, a Internet vem possibilitando
importantes mobilizações em torno de propostas pertinentes e emancipatórias. Todavia vale a
ressalva que essa sociedade líquida está caracterizada pelo consumo em todos os âmbitos,
inclusive nas causas que adere, no movimento que se associa, na própria identidade e na
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comunidade/rede da qual faz parte. Existe uma nova denominação de comunitário que traz a
emergência da identidade, da proximidade, da ilusão de compartilhar um objetivo comum e,
assim, eliminar as incertezas do momento, mas que pode, na realidade, não ultrapassar o nível
da excitação e da performance (Baumman, 2001, p.229).
Mas do outro lado desse esvaziamento declarado por Baumann, uma característica da
contemporaneidade, colocada por Harvey (2004), que vem ao encontro dos movimentos
sociais, é o pluralismo pós-moderno, que dá voz e vez aos diferentes grupos, que são aceitos
como legítimos e autênticos. Visualizamos agora, de maneira mais declarada, a compreensão
da diferença e da alteridade e um potencial mais aberto aos movimentos sociais de diversas
ordens, entre eles o ambiental. Apesar da prevalência de características efêmeras e apolíticas,
Harvey (2004, p.53) cita justamente as tecnologias como responsáveis por abranger este
panorama ao oferecer novas possibilidades de informação, produção, análise e transferência
de conhecimento na condição pós-moderna. Essas aparentes contradições do momento
revelam as brechas da modernidade líquida: ao mesmo tempo em que podem não propiciar
grandes revoluções dão espaço significativo para pequenas revoltas, privilegiam o indivíduo,
mas colocam em destaque as comunidades, trazem como característica principal o
esvaziamento, contudo dão vez à pluralidade de vozes, permitem também que a luta ambiental
ganhe centralidade e se utilize de diferentes estratégias para colocar em pauta questões
importantes, possibilitando a reconfiguração das formas de mobilização e ativismo.
Leff (2001, p.119) avalia também que o movimento ambiental emerge no tal vazio
pós-moderno, mas consegue apropriar-se das condições do momento, transformando a
desarticulação e o esvaziamento das motivações em um novo saber ambiental, impondo novas
demandas, mobilizações cidadãs, lutas de resistência e questionamentos do modelo de
desenvolvimento, agora com armas novas, vindas da cibernética, substituindo “a construção
social de utopias por um jogo de realidades virtuais”.
A microeletrônica e as telecomunicações não são ferramentas para subjugar os despossuídos, mas instrumentos de luta em defesa dos direitos humanos que enlaçam um movimento solidário internacional. Também abriram a possibilidade de transmitir os fatos ocultados pelos mecanismos dos poderes estabelecidos e de mostrar o uso ilegítimo da violência e do poder do Estado. (LEFF, 2001, p. 130)
O uso da tecnologia vem estabelecer inéditas relações de poder no conflito
ambientalista e emancipação de grupos, configurando também os novos atores sociais “para
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forjar, em oposição à modernidade, um mundo novo, onde a racionalidade ambiental recebe,
conjuga e dispersa as luzes e as vozes pela democracia, pela sustentabilidade e pela justiça
social” (LEFF, 2001, p.132).
Assim, os movimentos ambientais embrenharam-se na rede e podem ser focalizados
como um dos protagonistas dessa modernidade indefinida, e tornaram-se também vitrine para
um tipo de espetáculo que há muito caracteriza as investidas midiáticas e acaba por moldar
também as causas e lutas reivindicatórias.
O espetáculo consolida-se em um tempo e espaço situado na condição pós- moderna,
como coloca Harvey (2001), e ou na modernidade líquida, como prefere Baumann (2001), e
atua como caracterizador de uma época. O sensacionalismo em eventos políticos, científicos,
militares, o predomínio das imagens, ou seja, o triunfo da estética sobre a ética é pulsante.
Editada pela primeira vez em 1967, a obra Sociedade do Espetáculo de Guy Debord
pode parecer distante das demandas contemporâneas, mas seria imprudente entrar nessa seara
sem ao menos lembrar o autor que conseguiu marcar o tempo e o espaço do espetáculo, ditado
e propiciado pelos meios de comunicação. Muitas ressalvas podem ser feitas, mas a obra de
Debord encontra ecos na contemporaneidade e o próprio autor faz uma advertência na edição
francesa de 1992, que convém concordar, de que uma teoria não se altera facilmente, “pelo
menos enquanto não forem destruídas as condições gerais do longo período histórico em que
ela foi a primeira a definir com precisão” (DEBORD, 1997, p.9). Além disso, ele mesmo
avalia que os acontecimentos posteriores à publicação do livro só corroboraram e ilustraram
ainda mais a teoria do espetáculo. A mesma tendência notamos na divulgação das questões
ambientais e outras reivindicações, em que o espetáculo torna-se crucial, ainda que em um
sentido distante das propostas iniciais do autor pioneiro. As organizações contemporâneas, no
geral, entenderam perfeitamente a necessidade da visibilidade para sobreviver em uma
sociedade midiática.
Na visão de Debord prevalece a versão pessimista do espetáculo, que gera alienação,
passividade, despolitização, incluindo a própria negação da vida real. “O espetáculo não é um
conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”
(DEBORD, 1997, p.14). A raiz do espetáculo está na economia, na sociedade do consumo que
transforma tudo em mercadoria, até a revolta e a própria insatisfação pessoal/social
converteram-se em produto espetacular veiculado. Se antes, especificamente pelos meios de
comunicação, atualmente o show da revolução é produzido também em mídias virtuais, pelos
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próprios cidadãos insatisfeitos, e disponibilizado sobremaneira nas redes sociais digitais e
outros espaços virtuais colaborativos.
Os excessos midiáticos são os caracterizadores, criadores e mantenedores do
espetáculo. Tem-se a política espetáculo, a justiça-espetáculo, a medicina-espetáculo
(DEBORD, 1997, p.171) e podemos incluir aqui uma causa ambiental-espetáculo. Mas vale
relativizar o pensamento de Debord, porque, na sua opinião, a condição espetacular não
suporta assuntos sérios, e ele mesmo cita que questões como a poluição dos oceanos, a
destruição das florestas, a camada de ozônio não conseguem integrar o espetáculo, mas hoje
avaliamos como perfeitamente possível. Os assuntos são sim colocados em evidência e com
espaço para discussão, ainda que não no nível de profundidade exigido. O Greenpeace, por
exemplo, desenvolve suas ações com temas de seriedade e relevância como Amazônia, Clima
e Energia, Transgênicos em seus projetos e ações, mas que são frequentemente
‘incrementados’ com ações espetaculares. Debord (1997) também destaca que o espetáculo
tem o poder de retomar personagens, salientar sobreviventes fictícios, criar acontecimentos. E
a própria ciência oficial, que trata de assuntos importantes que não estariam, teoricamente, na
lona do espetáculo, rendeu-se às técnicas de teatro mambembe, ilusionistas, equilibristas,
magos, seitas, ou melhor, uma “encenação do pensamento do entretenimento” (DEBORD,
1997, p.209). É assim que, para divulgar as problemáticas ambientais, o Greenpeace utiliza
desses artifícios, com ativistas escalando altos prédios e monumentos, enfrentando grandes
corporações ou quando entra em cena a embarcação Rainbow Warrior (guerreiro do arco-íris)
perseguindo os grandes navios baleeiros para denunciar a caça às baleias e proteger a vida
marinha.
Aqui vale indagar: se antes o espetáculo era visto como ferramenta de pacificação e
despolitização, como fica incorporado à luta ambiental que é, em sua essência, eminentemente
política e contestadora dos paradigmas desenvolvimentistas? As táticas, inicialmente
despolitizadas/ manipuladoras do espetáculo, não podem deflagrar uma mobilização ou
reivindicação legítima contra uma empresa poluidora?
Neste sentido, talvez não seja o caso de caracterizar esse espetáculo como meramente
alienante, como indica Debord (1997), mas como uma estratégia necessária para conquistar
um público já acostumado e acomodado às entranhas do espetáculo. Além de ter como
imperativo a rentabilidade econômica que os grupos organizados precisam para manter suas
atividades. O Greenpeace, diferente de outras ONGs que captam recursos por meio de editais
públicos ou patrocínio de empresas privadas, informa, se não esbraveja, em sua divulgação
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institucional, que sobrevive única e exclusivamente de doações de filiados, com a justificativa
de não se comprometer com qualquer tipo de corporação, assim, os filiados e potenciais
apoiadores devem ser sensibilizados, em especial, pela comunicação, para fazerem suas
doações. Mas ponderamos aqui que não temos uma visão ingênua do Greenpeace como
organização isenta e espetacular por escolha própria ou puramente para abranger a causa. Ele
fala de algum lugar e para alguém, tem uma identidade social, busca um propósito, transmitir
um valor, em meio a uma opacidade cultural e social difícil de identificar a olho nu, portanto,
a problematização é necessária e nos permite compreender a comunicação da organização
com toda a complexidade abarcada. Além disso, a problemática ambiental atua muitas vezes
como pano de fundo para questões políticas e econômicas mais intensas.
Mas se para Guy Debord a sociedade do espetáculo se resume à produção e consumo
de imagens, mercadorias e eventos em um estágio específico da sociedade capitalista, para
Kellner (2003, p.5) o espetáculo, em especial, é menos abstrato e generalizado, avaliado como
“aqueles fenômenos de cultura da mídia que representam valores básicos da sociedade
contemporânea, determinam o comportamento dos indivíduos e dramatizam suas
controvérsias e lutas, tanto quanto seus modelos para a solução de conflitos”. Kellner (2003)
situa o espetáculo no contexto da globalização, como uma cultura que está adentrando novos
domínios do ciberespaço, e, assim, compondo uma sociedade de infoentretenimento
organizada em rede, e não necessariamente como um componente de alienação, que distancia
o indivíduo das questões políticas reais. Com essa proposta, o autor acredita ser prudente
avaliar como os espetáculos são produzidos, construídos e circulam na contemporaneidade,
propiciando conhecer o modelo em rede e aprofundar-se em suas técnicas e objetivos.
O espetáculo se desenhou com “um dos princípios organizacionais da economia, da
política, da sociedade e da vida cotidiana” (KELLNER, 2003, p.5) e ganha real impulso na
cibercultura e nas possibilidades que ela proporciona. Se a cultura da mídia desde sempre deu
espaço às excentricidades, agora proporciona amostras ainda mais sofisticadas
tecnologicamente, denominadas pelo autor como espetáculos de tecnocultura, que conquistam
espaço nas esferas da vida. “Os conflitos sociais e políticos estão cada vez mais presentes nas
telas da cultura da mídia”, alerta Kellner (2003, p.5) e isso fica mais latente na Internet com
sites e redes propondo discussões, mobilizações, disponibilizando imagens, sons, jogos,
interatividade.
Apenas ter um espaço virtual com conteúdo, como um website ou blog não é
suficiente, ele deve ser um espetáculo interativo, que mostra não somente os produtos e
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informações, mas que oferece música e vídeos para serem baixados, jogos, prêmios, fotos,
hiperlinks, diversão, celebridades e inúmeras possibilidades midiáticas. E esse espetáculo
interativo em rede o Greenpeace bem conhece e oferece no seu portal institucional,
www.greenpeace.org.br. O espaço é multi/hipermidiático com conteúdos, histórico, os temas
que a organização atua, documentos para serem baixados, ícones das redes sociais e blogs,
seção Ciberativista com as petições online em vigor, espaço multimídia onde é possível ter
acesso a fotos, vídeos, jogos e gadgets, papeis de parede, notícias, vídeos, publicações
recentes com destaque para as principais campanhas da ONG em andamento, que, além de
explicações em textos e petições, trazem também vídeos e histórias ilustrativas, avatares e
banners para compartilhar. O espetáculo tornou-se um componente central dessa comunicação
em rede.
A partir da tradição do espetáculo, as formas contemporâneas de entretenimento, desde a televisão até o palco, incorporam a cultura do espetáculo a seus empreendimentos, transformando o filme, a televisão, a música, o drama e outras áreas da cultura, produzindo novas formas de cultura espetaculares tais como o ciberespaço, a multimídia e a realidade virtual. (KELLNER, 2003, p.7)
O autor avalia ainda que o aperfeiçoamento das técnicas e o domínio da tecnologia
propiciam o espetáculo do ciberespaço, em uma emergente realidade virtual e interativa, que
são fenômenos decorrentes da reestruturação global do capitalismo e da revolução
tecnológica, que trouxe novas formas de mídia e de tecnologias da comunicação, da
informação e da informática.
Hoje fica claro que estamos numa nova sociedade de infoentretenimento, numa rede de economia globalizada e numa nova tecnocultura da Internet (...) espetáculo que constitui uma nova configuração da economia, sociedade, política e vida cotidiana, que envolve novas formas de cultura e de relações sociais e novos modelos de experiência. (KELLNER, 2003, p.14)
A cultura do espetáculo é facilitada pelas vantagens do ambiente da Internet:
otimização de recursos, baixo custo, tempo real, alcance imensurável, acesso facilitado,
formas colaborativas.
O espetáculo em rede da causa ambiental, por exemplo, proporciona a participação do
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internauta por meio das ferramentas online, dos mapas interativos, dos dossiês, das petições,
dos comentários em blogs e nas redes sociais, e não se restringem a seu objetivo principal,
mas carregam uma carga lúdica, ilustrativa, espetacular. A título de ilustração lembramos que
a campanha do Greenpeace contra exploração de petróleo em Abrolhos, no sul da Bahia,
lançada em agosto de 2011, levou o nome de “Deixe as baleias namorarem”
(http://www.greenpeace.org/brasil/pt/O-que-fazemos/Clima-e-Energia/Abrolhos/) focando no
mote de que as baleias se reproduzem, normalmente, nas águas mais quentes daquela região.
Já a manifestação contra as alterações do Código Florestal, iniciadas em setembro de 2011, foi
denominada no portal e nas redes com o slogan irreverente: “Desliga essa motosserra!”
trazendo a participação de artistas, a difusão intensa pelo Facebook e Twitter, petições
enviadas à Câmara dos Deputados e ao Senado e, inclusive, com integrantes do Greenpeace
marcando presença em Brasília com uma motosserra inflável gigante.
(http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/codigoflorestal-acompanhe-ao-vivo/blog/38250/)
O espetáculo iniciado no ambiente online, em grande parte, ultrapassa as fronteiras e
se transforma em um terreno, no mínimo arenoso, para diferenciar o real do virtual, já que as
campanhas são alicerçadas em problemas concretos e visam um resultado efetivo. Ganham
espaço também nos meios convencionais, principalmente quando a ONG, dentro de sua
especialidade, consegue oferecer imagens impactantes e diferenciadas, gerar polêmica e
garantir com isso um espaço midiático. E ainda alcançam a esfera pública (LYCARIÃO,
2011).
Com esta leitura do movimento ambiental emergindo na condição pós-moderna, na
modernidade líquida, como ator urbano, adequado à cultura da mídia, mas ao mesmo tempo
com contornos políticos importantes, podemos sugerir que, se antes o espetáculo era um
elemento pacificador e despolitizador, que afastava de questões políticas reais, agora mostra
um novo viés. O espetáculo que permeou a mídia e a vida cotidiana, e evoluiu para uma
manifestação da tecnocultura e do infoentretenimento, como bem avalia Kellner, (2003), pode
sim ser utilizado com um propósito meramente mercadológico e de acomodação, mas mostra
que também é capaz de dar espaço a resistência, a novas vertentes, proporcionar discussão e
colocar em evidência assuntos de relevância.
O espetáculo como caracterizador dessa pós-modernidade indefinida, dessa liquidez,
pode ser necessário para dar visibilidade a determinados assuntos e conseguir a aderência de
uma sociedade já refém desses componentes. O Greenpeace compreendeu isso e, desde a sua
fundação, se adequou à cultura da mídia e ganhou bases por todo o mundo. Estamos diante de
77
um panorama delicado em que o espetáculo pode estar diretamente relacionado às estratégias
discursivas da organização e, consequentemente, ao ethos que compõe a comunicação em
rede do movimento. E nesta perspectiva é crucial continuar compreendendo a origem e a
consolidação do Greenpeace, em especial em sua relação com a comunicação, para adensar o
contexto pesquisado.
2.3 O Greenpeace no espetáculo da mídia
O espetáculo é um componente latente na comunicação midiática antes mesmo de Guy
Debord anunciar, oficialmente, a existência de uma sociedade do espetáculo. E não é diferente
quando se estuda a dinâmica comunicativa dos movimentos sociais, em especial, o ambiental,
que soube se apropriar dos veículos de comunicação para divulgar a causa, conquistar
adeptos, adquirir legitimidade, apoio e mostra ainda mais destreza, atualmente, com as
ferramentas de comunicação digitais que otimizam recursos, tempo e aumentam de forma
imensurável o alcance das ações e campanhas, configurando um diferenciado ciberespaço que
reúne imagens, vídeos, textos, distintas mídias, propostas de ativismo e mobilização virtual.
E, neste ponto, nossas discussões evidenciam, se não revelam, que o surgimento de
uma das maiores organizações ambientalistas com espectro internacional, o Greenpeace, em
1971, coincide justamente com as atenções em torno de uma sociedade do espetáculo, no
âmbito midiático. Ou seja, sua fundação ocorre em um contexto de excessos midiáticos:
priorização das imagens, das representações em detrimento da realidade, da conversão do
mundo em produto, em mercadoria rentável (DEBORD, 1997). E, portanto, a organização não
só, de forma inerente, incorpora essas características para garantir sua sobrevivência em meio
à cultura da mídia, como aperfeiçoa os componentes do espetáculo para difundir e dar mais
abrangência à causa ambiental.
De caráter eminentemente urbano, criado em um contexto híbrido, de pós-
modernidade ou modernidade líquida, o Greenpeace desde sua fundação, apresentou fortes
características que permitem enquadrá-lo na sociedade do espetáculo, conforme propostas de
Debord (1997) e Kellner (2003). Gabeira (1988) deixa isso claro em um dos primeiros, se não
único livro publicado no Brasil que conta a história da ONG, ainda com estreita trajetória, no
final da década de 80, quando planejava sua representação no Brasil. Logo no princípio fez a
opção pela midiatização, pela visibilidade, com ações espetaculares, impactantes ou mesmo
diferenciadas, mobilizando um grande número de pessoas para revelar os desastres ambientais
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e denunciar os problemas, utilizando-se da desobediência civil, conforme explica Gabeira. O
termo cunhado e praticado por Thoreau e Gandhi tem como princípio infringir leis
consideradas injustas, portanto, usar da transgressão para alertar a população, chamar atenção
à causa. A tal desobediência civil tem relação com as táticas de ação direta, que remetem aos
movimentos operários contra o desenvolvimento industrial e tecnológico29, e contesta
abertamente a democracia formal que não dá espaço suficiente ao cidadão comum. Assim, o
Greenpeace foi fundado pautado pela ética da responsabilidade pessoal e da confrontação
criativa e não violenta, pregando que a pessoa que testemunha uma injustiça torna-se
imediatamente responsável por ela. Os ativistas da ONG, por exemplo, participam de uma
action training, que ensina a não reagir com violência numa situação de confronto. Mas,
mesmo com o lema da não violência, um caso trágico marcou a história do Greenpeace em
1985. Um dos tripulantes morreu após o governo da França explodir o navio que protestava
contra experimentos nucleares em águas nacionais, caso que gerou uma das maiores crises
internacionais do governo de François Miterrand à época.
A trajetória oficial do Greenpeace, como retoma Gabeira (1988), tem início no final
da década de 60, quando sete mil manifestantes se concentraram entre Estados Unidos e
Canadá, para protestar contra a explosão nuclear na Ilha de Amchitka, em um bloqueio
simbólico, mas que mostrou pela primeira vez uma oposição maciça às práticas prejudiciais
ao meio ambiente. A manifestação não impediu a explosão, mas despertou os ânimos dos
manifestantes. Em 1971, voluntários tripulantes saíram do porto de Vancouver, lançando o
nome Greenpeace, dessa vez com uma tática bem definida: diante das câmeras de televisão,
com a presença de jornalistas a bordo não só para acompanhar e registrar a operação, mas
para dar notoriedade e evitar qualquer tentativa agressiva do governo de impedir o trajeto, que
ainda assim não se completou por falta de autorização da guarda costeira canadense. Mas na
volta ao porto milhares de manifestantes e apoiadores aguardavam o navio e respaldavam o
nome e a causa da “Paz Verde”. Gabeira (1988) avalia que essas tentativas, vistas
inicialmente como fracassos, deram início a uma luta política importante, que conquistou
resultados imediatos. Em 1972, o governo americano anunciou que não faria mais testes
nucleares na região de Amchitka e transformou a região em um santuário de pássaros. O 29 As formas de ação direta, pregadas pelo Greenpeace, não foram uma criação da ONG, mas uma retomada de protestos históricos, como o ludita, que no século XIX, de maneira mais direta realizava a quebra das máquinas em fábricas como forma de revolta contra a substituição de homens pela tecnologia. “Nos anos 1970, tornam-se comuns às táticas de ação-direta não violenta entre os movimentos ambientalistas que forneciam, deste modo, material polêmico para reportagens, particularmente quando as agências de notícias requeriam imagens frescas”(MARZOCHI, 2009, p.144).
79
Greenpeace ganhava forma e institucionalização, e concentrou-se inicialmente em três setores
de luta, que persistem até hoje: a bandeira antinuclear, contra substâncias químicas tóxicas e a
defesa do mar e de seus habitantes.
A luta pelo mar, no caso, tornou-se a principal atuação do Greenpeace, que além dos
testes nucleares, passou a combater também os barcos baleeiros, com um personagem a mais,
a embarcação Rainbow Warrior, na tradução, o guerreiro do arco-íris. Gabeira (1988) avalia
que o Greenpeace, assim como outros grupos que emergiram na modernidade, já
compreendiam que os temas só ganham pauta política e relevância social quando passam pelo
crivo da mídia. Nesse sentido, a opção pelo mar e por ações estrondosas buscavam dar
visibilidade e construir uma cena apropriada para colocar a causa ambiental em destaque.
De fato, pequenos botes de borracha enfrentando imensos navios em mares tempestuosos, tentando evitar que jogassem tonéis de lixo atômico no mar, eram imagens fortes. Diziam tudo a respeito da coragem do grupo, da desproporção de forças. E mostravam uma tática nova: a criatividade e surpresa que caracterizam as ações de guerrilha, com a diferença de que não emboscavam nem assaltavam ninguém (GABEIRA, 1988, p.32).
Assim, ou com barco ou mesmo com barreira humana, continua Gabeira (1988, p.33)
montavam a cena para denunciar a barbárie, com dimensões cinematográficas, efeito de
batalha naval e “com auxílio da imprensa, usava-se o próprio impulso dos poluidores para
projetar internacionalmente seus feitos e provocar a condenação internacional”.
Gabeira (1988) admite que as expressões lírico, romântico, poético, utópico estiveram
ligadas à história do Greenpeace, até porque teve sua criação calcada em ideais pacifistas e
em lendas indígenas do ‘guerreiros do arco-íris’, mas acredita que se trata de um movimento
moderno (ou da condição pós-moderna) que soube se apropriar das estratégias da cultura da
mídia. “Uma das chaves da modernidade do Greenpeace foi saber transformar suas ações em
imagens, foi perceber mais rápido do que qualquer outra força que sem essa tradução em
imagens espetaculares as grandes batalhas da Ecologia não decolam, não ganham o espaço
público” (GABEIRA, 1988, p.103). A organização acompanha e faz uso de técnicas
avançadas de comunicação, como facilmente observamos hoje com as diferentes tecnologias.
Mantêm sites, blog, redes sociais e atua em um âmbito multi/hipermidiático, operando um
espetáculo ambientalista em rede com repercussões na prática e nos meios de comunicação
convencionais.
80
Mas Gabeira (1988) pondera que o cenário não ganharia os holofotes se não fossem
três fatores essenciais: a importância real das denúncias, o charme e perigo das aventuras
geográficas e a luta desigual que se estabelece entre os pequenos barquinhos e os grandes
navios, por exemplo, que traduz a guerra dos cidadãos contra os grandes poderes das
empresas poluidoras ou governos descomprometidos.
A cultura da mídia, caracterizada pela representação “produzindo novos modelos de
identificação e imagem vibrantes de estilo, moda e comportamento” (KELLNER, 2001, p.27),
é incorporada por organizações, que precisam ‘vender’ suas campanhas, conquistar
seguidores, apoiadores, e para isso, fazem uso de imagens atraentes, produtos diferenciados,
personagens reconhecidos, celebridades do mundo do cinema e da TV, buscando gerar o
interesse necessário para o cidadão acompanhar a problemática e dar o seu respaldo. O
Greenpeace apropria-se, de forma deliberada e planejada de elementos ardilosos do
espetáculo para se consolidar enquanto movimento ambiental, imprimir significados e valores
para o entendimento das problemáticas ambientais. Isso porque, a organização foi capaz de
compreender que existe uma cultura veiculada pela mídia, que passou a integrar a vida
cotidiana e que domina o tempo de lazer, modela opiniões e comportamentos sociais
contribuindo para a construção do senso de classe, etnia, raça (KELLNER, 2001, apud
MIGUEL, 2009), e aqui podemos incluir também para a formação do conceito de meio
ambiente. Vale lembrar que ao mesmo tempo em que induz os sujeitos a conformar-se com a
organização vigente da sociedade, a cultura da mídia também pode oferecer recursos para
favorecer a oposição, a resistência, o conhecimento da política ambiental, as reivindicações da
área. Assim, como explica Kellner (2001, p.21), tem-se tanto a possibilidade de um modelo
que pode ser um entrave para a democracia quando reproduz ideais conservadores,
consumistas, como uma proposta avançada quando traz uma causa importante a ser discutida,
socializada, lançada no debate político.
Castells (2001), que situa o movimento ambiental na sociedade em rede, faz uma
breve avaliação do Greenpeace em sua obra ‘O Poder da Identidade’ e chega a afirmar que o
ambientalismo é um dos maiores representantes das demandas contemporâneas. Ele acredita
que o perfil da organização abarca três pontos nevrálgicos, sendo o primeiro a noção de
desaparecimento da vida no planeta, com base em uma lenda indígena norte-americana, da
etnia Cree, que traz a mensagem: “Quando a terra cair doente e os animais tiverem
desaparecido, surgirá uma tribo de pessoas de todos os credos, raças e culturas que acreditará
em ações e não em palavras e devolverá à Terra sua beleza perdida. A tribo será chamada de
81
'guerreiros do arco-íris’”30. O segundo ponto é a atitude de testemunha dos fatos como
princípio para ação e estratégia comunicativa. E o terceiro é voltado para um comportamento
pragmático, do tipo empresarial, de abandonar a discussão filosófica e partir para medidas
práticas, independente de governos, com campanhas específicas em torno de metas palpáveis
e buscando atrair a opinião pública. É uma organização ao mesmo tempo altamente
centralizada e descentralizada, com ações integradas e específicas, presente em 40 países,
atuando na perspectiva de problemas globais e mobilizando-se em torno “do princípio da
sustentabilidade ambiental como o preceito fundamental ao qual devem estar subordinadas
todas as demais políticas e atividades”. E completa, na sua perspectiva otimista: “os
guerreiros do arco-íris atuam nas fronteiras entre ciência a serviço da vida, a formação de
redes globais, a tecnologia da comunicação e a solidariedade entre gerações” (CASTELLS,
2000, p.151).
O autor avalia ainda que o Greenpeace é fortemente focado e não dá tanta abertura ao
diálogo com outros grupos ambientais ou com filosofias diferentes, veem o Estado-Nação
como o maior obstáculo ao desenvolvimento sustentável, buscam respostas práticas,
imediatas, compromissos, atuam com lobby, com a criação de eventos que mobilizam a
opinião pública e exercem pressão sobre as autoridades, buscando a resolução específica dos
problemas, superando as formas tradicionais de políticas. O grande respaldo social
conquistado se dá por conta da legimitidade das questões levantadas, relacionadas diretamente
a valores humanistas, a uma causa nobre de sobrevivência, coloca Castells (2000).
A organização soube utilizar a seu favor as estratégias de comunicação e está na
vanguarda das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) para planejamento e
execução da causa. Com isso, podemos visualizar de antemão que o impacto de movimentos,
como o Greenpeace, tem relação direta com o uso eficaz de um discurso próprio, amparado
pelas tecnologias e que garante presença marcante na mídia.
Pode-se dizer que os novos movimentos de protesto lançam mensagens e projetam reivindicações sob a forma de uma política simbólica, característica da sociedade da informação. Suas habilidades no trato com a mídia são poderosas ferramentas de combate, enquanto suas armas e manifestos são meios de gerar um evento digno de nota pelos órgãos de imprensa (CASTELLS, 2000, p.134).
30 A mensagem é colocada por Castells (2000, p.150) e consta também no portal www.greenpeace.org.br, com poucas diferenças de tradução.
82
O Greenpeace também firma sua posição de competência técnica e de
internacionalização perante os diversos setores da sociedade e governos, porque foi uma das
primeiras organizações ambientalistas a adquirir status consultivo no Sistema das Nações
Unidas, ou seja, tem representação oficial e pode participar, opinar e propor temas no
Conselho Econômico e Social e no Departamento de Informação Pública, para a agenda da
Assembleia Geral da ONU. Por conta disso, Vieira (2001, p.249) chega a afirmar que
organizações como o Greenpeace “tem mais poder no cenário internacional que a maioria dos
países”.
Confrontando agora com as informações oficiais constantes nos espaços de
informação da organização, em especial os portais eletrônicos (greenpeace.org/ brasil;
greenpeace.org/international), a história da ONG – em fase comemorativa, já que completou
40 anos em 2011, e 20 anos de Brasil em 2012 – é contada com detalhes, com nome dos
tripulantes, águas a serem navegadas, feitos realizados. O primeiro protesto, realizado na Ilha
de Amchitka, com apoio do Navio Phyllis Cormarck e que marcou a fundação é descrito pela
organização.
Em 15 de setembro de 1971, um grupo de 12 pessoas, entre ambientalistas e jornalistas, levantou âncora no porto de Vancouver, no Canadá. Assim nasceu o Greenpeace (...) No mastro da embarcação, tremulavam duas bandeiras: a da ONU – para marcar o internacionalismo da tripulação – e outra com as palavras “green” e “peace” – representando a ideia da defesa do ambiente e da paz. (www.greenpeace.org/brasil)
E o pragmatismo também desde o início esteve presente, conforme informa o portal.
“O nome da nova organização é fruto do acaso: isoladas na bandeira do barco, essas palavras
não cabiam num button vendido para ajudar a arrecadar fundos para a viagem. Foi necessário
juntá-las. Nascia o Greenpeace”. Foi registrado oficialmente em 1972, em Vitória Columbia
Britânica.No final da década foi fundado o Greenpeace Internacional como o alicerce,
inicialmente, para sete escritórios pelo mundo. Em 1985 ja eram 17 bases, e na década de 90 a
ONG ja estava presente em mais de 30 países.
Weiler (2004) conta que, em sua fundação, o Greenpeace conseguiu reunir jornalistas,
músicos, biólogos, advogados, professores, cientistas e marinheiros que tinham como meta
alertar e pressionar governos, empresas e a própria sociedade para ter responsabilidades com
o meio ambiente. E sua difusão pelo mundo foi possibilitada pelo esforço de militantes locais,
que incorporaram a luta ambiental, na perspectiva de seus países. Para o autor, um dos
83
cofundadores da ONG, é certo que o estilo guerrilha da paz conseguiu mudar o modo como as
pessoas pensam o mundo à sua volta.
De fato, trata-se da maior instituição ambientalista do mundo, atuando em todos os
continentes, que se autodeclara como um movimento universal, constituído por cidadãos do
mundo. Conta com escritórios em 40 países, 2.500 funcionários, quase quatro milhões de
colaboradores (entre voluntários, ativistas e financiadores), e três embarcações para
monitoramento, pesquisa e ações de mobilização (Rainbow Warrior, Artic Sunrise e
Esperanza). Entre os valores declarados pela organização estão: 1. Independência, anunciando
que não aceita doações de governos, empresas ou partidos políticos, sendo financiada pelos
mais de três milhões de colaboradores de todo o mundo31. 2. Não violência e confronto
pacífico, buscando chamar a atenção do público para a problemática ambiental. 3.
Engajamento, na perspectiva de mudanças de atitudes individuais para colaborar, enfrentar os
problemas e promover soluções. Internacionalmente, as linhas de atuação são: Mudanças
Climáticas, Florestas, Oceanos, Agricultura, Poluição, Nuclear, Paz e Desarmamento. No
Brasil os eixos principais são: Amazônia, Clima e Energia (GREENPEACE
INTERNATIONAL; GREENPEACE BRASIL, 2012).
A base internacional da ONG está situada em Amsterdam e é comandada por um
conselho de administração que define as prioridades de atuação, o planejamento e execução
das campanhas. A estrutura internacional é responsável pela destinação de recursos
financeiros, monitoramento do desempenho global do Greenpeace, inclusive financeiro, pelo
aporte à política organizacional, concessão da marca, e também dá suporte à captação de
recursos. Integra um programa de transparência na prestação de contas, atua com uma carta de
responsabilidade internacional que fixa valores e funcionamentos, baseia-se em boa
governança e gestão compartilhada, por isso passa por auditorias externas e torna público os
relatórios financeiros anuais, disponíveis no portal do Greenpeace em cada país. As
campanhas principais são definidas no Greenpeace Internacional para todos os escritórios,
31 Há controvérsias com relação à tão proclamada independência financeira. Matéria publicada no blog Libertad Digital e reproduzida em diversas mídias no Brasil, acusa o Greenpeace de receber, por meio de fundações, recursos de grandes magnatas norte-americanos do setor petrolífero, automobilístico e da cadeias de comunicações, como de Ted Turner da CNN e da família Rockefeller, controladora, entre outros, da Exxon Mobil. Segue nas referências. A ONG, segundo informa em missão e valores, não recebe dinheiro de governos ou órgãos multilaterais como ONU, Comunidade Europeia, mas aceita doações de fundações e organizações não governamentais independentes. O incentivo à doação financeira de pessoas físicas, como apontamos no Capítulo I, recebe grande atenção do Greenpeace no portal, com banners, destaques e página específica para fazer a doação financeira por meio da Internet.
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mas os argumentos nacionais podem ser diferentes, assim como as atuações locais,
preferencialmente, em complemento às campanhas globais.
Segundo o relatório financeiro mundial da organização, o Greenpeace Annual Report
(www.greenpeace.org/international/en/about/how-is-greenpeace-structured/reports/), que
relaciona os investimentos realizados em 2012 com campanhas, estruturas, profissionais e
outras frentes de ação, os contribuintes individuais, quase três milhões de pessoas, doaram o
equivalente a 264 milhões de euros, 9% a mais que em 2011. A título de comparação, vale
lembrar que na década de 80, segundo dados de Gabeira (1988, p.90) esse valor nao
ultrapassava os 20 milhões de dólares anuais. Os maiores contribuintes atualmente estão na
Europa, em especial, Alemanha, Holanda, Suíça, França e também nos Estados Unidos. Os
recursos do Greenpeace internacional foram investidos primeiramente em suporte
organizacional, seguido da campanha Clima e Energia e das operações marinhas. O quarto
maior valor (entre 12 frentes de investimento) foi aplicado no setor de mídia e comunicação.
As rede sociais digitais ganharam papel de destaque no relatório, contabilizam 24 milhões de
seguidores que se mobilizam, participam e colaboram com a organização por meio,
principalmente do Facebook e do Twitter. No Brasil, documento do mesmo período,
Relatório Anual 2012, (issuu.com/greenpeacebrasil/docs/relatorio_anual_2012_greenpeace),
aponta que 59% dos recursos provém do Greenpeace internacional, que agregados às doações
nacionais dos associados, totalizaram 21 milhões de reais, que foram empregados nas
campanhas, no relacionamento com os colaboradores, na própria manutenção e na informação
pública e difusão.
A organização estabeleceu sede por aqui a partir da década de 1990, mais fortemente
no impulso da Rio 92, apesar da ata de fundação datar de 20 de setembro de 1990. No dia 26
de abril de 1992, aniversário da explosão da usina nuclear de Chernobyl, o navio do
Greenpeace Rainbow Warrior zarpou para um protesto em Angra dos Reis, marcando
oficialmente a inauguração do Greenpeace no Brasil. Antes disso, porém, já vinha fazendo
denúncias sobre o lixo tóxico produzido e comercializado no Brasil por empresas como a
Produquímica. Também em 1992, a ONG deu início à investigação sobre exploração ilegal e
predatória de madeira na Amazônia, direcionando o trabalho para as problemáticas locais.
Logo depois, entre 1995 e 1999, iniciou a mobilização a favor de energia renováveis e contra
os transgênicos. Na sequência, já em 2000, a campanha contra tóxicos denunciou diferentes
empresas por contaminação de solo e água. Posteriormente, produziu guias para o consumidor
sobre as empresas que utilizam organismos geneticamente modificados, realizando campanha
85
pró-energias renováveis e contra a construção de Angra 3. Também deu continuidade aos
projetos contra o desmatamento na Amazônia, com as campanhas ‘Cidade Amiga da
Amazônia’, exigindo legislação que proibisse o poder municipal de adquirir madeira de
origem duvidosa, e o projeto ‘Desmatamento Zero’, em 2007, que reivindicou sete anos de
tolerância zero ao desmatamento da Amazônia, e também produziu relatórios com dados
específicos sobre a destruição da floresta. No ano seguinte, lançou a Campanha Oceanos, que
traz o Greenpeace de volta a suas origens da luta pelo mar e seus habitantes.
A partir de 2011 vem atuando de forma incisiva com mobilização pelo clima, com a
campanha pelo Ártico e pregando ações de redução das emissões de gases-estufa na
atmosfera, agiu diretamente em campanha contra as alterações no Código Florestal, e retomou
a proposta do “Desmatamento Zero” para aprovação do projeto de lei de iniciativa popular,
objetivando a criação de uma lei específica pelo fim do desmatamento na Amazônia até 2015.
Conta com escritórios em São Paulo, Manaus e Brasília, com 110 funcionários, 240
voluntários, 37 mil colaboradores (doadores) e um milhão de ciberativistas cadastrados
(http://issuu.com/greenpeacebrasil/docs/relatorio_anual_2012_greenpeace). A sede está
diretamente ligada à estrutura internacional, mas existe autonomia para conduzir as
campanhas que sejam de interesse local, além de contar com estatuto próprio, com diretoria e
conselho nacionais.
Mas vale comentar, ainda que empiricamente, que uma mudança de perfil, ou mesmo
crise de identidade, vem sendo notada na organização, principalmente a partir de 2010, com a
gestão do dirigente geral, o sul-africano Kumi Naidoo, acusado de tornar a organização mais
assistencialista, direção que ele não nega, e avalia como inerente a qualquer ativismo32. O
dirigente já manifestou que o movimento ambiental não pode continuar sendo visto como um
projeto das elites mais preocupadas em salvar animais do que as próprias pessoas, que são
diretamente atingidas por problemas ambientais. Com isso, ele prega que o Greenpeace
assuma também a preocupação social e o combate à pobreza, por exemplo. O Brasil, em
específico, tornou o olhar da ONG mais amplo e o conceito de justiça social foi incorporado
ao trabalho da organização, com ações voltadas para as causas indígenas, povos tradicionais, e
agricultura familiar, ainda que em menor escala. Nesta fase a organização também se centra
32 Em matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, em 24 de junho de 2012, Kumi Naidoo, que participava da Rio+20, comenta a mudança de perfil da organização. Consta nas referências. Mas vale ressaltar que a própria expansão do Greenpeace na década de 90, com atuação em países pobres da América Latina e África já trouxe a preocupação com o social, até então relegada ao segundo plano por concentrar as atividades apenas em países desenvolvidos. No Brasil, por exemplo, a ONG desenvolve trabalhos com indígenas e comunidades carentes.
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em ações burocráticas, propostas de políticas públicas e lobbies com governos, mas não
abandona as ações espetaculares, como os protestos em alto mar e as ações polêmicas que
rendem apelo midiático33.
Todo esse percurso da organização nos permitiu não só justificar a escolha do
Greenpeace para ilustrar o entendimento da comunicação dos movimentos ambientalistas em
rede, como propõe nossa tese, mas também esclarecer o contexto estudado, levantar pistas,
indagações que nos prepararam para adentrar o âmbito das tecnologias da informação e
comunicação e a seara do discurso. As próximas fases do nosso trabalho serão planejadas
considerando, mais uma vez, Castells (2000, p.95), que coloca que os movimentos sociais
devem ser entendidos em seus próprios termos: as práticas discursivas são sua autodefinição,
contradições estruturais existem, mas a pretensão não pode ser interpretar a ‘verdadeira’
consciência dos movimentos.
Os movimentos sociais contemporâneos estão imersos nas TICS e ampliam o alcance
das lutas por meio das diferentes possibilidades de comunicação, mobilização e participação
do contexto tecnológico. Nossa tarefa seguinte é justamente abarcar o universo das
tecnologias, seus impactos, clarear o cenário da cibercultura e conjecturar sobre as propostas
de colaboração e ativismo em rede. Trabalhamos com a ideia de uma cibercultura que se
funde e confunde com a própria cultura contemporânea, e que em todas suas esferas encontra-
se afetada pelas influências tecnológicas.
33 Em setembro de 2013, 30 ativistas do Greenpeace foram presos na Rússia, acusados de vandalismo, após realizarem um protesto em alto mar com o navio Artic Sunrise, na tentativa de estender uma faixa na plataforma de petróleo Gazprom. Foi então desencadeada uma repercussão internacional, com mobilização pela libertação dos ‘30 do Ártico’, entre eles a brasileira Ana Paula Maciel, com mais de 800 protestos em 46 países e três milhões de e-mails enviados para a embaixada russa. Os ativistas foram soltos dois meses depois e anistiados de todas as acusações (http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Anistia-aos-30-do-Artico/).
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CAPÍTULO III – TECNOLOGIAS SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO E DA
MOBILIZAÇÃO
As diferentes formas de comunicar amparadas pelas tecnologias sociais, colaborativas,
em rede, que compõem a cibercultura, aquela própria da contemporaneidade. A
Internet como um espaço de convergência, participação, resistência, mas também de
controle, poder e segregacionismo, que remodela a interação social e a atuação dos
movimentos ambientais.
3.1 O fundamento da sociedade em rede e das tecnologias da sociabilidade no
controle e na resistência.
Nosso fio condutor neste momento é entender as prerrogativas de uma sociedade
caracterizada pelas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), que vem alterando não
só as formas de comunicação, mas também as relações sociais, econômicas e ambientais.
Decifrar a cibercultura e a experiência comunicativa online do movimento ambiental passam
por compreender o espaço virtual, que possibilita as diferentes formas de comunicação em
rede, os processos de construção de interatividade, mobilização e ativismo e seus possíveis
impactos na sociabilidade. Um parêntese se abre aqui para esclarecer o conceito de
sociabilidade na perspectiva comunicacional. Pensamos além das relações sociais
estabelecidas e ou da configuração da vida social delineada pelos meios de comunicação, para
centralizar as diferentes formas de agregação, um novo traçado social impulsionado pelas
tecnologias, que provocam profundas alterações na realidade, na maneira de pensar e nos
próprios esquemas interpretativos para entendimento do mundo (FRANÇA, 1995) 34. Silveira
(2010) cunha a expressão ‘ciberviventes’ justamente pela sociabilidade cada vez mais
impregnada realizada por redes digitais de comunicação e controle.
34 Consideramos a concepção sintetizada por França (1995), que toma por base autores como Simmel e Maffesoli, que desenvolveram conceitos de sociabilidade. A autora avalia que os meios de comunicação inauguram uma nova (ou distinta) sociabilidade, com diferentes cenários, atores, linguagens, reordenamento do espaço. A sociabilidade se amplia, vai além da tendência a se associar ou de construir um processo comum, e entra aqui a proposta de Simmel de entendê-la como forma lúdica, marcada pela inexistência de fins práticos. “Dentro do campo da sociabilidade, os indivíduos se comprazem em estabelecer laços, e esses laços têm em si mesmos sua razão de ser” (FRANÇA, 1995, p.60). Enquanto Maffesoli traz a abordagem da sociabilidade para a ordem do afetivo, do sensível e do efêmero, anulando seu fim pragmático. Este panorama da sociabilidade como algo intangível ‘irreal’ se enquadra no entendimento que buscamos das TICs e seus processos, que são justamente marcados pela diversidade, pelas experiências, pela linguagem, por toda uma atmosfera simbólica, lembrados pela autora no contexto dos estudos das interações comunicativas.
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A influência e impacto das TICs na sociedade contemporânea são abarcados por
diferentes correntes teóricas que se lançam, se renovam, se substituem pela própria
efemeridade dos processos, que exige atualização em tempo recorde. O precursor em
reconhecer uma ‘era eletrônica’ e a centralidade das tecnologias na vida social foi o teórico
canadense Marshal McLuhan, que desenvolveu, na década de 1970, noções de aldeia global,
retribalização, meios como prolongamento dos sentidos humanos, que parecem anteceder o
futuro. Na obra “Os meios de comunicação como extensões do homem” (2002), o autor, um
entusiasta das técnicas e da ‘era da informação elétrica’, prenuncia que os meios eliminam
fatores de tempo e espaço, projetam e dilatam um sistema nervoso central no homem. Os
grandes meios tecnológicos, em especial a televisão, implementam a continuidade e a
linearidade, mediante repetição fragmentada, e têm o poder de envolvimento em profundidade
e integração (MCLUHAN, 2002). Nesse sentido, em uma releitura dos prognósticos de
McLuhan, a Internet materializaria uma aldeia global, ou seja, a unidade mística da
humanidade (WOLFE, 2005).
A denominação Sociedade da Informação vem na sequência, em uma tentativa de
conceituar as mudanças tecnológicas em curso, tendo sido apropriada por teóricos da
comunicação, e é explicada histórica e conceitualmente aqui por Mattelart (2006). “A
aparente inovação ou caráter de mudança revolucionária da era da informação, na verdade,
oculta um produto de evoluções estruturais e de processos que estão em curso há muito
tempo” (MATTELART, 2006, 174). O conceito foi usado formalmente, em 1975 pela OCDE
(Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e começa a tomar os
organismos internacionais que passam a discutir as implicações da informatização nas
sociedades, no emprego, no desenvolvimento. O relatório Nora-Minc (1980) faz o alerta sobre
a informatização da sociedade, como alternativa para agravar ou contribuir para o
desenvolvimento dos países. Discute também o papel do Estado mediante uma sociedade civil
em ascensão e como lidar com as novas forças em emergência35. Em 1995, os países do então
G7 ratificam o termo Global Society of Information (Sociedade Global da Informação) em
uma perspectiva de nova ordem mundial da informação (MATTERLART, 2006, p.129).
Matterlart descreve a era da informação ou um universalismo, embasado em revoluções
35 O relatório L'informatisation de la société, elaborado pelos funcionários franceses Simon Nora e Alain Minc, foi publicado em 1978, e inaugurou a preocupação sobre a crescente informatização da sociedade. Na obra, se lança o termo telemática, que une informática e telecomunicações para se referir ao processo de informatização à distância. O relatório foi traduzido no Brasil. NORA, Simon & MINC, Alain. A informatização da sociedade. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1980.
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tecnológicas e científicas, processos desmaterializados, que minimizam a relação antes central
de capital e trabalho para evidenciar um poder global mais difuso, participativo e menos
autoritário. Entre as denominações para as conjunturas criadas pelas TICs, Mattelart (2006)
também cita o termo mundialismo, forjado para assinalar a simbiose com um pensamento da
rede universal, marcado pela aceleração do fluxo de informação e comunicação que ampliam
o círculo social, e provoca uma emergência dos públicos. Mattelart (2006) avalia que há dois
axiomas opostos sobre a sociedade da informação, um deles que versa sobre uma nova era das
mediações, já não tão nova assim, que pressupõe mediações infinitas, um sistema tão
abrangente e complexo que se torna acéfalo, sem responsáveis ou líderes. A outra máxima
seria a saída dessa mesma era das mediações para uma comunicação particular, customizada,
em uma tese de desintermediação (MATTELART, 2006, p.146). Lemos e Levy (2010, p.30)
no âmbito da Sociedade da Informação, descrevem que ela transformou o modelo industrial
em três pilares fundamentais: a estrutura em rede, as redes sociais e a
globalização/desterritorialização, que acabam por desenhar uma nova relação política. O
termo e o contexto de tal sociedade da informação são imprecisos, remetem à mundialização,
descentralização, empoderamento, mas não nos interessa enquadrar a sociedade em
qualificações fechadas, mas entender a paisagem em que se desenvolve e revisar as múltiplas
possibilidades e usos no mundo digital.
Nossa grande matriz, no entanto, para explicar as implicações das tecnologias nos
diferentes âmbitos da sociabilidade vem da Sociedade em Rede, que integra a tal Era da
Informação. As características principais (e iniciais) dessa sociedade, dissecada por Castells
(2000)36, dispensa apresentações mais detalhadas, mas convém lembrar que se trata,
primeiramente, da passagem do padrão industrial para o informacional do desenvolvimento. A
Internet como espinha dorsal da comunicação global, que promove uma nova cultura (da
virtualidade real) baseada no espaço de fluxos e tempo intemporal.
36 O conjunto da obra A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, inclui os volumes ‘Sociedade em Rede’, ‘O Poder da Identidade’ e ‘Fim do Milênio’. No primeiro livro sobre a sociedade em rede, Castells (1999) traça um panorama da revolução das tecnologias da informação e comunicação, a partir da década de 70, do ciclo de realimentação cumulativa entre inovação e uso das tecnologias, e a influência desses processos no desenvolvimento social e econômico, no mercado de trabalho e, obviamente, na comunicação, forjando um capitalismo informacional. E é nesse contexto que Castells (1999) emprega o termo cultura da virtualidade real, evidenciando que realidade e virtualidade são sempre mediadas por símbolos e representações. Ainda na esteira de McLuhan, o autor coloca os equipamentos eletrônicos, e em especial os computadores, como amplificadores e extensores da mente humana. Todas essas questões foram reiteradas e atualizadas pelo autor em obras posteriores. Suas releituras e propostas mais recentes trazem um viés de comunicação, poder e mobilização que nos interessa sobremaneira e são usadas preferencialmente no presente capítulo.
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A sociedade em rede, como aquela marcada pelos nós interconectados, que atuam de
acordo com os programas da rede e de sua interação com outros nós, que se renovam, são
eliminados e substituídos, conforme a necessidade é reiterada por Castells (2011) em obra
mais recente. Na vida social, essas redes são estruturas comunicativas complexas, que se
adaptam ao entorno operativo, com objetivos que garantem a unidade de propósito e a
flexibilidade, e são programadas pelos próprios atores sociais. Mas as redes não são uma
forma específica das sociedades contemporâneas ou mesmo da organização humana, são
estruturas de organização e interação sociais fundamentais da vida, e que sempre existiram.
Hoje, porém, ganham centralidade pela dinâmica das tecnologias. “Uma sociedade em rede é
aquela cuja estrutura social está composta de redes ativadas por tecnologias digitais da
comunicação e da informação, baseadas na microeletrônica” (CASTELLS, 2011, p.51,
tradução nossa). E com base nessa conjuntura que lançamos mão da expressão comunicação
em rede para nortear nossa Tese.
As práticas em rede se baseiam em fluxos de informação processados pelas
tecnologias da comunicação, entre o internauta, as redes e os diferentes lugares. Trata-se de
um espaço de fluxos que une “os lugares em que se localizam as atividades (e as pessoas que
as executam), as redes de comunicação material que vinculam essas atividades, e o conteúdo e
a geometria dos fluxos de informação que desenvolvem as atividades em termos de função e
significado” (CASTELLS, 2011, p.63, tradução nossa).
Ainda neste contexto de mudanças sociais, convém abarcar também a obra profética
de Tofler (2005)37, que narra um cenário em que foi decretada a morte do industrialismo para
ascender uma nova civilização que ele denominou enquanto a Terceira Onda, que desafia
todas as velhas pressuposições, apresentando novas relações geopolíticas, estilos de vida e
modos de comunicação, proporcionados pela tecnologia. Enquanto a primeira onda, da fase
agrícola, perdurou até século XVII, quando se inicia a fase industrial que ocupou centralidade
por pouco mais de 300 anos, a terceira onda se forma em poucas décadas. A característica
desta onda é justamente o avanço tecnológico e das telecomunicações, a chamada infosfera -
canais de comunicação que formam a arquitetura da sociedade contemporânea.
Essas modificações influenciaram, inclusive, a visão de natureza lembra o autor. A
segunda onda foi marcada por uma posição da “industrealidade” (TOFLER, 2005, p. 115) que
pregava a exploração da natureza por trás de uma proposta ubíqua de progresso. Já a terceira
onda, coloca em evidência movimentos, como o ambiental, que alertam sobre os processos de 37 A primeira edição da obra A Terceira Onda do norte-americano Alvin Tofler, a qual nos referimos, é datada de 1980.
91
destruição para evidenciar uma proposta de relações ecológicas mais equilibradas, que
minimizam impactos e pregam o resgate do natural.
A força motriz desse espaço de fluxos que é capaz de dissolver o tempo e desordenar a
sequência dos acontecimentos e conhecimentos, subverter a noção da simultaneidade, e
congregar diferentes meios e canais em uma proposta de convergência midiática é a Internet.
Castells (2003, p.277) a define como “estrutura organizativa e o instrumento de comunicação
que permite a flexibilidade e a temporalidade da mobilização”. E complementa de forma
pragmática, em obra mais atual (2011) como uma rede de comunicação utilizada para
intercambiar documentos de todos os tipos como textos, sons, vídeos, imagens, noticias,
mensagens. Ou seja, uma plataforma de difusão para o entretenimento, para tarefas
profissionais e até mobilização política e práticas de totalitarismo. Nessa mesma linha ela é
entendida como um sistema informativo ampliado, com possibilidades multimidiáticas e de
convergências. Um mega-ambiente de conexões via computadores (LYCARIÃO, 2011;
GOMES, 2011). Ou ainda, como prefere Kerckhove (2008), deve ser vista como a imprensa
submetida à aceleração da eletricidade38.
O surgimento da Internet é relativamente recente, e adquiriu uma dimensão
inicialmente não planificada e um tanto caótica, que envolve especialistas, a contracultura
libertária da filosofia hacker, pesquisa militar e universitária. O excesso de trabalhos e dados
sobre a Rede nos limita aqui a contextualizar em poucas linhas seu histórico, que tem como
embrião a revolução da microeletrônica e as realizações da cibernética, que acontecem nas
décadas de 1950 e 1960. A cibernética trazia uma ampla discussão sobre a relação entre
38 Apesar das vantagens e qualidades inovadoras da Internet, que são levantadas prioritariamente nesta tese, não podemos perder de vista que a rede suscitou uma sociedade de controle, como coloca Silveira (2012), mais sofisticada, que se compõe por protocolos que definem como receber, utilizar e enviar informações, além de armazenar os chamados rastros digitais, ou seja, todas as ações realizadas em rede. “(...) a crescente interatividade entre os indivíduos se dá a partir de intermediários tecnológicos baseados em arquiteturas de controle” (SILVEIRA, 2012, p.109). Powell (2012, p.9), na mesma perspectiva, enfatiza que a maioria dos textos sobre Internet cita a arquitetura e os valores abertos, democráticos da rede, mas as formas, a própria experiência de uso e os padrões técnicos mudam, os países se tornam mais interessados na regulamentação e censura dos fluxos, os setores econômicos vislumbram possibilidades de ganhos mais diretos, e os padrões legais são alterados no sentido de gerar mais controle. A denúncia de espionagem norte-americana, divulgada em agosto/setembro de 2013 é um exemplo significativo desse controle e de formas como esse monitoramento pode afetar, inclusive, a soberania das nações. Por isso mesmo que Castells (2011), veremos no decorrer deste trabalho, afirma com propriedade que o poder está diretamente relacionado à criação de redes na contemporaneidade.
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organismos vivos e máquinas/ modelos mecânicos39. No final da década de 1960, com a
criação da Arpanet (Agência de Projetos de Investigação Avançados) pelo Departamento da
Defesa dos Estados Unidos para combater a ameaça da tecnologia soviética, foram
desenvolvidos sistemas operativos que permitiam aos programadores/usuários interatuar
diretamente com os computadores. A Internet passa a existir mais especificamente em 1969,
mas somente depois de 20 anos que se propaga, impulsionada pelas mudanças de
regulamentação, difusão dos computadores pessoais, programas de software mais
simplificados, criação da World Wide Web, por Tim Berners-Lee, e dos protocolos de
comunicação (RHEINGOLD 2004, CASTELLS, 2011; RUDIGER, 2011a). A metáfora da
teia (web) que liga informações, pessoas, processos foi muito apropriada.
Na década de 1990, as redes eletrônicas entre os computadores pessoais e a
transformação das ferramentas de informação em recurso ordinário possibilitaram
desenvolvimento de criações comunicativas, construções coletivas, realidade virtual, e a
Internet toma impulso como plataforma de comunicação cotidiana, como lembra Rudiger
(2011a). E o epicentro do processo é o computador pessoal, ligado às redes informáticas. É
nesta fase, com o crescimento da web e o consequente aumento da demanda social por
tecnologias e comunicação, que movimentos, organizações sociais, entendendo o alcance das
redes, passam a integrar e se adequar à rede mundial de computadores. O Greenpeace, por
exemplo, lança sua primeira página eletrônica no Brasil em 1994. Nosso posicionamento aqui
é entender a Internet/web enquanto rede das redes, propiciada, produzida, distribuída e exibida
pela máquina computacional (no caso o computador em si entre outras plataformas
derivadas). No interior desta máquina em rede, que agrega atributos de outros meios, pulsam
formas de comunicação que podem ser definidas como mídias digitais/em rede/online40.
39 Norbert Wiener é um dos pioneiros a esclarecer a cibernética, como ciência da pilotagem, e desenvolve uma teoria geral sobre sistemas tecnológicos de comando, visualizando processos informáticos descentralizados e interativos (MATTELART, 2006), ou seja, não há mais controle central ou hierarquia para tomada de decisões. A obra de John von Neumman, The Computer and the Brain (1958), também integra esse entendimento com a abordagem do funcionamento do computador e suas conexões com os fundamentos do cérebro. 40 Para o propósito da definição de mídia digital nos apoiamos em Santaella (2008) que evidencia a ampliação da palavra mídia e sua utilização tanto no contexto de comunicação de massa, como de transmissão de informação e publicidade, mais recentemente se referindo aos meios eletrônicos e “incluindo aparelhos, dispositivos ou mesmo programas auxiliares da comunicação” (SANTAELLA, 2008, p.62). A generalização do termo se faz necessária e não nos incomoda, mas para indicar os processos de comunicação mediados por computador, com proposta de interação e interatividade preferimos pensar em comunicação em rede e redes sociais digitais. Apesar de identificá-lo em uma vertente muito mais mercadológica, faremos uso eventualmente do termo mídias - digitais, online, em rede, usando os complementos como um item diferenciador e até mesmo explicativo.
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Mais recentemente a web 2.0, 3.0, as redes sociais digitais, a utilização dos celulares
como dispositivos de comunicação móveis dão o tom das tecnologias atuais. Sanchez (2012)
fala em tecnologias da Internet, e explica que enquanto a 1.0 facilitava os processos
cognitivos de comunicação, em virtude da relação com o hipertexto, a 2.0 cria base para
desenvolvimento de processos comunicativos e interativos, embasados em plataformas
sociais. “A web 2.0 refere-se a uma série de aplicações e páginas da Internet que utiliza da
inteligência coletiva para proporcionar serviços interativos em rede, ao mesmo tempo em que
permite ao usuário o controle de seus dados”(SANCHEZ, 2012, p.80). O modelo 2.0 traz
como característica principal a colaboração com outros usuários, participação em grupos,
criação e compartilhamento de conteúdos, capacidade de influência na computação social.
Entre os exemplos desse fenômeno, Sanchez (2012) cita as redes sociais digitais (como
Twitter e Facebook), as páginas wikis, blogs, serviços de alojamento de vídeos, de
intercâmbio de documentos. Já a web 3.041, ainda em concepção, funcionaria a partir de uma
inteligência artificial, como uma entidade onipresente que facilitaria os processos de
comunicação sem sequer precisar da intervenção direta do usuário. Mas a web 2.0,
proclamada por Tim O´Reily, como lembra Ugarte (2007, p.115, tradução nossa) que,
aparentemente, põe fim à velha divisão produtor/consumidor, pode se mostrar uma farsa.
Pretensamente democrática, oculta um filtro que carrega inclinações próprias de identidade do
pequeno grupo de usuários mais influentes ou da oligarquia participativa, que impõe certa
linha editorial ou mesmo controle ideológico (UGARTE, 2007). E aqui lembramos das
próprias corporações econômicas que dominam a web com uma proposta de cultura
participativa. Cotarelo (2010) segue na linha crítica e afirma que, muitas vezes, o modelo 2.0
fica restrito a quem tem não só recursos econômicos, mas tempo e qualificação para intervir.
A possibilidade de desenvolver práticas colaborativas, participativas em rede também pode
estar sendo supervalorizada, pois avaliando empiricamente o uso cotidiano da Internet temos
um cenário, predominantemente, de troca de banalidades e de uso funcional por parte dos
usuários.
O fato é que qualquer estrutura informacional se depara com relações de poder, certo
controle e desafios de participação (que iremos discutir mais a frente), e isso não é diferente
na comunicação em rede do Greenpeace, que é o foco da nossa investigação Mas a dinâmica
41 Ugarte (2007) fala também em web 2.1, terminologia que não encontramos em literatura nacional, como um incremento da 2.0, focada na coprodução. Na definição do autor, refere-se a uma rede de bricolagens, que reúne usuários dispostos a criar, publicar, compartilhar, reciclar os materiais próprios e alheios. Também se discute, nesse argumento, o desenvolvimento de uma web semântica.
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comunicativa, com plataforma multimidiática (e até transmidiática), no sentido de integrar
diversos suportes e convergência de mídia em seu portal, suas ferramentas de comunicação,
integração nas redes sociais digitais nos permitem referendar o Greenpeace no fenômeno 2.0.
Nesse sentido, conceituamos a Internet não como um meio de comunicação único, mas
muitos meios, com sistemas organizativos, técnicas e possibilidades de convergência de
comunicação, que se produzem, primeiramente, dentro do cérebro do usuário e através de sua
interação social com os outros. Como coloca Jenkins (2008, p.27) o processo envolve a
própria convergência dos meios, a cultura participativa e a inteligência coletiva, em uma
aposta de “fluxos de conteúdos, através de múltiplos suportes midiáticos à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de
comunicação”. O autor fala que essa transformação cultural, a circulação de informação, as
conexões com meios e conteúdos dispersos depende fortemente da participação do usuário.
Em resposta à convergência surge ainda a nova estética, denominada transmídia, na
perspectiva “de criação de um universo”. A narrativa transmidiática se desenvolve através de
múltiplos suportes midiáticos “com cada novo texto, contribuindo de maneira distinta e
valiosa para o todo” (JENKINS, 2008, p. 135). Estas tendências são encontradas no portal do
Greenpeace e alcançamos sua dimensão. Há, por exemplo, convergência de mídias na
disponibilização de diferentes suportes – desde blogs, redes digitais, campanhas, produtos -
com construções narrativas diferentes a cada meio, criando públicos reticulares e formando
um todo enunciativo.
O que assistimos neste quadro de convergência ou de ensaios transmidiáticos é o
usuário/espectador na experiência de buscar por conta própria a informação que necessita,
permitindo “desprender-se da massa indiferenciada da audiência, para entrar em contato com
outros usuários e outras formas sociais de consumo ativo” (VILCHES, 2003, p.22). A
concepção de usuários substitui a noção de audiência (ou a renova), enquanto a produção e
recepção perderam sua natureza material para se transformarem em bits de informação, coloca
Vilches (2003) numa perspectiva tecnicista. Tofler (2005, p.383) prefere a noção de
“prossumidores”, acompanhada por Castells (2011), que acredita numa ruptura com meios de
comunicação tradicional ao suprimir fronteiras e horizontalizar a comunicação.
Rheingold (1994), um pioneiro aficionado na análise das tecnologias, há 20 anos falou
em revolução total das mídias convencionais, juntamente com a possibilidade de alterar o
modelo unilateral para uma proposta de “muitos para muitos”. Os usuários passam a ser os
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produtores e os disponibilizadores de informações em um cenário que prega o envolvimento,
a troca, a colaboração, interatividade e a mobilização.
A Internet de fato desafia os oligopólios de comunicação, muda a maneira de consumir
produtos midiáticos, assim como as “formas de produção e distribuição de conteúdo
informacional” (LEMOS; LEVY, 2010, p.73). Castells42 acredita, nesse contexto, na
substituição de um sistema de comunicação de massas, centrado nos meios de comunicação
convencionais, para uma autocomunicação de massas, que implica na capacidade de cada
pessoa para emitir, selecionar e organizar suas próprias redes e conteúdos. O cenário,
obviamente, é dominado pelas grandes empresas de comunicação, mas há redes horizontais de
comunicação que chegam à sociedade através de pessoas, interesses, valores e grupos sociais
fora dos sistemas corporativos de poder.
Trata-se de uma comunicação de massas porque pode atingir uma audiência global
pela rede, ao mesmo tempo em que uma única pessoa, por exemplo, “gera a mensagem,
define os possíveis receptores e seleciona as mensagens concretas e os conteúdos dos sites e
redes de comunicação que quer recuperar”. (CASTELLS, 2011, p.88). Ele ressalta que as três
formas de comunicação (interpessoal, comunicação de massa e autocomunicação de massas)
coexistem, interatuam e se complementam. O mais inédito nesse processo é essa articulação
das comunicações em um hipertexto digital, interativo, complexo que ainda integra, mescla e
recombina a diversidade de expressões culturais produzidas pela interação humana. Lemos e
Levy (2010, p.26) falam em uma infocomunicação pós-massiva, praticada no ciberespaço,
que não apenas libera a palavra, mas estabelece a circulação e a conversação na rede, com
personalização, debate mediado (ou não), conversação livre, desterritorialização e
transversalidade. As funções pós-massivas, lembram os autores, não se preocupam com
grandes audiências, mas em “suprir nichos”, com “possibilidade de oferta de inúmeros
produtos para poucos” (LEMOS; LEVY, 2010, p.49). Temos um mundo ‘achatado’, plano,
subvertendo regras, papeis e relacionamentos em alta velocidade e configurando uma
globalização 3.0, com modelos políticos e empresariais inéditos. (FRIEDMAN, 2005). Uma
mídia de massa individual, que permite a cada um produzir as próprias informações. Entra
aqui também a rubrica de inteligência coletiva, como potência de autocriação - atos e ações,
fontes de conhecimento e criatividade, que vão se construindo em conjunto (LEMOS; LEVY,
2010).
42 As ideias de Castells foram extraídas de seu discurso ‘Comunicação, poder e democracia’, pronunciado aos indignados da Espanha, na Praça Catalunha, Barcelona, em 2011. O evento está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=2nWa32CTfxs, pelo coletivo Villaweb, consta nas referências.
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Já Kerckhove (2008) prefere direcionar a discussão para a natureza democrática da
Internet e afirma que existe nas redes uma qualidade ou propriedade essencialmente
democrática, ditada pela maneira pela qual os usuários usam a rede. O indivíduo na rede tem
poder de controle e domínio sobre a linguagem. "De fato, somente quando é interiorizada
silenciosamente pelo leitor ou escritor, é que a linguagem se submete ao controle de decisão
do indivíduo. Esse é o primeiro compartilhamento para o surgimento de uma vontade
democrática" (KERCKHOVE, 2008, p.126). Nas redes, o texto se beneficia de novos poderes
de distribuição, de ubiquidade, aceleração, instantaneidade, confere ao indivíduo uma
superpotência, o que obviamente influencia na dimensão política. A petição de
responsabilidades entre Estado e cidadãos em um âmbito global e desterritorializado sugere
um modelo ciberdemocrático, que veremos mais a frente.
Mas ressalvamos que ainda que cresça o modelo ‘todos-todos’ persiste o modelo ‘um-
todos’, das mídias massivas. E as visões otimistas não são dominantes, a perspectiva das
tecnologias gera diferentes controvérsias. Enquanto alguns defendem uma posição positiva e
até utópica, vislumbrando uma sociedade mais igualitária, livre, com pleno exercício de
expressão, de outro lado, os céticos (ou realistas) visualizam novos conflitos sociais e
profundas desigualdades no acesso às oportunidades e melhoria da qualidade de vida.
Nesse contexto, Rudiger (2011a) divide os teóricos em três correntes principais: os
populistas tecnocráticos, que são os defensores das tecnologias, de seus benefícios morais,
políticos e econômicos; os conservadores midiáticos, que não aceitam as vantagens e acusam
política e moralmente o fenômeno das tecnologias. E, por fim, os cibercriticistas que se
interessam mais em refletir sobre o poder e os desafios da cibercultura. Entre os otimistas
estão justamente Rheingold, Lemos, Levy e Castells, que citamos aqui, que acreditam em um
fluxo de ideia mais livre e democrático, que reduz o poder das grandes corporações de
comunicação, com o público determinando a forma e o conteúdo do meio, como sujeitos
engajados ativamente no processo de comunicação. Já os pessimistas veem como um meio
que dizima o profissionalismo promove massificação das atividades culturais, o
enfraquecimento dos meios tradicionais como TV, rádio, para centralizar uma multidão sem
credibilidade ou controle. Os críticos não acreditam em emancipação, mas homogeneização,
colonização da consciência pelo mercado, busca por popularidade ou por gratificação
psicológica na rede. Podemos visualizar nessa seara Trivinho, Sodré e o próprio Rudiger, para
citar somente aqueles a quem recorremos. Preferimos aqui uma paisagem que nos permita
conhecer tanto os benefícios como os limites das tecnologias, sem dogmatismo ou crítica
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radical, mas na busca de entender a construção da comunicação do Greenpeace, que está
centralizada na rede, com o uso das ferramentas digitais para incrementar processos de
mobilização e engajamento.
A Internet em si poderia ser vista como neutra, assim como a técnica, se
considerarmos que os meios não dão preferência a um tipo de uso, mas Rudiger (2011a, p.64)
lembra que a técnica não pode ser desvinculada do seu uso concreto e do contexto que lhe dá
forma e adjetivação. Levy (1999, p.26) também pondera que técnica não é boa ou má, pois
depende de sua aplicação, mas ainda assim não é neutra, pois abre e fecha possibilidades de
intervenção humanas. As formas de usar podem se impor e o sentido das técnicas é criado
pelos indivíduos. “Contudo, acreditar em uma disponibilidade total das técnicas e de seu
potencial para indivíduos ou coletivos supostamente livres, esclarecidos e racionais seria
nutrir-se de ilusões” (LEVY, 1999, p. 26). Por isso mesmo que a metáfora bélica do
“impacto” das tecnologias, por exemplo, não é adequada na visão do autor, pois a tecnologia
não é autônoma ou isolada, mas produto de uma sociedade e de uma cultura. A sociedade,
neste contexto, encontra-se condicionada por suas técnicas (LEVY, 1999, p.22) 43.
Mas insistimos que a visão dominante de tecnologia colaborativa, de participação
ativa do usuário, de espaço de liberdades não pode ser ingênua. Sodré (2010) pondera que não
é possível falar em revolução da comunicação porque as transformações das tecnologias da
informação e comunicação conservam, muitas vezes, as velhas estruturas de poder, embora
possam agilizar sobremaneira a questão do tempo, espaço e do compartilhamento. O autor
prefere o termo maturação tecnológica “que resulta em hibridização e rotinização de
processos de trabalho e recursos técnicos já existentes sob outras formas (telefonia, televisão,
computação) há algum tempo”. Ou seja, não se trata de extinção da mídia tradicional, mas de
coexistência, transformação das convencionais formações discursivas, como texto, som,
imagem e, ainda, das relações sociopolíticas no ambiente em rede, como já mencionamos
anteriormente. Há hibridização dos meios, “acompanhada da reciclagem acelerada dos
conteúdos, com novos efeitos sociais” (SODRÉ, 2010, p.20). Abordagem que vai ao encontro
43 E aqui vale entender a diferença entre técnica e tecnologia. Enquanto a técnica corresponde às atividades práticas diversas (do original grego tekhnè) o saber fazer humano que pode ir desde a elaboração de leis às belas artes; a tecnologia é a técnica moderna, ou melhor, atividade técnica resultante de ciência aplicada. A técnica moderna teria como base “um modo de produção provocante da natureza” (LEMOS, 2004, p.33) que naturaliza os objetos técnicos e se funde com a ciência, compondo o que conhecemos hoje como tecnologia. “Enquanto a técnica é um saber fazer, cuja natureza intelectual se caracteriza por habilidades que são introjetadas por um indivíduo, a tecnologia inclui a técnica, mas avança além dela” (SANTAELLA, 2008, p.152) Ainda podemos recorrer a Ortega y Gasset (1987) que se referia à técnica do artesão e à técnica como ciência pura.
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de McLuhan (2002), que já avaliava que os meios não são meramente substituídos, mas se
renovam, se adaptam, são influenciados por modos e gêneros anteriores.
Para Sodré (2010), inédito mesmo é o armazenamento de grande quantidade de
informação e sua acelerada transmissão jamais vistas na história, com a virtual anulação do
espaço, novos canais de distribuição, a própria digitalização da simulação, e uma certa ilusão
de ubiquidade humana. Estamos diante de um quarto bios44, na proposta do autor,
caracterizado pela tecnocultura, pela midiatização, e pela consequente multiplicação das
tecnointerações setoriais, “uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade
sensível” (SODRÉ, 2010, p.21). Ele alerta ainda que as tecnologias não podem ser vistas
como meros canais de informações e sim como dispositivos geradores do real.
As tecnologias provocaram um novo modelo de visibilidade pública, impulsionada por
um outro espaço-tempo social e pela velocidade do fluxo, e um certo individualismo de
grupo, ou seja, as pessoas buscam, agora, modalidades individualistas de representação ao
invés de associações, sindicatos ou partidos políticos, por exemplo, o que o autor classifica
como “epifenômeno da individualização generalizada da sociedade contemporânea” (SODRÉ,
2010, p.40). Neste ponto, Castells (2011, p.176, tradução nossa) fala sobre o individualismo
como uma característica inerente da sociedade em rede.
Internet é uma rede de comunicação e, como tal, é também um instrumento de difusão de consumismo e de entretenimento global, do cosmopolitismo e do multiculturalismo. Mas a cultura do individualismo em rede pode encontrar sua melhor forma de expressão em um sistema de comunicação caracterizado pela autonomia, conexão horizontal em rede, a interatividade e a recombinação de conteúdo a iniciativa do indivíduo e suas redes.
O individualismo, com papel central na comunicação em rede, é presente no
ciberativismo ambiental, nas propostas de participações que estimulam ações individuais,
práticas de ativismo online, muitas vezes isoladas, diante do computador: assinar petições,
divulgar denúncias, replicar mensagens, ‘fazer a sua parte pelo meio ambiente’. Mas Castells
se refere a um padrão social, e não a um mero acúmulo de indivíduos isolados.
44 Sodré (2010), em sua obra, propõe mais um ‘bios’ entre os modos de vida identificados por Aristóteles. Segundo a tríade original do filósofo, o primeiro deles é o bios theoretikos (da vida contemplativa), na sequência o apolaustikos (da vida prazerosa) e o terceiro como o bios politikos (da vida política). A vida midiatizada, que inclui a realidade tecnológica do virtual, seria, portanto, o 4º bios (bios midiático), que implica em “uma redescrição da realidade tradicional pelo pensamento que incorpore a nova ordem tecnológica, e a experiência do individuo com o mundo virtual (...)” (SODRÉ, 2010, p.255).
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Contudo, existem, neste âmbito de mudança organizativa dos processos
comunicacionais, relações de poder que não podem ser minimizadas. O poder de conectar em
rede, de criar redes e o poder da própria rede. A questão seria quem ostenta e quem opera esse
poder? A resposta não é simples. Castells (2011) reconhece que o poder tem sua base no
capitalismo global, no mercado financeiro, mas na sociedade em rede não há uma fonte única
de poder, e o processo depende da capacidade de constituir redes, programá-las, assegurar sua
cooperação, compartilhando objetivos e combinando recursos. “Resistir à programação e
interromper as conexões para defender os valores e interesses alternativos são as formas de
contrapoder que exercem os movimentos sociais e a sociedade civil – local, nacional e global”
(CASTELLS, 2011, p.84, tradução nossa). Há ainda o poder dos discursos no contexto das
redes.
Os discursos marcam as opções do que as redes podem ou não fazer. Na sociedade em rede os discursos se geram, difundem, debatem, internalizam e finalmente incorporam na ação humana, no âmbito da comunicação socializada construído entorno das redes locais-globais da comunicação digital multimodal, incluindo os meios de comunicação e Internet. O poder da sociedade em rede é o poder da comunicação (CASTELLS, 2011,p.85, tradução nossa).
Como lembra Ugarte (2007) a arquitetura da informação e comunicação condiciona e
pode determinar a estrutura do poder político e econômico. É o que ocorre com a Internet,
teoricamente formada por redes distribuídas com capacidade de mobilização,
compartilhamento de informações, autonomia para escrever, divulgar, estabelecer relações de
meio e de fonte sem contar com a mediação de instituições externas. Nesse contexto, a
dimensão das ações não depende da simples escolha entre sim e não, mas das simpatias e do
grau de acordo que logrará a proposta (a informação ali colocada), por exemplo. Subvertem-
se também as formas de mediação, a partir da “emergência de uma nova mediação feita pelos
próprios produtores de informação, pelos leitores, através de criação de mecanismos de
reputação e votação” (LEMOS; LEVY, 2010, p.95). Agora existe uma mediação a posteriori,
que dá, por exemplo, pelo número de links que convergem em direção ao site, pela frequência
de conexão, citações em grupos de discussão, pelos comentários.
Ugarte fala ainda em sistema pluriárquico, como forma de organização distribuída,
onde não existe direção no sentido tradicional, mas grupos que conferem fluidez ao
funcionamento e aos fluxos da rede, facilitam e propõem ações. Estes grupos, entre os quais