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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Doutorado em Direito São Paulo 2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

JOÃO PAULO PESSOA

A cultura constitucional no Brasil

Doutorado em Direito

São Paulo

2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

JOÃO PAULO PESSOA

A cultura constitucional no Brasil

Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Área de Concentração Efetividade do Direito, sob a orientação do Professor Doutor Roberto Baptista Dias da Silva.

São Paulo

2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

JOÃO PAULO PESSOA

A cultura constitucional no Brasil

Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Área de Concentração Efetividade do Direito, sob a orientação do Professor Doutor Roberto Baptista Dias da Silva.

Aprovado em: ____/____/____.

Banca Examinadora Professor Doutor Roberto Baptista Dias da Silva (Orientador). Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Julgamento _______________Assinatura_____________________________ Professor(a) Doutor(a) ___________________________________________ Instituição: _____________________________________________________ Julgamento: ____________________________________________________ Assinatura: _____________________________________________________ Professor(a) Doutor(a) ___________________________________________ Instituição: _____________________________________________________ Julgamento: ____________________________________________________ Assinatura: _____________________________________________________ Professor(a) Doutor(a) ___________________________________________ Instituição: _____________________________________________________ Julgamento: ____________________________________________________ Assinatura: _____________________________________________________ Professor(a) Doutor(a) ___________________________________________ Instituição: _____________________________________________________ Julgamento: ____________________________________________________ Assinatura: _____________________________________________________

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Só conhecendo a Constituição poderemos estimá-la. Ninguém pode estimar o que desconhece. E, estimando-a, façamo-la eficaz, para benefício do seu povo. (Geraldo Ataliba)

(ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.25).

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À Manuela, Manu, minha sobrinha, que desde

cedo demonstra o apego fundamental aos

livros, em quem deposito a esperança da

formação de uma geração conhecedora da

Constituição brasileira.

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AGRADECIMENTO CNPq

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq)

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AGRADECIMENTOS

Ao decidir desenvolver esta pesquisa sabíamos que o seu resultado não

dependeria apenas do autor. A compreensão de inúmeras pessoas foi fundamental

para que pudéssemos, à medida do possível, dedicar nosso tempo a sua

elaboração.

Agradeço à minha família pelo apoio incondicional pela finalização desse

trabalho, que pacientemente sempre compreendeu a necessidade de “escrever a

tese”.

Presto minhas homenagens ao meu orientador, Professor Roberto Dias, que

sempre atencioso e amigo me orientou de maneira peculiar e exemplar, além de

permitir que eu “arriscasse” a escolha do tema.

A todos os professores com quem tanto aprendi na graduação e nos cursos

de pós-graduação agradeço os preciosos ensinamentos; faço especial menção ao

Professor Marcelo Figueiredo, que incentivou a pesquisa do tema desta tese e o

apego à vida acadêmica.

Aos meus amigos de todos os momentos sempre presentes, que

provavelmente se sentirão aliviados por não terem que ouvir mais que “preciso

terminar a tese, por isso não vai dar...”.

Aos amigos do Toledo Marchetti, que permitiram minhas ausências, a quem

agradeço na pessoa do Leonardo Toledo, cuja compreensão foi fundamental nos

últimos meses.

Aos funcionários da pós-graduação da PUC-SP, todos essenciais ao longo

destes anos, em especial, ao Rui e ao Rafael.

À Hanae, que com o amor infinito, sempre pacientemente, nunca deixou de

dizer: “vai dar, você vai terminar...”.

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RESUMO

Esta pesquisa analisará a ideia de cultura constitucional, sob a perspectiva da teoria

da Constituição como ciência cultural, e o fenômeno da sua erosão, gerada pela

inobservância consciente da Constituição e pelo distanciamento desta em relação ao

povo. Tendo como parâmetro a evolução constitucional brasileira, marcada pelo

autoritarismo, e a promulgação da Constituição de 1988, que consistiu numa

oportunidade de formação de uma nova cultura constitucional, analisaremos os

fatores que demonstram a atual erosão da cultura constitucional brasileira. Dentre

esses fatores, destaca-se o distanciamento da Constituição de 1988 em relação ao

povo, que é demonstrado por meio de pesquisas de opinião acerca do nível de

conhecimento do texto constitucional pela população, em especial aquela

encomendada ao Ibope para os fins desta pesquisa. Diante desse quadro de erosão,

argumentamos que é necessária a promoção da cultura constitucional pelo Estado

brasileiro, sendo que ao final apresentamos algumas propostas que podem

colaborar para desenvolver e ampliar essa cultura.

Palavras-chave: Cultura. Teoria da Constituição. Cultura constitucional. Erosão da

cultura constitucional. Promoção da cultura constitucional. Popularização da

Constituição.

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ABSTRACT

This study analyzes the idea of constitutional culture from the standpoint of the

theory of the constitution as a cultural science, and the phenomenon of its erosion

generated by deliberate failure to observe the Brazilian Constitution and by its

remoteness from the people. Based on the parameter of Brazil’s constitutional

evolution, marked by authoritarianism, and the promulgation of the democratic

Constitution of 1988, which was an opportunity to form a new constitutional culture,

we analyze the factors that show the current erosion of Brazilian constitutional

culture. Among these factors is the remoteness of the Constitution of 1988 from the

people, demonstrated by surveys about the level of popular knowledge of the

constitutional text, in particular the survey carried out by the polling firm IBOPE for

this study. In light of this situation of erosion, we argue that the Brazilian government

needs to do more to promote constitutional culture. At the end, we present some

proposals that can help develop and expand this culture.

Keywords: Culture. Theory of the Constitution. Constitutional culture. Erosion of

constitutional culture. Promotion of constitutional culture. Popularization of the

Constitution.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10 2 CONSTITUCIONALISMO 12 2.1 A evolução histórica do constitucionalismo 14 2.1.1 A Inglaterra 17 2.1.2 Estados Unidos da América 19 2.1.3 Revolução Francesa 21 2.2 O constitucionalismo como movimento político e cultural 23 3 CONSTITUIÇÃO E CULTURA 26 3.1 As concepções política, sociológica e jurídica de Constituição 26 3.2 Constituição e cultura 28 3.2.1 A ideia de cultura 28 3.2.2 Teoria da Constituição como ciência cultural 33 3.2.2.1 Peter Häberle 34 3.2.2.2 Pablo Lucas Verdú 38 3.2.3 Concepção culturalista de Constituição 40 4 CULTURA CONSTITUCIONAL 43 4.1 O conceito de cultura constitucional 43 4.1.1 Os elementos que compõem a ideia de cultura constitucional 45 4.1.1.1 O conhecimento da Constituição 48 4.1.2 A ideia de cultura constitucional adotada 51 4.2 O conhecimento constitucional e a Constituição escrita 52 4.3 Cultura constitucional e efetividade das normas constitucionais 55 4.4 Cultura constitucional e força normativa da Constituição 59 4.5 Cultura constitucional e ideia de sentimento constitucional 61

5 A EROSÃO DA CULTURA CONSTITUCIONAL 64 5.1 Os fatores que geram a erosão constitucional 64 5.1.1 A inobservância consciente da Constituição pelos órgãos e

agentes do Estado 64 5.1.1.1 As reformas constitucionais e a erosão da cultura constitucional 65 5.1.1.2 A omissão legislativa 67 5.1.2 A indiferença da sociedade em relação à Constituição 68 5.2 A anomia 70 5.2.1 A anomia constitucional 73 6 A CULTURA CONSTITUCIONAL NO BRASIL 78 6.1 Evolução constitucional no Brasil e a cultura constitucional 78 6.1.1 A Constituição de 1824 78 6.1.2 A Constituição de 1891 79 6.1.3 A Constituição de 1934 81 6.1.4 A Constituição de 1937 81 6.1.5 A Constituição de 1946 83 6.1.6 A Constituição de 1967 84 6.1.7 Emenda n. 1/69 86

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6.1.8 A Constituição de 1988 86 6.2 A inobservância das normas constitucionais pelos

órgãos do Estado 90 6.2.1 A omissão inconstitucional 90 6.2.2 A superação da jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal pelo Poder Legislativo 94 6.1.2.3 Previsibilidade e ausência de uniformidade de entendimento

entre os Ministros da Suprema Corte 98 7 A CULTURA CONSTITUCIONAL E O CONHECIMENTO DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL PELA POPULAÇÃO BRASILEIRA 101 7.1 As pesquisas sobre cultura constitucional no México,

Argentina e Costa Rica 101 7.1.1 México 102 7.1.2 Argentina 103 7.1.3 Costa Rica 104 7.2 O conhecimento da Constituição pela população brasileira 104 7.2.1 Pesquisas já realizadas 105 7.2.1.1 Instituto Latinobarômetro 106 7.2.1.2 Pesquisa “25 Anos da Constituição Federal do Brasil de 1988”

(Senado Federal) 107 7.2.2 Pesquisa sobre o conhecimento da Constituição Federal (2017) –

Ibope 108 7.2.2.1 Especificações técnicas da pesquisa 108 7.2.2.2 Perfil da amostra 110 7.2.2.3 O questionário 111 7.2.2.3.1 Pergunta 1 112 7.2.2.3.2 Pergunta 2 113 7.2.2.3.3 Pergunta 3 114 7.2.2.3.4 Pergunta 4 115 7.2.2.4 Conclusão sobre os dados da pesquisa 116 7.2.3 Cultura constitucional no Brasil e sua erosão 117 8 A NECESSÁRIA PROMOÇÃO DA CULTURA CONSTITUCIONAL

NO BRASIL 119 8.1 Constituição cultural e cultura constitucional 119 8.2 Democracia e conhecimento da Constituição 124 8.3 Constituição e cidadania 128 8.4 A popularização da Constituição e o artigo 64 do ADCT 130 9 PROPOSTAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CULTURA

CONSTITUCIONAL 133 9.1 Poder Judiciário 133 9.2 Poder Legislativo 137 9.3 Poder Executivo 140 10 CONCLUSÃO 142

REFERÊNCIAS 148

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ANEXOS

ANEXO 1 – Latinobarómetro 2005 – Conocimiento de constitución política del país

ANEXO 2 – Latinobarómetro 2005 – Nivel de cumplimiento de constitución

ANEXO 3 – Pesquisa 25 Anos da Constituição Federal do Brasil de 1988 (Senado Federal)

ANEXO 4 – Pesquisa "Conhecimento da Constituição Federal brasileira" (Ibope 2017)

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1 INTRODUÇÃO

Há algum tempo nossa curiosidade foi despertada para o estudo da cultura

constitucional no Brasil, em especial quando tomamos conhecimento do conteúdo

do artigo 64 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que previa

a necessidade de promoção de edição popular do texto constitucional para

distribuição em escolas, igrejas, sindicatos e outros locais. Além disso, quando

participamos do Congresso Mundial de Direito Constitucional, organizado pela

Associação Internacional de Direito Constitucional (IACL) na Cidade do México, em

2010, conhecemos uma ampla pesquisa desenvolvida pela Universidade Nacional

do México (UNAM) sobre a cultura constitucional naquele país.

Por conta disso, iniciamos o estudo do tema no curso de mestrado, mas

nesse momento nos deparamos com a problemática das disposições transitórias na

Constituição, que se apresentou, naquele momento, um assunto instigante a ser

enfrentado. Optamos por deixar a pesquisa sobre a cultura constitucional para o

contexto do doutorado, o qual agora decidimos enfrentar.

Trata-se de tema pouco explorado na doutrina e na jurisprudência brasileiras,

como ficará claro ao longo do trabalho. Por outro lado, atrelamos uma grande

importância ao tema que pretendemos demonstrar ao longo da pesquisa.

Dessa forma, iniciamos a presente pesquisa com o estudo do surgimento e a

evolução do constitucionalismo, procurando abordar suas perspectivas principais,

como uma teoria e um movimento político-cultural construído ao longo do percurso

histórico, conforme trazemos no capítulo 2.

No capítulo 3, veremos o conceito de Constituição e sua relação com a

cultura. Abordaremos a teoria da Constituição sob a sua perspectiva cultural – com

destaque para o pensamento de Peter Häberle e Pablo Lucas Verdú – bem como a

concepção culturalista de Constituição.

No capítulo 4, será apresentada a ideia de cultura constitucional. Intimamente

relacionada à compreensão científico-cultural da teoria da Constituição, como um

dos seus conceitos-chave, e com a noção culturalista de Constituição, exploraremos

sua relação com a efetividade da Constituição, a ideia de força normativa e de

sentimento constitucional.

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No capítulo 5, cuidaremos da erosão da cultura constitucional, ou seja, aquela

situação em que a Constituição deixa de ser o eixo de coesão social, em que há

uma espécie de abismo entre a Constituição e a sociedade, destacando seus fatos

geradores.

Nos capítulos 6 e 7 aprofundaremos a cultura constitucional no Brasil com o

intuito de averiguar o seu status para compreender se se encontra em fase de

erosão. Assim, inicialmente, analisaremos a evolução constitucional brasileira até a

promulgação da Constituição Federal de 1988. Em seguida, adotaremos como

critério de análise os dois fatores principais que geram a erosão da cultura

constitucional: a inobservância consciente da Constituição e o seu distanciamento

em relação à população. Este último fator será explorado no capítulo 6, valendo-se,

inclusive, de pesquisa encomendada para este único fim junto ao Ibope. Ao final,

poderemos concluir se a cultura constitucional brasileira está próxima ou distante do

fenômeno da erosão.

Pontuada a constatação do estágio da cultura constitucional no Brasil,

refletiremos, no capítulo 8, sobre a fundamentação constitucional para promover a

cultura constitucional pelo Estado a fim de desenvolvê-la e de ampliá-la.

No capítulo 9, sistematizaremos algumas propostas de medidas que poderiam

ser implementadas pelo Estado, nas suas diversas funções estatais (Poderes), para

incentivar o desenvolvimento da cultura constitucional no país.

Por fim, apresentaremos uma síntese das conclusões desenvolvidas ao longo

dos capítulos.

Com esta pesquisa objetivamos refletir sobre questões relevantes presentes

no cenário jurídico relacionadas à cultura constitucional, que demandam o

conhecimento de um material jurídico para sua sistematização e proposta de

solução, contribuindo para estimular a crítica doutrinária e jurisprudencial, e a

formação de uma efetiva cultura constitucional no Brasil.

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2 CONSTITUCIONALISMO

Podemos compreender o constitucionalismo sob duas perspectivas, como

uma teoria e como um movimento político-cultural construído ao longo do percurso

histórico. Estes aspectos, evidentemente, são extremamente relacionados entre si e

dependentes.

Sob o primeiro aspecto, o constitucionalismo “é a teoria (ou ideologia) que

ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em

dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”.1 O

constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder

com fins garantísticos, constituindo, no fundo, uma “teoria normativa da política, tal

como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo”.2 3

Constitucionalismo significaria, assim, “em sua essência, limitação do poder e

supremacia da lei”.4 Conforme esclarece Karl Loewenstein, o Estado constitucional

se fundamenta no princípio da distribuição do poder, que se caracteriza quando

vários e independentes detentores do poder ou órgãos estatais participam da

formação da vontade estatal e as funções que lhes são designadas estão

submetidas a controles respectivos. Desse modo, o constitucionalismo é a marca de

uma sociedade estatal alicerçada na liberdade e igualdade que funciona como

Estado de Direito.5

O fato é que o constitucionalismo como teoria decorre de um processo

histórico, podendo ser visto mesmo como um movimento político, social e cultural6,

um processo político jurídico.7 Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, o

1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.51. 2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.51. 3 Vergottini adota a ideia de ideologia ao se referir ao constitucionalismo (VERGOTTINI, Giuseppe de. Diritto costituzionale. 6.ed. Italia: CEDAM, 2008, p.3). 4 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.5. 5 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.50-51. 6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.52. 7 É o que pontua Néstor Sagües: “Se chama ‘movimento constitucionalista’ ou constitucionalismo a um processo político-jurídico que tem por objetivo estabelecer em cada Estado um documento normativo – a ‘constituição’ – com determinadas características formais (texto preferencialmente escrito, orgânico, com supremacia sobre as demais regras de direito), e de conteúdo (organiza a estrutura fundamental do Estado, define seus fins e enuncia os direitos dos habitantes”. (SAGÜES, Néstor Pedro. Teoría de la Constitución. Buenos Aires: Astrea, 2004, p.1).

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constitucionalismo “revela-se, acima de tudo, como um fenômeno social dotado de

caráter jurídico. Diz-se social em razão de partir de uma pressão, nascida do povo,

que objetiva o esvaziamento do poder absoluto”.8

Não há, no entanto, um único constitucionalismo. Conforme ressalta José

Joaquim Gomes Canotilho, o “movimento constitucional gerador de constituição em

sentido moderno tem várias raízes localizadas em horizontes temporais diacrónicos

e em espaços históricos geográficos e culturais diferenciados”.9

Sob o ponto de vista histórico, dois podem ser os significados do conceito de

constitucionalismo: ordem política constitucional e ordem política democrática

constitucional. Isso porque o mero fato de um Estado ter uma Constituição – e por

isso ser considerado um Estado constitucional – não implica necessariamente a

adoção de um regime democrático. A evolução histórica do constitucionalismo

demonstra que bem antes da formação da democracia constitucional, existiram

Estados constitucionais que não se mostravam democráticos.10

O estágio final, a democracia constitucional, é alcançado mais tarde, quando

efetivamente o povo, organizado como eleitorado, participa do processo político por

meio de eleições limpas e com base no sufrágio universal, “elevando-se à categoria

de um detentor do poder independente e originário”.11

O apego a uma Constituição escrita, com o propósito de se revelar um

governo constitucional, foi a tônica de regimes autoritários que não lograram êxito

em disfarçar, por exemplo, o desprezo à democracia. Basta citar o regime ditatorial

que imperou no Brasil no período que antecedeu a instalação da Assembleia

Constituinte em 1987.12

8 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.148. 9 E complementa: “Em termos rigorosos, não há um constitucionalismo mas vários constitucionalismos (o constitucionalismo inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês). Será preferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com corações nacionais mas também com alguns momentos de aproximação entre si, fornecendo uma complexa tessitura histórico-constitucional.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.51). 10 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.89. 11 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.90. 12 Nesse sentido, destacamos Luís Roberto Barroso ao relacionar constitucionalismo e Constituição: “O nome sugere, de modo explícito, a existência de uma Constituição, mas a associação nem sempre é necessária ou verdadeira. Há pelo menos um caso notório em que o ideal constitucionalista está presente independentemente de Constituição escrita – o do Reino Unido – e outros, muito mais numerosos, em que ele passa longe, apesar da vigência formal e solene de Cartas escritas. Exemplo inequívoco é o fornecido pelas múltiplas ditaduras latino-americanas dos últimos quarenta anos. Não basta, portanto, a existência de uma ordem jurídica qualquer. É preciso que ela seja dotada de determinados atributos e que tenha legitimidade, a adesão voluntária e

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14

Diante disso, traremos, em seguida, um pouco da evolução histórica do

constitucionalismo.

2.1 A evolução histórica do constitucionalismo

Inicialmente, é preciso esclarecer que a ideia de constitucionalismo é anterior

à noção de Constituição.

A partir da concepção de que constitucionalismo significa controle do poder,

Karl Loewenstein aponta os hebreus como o primeiro povo a adotá-lo. Em que pese

se tratar de uma teocracia, nesse regime o soberano estava limitado às leis do

senhor, que subordinavam tanto os governantes quanto os governados. Havia,

assim, uma limitação ao poder do governante.13

Os gregos, por sua vez, desenvolveram durante dois séculos um “regime

político absolutamente constitucional”, alcançando o tipo mais avançado de governo

constitucional, a democracia constitucional.14 Karl Loewenstein aponta a democracia

direta das cidades-estado gregas no século V como o único exemplo conhecido de

um sistema político com plena identidade entre governantes e governados, no qual o

poder político está igualmente distribuído entre todos os cidadãos ativos.15 O próprio

fundamentalismo democrático, contudo, acabou por conduzir a assembleia de

cidadãos ativos a uma situação de ausência de controle, fracassando ao final.16

Para José Afonso da Silva, a polis “como tipo de Estado (cidade-estado), tal

como qualquer objeto, se revela por sua constituição, a politeia”. O autor destaca

que Aristóteles mencionava a “constituição” para aludir ao regime de uma cidade,

“que resultava da organização dada aos magistrados em geral, especialmente à

espontânea de seus destinatários.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.5). 13 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.154. 14 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.155. 15 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.155. Não se pode olvidar, evidentemente, que a noção de cidadão ativo era bastante restrita. Sobre o tema, vale destacar o que afirma Luís Roberto Barroso: “Atenas é historicamente identificada como o primeiro grande precedente de limitação do poder político – governo de leis, e não de homens – e de participação dos cidadãos nos assuntos públicos. Embora tivesse sido uma potência territorial e militar de alguma expressão, seu legado perene é de natureza intelectual, como berço do ideal constitucionalista e democrático.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.6.) 16 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.156.

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15

magistratura soberana, à divisão de poderes, à distribuição da soberania, à

determinação do fim a que se propõe a comunidade política”. Platão também se

referia à politeia nesse mesmo sentido, porém de forma relacionada à cidade

idealizada. Todavia, não há comprovação de que tenha existido nas cidades gregas

a constituição redigida em um documento.17

A República romana também se destaca no contexto histórico do

constitucionalismo. Durante seu desenvolvimento, entre os séculos V e II (a.C), se

apresentou como um sistema político baseado em dispositivos de freios e

contrapesos com o objetivo de dividir e limitar o poder político dos magistrados,

consistindo em amplo repertório de limitações mútuas (controles intraórgãos, como a

estrutura colegial de magistraturas altas e superiores, duração anual dos cargos e

proibição de reeleição imediata; e controle interórgãos, como a intervenção dos

tribunos da plebe diante de uma conduta ilegal de outro tribuno e até dos mais altos

magistrados, a atuação do Senado). O constitucionalismo republicano se

desintegrou nas guerras civis dos primeiros séculos antes de Cristo e terminou no

domínio de César.18

A constitutio, como modo de ser das cidades romanas (civitas) – mesmo

sentido da politeia para as cidades gregas – denotava um sentido abrangente de

toda a vida da cidade-estado. Também não houve em Roma uma Constituição

escrita. O termo Constituição denotava, em verdade, os provimentos legislativos

imperiais (Codex, Digesta etc.). Conforme explica José Afonso da Silva, “essas

constituições eram coleções de regras jurídicas de toda natureza, pois aquilo que o

imperador estatuía, subscrevia, estipulava, prescrevia, decretava e legislava se

chamava Constituição”.19

17 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.52-53. 18 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.156-157. 19 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.56-57. O autor complementa: “Enfim, embora a palavra constitutio onis pudesse significar modo de ser das coisas, como constitutio corporis (‘constituição do corpo’), constitutio mundi (‘constituição do mundo’), ou até Estado, o certo é que não era empregada nesse sentido no sistema romano, nem Cícero o fez nas citadas obras. Era empregada, sim, durante o Principado e o Império para designar as providências legislativas dos imperadores, de sorte que a Constituição do Estado Romano nesse período se revelava no seu modo de ser traduzido mais pela ação concreta do príncipe e do imperador e sua Magistratura, incluindo a tradição histórica e, a partir de Justiniano, a compilação de normas jurídicas a que já fizemos referência”. (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.59-60). Luís Roberto Barroso também identifica esse viés constitucionalista: “O ideal constitucionalista de limitação do poder foi compartilhado por Roma, onde a República se implantou em 529 a.C., ao fim da monarquia etrusca, como a Lei das Doze Tábuas.” (BARROSO, Luís

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16

No período seguinte, a Idade Média, entre o fim do século V e a metade do

século XV, com a prevalência do sistema feudal, o Estado se apresenta totalmente

desagregado. Com isso, “não havendo poder político, não há que se falar em

Estado, e, consequentemente, não havendo Estado, não há que se falar em

constituição estatal”.20

Não se identifica uma Constituição nesse período. Todavia, é na Idade Média

que surgem os elementos básicos para a formação de uma Constituição. Isso

porque a partir da formação dos burgos à margem dos feudos começa a surgir uma

demanda pela garantia de alguns direitos fundamentais, como a liberdade e a

igualdade, como resultado das circunstâncias históricas.21 Mostrava-se essencial

para a nova classe em surgimento, a burguesia, a garantia da liberdade para realizar

suas atividades comerciais.

Os primeiros sintomas do constitucionalismo, conforme salienta José Afonso

da Silva, se configuram com o fortalecimento da burguesia na Idade Média, com o

surgimento do Município e a organização de seus serviços, a outorga pelos

monarcas de documentos, como cartas e foros, pelos quais se conferia autonomia a

cidades e regiões, e a criação de Assembleias representativas. Estas últimas,

inicialmente restritas à nobreza, como a Assembleia de Nobre que impôs a

assinatura da Magna Carga de 1215 ao rei João-Sem-Terra, aos poucos ganharam

maior representatividade com a admissão da burguesia.22

Contudo, com o desenvolvimento da monarquia absoluta, que aboliu as cortes

feudais a partir do século XVI, essas Assembleias deixaram de existir, com exceção

do Parlamento inglês, que sobreviveu ao absolutismo monárquico.23 O fato é que a

burguesia continuou a se desenvolver economicamente com sua ideologia liberal,

tendo o Estado Absolutista como obstáculo a ser superado.

Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.7). 20 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.60-61. 21 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.62. 22 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.63-64. O autor sintetiza o período: “Na Inglaterra uma Assembleia assim se reuniu em 1295, formada por prelados, barões e deputados dos condados, cidades e burgos, constituindo uma representação completa de todos os estamentos sociais. Em 1302, Philipe, o Belo reuniu pela primeira vez em França em uma Assembleia plena, os nobres e prelados e também os representantes das cidades. Foi a origem dos Estados Gerais. A Assembleia do Povo constitui o Terceiro Estado. A representação tinha, assim, uma estrutura estamental, em que dois órgãos se separavam em função da natureza da representação: um representando os interesses da aristocracia (prelados e nobres) e outro os interesses gerais do povo (burgueses, então)”. (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.64). 23 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.64.

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17

A partir desse período, a história registrará uma série de movimentos

revolucionários que serão responsáveis pela formação do constitucionalismo

moderno, demonstrando que o movimento constitucionalista (moderno) não tem uma

gestação pacífica, originando-se em três revoluções liberais básicas: a inglesa, a

americana e a francesa.24 Vejamos cada um deles.

2.1.1 A Inglaterra

De acordo com Karl Loewenstein, a Revolução Puritana inglesa marca o início

da segunda e moderna fase do constitucionalismo.25 A coincidência excepcional de

diversas circunstâncias teria favorecido a transformação da monarquia absoluta em

monarquia constitucional.

Com efeito, é possível visualizar três fases fundamentais na evolução do

direito constitucional britânico, conforme pontuado por Jorge Miranda: inicialmente, a

fase dos primórdios, em 1215, com a concessão da Magna Carta26; posteriormente,

a fase da transição, “aberta em princípios do século XVII pela luta entre o Rei e o

Parlamento e de que são momentos culminantes a Petição de Direitos (Petition of

Right) de 1628, as revoluções de 1648 e 1688 e a Declaração de Direitos (Bill of

Rights) de 1689”, e, finalmente, a fase contemporânea, “desencadeada a partir de

1832 pelas reformas eleitorais tendentes ao alargamento do direito de sufrágio”.27 28

Marcello Cerqueira explicita que o período da Revolução Inglesa se inicia, em

1628, com a Petição de Direitos (Petittion of Right), apresentada ao rei Carlos I, em

8 de março, pelos “Lordes espirituais e temporais e os comuns reunidos em

Parlamento”.29 A Câmara dos Comuns insistiu na instituição de uma ordem

24 SAGÜES, Néstor Pedro. Teoría de la Constitución. Buenos Aires: Editorial Astrea, 2004, p.11. 25 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.157. 26 Sobre as Cartas solenes, documentos por meio dos quais os soberanos prometiam eliminar abusos e atuar em conformidade com o direito, Caenegam destaca a importância da Magna Carta: “O primeiro surge no norte da Espanha, no fim do século XII, mas o mais famoso é a Magna Carta de João Sem-Terra, dada em 1215. Merece a nossa especial atenção, não apenas por ser típica do seu género, mas porque teve um papel importante nos séculos ulteriores, influenciando o desenvolvimento constitucional na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e em todo o mundo moderno”. (CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito constitucional ocidental. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p.106). 27 CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.56. 28 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.116. 29 CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.57.

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constitucional limitadora do poder da coroa e de sua efetiva participação no

processo político. A guerra terminou com a vitória do parlamento sobre a coroa na

Revolução Gloriosa de 1688.30

É com a elaboração do Instrument of the Government (1653) de Cromwell que

se visualiza a primeira Constituição escrita válida do Estado moderno.31 Para Jorge

Miranda, no entanto, “foi um arremedo de Constituição escrita”.32

O fato, contudo, é que os ingleses abandonaram a concepção de uma lei

fundamental escrita e incorporaram os documentos históricos elaborados antes e

depois da Revolução Gloriosa (Habeas Corpus Act; Bill of Rights e Act of

Settlement). Nos dizeres de Karl Loewenstein, “os ingleses se contentaram com a

regulação em leis individuais de sua ordem fundamental, e a convicção popular lhes

outorgou tanta solenidade constitucional quanto se tivessem sido codificadas em um

documento constitucional formal”.33 34

Interessante observar a expressão utilizada por Loewenstein ao se referir à

peculiaridade da Inglaterra de se apresentar como um estado constitucional sem

Constituição: a convicção popular.

30 Sobre esse período, Luís Roberto Barroso sintetiza: “Os conflitos entre o rei e o Parlamento começam com James I, em 1603 e exacerbaram-se após a subida de Charles I ao trono, em 1625. O absolutismo inglês era frágil, comparado ao dos países do continente (França, Espanha, Portugal), não contando com exército permanente, burocracia organizada e sustentação financeira própria. Em 1628, o Parlamento submeteu ao rei a Petittion of Rights, com substanciais limitações ao seu Poder. Tem início um longo período de tensão política e religiosa (entre anglicanos e católicos, puritanos moderados e radicais), que vai desaguar na guerra civil (1642-1658), sob o comando de Cromwell. A República não sobreviveu à morte de seu fundador, dando-se a restauração monárquica com Charles II, em 1660. Seu filho e sucessor, James II, pretendeu retomar práticas absolutistas e reverter a Inglaterra à Igreja Católica, tendo sido derrubado em 1688, na denominada Revolução Gloriosa. Guilherme (William) de Orange, invasor vindo da Holanda, casado com Mary, irmã do rei deposto, torna-se o novo monarca, já sob um regime de supremacia do Parlamento, com seus poderes limitados pela Bill of Rights (1689).” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.11). 31 Nesse sentido: LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.158; CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.55. 32 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.118. 33 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.159. 34 Assim se manifesta Luís Roberto Barroso: “Fruto de longo amadurecimento histórico, o modelo institucional inglês estabeleceu-se sobre raízes tão profundas que pôde prescindir até mesmo de uma Constituição escrita, sem embargo da existência de documentos relevantes de natureza constitucional. Embora a Revolução Inglesa não tenha tido o tom épico e a ambição de propósitos da Revolução Francesa, o modelo inglês projetou sua influência sobre diferentes partes no mundo, diretamente ou indiretamente (através dos Estados Unidos).” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.12).

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Vê-se, pois, que a implantação de um regime constitucional na Inglaterra foi

resultado de um longo processo histórico de amadurecimento político, com reflexos

em outros países, especialmente na América do Norte.35

2.1.2 Estados Unidos da América

Também é relevante a evolução constitucional norte-americana. Basta dizer

que se atribui aos Estados Unidos a primeira Constituição escrita.

Logo após a declaração de independência das colônias inglesas americanas,

em 4 de julho de 1776, os delegados de doze dos Estados se reuniram em

Convenção e aprovaram o texto que resultou na primeira Constituição escrita do

mundo moderno, em 17 de setembro de 1787, que deveria ser ratificada pelos

Estados. Em junho de 1788, como destaca Luís Roberto Barroso, dez Estados já

haviam ratificado a Constituição, ultrapassando o quórum mínimo necessário.

Contudo, a versão original da Constituição apenas incorporou uma declaração de

direitos em 1791 com as primeiras dez emendas (Bill of Rights).36

É indiscutível a importância da Constituição americana, que exerceu

influência para além do território dos Estados Unidos.37 Em que pese a Constituição

ter sido elaborada em 1787, o direito constitucional norte-americano inicia sua

formação antes disso. Conforme enfatiza Jorge Miranda, devem ser lembrados os

Covenants e demais textos da época colonial (Fundamental Orders of Connecticut,

35 “A transição da monarquia absoluta para um regime constitucional foi consequência, também na Inglaterra, de uma violenta crise de natureza revolucionária. A Revolução Inglesa não foi menos sangrenta e rica em incidentes do que a Revolução Francesa, sobre a qual exerceria enorme influência. [...] É a partir da revolução inglesa que se afirma uma linha clara da evolução do Direito Constitucional até o equilíbrio atual de suas instituições.” (CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.54). 36 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.16-17. 37 “A Constituição Americana assume importância excepcional, tanto por causa das suas ousadas inovações, como pelo seu impacto universal. O direito constitucional americano é resultado dos acontecimentos dramáticos conhecidos por Guerra da Independência ou Revolução Americana. [...] Apesar de esta mudança radical ter ocorrido na América, ela possui lugar especial na história jurídica europeia, não só por ter sido levada a cabo por emigrantes europeus ou seus descendentes directos, mas também por ter ocorrido no seio de um sistema jurídico – o common law inglês – e de uma corrente filosófica – o Iluminismo – que eram de origem europeia. Além desse facto, o desenvolvimento constitucional americano influenciou desde o seu começo o direito público do velho continente.” (CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito constitucional ocidental. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p.186-187).

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de 1639), a Declaração de Independência, a Declaração de Virgínia e as outras

Declarações de Direitos dos primeiros Estados.38

Nesse contexto, Horst Dippel analisa a Declaração de Direitos de Virgínia, de

12 de junho de 1776, e identifica em seu conteúdo dez postulados que configuram o

constitucionalismo moderno39, ou, sob a expressão utilizada pelo autor, “novo

vocabulário político”, a utilização de uma linguagem nova para expressar novas

ideias, em especial para destacar a soberania popular.40

Em suma, o constitucionalismo norte-americano é desenvolvido a partir de

uma revolução anticolonial41 que culminou na primeira e mais antiga Constituição

escrita em sentido moderno.42

38 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.132-133. 39 Princípios da soberania popular, “anclaje” da constituição em princípios universais, uma declaração de direitos, governo limitado e a consideração da Constituição como lei suprema. A partir desses outros cinco postulados são identificados: governo representativo, a separação dos poderes, a exigência de responsabilidade política e de um governo responsável, independência judicial e um procedimento de reforma da Constituição. (DIPPEL, Horst. Constitucionalismo moderno. Introducción a una historia que necesita ser escrita. Historia Constitucional, n.6, sept.2005, Universidad de Oviedo, Oviedo, España, p.184. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=259027572008>. Acesso em: 22 dez. 2018). 40 “Os delegados da Virgínia de 1776 poderiam facilmente usar uma linguagem semelhante, como muitos colonos haviam feito durante a década anterior. Mas eles deliberadamente introduziram uma nova linguagem: 'Uma declaração de direitos feita pelos representantes do bom povo da Virgínia, reunidos em convecção geral e livre; cujos direitos pertencem a eles e à sua posteridade, como base e fundamento do governo’. Este é um documento completamente novo, que usa uma linguagem nova e ousada. Era uma 'declaração de direitos', não um documento subjetivo declarando direitos, e foi estabelecida pelos ‘representantes do [...] povo', que foram 'reunidos em uma convenção geral e livre', e não em qualquer assembléia, com uma legitimação equívoca. Além disso, declararam os direitos, apropriadamente, como pertencentes ao povo e seus descendentes, e não à assembléia ou à própria convenção, em contraste com qualquer outra instituição. Esses direitos serviram, na frase mais revolucionária de todas, "como base e fundamento do governo", uma afirmação completamente desconhecida e contraditória a qualquer forma de entender a constituição inglesa. [...] Além de ter enumerados certos direitos, embora de forma incompleta, a importância singular da Declaração dos Direitos da Virgínia em 1776 baseia-se no estabelecimento de um catálogo completo dos fundamentos do constitucionalismo moderno, cuja natureza fundadora não é menos válida hoje do que era mais de duzentos anos atrás: soberania do povo, princípios universais, direitos humanos, governo representativo, constituição como lei suprema, separação de poderes, governo limitado, responsabilidade e prestação de contas do governo, independência e imparcialidade do judiciário, e o direito das pessoas a reformar seu próprio governo, ou poder constituinte do povo. Esses dez elementos essenciais do constitucionalismo moderno estão expressos na Declaração da Virgínia e, por mais de duzentos anos, nenhuma constituição que reivindica a adesão aos princípios do constitucionalismo moderno se atreveu a contestar abertamente qualquer um [...]” (DIPPEL, Horst. Constitucionalismo moderno. Introducción a una historia que necesita ser escrita. Historia Constitucional, n.6, sept.2005. Universidad de Oviedo, Oviedo, España, p.184. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=259027572008>. Acesso em: 22 dez. 2018). 41 CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.63. 42 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.132-133.

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2.1.3 Revolução Francesa

A Revolução Francesa, além de configurar um relevante evento histórico, se

destaca pelo papel simbólico desenvolvido em relação a outros povos no final do

século XVIII. Conforme destaca Luís Roberto Barroso, “coube a ela – e não à

Revolução Inglesa ou à Americana – dar o sentido moderno do termo ‘revolução’,

significando um novo curso para a história e dividindo-a em antes e depois”.43

A Revolução Francesa, nas palavras de José Afonso da Silva,

foi o marco universal da colocação da síntese, resultante da tese força burguesa e sua antítese resistência ao poder absoluto-nobreza, de onde se inicia um novo sistema de vida social e política com a tomada do poder pela burguesia, que instituiu o Estado Burguês de Direito.44 45

Também inserida no contexto do absolutismo monárquico, a Revolução

Francesa foi resultado do conflito entre a nobreza, que se recusava em diminuir seus

privilégios, e a burguesia (Terceiro Estado), que almejava mais poder. Às vésperas

da Revolução, o Terceiro Estado se declarou Assembleia Nacional. Posteriormente,

em 9 de julho de 1789, transformou-se em Assembleia Constituinte, sob a influência

de Emmanuel Joseph Sieyés.46

O sistema constitucional francês se diferencia, assim, dos demais (britânico e

americano) porque constituiu verdadeira ruptura com o antigo regime (Ancien

Régime).47 Luís Roberto Barroso sintetiza as características do constitucionalismo

francês:

A Revolução não foi contra a monarquia, que, de início, manteve-se inquestionada, mas contra o absolutismo, os privilégios da nobreza, do clero e as relações feudais no campo. Sob o lema liberdade, igualdade, fraternidade, promoveu-se um conjunto amplo de reformas anti-aristocráticas, que incluíram: a) a abolição do sistema feudal; b) a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; c) a

43 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.25. 44 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.64. 45 Marcello Cerqueira também destaca esse grau de importância: “Se a economia do mundo no século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e sua ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa”. (CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.110). 46 SIEYÉS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa. (Org.) Aurélio Wander Bastos. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 47 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.150.

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elaboração de uma nova Constituição, concluída em 1791; d) a denominada constituição civil do clero.48

Contudo, é com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,

na França, que o constitucionalismo moderno se apresenta como teoria da

Constituição, por meio do seu artigo 16, que discrimina os requisitos fundamentais

para que esteja caracterizada a existência de uma Constituição.49

A partir de sua primeira Constituição, de 1791, outras foram elaboradas de

forma sucessiva e em diferentes momentos, ensejando um período de grande

instabilidade e oscilação constitucional.50 51

48 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.26. Marcello Cerqueira ressalta: “Diferentemente da Revolução Americana, em que a Constituição traduziu a vontade revolucionária em uma ordem constitucional estável, as contradições do interior do movimento que culminou com a derrubada do Ancien Régime não permitiram que a Revolução Francesa se expressasse por meio de um modelo constitucional definitivo. As Constituições foram produzidas, adotadas, suspensas, aplicadas e violadas durante os dez anos que separam o juramento do Jeu de Pomme de um novo texto mediante o qual Napoleão Bonaparte pretendeu, mais uma vez, encerrar a Revolução.” (CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.136). 49 DIPPEL, Horst. Constitucionalismo moderno. Introducción a una historia que necesita ser escrita. Historia Constitucional, n.6, sept.2005, Universidad de Oviedo, Oviedo, España, p.184. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=259027572008>. Acesso em: 22 dez. 2018. Nesse sentido: Ainda: “Os documentos constitucionais de importância universal que têm sua origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a difusão do sistema de rigidez das Constituições francesas de 1791, 1793 e 1795 para toda a Europa e, a partir dela, para todo o mundo, as atribulações sociais operadas no país, o surgimento de correntes liberais, democráticas e socialistas e sua influência na história das instituições políticas, inclusive entre nós, justificam, tanto quanto possível, um exame mais detido do nascimento e da evolução do Direito Constitucional francês, que se irá caracterizar por um constitucionalismo escrito, codificado, revolucionário e rígido, correlacionado com parlamentarismo, pluripartidarismo, plebiscitarismo cesarista, instabilidade governamental e semipresidencialismo.” (CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.111). 50 Esses diferentes períodos são a revolução, o consulado e o 1º império, a restauração, a 2ª república e o 2º império, a 3ª, 4ª e a 5ª repúblicas. Conforme salienta Jorge Miranda, a cada momento corresponderam diferentes Constituições, que espelharam transformações histórico-sociais distintas. Podem ser mencionadas: entre as Constituições revolucionárias, a de 1791, 1793 e a de 1795; entre as Constituições napoleônicas, a de 1799, 1802 e a de 1804; entre as Constituições da Restauração, a Carta Constitucional de 1814, a de 1830; seguiram-se três Constituições da II república e do II império, a de 1848, a de 1852, a de 1870; por fim, a Constituição de 1875 da III república, a de 1946 da IV república e a de 1958 da V república. (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.152). 51 Jorge Miranda procura explicar a instabilidade constitucional francesa da seguinte forma: “Seja qual for a interpretação que se entenda razoável para tentar reduzir à unidade as vicissitudes político-constitucionais francesas, divisam-se causas que concorrem para tão grande instabilidade: causas de ordem geral e filosófica-jurídicas; sobretudo, causas de ordem política e social. As primeiras estão ligadas à influência do pensamento racionalista num meio jurídico, intelectual e político favorável. [...] Sobressaem, porém, factores políticos e sociais. A instabilidade do período de 1789-1871 explica-se por nele se travar ainda uma luta decisiva de princípio de legitimidade – entre a legitimidade democrática e monárquica – e de classes sociais – entre a burguesia urbana, que pretende consolidar o poder já adquirido, e a aristocracia rural, que pretende preservar ou restaurar antigos direitos – luta esta que se transforma, a partir de 1830, com o aparecimento do operariado.’” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.I. Preliminares. O Estado e os sistemas constitucionais. 8.ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p.155-156).

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2.2 O constitucionalismo como movimento político e cultural

Da análise da evolução histórica do constitucionalismo se mostra claro ser

este o resultado de um longo processo de amadurecimento político, filosófico e

cultural. Ao esclarecer o que deve ser entendido por constitucionalismo, José Afonso

da Silva evidencia esses aspectos:

Não raro se fala em constitucionalismo da Antiguidade e constitucionalismo medieval, mas essas expressões constituem abuso de um conceito que é moderno e preciso. Por ‘constitucionalismo’ só se deve entender o movimento politico, filosófico, cultural voltado para a conquista de documentos constitucionais em que se fixam princípios liberais-democráticos. O constitucionalismo, pelo visto, nasceu como meio de limitar a ação do poder e garantir a vigência dos direitos da pessoa humana, por meio de uma constituição escrita. O modo de ser do Estado, assim, ficava caracterizado racionalmente pelas formas que lhe desse uma constituição escrita como lei suprema.52

Dalmo de Abreu Dallari argumenta no mesmo sentido ao destacar que o

constitucionalismo é um movimento social desenvolvido ao longo da história.53 Da

mesma forma, reconhece José Joaquim Gomes Canotilho, ao destacar a acepção

histórico-descritiva do constitucionalismo.54

Ora, o constitucionalismo surgiu, assim, “como movimento, político, filosófico

e cultural destinado a estabelecer documentos constitucionais que

52 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.66. 53 “O Constitucionalismo é um movimento social implantado e desenvolvido através da história, tendo recebido a contribuição de elementos resultantes das elaborações teóricas políticas e jurídicas, sendo hoje um instrumento fundamental para a implantação de sociedades humanistas e democráticas. O constitucionalismo não foi o resultado de alguma proposição teórica abstratamente formulada, mas resultou do reconhecimento de peculiaridades da pessoa humana, de necessidades e aspirações comuns a toda a humanidade, percebidos e explicitados, gradativamente, a partir de situações concretas. Por tudo isso, o conhecimento do constitucionalismo, de seus fundamentos e de sua extraordinária importância para a conquista e manutenção da paz se faz a partir da história, da identificação dos fatores de influência adicionados em cada época e da contribuição das teorias políticas e jurídicas que, nas últimas décadas, conceituaram a Constituição como norma jurídica superior de cada povo, concebendo os valores como direitos fundamentais e definindo instrumentos de garantia e persecução dos direitos para que estes sejam efetivados e para que os conflitos que os envolvam sejam solucionados por vias pacíficas, ao alcance de todos, sem qualquer exclusão ou exceção”. (DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010, p.347). 54 “[...] fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinário alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num tempo longo – desde os fins da Idade Média até ao século XVIII.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.52).

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consubstanciassem os princípios liberais”.55 Contudo, José Afonso da Silva

esclarece que o constitucionalismo não se originou de apenas uma fonte cultural. Ao

contrário disso, proveio de pelos menos duas vertentes culturais,

[...] uma inspirada no princípio liberal e outra inspirada no princípio democrático; aquela de formação anglo-americana, que encontrou seu principal ponto de apoio no liberalismo de John Locke; e a outra jacobina, que encontrou sua base de sustentação na democracia radical de Jean-Jacques Rousseau. Ambos, contudo, fundados na concepção contratualista contraposta ao absolutismo.56

Esta diferenciação ideológica se faz perceber, por exemplo, entre as

Revoluções Inglesa e Americana, fundadas na limitação do poder absoluto

monárquico, a Revolução Francesa, que ressaltou a importância das Assembleias e

a instituição de instrumento de democracia direta.57

O primeiro momento de consagração do constitucionalismo liberal,

prevalecente no século XIX, foi logo seguido pelo surgimento do constitucionalismo

social, caracterizado pela necessidade de atender às necessidades de uma classe,

a de trabalhadores oprimidos e explorados pela sociedade industrial.

Perceptível, portanto, que o constitucionalismo está em constante

transformação, acolhendo os novos valores sociais e as necessidades da

sociedade.58 Segundo Celso Bastos, “com o evoluir dos tempos, as Constituições

55 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.67. 56 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.67. 57 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.67. 58 “Pois, o constitucionalismo surgiu na história da Humanidade no bojo de revoluções destinadas a refazer pacto sociais existentes, em busca de nova ideia de Direito e do acolhimento de novos valores sociais. Em outras palavras, o constitucionalismo como movimento histórico, permanente e dinâmico, não se conforma com as injustiças sociais, por isso sempre está a pleitear novos conteúdos para a democracia, porque sabe que não existe democracia acabada, porque a democracia é um regime político submetido à inevitável permanente confrontação das realidades com seus valores fundantes. A democracia não pode aceitar um sistema econômico e social de profundas desigualdades, ela se realiza no dia a dia acolhendo as forças que combatem por uma sociedade mais justa, mediante o reconhecimento de direitos sociais. Assim, nasceram as constituições como instrumentos de luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Geradas no bojo do absolutismo do século XVIII, como forma de positivar as liberdades fundamentais, fecundaram-se de novos direitos ao longo desses últimos séculos. Não tem mais cabimento o dilema de saber se a Constituição é uma técnica de poder ou uma técnica da liberdade, pois sua missão consiste em assegurar o respeito aos direitos fundamentais; e, quando ela institucionaliza o poder, ela o faz como um meio de orientar seu exercício para a proteção daqueles direitos. Com o constitucionalismo o poder foi domesticado a serviço dos direitos da pessoa humana através da constituição.” (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.67-68). Como também reconhece Dalmo de Abreu Dallari: “Como conclusão final, pode-se afirmar que o constitucionalismo é uma conquista da humanidade, um produto da história, cuja criação não pode ser atribuída a algum teórico ou a alguma doutrina filosófica, política ou jurídica. Em longo processo evolutivo ele foi sendo definido e aperfeiçoado, sendo hoje um elemento fundamental para a construção de sociedades justas, que tenham a pessoa humana como o primeiro de seus valores e que busquem por meios pacíficos a solução dos conflitos e a correção das injustiças. Uma exigência do novo constitucionalismo é que os direitos fundamentais

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passaram a mesclar uma série de elementos como o social e o democrático,

assegurando-os em seu texto”.59

Justamente porque se apresenta como objeto de cultura, o constitucionalismo

é histórico e evolui com o correr dos tempos, adquirindo novos conteúdos e

qualificativos.60 Assim, de um constitucionalismo caracterizado como liberal, passou

a se configurar como constitucionalismo social, “quando incorporou a declaração de

direitos econômico-sociais, preocupado em garantir também a igualdade material da

pessoa humana”.61

Dentre os documentos jurídicos que inauguram essa fase histórica do

constitucionalismo, temos a Revolução de 1848, em Paris, que previu em sua

Constituição de curta duração o direito do trabalho. Destaca-se, contudo, a

Constituição mexicana de 1917, a primeira a sistematizar o conjunto de direitos

sociais. Logo depois, destacou-se a Constituição alemã de Weimar de 1919, que

previu a garantia dos direitos sociais e econômicos.62

Atualmente, o constitucionalismo vive uma constante transformação, o que

ratifica o seu caráter dinâmico e sensível às transformações políticas e culturais

pelas quais a sociedade ultrapassa63.

da pessoa humana não sejam proclamados apenas como faculdades genéricas e abstratas, desligadas da realidade, mas que sejam possibilidades ao alcance de todos, tornando realidade a afirmação de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” (DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010, p.353). 59 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.153. O autor destaca que em todas as suas fases houve um traço constante “qual seja, a limitação do governo pelo Direito, as denominadas ‘limitações constitucionais’. Esta é a nota característica do constitucionalismo.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.154). 60 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.68. 61 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.68. 62 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.70. Nesse contexto, a Constituição de Weimar foi a que exerceu maior influência no constitucionalismo do pós I Guerra Mundial, inclusive na Constituição brasileira de 1934. Não se olvida, logicamente, a Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, sistematizada, posteriormente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consubstancia dos direitos sociais do homem (artigos 22 a 28). (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.70). Sobre o direito constitucional alemão, veja-se: HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. 63 “O constitucionalismo democrático, ao final da primeira década do século XXI, ainda se debate com as complexidades da conciliação entre soberania popular e direitos fundamentais. Entre governo da maioria e vida digna e em liberdade para todos, em um ambiente de justiça, pluralismo e diversidade. Este continua a ser, ainda, um bom projeto para o milênio. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.40-41.)

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3 CONSTITUIÇÃO E CULTURA

A ideia de constitucionalismo é anterior à noção de Constituição. Abordado o

primeiro no capítulo anterior, com destaque para suas duas perspectivas principais

(teoria e movimento político-cultural), passamos a cuidar da compreensão da

Constituição.

3.1 As concepções política, sociológica e jurídica de Constituição

As Constituições podem ser compreendidas sob os mais diversos enfoques.

Dentre os diferentes conceitos que podem ser apresentados, destacam-se os

sentidos político, sociológico e jurídico do seu estudo.64

O primeiro deles se consubstancia na ideia apresentada por Carl Schmitt

sobre Constituição como uma decisão política fundamental, “uma decisão

consciente que a unidade política, por meio do titular do poder constituinte, adota por

si mesma e se dá a si mesma”.65 O autor diferencia Constituição de lei

constitucional. Esta consiste no conteúdo do texto constitucional que não configura

matéria de decisão política fundamental, ou seja, aquelas matérias que não cuidam

da organização do Estado e dos Poderes, ou dos direitos fundamentais, por

exemplo.66

Ferdinand Lassalle consagrou o sentido sociológico ao argumentar: “a

verdadeira Constituição de um país reside nos fatores reais e efetivos de poder que

regem esse país”. Dessa forma, as constituições escritas “não têm valor e nem são

64 PESSOA, João Paulo. As disposições transitórias no direito constitucional brasileiro. São Paulo: Lumen Juris, 2017. 65 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid: Alianza, 2006, p.46. Quando trata do conceito de Constituição, Carl Schmitt apresenta o conceito absoluto, relativo, positivo e ideal. Conforme José Afonso da Silva, o conceito positivo, para Schmitt, “é o único e verdadeiro conceito de constituição, e aí se revela, inequivocamente, um aspecto do sociologismo jurídico-constitucional.” [...] “Em resumo, para Schmitt a essência da constituição não se acha numa lei, ou norma, mas no fundo ou por detrás de toda normatividade está uma decisão política do titular do poder constituinte, isto é, do povo na democracia, e do monarca na monarquia autêntica”. (grifos no original). (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.28-29). 66 De acordo com Carl Schmitt: “A Constituição vale por virtude da vontade política existente daquele que a dá. Toda espécie de regulação jurídica, e também a regulação constitucional, pressupõe uma tal vontade política existente. As leis constitucionais são, pelo contrário, baseadas na Constituição e pressupõem uma Constituição. Toda lei, como regulamentação normativa, e também a lei constitucional, precisa para sua validade ao final de uma decisão política právia, adotada por um poder ou autoridade politicamente existente. […] A distinção entre Constituição e lei constitucional só é possível, no entanto, porque a essência da Constituição não está contida em uma lei ou norma. No fundo toda a regulação reside numa decisão política do titular do poder constituinte, isto é, do povo na democracia e do monarca na autêntica monarquia”. (SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid: Alianza, 2006, p.46-47).

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duradouras mais do que quando dão expressão fiel aos fatores de poder vigentes na

realidade social”.67 Ao discorrer sobre a Constituição em seu sentido sociológico,

José Afonso da Silva reconhece: “a teoria de Lassalle ressalta, inegavelmente,

verdades que a experiência constitucional, da época e de agora, confirma”.68

A concepção jurídica, por sua vez, compreende a Constituição como norma

pura, sem relação com o aspecto sociológico ou político, por exemplo. Nesse

contexto, Hans Kelsen, quando se refere à Constituição, adota dois sentidos: o

lógico-jurídico, segundo o qual a Constituição significa norma fundamental

hipotética, que atuará como fundamento lógico transcendental da validade da

Constituição positiva69; e jurídico-positivo, que consiste na norma positiva

suprema70.71

Essas concepções, conforme argumenta José Afonso da Silva, “pecam pela

unilateralidade”. A adoção de qualquer uma delas, isoladamente, implica uma ideia

incompleta de Constituição.72 O autor propõe, então, que a Constituição seja

compreendida e interpretada como uma estrutura (concepção estrutural), na qual

seus diferentes aspectos se apresentam interligados, numa “conexão de sentido”.73

67 LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição? Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2005, p.71. 68 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.24. Sobre a relação entre a realidade social e a Constituição, afirma Pinto Ferreira: “O meio social e histórico exerce uma profunda e visível influência sobre a ordem jurídica, que não se desenvolve alheia às circunstâncias da realidade econômica e social.” (FERREIRA, Luis Pinto. Curso de direito constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.8). 69 Nas palavras de Kelsen: “A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. [...] Nesse caso, a norma fundamental – como Constituição em sentido lógico-jurídico – institui como fato produtor de Direito não apenas o ato do autor da Constituição, mas também o costume constituído pela conduta dos indivíduos sujeitos à ordem jurídica constitucionalmente criada.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p.247-248). 70 Nas palavras de Kelsen: “A Constituição é aqui entendida num sentido material: com esta palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p.247). 71 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.39. 72 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.31. 73 “A constituição há de ser considerada no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma na sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. Trata-se de um complexo, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos e membros que se enlaçam num todo unitário. O sentido jurídico de constituição não se obterá se a considerarmos desgarrada da totalidade da vida individual, sem conexão com o conjunto da comunidade como interferência das condutas entre sujeitos e instituições sociais e políticas. [...]. Mas a constituição não se confunde com o regime político, como certa corrente doutrinária pretende. Ela é sempre normativa. Compreende os elementos jurídicos estruturais da sociedade estatal. [...] A constituição seria, pois, algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder. Não pode ser compreendida e interpretada se não se tiver em mente essa

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Nesse sentido parece ser o conceito de Constituição apresentado por Pinto

Ferreira: “a ordem jurídica fundamental do Estado. Esta ordem jurídica fundamental

se baseia no ambiente histórico-social, econômico e cultural, onde a Constituição

mergulha as suas raízes.”74

Evidentemente, não se exclui a possibilidade de preferir um ou outro

aspecto.75 Daí que, para este trabalho, relevante apresentar a relação entre

Constituição e cultura, abordando a teoria da Constituição como ciência cultural e a

concepção culturalista de Constituição.

3.2 Constituição e cultura

Para desenvolvermos a análise da relação entre Constituição e cultura,

necessário inicialmente esclarecer a ideia de cultura.

3.2.1 A ideia de cultura

Conforme alerta Jorge Miranda, pretender apresentar a definição de cultura é

“tarefa das mais difíceis e talvez das mais inglórias”.76 A dificuldade ocorre por conta

da existência de inúmeros conceitos, diferenciando-se entre si no destaque dado a

um aspecto ou outro. Ou, conforme assevera Raymon Williams, a complexidade

“não está, afinal, na palavra mas nos problemas que as variações de uso indicam de

maneira significativa”.77

Para Miguel Reale, cultura é “o conjunto de tudo aquilo que, nos planos

material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza, quer para

modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo”. Abarca o conjunto de utensílios e

estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.35- 36). 74 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.9. 75 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 35-36. 76 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.95. 77 WILLIAMS, Raymon. Palavras-chave. Um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2017, p.123. Terry Eagleton, ao analisar as definições de cultura, apresenta uma posição crítica: “É difícil escapar à conclusão de que a palavra ‘cultura’ é ao mesmo tempo ampla demais e restrita demais para que seja de muita utilidade. [...] Minha tese neste livro é de que estamos presos, no momento, entre uma noção de cultura debilitantemente ampla e outra desconfortavelmente rígida, e que nossa necessidade mais urgente nessa área é ir além de ambas”. (EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução de Sandra Castello Branco. 2.ed. São Paulo: Unesp, 2011, p.51).

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instrumentos, obras e serviços, formas de comportamento desenvolvido ao longo

tempo, como um patrimônio da espécie humana.78 Para o autor, portanto, a ideia de

cultura não se limita ao conjunto de conhecimentos que nos habilita a fruir de um

número cada vez maior de valores materiais e espirituais.79

Miguel Reale chama a atenção para a relação da natureza com a cultura. Ele

entende ser possível delinear quatro momentos fundamentais nesse multimilenar

relacionamento.

O primeiro deles é “o da subordinação passiva da nossa espécie às

imposições da natureza”. Denominado naturalismo, caracteriza-se por ter sido o

mais longo. Em seguida, “houve homens que se deram conta de seu próprio poder,

irredutível ao determinismo naturalista”. Nessa linha de pensamento, Miguel Reale

destaca Cícero, com seu voluntarismo, e Kant, que revelou “com segurança o valor

do eu perante a realidade natural, mostrando, [...] que, para conhecer, [...] não nos

adequamos aos objetos, mas estes são constituídos como tais em virtude do poder

legislador ou nomotético da mente”. Em continuação, caracteriza-se um terceiro

momento, no qual se configurou um exagero na compreensão da natureza “como

‘pólo negativo’ do conhecimento, até o ponto de Hegel, continuador de Kant, dizer

que o espírito está ‘alienado’ enquanto não se liberta da natureza, superando suas

leis causais”. Por fim, em um quarto momento, fase atual do culturalismo e que vem

se desenvolvendo desde a década de 1940, prevalece a compreensão de que a

natureza “está na base da cultura, constituindo ambas um binômio incindível, o que

não nos impede de reconhecer o primado do espírito e a sua irredutibilidade ao

físico ou ao biológico”.80

Nesse sentido, Hermann Heller defende que “o objeto das ciências da cultura

é, pois, aquela parte do mundo físico que podemos considerar como formação

humana para um fim”. Para ele, deve-se evitar o equívoco de pretender traçar uma

fronteira científica entre a cultura e a natureza, como se suas realidades fossem

totalmente separadas. Dessa forma, entende que não existe uma cultura

78 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.25. 79 REALE, Miguel. Filosofia e teoria política. Ensaios. São Paulo: Saraiva, 2002, p.5. 80 REALE, Miguel. Filosofia e teoria política. Ensaios. São Paulo: Saraiva, 2002, p.4.

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independente da natureza e de suas leis, “pois a cultura nasce precisamente, do fato

de que o homem se vale das legalidades naturais para seus fins”.81

Já Peter Häberle parte da contraposição entre esses dois campos para

apresentar a noção de cultura: “A cultura é contrária à natureza. Esta é ‘criação’ ou

resultado da evolução. A cultura é o que foi criado pelo homem, sit venia verbo: uma

‘segunda criação’.”82 No contexto da Teoria da Constituição como ciência cultural,

Peter Häberle elenca três aspectos concretos orientativos para definir cultura:

tradição (cultura é a mediação do que em um dado momento foi); inovação (a cultura

é o desenvolvimento posterior do que já foi em seu momento e que se aplica,

inclusive, à transformação social); pluralismo (um mesmo grupo humano pode

desenvolver simultaneamente diferentes culturas). Assim, segundo o autor, toda

cultura existente em um determinado grupo sempre apresentará de uma forma mais

ou menos destacada cada um desses aspectos.83

Na visão de Jorge Miranda, cultura envolve tudo que apresenta significado

espiritual e adquire relevância coletiva, que se reporta a bens não econômicos e que

se relaciona com obras de criação ou de valoração humana, em contraposição às

puras expressões da natureza.84 Segundo ele, “cultura significa humanidade, assim

como cada homem ou mulher é, antes de mais nada, conformado pela cultura em

que nasce e se desenvolve”.85

Por sua vez, ressaltando a complexidade do desenvolvimento e do uso

moderno da palavra cultura, Raymon Williams afirma que, indo além da referência a

um processo físico (por exemplo, cultura de beterraba), é possível reconhecer três

81 HELLER, Hermann. Teoría del Estado. Tradução de Luis Tobío. 2.ed. México: Fondo de Cultura Económica 2012, p.59-60. O autor exemplifica com o uso da luz em seu quarto, que só se acende em virtude de leis naturais utilizadas pelo homem para superar a escuridão que reina do lado de fora. Assim, afirma que a cultura não é uma livre criação da realidade condicionada unicamente pelo poder do espírito humano, “mas uma conformação da realidade sujeita às leis psíquicas e físicas do homem e de seu material”. (HELLER, Hermann. Teoría del Estado. Tradução de Luis Tobío. 2.ed. México: Fondo de Cultura Económica 2012, p.60). 82 HÄBERLE, Peter. Constituição “da cultura” e Constituição “como cultura”: um projeto científico para o Brasil (2008) In: MENDES, Gilmar Ferreira; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt (Coord.). Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Análise crítica. São Paulo: Saraiva, 2017, p.164. Para o autor, cultura deve ser compreendida como um conceito aberto, rechaçada qualquer tentativa de restringi-la como algo exclusivo dos cidadãos mais instruídos. Deve prevalecer a máxima da cultura para todos e cultura de todos. Assim, o ser humano ostenta necessidades culturais diferentes as quais o direito constitucional cultural deve corresponder mediante um marco ótimo de desenvolvimento, funcionando com um instrumento. (HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.31). 83 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.26. 84 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.95. 85 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.96.

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categorias amplas e ativas de uso: i) substantivo independente e abstrato que

descreve um processo de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético, a partir

do século XVIII; ii) substantivo independente, quer seja usado de modo geral ou

específico, indicando um modo particular de vida, quer seja de um povo, um período,

um grupo ou da humanidade em geral; iii) o substantivo independente e abstrato que

descreve as obras e as práticas da atividade intelectual e artística. Este último,

segundo o autor, parece ser o mais difundido, tomando a cultura como sinônimo de

música, literatura, pintura, escultura, teatro e cinema.86

Na concepção de Ramon Soriano, a cultura é entendida em seu sentido mais

amplo, reflete a ideia coletiva, na qual cada um tem uma identidade definida, etnia,

língua, tradições, dentre outras, que se relacionam com outras culturas em uma

escala de distintas posições de domínio e dependências. Nesse contexto existiriam

culturas hegemônicas e culturas dependentes.87

A partir de uma concepção religiosa, Thomas Stearns Eliot afirma: “cultura

alguma pode aparecer ou se desenvolver a não ser em relação a uma religião”.88

Adotando, entretanto, também um viés antropológico, sintetiza a ideia de cultura

como “o modo de vida de um povo específico, que vive junto em um lugar. Essa

cultura torna-se visível em suas artes, em seu sistema social, em seus hábitos e

costumes, em sua religião”.89 Afirma que “a cultura de um indivíduo depende da

cultura de um grupo ou de uma classe, e que a cultura de um grupo ou de uma

classe depende da cultura do conjunto da sociedade à qual pertence aquele grupo

86 WILLIAMS, Raymon. Palavras-chave. Um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2017, p.121. Os sentidos (i) e (iii) estão associados à uma concepção humanista de cultura, enquanto o sentido (ii) se aproxima da chamada concepção antropológica. Lucia Santaella diferencia essas duas concepções: “As concepções humanistas são seletivas, separando certos segmentos das atividades humanas de outros e concebendo-os como sendo culturais. As antropológicas são não seletivas, pois aplicam o termo cultura à trama total da vida humana numa dada sociedade, à herança social inteira e a qualquer coisa que possa ser adicionada a ela. Enquanto os antropólogos evitam julgamentos de valor pelo temor de incorrer em etnocentrismos, os humanistas defendem a possibilidade, e mesmo a necessidade, de se avaliar as diversas formas das atividades e objetivos humanos à luz de valores universais que, eles insistem, são passíveis de uma determinação universal (Barnard 1973:615)”. (SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003, p.33). 87 SORIANO, Ramón. Interculturalismo, entre liberalismo e comunitarismo. Córdoba: Almuzara, 2004, p.13. 88 ELIOT, Thomas Stearns. Notas para a definição de cultura. Tradução de Eduardo Wolf. São Paulo: É Realizações, 2011, p.30. 89 ELIOT, Thomas Stearns. Notas para a definição de cultura. Tradução de Eduardo Wolf. São Paulo: É Realizações, 2011, p.136. O autor esclarece, entretanto, que tais aspectos somados não constituem a cultura. Segundo ele, “tais coisas são simplesmente as partes em que uma cultura pode ser dissecada, como um corpo humano. Assim, porém, como um homem é mais do que um ajuntamento das várias partes constituintes de seu corpo, também uma cultura é mais do que o ajuntamento de suas artes, costumes e crenças religiosas. Todas essas coisas agem umas sobre as outras, e para entender inteiramente uma delas, é necessário entender todas”. (ELIOT, Thomas Stearns. Notas para a definição de cultura. Tradução de Eduardo Wolf. São Paulo: É Realizações, 2011, p.136).

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ou aquela classe”.90 Esta compreensão, ao defender uma relação de quase

dependência entre cultura e religião, restringe demasiadamente a ideia de cultura.

Para Clifford Geertz, que adota uma concepção semiótica91, a cultura deve

ser interpretada como um conjunto de mecanismos de controle, aptos a direcionar

ou governar a conduta humana, os quais estão representados pela semântica, pelas

narrativas, sinais, desenhos, pela música, pelos objetos; enfim, as formas utilizadas

para impor um significado à experiência. Estabelece que “o homem é um animal

amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. A cultura, portanto, seria

essas teias de significados.92

Ao analisar esta concepção de cultura, José Afonso da Silva afirma que a

compreensão constitucional da cultura “se enriquecerá com essa visão semiótica,

que bem se afina com a ideia de uma concepção culturalista da cultura” e que, por

sua vez, se relaciona com o culturalismo jurídico.93

No plano do conhecimento, Miguel Reale enfatizou a importância da cultura

ao caracterizá-la como um terceiro a priori a ser considerado, além das “condições

existenciais da correlação sujeito/objeto. Assim, além das condições subjetivas

(sujeito cognoscente) e objetivas (objeto conhecido), há o a priori cultural,

“transcendentalmente inerente ao ato de conhecer”. Esse entendimento decorre do

fato de que a cultura é concomitante com o surgimento do ser humano na Terra, o

que é comprovado pelos instrumentos e desenhos encontrados nas cavernas

primitivas.

Miguel Reale reconhece a universalidade a priori da cultura, “a qual é inerente

ao ser humano, que desde as origens não pode deixar de ser visto como um ente

cultural”.94 Para ele, há uma estreita relação entre culturalismo, ou teoria da cultura,

90 ELIOT, Thomas Stearns. Notas para a definição de cultura. Tradução de Eduardo Wolf. São Paulo: É Realizações, 2011, p.23. 91 SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.33. Sobre a semiótica e os estudos culturais: SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003, p.47. 92 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, p.15. 93 SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.34. Para o autor, “exatamente porque a cultura consiste num sistema de significações – vale dizer, um sistema de sentidos significantes – é que a ela se tem acesso por via de compreensão; porque compreender significa nem mais nem menos (lembra Cossio) do que conhecer o sentido de algo. [...]. Como o Direito é também cultura – e, assim, igualmente um sistema de significações – ao seu conhecimento se chega por via de interpretação compreensiva, pois, como qualquer órbita da cultura, também o Direito é uma ciência interpretativa”. (SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.34). 94 REALE, Miguel. Filosofia e teoria política. Ensaios. São Paulo: Saraiva, 2002, p.8.

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e o ato cognoscitivo, ou teoria do conhecimento. A relação sujeito-objeto não surgiria

sem o a priori cultural.95

Por fim, não se pode olvidar que a cultura se forma pelas tradições e valores

herdados por meio da educação e da permanente busca de novos conhecimentos e

práticas, conforme avalia Miguel de la Madrid.96 Nesse ponto, contudo, vale o alerta

de Thomas Stearns Eliot, segundo o qual há o perigo de que “a educação – que de

fato está sob a influência da política – venha a assumir a responsabilidade da

reforma e da direção da cultura, em vez de se limitar a seu lugar como uma das

atividades por meio das quais a cultura se realiza.”97

Além disso, há uma estreita relação entre a cultura e o fator tempo, uma vez

que este contribui para formar aquela. Por isso, Rainer Arnold destaca o tempo

como um dos elementos da noção de cultura. Segundo ele, a formação desta deve

se manifestar por certo período de tempo, apresentando um caráter de continuidade,

como um processo de reiteração e de perseverança.98

3.2.2 Teoria da Constituição como ciência cultural

Nesse contexto, evidentemente, considerando que a Constituição é resultado

de algo criado pelo homem, por uma sociedade, entendemos ser crucial considerar

a cultura na compreensão da teoria da Constituição. Assim, passamos a destacar o

pensamento de dois autores que se dedicaram ao estudo da teoria da Constituição

como ciência cultural: Peter Häberle e Pablo Lucas Verdú.99

95 O homem, em suma, desde sua chegada ao mundo, é um agente cultural, sendo, a um só tempo, natureza e cultura, estando a projeção desta a priori em sua mente, ou melhor, em sua subjetividade criadora. Isto posto, a extensão que fiz da fenomenologia ao mundo histórico-cultural importa no reconhecimento de um a priori cultural, sem o qual não surgiria a relação sujeito-objeto, base da ontognoseologia”. (REALE, Miguel. Filosofia e teoria política. Ensaios. São Paulo: Saraiva, 2002, p.9). 96 MADRID H., Miguel de la. Constitución, Estado de Derecho y democracia. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Serie: Doctrina Juridica, n.187. México: UNAM, 2004. 97 ELIOT, Thomas Stearns. Notas para a definição de cultura. Tradução de Eduardo Wolf. São Paulo: É Realizações, 2011, p.121. 98 ARNOLD, Rainer. La contribución de los países de la europa central y oriental al desarrollo de una cultura constitucional europea. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p.58-59. 99 O estudo do direito constitucional, como afirma André Ramos Tavares, pode se dar sob dois aspectos: pode haver a análise dogmática de um direito constitucional historicamente concreto e pode haver uma ciência voltada aos conceitos teorético-constitucionais abstratos, despregada de elementos circunstanciais. (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.43). Nesta parte da tese, abordaremos o direito constitucional sob o segundo aspecto.

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34

3.2.2.1 Peter Häberle

Na obra ‘Teoria da Constituição como ciência da cultura’, Peter Häberle

afirma que pretende reestruturar unitariamente velhos conhecimentos

programáticos, caducos já em parte, mediante um diálogo interdisciplinar com

científicos da cultura de uma mais antiga tradição.100

Utilizando como pano de fundo para sua análise a Lei Fundamental da

República da Alemanha, destaca que esta soube criar toda uma tradição de cultura

constitucional, de ciência e práxis efetiva, em um ambiente de requisitos de

compreensão e pré-compreensão que apenas se pode reconhecer em toda sua

envergadura se se contempla a partir da perspectiva da teoria da Constituição como

ciência da cultura.

Para o autor, há algo além do âmbito meramente material da norma, voltado

para o direito constitucional à cultura – viés estrito. Não é possível desconsiderar

que a ideia de cultura se acha muito mais ampla e profunda se se enquadra como

objeto de estudo de uma teoria da Constituição orientada como ciência da cultura.101

A relação entre cultura e direito constitucional, inicialmente, ocorre no

tratamento constitucional dado ao tema, ou seja, a partir do conteúdo das

disposições da Constituição que versam sobre os aspectos culturais em sentido

estrito. Isso é o que Peter Häberle denomina de Constituição cultural ou Constituição

da cultura.102

Essas normas podem ser identificadas nas cláusulas gerais e específicas de

direito público relativas à cultura, que cuidam, por exemplo, da obrigação do Estado

de fomentar a cultura, nos objetivos educacionais estabelecidos na Constituição, no

rol de competências dos entes federativos, nas disposições relativa aos direitos

fundamentais, no preâmbulo etc.103

Enquanto o direito constitucional cultural se consubstancia no conteúdo, as

normas jurídicas, a teoria da Constituição como ciência cultural e seus estudos

100 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.23 101 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.23. 102 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.28. 103 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.29.

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35

científicos precisam ser compreendidos como tais, ou seja, não apenas como mera

norma jurídica.104

Há de ser reconhecido um fundamento cultural do direito constitucional. A

Constituição apresenta um fundamento cultural que implica reconhecer que suas

normas não se prestam apenas para interpretação pelos juristas. Serve também

como fio condutor para todo cidadão, o leigo em relação à ciência jurídica. Daí se

afirmar que a Constituição é mais do que um mero conjunto de textos jurídicos ou

regras normativas, ela expressa “um certo grau de desenvolvimento cultural, um

meio de autorrepresentação própria de todo um povo, espelho de seu legado cultural

e fundamento de suas esperanças e desejos”.105

Conforme afirma Peter Häberle, as Constituições de letra viva, ou seja,

aquelas cujo resultado é obra de todos os intérpretes da sociedade aberta, são em

sua essência e forma “expressão e instrumento mediador de cultura, marco

reprodutivo e de recepções culturais, e depósito de futuras configurações culturais,

experiências e vivências e saberes”.106

Para o autor, o viés jurídico representa apenas um dos aspectos da

Constituição como cultura: a realidade jurídica de todo Estado constitucional é

apenas um fragmento da realidade de toda Constituição viva, que ao longo de seu

texto e contexto constitui uma de suas formas culturais. Por isso, o texto

constitucional deve ser literalmente cultivado para que se torne autêntica

Constituição.107

Nesse contexto, identifica-se na Constituição, a partir de seu texto, certas

cristalizações culturais, como, por exemplo, o preâmbulo, escrito em linguagem

coloquial mais próxima da população, ou, ainda por meio de certas simbologias,

como a previsão de algumas datas festivas oficiais.108

A teoria da Constituição como ciência cultural não só interfere nos processos

culturais básicos quanto ao conteúdo, mas igualmente abrange as diferentes formas

104 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.32. 105 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.34. 106 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.34-35. 107 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.35. 108 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.35.

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36

e possibilidades de influência mútua no tocante às diferentes matérias jurídico-

constitucionais existentes na federação.109

Os processos constitucionais (mudanças constitucionais) não se explicam

apenas pelos fatores político-econômicos, mas também pelas questões de fundo

culturais.110 Conforme clarifica o autor, o ambiente cultural dos textos constitucionais

é um requisito essencial de sua validade.111

Uma ciência jurídico-constitucional de cunho científico-cultural se dedica,

portanto, a projetar o cone luminoso de seu interesse epistemológico sobre as

dimensões culturais ínsitas à própria Constituição.112

Peter Häberle esboça a validade de ao menos quatro pontos de vista sobre a

necessidade de se considerar a Constituição como ciência da cultura.

Primeiramente, uma teoria da Constituição de cunho científico-cultural, racional e

profunda ao mesmo tempo, contempla quaisquer processos teóricos de criação e

reforma constitucional no plano exegético hermenêutico inerente à própria

Constituição, ao mesmo tempo em que permite explicar aqueles processos que o

positivismo constitucional não consegue compreender totalmente. Para o autor,

somente a partir de premissas científico-culturais é possível trazer à luz os eventos

que permitem um desenvolvimento constitucional posterior às mudanças

constitucionais tanto material como formalmente, tanto processual quanto

funcionalmente ao mesmo tempo.113

Em segundo lugar, é a pretensão de racionalizar a teoria e a hermenêutica

constitucional para evitar uma redução precipitada de toda pretensão científica a um

mero decisionismo sob pretexto de sua recondução a texto normativo. Dirige-se,

assim, contra toda ciência jurídico-constitucional positiva enunciada. Além disso, a

teoria da Constituição como ciência da cultura se converte em foro de diálogo

interdisciplinar. Por fim, o papel de toda teoria de cunho cultural é o de proporcionar

segurança à própria Constituição assim como ao Estado de referência.114

Peter Häberle afirma que a teoria da Constituição é uma conquista cultural por

antonomásia, uma cristalização cultural resultante da união entre o povo e a

109 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.49. 110 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.49. 111 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.57 112 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.74. 113 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.101. 114 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.102

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dignidade da pessoa humana, entre a razão e a liberdade, entre os interesses

particulares e o bem comum, entre o poder e o direito. Com isso, segundo o autor,

não se pretende delimitar a Constituição nem diluí-la no campo da cultura, mas

destacar uma perspectiva muito mais ampla, “se possível, como se fez através do

desenvolvimento e do aprofundamento do problema inerente à mesma realidade

constitucional”.115

Nesse contexto, o autor apresenta as seguintes conclusões: a compreensão

que se faça da Constituição necessita de uma ampliação para incluir a cultura em

sua dimensão científica, de forma a completar os conceitos jurídicos, mas sem

substituí-los, é a teoria da Constituição como ciência da cultura; a sociedade aberta

dos intérpretes da Constituição (intérpretes e políticos constitucionais), que

caracteriza o Estado Constitucional, se configura a partir de cristalizações culturais;

toda a matéria que se acha incluída no âmbito do direito constitucional, de certo

modo, mostra certo grau de afinidade específica entre Constituição e cultura,

abarcando todo tipo de pluralismo criativo até o presente; toda transformação social,

processo de estabilidade ou de continuidade constitucional, incluindo o tempo como

dimensão, pode ser explicada, em última análise, de uma perspectiva científico-

cultural que implique também aspectos sociológicos, ideológicos e normativos em

todo caso; os estudos resultantes de uma compreensão da Constituição como

ciência da cultura sob viés comparado tem intensificado todos os esforços até agora

compreendidos no nível interdisciplinar ao permitir uma nova leitura às relações

existentes entre dignidade humana e povo, razão e liberdade, direito e realidade,

assim como entre ideologia e interesses econômicos; toda exegese constitucional

efetuada à luz da perspectiva científico-cultural pode obter melhores dimensões de

compreensão entre os textos jurídicos e seus respectivos contextos. Todo status

constitucional ou toda mudança deste se revitaliza mais intensamente com

cristalizações culturais próprias; toda hipótese que tome como base e ponto de

partida a cultura como ciência implica uma profundidade própria da cultura

constitucional, ou seja, uma profundidade além dos planos normativo e sociológico;

uma teoria da Constituição de cunho científico-cultural pode cooperar também para

reduzir toda fixação em objetivos baseados exclusivamente em puro bem-estar

115 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.106-107.

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38

materialista, ao mesmo tempo em que preconiza o distanciamento de todo

parâmetro economicista típico de ideologias e atuações políticas contemporâneas,

ao oferecer o substrato que facilita a crítica de toda interpretação do Estado Social

de Direito que se pretenda baseado exclusivamente em termos de crescimento

quantitativo.116

3.2.2.2 Pablo Lucas Verdú

Ao desenvolver o tema da teoria constitucional como ciência cultural, Pablo

Lucas Verdú afirma que a compreensão da Constituição requer referências

obrigatórias à cultura e aos valores.117

Adotando como pressuposto a consideração da realidade, Pablo Lucas Verdú

concebe a teoria da Constituição como cultura, ideologicamente inspirada, justificada

por valores, que iluminam, fundamentam e dinamizam por meio dos direitos

humanos e da delimitação dos poderes públicos, uma organização estrutural

normatizada que se apoia em uma estrutura sociopolítica.118

Afirma, ainda, que a compreensão da Constituição requer referências

obrigatórias à cultura e aos valores, mencionando a contribuição de Miguel Reale

para o tema.119 Para o autor, a dimensão axiológica da teoria da Constituição se

evidencia quando a Constituição faz referência expressa à liberdade, à justiça, à

igualdade, ao pluralismo político e, sobretudo, à dignidade humana.120

Nesse contexto, Pablo Lucas Verdú apresenta a dicotomia entre ter e estar

em Constituição. Constata a utilidade dessa distinção para verificar o significado e a

efetividade da norma constitucional. Para ele, não basta ter Constituição porque é

necessário estar nela. Estar em Constituição significa aplicar direitos e deveres

116 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.159-161. 117 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.39. 118 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.22. 119 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.39. De acordo com o autor: “Como é sabido, no Brasil, Miguel Reale inclui em sua teoria tridimensional do direito, junto ao estudo da norma, a realidade, a dimensão axiológica, valorativa, do direito, de modo que vou insistir em que o direito realiza valores na sociedade.” (VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.39-40). 120 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.40.

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socioeconômicos mediante a anulação de privilégios; é necessário harmonizar o ter

e o estar em Constituição.121

Segundo o autor, um estudo adequado da teoria da Constituição exige que

se considerem os fatores políticos, distanciando-se, contudo, de uma excessiva

politização, se a consideramos como ciência cultural fundada em valores.122 Assim,

entende por fórmula política da Constituição “uma expressão ideológica, fundada em

valores, normativa e institucionalmente organizada, que descansa em uma estrutura

socioeconômica”.123

Para ele, o direito é um setor da cultura e isso é o que o separa das ciências

da natureza. Consequentemente, o direito, enquanto cultura consiste em realizar

valores (dignidade da pessoa, liberdade, livre desenvolvimento da personalidade,

respeito pelos outros, justiça, igualdade, pluralismo político-social e

solidariedade).124

Ressalta que a concepção da teoria da Constituição como ciência cultural

implica efetivar esses valores na sociedade, por meio do direito, considerando-o não

apenas um conjunto de normas e instituições: “Também como plantas que se

enraízam no húmus cultural da política euro-atlântica”. Diante disso, conclui que o

caráter fundamental da Constituição não decorre apenas do procedimento mais

dificultoso para sua modificação e da sua supremacia em relação às normas

infraconstitucionais, mas também “dos valores que a informam, uma vez que a

preenchem com sustância ética e social que a identificam perante os seus cidadãos

e a comunidade internacional”.125

O autor rechaça, contudo, a tese que considera os valores como crença ou

ideologia, afirmando que a luta pelo Estado de Direito é o combate pelos valores

superiores.126

121 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.43-44. 122 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.50. 123 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.50. 124 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.62. 125 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.94. 126 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.114.

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O direito constitucional requer um tratamento próprio das ciências do espírito,

ciência da cultura com a referência aos valores. Fazendo referência a Rudolf

Smend, esclarece que o Estado, enquanto realidade cultural dinâmica, se integra

culturalmente através de três processos dinâmicos: integração pessoal, funcional e

material (território e símbolos políticos). São processos incessantes que corroboram

a realidade dinâmica e espiritual do Estado. Partindo deles a Constituição é a

transcrição jurídico-normativa dos diversos processos integradores da realidade

estatal.127

3.2.3 Concepção culturalista de Constituição

Com efeito, é possível destacar na doutrina brasileira alguns autores que se

dedicaram a analisar a intrínseca relação entre cultura e Constituição,

desenvolvendo a concepção culturalista de Constituição.

José Horácio Meirelles Teixeira apresenta a concepção culturalista da

Constituição como a mais exata e preferível ao unilateralismo das concepções

jurídicas, sociológicas e políticas. Nas palavras do autor, trata-se de concepção que

verifica “no fenômeno constitucional e na norma jurídica em geral, algo que é ao

mesmo tempo, produzido pela sociedade, mas que se apresenta capaz também de

influir sobre ela, modificando-a, disciplinando-lhe as forças em luta”.128

O autor enquadra o direito na categoria dos seres que denomina de objetos

culturais, cuja essência consiste “no seu sentido, na sua intencionalidade humana,

nos seus significados”.129 Afirma: “se o Direito não pertence ao reino da natureza,

nem é objeto ideal, e também não valor puro, somente pode ser objeto cultural, isto,

é, uma parte da cultura”.130

Dessa forma, sintetiza a concepção culturalista da Constituição:

127 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.260. 128 TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.76. 129 TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.85. Meirelles Teixeira compreende a cultura como “todo acontecimento, processo ou objeto que constitui produto da atividade humana. Tudo que existe, ou sucede, por intervenção do homem, e em que se incorpora ou procura incorporar-se um valor”. (TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.85). 130 TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.88.

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Diríamos que as constituições positivas são um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo condicionantes desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político.131

Marcelo Figueiredo também destaca o caráter cultural da Constituição:

Inicio por recordar que o Direito Constitucional e, evidentemente, também as Constituições são criações culturais. Quero dizer tanto em seu sentido como em seu conteúdo de normatividade, o direito é uma resposta culturalmente humana a um problema também humano de convivência no mundo e em certo espaço histórico-social. [...] Ela é, em outras palavras, expressão viva de um status quo cultural e em permanente evolução e, por isso, em última análise, um meio através do qual o povo se encontra a si mesmo através de sua própria cultura.132

Não é outro o entendimento de Jorge Miranda quando avalia que a

Constituição de um Estado “é um fenômeno cultural – por não poder ser

compreendida desentranhada da cultura da comunidade donde provém e por ser,

em si mesma, uma obra e um bem de cultura”.133

José Afonso da Silva, por sua vez, após discorrer sobre as diversas

concepções acerca da Constituição, conclui:

A conclusão é simples: constituição, qualquer constituição, é sempre um repositório de valores; expressão de cultura; se não for assim, não passará de um simples nome, ou de uma simples folha de papel (Lassalle). Ao mesmo tempo em que é um objeto de cultura, é também protetora de direitos e bens culturais. É, pois, mais que um simples texto jurídico, porque esse texto está impregnado de valores, como os da convivência democrática, da segurança e da justiça, como pauta de comportamento de todos, e especialmente do Poder.134

Dessa síntese decorre, portanto, a noção de que a Constituição se relaciona

com a ideia de cultura sob dois aspectos: a Constituição como objeto da cultura; e a

131 TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.93. 132 FIGUEIREDO, Marcelo. Perspectivas do constitucionalismo latino-americano. Rumo à renovação do constitucionalismo liberal e social. In: FIGUEIREDO, Marcelo. Direito constitucional: estudos interdisciplinares sobre federalismo, democracia e Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.183-184. 133 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.96. 134 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.181.

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cultura como objeto da Constituição135. Ou, nas palavras de Peter Häberle, uma

verdadeira relação de simbiose entre o direito e a cultura.136

A partir das ideias aqui expostas, passamos a delinear o entendimento a

respeito da cultura constitucional.

135 Nas palavras de Jorge Miranda: “A cultura é também objecto da Constituição quer no sentido lato acabado de convocar, quer em sentidos menos latos e que são aqueles em que, de ordinário, se fala. Quando a Constituição se ocupa das confissões religiosas, ou da comunicação social ou da informática, por exemplo, está-se ocupando, por certo, de bens culturais. No entanto, é a esses sentidos menos latos que se ligam o conceito de Constituição cultural e o de direitos culturais. São eles: a) A cultura como expressão da identidade de uma comunidade, de um povo; b) A cultura como educação, ciência e cultura stricto ou strictissimo sensu; c) A cultura como tudo quanto não recai na educação e na ciência ou, em termos positivos, como criação e fruição de bens de cultura. (MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.96). 136 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.32.

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43

4 CULTURA CONSTITUCIONAL

Intimamente relacionada com a compreensão científico cultural da teoria da

Constituição, como um dos seus conceitos-chave137, e com a noção culturalista de

Constituição, está a ideia de cultura constitucional, cujo conceito, “não

inocentemente ausente de muito boa parte da doutrina, e a outra indiferente”, como

alerta Paulo Ferreira da Cunha, passamos a expor.138

4.1 O conceito de cultura constitucional

Existem diferentes maneiras de compreender a cultura constitucional. Há

quem, por exemplo, vincule a ideia de cultura constitucional à própria noção de

Estado e indivíduo.139 Sob outro viés, Pablo Lucas Verdú, ao tratar da cultura

política-constitucional euroatlântica, a compreende como a realização de valores na

sociedade política. Afirma que a recuperação ou a refundação da cultura política-

constitucional euroatlântica em países que sofreram totalitarismos e ditadura

suscitou igualmente um orgulho constitucional.140 Em outra ponta, Germán J. Bidart

Campos faz uma aproximação entre jusnaturalismo e cultura constitucional, em que

pese reconhecer uma independência entre eles.141

Reva B. Siegel, por exemplo, relaciona os movimentos sociais e a ideia de

cultura constitucional para afirmar que a partir daí novas formas de compreensão

137 HÄBERLE, Peter. La ‘teoria de la constitución como ciencia cultural’ en el ejemplo de los cincuenta años de la ley fundamental. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Editorial Tecnos, 2004, p.25. 138 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/ Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.8. 139 “De um lado, a formação da cultura constitucional moderna, que começa com a gestação dos conceitos de Estado e indivíduo no marco institucional europeu desde a segunda metade do século XVII (Clavero, 1997:11-40). [...] Porque a especificidade das culturas humanas, em oposição às culturas animais, é sua dimensão normativa e sua dimensão histórica. Ou seja, a capacidade do ambiente cultural de transformar as ações de algumas gerações sobre as que o seguem. E se acrescentarmos o adjetivo constitucional já podemos fazer uma aproximação ao que se entende por expressão e voz cultura constitucional. Que nasce sincronizado com as ideias de Estado e indivíduo, que será o futuro protagonista e principal defensor dos direitos constitucionais.” (MEZA, Melba Luz Calle. A propósito de la cultura constitucional. Revista Derecho Del Estado n.25, diciembre de 2010, p.221-226). 140 VERDÚ, Pablo Lucas. Teoría de la constitución como ciencia cultural. 2.ed. corregida y aumentada. Madri: Dykinson, 1998, p.289-290. 141 “a) [...] o iusnaturalismo será capaz, em muitos casos, de detectar que uma ou mais dessas ascendências da cultura constitucional vêm do direito natural, e é aí que a coincidência se torna visível; [...] Então, a cultura constitucional do estado democrático acredita que existem conteúdos da Constituição que ingressam de fora, e que são positivados porque o constituinte inquiriu e usou fontes extrapositivas.” (CAMPOS, German J. Bidart. Nociones constitucionales. Las intersecciones iusnaturalistas de la Constitución. Buenos Aires: Ediar, 2007, p.67).

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44

constitucional podem ser sistematizadas. O autor cita o caso “ERA” (Equal Rights

Amendment), uma proposta de emenda à Constituição apresentada pelo Congresso

americano após mobilização do movimento feminista na década de 1970. A emenda

não foi aprovada, por conta de uma enérgica contramobilização, mas o Poder

Judiciário passou a interpretar da 14ª Emenda em um sentido mais claro contra a

discriminação entre homens e mulheres. O autor esclarece que emprega o termo

“cultura constitucional” para se referir aos entendimentos do papel e às práticas do

argumento que orientam as interações entre cidadãos e governantes nas questões

relativas ao significado da Constituição, para explorar como as mudanças na

compreensão constitucional emergem da interação entre cidadãos e autoridades.142

Destacamos, contudo, o conceito formulado por Peter Häberle, para quem

cultura constitucional consiste

[...] na soma de atitude e de ideias, de experiências subjetivas, escalas de valores e expectativas subjetivas e das correspondentes ações objetivas tanto no plano pessoal do cidadão e de suas associações, como no nível dos órgãos estatais e de quaisquer outros relacionados com a Constituição, entendida esta como processo público.143

A ideia de cultura constitucional formulada por Peter Häberle conglomera,

portanto, diversos aspectos.

Podemos dizer que é um conceito complexo, tendo em vista que sua

compreensão depende da conjunção de fatores dados no plano das ideais e das

ações (atitudes), na esfera interna do sujeito (experiência, escala de valores e

expectativas) e no âmbito externo, no qual devem se dar as correspondentes ações

objetivas por parte do Estado, do próprio cidadão e dos outros sujeitos no plano

constitucional.

Depreende-se do conceito apresentado certa dose de cooperação, ou de

interdependência entre as questões subjetivas (sujeito/cidadão) e as ações de

terceiros, em especial do Estado, que são esperadas a partir de uma determinada

expectativa valorativa (escala de valores).

142 SIEGEL, Reva B. Constitutional culture, social movement conflict and constitutional change: the case of the de facto ERA Faculty Scholarship Series. Paper 1097, 2006. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1097>. Acesso em: 10 jan. 2019, p.1.325. 143 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.36-37.

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4.1.1 Os elementos que compõem a ideia de cultura constitucional

A nosso ver, a partir desse conceito, sobreleva-se uma característica

relevante: a configuração da cultura constitucional, tendo em vista os diversos

fatores os quais congrega e a relação de interdependência entre eles, que demanda

uma harmonia, uma estabilidade nesse fluxo de existência, o que dependerá de um

esforço de todos os atores envolvidos.

Daí a afirmação de Peter Häberle: “requer-se muito tempo até que surja no

seio de qualquer Constituição positiva toda uma cultura constitucional” 144. Como sói

ocorrer com os objetos do mundo da cultura, a cultura constitucional se cria, se

forma, se desenvolve, não é, portanto, algo dado.

Ora, vimos que o tempo constitui um elemento relevante para formar uma

cultura. Daí que na esfera jurídica145, a Constituição se destacará, pois, ao menos

sob o viés teórico, é a norma que deve ostentar maior estabilidade (por isso mesmo,

a previsão de um procedimento mais difícil para reformá-la, no caso de uma

Constituição rígida).146

São exigidos níveis mínimos de constância e capacidade de objetivação,

resultado de várias gerações trabalhando sobre ela.147

Por isso, o desenvolvimento da cultura constitucional em uma determinada

sociedade pressupõe uma estabilidade do regime constitucional. Uma das maneiras

de fomentá-la é evitar a banalização da reforma constitucional, pois, conforme

144 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.37. 145 Fala-se em cultura jurídica. Não é objetivo deste trabalho, contudo, aprofundar a análise desse tema. A respeito, veja-se: NELKEN, David. Repensando el concepto de cultura jurídica. In: (Coords.) JUÁREZ, Caballero José Antonio; CANTÚ, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; PALAFOX, Franciso Ibarra. Sociologia del derecho. Culturas y sistemas jurídicos comparados. Regulación, cultura jurídica, multiculturalismo, pluralismo jurídico y derechos humanos. v.II. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Serie Doctrina, n.538. México: UNAM, 2010, p.137-175. 146 Como explicita Rainer Arnold: “Um conjunto de normas de uma ordem normativa é expressão da cultura jurídica e também expressão importante da cultura em geral. Em relação ao elemento de continuidade, elemento constitutivo do conceito de cultura já mencionado, não é, em geral, uma norma singular (como uma lei ordinária) que contribui para a formação da cultura jurídica, mas são as normas de grande influência na sociedade, as normas constitucionais, os princípios constitucionais em particular, na medida em que são aplicados por um longo período, aqueles que exercem uma força conformadora (Gestaltungskraft) no sistema jurídico como um todo.” (ARNOLD, Rainer. La contribución de los países de la europa central y oriental al desarrollo de una cultura constitucional europea. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p.58-59). Apesar disso, não podemos desconsiderar que, no Brasil, por vezes a legislação do direito privado tem perdurado por muito mais tempo, como exemplifica o Código Civil de 1916, que perdurou até a promulgação do novo Código de 2002. 147 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.37.

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aponta Pedro de Vega, para manter seu prestígio e sua eficácia normativa, as

Constituições não devem ser reformadas com frequência.148

Mais do que isso, a percepção do status da cultura constitucional em um país

se apresenta como condição fundamental para evitar a tentativa de se desfigurar o

regime constitucional ou, até mesmo, de sua substituição para atender interesses

obscuros e momentâneos, sem respaldo na legitimidade popular.

Veja-se o exemplo do México, mencionado por Diego Valadés. De acordo

com o autor, a Constituição mexicana foi objeto de numerosos ajustes que deram

lugar a uma verdadeira mitologia constitucional. Havia um discurso de que era

necessária uma nova Constituição porque seu conteúdo já estaria totalmente

modificado – por contas das inúmeras reformas constitucionais. O fato ressaltou a

importância de se aferir a cultura constitucional e motivou, no México, uma ampla

Encuesta a qual iremos nos referir adiante. Por essa razão, Diego Valadés ressalta a

necessidade de compreender também o envolvimento coletivo com a norma

suprema.149

Para Peter Häberle, o desenvolvimento da cultura constitucional se produz de

forma permanente e contínua dentro daquilo que ele denomina de “cristalizações

culturais poliédricas”. São cristalizações que determinam os próprios processos de

exegese constitucional.150

Com efeito, o enraizamento da cultura constitucional é possível a partir da

análise do nível democrático, de que maneira o sujeito se identifica na teoria e na

148 “É uma idéia muito generalizada (Loewenstein, Hesse) que, para manter seu prestígio e até mesmo sua eficácia normativa, as Constituições não devem ser reformadas com freqüência. “Perigosa sempre – escreve Hesse – para a força normativa da Constituição é a tendência à sua reforma frequente, sob o pretexto de necessidades políticas aparentemente inelutáveis. Qualquer reforma constitucional revela como as necessidades objetivas, reais ou supostamente inevitáveis, são mais valorizadas do que a atual regulação normativa vigente […] Se tais modificações se acumulam em pouco tempo, a conseqüência inevitável será a quebra da confiança na inviolabilidade da Constituição e o enfraquecimento de sua força normativa. Condição básica da eficácia da Constituição é que seja modificada o mínimo possível”. (VEGA, Pedro de. La reforma constitucional y la problematica del poder constituyente. Temas clave de constitución española. 7.ed. Madrid: Tecnos, 2007, p.91-92). 149 “A defesa da Constituição não se baseia em sua intangibilidade, mas na conveniência de não abrir um debate sobre todo o seu conteúdo que possa levar à quebra dos consensos básicos que ainda existem. No entanto, de todas as perspectivas, é possível abundar em argumentos favoráveis para uma nova constitucionalidade. [...]. Essa é uma percepção que já domina os campos acadêmico e político, mas foi preciso especificar em que medida ela também está presente no espaço social. Assim, seria imprescindível medir a atitude da sociedade e avaliar, por suas diferentes respostas, o nível de envolvimento coletivo com a norma suprema.” (VALADÉS, Diego, Consideraciones preliminares. In: CANTU, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en México: una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. Instituto de Investigaciones Jurídicas, Serie Doctrina Jurídica, n.174. México: UNAM – Universidade Nacional Autónoma do México, 2004, p.XIII). 150 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.39.

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prática com os direitos fundamentais de todos os cidadãos e em que medida se

cultiva e se garante a Constituição por parte de todos, sociedade civil e Estado.151

Não se pode olvidar, portanto, que a compreensão da cultura constitucional

implica reconhecer um elemento subjetivo que consiste na identificação entre a

sociedade (os indivíduos) e o conteúdo da Constituição, ao menos dos seus

elementos essenciais (a proteção dos direitos fundamentais, os elementos

fundamentais do Estado, etc).152 Em outros termos, a Constituição deve ser aceita e

considerada como indispensável e fundamental para essa sociedade.153 Essa

espécie de adesão é um elemento constitutivo da noção de cultura constitucional.

Segundo Miguel Herrera, na inter-relação entre Constituição e cultura está a

aceitação da Constituição: “Não em vão, para concluir, considera-se que com a

Constituição o povo pode se encontrar e se afirmar através de sua própria

cultura”.154

151 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.37. 152 Quanto ao conteúdo essencial de uma Constituição democrática, Miguel Herrera aponta a dignidade da pessoa humana, os princípios da soberania popular e a divisão de poderes, o Estado Social de Direito e o pluralismo (HERRERA, Miguel Ángel García. Consideraciones sobre constitución y cultura. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p.125). Quando nos deparamos com uma Constituição, estamos diante de “um conjunto sistemático e orgânico de normas”, que se apresenta, conforme José Afonso da Silva, “como um todo unitário, uma codificação de normas, organizadas coerentemente, que o poder constituinte julgou fundamentais para a coletividade em geral”. Com efeito, as normas da Constituição tratam de diversas matérias. Daí falar-se em caráter polifacético das constituições e da estrutura normativa da Constituição, “distinguindo-se, dentro dela, certos tipos ou categorias de normas que a generalidade dos autores denomina elementos das constituições”. Nesse sentido, José Afonso da Silva distingue, na estrutura normativa da Constituição, cinco categorias de elementos, segundo sua natureza, função ou finalidade. São elas: a) as normas constitucionais orgânicas, que expressam os elementos orgânicos do Estado e do poder ; b) as normas constitucionais limitativas, que contêm os elementos limitativos do poder, como os direitos e as garantias fundamentais; c) as normas constitucionais socioideológicas, “as que consubstanciam os elementos ideológicos, de compromisso, de natureza econômica e social, das constituições contemporâneas”; d) normas de estabilização constitucional, “as que consagram os elementos destinados a assegurar a solução de conflitos constitucionais e a sua defesa”; e) as normas constitucionais de aplicabilidade, “as que regulam os elementos formais de sua aplicabilidade. (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.176). 153 Nesse sentido, afirma Rainer Arnold, ao tratar da cultura jurídica, apontando as normas da Constituição como aquelas que mais contribuem para sua formação: “Não apenas os criadores desses princípios normativos e seus aplicadores, mas também seus destinatários e a sociedade em geral, devem concordar com a aceitação de tais princípios. Este elemento subjetivo também pode ser considerado como um critério indicativo do requisito de fundamentalidade da atitude de uma sociedade (ou de uma comunidade no sentido citado) que foi anteriormente indicada como elemento integrante do conceito de cultura.” (ARNOLD, Rainer. La contribución de los países de la europa central y oriental al desarrollo de una cultura constitucional europea. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p.59). 154 HERRERA, Miguel Ángel García. Consideraciones sobre constitución y cultura. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p.127.

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4.1.1.1 O conhecimento da Constituição

A ideia de cultura constitucional, se tomada na sua acepção prática, refere-se

ao conhecimento e à adesão daqueles que integram a Constituição. A cultura

constitucional implica o respeito de todos (cidadãos, políticos) pela Carta e vai além,

requer o acatamento vivencial dos seus comandos, o que implica necessariamente

no seu conhecimento.155

Esse aspecto do conhecimento é destacado no significado da expressão

cultura constitucional apresentado por Paulo Ferreira da Cunha.

Para o autor, o conceito de cultura constitucional apresenta, ao menos, três

acepções. A primeira delas, sob o viés da sociologia constitucional, consiste no nível

de conhecimento que o povo tem de sua Constituição.156

A nosso ver, esse conhecimento poderá ser direto ou indireto, ou seja, do

conteúdo propriamente da Constituição, do texto constitucional, ou dos institutos

constitucionais, como o conhecimento acerca de determinados direitos fundamentais

ou do funcionamento dos Poderes.157

De acordo com o autor, a cultura constitucional requer o (re)conhecimento da

Constituição, do seu conteúdo, de forma a poder se posicionar sobre determinado

tema, ou mesmo conhecer minimamente os direitos e deveres que dela emanam.

155 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/ Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.14. 156 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/ Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.9. 157 Para Paulo Ferreira da Cunha, esse conhecimento não deve ser meramente estatístico. Deve ser mais relevante conhecer os direitos fundamentais do que os Poderes da República: “Não apenas, como é óbvio, um conhecimento meramente estatístico (não se trata de perguntar quantas pessoas leram a constituição formal) nem, muito menos, charadístico (como perguntar quantos artigos a constituição formal tem). Por exemplo, o conhecimento dos direitos fundamentais também entra em linha de conta; mas já não, por exemplo, quão rigorosamente se sabe dos poderes do presidente da República [...] Importa bem mais que se saiba que há liberdade de reunião ou de expressão que conhecer em pormenor aqueles poderes, ou quaisquer outros (no detalhe). Embora continue a ser fundamental saber-se quem pode fazer leis, quem governa, quem julga. E quais os equilíbrios entre os poderes. Como parece óbvio. Mas é também muito importante saber-se que a Constituição abre para grandes avenidas de sonho, para grandes projectos, para os valores políticos fundamentais”. (CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.9).

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Outra acepção seria aquela relacionada à opinião dos indivíduos e grupos

sociais sobre a Constituição, a partir de suas próprias concepções. Trata-se do

domínio opinativo, marcado por um viés ideológico.158

Por fim, outra acepção de cultura constitucional é aquela que a encara como

patrimônio ético republicano, que considera a importância da Constituição em

diálogo com as virtudes e os valores republicanos, sob um viés ideológico e

qualitativo. Nessa terceira acepção, segundo o autor, a cultura constitucional passa

do “paradigma da sociologia constitucional para o da ética republicana”.159

Dessa forma, compreendida axiologicamente, a cultura constitucional se

assenta em três princípios mínimos: a Constituição como estabilidade e ordem (ou

ainda princípio de integração), a prevalência da Constituição na hierarquia normativa

(ou princípio da supremacia constitucional) e a Constituição como medida das

normas (ou princípio da constitucionalidade das leis).160

Nesse sentido, de acordo com Paulo Ferreira da Cunha, é possível inferir que

existe cultura constitucional observando-se o sentido mais valorativo da Constituição

quando os cidadãos têm plena consciência da existência destes três princípios e das

suas implicações. Em suma, pontua: “cultura constitucional é, pois, sociologia

constitucional e ética constitucional”.161

158 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.9. 159 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.9. 160 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.10. 161 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.10-11. “Se um vasto grupo grande de cidadãos não identifica Constituição com estabilidade e ordem, acreditando que é bom mudar de Constituição como quem muda de camisa (banalização constitucional e desconstitucionalização prática); se muitos cidadãos acreditam que há pessoas, poderes ou normas acima da Constituição, e não a vêem activa e eficaz no cume das coisas do direito e da política (rebaixamento da Constituição); se, finalmente, um vasto segmento da população de um país desconhece ou desvaloriza o facto de que as leis, todas as leis, têm de se subordinar à Constituição, e que há e deve haver uma jurisdição para eliminar as que assim não se conformem (insensibilidade à hierarquia das normas) – se qualquer destas três coisas for verdadeira, é sinal sério de alarme na saúde constitucional de um país, porque o seu termómetro constitucional acusa falta de cultura constitucional. E numa revisão constitucional não ter em conta estes elementos pode ser, então, catastrófico.” (CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.11).

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O fato é que as três acepções apresentadas pelo autor se inserem no campo

do conhecimento. Ora sob um viés mais estático, conhecimento apenas, ora sob um

viés mais dinâmico, incorporação do conteúdo da Constituição como forma de agir.

Conforme ensina Peter Häberle, do ponto de vista jurídico o povo (enquanto

elemento humano do Estado) tem uma Constituição, no entanto isto não pode ser

exauriente. É necessário avançar para sendas mais abertas e reconhecer que o

povo é parte da Constituição. Logo, não pode estar apartado de participar em sua

integralidade. Para o autor, a noção do desenvolvimento de uma cultura

constitucional representa em primeira instância combater o desconhecimento do

texto constitucional. Somente quando se conhece é possível a convivência de

argumentos coerentes.162

O conhecimento da Constituição é, a nosso ver, um elemento fundamental da

ideia de cultura constitucional. É sua porta de entrada, o primeiro degrau para sua

compreensão.

Das noções até aqui apresentadas, outro aspecto da cultura constitucional

extremamente relevante é o papel a ser desempenhado pelo Estado.

A partir da interdependência entre as questões subjetivas (sujeito/cidadão) e

as ações de terceiros, em especial do Estado, espera-se uma harmonia, uma

estabilidade, no fluxo de existência e consolidação da cultura constitucional.

Infere-se que a cultura constitucional corresponde ao modo como os

participantes de uma comunidade percebem a própria Constituição e o que ela exige

deles mesmos tanto dos cidadãos por ela governados quanto daqueles

encarregados de aplicá-la. Essas percepções são apenas relativamente

dependentes do texto constitucional promulgado.

Segundo ensina Bernhard Schlink, a cultura constitucional de um país “não

emerge somente de sua Constituição, seja escrita, seja não escrita. Não menos

importante é o modo como o Legislativo, a Administração Pública, o Judiciário e a

comunidade acadêmica lidam com ela.”163

Particularmente o papel atribuído a um tribunal constitucional, por exemplo, e

as expectativas dos participantes da comunidade de intérpretes em relação a como

162 HÄBERLE, Peter. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.33. 163 SCHLINK, Bernhard. German constitutional culture in transition. Cardozo L. Rev., v.14, 1992, p.711.

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os juízes-membros devem aplicar a Constituição é um aspecto importante da cultura

constitucional nos países em que existe a Corte.

A expressão cultura constitucional é mais adequada aqui que a de sistema

jurídico, pois esta tradicionalmente expressa a visão de que o direito de uma

comunidade jurídica é o conjunto de normas formais que a governa.

Embora essa imagem possa ser verdadeira considerando a perspectiva dos

participantes dessa comunidade, ela favorece a percepção incorreta de que o texto

promulgado, o arranjo institucional de fundo e a opinião dos titulares de funções

públicas são os únicos fatores determinantes da cultura constitucional.

Nesse sentido, obscurece-se o papel que a prática interpretativa

compartilhada por juristas e cidadãos em geral têm para definir o contexto em que

as decisões jurídicas acontecem. Isto é, a cultura constitucional abrange não apenas

a percepção daqueles formalmente autorizados a falar em nome do Estado, mas

também o que Vlad Perju denominou “imaginário constitucional”, ou ainda “mapa da

geografia constitucional como ela aparece quando vista da perspectiva individual de

um cidadão”.164

4.1.2 A ideia de cultura constitucional adotada

A partir do exposto, a ideia de cultura constitucional adotada para este

trabalho, fundamentada na compreensão científico cultural da teoria da Constituição,

parte do pressuposto de que todos os seus elementos – ideias e ações (atitudes)

provenientes da esfera interna do sujeito (experiência, escala de valores e

expectativas) e do âmbito externo por meio das ações especialmente por parte do

Estado consonantes com a Constituição, o necessário transcurso temporal para seu

enraizamento, a promoção do conhecimento da Constituição a fim de possibilitar a

adesão dos cidadãos ao conteúdo – devem ser tomados num sentido estrutural. Isto

significa que seus diferentes aspectos (subjetivos e objetivos) devem se apresentar

interligados, num fluxo de existência harmônico, demandando um esforço de todos

os envolvidos, tendo em vista que “a Constituição nos interessa a todos, que todos

164 PERJU, Vlad. Constitutional transplants, borrowing and migrations. In: (Orgs.) ROSENFELD, Michel; SAJÓ, András. The Oxford handbook of comparative constitutional law. Oxford: Oxford University Press, 2012, p.344.

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somos seus intérpretes em um sentido amplo porque todos vivemos suas

normas”.165

4.2 O conhecimento constitucional e a Constituição escrita

O constitucionalismo surgiu e se desenvolveu como uma solução apta a

limitar o poder político e a garantir a defesa dos direitos fundamentais. Para tanto,

valeu-se da ideia de Constituição escrita. Segundo José Afonso da Silva, “o modo de

ser do Estado, assim, ficava caracterizado racionalmente pelas formas que lhe

desse uma constituição escrita como lei suprema”.166

A consagração da Constituição escrita como característica do

constitucionalismo democrático se dá inicialmente com as Constituições das

colônias americanas e depois com a Constituição da União de 1787.167

A partir daí ganha impulso a universalização da Constituição escrita. Passa-

se, assim, por um período de transição entre o absolutismo monárquico e o

constitucionalismo democrático. Nesse contexto, destacou-se a Carta belga de

1831, que prestigiou definitivamente a soberania popular em seu artigo 25 com a

fórmula emprestada da Revolução francesa: “todo o poder emana do povo”.168

Conforme destaca Ricardo Marcondes Martins, a Constituição “consubstancia

um e apenas um texto escrito (Constituição escrita e codificada), elaborada num

165 CANTU, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en México: una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. Instituto de Investigaciones Jurídicas, Serie Doctrina Jurídica, n.174. México: UNAM – Universidade Nacional Autónoma do México, 2004, p.3-4. 166 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.66. “As constituições foram inventadas como um instrumento eficaz dessas lutas. Geradas no bojo do absolutismo do século XVIII, como forma de positivar as liberdades fundamentais, fecundaram-se de novos direitos ao longo desses dois últimos séculos. Foram espetáculos extraordinários da mente humana a Convenção de Filadélfia de 1787, de onde se emanou a Constituição norte-americana, que ainda vigora nos Estados Unidos da América; ali se forjaram instituições fundamentais de um Estado Democrático, e a Convenção Francesa de 1789, de onde proveio o belo documento que se chama Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, consagrando as liberdades fundamentais’. Daí um novo dogma do constitucionalismo: constituição é a constituição escrita.” (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.66). 167 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.159. Para o autor, a racionalização do processo do poder político resultou no “estabelecimento de um documento constitucional formal que se converteu no selo de uma nova ordem social, sendo considerado como a garantia de que, de uma vez para sempre, o governo constitucional não poderia ser outra coisa que constitucionalismo democrático sancionado através de uma constituição escrita”. (LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.159). 168 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.160.

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momento histórico certo, determinado, pontual (Constituição dogmática), ainda que

acrescido de emendas ou adendos posteriores”.169

É inegável a importância da Constituição escrita. Ela foi responsável por

oferecer o cenário no qual se alcançou, nas gerações posteriores, a completa

democratização do processo do poder político, conforme argumenta Karl

Loewenstein. Para ele, a Constituição escrita se converteu no “símbolo da

consciência nacional e estatal, da autodeterminação e da independência”. Em suma,

“a soberania popular e a constituição escritas se converteram prática e

ideologicamente em conceitos sinônimos”.170

A Constituição escrita, afirma José Afonso da Silva, é uma forma de

linguagem destinada a comunicar aos seus destinatários as regras de direito

constitucional nela contida: “quer isso dizer que essa linguagem se destina a

transmitir a todos os brasileiros a forma de seu Estado, a forma de seu governo, a

organização dos Poderes e, especialmente, seus direitos fundamentais”.171

Nesse contexto, ao abordar a teoria do conhecimento constitucional, José

Afonso da Silva sublinha que o objeto deste se “refere a um objeto identificado como

constituição do Estado, ou seja, constituição que tem como objeto primário o

Estado”.172

Não há que se limitar, contudo, o conhecimento da Constituição apenas ao

texto constitucional. É que “não se despreza o texto como veículo de conhecimento

constitucional. [...] a valoração constitucional não está no seu texto”. Assim, o

conhecimento da Constituição não se limita ao conhecimento das regras

constitucionais, “mas será um conhecimento mediante regras, no sentido de que as

regras constitucionais cumprem uma função de mediação significativa do que seja

constitucional”.173

Para a dogmática constitucional, o direito constitucional se resume ao texto da

Constituição. Essa é a diretriz do racionalismo constitucional. A constituição

considerada em si mesma, totalmente alheia à realidade, ao seu contexto. Nesse

169 MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.28-29. 170 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.160. 171 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.819. 172 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.35. 173 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.36-37.

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sentido, o positivismo constitucional extremado “revela formalismo que falseia o

conhecimento constitucional”.174

Com base em uma concepção relativista será possível afirmar que a

Constituição é um fenômeno cultural em constante transformação, que deve ser

encarada como produto da cultura e da história a ser estudada por muitas

gerações.175

Ora, afinal, como se dará esse conhecimento da Constituição? O efetivo

conhecimento ocorrerá, evidentemente, por meio da interpretação. É assim que se

alcançará o significado do texto da Constituição.176

Por sua vez, é a partir da interpretação que a aplicação prática da

Constituição ocorrerá. Daí José Afonso da Silva afirmar que do texto constitucional

“promana não só um apelo à inteligência, voltado para o espírito contemplativo, mas

especialmente um apelo de observância, voltado para o espírito prático”.177

Referida interpretação deve ser tomada sob a perspectiva democrática, ou

seja, adota-se como pressuposto uma interpretação inclusiva, que envolva os

cidadãos entre seus participantes (sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição). Nas palavras de Peter Häberle:

Para uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da interpretação constitucional, pode ser exigível um conteúdo mais amplo de hermenêutica: cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública [...] representam forças produtivas de interpretação (interpretatorische Produktivkräfte); eles são intérpretes constitucionais em sentido lato, atuando nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes

174 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.39-40. 175 “Se, como vimos, a Constituição é sempre a constituição de um objeto, a constituição estatal é um fenômeno que só poderia surgir quando seu objeto se constituísse no mundo da cultura. O relativismo ontológico mostra que a constituição é um fenômeno cultural tardio que, com tudo o mais, surge se transforma. Assim, a ideia de constituição, como as ideias de liberdade e de igualdade e dos direitos fundamentais em geral, é produto histórico que só poderia tomar corpo em virtude de determinadas condições históricas, as quais tinham por trás de si um grande passado. Portanto, não são verdades eternas, absolutas e imutáveis. [...]. O que se pode dizer é que não se conhecerá a constituição se tivermos um de seus modelos, como no caso do originalismo, com verdade definitiva, como autêntica verdade imutável, pois seu conhecimento, como todo conhecimento, é relativo por natureza, a ser estudado por muitas gerações, e que, portanto, tem que ser completado pouco a pouco e gradualmente, e que necessariamente tem que ser incompleto e parcial, pela insuficiência mesma do material histórico”. (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.48). 176 Segundo José Afonso da Silva: “Para conhecer os objetos naturais basta conhecer sua estrutura orgânica, porque eles, em si, não exprimem sentido. Só os valores imprimem sentido nas coisas. Portanto, só seres impregnados de valor têm sentido, apontam para uma direção a ser seguida. O texto da constituição escrita é um objeto físico que pode ser conhecido nas suas estruturas morfológica e sintática, mas esse conhecimento, por importante que seja, não é ainda o conhecimento da constituição, pois esta só se revela em sua estrutura significativa. E isso só se alcança pela interpretação.” (SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.718). 177 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p.771.

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(Vorinterpreten). Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a interpretação (com a ressalva da força normatizadora do voto minoritário). Se se quiser, tem-se aqui uma democratização da interpretação constitucional. Isso significa que a teoria da interpretação deve ser garantida sob a influência da teoria democrática. Portanto, é impensável uma interpretação da Constituição sem o cidadão ativo e sem as potências públicas mencionadas.178

Essa abertura da interpretação constitucional se alinha com a concepção

culturalista adotada. Isto acontece justamente porque a Constituição não é só texto,

mas também a expressão de certo grau de desenvolvimento cultural de um povo, de

seus princípios e valores, da sua identidade e herança sociais, legitima-se a

ampliação do espectro de intérpretes constitucionais.179 Conforme o entendimento

de Peter Häberle:

Constituições vivas são uma obra de todos os intérpretes constitucionais da sociedade aberta, pela forma e pela matéria são muito mais expressão e transmissão de cultura, estrutura para (re)produção e recepção cultural e depósito de informações, experiências e vivências “culturais” tradicionais, inclusive de sabedorias.180

Além disso, entender a Constituição como cultura possibilita explicar melhor a

mudança de significado de norma constitucional sem, no entanto, alterar o texto.181

4.3 Cultura constitucional e efetividade das normas constitucionais

Inicialmente, importante esclarecer o que é eficácia jurídica e sua diferença

em relação à eficácia social. A eficácia jurídica consiste “na qualidade da norma de

produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular as situações e

178 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental da Constituição”. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.14. 179 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.34. O autor afirma que a lei Fundamental da República da Alemanha, em vigor há mais de cinco décadas, soube criar toda uma tradição de cultura constitucional, de ciência e práxis efetiva, em um ambiente de requisitos de compreensão e pré-compreensão que apenas se pode reconhecer em toda sua envergadura se se contempla a partir da perspectiva da Teoria da Constituição como ciência da cultura. (HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.23). 180 HÄBERLE, Peter. Constituição “da cultura” e Constituição “como cultura”: um projeto científico para o Brasil (2008) In: (Coords.) MENDES, Gilmar Ferreira; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt. Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Análise crítica. São Paulo: Saraiva, 2017, p.165. 181 HÄBERLE, Peter. Constituição “da cultura” e Constituição “como cultura”: um projeto científico para o Brasil (2008) In: (Coords.) MENDES, Gilmar Ferreira; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt. Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Análise crítica. São Paulo: Saraiva, 2017, p.165.

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comportamentos de que trata”.182 Diz respeito à “aplicabilidade, exigibilidade ou

executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica”.183 Por sua

vez, a eficácia social, ou efetividade, diz respeito à concreta observância da norma

pelo meio social.184

Luís Roberto Barroso afirma que a efetividade da Constituição se assenta em

alguns pressupostos indispensáveis, como o senso de realidade por parte do

constituinte, boa técnica legislativa, vontade política do poder público para tornar

realidade os comandos constitucionais e o exercício da cidadania, “mediante a

exigência, por via de articulação política e de medidas judiciais, da realização dos

valores objetivos e dos direitos subjetivos constitucionais”.185

De acordo com o autor, com a elaboração e a promulgação da Constituição

Federal de 1988, ganhou força a ideia de efetividade, um rito de passagem do “velho

para o novo direito constitucional, fazendo com que a Constituição deixasse de ser

uma miragem, com as honras de uma falsa supremacia, que não se traduzia em

proveito para a cidadania”.186

Deve-se ter em mente que a ideia de efetividade abrange tanto a observância

da norma pelos particulares quanto pelos órgãos e autoridades estatais. Para José

Horácio Meirelles Teixeira, “a norma não observada, não acatada, não respeitada,

será letra morta, embora vigente”.187

182 TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.278. 183 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 184 TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.280. O autor adverte: “Como a expressão ‘eficácia’ pode assumir, portanto, na doutrina, dois significados bem distintos – o de aplicabilidade, possibilidade de produzir efeitos jurídicos, de um lado, e observância real, acatamento social, de outro – convém ter muito cuidado em seu emprego, acrescentando-se-lhe sempre um adjetivo esclarecedor do sentido adotado: ‘eficácia jurídica’ e ‘eficácia social’, ou ‘eficácia sociológica’.” (TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.282). 185 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.301. 186 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.306. [...] “é possível deixar assentado que a perspectiva de um Direito Constitucional timbrado pela efetividade conduz a pressupostos que assim se resume: 1) A Constituição, sem prejuízo de sua vocação prospectiva e transformadora, deve conter-se em limites de razoabilidade no regramento das relações de que cuida, para não comprometer o seu caráter de instrumento normativo da realidade social; 2) as normas constitucionais têm sempre eficácia jurídica, são imperativas e sua inobservância espontânea enseja aplicação coativa; 3) as normas constitucionais devem estruturar-se e ordenar-se de tal forma que possibilitem a pronta identificação da posição jurídica em que investem os jurisdicionados; 4) tais posições devem ser resguardadas por instrumentos de tutela adequados, aptos à sua realização prática.” (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.86). 187 TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.280. “Já tivemos oportunidade de nos referir àquilo que Oliveira Viana denominou o

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Não se pode olvidar que a partir da Constituição Federal de 1988, “surge o

dever jurídico dos Poderes Públicos de concretizar a ordem constitucional e deste

dever extrai-se o direito ao cumprimento da Constituição”.188

Outrossim, a classificação das normas constitucionais quanto à eficácia e

aplicabilidade tem sido objeto de atenção pela doutrina constitucional.189 Diante das

características tão peculiares das normas da Constituição, como a ideia de

supremacia que as colocam como parâmetro de existência de todas as demais

normas do sistema jurídico, esta matéria assume uma enorme relevância quando se

pretende analisar a efetiva observância dos seus comandos.

Destacamos a classificação elaborada por José Afonso da Silva.190 Teríamos,

assim, a seguinte categoria de normas constitucionais: normas de eficácia plena

(produzem e podem produzir todos os seus efeitos desde a entrada em vigor da

Constituição e são aplicadas de imediato, porque dotadas de todos os meios e

elementos necessário à sua executoriedade)191; normas de eficácia contida

(determinada matéria foi suficientemente regulada, porém há margem à atuação

restritiva do Estado; apresentam aplicabilidade imediata e direta)192; normas de

‘idealismo da Constituição’, referindo-se às Constituições brasileiras: aquele desajustamento entre as nossas estruturas constitucionais e a nossa realidade político-social”. (TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.280). 188 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2.ed. São Paulo: RT, 2003, p.20. 189 Diferentes classificações são apresentadas: BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2009; BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicação das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros, 2009. 190 Tal classificação não é imune a críticas, como a de André Ramos Tavares: “Após diversos anos de vigência da Constituição, fica-se estarrecido com o desprezo com que foram premiados determinados comandos constitucionais, com toda uma doutrina formalista a serviço da desconsideração de sua normatividade plena. Cegamente reiterativos de teorias formuladas de há muito, em contexto completamente diverso do atual, os responsáveis pela implementação concreta da Constituição têm-lhe podado comandos reais sob o argumento, já desbotado pelo uso recorrente, da mera programaticidade [...] fazendo depender a concretização da Constituição da vontade exclusiva e arbitrária do Legislador, invertendo o postulado da constitucionalidade e a responsabilidade cometida ao próprio Judiciário pela realização constitucional em um país que ainda está a consolidar muitas de suas instituições democráticas.” (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.125). 191 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.100. Alguns exemplos de normas da Constituição brasileira: artigo 2º (São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário); artigo 17, §4º (“É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar”); artigos 20 (Bens da União), 21, 22 e 24 (Repartição de competências); artigo 230, §2º (“Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos”). 192 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.114. Fora de dúvida que a lei não pode restringir de forma ilimitada o campo de abrangência da norma constitucional. É necessário preservar um conteúdo mínimo do direito. Podem ser mencionadas como exemplo as seguintes normas: Artigo 5º, XIII (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

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eficácia limitada (não produzem todos os seus efeitos essenciais com sua entrada

em vigor porque o legislador, “por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a

matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador

ordinário ou a outro órgão do Estado”).193

As normas de eficácia limitada subdividem-se em normas constitucionais de

princípio institutivo, que “traçam esquemas gerais de estruturação e atribuições de

órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em

definitivo, mediante lei”194, e normas constitucionais de princípio programático195,

que traçam princípios a serem seguidos pelos órgãos criados pelo Poder

Constituinte Originário (Legislativos, Executivos, Jurisdicionas e administrativos).

São como programas das atividades desses órgãos, com o objetivo de alcançar os

fins sociais do Estado.196

Não se podem olvidar alguns dos efeitos produzidos pelas normas

constitucionais programáticas: estabelecem um dever para o legislador ordinário;

condicionam a legislação futura, sob pena de serem inconstitucionais; informam a

concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica; constituem

qualificações que a lei estabelecer”); artigo 5º, VII (“é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”); artigo 5º, XV (“é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”); artigo 5º, VIII (“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”). 193 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.82. 194 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.123. Exemplos de normas da Constituição Federal de 1988: artigo 25, §3º “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”; artigo 88 (“A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública”), artigo 224: “[...] o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei”; artigo 33: “A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios”; artigo 90, §2º: “A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho da República”; artigo 113: “A lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho”; 195 Exemplos de normas da Constituição de 1988: artigo 7º, XX (“proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei)”; artigo 7º, XXVII: “proteção em face da automação, na forma da lei”; artigo 196 (“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”); artigo 173, §4º (“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”); artigo 205 (“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”; artigo 215 (“O Estado garantirá a todos o pleno exercíc io dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará a incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”). 196 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.135.

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sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas

jurídicas; condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário;

criam situações jurídicas subjetivas de vantagens ou desvantagens e revogam a

legislação infraconstitucional preexistente que fira o programa proposto.197

Ora, o desenvolvimento da cultura constitucional pressupõe a eficácia jurídica

das normas constitucionais e, também, sua efetividade. Estes temas são os

nutrientes necessários para o seu enraizamento em uma determinada sociedade.

Nesse sentido, é esclarecedora a afirmação de Jorge Miranda:

Em último termo, uma Constituição só se torna efectiva e perdura quando o empenhamento em conferir-lhe realização está em consonância (intelectual e, sobretudo, afectiva e existencial) com o sentido essencial dos seus princípios e preceitos. E esse empenhamento, essa vontade de Constituição (Hesse) depende, por seu turno, do grau de cultura cívica – ou seja, de cultura constitucional – que se tenha atingido. A Constituição de 1976 não se teria radicado como Constituição normativa sem o progresso da cultura constitucional entre nós.198

Indiscutível, portanto, a estreita relação de dependência entre a eficácia

(jurídica e social) da Constituição e a cultura constitucional.

4.4 Cultura constitucional e força normativa da Constituição

É necessário que a Constituição Federal seja harmônica à realidade com a

capacidade para formar uma realidade histórica viva, compatível com o nível de

desenvolvimento cultural, político, social, econômico dos tempos atuais. Essa

realidade “histórica viva” é um pressuposto para que a Constituição possa cumprir

suas funções. Nesse sentido, Konrad Hesse afirma que uma Constituição “quando

tenta apegar-se às formas historicamente superadas ou quando, pelo contrário, se

proponha a uma utopia, fracassará inevitavelmente ante a realidade.”199

De acordo com Konrad Hesse, a norma constitucional não existe

autonomamente em relação à realidade, “sua essência reside na sua vigência, ou

seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade”, o que ele

197 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.160. Veremos adiante os instrumentos disponibilizados pela Constituição brasileira para garantir sua eficácia. 198 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.II. Constituição. 6.ed. Coimbra: Coimbra, 2007, p.96. 199 HESSE, Konrad. Conceito e peculiaridade da Constituição. Tradução de Inocêncio Mártires Coelho. In: HESSE, Konrad. Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p.12.

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denomina de pretensão de eficácia.200 Por sua vez, a “Constituição adquire força

normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia”.201

É aí que, segundo Konrad Hesse, entra um elemento primordial para

configurar a força normativa: a vontade de Constituição, a qual necessitará estar

presente na consciência geral. A vontade de Constituição tem origem em três

vertentes diversas: compreensão da necessidade e do valor de uma ordem

normativa inquebrantável, a compreensão de que essa ordem constituída é mais do

que uma ordem legitimada pelos fatos e na consciência de que para se tornar eficaz

tal ordem é essencial o concurso da vontade humana.202

Nesse contexto, Konrad Hesse destaca dois pressupostos que permitem à

Constituição desenvolver de forma ótima a sua força normativa. Um dos

pressupostos, referentes ao conteúdo da Constituição, compreende que quanto mais

este “lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de

ser o desenvolvimento de sua força normativa”.203

Outro pressuposto se refere à práxis constitucional, o que implica exigir de

todos os partícipes da vida constitucional partilhar a vontade de Constituição. Assim,

nas palavras de Konrad Hesse, “todos os interesses momentâneos – ainda quando

realizados – não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado

respeito à Constituição, [...]”.204 O fato é que a prática constitucional constitui o valor

de uma Constituição.205

200 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.14. Sobre a força normativa da Constituição também ver: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. (Selección). Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p.72. 201 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.16. 202 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.19-20. 203 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.20. “Tal como acentuado, constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual (geistige situation) de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral”. (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.20). 204 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.21. 205 "Uma Constituição é muito mais do que o conjunto de regras que a compõe. Sendo o espaço dos acordos originais e fundamentais da comunidade política, a Constituição transcende o conjunto de princípios orgânico-estruturais que dão forma e vida às instituições políticas de um Estado, bem como o conjunto de direitos fundamentais estabelecidos para delinear as relações entre essas instituições políticas e a sociedade. A Constituição é também, e preponderantemente, o que a sociedade entende e percebe do texto normativo. A sociedade usa a Constituição de alguma maneira como a referência básica de seu comportamento político, e a partir daí a interpreta e a pratica. Nesse sentido, a prática constitucional é parte fundamental do valor de uma Constituição. Abordar essas formas de representação e conhecimento ajuda a entender o grau de eficácia da norma constitucional. É neste sentido que o constitucionalista alemão Peter Häberle define a Constituição como o "grande processo público da sociedade pluralista". (VALADÉS, Diego, Consideraciones preliminares. In: CANTU, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en

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Quanto mais ampla e profunda for a conexão de seus preceitos normativos

com a historicidade e a realidade, afinada com o propósito de conservar e

desenvolver a construção jurídica-social presente, maior será a perspectiva destes

elementos desenvolverem a força normativa.

Ora, sendo a vontade de Constituição um dos pressupostos para o

desenvolvimento da força normativa, não há como deixar de reconhecer o papel da

cultura nesse contexto. De acordo com Peter Häberle: “[...], a ‘força normativa da

Constituição’ (Konrad Hesse) age por meio da cultura: linhas diretrizes, objetivos

educacionais, mas também proteção jurídica para o cidadão graças aos direitos

fundamentais e graças à jurisdição independente”.206

A vontade de Constituição, como afirmado, age por meio da consciência

geral, o que denota seu forte aspecto subjetivo, como demonstram suas três

vertentes acima referidas (compreensão). Assim, quanto mais desenvolvido o

enraizamento da cultura constitucional, maior o fortalecimento da força normativa da

Constituição.

4.5 Cultura constitucional e ideia de sentimento constitucional

Outra ideia que guarda certa relação com a cultura constitucional delineada é

aquela de sentimento constitucional, cujos contornos jurídicos Karl Loewenstein

explica:

Com a expressão ‘sentimento constitucional’ (Verfassungsgefühl) se refere a um dos fenômenos psicológico-sociais do existencialismo político mais difíceis de captar. Poder-se-ia descrever como aquela consciência da comunidade que, transcendendo a todos os antagonismos e tensões existentes político-partidaristas, econômico-sociais, religiosos ou de outro tipo, integra detentores e destinatários do poder no marco de uma ordem

México: una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. Instituto de Investigaciones Jurídicas, Serie Doctrina Jurídica, n.174. México: UNAM – Universidade Nacional Autónoma do México, 2004, p.7). Também merece ser lembrado o que firma Carlos Santiago Nino: “O problema é que a preservação da Constituição e das práticas geradas por ela não é algo que possa ser manipulado apenas do ponto de vista externo, mas requer o atendimento à justificativa interna de quem participou, participa e participará do estabelecimento e desenvolvimento dessa Constituição e das práticas subsequentes. Por exemplo, uma Constituição geralmente consegue se estabelecer como o fator original de uma ordem legal e uma estrutura de atitudes sociais e personalizadas, na medida em que os cidadãos – ao longo do tempo – atribuem ao texto constitucional e ao fato histórico que o originou uma certa autoridade intrínseca.” (NINO, Carlos Santiago. Fundamentos de derecho constitucional. Análisis filosófico, jurídico y politológico de la práctica constitucional. 3ª reimpresión. Buenos Aires: Astrea, 2005, p.69). 206 HÄBERLE, Peter. Constituição “da cultura” e Constituição “como cultura”: um projeto científico para o Brasil (2008) In: (Coords.) MENDES, Gilmar Ferreira; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt. Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Análise crítica. São Paulo: Saraiva, 2017, p.168-169.

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comunitária obrigatória, justamente a constituição, submetendo o processo político aos interesses da comunidade.207

Em que pese não possa ser produzido racionalmente, Karl Loewenstein

destaca que o fenômeno do sentimento constitucional pode ser fomentado pela

educação dos jovens e pela utilização consciente do simbolismo nacional.208

Por sua vez, Pablo Lucas Verdú esclarece que a ideia que pretende transmitir

de “sentir” é aquela de “estar implicado em algo”. Assim, o sentimento jurídico,

afirma o autor, “supõe a implicação com o ordenamento jurídico e com a ideia da

justiça que o inspira e ilumina”. Segundo ele, o sentimento jurídico aparece também

como a ideia de afeto pelo justo e equitativo na convivência. E “quando tal afeto

versa sobre a ordem fundamental daquela convivência, temos o sentimento

constitucional”.209 Esse sentimento, por sua vez, é assim definido pelo autor:

a adesão interna às normas e instituições fundamentais de um país, experimentada com intensidade mais ou menos consciente porque estima-se (sem que seja necessário um conhecimento exato de suas peculiaridades e funcionamento) que são boas e convenientes para a integração, manutenção e desenvolvimento de uma justa convivência.210

207 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.200. 208 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.200. De acordo com o autor: “[...] a formação do sentimento constitucional depende amplamente dos fatores irracionais, da mentalidade e da vivência histórica de um povo, especialmente se a Constituição há saído “airosa” também em épocas de necessidade nacional. O sentimento constitucional não pode ser explicado exclusivamente pela longevidade de uma Constituição [...]”. (LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.200). 209 VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional. Aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.52-53. 210 VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional. Aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.75. Em outro trecho o autor esclarece: “De todo o anterior, infere-se o papel que cumpre o sentimento jurídico e o sentimento constitucional em seus respectivos níveis, a saber: no suposto ideal, identificar a vigência das prescrições constitucionais e seu contato com a realidade jurídico-constitucional, reduzindo a distância entre elas, de modo que o ordenamento jurídico vigente, em nível ordinário e fundamental, esteja em harmonia com as realidades que lhe são subjacentes. Isso não significa que a efetividade de um ordenamento vigente dependa exclusivamente de sua compreensão e intenção emotivas. O sentimento jurídico-constitucional não é a causa de tal efetividade por si só; é uma prova significativa da consonância entre norma e realidade, ainda que também, ao lado de outros fatores, seja capaz de colaborar com essa consonância. Dito de outra maneira: quando um ordenamento jurídico é capaz de suscitar ampla e intensa adesão efetiva quanto à sua normação e, sobretudo, quanto às instituições mais enraizadas em suas bases sociais, então tal ordenamento é algo vivo. Não está ali, afastado, nutrindo-se solitariamente de suas próprias interconexões e interpretações formais. Penetra nas entranhas populares para converter-se em ordenamento sentido”. (VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional. Aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.6-7).

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O conceito de sentimento constitucional está assentado em um elemento

principal, o aspecto subjetivo dos destinatários da Constituição.211 Nesse ponto, há

uma proximidade acentuada com o elemento subjetivo destacado na ideia de cultura

constitucional que, por sua vez, se apresenta como um conceito mais amplo.

Para Jorge Miranda, a Constituição apenas se faz viva quando o empenho em

realizá-la está em consonância (intelectual, afectiva e existencial) “com o sentido

essencial dos seus princípios e preceitos; quando a vontade da Constituição (Konrad

Hesse) vem a par do sentimento constitucional (Pablo Luca Verdú)”.212

211 Nesse sentido: “Por conseguinte, o sentimento constitucional tende a persistir, apesar de sua instabilidade. É espontâneo – ainda que estimulado pelo contexto, pelo ambiente ideológico e pela situação sociopolítica – público e representativo, mostrando, além disso, certa expansividade. Quanto à dinâmica do sentimento constitucional, é preciso sublinhar o grau de aceitação e adesão às normas fundamentais, não esquecendo a luta pela Constituição, tanto nos momentos culminantes de máxima emotividade constitucional (períodos constituintes e, na Espanha, manifestações gigantescas poucos dias após o fracasso da intentona de fevereiro de 1981), como nos momentos normalizados. Além disso, deve considerar-se o grau de cumprimento dos deveres constitucionais (Cap. II, Seção 2ª, Título I, da Constituição).” (VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional. Aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.77). 212 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.II. Constituição. 6.ed. Coimbra: Coimbra, 2007, p.93.

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5 A EROSÃO DA CULTURA CONSTITUCIONAL

Conforme argumenta Diego Valadés, a Constituição também é o referente

comum que torna possível a vida em sociedade. E quando a Constituição deixa de

ser o eixo de coesão social, a sociedade tende a buscar outros fatores de

integração, abrindo espaço para os valores religiosos, as tradições históricas e os

personagens carismáticos ou projetos políticos sedutores.213

Em que pese a relevância da cultura constitucional para a Constituição se

tornar viva no seio da sociedade, o fato é que a observação da prática constitucional

pode revelar um abismo entre a Constituição e a sociedade.

Esta situação configura o fenômeno que podemos denominar de erosão da

cultura constitucional, termo este que emprestamos e adaptamos a partir da ideia

desenvolvida por Karl Loewenstein a respeito da erosão da consciência

constitucional.214

5.1 Os fatores que geram a erosão constitucional

Já em meados do século XX, o autor alertava que a democracia constitucional

estava em crise. A Constituição escrita teria sofrido uma importante desvalorização

funcional e uma perda de prestígio. Dois problemas, nesse contexto, podem ser

apresentados: a inobservância consciente da Constituição pelos detentores do poder

e a indiferença dos destinatários do poder em relação à Constituição. Vejamos cada

um deles.

5.1.1 A inobservância consciente da Constituição pelos órgãos e agentes do

Estado

Um dos fatores que promove a erosão da cultura constitucional é a

inobservância consciente da Constituição pelos detentores do poder. Não se trata

213 VALADÉS, Diego. Consideraciones preliminares. In: CANTU, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en México: una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. Instituto de Investigaciones Jurídicas, Serie Doctrina Jurídica, n.174. México: UNAM – Universidade Nacional Autónoma do México, 2004, p.XIII. O autor menciona a queda da República de Weimar, após o esgotamento de sua Constituição, com um exemplo de transposição dos fatores de coesão. 214 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979.

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aqui, conforme adverte Karl Loewenstein, de uma divergência de interpretação da

norma constitucional entre os entes governamentais.

Longe disso, a inobservância consciente da Constituição ocorre quando a

norma constitucional essencial não será deliberada e consequentemente aplicada ou

realizada, “permanecerá então como uma lex imperfeita, como letra morta, em

contradição com a suposta obrigatoriedade inalienável da lei fundamental”.215

Inserem-se nesse contexto, a nosso ver, não só a afronta direta à norma

constitucional por meio de uma ação, como a aprovação de uma lei flagrantemente

inconstitucional, mas também a omissão inconstitucional e o excesso de reformas

constitucionais, por exemplo.

5.1.1.1 As reformas constitucionais e a erosão da cultura constitucional

O fato é que a forma de adaptação da Constituição às transformações sociais

terá reflexos na cultura constitucional do povo. Para Karl Loewenstein, “frequentes

emendas podem chegar a produzir o estado de indiferença”.216

Nesse contexto, Paulo Ferreira da Cunha defende que a cultura constitucional

se revela como um paradigma apto a ser utilizado como instância crítica em casos

de revisão constitucional. Assim, a cultura constitucional deve dialogar com a

Constituição material e o poder constituinte.217 Isso porque, “não se pode andar a

mudar a constituição ao sabor dos caprichos políticos ou dos interesses dos grupos

de pressão, por poderosos que sejam”.218

Ao tratar do sentimento constitucional, o mesmo alerta é feito por Karl

Loewenstein para quem “reformas constitucionais empreendidas por razões

oportunistas para facilitar a gestão política desvalorizam o sentimento

215 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.223. 216 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.227. 217 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2018, p.16. 218 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2018, p.13.

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66

constitucional”.219 Não é outra a observação de Konrad Hesse ao cuidar do tema da

força normativa da Constituição:

Igualmente perigosa para força normativa da Constituição afigura-se a tendência para a frequente revisão constitucional sob a alegação de suposta e inarredável necessidade política. Cada reforma constitucional expressa a ideia de que, efetiva ou aparentemente, atribui-se maior valor às exigências de índole fática do que à ordem normativa vigente. Os precedentes aqui são, por isso, particularmente preocupantes. A frequência das reformas constitucionais abala a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição.220

Ao analisar a Lei Fundamental de Bonn, Karl Loewenstein destaca o fato de

que quase nenhuma das 30 emendas que alteraram o seu texto nos seus primeiros

dez anos chamou a atenção da opinião pública. Para o autor, isso ocorre porque a

Lei Fundamental, ordem suprema da comunidade, se apresenta completamente

estranha à massa dos destinatários do poder. Além disso, os detentores do poder,

especialmente governo e parlamento, não dedicam o devido respeito à ordem

fundamental: “governo federal e os corpos legislativos dominados pelo partido

majoritário adaptam a Constituição a seus interesses políticos, ao invés de permitir

que estes sejam freados pela Constituição”.221

Esta situação de distanciamento da Constituição em relação ao seu povo

permite indagar a forma de atuação popular também nos processos de modificação

constitucional. Daí a reflexão de Karl Loewenstein: “a participação do povo no poder

constituinte se limita cada vez mais a aceitação de uma nova Constituição, aonde

desempenha o papel de selo que outorga um maior grau de legitimidade”.222

219 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.200. 220 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.22. 221 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.202. Tradução livre. 222 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.203. “Uma reforma constitucional obtida por força ou imposta a uma minoria, importante tanto numericamente quanto por seu peso político, não fere apenas essa minoria senão o sentimento constitucional. [...] É mais fácil viver com uma constituição com lacunas do que com uma que se tenha convertido em uma bola de jogo da arbitrariedade dos partidos. E, finalmente, cada participação popular na reforma constitucional, seja qual for sua modalidade técnica, é uma contribuição viva à educação política e um elemento da integração política. Uma nação viverá apenas democraticamente quando lhe for permitido se comportar democraticamente”. (LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.205).

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O fato é que uma Constituição que permanece em constante reforma

constitucional se torna mais difícil de ser conhecida pelo povo e causa mais

dificuldade na interpretação judicial.223

5.1.1.2 A omissão legislativa

Tivemos a oportunidade de abordar, no capítulo anterior, a relação entre a

eficácia das normas constitucionais e a cultura constitucional. Dissemos que o

desenvolvimento da cultura constitucional pressupõe a eficácia jurídica das normas

constitucionais e, também, sua efetividade.

Como veremos adiante, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que a

omissão inconstitucional do Estado consubstancia a ideia da erosão da consciência

constitucional formulada por Karl Loewenstein.

A Constituição brasileira, por exemplo, prevê instrumentos voltados para

garantir sua eficácia.224 Destaca-se, inicialmente, a norma do artigo 5º, §1º: “as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. O

artigo 5º, LXXI, determina que será concedido o mandado de injunção sempre que a

falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania.

223 "As necessidades da sociedade e os ritmos globais propiciaram que a Constituição fosse submetida a constantes reformas, esta situação dificulta que os cidadãos a conheçam e a cumpram. Infelizmente, uma constituição que está sendo reformada o tempo todo e que contém uma regulamentação minuciosa e detalhada de uma miríade de questões, gera mais problemas do que soluções, já que, por um lado, dificulta o seu conhecimento pelos cidadãos e, por outro lado, torna mais complexa a interpretação judicial, uma vez que os operadores do nosso sistema jurídico não podem ser guiados por grandes princípios, mas têm que obedecer a ordens minúsculas que, em muitos casos, nem sequer são bem escritas (Córdova, 2007). Se acrescentarmos a isso a ignorância generalizada do texto constitucional e a disposição da vontade política para aplicá-lo, são elementos que favorecem seu descumprimento. (CÓRDOVA, Lorenzo; FLORES, Julia Isabel; ALEJANDRE, Omar; MERCADO, Salvador Vázquez del. El déficit de la democracia en México. Encuesta Nacional de Cultura Política. México: UNAM, 2015, p.247). 224 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.161. Sobre este aspecto, a manifestação de Flávia Piovesan: “Preocupando-se com a efetividade de seus preceitos, a Constituição de 1988 vem a introduzir mecanismos jurídicos inéditos voltados ao controle da inconstitucionalidade por omissão. Neste sentido, tem-se a criação dos instrumentos do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, garantias voltadas a reforçar o constitucionalismo do Estado social. A Carta de 1988, além de introduzir estes mecanismos de controle, priorizando a busca em assegurar ampla efetividade aos preceitos constitucionais, acabou também por consagrar princípio constitucional inédito na história brasileira. Trata-se do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, previsto no artigo 5º, §1º, da Constituição de 1988”. (PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2.ed. São Paulo: RT, 2003, p.187-188).

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Previu, ainda, a possibilidade de propositura, no âmbito do controle

concentrado de constitucionalidade, da ação direta de inconstitucionalidade por

omissão com o objetivo de tornar efetiva a norma constitucional, dando ciência ao

Poder Legislativo para adotar as medidas necessárias e, quando se tratar de órgão

administrativo, para fazê-lo em trinta dias (artigo 103, §2º, da Constituição Federal).

Importante mencionar também o exercício da iniciativa popular para a

elaboração de leis integradoras da eficácia das normas constitucionais (artigo 61,

§2º). Como esclarece José Afonso da Silva, a iniciativa popular não suprimirá

totalmente a omissão do Legislativo, mas “a iniciativa, subscrita por milhares de

eleitores, traz um peso específico, que estimulará a atividade dos legisladores”.225

As Constituições modernas dependem em grande parte da integração

normativa para que adquiram eficácia plena, daí a relevância destes instrumentos.226

Conforme ressalta Flávia Piovesan, um dos obstáculos a ser superado se situa no

campo da cultura, que se consubstancia na tendência de negar às normas

constitucionais um valor obrigatório e vinculante.

Ora, evidentemente, a ausência da integração normativa esvazia a eficácia da

Constituição e é um dos fatores determinantes para a erosão da cultura

constitucional.

5.1.2 A indiferença da sociedade em relação à Constituição

O segundo problema – e o que nos chama mais a atenção – é a alarmante

indiferença dos destinatários do poder em relação à Constituição, atitude

psicológica, segundo Karl Loewenstein, que pode conduzir à atrofia da consciência

constitucional.

A triste verdade é que a constituição se distanciou emocional e intelectualmente dos destinatários do poder. Para o ‘homem da rua’ a constituição significa muito pouco. Apenas uma fração microscópica da

225 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.163. 226 TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.340. O autor esclarece: dependem “em larga escala, de regulamentação adequada, isto é, daquilo que hoje se denomina a ‘integração normativa’, através de leis complementares, que transmitam vida e energia a grande número de dispositivos, especialmente os de natureza programática”. [...] “Como se vê, uma é a Constituição vigente, solenemente promulgada; outra é a Constituição eficaz, isto é, desde logo aplicável, exigível, com força obrigatória; outra afinal, a Constituição aplicada, efetivamente cumprida, em nossa vida política, administrativa, econômica e social. (TEIXEIRA José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) GARCIA, Maria. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.340-341).

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população em todos os países está suficientemente interessa em lê-la, para não mencionar aqueles que realmente irão assimilá-la. O direito constitucional se transformou para o leigo em uma ciência oculta; seu conhecimento está reservado a uma minoria de juristas profissionais na prática e na burocracia governamental. E isso não pode ser de outra maneira. As constituições são cada vez mais complicadas. As decisões políticas são domínio dos políticos; para sua execução estão chamados apenas os técnicos constitucionais e especialistas. A massa da população perdeu seu interesse na constituição, e esta, por sua vez, seu valor afetivo para o Povo. Isso é um fato indiscutível e alarmante. Os documentos constitucionais, bem pensados e articulados, foram considerados na época de sua primeira aparição como a chave mágica para a ordenação feliz de uma sociedade estatal. Hoje, manipulada pelos políticos profissionais, a constituição deixou de ser uma realidade viva para a massa dos destinatários do poder.227

Karl Loewenstein esclarece que a completa indiferença do povo em relação à

Constituição se justifica porque seu conteúdo, muitas vezes mais adequado às

disputas políticas entre os detentores do poder, não diz respeito ao “homem médio”.

Este, diante de sua realidade diária, não se identifica com o conteúdo

constitucional.228 “Sua atitude diante de sua constituição é de indiferença, porque

esta se mostra indiferente a ele”.229

Ora, para o autor, “a crise da Constituição escrita se reflete dessa maneira na

crise do Estado democrático constitucional do futuro”.230 O cenário de crise da

Constituição escrita se baseia, assim, em dois aspectos. Primeiramente se

fundamenta no fato de que a Constituição escrita já não se mostra suficiente para

atuar como instrumento primário para o controle do poder político, seja para distribuir

227 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.227. E completa, destacando a enorme distância entre o povo e sua constituição: “Essas observações empíricas conduzem a uma afirmação geral e profundamente inquietante: em nosso tempo o povo – e isso serve tanto para a ampla massa como para a maioria dos intelectuais – deixou de ter contato pessoal com sua constituição. A constituição não diz nada sobre o que mais interessa ao homem da rua, o pão diário, o trabalho, a família, o descanso, a situação e a afirmação da existência do indivíduo em uma sociedade cada vez mais complicada. Para a massa dos cidadãos, a constituição não é mais que um aparato com o qual se efetua a luta pelo poder entre partidos e forças pluralistas, sendo eles apenas os espectadores passivos. Embora seja verdade que aparentemente tenha surgido do povo por meio do sufrágio universal, a realidade é que a constituição é produto dos políticos profissionais e dos managers políticos [...]. Esvaziada de seu telos democrático, a constituição é em muitos lugares completamente alheia ao povo. E nada pode modificar as tentativas bem intencionadas de aproximar do povo as regras de um mero mecanismo de gestão revestindo-as com uma linguagem popular, e com o pressuposto de que a natureza da coisa permita a essa tentativa obter êxito”. (LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.202-203). 228 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.229. 229 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.229. 230 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.230.

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o poder ou para limitá-lo. Em segundo lugar, destaca a realidade de muitos países

que é o distanciamento total do povo de sua Constituição.231

Pode-se dizer que há graus diferentes de apego e de indiferença de um povo

à sua Constituição. O fator tempo, conforme destacamos, é algo importante a ser

considerado, pois é durante o período de sua vigência que o povo aprenderá a viver

com suas vantagens e desvantagens. Nas palavras de Karl Loewenstein, “apenas

pelo fato de estar em vigor um longo tempo uma Constituição exerce uma poderosa

influência educativa”.232

5.2 A anomia

A erosão da cultura constitucional está intimamente relacionada à ideia de

anomia constitucional. Antes, entretanto, importante compreender o que vem a ser a

anomia.

A ideia de anomia deita raízes no termo grego anomos, que significa “sem

lei”. É, contudo, a partir do século XIX que a expressão anomia passa a ser mais

difundida pelos sociólogos europeus. Em que pese não ter sido o primeiro a utilizar a

expressão na sociologia, foi com Émile Durkheim que a ideia de anomia se tornou

mais difundida, por meio de suas obras ‘A divisão do trabalho social’, de 1893, e ‘O

suicídio’, de 1897.233

Em síntese, Émile Durkheim concebe a anomia como uma ruptura da

solidariedade. Para ele, a ausência de regras produz a desintegração social,

provocando a ruptura da solidariedade na sociedade.234 Conforme pontua Hilda

231 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.231. 232 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Segunda edición, marzo de 1976. Reimpresión, abril de 1979. Barcelona: Ariel, 1979, p.227. 233 De acordo com Hilda Prado: “En los tratados, en los comentarios, ensayos de la sociología francesa y en especial, en el análisis de las teorías de Emile Durkheim (1858-1917) es muy frecuente encontrar que este autor introdujo el concepto de anomia en la sociología, concretamente primero, em su obra "De la visión del trabajo social" (1893) y luego en su obra "El suicidio" (1897). Sin embargo, por fidelidad histórica tenemos que decir que Durkheim comentó el libro presentando por un joven filósofo y sociólogo también francés, Jean Marie Guyau, que lo había titulado "The non religion of the future" (1887)”. (PRADO, Hilda Eva Chamorro Greca de. El concepto de anomia, una vision em nuestro pais. Discurso de recepción como Académica de Número pronunciado el 3 de mayo de 2005, en la Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba (Argentina). (Disponível em: <http://www.acader.unc.edu.ar>. Acesso em: 11 jan. 2018). 234 FLORES, Julia Isabel. Sentimientos y resentimientos de la nación. Encuesta Nacional de Identidad y Valores. México: UNAM, 2016, p.156. Nas palavras de Émile Durkheim: “Esses diversos exemplos são, pois, variedades de uma mesma espécie; em todos os casos, se a divisão do trabalho não produz a solidariedade, é porque as relações entre os órgãos não são regulamentadas, é porque elas estão em um estado de anomia. Mas de onde vem esse estado? Já que um corpo de regras é a forma definida que, com o tempo, adquirem as

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Prado, para o sociólogo francês, a anomia e o enfraquecimento das normas surgem

com a maior divisão do trabalho e podem levar à desorganização social.235

Na obra ‘O suicídio’, Émile Durkheim encara a anomia mais como o fracasso

da norma para regulamentar os comportamentos individuais do que como a

ausência de normas propriamente dita, ou seja, sob viéis de sua eficácia social.236

Sob essa perspectiva, Robert K. Merton reformula o conceito de anomia de

Émile Durkheim para aprofundar, além do aspecto do grupo, da coletividade, o viés

da individualidade, ou psicológico. Amplia-se, assim, a ideia de anomia para se

referir não apenas a uma característica da sociedade, mas também a um estado dos

indivíduos.237

Quanto ao conceito sociológico de anomia, Robert Merton explica que o

ambiente dos indivíduos pressupõe uma estrutura cultural, compreendida como o

corpo organizado de valores normativos que governam a conduta comum aos

indvíduos de determinada sociedade ou grupo, e uma estrutura social, que pode ser

entendida como o corpo organizado de relações sociais que mantém entre si

diversamente os indivíduos de uma sociedade ou grupo. Assim, a anomia consiste

na quebra da estrutura cultural, ocorrida quando se caracteriza uma disjunção aguda

entre as normas e os objetivos culturais e as capacidades socialmente estruturadas

dos indivíduos do grupo para agir de acordo com eles.238

relações que se estabelecem espontaneamente entre as funções sociais, podemos dizer a priori que o estado de anomia é impossível onde quer que os órgãos solidários se encontrem em contato suficiente e suficientemente prolongado”. (DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2015, p.385). 235 “Cuando un grupo está altamente integrado y unificado desarrolla una serie de normas que regulan el comportamiento y las relaciones interpersonales. Las normas establecen los límites claros en las aspiraciones y logros de las sociedades y proveen um sentido de seguridade”. (PRADO, Hilda Eva Chamorro Greca de. El concepto de anomia, una vision em nuestro pais. Discurso de recepción como Académica de Número pronunciado el 3 de mayo de 2005, en la Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba (Argentina). Disponível em: <http://www.acader.unc.edu.ar>. Acesso em: 11 jan. 2018). 236 “Aquí el problema no es la ausência de normas, sino el hecho de que éstas hayan perdido eficácia en la sociedade” (FLORES, Julia Isabel. Sentimientos y resentimientos de la nación. Encuesta Nacional de Identidad y Valores. México: UNAM, 2016, p.156). 237 MERTON, Robert K. Teoría y estructura sociales. 2.ed. México-Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1965, p.169. “[...] Cuando la estructura cultural y la social están mal unificadas, exigiendo la primera una conducta y unas actividades que la segunda impiede, hay una tendencia al quebrantamiento de las normas, hacia la falta de ellas.” (MERTON, Robert K. Teoría y estructura sociales. 2.ed. México-Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1965, p.170). 238 As normas e os objetivos culturais constituem, na visão de Robert Merton, os elementos principais das estruturas sociais e culturais: “Entre los diferentes elementos de las estructuras sociales y culturales, dos son de importancia imediata. Son separables mediantes análisis, aunque se mezclan en situaciones concretas. El primero consiste en objetivos, propósitos e intereses culturalmente definidos, sustentados como objetivos legítimos por todos los indivíduos de la sociedade, o por indivíduos situados en ella en una posición diferente. [...] Un segundo elemento de la estructura cultural define, regula e controla los modos admisibles de alcanzar esos objetivos. Todo grupo social acopla sus objetivos culturales a reglas, arraigadas en las costumbres o en las

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Diferencia-se, assim, o conceito sociológico de anomia do psicológico. O

primeiro, denominado de “simples”, é o estado de confusão em um grupo ou

sociedade submetida ao antagonismo entre sistemas de valores, que resulta em

certo grau de inquietude e na sensação de separação do grupo. O segundo,

alcunhado de anomia aguda, consiste na deterioração dos sistemas de valores, ou

até mesmo na sua desintegração.239

Enquanto Émile Durkheim concebe a anomia como um problema de ordem

social – enfraquecimento de ordem estabelecida pela sociedade – Robert Merton

compreende a anomia sob a perspectiva de desajuste entre os objetivos culturais e

as normas sociais.240

Outra perspectiva de compreensão da anomia é aquela apresentada por

Carlos Nino, que analisa sua relação com a governabilidade e o desenvolvimento,

adotando como objeto de estudo a sociedade argentina. Para o autor, há uma

tendência recorrente da sociedade argentina, em especial dos fatores de poder

(governos sucessivos na Argentina), à anomia em geral e à ilegalidade em

particular, consistindo na inobservância de normas jurídicas, morais e sociais.241

Carlos Nino afirma que a anomia gera baixos graus de eficiência e de

produtividade social que, por sua vez, fazem surgir o subdesenvolvimento.242

Esclarece, ainda, a inobservância caracterizadora da anomia, que ele denomina de

anomia boba. Segundo o autor, é aquela que produz uma certa disfuncionalidade na

sociedade, de acordo com certos objetivos, interesses ou preferências.243 No plano

da legalidade, o autor desenvolve a ideia de anomia boba pautada pelo critério da

eficiência. Desse modo, “há anomia boba quando a ação coletiva em questão se

caracteriza pela inobservância de normas e há pelo menos uma certa norma que

conduziria a uma ação coletiva mais eficiente na mesma situação”.244

instituciones, relativas a los procedimientos permisibles para avanzar hacia dichos objetivos [...]” (MERTON, Robert K. Teoría y estructura sociales. 2.ed. México-Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1965, p.141). 239 MERTON, Robert K. Teoría y estructura sociales. 2.ed. México-Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1965, p.171. 240 FLORES, Julia Isabel. Sentimientos y resentimientos de la nación. Encuesta Nacional de Identidad y Valores. México: UNAM, 2016, p.158. 241 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.24. 242 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.24. 243 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.31. 244 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.36-37.

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73

Em síntese, a anomia se caracteriza por generalizar determinadas condutas

que não expressam lealdade às normas.245

A anomia institucional assume enorme relevância porque influencia a vida

social, implica falta de capacidade para gerar e fazer cumprir as normas que regem

a vida social, assumindo, assim, um efeito demonstrativo negativo sobre ela.246 “Em

suma, a anomia que marca nossa vida social e explica em parte nosso

subdesenvolvimento é uma deficiência na materialização da democracia. [...] A

anomia é, portanto, essencialmente antidemocrática”.247

Nesse contexto, Hilda Prado relaciona a anomia social à anomia política, que

faz com que se compreenda as ações políticas como ineficazes, influenciando, de

certo modo, na participação política.248

5.2.1 A anomia constitucional

Enrico Musso compreende a anomia constitucional como “a falta no contexto

de uma comunidade estatal, seja qual for seu regime político, de uma disciplina

jurídico-constitucional” ou "vácuo normativo-constitucional" e, portanto, o vão

intransponível também pelo uso da aplicação em disposições analógicas ou

normativas que regulam relações sociais semelhantes ou princípios gerais do

sistema legal. 249

Segundo Enrico Musso, o direito constitucional porque dotado de validade

jurídica se posiciona como uma estrutura social em interação com outras estruturas

sociais. O princípio da efetividade condiciona direta ou indiretamente a validade das

mesmas normas constitucionais; as relações sociais diretamente relacionadas a

questões político-constitucionais podem, por diferentes fatores, estar fora de

qualquer regulamentação legal-constitucional. 250

245 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.43. 246 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.217. 247 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.272-273. “A anomia é um relaxamento do cumprimento das normas e valores legais, pois os indivíduos não se sentem vinculados à sociedade para a qual essas normas e valores que estruturam o legal foram criados.” (FLORES, Julia Isabel. Sentimientos y resentimientos de la nación. Encuesta Nacional de Identidad y Valores. México: UNAM, 2016, p.159). 248 PRADO, Hilda Eva Chamorro Greca de. El concepto de anomia, una vision em nuestro pais. Discurso de recepción como Académica de Número pronunciado el 3 de mayo de 2005, en la Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba (Argentina). Disponível em: <http://www.acader.unc.edu.ar>. Acesso em: 11 jan. 2018, p.15. 249 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.126. 250 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.126-127.

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74

Enrico Musso qualifica as eventuais lacunas em matéria constitucional como

anomia constitucional. Apresentam-se como anomia constitucional aqueles casos

nos quais há dispositivo constitucional. No entanto, deve ser considerado

juridicamente inexistente quando constatada a ausência de eficácia de seu conteúdo

(o autor adota a eficácia como condição de validade das normas constitucionais

fundamentais). Esclarece, ainda, que as causas da anomia constitucional são

diferentes e distintas dos fenômenos socias.251

Inicialmente, Enrico Musso distingue a anomia constitucinal da anarquia.

Reconhece que, eventualmente, a anarquia, vista como uma crise da estrutura

social dominante pode até configurar um fator de anomia constitucional. Porém, a

anomia não pressupõe a anarquia. Afirma, inclusive, que é mais fácil eventualmente

constatar a anomia constitucional no contexto de uma estrutura social hegemônica

do que naquela de instabilidade. Exemplifica esta situação pela existência de

governos totalitários que elaboram uma Constituição, não aplicada na prática, sem

efetividade, servindo apenas como propaganda do governo. Em suma, enquanto na

anarquia há a ausência de um governo, na anomia constitucional há ausênca de

norma constitucional.252

Enrico Musso também diferencia a anomia constitucional da anomia social.

Esta, segundo ele, consiste na falta de regras de conduta dentro de uma

comunidade que resulta não apenas da falta de normas legais, mas também de sua

mera desaprovação, como também da falta ou desaprovação de outras normas

sociais (modelos culturais, normas convencionais, etc.). Conclui que a anomia social

não implica necessariamente anomia jurídica e, em particular, constitucional.253

Além disso, a anomia constitucional é a ausência de uma ou mais normas

constitucionais, mas não a ausência total de uma ordem constitucional numa

comunidade. Nesta última hipótese, segundo Enrico Musso, sequer haveria o Estado

no sentido contemporâneo. Não se confunde a ausência de uma Constituição, como

ocorre na Inglaterra, por exemplo, com a falta de uma ordem constitucional, um

direito constitucional.254

251 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.129. 252 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.129-130. 253 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.130-131. 254 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.131.

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75

Assim, Enrico Musso propõe utilizar a ideia de anomia constitucional no lugar

de lacuna no direito constitucional. Segundo ele, por duas razões: primeiramente,

porque se admite a possibilidade de eventual lacuna em matéria constitucional, o

que por si só configura uma anomia; em segundo lugar porque, diversamente do

ocorrido nas lacunas em geral no sistema jurídico infraconstitucional, a anomia

constitucional se configura não apenas na hipótese de falta de uma disposição

expressa, mas também quando a norma existe no plano literal mas é desprovida de

força normativa em decorrência da falta de efetividade.255

Podem ser apontados como fatores sociais da anomia constitucional,

enquanto instituto jurídico, a anarquia, a estrutura social hegemônica, a inércia

legislativa e o desuso.256

De acordo com Enrico Musso, a questão do desuso, pelas características que

lhe são próprias, pode importar a revogação de uma disposição constitucional sem

que ela seja substituída e regras legais adicionais sejam aplicáveis. Quanto à inércia

legislativa, esta se apresenta como causa da anomia constitucional quando uma

determinada relação social relacionada a uma matéria constitucional não tem

regulamentação jurídico-constitucional por razões diversas e o legislador não elimina

a anomia.

Enrico Musso ainda relaciona a anomia constitucional com o processo de

desconstitucionalização do sistema político de uma comunidade estatal. Segundo

ele, o fenômeno consiste em diminuir o impacto da Constituição sobre o

funcionamento desse sistema com a mudança, mais ou menos extensa, da forma de

governo desejada pelo legislador constitucional.257

Para o autor, um sistema político mais ou menos desconstitucionalizado

apresenta aspectos de funcionamento e evolução que, por estarem desconectados

de uma lei jurídico-constitucional, mostram um retrocesso do direito constitucional

contemporâneo.258

Para Rafael Escudero Alday, um dos aspectos que caracteriza os regimes

políticos da Europa Ocidental é uma espécie de anomia constitucional. Isso porque,

segundo ele, houve uma redução dos espaços participativos da cidadania nos

255 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.131-132. 256 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.132. 257 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.135. 258 MUSSO, Enrico Spagna. Diritto costituzionale. 3.ed. Padova: CEDAM, 1990, p.135.

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assunto públicos e na garantia dos direitos sociais, em especial a partir do

surgimento de alguns paradigmas como os de “governabilidade” e “governança”,

excluindo os assuntos econômicos da tomada de decisões coletivas.259

A União Europeia é a principal responsável por isso ao impor sua política

econômica aos Estados membros, como as medidas de austeridade fiscal ou “déficit

zero” por meio de processos pouco transparentes e de escassa legitimidade.260

A imposição da regra do “déficit zero” (golden rule) decorre da tese de que o

gasto público excessivo é a principal causa de crise econômica nos países. Por

pressão decorrente de organismos internacionais, que carecem de legitimidade

democrática, como o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e o

Banco Mundial, este instrumento é alçado ao posto de norma constitucional, a partir

de reformas constitucionais, conforme se sucedeu na Espanha (2011), na Itália

(2012) e em Portugal (2013).261

Segundo Rafael Escudero, a situação demonstra a influência dos agentes

econômicos, que não hesitam em contribuir para alterar as normas constitucionais

dos Estados em favor de seus interesses e em prejuízo dos direitos fundamentais, e

em desrespeito aos princípios tradicionais do constitucionalismo democrático, como

a soberania popular, a participação popular na tomada de decisões que afetam o

público ou a proteção dos direitos sociais.262

É essa situação que o autor qualifica como anomia contitucional, uma

desnaturação das características próprias da Constituição: a soberania popular cede

diante dos poderes normativos com maior força que atuam sem nenhum tipo de

259 ALDAY, Rafael Escudero. La anomia constitucional (o cómo la realidad ha acabado por desmontar el constitucionalismo). Apresentação realizada no I Congreso de filosofía del derecho para el mundo latino, Alicante, 26-28 maio 2016. Disponível em: <http://iusfilosofiamundolatino.ua.es/ponencias>. Acesso em: 11 jan. 2018, p.10-11. 260 ALDAY, Rafael Escudero. La anomia constitucional (o cómo la realidad ha acabado por desmontar el constitucionalismo). Apresentação realizada no I Congreso de filosofía del derecho para el mundo latino, Alicante, 26-28 maio 2016. Disponível em: <http://iusfilosofiamundolatino.ua.es/ponencias>. Acesso em: 11 jan. 2018, p.11. 261 ALDAY, Rafael Escudero. La anomia constitucional (o cómo la realidad ha acabado por desmontar el constitucionalismo). Apresentação realizada no I Congreso de filosofía del derecho para el mundo latino, Alicante, 26-28 maio 2016. Disponível em: <http://iusfilosofiamundolatino.ua.es/ponencias>. Acesso em: 11 jan. 2018, p.11-12. 262 ALDAY, Rafael Escudero. La anomia constitucional (o cómo la realidad ha acabado por desmontar el constitucionalismo). Apresentação realizada no I Congreso de filosofía del derecho para el mundo latino, Alicante, 26-28 maio 2016. Disponível em: <http://iusfilosofiamundolatino.ua.es/ponencias>. Acesso em: 11 jan. 2018, p.13.

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77

legitimidade. A Constituição deixa de atuar como freio ou controle destes poderes

que não respondem aos interesses gerais, mas aos seus próprios interesses263.

O fato nos faz lembrar a Emenda Constitucional n. 95/2016 no Brasil, que

limitou os investimentos públicos da União por 20 anos, fixando o teto de aumento

das despesas primárias em percentual, conforme variação dos índices inflacionários

verificados no ano anterior.

Ao limitar os investimentos públicos há o risco de diminuir a proteção dos

direitos sociais e, consequentemente, afastar ainda mais a Constituição da

população, contribuindo, de certo modo, para o enfraquecimento da cultura

constitucional e o surgimento do estado de anomia.264

263 ALDAY, Rafael Escudero. La anomia constitucional (o cómo la realidad ha acabado por desmontar el constitucionalismo). Apresentação realizada no I Congreso de filosofía del derecho para el mundo latino, Alicante, 26-28 maio 2016. Disponível em: <http://iusfilosofiamundolatino.ua.es/ponencias>. Acesso em: 11 jan. 2018, p.14-15. 264 Umberto Abreu Noce e Giovani Clark defendem a inconstitucionalidade da emenda porque entendem que resultará na inviabilização de direitos individuais: “O contingenciamento de despesas resultará no sucateamento da máquina pública, de seus serviços e na inviabilização de direitos individuais e sociais, sem qualquer discussão quanto às receitas originárias e derivadas estatais, bem do dever constitucional daqueles que possuem mais condições de contribuir e não contribuem (art. 145, §1º, CR), ferindo, assim, texto constitucional e sua ideologia constitucionalmente adotada e colocando o Brasil de forma planejada nas trilhas do anarcocapitalsimo” (NOCE, Umberto Abreu; CLARK, Giovani. A Emenda Constitucional n. 95/2016 e a violação da ideologia constitucionalmente adotada. Revista Estudos Institucionais, v.3, 2, 2017, p.1241).

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6 A CULTURA CONSTITUCIONAL NO BRASIL

A importância de uma Constituição para um Estado e para seu povo é

indiscutível. Basta observar que o objeto de uma Constituição passa pela

formatação da estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de

aquisição do poder e a forma de seu exercício, os limites para sua atuação, o

exercício dos direitos e garantias dos indivíduos, o regime político e a disciplina dos

fins socioeconômicos do Estado, além dos fundamentos dos direitos econômicos,

sociais e culturais.265

Para compreender a cultura constitucional no Brasil, inicialmente,

analisaremos a evolução constitucional brasileira até a promulgação da Constituição

Federal de 1988. Em seguida, adotaremos como critério de análise os dois fatores

principais que geram a erosão da cultura constitucional – a inobservância consciente

da Constituição e o seu distanciamento em relação à população. Este último fator, o

distanciamento, será abordado posteriormente. A partir daí, analisaremos se a

cultura constitucional brasileira está próxima ou distante do fenômeno da erosão.

6.1 Evolução constitucional no Brasil266 e a cultura constitucional

6.1.1 A Constituição de 1824

Como afirma José Afonso da Silva, o regime monárquico não era

democrático, “a verdade é que os mecanismos centralizadores e definidores do

poder pessoal do Monarca não possibilitavam o surgimento da realidade

democrática.267 A Constituinte de 1823 distanciava-se das características essenciais

de um Poder Constituinte.268 Sem qualquer ruptura, o Brasil passava por um período

265 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.43. 266 A análise da evolução constitucional brasileira feita neste tópico é, com algumas variações, uma síntese daquela apresentada em: PESSOA, João Paulo. As disposições transitórias no direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p.111. 267 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.51. 268 “[...] Se tivermos o os olhos fitos na realidade brasileira da época, compreenderemos que, sem embargo de toda a força e vocação das elites para as atitudes abstratas do ideal de liberdade e para a rejeição do colonialismo, não havia como o Reino se mover fora da esfera de limitações contidas nos pressupostos fáticos da sociedade e do poder dinástico estabelecido. D. Pedro fixou com a Fala do Trono o seu paternalismo constituinte e a sua constitucionalidade legitimante ao historiar sempre na primeira pessoa as medidas adotadas para fazer o Império chegar àquele dia solene de instalação de um novo poder co-partícipe na tarefa de fundar as futuras instituições.” (BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.46).

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79

de acomodação.269 O auge desse processo foi o golpe de Estado de 12 de

novembro de 1823, que resultou na dissolução da Assembleia Constituinte.

Dissolvida a Assembleia Constituinte, D. Pedro possuía pressa em instituir a

nova Constituição do Império, uma forma de responder à demanda social e diminuir

as consequências negativas do recente ato autoritário. Criada uma comissão para

elaboração do novo texto, apresentou-se o novo projeto. O Imperador outorgou a

Constituição em 25 de março de 1824, com a inclusão do Poder Moderador.270

Após destacar a sensibilidade precursora para o social da Constituição de

1824, Celso Bastos afirma que se nota um grande divórcio entre o seu texto e as

efetivas práticas constitucionais. Apesar disso, reconhece inegáveis méritos, como

ter possibilitado a manutenção da integridade nacional, os primeiros passos no

sentido da democracia, e sua longevidade, a maior em todo o direito constitucional

brasileiro, “sob o qual vigorou um regime que praticamente governou o País durante

o século XIX”.271

6.1.2 A Constituição de 1891

Diante da negativa de reforma da Constituição de 1824 se intensifica a

chamada crise do II Reinado, acelerando a desintegração do Império. Em 15 de

novembro de 1889 é instalado o regime republicano272.

269 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.46. 270 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.86. “Tinha D. Pedro I pressa em concluir a feitura da Carta, para sossegar o ânimo da Nação. Fazia-se mister pois constitucionalizar e legitimar, o mais breve possível, a base representativa do exercício de seu poder e, ao mesmo passo, cumprir a promessa imperial de dotar a Nação de um estatuto magno de fundamentos liberais. Em menos de um mês estava finda a tarefa do Conselho. A 20 de dezembro de 1823 saía já dos prelos da Tipografia Nacional o projeto de Constituição que se converteria na Carta outorgada [...] Tudo terminou como D. Pedro I queria: uma Constituição outorgada; liberal em matéria de direitos individuais, mas centralizadora e autoritária da soma dos poderes que concedia ao monarca constitucional.” 271 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.162. 272 Ao tratar do final do Segundo Reinado e início da República, José Afonso da Silva anota: “Em verdade, começa uma fase de transição que vai necessariamente dar na proclamação da República. Há mesmo quem sustente que o período que começa em 1870 constitui uma fase social e econômica que só se encerrará com a presidência da Venceslau Brás. Diz-se, mesmo, que a Monarquia se projetou na República pela presença, no Governo e em outros postos de direção, de conselheiros (Ruy Barbosa), barões (Rio Branco), comendadores (inclusive a composição do STF, formada pelos membros do então Supremo Tribunal de Justiça), alguns dos quais se tornaram colaboradores da República – como é o caso, bastante emblemático, de Joaquim Nabuco e do Barão do Rio Branco, líderes de formação monárquica, moderadora, portanto, das ideias republicanas. Quando as revoluções não são traumáticas e violentas o regime nunca se deixa subsistir de todo por outro, da noite para o dia. A transição dura tanto, que as datas do fim de um regime não significam, do ponto de vista cronológico, senão mudança de superfície. Vale dizer: a República nasceu penetrada pela Monarquia”. (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.485).

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80

A “comissão dos 5”, instituída pelo Governo Provisório para elaborar um

Anteprojeto de Constituição, entregou o projeto final em 24 de maio de 1890.

Recebido o projeto pelo Governo Provisório, foi revisado por Rui Barbosa – que o

aperfeiçoou tanto no conteúdo quanto na forma – antes de encaminhá-lo ao

Congresso Constituinte.273

A Constituição vem a ser promulgada em 24 de fevereiro de 1891,

consolidando a República e a Federação e instituindo o presidencialismo. Celso

Bastos destaca como conquista importante a previsão das garantias constitucionais,

tal como o habeas corpus, que não era previsto no texto anterior.274

É certo que a proclamação da República e a promulgação da Constituição de

1891 constituíram uma ruptura formal de regime político. Todavia, o

desenvolvimento do período republicano demonstrou uma grande distância entre o

texto constitucional e a realidade. Nas palavras de José Afonso da Silva, faltou

eficácia social à Constituição, “o Coronelismo fora o poder real e efetivo, a despeito

de as normas constitucionais traçarem esquemas formais da organização nacional

com teoria de divisão de Poderes e tudo”.275

Tal situação veio a insuflar os movimentos de rebeldia, que almejavam uma

revolução, uma ruptura com o regime republicano “desvirtuado”. A instabilidade

instaurada culminou na Revolução de 30, que marcou a queda da primeira

Constituição republicana.276

A Constituição de 1891 foi alterada apenas uma vez por meio da Emenda

Constitucional de 1926. Esse processo de emenda “não alterou basicamente a

Constituição e, por isso, não impediu a sucessão de movimentos revolucionários que

culminaram na Revolução de 1930”.277

273 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.224-225. 274 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.169. 275SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.27. 276 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.268. Sobre o tema, vale destacar a análise de Celso Bastos: “Finalmente é preciso que se diga o seguinte: a Constituição de 1891 recebeu duro golpe provindo da própria realidade que ela pretendia regulamentar. Com efeito, desde a sua entrada em vigor, foram frequentes as crises, tornando-se necessária a decretação do estado de sítio. De outra parte, os próprios teóricos não acreditavam nas suas virtudes, pretendendo, alguns, suprimi-la pura e simplesmente, e outros, modificá-lo”. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.170). 277 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.28-29.

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6.1.3 A Constituição de 1934

Em 15 de novembro de 1933 é instalada a Assembleia Constituinte, três anos

após a Revolução de 1930. Esse espaço de tempo revelou-se demorado. Nesse

contexto, a Revolução constitucionalista de 1932 funcionou como um acelerador da

instalação da Constituinte. O clima político, portanto, que havia em torno do

processo constituinte significava instabilidade, o que foi acentuado com os receios

de elevada concentração de poder ao redor do Chefe do Governo Provisório.

Iniciados os trabalhos da Assembleia Constituinte, não faltaram críticas dos

congressistas às pressões exercidas pelo Governo Provisório. Mas, como revela

Paulo Bonavides e Paes de Andrade, a coação à Constituinte de 33 foi além do

momento preparatório e se estendeu por todo o transcorrer dos trabalhos.278

A nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934. Foi a terceira do

Brasil e segunda da República, caracterizando-se como “um documento de

compromisso entre o Liberalismo e o Intervencionismo”.279 Sofreu três emendas por

meio do Decreto Legislativo 6, de 18 de novembro de 1935, as quais, basicamente,

conferiram poderes extraordinários ao Presidente da República. Ao assim proceder,

tais emendas “decretaram a morte da própria Constituição de 1934, dando a ele

(Presidente) instrumentos para o golpe de estado [...]”.280

6.1.4 A Constituição de 1937

A Constituição de 1934 durou até o golpe de 10 de novembro de 1937, levado

a cabo por Getúlio Vargas, que outorgou a Carta Constitucional de 1937. Iniciou-se

aí o período ditatorial denominado “Estado Novo”.281

A Constituição de 37 esteve divorciada da legitimidade popular. Para Paulo

Bonavides, “se não podemos dizer de maneira categórica que o texto de 1937 é uma

278 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.290. 279 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.68. 280 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.29-30. 281 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.70.

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82

Constituição “nominal”, nem por isso estamos impedidos de constatar que ela ficou

em grande parte inaplicada”.282

Configurou-se como a primeira Constituição efetivamente outorgada, sem

participação de uma Assembleia Constituinte que a elaborasse ou a ratificasse. Daí

Paulo Bonavides e Paes Andrade afirmarem: “a Constituição de 1937 foi a primeira

que dispensou o trabalho de representação popular constituinte”.283

Inúmeros eram os dispositivos da Carta de 37 que revelavam o autoritarismo

do Poder Executivo; o maior exemplo foi o artigo 171, que dispunha: “na vigência do

estado de guerra deixará de vigorar a Constituição nas partes indicadas pelo

Presidente”.284

A separação de poderes só existiu no texto, com uma distribuição de

competências entre os poderes meramente formal.285 O Poder Legislativo e o Poder

Judiciário ficaram, de fato, subordinados ao Executivo. A aplicação do texto da

Constituição se dava naquilo que importava aos interesses do Presidente.286

282 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.337. 283 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.345. 284 Outros exemplos são os artigos 75, 168 e 170: “Artigo 75 – São prerrogativas do Presidente da República: a) indicar um dos candidatos à Presidência da República; b) dissolver a Câmara dos Deputados no caso do parágrafo único do artigo 167; c) nomear os Ministros de Estado; d) designar os membros do Conselho Federal reservados à sua escolha; e) adiar, prorrogar e convocar o Parlamento; f) exercer o direito de graça. [...] Artigo 168 – Durante o estado de emergência as medidas que o Presidente da República é autorizado a tomar serão limitadas às seguintes: a) detenção em edifício ou local não destinados a réus de crime comum; desterro para outros pontos do território nacional ou residência forçada em determinadas localidades do mesmo território, com privação da liberdade de ir e vir; b) censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas; c) suspensão da liberdade de reunião; d) busca e apreensão em domicílio. [...] Artigo 170 – Durante o estado de emergência ou o estado de guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os Juízes e Tribunais. 285 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.351. 286 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.348. Afora isso, em que pese todo o conteúdo restante da Constituição de 37, foram reservadas ao corpo transitório deste documento as disposições cruciais, que, simplesmente, concederam ao Presidente faculdades que foram utilizadas para inviabilizar a efetiva aplicação da Constituição. O artigo 186, por exemplo, colocou o país em estado de emergência: “É declarado em todo o país o estado de emergência”. Por sua vez, merece mencionar o artigo 187, que determinou fosse a Constituição submetida ao plebiscito nacional: “esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”. Nas palavras de Bonavides e Paes de Andrade, essa teria sido a primeira fraude constitucional do Estado Novo. Simplesmente o decreto regulamentador não foi elaborado e o plebiscito não foi realizado. Trata-se de verdadeiro dispositivo que condicionava a manutenção da Lei Maior. (BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.346). Nesse sentido, José Afonso da Silva reconhece sobre a Constituição de 1937: “Contudo, ela não teve aplicação regular. Não fora submetida ao referendo popular (via plebiscito), conforme previa seu artigo 187. Por conseguinte, não se realizaram também as eleições do Parlamento Nacional, que seriam marcadas depois da realização do dito plebiscito (artigo 78). Vale dizer: houve Ditadura pura e simples, com os Poderes Executivo e Legislativo concentrados nas mãos do Presidente da República.” (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.71).

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A Carta de 1937 sofreu 21 emendas por meio de leis constitucionais. Getúlio

Vargas foi deposto em 19 de outubro de 1945, quando já se desenvolvia o processo

eleitoral para a reconstitucionalização do país.287

6.1.5 A Constituição de 1946

Com o fim da Segunda Guerra, surgiram movimentos pela redemocratização

do país. O Brasil lutou, ao lado dos Aliados, contra as ditaduras fascistas, portanto,

pela democracia. Nesse sentido, a realidade do país, sob um regime ditatorial, era

uma verdadeira contradição.288

Para responder a esse apelo, fora expedida a Lei Constitucional n. 9, de 28-2-

1945, que modificou vários artigos da Carta vigente, prevendo, por exemplo, a

eleição direta para Presidente da República e do Parlamento. Entretanto, restringiu o

Parlamento à sua função ordinária, sem poderes constituintes.

A Assembleia Constituinte, que José Afonso da Silva, com razão, prefere

denominar “Congresso Constituinte, pois era composto por Câmara e Senado”,

gerou grandes expectativas no povo brasileiro.289 Instalada a Constituinte e

aprovado o seu Regimento, em substituição ao Decreto-Lei n. 8.708, organizou-se

uma comissão responsável por elaborar o projeto constitucional. Prevaleceu o

critério partidário na composição da Comissão, resultando em uma maioria formada

pelos integrantes do PSD, integrada, ao final, por 37 membros.290

Para José Afonso da Silva, ao final, apesar de a Constituição de 1946 ter se

mostrado conservadora de certa maneira, contribuiu para a “democratização” do

287 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.71. Afora isso, em que pese todo o conteúdo restante da Constituição de 37, foram reservadas ao corpo transitório deste documento as disposições cruciais, que, simplesmente, concederam ao Presidente faculdades que foram utilizadas para inviabilizar a efetiva aplicação da Constituição. O artigo 186, por exemplo, colocou o país em estado de emergência: “É declarado em todo o país o estado de emergência”. Por sua vez, merece mencionar o artigo 187, que determinou fosse a Constituição submetida ao plebiscito nacional: “esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”. Nas palavras de Paulo Bonavides e Paes de Andrade, essa teria sido a primeira fraude constitucional do Estado Novo. Simplesmente o decreto regulamentador não foi elaborado e o plebiscito não foi realizado. Trata-se de verdadeiro dispositivo que condicionava a manutenção da Lei Maior. 288 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.71-72. 289 José Afonso da Silva indaga: “Teríamos, agora, uma Democracia real e efetiva e um regime de liberdade e justiça social, ou continuaríamos, ainda sob o guampo das oligarquias elitistas, após 15 anos de sufoco ditatorial, com tendência paternalista e populista?” (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.73-74). 290 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.396.

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país, tendo em vista o contexto político anterior à promulgação.291 De outra parte,

Celso Ribeiro Bastos refuta as críticas dirigidas à Constituição de 1946 nesse

sentido.292

6.1.6 A Constituição de 1967

Os autores do Golpe de 64 buscaram legitimação no argumento de que

realizaram uma verdadeira “Revolução”, manifestação do poder constituinte,

conforme o preâmbulo do Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964.293

Regendo-se por Atos Institucionais, o governo ditatorial edita o de número

quatro com o intuito de convocar o Congresso Nacional a reunir-se

extraordinariamente para discutir e votar um novo texto constitucional. O projeto foi

enviado pelo governo ao Congresso em 12 de dezembro de 1966. Em 24 de janeiro

de 1967 a Constituição foi promulgada. Ou seja, em tempo extremamente exíguo

para a realização de qualquer debate.294

291 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.75. Sobre a Constituição de 1946, José Afonso da Silva afirma: “O Certo é que dos trabalhos constituintes resultou a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18.9.1946, considerada, apesar de tudo, a mais democrática de nossas Constituições até a Constituição de 1988. Era um texto compromisso entre forças conservadoras e progressistas, mas refletiu mais o pensamento conservador. Como a de 1934, trouxera também um capítulo sobre os direitos econômicos, sociais e culturais do homem, o que continuou a ser reconhecido nas Constituições posteriores (1967 e 1969). Ela regeu o período de maior liberdade democrática. É verdade que o País já estava em franca urbanização, com razoável desenvolvimento industrial, que reunia um operariado sindicalizado que foi tomando consciência de sua própria expressão política. Cumprira sua tarefa de democratização, propiciando condições para o desenvolvimento do País durante os 20 anos em que o regeu”. 292 “Alguns autores criticam a Constituição de 1946 basicamente com fundamento no fato de que ela não teria feito tudo o que seria possível à luz dos conhecimentos técnicos-constitucionais da época. Não cremos que procedam tais alegações. Ainda era muito cedo para que que se pudessem antever os problemas que o segundo pós guerra iria colocar. Era curial que a Constituição de 1946 não mantivesse ainda medidas adaptadas ao futuro com que o Mundo iria se defrontar. De qualquer sorte ela, no seu conjunto, configura um Texto equilibrado e harmônico. É um texto que procura dar aos três Poderes o seu devido papel na atuação do Estado”. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.188). 293 “A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constitucional. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma. [...] Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”. 294 Sobre a formação da Constituição de 1967, José Afonso da Silva analisa: “À vista disso, o Presidente da República entendeu, ainda sob a capa de titular do Poder Constituinte Revolucionário, que era tempo de dar ao País uma Constituição que, além de uniforme e harmônica, representasse a institucionalização dos ideais e princípios da “Revolução”, assim considerado o Golpe de 1964. Ora, se era uma Revolução – e, portanto, importando ruptura da ordem constitucional anterior – o normal seria a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para elaborar a nova Constituição. Contudo, não se fez assim, pois dita Revolução já se tornara impopular, desde que se revelara como simples organização da força autoritária para impor ao País um regime ditatorial, embora mantivesse alguma aparência de resguardo das instituições representativas”. (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.77-78).

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Conforme explica José Afonso da Silva, ao invés de ser convocada uma

Assembleia Constituinte, expediu-se o Ato Institucional n. 4, de 7 de dezembro de

1966, pelo qual se convocou o próprio Congresso Nacional para reunir-se

extraordinariamente de 12 dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, com a

finalidade de discutir, votar e promulgar um projeto de Constituição, elaborado por

ordem do Presidente.295

O Ato Institucional n. 4 concedeu muito pouco tempo para a discussão e

aprovação do Projeto, o que não impediu, contudo, que o Parlamento modificasse o

projeto no que fosse possível, como a inclusão das garantias dos direitos

fundamentais. José Afonso da Silva lembra que o projeto submetido pelo governo ao

Congresso Nacional previa os direitos fundamentais, porém condicionava sua

eficácia e aplicabilidade à elaboração de uma lei (artigo 149 e 150).296

A Constituição foi promulgada em 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor em

15 de março de 1967. Dois episódios que permearam a Constituição de 67 merecem

ser citados. O primeiro refere-se à controvérsia sobre o poder constituinte

congressual. Atribuiu-se “poder constituinte originário” a um congresso que não foi

eleito para essa função. O segundo consiste nas cassações de mandatos

parlamentares levadas a cabo pelo governo.297 298 Tal atitude, evidentemente,

mutilou a oposição e facilitou a implementação das estratégias da Ditadura.299

Paulo Bonavides e Paes de Andrade resumem o episódio: “Não houve

propriamente uma tarefa constituinte, mas uma farsa constituinte”.300 Nesse

contexto, a Constituição, evidentemente, se mostrou centralizadora. Como

reconhece Celso Bastos, “poderíamos dizer que a despeito do Texto Constitucional

afirmar a existência de três Poderes, no fundo existia um só, que era o Executivo”.301

295 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.78. 296 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.78. 297 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.436. 298 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.442. 299 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.436. 300 Os autores transcrevem, inclusive, comentário de Pontes de Miranda à Constituição de 1967: “Na Constituição de 1967 há mais subservidade do que revolucionaridade”. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com Emenda n.1 de 1969. Tomo VI, Rio de Janeiro: Forense, 1987”. (BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.36). 301 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.197.

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Pode-se dizer que foi “um instrumento do sistema autoritário implantado com o

Golpe”.302

6.1.7 Emenda n. 1/69

Em 13 de dezembro de 1968, o governo expede o Ato Institucional n. 5,

rompendo, definitivamente, a ordem constitucional. O resultado foi que, após tantos

outros atos institucionais, em 17 de setembro de 1969, a Junta Militar outorgou a

Emenda Constitucional n. 1 à Constituição de 1967, com vigência a partir de 30 de

outubro de 1969.303

Ao tratar do regime dos atos institucionais, José Afonso da Silva não hesita

em afirmar que configurou um estado de exceção permanente, uma ditadura: “Só

com a vitória das forças democráticas na eleição de 15-1-1985 é que se vislumbrou

um clarão, abrindo perspectivas ao povo para, mais uma vez, obstinadamente,

buscar construir um regime democrático”.304 Celso Bastos esclarece que “o Texto

guarda a feição de um acendrado autoritarismo, nada obstante os esforços para

disfarçá-lo”.305

6.1.8 A Constituição de 1988

A passagem do regime autoritário para o democrático é marcada por uma

transição pacífica. Em outras palavras, deu-se uma transição constitucional

relacionada com a transição política sem ruptura.306

302 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.79. 303 Sobre se tratar de uma nova Constituição ou de uma emenda, José Afonso da Silva não tem dúvida em afirmar que se tratou, verdadeiramente, de uma nova Constituição. (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.80). Em sentido contrário: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. Paulo: Malheiros, 2010, p.203. Na visão de Paulo Bonavides e Paes de Andrade: “A junta de Ministros Militares, composta de três membros, outorga em 17 de outubro de 1969 a Emenda n.1, que foi antecipada pelo Ato Institucional n. 16, de 14 de outubro do mesmo ano, que deu nova redação ao Colégio Eleitoral para a eleição indireta de presidente e vice-presidente da República prevista na Constituição 1967. A Emenda n.1, de 1969, ao substituir a Constituição de 1967, tornou-se de fato a nova Carta, adaptando os vários atos institucionais e complementares. O Executivo se fortaleceu a pretexto de que seguia critérios universais predominantes. [...] Não há pois, Constituição de 1969, mas de 1967, cujo sistema não foi alterado pela Emenda n.1, embora esta tenha promovido algumas modificações no seu texto.” (BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 6.ed. Brasília: OAB, 2004, p.448). 304 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, p.81. 305 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.203-204. 306 Pudemos desenvolver o tema da transição em: PESSOA, João Paulo. As disposições transitórias no direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

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Sob o governo do Presidente militar João Figueiredo, iniciou-se a abertura

democrática por meio de uma lenta transição do poder político para os civis.307 A

eleição presidencial indireta de 15 de janeiro 1985, vencida pela Aliança

Democrática (PMDB e PFL), com Tancredo Neves para presidente e José Sarney

para vice-presidente, marcou essa transição.308 Com a morte de Tancredo Neves

antes de assumir a presidência, coube ao governo que assumiu executar o

programa proposto. A necessidade de uma nova Constituição era latente.309

Nesse contexto, o presidente José Sarney apresentou um projeto de emenda

constitucional ao Congresso Nacional para convocar deputados e senadores a

serem eleitos no dia 15 de novembro de 1986, para que, reunidos unicameralmente,

em Assembleia Constituinte, elaborassem e promulgassem uma nova Constituição

para o Brasil.

Entre 1º de fevereiro de 1987 e 05 de outubro de 1988 foram desenvolvidos

os trabalhos da Constituinte, marcados por amplo debate e jogo de forças

políticas.310

Nesse período, houve amplo interesse da sociedade com os temas

relacionados à Constituinte e ao texto da futura Constituição.311 A participação

307 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.517. “De fato, durante seu governo, de 1979 a 1985, promoveu a lenta transição do poder político para os civis. Concedeu anistia ampla, geral e irrestrita aos políticos cassados com base em atos institucionais, permitindo o retorno ao Brasil dos exilados pelo regime militar. Extinguiu o bipartidarismo e preparou uma reforma eleitoral para assegurar à situação maioria nas eleições de 1982, na qual se defrontariam os governistas dos PDS (ex-Arena) e quatro legendas de Oposição. Apurados os votos, os adversários do regime obtiveram 10 governos estaduais, sendo 9 do PMDA (ex-MDB) e 1 do PDT, num equilíbrio inédito de forças desde 1965. 308 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.519. 309 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.83. 310 Como esclarece Adriano Pilatti: “Ao encerrar formalmente o longo processo de transição democrática que se iniciou no final dos anos 1970 em nosso país, a Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988 (ANC) foi palco de grandes conflitos de interesse e opinião que haviam permanecido latentes, irresolutos ou agravados, durante os anos de repressão. Tais conflitos ensejaram mobilizações de intensidade e extensão inéditas na história das Constituintes brasileiras. Entre 1º de fevereiro de 1987 e 5 de outubro de 1988, o edifício do Congresso Nacional, em Brasília, transformou-se em ponto de afluência de múltiplos setores organizados da sociedade brasileira. Ali aconteceu um processo decisório caracterizado pelo dissenso, pela intensa e permanente mobilização de atores coletivos internos e externos, por votações altamente polarizadoras e, ao mesmo tempo – sobretudo em sua fase final – por uma atividade igualmente intensa e incessante de busca de acordos entre as lideranças das diferentes forças em choque”. (PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988. Progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.1). 311 José Afonso da Silva bem delineia esse cenário: “O certo é que o debate ganhou as ruas, os meios de comunicação de massas. Faziam-se congressos, círculos de estudos, seminários, por todo o País, tendo como tema central a Constituinte ou o conteúdo da futura Constituição. Criavam-se grupos e comissões para o mesmo fim. Um Plenário de Participação Popular Pró-Constituinte, reunindo várias entidades e associações, desenvolvia acirrado debate crítico em São Paulo, arregimentando adeptos contra a proposta do Governo de convocação da Constituição e a Comissão de Estudos Constitucionais por ele instituída, com preocupação mais para os procedimentos e questões nem sempre fundamentais, mas com certeza dando contribuição muito importante

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popular se instrumentalizou por meio de audiências públicas e apresentação de

propostas de emendas populares, técnicas que contribuíram para fortalecer a

legitimidade da Constituição de 1988.312

Em que pese a Assembleia Constituinte ter contado com intensa participação

popular, José Afonso da Silva ressalta que o poder popular encontrou um grande

concorrente, o poder corporativo, que por meio do lobby junto aos parlamentes

durante todo o processo constituinte, fez prevalecer seus interesses.313 Contudo,

apesar de um cenário desfavorável, “fez-se uma Constituição que rompeu com o

passado, por isso é combatida pelas elites conservadoras”.314

Inegável o avanço proporcionado pela Constituição Federal de 1988, que foi a

responsável pelo renascimento do direito constitucional brasileiro, em especial,

conforme ressalta Luís Roberto Barroso, introduzindo três transformações

extremamente importantes: o reconhecimento de força normativa à Constituição; a

expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática

da interpretação constitucional.315

para a ampliação das discussões públicas sobre a temática constituinte. Tudo isso ia despertando no povo, primeiro, certa curiosidade por não ter informações adequadas de como se desenvolveria o processo constituinte e constitucional, mas, ao mesmo tempo, crescia nele o sentimento de que se tratava de algo de extrema importância para a vida nacional e para a vida de cada um. Novas esperanças de um Brasil democrática, mas de uma Democracia voltada para a realização da justiça social, já despontavam no semblante até mesmo da gente mais simples e sofrida do País.” (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.85-86). 312 “A metodologia adotada incluiu duas técnicas importantes: audiências públicas e participação popular no processo de elaboração constitucional. Foram apresentadas 122 emendas populares, num total de 12 milhões de assinaturas. A proposta sobre os direitos da criança foi apoiada por 1.200.000 eleitores. Outra sobre educação obteve o apoio de 750.077 eleitores. Outra, pleiteando a introdução na Constituição de institutos de participação popular, conseguiu o apoio de 336.047 assinaturas. Esses exemplos mostram o quanto o processo foi bem-recebido pelo povo, que procurou estar presente e discutir seus interesses e direitos – o que certamente influiu sobre os constituintes na construção de uma democracia de conteúdo social. [...] O princípio popular teve importante papel na sua elaboração. Nela, num certo sentido, encontramos a prova de que o procedimento constituinte será compatível com o poder popular se se efetivar com fidelidade a um princípio de justiça do resultado, porque a justiça da Constituição depende do procedimento seguido em sua feitura. [...] Não é Constituição, como repositório dos valores políticos de um povo, documento que não provenha do fundo da consciência popular, fecundadora de uma autêntica ordem jurídica nacional”. (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.87-88). Sobre o tema da participação popular na Constituinte, veja-se por todos: CARDOSO, Rodrigo Mendes. A participação popular na Constituinte de 1987-1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. De acordo com Rodrigo Mendes Cardoso, “A sociedade civil acompanhou toda a dinâmica decisória da ANC, exercendo sobre esta profunda ingerência, especialmente quanto às possibilidades de participação popular no processo de elaboração da Constituição”. (CARDOSO, Rodrigo Mendes. A participação popular na Constituinte de 1987-1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p.2). 313 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.87. 314 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.87-88. 315 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, v.58, p.129, jan. 2007.

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Nesse contexto, destaca-se a constitucionalização do direito no Brasil, ou

seja, “a irradiação dos valores constitucionais pelo sistema jurídico”.316 Assim, a

Constituição, além da supremacia formal, passou a desfrutar também “de uma

supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e

pela normatividade de seus princípios”.317

É a partir da Constituição de 1988 que podemos falar efetivamente do grande

potencial de desenvolvimento e consolidação da cultura constitucional no Brasil.318

Até então, “o que sempre prevaleceu na evolução constitucional do Brasil foi o

autoritarismo, ostensivo ou disfarçado”.319

316 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, v.58, p.129, jan. 2007. 317 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, v.58, p.129, jan. 2007. 318 Segundo Luís Roberto Barroso, a Constituição de 1988 permitiu a criação de um sentimento constitucional, ainda que tímido: “Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, manteve-se em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor”. (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, v.58, p.129, jan. 2007). 319 SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.89. Sobre a história constitucional brasileira, José Afonso da Silva pontua: “A história constitucional brasileira revela formas procedimentais diretamente usurpadoras da vontade constituinte do povo, a começar pela outorga da Constituição do Império, quando o Imperador assumiu a titularidade do poder constituinte. Mais tarde tivemos a titularidade autocrática do poder constituinte assumida por Getúlio Vargas com a outorga da Carta de 10.11.1937. O processo usurpatório do Poder Constituinte Originário, poder militar aliado à oligarquia tecnocrática, difundiu-se com o golpe de 1964, produzindo uma normatividade institucional excepcional, através de 17 atos institucionais e da outorga de duas Constituições, a de 24.1.1967 e a de 17.10.1969, em termos que já foram vistos. Mas, além desses processos diretos de usurpação, houve os meios indiretos, pela deformação da vontade popular por procedimentos convocatórios e eleitorais escamoteadores”. (SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. Evolução institucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 88). Por sua vez, Marcello Cerqueira afirma que o Brasil esteve à margem dos grandes marcos do processo de constitucionalização da modernidade: “Historiadores do constitucionalismo distinguem quatro grandes marcos do processo de constitucionalização da modernidade desde o século XVIII. São ondas sucessivas vinculadas a movimentos revolucionários ou guerras mundiais. André Hariou, por exemplo, sugere quatro grandes períodos: o que se segue à independência Americana e à Revolução Francesa, os subsequentes às revoluções francesas de 1930 e 1948, esta última marcando um movimento de expressão internacional; o pós-Primeira Guerra Mundial, com a reorganização do mapa europeu e a revolução soviética; e finalmente o iniciado no segundo pós-guerra, que vai envolver a descolonização do Terceiro Mundo. Como se verá, o Brasil perderá essas oportunidades históricas. Na primeira onda, com a derrota das chamadas Inconfidências, o país experimenta a colonização portuguesa, que ainda vive o mundo do pleno absolutismo. A constitucionalização portuguesa se dará no refluxo da Revolução Francesa, com o impacto da Restauração na vida política e constitucional e da emergente nação brasileira. Na segunda, a que fixa textos constitucionais liberais e prenuncia a democratização da política, estará o Brasil caminhando para a centralização e o absolutismo monárquico. A terceira onda tem incidência tardia sobre a malograda Constituição de 1934, logo substituída pela Carta do Estado Novo, que os aproxima do fascismo europeu. A descolonização do Terceiro Mundo, que seria a quarta onda, não apresentou inovação constitucional que tivesse a repercussão e a influência das anteriores. A Constituição de 1946 vai reproduzir princípios meramente liberais já velhos quando incorporados à Constituição de 1934 que ela sucedeu. De qualquer sorte, a experiência liberal de 1946 será interrompida com o golpe militar de 1964 e suas trágicas sequelas. A longa e penosa transição alcançará o seu melhor momento na Constituição de 1988, onde finalmente serão ao seu texto incorporados os direitos e garantias previstos na já remota terceira onda, além de

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6.2 A inobservância das normas constitucionais pelos órgãos do Estado

Não é nosso objetivo neste tópico elencar todas as hipóteses que

demonstram o descumprimento da Constituição pelos órgãos do Estado.

Pretendemos apontar aquelas situações que configuram um esforço deliberado para

frustrar a consolidação da cultural constitucional no Brasil.

Estas situações, que configuram a inobservância consciente da Constituição e

caracterizam um dos elementos que identificam a erosão da cultura constitucional

estão relacionadas, a nosso ver, com a omissão inconstitucional, a tentativa do

Legislativo de superar por meios alternativos o entendimento do Supremo Tribunal

Federal em algumas matérias e, até mesmo, com a própria ausência de

uniformidade de entendimento entre os Ministros da Suprema Corte.

6.2.1 A omissão inconstitucional

Já afirmamos que o desenvolvimento da cultura constitucional pressupõe a

eficácia jurídica das normas constitucionais e, também, a sua efetividade.

Sob esse viés, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que a omissão

inconstitucional do Estado configura grave desrespeito à Constituição e

consubstancia a ideia da erosão da consciência constitucional formulada por Karl

Loewenstein. Como exemplo, dentre outros, podem ser citados os seguintes

precedentes do Supremo Tribunal Federal em que foi assentado tal entendimento:

AI 598212 ED, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em

25/03/2014, em que a Suprema Corte assentou a possibilidade de adoção, em sede

jurisdicional, de medidas destinadas a tornar efetiva a implementação de política

pública consistente em criar e implantar a Defensoria Pública na comarca de

Apucarana/PR; ARE 639337 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma,

julgado em 23/08/2011, em que se confirmou a possibilidade de impor ao Município

a obrigatoriedade de fornecer atendimento em creches e pré-escola para crianças

até cinco anos de idade em unidades próximas de sua residência ou do endereço de

trabalho de seus responsáveis legais; ADI 1484, Rel. Min. Celso de Mello, julgado

um pequeno elenco de direitos sociais.” (CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história. Origem e reforma. Da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.329).

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em 21/08/2001, cujo objeto era a declaração de inconstitucionalidade por omissão

parcial dos Poderes Executivo e Legislativo referente à Lei n. 9.295, de 19 de julho

de 1996, que 'dispõe sobre os serviços de telecomunicações e sua organização’

(reconheceu-se que a Lei n. 9.472/97 importou em perda superveniente de objeto da

ação direta, gerando, em consequência, a situação de prejudicialidade).

Destacamos o seguinte trecho dos acórdãos relativos a esses julgados que

mencionam expressamente o tema:

O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado. Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (‘Teoria de La Constitución’, p.222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, [...]

Conforme informação divulgada no site da Câmara dos Deputados, existem

382 dispositivos da Constituição passíveis de regulamentação; deles, 263 já foram

regulamentados. Dos 119 dispositivos restantes, 91 contam com proposições

legislativas já apresentadas para regulamentação, sendo 28 sem proposições

apresentadas.320

Diante desse cenário, é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal tem avançado. De um posicionamento inicial, que se limitava a cientificar o

órgão omisso para cobrar a adoção de providências necessárias, passou-se a fixar,

em alguns casos, um prazo razoável para a atuação legislativa.

Foi o que se sucedeu no julgamento da ADI n. 3.682321, que reconheceu a

mora legislativa quanto à ausência de lei complementar federal definidora do período

dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação,

incorporação, desmembramento e fusão de municípios, conforme exige o artigo 18,

§4º, da Constituição Federal, que fixou 18 meses para adoção das providências

necessárias. Nesse mesmo caso, a Suprema Corte entendeu que a inércia 320 BRASIL. Constituição Federal (1988). Dispositivos constitucionais sujeitos à regulamentação. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/regulamentacao/dispositivos>. Acesso em: 15 jan. 2019. 321 ADI 3682, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j.09-05-2007, DJe-096 Divulg 05-09-2007 Public 06-09-2007 DJ 06-09-2007 PP-00037 Ement v.02288-02 p.00277 RTJ v.00202-02 p.00583.

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legislativa também poderia configurar omissão passível de vir a ser reputada

inconstitucional na hipótese de os órgãos legislativos não deliberarem no prazo

razoável sobre o projeto de lei em tramitação.

Deve ser lembrado também o julgamento da ADI n. 2.240322, na qual, por

meio da aplicação do artigo 27 da Lei n. 9.868/1999, o Supremo Tribunal Federal

declarou a inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade da lei impugnada (Lei

n. 7.619, de 30/03/2000, do Estado da Bahia), mantendo sua vigência por 24 meses,

lapso temporal razoável dentro do qual o legislador estadual poderá reapreciar o

tema.

Quando do julgamento dos Mandados de Injunção n. 670323, 708324 e 712325,

o Supremo Tribunal Federal decidiu declarar a inconstitucionalidade da omissão

legislativa, com a aplicação, por analogia, da Lei n. 7.783/1989, que cuida do

exercício do direito de greve na iniciativa privada.

Ressalta-se, inclusive, que a Corte Constitucional poderá enfrentar tanto a

omissão total quanto a omissão parcial, caracterizada esta quando o ato normativo

atende apenas parcialmente, ou de modo insuficiente, à vontade constitucional,

como ficou assentado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.875,

oportunidade em que fora declarada a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da

nulidade, de alguns dispositivos da Lei Complementar n.62/1989 – que estabelece

normas sobre a entrega e o cálculo das liberações dos recursos dos Fundos de

Participação do Estados e do Distrito Federal (FPE) e dos Municípios (FPM) –

assegurada a sua aplicação até 31 de dezembro de 2012.326

322 ADI 2240, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 09-05-2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02283-02 PP-00279. 323 MI 670, Rel. Min. Maurício Corrêa, Rel. p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j.25-10-2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011. 324 MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j.25-10-2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-00207-02 PP-00471. 325 MI 712, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j.25-10-2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384. 326 Conforme trecho do voto do Min. Gilmar Mendes nesse julgamento: “Destarte, somente restará configurada omissão parcial se presentes os seguintes requisitos: (i) norma constitucional que imponha o dever de legislar de conteúdo definido e (ii) edição de lei que confira à matéria tratamento aquém daquele pretendido pela Constituição”. Veja-se ementa do julgado: “Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.875/DF, ADI n.1.987/DF, ADI n.2.727/DF e ADI n.3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão. Fundo de Participação dos Estados – FPE (artigo 161, inciso II, da Constituição). Lei Complementar n.62/1989. Omissão inconstitucional de caráter parcial. Descumprimento do mandamento constitucional constante do artigo 161, II, da Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do artigo 2º, I e II, §§1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar

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Vê-se, assim, a crescente preocupação da Corte Constitucional com a adoção

de mecanismos que efetivamente levem o Poder Legislativo a editar a legislação

faltante. Denota-se uma preocupação em dar efetividade à própria decisão que

reconhece a mora legislativa.327

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem recorrido a uma técnica que

consiste em transferir a execução de suas decisões a outro órgão público, que atua

como verdadeiro auxiliar da Corte Constitucional.

É o que ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por

Omissão (ADO) n.25, julgada em 30 de novembro de 2016, pelo Supremo Tribunal

Federal. Naquela oportunidade, ao reconhecer a mora do Congresso Nacional

quanto à edição da lei complementar prevista no artigo 91 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT)328, fixou o prazo de 12 meses para corrigir a

omissão e, na hipótese de transcorrer in albis o prazo, determinou que caberá ao

Tribunal de Contas da União fixar o valor do montante total a ser transferido aos

Estados membros e ao Distrito Federal e calcular o valor das quotas a que cada um

deles fará jus.329

n.62/1989, assegurada a sua aplicação até 31 de dezembro de 2012. (ADI 875, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j.24-02-2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-02 PP-00219 RTJ VOL-00217-01 PP-00020 RSJADV jul., 2010, p.28-47). 327 Veja-se trecho do voto do Min. Gilmar Mendes no julgamento da ADO 25: “Um tribunal apenas terá efetivo poder caso possa, além de conceder a tutela requerida pelo jurisdicionado, garantir também que suas decisões sejam executadas. Com uma Corte Constitucional isso não é diferente. Seus acórdãos não devem servir apenas para declarar ou solucionar determinada situação jurídica, mas para serem efetivamente cumpridos. Na realidade constitucional brasileira, atormenta-nos o risco de julgados do Supremo Tribunal Federal estarem se transformando em meros discursos lítero-poéticos. Isso porque, a despeito da força normativa de que dispõem, o efetivo cumprimento de importantes acórdãos tem se mostrado sonho cada vez mais distante. As dificuldades de se garantir enforcement às decisões se mostram ainda dramáticas quando a decisão prescreve obrigações a serem cumpridas pelo Poder Público. 328 Eis o teor do dispositivo, incluído pela Emenda Constitucional n.42, de 19-12-2003: “Artigo 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o artigo 155, §2º, X, a §1º Do montante de recursos que cabe a cada Estado, setenta e cinco por cento pertencem ao próprio Estado, e vinte e cinco por cento, aos seus Municípios, distribuídos segundo os critérios a que se refere o artigo 158, parágrafo único, da Constituição. §2º A entrega de recursos prevista neste artigo perdurará, conforme definido em lei complementar, até que o imposto a que se refere o artigo 155, II, tenha o produto de sua arrecadação destinado predominantemente, em proporção não inferior a oitenta por cento, ao Estado onde ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços. §3º Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o sistema de entrega de recursos previsto no artigo 31 e Anexo da Lei Complementar n.87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar n.115, de 26 de dezembro de 2002. §4º Os Estados e o Distrito Federal deverão apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o artigo 155, II, declaradas pelos contribuintes que realizarem operações ou prestações com destino ao exterior”. 329 “Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. 2. Federalismo fiscal e partilha de recursos. 3. Desoneração das exportações e a Emenda Constitucional 42/2003. Medidas compensatórias. 4. Omissão

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A ausência da integração normativa esvazia a eficácia da Constituição e

constitui um dos fatores determinantes para a erosão da cultura constitucional. Daí a

importância de serem estabelecidos mecanismos que instem o Poder Legislativo a

sanar eventuais omissões que caracterizam clara inobservância às normas

constitucionais.

6.2.2 A superação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pelo Poder

Legislativo

Fenômeno que tem se tornado recorrente no sistema jurídico brasileiro é a

adoção de mecanismos legislativos como forma de superar o entendimento do

Supremo Tribunal Federal estabelecido no julgamento de algumas matérias.

Alguns exemplos podem ilustrar a questão.

O Supremo Tribunal Federal havia estabelecido o entendimento de que a

cobrança de taxa municipal de iluminação pública era inconstitucional, conforme o

julgamento do RE n. 233.332330 e na Súmula n. 670 (“O serviço de iluminação

pública não pode ser remunerado mediante taxa”). Diante desta situação, fora

apresentada a Proposta de Emenda à Constituição n.3, de 2002, no âmbito do

Senado Federal331, posteriormente convertida na Emenda Constitucional n.39/2002,

inconstitucional. Violação do artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Edição de lei complementar. 5. Ação julgada procedente para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da Lei Complementar prevista no artigo 91 do ADCT, fixando o prazo de 12 meses para que seja sanada a omissão. Após esse prazo, caberá ao Tribunal de Contas da União, enquanto não for editada a lei complementar: a) fixar o valor do montante total a ser transferido anualmente aos Estados-membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios dispostos no artigo 91 do ADCT; b) calcular o valor das quotas a que cada um deles fará jus, considerando os entendimentos entre os Estados-membros e o Distrito Federal realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.” (ADO 25, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j.30-11-2016, Processo Eletrônico DJe-182 DIVULG 17-08-2017 PUBLIC 18-08-2017). 330 Assim ementado: “TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL N. 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 1.244, DE 20-12-93. Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município.” (RE 233332, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, j.10-03-1999, DJ 14-05-1999 PP-00024 EMENT VOL-01950-13 PP-02617). 331 Veja-se trecho da justificativa do Projeto: “O Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência no sentido de considerar inconstitucional essa cobrança, por não se tratar de serviço público específico e divisível e, em certos casos, por ter ela base de cálculo coincidente com a de impostos, como Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Como os municípios não têm condições efetivas de custear a iluminação pública por meio de seus impostos e, também, não podem permanecer inadimplentes com as empresas concessionárias ou distribuidoras de energia elétrica, a solução proposta é a de emendar-se a Constituição, para que eles possam vir a instituir e cobrar uma contribuição de iluminação pública, dentro da legalidade e sem os percalços das demandas jurídicas”.

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que inseriu o artigo 149-A332 no texto constitucional, permitindo instituir a

contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública.

Diante do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal de que a

instituição da progressividade das alíquotas do IPTU pelos Municípios configurava

inconstitucionalidade, fora apresentada a Proposta de Emenda à Constituição

n.86/1999, posteriormente convertida na Emenda Constitucional n. 29/2000, a qual,

dentre outras coisas, alterou a redação do §1º do artigo 156 da Constituição para

admitir a progressividade em razão do valor do imóvel e da sua localização e uso.333

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento no sentido de

ser inconstitucional a instituição, por lei municipal editada antes da Emenda

Constitucional n. 29/2000, de alíquotas progressivas de IPTU.334

Também merece menção o caso relativo à promulgação da Emenda à

Constituição n.57/2008, logo após o julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 2240, que reconheceu a mora legislativa quanto à edição da

Lei Complementar prevista no artigo 18, §4º, da Constituição Federal. O Poder

Legislativo, ao invés de aprovar a lei, fez algo mais difícil, ao menos sob o ponto de

vista do processo legislativo, a elaboração de uma emenda à Constituição – como

se sabe, apresenta procedimento mais difícil para aprovação, conforme artigo 60,

§4º, da Constituição – que incluiu o artigo 96 no ADCT, para convalidar os atos de

criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido

publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na

legislação do respectivo Estado à época de sua criação.

Por fim, temos o mais recente caso que representa a superação do

entendimento do Supremo Tribunal Federal pelo Poder Legislativo: a promulgação

da Emenda à Constituição n.96/2017, que acrescentou o §7º ao artigo 225 da

332 Artigo 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no artigo 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. 333 “§1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, §4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá ser: I – progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”. 334 Conforme ementa a seguir: “Agravo regimental no agravo de instrumento. IPTU. Município do Rio de Janeiro. Progressividade. Efeitos ex nunc. Improcedência. Precedentes. 1. O STF consolidou entendimento no sentido de ser inconstitucional a instituição, por lei municipal editada antes da EC n. 29/2000, de alíquotas progressivas de IPTU em razão da área, do valor venal ou da localização do imóvel. 2. Inviável concessão de efeitos ex nunc, em face da declaração de inconstitucionalidade da cobrança progressiva de IPTU. 3. Agravo regimental não provido.” (AI 479879 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j.19-03-2013, Acórdão Eletrônico DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013).

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Constituição Federal para determinar que práticas desportivas que utilizem animais

não são consideradas cruéis, nas condições as quais especifica.335

Logo após o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) n.4.983

pelo Supremo Tribunal Federal336, reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei

n.15.299/2013, do Estado do Ceará (que regulamentava a vaquejada como prática

desportiva e cultural), foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição

n.50/2016 no âmbito do Senado Federal, justificada em função do julgamento da

Suprema Corte.337

O fenômeno da superação legislativa da jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal não passou despercebido por este, o qual, em geral, tem compreendido esta

situação como uma expressão legítima do diálogo institucional.

Ao julgar a ADI n.5105338, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, o Supremo

Tribunal Federal estabeleceu um critério de análise desse fenômeno que merece ser

citado. Em síntese, conforme assentado no voto do Min. Relator, a postura

institucional adotada pelo Supremo Tribunal Federal em outros precedentes leva à

conclusão de que se reconhece a faculdade de correção legislativa pelo constituinte

335 A redação do dispositivo é a seguinte: “§7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do §1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o §1º do artigo 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos”. 336 Veja-se a ementa do julgado: “PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do §3º do artigo 103 do Diploma Maior, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade. VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada. (ADI 4983, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 06-10-2016, Processo Eletrônico, DJe-087 DIVULG 26-04-2017 PUBLIC 27-04-2017)”. 337 Veja-se trecho da justificativa da PEC: “Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi novamente instado a se manifestar acerca do conflito entre essas normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais. Ainda em tramitação no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.4.983 foi proposta pelo Procurador-Geral da República, em maio de 2013, contra a Lei n.15.299, de 8 de janeiro de 2013, do Estado do Ceará, que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural. Em julgamento realizado em 6 de outubro de 2016, o Tribunal considerou procedente o pedido formulado na inicial e, ao declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada, asseverou que é permitida a regulamentação de manifestações culturais que envolvam animais, desde que ela seja capaz de evitar a crueldade sem a descaracterização da própria prática. Em que pese não ter sido sequer publicado o acórdão, a notícia da decisão tomada pela Suprema Corte suscitou intensa polêmica entre os apoiadores da prática e os defensores dos direitos animais, e chegou mesmo a ensejar o anúncio da formação de uma Frente Parlamentar em Defesa da Vaquejada. [...] Na certeza de que esta proposta dissipará quaisquer dúvidas ainda existentes acerca do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, rogamos o apoio de nossos Pares para sua aprovação”. 338 ADI 5105, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j.01-10-2015, Processo Eletrônico DJe-049 DIVULG 15-03-2016 PUBLIC 16-03-2016.

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97

reformador ou legislador ordinário. No caso de superação (reversão) jurisprudencial

por meio de emenda constitucional, a invalidação somente ocorrerá, nas hipóteses

estritas, de ultraje aos limites preconizados pelo artigo 60 e seus parágrafos da

Constituição. Na hipótese de superação jurisprudencial por lei ordinária, excetuadas

as situações de ofensa direta à Carta, a Corte tem adotado um comportamento de

autorrestrição e de maior deferência às opções políticas do legislador. Contudo,

nesta última hipótese, a legislação infraconstitucional que colida frontalmente com a

jurisprudência nasce com presunção iuris tantum de inconstitucionalidade. Assim,

caberá ao legislador demonstrar que a correção da jurisprudência é necessária ou

que as premissas fáticas e axiológicas que fundamentaram o julgado não existem

mais. Conclui que inexiste, descritivamente, qualquer supremacia judicial nesta

acepção mais forte.

No referido caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, ao editar a Lei

n.12.875/2013, o Congresso Nacional “não apresentou, em suas justificações,

qualquer argumentação idônea a superar os fundamentos assentados pelo Supremo

Tribunal Federal, no julgamento das ADIs n. 4430 e n. 4795”339. Por isso julgou

procedente a ação.

Em que pese o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de

admitir superação de sua jurisprudência pelo Poder Legislativo, num gesto de

339 Nessa ação foram apontadas como contrárias à Constituição alterações introduzidas pela Lei n. 12.875/2013 em dispositivos da Lei dos Partidos Políticos (Lei n.9.096/1995) e da Lei das Eleições (Lei n. 9.504/1997), por meio dos artigos 1º e 2º, que impactam sobre a forma de distribuição do tempo de propaganda e do fundo partidário relacionado ao §3º do artigo 17 da Constituição Federal. Como apontado no acórdão, ao editar a Lei n.12.875/2013, o Congresso Nacional “não apresentou, em suas justificações, qualquer argumentação idônea a superar os fundamentos assentados pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs n.4430 e n.4795, rel. Min. Dias Toffoli, em que restou consignado que o artigo 17 da Constituição de 1988 – que consagra o direito político fundamental da liberdade de criação de partidos – tutela, de igual modo, as agremiações que tenham representação no Congresso Nacional, sendo irrelevante perquirir se esta representatividade resulta, ou não, da criação de nova legenda no curso da legislatura”. A ação direta de inconstitucionalidade foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º, da Lei n.12.875/2013 por maioria de votos, vencidos os Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Vale a pena transcrever trecho do voto do Ministro Luís Roberto Barroso: “O que houve, assim, foi uma tentativa de impor ao STF uma LEITURA da Constituição, sem que fosse indicado qualquer elemento que pudesse ao menos justificar a revisão da interpretação que havia sido consagrada meses antes pelo próprio Tribunal. O único argumento utilizado pelo Congresso foi o argumento de autoridade, o qual, todavia, não se sustenta em um regime democrático. Nesse contexto, a inconstitucionalidade das normas impugnadas nesta ADI pode ser atestada pela mera reiteração do julgamento proferido nas ADIs 4430 e 4795. Em nome, porém, da mencionada democracia de razões que deve, mais do que a palavra desta ou daquela instituição, prevalecer, passo a indicar, expressamente, os motivos pelos quais considero que a interpretação acolhida pela Corte nas citadas ADIs se mantém, substancialmente, válida”.

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humildade institucional, deve-se consignar o potencial de risco que este fenômeno

causa à consolidação da cultura constitucional.340

Não olvidamos a necessidade de promover o diálogo institucional, o qual se

revela extremamente sadio numa democracia constitucional. Da mesma maneira,

parece positiva esta postura como reconhecimento de que a interpretação da

Constituição se dá numa sociedade aberta e pluralista.

Contudo, há de se ter cuidado para que tal diálogo não se transforme numa

ferramenta frequente de superação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

para atender meros casuísmos que apresentam o grande problema de propiciar a

erosão da cultura constitucional. É necessário reconhecer que o delineamento de

uma determinada interpretação da Constituição pela Corte Constitucional em pouco

tempo superada pelo Poder Legislativo por meio de emenda à Constituição ou lei

ordinária pode causar certo celeuma na compreensão do significado da Constituição

para a sociedade.

6.1.2.3 Previsibilidade e ausência de uniformidade de entendimento entre os Ministros da Suprema Corte

Para Carlo Nino, a previsibilidade das decisões judiciais é uma condição

importante para superar a anomia, que pode ser traduzida, por exemplo, pela

uniformização de jurisprudência.341

Transportada para o âmbito do Supremo Tribunal Federal, tal aspecto ganha

mais relevo. Apesar da utilização de determinados instrumentos constitucionais,

como a Súmula Vinculante (artigo 103-A da Constituição Federal) e a exigência da

repercussão geral como requisito para a análise do Recurso Extraordinário (artigo

340 A Constituição brasileira não impede que haja essa superação à medida que não submete o Poder Legislativo ao efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal. Como se sabe, o §2º do seu art. 102, dispõe que “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Do mesmo modo, o instituto da Súmula Vinculante não se aplica ao Poder Legislativo, nos termos do art. 103-A: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. 341 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.218.

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99

102, §3º, da Constituição Federal de 1988)342, causa preocupação a recorrente

utilização das decisões monocráticas, algumas delas, inclusive, em dissonância com

as decisões tomadas pelo plenário.

Joaquim Falcão e Diego Werneck afirmam existir uma apropriação individual

de um poder institucional. Segundo os autores, há uma tensão entre a ação

institucional e o comportamento individual dos ministros do Supremo Tribunal

Federal, que acaba esvaziando o poder do plenário; a rigor é a quem cabe a guarda

da Constituição, ou seja, ao conjunto dos ministros reunidos em sessão.343

Após analisarem as decisões sobre os diversos casos levados ao Supremo

Tribunal Federal em 2016, concluíram que, em geral, as decisões mais importantes

não vieram do plenário: “poucas foram de fato colegiadas. Na ausência do plenário,

as intervenções judiciais na vida nacional brotaram de ministros isolados”.344 Os

autores ainda afirmam que essa fragmentação decisória é uma estratégia política

dos ministros, que evitam o plenário, adiando a manifestação colegiada, emparedam

o plenário, criam fatos consumados que dificultam rever a situação pelo plenário e

contrariam o plenário, tomando decisões individuais em sentido contrário ao quanto

decidido pelo órgão colegiado.345

Essa última situação, a nosso ver, configura um fator de risco à consolidação

da cultura constitucional, pois traduz uma inobservância no interior do órgão do

Poder Judiciário que deveria transmitir segurança e previsibilidade na guarda da

Constituição. Nas palavras de Joaquim Falcão e Diego Werneck, “uma

desinstitucionalização do Supremo como instituição colegiada é um perigoso

342 SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Há que se repensar, pois, a regulamentação da repercussão geral para melhorar a qualidade dessa atividade normativa. In: FALCÃO, Joaquim.; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito: Supra: Jota: FGV Rio, 2017, p.104-106. 343 FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W. Onze supremos: todos contra o plenário. In: FALCÃO, Joaquim.; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito: Supra: Jota: FGV Rio, 2017, p.20. 344 FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W. Onze supremos: todos contra o plenário. In: FALCÃO, Joaquim.; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito: Supra: Jota: FGV Rio, 2017, p.20. 345 FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W. Onze supremos: todos contra o plenário. In: FALCÃO, Joaquim.; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito: Supra: Jota: FGV Rio, 2017, p.21-23.

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100

exemplo para as instâncias inferiores”. E pontuam: “a ação individual contribui para

erodir a percepção pública de imparcialidade do tribunal”.346

346 FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W. Onze supremos: todos contra o plenário. In: FALCÃO, Joaquim.; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito: Supra: Jota: FGV Rio, 2017, p.24-26.

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101

7 A CULTURA CONSTITUCIONAL E O CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PELA POPULAÇÃO BRASILEIRA

No capítulo anterior analisamos a evolução constitucional brasileira e um dos

fatores que geram a erosão da cultura constitucional, qual seja, a inobservância

consciente da Constituição. Cabe, agora, analisarmos o segundo elemento que

compõe esse fenômeno: o distanciamento da Constituição em relação à população.

Posteriormente, poderemos verificar se o status da cultura constitucional brasileira

configura ou não sua erosão.

Diante de tamanha relevância jurídica, social e política representada pela

Constituição, era de se supor o conhecimento de seu conteúdo pelos brasileiros. Ou,

pelo menos, de parte desse conteúdo, principalmente quanto ao exercício e garantia

dos direitos individuais.

Mas, afinal, qual o grau de conhecimento da população brasileira a respeito

da Constituição? Para responder à pergunta, apresentaremos o panorama recente

sobre o conhecimento da população brasileira envolvendo a Constituição Federal de

1988.

Antes de passarmos aos resultados, importa conhecer, ainda que

brevemente, as experiências internacionais existentes nesse sentido.347

7.1 As pesquisas sobre cultura constitucional no México, Argentina e Costa Rica

Para delimitar se há ou não estabelecida uma cultura constitucional, uma

iniciativa de pesquisa foi desenvolvida pelo México e, posteriormente, pela Argentina

e Costa Rica, com o objetivo de aferir se há ou não conhecimento da Constituição

em seus respectivos países e, quando existe, o nível desse conhecimento

A partir do próximo item abordaremos em linhas gerais alguns aspectos

destas pesquisas e seus resultados.

347 Neste estudo, adotamos o termo América Latina em sentido lato, abrangendo México e Costa Rica.

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102

7.1.1 México

A partir de um discurso iniciado no México a respeito da necessidade de

substituição da Constituição de 1917, um grupo de professores da Universidade

Nacional do México (UNAM) percebeu a necessidade de medir o estágio da cultura

constitucional naquele país.

A primeira pesquisa fora realizada em 2003.348 O estudo incluiu dois

instrumentos: um questionário para identificar as opiniões, as atitudes e as

valorações dos entrevistados sobre a Constituição, com perguntas fechadas e

abertas, e uma seção sobre dados sociodemográficos (83 questões); um

questionário de léxico, formado por questões abertas, para averiguar as palavras

usadas e seus significados para os entrevistados, relacionadas às associações,

valorações, descrições e definições dos entrevistados sobre a Constituição

mexicana (18 questões).

Estes questionários demonstram a realização de uma pesquisa detalhada e

densa sobre a cultura da Constituição no México. O estudo procurou principalmente

trazer percepções de desempenho institucional no âmbito da cultura jurídica e

política da sociedade mexicana.

A segunda pesquisa nacional de cultura constitucional (Segunda Encuesta

Nacional de Cultura Constitucional), publicada em 2011, consistiu na aplicação de

um questionário de opinião para avaliar o “sentir individual, atitudes e valores das

pessoas sobre vários temas relacionados à constituição e instituições”, além de

obter informações sobre as condições de vida dos domicílios. Concluiu-se que existe

um “grande desconhecimento sobre a Constituição, no entanto, afirma-se a

necessidade de sua observância e respeito”. Além disso, “a percepção do respeito

pela Constituição no país é negativa, assim como o seu cumprimento”.349

Em 2016, foi realizada a terceira pesquisa nacional de cultura constitucional

(Tercera Encuesta Nacional de Cultura Constitucional)350, cujo objetivo era gerar

348 A pesquisa foi publicada e analisada no seguinte trabalho: CANTU, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en México: una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. Mexico: Universidade Nacional Autónoma do México, 2004. 349 AYLLÓN, Sergio López; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Segunda Encuesta Nacional de Cultura Constitucional: legalidad, legitimidad de las instituiciones e rediseño del Estado. Mexico: Universidade Nacional Autónoma do México, 2012. 350 FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Los mexicanos y su Constitución. Tercera encuesta nacional de cultura constitucional. México: Universidade Nacional Autónoma do México, 2017.

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103

informações sobre percepções, atitudes e valores sobre a Constituição, como

também sobre as práticas da população em relação aos conceitos de legalidade e

de justiça. Foi possível analisar a evolução do conhecimento, das opiniões e

percepções dos mexicanos sobre questões constitucionais. Essa terceira pesquisa

replicou algumas abordagens levantadas nas duas primeiras além de incorporar

novos questionamentos. Foram respondidas 95 questões pelos entrevistados.

No último estudo, adotou-se uma metodologia envolvendo uma amostra

nacional de 1200 pessoas que vivem no país, com idade a partir de 15 anos, que

responderam perguntas dando subsídios para aferir tanto o conhecimento a respeito

da Constituição mexicana quanto das instituições do Estado.351

7.1.2 Argentina

Em 2005 foi realizada a primeira pesquisa de cultura constitucional na

Argentina: “Encuesta de Cultura Constitucional”, desenvolvida pela Associação

Argentina de Direito Constitucional, em parceria com a “IDEA Internacional” e a

Universidade Nacional do México (UNAM), coordenada pelos professores Antonio

María Hernández, Daniel Zovatto e Manuel Mora Araujo.352

Em 2014, aconteceu a 2ª Encuesta de Cultura Constitucional Argentina353. O

estudo seguiu o roteiro adaptado proposto aos entrevistados (desenvolvido pela

UNAM) simplificando os questionários. Para Antonio María Hernández, Daniel

Zovatto e Manuel Mora Araujo, a pesquisa não tem precedentes na Argentina e

integra um projeto investigativo maior, o qual fará parte de outros trabalhos futuros

em relação à América Latina.354

351 Sobre o conhecimento da Constituição a pesquisa concluiu: “Os resultados apresentados [...] não são encorajadores. Não só é mais de 90% a proporção de entrevistados que dizem conhecer a Constituição "pouco" ou "nada", mas a taxa desta última resposta aumentou, de 20,3% em 2003 para 34,4% em 2016. A respeito das razões para essa redução, só podemos especular, porque é possível que se deva tanto à percepção de que o número de reformas afasta o texto cada vez mais do conhecimento do cidadão, como de que a Constituição não é mais adequada para resolver os problemas do país”. (FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Los mexicanos y su Constitución. Tercera encuesta nacional de cultura constitucional. México: Universidade Nacional Autónoma do México, 2017, p.61). 352 HERNÁNDEZ, Antonio María; ZOVATTO, Daniel; ARAUJO, Manuel Mora y. Encuesta de cultura constitucional. Argentina: una sociedad anómica., Asociación Argentina de Derecho Constitucional e Idea Internacional. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005. 353 FRAGA, Rosendo; HERNANDEZ, Antonio Maria; ZOVATTO, Daniel; FIDANZA, Eduardo. Segunda encuesta de cultura constitucional. Argentina: una sociedade anómica. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Eudeba, 2016. 354 “O trabalho que estamos apresentando é interdisciplinar – jurídico, político e sociológico – e foi elaborado com base em uma pesquisa de opinião nacional inédita na Argentina. Seu objetivo imediato é refletir sobre um dos problemas mais graves que o nosso país apresenta, que é a violação das leis e da Constituição, com o propósito

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104

Em ambas as pesquisas a população entrevistada na amostra considerou a

Constituição Nacional muito importante. No entanto, revelou ter baixo grau de

conhecimento do seu conteúdo.

Para os coordenadores do estudo, as pesquisas realizadas na Argentina

evidenciaram que o desconhecimento da Constituição gera um quadro de anomia,

indicando a necessidade de ações educativas para desenvolver a cultura

constitucional de forma a resguardar os valores democráticos do Estado

Constitucional de Direito.355

7.1.3 Costa Rica

Também fora realizada uma pesquisa sobre a cultura constitucional na Costa

Rica.356 A pesquisa foi desenvolvida pela UNAM, pela IDEA International e pela

Fundação Arias para a Paz e o Progresso Humano.

Seu desenvolvimento foi conduzido por Luis Cordero, Rubén Hernández,

Carla Morales e Daniel Zovatto. Uma das principais conclusões da pesquisa é o

baixo conhecimento da população a respeito da sua Constituição: apenas 2%

afirmam saber muito, 9% o suficiente e os 88% restantes dizem saber pouco ou

nada a respeito dela.

7.2 O conhecimento da Constituição pela população brasileira

Feito esse breve panorama sobre as pesquisas acerca da cultura

constitucional desenvolvidas até o momento em outros países latino-americanos,

importa, para este trabalho, avaliar o grau de conhecimento da população brasileira

sobre a Constituição Federal de 1988.

de convidar a uma profunda reflexão e debate em busca da plena vigência do Estado Constitucional e Democrático de Direito. Há também um objetivo mediato, que é analisar essa questão comparativamente na América Latina, uma vez que esta pesquisa fará parte de outros projetos semelhantes que serão realizados no futuro”. (HERNÁNDEZ, Antonio María; ZOVATTO, Daniel; ARAUJO, Manuel Mora y. Encuesta de cultura constitucional. Argentina: una sociedad anómica., Asociación Argentina de Derecho Constitucional e Idea Internacional. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, p.2). 355 FRAGA, Rosendo; HERNANDEZ, Antonio Maria; ZOVATTO, Daniel; FIDANZA, Eduardo. Segunda encuesta de cultura constitucional. Argentina: una sociedade anómica. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Eudeba, 2016, p.104;108. 356 CORDERO, Luis; HERNÁNDEZ, Rubén; MORALES, Carla; ZOVATTO, Daniel. Cultura de la Constitución en Costa Rica. Una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. International IDEA, 2009. Disponível em: <http://www.idea.int>. Acesso em: 15 dez. 2018.

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Para alcançar esse fim, será necessário aplicar uma metodologia científica

adequada, propiciadora de uma reflexão sobre o tema objeto da pesquisa. Ou seja,

é preciso verificar, por meio de pesquisas de opinião, o grau de conhecimento da

população sobre a Constituição.

Para tanto, poderemos nos valer de rico material elaborado pela Universidade

Nacional do México (UNAM), que desenvolve uma densa pesquisa sobre a cultura

constitucional no país desde 2002, posteriormente replicada na Argentina e na Costa

Rica357, conforme já abordado neste estudo.

A partir dessas experiências encomendamos uma pesquisa (inédita no Brasil)

para este único fim junto ao Ibope, realizada em setembro de 2017, em todo o país,

que contou com mais de 2 mil entrevistados.

Além da pesquisa realizada no âmbito deste trabalho, analisaremos as outras

duas pesquisas empíricas que, de certo modo, avaliaram o grau de conhecimento da

população brasileira acerca da Constituição Federal, realizadas pelo Instituto

Latinobarômetro (2005) e pelo Senado Federal (DataSenado/2013).

Passemos à avaliação sobre o status do conhecimento da Constituição

Federal no Brasil para, posteriormente, aferirmos se há ou não distanciamento entre

a Constituição brasileira e a população.

7.2.1 Pesquisas já realizadas

Identificamos duas pesquisas que procuraram avaliar o grau de conhecimento

da população brasileira sobre a Constituição de 1988. Em seguida, abordaremos

cada uma delas.

357 Hugo A. Concha Cantú, Héctor Fix-Fierro, Julia Flores e Diego Valadés coordenaram uma pesquisa de âmbito nacional que avaliou o conhecimento e a percepção da população mexicana sobre a Constituição sob os mais diferentes enfoques. (CANTU, Hugo A. Concha; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en México: una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. Mexico: Universidade Nacional Autónoma do México, 2004).

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106

7.2.1.1 Instituto Latinobarômetro

O conhecimento dos brasileiros a respeito da Constituição foi medido em

2005358 pelo Ibope359, por encomenda do Instituto Latinobarômetro360. Indagou-se

aos 1.200 entrevistados quanto cada um considerava conhecer a Constituição do

Brasil. Tendo por opções as respostas “muito”, “algo”, “pouco” e “nada”, apenas 25%

dos brasileiros entrevistados responderam “muito” ou “algo”.

Todavia, a pesquisa identificou que o baixo conhecimento da Constituição não

era um problema apenas do Brasil. Pesquisas feitas em outros países da América-

Latina constataram que o conhecimento dos latino-americanos sobre a Constituição

é baixo: somente 30% conhece muito ou algo da Constituição de seu país, enquanto

67% afirmam conhecer pouco ou nada dela.

De acordo com o Instituto Latinobarômetro, os países que revelaram ter mais

conhecimento da Constituição foram Argentina (46%), seguido de Uruguai e México

(45% cada um). Já os países com menor nível de conhecimento da Constituição

foram Honduras, Paraguai, El Salvador, Nicarágua e Guatemala (menos de 20%).

A Venezuela, onde ocorreu uma Assembleia Constituinte em 1999, estava

entre os países que mais manifestou conhecer sua Constituição (44%). Por sua vez,

no Equador, onde houve uma Assembleia Constituinte (ano 2000), apenas 24% da

população manifestou conhecê-la. Apesar de ter havido uma reforma constitucional

no Chile em 2005, apenas 31% da população declarou conhecer ao menos algo a

respeito da Carta361.

Curiosamente, ao considerarmos a média latinoamericana, a pesquisa

constatou que apesar de haver pouco conhecimento da Constituição, a maioria (59%

da população) opina que esta se cumpre pouco ou nada. Tendo em vista que

apenas 13% não responderam à pergunta sobre o nível de cumprimento da

Constituição, observa-se que uma quantidade considerável de habitantes da região

julga a Carta sem qualquer conhecimento a respeito dela.

358 A foco da pesquisa era a democracia, conforme Informe Latinobarômetro 2005. Ver ANEXOS 2 e 3. Pesquisa completa disponível em: <http://www.latinobarometro.org>. Acesso em: 16 jan. 2018. 359 Outras questões foram feitas aos entrevistados, uma vez que o objetivo da pesquisa era avaliar a relação da democracia com o povo latinoamericano. 360 Es una corporación de derecho privado sin fines de lucro, con sede en Santiago de Chile y tiene la responsabilidad de llevar a cabo el estudio Latinobarómetro tanto en la ejecución del proyecto como en la distribución de los datos. 361 INFORME Latinobarômetro. Santiago (Chile), 2005.

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107

7.2.1.2 Pesquisa “25 Anos da Constituição Federal do Brasil de 1988” (Senado Federal)

Durante a comemoração dos 25 anos da Constituição brasileira, o Senado

Federal realizou, entre 18 e 30 de setembro de 2013, uma pesquisa362 com o intuito

de verificar o pensamento dos brasileiros sobre a Carta. Os dados foram coletados

“por meio de entrevistas telefônicas, entre 18 e 30 de setembro de 2013, com uma

amostragem aleatória de 811 pessoas distribuídas em todas as unidades da

Federação”.363

O resultado revelou que quase 8% dos entrevistados não possuem qualquer

conhecimento sobre a Constituição; 35,1% disseram ter baixo conhecimento; já a

declaração “nenhum conhecimento” foi mais comum entre os jovens de 16 a 19

anos:

Os resultados da pesquisa demonstraram que direitos, deveres e normas constitucionais precisam de mais divulgação entre os brasileiros. Isso porque pouco mais da metade dos entrevistados (50,8%) avalia ter conhecimento médio da Constituição, outros 35,1% disseram ter baixo conhecimento, enquanto 7,8% julgam não ter conhecimento nenhum. Apenas 5,3% dos participantes declararam possuir elevado conhecimento do texto constitucional. Os resultados indicam também que a declaração “nenhum conhecimento” é mais comum entre os jovens de 16 a 19 anos (16,7%). Por outro lado, os respondentes com ensino superior afirmam ter alto nível de conhecimento com maior frequência do que os entrevistados com grau de instrução menor. O nível de conhecimento sobre a Carta também varia com relação à renda: comparados com pessoas de renda menor, respondentes com renda de 5 salários ou mais afirmam ter alto conhecimento com maior frequência.

A pesquisa do Senado Federal conclui: “os resultados demonstraram que

direitos, deveres e normas constitucionais precisam de mais divulgação entre os

brasileiros”.

362 ANEXO 1. Pesquisa disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/brasileiros-reconhecem-importancia-da-constituicao-cidada>. Acesso em: 16 jan. 2018. 363 A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.

Page 111: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO ...£o...Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Tese de Doutorado

108

7.2.2 Pesquisa sobre o conhecimento da Constituição Federal (2017) – Ibope364

A pesquisa referente à cultura constitucional no Brasil está em fase

embrionária. É de extrema relevância aplicar uma pesquisa que revele o atual

estado de percepção dos brasileiros em relação à Constituição brasileira.

Nesse contexto, procuramos realizar uma investigação experimental, com

amostra delimitada dentro dos parâmetros estatísticos definidos pelo Instituto

Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).

O objetivo da pesquisa era identificar o nível de conhecimento da Constituição

de 1988 pela população brasileira. Delineadas algumas questões preliminares, os

resultados são objeto do desenvolvimento desta tese, conforme passaremos a

expor.

7.2.2.1 Especificações técnicas da pesquisa

O objetivo geral da pesquisa é identificar se a população brasileira conhece

(e, em caso positivo, em que nível) a Constituição Federal de 1988 e a importância

atribuída a ela pelos cidadãos.

Realizada em território nacional, entre 15 e 20 de setembro de 2017, contou

com 2002 entrevistas realizadas em 142 municípios.

A metodologia considerou população pessoas com mais de 16 anos (idade

mínima para votar). O universo de habitantes é estratificado. Com exceção dos

estados do Acre, Amapá e Roraima que juntos constituem um estrato, cada um dos

demais estratos é composto por apenas um estado brasileiro. Além disso, se o

Estado possuir Região Metropolitana, o universo será estratificado em Região

Metropolitana e Interior.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas pessoais, por meio das

respostas aos questionários elaborados de acordo com os objetivos almejados. Uma

equipe de entrevistadores do Ibope treinada para abordar o público conduziu as

perguntas.

364 Pesquisa coordenada e financiada pelo autor e pelo professor Marcelo Figueiredo, presidente da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas, entidade que pretende iniciar a elaboração de projeto para realizar a pesquisa nos moldes da “encuesta” idealizada pela UNAM. Os dados da pesquisa constam no ANEXO deste trabalho.

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109

Quanto à amostragem, o modelo utilizado é o de conglomerados em três

estágios. No primeiro deles os municípios são selecionados probabilisticamente

através do método Probabilidade Proporcional ao Tamanho (PPT), com base na

população de 16 anos ou mais de cada município. No segundo estágio são

selecionados os conglomerados: setores censitários, com PPT sistemático. A

medida de tamanho é a população de 16 anos ou mais residente nos setores.

Finalmente, no terceiro estágio, em cada conglomerado é selecionado um número

fixo de eleitores segundo cotas de variáveis.

As variáveis para cotas amostrais foram as seguintes: sexo (masculino e

feminino); grupos de idade (1-17, 18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 e 65 anos e

mais), instrução (até 4ª série do fundamental; 5ª a 8ª série do fundamental; ensino

médio; ensino superior); atividade (setor de dependência – agricultura, indústria de

transformação, indústria de construção, outras indústrias, comércio, prestação de

serviços, transporte e comunicação, atividade social, administração pública, outras

atividades, estudantes e inativos). O censo 2010 e o PNAD 2014 serviram como

fonte para a amostra.

A margem de erro estimada é de 2 pontos percentuais para mais ou para

menos sobre os resultados encontrados no total da amostra; o nível de confiança é

de 95%.

Quanto ao controle de qualidade, todos os questionários foram filtrados após

as entrevistas e aproximadamente 20% deles foram fiscalizados.

Por fim, para efeito de tabulação (composição das tabelas que expressam os

dados da pesquisa) foram consideradas as seguintes variáveis: total; sexo

(masculino e feminino), grupo de idade (16 a 24 anos; 25 a 34 anos; 35 a 44 anos;

45 a 54 anos; 55 anos e mais); escolaridade (até 4ª série do fundamental; 5ª a 8ª

série do fundamental; ensino médio; superior); renda familiar, em salários mínimos

(mais de 5; mais de 2 a 5; mais de 1 a 2; até 1); critério econômico Brasil (classe

A/B; classe C; classe D/E), região (norte; centro-oeste; nordeste; sudeste; sul),

condição do município (capital; periferia; interior), porte do município, em número de

habitantes (até 50 mil; mais de 50 a 500 mil; mais de 500 mil), raça/cor (branca;

preta/ parda; outras), religião (católica; evangélica; outras), acesso à internet

(acessa; não acessa).

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110

1822 20

1822

16 a 24 25 a 34 35 a 44 45 a 54 55 e mais

21

22

39

19

Até 4ª série (Ensino fund.)

5ª a 8ª série (Ensino fund.)

Ensino Médio

Ensino Superior

5626

18

Católica

Evangélica

Outras religiões

7.2.2.2 Perfil da amostra

O perfil da amostra, delimitado para a pesquisa dentre os 2002 entrevistados,

permite afirmar o seguinte: houve uma prevalência feminina (52% dos

entrevistados); 48% estão na classe C e 28% nas classes D/E; mais da metade

(56%) se declararam católicos; a maior parte tem pelo o ensino médio (39% ensino

médio e 19%, ensino superior); a maioria reside no interior dos estados (58%) – 44%

no região sudeste; 67% têm acesso à internet.

Os gráficos abaixo exemplificam estas informações365:

sexo idade

escolaridade

religião classe social

365 Os gráficos relacionados foram elaborados pelo Ibope no âmbito da pesquisa desenvolvida.

4852

Masculino

Feminino

A/B 24

C 48

D/E 28

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111

28

1458

CapitalPeriferiaInterior

67

33AcessaNão acessa

renda familiar acesso à internet

porte do município condição do município

região

7.2.2.3 O questionário

Com base nos questionários utilizados nas pesquisas (encuestas) realizadas

no México, na Argentina e na Costa Rica, elaboramos quatro perguntas que

orientaram a pesquisa aplicada pelo Ibope.

Importante esclarecer que as pesquisas serviram de base para pensar esta

aqui, desenvolvida para o presente trabalho. Contudo, elas não são replicadas na

2730

2598

Até 1

Mais de 1 a 2

Mais de 2 a 5

Mais de 5

Não respondeu

33

34

33 Até 50 mil

Mais de 50 a 500milMais de 500 mil

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112

íntegra. Tendo em vista o objetivo da tese e os custos envolvidos, escolhemos um

grupo reduzido de questões que, a nosso ver, permitiram a elaboração de dados

básicos sobre o conhecimento da Constituição pela população brasileira,

possibilitando uma reflexão qualificada sobre o tema investigado.

A realização de uma ampla pesquisa nos moldes daquelas realizadas nos

países latino-americanos acima referidos é um projeto ainda a ser realizado no

Brasil, que muito contribuirá para a reflexão sobre a cultura constitucional brasileira.

Para a escolha das questões utilizadas no questionário procuramos incluir

aquelas que, além de medir de certa forma o quanto as pessoas sabem sobre a

existência da Constituição, também fornecessem um quadro de valoração dos

entrevistados em relação à Constituição.

Passamos, portanto, a analisar a pesquisa.

7.2.2.3.1 Pergunta 1

A primeira pergunta “Na sua opinião, o que é a Constituição Federal

brasileira? era aberta, ou seja, sem indicação prévia de possíveis respostas e tinha

por objetivo identificar a definição dada pelo entrevistado sobre a Constituição sem

induzi-lo a qualquer espécie de resposta.

Abaixo, o gráfico resultante dessa pergunta:

Page 116: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO ...£o...Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Tese de Doutorado

113

32 34 8 10 16

Muito importante

Importante

Pouco importante

Nada importante

Não sabe/ Não respondeu

O que nos chama a atenção é a resposta “não sabe/não respondeu”, a mais

indicada pelos entrevistados (64%). Nesse espectro, a amostragem indica o

seguinte: mulheres; entrevistados entre 16 e 24 anos e os maiores de 55 anos;

ensino fundamental e médio; residentes das regiões nordeste e sul; periferia e

interior; municípios com até 500 mil habitantes; até 2 SM; classes C e D/E;

preta/parda e outras; católicos; não acessa a internet.

Dentre os entrevistados que responderam que a Constituição se relaciona

com “leis, regras, normas”, destacam-se os homens; entrevistados entre 25 a 54

anos; ensino superior; moradores da região norte/centro-oeste; da capital; de

municípios com mais de 500 mil habitantes; com renda familiar superior a 2 salários

mínimos; pertencentes à classe A/B; brancos e com acesso à internet.

Inicialmente é possível observar que a maioria dos entrevistados não sabe

definir o que é a Constituição Federal. Entre aqueles que se posicionam a respeito,

três em cada dez citam a Constituição como regras e leis que regem o Brasil.

7.2.2.3.2 Pergunta 2

A segunda pergunta: “E para o(a) sr(a), qual a importância da Constituição

Federal brasileira? O(a) sr(a) diria que ela é [...]:”

Essa pergunta apresentava como respostas os seguintes itens, lidos para os

entrevistados: muito importante; importante, pouco importante, nada importante, não

sabe/não respondeu.

O quadro abaixo ilustra o resultado obtido:

Page 117: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO ...£o...Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Tese de Doutorado

114

4

8

18

13

41

39

35

31

2

8

Conhece a Constituição Federalbrasileira

Acredita que a ConstituiçãoFederal brasileira é cumprida

Muito Alguma coisa

Pouco Nada

Não sabe/ Não respondeu

O quadro revela que dois terços dos entrevistados consideram a Constituição

Federal importante (66%), muito importante (32%) e importante (34%).

Sobre o perfil dos entrevistados que somam esses dois terços, temos: 16 a 34

anos; ensino superior; regiões norte/centro-oeste e sul; municípios com mais de 50 a

500 mil habitantes; renda superior a 2 SM; classe A/B; brancos; acessa a internet.

Já o perfil daqueles que responderam que a Constituição é “nada importante”:

5ª a 8ª série (10%); periferia; outras raças; outras religiões.

Curiosamente, apesar de a maioria não saber definir Constituição Federal

brasileira, dois terços dos entrevistados reconhecem sua importância.

Assim, quanto maior a renda e a escolaridade, maior o conhecimento a

respeito da Constituição. A mesma proporção de entrevistados considera que as

regras que regem o Brasil são pouco cumpridas, especialmente entre os mais

jovens, os mais escolarizados e com acesso à internet.

7.2.2.3.3 Pergunta 3

A terceira pergunta se desdobra em duas questões.

A primeira delas, relativa ao conhecimento da Constituição: “E de forma geral,

o quanto o(a) Sr.(a) conhece a Constituição Federal brasileira?”.

A segunda dizia respeito ao cumprimento da Constituição: “E de forma geral,

o quanto o(a) Sr.(a) acredita que a Constituição Federal brasileira é cumprida?”

As respostas consistiam nos itens seguintes, lidos aos entrevistados: muito;

alguma coisa, pouco, nada, não sabe/respondeu.

O gráfico abaixo exemplifica o resultado:

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115

O gráfico revela que quatro em cada dez brasileiros conhecem pouco a

Constituição, mesma proporção dos que consideram que ela é pouco cumprida.

No que se refere ao conhecimento da Constituição, 35% respondeu nada

conhecer e 41% afirmam saber pouco. A soma dos que conhecem “nada” com os

que afirmam conhecer “pouco” resulta 76% dos entrevistados.

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha completado 30 anos de

vigência, apenas 4% da população afirmam conhecer “muito” a Constituição.

A mesma proporção dos que conhecem muito e alguma coisa da Constituição

(22%) consideram que ela é cumprida (21%).

Entre os que conhecem e os que acreditam que a Constituição é cumprida,

destacam-se em comum: muito/alguma coisa: ensino superior; renda familiar de 2 a

5 SM; pouco: homens; regiões norte/centro-oeste; municípios de 50 a 500 mil

habitantes; nada: ensino fundamental; periferia; renda familiar de até 1 SM.

7.2.2.3.4 Pergunta 4

Por fim, a última pergunta: “Agora gostaria de saber: destas fontes de

informação, quais são as DUAS em que, de modo geral, o(a) sr(a) mais ouve falar

sobre a Constituição Federal?”

Foram apresentadas 15 opções de respostas, incluindo “não sabe/não

respondeu” e os entrevistados poderiam escolher até duas opções.

O gráfico abaixo reproduz o resultado:

Page 119: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO ...£o...Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Tese de Doutorado

116

Como se observa, as fontes de informação sobre a Constituição mais

escolhidas foram televisão, jornal e internet.

O perfil dos entrevistados que indicaram “televisão” é: homens; mais de 45

anos; região norte/centro-oeste; municípios com mais de 50 a 500 mil habitantes;

mais de 2 SM; classe A/B; os que conhecem e os que conhecem pouco a

Constituição.

Já o perfil daqueles que indicaram “jornal”: 16 a 34 anos; ensino médio; região

norte/centro-oeste; mais de 50 a 500 mil habitantes; mais de 1 a 2 SM; outras raças;

conhece pouco a Constituição

Quanto aos entrevistados que indicaram a “Internet”: 16 a 34 anos; ensino

médio e superior; capital; mais de 500 mil habitantes; mais de 2 SM; classe A/B;

outras religiões; acessa a internet; conhece a Constituição.

Em resumo, os meios de comunicação pelos quais mais se ouve falar sobre a

Constituição Federal são TV, jornal, sites de notícias e portais na internet. Os mais

jovens e os que têm acesso à internet tendem a ouvir mais sobre a Constituição na

internet, enquanto os mais velhos mencionam a televisão.

7.2.2.4 Conclusão sobre os dados da pesquisa

A maioria dos entrevistados não sabe definir o que é a Constituição Federal.

Entre aqueles que se posicionam a respeito, três em cada dez citam a Constituição

enquanto regras e leis que regem o Brasil. Apesar de a maioria não saber defini-la,

dois terços deles reconhecem sua importância.

Cerca de quatro em cada dez conhece pouco a Constituição. Quanto maior a

renda e a escolaridade, maior o conhecimento acerca da Constituição brasileira. A

mesma proporção de entrevistados considera que as regras que regem o Brasil são

pouco cumpridas, especialmente entre os mais jovens, os mais escolarizados e com

acesso à internet.

Em síntese, dentre os entrevistados, a maioria reconhece a importância da

Constituição, mas poucos conhecem seu conteúdo (é tanto menor quanto mais

baixo for a escolaridade e a renda do entrevistado). Mesmo com baixo ou nenhum

conhecimento, a maioria dos brasileiros tem a percepção de que ela é pouco ou

nada cumprida e forma sua opinião influenciada pela televisão.

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117

7.2.3 Cultura constitucional no Brasil e sua erosão

A partir do que foi analisado até aqui podemos afirmar que está configurado o

fenômeno da erosão da cultura constitucional brasileira – a nosso ver, foram

caracterizados seus principais fatores.

No capítulo anterior demonstramos que a evolução constitucional brasileira foi

marcada até a promulgação da Constituição Federal de 1988 pelo autoritarismo. O

fato leva à conclusão de que o Estado constitucional democrático, delineado pela

atual Constituição, está em fase de consolidação e de “absorção” pela sociedade

brasileira.

Demonstramos ainda que parece existir uma inobservância consciente da

Constituição pelos órgãos do Estado, a ponto de serem promovidas reformas

constitucionais circunstanciais que dificultam a assimilação da Constituição pela

população.

Por fim, ficou evidente um claro distanciamento da Constituição em relação à

população, na medida em que esta não a reconhece. A pesquisa demonstra que a

população brasileira, de modo geral, não conhece a Constituição Federal.

Arriscamos dizer que sequer sabe o que é a Constituição.

Ora, é nela que está consagrado o suporte para o gozo e a garantia dos

direitos essenciais do ser humano e os mecanismos de controle do Estado; nesse

sentido é de se supor que seja conhecida pelos brasileiros. O conhecimento do seu

conteúdo é a única forma de propiciar o efetivo exercício desses direitos e

prerrogativas. Ninguém imagina que uma pessoa usará algo que não conhece.

Necessário, portanto, reconhecer a compulsoriedade de vivência

constitucional pelos indivíduos num todo e não simplesmente como roteiro de

práticas estatais. Logo, a Constituição, assim como todo o ordenamento jurídico,

precisa ser incluída nas práticas intersubjetivas dos indivíduos espontaneamente.

Somente quando se está inserido neste processo vigora o interesse na defesa das

suas determinações. Nesse sentido a Constituição precisa integrar o cotidiano da

vida social.

Considerando esses fatores, relevante e inadiável a compreensão da

Constituição como ciência da cultura, conforme proposta de Peter Häberle. Ou seja,

é necessário transcender a condição normal de documento para inserir a

Page 121: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO ...£o...Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Tese de Doutorado

118

Constituição como um processo público sempre aberto e participativo que influencia

diretamente tanto a política quanto o direito, reduzindo o campo de prevalência de

vontade individual para concretizar a vontade coletiva.

Identificamos nesse quesito um forte indício de que ainda não há uma cultura

constitucional, indicando que é necessário desenvolver uma ação educativa – em

sentido amplo – visando desenvolver a cultura constitucional no Brasil.

Nesse ponto, configura-se o que Manoel Jorge e Silva Neto denomina de

constitucionalismo tardio. Isto nada mais é do que “o fenômeno decorrente de

causas históricas, políticas e jurídicas, dentre outras, da ausência de cultura

constitucional” nos Estados organizados formalmente por meio de uma Constituição,

conduzindo à ineficácia social dos textos constitucionais.366 Segundo o autor, “o

constitucionalismo tardio é circunstância impeditiva da efetividade do texto

constitucional”, que resulta da ausência de cultura constitucional”.367

Uma importante reflexão sobre a necessidade de popularizar a Constituição

Federal de 1988 necessita ser feita, sob pena de a erosão da cultura constitucional

se tornar um fenômeno irreversível em nossa sociedade.

366 SILVA NETO, Manoel Jorge e. O constitucionalismo brasileiro tardio. Brasília: ESMPU, 2016, p.19-20. 367 SILVA NETO, Manoel Jorge e. O constitucionalismo brasileiro tardio. Brasília: ESMPU, 2016, p.19-20. “Nessa linha de compreensão, o círculo vicioso e dialético da ausência de cultura constitucional, que se materializa na fleumática jurisprudência dos tribunais, no fisiológico comportamento dos governantes e, sobretudo, na inexistente participação dos indivíduos no processo de densificação dos valores constitucionais – tornando utópico construir a sociedade aberta dos intérpretes da constituição, isso tudo impede objetivamente o reconhecimento da constitucionalização do direito no Brasil; tem-se, quando muito, um esboço, um propósito da indigitada constitucionalização, que se confirmará, no tempo, desde que se entenda que a consciência constitucional e o seu consectário – a constitucionalização do direito – estão muito longe do nosso alcance, a exigir esforços sinceros em prol de sua real e concreta efetivação”. (SILVA NETO, Manoel Jorge e. O constitucionalismo brasileiro tardio. Brasília: ESMPU, 2016, p.22-23).

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119

8 A NECESSÁRIA PROMOÇÃO DA CULTURA CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Pontuada a constatação do estágio da cultura constitucional no Brasil,

pretende-se refletir sobre os mecanismos capazes de desenvolvê-la e ampliá-la.

Constatamos que a cultura constitucional está em estágio de erosão no Brasil.

Ficou demonstrado que a população brasileira não conhece a Constituição Federal

de 1988. Uma parcela elevada, inclusive, sequer se arrisca a afirmar o que é a

Constituição (64% segundo a pesquisa encomendada ao Ibope). Transcorridos 30

anos da promulgação da Constituição Federal – que é responsável por resguardar

os direitos essenciais de cada cidadão – esta constatação é extremamente

preocupante, afinal, não há como querer bem o que não se conhece.

Se o período no qual ocorreram os trabalhos da Assembleia Nacional

Constituinte foi marcado por intensa participação da sociedade em suas discussões,

hoje, paradoxalmente, a Constituição Federal ocupa lugar cativo no esquecimento

do povo brasileiro.

Diante desse quadro, importa averiguar o papel do Estado na tarefa de

promover a cultura constitucional, tornando, por exemplo, a Constituição Federal

conhecida e vivida pelos brasileiros.

Em outras palavras, imperiosa a necessidade de se pensar o

desenvolvimento de mecanismos que propiciem a formação de uma efetiva cultura

constitucional no Brasil. Daí a importância de difundir o conteúdo da Constituição

Federal e de se desenvolver uma verdadeira cultura constitucional no país,

assentada na sua popularização.

8.1 Constituição cultural e cultura constitucional

Cultura constitucional não se confunde com o conceito de Constituição

cultural, que, por sua vez, abarca um conceito mais restrito, conforme esclarece

Jorge Miranda.368

368 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.96. “E, assim como se cuida da Constituição económica, também se cuida agora da Constituição cultural como conjunto de princípios e preceitos com relativa autonomia, respeitantes a matérias culturais. E não falta quem preconize que se fale, doravante, em Estado de cultura.” (MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio

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120

Carlos Ruiz Miguel observa que a cultura constitucional se aproxima da ideia

de que a Constituição é criação de uma determinada cultura, enquanto Constituição

cultural se relaciona com a noção de que a cultura é objeto ou criação de uma

determinada Constituição, a qual prevê, por exemplo, a proteção de certos bens

culturais.369

Para Peter Häberle, a Constituição cultural é integrada por fragmentos da

cultura, nos campos do saber, das artes e da educação, dentre outros.370 Adota,

assim, uma concepção mais aberta, conforme faz transparecer Miguel Herrera:

Se a cultura constitucional é a soma de atitudes e ideias, experiências, valores, expectativas, ações pessoais, associativas e institucionais, a Constituição Cultural faz referência a um agregado sólido que não se identifica com a Constituição Política por denotar o nível de cultivo e garantia da Constituição por todos, uma expressão de coerência e capacidade de objetivação que se consegue com educação e o transcurso de gerações.371

Assim, vale destacar a compreensão apresentada por José Afonso da Silva,

para quem constituição cultural, ou ordenação constitucional da cultura, é “o

conjunto de normas que contêm referências culturais e disposições

consubstanciadoras dos direitos sociais relativos à educação e à cultura”.372

Nessa linha, para distingui-la mais claramente da cultura constitucional,

adotamos a ideia de constituição cultural como o conjunto de normas da

Constituição que cuidam da cultura.

de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.98). O autor adverte, contudo, que a expressão Constituição cultural deve ser tomada com certa prudência: “Não existe uma Constituição cultural independente da Constituição política ou uma Constituição penal à margem da Constituição administrativa. E até quando os princípios respectivos tenham origens e formulações aparentemente discrepantes (em Constituições compromissórias) não podem ser lidos e entendidos senão no contexto da mesma Constituição material”. (MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.99). 369 “Por um lado, uma Constituição é um objeto ou criação de uma certa cultura e pode-se dizer, precisamente, que a ‘idéia de Constituição’ é uma criação da cultura ocidental ou que uma certa Constituição (por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos da América) é a expressão de uma certa cultura (no caso citado, da cultura anglo-saxónica). A expressão ‘cultura constitucional’ ou ‘constitucionalista’ nos aproxima dessa compreensão da relação entre ambos. Agora, por outro lado, a cultura é o objeto ou a criação de uma Constituição específica e não é arriscado dizer que o respeito a certos bens culturais (em um sentido amplo, por exemplo, o patrimônio arqueológico) pode ser criação de uma determinada Constituição ou que uma Constituição cria em um país uma "cultura" (cultura democrática, cultura participativa, etc.) que não poderia existir antes. Neste último sentido, pode-se falar em "Constituição Cultural". (MIGUEL, Carlos Ruiz. El constitucionalismo cultural. Cuestiones constitucionales. Revista Mexicana de Derecho Constituiconal. n. 9, julio-diciembre 2003, p.205). 370 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p.31-32. 371 HERRERA, Miguel Ángel García. Consideraciones sobre constitución y cultura. In: (Coord.) CALLEJÓN, Francisco Balaguer. Derecho constitucional y cultura. Estudios en homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, 2004, p.125. 372 SILVA, José Afonso. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.50.

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121

Partindo da noção de teoria da Constituição como ciência cultural,

esclarecemos que a Constituição se relaciona com a ideia de cultura sob, pelo

menos, duas maneiras: ora a Constituição como objeto da cultura, ora a cultura

como objeto da Constituição373.

No contexto desta simbiose entre Constituição e cultura é que depreendemos

a partir da Constituição cultural uma série de normas que, numa compreensão mais

abrangente, e na perspectiva da máxima efetividade da Constituição, impõem a

necessária e fundamental promoção da cultura constitucional pelo Estado.

Ora, sendo a Constituição um fenômeno cultural, há de ser compreendida

como obra e bem de cultura.374 Assim, o conhecimento da Constituição pela

população é uma forma de acesso à cultura. Isso porque a Constituição como objeto

da cultura deve ser compreendida também como integrante do patrimônio cultural

brasileiro (artigo 216, da Constituição Federal de 1988).375

A Constituição de 1988 refere-se à cultura em diversos artigos376. Reservou,

inclusive, uma seção própria para esse fim (Seção II do Capítulo III do Título VIII –

Ordem Social), o que revela, desde já, a importância constitucional do tema. Além

de garantir a cultura como um direito fundamental, impõe diversas obrigações ao

Poder Público com o intuito de proteger os bens culturais.

A repartição de competências em matéria cultural é clara nesse sentido. Ao

tratar da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, o artigo 23 dispõe que compete a estes entes: “proteger os documentos,

as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as

paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos” (inciso III), “impedir a evasão,

373 “A cultura é também objecto da Constituição quer no sentido lato acabado de convocar, quer em sentidos menos latos e que são aqueles em que, de ordinário, se fala. Quando a Constituição se ocupa das confissões religiosas, ou da comunicação social ou da informática, por exemplo, está-se ocupando, por certo, de bens culturais. No entanto, é a esses sentidos menos latos que se ligam o conceito de Constituição cultural e o de direitos culturais. São eles: a) A cultura como expressão da identidade de uma comunidade, de um povo; b) A cultura como educação, ciência e cultura stricto ou strictissimo sensu; c) A cultura como tudo quanto não recai na educação e na ciência ou, em termos positivos, como criação e fruição de bens de cultura”. (MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.96). 374 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.96. 375 Artigo 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V –os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. 376 Artigos 5º, IX, XXVII, XXVIII e LXXIII, 23, 24, 30, 215, 216, 219, 220, §§2º e 3º, 221, 227, 231.

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destruição e a descaracterização de obras de arte e outros bens de valor histórico,

artístico ou cultural” (inciso IV), “proporcionar os meios de acesso à cultura, à

educação e à ciência” (inciso V).

Em relação à competência legislativa concorrente (artigo 24), compete à

União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre “proteção ao patrimônio

histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico” (inciso VII) e “educação, cultura,

ensino e desporto” (inciso IX). Aos Municípios caberá “suplementar a legislação

federal e a estadual no que couber” (artigo 30, II) e “promover a proteção do

patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora

federal e estadual” (inciso IX).

Ao examinarmos o artigo 24, verificamos que, ao discriminar os campos de

competência concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal, a Constituição

circunscreveu o poder legiferante da União às normas gerais (§1º). Admitiu a

competência suplementar dos Estados e também do Distrito Federal – esta não

expressa no texto (§2º) – como as respectivas competências plenas, para atender às

suas peculiaridades, na ausência de lei nacional (§3º). Deixou expresso, ademais,

que a superveniência de normas gerais suspende a eficácia de lei local com elas

incompatíveis (§4º).

É inegável, assim, o dever geral do Estado de proteger os bens culturais,

cabendo-lhe, inclusive, a elaboração de legislação com esse propósito.

Para dar concreção a esse dever, a Constituição estabelece competências

legislativas – outorgando deveres ao legislador e também ao administrador público o

dever de preservar o patrimônio cultural nos termos previstos em seu texto.

Aliás, é a própria Constituição que exemplifica quais são os bens que formam

o patrimônio cultural brasileiro e discrimina os instrumentos à disposição do Poder

Público para protegê-los.

De acordo com o artigo 216, o patrimônio cultural brasileiro é formado pelos

bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem: I – as formas de

expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas

e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços

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destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de

valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e

científico.

Da leitura desse dispositivo, como afirma José Afonso da Silva, é possível

concluir que o objetivo da Constituição não é proteger juridicamente todas as

manifestações culturais, mas apenas os bens de natureza material e imaterial

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira.377

José Afonso da Silva reconhece que a formação do patrimônio cultural, sob o

aspecto jurídico, depende de como a lei ordinária definidora dispõe dos métodos a

serem usados na determinação de que bens devem compor este patrimônio.378

Importante lembrar que o artigo 5º, XIV, da Constituição Federal de 1988

dispõe que é assegurado a todos o acesso à informação. Evidente que o acesso ao

texto da Constituição é, antes de tudo, acesso à informação.

Por sua vez, o artigo 23, I e V, da Constituição, dispõem, dentre outras coisas,

que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios “zelar pela guarda da Constituição” e das instituições democráticas, além

de proporcionar os meios de acesso à cultura e à educação.

Na perspectiva aqui defendida, a guarda da Constituição engloba a

divulgação de seu conteúdo à população para que esta também possa examinar o

seu cumprimento ou não pelo Poder Público e usufruir os instrumentos de

participação popular na coisa pública.

Além disso, considerando a íntima relação entre cultura e educação, a

Constituição determina que o acesso à educação deve visar o pleno

desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (artigo 205

da Carta).379

Acrescente-se a isso o artigo 5º, §1º, segundo o qual os direitos e garantias

expressos nesta Constituição excluem outros decorrentes do regime e dos princípios

por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

377 SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.114. 378 SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.115. 379 Artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

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Inegável, portanto, que a compreensão da Constituição cultural implica a

plena promoção da cultura constitucional pelo Estado brasileiro.

8.2 Democracia e conhecimento da Constituição

Ao tratar do dispositivo contido na Declaração de Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789: “toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada

nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição” (artigo 16), Jorge

Carpizo afirma que o dispositivo pode ser reescrito trocando-se a palavra

“constituição” por democracia:

[…] afinal de contas os conceitos de Constituição, ordem jurídica, democracia e Estado de direito se imbricam e estão intimamente relacionados entre si, porque uma Constituição e um Estado de Direito que não são democráticos não são tais, mas instrumentos de opressão380.

A ideia esclarece e reforça a relação entre democracia e Constituição como

regras do jogo.381

De acordo com Allan Brewer-Carías, o que caracteriza a democracia como

governo do povo, no mundo contemporâneo, é a existência de controle do poder

pelo próprio povo.382

O autor reconhece, todavia, que as declarações contidas no texto

constitucional não são suficientes para garantir a democracia como regime político e

380 CARPIZO, Jorge. Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina. Instituto de Investigaciones Juridicas. México: Universidade Nacional Autónoma do México, 2007, p.100. Após apresentar um conceito de democracia, Carpizo enfatiza o aspecto material e afirma: “Democracia é o sistema no qual os governantes são eleitos periodicamente pelos eleitores; o poder é distribuído entre vários órgãos com seus próprios poderes e com equilíbrios e controles entre eles, bem como as responsabilidades indicadas na Constituição, a fim de garantir os direitos fundamentais que a própria Constituição reconhece direta ou indiretamente.” (CARPIZO, Jorge. Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina. Instituto de Investigaciones Juridicas. México: Universidade Nacional Autónoma do México, 2007, p.100). 381 “Em outras palavras, a Constituição contém as regras do jogo que os líderes, o povo ou a sociedade política decidiram. Democracia constitui uma série de regras do jogo que são encontradas principalmente na Constituição e na lei. Consequentemente, a democracia se atualiza permanentemente e constantemente através do respeito a essas regras do jogo; isto é, à Constituição e ao Estado de Direito que ela constrói. A democracia pressupõe uma ordem legal, uma Constituição e um Estado de Direito que garantam as liberdades e os direitos fundamentais das pessoas” (CARPIZO, Jorge. Concepto de democracia y sistema de gobierno en América Latina. Instituto de Investigaciones Juridicas. México: Universidade Nacional Autónoma do México, 2007, p.101). 382 BREWER-CARÍAS, Allan. Democracia. Sus elementos y componentes esenciales y el control del poder. Documento elaborado para a obra Grandes temas para um observatório electoral ciudadano. Instituto Electoral del Distrito Federal, México 2007, p.4.

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um Estado Constitucional e Democrático de Direito. É necessário ter vontade política

para sua implementação prática.383

Tendo em vista estas premissas – de que é na Constituição que se encontram

as regras do jogo (democracia) e que o exercício da cidadania não se resume à

capacidade de eleger e ser eleito – expressa a possibilidade de exercício pleno de

seus direitos, de fiscalizar a coisa pública e de também nela participar, revela-se que

somente com o conhecimento pleno das prerrogativas que a qualidade de cidadão

lhe oferece é que se pode esperar o exercício real da cidadania.

A ausência de consciência sobre os direitos e instrumentos de fiscalização e

participação na coisa pública permite a anestesia política. Sem que se perceba e

sem existir qualquer resistência, direitos e instrumentos de participação são omitidos

aos cidadãos, como afirma Jorge Miranda:

Como se costuma dizer, a primeira forma de defesa dos direitos é a que consiste no seu conhecimento. Só quem tem consciência dos seus direitos consegue usufruir os bens a que eles correspondem e sabe avaliar as desvantagens e os prejuízos que sofre quando os pode exercer ou efectivar ou quando eles são violados ou restringidos384.

Daí conclui o autor ao comentar o artigo 20385 da Constituição portuguesa,

que garante acesso ao direito e à prestação jurisdicional, que “promover o direito

aos direitos ou a democratização do direito torna-se imperativo ainda mais urgente

na conjuntura actual da lei e perante a chamada sociedade da informação”.386

383 BREWER-CARÍAS, Allan. Democracia. Sus elementos y componentes esenciales y el control del poder. Documento elaborado para a obra “Grandes temas para um observatório electoral ciudadano”. Instituto Electoral del Distrito Federal, México 2007, p.53-54. 384 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 4.ed. Coimbra: Coimbra, 2008, p.317. 385 Artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 386 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 4.ed. Coimbra: Coimbra, 2008, p.318. “As normas atinentes ao acesso ao direito e à informação e à consulta jurídica devem reputar-se normas preceptivas, imediatamente invocáveis. Qualquer cidadão pode pretender conhecer seus direitos, sejam estes quais forem, em quaisquer situações da vida em que se encontre, sem necessidade de interpositio legislatoris. No entanto, há meios de dar concretização ao artigo 20º que requerem prestações positivas da parte do Estado. De harmonia com a Lei n.34/2004, de 29 de Julho, incumbe-lhe realizar, de modo permanente e planeado, acções tendentes a tomar conhecido o Direito, através de publicações e outras formas de comunicação (artigo 4.º). Serão criados serviços de acolhimento nos tribunais e serviços judiciários (artigo 5º); e compete à Ordem dos Advogados, com a colaboração do Ministério da Justiça, prestar a informação jurídica, no âmbito da protecção jurídica, nas modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário (artigo 5º, n.20)” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 4.ed. Coimbra: Coimbra, 2008, p.318).

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Mário Raposo, por sua vez, já em meados da década de 1970, afirmava a

necessidade de se promover o acesso aos direitos, ou o direito aos direitos, por ser

condição essencial ao exercício de qualquer outro.387

Carmen Lúcia Antunes Rocha também ressalta a importância da

universalização do conhecimento dos direitos como meio para desenvolver uma

cidadania efetiva e para dotar de eficácia social a própria Constituição:

O triunfo democrático de teoria do direito constitucional não significou, entretanto, sucesso da prática constitucional garantidora dos direitos concebidos e expressos nos documentos normativos, que se fizeram apresentar em todos os Estados modernos. Há muito cinza, marrom e negro nas experiências tirânicas que ainda tremulam sob bandeiras costuradas em azul, branco e vermelho. A injustiça não se resolve pela só teoria da constituição. O que essa ajuda é na ciência que se põe a todos de que a cidadania é o único caminho para o enfrentamento dos déspotas e para a conquista da efetiva liberdade, igualada na solidariedade jurídica (e, portanto, racional) de todos com todos. A universalização do conhecimento de direitos é a única via para o vigor da luta que não se empresta a negócios não humanos. Por isso, mesmo não sendo suficiente por si só, a Constituição é imprescindível como ponto de partida e como certeza da chegada de uma cidadania comprometida com a liberdade igualmente fruída por todos e construída pela solidariedade jurídica libertadora de cada um.388

387 “Correram quase cinco anos, três dos quais densamente vividos, e acrescentarei agora que, numa sociedade democrática, há um direito que condiciona e viabiliza o exercício de todos os outros: o direito aos direitos. O acesso aos direitos dá forma social à pessoa humana, torna-a mais capaz de se julgar e de julgar o mundo, impele-a a modificar-se e a modificá-lo no círculo incessantemente renovado das leis legítimas, decide-a a escolher outros motivos e aspirações para além dos propostos por este mundo. E escolher é a vocação fundamental do homem. E é o Direito que permite que o homem escolha na sociedade, e a vida social não surge para o homem como uma <<sobrecarga acidental>>, mas como o núcleo central da sua inteireza e das suas potencialidades. A sociedade como que confirma o homem, ajudando-o a definir o seu destino e a encontrar a sua verdade temporal. Esta passa pelos caminhos do Direito, que é diálogo e ajustamento dinâmico das ideias e dos comportamentos. Por isso direi que do alto da sua supremacia e coercividade, o direito vivo é um acto de humildade perante a contingência do homem e a mutabilidade social. Enquanto verdade, o Direito não se impõe, constrói-se. Deveriam os legisladores ter presente o que Pascal, em 1661, escreveu: muitos homens procedem como se tivessem <<a missão de fazer triunfar a verdade, quando só deveriam ter a missão de por ela lutar>>”. 2. É nesta perspectiva que, num salto necessário para a realidade mais próxima e imediata, eu insisto que antes de se gizarem as grandes intenções e as belas teorias se deverá assegurar ao homem, liminarmente, o acesso ao direito. E, insisto, também, que o sentido exacto do n.1 do artigo 20º da Constituição vencerá a sua literalidade: o que ela garante não será apenas o acesso aos tribunais, na acepção estrita de assistência judiciária, mas o acesso ao direito, liberto de todas as restrições de natureza econômica, social e, até, psicológica. (RAPOSO, Mário. O acesso ao direito e a ordem dos advogados. Revista da Ordem de Advogados, ano 37, maio-ago, 1977, p.392. Disponível em: <http://www.oa.pt>. Acesso em: 15 dez. 2018). 388 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Cidadania e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 1999, p.6. “Mudam-se as leis, mas quem as cumprem têm nas veias – de seu próprio corpo e dos corpos e órgãos de que participam – o mesmo sangue com que se alimentavam antes de seu advento. As estruturas autoritárias não mudam. Sem o conhecimento e a certeza de seus direitos, as pessoas – especialmente aquelas de classes sociais mais pobres – desconfiam mais que confiam nos seus direitos fundamentais, os quais, aliás, consideram mais favor quando se lhes reconhecem que prerrogativas que lhes são devidas. A lerdeza das instituições e dos institutos em assegurar ao cidadão punição dos que ameaçam ou violam direitos torna-o perigosamente cúmplice pelo silêncio com que prefere se haver quanto atingido. [...] A Constituição precisa ser promulgada todos os dias em todos os pontos do país. Ela apenas começou no dia 05 de outubro de 1988, mas compete a cada cidadão fazê-la vigorar cada dia de cada ano para que os direitos sejam conquistados todos os minutos. Cultivar o direito – especialmente aqueles considerados fundamentais aos homens – é como cultivar a própria natureza: qualquer

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Assim, sendo a Constituição a norma suprema do Estado, fundamento de

validade para todas as outras e condição para o exercício pleno da cidadania e da

democracia, é necessária e urgente consagrar a cultura constitucional no Brasil.

Não há como esperar o surgimento de um país composto por brasileiros

participantes e fiscalizadores do respeito ao interesse público se sequer conhecem o

mínimo necessário para assim atuar. Sem dúvida, a popularização da Constituição

Federal se revela como primeiro e essencial para isso.

É como afirmou Geraldo Ataliba, ao destacar a importância de a Constituição

ser conhecida por todos:

A compreensão de toda e qualquer instituição de direito público, positivamente adotada por um povo, depende da prévia percepção dos princípios fundamentais postos na sua base por esse mesmo povo, na sua manifestação política plena: a Constituição. [...] Importa, assim, conhecer a Constituição, para assegurar-lhe eficácia, realizando seus princípios, como forma de tornar efetivos os desígnios que – bem ou mal – o povo nela expressou. No passado não tivemos comportamento institucional que pudesse abonar nossos foros de civilização, como agudamente demonstrou Nélson de S. Sampaio, isto com a agravante de que nossos Textos não vieram do Olimpo, nem de seus arredores (com as honrosas exceções de 1891, 1934 e 1946).389

Espera-se que com a concretização, o povo possa estimar não só a

Constituição, como também o exercício da cidadania e da democracia. É dizer: a

Constituição impõe ao poder público o dever de tornar conhecido o seu teor e

garante a cada brasileiro o direito de conhecê-la. Assim, a popularização da

Constituição é primordial como condição para o exercício da cidadania e,

consequentemente, para o fortalecimento da cultura constitucional.

descaso ou negligência pode ser fatal”. [...] Sem o conhecimento dos direitos fundamentais pelos cidadãos e o seu exercício por eles, a zelar pelo seu patrimônio jurídico e pelo patrimônio de todos, não há como se dotar de eficácia social aquele elenco de direitos. [...] A fé na ‘comunhão dos santos’, que ainda me domina, leva-me a acreditar que duas condições se impõem para que a cidadania se exerça não egoisticamente, mas solidariamente por e para todos: a partilha política do conhecimento dos direitos fundamentais, nessa mesma condição essencial e de faculdade que é assegurada a cada um e a todos. Ao cidadão deve-se toda a educação, especialmente aquela que concerne ao seu cabedal de bens jurídicos que o dignifica e o faz livre; educado na matéria dos direitos fundamentais a ele compete repartir a sua certeza dos direitos e a sua esperança no outro com todos; a organização social dos cidadãos domina todas as realizações efetivas e legítimas, pelo que daquela organização pode nascer as grandes transformações políticas, do que decorre ser essa organização para uma participação política efetiva um dever consigo mesmo e com os outros. (ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Cidadania e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 1999, p.46). 389 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.15-16; 24-25.

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8.3 Constituição e cidadania

Nesse contexto, importa identificar os princípios adotados pela Constituição

Federal de 1988 e eleger aquele que mais se relaciona com a promoção da cultura

constitucional.

São inúmeros os princípios que permeiam a Constituição. Dentre todos,

entretanto, destacamos o da cidadania plena, por uma simples razão.390 Se se está a

tratar de um documento político-jurídico que por essência garante direitos e limita os

poderes do Estado a fim de tornar possível o exercício pleno da cidadania, por

consequência, necessário que o conhecimento desses direitos e dessas limitações

se faça presente no cotidiano das pessoas. Ora, se há direitos, há a necessidade de

conhecê-los. Do contrário, tornam-se letras mortas. Não é possível exercitar direitos

se não se sabe que eles existem.

Nessa perspectiva, resta saber as implicações decorrentes da opção explícita

do constituinte em consagrar a cidadania como um dos fundamentos do Estado

Democrático brasileiro (artigo 1º, II)391. Resta saber as implicações decorrentes

dessa opção explícita do constituinte. Desse modo, interessa compreender o

conteúdo da noção de cidadania prevista no dispositivo constitucional.

É natural vincular a ideia de cidadão a de nacional, ou seja, o membro de um

território. Todavia, conforme explicita Regina Maria Macedo Nery Ferrrari, o uso

dessa expressão para designar o nacional já está superada.392 Atualmente, quando

se trata da cidadania, quer-se expressar os atributos do cidadão que vão muito além

390 Para José Afonso da Silva: “O princípio adotado é o democrático representativo, com participação direta e pluralista. Os princípios adotados são também os democráticos, os republicanos os federalistas, os da realização dos direitos fundamentais do homem, o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, o da cidadania plena, entre outros. Os direitos fundamentais ao desenvolvimento, à paz, à solidariedade, por exemplo, decorrem do regime e princípios adotados pela Constituição; alguns deles, de certo modo, sobressaem de normas expressas (artigo 2º)”. (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.178). 391 Artigo 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II – a cidadania; 392 “Durante muito tempo, inclusive no Estado Brasileiro, a expressão cidadão foi utilizada para designar o nacional, mas hoje tal uso já se encontra abandonado. Quando se fala em nacionalidade se está a referir ao vínculo, por nascimento, a determinado território estatal, enquanto cidadão se passou a entender o status ligado ao regime político”. (NERY, Regina Macedo. O desenvolvimento da democracia como resultado da efetiva participação do cidadão. In: GARCIA, Maria (org.). Democracia, hoje. Um modelo político para o Brasil. São Paulo: Celso Bastos, 1997, p.227).

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de sua nacionalidade. Do mesmo modo, encarar a cidadania como mero exercício

dos direitos políticos também é restringir seu alcance constitucional.393

Ao comentar a ideia de cidadania prevista na norma constitucional em

questão, José Afonso da Silva afirma:

A expressão está ali num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (artigo 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do artigo 1º), com os direitos políticos (artigo 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), com os objetivos da educação (artigo 205), como base e meta essencial do regime democrático.394

A Constituição prestigia, portanto, uma noção ampla de cidadania, que inclui a

participação do cidadão no sentido de reivindicar seus direitos. Nos dizeres de

Regina Macedo Nery, “assim, pode-se considerar com Lefort, que o cidadão é o

agente reivindicante, que possibilita o desabrochar de direitos novos”.395

Também nessa perspectiva de que a cidadania é a integração positiva da

pessoa na coisa pública, Jorge Miranda assegura:

A cidadania apresenta-se como status e apresenta-se, simultaneamente, como objecto de um direito fundamental das pessoas. Num mundo em que dominam os Estados, participar num Estado é participar na vida jurídica e política que ele propicia e beneficiar da defesa e da promoção de direitos que ele concede – tanto na ordem interna como nas relações com outros Estados.396

Imaginemos o caso da ação popular. A Constituição é expressa ao afirmar

que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular visando anular ato

393 Em sentido contrário, restringindo o conceito de cidadania: “A cidadania é expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que se indicam, pois, o gozo dessa cidadania”. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 26.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.288). 394 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.104. 395 NERY, Regina Macedo. O desenvolvimento da democracia como resultado da efetiva participação do cidadão. In: GARCIA, Maria (org.). Democracia, hoje. Um modelo político para o Brasil. São Paulo: Celso Bastos, 1997, p.228. “A idéia de cidadania engloba, pelo menos, três tipos básicos de direitos: os civis, os políticos e os sociais. Porém, no curso deste trabalho, o sentido que mais nos interessa é o de cidadania como capacidade de participação do homem na vida social e política do Estado, mais precisamente, a participação em Estado democrático, que não se resume ao cidadão eleitor, mas que adquire as mais variadas formas, para atingir os fins do Estado Democrático de Direito. [...] Assim, enquanto na democracia representativa clássica a escolha de representantes constitui a base que sustenta a soberania popular, a concepção moderna de democracia exige, além do voto e da delegação da vontade do povo, a sua participação direta nas decisões e no controle do Estado, como forma de garantir a vigência e a eficácia dos direitos fundamentais do cidadão”. (NERY, Regina Macedo. O desenvolvimento da democracia como resultado da efetiva participação do cidadão. In: GARCIA, Maria (org.). Democracia, hoje. Um modelo político para o Brasil. São Paulo: Celso Bastos, 1997, p.229). 396 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.207.

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lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Ora, a ação popular está prevista no artigo 5º, LXXIII, da Constituição. Logo,

para conhecer a ação popular, é necessário conhecer o seu fundamento normativo,

a Constituição. Se são poucas as pessoas que afirmam conhecer a Constituição,

supõe-se, evidentemente, que também são poucas as pessoas que conhecem algo

sobre a ação popular. Tendo em vista a importância deste instrumento de

fiscalização popular da coisa pública397, a situação é extremamente prejudicial à

força normativa da Constituição.

Daí a importância em desenvolver a formação de uma cultura constitucional

no Brasil.

8.4 A popularização da Constituição e o artigo 64 do ADCT

Com efeito, a divulgação da Constituição foi objeto de preocupação do

constituinte originário. O artigo 64 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias impõe aos entes federativos o dever de promover por meio de suas

gráficas oficiais edição popular do texto constitucional para que cada cidadão

brasileiro receba seu exemplar gratuitamente:

Artigo 64 – A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil. (grifo nosso).

397 “Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política, e constitui manifestação direta da soberania popular consubstanciada no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição: todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente. Sob esse aspecto é uma garantia constitucional política. Revela-se como uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma função que lhe pertence primariamente. Ela dá a oportunidade de o cidadão exercer diretamente a função fiscalizadora, que, por regra, é feita por meio de seus representantes nas Casas Legislativas. Mas é ela também uma ação judicial, porquanto consiste num meio de invocar a atividade jurisdicional visando a correção de nulidade de ato lesivo; (a) ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe; (b) à moralidade administrativa; (c) ao meio ambiente; e (d) ao patrimônio histórico e cultural. Sua finalidade é, pois, corretiva, não propriamente preventiva, mas a lei pode dar, como deu, a possibilidade de suspensão liminar do ato impugnado para prevenir a lesão. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2005).

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131

A distribuição gratuita de exemplares amplia o acesso à Constituição e, por

consequência, o exercício da cidadania. Não há como desvincular uma coisa da

outra. Não se olvida que a simples distribuição de exemplares impressos ou a

disponibilização de versão eletrônica na internet não são, por si só, suficientes para

promover o acesso à Constituição. É preciso mais. Porém, é verdade que auxiliam

enormemente para melhorar o quadro atual de pouco conhecimento da Constituição.

Por isso, para uma efetiva popularização, compreende-se que o material

impresso a ser distribuído não é aquele equivalente tão somente à transcrição do

texto constitucional. Ressalte-se que o texto do artigo 64 do ADCT utiliza a

expressão “edição popular” do texto integral da Constituição. Considerando a

finalidade de promover a divulgação do conteúdo da Constituição para toda a

população, a expressão em destaque deve ser interpretada no sentido de promover

edições do texto integral da Constituição de maneira explicativa, de fácil apreensão

por qualquer pessoa do povo. Afasta-se, assim, o entendimento simplista de que

“edição popular” significa a impressão em material mais simples, mais barato.

Ora, se é na Constituição que está consagrado o suporte para o gozo e a

garantia dos direitos essenciais do ser humano e os mecanismos de controle do

Estado, é de se supor que seja conhecida pelos brasileiros. Ter ciência do seu

conteúdo é a única forma de propiciar o efetivo exercício desses direitos e

prerrogativas. Ninguém imagina que uma pessoa usará algo que desconhece.

Por estar situada no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a

norma do artigo 64 se depara com algumas limitações. Nesse sentido, trata-se de

um dispositivo com aplicabilidade provisória, transitória. Uma vez esgotada a

situação excepcional regulada, cessam seus efeitos.

Ainda que ocupe lugar no ADCT, seu objetivo não é beneficiar apenas a

população existente à época da promulgação do texto constitucional. Do contrário,

cria-se uma discriminação desfavorável às novas gerações, que ficariam

impossibilitadas de também ter acesso ao conteúdo da Constituição. Além disso, a

Constituição atual não é a mesma que aquela promulgada em 05 de outubro de

1988, pois passou por inúmeras modificações. O que se pretende demonstrar é que

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se trata de uma norma permanente. Em outros termos: sob o aspecto formal, é uma

norma constitucional transitória, porém, sob o aspecto material ela é permanente.398

Ainda que se considere uma norma de natureza transitória, sua aplicabilidade

não se exauriu. Diante do cenário de total desconhecimento da Constituição pela

população brasileira, evidente que eventual situação excepcional ali regulada não

desapareceu.

José Afonso da Silva, ao comentar o artigo 64 do ADCT, enfatiza que essa

norma se refere à popularização da Constituição:

Rigorosamente não se trata de disposição transitória, mas permanente, porque a idéia é a de manter edições populares do texto integral da Constituição para sua distribuição às instituições indicadas, à disposição de todos, gratuitamente, para que todo cidadão possa receber do Estado um exemplar da Carta Magna. É uma idéia muito boa, só que parece que não está sendo executada. A disposição ficaria melhor entre as disposições gerais.399

Com efeito, essa norma consagra a obrigação do Estado de popularizar a

Constituição e desenvolver a formação de uma cultura constitucional no país.

398 Sobre o tema das disposições constitucionais transitórias: PESSOA, João Paulo. As disposições transitórias no direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 399 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.932.

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133

9 PROPOSTAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CULTURA CONSTITUCIONAL

Diante de todo o exposto, pretendemos sistematizar algumas sugestões de

medidas que poderiam ser implementadas pelo Estado, nas suas diversas funções

estatais.

9.1 Poder Judiciário

No âmbito do Poder Judiciário, destacamos a precípua função de guardião da

Constituição que compete ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102 da Constituição).

Esta atribuição se revela no exercício do controle de constitucionalidade por

meio dos instrumentos processuais disponibilizados pela Constituição, como a ação

direta de inconstitucionalidade (também a inconstitucionalidade por omissão), a ação

declaratória de constitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito

fundamental, o recurso extraordinário e, até mesmo, o mandado de segurança,

como na hipótese em que é impetrado por parlamentar para garantir o processo

legislativo previsto na Constiuição.400

Mas não é só.

Colabora, ainda, para desenvolver e fortalecer a cultura constitucional uma

atuação da Suprema Corte mais aberta à participação da sociedade, convidada a

contribuir com os processos de decisões que avaliam o cumprimento das normas

estabelecidas pela Constituição.

Carlos Nino afirma ser valiosa a participação popular no sistema judicial,

como se dá, por exemplo, com o exerício da função de jurado, porque a proximidade

com os procedimentos judiciais, assistindo a eles, participando deles, possui um

efeito educativo impressionante sobre o direito, potencializando sua capacidade

400 Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; [...] §1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. [...] Artigo 103. [...] §2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

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preventiva, além de tornar mais transparente o funcionamento do Poder Judiciário,

afastando qualquer espécie de suspeitas.401

Nesse contexto, revela-se extremamente útil e relevante o incentivo à

realização das audiências públicas402 e à utilização do instituto do amicus curiae.

As audiências públicas foram previstas, inicialmente, pelas Leis n. 9.868/1999

(artigos 9º, §1º, 20, §1º403) e n.9.882/1999 (artigo 6º, §1º404). Posteriormente foram

incorporadas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que atribuiu

competência ao Presidente ou ao Relator (artigos 13, XVII, e 21, XVII), para

“convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e

autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o

esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de

interesse público relevante” debatidas no Tribunal.405

Admite-se, também, a manifestação de órgãos ou entidades no processo de

controle concentrado de constitucionalidade, desde que demonstrem sua

representatividade e a relevância da matéria em discussão no Supremo Tribunal

Federal. Trata-se da figura do amicus curiae, instituída pelas Leis n. 9.868/1999

(artigo 7ª, §2º406) e n. 9.882/1999 (artigo 6º, §2º)407 e, posteriormente, incorporada

401 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.220-221. 402 Até o momento foram realizadas aproximadamente 24 audiências públicas no Supremo Tribunal Federal, tanto no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade quanto no de julgamento de Recurso Extraordinário. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso em: 19 jan. 2019. 403 Segundo os dispositivos: “Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”. 404 Artigo 6º [...] §1º Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. 405 O procedimento a ser seguido está discriminado no artigo 154 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “Artigo 154. Serão públicas as audiências: [...] iii – para ouvir o depoimento das pessoas de que tratam os arts. 13, inciso XVII, e 21, inciso XVII, deste Regimento. Parágrafo único. A audiência prevista no inciso III observará o seguinte procedimento: i – o despacho que a convocar será amplamente divulgado e fixará prazo para a indicação das pessoas a serem ouvidas; ii – havendo defensores e opositores relativamente à matéria objeto da audiência, será garantida a participação das diversas correntes de opinião; iii – caberá ao Ministro que presidir a audiência pública selecionar as pessoas que serão ouvidas, divulgar a lista dos habilitados, determinando a ordem dos trabalhos e fixando o tempo que cada um disporá para se manifestar; iv – o depoente deverá limitar-se ao tema ou questão em debate; v – a audiência pública será transmitida pela TV Justiça e pela Rádio Justiça;” 406 Artigo 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. §2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. 407 Artigo 6º [...] §2º Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.

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ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (131, §3º408), que sofreu

alteração para admiti-la também no âmbito do Recurso Extraordinário (artigo 323,

§2º409).410

A possibilidade de intervenção do amicus curiae como forma de

representação dos interesses gerais da coletividade e da diversidade atua como

fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, contribuindo para

democratizar o processo de controle de constitucionalidade.411

Além disso, mostra-se importante que o Supremo Tribunal Federal passe a

prestigiar as decisões tomadas pelo colegiado, superando a fragmentação

decorrente da ausência de uniformidade entre os Ministros, demonstrada por meio

das decisões monocráticas. Conforme afirma Julia Wand-Del-Rey Cani, “o respeito

408Artigo 131 [...] §3º Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do §2º do artigo 132 deste Regimento. 409 Artigo 323 [...] §3º Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral. 410 Atualmente, o Código de Processo Civil ampliou as hipóteses de cabimento da figura do amicus curiae, nos termos do artigo 138: “Artigo 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. §1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do §3º. §2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. §3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.” 411 Vale transcrever trecho de decisão proferida pelo Min. Celso de Mello no âmbito da ADI n.2130: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI N. 9.868/99 (ARTIGO 7º, §2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO DEFERIDO. – No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (Lei n. 9.868/99, artigo 7º, §2º), permitindo que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. – A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no artigo 7º, §2º, da Lei n. 9.868/1999 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional. [...] Tenho para mim, contudo, na linha das razões que venho de expor, que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que o amicus curiae poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo – como o de controle abstrato de constitucionalidade – cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância e de inquestionável significação. [...] (ADI 2130 MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20-12-2000, DJ 02-02-2001, p.00145).

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aos seus próprios precedentes é o primeiro passo para garantir que suas decisões

impactem a vida dos cidadãos”.412

Além dessa atuação endoprocessual, diante da enorme relevância da

Suprema Corte como guardiã da Constituição, acrescenta-se a possibilidade de

gerar conteúdo acessível à população para propiciar o conhecimento dos institutos

constitucionais e dos direitos fundamentais.413

Cabe ao Supremo Tribunal Federal, ainda, desenvolver a preocupação com a

compreensão popular do ‘ritual’ dos julgamentos, adotando linguaguem acessível ao

leigo, na medida do possível. Isto porque tem sido cada vez mais comum o

acompanhamento pela população dos julgamentos dos casos que são ali

apreciados, através dos meios de comunicação (televisão, jornais, internet, etc).

Nesse espaço, tem relevo a ideia da coloquialidade no exercício da interpretação

constitucional.414

412 CANI, Julia Wand-Del-Rey. Supremo: um tribunal (só) de teses? In: FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W. Onze supremos: todos contra o plenário. In: FALCÃO, Joaquim.; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, FGV Rio, 2017, p.113-115. No mesmo sentido, aponta Dimitri Dimoulis: “No mundo ideal da segurança jurídica, o Supremo deveria manter coerência em relação aos métodos de interpretação e determinar o valor da “letra” da Constituição. Enquanto não se tomam iniciativas institucionais para tentar estabilizar as interpretações, a crítica que certa decisão não respeitou as formulações da Carta Magna serve apenas para expressar discordâncias com o resultado. Não interessa como se decide, mas o que foi decidido. Acertando ou errando, o Supremo e seus críticos apropriam-se de maneira seletiva e imprevisível da letra da Constituição”. (DIMOULIS, Dimitri. A Constituição interpretada sem regras. In: FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego W.; RECONDO, Felipe. Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, FGV Rio, 2017, p.63-65). 413 Não olvidamos que algumas iniciativas já existem pelo Supremo Tribunal Federal. Podemos citar o programa “Artigo 5º” que integra a grade de programação da TV Justiça – criada pela Lei n.10.461/2002, como uma “um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça”, que tem por finalidade apresentar os direitos fundamentais aos telespectadores. Disponível em: <http://www.tvjustica.jus.br/index/ver-detalhe-programa/idPrograma/212879/youtubeid/>. Acesso em: 15 jan. 2018. Também destacamos o recente portal criado em razão dos 30 anos da Constituição. Disponível em: <http://sistemas.stf.jus.br/30anosconstituicao/>. Acesso em: 15 jan. 2018. 414 Sobre a coloquialidade na interpretação constitucional: “A Constituição, enquanto documento jurídico inaugurador do sistema, situado no seu mais alto patamar hierárquico, vem pontuada, dentre outros, por seu caráter político. Serve à organização do Estado, ao tempo que se constitui um instrumento da cidadania. É dirigida aos indivíduos e não propriamente aos iniciados em direito. Surge então a questão da convenção linguística a ser utilizada, a saber: aquela fundamentada no uso científico ou aquele ancorada no uso normal. Tratando-se a Constituição de um conjunto sistêmico de normas, pontuado de aspectos políticos e voltado ao indivíduo, entende-se que os termos da Constituição Federal devem ser utilizados em seu significado idiomático, coloquial, sem tecnicidade”. (ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 16.ed. São Paulo: Verbatim, 2012, p.119).

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9.2 Poder Legislativo

Uma das maneiras de atenuar a tendência à anomia constitucional é

estabelecer formas de participação popular no processo de elaboração das normas

constitucionais.

Nesse sentido, sugere-se que seja cada vez mais prestigiada a realização de

audiências públicas nos processos de discussão legislativa acerca das Propostas de

Emenda à Constituição.

Segundo a Constituição Federal (artigo 58, §2º, II), cabe às comissões

permanentes e temporárias do Congresso Nacional e de suas Casas, em razão da

matéria de sua competência, “realizar audiências públicas com entidades da

sociedade civil”.

Os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal se

limitam a replicar esta regra sem estabelecer qualquer diferenciação em relação às

Propostas de Emenda à Constituição.415

A realização de audiências públicas no processo de aprovação das Propostas

de Emenda à Constituição tenderia a tornar mais transparente esse momento de

deliberação acerca do texto constitucional e mais próxima à temática constitucional

da sociedade civil.416

415 De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados: “Artigo 24. Às Comissões Permanentes, em razão da matéria de sua competência, e às demais Comissões, no que lhes for aplicável, cabe: [...] III – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; [...] Artigo 255. Cada Comissão poderá realizar reunião de audiência pública com entidade da sociedade civil para instruir matéria legislativa em trâmite, bem como para tratar de assuntos de interesse público relevante, atinentes à sua área de atuação, mediante proposta de qualquer membro ou a pedido de entidade interessada. Artigo 256. Aprovada a reunião de audiência pública, a Comissão selecionará, para serem ouvidas, as autoridades, as pessoas interessadas e os especialistas ligados às entidades participantes, cabendo ao Presidente da Comissão expedir os convites. §1º Na hipótese de haver defensores e opositores relativamente à matéria objeto de exame, a Comissão procederá de forma que possibilite a audiência das diversas correntes de opinião. [...]”. Por sua vez, o Regimento Interno do Senado Federal dispõe: “Artigo 93. A audiência pública será realizada pela comissão para: I – instruir matéria sob sua apreciação; II – tratar de assunto de interesse público relevante. §1º A audiência pública poderá ser realizada por solicitação de entidade da sociedade civil. §2º A audiência prevista para o disposto no inciso I poderá ser dispensada por deliberação da comissão. [...]. Artigo 95. Da reunião de audiência pública será lavrada ata, arquivando-se, no âmbito da comissão, os pronunciamentos escritos e documentos que os acompanharem. Parágrafo único. Será admitido, a qualquer tempo, a requerimento de Senador, o traslado de peças.” 416 Conforme destaca Carlos Nino: “Una forma menor pero importante de participación, destinada a dar transparência a los procesos administrativos e legislativos, puede darse a través de audiências públicas” (NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.232).

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Na opinião de Carlos Nino, “claro está que estos métodos de participación

popular en la formación y aplicación de las normas, sólo pueden ser efectivos si se

descentraliza convenientemente tal proceso de creación y aplicación normativa”.417

Ainda no tocante à Proposta de Emenda à Constituição, seria de grande

contribuição para o desenvolvimento da cultura constitucional a possibilidade de

iniciativa popular para essa espécie normativa.

A Constituição é clara ao estabelecer, em seu artigo 14, III, que a soberania

popular será exercida mendiante o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, nos

termos da lei.

Contudo, ao tratar da emenda à Constituição, não mencionou a iniciativa

popular, citada expressamente ao cuidar das leis, ao prever que poderá ser exercida

pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no

mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco Estados, com

não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles, conforme o

artigo 61, §2º.

Não vemos impedimento, contudo, para alteração do texto constitucioal

visando prever a possibilidade de iniciativa popular de emenda à Constituição.

Vale mencionar o recente julgamento da ADI n. 825 pelo Supremo Tribunal

Federal418, que resultou no reconhecimento da constitucionalidade de dispositivo da

Constituição do Estado do Amapá que prevê a iniciativa popular para emendas

constitucionais.419

Naquela oportunidade, decidiu-se que a iniciativa popular de emenda à

Constituição do Estado é compatível com a Constituição (artigo 1ª, parágrafo único;

artigos 14, II e III; 49, XV).420

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a Constituição amapaense

densifica a ampliação daquilo que a Constituição Federal de 1988 não prevê

expressamente, constituindo certa democratização no processo de reforma das

417 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.233. 418 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 25-10-2018 (ADI-825). 419 Informativo n. 921 do STF, Brasília, 22 a 26 out. 2018. 420 “Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. [...] Artigo 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...] II – referendo; III – iniciativa popular. [...] Artigo 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] XV – autorizar referendo e convocar plebiscito;”

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regras constitucionais estaduais. O princípio da simetria não implica óbice diante da

ausência de regra clara que afaste a faculdade de o Estado aumentar os

mecanismos de participação direta.421 422

Outras Constituições estaduais preveem a iniciativa popular para emenda,

conforme destaca Paulo Bonavides.423 Este instrumento, a nosso ver, poderia ser

implementado na Constituição Federal brasileira.

Outrossim, tendo em vista o que já afirmamos quanto à omissão

inconstitucional, uma tarefa relevante a ser desenvolvida pelo Legislativo consiste na

integração normativa dos dispositivos constitucionais que demandam

regulamentação e no aperfeiçoamento da legislação que configure omissão

legislativa parcial.

Por fim, quanto ao fenômeno da superação legislativa da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, era de se esperar que o Poder Legislativo prestigiasse as

decisões que configuram a jurisprudência consolidada da Suprema Corte ou, nos

casos em que claramente pretenda superar tal jurisprudência, justificasse

adequadamente as circunstâncias fáticas, culturais e jurídicas que levam à

necessidade de tal superação, de modo que o pretendido diálogo institucional seja

pautado, evidentemente, pela reciprocidade.424

421 Informativo n. 921 do STF, Brasília, 22 a 26 out. 2018. 422 “A ministra Rosa Weber consignou a importância da iniciativa popular de emenda para a implantação da democracia participativa no Brasil. O ministro Luiz Fux frisou que, consoante doutrina, o princípio democrático conspira em prol da possibilidade de a iniciativa popular promover emendas constitucionais. Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski acentuou que, em matéria de direitos fundamentais, os estados podem ampliá-los com relação à CF. A soberania e a cidadania são valores máximos abrigados na CF relativamente aos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, que consideraram inconstitucional a iniciativa popular de emenda. O relator assinalou inexistir parâmetro na CF, que não permite essa iniciativa para proposta de emenda constitucional. Ademais, a CF não deixou vácuo legislativo. O ministro Marco Aurélio destacou que a própria Constituição Federal veio a limitar a iniciativa popular quando não cogitou dela quanto às emendas constitucionais” (Informativo n. 921 do STF, Brasília, 22 a 26 out. 2018). 423 BONAVIDES, Paulo. Emenda à Constituição por iniciativa popular. In: (Orgs.) LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet; CARBONELL, Miguel. Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2011, p.763. 424 Sobre o tema: “O amadurecimento do Estado Democrático de Direito possui como teste sua capacidade de manter um conjunto institucional ao longo do tempo, mas, de igual sorte, fazer com que tais instituições possam ser objeto de atualizações, de mudanças estruturais que venham a adequar a tensão entre o direito e a política. Assim, ainda que a estrutura institucional da decisão judicial demande que as partes defendam seus casos com argumentações como se elas pudessem ser objeto de respostas definitivas, a busca por consensos no espaço jurídico não pode ofuscar o Judiciário para os fatos políticos que pulsam na vida social e que animam a vida em sociedade. Eis que, a discordância a respeito das decisões judiciais pode sempre reavivar controvérsias políticas e, até onde a vista alcança, as formas mais aprimoradas de resolução das tensões entre direito e política ocorrem através da dialógica institucional” (CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Diálogos institucionais: estrutura e legitimidade. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v.2, n.3, p.183-206, set.-dez., 2015).

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140

9.3 Poder Executivo

No âmbito do Poder Executivo, nossa proposta consiste no desenvolvimento

da educação constitucional como implementação de política pública.425

Carlos Nino aborda o tema da educação normativa como uma forma de

estimular a observação das normas jurídicas. Isto deve ocorer por meio do processo

educativo – compreendido não apenas como educação formal, pelas instituições de

ensino (escolas, universidades) – mas também através dos meios de difusão de

massa, das bibliotecas, do cinema, do teatro, das conferênicas e de encontros

informais entre os cidadãos.426

Nesse contexto, o processo educativo é inevitável para promover a

observância efetiva de normas públicas não pelo valor intrínseco que eventualmente

possam apresentar aos indivíduos mas pelo seu aspecto instrumental, que

possibilitará o exercício da autonomia de cada pessoa para o exercício de seus

direitos.427

Em relação à democracia, por exemplo, não há como pensá-la sem relacioná-

la com a necessária observância das normas surgidas do processo de deliberação e

decisões coletivas.428

Necessário cultivar o conhecimento e os instrumentos necessários para a

deliberação democrática e a discussão constitucional dos enfrentamos políticos do

país.

É preciso que população compreenda porque a Constituição é necessária,

porque ela legitima o Estado Democrático de Direito brasileiro, as normas

constitucionais (ao menos as que cuidam dos direitos e garantias fundamentais e da

organização do Estado e dos Poderes) e, por fim, saber da necessidade de seu

cumprimento e respeito pelo Estado e pelos seus cidadãos.429

425 RANGEL, Rodrigo Costa Vidal. Educação constitucional, cidadania e estado democrático de direito. Porto Alegre, Nuria Fabris, 2008. 426 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.250. 427 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.251-252. 428 “Por lo tanto, la defensa de la democracia requiere la adopción de procedimientos para hacer observar las normas que emergen del proceso democrático. La educación es un instrumento de primer orden en este sentido, sobre todo cuando se advierte que la democracia necesita ciudadanos con determinadas virtudes de carácter adecuadas para el processo de deliberación pública, decisión mayoritaria y observancia de los resultados de esa decisión.” (NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.252). 429 Carlos Nino apresenta as condições necessárias para que floresça a virtude de respeito pelas normas democraticamente estabelecidas. (NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.254).

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Para Carlos Nino, o ensino deveria partir das normas mais próximas e visíveis

para as normas mais gerais e abstratas, buscando promover seus princípios

básicos, mostrando quais atividades e funções sociais dependem de seu

cumprimento efetivo e as consequências de seu descumprimento. Assim, propõe

que se chegue até a Constituição, que deveria ser explicada não sob o viés

dogmático e memorístico, mas apresentando as razões da forma de organização do

poder e do processo para a tomada de decisões coletivas nela estabelecidas e os

direitos fundamentais nela reconhecidos.430

Corroborando com esse entendimento, Paulo Ferreira da Cunha ensina:

Cultura constitucional significa também, pois, conhecimento da Constituição. Esse é o seu grau mínimo, como vimos. Era importante que ela fosse obrigatoriamente ensinada desde cedo. Estudada mesmo e de forma dinâmica. Porque a Constituição é a resposta jurídico-política básica, mais geral e mais consensual aos grandes problemas colectivos. Não resolve os nossos dramas filosóficos, nem as nossas angústias psicológicas, nem as nossas questões familiares ou sentimentais. Mas é a resposta colectiva que a nossa sociedade deu (e continua a dar – porque em certo sentido a Constituição se actualiza diariamente) aos seus problemas comuns, ou seja, políticos.431 (grifo nosso)

A realização da cultura constitucional depende também da sua promoção por

meio da educação. Conforme esclarece Jorge Miranda, para produzir cultura é

necessário receber cultura, o que se dá por meio da educação: “Não há liberdade de

criação cultural sem liberdade de aprender, e também de ensinar (artigo 43º, n.1);

assim como não se torna uma liberdade acessível a todos sem direito à educação

(artigos 73º e segs.).”432

430 NINO, Carlos Santiago. Un país al margen de la ley. Buenos Aires: Emecé, 1992, p.256-257. 431 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International Studies on Law and Education 8 maio-ago. 2011. CEMOrOc-Feusp/Universidade do Porto. Disponível em: <http://www.hottopos.com/isle8/05-16PFC.pdf> Acesso em: 15 dez. 2018, p.15. 432 MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.105. “O direito de acesso aos bens de cultura compreende:– direito à formação cultural em geral, que se reconduz ao direito à educação e ao ensino (artigos 73º, nos 1 e 2, 74º, e 76º, n. 1);– direito à fruição cultural compreendendo o direito de acesso ao património cultural [artigo 78º, n. 1 e n. 2, alínea a), 2ª parte, e alínea b), 2ª parte, e, em especial, artigo 72º, n. 1].” (MIRANDA, Jorge. Notas sobre cultura, Constituição e direitos culturais. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n.66, out.-dez., 2017, p.107).

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142

10 CONCLUSÃO

Podemos compreender o constitucionalismo sob duas perspectivas: como

uma teoria e como um movimento político-cultural construído ao longo do percurso

histórico. Como teoria, o constitucionalismo significa, em sua essência, a limitação

do poder para garantir direitos. Da análise da evolução histórica do

constitucionalismo, revela-se claro ser este o resultado de um longo processo de

amadurecimento político, filosófico e cultural. O fato é que o constitucionalismo como

teoria decorre de um processo histórico, podendo ser visto mesmo como um

movimento político, social e cultural.

Em suma, por constitucionalismo se deve entender o movimento político,

filosófico, cultural voltado para a conquista de documentos constitucionais em que se

fixam princípios liberais-democráticos, como meio de limitar a ação do poder e

garantir a vigência dos direitos da pessoa humana, por meio de uma Constituição

escrita.

Porque se apresenta como objeto de cultura, o constitucionalismo é histórico

e evolui com o correr dos tempos, adquirindo novos conteúdos e qualificativos,

sensível às transformações políticas e culturais pelas quais a sociedade ultrapassa

As Constituições podem ser compreendidas sob os mais diversos enfoques,

destacando-se os sentidos político, sociológico e jurídico do seu estudo. A adoção

de qualquer um deles, isoladamente, implica uma ideia incompleta de Constituição,

que deve ser compreendida e interpretada como uma estrutura, o que não exclui a

possibilidade de preferir um ou outro aspecto. Para este trabalho, optamos por

destacar a relação entre Constituição e cultura, abordando a teoria da Constituição

como ciência cultural e a concepção culturalista de Constituição.

Quanto à ideia de cultura, inúmeros conceitos são apresentados. Destacamos

a concepção semiótica de cultura e aquela que a compreende, no plano do

conhecimento, como um terceiro a priori, além das “condições existenciais da

correlação sujeito/objeto (Miguel Reale), havendo uma estreita relação entre

culturalismo, ou teoria da cultura, e o ato cognoscitivo, ou teoria do conhecimento.

A cultura se forma pelas tradições e pelos valores herdados por meio da

educação e da permanente busca de novos conhecimentos e práticas; existe, ainda,

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uma estreita relação entre a cultura e o fator tempo, uma vez que este contribui para

formar aquela.

O estudo da teoria da Constituição como ciência cultural exige observar que:

a Constituição apresenta um fundamento cultural; suas normas não se prestam

apenas para interpretação pelos juristas, mas servem como fio condutor para todo

cidadão, o leigo em relação à ciência jurídica (Peter Häberle); o direito, enquanto

cultura, consiste em realizar valores (dignidade da pessoa, liberdade, livre

desenvolvimento da personalidade, respeito pelos outros, justiça, igualdade,

pluralismo político-social e solidariedade); a concepção da teoria da Constituição

como ciência cultural implica efetivar esses valores na sociedade (Pablo Lucas

Verdú).

De acordo com a concepção culturalista de Constituição, esta não pode ser

compreendida desentranhada da cultura da comunidade donde provém e por ser,

em si mesma, uma obra e um bem de cultura. Em síntese, a Constituição se

relaciona com a ideia de cultura sob dois aspectos: a Constituição como objeto da

cultura; e a cultura como objeto da Constituição – há uma verdadeira relação de

simbiose entre o direito e a cultura.

Intimamente relacionada à compreensão científico-cultural da teoria da

Constituição, como um dos seus conceitos-chave, e com a noção culturalista de

Constituição, está a ideia de cultura constitucional, conceito de certo modo olvidado

por boa parte da doutrina.

A ideia de cultura constitucional adotada para este trabalho, apoiada na

compreensão científico-cultural da teoria da Constituição, parte do pressuposto de

que todos os seus elementos – ideias e ações (atitudes) provenientes da esfera

interna do sujeito (experiência, escala de valores e expectativas) e do âmbito

externo por meio das ações especialmente por parte do Estado consonantes com a

Constituição, o necessário transcurso temporal para seu enraizamento, a promoção

do conhecimento da Constituição a fim de possibilitar a adesão dos cidadãos ao

conteúdo – devem ser tomados num sentido estrutural. Isto significa que seus

diferentes aspectos (subjetivos e objetivos) devem se apresentar interligados, num

fluxo de existência harmônico, demandando um esforço de todos os envolvidos,

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tendo em vista que “a Constituição nos interessa a todos, que todos somos seus

intérpretes em um sentido amplo porque todos vivemos suas normas”.

O efetivo conhecimento da Constituição ocorrerá, evidentemente, por meio da

interpretação. É assim que se alcançará o significado do texto da Constituição. Por

sua vez, é a partir da interpretação que a aplicação prática da Constituição ocorrerá.

Referida interpretação deve ser tomada sob a perspectiva democrática, ou seja,

adota-se como pressuposto uma interpretação inclusiva, que envolva os cidadãos

entre seus participantes (sociedade aberta dos intérpretes da Constituição).

O desenvolvimento da cultura constitucional pressupõe a eficácia jurídica das

normas constitucionais e, também, sua efetividade. Estes temas são os nutrientes

necessários ao seu enraizamento em uma determinada sociedade. Por sua vez, a

força normativa apresenta como um dos seus elementos a vontade de Constituição.

Nesse contexto, a cultura assume um papel relevante, eis que quanto mais

desenvolvido o enraizamento da cultura constitucional, maior o fortalecimento da

força normativa da Constituição. O conceito de sentimento constitucional está

assentado em um elemento principal, o aspecto subjetivo dos destinatários da

Constituição, havendo uma proximidade acentuada com o elemento subjetivo

destacado na ideia de cultura constitucional que, por sua vez, se apresenta como

um conceito mais amplo.

Em que pese a relevância da cultura constitucional para a Constituição se

tornar viva no seio da sociedade, o fato é que a observação da prática constitucional

pode revelar um abismo entre a Constituição e a sociedade, situação esta que

configura o fenômeno denominado erosão da cultura constitucional, gerada por dois

fatores principais: a inobservância consciente da Constituição pelos detentores do

poder e a indiferença dos destinatários do poder em relação à Constituição. Uma

Constituição que permanece em constante reforma constitucional se torna mais

difícil de ser conhecida pelo povo e causa mais dificuldade na interpretação judicial.

A omissão inconstitucional do Estado é outro fenômeno que configura grave

desrespeito à Constituição. A erosão da cultura constitucional está intimamente

relacionada à ideia de anomia constitucional, que se caracteriza por generalizar

determinadas condutas que não expressam lealdade às normas.

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Para compreender a cultura constitucional no Brasil – e sua erosão – é

necessário a analisar a evolução constitucional brasileira até a promulgação da

Constituição Federal de 1988, a inobservância consciente da Constituição brasileira

e o seu distanciamento em relação à população.

Com efeito, foram caracterizados os principais fatores que constituem a

erosão da cultua constitucional. Demonstrou-se que a evolução constitucional

brasileira foi marcada até a promulgação da Constituição de 1988 pelo autoritarismo,

o que nos leva a concluir que o Estado constitucional democrático, delineado pela

atual Constituição, está em fase de consolidação e de “absorção” pela sociedade

brasileira. Demonstrou-se ainda existir um esforço deliberado para frustrar a

consolidação da cultural constitucional no Brasil, configurando a inobservância

consciente da Constituição. Podemos citar a omissão inconstitucional, a tentativa do

Legislativo de superar por meios alternativos o entendimento do Supremo Tribunal

Federal em algumas matérias e, até mesmo, a própria ausência de uniformidade de

entendimento entre os Ministros da Suprema Corte.

Por fim, ficou claro o distanciamento da Constituição em relação à população,

na medida em que esta última não a reconhece. Afirmamos que a população

brasileira não conhece a Constituição Federal. É o que foi demonstrado pela

pesquisa encomendada por nós – inédita no Brasil – junto ao Ibope, realizada em

setembro de 2017, em todo o Brasil. Nela foram entrevistadas mais de 2 mil

pessoas. Utilizamos como referência científica o rico material elaborado pela

Universidade Nacional do México (UNAM), que desenvolve uma densa pesquisa

sobre a cultura constitucional no México desde 2002, posteriormente replicada na

Argentina e na Costa Rica.

Nessa linha, para fins de uma diferenciação mais clara em relação à cultura

constitucional, adotamos a ideia de constituição cultural significando o conjunto de

normas da Constituição que cuidam da cultura. No contexto de tal simbiose entre

Constituição e a cultura é que podemos depreender a partir da Constituição cultural

uma série de normas que, numa compreensão mais abrangente e na perspectiva da

máxima efetividade da Constituição, impõem a necessária e fundamental promoção

da cultura constitucional pelo Estado.

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146

Ora, sendo a Constituição um fenômeno cultural há de ser compreendida

como obra e bem de cultura. Assim, o conhecimento da Constituição pela população

é forma de acesso à cultura. Isso porque a Constituição como objeto da cultura

dever ser compreendida também como integrante do patrimônio cultural brasileiro,

conforme artigo 216 da Constituição Federal da 1988.

Na perspectiva aqui defendida, a guarda da Constituição engloba a

divulgação de seu conteúdo à população para que esta também possa examinar o

seu cumprimento ou não pelo Poder Público e usufruir os instrumentos de

participação popular na coisa pública. Além disso, considerando a íntima relação

entre cultura e educação, a Constituição determina que o acesso à educação deve

visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da

cidadania, nos termos do seu artigo 205.

Tendo em vista que é na Constituição que se encontram as regras do jogo

(democracia) e que o exercício da cidadania não se resume à capacidade de eleger

e ser eleito – expressa a possibilidade de exercício pleno de seus direitos, de

fiscalizar a coisa pública e de também nela participar – revela-se que somente com o

conhecimento pleno das prerrogativas oferecidas pela qualidade de cidadão é que

se pode esperar o exercício real da cidadania.

A ausência de consciência sobre seus direitos e seus instrumentos de

fiscalização e participação na coisa pública permite a anestesia política. A

universalização do conhecimento dos direitos é necessária como meio para

desenvolver uma cidadania efetiva e para dotar de eficácia social a própria

Constituição.

A divulgação da Constituição foi objeto de preocupação do Constituinte

originário. O artigo 64 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias impõe

aos entes federativos o dever de promover por meio de suas gráficas oficiais edição

popular do texto constitucional para que cada cidadão brasileiro receba seu

exemplar gratuitamente. Ainda que se considere uma norma de natureza transitória,

entendemos que a sua aplicabilidade não se exauriu. Diante do cenário de total

desconhecimento da Constituição pela população brasileira, evidente que eventual

situação excepcional ali regulada não desapareceu. Essa norma consagra a

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obrigação do Estado em promover a popularização da Constituição e desenvolver a

formação de uma cultura constitucional no país.

Assim, sendo a Constituição a norma suprema do Estado, fundamento de

validade para todas as outras e condição para o exercício pleno da cidadania e

democracia, é necessário e urgente consagrar a cultura constitucional no Brasil.

No âmbito do Poder Judiciário, colabora para desenvolver e fortalecer a

cultura constitucional uma atuação da Suprema Corte mais aberta à participação da

sociedade, convidada a colaborar nos processos de decisões que avaliam o

cumprimento das normas estabelecidas pela Constituição. Nesse contexto, mostra-

se extremamente útil e relevante o incentivo à realização das audiências públicas e

à utlização do instituto do amicus curiae – até o momento foram realizadas

aproximadamente 24 audiências públicas no Supremo Tribunal Federal, tanto no

âmbito do controle concentrado de constitucionalidade quanto no julgamento de

Recurso Extraordinário.

No âmbito do Poder Legislativo, uma das maneiras de atenuar a tendência à

anomia constitucional é estabelecer formas de participação popular no processo de

elaboração das normas constitucionais. Nesse sentido, sugere-se o fortalecimento

da realização de audiências públicas nos processos de discussão legislativa acerca

das Propostas de Emenda à Constituição. Ainda no tocante à Proposta de Emenda

à Constituição, seria de grande contribuição para o desenvolvimento da cultura

constitucional a possibilidade de iniciativa popular para essa espécie normativa.

No âmbito do Poder Executivo, nossa proposta consiste no desenvolvimento

da educação constitucional como implementação de política pública. Nesse

contexto, o processo educativo é inevitável para promover a observância efetiva de

normas públicas não pelo valor intrínseco que eventualmente possam apresentar

aos indivíduos mas pelo seu aspecto instrumental que possibilitará o exercício da

autonomia de cada pessoa para o exercício de seus direitos. Fora de dúvida que a

realização da cultura constitucional depende também da sua promoção por meio da

educação.

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ANEXO 1

Latinobarómetro 2005

Conocimiento de constitución política del país

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ANEXO 2

Latinobarómetro 2005 – Nivel de cumplimiento de constitución

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DataSenado

25 anos da Constituição

Secretaria de Transparência

Coordenação de Pesquisa e Opinião

DataSenado

Outubro de 2013

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DataSenado

Direito a saúde e educação são considerados os avanços mais importantes da Constituição de 88

No ano em que a Constituição Federal de 1988 completa 25

anos, o DataSenado realizou pesquisa nacional para

verificar o que pensam os brasileiros sobre a Carta Magna e

sobre sua aplicação. Os dados foram coletados pelo Alô

Senado, por meio de entrevistas telefônicas, entre os dias

18 e 30 de setembro de 2013, com uma amostragem

aleatória de 811 pessoas distribuídas em todas as unidades

da Federação. A margem de erro é de 3,5 pontos

percentuais.

Perguntados sobre qual norma introduzida ou ampliada pela

Constituição consideravam a mais importante, a maioria

(34,3%) escolheu saúde como direito de todos, seguido por

educação como direito de todos (27,8%) e liberdade de

expressão (13,1%). Esta pergunta foi respondida apenas

por entrevistados que declararam ter algum conhecimento

da Constituição.

Os números revelam também uma diferença de visões em

função da renda dos entrevistados: enquanto “saúde como

direito de todos” foi o ponto mais escolhido pelos

respondentes com renda mais baixa, pessoas com renda

34,3%

27,8%

13,1%

9,3%

6,6%

3,5%

3,4%

0,5%

1,4%

Saúde como direito de todos

Educação como direito de todos

Liberdade de Expressão

Proteção da criança e do adolescente

Direito das mulheres

Proteção ao meio ambiente

Direito do Consumidor

Outro

NS/NR

A Constituição de 88 introduziu novos direitos e ampliou outros. Qual deles você considera o mais

importante?

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DataSenado

alta consideraram “educação como direito de todos” como o

mais relevante.

Conteúdo constitucional precisa ser mais difundido

Os resultados da pesquisa demonstraram que direitos,

deveres e normas constitucionais precisam de mais

divulgação entre os brasileiros. Isso porque pouco mais da

metade dos entrevistados (50,8%) avalia ter conhecimento

médio da Constituição, outros 35,1% disseram ter baixo

conhecimento, enquanto 7,8% julgam não ter conhecimento

nenhum. Apenas 5,3% dos participantes declararam possuir

elevado conhecimento do texto constitucional.

Os resultados indicam também que a declaração “nenhum

conhecimento” é mais comum entre os jovens de 16 a 19

anos (16,7%). Por outro lado, os respondentes com ensino

superior afirmam ter alto nível de conhecimento com maior

frequência do que os entrevistados com grau de instrução

menor. O nível de conhecimento sobre a Carta também

varia com relação à renda: comparados com pessoas de

renda menor, respondentes com renda de 5 salários ou

mais afirmam ter alto conhecimento com maior frequência.

5,3%

50,8%

35,1%

7,8%

1,0%

Alto

Médio

Baixo

Nenhum

NS/NR

Como você avalia seu nível de conhecimento sobre a atual Constituição brasileira?

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DataSenado

Maioria acredita que Brasil melhorou após a Constituição de 88

A pesquisa avaliou também se a população considera que o

Brasil melhorou ou piorou após a promulgação e se ela

acha que a Constituição é respeitada. Entre os

entrevistados que declararam ter algum conhecimento da

Constituição, 46,2% acham que o Brasil melhorou por

causa dela.

Apesar desta avaliação positiva, ampla maioria (84,1%)

considera que a Constituição não é plenamente respeitada

no país.

46,2%

25,4%

25,5%

2,8%

Melhorou

Permaneceu igual

Piorou

NS/NR

De forma geral, você acredita que, por causa da Constituição de 88, o Brasil:

15,0%

84,1%

0,9%

Você acha que, em geral, a Constituição brasileira é respeitada?

Sim

Não

NS/NR

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DataSenado

Metodologia

As pesquisas do DataSenado são feitas por meio de

amostragem aleatória com entrevistas telefônicas. A

população considerada é a de cidadãos com 16 anos ou

mais, residentes no Brasil e com acesso a telefone fixo. A

margem de erro admitida é de 3,5 pontos percentuais para

mais ou para menos. O nível de confiança utilizado é de

95%. Isso significa que, se forem realizadas 100 pesquisas

com a mesma metodologia, aproximadamente 95 terão os

resultados dentro da margem de erro estipulada.

Por meio da Central de Atendimento do Alô Senado, foram

realizadas 811 entrevistas no período de 18 a 30 de

setembro de 2013, distribuídas nas 27 Unidades da

Federação (UFs) de maneira proporcional à participação da

população das UFs na população brasileira, considerando

dados do IBGE de 2012.

A seleção dos participantes da pesquisa foi feita utilizando o

método de amostragem aleatória estratificada, com

alocação proporcional: cada UF foi definida como um

estrato e, para cada estrato, foram sorteados

aleatoriamente números de telefones fixos extraídos do

cadastro da Anatel, no qual constam todos os números

habilitáveis no país. Em seguida, os números selecionados

são dispostos de forma aleatória e ligações telefônicas são

realizadas para cada UF. Atendido o telefone, solicita-se

autorização para realizar a pesquisa. Essas ligações são

feitas até atingir, numa determinada UF, o número de

respondentes definidos a priori no cálculo do tamanho da

amostra, adotando o critério de proporcionalidade descrito

no parágrafo anterior.

Durante a aplicação dos questionários, foram realizadas

verificação e validação de 20% das entrevistas, conduzidas

por uma equipe de profissionais do DataSenado,

devidamente treinada para esse fim.

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DataSenado

Tabelas

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DataSenado

Como você avalia seu nível de conhecimento sobre a atual Constituição brasileira?

Região Idade

Total Centro-Oeste

Nordeste Norte Sudeste Sul De 16 a

19 De 20 a

29 De 30 a

39 De 40 a

49 De 50 a

59 60 ou mais

Alto 5,3% 4,8% 5,3% 8,6% 5,4% 3,4% 6,3% 2,9% 5,7% 6,8% 6,3% 4,6%

Médio 50,8% 54,0% 52,4% 48,6% 50,1% 49,2% 37,5% 45,0% 44,9% 49,1% 59,4% 63,1%

Baixo 35,1% 39,7% 32,0% 35,7% 34,9% 39,0% 39,6% 45,0% 39,9% 36,0% 27,3% 22,3%

Nenhum 7,8% 1,6% 9,8% 5,7% 8,7% 5,9% 16,7% 7,0% 9,5% 6,2% 7,0% 6,2%

NS/NR 1,0% 0,0% 0,4% 1,4% 0,9% 2,5% 0,0% 0,0% 0,0% 1,9% 0,0% 3,8%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 811 63 225 70 335 118 48 171 158 161 143 130

Sexo Escolaridade Renda individual bruta

Total Feminino Masculino Até ensino

fundamental Ensino médio

Ensino superior

Sem renda Até 2 S.M. Mais de 2 a 5 S.M.

Mais de 5 a 10 S.M.

Mais de 10 S.M.

Alto 5,3% 3,3% 8,2% 3,1% 2,0% 13,3% 2,1% 3,9% 3,1% 11,4% 15,7%

Médio 50,8% 49,5% 52,7% 56,8% 44,3% 57,3% 37,2% 46,9% 61,1% 49,4% 62,7%

Baixo 35,1% 36,4% 33,2% 26,6% 44,3% 26,1% 50,0% 37,6% 31,4% 31,6% 17,6%

Nenhum 7,8% 9,5% 5,2% 10,4% 9,0% 3,2% 10,6% 10,6% 4,0% 7,6% 2,0%

NS/NR 1,0% 1,2% 0,6% 3,1% 0,5% 0,0% 0,0% 1,0% 0,4% 0,0% 2,0%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 811 483 328 192 400 218 94 311 226 79 51

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DataSenado

De forma geral, você acredita que, por causa da Constituição de 88, o Brasil:

Região Idade

Total Centro-Oeste

Nordeste Norte Sudeste Sul De 16 a

19 De 20 a

29 De 30 a

39 De 40 a

49 De 50 a

59 60 ou mais

Melhorou 46,2% 51,6% 45,0% 58,5% 45,9% 38,9% 42,5% 45,3% 46,9% 47,3% 46,6% 46,2%

Permaneceu igual 25,4% 21,0% 30,7% 21,5% 23,8% 25,0% 32,5% 33,3% 24,5% 18,9% 24,1% 23,1%

Piorou 25,5% 22,6% 21,8% 20,0% 27,7% 31,5% 20,0% 16,4% 25,9% 30,4% 28,6% 29,9%

NS/NR 2,8% 4,8% 2,5% 0,0% 2,6% 4,6% 5,0% 5,0% 2,8% 3,4% 0,8% 0,9%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 740* 62 202 65 303 108 40 159 143 148 133 117

Sexo Escolaridade Renda individual bruta

Total Feminino Masculino Até ensino

fundamental Ensino médio

Ensino superior

Sem renda Até 2 S.M. Mais de 2 a 5 S.M.

Mais de 5 a 10 S.M.

Mais de 10 S.M.

Melhorou 46,2% 42,7% 51,1% 46,4% 43,4% 51,2% 36,9% 45,8% 50,5% 47,9% 49,0%

Permaneceu igual 25,4% 26,2% 24,3% 20,5% 28,2% 24,2% 33,3% 22,9% 23,6% 31,5% 22,4%

Piorou 25,5% 28,1% 22,0% 32,5% 24,9% 21,3% 26,2% 28,7% 21,8% 19,2% 28,6%

NS/NR 2,8% 3,0% 2,6% 0,6% 3,6% 3,3% 3,6% 2,5% 4,2% 1,4% 0,0%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 740 431 309 166 362 211 84 275 216 73 49

* Pergunta respondida apenas por quem declarou possuir algum nível de conhecimento sobre a Constituição na pergunta anterior (excluem-se os que disseram “Nenhum” e “NS/NR”)

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DataSenado

Você acha que, em geral, a Constituição brasileira é respeitada?

Região Idade

Total Centro-Oeste

Nordeste Norte Sudeste Sul De 16 a

19 De 20 a

29 De 30 a

39 De 40 a

49 De 50 a

59 60 ou mais

Sim 15,0% 21,0% 13,9% 18,5% 13,2% 16,7% 17,5% 10,1% 14,0% 15,5% 20,3% 15,4%

Não 84,1% 79,0% 85,1% 81,5% 85,1% 83,3% 82,5% 89,9% 85,3% 83,1% 78,9% 82,1%

NS/NR 0,9% 0,0% 1,0% 0,0% 1,7% 0,0% 0,0% 0,0% 0,7% 1,4% 0,8% 2,6%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 740 62 202 65 303 108 40 159 143 148 133 117

Sexo Escolaridade Renda individual bruta

Total Feminino Masculino Até ensino

fundamental Ensino médio

Ensino superior

Sem renda Até 2 S.M. Mais de 2 a 5 S.M.

Mais de 5 a 10 S.M.

Mais de 10 S.M.

Sim 15,0% 13,5% 17,2% 22,3% 9,1% 19,0% 10,7% 14,5% 15,7% 15,1% 16,3%

Não 84,1% 85,4% 82,2% 77,1% 89,8% 80,1% 86,9% 85,5% 83,8% 80,8% 83,7%

NS/NR 0,9% 1,2% 0,6% 0,6% 1,1% 0,9% 2,4% 0,0% 0,5% 4,1% 0,0%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 740 431 309 166 362 211 84 275 216 73 49

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DataSenado

A Constituição de 88 introduziu novos direitos e ampliou outros. Qual deles você considera o mais importante?

Região Idade

Total Centro-Oeste

Nordeste Norte Sudeste Sul De 16 a

19 De 20 a

29 De 30 a

39 De 40 a

49 De 50 a

59 60 ou mais

Saúde como direito de todos 34,3% 38,7% 33,7% 33,8% 32,7% 38,0% 20,0% 34,0% 34,3% 38,5% 36,8% 31,6%

Educação como direito de todos 27,8% 27,4% 31,2% 29,2% 27,4% 22,2% 27,5% 32,1% 26,6% 29,1% 27,8% 22,2%

Liberdade de Expressão 13,1% 16,1% 10,9% 13,8% 13,5% 13,9% 22,5% 11,9% 18,2% 10,1% 9,8% 12,8%

Proteção da criança e do adolescente

9,3% 4,8% 10,4% 7,7% 10,6% 7,4% 12,5% 6,9% 9,8% 10,1% 9,8% 9,4%

Direito das mulheres 6,6% 4,8% 6,4% 7,7% 6,9% 6,5% 7,5% 5,0% 5,6% 6,1% 8,3% 8,5%

Proteção ao meio ambiente 3,5% 1,6% 4,0% 6,2% 2,6% 4,6% 10,0% 5,0% 1,4% 2,7% 2,3% 4,3%

Direito do Consumidor 3,4% 4,8% 3,5% 1,5% 2,0% 7,4% 0,0% 3,8% 4,2% 2,7% 3,0% 4,3%

Outro 0,5% 0,0% 0,0% 0,0% 1,3% 0,0% 0,0% 0,6% 0,0% 0,0% 0,8% 1,7%

NS/NR 1,4% 1,6% 0,0% 0,0% 3,0% 0,0% 0,0% 0,6% 0,0% 0,7% 1,5% 5,1%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 740 62 202 65 303 108 40 159 143 148 133 117

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DataSenado

A Constituição de 88 introduziu novos direitos e ampliou outros. Qual deles você considera o mais importante?

Sexo Escolaridade Renda individual bruta

Total Feminino Masculino Até ensino

fundamental Ensino médio

Ensino superior

Sem renda Até 2 S.M. Mais de 2 a 5 S.M.

Mais de 5 a 10 S.M.

Mais de 10 S.M.

Saúde como direito de todos 34,3% 36,9% 30,7% 39,8% 32,6% 33,2% 36,9% 36,0% 33,3% 32,9% 26,5%

Educação como direito de todos 27,8% 29,0% 26,2% 19,3% 28,5% 33,6% 22,6% 28,0% 29,2% 30,1% 32,7%

Liberdade de Expressão 13,1% 9,3% 18,4% 10,2% 13,5% 14,7% 11,9% 10,2% 13,9% 19,2% 20,4%

Proteção da criança e do adolescente

9,3% 10,2% 8,1% 13,9% 9,7% 5,2% 14,3% 10,9% 7,9% 6,8% 4,1%

Direito das mulheres 6,6% 7,7% 5,2% 6,6% 8,3% 3,8% 9,5% 6,2% 6,9% 5,5% 4,1%

Proteção ao meio ambiente 3,5% 2,3% 5,2% 4,8% 2,8% 3,8% 4,8% 3,3% 4,2% 1,4% 6,1%

Direito do Consumidor 3,4% 3,0% 3,9% 2,4% 3,6% 3,3% 0,0% 3,3% 3,2% 4,1% 4,1%

Outro 0,5% 0,7% 0,3% 0,6% 0,6% 0,5% 0,0% 1,1% 0,0% 0,0% 0,0%

NS/NR 1,4% 0,9% 1,9% 2,4% 0,6% 1,9% 0,0% 1,1% 1,4% 0,0% 2,0%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Número de respondentes 740 431 309 166 362 211 84 275 216 73 49

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DataSenado

Perfil dos Participantes

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DataSenado

Unidade da Federação Número de respondentes Percentual

Acre 4 0,5%

Alagoas 13 1,6%

Amazonas 15 1,8%

Amapá 3 0,4%

Bahia 58 7,2%

Ceará 36 4,4%

Distrito Federal 11 1,4%

Espírito Santo 15 1,8%

Goiás 28 3,5%

Maranhão 28 3,5%

Mato Grosso 13 1,6%

Mato Grosso do Sul 11 1,4%

Minas Gerais 82 10,1%

Pará 33 4,1%

Paraíba 16 2,0%

Paraná 45 5,5%

Pernambuco 38 4,7%

Piauí 13 1,6%

Rio de Janeiro 68 8,4%

Rio Grande do Norte 14 1,7%

Rio Grande do Sul 46 5,7%

Rondônia 7 0,9%

Roraima 2 0,2%

Santa Catarina 27 3,3%

São Paulo 170 21,0%

Sergipe 9 1,1%

Tocantins 6 0,7%

Total 811 100,0%

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DataSenado

Região

Número de

respondentes Percentual

Centro-Oeste 63 7,8%

Nordeste 225 27,7%

Norte 70 8,6%

Sudeste 335 41,3%

Sul 118 14,5%

Total 811 100,0%

Sexo

Número de

respondentes Percentual

Feminino 483 59,6%

Masculino 328 40,4%

Total 811 100,0%

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DataSenado

Idade

Número de

respondentes Percentual

De 16 a 19 48 5,9%

De 20 a 29 171 21,1%

De 30 a 39 158 19,5%

De 40 a 49 161 19,9%

De 50 a 59 143 17,6%

60 ou mais 130 16,0%

NS/NR 0 0,0%

Total 811 100,0%

Escolaridade

Número de

respondentes Percentual

Até ensino fundamental 192 23,7%

Ensino médio 400 49,3%

Ensino superior 218 26,9%

NS/NR 1 0,1%

Total 811 100,0%

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DataSenado

Renda individual bruta

Número de

respondentes Percentual

Sem renda 94 11,6%

Até 2 S.M. 311 38,3%

Mais de 2 a 5 S.M. 226 27,9%

Mais de 5 a 10 S.M. 79 9,7%

Mais de 10 S.M. 51 6,3%

NS/NR 50 6,2%

Total 811 100,0%

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DataSenado

Secretaria de Transparência

Carlos Fernando Mathias de Souza – Diretor

Thiago Cortez Costa – Assessor Especial

Liu de Oliveira Lopes Pereira – Diretora-adjunta

Marcos Ruben de Oliveira – Coordenador de Controle Social

Coordenação de Pesquisa e Opinião

Gilvan Sérgio de Andrade Serviço de Pesquisa de Opinião DataSenado

Aline de Queiroz Sousa

Coleta de Dados

Equipe Alô Senado

Equipe Técnica

Aline de Queiroz Sousa

Florian Augusto de Abreu C. Madruga

Karla de Castro Arantes Duarte

Pedro Rocha

Tânia de Souza Trindade

Estatístico

Marcos Ruben de Oliveira

Estagiários

Caio Felipe de Brito Andrade

Jéssica Franco Cançado Richard

João Marcos de Jesus Colares

Realização

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PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA

SOBRE

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

BRASIL SETEMBRO DE 2017

JOB0805

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ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS DA PESQUISA

OBJETIVO Este estudo tem por objetivo geral identificar o grau de conhecimento que a população têm acerca da Constituição Federal e a importância que atribuem a ela.

LOCAL Brasil.

PERÍODO DE CAMPO De 15 a 20 de setembro de 2017.

UNIVERSO A pesquisa é realizada com a população de 16 anos ou mais da área em estudo.

O universo de habitantes é estratificado. Com exceção dos estados do Acre, Amapá e Roraima que juntos constituem apenas um estrato, cada um dos demais estratos é composto por apenas um estado brasileiro.

Se o Estado possuir Região Metropolitana, o universo será estratificado em Região Metropolitana e Interior.

AMOSTRA O modelo de amostragem utilizado é o de conglomerados em 3 estágios. No primeiro estágio os municípios são selecionados probabilisticamente através do método PPT (Probabilidade Proporcional ao Tamanho), com base na população de 16 anos ou mais de cada município.

No segundo estágio são selecionados os conglomerados: setores censitários, com PPT (Probabilidade Proporcional ao Tamanho) sistemático. A medida de tamanho é a população de 16 anos ou mais residente nos setores.

Finalmente, no terceiro estágio é selecionado em cada conglomerado um número fixo de eleitores segundo cotas de variáveis descritas abaixo.

VARIÁVEIS PARA COTAS AMOSTRAIS SEXO: Masculino e Feminino.

GRUPOS DE IDADE: 16-17, 18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 e 65 anos e mais.

INSTRUÇÃO - Até 4ª série do fund.; 5ª a 8ª série do fund.; Ens. Médio; Superior.

ATIVIDADE: Setor de dependência - agricultura, indústria de transformação, indústria de construção, outras indústrias, comércio, prestação de serviços, transporte e comunicação, atividade social, administração pública, outras atividades, estudantes e inativos.

FONTES DE DADOS PARA ELABORAÇÃO DA AMOSTRA: Censo 2010 e PNAD 2014.

NÚMERO DE ENTREVISTAS 2002 entrevistas em 142 municípios.

MARGEM DE ERRO A margem de erro estimada é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra.

NÍVEL DE CONFIANÇA O nível de confiança utilizado é de 95%.

COLETA DE DADOS Entrevistas pessoais com utilização de questionário elaborado de acordo com os objetivos da pesquisa. As entrevistas são realizadas por uma equipe de entrevistadores do IBOPE, devidamente treinada para abordagem deste tipo de público.

CONTROLE DE QUALIDADE Há filtragem em todos os questionários após a realização das entrevistas.

Fiscalização em aproximadamente 20% dos questionários.

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APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS:

PARA EFEITO DE TABULAÇÃO FORAM CONSIDERADAS AS SEGUINTES VARIÁVEIS:

. TOTAL

. SEXO - Masculino e Feminino.

. GRUPO DE IDADE - 16 a 24 anos; 25 a 34 anos; 35 a 44 anos; 45 a 54 anos; 55 anos e mais.

. ESCOLARIDADE - Até 4ª série do fundamental; 5ª a 8ª série do fundamental; Ensino médio; Superior.

. RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) - Mais de 5; Mais de 2 a 5; Mais de 1 a 2; Até 1.

. REGIÃO - Norte/ Centro-Oeste; Nordeste; Sudeste; Sul.

. CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO - Capital; Periferia; Interior.

. PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) - Até 50 mil; Mais de 50 a 500 mil; Mais de 500 mil.

. CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL - Classe A/ B; Classe C; Classe D/E.

. RAÇA/ COR - Branca; Preta/ Parda; Outras.

. RELIGIÃO - Católica; Evangélica; Outras.

. ACESSO A INTERNET - Acessa; Não acessa.

. CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO - Conhece; Conhece pouco; Não conhece; Não sabe/ Não respondeu.

OBSERVAÇÃO - As perguntas cujas somas das porcentagens não totalizam 100% são decorrentes de arredondamentos ou de múltiplas respostas.

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APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

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IBOPE INTELIGÊNCIAPESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA - JOB0805/2017

BRASIL

Perfil dos entrevistados

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 NÃO RESPONDEU CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

BASE

TOTAL DA AMOSTRA

2002 188 499 604 543 168 478 966 558 647 1251 104

100% 9% 25% 30% 27% 8% 24% 48% 28% 32% 62% 5%

Página 3

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IBOPE INTELIGÊNCIAPESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA - JOB0805/2017

BRASIL

Perfil dos entrevistados

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA

BASE

TOTAL DA AMOSTRA

2002 1112 523 367 1347 655

100% 56% 26% 18% 67% 33%

Página 4

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IBOPE INTELIGÊNCIAPESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA - JOB0805/2017

BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

SEXO IDADE ESCOLARIDADE

MAS FEM 16 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 E MAIS ATÉ 4ª SÉRIE DO

FUND. 5ª A 8ª SÉRIE DO

FUND. ENS. MÉDIO SUPERIOR

BASE

NET - LEIS/ REGRAS/ NORMAS

Leis/ regras/ normas do Brasil

Leis/ regras/normas que limitam o poder político dos governantes Leis que definem o funcionamento de um governo

São Leis obsoletas/ ultrapassadas

É a Carta Magna do Brasil/ Lei que rege todas as outras Leis/ Rege e orienta o Brasil Leis que regem os princípios básicos da ordem social/ alicerce social

São as Leis Trabalhistas

Está relacionado à Justiça/ Tribunal de Justiça/ Forma de tornar justa a opinião do povo

Regras que só favorecem os políticos

NET - RELACIONADO À POLÍTICA/ AO GOVERNO É um documento que define os princípios políticos de um país

É a reforma política

É a obrigação do Estado com a sociedade

Direitos/ Leis que os governantes e políticos implantam Está relacionada ao Governo/ Governo Federal/ Governantes (s/e)

Está relacionada à políticos/vereadores/deputados

É a divisão política do país/ Mudança do país na política em geral/ Relacionado à política Algo que os políticos usam para fazer as mudanças nas leis Ter um governante que governe o país com respeito Plenário onde deputados e o presidente fazem parte Grupo de pessoas que trabalham para melhorar o país

NET - GRUPOS/ ÓRGÃOS

É um órgão político

Órgão que cuida e fiscaliza os municípios

2002 955 1047 352 445 407 363 435 413 440 772 377

29% 34% 24% 24% 31% 35% 31% 23% 8% 18% 28% 67%

23% 27% 19% 20% 24% 26% 24% 19% 7% 14% 23% 51%

2% 1% 2% 1% 1% 2% 3% 2% 0% 1% 2% 5%

1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0% 0% 1% 1% 3%

1% 1% 1% 0% 1% 2% 0% 0% 0% 0% 1% 1%

5% 6% 4% 3% 6% 7% 5% 4% 1% 2% 5% 14%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0%

2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 1% 2% 2% 2%

0% 1% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 1%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0%

0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 1% 0% 0% 1% 0% 0% 1% 0% 0%

0% 1% 0% 0% 0% 1% 0% 1% 1% 0% 1% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0% 0% 1% 1% 1%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0%

(continua...)

Página 5

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IBOPE INTELIGÊNCIAPESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA - JOB0805/2017

BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

SEXO IDADE ESCOLARIDADE

MAS FEM 16 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 E MAIS ATÉ 4ª SÉRIE DO

FUND. 5ª A 8ª SÉRIE DO

FUND. ENS. MÉDIO SUPERIOR

Órgão que cuida da administração pública/ parte administrativa do Governo

É um órgão/ escritório Federal

Órgão onde as leis são feitas/ exercidas

Polícia Federal

NET - DIREITOS E DEVERES

Estabelece os direitos e deveres dos brasileiros

É o que garante o bem-estar dos brasileiros

É o direito de votar/ é o voto das pessoas/ relacionado à eleição/ mudança de presidente, governador e senador

Algo que só favorece os ricos e não os pobres

É como se fosse um sindicato

Constitui melhoras/ algo que fala sobre a melhora do Brasil/ resposta para um Brasil melhor

É uma constituição para o cidadão brasileiro/ é o negócio da constituinte

Documento da segurança brasileira

Representa a democracia

NET - OUTROS

Algo que não se cumpre no Brasil

Estados do país

Convivência do povo

Está relacionado à corrupção/ falcatruas/ roubos do Governo

É um monte de mentiras

Considerada hoje como falta de respeito ao eleitor

É um equilíbrio (s/e)

É uma bagunça (s/e)

É a estrutura de quem não tem condições de trabalhar

NADA/ NENHUMA

NÃO SABE/ NÃO RESPONDEU

0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

4% 4% 3% 2% 5% 4% 3% 3% 2% 4% 3% 7%

3% 3% 3% 1% 4% 3% 2% 1% 1% 2% 2% 6%

0% 1% 0% 1% 0% 1% 0% 1% 0% 0% 0% 1%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 1% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

2% 3% 1% 1% 1% 2% 3% 2% 1% 2% 2% 3%

1% 1% 1% 1% 1% 1% 2% 1% 0% 0% 1% 2%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 1% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

64% 59% 69% 70% 63% 58% 61% 70% 88% 73% 65% 25%

Página 6

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IBOPE INTELIGÊNCIAPESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA - JOB0805/2017

BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

REGIÃO CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) NORTE/ CENTRO

OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CAPITAL PERIFERIA INTERIOR ATÉ 50 MIL MAIS DE 50 A 500 MIL MAIS DE 500 MIL

BASE

NET - LEIS/ REGRAS/ NORMAS

Leis/ regras/ normas do Brasil

Leis/ regras/normas que limitam o poder político dos governantes Leis que definem o funcionamento de um governo

São Leis obsoletas/ ultrapassadas É a Carta Magna do Brasil/ Lei que rege todas as outras Leis/ Rege e orienta o Brasil Leis que regem os princípios básicos da ordem social/ alicerce social

São as Leis Trabalhistas Está relacionado à Justiça/ Tribunal de Justiça/ Forma de tornar justa a opinião do povo

Regras que só favorecem os políticos NET - RELACIONADO À POLÍTICA/ AO GOVERNO É um documento que define os princípios políticos de um país

É a reforma política

É a obrigação do Estado com a sociedade Direitos/ Leis que os governantes e políticos implantam Está relacionada ao Governo/ Governo Federal/ Governantes (s/e)

Está relacionada à políticos/vereadores/deputados

É a divisão política do país/ Mudança do país na política em geral/ Relacionado à política Algo que os políticos usam para fazer as mudanças nas leis Ter um governante que governe o país com respeito Plenário onde deputados e o presidente fazem parte Grupo de pessoas que trabalham para melhorar o país

NET - GRUPOS/ ÓRGÃOS

É um órgão político

2002 308 518 882 294 567 273 1162 665 686 651

29% 38% 21% 30% 29% 36% 25% 26% 25% 27% 34%

23% 29% 17% 23% 24% 29% 21% 20% 20% 21% 27%

2% 2% 1% 2% 1% 2% 2% 1% 1% 1% 3%

1% 2% 1% 1% 0% 1% 1% 1% 1% 1% 1%

1% 2% 0% 0% 2% 1% 0% 1% 0% 1% 1%

5% 4% 3% 6% 6% 4% 3% 6% 6% 5% 4%

0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0%

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2% 2% 2% 2% 2% 3% 1% 2% 2% 1% 3%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

REGIÃO CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) NORTE/ CENTRO

OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CAPITAL PERIFERIA INTERIOR ATÉ 50 MIL MAIS DE 50 A 500 MIL MAIS DE 500 MIL

Órgão que cuida e fiscaliza os municípios Órgão que cuida da administração pública/ parte administrativa do Governo

É um órgão/ escritório Federal

Órgão onde as leis são feitas/ exercidas

Polícia Federal

NET - DIREITOS E DEVERES

Estabelece os direitos e deveres dos brasileiros

É o que garante o bem-estar dos brasileiros É o direito de votar/ é o voto das pessoas/ relacionado à eleição/ mudança de presidente, governador e senador

Algo que só favorece os ricos e não os pobres

É como se fosse um sindicato

Constitui melhoras/ algo que fala sobre a melhora do Brasil/ resposta para um Brasil melhor

É uma constituição para o cidadão brasileiro/ é o negócio da constituinte

Documento da segurança brasileira

Representa a democracia

NET - OUTROS

Algo que não se cumpre no Brasil

Estados do país

Convivência do povo Está relacionado à corrupção/ falcatruas/ roubos do Governo

É um monte de mentiras Considerada hoje como falta de respeito ao eleitor

É um equilíbrio (s/e)

É uma bagunça (s/e)

É a estrutura de quem não tem condições de trabalhar

NADA/ NENHUMA

NÃO SABE/ NÃO RESPONDEU

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64% 55% 72% 63% 65% 54% 71% 67% 68% 67% 57%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

BASE

NET - LEIS/ REGRAS/ NORMAS

Leis/ regras/ normas do Brasil

Leis/ regras/normas que limitam o poder político dos governantes Leis que definem o funcionamento de um governo

São Leis obsoletas/ ultrapassadas É a Carta Magna do Brasil/ Lei que rege todas as outras Leis/ Rege e orienta o Brasil Leis que regem os princípios básicos da ordem social/ alicerce social

São as Leis Trabalhistas Está relacionado à Justiça/ Tribunal de Justiça/ Forma de tornar justa a opinião do povo

Regras que só favorecem os políticos

NET - RELACIONADO À POLÍTICA/ AO GOVERNO É um documento que define os princípios políticos de um país

É a reforma política

É a obrigação do Estado com a sociedade Direitos/ Leis que os governantes e políticos implantam Está relacionada ao Governo/ Governo Federal/ Governantes (s/e)

Está relacionada à políticos/vereadores/deputados

É a divisão política do país/ Mudança do país na política em geral/ Relacionado à política Algo que os políticos usam para fazer as mudanças nas leis Ter um governante que governe o país com respeito Plenário onde deputados e o presidente fazem parte Grupo de pessoas que trabalham para melhorar o país

2002 188 499 604 543 478 966 558 647 1251 104

29% 57% 41% 25% 15% 54% 27% 10% 34% 26% 25%

23% 47% 31% 20% 12% 43% 21% 8% 26% 21% 23%

2% 2% 3% 1% 1% 3% 1% 1% 2% 2% 0%

1% 1% 2% 0% 0% 1% 1% 1% 1% 1% 0%

1% 1% 1% 1% 0% 1% 1% 0% 1% 1% 0%

5% 10% 9% 4% 1% 12% 4% 1% 6% 4% 4%

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2% 1% 2% 3% 1% 3% 2% 1% 2% 2% 0%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

NET - GRUPOS/ ÓRGÃOS

É um órgão político

Órgão que cuida e fiscaliza os municípios

Órgão que cuida da administração pública/ parte administrativa do Governo

É um órgão/ escritório Federal

Órgão onde as leis são feitas/ exercidas

Polícia Federal

NET - DIREITOS E DEVERES

Estabelece os direitos e deveres dos brasileiros

É o que garante o bem-estar dos brasileiros É o direito de votar/ é o voto das pessoas/ relacionado à eleição/ mudança de presidente, governador e senador

Algo que só favorece os ricos e não os pobres

É como se fosse um sindicato

Constitui melhoras/ algo que fala sobre a melhora do Brasil/ resposta para um Brasil melhor

É uma constituição para o cidadão brasileiro/ é o negócio da constituinte

Documento da segurança brasileira

Representa a democracia

NET - OUTROS

Algo que não se cumpre no Brasil

Estados do país

Convivência do povo Está relacionado à corrupção/ falcatruas/ roubos do Governo

É um monte de mentiras

Considerada hoje como falta de respeito ao eleitor

É um equilíbrio (s/e)

1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 2%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

É uma bagunça (s/e)

É a estrutura de quem não tem condições de trabalhar

NADA/ NENHUMA

NÃO SABE/ NÃO RESPONDEU

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

0% 1% 0% 0% 1% 0% 0% 1% 0% 0% 1%

64% 34% 53% 68% 79% 38% 67% 82% 60% 66% 70%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA CONHECE CONHECE POUCO NÃO CONHECE NÃO SABE/ NÃO

RESPONDEU

BASE

NET - LEIS/ REGRAS/ NORMAS

Leis/ regras/ normas do Brasil Leis/ regras/normas que limitam o poder político dos governantes Leis que definem o funcionamento de um governo

São Leis obsoletas/ ultrapassadas É a Carta Magna do Brasil/ Lei que rege todas as outras Leis/ Rege e orienta o Brasil Leis que regem os princípios básicos da ordem social/ alicerce social

São as Leis Trabalhistas Está relacionado à Justiça/ Tribunal de Justiça/ Forma de tornar justa a opinião do povo

Regras que só favorecem os políticos NET - RELACIONADO À POLÍTICA/ AO GOVERNO É um documento que define os princípios políticos de um país

É a reforma política

É a obrigação do Estado com a sociedade Direitos/ Leis que os governantes e políticos implantam Está relacionada ao Governo/ Governo Federal/ Governantes (s/e) Está relacionada à políticos/vereadores/deputados É a divisão política do país/ Mudança do país na política em geral/ Relacionado à política Algo que os políticos usam para fazer as mudanças nas leis Ter um governante que governe o país com respeito Plenário onde deputados e o presidente fazem parte

2002 1112 523 367 1347 655 442 813 704 43

29% 26% 29% 37% 37% 12% 61% 34% 4% 7%

23% 21% 22% 28% 29% 9% 48% 27% 3% 7%

2% 1% 2% 3% 2% 1% 4% 2% 0% 0%

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5% 4% 4% 9% 6% 2% 12% 5% 0% 0%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA CONHECE CONHECE POUCO NÃO CONHECE NÃO SABE/ NÃO

RESPONDEU Grupo de pessoas que trabalham para melhorar o país

NET - GRUPOS/ ÓRGÃOS

É um órgão político

Órgão que cuida e fiscaliza os municípios Órgão que cuida da administração pública/ parte administrativa do Governo

É um órgão/ escritório Federal

Órgão onde as leis são feitas/ exercidas

Polícia Federal

NET - DIREITOS E DEVERES

Estabelece os direitos e deveres dos brasileiros

É o que garante o bem-estar dos brasileiros É o direito de votar/ é o voto das pessoas/ relacionado à eleição/ mudança de presidente, governador e senador

Algo que só favorece os ricos e não os pobres

É como se fosse um sindicato Constitui melhoras/ algo que fala sobre a melhora do Brasil/ resposta para um Brasil melhor É uma constituição para o cidadão brasileiro/ é o negócio da constituinte

Documento da segurança brasileira

Representa a democracia

NET - OUTROS

Algo que não se cumpre no Brasil

Estados do país

Convivência do povo Está relacionado à corrupção/ falcatruas/ roubos do Governo

É um monte de mentiras

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0% 0%

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BRASIL

P.01) Na sua opinião, o que é a Constituição Federal brasileira? (Espontânea)

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA CONHECE CONHECE POUCO NÃO CONHECE NÃO SABE/ NÃO

RESPONDEU Considerada hoje como falta de respeito ao eleitor

É um equilíbrio (s/e)

É uma bagunça (s/e) É a estrutura de quem não tem condições de trabalhar

NADA/ NENHUMA

NÃO SABE/ NÃO RESPONDEU

0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

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64% 67% 64% 56% 55% 82% 29% 57% 93% 91%

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BRASIL

P.02) E para o(a) sr(a), qual a importância da Constituição Federal brasileira? O(a) sr(a) diria que ela é:

RESPOSTA TOTAL

SEXO IDADE ESCOLARIDADE

MAS FEM 16 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 E MAIS ATÉ 4ª SÉRIE DO

FUND. 5ª A 8ª SÉRIE DO

FUND. ENS. MÉDIO SUPERIOR

BASE

Muito importante

Importante

Pouco importante

Nada importante

Não sabe/ Não respondeu

2002 955 1047 352 445 407 363 435 413 440 772 377

32% 33% 32% 32% 32% 36% 31% 29% 17% 26% 30% 59%

34% 35% 34% 37% 37% 30% 36% 32% 37% 34% 37% 26%

8% 9% 7% 8% 8% 9% 10% 6% 7% 9% 9% 6%

10% 11% 9% 9% 10% 10% 10% 12% 10% 13% 11% 5%

16% 12% 19% 14% 13% 15% 13% 21% 29% 18% 12% 5%

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BRASIL

P.02) E para o(a) sr(a), qual a importância da Constituição Federal brasileira? O(a) sr(a) diria que ela é:

RESPOSTA TOTAL

REGIÃO CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) NORTE/ CENTRO

OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CAPITAL PERIFERIA INTERIOR ATÉ 50 MIL MAIS DE 50 A 500 MIL MAIS DE 500 MIL

BASE

Muito importante

Importante

Pouco importante

Nada importante

Não sabe/ Não respondeu

2002 308 518 882 294 567 273 1162 665 686 651

32% 43% 28% 32% 28% 38% 33% 29% 28% 33% 35%

34% 32% 35% 32% 41% 30% 29% 38% 35% 37% 31%

8% 8% 8% 9% 8% 8% 8% 8% 9% 8% 8%

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P.02) E para o(a) sr(a), qual a importância da Constituição Federal brasileira? O(a) sr(a) diria que ela é:

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

BASE

Muito importante

Importante

Pouco importante

Nada importante

Não sabe/ Não respondeu

2002 188 499 604 543 478 966 558 647 1251 104

32% 52% 41% 31% 20% 48% 31% 21% 33% 32% 27%

34% 29% 30% 34% 40% 30% 34% 39% 35% 34% 36%

8% 6% 9% 8% 9% 7% 10% 7% 8% 8% 7%

10% 7% 9% 10% 11% 8% 10% 12% 9% 11% 13%

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P.02) E para o(a) sr(a), qual a importância da Constituição Federal brasileira? O(a) sr(a) diria que ela é:

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA CONHECE CONHECE POUCO NÃO CONHECE NÃO SABE/ NÃO

RESPONDEU

BASE

Muito importante

Importante

Pouco importante

Nada importante

Não sabe/ Não respondeu

2002 1112 523 367 1347 655 442 813 704 43

32% 31% 34% 34% 37% 22% 55% 36% 14% 12%

34% 36% 34% 30% 33% 36% 31% 42% 29% 16%

8% 8% 7% 8% 9% 7% 5% 10% 8% 0%

10% 9% 10% 13% 9% 12% 6% 7% 16% 2%

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P.03A) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) conhece a Constituição Federal brasileira? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

SEXO IDADE ESCOLARIDADE

MAS FEM 16 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 E MAIS ATÉ 4ª SÉRIE DO

FUND. 5ª A 8ª SÉRIE DO

FUND. ENS. MÉDIO SUPERIOR

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 955 1047 352 445 407 363 435 413 440 772 377

4% 5% 3% 1% 3% 5% 5% 4% 2% 3% 3% 8%

18% 18% 18% 18% 20% 19% 18% 16% 8% 12% 18% 37%

41% 44% 38% 40% 42% 40% 45% 37% 31% 42% 44% 42%

35% 32% 38% 39% 34% 34% 30% 39% 53% 42% 33% 12%

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P.03A) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) conhece a Constituição Federal brasileira? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

REGIÃO CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) NORTE/ CENTRO

OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CAPITAL PERIFERIA INTERIOR ATÉ 50 MIL MAIS DE 50 A 500 MIL MAIS DE 500 MIL

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 308 518 882 294 567 273 1162 665 686 651

4% 5% 3% 4% 2% 5% 3% 3% 3% 4% 5%

18% 20% 17% 19% 18% 23% 12% 17% 15% 17% 22%

41% 47% 35% 41% 43% 39% 40% 41% 41% 43% 38%

35% 26% 42% 34% 36% 31% 43% 35% 38% 34% 33%

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P.03A) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) conhece a Constituição Federal brasileira? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 188 499 604 543 478 966 558 647 1251 104

4% 10% 3% 3% 2% 6% 3% 2% 4% 3% 3%

18% 31% 26% 17% 11% 29% 18% 10% 20% 18% 16%

41% 41% 42% 41% 39% 43% 41% 38% 41% 41% 33%

35% 18% 28% 35% 45% 21% 36% 47% 32% 36% 47%

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P.03A) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) conhece a Constituição Federal brasileira? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 1112 523 367 1347 655

4% 3% 4% 5% 4% 3%

18% 16% 18% 25% 23% 10%

41% 40% 43% 38% 43% 35%

35% 38% 33% 31% 29% 48%

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P.03B) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) acredita que a Constituição Federal brasileira é cumprida? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

SEXO IDADE ESCOLARIDADE

MAS FEM 16 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 E MAIS ATÉ 4ª SÉRIE DO

FUND. 5ª A 8ª SÉRIE DO

FUND. ENS. MÉDIO SUPERIOR

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 955 1047 352 445 407 363 435 413 440 772 377

8% 9% 7% 8% 8% 8% 7% 9% 8% 8% 8% 10%

13% 12% 13% 17% 14% 11% 11% 12% 9% 12% 12% 20%

39% 42% 37% 43% 42% 40% 40% 33% 31% 37% 41% 47%

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P.03B) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) acredita que a Constituição Federal brasileira é cumprida? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

REGIÃO CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) NORTE/ CENTRO

OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CAPITAL PERIFERIA INTERIOR ATÉ 50 MIL MAIS DE 50 A 500 MIL MAIS DE 500 MIL

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 308 518 882 294 567 273 1162 665 686 651

8% 13% 10% 6% 5% 9% 5% 8% 8% 9% 8%

13% 15% 13% 13% 12% 15% 10% 13% 13% 11% 15%

39% 43% 36% 40% 39% 35% 36% 42% 40% 42% 36%

31% 24% 31% 33% 35% 35% 43% 27% 27% 32% 35%

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P.03B) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) acredita que a Constituição Federal brasileira é cumprida? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 188 499 604 543 478 966 558 647 1251 104

8% 7% 10% 8% 8% 8% 8% 9% 8% 8% 12%

13% 15% 16% 12% 11% 15% 13% 11% 12% 13% 22%

39% 45% 42% 39% 35% 46% 38% 37% 41% 39% 28%

31% 31% 27% 32% 36% 28% 34% 31% 30% 32% 31%

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P.03B) E de forma geral, o quanto o(a) sr(a) acredita que a Constituição Federal brasileira é cumprida? Muito, alguma coisa, pouco ou nada:

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA CONHECE CONHECE POUCO NÃO CONHECE NÃO SABE/ NÃO

RESPONDEU

BASE

Muito

Alguma coisa

Pouco

Nada

Não sabe/ Não respondeu

2002 1112 523 367 1347 655 442 813 704 43

8% 9% 7% 7% 8% 8% 11% 8% 6% 5%

13% 13% 13% 12% 15% 10% 24% 11% 9% 5%

39% 38% 40% 41% 43% 31% 40% 57% 22% 2%

31% 31% 32% 33% 28% 38% 23% 22% 48% 16%

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P.04) Gostaria de saber, destas fontes de informação, quais são as duas em que, de modo geral, o(a) sr(a) mais ouve falar sobre a Constituição Federal?

RESPOSTA TOTAL

SEXO IDADE ESCOLARIDADE

MAS FEM 16 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 E MAIS ATÉ 4ª SÉRIE DO

FUND. 5ª A 8ª SÉRIE DO

FUND. ENS. MÉDIO SUPERIOR

BASE

Internet - Sites de notícias e portais

Internet - Blogs

Internet - Mídias Sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp)

Televisão

Rádio

Jornal

Revistas de informação

Reuniões na Igreja

Conversas com parentes, amigos e colegas de trabalho Conversas/ aulas na escola, colégio, universidade ou cursos

Reuniões da associação de moradores

Reuniões de sindicatos/ associações profissionais

Não ouve falar a respeito da Constituição Federal (Esp.)

Nenhum destes meios/ outros (Esp.)

Não sabe/ Não respondeu

2002 955 1047 352 445 407 363 435 413 440 772 377

21% 21% 20% 26% 26% 22% 20% 11% 7% 13% 25% 36%

2% 3% 1% 3% 3% 1% 3% 0% 1% 1% 3% 3%

16% 15% 16% 24% 22% 14% 13% 7% 5% 14% 19% 23%

56% 59% 53% 49% 51% 57% 61% 62% 52% 57% 56% 56%

17% 20% 14% 12% 14% 21% 18% 19% 18% 21% 15% 16%

29% 29% 29% 32% 35% 29% 27% 22% 19% 31% 34% 27%

2% 1% 2% 2% 1% 1% 2% 1% 0% 1% 2% 3%

2% 2% 2% 1% 1% 2% 3% 5% 5% 2% 2% 1%

5% 6% 4% 3% 6% 4% 4% 6% 7% 5% 3% 6%

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P.04) Gostaria de saber, destas fontes de informação, quais são as duas em que, de modo geral, o(a) sr(a) mais ouve falar sobre a Constituição Federal?

RESPOSTA TOTAL

REGIÃO CONDIÇÃO DO MUNICÍPIO PORTE DO MUNICÍPIO (EM NÚMERO DE HABITANTES) NORTE/ CENTRO

OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CAPITAL PERIFERIA INTERIOR ATÉ 50 MIL MAIS DE 50 A 500 MIL MAIS DE 500 MIL

BASE

Internet - Sites de notícias e portais

Internet - Blogs

Internet - Mídias Sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp)

Televisão

Rádio

Jornal

Revistas de informação

Reuniões na Igreja Conversas com parentes, amigos e colegas de trabalho Conversas/ aulas na escola, colégio, universidade ou cursos

Reuniões da associação de moradores

Reuniões de sindicatos/ associações profissionais

Não ouve falar a respeito da Constituição Federal (Esp.)

Nenhum destes meios/ outros (Esp.)

Não sabe/ Não respondeu

2002 308 518 882 294 567 273 1162 665 686 651

21% 21% 17% 23% 19% 27% 13% 19% 16% 20% 26%

2% 3% 3% 2% 1% 3% 1% 2% 3% 1% 3%

16% 13% 15% 19% 11% 17% 15% 15% 13% 18% 17%

56% 60% 53% 55% 57% 57% 56% 55% 53% 59% 56%

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P.04) Gostaria de saber, destas fontes de informação, quais são as duas em que, de modo geral, o(a) sr(a) mais ouve falar sobre a Constituição Federal?

RESPOSTA TOTAL

RENDA FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS) CRITÉRIO ECONÔMICO BRASIL RAÇA/ COR

MAIS DE 5 MAIS DE 2 A 5 MAIS DE 1 A 2 ATÉ 1 CLASSE A/ B CLASSE C CLASSE D/ E BRANCA PRETA/ PARDA OUTRAS

BASE

Internet - Sites de notícias e portais

Internet - Blogs

Internet - Mídias Sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp)

Televisão

Rádio

Jornal

Revistas de informação

Reuniões na Igreja Conversas com parentes, amigos e colegas de trabalho Conversas/ aulas na escola, colégio, universidade ou cursos

Reuniões da associação de moradores

Reuniões de sindicatos/ associações profissionais

Não ouve falar a respeito da Constituição Federal (Esp.)

Nenhum destes meios/ outros (Esp.)

Não sabe/ Não respondeu

2002 188 499 604 543 478 966 558 647 1251 104

21% 34% 26% 19% 13% 34% 20% 11% 21% 21% 14%

2% 2% 2% 2% 1% 3% 2% 2% 2% 2% 1%

16% 15% 17% 17% 13% 16% 18% 12% 16% 16% 15%

56% 60% 59% 58% 51% 59% 55% 54% 57% 55% 54%

17% 16% 19% 16% 16% 17% 17% 18% 18% 16% 19%

29% 26% 27% 32% 29% 27% 30% 28% 26% 30% 32%

2% 3% 2% 1% 2% 3% 2% 1% 2% 2% 2%

2% 2% 2% 3% 3% 1% 3% 3% 2% 3% 2%

5% 6% 5% 4% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 2%

4% 12% 5% 3% 3% 7% 4% 3% 4% 4% 4%

1% 0% 1% 0% 2% 0% 1% 2% 1% 1% 1%

2% 2% 2% 1% 3% 2% 2% 2% 2% 2% 3%

3% 1% 2% 3% 5% 2% 3% 5% 3% 3% 8%

13% 8% 10% 12% 16% 8% 13% 17% 11% 13% 13%

11% 5% 7% 12% 15% 6% 11% 16% 12% 11% 11%

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Page 210: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO ...£o...Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JOÃO PAULO PESSOA A cultura constitucional no Brasil Tese de Doutorado

IBOPE INTELIGÊNCIAPESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA - JOB0805/2017

BRASIL

P.04) Gostaria de saber, destas fontes de informação, quais são as duas em que, de modo geral, o(a) sr(a) mais ouve falar sobre a Constituição Federal?

RESPOSTA TOTAL

RELIGIÃO ACESSO A INTERNET CONHECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO

CATÓLICA EVANGÉLICA OUTRAS ACESSA NÃO ACESSA CONHECE CONHECE POUCO NÃO CONHECE NÃO SABE/ NÃO

RESPONDEU

BASE

Internet - Sites de notícias e portais

Internet - Blogs Internet - Mídias Sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp)

Televisão

Rádio

Jornal

Revistas de informação

Reuniões na Igreja Conversas com parentes, amigos e colegas de trabalho Conversas/ aulas na escola, colégio, universidade ou cursos

Reuniões da associação de moradores

Reuniões de sindicatos/ associações profissionais

Não ouve falar a respeito da Constituição Federal (Esp.)

Nenhum destes meios/ outros (Esp.)

Não sabe/ Não respondeu

2002 1112 523 367 1347 655 442 813 704 43

21% 18% 22% 25% 27% 7% 32% 23% 12% 9%

2% 2% 2% 2% 3% 0% 4% 2% 1% 2%

16% 13% 18% 20% 20% 6% 19% 20% 9% 12%

56% 56% 58% 54% 56% 55% 64% 66% 40% 37%

17% 17% 17% 17% 15% 21% 14% 20% 16% 9%

29% 29% 28% 31% 31% 24% 31% 35% 21% 23%

2% 1% 2% 3% 2% 1% 3% 1% 1% 0%

2% 3% 3% 0% 1% 5% 2% 2% 3% 0%

5% 4% 6% 5% 5% 5% 8% 4% 4% 0%

4% 4% 3% 7% 6% 2% 10% 5% 1% 0%

1% 1% 0% 1% 1% 2% 1% 1% 1% 0%

2% 2% 2% 2% 2% 1% 3% 2% 2% 0%

3% 3% 3% 4% 2% 4% 1% 0% 8% 5%

13% 14% 11% 11% 10% 18% 4% 7% 24% 12%

11% 13% 10% 7% 6% 21% 2% 7% 19% 42%

Página 30