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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social KATARINI GIROLDO MIGUEL PENSAR A CIBERCULTURA AMBIENTALISTA: Comunicação, mobilização e as estratégias discursivas do Greenpeace Brasil Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Doutora. Orientadora: Profª. Dra: Elizabeth Moraes Gonçalves. São Bernardo do Campo, 2014

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

KATARINI GIROLDO MIGUEL

PENSAR A CIBERCULTURA AMBIENTALISTA:

Comunicação, mobilização e as estratégias

discursivas do Greenpeace Brasil

Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Doutora. Orientadora: Profª. Dra: Elizabeth Moraes Gonçalves.

São Bernardo do Campo, 2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

M588p

Miguel, Katarini Giroldo Pensar a cibercultura ambientalista: comunicação, mobilização e as estratégias discursivas do Greenpeace Brasil / Katarini Giroldo Miguel. 2014. 266 p. Tese (doutorado em Comunicação Social) --Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014. Orientação : Elizabeth Moraes Gonçalves 1. Comunicação 2. Cibercultura 3. Discurso 4. Greenpeace 5. Ciberativismo I. Título.

CDD 302.2

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A Tese “Pensar a cibercultura ambientalista: comunicação, mobilização e as estratégias

discursivas do Greenpeace Brasil” elaborada por Katarini Giroldo Miguel foi defendida e

aprovada no dia 1º de abril de 2014, perante banca examinadora composta por Prof. Dra.

Elizabeth Moraes Gonçalves (Presidente/UMESP), Prof. Dr. José Salvador Faro

(Titular/UMESP), Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno (Titular/UMESP), Prof. Dra Graça

Caldas (Titular/UNICAMP) e Prof. Dr. José Luis Bizelli (Titular/UNESP).

______________________________________________________

Prof. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________________

Prof. Dra. Marli dos Santos

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Programa: Comunicação Social

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação Institucional e Mercadológica

4

AGRADECIMENTOS

Tive muita sorte nessa caminhada de poder contar com pessoas cruciais, que me

ajudaram, me ensinaram, me criticaram, abriram e também fecharam meus olhos em

determinadas ocasiões, mas seria inviável citar a todas. Mas posso dizer que essa Tese é

repleta de Cláudia, Ivan, Aline, Ivy, Cláudio, Kamila, Faro, Danilo, Catharina, Tereza,

Renata, Alexino, Wilson, Márcia...

De modo particular e nominal agradeço à minha orientadora Elizabeth Moraes

Gonçalves que me deu autonomia necessária, me mostrou o lado humano e generoso do

pesquisador, e constantemente me lembrava de que minha melhor obra ainda estava por vir.

Ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Paulo que me

proporcionou o ambiente adequado para o desenvolvimento dos trabalhos acadêmicos e me

concedeu a bolsa de estudos que me permitiu a dedicação exclusivamente à pesquisa. Devo,

portanto, agradecer aqui explicitamente também aos órgãos de fomento CNPq (Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Capes (Coordenação de

Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior), esta última por ter me proporcionado a

experiência do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, realizado na Universidade

Complutense de Madri entre fevereiro e julho de 2013. Uma experiência pessoal e acadêmica

que marcou minha trajetória de vida e que seria inviável sem o apoio do coorientador Jesus

Miguel Flores Vivar e da amiga quase madrileña Juliana Colussi.

Agradeço também à banca examinadora que se prontificou a contribuir com a minha

pesquisa, aos colegas de doutorado que confiaram em mim como representante discente, à

Katia Franca e Vanete Viegas, funcionárias da Umesp, que tão prontamente me atenderam

sempre que precisei. De modo particular, sou grata à compreensão e ao apoio do meu

companheiro Rafael Tadashi, sem sua colaboração não sei se seria possível tanto empenho

para pensar a cibercultura ambientalista.

Ainda não posso esquecer do Instituto Ambiental Vidágua, o principal responsável

pela minha imersão e entrega ao mundo ambientalista.

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RESUMO

MIGUEL, Katarini G. Pensar a cibercultura ambientalista: comunicação, mobilização e

as estratégias discursivas do Greenpeace Brasil, 2014. 266p. Tese (Doutorado em

Comunicação Social) Programa de Pós Graduação em Comunicação Social. Universidade

Metodista de São Paulo (UMESP, 2014).

Nossa Tese postula a existência de uma cibercultura ambientalista, própria do movimento ambiental, que conta com uma dinâmica comunicativa caracterizada por estratégias de discurso e mobilização específicas. O movimento ambiental, aqui representado pela organização de espectro internacional Greenpeace, soube se apropriar das ferramentas digitais, difundir a problemática em um cenário de redes sociais digitais, ciberativismo, interatividade e composição de uma esfera pública em rede, que colocamos em debate. Para entender esse panorama realizamos uma ampla discussão teórica, em permanente diálogo com nosso objeto de estudo, abrangendo a trajetória do ambientalismo e seu lugar enquanto movimento social; as tecnologias da sociabilidade, a Internet e suas mídias como espaço de resistência e controle, assinalando a cibercultura como a própria cultura contemporânea, pautada pelas influências tecnológicas. Realizamos entrevistas com voluntários, seguidores, além de responsáveis pela comunicação do Greenpeace que nos permitiram traçar as motivações da participação e confirmar que o engajamento na causa ambiental foi fortemente impulsionado pelas facilidades do ciberespaço. As estratégias discursivas foram desvendadas com as coordenadas metodológicas da Análise do Discurso, focada na identificação do ethos e das cenas de enunciação, com base em um protocolo de análise que formulamos para compreender a maneira de dizer que leva os sujeitos aderirem maciçamente ao discurso ambiental. Na primeira etapa da análise realizamos diagnóstico de perspectiva quantitativa e caráter exploratório para levantar as campanhas/temáticas principais e avaliar a repercussão dos assuntos nas redes sociais digitais e na mídia convencional. Posteriormente, selecionamos os textos das principais campanhas que passaram pela fase qualitativa, que abarcou os itens lexicais, as técnicas argumentativas e os elementos de destacabilidade, além de aspectos externos ao texto linguístico, como fotos, vídeos, cores e cenas predominantes. O discurso na cibercultura ambiental desvela o ethos do amigo, do parceiro, que oscila entre o drama e a agressividade para chamar atenção à causa. Problemas graves como denúncias ambientais são tratados com um ethos lúdico, até mesmo infantil, usando de linguagem coloquial e de códigos da cultura contemporânea – desenhos animados, jogos virtuais, belos animais que cantam e dançam – que para os nossos olhos revelam uma cenografia esquizofrênica, mas é justamente o que garante o êxito das campanhas.

Palavras-chave: Comunicação; Cibercultura; Discurso; Greenpeace; Ciberativismo.

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ABSTRACT

MIGUEL, Katarini G. Thinking the environmentalist cyberculture: communication,

mobilization and the discursive strategies of Greenpeace Brazil., 2014. 263p. Thesis

(Doctoral Thesis) Postgraduation Program of Social Communication. Universidade Metodista

de São Paulo (UMESP, 2014).

Our thesis postulates the existence of an environmental cyberculture, typical of the environmental movement, which has a communicative dynamics characterized by discourse strategies and specific mobilization. The environmental movement, represented here by the international organization Greenpeace, knew how to appropriate the digital tools, to spread the problematic in a scenario of digital social networks, cyberactivism, interactivity and the composition of a networked public sphere, that we put into debate. To understand this situation, we performed an extensive theoretical discussion, in constant dialogue with our object of study, covering the history of the environmentalism and its place as a social movement; the technologies of sociability, the Internet and its media as a space of resistance and control, noting the cyberculture as the contemporary culture itself, guided by technological influences. We conducted interviews with volunteers, followers and people in charge of the communication of Greenpeace, that allowed us to trace the motivations of participation and to confirm that the engagement in the environmental cause was strongly driven by the easiness of cyberspace. The discursive strategies have been elucidated with the methodological coordinates of Discourse Analysis, focused on identifying the ethos and the scenes of enunciation, based on an analysis protocol we formulated to understand the way of saying that leads subjects to adhere massively to the environmental discourse. In the first step of the analysis, we performed a diagnosis of quantitative perspective and exploratory aspect to discriminate the campaigns/main themes and assess the impact of the issues in digital social networks and the mainstream media. Subsequently, we selected the texts of the main campaigns that have passed through the qualitative phase, which encompassed lexical items, argumentative techniques and elements of contrast, as well as external aspects to the linguistic text, such as photos, videos, colors and predominant scenes. The discourse on environmental cyberculture unveils the ethos of the friend and the partner, ranging from drama and aggression to bring attention to the cause. Serious environmental problems such as environmental complaints are dealt as a playful ethos, even childish, using colloquial language and codes of the contemporary culture – cartoons, virtual games, beautiful animals that sing and dance – that before our eyes reveal a schizophrenic scenography, but is precisely what ensures the success of the campaigns.

Key-words: Comunication; Cyberculture; Discourse; Greenpeace; Cyberactivism

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RESUMEN

MIGUEL, Katarini G. Pensar sobre la cibercultura ambientalista: comunicación,

movilización y las estrategias discursivas de Greenpeace Brasil 2014. 263p. Tese

(Doctorado e Comunicación Social) Programa de Posgrado en Comunicación Social.

Universidade Metodista de São Paulo (UMESP, 2014).

Nuestra Tesis prevé la existencia de una cibercultura ambientalista, propia del movimiento ambiental, que tiene una dinámica comunicativa caracterizada por estrategias de discurso y movilización específicas. El movimiento ambiental, representado por la organización internacional Greenpeace, supo apropiarse de las herramientas digitales, difundir la problemática ambiental en un escenario de redes sociales digitales, ciberactivismo, interactividad y composición de una esfera pública en red, que colocamos en debate. Para entender el panorama, ejecutamos una amplia discusión teórica, en contacto permanente con el objeto de estudio, tratando la trayectoria del ambientalismo y su territorio de movimiento social, las tecnologías de la sociabilidad, la internet y sus medias como espacio de resistencia y control, asimilando la cibercultura como la propia cultura de la contemporaneidad, sellada por las influencias tecnológicas. Realizamos entrevistas con voluntarios, seguidores, además de los responsables por la comunicación de Greenpeace que nos permitieron ver las motivaciones de la participación y confirmar que el compromiso en la causa ambiental fue despertado por las facilidades del ciberespacio y por la credibilidad que la organización adquirió. Las estrategias discursivas fueron descubiertas por medio de la metodología del Análisis del Discurso, con énfasis en la identificación del ethos y de las escenas de enunciación, basada en un protocolo de análisis que elaboramos para comprender la manera de decir que lleva a los sujetos a creer en el discurso ambiental. En la primera etapa de análisis formulamos un diagnóstico de perspectiva cuantitativa para conocer las campañas/temáticas principales y para evaluar la repercusión de los asuntos en las redes sociales y en la media convencional. Posteriormente, elegimos los textos de las principales campañas que fueron analizados cualitativamente, considerando los términos léxicos, las técnicas de argumentación y los elementos destacables, además de los aspectos externos al texto como fotos, vídeos, colores y escenas predominantes. El discurso de la cibercultura ambiental muestra el ethos de un amigo, compañero, que oscila entre el drama y la agresividad para llamar la atención a la causa. Problemas graves como denuncias ambientales son abordados con un ethos lúdico, quizá infantil, haciendo uso de un lenguaje coloquial y de códigos de la cultura contemporánea – dibujos animados, juegos virtuales, animales que cantan y bailan – que para nuestros ojos revelan una escena esquizofrénica, pero es justamente lo que garante el éxito de las campañas.

Palabras-clave: Comunicación; Cibercultura; Discurso; Greenpeace; Ciberactivismo.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Reprodução da página inicial do portal do Greenpeace Brasil.........................38

Figura 2. Reprodução da página inicial do hotsite Liga das Florestas...........................164

Figura 3. Reprodução da página inicial do portal Greenpeace Brasil............................170

Figura 4. Reprodução da página inicial do hotsite Salve o Ártico.................................175

Figura 5. Reprodução da página inicial do portal do Greenpeace Brasil.......................188

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‘Abraço-me, pois às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta’ (por enquanto).

José Saramago

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11

CAPÍTULO I – O DESENHO METODOLÓGICO PARA DESVENDAMENTO

DA CIBERCULTURA AMBIENTAL

1.1 Diálogo empírico e teórico................................................................................................. 18

1.2 A abordagem do ethos e cenas de enunciação................................................................... 22

1.3 Modos de Fazer................................................................................................................. 28

1.4 A expressão comunicativa em rede do Greenpeace.......................................................... 38

CAPÍTULO II – MOVIMENTO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA

COMUNICAÇÃO

2.1 A saga do ambientalismo .................................................................................................. 47

2.2 O ambientalismo na modernidade indefinida: inconclusa, líquida, superada, espetacular 64

2.3 O Greenpeace no espetáculo da mídia.............................................................................. 76

CAPITULO III – TECNOLOGIAS SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO E DA

MOBILIZAÇÃO 3.1 O fundamento da sociedade em rede e das tecnologias da sociabilidade no controle e na

resistência................................................................................................................................ 86

3.2 Cibercultura(s) e suas declaradas perspectivas................................................................. 99

3.3 Ciber política, ativismo, redes sociais digitais, interatividade......................................... 107

CAPITULO IV - POTENCIAL POLÍTICO DO MOVIMENTO AMBIENTAL

EM REDE 4.1 As possibilidades e fragilidades da esfera pública (em rede).......................................... 123

4.2 A participação em rede e suas possíveis significações no Greenpeace........................... 137

11

CAPÍTULO V - O DISCURSO AMBIENTALISTA NA CIBERCULTURA 5.1 Primeiro cenário: diagnóstico.......................................................................................... 151

5.2 Delimitando as campanhas e temáticas........................................................................... 159

5.3 Análise do Discurso......................................................................................................... 164

CONCLUSÃO.................................................................................................................... 198

REFERÊNCIAS................................................................................................................. 207

APÊNDICE 1

1.1 Entrevistas realizadas com os representantes do Greenpeace......................................... 219

1.2 Íntegra das entrevistas realizadas com colaborador, voluntário e ou ciberativista.......... 224

APÊNDICE 2

2.1 Levantamento demonstrativo dos destaques do portal do Greenpeace Brasil entre junho de

2012 e junho de 2013....................................................................................................... 244

ANEXOS

Telas Facebook Greenpeace Brasil....................................................................................... 260

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INTRODUÇÃO

O movimento ambiental se apropriou das TICs (Tecnologias da Informação e

Comunicação) para difundir a causa, ganhar visibilidade e adeptos, delineando formas de

mobilização, gestão de redes sociais e uma cultura comunicativa, amparada por estratégias

discursivas oportunas, que nos instigaram a pensar sobre a existência de uma cibercultura

ambientalista, que poderia ser caracterizada e compreendida em sua amplitude. Sob as lentes

dessa hipótese tem início nossa Tese de Doutorado e insurge o objeto de estudo: a

comunicação em rede do movimento ambiental. Uma comunicação que é moldada pelas

tecnologias, materializada na Internet, mas que a extrapola. E aqui cravamos a primeira letra

em maiúscula justamente para denotar a rede das redes, o espaço sem fronteiras e de inúmeras

possibilidades comunicativas da Internet.

Para o desenvolvimento da pesquisa, buscamos como referência a organização de

espectro internacional Greenpeace, forte representante do movimento ambiental, que acumula

experiências com a prática virtual de comunicação, ilustra com propriedade os conceitos, nos

fornece exemplos e revela tendências. Estabelecemos como eixo principal o portal

institucional no Brasil: www.greenpeace.org/brasil.

Nossas coordenadas metodológicas para o desvendamento da cibercultura ambiental

abarcaram a pesquisa teórica, para nos ajudar a conceituar e compreender o lugar dos

movimentos ambientais na contemporaneidade, o fenômeno das TICs e seus impactos; a

existência (ou não) de uma cibercultura, seu potencial de engajamento e participação política;

entrevistas com representantes do Greenpeace e com os seguidores/ciberativistas. Além da

avaliação empírica-exploratória dos produtos disponibilizados e de procedimentos de Análise

do Discurso em uma etapa mais aprofundada. A preocupação, nesse sentido, foi estabelecer

uma dinâmica de escrita que estabelecesse um diálogo entre objeto de estudo, as diferentes

teorias e conceitos apresentados e os exemplos oriundos da constante observação e, inclusive,

imersão nas práticas comunicativas do Greenpeace. As explicações sobre nossas opções

metodológicas, a base teórica e empírica e uma importante descrição do portal e das redes

sociais digitais do Greenpeace estão presentes no Capítulo I, como forma de clarear nosso

cenário de investigação. Além disso, explicamos neste capítulo os caminhos que percorremos

para a elaboração do nosso protocolo de análise, que traçou o modo de fazer com base na

concepção do ethos e das cenas de enunciação (MAINGUENEAU, 2004, 2008;

CHARAUDEAU, 2008). O objetivo foi criar instrumentos que nos permitissem identificar no

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discurso ambiental, representado aqui pelas campanhas da organização, quais as formas de

dizer que revelam maneiras de ser e fazem com que as pessoas se engajem e deem

credibilidade à causa ambiental. Ou seja, “o processo mais geral da adesão de sujeitos a uma

certa posição discursiva” (MAINGUENEAU, 2005, p. 69). Para tanto, consideramos para a

análise, a identificação dos itens lexicais, as técnicas argumentativas e os elementos de

destacabilidade presentes nos textos. Também envolvemos os fatores externos ao texto

linguístico, como fotos, vídeos, cores e composição das campanhas, importantes na

construção do discurso nos cenários multimidiáticos da rede de computadores.

No Capítulo II demos início à discussão teórica contextualizando o ambientalismo na

contemporaneidade e suas formas de comunicação, defendendo a assertiva que o Greenpeace

se configura como um legítimo movimento social porque atua como agência de significação

coletiva para a sociedade, intenta produzir mudanças sociais e tem forte capacidade de

persuasão coletiva (LARAÑA, 1999, GOHN, 2000). Portanto, ele é enquadrado na Tese como

uma ONG (Organização Não Governamental), mas pertencente a um movimento social amplo

e heterogêneo em posições. Também procuramos entender a natureza da atuação do

movimento ambiental e sua experiência comunicativa em uma sociedade de múltiplas

nomenclaturas: pós-moderna, de modernidade indefinida, inconclusa, líquida e ou espetacular.

(HARVEY, 2004; BAUMANN, 2001; DEBORD, 2001, MARTINS, 2000). Para finalizar o

capítulo composto pela saga ambientalista, seu histórico, trajetória e configuração na

atualidade, delineamos o perfil propriamente do Greenpeace. Evidenciamos sua consolidação

em 40 anos de atuação global e presença em mais de 40 países, sua magnitude e os recursos

mobilizados que lhe dão a alcunha de multinacional de ecologia. Também buscamos seus

antecedentes midiáticos, sua afeição ao espetáculo e a habilidade em lidar com diferentes

estratégias de comunicação, em especial em rede, para garantir a eficácia de suas mensagens e

campanhas.

O fato é que, com as ferramentas tecnológicas, os movimentos sociais contemporâneos

ampliam o alcance das lutas, as formas de mobilização e participação. Estar na Internet hoje é

condição para garantir o êxito e a visibilidade da atuação ambientalista. Com essa direção, no

Capítulo III nos dedicamos a adentrar no universo das tecnologias sociais que vêm

desenhando a atuação dos movimentos sociais. As diferentes formas de comunicar com

propostas de convergência, colaboração, liberdade, mas também controle, poder e vigilância.

Para abranger todo o cenário dividimos o capítulo em três linhas principais. 1) “O

fundamento da sociedade em rede e das tecnologias da sociabilidade no controle e na

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resistência”, onde situamos as formas de viver em sociedade e suas esferas impactadas pelas

tecnologias, retomando os conceitos de era eletrônica, sociedade da informação, mas

centralizando na leitura da sociedade em rede, que tem como espinha dorsal a Internet, a

“estrutura organizativa e o instrumento de comunicação que permite a flexibilidade e a

temporalidade da mobilização” (CASTELLS, 2003, p.277). 2) “Cibercultura e suas declaradas

perspectivas”, considerando as prerrogativas do ciberespaço para demarcar a cibercultura

como a própria cultura contemporânea que não se restringe a manifestações no espaço virtual,

mas novas formas de sociabilidade pautadas pelas influências tecnológicas, problematizando

autores como Gonzáles (2012); Levy (1999); Lemos (2004), Rudiger (2011ab) e Santaella

(2008). 3) “Ciber política, ativismo, redes sociais digitais, interatividade”, um item para

debater as formas de comunicação e mobilização que pulsam no ciberespaço; as diferentes

mídias, as comunidades virtuais e as oniscientes redes sociais digitais que ganham espaço

como plataformas cotidianas. Nesse caso, convém esclarecermos que termos como em rede,

online, digital, virtual são usados ao longo da Tese como apoios similares para indicar formas

de comunicação que se moldam na Internet. Nossas atenções estão voltadas mais

profundamente, nesse último componente, ao ciberativismo, como tática amplamente

utilizada e propagada pelo Greenpeace, e suas derivações - infoativismo, netativismo,

netwars, multidões inteligentes. E na proposta de entender os precedentes e a formatação atual

do ativismo em rede recorremos a Mattelart (2006), Di Felice (2013) e Ugarte (2007) este

último resumindo o ciberativismo como a forma de empoderamento pessoal, que se conquista

no discurso, nas ferramentas e na visibilidade. Finalizamos o capítulo com o entendimento de

que a sociedade em rede representa uma alternativa aos controles midiáticos, uma proposta de

autonomização do sujeito comunicativo, que oferece espaço para a sociedade civil expandir

seus objetivos, suas reivindicações, conquistar simpatizantes e estabelecer novas formas de

atuação. Mas também pode favorecer grupos dominantes, estimular o individualismo ou

fomentar uma cidadania limitada, restrita aos que têm acesso e habilidade para lidar com o

emaranhado de ferramentas. É um terreno árido onde não convêm afirmações categóricas,

mas ponderações, criação de proposituras e múltiplos olhares.

Uma dessas visões aponta para as TICs como facilitadoras e fomentadoras da

participação, que podem estimular e liberar o debate, remodelando a proposta da esfera

pública, e é justamente a partir desse argumento que desenvolvemos o Capítulo IV: ‘O

potencial político do movimento ambiental em rede’.

15

Discutimos as possibilidades e fragilidades da esfera pública em rede, conectada,

digital, partindo do segmento original de Habermas - de instância legítima para formação da

opinião - percorrendo suas significativas alterações, principalmente com os meios de

comunicação e a formação de ‘pseudoesferas públicas’ (GOMES, 2008). Na Internet, abrem-

se possibilidades de criações, críticas, participações com a chancela da interatividade que

fazem emergir momentos de esfera pública. Visualizamos nas páginas e redes do Greenpeace

a conformação de esferas públicas temporárias que conseguem pautar e debater assuntos

importantes relacionados às politicas públicas ambientais, mas de forma efêmera, desconexa,

acompanhando a dinâmica ágil da própria cibercultura. As redes sociais digitais da ONG, por

exemplo, oferecem formas de participação por meio de comentários onde é possível

estabelecer debates, originar discussões, dar visibilidade para as causas e conseguir um

engajamento massivo.

Logo, buscamos entender o que faz as pessoas participarem, aderirem à causa

ambiental de maneira tão significativa. Com essa proposta, na segunda parte do Capítulo IV,

intitulada “A participação em rede e suas possíveis significações no Greenpeace”, discutimos

mais diretamente os estímulos à participação, a partir de autores que estudam os principais

marcos motivacionais dos movimentos sociais e elencamos como centrais: a relação dos

movimentos com o cotidiano, sua capacidade de ressonância cultural entre os prováveis

seguidores, a força das emoções para instigar a adesão (LARAÑA, 1999; MCADAM,2001;

FLAM, 2005). E, acima de tudo, um discurso adequado que constrói um ethos acertado e

digno de fé, para o qual nos atentamos no quinto e último capítulo, reservado para a Análise

do Discurso propriamente.

Mas ansiamos também entender as formas de participação de maneira mais intensa,

abarcando o contexto das recepções e, nesse sentido, fizemos uma sondagem com os

participantes do Greenpeace na tentativa de compreender, entre outras questões, como eles

mesmos significam sua participação. Abordamos voluntários, ciberativistas e seguidores,

prioritariamente pela Internet, e aplicamos questionários com perguntas abertas sobre os

motivos, as formas de participação e o tempo dedicado para a atividade. Obtivemos 25

respostas que são aferidas no Capítulo IV. Também realizamos entrevistas com os

responsáveis pela comunicação do Greenpeace no Brasil e na Espanha que nos permitiram

entender a dimensão das tecnologias para atuação da ONG e a maneira como se relacionam

com os usuários. A íntegra das entrevistas segue no APÊNDICE I. Conseguimos visualizar

que o engajamento foi não apenas incrementado, mas viabilizado pelas ferramentas da

16

Internet. Quase a totalidade dos entrevistados começou a participar das questões ambientais

após o surgimento e consolidação das redes sociais digitais. Para os representantes do

Greenpeace, a Internet também teve papel determinante para a luta ambiental. Mas persiste o

formato verticalizado em que tudo é decidido e implantado hierarquicamente pela

organização.

O discurso, corresponsável por essa participação, foi construído e difundido na

cibercultura, e no Capítulo V nossa tarefa foi desvendá-lo. No último capítulo apresentamos,

então, as análises das campanhas do Greenpeace Brasil e uma breve comparação com o

discurso espanhol, que nos foi propiciada pela experiência no Programa de Doutorado

Sanduíche no Exterior, realizado na Universidad Complutense de Madrid.

Em um primeiro momento, como parte do nosso protocolo de análise, elaboramos um

diagnóstico baseado no próprio trabalho empírico-exploratório e, para melhor visualização

dos resultados encontrados, formatamos um levantamento demonstrativo, presente no

APÊNDICE 2, com as principais campanhas e temáticas pautadas pelo Greenpeace.

Elegemos para as análises os conteúdos em destaque, localizados de forma randômica na

página inicial do portal institucional, porque verificamos que ali estavam as propostas

principais da organização, seu agendamento prioritário, aquilo que ela realmente queria

viabilizar e divulgar. O levantamento de caráter quantitativo elencou 87 destaques durante um

ano da nossa observação – junho de 2012 a junho de 2013. Incluímos na tabela os campos

para discriminar os títulos, os temas/campanha principais e a repercussão que cada um dos

destaques alcançou no próprio portal, nas redes sociais digitais Twitter e Facebook. Também

informamos se o assunto conseguiu repercussão na mídia convencional e se tinha proposta

política agregada ao conteúdo. A intenção foi compreender, de maneira mais mensurável, a

dinâmica comunicativa, os assuntos principais, o impacto alcançado e se extrapolavam de fato

o ambiente virtual.

Com isso, conseguimos identificar a tendência hiper e transmidiática do Greenpeace,

que constrói universos comunicacionais diferentes para cada campanha, a participação

massiva que conquista na rede Facebook em detrimento do próprio portal, sua habilidade em

investir no virtual com táticas diferenciadas e imagéticas, mas sempre amarrando a propostas

concretas de modificações legislativas, projetos e lobbys políticos. Também foi a partir dessa

quantificação que identificamos as principais campanhas desenvolvidas pela organização no

período da nossa investigação: Salve o Ártico e Desmatamento Zero. A primeira delas,

desenvolvida em nível internacional, denuncia as consequências do degelo no Ártico que vem

17

prejudicando as espécies locais e contribuindo para o aquecimento global, e reivindica às

Nações Unidas, por meio de uma petição, a criação de um santuário ecológico naquela região.

Já a campanha contra o desmatamento tem caráter nacional e intenta a aprovação de uma lei

de iniciativa popular que proíba qualquer tipo de retirada de florestas no Brasil e, para isso,

coleta assinaturas, junto com outras organizações ambientalistas, para levar o projeto de lei ao

Congresso. As campanhas tiveram êxito no portal, nas redes sociais digitais, estiveram

presentes durante todo nosso período de observação e representam, para a própria

organização, seus projetos mais importantes, portanto, formando um corpus suficientemente

expressivo para nossas análises. Optamos por analisar os sites temporários, construídos

especificamente para as ações –www.salveoartico.com.br e www.ligadasflorestas.com.br,

além de uma notícia relacionada a cada campanha. Também apresentamos uma análise da

campanha Salve o Ártico na Espanha - www.savetheartic.es. Vale lembrar que o Greenpeace

mantém a mesma estrutura organizativa e layout em suas páginas web, mas nos interessava,

nesse momento, avaliar se o discurso se diferia, comparar o ethos da mesma organização em

países distintos.

Com isso, analisamos o discurso pelo desmatamento zero e o discurso para salvar o

ártico considerando, de acordo com nosso protocolo de análise, os itens lexicais, as técnicas

argumentativas e os elementos de destacabilidade. Pudemos reconhecer nos textos analisados

um padrão discursivo pautado em expressões românticas, beirando o idílico, como “riqueza”,

“beleza”, “patrimônio”, uma aparente ingenuidade, amparada por uma cenografia lúdica com

desenhos, imagens infantilizadas de florestas e animais como personagens principais, que

contam sua história. A todo o momento invoca a participação e a corresponsabilidade: “assine

pelo desmatamento zero”, “precisamos da sua ajuda”, “precisamos proteger as águas do

Ártico”, revelando o ethos emotivo e de parceria. E reforça os argumentos por meio de

elementos de destacabilidade como os slogans militantes e as hashtags, constantes na

cibercultura, #salveoártico, #desmatamentozerojá! As construções argumentativas, bastante

coloquiais e evasivas, não trazem dados concretos e fazem uso da autossuficiência, valendo-se

da autoridade ambientalista. Ao mesmo tempo em que apresentam elementos conflitivos e até

agressivos por meio de termos como “catastróficos”, “mazelas”, “retrocesso”, “desastre”, e

acusações diretas a empresas e governos.

O Greenpeace é uma organização que realiza pesquisas, tem informações suficientes

e forte atuação política para o desenvolvimento de suas campanhas, mas prefere lidar com

conteúdos subjetivos, dados alarmantes que podem mostrar mais resultado, ser de fácil

18

assimilação e exercer influência sobre o outro. Ousamos denominar a cenografia como

esquizofrênica pela capacidade de deslocar questões, graves, sérias e acusatórias para uma

cena lúdica, até infantil, que acaba por caracterizar a cibercultura ambientalista. Na

comparação entre os conteúdos do Greenpeace Brasil e Espanha o que ficou mais evidente foi

a preocupação do país europeu em oferecer mais informações para o internauta,

disponibilizando vídeo e relatório técnico e desvelando um tom mais professoral.

Evidenciamos uma cibercultura ambiental, que contribui sobremaneira para a

visibilidade das ações ambientalistas, por meio do excesso de imagens, de elementos da

cultura contemporânea, da linguagem adequada a cada meio, da presença cativa nas mídias e

redes sociais digitais e por se apoiar em um histórico reconhecimento público anterior à

atuação nas redes. E que ainda proporciona formas de participação e esferas de

discutibilidade, mas que acontecem de forma isolada, quantitativa (por meio de assinaturas de

petições, replicação de mensagens). Não notamos durante nossa investigação a construção

conjunta de reivindicações ou formas colaborativas de comunicação, contrariando as

propostas de comunicação horizontal que caracterizam o ciberativismo na web 2.0. Uma

cibercultura moldada em recursos lúdicos, de apelo afetivo, emocional e também agressivo,

exagerado, que encontra respaldo na sociedade encantada pela possibilidade de contribuir

com a preservação ambiental a partir de um clique.

A Tese cumpre sua tarefa de pensar a cibercultura ambientalista, mas não se esgota.

Temos uma paisagem em constante modificação, inovação e aperfeiçoamento, que não

comporta rigidez. Apresentamos, portanto, a cibercultura ambiental de agora e esperamos

poder repensá-la sempre que necessário.

19

CAPÍTULO I - O DESENHO METODOLÓGICO PARA O DESVENDAMENTO DA

CIBERCULTURA AMBIENTAL

O ethos e as cenas de enunciação no modo de fazer. Apresentamos nossa base teórica,

empírica, metodológica e a composição do protocolo de análise da Tese, fundamentado

na Análise do Discurso, e finalizamos com a pertinente descrição do nosso objeto de

estudo: a comunicação em rede do Greenpeace.

1.1 Diálogo empírico e teórico

A presente Tese busca estabelecer um diálogo permanente entre o objeto de estudo, a

avaliação empírica e as discussões teóricas, que abordam, problematizam e norteiam o âmbito

da comunicação, meio ambiente, tecnologia, (pós) modernidade, participação política,

ativismo e discurso. Persistimos, ao longo da investigação, na proposta de contextualização,

de diluir conceitos com exemplos específicos e ilustrar as proposituras com a criação de

cenários relacionados.

A dinâmica da sociedade contemporânea exige diferentes perspectivas de investigação

dos fenômenos tecnológicos contemporâneos, que implicam em mudanças sociais e culturais.

Nesta direção, Martín-Barbero (2009) avalia que é preciso renovar epistemologicamente

formas de construir objetos de conhecimento, adotando pontos de vista diferenciados, a

criação de hipóteses ou contra-hipóteses que desafiem os saberes constituídos e tragam a

maturidade necessária para a pesquisa.

Introduzir a análise do espaço cultural, todavia, não significa

introduzir um tema a mais num espaço a parte, e sim focalizar o lugar onde se articula o sentido que os processos econômicos e políticos têm para uma sociedade. O que no caso dos meios massivos implicaria construir sua história a partir dos processos culturais enquanto articuladores das práticas de comunicação – hegemônicas e subalternas – com os movimentos sociais. Alguns trabalhos já se orientam neste sentido, parciais, mas que nos permitem começar a revelar algumas mediações a partir daquelas que são constituídas historicamente pelos aparatos tecnológicos como meios de comunicação. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.232)

20

O movimento ambiental em rede, entendido como aquele que se molda na cibercultura

e representado aqui pelo Greenpeace, apresenta-se como um objeto autêntico para a demanda

empírica e exploratória, no sentido de nos permitir experienciar a investigação e revelar

evidencias que complementam a perspectiva teórica. Como bem colocam Fragoso, Recuero,

Amaral (2011, p.13-14) a Internet, como uma representação de nossas práticas sociais, e um

meio de natureza mutável e efêmera, exige diferentes formas de investigação, instrumentos e

métodos que saltam ao pesquisador por meio de observações rigorosas e transparentes. Nossa

proposta é abordar a Internet enquanto cultura e tecnologia midiática, enxergando os

fenômenos e formações sociais do contexto, suas estruturas, narrativas, a dimensão simbólica

e material (FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, 2011). Os autores que nos ajudam na

empreitada teórica são muitos, como Manuel Castells (1999) (2000) (2011), Enrique Leff

(2002), Muniz Sodré (2010), Yochai Benkler (2006), Douglas Kellner (2007) (2004), David

Harvey (2004), Zigmund Baumann (2001), Francisco Rudiger (2011), André Lemos e Pierre

Levy (2010), Howard Reinghold (1994) (2004), David de Ugarte (2007), Wilson Gomes

(2011), Sérgio Amadeu da Silveira (2010) e outros, sempre com a preocupação em balizar e

situar as discussões para nosso contexto de pesquisa. Para o embasamento dos procedimentos

metodológicos priorizamos Dominique Maingueneau (2004) (2007) (2008ab) e Patrick

Charaudeau (2008).

O trabalho foi fundamentado empírica e teoricamente com as entrevistas realizadas

com os responsáveis pela comunicação do Greenpeace Brasil e Espanha, para entender os

objetivos, dinâmicas e os resultados da comunicação em rede. E também com os voluntários,

ciberativistas/ativistas e os seguidores da organização1, que nos permitiram realizar uma

sondagem para visualizar, ainda que timidamente, o contexto das mediações e entender as

motivações da participação. A partir desse propósito cabe contextualizar Martín-Barbero

(2009), que traça um mapa das mediações, entendendo a recepção como um processo

individual, porém impregnado de dimensões sociais e culturais. Para o autor, a influência de

um meio só é de fato compreendida se alcançada a forma como as pessoas se relacionam com

ele. “Tudo isso nos exige continuar o esforço por desentranhar a cada dia mais complexa

trama de mediações que a relação comunicação/cultura/política articula” (MARTÍN-

BARBERO, 2009, p.12).

1 De acordo com o portal institucional - www.greenpeace.org/brasil/pt/quemsomos, acesso em 25 fev.2014, a ONG conta 35 mil colaboradores e 300 voluntários. O Facebook do Greenpeace Brasil ultrapassa 1 milhão de seguidores. Em entrevista concedida a nossa tese o coordenador de web do Greenpeace, Élcio Figueiredo, informou que existem mais de 900 mil pessoas cadastradas como ciberativistas – APÊNDICE 1.

21

No caso de processos políticos, no qual incluímos a temática ambiental, as mediações

exigem uma performance simbólica, que provoque na cena da vida pública a “capacidade de

representar o vínculo entre os cidadãos, o sentimento de pertencer a uma

comunidade”(MARTÍN-BARBERO, 2009, p.15), ou, quiçá, a um movimento, uma causa. O

autor observa a relação dos meios de comunicação com as competências de recepção e as

transformações na sociabilidade, inclusive na ascensão dos mais diferentes movimentos em

busca de outras institucionalidades, e que atuam na mediação e transmissão de informações,

introduzindo novos sentidos e diferentes usos sociais dos meios. E esses usos, no nosso caso

de apoiar e participar de campanhas pela Internet podem ser os mais diversos, desde a

apropriação por conformidade, interesse político e/ou humanitário, receio, identificação pelo

discurso e até mesmo motivos jocosos e oportunistas.

Martín-Barbero adiante (2009, p.260) evidencia sua leitura. “Assim, o eixo do debate

deve-se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre práticas de

comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade das

matrizes culturais”. E os movimentos sociais, ao mesmo tempo em que produzem sentido

exterior, também atuam como produtor e forjam uma cultura específica, como o próprio autor

reconhece.

Nesse sentido, as entrevistas para avaliar as mediações, em especial nessa concepção

de recepção que não apenas decodifica mensagens, mas interage, produz e reproduz, tem

como mote compreender os diferentes usos e propósitos que os participantes dão à mensagem

(no caso, recebida pela Internet) avaliando, por exemplo, a quantidade de tempo dedicada, o

entendimento do engajamento nas campanhas, como e por quê aderem às manifestações.

Realizamos uma entrevista semi-estruturada, que teve como base um roteiro de perguntas

previamente elaborado, enviado, majoritariamente, para seguidores contatados pela Internet,

com finalidades exploratórias para o detalhamento de questões pertinentes à nossa

investigação. As entrevistas constam na íntegra no APÊNDICE 1, e são oportunamente

contextualizadas e comentadas no decorrer da Tese, em especial no Capítulo IV, que teve

como proposta debater as motivações da participação.

Mas enquanto Martín-Barbero centraliza suas atenções na comunicação sob a ótica da

cultura, esta por sua vez miscigenada, hegemônica e contra-hegemônica, influenciando

diferentes mediações, nosso trabalho abarca essa perspectiva como um dos procedimentos

para compreender o panorama da circulação e o significado social dos conteúdos gerados pelo

Greenpeace.

22

Nosso núcleo estruturante da estratégia metodológica é baseado na Análise do

Discurso dos produtos virtuais disponibilizados pelo Greenpeace, em seu portal institucional

(www.greenpeace.org/brasil), pois entendemos como o meio “mais convencional de

representar a materialidade expressiva de uma organização na ambiência digital” (SAAD,

2009, p.330). Realizamos uma constante investigação empírica que nos permitiu compor o

seguinte corpus para as análises: elencar os destaques de comunicação da organização, ou

seja, voltar-se para o conjunto atualizável/móvel do portal, localizado sempre na página

inicial em sistema de slider randômico/rotativo, que congrega, em especial, as campanhas em

desenvolvimento, locais e globais, e as notícias de mais interesse e relevância para o trabalho

institucional.

Por meio das campanhas a organização divulga a causa ambiental, alerta para as

problemáticas, exerce pressão política, propõe novas legislações, políticas públicas, projetos,

realiza estudos e levantamentos. E precisa dar visibilidade às temáticas em questão,

conquistar adeptos, colaboradores, ativistas. Daí o destaque que adquirem no portal com

fotos, links, vídeos, notícias relacionadas, propostas de ciberativismo e repercussão nas redes

sociais digitais2 Twitter e Facebook, que também englobamos em nossas análises. O período

que abarcou o nosso corpus teve como marco o início da Rio+20, Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável, um evento emblemático e o mais importante para área

ambiental, realizado no Rio de Janeiro em junho de 2012 e que marcou os 20 anos de

fundação do Greenpeace; e seguiu durante um ano.

Portanto, entre junho de 2012 e junho de 2013 acompanhamos em tempo real os

conteúdos de destaque do portal, as repercussões em outras plataformas, as adesões,

compartilhamentos e conversações em redes sociais digitais; observamos o impacto e espaço

das temáticas, as produções multimídias; participamos de eventos e mobilizações virtuais.

Com isso, elaboramos uma quantificação e um posterior diagnóstico da dinâmica

comunicativa do Greenpeace, e pudemos selecionar o conjunto de textos com relevância para

passar pela análise mais sistemática.

A análise compreendeu o ethos e as cenas de enunciação do discurso ambiental na

cibercultura, ou seja, a imagem que se constrói, e as cenas, como recursos argumentativos,

que compõem as mensagens do movimento ambiental e que estabelecem uma maneira de

dizer própria, que faz o público ser digno de fé ou em termos mais atuais, se engajar e seguir a

2 Entendemos redes sociais digitais como sistemas de comunicação pela Internet que conecta rede de pessoas em uma proposta colaborativa de compartilhamento, troca de informações e agregação de afinidades (RECUERO, 2010). No Capítulo III definimos e exemplificamos melhor o conceito.

23

organização. Na sequência fundamentamos nossos procedimentos metodológicos, com amplo

auxílio de Maingueneau (2004) (2005), Charaudeau (2008) em menor escala e Perelman e

Olbrechts-Tyteca (1996) para a formatação do protocolo de análise, na perspectiva da

argumentação.

1.2 A abordagem do ethos e cenas de enunciação

Ethos: Consciência atuante de um grupo social. Lugar de interpretações simbólicas.

Instância de regulação das identidades individuais e coletivas. Maneira ou jeito de agir, de

falar, “a vida definida pelo jogo aleatório de carências e interesses” (SODRÉ, 2010, p.45-46).

A questão do ethos, como se presume, remonta à retórica antiga, à proposta aristotélica

que dividiu os meios discursivos que influenciam o auditório em três categorias principais - o

logos, o pathos e o ethos - sucessivamente a razão, a paixão e o costume, este último

diretamente relacionado ao orador, a quem emite a mensagem, e que necessariamente precisa

causar boa impressão, seja pelo tom de voz, pela modulação da fala, escolha de palavras,

gestos, argumentos ou mesmo pelo modo de se vestir. (CHARAUDEAU, 2008;

MAINGUENEAU, 2008b, 1997). As propostas de Aristóteles incluíam ainda os itens

necessários para a construção de uma imagem positiva de si, resumidamente a prudência,

virtude e benevolência.3.

Essa maneira de dizer que evoca uma forma de ser e atua como um elemento central

da retórica é apropriada e remodelada pela Análise do Discurso na década de 1980, e o

conceito de ethos passa a ser parte integrante e inerente ao ato de enunciação em si,

implicando ainda em uma experiência sensível de discurso, que mobiliza a afetividade do

destinatário (MAINGUENEAU, 1997, p.56). Mas a abordagem é ampla e suscita os mais

diferentes investimentos de estudo – desde modelos estáveis para formação de identidades de

grupos, de traços de caráter do orador, por exemplo, até formas instáveis, como do ethos

conveniente a cada tipo de público, construído para suscitar paixões, alinhado ao ethos do

auditório, e ainda ao persuasivo, pronto para mobilizar. “A persuasão só é obtida se o

auditório constatar no orador o mesmo ethos que vê em si mesmo: persuadir consistirá em

fazer passar em seu discurso o ethos característico do auditório, para dar-lhe a impressão de

que é um dos seus que se dirige a ele”. (MAINGUENEAU, 2008, p.58). E, nesse âmbito,

3 Os termos são colocados por Maingueneau (1997, p.45) retomando Aristóteles, originalmente, como phronesis – ponderação e prudência, areté - atitude franca, de verdade e virtude e eunóia – imagem agradável e benevolente.

24

encontramos convergência com nossa proposta de entender o ethos do movimento ambiental e

suas estratégias para atrair diferentes tipos de público pela Internet, utilizando, por exemplo,

de códigos específicos da contemporaneidade, privilegiando a rede virtual e suas ferramentas

para se aproximar e constituir uma comunidade discursiva, que apresenta um código

linguageiro4, facilmente identificável. A retórica aristotélica também se mostra pertinente na

medida em que vê o ethos como um processo de influência sobre o outro.

Essa proposta da persuasão bastante alinhada à vertente da retórica é prudente, mas no

nosso caso, do ethos discursivo, trata-se de apenas um dos elementos que se compõem nos

modos de difusão do enunciado. O ethos ultrapassa a argumentação e persuasão e apresenta-

se como uma noção híbrida, integrada a uma conjuntura sócio-histórica determinada

(MAINGUENEAU, 2008, p.63).

Nesse amplo panorama, sem negligenciar sua complexidade e possibilidades, é preciso

fazer escolhas para abarcar o ethos enquanto referencial metodológico, e aqui optamos pela

noção inscrita no quadro da Análise do Discurso, no sentido de Maingueneau, que estabelece

uma relação entre corpo e discurso, que não é o necessariamente dito, mas se mostra, e está

diretamente ligado aos 'atos' da enunciação. Em suma, o conceito visa refletir sobre “o

processo mais geral da adesão de sujeitos a uma certa posição discursiva”(MAINGUENEAU,

2005, p. 69). Está relacionado à aparência do ato de linguagem, naquilo que o sujeito falante

dá a ver e entender. “O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre

aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro

vê”(CHARAUDEAU, 2008, p.115). Integra a construção de uma identidade social, por meio

de um discurso e de um ambiente edificado em uma dinâmica do verbal e não verbal.

O público receptor constrói a ideia do ethos antes mesmo da manifestação direta. “De

fato, mesmo que o coenunciador não saiba nada previamente sobre o caráter do enunciador, o

simples fato de que um texto pertence a um gênero de discurso ou a certo posicionamento

ideológico reduz expectativas em matéria de ethos” (MAINGUENEAU, 2005, p.71). Neste

caso, vale ressaltar que o ethos se reconhece na enunciação, mas é fato que o histórico do

movimento ambiental, a própria trajetória da organização escolhida para análise, já traz

indícios pré-discursivos antes mesmo de conhecer a estrutura comunicativa virtual da

organização, por exemplo.

4 Charaudeau e Maingueneau (2004, p.97) definem o código linguageiro como um posicionamento que mobiliza a linguagem, resultante de variedades de língua acessíveis tanto no tempo como no espaço, em uma conjuntura determinada.

25

Diversos ethos são evocados e permitem a incorporação de um leitor tomado no

movimento da enunciação, é o caso justamente do ethos pré-discursivo que pode ser previsto

antes mesmo de qualquer revelação textual, considerando o estilo, os objetivos, o

conhecimento prévio que se tem do enunciador e a própria trajetória histórica. Já o ethos

discursivo (ou mostrado) não é dito diretamente, mas pode ser reconstituído através das pistas

fornecidas pelo discurso. Enquanto o ethos dito está ligado propriamente aos fragmentos do

texto, que fazem referência direta ao enunciador. Portanto, o ethos efetivo, como o

destinatário compõe, trata de uma interação entre os diferentes tipos, como o pré-discursivo, o

discursivo propriamente, o ethos dito e mostrado.

A maneira pela qual o destinatário apropria-se do ethos e adere às ideias, o que nos

interessa sobremaneira, denominada como incorporação, guarda relação direta com a

vocalidade do discurso. “Parece-nos que a fé em um discurso, a possibilidade de que os

sujeitos nele se reconheçam presume que ele esteja associado a uma certa voz”

(MAINGUENEAU,1997, p.46) que o autor prefere denominar como tom, possibilitando

ampliar a noção tanto para discursos falados como para textos escritos. Esse tom está

integrado a um caráter e a uma corporalidade, isto é, à representação do corpo do enunciador

da formação discursiva. “Corpo que não é oferecido ao olhar, que não é uma presença plena,

mas uma espécie de fantasma induzido pelo destinatário como correlato de sua leitura”

(MAINGUENEAU, 1997, p.47).

Assim, qualquer discurso escrito possui uma vocalidade específica, que se manifesta

no momento da enunciação, indicando o tom do discurso e, ao mesmo tempo, permitindo ao

coenunciador delinear um perfil do enunciador, concebido, muitas vezes, com base em

representações sociais, estereótipos e esquemas determinados culturalmente, que fazem

insurgir a figura do fiador. O fiador implica em um mundo ético, ativado na enunciação, no

movimento de leitura, constituído e acessado a cada conjuntura. Mas o autor vai além. “O

fiador, cuja figura o leitor deve construir com base em indícios textuais de diversas ordens,

vê-se, assim, investido de um caráter e de uma corporalidade, cujo grau de precisão varia

conforme os textos” (MAINGUENEAU, 2005, p.72). Em outra obra Maingueneau (2004,

p.99) ressalta que “a qualidade do ethos remete, com efeito, à imagem desse fiador que, por

meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que ele deverá

construir em seu enunciado”. Manifesta-se uma instância subjetiva que não levanta um

estatuto, mas uma voz que provoca o público a identificar-se com “a movimentação de um

corpo investido de valores historicamente especificados” (MAINGUENEAU, 2005, p.73).

26

Obviamente que há outras questões no processo, não menos relacionáveis, como a doutrina,

as filosofias, as ideias que movimentam o indivíduo. Mas, pensando preliminarmente no

fiador, este pode transparecer na enunciação do movimento ambiental como um indivíduo

panfletário, catastrófico, apelativo, mas, em outros momentos, como parceiro ou solidário. E a

fala ambientalista tem um fiador e ativa um mundo ético característico, que pode restringir o

meio ambiente aos estereótipos de fauna e flora, por exemplo, colocando a natureza como

algo externo, isolado, que o homem tem que defender.

Na mesma linha, Amossy (2005, p.120) argumenta que a eficácia da palavra está

ligada à autoridade do orador. Nesse sentido, ela indaga se o ethos deve ser considerado uma

“construção puramente linguageira ou uma posição institucional?” A autora retoma Bourdieu

ao afirmar que não existe relação pura de comunicação, porque a palavra e sua força não se

concretizam propriamente na linguística, mas implicam na autoridade do locutor: “o discurso

não pode ter autoridade se não for pronunciado pela pessoa legitimada a pronunciá-lo, em

uma situação legítima, portanto, diante dos receptores legítimos” (AMOSSY, 2005, p.120). O

ethos, nesse contexto, consiste em grande parte na autoridade exterior do locutor, ou seja, sua

fala concentra capital simbólico acumulado. Tem-se, então, a perspectiva interacional, no

sentido da troca entre os participantes, e institucional, considerando que a troca está

relacionada à função social de tais integrantes. Há, assim, na construção do ethos, a imagem

que se faz do público a quem se vai dirigir e, ao mesmo tempo, o orador constrói sua própria

percepção em função da imagem que ele faz de seu auditório, conforme Amossy (2005,

p.134), “a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso é modelada pelas

representações sociais que ele julga partilhadas por cada uma das frações de seu público”.

O estereótipo, para Amossy (2005, p.125), desempenha papel essencial no

estabelecimento do ethos, no sentido em que pensa o real por meio de uma “representação

cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado”, ao mesmo tempo em que é ativado

pelo corpo do fiador, como prefere Maingueneau (2008), ou remete a imaginários sociais, na

opinião de Charaudeau (2008). O fato é que se procura atingir o público por meio de

premissas éticas e políticas, às quais ele é suscetível de aderir imediatamente, e a

estereotipagem é a muleta nesse caso, um modelo para construir a imagem do público e

consentir um discurso de acordo. Assim, é relevante pensar no ethos do movimento ambiental

na perspectiva institucional e construção discursiva, buscando entender quem é o auditório do

Greenpeace. Haja vista a emergência do movimento ambiental na modernidade, o discurso

27

seria voltado para jovens? Com formação superior? Público plenamente educado? Ou mais

focado nos próprios entusiastas da causa?

Mas as modalidades de apresentação em uma situação discursiva preveem a criação de

cenas de enunciação, da qual o ethos é parte constitutiva, desdobrando um código linguageiro

para abordar um conteúdo. E aqui não se trata de uma simples cena ou mesmo um quadro

estável e ou independente, “mas aquilo que a enunciação instaura progressivamente como seu

próprio dispositivo de fala” (MAINGUENEAU, 2008, p.70).

As cenas de enunciação são compreendidas em três categorias principais, para

Maingueneau. A primeira como englobante, sendo o tipo de discurso um regulamento

pragmático necessário para que o investigador se situe ao interpretá-lo. Em seguida, a

genérica, que está relacionada ao gênero ou subgênero, que forma o quadro cênico do texto,

definida como “espaço estável no interior do qual o enunciado adquire sentido – o espaço do

tipo e do gênero de discurso” (MAINGUENEAU, 2004, p.87), onde se permitem cenografias

diferentes. O próprio estatuto da enunciação, para o autor, depende dos gêneros, e as possíveis

coerções de gênero estão presentes desde, por exemplo, o ethos pré-discursivo. Esse tipo de

classificação organiza a estrutura narrativa e a própria práxis discursiva, mas não será nosso

foco. Enquanto nossa cena englobante pode ser delimitada como o discurso ambiental

veiculado na Internet, a cena genérica, de acordo com nossa proposta de análise, são as

campanhas realizadas e disponibilizadas como uma seção/gênero dentro do tipo de discurso,

que possibilita diferentes cenografias. Mas é só no decurso do texto que é possível identificar

a cenografia que legitima o discurso, agrega o ethos, o conteúdo e o próprio código

linguageiro e, de maneira mais autoral, se enreda com base em uma dêixis discursiva, que

veremos mais à frente.

Essa tal cenografia é construída dentro do próprio texto, que pode ter apelos e

construções variadas, como é o caso dos discursos políticos, publicitários e até mesmo os

ambientais, que mobilizam diferentes cenografias, “uma vez que, para persuadir seu

coenunciador, devem captar seu imaginário, atribuir-lhe uma identidade invocando uma cena

de fala valorizada” (MAINGUENEAU, 2005, p.76). A cenografia não só legitima o

enunciado como atua como um recurso argumentativo utilizado para se aproximar do leitor,

ou, melhor, harmonizar-se com o perfil de seu público ideal. E não se restringe a um tipo

único de cenografia, pois o repertório de cenas varia em função do grupo visado pelo

discurso. Há, normalmente, uma cena genérica rotineira da comunicação pela Internet para

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fazer denúncias ambientais em um quadro de seriedade, preocupação e acusações, mas a

cenografia mostra muitas vezes tom irreverente, jocoso ou mesmo emotivo.

Existem ainda, segundo Maingueneau (2005) as cenas validadas, ou seja, já instaladas

na memória coletiva, seja como antimodelo ou modelo valorizado, que não se caracteriza

propriamente como discurso, mas como estereótipo autonomizado, descontextualizado,

disponível inclusive para outros textos em outras circunstâncias. A 'cena validada' fixa-se, por

exemplo, em representações estereotipadas. Neste sentido, vale o questionamento se existe

uma cena validada no movimento ambiental.

Mas os autores já adiantam que não é tão fácil pressupor o ethos produzido no

destinatário. Há zonas de variação e mesmo modelos que se pressupõem convencionais, em

parte fixos, mas como estão inseridos em articulações discursivas que não são permanentes,

podem simplesmente se alterar, modificar ou mesmo apresentar brechas de incorporação, para

não perdermos o foco dos autores. E não existe um único ethos, mas vários, em diferentes

cenografias, apoiados pelo conteúdo apresentado, e que mobilizam a adesão do sujeito.

Não podemos esquecer ainda que a face social e textual do discurso integra não só

uma formação, mas também uma comunidade discursiva, entendida como “redes

institucionais específicas que partilham, geram e produzem o discurso” (MAINGUENEAU,

2008, p.44). A comunidade é balizada justamente pelos discursos que emergem no interior de

si própria. Avaliamos, como ressaltam os autores, que não é possível compreender o discurso

de um grupo desvinculando seu conteúdo das instituições que os produzem, é preciso

relacionar ideias e lugares. No entanto, como lembra Maingueneau (1997, p.61), é inviável

afirmar que todos que aderem a um determinado discurso tenham envolvimentos diretos ou

equivalentes com as tais comunidades, mas, sem dúvida, elas são significativas na sua

constituição e eficácia. Um discurso amplo, como o ambiental, pode ir além da própria

comunidade, mas se respalda e se constrói nela.

Outro conceito importante, que integra o ethos e sedimenta as cenas de enunciação, é a

noção de dêixis discursiva como o espaço e tempo do discurso, em estruturas muito mais

profundas do que a data e os locais de produção de um texto, mas abrangendo uma cena

fundadora que respalda a legitimidade de um discurso. A palavra dêixis, de origem grega, tem

como significado a ação de mostrar os indicativos gramaticais que são claramente

identificados e revelam as pessoas, o lugar e o momento do enunciado, em uma relação da

expressão linguística com a situação de enunciação. Mas se no sentido estrito a dêixis é

claramente identificada, na perspectiva discursiva esse processo vai além do explicitado e

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remete a um lugar do discurso fundador, muito pertinente à nossa análise. Portanto, o discurso

ambiental aqui analisado não é propriamente o produzido em 2012/2013, mas aquele no

interior de uma cibercultura, que emerge na crise do capitalismo, em uma configuração pós-

moderna, midiática, moldado pelas tecnologias que delimita a cena e autoriza o discurso. “De

uma maneira ou de outra, trata-se de estabelecer uma cena e uma cronologia conforme as

restrições da formação discursiva” (MAINGUENEAU, 2007, p.93). Assim, o trabalho ganha

força e estatuto para entender o discurso como algo amplo, em movimento, mas constituído

em valores sócio históricos. Os discursos, ou melhor, a aceitação deles, está diretamente

relacionada à conjuntura em que eles se inscrevem e às instituições que os representam. O

discurso ambiental da década de 1980, por exemplo, não tinha a mesma efetividade e espaço

na sociedade que ocupa hoje. A dêixis revela-se como legitimadora do sujeito, do lugar e do

tempo de um discurso, como o ambiental, que se evidencia como orientador de posições na

sociedade contemporânea.

Isso posto, nossa tarefa foi identificar o ethos - a construção da imagem do movimento

ambiental, no contexto da cibercultura, indicando também os elementos que compõem a

cenografia: os conteúdos e as cenas construídas para persuadir o público e que caracterizam a

força política e de mobilização da organização. Para tanto, percorremos um caminho que

passa por um amplo processo empírico, composição de um diagnóstico quantitativo, para

posterior análise qualitativa com base em um conjunto de itens que nos pareceram mais

pertinentes para oferecer resultados de consistência para a nossa Tese. Nossos passos são

detalhados a seguir.

1.3 Modos de fazer

Nossa proposta aqui foi estabelecer um padrão para as análises de discurso das

campanhas do Greenpeace, apresentando e justificando as escolhas que nos levaram a

formatação de um protocolo de análise – um modelo de conhecimento e reconhecimento

discurso ambiental - com auxílio das leituras da Análise do Discurso, em especial

Maingueneau (1997, 2007, 2008a,b), Charaudeau (2008) e também, neste momento, Perelman

e Olbrechts-Tyteca (1996). A constituição do ethos, como já evidenciada, foi peculiar para

entender a adesão dos sujeitos à posição do discurso ambiental que, por meio da Internet, não

só apoiam, mas fazem doações, participam de manifestos, assinam petições, repercutem

mensagens. Por mais que meio ambiente seja um assunto universal, atrativo, com inerentes

30

valores humanos, há elementos no discurso ambientalista muito particulares, que além de

caracterizarem uma (ciber) cultura própria, atuam para a persuasão coletiva. Maingueneau

(2008b) ressalta, e com razão, que a noção de ethos é muito intuitiva e, assim, pode dar

margem aos questionamentos, então, para uma exploração adequada é necessário estabelecer

uma problemática precisa, “privilegiando esta ou aquela faceta, em função, ao mesmo tempo,

do corpus que nos propomos a analisar e dos objetivos da pesquisa que conduzimos, mas

também da disciplina, isto é, do que é corrente no interior da disciplina em que se insere a

pesquisa” (MAINGUENEAU, 2008b, p.12).

Partimos do pressuposto de que as relações sociais são constituídas pela linguagem, e

é por ela que o locutor constrói a imagem de si mesmo, portanto, estabelece um ethos e uma

cena de enunciação legitimadora. Mas existe uma multiplicidade de análises do discurso e

objetos, assim como podem ser muitas as explorações e os procedimentos discursivos que

compõem o ethos (MAINGUENEAU, 2008, CHARAUDEAU, 2008). Nesse panorama, é

preciso ter clara as preocupações de cada conjuntura, e o olhar da pesquisadora guiou as

escolhas e os recortes consistentes, centrados nos objetivos principais, que garantiram uma

avaliação sólida que nos permitiu delinear a identidade criada, o movimento discursivo

próprio, que faz com que as pessoas se engajem, ainda que possamos e devemos discutir os

níveis de envolvimento. Portanto, não procuramos aplicar cegamente um método a um corpus,

mas aliar técnicas em uma estratégia flexível e questionadora. “É o fato de levar em conta a

singularidade do objeto, a complexidade dos fatos discursivos e a incidência de métodos de

análise que permite produzir estudos mais interessantes” (MAINGUENEAU, 1997, p.19).

Nosso recorte não foi reservado a entender as técnicas de persuasão em padrões

rígidos, ainda que eles sejam necessários para organizar e mensurar a práxis, mas persistimos

em um trabalho reflexivo, que contemplasse a estrutura histórica, os valores sociais e culturais

do movimento ambiental enquanto locutor/enunciador, a situação de comunicação, a dêixis

enunciativa, entre outras questões que compõem os “modos de expressão capazes de produzir

efeitos de ethos” (CHARAUDEAU, 2008, p.168).

Para análise dos conteúdos das campanhas e das informações produzidas e divulgadas

pelo Greenpeace no âmbito da Internet elaboramos um protocolo de análise composto por

fase de diagnóstico e componentes qualitativos, aplicados ao corpus, que evidenciaram as

estratégias discursivas, abrangendo a análise do texto linguístico propriamente e os

componentes externos ao texto. Mas não buscamos exposição de grade sistemática ou a

exaustividade, mas marcas no discurso, pistas que vão além do texto, uma vez que ele é

31

apenas um dos rastros de um discurso inserido em um abrangente quadro de enunciação.

Além disso, recorrendo mais uma vez a Maingueneau (2008b, p.73). “de fato, o que nos

interessa, antes de mais nada, é o estudo do funcionamento discursivo, não a origem das

categorias que somos levados a utilizar”. Em todo o caso, tomamos o cuidado de explicá-las.

1.3.1 Fase de diagnóstico

Em um primeiro momento, realizamos um amplo diagnóstico das campanhas

veiculadas no portal do Greenpeace Brasil, que integram a seção de destaque, durante os anos

de 2012 e 2013, com início a partir da realização da Rio+20, Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável, realizada de 13 a 22 de junho, no Rio de Janeiro, totalizando

um ano de observações e levantamentos. Essa etapa tem aproximação com que Fragoso,

Recuero e Amaral (2011) denominam como codificação, no que se refere a construção de

categorias para o reconhecimento de padrões. A cúpula funciona como um marco para nosso

mapeamento por pontuar os 20 anos de Greenpeace no Brasil - a ONG foi fundada

oficialmente no contexto da Rio 92 - além de se tratar do maior evento temático do planeta

que mobiliza diferentes organizações ambientalistas, entre elas, o Greenpeace, que tem essa

vinculação histórica.

Neste item, elaboramos uma tabela (ver APÊNDICE 2 - Levantamento demonstrativo)

descriminando os destaques do portal durante o período, as principais temáticas e campanhas

relacionadas. Buscamos sofisticar o diagnóstico incluindo na tabela um campo para visualizar

a repercussão no universo online, descrevendo se o conteúdo estava presente também nas

redes digitais Twitter e Facebook, considerando a força e relevância que esses softwares

sociais adquiriram (LEMOS, LEVY, 2010). Indicando, por exemplo, a quantidade de

comentários e compartilhamentos, se transcende o virtual e alcança a mídia convencional. É

fato que a mídia massiva ainda é o espaço de reconhecimento legitimado, de esfera pública

enraizada, portanto atingi-la tem peso e importância para as mensagens (LEMOS; LEVY,

2010, p.26). E ainda para esboçar o quadro do potencial político das publicações, também

indicamos se o conteúdo estava vinculado à propostas políticas mais incisivas como petições

e projetos de lei.

Este diagnóstico nos permitiu reconhecer e quantificar o corpus, uma vez que estamos

trabalhando com campanhas na Internet, portanto, variáveis, numericamente indefinidas, que

tanto podem permanecer por um ano como por um dia no portal. Além de traçar o perfil da

32

organização, com bases mensuráveis, sem pretensão estatística, mas identificando,

preliminarmente, a quantidade de destaques, sua apresentação no portal e redes sociais

digitais, as principais características das campanhas, e já sinalizando para os prováveis ethos e

dando subsídios informativos e quantitativos para a Análise do Conteúdo.

Para nossa análise especificamente, buscamos componentes qualitativos, procurando

nos concentrar nos indícios textuais propriamente, a partir de três classes principais: Itens

Lexicais, Encadeamento/Técnicas Argumentativas e Destacabilidade . Essa proposta permitiu

inferir sobre o ethos e as cenas de enunciação do movimento ambiental na cibercultura, e

sinalizar para os elementos que os envolvem, como o próprio ethos pré-discursivo, o fiador e

os esquemas de estereotipização.

1.3.2 Itens lexicais

Trata-se de um campo muito abrangente, mas indispensável, uma vez que o

vocabulário, locuções e expressões compõem um conjunto de palavras-chave que,

consequentemente, compõem o código linguageiro e clareiam a posição do discurso. Neste

contexto, procuramos abarcar os substantivos e seu conteúdo ideológico, explicitamente mais

revelados, mas também advérbios, adjetivos e verbos que possam caracterizar o discurso

ambientalista. E não só em aspectos qualitativos, considerados mais apropriados, mas, na

medida do possível, avaliamos a frequência de determinados termos que acabam por

caracterizar o discurso. Vale lembrar, porém, que não se trata apenas do vocabulário puro,

mas das relações que ele estabelece no contexto. Por exemplo, palavras que não são próprias

do terreno ambientalista, mas ali aparecem com um estatuto privilegiado, empregadas de

forma deliberada para integrar um sistema de restrições específico, podem dar pistas

importantes. “O vocabulário encontra-se necessariamente situado no cruzamento de múltiplas

instâncias, da cena enunciativa aos modos de coesão textual, passando pelo interdiscurso.”

(MAINGUENEAU, 1997, p.155).

No conjunto lexical buscamos também identificar as três zonas de vocabulário

proposta por Maingueneau (1997, p.144), sendo: neutralização discursiva, que intenta um

consenso no sentido da palavra (no meio ambientalista temos o exemplo da expressão

desenvolvimento sustentável); fechamento de um saber, em que o termo é definido e não dá

margem para outras interpretações; e, por fim, a contradição aflorada, quando as palavras

estabelecem uma relação polêmica e revelam conflito. Essa possibilidade do vocabulário

33

gerar relação conflituosa é uma realidade no discurso ambientalista combativo, que traz em si

uma memória polêmica, mas suas nuances precisam ser desvendadas com propriedade.

Normalmente, as organizações ambientalistas ressaltam assuntos em controvérsia, insistem

em pontos de crítica, realizam acusações diretas e condenam o discurso, o posicionamento do

outro, desqualificando-o. “A polêmica não se instaura de imediato; ela só se legitima ao

aparecer como a repetição de uma série de outras que definem a própria memória polêmica de

uma formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.124).

Contemplamos aqui também os verbos utilizados, incluindo os verbos introdutórios de

opinião ou aqueles destinados a introduzir declarações ou discursos relatados, como prefere

Maingueneau (1997, p.88). Os verbos revelam conjecturas: segurança (afirma, assegura)

verdade (revela, desvela) opinião (acredita, pensa, julga). No mais, intuímos sobre o peso, o

valor das palavras utilizadas e sua conotação. Convém exemplificar aqui, com apoio de

Charaudeau (2008) que o exagero de expressões técnicas, por exemplo, pode remeter ao ethos

de competente, enquanto termos como ‘talvez’ e ‘pode ser’ ilustram um ethos não autoritário

e o uso de palavras coloquiais e gírias podem revelar intimidade (ou a tentativa de) com o

interlocutor.

1.3.2 Encadeamento/Técnicas Argumentativas

O emprego de figuras de linguagem, o fenômeno da ironia, as marcas da pontuação, a

maneira própria de construir parágrafos e argumentar, passar de um tema para outro em cada

plataforma virtual, por exemplo, além da ordenação desses argumentos, indicam um

movimento importante para conhecer o ethos e as cenas de enunciação.

Buscamos aqui uma semântica global - avaliar um sistema de ideias - auxiliado pelo

Tratado de Argumentação postulado por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), que fazem uma

releitura da retórica aristotélica, apresentando as mais variadas e arenosas técnicas de

argumentação utilizadas para conseguir a adesão do público. Para os autores (1996) a mera

descrição dos fatos não é suficiente, é preciso englobar a função e a posição social na

autorização da fala, com meios argumentativos, visando um público específico, para galgar os

34

estágios de persuasão e convencimento5. As diferentes estratégias utilizadas garantem a

intensidade da adesão, o que, no nosso caso, pode desencadear manifestações, mobilizações

em rede, apoio e respaldo às campanhas ambientalistas. Uma das formas de construir

argumentos com força persuasiva é invocar autoridade, mostrar competência técnica, trazer

elementos de comparação, aproximação (de acordo com cada grupo e códigos culturais

específicos), exemplos, empirismo dos fatos, verossimilhança, probabilidade e ou hipóteses.

A hierarquia dos argumentos apresentados também é importante, pois o lugar dado aos

elementos modifica seu significado. O que é mais importante, normalmente, localiza-se logo

no início, ainda mais considerando a forma de divulgação rápida e instantânea feita pela

Internet. A orientação dos autores é que a construção dos parágrafos seja arquitetada de forma

incisiva, convincente, com todos os aspectos verossímeis e sem doses exageradas de emoção,

catastrofismo, que podem reduzir a força dos argumentos. No entanto, não raro podemos

observar frases mal adaptadas ou irrelevantes, mas que são colocadas no debate para adestrar

as emoções do orador.

Nessa proposta de construção dos argumentos um recurso muito utilizado são as

figuras que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) designam de maneira muito ampla,

alcançando desde figuras de estilo, de linguagem, de retórica e de argumentação, até figuras

de escolha e presença, incluindo a pontuação como um tipo também figurativo. Para os

autores é improvável de antemão definir o que são figuras, porque ela deve ser conhecida e

interpretada no interior do conteúdo apresentado, mas para efeitos de definição a figura aqui é

colocada como um elemento que ilustra, diversifica e relaciona a construção textual,

diferencia a função denotativa da conotativa. Entre elas elencamos as mais importantes no

contexto estudado e que contribuem para a elaboração das cenas enunciativas. É o caso da

metonímia ou sinédoque, que propõe a substituição de um nome por uma qualidade ou

característica, o que pode indicar a qualificação de alguém ou coisa de modo útil para a

argumentação. A sinonímia que, enquanto repetição de uma mesma ideia, causa um efeito de

presença e constância. Além da hipérbole que, como figura que remete ao exagero, pode

provocar a ampliação do ethos, e da metáfora – essa, na opinião de Perelman e Olbrechts-

Tyteca (1996), merece uma atenção especial, e estabelece uma relação direta com outras

figuras como a alusão e a própria hipérbole. Resulta em uma “analogia condensada” 5 Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p.30 - 31) fazem uma discussão exaustiva sobre as diferenças entre persuasão e convencimento, e definem, em suma, que para o resultado final da argumentação persuadir vai além de convencer, pois “a convicção não passa da primeira fase que leva a ação”. Já para o caráter racional da adesão, convencer está acima de persuadir, uma vez que se faz por elementos objetivos e concretos, ao contrário da persuasão que prioriza aspectos emotivos.

35

(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 453), um processo de aproximação que se

dá por meio de substantivos, adjetivos ou mesmo verbos, e que institui uma assimilação entre

o foro e um tema no discurso. Essa forma de expressão que não deixa de ser simbólica pode

ter um caráter inusitado, poético, dependendo do meio cultural e da analogia que evoca

(PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.464).

Aqui entra também o metadiscurso usado na construção das argumentações como uma

estratégia para se explicar melhor, marcar uma inadequação de termos, uma correção, ou

mesmo se fazer entender antecipadamente, o que retifica a trajetória da enunciação e

direciona as intenções interpretativas do locutor. São polimentos que organizam o discurso e

mostram domínio de suas dimensões. O discurso ambiental stricto sensu, por não ser de

conhecimento comum, pode necessitar de operações metadiscursivas para auxiliar na

compreensão da complexidade das problemáticas.

As marcas e pontuações também são relevantes na construção semântica e ditam o

ritmo do texto. O termo aspeado, por exemplo, refere-se a outro espaço enunciativo que o

locutor em questão não quer assumir. As aspas, nesse sentido, assinalam a relação com o

exterior, enquanto a ausência desse sinal pode indicar uma construção unicamente endógena.

As aspas têm relação com o implícito, podendo indicar ênfase, aproximação, proteção, ou

mesmo ironia (MAINGUENEAU, 1997, p.90) e o deciframento depende do destinatário. O

fenômeno da ironia, também importante e por vezes referenciado com as aspas, evidencia

uma voz diferente do locutor, um recurso sutil, mas defensivo, que subverte as normas da

instituição da linguagem e da própria coerência ao dizer o que não se quer dizer. Perelman e

Olbrechts-Tyteca (1996, p.236) também dão atenção à ironia e a colocam como um

procedimento de defesa, que exige conhecimentos complementares para a interpretação e uma

posição muito bem demarcada do locutor.

Há ainda o uso de reticências, por exemplo, outra marca do discurso, que pode indicar

interrupção violenta da frase, truncamento, dúvida, espaçamento, silêncio. Além da utilização

de outras pontuações com significados mais óbvios como a interrogação e a exclamação, que

compõem esta fase de encadeamento.

Neste item, portanto, nos orientamos pela construção e hierarquização dos

argumentos, a utilização e identificação de figuras e marcas que podem balizar o ethos e as

cenas de enunciação.

36

1.3.3 Destacabilidade

Este item se mostrou bastante pertinente para a nossa análise, pois abrange uma

tendência do discurso ambientalista, que é o uso de máximas, expressões, o que Maingueneau

(2008) denomina enquanto destacabilidade. Em suma, pequenos enunciados com vocação de

dizer e tomar uma posição, que se transvestem em fórmulas. E ainda que o conteúdo não seja

original, esses breves enunciados, inseridos como títulos, intertítulos ou mesmo no final de

frases ou em legendas, devem ser percebidos como inéditos e imemoriais, dependendo do

formato.

Um dos exemplos é o que o autor denomina enquanto máxima heroica, que são curtas,

bem estruturadas, de modo a impressionar, a serem facilmente memorizáveis e reutilizáveis.

Elas devem, além disso, ser pronunciadas com o “ethos enfático conveniente”

(MAINGUENEAU, 2008, p.77). São asserções generalizantes completas, que podem ser

destacadas do próprio ambiente textual, mas são dignas de ser consagradas e autonomizadas,

atribuídas a um sujeito em específico, ou, no nosso caso, a uma instituição. A relação com o

heroísmo se dá pela autonomia da enunciação que preceitua a si próprio e aos outros. Os

gestos do herói se universalizam e o pequeno enunciado auxilia a corroborar isso.

Maingueneau (2008) também denomina, no âmbito da destacabilidade, a

sobreasseveração, uma expressão recortada (e ou que se sobressai do texto), para formar um

contexto semântico apropriado para a realização do discurso, revelando também uma tomada

de posição em meio a um conflito de valores. Aqui as ideias do texto são transformadas em

uma proposta, uma espécie de sentença, com a figura de um enunciador forte e presente que

revela um ethos, inicialmente autorizado, que estabelece valores e dá força à argumentação. A

sobreasseveração pode ser fraca quando diretamente relacionada ao texto de origem e forte

quando dissociadas da origem, portanto, são fragmentos associados ou mesmo dissociados do

texto.

37

No discurso ambiental essa destacabilidade pode indicar sobreasseveração, mas como

sequências formatadas e apropriadas, sinalizam para a formação de slogans com potencial de

transformarem, na linguagem virtual, em hashtags 6 e ou peças virtuais para o ciberativismo,

por exemplo. O slogan, mesmo diretamente ligado a fórmulas autônomas e de publicidade,

também tem espaço em movimentos militantes, como o ambiental. Slogans militantes são

coletivos, assegurados por grupos e comunidades suportes, que enunciam e trazem resultados

efetivos. Além de caracterizar um enunciado, o slogan adquire um estatuto de autoridade e

ação, e, no caso militante, pode prever um potencial inimigo sob o qual se quer sobressair

(MAINGUENEAU, 2008; PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 1996).

Diferente da sobreasseveração, que põe em relevo determinada sequência sobre um

fundo textual, Maingueneau (2008) levanta também o destaque aforizante, que atribui um

novo estatuto à enunciação, que não necessariamente foi expressado no texto de origem.

Deste modo, é preciso analisar a tensão entre o fato do enunciado aforizante se pretender fora

de todo texto e estar efetivamente em um texto que o cita. Trata-se de uma fórmula autônoma,

diretamente interpretada e generalizante, dirigida ao todo, para compreensão, de instância

anônima, sem contexto.

Com esse percurso traçado, selecionamos os itens de destacabilidade mais comuns e

como eles compõem a cenografia. Avaliamos que esses breves enunciados estabelecem um

fio condutor que compõem a cenografia da comunicação ambiental no espaço virtual,

juntamente com os outros elementos do léxico e das técnicas argumentativas.

1.3.4 Componentes externos ao texto linguístico

Como se trata de uma avaliação multimidiática, os elementos que complementam o

texto como imagens, vídeos e animações, cores e cenas predominantes, que podem revelar

tendências e perfis estereotipados, foram devidamente elencados na amostra quantitativa e

discutidos na etapa de aprofundamento. No caso dos vídeos e outras produções recorremos a

Charaudeau (2008) e avaliamos os procedimentos expressivos que caracterizam a enunciação

em sua forma oral, ou seja, a maneira de falar. Elementos como a velocidade e o ritmo da fala

(o tom fraco, forte, tranquilo), a construção de frases, os níveis de agressividade, tipo de

entonação, o ritmo, e outras questões que apresentam vocalidades específicas para

6 Em tradução livre hashtag significa rótulo/etiqueta, e são termos utilizados para indicar o assunto em pauta, especialmente no Twitter, normalmente precedida do símbolo #. Essas hashtags são elementos importantes de destacabilidade e merecem investigação até pela centralidade que adquirem nas redes digitais.

38

composição, por exemplo, de um ethos profissional, combativo, irônico. Assim, dividimos

essa categoria em 1)Fotos, desenhos, imagens, 2) vídeos e 3) cores/cena predominante.

Para adentrar na dinâmica comunicativa, nas estratégias, ferramentas e mídias

disponibilizadas pelo Greenpeace, nas próximas páginas apresentamos uma pertinente

descrição deste contexto, tendo como ponto de partida o portal institucional, e como horizonte

a emergência de uma cibercultura ambiental.

39

1.4 A expressão comunicativa em rede do Greenpeace

Figura 1. Reprodução da página inicial do portal do Greenpeace Brasil

40

Postulamos o Greenpeace como um exemplo de movimento social que soube se

apropriar das tecnologias para expandir fronteiras, angariar adeptos, divulgar a causa, pautar a

sociedade e provocar debates na esfera pública referentes à questão ambiental. A organização,

presente em 40 diferentes países de todos os continentes, conta com 33 portais eletrônicos

institucionais, além de manter blogs agregados e perfis nas principais redes sociais digitais

como Facebook (www.facebook.com/GreenpeaceBrasil) e Twitter

(twitter.com/GreenpeaceBR), os quais nos atentamos por serem mais atualizados e com mais

adesões. Conta ainda com canal de vídeos no Youtube (www.youtube.com/user/greenbr) que

reúne um acervo de mais de 400 audiovisuais e ainda está presente em espaços digitais menos

expressivos como Pinterest, Google+, Flickr, Foursquare, Instagram e Orkut.

Nosso parâmetro para esse primeiro cenário descritivo, que tem por intenção oferecer

elementos prévios para nossa trajetória investigativa que se propõe dialógica, é o portal

institucional do Greenpeace Brasil (www.greenpeace.org.br). Convém frisarmos que a

organização mantém nos portais e redes sociais digitais de cada país onde atua a mesma

estrutura, layout, ferramentas, seções, com variação de terminologias, até por conta das

traduções. Pela nossa avaliação exploratória em portais de diferentes países, em especial

Brasil, Espanha7 e o Greenpeace Internacional8, verificamos que, apesar do desenho idêntico

das páginas e dos mesmos ícones, as campanhas e os destaques podem variar, com temáticas

mais vinculadas às problemáticas nacionais, assim como as formas de abordagem, a

estruturação do texto e, acima de tudo, os discursos se distinguem, pois são construídos e ou

adaptados por cada país deixando transparecer a forte vinculação cultural.

Mas sem entrar no mérito de diferentes discursos, por enquanto, nos atentamos aqui a

observar o portal e as redes sociais digitais do Greenpeace em sua composição geral,

considerando para isso seus três conjuntos principais, conforme Saad (2009, p.330). Sendo a

“área viva” como as informações estruturadas que compõem o perfil da organização, a “área

de significação” composta pela apresentação das mensagens, hierarquização e pela própria

identidade visual e a “área de ação” que envolve os links, downloads, arquivos e outros

serviços. Nos deparamos, de imediato, no portal do Greenpeace, com um terreno multimídia e

7 Realizamos durante fevereiro a julho de 2013 um estágio doutoral na Universidad Complutense de Madrid, por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/Capes). Na ocasião, nos empenhamos, entre outras coisas, em entender a comunicação em rede do Greenpeace Espanha e publicamos artigos e trabalhos sobre os diferentes discursos da organização naquele país. O portal na Espanha pode ser acessado pelo endereço: www.greenpeace.es. 8 Trata-se de um portal do Greenpeace para contemplar todos os países em que atua, publicado em inglês, com informações institucionais e as campanhas desenvolvidas em âmbito global: www.greenpeace.org/internacional.

41

transmídia, na medida em que disponibilizam diferentes formas de comunicação, como textos,

notícias, fotos, vídeos, documentários, redes sociais digitais, de forma isolada, convergente e

com linguagens apropriadas.

As seções são apresentadas por meio de textos, mas as imagens têm grande destaque

nos banners de campanhas, petições, ícones de redes sociais digitais em uma interface gráfica

de fácil manuseio, mas bastante caótica. As fotos ilustram animais silvestres, paisagens e

manifestações/ações realizadas. A cor predominante, na página inicial, o verde, já evidencia

uma cor típica e estereotipada de movimento ambiental.

O layout da página principal, um modelo já bastante conhecido na Internet com seções

fixas na barra superior, banners laterais, parte central para conteúdos atualizáveis e notícias.

As seções fixas são ‘Home’ (com hiperlink9 para a página principal), ‘Junte-se a nós’ (leva

para uma página específica ‘Ajude o Greenpeace’, indicando os valores e a importância da

doação – junte-se-ao-greenpeace.org.br/2014) ‘Quem Somos’, ‘O que fazemos’, ‘Participe’,

‘Multimídia’ e ‘Blog’. Na parte superior também constam o ícone curtir do Facebook e a área

para cadastrados (‘Entrar’, ‘Novo por aqui?’ ‘Cadastre-se’). O cadastro é obrigatório para

aqueles que querem fazer comentários no portal.

No centro da página estão os destaques, que denominamos como slider randômico,

justamente por seu caráter de tela em deslizamento, que de maneira rotativa apresenta os

principais assuntos, sempre com fotos, chamadas e hiperlinks que direcionam para página

com informações, ao blog, e aos hotsites10. Este espaço foi o alvo de nossas análises por ser

um lugar de divulgação das principais ações, campanhas e atualizações, mas, além disso, por

indicar as tensões e o agendamento realizado pela própria organização. São divulgadas de três

a quatro temáticas por vez, em sistema rotativo, referentes às campanhas e atuações

específicas locais e internacionais, que são atualizadas a cada quatro dias, em média,

conforme elencamos no APÊNDICE 1, considerando as 87 atualizações verificadas durante

um ano. Mas não há como indicar com rigor a frequência de atualizações no ambiente instável

da Internet.

9 Hiperlinks são elementos lógicos que interligam os computadores da Rede. Mais comumente são endereços de páginas web, palavras destacadas que quando ‘clicadas’ direcionam para o ambiente da informação. Diretamente relacionados estão os conceitos de hipertexto, blocos de texto que oferecem acesso instantâneo a outros conteúdos por meio de links, e hipermídia no caso direcionando para produtos audiovisuais, imagens e sons em uma combinação multimídia (PINHO, 2003). 10 Hotsites ou microsites são denominações dadas a páginas da web de menor tamanho com foco em determinado serviço, ou campanha no nosso caso, elaborados com conteúdo bastante específico e de forma temporária (PINHO, 2003, p.250).

42

Logo abaixo dos destaques figura um banner solicitando doação, seguido do item

‘Últimas atualizações’, que conta com menu de ‘Notícias’, ‘Fotos’, ‘Vídeos’ e ‘Publicações’.

As laterais são reservadas para banners das campanhas em destaque, com solicitações para

assinar petição vigente (na imagem que ilustra o item, por exemplo, está a campanha do

Desmatamento Zero), e para doação de recursos financeiros ‘Precisamos da sua ajuda’. A

solicitação de recursos financeiros é uma constante, está presente nas seções fixas, nos

banners nas laterais, logo abaixo dos destaques e, ainda, sempre constam no slider randômico,

com variedade de fotos e mensagens, direcionando para a página de doação financeira. Há

uma real insistência em pedir doações que vamos problematizar nas análises.

Ainda na página constam os ícones das redes sociais digitais ‘Conheça o Greenpeace

nas redes’, e a ação ‘Doe um tweet’ que consiste em incentivar o internauta a aderir a um

aplicativo que permite que o Greenpeace publique, automaticamente, em seu perfil do

microblog, tweets sobre campanhas e ações. No rodapé da página existe uma espécie de

resumo do site, com todos os ícones em texto corrido. Além dos itens ‘Em destaque’; ‘Fique

atualizado’ (assine a newsletter/Feed RSS), um mapa com ‘Contatos do Greenpeace no

mundo’, e o quadro ‘Fatos sobre o Greenpeace’: ‘Em ação desde 1972; 3 navios no oceano; 2

mil funcionários; 3.875.000 colaboradores’.

Retomando as seções fixas, na barra superior estão os itens ‘Quem somos’, divididos

nos subitens ‘Greenpeace no Brasil’ (com texto sobre a fundação da organização e vídeo

comemorativo sobre as ações desenvolvidas durante os 20 anos no país); ‘História do

Greenpeace’ (contando o ‘O surgimento do Greenpeace’) e ‘Missão e valores’ (com

descrição sobre os referidos itens). A seção ‘O que fazemos’, descreve as principais áreas de

atuação no momento no Brasil, desmembrada, na ocasião da nossa observação, em

‘Amazônia’, com o texto ‘Amazônia – Patrimônio brasileiro, futuro da humanidade’, trazendo

informações sobre a situação no bioma e as ações já realizadas pelo Greenpeace, e ‘Clima e

Energia’, com texto corrido sobre condições energéticas, aquecimento global e possibilidades

de fontes alternativas de energia.

No item ‘Participe’ constam as opções ‘Ajude com o seu blog’, que disponibiliza

ferramentas para o usuário compartilhar no seu espaço pessoal os banners de campanhas e

petições, conteúdos, oferecendo, inclusive, um canal para os blogueiros interessados em

receber e compartilhar informações do Greenpeace. Na sequência estão os subitens

‘Ciberativista’, que vamos discutir com mais afinco na sequência, ‘Seja um colaborador’, para

contribuir financeiramente, e ‘Voluntário’, explicando o trabalho voluntário e com opção de

43

cadastro para os interessados. A organização informa que possui grupos de voluntários em

oito capitais brasileiras, e quem não reside nestes centros pode atuar como colaborador,

ciberativista e divulgador das ações, “além, claro, de manter um estilo de vida sustentável”.

Percebemos aqui um incentivo à participação virtual e às ações individuais.

Por fim está o item ‘Divulgue’ – ‘espaço dedicado aos veículos de comunicação que

desejam apoiar o Greenpeace e veicular as campanhas’, que oferece vídeos publicitários,

mídia impressa, spots de rádio e mídia digital. Apesar de não diferenciar o tipo de veículo,

este canal pode mostrar a preocupação da ONG com as limitações de acesso e a necessidade

de difundir a causa também na mídia convencional.

Portanto, temos nestas seções fixas informações institucionais que pouco são

atualizadas, pois trata-se de descrever a história, atuação da ONG e as principais linhas de

trabalho. Há ainda o ícone específico de ‘Multimídia’, que ao acessar já oferece opção para

visualizar álbum de fotos, galeria de vídeos, redes sociais digitais; e o hiperlink para o ‘Blog’.

O Green Blog – “Notas sobre meio ambiente em tempo real”

(www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/), não se trata de outro espaço, mas de uma página no

próprio portal, com fotos e textos corridos, e que se diferencia por ser mais autoral, uma vez

que as notas são assinadas pelos ativistas e funcionários. Muitas destas notícias e artigos do

blog ganham espaço na área de destaque do portal.

O item ciberativista, que nos aprofundamos teoricamente no Capítulo III, merece uma

atenção especial e o centralizamos como uma estratégia importante de comunicação e

mobilização, que contribui para a consolidação de um ethos que consegue mobilizar a

afetividade do destinatário e fazê-lo se engajar mais diretamente nas ações. O tema (dentro da

seção ‘Participe’ - www.greenpeace.org/brasil/pt/Participe/Ciberativista) leva para uma

página específica com a chamada ‘Proteste nas ruas da Internet’. A seção faz a metáfora entre

o virtual e o real e como (e quanto!) o internauta pode atuar sem sair do computador. O texto

principal diz ‘A Internet ganha cada vez mais espaço político ao permitir que as pessoas

exponham publicamente sua vontade e sua opinião de modo interativo, dinâmico e veloz’. E

explica as maneiras para se tornar um ciberativista: assinar e compartilhar petições online,

comentar notícias, publicar reportagens, vídeos e banners do Greenpeace em sua rede social

ou blog. Há ainda o item para se cadastrar como ciberativista e receber notícias da ONG e

acessar o Greenpeace nas redes.

As petições fazem parte de campanhas específicas e solicitam a implantação de

políticas públicas relacionadas ao meio ambiente, como moratórias, aprovação de projetos de

44

lei, criação de áreas de preservação. São delineadas em banners de divulgação, que compõem

uma cenografia com fotos, chamadas com caráter de slogan, como ‘Assine pelo

Desmatamento Zero’ e hiperlink para página com mais explicações ou para os hotsites. Além

de fotos, vídeos e jogos desenvolvidos especialmente para a campanha e para incentivar a

participação.

No espaço da petição consta o cadastro para assinar a petição, com breve enunciado,

que privilegia a quantidade de assinaturas e o nome do último ‘ciberativista’ a aderir. No

período da nossa observação identificamos duas campanhas principais, que traziam petições,

contavam com hotsites, e foram o alvo das nossas análises. A campanha Desmatamento Zero

(www.ligadasflorestas.org) que intenta, em parceria com outras organizações ambientalistas,

coletar assinaturas suficientes para solicitar a criação de uma lei de iniciativa popular que

proíba a supressão de florestas em todo território nacional. A comunicação nesse caso visa

incentivar a coleta de assinaturas, propondo, inclusive, uma competição entre os usuários para

‘premiar’ quem mais participa – assinando, divulgando a campanha, compartilhando e

também coletando assinaturas presenciais. E seguindo na mesma linha está a campanha Salve

o Ártico (www.salveoartico.org.br), de caráter internacional, que também destaca os números

de assinaturas e a divulgação nominal dos internautas que assinaram o documento que tem

por objetivo exigir das Nações Unidas a criação de um santuário mundial na área do Polo

Norte. Temos, portanto, petições específicas, com propostas de políticas públicas, incitação à

participação do usuário, mas de maneira bastante passiva. Basta incluir os dados pessoais e

clicar. Além do tema e da própria petição já estarem pré-definidos, a preocupação é mais com

a quantidade de assinaturas do que propriamente em detalhar o motivo do documento.

Como já constatamos, os comentários no portal são permitidos unicamente para

cadastrados e passam por um filtro prévio, por isso mesmo as redes sociais digitais se

apresentam como um espaço mais aberto e participativo. O Twitter e Facebook, por exemplo,

são meios de interação cotidiana do Greenpeace e mereceram nosso acompanhamento, com

levantamentos de dados empíricos importantes que foram destrinchados no Capítulo V, mas

convém antecipar o cenário.

O Facebook do Greenpeace, criado em outubro de 2009, mostra-se como um espaço

de comunicação muito utilizado pelos usuários até pela dinâmica mais livre, possibilidade de

postagem imediata de comentários, compartilhamentos, adesões, já que a intervenção direta

no portal não é permitida. Trata-se de uma fanpage (página para o fã, como o próprio nome

diz, criada para manter relacionamento mais direto com os seguidores e sem limitação de

45

participantes) que atende à dinâmica da rede social com conteúdo reduzido, slogans,

priorização de imagens, sempre com link para a página principal, e atualização frequente

(mais de um novo post por dia). Em março de 2014, contava com mais de um milhão de

curtidores/seguidores. Os números de atualizações, assim como de comentários e curtições é

muito variável e inviável de ser mensurado. Para termos um exemplo, dentro da nossa

amostra verificamos um post sobre a campanha Salve o Ártico, com foto do urso polar, no dia

23 de agosto de 2012, que registrou 34.800 curtidas, 1.884 comentários e mais de 30 mil

compartilhamentos. A mesma campanha, pouco tempo depois, em 17 de outubro do mesmo

ano, com foto de urso, contou com 25 mil curtidas, 1.111 comentários e 12 mil

compartilhamentos. Já em 14 de maio de 2012 um post sobre um protesto ao vivo contra a

cadeia de produção de ferro gusa teve 169 curtições, seis comentários e 94

compartilhamentos.

Já na rede de microblog Twitter conta com 660 mil seguidores (março de 2014) e já

publicou 15 mil tweets/atualizações, desde setembro de 2008, quando foi criado o perfil. Estes

números indicam a média de nove tweets por dia, que ganham um alcance imensurável com a

possibilidade de retweet, que consiste em cada seguidor replicar a mensagem, e seus

seguidores também, assim sucessivamente, gerando um ciclo que não se pode controlar. A

mensagem, nesse caso, deve ser adaptada aos 140 caracteres, com isso o Greenpeace abusa

dos itens de destacabilidade, a partir de máximas e slogans que resumem as ações. Além de se

apropriar das hashtags - as etiquetas, que se convertem em links e criam uma espécie de fio

condutor para congregar as pessoas que estão postando sobre o mesmo assunto. Exemplos

como #desmatamentozerojá #detoxmoda #salveoartico são replicadas e reproduzidas pelos

seguidores e estabelecem uma cadeia de busca, com forte repercussão e visibilidade. Para

Tascon e Abad (2011, p.12) trata-se do sistema público mais impressionante para distribuir

informação. “Twitter é, sobretudo, informação compartilhada e feedback contínuo sobre o que

se diz”.

Vale comentar aqui outra modalidade de engajamento e de interação com o público, o

#PapoGreenpeace, que é divulgado, postado e manejado pelas redes supracitadas. Trata-se de

uma videoconferência em tempo real em que os ativistas e funcionários do Greenpeace

conversam com internautas, esclarecem campanhas e situações ambientais. Durante a

exibição ao vivo, a plataforma permite a integração com Twitter e Facebook, o envio de

perguntas e comentários, que são lidos por um entrevistador/moderador, além de

disponibilizar um chat para que os visitantes possam discutir entre si.

46

A questão da participação (notada de forma bastante massiva nas redes sociais

digitais) fica mais clara no Capítulo IV, mas adiantamos a visão de participação e

comunicação online do próprio Greenpeace, que nos foi apresentada pelo coordenador de web

do Greenpeace no Brasil, Élcio Figueiredo, e pela responsável pela comunicação do

Greenpeace Espanha, Marta San Román11.

Figueiredo informou que mais de um milhão de pessoas participam ou já participaram

de alguma ação ou campanha virtual do Greenpeace no Brasil. Mas o engajamento ativo é

difícil mensurar e as temáticas/campanhas também variam muito em número de participantes,

obviamente por ser um processo subjetivo que depende do interesse do internauta. Ele

apontou a campanha do Desmatamento Zero como um exemplo de grande êxito e participação

(na época da entrevista, agosto de 2012, a petição da campanha contava com 400 mil

assinaturas, em março de 2014 esse número já estava próximo de um milhão, confirmando o

sucesso da campanha, ao menos quantitativamente. A representante do Greenpeace Espanha

informou que contam com 93 mil sócios ativos e que pelo menos 200 mil pessoas já tinham

assinado as petições da organização. Tanto no Brasil como na Espanha os entrevistados foram

poucos claros sobre os elementos e ou estratégias de comunicação específicas que poderiam

conferir êxito às campanhas. San Román afirmou que todas as campanhas têm êxito,

principalmente nas redes sociais. Já Figueiredo atribuiu o sucesso das ações e a quantidade

significativa de participação à própria importância da causa e ao trabalho de longa data e com

legitimidade, realizado desde a década de 1970. A resposta dele vai na esteira da própria

composição do ethos, que considera que a aceitação dos discursos está diretamente

relacionada à instituição que ele representa. Isso ficou claro também nas respostas que

obtivemos dos ciberativistas e seguidores, muitos atribuíram sua participação ao

reconhecimento e à importância do trabalho realizado pelo Greenpeace12. As entrevistas com

os seguidores e ciberativistas deixaram evidente que a participação mais do que incrementada

pelas ferramentas digitais, ocorre prioritariamente, senão exclusivamente, online. Os

entrevistados tomam conhecimento pela Internet, com uma frequência considerável,

participam assinando petições e replicando mensagens pelas redes sociais digitais.

O contato com os ciberativistas, que são aqueles que se cadastram como tal e,

portanto, têm mais interesse na participação, é feito por e-mail, sem uma frequência 11 Realizamos entrevistas por telefone e por e-mail com os responsáveis pela comunicação da organização na Espanha, na ocasião do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior em junho de 2013, e no Brasil entre julho e agosto de 2012, que seguem na íntegra no APÊNDICE 1. 12 Contatamos 100 voluntários, ciberativistas e seguidores do Greenpeace e aplicamos questionário para entendimento das motivações da participação. As 25 respostas obtidas estão também no APÊNDICE 1.

47

específica, mas buscando, segundo Figueiredo, pelo menos um contato semanal. Já na

Espanha este contato é menor, em média são enviados dois e-mails por mês, o que pode ser

ampliado quando há ações específicas e convocatórias. Quanto aos canais de comunicação

mais explorados, é interessante notar que o Greenpeace trabalha com a proposta de meios

complementares e planeja a utilização de cada meio. “Cada meio tem seu próprio modo de

operar, você deve conhecer primeiro como cada um funciona e adequar sua mensagem”

(FIGUEIREDO, 2012). O Twitter, por exemplo, ele cita como suporte (até mesmo de

divulgação) do portal, enquanto este último guarda o conteúdo mais consistente e

aprofundado, e o Facebook atua como um meio de relacionamento. Há ainda a urgência de

renovação constante. “No Brasil, por exemplo, o Orkut já foi nosso principal canal nas redes

sociais, depois tivemos o Twitter, hoje em dia é o Facebook, mas o e-mail continua sendo um

dos meios mais efetivos” (FIGUEIREDO 2012). E para dar conta das novas e diferentes

plataformas, conta com ferramentas para monitorar a audiência do site e das redes em tempo

real. O Greenpeace Espanha também faz uso de ferramentas para medir as participações e

realizar monitoramento, e atua com diferentes meios, com destaque para as participações no

blog. “O blog é nosso meio com mais visitas, nosso Facebook é a principal fonte de tráfego

(de informações) e o Twitter é o melhor para expansão de conteúdos” (SAN ROMÁN, 2013,

tradução nossa).

No geral, os comunicadores da ONG avaliam que fazem um trabalho de vanguarda no

mundo virtual. “Hoje o trabalho online é essencial para a organização. Muitas vezes

precisamos primeiro dar voz a nossas campanhas no mundo virtual para depois repercutirem

no offline” (FIGUEIREDO, 2012). “Tentamos inovar em todas nossas propostas

comunicativas digitais” (SAN ROMÁN, 2013, tradução nossa).

Confrontamos e entendemos melhor estas informações ao longo da nossa tese. O que

queremos adiantar é a existência de um terreno multi e transmidiático, um campo vasto de

informações com diferentes possibilidades de comunicar, por meio de notícias integradas a

hiperlinks, documentos, imagens, elementos de destacabilidade, vídeo, redes sociais digitais.

Compondo uma narrativa não linear que atende as expectativas de velocidade, autonomia e

domínio. Na perspectiva transmídia, por exemplo, podemos perceber que a linguagem é

aperfeiçoada e modificada a cada plataforma de comunicação, além disso, as campanhas estão

nas camisetas, nos produtos, nos vídeos, nos banners, nos jogos, criando um universo

comunicacional diferenciado a cada meio, mas que compõem o todo (JENKINS, 2008). O que

em um primeiro momento pode indicar o caos da informação, evidencia, para nós, que a

48

organização faz jus ao papel de pioneira no ambiente virtual, e está alinhada às práticas da

cibercultura, sabe lidar com diferentes meios e investe estrategicamente nas mídias sociais

digitais. Outra questão determinante para avançarmos na nossa reflexão é que a comunicação

em rede ampliou sobremaneira as possibilidades de participação e criou novas formas de

engajamento na causa ambiental.

Mas é preciso entender todo esse cenário de forma aprofundada e embasada

teoricamente. No Capítulo II contextualizamos o ambientalismo na contemporaneidade e suas

formas de comunicação, defendendo a assertiva que o Greenpeace se configura como um

legítimo movimento social. Também traçamos um histórico da organização e de seus

antecedentes midiáticos.

49

CAPÍTULO II – MOVIMENTO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA

COMUNICAÇÃO

A trajetória de um movimento plural, que nasceu para defender a natureza, emerge em

uma cibercultura, no seio de uma sociedade particularmente líquida, espetacular, pós-

moderna, paradoxalmente incorpora esses elementos e cria um modelo de luta global,

amparado por estratégias de comunicação e mobilização em rede.

2.1 A saga do ambientalismo

Neste primeiro capítulo teórico a proposta é discutir o surgimento, desenvolvimento e

ascensão do movimento ambiental, em suas múltiplas perspectivas, buscando traçar a

trajetória de grupos ambientalistas, não só histórica, mas conceitualmente, justamente para

identificar o cenário de atuação desses atores, suas práticas, políticas, performances,

importância na sociedade contemporânea e lugar que adquirem na comunicação.

Diferentes autores nos ajudam nessa empreitada de caracterizar e compreender o

movimento ambiental, com segurança, situando-o no âmbito das tecnologias da informação e

comunicação, ou, melhor, de uma sociedade em rede, como prefere Castells (2000). Sem

negligenciar, contudo, que o ambientalismo ascende como fenômeno da modernidade, seja ela

inconclusa, líquida ou já em fase de posteridade, que traz em seu eixo as estratégias da

midiatização e do espetáculo (BAUMAN, 2004; DEBORD, 2001; HARVEY, 2004). Essas

diferentes nomenclaturas que se estabelecem na contemporaneidade apontam complexidades,

divergências e convergências que precisam ser abarcadas pela pesquisa em comunicação e

trazem reflexões cruciais para entender o momento e o contexto da saga ambientalista.

É pertinente, neste momento, conceituar o ambientalismo como parte de um

movimento social, mas também apreender a origem de uma cultura propriamente

ambientalista, que é desenhada por diferentes grupos, apresenta características peculiares,

predominância de comunicação e visibilidade, moldada pelas tecnologias, pela virtualidade e

por um discurso específico que a presente pesquisa busca averiguar. Vale lembrar que na

nossa proposta de diálogo constante com o objeto, os olhares estão voltados, desde o

princípio, para os exemplos da dinâmica comunicativa da Organização Não Governamental

Greenpeace, forte representante do movimento ambiental e do seu discurso, mas o

pensamento em constante circulação para abarcar a profundidade da temática.

50

É improvável aqui conseguirmos definir um conceito único de movimento social para,

então, contextualizar o ambientalismo em uma determinada perspectiva, considerando as

transformações constantes, as diversas estratégias e oportunidades políticas dos atores sociais.

Gohn (2000) buscou descrever as diferentes teorias sobre os movimentos sociais no final da

década de 90, em uma linha evolutiva que se inicia com estratégias de luta totalmente fora das

esferas de poder até a forte tendência de institucionalização, favorecida pela criação das

ONGs (Organizações Não Governamentais)13. O movimento social é, a priori, um fenômeno

histórico, decorrente de lutas sociais, e sua representação sempre “envolve um coletivo de

pessoas demandando algum bem material ou simbólico” (GOHN, 2000, p.193). São

manifestações coletivas que marcam mudanças na sociedade e na política, com capacidade,

inclusive, para gerar novos códigos culturais. Entre as diversas teorias e hipóteses, a que nos

cabe melhor aqui, é a relacionada aos novos movimentos sociais14, que atuam de forma

autônoma, pautam novos temas e formas de fazer política, e aderem amplamente à

midiatização. “Eles usam a mídia e as atividades de protesto para mobilizar a opinião pública

a seu favor, como forma de pressão sobre os órgãos e politicas estatais. Por meio de ações

diretas, buscam promover mudanças nos valores dominantes (...)” (GOHN, 2000, p. 125).

Para Laraña (1999) a estrutura organizativa e os meios, com grande volume financeiro,

que dispõe o Greenpeace, pode diferenciá-lo dos habituais movimentos sociais, e dar-lhe a

chancela de multinacional ecologista. No entanto, defendemos o argumento do Greenpeace

13 Embora existam desde o século XIX como fundações, instituições, associações de caridade e grupos religiosos, o termo específico Organização Não Governamental, foi uma criação da ONU (Organizações das Nações Unidas), utilizado pela primeira vez na década de 1950 para designar as instituições que não pertencem ao setor governamental, 1°setor, nem ao privado/mercado, 2° setor. (VIEIRA, 2001). Compondo assim um 3°Setor, categoria híbrida de organizações privadas, com fins públicos. Essa designação é vista por um lado como um verdadeiro fenômeno de participação social e fortalecimento da democracia, por outro, como forma de enfraquecer e ou se aliar com o Estado, favorecendo a proposta neoliberal e de expansão da dinâmica capitalista. Preferimos avaliar ONGs como potencial integrante de movimentos sociais antisistêmicos, como representantes legítimos de setores da sociedade civil, que carregam muito mais tensão com o Estado e com os setores produtivos do que consenso. 14 Os novos movimentos sociais surgem, segundo Gohn (2000), na década de 1970, justamente época da fundação do Greenpeace, o que revela mais que mera coincidência. Essa categorização esbarra em premissas do chamado neomarxismo, ao colocar em questão elementos como ideologia, lutas sociais, ação coletiva. Sendo respaldada por autores como Manuel Castells e Alain Touraine, no sentido de entender “a cultura, a ideologia, as lutas sociais cotidianas, a solidariedade entre as pessoas de um grupo ou movimento social e o processo de identidade criado” (GOHN, 2000, p.121). São movimentos caracterizados por sua natureza reflexiva, com poder de persuasão e estão fortemente relacionados com a capacidade de influenciar a opinião pública, produzir públicos e novas pautas de ação coletiva (LARAÑA, 1999; MELUCCI, 2001).

51

como um movimento social15, considerando as características determinantes colocadas pelo

autor: atuam “como agência de significação coletiva que difundem novos significados na

sociedade”, fenômenos que ajudam a compreender o funcionamento da sociedade, com

capacidade de produzir mudanças sociais, atuando como “um espelho em que a sociedade

pode se olhar e se fazer consciente de seus problemas e limitações” (LARAÑA, 1999, p.88,

tradução nossa).

Mais tarde, Gohn (2011) reitera suas ideias ao discorrer sobre os movimentos sociais

na contemporaneidade, mas ratifica sua preocupação com a institucionalização dos

movimentos, através das ONGs. Para ela, o movimento social que trazia uma vinculação

histórica com luta de classes, relações econômicas, total incompatibilização com as estruturas

de poder, pode se perder em organizações altamente estruturadas, dependentes de parcerias

com governos e fundos de financiamento, que trabalham com projetos, metas, muitas vezes,

em torno de um consenso com o Estado e com o modelo neoliberal capitalista. O fato é que

ONGs e movimentos, na dinâmica social contemporânea, acabam por se fortalecer, se

qualificar, com recursos e parcerias e, muitas vezes, até se integrar, se fundir. A própria autora

indaga se na era da institucionalização os atores dos movimentos não seriam as próprias

ONGs. Embora muitas vezes um movimento se esvazie, politicamente e em força de combate,

justamente quando se converte em ONG, ainda assim pode “continuar como parte de um

movimento mais amplo, enquanto organização de apoio daquele movimento”(GOHN, 2000,

p. 247). E nesse sentido, o Greenpeace ainda que seja uma organização institucionalizada

com figura jurídica na condição de ONG, forma parte de um movimento social e ambiental

mais amplo, pois exerce influência nas decisões políticas, com ações diretas, eficácia

simbólica e capacidade de persuasão coletiva, além de manter como principais alvos de luta e

contestação a política ambiental de governos e empresas.

Dentro dessa composição difusa do movimento social está o ambiental. A primeira

questão que nos intriga é a sua abrangência, que deve ser discutida a partir de perspectivas

teóricas e metodológicas que não reduzam o campo de visibilidade meramente aos grupos e

organizações ecologistas (LEFF, 2001, P.107). Para entender o movimento ambiental em toda

sua complexidade o mesmo autor elenca tarefas primordiais como as de investigar a

legitimidade, as demandas, os valores, os objetivos e o impacto do discurso ambientalista,

15 Em artigo publicado na revista Razón y Palabra (n.84, set/nov.2013) La participación ciudadana en al web de Greenpeace: comunicación, discurso y emoción en la red, elencamos as características e conjunturas, que para nós, tornam o Greenpeace um legítimo movimento social, tendo por base autores que conceitualizam a problemática como Laranã (1999) (2001) e Melucci (2001).

52

além de “esclarecer as estratégias de poder destes novos movimentos da sociedade civil para

transformar a racionalidade dominante, incorporando os valores éticos e princípios produtivos

do ambientalismo” (LEFF, 2001, p.108). A nossa investigação, confluindo indiretamente com

a proposta do autor, está centralizada também em compreender a eficácia das propostas de

luta desse movimento plural, a força política real que pode exercer e como a comunicação, em

especial a virtual, auxilia nesse processo. Motes que trazem outras cogitações não menos

importantes relacionadas à identidade social dessas organizações, às influências na

sociabilidade e polêmicas como: São supervalorizados no contexto da luta ambiental na

contemporaneidade ou minimizados como grupos dispersos sem força política concreta ou

resultados práticos? (LEFF, 2001).

É fato que o rótulo do ambientalismo agrega diferentes campos de conhecimento,

atuação, princípios e perspectivas que buscam entender a articulação dos múltiplos processos

que integram o ambiente e as relações sociedade-natureza. (LEFF, 2001, p. 116). Formado

por propostas de equidade, sustentabilidade, diversidade, autogestão e democracia, o

ambientalismo, para Leff (2001), enquanto grupo organizado, chega até mesmo a reorientar os

objetivos e estratégias de outros movimentos sociais ou mesmo outras esferas da sociedade.

Isso porque, consegue reivindicar maior participação em assuntos políticos, tem táticas de

inserção em aparelhos do Estado, ao mesmo tempo em que atua de forma descentralizada,

com relações políticas horizontais, problematiza o conhecimento e as formas de

relacionamento e participação, com estratégias de comunicação e mobilização bastante

demarcadas. São grupos variados, que abarcam uma heterogeneidade de atores, que carregam

uma inerente transdisciplinaridade para tratar da preservação do meio ambiente - outro

conceito não menos difuso que traz diversas considerações16 - e por muito tempo ficou

reduzido a questões de fauna e flora, não concebendo a interdependência necessária com

fatores sociais, econômicos e políticos.

Viola e Leis (1995), que estudam o ambientalismo desde sua fundação, propõem uma

concepção bastante ampla de movimento ambiental, que será retomada aqui. O

16 Em nossa dissertação de mestrado, Os paradigmas da imprensa na cobertura das políticas ambientais (Unesp/2009), utilizamos Leff (2002) para definição de meio ambiente e pensamos pertinente retomá-lo para entender um conceito implícito na biologia evolutiva e que foi importado por Lamarck da mecânica newtoniana, mas atualmente é reduzido ao sistema de relações entre os diferentes indivíduos. O termo ambiental aparece como um campo de problematização, que resultou em especialidades ou disciplinas ambientais, que não necessariamente constitui um novo objeto científico. Neste sentido, as pretendidas ciências ambientais são inexistentes e o conceito de meio ambiente passa a ter carga ideológica e é ressignificado a cada contexto. Já Giddens (1991) (1994b), em uma avaliação comparativa situa a natural como aquilo que é livre da intervenção humana e o meio ambiente como a natureza transfigurada pela ação do homem e propõe pensar, então, no fim da natureza, já que ela foi totalmente socializada.

53

ambientalismo, em especial o brasileiro, foi se caracterizando pela multissetorialismo e pela

redefinição de problemáticas, a partir de duas tendências estruturais, especificamente no final

da década de 1980, sendo: de um lado, o esvaziamento das ideologias, com o enfraquecimento

do Estado e triunfo do mercado e, de outro, a emergência de problemas ambientais que se

mostravam transfronteiriços, como o aquecimento global, a destruição da camada de ozônio, a

perda de biodiversidade, a proliferação nuclear e os consequentes riscos e acidentes

biotecnológicos. Ou seja, a concretização de uma crise ecológica pautada, especialmente, pela

imprevisibilidade estrutural e pelas incertezas que caracterizam a sociedade de risco, para qual

nos alerta Giddens (1994ab), (1997)17 , entre outros autores.

Como produtos dessas preocupações públicas emergem não só as associações e grupos

ecologistas organizados, mas também instituições que pesquisam os problemas ambientais,

setores de administradores e gestores focados no ideal da sustentabilidade18, no mercado

consumidor verde, que cria uma nova demanda voltada para produtos sustentáveis, além de

agências e tratados internacionais buscando equacionar os problemas ambientais globais. E

ainda que as respostas aos problemas ambientais possam não ultrapassar as ações

propagandísticas e retóricas, formou-se um legado ambiental que inclui empresários, sistema

produtivo, instituições científicas e de pesquisa, governo e as ONGs (LEIS E VIOLA,1995,

FERREIRA E FERREIRA, 1995). “O ambientalismo, surgido como um movimento reduzido

de pessoas, grupos e associações preocupados com o meio ambiente, transforma-se num

capilarizado movimento multissetorial” (LEIS E VIOLA, 1995, p.76). Neste sentido, os

autores propõem as seguintes categorias principais que compõem o movimento ambientalista:

as instituições e ou ONGs ambientalistas propriamente ditas; os movimentos sociais de causas

abrangentes, que permeiam a questão ambiental; as agências estatais de meio ambiente; as

instituições científicas e de pesquisa e o empresariado voltado para práticas limpas e

sustentáveis. Podemos incluir aqui ainda uma mídia ambiental, ou seja, veículos de

comunicação, especializados ou não, focados em noticiar as problemáticas ambientais, ainda

que essa opção tenha um viés mais mercadológico do que propriamente altruísta.

17 Giddens (1994a) (1991), com apoio de Beck e Lash (1994b), cita entre as consequências da modernidade, os riscos produzidos, ou seja, aqueles que são resultados das intervenções humanas na natureza e nas condições da vida social, que têm efeitos imprevisíveis e causam as incertezas, a constante preocupação com desastres ecológicos, a fragilidade das circunstâncias e a reflexividade social/modernidade reflexiva (que acarreta também na destradicionalização e na instabilidade das práticas sociais). 18 Conceito largamente utilizado que provém da expressão “Desenvolvimento Sustentável” definida oficialmente no relatório da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, ‘Nosso Futuro Comum’ (1991), e está relacionado a satisfazer as necessidades atuais sem comprometer a geração futura.

54

Tavolaro (2001, p.19) partilha da mesma interpretação, devido à grande imprecisão

que carrega a denominação movimento ambiental “tamanho o número de setores sociais

passível de ser categorizado no seu interior”. Restringir à palavra ambientalismo também não

seria a solução, haja vista a amplitude do conceito que torna difícil, se não impossível, o

delineamento. Por esta razão, Tavolaro opta, a exemplo de Leis e Viola (1995), pela

designação ambientalismo multissetorial, agregando essas diferentes esferas da sociedade.

O grande gargalo desta interpretação é que os autores incluem no rol do movimento

ambiental, o setor empresarial, constantemente colocado em xeque pelas organizações não

governamentais ambientalistas, por exemplo, porque não podem incorporar a chancela

ambiental sem superar o atual modo de produzir. Ainda que muitos empresários contribuam

financeiramente com as instituições ou façam investimentos isolados em projetos ditos

ambientais, compatibilizar o lucro individual com o interesse social de longo prazo para a

proteção ambiental é um desafio para empresas e seus modelos de desenvolvimento. A

organização que ilustra e representa o movimento ambiental na nossa tese, o Greenpeace, é

uma das que mais enfrenta e denuncia o setor empresarial, com ataques diretos e campanhas

específicas contra empresas poluidoras, e ainda prega em seus documentos e tem como

valores definidos a questão da independência e autonomia e, com isso, não aceita doações de

empresas, justamente para não se comprometer. Nesse contexto, é extremamente arriscado, se

não paradoxal, incluir esse setor no movimento ambiental, assim, preferimos trabalhar aqui

com uma concepção de movimento ambiental mais fechada em grupos da sociedade civil19.

Obviamente, não pretendemos anular a pluralidade do movimento e a importância de setores

acadêmicos, científicos e do próprio governo, que contribuíram para alçar a questão ambiental

no debate público.

E nessa proposta de conceber o movimento ambiental enquanto

grupos/organizações/representantes da sociedade civil, antisistêmicos, atuando com

propósitos especificamente de preservação do meio ambiente, temos a companhia de Castells

(2000), para quem o ambientalismo é uma dinâmica conduzida para corrigir formas

destrutivas de relacionamento entre homem e seu ambiente natural. As finalidades do

19 Sociedade civil como um espaço de disputa, lutas e processos políticos, base da vida social que no sentido gramsciano, explicado por Bobbio (1999), envolve a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem a margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Compreende o escopo das relações econômicas, ideológico-culturais, toda vida espiritual e intelectual, suas formas de organização espontâneas ou voluntárias. Mas a sociedade civil mantém relação intrínseca com o Estado, inclusive atuando como seu conteúdo ético, enquanto o Estado é o reflexo da sociedade civil. Para Gramsci a sociedade civil é sempre organizada, “representa o momento ativo e positivo do desenvolvimento histórico” (BOBBIO, 1998, p. 55), embora ela esteja propensa aos valores e interesses hegemônicos.

55

movimento estão nucleadas na defesa de ambientes específicos, novos valores humanos e

formas de convivência entre economia, sociedade e natureza. Mas o autor ressalva que

existem diferenças latentes entre as práticas ambientalistas, seja por questões culturais,

sociais, econômicas ou ainda por propósitos, filosofias, táticas, prioridades ou mesmo

linguagem. O movimento é multifacetado, não pode ser considerado uniforme e tem sua

manifestação em cada país ou cultura, condição social ou econômica. São grupos, por

exemplo, que buscam manter a vida selvagem, pregam a ecologia profunda ou que atuam com

comunidades locais e defendem o próprio espaço. Há, ainda, aqueles da vertente da política

verde, que buscam se estabelecer partidariamente, além de entidades, que nos interessam em

particular, como o Greenpeace, denominadas como “internacionalistas na luta pela causa

ecológica”, que buscam conter o desenvolvimento global desenfreado, pregando a

sustentabilidade (CASTELLS, 2000, p.143). O autor lembra que se tratando da maior

organização ambiental do mundo, o Greenpeace é também um dos responsáveis pela

popularização da problemática na sociedade contemporânea, feito atribuído pela sua

abrangência e táticas de ações diretas, transnacionais e altamente articuladas, sem violência e

explicitamente orientadas à mídia. Pontos que serão vistos e detalhados mais adiante.

Leff (2001, p.69) acredita em uma diferença mais acentuada entre o ambientalismo de

pobres e ricos, o que vem ao encontro da proposta de Touraine (1978) apud Gohn (2000,

p.144) para quem todo movimento legítimo tem o componente de classe, é anticapitalista e

abarca conflitos sociais em um determinado tipo de sociedade. De fato, no ambientalismo isso

não pode ser anulado. O desenvolvimento industrial que, genericamente, nos países do norte é

a causa principal dos problemas ambientais, no sul este mesmo desenvolvimento poderia

corrigir os desequilíbrios socioambientais. Sendo assim, os ricos, segundo Leff, atuam na

linha conservacionista da natureza, visando remediar os efeitos contaminantes da produção,

por exemplo, por meio de tecnologias e planejamento, sem questionar de fato a ordem

econômica dominante. Enquanto o ambientalismo de ‘terceiro mundo’ tem que satisfazer

necessidades básicas e lutar pela sobrevivência.

(...) são movimentos desencadeados por conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos; são movimentos pela reapropriação social da natureza vinculados a processos de democratização, a defesa de seus territórios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia política e sua capacidade de autogerir suas formas de vida e seus estilos de desenvolvimento. (LEFF, 2001, p. 114).

56

Vale ressaltar que o Greenpeace, como uma ONG internacional com representação em

países com condições socioeconômicas diversas, coloca-se em uma situação peculiar, pois

atua de forma global, com temáticas e campanhas integradas internacionalmente, ao mesmo

tempo em que deve contemplar as diferentes nuances, performances, objetivos da preservação

ambiental em cada país, cultura, realidade social e política.

Ainda na questão ambiental, há o conflito de interesses e o campo político

heterogêneo, “onde se mesclam interesses sociais, significados culturais e processos materiais

que configuram diferentes racionalidades, onde o ‘ecológico’ pode continuar subordinado

(por razões estratégicas, táticas e históricas) a reivindicações de autonomia cultural e

democracia política (...)” (LEFF, 2001 p. 73). Um pouco mais adiante o mesmo autor destaca

que as demandas ambientais atuam também de forma multidimensional e estimulam a

participação democrática da sociedade não só no uso e no manejo dos recursos, mas também

na defesa do ambiente, nas críticas à economia de mercado, ao estilo de vida predatório,

propondo novas formas de desenvolvimento e uma mudança civilizatória.

O fato é que o movimento ambiental, pela sua multiplicidade e versatilidade, foi o que

mais questionou as condições presentes de vida. “Sob a chancela do movimento ecológico,

veremos o desenvolvimento de lutas em torno de questões as mais diversas: extinção das

espécies, desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica,

poluição do ar e da água” (CASTELLS, 2000, p.12) Ele avalia ainda que não há setor de lutas

e reivindicações que o movimento ecológico não seja capaz de incorporar – daí a dificuldade

em precisar categoricamente esses movimentos. Portanto, pensando aqui nas organizações

ambientalistas (institucionalizadas ou não) com o propósito específico da defesa do meio

ambiente e da qualidade de vida, traçaremos mais algumas linhas menos conceituais e mais

históricas para adentrar o percurso dessas entidades.

A trajetória ambientalista remonta ao velho continente, como lembra Tavolaro (2001).

A primeira campanha pela proteção da vida selvagem de que se tem notícia se deu em defesa

das aves marinhas, que eram abatidas por caçadores, ao longo da costa de Yorkshire, na Grã-

Bretanha. Foi então que, em 1867, os residentes da área fundaram a Society for the Protection

of Seabirds, já fazendo uso de um jornal, no caso, o Times, para divulgar e ampliar a

campanha. A relação estreita e programada que o movimento ambientalista tem com a mídia

fica evidenciada desde esse primeiro momento. Mais tarde, as consequências da revolução

industrial também suscitaram a luta a favor do meio ambiente, ainda que de forma incipiente,

57

mas com duras críticas às formas de produção econômica, que resultavam em degradações

ambientais e sociais das mais diferentes maneiras.

Apesar de remontar séculos anteriores, a luta ambiental que nos interessa aqui ganha

força, especificamente, entre os anos 1950 e 1960, no significativo contexto pós II Guerra

Mundial, com os movimentos contraculturais povoando a cena política e colocando em pauta

a apropriação da natureza, a defesa dos recursos naturais, as formas de consumo e os modelos

de desenvolvimento econômico e social. Os impactos destrutivos da guerra acabaram,

inclusive, por revitalizar e orientar os atores sociais, especialmente no ocidente, pela

necessidade da reconstrução, da preservação ambiental, de novas formas de sociabilidade,

apostando na não violência, na cultura da paz e nas comunidades hippies. Nesse contexto, o

aniquilamento causado pela bomba atômica no Japão e os riscos dos testes nucleares

impulsionaram o movimento ambiental, inclusive a própria fundação do Greenpeace, que

surge justamente em manifestações contrárias a geração de energia nuclear.

Em 1962, a publicação do romance de Rachel Carson, Silent Spring (Primavera

Silenciosa), criou uma celeuma e deu relevância e abrangência à causa ambiental ao descrever

os efeitos dos agrotóxicos no meio ambiente e denunciar abertamente a degradação da

natureza, especificamente nos Estados Unidos. Com isso, teve origem a revolução ambiental

estadunidense, pautada pelo questionamento da civilização urbano-industrial, do crescimento

populacional e dos impactos devastadores na natureza, pregando o uso conservacionista de

recursos – demandas que refletiram significativamente em países da Europa, além de Canadá,

Japão até conquistar a América Latina (LEIS E VIOLA,1995).

Se antes a proposta ecológica estava restrita às elites dos países dominantes, afetadas

pela industrialização, foi a partir da década de 1960 que os ideais ambientalistas começam a

permear as classes populares e, com base na opinião pública, dão margem para a formação de

um movimento que, senão de massas, ao menos com uma amplitude considerável

(CASTELLS, 2000, p.154). Vale lembrar também que, nesse momento, vem ganhando corpo

a configuração da sociedade em rede, ao mesmo tempo em que se fala em uma condição pós-

moderna, que tem como fatores caracterizadores os elementos da cultura da mídia e do

espetáculo, que repercutem na trajetória do movimento ambientalista, e que vamos discutir na

sequência.

A problemática ambiental é alçada a fenômeno politicamente significativo a partir dos

eventos e conferências na área, que envolvem comunidades científicas, políticos, empresários

e setores da sociedade civil. A primeira delas foi a Conferência de Estocolmo, em 1972, que

58

ainda que reduzisse a questão a soluções técnicas, deu início ao aprofundamento crítico da

temática. “Problemas antes tomados como periféricos atingem o centro da cena política e

cultural, e questões antes menores começam a receber o status de categoria explicativa”

(FERREIRA E FERREIRA, 1995, p.13). Mas, no Brasil, as autoras explicam que a posição

desenvolvimentista era muito forte e a questão ambiental foi colocada como antítese do

desenvolvimento nacional, com isso, até o fim do regime militar as propostas ecologistas não

tiveram influência no debate político do Brasil. O avanço da problemática pelo mundo foi

respingando por aqui e ganhou uma dimensão global impossível de ser ignorada.

Um pouco antes de Estocolmo, em 1968, surgiu o Clube de Roma, que reuniu

diferentes personalidades políticas e acadêmicas, para discussão de problemas ambientais, e

culminou na célebre publicação “Os Limites do Crescimento”, pautando questões, até então

incomuns, como geração de energia, saneamento, saúde, crescimento populacional. A

organização continua ativa (www.clubofrome.org), publicando relatórios em parceria com

Unesco e OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Em 1972

também foi criado o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), mais tarde

em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente da ONU, que publicou o relatório

‘Nosso Futuro Comum’ (1989), documento preparatório à Rio 92, trouxe as diretrizes

ambientais e definições de termos como Desenvolvimento Sustentável.

Mas foi a Comissão do Meio Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio 92,

o maior e mais importante evento ambiental que, de fato, deu visibilidade ao postulado do

desenvolvimento sustentável e da preservação ambiental em nível internacional. A

Conferência, considerada o boom do ambientalismo, impulsionou a criação das organizações

voltadas para a problemática. O próprio Greenpeace fixa bases no Brasil no contexto desse

evento, em 1992. As proporções foram gigantescas: participação de 35 mil visitantes, dois mil

representantes de governo, 179 chefes de Estado, sete mil jornalistas e pelo menos três mil

ONGs, no Fórum Global, evento paralelo para discussão das questões ambientais, atos de

mobilização e pressões nos governos. Com isso, a questão ambiental e, por consequência, os

movimentos envolvidos foram colocados nos holofotes da mídia. Os conceitos e propostas da

Rio 92, como o próprio desenvolvimento sustentável, gestão ambiental, Agenda 21, Carta da

Terra, Convenção Mudanças Climáticas e da Diversidade Biológica20 se consolidaram como

20 Realizada de 3 a 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro, a Rio 92 buscou firmar compromissos e metas entre os países participantes e, para isso, estabeleceu diferentes acordos como a Agenda 21 documento de propostas para alcançar o desenvolvimento sustentável, e as convenções que traçam diretrizes, no caso, para reduzir a emissão de substâncias nocivas na atmosfera e para proteger a biodiversidade.

59

sinônimo do ambientalismo e passaram a integrar o discurso da defesa ambiental, ainda que

nenhuma inversão significativa de tendências tenha sido efetuada nos anos que sucederam a

conferência.

A Rio+10, Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que aconteceu em

Johanesburgo, África do Sul, 10 anos depois, buscou reavaliar os compromissos firmados.

Ainda que sem o destaque da primeira edição, conquistou novamente visibilidade midiática e

os setores ambientais foram focalizados, desta vez dando atenção especial ao setor produtivo

e à conciliação entre desenvolvimento e preservação. Cerca de 100 chefes de Estado

marcaram presença e as ONGs novamente se reuniram no Fórum Global para debater

propostas alternativas ao evento oficial.

Uma nova e recente conferência das Nações Unidas para o desenvolvimento

sustentável, a Rio+20, realizada entre 13 e 22 de junho de 2012, marcou os 20 anos do evento

histórico, retornando à cidade do Rio de Janeiro. O evento englobou reuniões preparatórias, a

Cúpula dos Povos, organizada e gestionada pela sociedade civil, com quase 20 mil

representantes, e a programação oficial de Alto Nível da Conferência com a presença oficial

de 94 estadistas. O tema da economia verde substituiu o desenvolvimento sustentável, mas

sem modificar sua essência e as discussões se pautaram na erradicação da pobreza e na

estrutura institucional para garantir o desenvolvimento equilibrado, mas em uma tendência de

capitalização da natureza. O documento final “O futuro que nós queremos” traz uma lista com

mais de 700 compromissos acordados entre os países, ainda que de maneira bastante evasiva,

para frear a degradação ambiental, incluindo investimento em saneamento, energia renovável,

transporte sustentável, educação para a sustentabilidade e combate a fome21. O Greenpeace

teve participação ativa no evento, foi uma das 50 organizações com estande na Cúpula dos

Povos, abriu as portas do mais novo navio Rainbow Warrior para visitação pública e compôs

o grupo de 36 representantes da sociedade civil que puderam participar de encontro com o

secretário geral da ONU e com os chefes de estado.

Da Rio 92 à Rio+20 Alonso e Favareto (2012) avaliam que houve significativas

mudanças no perfil do movimento ambiental, em especial brasileiro, que se encontra cada vez

mais forte e globalizado porém pouco contestador. Isso porque, como lembram os autores, as

organizações cada vez mais saem da postura contestadora de antagonista do Estado para

firmar parcerias com governo. O Greenpeace resiste a este modelo, já que não realiza

21 Os dados do evento foram extraídos do site oficial: www.rio20.gov.br. O documento final, na íntegra, encontra-se em http://www.rio20.gov.br/documentos/documentos-da-conferencia/o-futuro-que-queremos/.

60

parcerias governamentais, mas, por outro lado, pode apresentar estratégias altamente

midiatizadas, como bem colocam os autores.

O novo estilo de ativismo ambientalista repousa mais em declarações de lideranças e personalidades, como artistas e intelectuais, à mídia e em ações simbólicas diretas que requerem apenas poucos e motivados indivíduos (estilo que consagrou as campanhas do Greenpeace), do que em manifestações populares massivas com o volume, a força e a diversidade demonstrados em 1992 (ALONSO E FAVARETO, 2012).

Neste contexto, os grupos tornaram-se altamente profissionalizados e especializados,

focados mais em execução e menos em ações políticas reivindicatórias. E, atualmente, com o

crescimento das questões ambientais entre jovens, governos locais e mesmo entre a iniciativa

privada, Alonso e Favareto (2012) acreditam que a capacidade de mobilização, pelo menos

em sua forma tradicional, está enfraquecida, em comparação há 20 anos. Isso pode sim

demonstrar fragilidade, resignação, mas, por outro lado, amadurecimento das entidades, por

estarem mais presentes nas mesas de negociações, por exemplo, e um constante movimento

de reinvenção de suas reivindicações.

Os eventos internacionais não só consolidaram a importância dos movimentos

ambientais nas agendas públicas e políticas, como auxiliaram sobremaneira no progressivo

amadurecimento e fortalecimento das organizações ambientalistas, que passaram a atender

demandas específicas em meio a problemas complexos, abrangendo fatores sociais,

econômicos e políticos. Foi a partir de então, também, que a questão ganhou espaço de fato e

passou a ser pautada pelos órgãos nacionais e internacionais, a ilustrar TVs, rádios, jornais e

se consolidar politicamente como um movimento de valores, e arriscamos denominar como

um movimento altamente midiatizado.

A primeira organização de espectro mundial oficialmente criada foi a WWF, em 1961.

O Greenpeace surgiu em 1971, já com uma ação de projeção internacional (e alta

visibilidade): uma mobilização contra o teste nuclear em uma ilha no Canadá e ganhou bases

praticamente por todo o globo, presente atualmente em 40 países e caracterizado por suas ações

estratégicas e amplos protestos para mobilizar a opinião pública. O Brasil ganhou a primeira

organização ambientalista logo em 1958, a Fundação Brasileira para conservação da

Natureza. E, em 1971, surge a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente

Natural), em atuação até hoje no Rio Grande do Sul. Esse período formativo, como reiteram

Leis e Viola (1995), ficou concentrado em denúncia, muitas vezes radical, e conscientização

61

pública sobre a degradação ambiental, com campanhas locais, por exemplo, combate à

poluição e preservação de ecossistemas naturais, sem aliar a temática social. O Greenpeace,

criado nesse contexto da década de 1970, fase fundacional das organizações, carrega as

reminiscências do período e faz das denúncias, ainda hoje, seu carro-chefe, mas podemos

avaliar que consegue superar a estrutura mais radical ao fazer petições, moções, projetos,

discussões, assim como estudos que evidenciam uma postura mais propositiva.

Já em 1980 os desafios mostraram-se mais amplos e incluíam a superação da pobreza,

a participação e o controle social do desenvolvimento. Na década seguinte, consolidadas em

bases mais humanas e profissionais, as organizações foram se aperfeiçoando e abrindo espaço

enquanto movimento consolidado, excedendo o âmbito da denúncia para atuar com propostas

políticas, objetivos bem definidos e maior influência na sociedade.

No contexto de um ambientalismo complexo, as entidades profissionais se capacitam para exercer, e exercem de fato, uma nítida influência sobre as agencias estatais de meios ambiente, o Legislativo, a comunidade científica e o empresariado; e além disso constituem um agente social de introdução de um novo estilo administrativo (que combina a eficiência e o interesse social a longo prazo) no país (LEIS E VIOLA, 1995, p. 86).

Na esteira da década de 1990, as organizações não puderam ficar alheias aos

problemas sociais, o que deu margem para uma denominação mais abrangente, o

socioambientalismo, que transcende a prática da denúncia para atuar mais fortemente com

políticas públicas, congregando homem e meio ambiente. Com isso, obviamente, o

ambientalismo mostra ainda mais ramificações, e agrega agora, no mesmo escopo e com

legitimidade, movimentos de seringueiros, indígenas, trabalhadores sem terra, atingidos por

barragens, movimento de moradores, estudantil, mulheres, defesa do consumidor, entidades

pacifistas, sindicatos (LEIS E VIOLA,1995, JACOBI, 2007), evidenciando na prática a

questão da transdisciplinariedade ambiental22 mas, ao mesmo tempo, colocando desafios pela

heterogeneidade organizativa e ideológica de cada um dos grupos e reiterando nossa

preocupação, talvez em vão, em delinear com precisão o movimento ambiental.

O marco diferenciador desse sociombientalismo, como explica Jacobi (2007, p.465) é

a substituição da reação para a ação, com propostas políticas e afirmações de alternativas

22 A transciplinaridade ambiental é evidenciada na obra de Leff (2002) como a inerente relação e integração das questões ambientais com outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, ele prega a necessidade, inclusive, de uma epistemologia ambiental.

62

viáveis de preservação ambiental. “As entidades se capacitam cada vez mais para exercer uma

nítida influência sobre as agências estatais de meio ambiente, o poder legislativo, a

comunidade científica e o empresariado”.

Segundo Tavolaro (2001), com essa trajetória os grupos ambientais se consolidaram

como um movimento social e conseguiram se aliar a setores populares e adquirir uma

perspectiva mais ampla, não defendendo apenas o verde e regiões selvagens, mas também

ambientes urbanos que estão longe de serem intocáveis, e trazem à tona a tal “natureza

artificial” (TAVOLARO, 2001, p.132), o homem como parte desse meio ambiente, e os

problemas urbanos como um componente latente entre as reivindicações ambientalistas.

Neste cenário de diferentes qualificações e abrangência da causa, Tavolaro (2001)

aposta em um “novo” ambientalismo, já não tão novo assim, que emerge na modernidade, em

meio à artificialização intensa, abarca diversas vertentes e contextos, em um mundo complexo

onde também cabem mitos, sacralização e crenças imbricadas na própria dinâmica dos

fenômenos ambientais e, mais diretamente, nos temores de uma catástrofe natural. O processo

de racionalização, que está na base do mundo moderno, não trouxe apenas uma postura de

subjugo à natureza, como lembra o Tavolaro (2001, p.40), mas a “busca de um pretenso

equilíbrio no convívio humano com a natureza”. O movimento então, nas democracias

industriais avançadas, tem seu eixo reconfigurado para repensar o materialismo e o consumo

excessivo que caracterizam as sociedades modernas.

Foi aí que para Dalton (1992) emergiu um novo movimento ambientalista, com uma nova consciência ecológica, apresentando um desafio tanto ao paradigma social dominante nas sociedades industriais avançadas quanto aos métodos políticos próprios às democracias ocidentais. As associações ambientalistas Friends of the Earth e o Greenpeace são frutos desse momento, conforme define o autor. (TAVOLARO, 2001, p.147).

A questão ambiental, protagonizada pelas organizações ambientalistas, é cada vez

mais presente na contemporaneidade. Castells (2000) avalia, por exemplo, que entre os

movimentos sociais, o ambiental é o de maior produtividade e repercussão por influenciar os

diversos setores da sociedade. Nos últimos 10 anos as instituições consolidaram sua atuação

politicamente e constituíram um discurso, amparado por estratégias comunicativas e com base

em direitos fundamentais, que conquista forte adesão social.

Isso porque, reiteramos, o movimento, que nasceu para defender a natureza, também

desde sua fundação demonstrou um caráter midiático, que contribuiu com sua legitimidade

63

social e com a difusão da causa ambiental. As ONGs tornaram-se referência, são

exaustivamente procuradas como fontes de informações, formuladoras de conceitos, de novas

diretrizes e pautas para a imprensa e sociedade, se apresentando também como produtoras de

conteúdo, pregando mobilização e interatividade, especialmente no espaço virtual, delineando

novas práticas de comunicação e informação que ainda não foram estudadas de forma

sistemática.

As novas tecnologias, em especial as ferramentas da Internet, vista por Castells (2000)

como um meio ideal de interação e organização social, deu ainda mais visibilidade e

possibilidades para as ONGs. Castells acredita que a expansão do movimento ambiental seu

deu, principalmente, pela composição da sociedade em rede, pós década de 1960 e da própria

incidência das tecnologias da informação e comunicação, e justifica com propriedade:

Proponho a hipótese de que existe uma relação direta entre os temas abordados pelo movimento ambientalista e as principais dimensões da nova estrutura social, a sociedade em rede, que passou a se formar nos anos 70 em diante: ciência e tecnologia como os principais meios e fins da economia e da sociedade; a transformação do espaço, a transformação do tempo; e a dominação da identidade cultural por fluxos globais abstratos de riqueza, poder e informações construindo virtualidades reais pelas redes de mídia (CASTELLS, 2001, p.154).

Nesse sentido, Castells (2000, p.155) coloca o movimento como “protagonista do

projeto de uma temporalidade nova e revolucionária”. Isso porque atua com base no que o

autor denomina como tempo glacial23 – que é evolucionário, holístico e busca uma

perspectiva histórica avançada. “Em termos bem objetivos e pessoais, viver no tempo glacial

significa estabelecer os parâmetros de nossas vidas a partir da vida de nossos filhos, e dos

filhos dos filhos de nossos filhos” (CASTELLS, 2000, p.158). E os conceitos e propostas são

moldados de acordo com a demanda de cada organização: se fazem globalistas no tempo e

localistas em termos de defesa do espaço, entendendo, por exemplo, que por mais que os

problemas sejam transnacionais, a relação entre pessoas e meio ambiente começa na

comunidade local.

23 Castells (2000, p.155) descreve três tempos: o cronológico como aquele formato linear, característico do capitalismo e dos sistemas industriais; o intemporal voltado para instantaneidade e eliminação de continuidades, próprio do paradigma informacional e, por fim, o glacial como uma proposta altruísta. Trata-se, grosso modo, de cuidar de nossos descendentes, como pressupõe o próprio conceito de desenvolvimento sustentável – termo referência do movimento ambiental.

64

Com isso, Castells avalia que os ecologistas inspiram a criação de uma nova

identidade, fundamentada nas lutas sobre apropriação da ciência, do tempo e do espaço, ainda

que no âmbito de diversidade e contradições. “A cultura verde, na forma proposta por um

movimento ambientalista multifacetado, é o antídoto à cultura da virtualidade real que

caracteriza os processos dominantes de nossas sociedades”. (CASTELLS, 2000, p.160). O

autor continua acompanhando e analisando os diferentes movimentos da sociedade, e se

mantém fiel ao pensamento da estrutura da sociedade em rede que não só viabiliza como

facilita as mobilizações, induz novas possibilidades de democracia e alternativa política. A

Internet como um espaço de livre manifestação, que inaugurou uma era da comunicação

compartilhada, que iremos discutir com mais intensidade no próximo capítulo24.

E o movimento ambiental soube se atualizar para difundir a causa, conseguir adeptos,

lançar manifestos, divulgar informações, propor formas de mobilização, por meio de portais,

redes digitais, plataformas multimídias. Neste contexto, temos uma arquitetura em rede que

possibilita um ativismo online, que, na opinião de Jacobi (2007, p.467), instrumentaliza o

alcance das novas tecnologias da informação, exerce pressão, cria consciência ambiental,

atuando local e mundialmente. As novas tecnologias e o trabalho em rede possibilitam,

especialmente, a publicização das problemáticas, aumentando, portanto, o grau de

legitimidade e credibilidade das ONGs, provoca e estimula o interesse da sociedade e também

de agências de financiamento, governos e empresas, que acabam por introduzir e dar destaque

à problemática em suas agendas. Na rede temos também a globalização da percepção dos

riscos. ONGs transnacionais, como o Greenpeace, exercem papel fundamental na

disseminação das informações e imagens em escala mundial, “fortalecendo a necessidade dos

riscos serem percebidos como globais, alertando sobre o seu alcance e a necessidade de

impedir que aconteçam” (JACOBI, 2007, p.467).

Essa perspectiva leva, inclusive, a idealizar a existência de uma sociedade civil

mundial, como colocam Vieira (2001) e Marzochi (2009), que seria forjada por organizações

internacionais como o Greenpeace, no decorrer das atuações e mobilizações, com abrangência

24 Em entrevista concedida à TV internacional da Rússia, em julho de 2012, e disponível em: http://www.outraspalavras.net/2012/08/03/castells-quer-tecer-alternativas/ Castells fala sobre as redes de indignação e esperança que são possibilitadas pelas tecnologias. Ele comenta a importância de movimentos como os Indignados e os Occupy, que tiveram início em 2011, usaram a Internet como espaço livre de comunicação ao mesmo tempo em que ocuparam os espaços públicos. Em julho de 2011, em um discurso para os acampados em Barcelona (Espanha), Castells reforçou a ideia da comunicação como espaço de democracia e poder, e falou sobre suas longas observações que mostram o quanto a autonomia comunicativa da internet foi importante para organizar e ampliar as mobilizações sociais pelo mundo, e que esse processo não pode parar. O discurso foi transcrito em http://www.outraspalavras.net/2011/07/18/castells-propoe-outra-democracia/.

65

e repercussão internacional. Uma sociedade internacional em uma esfera pública mundial, que

teria sido facilitada pelo trabalho das ONGs com status na ONU, pelas significativas e

diversas conferências, tratados mundiais, movimentos globalizados e antiglobalização, e

também pela difusão das redes eletrônicas. Mas essa arguição é delicada, uma vez que as

tensões próprias de cada nação, de cada estrutura sociopolítica permanecem, independente da

atuação em âmbito internacional organizações25.

Por fim, é neste movimento, que não é único, mas carrega consigo uma multiplicidade

de proposições, diversidade cultural, diferentes associações, que integra uma cultura verde,

uma cultura ambientalista agora reconceitualizada no contexto das tecnologias da

comunicação, que se concentra nosso trabalho. O ambientalismo que parte para a rede

congrega um discurso próprio e estratégias de mobilização, ciberativismo, que se transformam

em componentes indispensáveis da nova luta ambiental. É preciso entender, porém, que esse

ambientalismo emerge na contemporaneidade, amparado por uma sociedade em rede, mas

também por outras nomeações não menos importantes como a condição pós-moderna, a

modernidade líquida, inconclusa, que situam o tempo, o espaço e as contradições da

denominada cibercultura, que tem seu lugar cravado a partir, principalmente, de 1960, e

acabam por caracterizar o âmbito dos movimentos ambientais na comunicação. Nas próximas

páginas pretendemos clarear essa paisagem.

2.2 O ambientalismo na modernidade indefinida: inconclusa, líquida, superada,

espetacular

A relação da modernidade com a natureza desde o principio foi peculiar. A razão

positivista, o paradigma antropocêntrico e a industrialização intensa, que caracterizaram o

período, foram justamente o estopim para as duras críticas do movimento que nasceu para

defender uma natureza em pleno processo de degradação. O movimento ambientalista, apesar

25 Marzochi (2009, p.39) em sua tese de doutorado sobre a metamodernidade e contrapoder do Greenpeace levanta questões como se é possível “considerar a existência, pelo menos empírica, de algum tipo de governo ou governança global, como um conjunto entrelaçado de Estados, organizações multilaterais, ONGs internacionais e nacionais, articulados por forças hegemônicas, que nos permita admitir a realização de uma Sociedade Civil Mundial em torno desta constelação internacional de instituições?” Mas conclui que se a sociedade civil e o Estado estão intrinsicamente ligados, como propõe Gramsci, se não existe um Estado Mundial, tampouco é provável a definição de uma sociedade civil mundial, que abarque as diferenças culturais e as representações politicas em escala global.

66

de contestar, expressa a multidimensionalidade e as contradições típicas de uma modernidade,

sob nossa ótica, indefinida, haja vista a quantidade de terminologias que adornam o momento.

Castells (2000) não esconde a preocupação com a modernidade que ele indica como tardia,

mas prefere avaliar que a ascensão do movimento não só coincide como se apropria da

sociedade em rede. Àquela caracterizada pela globalização das atividades econômicas, por sua

forma de organização em redes; pela cultura de virtualidade real construída a partir de um

sistema de mídia onipresente e pelo surgimento de um espaço de fluxos e de um tempo

intemporal (CASTELLS, 2000, p.17).

Mas não podemos negligenciar que esse período, de cultura contemporânea, também

recebe as chancelas de modernidade líquida, inconclusa, condição pós-moderna – abordagens

que trazem elementos consensuais ao modelo em rede, entre outros indicativos importantes

para essa pesquisa, que prevê o entendimento do movimento ambiental em toda sua

heterogeneidade.

Tavolaro (2001) traz, na sua obra sobre movimento ambiental e modernidade, uma

investigação do fenômeno ambientalista imerso nas transformações das complexas sociedades

modernas. Um dos fundamentos da emergência do movimento ambiental está na percepção de

situações crescentes de incerteza e instabilidade típicas da modernidade, que outras gerações

não tiveram que enfrentar, como a crise climática, nuclear, biotecnológica. Aqui o risco está

relacionado à normatividade e consequências das sociedades modernas e do próprio

capitalismo, como coloca Giddens (1994, p.15)26. "Um capitalismo em constante expansão

vai contra não somente os limites ambientais, no que diz respeito aos recursos da terra, mas

contra os limites da modernidade na forma da incerteza produzida". Entre os fatores desta

sociedade de risco temos o grau de desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e o

impacto ambiental ocasionado, além das incertezas do industrialismo, das situações de guerra

e conflitos. Se por um lado o desenvolvimento assegura calculabilidade e certa

previsibilidade, por outro, as instabilidades e a insegurança têm seu lugar cravado nessa

modernidade, dando espaço às demandas estruturais propostas pelo ambientalismo.

O emblemático, para Tavolaro, é a reaproximação visível com a natureza que vem

ocorrendo nas últimas décadas, depois de um longo período de distanciamento, justamente

“no interior de uma sociabilidade que tem a racionalização dos processos de reprodução 26 Giddens (1991, p.8) define a modernidade em período de tempo e espaço como “estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. Mas que passa por um período de transição que ocasionou as diferentes abordagens da pós-modernidade, que ele não rejeita, mas prioriza a investigação da natureza da modernidade (reflexiva) e suas consequências na vida social.

67

material, de administração, de reprodução cultural como seu princípio básico” (TAVOLARO,

2001, p.18). Em um momento de acelerado progresso industrial e desenvolvimento

econômico, grupos específicos começam a pregar o resgate do natural e a necessidade da

preservação ambiental. Existe, portanto, um reencantamento da natureza, que evidencia uma

situação paradoxal, que faz Tavolaro (2001, p.131) questionar: “Não haveria algo de

anacrônico no fato de associações ambientalistas se erguerem em busca da reconciliação do

homem moderno e da natureza num período em que o processo de racionalização avançou a

ponto de estruturar o funcionamento básico de nossa sociedade?”

E vale ressaltar que o resgate pregado pelo movimento não se restringe ao natural, mas

abrange uma enorme carga de reivindicações que poucos movimentos sociais são capazes de

incorporar, além de se apropriarem da defesa da natureza artificial, ou seja, da condição

urbana típica da modernidade. Permanece, sim, a insegurança causada pelas transformações

industriais e científicas, mas também o desconforto gerado pelo rompimento dos laços sociais

tradicionais e pelo consequente processo de desintegração social que faz com que o

movimento ambiental ganhe centralidade ao responder:

aos déficits de integração social característicos de um momento em que concepções de mundo tradicionais mostram-se ineficazes na tarefa de proporcionar o acervo cultural com base no qual as situações cotidianas possam ser interpretadas, num momento em que laços tradicionais foram rompidos e o quadro normativo deixa de criar expectativas de comportamento com base em determinações tradicionais.(TAVOLARO, 2001, 152).

A relação do homem com a natureza está pautada na reprodução cultural e na

socialização, mas o homem moderno, segundo Tavolaro, encontra-se apoiado no nível de

desenvolvimento das forças produtivas, imerso em tal processo de racionalização, que acolhe

um conflito intenso entre o mundo natural não só modificado, como depredado.

Nas sociedades complexas, em que o indivíduo tem mais autonomia para transitar livremente no interior de suas esferas de reprodução cultural, integração social, busca de identidades, e em que a natureza transformada pode ser diversamente percebida, verifica-se a existência de setores que agem predatoriamente em relação a natureza, mas também de setores que resgatam o mundo natural, dotando-o de importância central para a vida social (TAVOLARO, 2001, p.38).

68

Aliás, Martins (2000, p.19) reconhece que o tema da modernidade está profundamente

comprometido com a ideia de progresso27, mas não se pode escamotear o aspecto transitório.

“Modernidade é a realidade social e cultural produzida pela consciência da transitoriedade do

novo e do atual”. E, nesse cenário, o autor (2000. p.50) lança a ideia da modernidade

inconclusa e coloca inúmeras hesitações que são pertinentes reiterar, “é como se fossemos

pós-moderno antes mesmo de chegarmos a modernidade, há muito misturando numa colagem

desarticulada tempos históricos e realidades sociais”. O autor fala também em modernidade

anômala, por conta da falta de crítica, de autonomia em reconhecer que tudo é transitório,

passageiro; “é modernidade, mas sua constituição e difusão se enredam em referenciais do

tradicionalismo sem se tornar conservadorismo (…) estamos em face do inconcluso, do

insuficiente, do postiço” (MARTINS, 2000, p.54). Propostas que convergem com a

conceituação da pós-modernidade: uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero e

caótico, enquanto rejeita representar e exprimir o eterno e imutável (HARVEY, 2004, p.111).

O ambientalismo aflora uma sociabilidade característica desta modernidade

inconclusa, com estruturas complexas e contraditórias, como lembram Tavolaro (2001) e

Martins (2000), que trazem a natureza enquanto objeto de discussão, de debate, de decisão, de

reflexão, também como referência para relações e busca de identidade, balizando

comportamentos em um mundo agora midiatizado, onde as pautas ambientais são cada vez

mais constantes e ganham espaço na sociedade, inclusive para as relações sociais e

reprodução cultural. Esse momento de modernidade inconclusa propiciou diferentes

denominações que buscaram entender e clarear os confrontos da sociedade, como é o caso da

condição pós-moderna, proposta por Harvey (2004) e da modernidade líquida, delineada por

Bauman (2001), que trazem ainda mais densidade para a discussão do movimento ambiental e

mostram nuances importantes, principalmente no aspecto da visibilidade e transitoriedade dos

movimentos ambientais.

As grandes mudanças, em especial na qualidade da vida urbana, com intensos

processos sociais e tecnológicos, na década de 1960, exigiram novas conceituações, não

exatamente de uma superação total do moderno, mas de uma condição diferenciada e difícil

de definir exatamente, que representa “alguma espécie de reação ao modernismo ou de 27 O termo progresso é utilizado no fragmento acima como ideia positiva de avanço na sociedade, melhoramento futuro, crescimento do bem-estar. Mas o conceito demanda diferentes interpretações, dependendo do momento histórico e das correntes teóricas que não influem no contexto da nossa Tese, mas que consultamos em Bobbio (2001). O progresso, que indicou o desenvolvimento da razão no início da modernidade, entra em crise no século XX com as mudanças tecnológicas (que geram possibilidades e precariedades) e com a proposta de um modelo que repense a natureza interior e exterior ao homem. “A fé no progresso depende do tipo de valor que se escolhe como medida” (BOBBIO, 2001, p.1010).

69

afastamento dele” (HARVEY, 2004, p.19), também visto como uma exaustão moldada por

uma lógica cultural do capitalismo avançado. De fato, o ponto de partida para entender o pós-

moderno reside na sua relação com o moderno, entendendo a modernidade como o transitório,

o contingente, como a sensação avassaladora de fragmentação, efemeridade e mudança

caótica. Mas, aos poucos, na avaliação de Harvey (2004), o modernismo perdeu seu atrativo

de antídoto revolucionário e deu lugar a uma ideologia reacionária e tradicionalista, que fez

surgir os vários movimentos contraculturais e antimodernistas, que contestam essa realidade,

entre eles, o ambiental.

Nesse contexto, Harvey (2004, p.47) acata a proposta de condição (e não conceito),

pois é improvável definir se o pós-modernismo é um estilo, uma revolta, um conceito

periodizador dos anos 60 e 70, uma domesticação ou comercialização do próprio

modernismo, um fenômeno urbano marcado pela busca por sinais de posição, de moda ou

marcas de excentricidade individual. Ou, ainda, uma resposta às políticas neoconservadoras

em uma época de pós-industrialização.

Começo com o que parece ser o fato mais espantoso sobre o pós-modernismo: sua total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico (…) Mas o pós-modernismo responde a isso de uma maneira bem particular; ele não tenta transcendê-lo, opor-se a e sequer definir os elementos 'eternos e imutáveis' que poderiam estar contidos nele. O pós-modernismo nada, e até se espoja, nas fragmentárias e caóticas correntes da mudança, como se isso fosse tudo o que existisse (HARVEY, 2004, p.49).

Mais recentemente Harvey (2012 ab) reforçou suas ideias ao falar sobre a provável

falência do modelo capitalista e os movimentos atuais de contestação política28, que refletem

a mobilidade e a fragmentação de forma ainda mais acentuada nos dias de hoje. Ele reitera

também a predominância da vida urbana, como fenômeno pós-moderno, e os grandes

impasses da contemporaneidade, na sua visão: desigualdade social e a degradação ambiental.

A condição pós-moderna ainda revela a perda de uma continuidade histórica, dos

valores e crenças, incluindo a falta de profundidade, da fixação nas aparências, nas superfícies 28 Em entrevista concedida na ocasião de sua visita ao Brasil, para lançamento da obra O enigma do Capital, Harvey (2012) falou sobre a aceleração, acumulação do capital e da mobilidade das crises do capitalismo, prevalecendo sua visão marxista. E ele não abandona, neste contexto, as premissas da condição pós-moderna no que se refere à compressão do espaço e tempo, a insegurança e volatidade das relações. Em uma coletânea, também de 2012, sobre os movimentos de protesto anticapitalistas, que tomaram as ruas em diversas partes do mundo, a partir de 2011, denominados como Occupy, Harvey, apoiador das manifestações, centralizou a problemática nas desigualdades sociais, na luta de classes (que persiste), na vida customizada e antinatural, típicas da pós-modernidade, que precisam ser superadas com um modelo alternativo.

70

e nos impactos imediatos. Nessa mesma linha, Baumann (2001) denomina o período enquanto

modernidade líquida, metáfora que explica, com outras palavras, a fragmentação e a

efemeridade da presente fase histórica da modernidade. Ao contrário dos sólidos, os líquidos

não mantêm sua forma, são fluídos, não se prendem em espaço e tempo, não se atêm a

modelos fixos, modificam-se com facilidade, preenchem vazios por curto período.

Um dos pontos-chave da modernidade líquida é a questão das incertezas, do

esvaziamento e da individualização, em detrimento do coletivo. Apesar de aparentemente

manter a crítica, a sociedade está esvaziada, acomodada tanto no pensamento como na ação, e

existe, para Baumann (2001), a decadência do engajamento político. E, nessa conjuntura,

avaliamos que os movimentos ambientais querem subverter essa ordem, pregando novas

formas de participação, engajamento e ativismo, mas por meio de ferramentas tecnológicas

que estão, de certa forma, adaptadas a essa liquidez (agora, o indivíduo se mobiliza sozinho,

por meio do computador, por exemplo). Baumann (2001) esclarece que enquanto o cidadão

tenta buscar o bem estar comum, com uma causa também comum, o indivíduo tende a ser

morno, cético, sua atuação deve satisfazer apenas seus próprios interesses. Esse

individualismo permeia a questão ambiental, pois mesmo em processos que se pressupõem

interesses de cidadão, do bem comum, uma vez que as causas ambientais são em sua essência

altruístas, há uma tentativa de individualização, de responsabilizar o indivíduo, de exigir que

‘cada um faça sua parte’. Isso integra a tendência dessa modernidade que acredita que as

soluções, para parecerem razoáveis e viáveis, devem ser acompanhadas da individualização

das tarefas e responsabilidades, como explica Baumann (2001). O próprio Greenpeace tem

entre seus valores institucionais estimular atitudes individuais que promovam a solução dos

problemas ambientais.

E, nessa direção, não existe espaço para revoluções sistêmicas. “Ninguém ficaria

surpreso ou intrigado pela evidente escassez de pessoas que se disporiam a ser

revolucionários: do tipo de pessoas que articulam o desejo de mudar seus planos individuais

como projeto para mudar a ordem da sociedade” (BAUMANN, 2001, p.12). Percebe-se sim, e

vamos confrontar isso mais a frente, uma mudança conjuntural com a difusão das tecnologias

da comunicação e das redes digitais, atuando na articulação de manifestações e

reivindicações. Ainda que nem sempre massivas e sistêmicas, a Internet vem possibilitando

importantes mobilizações em torno de propostas pertinentes e emancipatórias. Todavia vale a

ressalva que essa sociedade líquida está caracterizada pelo consumo em todos os âmbitos,

inclusive nas causas que adere, no movimento que se associa, na própria identidade e na

71

comunidade/rede da qual faz parte. Existe uma nova denominação de comunitário que traz a

emergência da identidade, da proximidade, da ilusão de compartilhar um objetivo comum e,

assim, eliminar as incertezas do momento, mas que pode, na realidade, não ultrapassar o nível

da excitação e da performance (Baumman, 2001, p.229).

Mas do outro lado desse esvaziamento declarado por Baumann, uma característica da

contemporaneidade, colocada por Harvey (2004), que vem ao encontro dos movimentos

sociais, é o pluralismo pós-moderno, que dá voz e vez aos diferentes grupos, que são aceitos

como legítimos e autênticos. Visualizamos agora, de maneira mais declarada, a compreensão

da diferença e da alteridade e um potencial mais aberto aos movimentos sociais de diversas

ordens, entre eles o ambiental. Apesar da prevalência de características efêmeras e apolíticas,

Harvey (2004, p.53) cita justamente as tecnologias como responsáveis por abranger este

panorama ao oferecer novas possibilidades de informação, produção, análise e transferência

de conhecimento na condição pós-moderna. Essas aparentes contradições do momento

revelam as brechas da modernidade líquida: ao mesmo tempo em que podem não propiciar

grandes revoluções dão espaço significativo para pequenas revoltas, privilegiam o indivíduo,

mas colocam em destaque as comunidades, trazem como característica principal o

esvaziamento, contudo dão vez à pluralidade de vozes, permitem também que a luta ambiental

ganhe centralidade e se utilize de diferentes estratégias para colocar em pauta questões

importantes, possibilitando a reconfiguração das formas de mobilização e ativismo.

Leff (2001, p.119) avalia também que o movimento ambiental emerge no tal vazio

pós-moderno, mas consegue apropriar-se das condições do momento, transformando a

desarticulação e o esvaziamento das motivações em um novo saber ambiental, impondo novas

demandas, mobilizações cidadãs, lutas de resistência e questionamentos do modelo de

desenvolvimento, agora com armas novas, vindas da cibernética, substituindo “a construção

social de utopias por um jogo de realidades virtuais”.

A microeletrônica e as telecomunicações não são ferramentas para subjugar os despossuídos, mas instrumentos de luta em defesa dos direitos humanos que enlaçam um movimento solidário internacional. Também abriram a possibilidade de transmitir os fatos ocultados pelos mecanismos dos poderes estabelecidos e de mostrar o uso ilegítimo da violência e do poder do Estado. (LEFF, 2001, p. 130)

O uso da tecnologia vem estabelecer inéditas relações de poder no conflito

ambientalista e emancipação de grupos, configurando também os novos atores sociais “para

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forjar, em oposição à modernidade, um mundo novo, onde a racionalidade ambiental recebe,

conjuga e dispersa as luzes e as vozes pela democracia, pela sustentabilidade e pela justiça

social” (LEFF, 2001, p.132).

Assim, os movimentos ambientais embrenharam-se na rede e podem ser focalizados

como um dos protagonistas dessa modernidade indefinida, e tornaram-se também vitrine para

um tipo de espetáculo que há muito caracteriza as investidas midiáticas e acaba por moldar

também as causas e lutas reivindicatórias.

O espetáculo consolida-se em um tempo e espaço situado na condição pós- moderna,

como coloca Harvey (2001), e ou na modernidade líquida, como prefere Baumann (2001), e

atua como caracterizador de uma época. O sensacionalismo em eventos políticos, científicos,

militares, o predomínio das imagens, ou seja, o triunfo da estética sobre a ética é pulsante.

Editada pela primeira vez em 1967, a obra Sociedade do Espetáculo de Guy Debord

pode parecer distante das demandas contemporâneas, mas seria imprudente entrar nessa seara

sem ao menos lembrar o autor que conseguiu marcar o tempo e o espaço do espetáculo, ditado

e propiciado pelos meios de comunicação. Muitas ressalvas podem ser feitas, mas a obra de

Debord encontra ecos na contemporaneidade e o próprio autor faz uma advertência na edição

francesa de 1992, que convém concordar, de que uma teoria não se altera facilmente, “pelo

menos enquanto não forem destruídas as condições gerais do longo período histórico em que

ela foi a primeira a definir com precisão” (DEBORD, 1997, p.9). Além disso, ele mesmo

avalia que os acontecimentos posteriores à publicação do livro só corroboraram e ilustraram

ainda mais a teoria do espetáculo. A mesma tendência notamos na divulgação das questões

ambientais e outras reivindicações, em que o espetáculo torna-se crucial, ainda que em um

sentido distante das propostas iniciais do autor pioneiro. As organizações contemporâneas, no

geral, entenderam perfeitamente a necessidade da visibilidade para sobreviver em uma

sociedade midiática.

Na visão de Debord prevalece a versão pessimista do espetáculo, que gera alienação,

passividade, despolitização, incluindo a própria negação da vida real. “O espetáculo não é um

conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”

(DEBORD, 1997, p.14). A raiz do espetáculo está na economia, na sociedade do consumo que

transforma tudo em mercadoria, até a revolta e a própria insatisfação pessoal/social

converteram-se em produto espetacular veiculado. Se antes, especificamente pelos meios de

comunicação, atualmente o show da revolução é produzido também em mídias virtuais, pelos

73

próprios cidadãos insatisfeitos, e disponibilizado sobremaneira nas redes sociais digitais e

outros espaços virtuais colaborativos.

Os excessos midiáticos são os caracterizadores, criadores e mantenedores do

espetáculo. Tem-se a política espetáculo, a justiça-espetáculo, a medicina-espetáculo

(DEBORD, 1997, p.171) e podemos incluir aqui uma causa ambiental-espetáculo. Mas vale

relativizar o pensamento de Debord, porque, na sua opinião, a condição espetacular não

suporta assuntos sérios, e ele mesmo cita que questões como a poluição dos oceanos, a

destruição das florestas, a camada de ozônio não conseguem integrar o espetáculo, mas hoje

avaliamos como perfeitamente possível. Os assuntos são sim colocados em evidência e com

espaço para discussão, ainda que não no nível de profundidade exigido. O Greenpeace, por

exemplo, desenvolve suas ações com temas de seriedade e relevância como Amazônia, Clima

e Energia, Transgênicos em seus projetos e ações, mas que são frequentemente

‘incrementados’ com ações espetaculares. Debord (1997) também destaca que o espetáculo

tem o poder de retomar personagens, salientar sobreviventes fictícios, criar acontecimentos. E

a própria ciência oficial, que trata de assuntos importantes que não estariam, teoricamente, na

lona do espetáculo, rendeu-se às técnicas de teatro mambembe, ilusionistas, equilibristas,

magos, seitas, ou melhor, uma “encenação do pensamento do entretenimento” (DEBORD,

1997, p.209). É assim que, para divulgar as problemáticas ambientais, o Greenpeace utiliza

desses artifícios, com ativistas escalando altos prédios e monumentos, enfrentando grandes

corporações ou quando entra em cena a embarcação Rainbow Warrior (guerreiro do arco-íris)

perseguindo os grandes navios baleeiros para denunciar a caça às baleias e proteger a vida

marinha.

Aqui vale indagar: se antes o espetáculo era visto como ferramenta de pacificação e

despolitização, como fica incorporado à luta ambiental que é, em sua essência, eminentemente

política e contestadora dos paradigmas desenvolvimentistas? As táticas, inicialmente

despolitizadas/ manipuladoras do espetáculo, não podem deflagrar uma mobilização ou

reivindicação legítima contra uma empresa poluidora?

Neste sentido, talvez não seja o caso de caracterizar esse espetáculo como meramente

alienante, como indica Debord (1997), mas como uma estratégia necessária para conquistar

um público já acostumado e acomodado às entranhas do espetáculo. Além de ter como

imperativo a rentabilidade econômica que os grupos organizados precisam para manter suas

atividades. O Greenpeace, diferente de outras ONGs que captam recursos por meio de editais

públicos ou patrocínio de empresas privadas, informa, se não esbraveja, em sua divulgação

74

institucional, que sobrevive única e exclusivamente de doações de filiados, com a justificativa

de não se comprometer com qualquer tipo de corporação, assim, os filiados e potenciais

apoiadores devem ser sensibilizados, em especial, pela comunicação, para fazerem suas

doações. Mas ponderamos aqui que não temos uma visão ingênua do Greenpeace como

organização isenta e espetacular por escolha própria ou puramente para abranger a causa. Ele

fala de algum lugar e para alguém, tem uma identidade social, busca um propósito, transmitir

um valor, em meio a uma opacidade cultural e social difícil de identificar a olho nu, portanto,

a problematização é necessária e nos permite compreender a comunicação da organização

com toda a complexidade abarcada. Além disso, a problemática ambiental atua muitas vezes

como pano de fundo para questões políticas e econômicas mais intensas.

Mas se para Guy Debord a sociedade do espetáculo se resume à produção e consumo

de imagens, mercadorias e eventos em um estágio específico da sociedade capitalista, para

Kellner (2003, p.5) o espetáculo, em especial, é menos abstrato e generalizado, avaliado como

“aqueles fenômenos de cultura da mídia que representam valores básicos da sociedade

contemporânea, determinam o comportamento dos indivíduos e dramatizam suas

controvérsias e lutas, tanto quanto seus modelos para a solução de conflitos”. Kellner (2003)

situa o espetáculo no contexto da globalização, como uma cultura que está adentrando novos

domínios do ciberespaço, e, assim, compondo uma sociedade de infoentretenimento

organizada em rede, e não necessariamente como um componente de alienação, que distancia

o indivíduo das questões políticas reais. Com essa proposta, o autor acredita ser prudente

avaliar como os espetáculos são produzidos, construídos e circulam na contemporaneidade,

propiciando conhecer o modelo em rede e aprofundar-se em suas técnicas e objetivos.

O espetáculo se desenhou com “um dos princípios organizacionais da economia, da

política, da sociedade e da vida cotidiana” (KELLNER, 2003, p.5) e ganha real impulso na

cibercultura e nas possibilidades que ela proporciona. Se a cultura da mídia desde sempre deu

espaço às excentricidades, agora proporciona amostras ainda mais sofisticadas

tecnologicamente, denominadas pelo autor como espetáculos de tecnocultura, que conquistam

espaço nas esferas da vida. “Os conflitos sociais e políticos estão cada vez mais presentes nas

telas da cultura da mídia”, alerta Kellner (2003, p.5) e isso fica mais latente na Internet com

sites e redes propondo discussões, mobilizações, disponibilizando imagens, sons, jogos,

interatividade.

Apenas ter um espaço virtual com conteúdo, como um website ou blog não é

suficiente, ele deve ser um espetáculo interativo, que mostra não somente os produtos e

75

informações, mas que oferece música e vídeos para serem baixados, jogos, prêmios, fotos,

hiperlinks, diversão, celebridades e inúmeras possibilidades midiáticas. E esse espetáculo

interativo em rede o Greenpeace bem conhece e oferece no seu portal institucional,

www.greenpeace.org.br. O espaço é multi/hipermidiático com conteúdos, histórico, os temas

que a organização atua, documentos para serem baixados, ícones das redes sociais e blogs,

seção Ciberativista com as petições online em vigor, espaço multimídia onde é possível ter

acesso a fotos, vídeos, jogos e gadgets, papeis de parede, notícias, vídeos, publicações

recentes com destaque para as principais campanhas da ONG em andamento, que, além de

explicações em textos e petições, trazem também vídeos e histórias ilustrativas, avatares e

banners para compartilhar. O espetáculo tornou-se um componente central dessa comunicação

em rede.

A partir da tradição do espetáculo, as formas contemporâneas de entretenimento, desde a televisão até o palco, incorporam a cultura do espetáculo a seus empreendimentos, transformando o filme, a televisão, a música, o drama e outras áreas da cultura, produzindo novas formas de cultura espetaculares tais como o ciberespaço, a multimídia e a realidade virtual. (KELLNER, 2003, p.7)

O autor avalia ainda que o aperfeiçoamento das técnicas e o domínio da tecnologia

propiciam o espetáculo do ciberespaço, em uma emergente realidade virtual e interativa, que

são fenômenos decorrentes da reestruturação global do capitalismo e da revolução

tecnológica, que trouxe novas formas de mídia e de tecnologias da comunicação, da

informação e da informática.

Hoje fica claro que estamos numa nova sociedade de infoentretenimento, numa rede de economia globalizada e numa nova tecnocultura da Internet (...) espetáculo que constitui uma nova configuração da economia, sociedade, política e vida cotidiana, que envolve novas formas de cultura e de relações sociais e novos modelos de experiência. (KELLNER, 2003, p.14)

A cultura do espetáculo é facilitada pelas vantagens do ambiente da Internet:

otimização de recursos, baixo custo, tempo real, alcance imensurável, acesso facilitado,

formas colaborativas.

O espetáculo em rede da causa ambiental, por exemplo, proporciona a participação do

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internauta por meio das ferramentas online, dos mapas interativos, dos dossiês, das petições,

dos comentários em blogs e nas redes sociais, e não se restringem a seu objetivo principal,

mas carregam uma carga lúdica, ilustrativa, espetacular. A título de ilustração lembramos que

a campanha do Greenpeace contra exploração de petróleo em Abrolhos, no sul da Bahia,

lançada em agosto de 2011, levou o nome de “Deixe as baleias namorarem”

(http://www.greenpeace.org/brasil/pt/O-que-fazemos/Clima-e-Energia/Abrolhos/) focando no

mote de que as baleias se reproduzem, normalmente, nas águas mais quentes daquela região.

Já a manifestação contra as alterações do Código Florestal, iniciadas em setembro de 2011, foi

denominada no portal e nas redes com o slogan irreverente: “Desliga essa motosserra!”

trazendo a participação de artistas, a difusão intensa pelo Facebook e Twitter, petições

enviadas à Câmara dos Deputados e ao Senado e, inclusive, com integrantes do Greenpeace

marcando presença em Brasília com uma motosserra inflável gigante.

(http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/codigoflorestal-acompanhe-ao-vivo/blog/38250/)

O espetáculo iniciado no ambiente online, em grande parte, ultrapassa as fronteiras e

se transforma em um terreno, no mínimo arenoso, para diferenciar o real do virtual, já que as

campanhas são alicerçadas em problemas concretos e visam um resultado efetivo. Ganham

espaço também nos meios convencionais, principalmente quando a ONG, dentro de sua

especialidade, consegue oferecer imagens impactantes e diferenciadas, gerar polêmica e

garantir com isso um espaço midiático. E ainda alcançam a esfera pública (LYCARIÃO,

2011).

Com esta leitura do movimento ambiental emergindo na condição pós-moderna, na

modernidade líquida, como ator urbano, adequado à cultura da mídia, mas ao mesmo tempo

com contornos políticos importantes, podemos sugerir que, se antes o espetáculo era um

elemento pacificador e despolitizador, que afastava de questões políticas reais, agora mostra

um novo viés. O espetáculo que permeou a mídia e a vida cotidiana, e evoluiu para uma

manifestação da tecnocultura e do infoentretenimento, como bem avalia Kellner, (2003), pode

sim ser utilizado com um propósito meramente mercadológico e de acomodação, mas mostra

que também é capaz de dar espaço a resistência, a novas vertentes, proporcionar discussão e

colocar em evidência assuntos de relevância.

O espetáculo como caracterizador dessa pós-modernidade indefinida, dessa liquidez,

pode ser necessário para dar visibilidade a determinados assuntos e conseguir a aderência de

uma sociedade já refém desses componentes. O Greenpeace compreendeu isso e, desde a sua

fundação, se adequou à cultura da mídia e ganhou bases por todo o mundo. Estamos diante de

77

um panorama delicado em que o espetáculo pode estar diretamente relacionado às estratégias

discursivas da organização e, consequentemente, ao ethos que compõe a comunicação em

rede do movimento. E nesta perspectiva é crucial continuar compreendendo a origem e a

consolidação do Greenpeace, em especial em sua relação com a comunicação, para adensar o

contexto pesquisado.

2.3 O Greenpeace no espetáculo da mídia

O espetáculo é um componente latente na comunicação midiática antes mesmo de Guy

Debord anunciar, oficialmente, a existência de uma sociedade do espetáculo. E não é diferente

quando se estuda a dinâmica comunicativa dos movimentos sociais, em especial, o ambiental,

que soube se apropriar dos veículos de comunicação para divulgar a causa, conquistar

adeptos, adquirir legitimidade, apoio e mostra ainda mais destreza, atualmente, com as

ferramentas de comunicação digitais que otimizam recursos, tempo e aumentam de forma

imensurável o alcance das ações e campanhas, configurando um diferenciado ciberespaço que

reúne imagens, vídeos, textos, distintas mídias, propostas de ativismo e mobilização virtual.

E, neste ponto, nossas discussões evidenciam, se não revelam, que o surgimento de

uma das maiores organizações ambientalistas com espectro internacional, o Greenpeace, em

1971, coincide justamente com as atenções em torno de uma sociedade do espetáculo, no

âmbito midiático. Ou seja, sua fundação ocorre em um contexto de excessos midiáticos:

priorização das imagens, das representações em detrimento da realidade, da conversão do

mundo em produto, em mercadoria rentável (DEBORD, 1997). E, portanto, a organização não

só, de forma inerente, incorpora essas características para garantir sua sobrevivência em meio

à cultura da mídia, como aperfeiçoa os componentes do espetáculo para difundir e dar mais

abrangência à causa ambiental.

De caráter eminentemente urbano, criado em um contexto híbrido, de pós-

modernidade ou modernidade líquida, o Greenpeace desde sua fundação, apresentou fortes

características que permitem enquadrá-lo na sociedade do espetáculo, conforme propostas de

Debord (1997) e Kellner (2003). Gabeira (1988) deixa isso claro em um dos primeiros, se não

único livro publicado no Brasil que conta a história da ONG, ainda com estreita trajetória, no

final da década de 80, quando planejava sua representação no Brasil. Logo no princípio fez a

opção pela midiatização, pela visibilidade, com ações espetaculares, impactantes ou mesmo

diferenciadas, mobilizando um grande número de pessoas para revelar os desastres ambientais

78

e denunciar os problemas, utilizando-se da desobediência civil, conforme explica Gabeira. O

termo cunhado e praticado por Thoreau e Gandhi tem como princípio infringir leis

consideradas injustas, portanto, usar da transgressão para alertar a população, chamar atenção

à causa. A tal desobediência civil tem relação com as táticas de ação direta, que remetem aos

movimentos operários contra o desenvolvimento industrial e tecnológico29, e contesta

abertamente a democracia formal que não dá espaço suficiente ao cidadão comum. Assim, o

Greenpeace foi fundado pautado pela ética da responsabilidade pessoal e da confrontação

criativa e não violenta, pregando que a pessoa que testemunha uma injustiça torna-se

imediatamente responsável por ela. Os ativistas da ONG, por exemplo, participam de uma

action training, que ensina a não reagir com violência numa situação de confronto. Mas,

mesmo com o lema da não violência, um caso trágico marcou a história do Greenpeace em

1985. Um dos tripulantes morreu após o governo da França explodir o navio que protestava

contra experimentos nucleares em águas nacionais, caso que gerou uma das maiores crises

internacionais do governo de François Miterrand à época.

A trajetória oficial do Greenpeace, como retoma Gabeira (1988), tem início no final

da década de 60, quando sete mil manifestantes se concentraram entre Estados Unidos e

Canadá, para protestar contra a explosão nuclear na Ilha de Amchitka, em um bloqueio

simbólico, mas que mostrou pela primeira vez uma oposição maciça às práticas prejudiciais

ao meio ambiente. A manifestação não impediu a explosão, mas despertou os ânimos dos

manifestantes. Em 1971, voluntários tripulantes saíram do porto de Vancouver, lançando o

nome Greenpeace, dessa vez com uma tática bem definida: diante das câmeras de televisão,

com a presença de jornalistas a bordo não só para acompanhar e registrar a operação, mas

para dar notoriedade e evitar qualquer tentativa agressiva do governo de impedir o trajeto, que

ainda assim não se completou por falta de autorização da guarda costeira canadense. Mas na

volta ao porto milhares de manifestantes e apoiadores aguardavam o navio e respaldavam o

nome e a causa da “Paz Verde”. Gabeira (1988) avalia que essas tentativas, vistas

inicialmente como fracassos, deram início a uma luta política importante, que conquistou

resultados imediatos. Em 1972, o governo americano anunciou que não faria mais testes

nucleares na região de Amchitka e transformou a região em um santuário de pássaros. O 29 As formas de ação direta, pregadas pelo Greenpeace, não foram uma criação da ONG, mas uma retomada de protestos históricos, como o ludita, que no século XIX, de maneira mais direta realizava a quebra das máquinas em fábricas como forma de revolta contra a substituição de homens pela tecnologia. “Nos anos 1970, tornam-se comuns às táticas de ação-direta não violenta entre os movimentos ambientalistas que forneciam, deste modo, material polêmico para reportagens, particularmente quando as agências de notícias requeriam imagens frescas”(MARZOCHI, 2009, p.144).

79

Greenpeace ganhava forma e institucionalização, e concentrou-se inicialmente em três setores

de luta, que persistem até hoje: a bandeira antinuclear, contra substâncias químicas tóxicas e a

defesa do mar e de seus habitantes.

A luta pelo mar, no caso, tornou-se a principal atuação do Greenpeace, que além dos

testes nucleares, passou a combater também os barcos baleeiros, com um personagem a mais,

a embarcação Rainbow Warrior, na tradução, o guerreiro do arco-íris. Gabeira (1988) avalia

que o Greenpeace, assim como outros grupos que emergiram na modernidade, já

compreendiam que os temas só ganham pauta política e relevância social quando passam pelo

crivo da mídia. Nesse sentido, a opção pelo mar e por ações estrondosas buscavam dar

visibilidade e construir uma cena apropriada para colocar a causa ambiental em destaque.

De fato, pequenos botes de borracha enfrentando imensos navios em mares tempestuosos, tentando evitar que jogassem tonéis de lixo atômico no mar, eram imagens fortes. Diziam tudo a respeito da coragem do grupo, da desproporção de forças. E mostravam uma tática nova: a criatividade e surpresa que caracterizam as ações de guerrilha, com a diferença de que não emboscavam nem assaltavam ninguém (GABEIRA, 1988, p.32).

Assim, ou com barco ou mesmo com barreira humana, continua Gabeira (1988, p.33)

montavam a cena para denunciar a barbárie, com dimensões cinematográficas, efeito de

batalha naval e “com auxílio da imprensa, usava-se o próprio impulso dos poluidores para

projetar internacionalmente seus feitos e provocar a condenação internacional”.

Gabeira (1988) admite que as expressões lírico, romântico, poético, utópico estiveram

ligadas à história do Greenpeace, até porque teve sua criação calcada em ideais pacifistas e

em lendas indígenas do ‘guerreiros do arco-íris’, mas acredita que se trata de um movimento

moderno (ou da condição pós-moderna) que soube se apropriar das estratégias da cultura da

mídia. “Uma das chaves da modernidade do Greenpeace foi saber transformar suas ações em

imagens, foi perceber mais rápido do que qualquer outra força que sem essa tradução em

imagens espetaculares as grandes batalhas da Ecologia não decolam, não ganham o espaço

público” (GABEIRA, 1988, p.103). A organização acompanha e faz uso de técnicas

avançadas de comunicação, como facilmente observamos hoje com as diferentes tecnologias.

Mantêm sites, blog, redes sociais e atua em um âmbito multi/hipermidiático, operando um

espetáculo ambientalista em rede com repercussões na prática e nos meios de comunicação

convencionais.

80

Mas Gabeira (1988) pondera que o cenário não ganharia os holofotes se não fossem

três fatores essenciais: a importância real das denúncias, o charme e perigo das aventuras

geográficas e a luta desigual que se estabelece entre os pequenos barquinhos e os grandes

navios, por exemplo, que traduz a guerra dos cidadãos contra os grandes poderes das

empresas poluidoras ou governos descomprometidos.

A cultura da mídia, caracterizada pela representação “produzindo novos modelos de

identificação e imagem vibrantes de estilo, moda e comportamento” (KELLNER, 2001, p.27),

é incorporada por organizações, que precisam ‘vender’ suas campanhas, conquistar

seguidores, apoiadores, e para isso, fazem uso de imagens atraentes, produtos diferenciados,

personagens reconhecidos, celebridades do mundo do cinema e da TV, buscando gerar o

interesse necessário para o cidadão acompanhar a problemática e dar o seu respaldo. O

Greenpeace apropria-se, de forma deliberada e planejada de elementos ardilosos do

espetáculo para se consolidar enquanto movimento ambiental, imprimir significados e valores

para o entendimento das problemáticas ambientais. Isso porque, a organização foi capaz de

compreender que existe uma cultura veiculada pela mídia, que passou a integrar a vida

cotidiana e que domina o tempo de lazer, modela opiniões e comportamentos sociais

contribuindo para a construção do senso de classe, etnia, raça (KELLNER, 2001, apud

MIGUEL, 2009), e aqui podemos incluir também para a formação do conceito de meio

ambiente. Vale lembrar que ao mesmo tempo em que induz os sujeitos a conformar-se com a

organização vigente da sociedade, a cultura da mídia também pode oferecer recursos para

favorecer a oposição, a resistência, o conhecimento da política ambiental, as reivindicações da

área. Assim, como explica Kellner (2001, p.21), tem-se tanto a possibilidade de um modelo

que pode ser um entrave para a democracia quando reproduz ideais conservadores,

consumistas, como uma proposta avançada quando traz uma causa importante a ser discutida,

socializada, lançada no debate político.

Castells (2001), que situa o movimento ambiental na sociedade em rede, faz uma

breve avaliação do Greenpeace em sua obra ‘O Poder da Identidade’ e chega a afirmar que o

ambientalismo é um dos maiores representantes das demandas contemporâneas. Ele acredita

que o perfil da organização abarca três pontos nevrálgicos, sendo o primeiro a noção de

desaparecimento da vida no planeta, com base em uma lenda indígena norte-americana, da

etnia Cree, que traz a mensagem: “Quando a terra cair doente e os animais tiverem

desaparecido, surgirá uma tribo de pessoas de todos os credos, raças e culturas que acreditará

em ações e não em palavras e devolverá à Terra sua beleza perdida. A tribo será chamada de

81

'guerreiros do arco-íris’”30. O segundo ponto é a atitude de testemunha dos fatos como

princípio para ação e estratégia comunicativa. E o terceiro é voltado para um comportamento

pragmático, do tipo empresarial, de abandonar a discussão filosófica e partir para medidas

práticas, independente de governos, com campanhas específicas em torno de metas palpáveis

e buscando atrair a opinião pública. É uma organização ao mesmo tempo altamente

centralizada e descentralizada, com ações integradas e específicas, presente em 40 países,

atuando na perspectiva de problemas globais e mobilizando-se em torno “do princípio da

sustentabilidade ambiental como o preceito fundamental ao qual devem estar subordinadas

todas as demais políticas e atividades”. E completa, na sua perspectiva otimista: “os

guerreiros do arco-íris atuam nas fronteiras entre ciência a serviço da vida, a formação de

redes globais, a tecnologia da comunicação e a solidariedade entre gerações” (CASTELLS,

2000, p.151).

O autor avalia ainda que o Greenpeace é fortemente focado e não dá tanta abertura ao

diálogo com outros grupos ambientais ou com filosofias diferentes, veem o Estado-Nação

como o maior obstáculo ao desenvolvimento sustentável, buscam respostas práticas,

imediatas, compromissos, atuam com lobby, com a criação de eventos que mobilizam a

opinião pública e exercem pressão sobre as autoridades, buscando a resolução específica dos

problemas, superando as formas tradicionais de políticas. O grande respaldo social

conquistado se dá por conta da legimitidade das questões levantadas, relacionadas diretamente

a valores humanistas, a uma causa nobre de sobrevivência, coloca Castells (2000).

A organização soube utilizar a seu favor as estratégias de comunicação e está na

vanguarda das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) para planejamento e

execução da causa. Com isso, podemos visualizar de antemão que o impacto de movimentos,

como o Greenpeace, tem relação direta com o uso eficaz de um discurso próprio, amparado

pelas tecnologias e que garante presença marcante na mídia.

Pode-se dizer que os novos movimentos de protesto lançam mensagens e projetam reivindicações sob a forma de uma política simbólica, característica da sociedade da informação. Suas habilidades no trato com a mídia são poderosas ferramentas de combate, enquanto suas armas e manifestos são meios de gerar um evento digno de nota pelos órgãos de imprensa (CASTELLS, 2000, p.134).

30 A mensagem é colocada por Castells (2000, p.150) e consta também no portal www.greenpeace.org.br, com poucas diferenças de tradução.

82

O Greenpeace também firma sua posição de competência técnica e de

internacionalização perante os diversos setores da sociedade e governos, porque foi uma das

primeiras organizações ambientalistas a adquirir status consultivo no Sistema das Nações

Unidas, ou seja, tem representação oficial e pode participar, opinar e propor temas no

Conselho Econômico e Social e no Departamento de Informação Pública, para a agenda da

Assembleia Geral da ONU. Por conta disso, Vieira (2001, p.249) chega a afirmar que

organizações como o Greenpeace “tem mais poder no cenário internacional que a maioria dos

países”.

Confrontando agora com as informações oficiais constantes nos espaços de

informação da organização, em especial os portais eletrônicos (greenpeace.org/ brasil;

greenpeace.org/international), a história da ONG – em fase comemorativa, já que completou

40 anos em 2011, e 20 anos de Brasil em 2012 – é contada com detalhes, com nome dos

tripulantes, águas a serem navegadas, feitos realizados. O primeiro protesto, realizado na Ilha

de Amchitka, com apoio do Navio Phyllis Cormarck e que marcou a fundação é descrito pela

organização.

Em 15 de setembro de 1971, um grupo de 12 pessoas, entre ambientalistas e jornalistas, levantou âncora no porto de Vancouver, no Canadá. Assim nasceu o Greenpeace (...) No mastro da embarcação, tremulavam duas bandeiras: a da ONU – para marcar o internacionalismo da tripulação – e outra com as palavras “green” e “peace” – representando a ideia da defesa do ambiente e da paz. (www.greenpeace.org/brasil)

E o pragmatismo também desde o início esteve presente, conforme informa o portal.

“O nome da nova organização é fruto do acaso: isoladas na bandeira do barco, essas palavras

não cabiam num button vendido para ajudar a arrecadar fundos para a viagem. Foi necessário

juntá-las. Nascia o Greenpeace”. Foi registrado oficialmente em 1972, em Vitória Columbia

Britânica.No final da década foi fundado o Greenpeace Internacional como o alicerce,

inicialmente, para sete escritórios pelo mundo. Em 1985 ja eram 17 bases, e na década de 90 a

ONG ja estava presente em mais de 30 países.

Weiler (2004) conta que, em sua fundação, o Greenpeace conseguiu reunir jornalistas,

músicos, biólogos, advogados, professores, cientistas e marinheiros que tinham como meta

alertar e pressionar governos, empresas e a própria sociedade para ter responsabilidades com

o meio ambiente. E sua difusão pelo mundo foi possibilitada pelo esforço de militantes locais,

que incorporaram a luta ambiental, na perspectiva de seus países. Para o autor, um dos

83

cofundadores da ONG, é certo que o estilo guerrilha da paz conseguiu mudar o modo como as

pessoas pensam o mundo à sua volta.

De fato, trata-se da maior instituição ambientalista do mundo, atuando em todos os

continentes, que se autodeclara como um movimento universal, constituído por cidadãos do

mundo. Conta com escritórios em 40 países, 2.500 funcionários, quase quatro milhões de

colaboradores (entre voluntários, ativistas e financiadores), e três embarcações para

monitoramento, pesquisa e ações de mobilização (Rainbow Warrior, Artic Sunrise e

Esperanza). Entre os valores declarados pela organização estão: 1. Independência, anunciando

que não aceita doações de governos, empresas ou partidos políticos, sendo financiada pelos

mais de três milhões de colaboradores de todo o mundo31. 2. Não violência e confronto

pacífico, buscando chamar a atenção do público para a problemática ambiental. 3.

Engajamento, na perspectiva de mudanças de atitudes individuais para colaborar, enfrentar os

problemas e promover soluções. Internacionalmente, as linhas de atuação são: Mudanças

Climáticas, Florestas, Oceanos, Agricultura, Poluição, Nuclear, Paz e Desarmamento. No

Brasil os eixos principais são: Amazônia, Clima e Energia (GREENPEACE

INTERNATIONAL; GREENPEACE BRASIL, 2012).

A base internacional da ONG está situada em Amsterdam e é comandada por um

conselho de administração que define as prioridades de atuação, o planejamento e execução

das campanhas. A estrutura internacional é responsável pela destinação de recursos

financeiros, monitoramento do desempenho global do Greenpeace, inclusive financeiro, pelo

aporte à política organizacional, concessão da marca, e também dá suporte à captação de

recursos. Integra um programa de transparência na prestação de contas, atua com uma carta de

responsabilidade internacional que fixa valores e funcionamentos, baseia-se em boa

governança e gestão compartilhada, por isso passa por auditorias externas e torna público os

relatórios financeiros anuais, disponíveis no portal do Greenpeace em cada país. As

campanhas principais são definidas no Greenpeace Internacional para todos os escritórios,

31 Há controvérsias com relação à tão proclamada independência financeira. Matéria publicada no blog Libertad Digital e reproduzida em diversas mídias no Brasil, acusa o Greenpeace de receber, por meio de fundações, recursos de grandes magnatas norte-americanos do setor petrolífero, automobilístico e da cadeias de comunicações, como de Ted Turner da CNN e da família Rockefeller, controladora, entre outros, da Exxon Mobil. Segue nas referências. A ONG, segundo informa em missão e valores, não recebe dinheiro de governos ou órgãos multilaterais como ONU, Comunidade Europeia, mas aceita doações de fundações e organizações não governamentais independentes. O incentivo à doação financeira de pessoas físicas, como apontamos no Capítulo I, recebe grande atenção do Greenpeace no portal, com banners, destaques e página específica para fazer a doação financeira por meio da Internet.

84

mas os argumentos nacionais podem ser diferentes, assim como as atuações locais,

preferencialmente, em complemento às campanhas globais.

Segundo o relatório financeiro mundial da organização, o Greenpeace Annual Report

(www.greenpeace.org/international/en/about/how-is-greenpeace-structured/reports/), que

relaciona os investimentos realizados em 2012 com campanhas, estruturas, profissionais e

outras frentes de ação, os contribuintes individuais, quase três milhões de pessoas, doaram o

equivalente a 264 milhões de euros, 9% a mais que em 2011. A título de comparação, vale

lembrar que na década de 80, segundo dados de Gabeira (1988, p.90) esse valor nao

ultrapassava os 20 milhões de dólares anuais. Os maiores contribuintes atualmente estão na

Europa, em especial, Alemanha, Holanda, Suíça, França e também nos Estados Unidos. Os

recursos do Greenpeace internacional foram investidos primeiramente em suporte

organizacional, seguido da campanha Clima e Energia e das operações marinhas. O quarto

maior valor (entre 12 frentes de investimento) foi aplicado no setor de mídia e comunicação.

As rede sociais digitais ganharam papel de destaque no relatório, contabilizam 24 milhões de

seguidores que se mobilizam, participam e colaboram com a organização por meio,

principalmente do Facebook e do Twitter. No Brasil, documento do mesmo período,

Relatório Anual 2012, (issuu.com/greenpeacebrasil/docs/relatorio_anual_2012_greenpeace),

aponta que 59% dos recursos provém do Greenpeace internacional, que agregados às doações

nacionais dos associados, totalizaram 21 milhões de reais, que foram empregados nas

campanhas, no relacionamento com os colaboradores, na própria manutenção e na informação

pública e difusão.

A organização estabeleceu sede por aqui a partir da década de 1990, mais fortemente

no impulso da Rio 92, apesar da ata de fundação datar de 20 de setembro de 1990. No dia 26

de abril de 1992, aniversário da explosão da usina nuclear de Chernobyl, o navio do

Greenpeace Rainbow Warrior zarpou para um protesto em Angra dos Reis, marcando

oficialmente a inauguração do Greenpeace no Brasil. Antes disso, porém, já vinha fazendo

denúncias sobre o lixo tóxico produzido e comercializado no Brasil por empresas como a

Produquímica. Também em 1992, a ONG deu início à investigação sobre exploração ilegal e

predatória de madeira na Amazônia, direcionando o trabalho para as problemáticas locais.

Logo depois, entre 1995 e 1999, iniciou a mobilização a favor de energia renováveis e contra

os transgênicos. Na sequência, já em 2000, a campanha contra tóxicos denunciou diferentes

empresas por contaminação de solo e água. Posteriormente, produziu guias para o consumidor

sobre as empresas que utilizam organismos geneticamente modificados, realizando campanha

85

pró-energias renováveis e contra a construção de Angra 3. Também deu continuidade aos

projetos contra o desmatamento na Amazônia, com as campanhas ‘Cidade Amiga da

Amazônia’, exigindo legislação que proibisse o poder municipal de adquirir madeira de

origem duvidosa, e o projeto ‘Desmatamento Zero’, em 2007, que reivindicou sete anos de

tolerância zero ao desmatamento da Amazônia, e também produziu relatórios com dados

específicos sobre a destruição da floresta. No ano seguinte, lançou a Campanha Oceanos, que

traz o Greenpeace de volta a suas origens da luta pelo mar e seus habitantes.

A partir de 2011 vem atuando de forma incisiva com mobilização pelo clima, com a

campanha pelo Ártico e pregando ações de redução das emissões de gases-estufa na

atmosfera, agiu diretamente em campanha contra as alterações no Código Florestal, e retomou

a proposta do “Desmatamento Zero” para aprovação do projeto de lei de iniciativa popular,

objetivando a criação de uma lei específica pelo fim do desmatamento na Amazônia até 2015.

Conta com escritórios em São Paulo, Manaus e Brasília, com 110 funcionários, 240

voluntários, 37 mil colaboradores (doadores) e um milhão de ciberativistas cadastrados

(http://issuu.com/greenpeacebrasil/docs/relatorio_anual_2012_greenpeace). A sede está

diretamente ligada à estrutura internacional, mas existe autonomia para conduzir as

campanhas que sejam de interesse local, além de contar com estatuto próprio, com diretoria e

conselho nacionais.

Mas vale comentar, ainda que empiricamente, que uma mudança de perfil, ou mesmo

crise de identidade, vem sendo notada na organização, principalmente a partir de 2010, com a

gestão do dirigente geral, o sul-africano Kumi Naidoo, acusado de tornar a organização mais

assistencialista, direção que ele não nega, e avalia como inerente a qualquer ativismo32. O

dirigente já manifestou que o movimento ambiental não pode continuar sendo visto como um

projeto das elites mais preocupadas em salvar animais do que as próprias pessoas, que são

diretamente atingidas por problemas ambientais. Com isso, ele prega que o Greenpeace

assuma também a preocupação social e o combate à pobreza, por exemplo. O Brasil, em

específico, tornou o olhar da ONG mais amplo e o conceito de justiça social foi incorporado

ao trabalho da organização, com ações voltadas para as causas indígenas, povos tradicionais, e

agricultura familiar, ainda que em menor escala. Nesta fase a organização também se centra

32 Em matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, em 24 de junho de 2012, Kumi Naidoo, que participava da Rio+20, comenta a mudança de perfil da organização. Consta nas referências. Mas vale ressaltar que a própria expansão do Greenpeace na década de 90, com atuação em países pobres da América Latina e África já trouxe a preocupação com o social, até então relegada ao segundo plano por concentrar as atividades apenas em países desenvolvidos. No Brasil, por exemplo, a ONG desenvolve trabalhos com indígenas e comunidades carentes.

86

em ações burocráticas, propostas de políticas públicas e lobbies com governos, mas não

abandona as ações espetaculares, como os protestos em alto mar e as ações polêmicas que

rendem apelo midiático33.

Todo esse percurso da organização nos permitiu não só justificar a escolha do

Greenpeace para ilustrar o entendimento da comunicação dos movimentos ambientalistas em

rede, como propõe nossa tese, mas também esclarecer o contexto estudado, levantar pistas,

indagações que nos prepararam para adentrar o âmbito das tecnologias da informação e

comunicação e a seara do discurso. As próximas fases do nosso trabalho serão planejadas

considerando, mais uma vez, Castells (2000, p.95), que coloca que os movimentos sociais

devem ser entendidos em seus próprios termos: as práticas discursivas são sua autodefinição,

contradições estruturais existem, mas a pretensão não pode ser interpretar a ‘verdadeira’

consciência dos movimentos.

Os movimentos sociais contemporâneos estão imersos nas TICS e ampliam o alcance

das lutas por meio das diferentes possibilidades de comunicação, mobilização e participação

do contexto tecnológico. Nossa tarefa seguinte é justamente abarcar o universo das

tecnologias, seus impactos, clarear o cenário da cibercultura e conjecturar sobre as propostas

de colaboração e ativismo em rede. Trabalhamos com a ideia de uma cibercultura que se

funde e confunde com a própria cultura contemporânea, e que em todas suas esferas encontra-

se afetada pelas influências tecnológicas.

33 Em setembro de 2013, 30 ativistas do Greenpeace foram presos na Rússia, acusados de vandalismo, após realizarem um protesto em alto mar com o navio Artic Sunrise, na tentativa de estender uma faixa na plataforma de petróleo Gazprom. Foi então desencadeada uma repercussão internacional, com mobilização pela libertação dos ‘30 do Ártico’, entre eles a brasileira Ana Paula Maciel, com mais de 800 protestos em 46 países e três milhões de e-mails enviados para a embaixada russa. Os ativistas foram soltos dois meses depois e anistiados de todas as acusações (http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Anistia-aos-30-do-Artico/).

87

CAPÍTULO III – TECNOLOGIAS SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO E DA

MOBILIZAÇÃO

As diferentes formas de comunicar amparadas pelas tecnologias sociais, colaborativas,

em rede, que compõem a cibercultura, aquela própria da contemporaneidade. A

Internet como um espaço de convergência, participação, resistência, mas também de

controle, poder e segregacionismo, que remodela a interação social e a atuação dos

movimentos ambientais.

3.1 O fundamento da sociedade em rede e das tecnologias da sociabilidade no

controle e na resistência.

Nosso fio condutor neste momento é entender as prerrogativas de uma sociedade

caracterizada pelas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), que vem alterando não

só as formas de comunicação, mas também as relações sociais, econômicas e ambientais.

Decifrar a cibercultura e a experiência comunicativa online do movimento ambiental passam

por compreender o espaço virtual, que possibilita as diferentes formas de comunicação em

rede, os processos de construção de interatividade, mobilização e ativismo e seus possíveis

impactos na sociabilidade. Um parêntese se abre aqui para esclarecer o conceito de

sociabilidade na perspectiva comunicacional. Pensamos além das relações sociais

estabelecidas e ou da configuração da vida social delineada pelos meios de comunicação, para

centralizar as diferentes formas de agregação, um novo traçado social impulsionado pelas

tecnologias, que provocam profundas alterações na realidade, na maneira de pensar e nos

próprios esquemas interpretativos para entendimento do mundo (FRANÇA, 1995) 34. Silveira

(2010) cunha a expressão ‘ciberviventes’ justamente pela sociabilidade cada vez mais

impregnada realizada por redes digitais de comunicação e controle.

34 Consideramos a concepção sintetizada por França (1995), que toma por base autores como Simmel e Maffesoli, que desenvolveram conceitos de sociabilidade. A autora avalia que os meios de comunicação inauguram uma nova (ou distinta) sociabilidade, com diferentes cenários, atores, linguagens, reordenamento do espaço. A sociabilidade se amplia, vai além da tendência a se associar ou de construir um processo comum, e entra aqui a proposta de Simmel de entendê-la como forma lúdica, marcada pela inexistência de fins práticos. “Dentro do campo da sociabilidade, os indivíduos se comprazem em estabelecer laços, e esses laços têm em si mesmos sua razão de ser” (FRANÇA, 1995, p.60). Enquanto Maffesoli traz a abordagem da sociabilidade para a ordem do afetivo, do sensível e do efêmero, anulando seu fim pragmático. Este panorama da sociabilidade como algo intangível ‘irreal’ se enquadra no entendimento que buscamos das TICs e seus processos, que são justamente marcados pela diversidade, pelas experiências, pela linguagem, por toda uma atmosfera simbólica, lembrados pela autora no contexto dos estudos das interações comunicativas.

88

A influência e impacto das TICs na sociedade contemporânea são abarcados por

diferentes correntes teóricas que se lançam, se renovam, se substituem pela própria

efemeridade dos processos, que exige atualização em tempo recorde. O precursor em

reconhecer uma ‘era eletrônica’ e a centralidade das tecnologias na vida social foi o teórico

canadense Marshal McLuhan, que desenvolveu, na década de 1970, noções de aldeia global,

retribalização, meios como prolongamento dos sentidos humanos, que parecem anteceder o

futuro. Na obra “Os meios de comunicação como extensões do homem” (2002), o autor, um

entusiasta das técnicas e da ‘era da informação elétrica’, prenuncia que os meios eliminam

fatores de tempo e espaço, projetam e dilatam um sistema nervoso central no homem. Os

grandes meios tecnológicos, em especial a televisão, implementam a continuidade e a

linearidade, mediante repetição fragmentada, e têm o poder de envolvimento em profundidade

e integração (MCLUHAN, 2002). Nesse sentido, em uma releitura dos prognósticos de

McLuhan, a Internet materializaria uma aldeia global, ou seja, a unidade mística da

humanidade (WOLFE, 2005).

A denominação Sociedade da Informação vem na sequência, em uma tentativa de

conceituar as mudanças tecnológicas em curso, tendo sido apropriada por teóricos da

comunicação, e é explicada histórica e conceitualmente aqui por Mattelart (2006). “A

aparente inovação ou caráter de mudança revolucionária da era da informação, na verdade,

oculta um produto de evoluções estruturais e de processos que estão em curso há muito

tempo” (MATTELART, 2006, 174). O conceito foi usado formalmente, em 1975 pela OCDE

(Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e começa a tomar os

organismos internacionais que passam a discutir as implicações da informatização nas

sociedades, no emprego, no desenvolvimento. O relatório Nora-Minc (1980) faz o alerta sobre

a informatização da sociedade, como alternativa para agravar ou contribuir para o

desenvolvimento dos países. Discute também o papel do Estado mediante uma sociedade civil

em ascensão e como lidar com as novas forças em emergência35. Em 1995, os países do então

G7 ratificam o termo Global Society of Information (Sociedade Global da Informação) em

uma perspectiva de nova ordem mundial da informação (MATTERLART, 2006, p.129).

Matterlart descreve a era da informação ou um universalismo, embasado em revoluções

35 O relatório L'informatisation de la société, elaborado pelos funcionários franceses Simon Nora e Alain Minc, foi publicado em 1978, e inaugurou a preocupação sobre a crescente informatização da sociedade. Na obra, se lança o termo telemática, que une informática e telecomunicações para se referir ao processo de informatização à distância. O relatório foi traduzido no Brasil. NORA, Simon & MINC, Alain. A informatização da sociedade. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1980.

89

tecnológicas e científicas, processos desmaterializados, que minimizam a relação antes central

de capital e trabalho para evidenciar um poder global mais difuso, participativo e menos

autoritário. Entre as denominações para as conjunturas criadas pelas TICs, Mattelart (2006)

também cita o termo mundialismo, forjado para assinalar a simbiose com um pensamento da

rede universal, marcado pela aceleração do fluxo de informação e comunicação que ampliam

o círculo social, e provoca uma emergência dos públicos. Mattelart (2006) avalia que há dois

axiomas opostos sobre a sociedade da informação, um deles que versa sobre uma nova era das

mediações, já não tão nova assim, que pressupõe mediações infinitas, um sistema tão

abrangente e complexo que se torna acéfalo, sem responsáveis ou líderes. A outra máxima

seria a saída dessa mesma era das mediações para uma comunicação particular, customizada,

em uma tese de desintermediação (MATTELART, 2006, p.146). Lemos e Levy (2010, p.30)

no âmbito da Sociedade da Informação, descrevem que ela transformou o modelo industrial

em três pilares fundamentais: a estrutura em rede, as redes sociais e a

globalização/desterritorialização, que acabam por desenhar uma nova relação política. O

termo e o contexto de tal sociedade da informação são imprecisos, remetem à mundialização,

descentralização, empoderamento, mas não nos interessa enquadrar a sociedade em

qualificações fechadas, mas entender a paisagem em que se desenvolve e revisar as múltiplas

possibilidades e usos no mundo digital.

Nossa grande matriz, no entanto, para explicar as implicações das tecnologias nos

diferentes âmbitos da sociabilidade vem da Sociedade em Rede, que integra a tal Era da

Informação. As características principais (e iniciais) dessa sociedade, dissecada por Castells

(2000)36, dispensa apresentações mais detalhadas, mas convém lembrar que se trata,

primeiramente, da passagem do padrão industrial para o informacional do desenvolvimento. A

Internet como espinha dorsal da comunicação global, que promove uma nova cultura (da

virtualidade real) baseada no espaço de fluxos e tempo intemporal.

36 O conjunto da obra A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, inclui os volumes ‘Sociedade em Rede’, ‘O Poder da Identidade’ e ‘Fim do Milênio’. No primeiro livro sobre a sociedade em rede, Castells (1999) traça um panorama da revolução das tecnologias da informação e comunicação, a partir da década de 70, do ciclo de realimentação cumulativa entre inovação e uso das tecnologias, e a influência desses processos no desenvolvimento social e econômico, no mercado de trabalho e, obviamente, na comunicação, forjando um capitalismo informacional. E é nesse contexto que Castells (1999) emprega o termo cultura da virtualidade real, evidenciando que realidade e virtualidade são sempre mediadas por símbolos e representações. Ainda na esteira de McLuhan, o autor coloca os equipamentos eletrônicos, e em especial os computadores, como amplificadores e extensores da mente humana. Todas essas questões foram reiteradas e atualizadas pelo autor em obras posteriores. Suas releituras e propostas mais recentes trazem um viés de comunicação, poder e mobilização que nos interessa sobremaneira e são usadas preferencialmente no presente capítulo.

90

A sociedade em rede, como aquela marcada pelos nós interconectados, que atuam de

acordo com os programas da rede e de sua interação com outros nós, que se renovam, são

eliminados e substituídos, conforme a necessidade é reiterada por Castells (2011) em obra

mais recente. Na vida social, essas redes são estruturas comunicativas complexas, que se

adaptam ao entorno operativo, com objetivos que garantem a unidade de propósito e a

flexibilidade, e são programadas pelos próprios atores sociais. Mas as redes não são uma

forma específica das sociedades contemporâneas ou mesmo da organização humana, são

estruturas de organização e interação sociais fundamentais da vida, e que sempre existiram.

Hoje, porém, ganham centralidade pela dinâmica das tecnologias. “Uma sociedade em rede é

aquela cuja estrutura social está composta de redes ativadas por tecnologias digitais da

comunicação e da informação, baseadas na microeletrônica” (CASTELLS, 2011, p.51,

tradução nossa). E com base nessa conjuntura que lançamos mão da expressão comunicação

em rede para nortear nossa Tese.

As práticas em rede se baseiam em fluxos de informação processados pelas

tecnologias da comunicação, entre o internauta, as redes e os diferentes lugares. Trata-se de

um espaço de fluxos que une “os lugares em que se localizam as atividades (e as pessoas que

as executam), as redes de comunicação material que vinculam essas atividades, e o conteúdo e

a geometria dos fluxos de informação que desenvolvem as atividades em termos de função e

significado” (CASTELLS, 2011, p.63, tradução nossa).

Ainda neste contexto de mudanças sociais, convém abarcar também a obra profética

de Tofler (2005)37, que narra um cenário em que foi decretada a morte do industrialismo para

ascender uma nova civilização que ele denominou enquanto a Terceira Onda, que desafia

todas as velhas pressuposições, apresentando novas relações geopolíticas, estilos de vida e

modos de comunicação, proporcionados pela tecnologia. Enquanto a primeira onda, da fase

agrícola, perdurou até século XVII, quando se inicia a fase industrial que ocupou centralidade

por pouco mais de 300 anos, a terceira onda se forma em poucas décadas. A característica

desta onda é justamente o avanço tecnológico e das telecomunicações, a chamada infosfera -

canais de comunicação que formam a arquitetura da sociedade contemporânea.

Essas modificações influenciaram, inclusive, a visão de natureza lembra o autor. A

segunda onda foi marcada por uma posição da “industrealidade” (TOFLER, 2005, p. 115) que

pregava a exploração da natureza por trás de uma proposta ubíqua de progresso. Já a terceira

onda, coloca em evidência movimentos, como o ambiental, que alertam sobre os processos de 37 A primeira edição da obra A Terceira Onda do norte-americano Alvin Tofler, a qual nos referimos, é datada de 1980.

91

destruição para evidenciar uma proposta de relações ecológicas mais equilibradas, que

minimizam impactos e pregam o resgate do natural.

A força motriz desse espaço de fluxos que é capaz de dissolver o tempo e desordenar a

sequência dos acontecimentos e conhecimentos, subverter a noção da simultaneidade, e

congregar diferentes meios e canais em uma proposta de convergência midiática é a Internet.

Castells (2003, p.277) a define como “estrutura organizativa e o instrumento de comunicação

que permite a flexibilidade e a temporalidade da mobilização”. E complementa de forma

pragmática, em obra mais atual (2011) como uma rede de comunicação utilizada para

intercambiar documentos de todos os tipos como textos, sons, vídeos, imagens, noticias,

mensagens. Ou seja, uma plataforma de difusão para o entretenimento, para tarefas

profissionais e até mobilização política e práticas de totalitarismo. Nessa mesma linha ela é

entendida como um sistema informativo ampliado, com possibilidades multimidiáticas e de

convergências. Um mega-ambiente de conexões via computadores (LYCARIÃO, 2011;

GOMES, 2011). Ou ainda, como prefere Kerckhove (2008), deve ser vista como a imprensa

submetida à aceleração da eletricidade38.

O surgimento da Internet é relativamente recente, e adquiriu uma dimensão

inicialmente não planificada e um tanto caótica, que envolve especialistas, a contracultura

libertária da filosofia hacker, pesquisa militar e universitária. O excesso de trabalhos e dados

sobre a Rede nos limita aqui a contextualizar em poucas linhas seu histórico, que tem como

embrião a revolução da microeletrônica e as realizações da cibernética, que acontecem nas

décadas de 1950 e 1960. A cibernética trazia uma ampla discussão sobre a relação entre

38 Apesar das vantagens e qualidades inovadoras da Internet, que são levantadas prioritariamente nesta tese, não podemos perder de vista que a rede suscitou uma sociedade de controle, como coloca Silveira (2012), mais sofisticada, que se compõe por protocolos que definem como receber, utilizar e enviar informações, além de armazenar os chamados rastros digitais, ou seja, todas as ações realizadas em rede. “(...) a crescente interatividade entre os indivíduos se dá a partir de intermediários tecnológicos baseados em arquiteturas de controle” (SILVEIRA, 2012, p.109). Powell (2012, p.9), na mesma perspectiva, enfatiza que a maioria dos textos sobre Internet cita a arquitetura e os valores abertos, democráticos da rede, mas as formas, a própria experiência de uso e os padrões técnicos mudam, os países se tornam mais interessados na regulamentação e censura dos fluxos, os setores econômicos vislumbram possibilidades de ganhos mais diretos, e os padrões legais são alterados no sentido de gerar mais controle. A denúncia de espionagem norte-americana, divulgada em agosto/setembro de 2013 é um exemplo significativo desse controle e de formas como esse monitoramento pode afetar, inclusive, a soberania das nações. Por isso mesmo que Castells (2011), veremos no decorrer deste trabalho, afirma com propriedade que o poder está diretamente relacionado à criação de redes na contemporaneidade.

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organismos vivos e máquinas/ modelos mecânicos39. No final da década de 1960, com a

criação da Arpanet (Agência de Projetos de Investigação Avançados) pelo Departamento da

Defesa dos Estados Unidos para combater a ameaça da tecnologia soviética, foram

desenvolvidos sistemas operativos que permitiam aos programadores/usuários interatuar

diretamente com os computadores. A Internet passa a existir mais especificamente em 1969,

mas somente depois de 20 anos que se propaga, impulsionada pelas mudanças de

regulamentação, difusão dos computadores pessoais, programas de software mais

simplificados, criação da World Wide Web, por Tim Berners-Lee, e dos protocolos de

comunicação (RHEINGOLD 2004, CASTELLS, 2011; RUDIGER, 2011a). A metáfora da

teia (web) que liga informações, pessoas, processos foi muito apropriada.

Na década de 1990, as redes eletrônicas entre os computadores pessoais e a

transformação das ferramentas de informação em recurso ordinário possibilitaram

desenvolvimento de criações comunicativas, construções coletivas, realidade virtual, e a

Internet toma impulso como plataforma de comunicação cotidiana, como lembra Rudiger

(2011a). E o epicentro do processo é o computador pessoal, ligado às redes informáticas. É

nesta fase, com o crescimento da web e o consequente aumento da demanda social por

tecnologias e comunicação, que movimentos, organizações sociais, entendendo o alcance das

redes, passam a integrar e se adequar à rede mundial de computadores. O Greenpeace, por

exemplo, lança sua primeira página eletrônica no Brasil em 1994. Nosso posicionamento aqui

é entender a Internet/web enquanto rede das redes, propiciada, produzida, distribuída e exibida

pela máquina computacional (no caso o computador em si entre outras plataformas

derivadas). No interior desta máquina em rede, que agrega atributos de outros meios, pulsam

formas de comunicação que podem ser definidas como mídias digitais/em rede/online40.

39 Norbert Wiener é um dos pioneiros a esclarecer a cibernética, como ciência da pilotagem, e desenvolve uma teoria geral sobre sistemas tecnológicos de comando, visualizando processos informáticos descentralizados e interativos (MATTELART, 2006), ou seja, não há mais controle central ou hierarquia para tomada de decisões. A obra de John von Neumman, The Computer and the Brain (1958), também integra esse entendimento com a abordagem do funcionamento do computador e suas conexões com os fundamentos do cérebro. 40 Para o propósito da definição de mídia digital nos apoiamos em Santaella (2008) que evidencia a ampliação da palavra mídia e sua utilização tanto no contexto de comunicação de massa, como de transmissão de informação e publicidade, mais recentemente se referindo aos meios eletrônicos e “incluindo aparelhos, dispositivos ou mesmo programas auxiliares da comunicação” (SANTAELLA, 2008, p.62). A generalização do termo se faz necessária e não nos incomoda, mas para indicar os processos de comunicação mediados por computador, com proposta de interação e interatividade preferimos pensar em comunicação em rede e redes sociais digitais. Apesar de identificá-lo em uma vertente muito mais mercadológica, faremos uso eventualmente do termo mídias - digitais, online, em rede, usando os complementos como um item diferenciador e até mesmo explicativo.

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Mais recentemente a web 2.0, 3.0, as redes sociais digitais, a utilização dos celulares

como dispositivos de comunicação móveis dão o tom das tecnologias atuais. Sanchez (2012)

fala em tecnologias da Internet, e explica que enquanto a 1.0 facilitava os processos

cognitivos de comunicação, em virtude da relação com o hipertexto, a 2.0 cria base para

desenvolvimento de processos comunicativos e interativos, embasados em plataformas

sociais. “A web 2.0 refere-se a uma série de aplicações e páginas da Internet que utiliza da

inteligência coletiva para proporcionar serviços interativos em rede, ao mesmo tempo em que

permite ao usuário o controle de seus dados”(SANCHEZ, 2012, p.80). O modelo 2.0 traz

como característica principal a colaboração com outros usuários, participação em grupos,

criação e compartilhamento de conteúdos, capacidade de influência na computação social.

Entre os exemplos desse fenômeno, Sanchez (2012) cita as redes sociais digitais (como

Twitter e Facebook), as páginas wikis, blogs, serviços de alojamento de vídeos, de

intercâmbio de documentos. Já a web 3.041, ainda em concepção, funcionaria a partir de uma

inteligência artificial, como uma entidade onipresente que facilitaria os processos de

comunicação sem sequer precisar da intervenção direta do usuário. Mas a web 2.0,

proclamada por Tim O´Reily, como lembra Ugarte (2007, p.115, tradução nossa) que,

aparentemente, põe fim à velha divisão produtor/consumidor, pode se mostrar uma farsa.

Pretensamente democrática, oculta um filtro que carrega inclinações próprias de identidade do

pequeno grupo de usuários mais influentes ou da oligarquia participativa, que impõe certa

linha editorial ou mesmo controle ideológico (UGARTE, 2007). E aqui lembramos das

próprias corporações econômicas que dominam a web com uma proposta de cultura

participativa. Cotarelo (2010) segue na linha crítica e afirma que, muitas vezes, o modelo 2.0

fica restrito a quem tem não só recursos econômicos, mas tempo e qualificação para intervir.

A possibilidade de desenvolver práticas colaborativas, participativas em rede também pode

estar sendo supervalorizada, pois avaliando empiricamente o uso cotidiano da Internet temos

um cenário, predominantemente, de troca de banalidades e de uso funcional por parte dos

usuários.

O fato é que qualquer estrutura informacional se depara com relações de poder, certo

controle e desafios de participação (que iremos discutir mais a frente), e isso não é diferente

na comunicação em rede do Greenpeace, que é o foco da nossa investigação Mas a dinâmica

41 Ugarte (2007) fala também em web 2.1, terminologia que não encontramos em literatura nacional, como um incremento da 2.0, focada na coprodução. Na definição do autor, refere-se a uma rede de bricolagens, que reúne usuários dispostos a criar, publicar, compartilhar, reciclar os materiais próprios e alheios. Também se discute, nesse argumento, o desenvolvimento de uma web semântica.

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comunicativa, com plataforma multimidiática (e até transmidiática), no sentido de integrar

diversos suportes e convergência de mídia em seu portal, suas ferramentas de comunicação,

integração nas redes sociais digitais nos permitem referendar o Greenpeace no fenômeno 2.0.

Nesse sentido, conceituamos a Internet não como um meio de comunicação único, mas

muitos meios, com sistemas organizativos, técnicas e possibilidades de convergência de

comunicação, que se produzem, primeiramente, dentro do cérebro do usuário e através de sua

interação social com os outros. Como coloca Jenkins (2008, p.27) o processo envolve a

própria convergência dos meios, a cultura participativa e a inteligência coletiva, em uma

aposta de “fluxos de conteúdos, através de múltiplos suportes midiáticos à cooperação entre

múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de

comunicação”. O autor fala que essa transformação cultural, a circulação de informação, as

conexões com meios e conteúdos dispersos depende fortemente da participação do usuário.

Em resposta à convergência surge ainda a nova estética, denominada transmídia, na

perspectiva “de criação de um universo”. A narrativa transmidiática se desenvolve através de

múltiplos suportes midiáticos “com cada novo texto, contribuindo de maneira distinta e

valiosa para o todo” (JENKINS, 2008, p. 135). Estas tendências são encontradas no portal do

Greenpeace e alcançamos sua dimensão. Há, por exemplo, convergência de mídias na

disponibilização de diferentes suportes – desde blogs, redes digitais, campanhas, produtos -

com construções narrativas diferentes a cada meio, criando públicos reticulares e formando

um todo enunciativo.

O que assistimos neste quadro de convergência ou de ensaios transmidiáticos é o

usuário/espectador na experiência de buscar por conta própria a informação que necessita,

permitindo “desprender-se da massa indiferenciada da audiência, para entrar em contato com

outros usuários e outras formas sociais de consumo ativo” (VILCHES, 2003, p.22). A

concepção de usuários substitui a noção de audiência (ou a renova), enquanto a produção e

recepção perderam sua natureza material para se transformarem em bits de informação, coloca

Vilches (2003) numa perspectiva tecnicista. Tofler (2005, p.383) prefere a noção de

“prossumidores”, acompanhada por Castells (2011), que acredita numa ruptura com meios de

comunicação tradicional ao suprimir fronteiras e horizontalizar a comunicação.

Rheingold (1994), um pioneiro aficionado na análise das tecnologias, há 20 anos falou

em revolução total das mídias convencionais, juntamente com a possibilidade de alterar o

modelo unilateral para uma proposta de “muitos para muitos”. Os usuários passam a ser os

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produtores e os disponibilizadores de informações em um cenário que prega o envolvimento,

a troca, a colaboração, interatividade e a mobilização.

A Internet de fato desafia os oligopólios de comunicação, muda a maneira de consumir

produtos midiáticos, assim como as “formas de produção e distribuição de conteúdo

informacional” (LEMOS; LEVY, 2010, p.73). Castells42 acredita, nesse contexto, na

substituição de um sistema de comunicação de massas, centrado nos meios de comunicação

convencionais, para uma autocomunicação de massas, que implica na capacidade de cada

pessoa para emitir, selecionar e organizar suas próprias redes e conteúdos. O cenário,

obviamente, é dominado pelas grandes empresas de comunicação, mas há redes horizontais de

comunicação que chegam à sociedade através de pessoas, interesses, valores e grupos sociais

fora dos sistemas corporativos de poder.

Trata-se de uma comunicação de massas porque pode atingir uma audiência global

pela rede, ao mesmo tempo em que uma única pessoa, por exemplo, “gera a mensagem,

define os possíveis receptores e seleciona as mensagens concretas e os conteúdos dos sites e

redes de comunicação que quer recuperar”. (CASTELLS, 2011, p.88). Ele ressalta que as três

formas de comunicação (interpessoal, comunicação de massa e autocomunicação de massas)

coexistem, interatuam e se complementam. O mais inédito nesse processo é essa articulação

das comunicações em um hipertexto digital, interativo, complexo que ainda integra, mescla e

recombina a diversidade de expressões culturais produzidas pela interação humana. Lemos e

Levy (2010, p.26) falam em uma infocomunicação pós-massiva, praticada no ciberespaço,

que não apenas libera a palavra, mas estabelece a circulação e a conversação na rede, com

personalização, debate mediado (ou não), conversação livre, desterritorialização e

transversalidade. As funções pós-massivas, lembram os autores, não se preocupam com

grandes audiências, mas em “suprir nichos”, com “possibilidade de oferta de inúmeros

produtos para poucos” (LEMOS; LEVY, 2010, p.49). Temos um mundo ‘achatado’, plano,

subvertendo regras, papeis e relacionamentos em alta velocidade e configurando uma

globalização 3.0, com modelos políticos e empresariais inéditos. (FRIEDMAN, 2005). Uma

mídia de massa individual, que permite a cada um produzir as próprias informações. Entra

aqui também a rubrica de inteligência coletiva, como potência de autocriação - atos e ações,

fontes de conhecimento e criatividade, que vão se construindo em conjunto (LEMOS; LEVY,

2010).

42 As ideias de Castells foram extraídas de seu discurso ‘Comunicação, poder e democracia’, pronunciado aos indignados da Espanha, na Praça Catalunha, Barcelona, em 2011. O evento está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=2nWa32CTfxs, pelo coletivo Villaweb, consta nas referências.

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Já Kerckhove (2008) prefere direcionar a discussão para a natureza democrática da

Internet e afirma que existe nas redes uma qualidade ou propriedade essencialmente

democrática, ditada pela maneira pela qual os usuários usam a rede. O indivíduo na rede tem

poder de controle e domínio sobre a linguagem. "De fato, somente quando é interiorizada

silenciosamente pelo leitor ou escritor, é que a linguagem se submete ao controle de decisão

do indivíduo. Esse é o primeiro compartilhamento para o surgimento de uma vontade

democrática" (KERCKHOVE, 2008, p.126). Nas redes, o texto se beneficia de novos poderes

de distribuição, de ubiquidade, aceleração, instantaneidade, confere ao indivíduo uma

superpotência, o que obviamente influencia na dimensão política. A petição de

responsabilidades entre Estado e cidadãos em um âmbito global e desterritorializado sugere

um modelo ciberdemocrático, que veremos mais a frente.

Mas ressalvamos que ainda que cresça o modelo ‘todos-todos’ persiste o modelo ‘um-

todos’, das mídias massivas. E as visões otimistas não são dominantes, a perspectiva das

tecnologias gera diferentes controvérsias. Enquanto alguns defendem uma posição positiva e

até utópica, vislumbrando uma sociedade mais igualitária, livre, com pleno exercício de

expressão, de outro lado, os céticos (ou realistas) visualizam novos conflitos sociais e

profundas desigualdades no acesso às oportunidades e melhoria da qualidade de vida.

Nesse contexto, Rudiger (2011a) divide os teóricos em três correntes principais: os

populistas tecnocráticos, que são os defensores das tecnologias, de seus benefícios morais,

políticos e econômicos; os conservadores midiáticos, que não aceitam as vantagens e acusam

política e moralmente o fenômeno das tecnologias. E, por fim, os cibercriticistas que se

interessam mais em refletir sobre o poder e os desafios da cibercultura. Entre os otimistas

estão justamente Rheingold, Lemos, Levy e Castells, que citamos aqui, que acreditam em um

fluxo de ideia mais livre e democrático, que reduz o poder das grandes corporações de

comunicação, com o público determinando a forma e o conteúdo do meio, como sujeitos

engajados ativamente no processo de comunicação. Já os pessimistas veem como um meio

que dizima o profissionalismo promove massificação das atividades culturais, o

enfraquecimento dos meios tradicionais como TV, rádio, para centralizar uma multidão sem

credibilidade ou controle. Os críticos não acreditam em emancipação, mas homogeneização,

colonização da consciência pelo mercado, busca por popularidade ou por gratificação

psicológica na rede. Podemos visualizar nessa seara Trivinho, Sodré e o próprio Rudiger, para

citar somente aqueles a quem recorremos. Preferimos aqui uma paisagem que nos permita

conhecer tanto os benefícios como os limites das tecnologias, sem dogmatismo ou crítica

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radical, mas na busca de entender a construção da comunicação do Greenpeace, que está

centralizada na rede, com o uso das ferramentas digitais para incrementar processos de

mobilização e engajamento.

A Internet em si poderia ser vista como neutra, assim como a técnica, se

considerarmos que os meios não dão preferência a um tipo de uso, mas Rudiger (2011a, p.64)

lembra que a técnica não pode ser desvinculada do seu uso concreto e do contexto que lhe dá

forma e adjetivação. Levy (1999, p.26) também pondera que técnica não é boa ou má, pois

depende de sua aplicação, mas ainda assim não é neutra, pois abre e fecha possibilidades de

intervenção humanas. As formas de usar podem se impor e o sentido das técnicas é criado

pelos indivíduos. “Contudo, acreditar em uma disponibilidade total das técnicas e de seu

potencial para indivíduos ou coletivos supostamente livres, esclarecidos e racionais seria

nutrir-se de ilusões” (LEVY, 1999, p. 26). Por isso mesmo que a metáfora bélica do

“impacto” das tecnologias, por exemplo, não é adequada na visão do autor, pois a tecnologia

não é autônoma ou isolada, mas produto de uma sociedade e de uma cultura. A sociedade,

neste contexto, encontra-se condicionada por suas técnicas (LEVY, 1999, p.22) 43.

Mas insistimos que a visão dominante de tecnologia colaborativa, de participação

ativa do usuário, de espaço de liberdades não pode ser ingênua. Sodré (2010) pondera que não

é possível falar em revolução da comunicação porque as transformações das tecnologias da

informação e comunicação conservam, muitas vezes, as velhas estruturas de poder, embora

possam agilizar sobremaneira a questão do tempo, espaço e do compartilhamento. O autor

prefere o termo maturação tecnológica “que resulta em hibridização e rotinização de

processos de trabalho e recursos técnicos já existentes sob outras formas (telefonia, televisão,

computação) há algum tempo”. Ou seja, não se trata de extinção da mídia tradicional, mas de

coexistência, transformação das convencionais formações discursivas, como texto, som,

imagem e, ainda, das relações sociopolíticas no ambiente em rede, como já mencionamos

anteriormente. Há hibridização dos meios, “acompanhada da reciclagem acelerada dos

conteúdos, com novos efeitos sociais” (SODRÉ, 2010, p.20). Abordagem que vai ao encontro

43 E aqui vale entender a diferença entre técnica e tecnologia. Enquanto a técnica corresponde às atividades práticas diversas (do original grego tekhnè) o saber fazer humano que pode ir desde a elaboração de leis às belas artes; a tecnologia é a técnica moderna, ou melhor, atividade técnica resultante de ciência aplicada. A técnica moderna teria como base “um modo de produção provocante da natureza” (LEMOS, 2004, p.33) que naturaliza os objetos técnicos e se funde com a ciência, compondo o que conhecemos hoje como tecnologia. “Enquanto a técnica é um saber fazer, cuja natureza intelectual se caracteriza por habilidades que são introjetadas por um indivíduo, a tecnologia inclui a técnica, mas avança além dela” (SANTAELLA, 2008, p.152) Ainda podemos recorrer a Ortega y Gasset (1987) que se referia à técnica do artesão e à técnica como ciência pura.

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de McLuhan (2002), que já avaliava que os meios não são meramente substituídos, mas se

renovam, se adaptam, são influenciados por modos e gêneros anteriores.

Para Sodré (2010), inédito mesmo é o armazenamento de grande quantidade de

informação e sua acelerada transmissão jamais vistas na história, com a virtual anulação do

espaço, novos canais de distribuição, a própria digitalização da simulação, e uma certa ilusão

de ubiquidade humana. Estamos diante de um quarto bios44, na proposta do autor,

caracterizado pela tecnocultura, pela midiatização, e pela consequente multiplicação das

tecnointerações setoriais, “uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade

sensível” (SODRÉ, 2010, p.21). Ele alerta ainda que as tecnologias não podem ser vistas

como meros canais de informações e sim como dispositivos geradores do real.

As tecnologias provocaram um novo modelo de visibilidade pública, impulsionada por

um outro espaço-tempo social e pela velocidade do fluxo, e um certo individualismo de

grupo, ou seja, as pessoas buscam, agora, modalidades individualistas de representação ao

invés de associações, sindicatos ou partidos políticos, por exemplo, o que o autor classifica

como “epifenômeno da individualização generalizada da sociedade contemporânea” (SODRÉ,

2010, p.40). Neste ponto, Castells (2011, p.176, tradução nossa) fala sobre o individualismo

como uma característica inerente da sociedade em rede.

Internet é uma rede de comunicação e, como tal, é também um instrumento de difusão de consumismo e de entretenimento global, do cosmopolitismo e do multiculturalismo. Mas a cultura do individualismo em rede pode encontrar sua melhor forma de expressão em um sistema de comunicação caracterizado pela autonomia, conexão horizontal em rede, a interatividade e a recombinação de conteúdo a iniciativa do indivíduo e suas redes.

O individualismo, com papel central na comunicação em rede, é presente no

ciberativismo ambiental, nas propostas de participações que estimulam ações individuais,

práticas de ativismo online, muitas vezes isoladas, diante do computador: assinar petições,

divulgar denúncias, replicar mensagens, ‘fazer a sua parte pelo meio ambiente’. Mas Castells

se refere a um padrão social, e não a um mero acúmulo de indivíduos isolados.

44 Sodré (2010), em sua obra, propõe mais um ‘bios’ entre os modos de vida identificados por Aristóteles. Segundo a tríade original do filósofo, o primeiro deles é o bios theoretikos (da vida contemplativa), na sequência o apolaustikos (da vida prazerosa) e o terceiro como o bios politikos (da vida política). A vida midiatizada, que inclui a realidade tecnológica do virtual, seria, portanto, o 4º bios (bios midiático), que implica em “uma redescrição da realidade tradicional pelo pensamento que incorpore a nova ordem tecnológica, e a experiência do individuo com o mundo virtual (...)” (SODRÉ, 2010, p.255).

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Contudo, existem, neste âmbito de mudança organizativa dos processos

comunicacionais, relações de poder que não podem ser minimizadas. O poder de conectar em

rede, de criar redes e o poder da própria rede. A questão seria quem ostenta e quem opera esse

poder? A resposta não é simples. Castells (2011) reconhece que o poder tem sua base no

capitalismo global, no mercado financeiro, mas na sociedade em rede não há uma fonte única

de poder, e o processo depende da capacidade de constituir redes, programá-las, assegurar sua

cooperação, compartilhando objetivos e combinando recursos. “Resistir à programação e

interromper as conexões para defender os valores e interesses alternativos são as formas de

contrapoder que exercem os movimentos sociais e a sociedade civil – local, nacional e global”

(CASTELLS, 2011, p.84, tradução nossa). Há ainda o poder dos discursos no contexto das

redes.

Os discursos marcam as opções do que as redes podem ou não fazer. Na sociedade em rede os discursos se geram, difundem, debatem, internalizam e finalmente incorporam na ação humana, no âmbito da comunicação socializada construído entorno das redes locais-globais da comunicação digital multimodal, incluindo os meios de comunicação e Internet. O poder da sociedade em rede é o poder da comunicação (CASTELLS, 2011,p.85, tradução nossa).

Como lembra Ugarte (2007) a arquitetura da informação e comunicação condiciona e

pode determinar a estrutura do poder político e econômico. É o que ocorre com a Internet,

teoricamente formada por redes distribuídas com capacidade de mobilização,

compartilhamento de informações, autonomia para escrever, divulgar, estabelecer relações de

meio e de fonte sem contar com a mediação de instituições externas. Nesse contexto, a

dimensão das ações não depende da simples escolha entre sim e não, mas das simpatias e do

grau de acordo que logrará a proposta (a informação ali colocada), por exemplo. Subvertem-

se também as formas de mediação, a partir da “emergência de uma nova mediação feita pelos

próprios produtores de informação, pelos leitores, através de criação de mecanismos de

reputação e votação” (LEMOS; LEVY, 2010, p.95). Agora existe uma mediação a posteriori,

que dá, por exemplo, pelo número de links que convergem em direção ao site, pela frequência

de conexão, citações em grupos de discussão, pelos comentários.

Ugarte fala ainda em sistema pluriárquico, como forma de organização distribuída,

onde não existe direção no sentido tradicional, mas grupos que conferem fluidez ao

funcionamento e aos fluxos da rede, facilitam e propõem ações. Estes grupos, entre os quais