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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
VERÔNICA FLEURY PAVAN RORIZ DOS SANTOS
A proteção do mercado de trabalho da mulher e a reforma trabalhista:
realidade e perspectivas
Mestrado em Direito
São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
VERÔNICA FLEURY PAVAN RORIZ DOS SANTOS
A proteção do mercado de trabalho da mulher e a reforma trabalhista:
realidade e perspectivas
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito, na subárea Direito
do Trabalho, sob a orientação da Professora
Doutora Carla Teresa Martins Romar.
São Paulo
2019
VERÔNICA FLEURY PAVAN RORIZ DOS SANTOS
A proteção do mercado de trabalho da mulher e a reforma trabalhista:
realidade e perspectivas
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito, na subárea Direito
do Trabalho, sob a orientação da Professora
Doutora Carla Teresa Martins Romar.
Aprovada em: ____/____/____.
Banca Examinadora
Professora Doutora Carla Teresa Martins Romar (Orientadora). Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Julgamento: _______________Assinatura:_____________________________ Professor (a) Doutor(a)_____________________________________________ Instituição:_______________________________________________________ Julgamento:______________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________________ Professor (a) Doutor(a)_____________________________________________ Instituição:_______________________________________________________ Julgamento:______________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________________
Agradeço a Deus pela promessa em Gênesis 28:15.
À querida orientadora, Dra. Carla Teresa Martins Romar,
pelos ensinamentos sempre generosamente
compartilhados.
Agradeço ainda a todos os professores da instituição, sem
os quais eu não teria aperfeiçoado os conhecimentos e as
pesquisas sobre as matérias ministradas.
Agradeço também aos professores que compuseram a
banca de qualificação desta pesquisa.
RESUMO
SANTOS, Verônica Fleury Pavan Roriz dos. A proteção do mercado de trabalho
da mulher e a reforma trabalhista: realidade e perspectivas. São Paulo, 2019.
Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Direito PUC-SP.
A Lei n. 13.467, em vigor desde 11 de novembro de 2017, introduziu mudanças que
contrariam as normas fundamentais de proteção ao trabalho da mulher. Consistem
em alterações restritivas ao núcleo essencial e à abrangência do âmbito de proteção
disposto no artigo 7º, XX, da Constituição de 1988. A lei revogou o artigo 384 da
CLT, suprimindo o direito da mulher a 15 minutos, no mínimo, de descanso
obrigatório entre o fim do horário normal e a prorrogação da jornada. Entendemos
que este intervalo especial era compatível com a finalidade da norma constitucional,
não se tratando de norma discriminatória. A partir desses fundamentos, tanto o STF
quanto o TST já haviam decidido que o dispositivo havia sido recepcionado pela Lei
Maior. Compreendemos que o reflexo da redução desse direito é um exemplo do
chamado efeito backlash, fenômeno do direito norte-americano segundo o qual das
decisões judiciais sobre questões polêmicas decorre um efeito colateral, um
movimento brusco do poder político contra a pretensão do Poder Judiciário. De
resto, em virtude da proibição do retrocesso, defendemos pela inconstitucionalidade
e inconvencionalidade dessa revogação. Além disso, a nova lei alterou as regras
sobre o trabalho de gestantes e de lactantes em atividades insalubres. Na
oportunidade, o Supremo declarou o dispositivo parcialmente inconstitucional, o que
nos proporcionou duas linhas de pesquisa. A primeira é de que esse entendimento
não é capaz de restringir o acesso da mulher ao mercado de trabalho. A segunda é
o de que em que pese a declaração parcial de inconstitucionalidade do artigo 394-A
da CLT, o legislador não é impedido de promulgar outra lei, com conteúdo idêntico
ao texto anteriormente declarado inconstitucional pela Corte. A fim de solucionar os
problemas da pesquisa, demonstramos a necessidade de uma constante vigilância
jurídica, social e política do núcleo que ampara a mulher trabalhadora. Sob o viés
social, constatamos a importância da atuação do Ministério Público do Trabalho
como defensor dos direitos sociais trabalhistas das mulheres.
Palavras-chave: Proteção do trabalho da mulher. Tratamento diferenciado entre
homens e mulheres. Artigo 384 da CLT. Artigo 394-A da CLT. Reforma trabalhista.
ABSTRACT
SANTOS, Verônica Fleury Pavan Roriz dos. Women's labor market protection and
labor reform: reality and perspectives, São Paulo, 2019. Master's Dissertation -
Postgraduate Program in Law, PUC-SP.
The Law n. 13,467, effective November 11, 2017, introduced amendments that go
against the norms of protection of women's work. It consists of restrictive changes to
the core and scope of the protection provided for in Article 7, XX, of the 1988
Constitution. A law repealed Article 384 of the Labor Code, suppressing the right of
women to at least 15 minutes of safe rest. between the end of normal time and the
execution of the journey. We understand that this special interval was compatible
with the constitutional norm, not being discriminatory norm. From these foundations,
both the STF and the TST have already decided that the device was being received
by the Major Law. Understand what is the reflection of the reduction of this right, that
is, the effect called the slack effect, the second US law or the judgment of judicial
decisions on decorative political issues of side effect, a sudden movement of political
power against a claim of the judiciary. Moreover, by virtue of the prohibition on
retrogression, it argues for the unconstitutionality and unconventionality of such
revocation. In addition, a new law amended as rules on the work of pregnant and
lactating women in unhealthy activities. On occasion, either Supreme Registered or
unconstitutional locked device, or that provides us with two lines of research. The first
is that this understanding is not capable of restricting or accessing women in the
labor market. The second is the question that declares partial unconstitutionality of
article 394-A of the CLT, the legislator is not prevented from promulgating another
law, with content identical to the text declared unconstitutional by the Court. An end
of research problem solving demonstrates the need for a constant core legal, social
and political politics that compares a working woman. From its social point of view,
the importance of the action of the Public Prosecution Service as a defender of
women's social rights is important.
Keywords: Protection of women's work. Differential treatment between men and
women. Article 384 of the CLT. Article 394-A of the CLT. Labor reform.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1 O TRABALHO DA MULHER 12 1.1 Orientações hermenêuticas 12 1.2 Notas filosóficas, jurídicas, científicas e costumeiras
e o direito da mulher 22 1.3 Aspectos históricos 35 1.4 Os direitos humanos da mulher e as normas internacionais
de proteção ao seu trabalho 47 1.5 A evolução da matéria na legislação brasileira 81 2 A PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER 99 2.1 Histórico da norma e esfera de proteção 106 2.2 Funções, titulares e destinatários da norma 114 2.3 Conformação legal e concretização jurisprudencial 117 3 A REFORMA TRABALHISTA 122 3.1 O intervalo especial das mulheres (artigo 384 da CLT) 123 3.2 O afastamento de gestantes e lactantes em atividades insalubres
(artigo 394-A da CLT) 143 4 A PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER
E A REFORMA TRABALHISTA: REALIDADE E PERSPECTIVAS 179 4.1 Realidade 179 4.2 Perspectivas 184 CONCLUSÃO 191
REFERÊNCIAS 193
9
INTRODUÇÃO
A mulher tem o direito fundamental de obter um trabalho decente, de ser
tratada em igualdade de condições com os homens quanto à liberdade da escolha
profissional, à saúde, à segurança, à remuneração e às oportunidades, tudo isso
com fundamento na dignidade e no valor da pessoa humana. É vedada, portanto,
qualquer discriminação quanto ao gênero.
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, todas as
convenções de que o Estado brasileiro é parte sobre proteção dos direitos das
mulheres, quer do sistema global (Convenção CEDAW), quer do sistema regional
interamericano (Convenção de Belém do Pará); diversas Convenções e
Recomendações da Organização Internacional do Trabalho; o artigo 7º, XX, da
Constituição Federal de 1988; o artigo 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) formam o corpus juris de proteção aos direitos humanos das mulheres no
Estado brasileiro, servindo, portanto, de paradigma ao controle de
constitucionalidade e de convencionalidade das leis internas menos benéficas.
Todas elas serão examinadas no capítulo primeiro desta pesquisa, que tem como
objetivo retratar breves aspectos históricos do trabalho da mulher.
O segundo capítulo será dedicado ao artigo 7º, XX, da Constituição Federal
de 1988. Nele, será aprofundado seu histórico, âmbito de proteção, principais
funções, titulares, destinatários e sua conformação legal e concretização na
jurisprudência. Nessa perspectiva, demonstraremos que a revogação do artigo 384
da CLT e as alterações promovidas no artigo 394-A da CLT, pela Reforma
Trabalhista, foram claramente contrárias ao comando do artigo 7º, XX.
Dito isso, a partir do terceiro capítulo passaremos a estudar as principais
alterações promovidas pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), com destaque
para o intervalo especial das mulheres e o trabalho de gestantes e lactantes em
atividades insalubres.
O artigo 384 da CLT garantia um intervalo especial de 15 minutos às
mulheres antes do início da jornada extraordinária. Na doutrina, havia dissenso
quanto à recepção ou não do dispositivo pela Constituição Federal de 1988. A
primeira linha interpretativa era no sentido da não recepção, pois o artigo celetista
10
confrontava com o artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988, e ao invés de
proteger a mulher, impunha discriminação.
Por outro lado, os argumentos da sua efetiva recepção coadunavam com os
argumentos dos limites da igualdade do trabalho entre homens e mulheres. Há
justificativas plausíveis que autorizam algumas diferenças entre o trabalho de
homens e mulheres e a Constituição Federal de 1988 utilizou-se de critérios
específicos para tanto. Esses parâmetros são legítimos e compatíveis quando se
trata de horas extras, maternidade e gestação. É esta linha argumentativa a qual
perfilhamos e defendemos nesta pesquisa.
Nessa continuação, o terceiro entendimento advogava pela recepção do
artigo 384, desde que o direito também fosse estendido aos homens. Além da busca
pela igualdade de trabalho, o fundamento era no sentido de que a norma refere-se à
saúde e à segurança no trabalho (artigo 7º, XXII, Constituição Federal de 1988).
O fato é que, quando recorremos à jurisprudência, verificamos que tanto o
Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal Superior do Trabalho já haviam se
posicionado pela recepção do intervalo especial de 15 minutos. Em sentido
contrário, com a Lei n. 13.467/2017, o direito foi extirpado do ordenamento jurídico
trabalhista.
Isto posto, com fundamento nas normas internacionais, nacionais e
infraconstitucionais expostas durante a pesquisa, defendemos a
inconstitucionalidade e a inconvencionalidade da revogação do artigo 384 da CLT.
Destarte, entendemos que a restrição desse direito possui um efeito, que
ainda é pouco tratado pela doutrina brasileira, mas bem estudado no direito norte-
americano. Trata-se do efeito backlash, fenômeno segundo o qual, das decisões
judiciais sobre questões polêmicas decorre um efeito colateral do poder político
contra a pretensão controladora do Poder Judiciário.
Por outro ângulo, quando tratamos sobre maternidade e gestação,
encontramos o artigo 394-A da CLT, o qual deve ser estudado em quatro momentos
distintos. O primeiro deles é quando da sua alteração, em maio de 2016; o segundo,
a partir da Lei n. 13.467/2017, que tratou da matéria de forma diametralmente
oposta. O terceiro, quando o Supremo Tribunal Federal declarou o dispositivo
parcialmente inconstitucional; e o quarto, a pesquisa dos efeitos dessa decisão.
Antecipando nossas conclusões, conforme dita a doutrina constitucionalista, a
declaração de inconstitucionalidade não vincula o legislador ordinário, em razão do
11
princípio da separação dos poderes e do fenômeno da “não fossilização” da
Constituição.
Defendemos, portanto, no capítulo quarto, que a Lei n. 13.467/2017 trouxe um
movimento de retração na conformação legal do artigo 7º, XX, da Constituição
Federal de 1988 ao revogar o artigo 384 e alterar o artigo 394-A, ambos da CLT.
Para solucioná-lo, entendemos pela necessidade de uma constante vigilância
jurídica, social e política, a fim de preservar o núcleo essencial e o âmbito de
proteção do artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988. Pelo viés social,
entendemos pela importância do papel do Ministério Público do Trabalho como
defensor nos direitos sociais da trabalhadora que, inclusive, tem atuado de forma
exitosa após a lei reformista de 2017.
Em conclusão, apesar de estarmos diante de um dispositivo revogado e outro
declarado parcialmente inconstitucional pela Suprema Corte, demonstramos com
profunda clareza que a temática é candente e capaz de gerar novas discussões que
podem, inclusive, refletir num futuro próximo. Por isso, esperamos colaborar com
esta dissertação de forma satisfatória, para além dos estudos acadêmicos.
12
1 O TRABALHO DA MULHER 1.1 Orientações hermenêuticas
Inicialmente, a presente pesquisa irá explorar, ainda que sinteticamente, os
parâmetros hermenêuticos fundamentais para a interpretação das regras da Lei n.
13.467/2017 na seara das normas que tutelam o labor feminino. Por isso,
entendemos ser de extremo valor um estudo apurado a seu respeito, visando
averiguar os seus fundamentos, objetivos e efeitos práticos.
Diante desse quadro, procuramos desenvolver a pesquisa com o intuito de
examinar da melhor maneira as normas que protegem o labor feminino. Para tanto,
interessante uma breve digressão para explorar adequadamente sua interpretação.
Nessa senda, em primeiro lugar, importa explicar que o direito é o “conjunto
de princípios, institutos e regras jurídicas, encorpadas por coerção, que imprimem
certa direção à conduta humana, quer alterando, vedando ou sancionando práticas
percebidas, quer estimulando ou garantindo sua reprodução”.1
Conforme os estudos de Inocêncio Mártires Coelho, o direito exige para o seu
conhecimento
um método específico adequado, um método empírico-dialético, que se constitui pelo ato gnosiológico da compreensão, através do qual, no ir e vir ininterrupto da materialidade do substrato e vivência do seu sentido espiritual, procuramos descobrir o significado das ações ou das criações humanas.
2
O direito, portanto, não pode se afastar da sua natureza interpretativa, pois,
por ser recolhido no substrato cultural da experiência humana, necessariamente
anda ao lado da interpretação. E se desejarmos produzir doutrina jurídica, impõe-se
previamente estipular bases e critérios relativos à interpretação. Como propõe
Ronald Dworkin: “se o direito é um conceito interpretativo, qualquer doutrina digna
desse nome deve assentar sobre alguma concepção do que é interpretação”.3
Destarte, produção cultural da humanidade ao longo da história, o direito
importa “no constante exercício pelo operador jurídico de três operações específicas
e combinadas de suma relevância: a interpretação jurídica, a integração jurídica e,
finalmente, a aplicação jurídica". 4 Aliás, recordando que o termo interpretação não é
1 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, p. 236.
2 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 32.
3 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 60.
4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, p. 236.
13
algo novo, Nelson Saldanha lembra que o seu sentido “tem correspondido sempre à
ideia da necessidade de uma adequada ‘inteligência’ dos textos legais”.5
Por certo, na visão clássica, interpretar significava encontrar o sentido e o
alcance de uma lei; tratava-se, pois, de um processo de revelação, de descoberta de
algo que já estava contido no texto, cabendo ao intérprete apenas aproximar-se do
texto e deixar que ele se revelasse ao aplicador do direito.
Nessa ordem de ideias, e como ilustração, desenvolveu-se em Roma o
brocardo in claris cessat interpretatio, expressão esta que tem por acepção que a
interpretação deixará de ser necessária quando a lei for clara. No entanto, tal
postura está ultrapassada, tendo em vista que atualmente é necessário, em primeira
monta, identificar que norma não é sinônimo de texto. O texto normativo é o ponto
de partida da interpretação, e é a partir dele que, interpretativamente, reconstrói-se a
norma jurídica.
Portanto, podemos afirmar que a norma e o texto são distintos. Aquela se
trata de um comando prescritivo, enquanto enunciado ou texto normativo é a
indicação em palavras das diretrizes gramaticais em relação a este comando.
O texto normativo é um primeiro passo da interpretação, motivo pelo qual é
possível dizer que norma é necessariamente norma interpretada; se estivermos
diante de um texto normativo, não haverá norma, a qual somente é reconstruída a
partir do momento em que há interpretação.
Nesse passo, dentre os conceitos de interpretação formulados pela doutrina,
destacamos a ementa de Eros Grau, segundo a qual a interpretação “consubstancia
uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão em uma
outra, visando a tornar mais compreensível o objeto do qual a linguagem se aplica”.6
Por derradeiro, Luís Roberto Barroso exemplifica:
a interpretação não é um fenômeno absoluto ou atemporal. Ela espelha o nível de conhecimento e a realidade de cada época, bem como as crenças e valores do intérprete, sejam os do contexto social em que esteja inserido, sejam os da sua própria individualidade.
7
Hans Kelsen, na sua esquematização rígida deduz a interpretação como uma
progressão derivada da pirâmide hierárquica das normas, por ele concebida: “A
interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da
5 SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 245.
6 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 154.
7 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 3.
14
aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para o escalão
inferior”.8 Paulo Bonavides, por seu turno, destaca a interpretação a partir de sua
abordagem como “operação lógica, de caráter técnico mediante a qual se investiga o
significado exato de uma norma jurídica, nem sempre clara ou precisa”.9
Consideramos, assim que a interpretação trata-se, além da busca do
conteúdo de validade da norma, também dos procedimentos por ela reivindicados
para a sua aplicação. É sem dúvida, um processo em que o intérprete exerce um
papel de grande relevância para extrair o significado do texto. Dito isso, é de
profunda relevância o reconhecimento da atuação do intérprete, não sendo possível
cindir sujeito e objeto.
Diante de um conflito, ao examinar o ordenamento jurídico, o aplicador do
direito interfere com as suas pré-compreensões, que devem ser afastadas dentro do
que for possível, evitando que interfiram negativamente na interpretação. Conforme
explica o filósofo Hans Georg Gadamer, “o intérprete não procura aplicar um critério
geral a um caso particular. Ele se interessa, ao contrário, pelo significado
fundamentalmente original do escrito que se ocupa”.10
Nessa ordem de ideias, necessário também identificar que o ordenamento
jurídico brasileiro prevê que o Poder Judiciário deve interpretar textos normativos
com o fito de buscar soluções justas e atender aos fins sociais da norma. Desta
feita, ao Poder Judiciário, é conferido o poder-dever, o poder-função, de interpretar a
fim de buscar o bem e o fim social, além da proteção dos interesses da comunidade
como um todo. Nesse sentido, o artigo 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB), o Código de Processo Civil de 2015 e a CLT11.
No entanto, não se pode negar que artigo 8º do Texto Celetista prevê que ao
decidir um conflito e aplicar disposições legais ou contratuais, as autoridades da
Justiça do Trabalho devem sempre se portar de maneira que nenhum interesse de
8 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 363.
9 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 398.
10 GADAMER, Hans Georg; FRUCHON, Pierre (org.). O problema da consciência histórica. Rio de Janeiro:
FGV, 1998. 11
Decreto Lei n. 4.657/42, artigo 5º “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Art. 8º do Código de Processo Civil: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho – “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
15
classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Esta orientação deve ser
perseguida na atividade cotidiana de interpretação.
Nessa perspectiva, a integração jurídica conceitua-se como “o processo
lógico de suprimento das lacunas percebidas nas fontes principais do Direito em
face de um caso concreto, mediante o recurso a fontes normativas subsidiárias” 12 e,
por aplicação do direito entende-se “o processo de incidência e adaptação das
normas jurídicas às situações concretas”. 13
Conforme explica Maurício Godinho Delgado:
Todas essas três importantes operações simultaneamente intelectuais e práticas se qualificam como processos analíticos e lógicos, submetidos a regras previamente fixadas. A par disso, tais operações mantêm-se estreitamente interconectadas, dependendo o resultado do desenvolvimento alcançado na operação anterior.
14
A interpretação, do direito, portanto, é regida por um conjunto de orientações
desenvolvidas pela hermenêutica de modo a garantir que o processo de
interpretação seja objetivo, permitindo alcançar o sentido da norma interpretada
mais harmonioso com a ordem jurídica que lhe seja afeta.
Por certo, constituem campos normativos próximos a que a norma jurídica
interpretada se integra tanto o conjunto de princípios e regras componentes da seara
trabalhista, como também o conjunto de princípios e regras componentes do sistema
constitucional de 1988:
[...] o Direito do Trabalho constitui universo normativo a que se deve integrar a norma interpretada o conjunto formado pelos diversos diplomas internacionais de Direitos Humanos, com destaque para os da OIT e os da ONU. Tais diplomas internacionais de Direitos Humanos econômicos, sociais e culturais apresentam, particularmente, normas internacionais sobre direitos individuais, sociais e coletivos trabalhistas, as quais compõem o Direito do Trabalho brasileiro e, se não bastasse, ostentam status supralegal na ordem jurídica interna do País.
15
Essa perspectiva de determinar e compreender o sentido e a extensão da
norma jurídica
tem de revelar um sentido normativo concernente à norma examinada que se integre a esse conjunto jurídico geral, ao invés de ser com ele incongruente, disperso, ilógico. Os métodos interpretativos considerados pela hermenêutica jurídica têm de apresentar a aptidão para realizar essa
12
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, p. 236. 13
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, p. 236. 14
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, p. 236. 15
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 88.
16
harmonização sistêmica de sentidos normativos, sob pena de não concretizarem adequadamente o seu papel interpretativo.
16
A fim de ajustar a terminologia utilizada, relevante determinar a distinção entre
interpretação e hermenêutica.
Escreve Ivo Dantas que “hermenêutica é o conjunto de princípios que regulam
e orientam a interpretação das normas jurídicas, enquanto interpretação é o
descobrimento do sentido real da norma, seu conteúdo ontico”.17 Igualmente, Luiz
Roberto Barroso situa a hermenêutica jurídica em um âmbito teórico, de
investigação, “cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios
e regras de interpretação do direito”. Nesse prisma:
A Hermenêutica Jurídica expressa alguns métodos interpretativos a serem considerados pelo profissional do direito em seu esforço intelectual de compreensão do sentido e da extensão da norma jurídica. Esses métodos não ostentam a mesma consistência científica entre si, tendo em vista que existe um diferencial entre eles no que concerne à qualidade de sua estruturação e abordagem proposta. Isto é, claro diferencial quanto à aptidão que cada um demonstra para expressar os precisos sentido e extensão da norma interpretada.
18
Podemos, portanto, destacar cinco relevantes métodos interpretativos da
hermenêutica jurídica: gramatical, histórico, lógico, sistemático e finalístico. Os dois
primeiros são os mais censurados pela hermenêutica, em razão das limitações.19
Nas perspectivas de Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:
O método gramatical teve prestígio durante a fase originária do liberalismo jurídico e da emergência dos Códigos de Napoleão e subsequentes códigos normativos há mais de duzentos anos atrás (primeira década de 1800, no início do século XIX) – estando profundamente vinculado ao vetusto método da interpretação literal. Ele perdeu prestígio, entretanto, continuamente, ao longo dos últimos cem anos, em particular desde o advento das Constituições Sociais da segunda década do século XX, tais como as Constituições do México, de 1917, e da Alemanha, de 1919 (e constituições caudatárias destas duas pioneiras do constitucionalismo social, inclusive as brasileiras de 1934 e 1946)
20.
Os métodos denominados gramatical e da interpretação literal:
16
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 88. 17
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1995, p. 83. 18
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 89. 19
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 89. 20
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 90.
17
[...] também perderam prestígio em face do advento, na mesma época, dos cada vez mais frequentes diplomas internacionais sobre direitos trabalhistas – a contar da OIT, em 1919 – e, logo a seguir, dos novos diplomas jurídicos sobre direitos humanos em geral. Por fim, o método gramatical, bem como o método da interpretação literalista, ambos entraram em eclipse com o novo constitucionalismo humanista e social subsequente à Segunda Grande Guerra no Ocidente Europeu. É que eles se evidenciaram como manifestamente dissociados também com respeito à nova concepção principiológica do Direito, isto é, à ideia estrutural de princípios como normas jurídicas – concepção esta que, afinal, já ostenta mais de setenta anos de prestígio e consenso na Ciência do Direito.
21
O segundo método de interpretação é o método histórico. Há quem defenda:
as suas inconsistências são tão visíveis que ele tende a não ser sequer considerado efetivo método de interpretação das normas jurídicas, porém mero subsídio informativo sobre aspectos circunstanciais ocorridos durante a construção da lei, em particular no interior do Parlamento.
22
Nas palavras de Carla Teresa Martins Romar, a interpretação histórica é
sustentada nos antecedentes da norma, que se refletem em aspectos formal e
fático. Como exemplo de aspecto formal, a autora cita a lei, o projeto, a emenda e a
exposição de motivos. Já como aspecto fático, menciona as condições culturais e
psicológicas, sob as quais a norma surgiu.23
Com base no mesmo raciocínio, Marcelo Novelino ensina que podemos
interpretar utilizando o elemento histórico para verificar o sentido da norma com
substrato na intenção do legislador, o que é revelado em precedentes legislativos.
Segundo o autor, mesmo que a interpretação dos dispositivos esteja desvinculada
do sentido pretendido pelo legislador, as razões que o motivaram a legislar sobre
determinado assunto jamais podem ser ignoradas por quem o interpreta.24
Assim, o método histórico, consiste na pesquisa acerca das necessidades e
intenções jurídicas presentes no instante da elaboração da norma, realizada com o
fito de compreender as razões de sua criação e a vontade efetiva do legislador na
sua elaboração. Além disso, sendo a norma jurídica interpretada apenas de uma
fração do conjunto jurídico a que se integra 25 , não pode a vontade apenas
circunstancial do legislador subverter a lógica sistemática de todo o conjunto jurídico,
21
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1995, p. 90. 22
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1995, p. 90. 23
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 87. 24
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 166. 25
No caso do direito do trabalho, o conjunto legal mais próximo; o conjunto constitucional imperante; e, além disso, o conjunto internacional imperativo sobre direitos humanos econômicos, sociais e culturais.
18
simplesmente pelo fato de a maioria parlamentar ter sido alcançada em regressivo
período da história da respectiva sociedade e Estado.26
Afinal, o direito, como sistema:
[...] é muito maior e mesmo estruturalmente muito superior à mera vontade ocasional do Legislador do momento, caso este intente subverter a ordem jurídica constitucional e internacional imperantes por intermédio de diplomas jurídicos ordinários manifestamente ideológicos. Ora, o Positivismo Jurídico, de caráter legislativo, já desapareceu da Civilização Ocidental a contar do fim das tragédias desumanas e antissociais deflagradas pelo nazifascismo europeu – o qual foi firmemente derrotado na Segunda Guerra Mundial e suplantado pelo Constitucionalismo Humanístico e Social instituído, na Europa, desde fins da década de 1940 e, no Brasil, desde a Constituição de 1988.
27
Por derradeiro, os três métodos de exegese do direito que a ciência da
interpretação jurídica propõe como exitosos para inspirar e dirigir o processo de
interpretação das normas jurídicas são o lógico28, o sistemático e o finalístico. A
propósito, a hermenêutica jurídica recomenda ao intérprete fazer uso harmônico,
combinado, desses três métodos de interpretação enfocados29 . Nesse deslinde,
oportuno destacar que pelo método lógico:
[...] após encerrado o mister do Legislador e promulgado o diploma legal, passa-se a estar diante de um conjunto normativo que ostenta expressão própria, independentemente dos desejos subjetivos e ideológicos de quem o aprovou. A lei e suas normas jurídicas integrantes passam a constituir um todo lógico e coerente, ainda que explicitado em fórmula linguística eventualmente imperfeita e contraditória. Ao intérprete cabe extrair, com racionalidade, mediante os recursos da lógica, o sentido racional, coerente, civilizado e efetivo das normas jurídicas e do diploma normativo interpretados.
30
Dessa forma, o intérprete do direito deve harmonizar o método lógico com os
dois métodos subsequentes, aperfeiçoando a concretização da dinâmica
interpretativa do direito.
Por seu turno, o método sistemático de interpretação compreende que
26
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 91. 27
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 91. 28
Também denominado racional. 29
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 92. 30
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, pp. 92-93.
19
as normas jurídicas e o próprio diploma normativo têm de ser integrados ao conjunto normativo mais amplo a que pertençam, sob pena de exalarem certos exotismo e desarmonia, que são incompatíveis com o caráter sistêmico, lógico e racional do fenômeno jurídico.
31
Por um lado, esse conjunto normativo é composto por normas que ostentam o
mesmo status jurídico. No caso das regras da Lei n. 13.467/2017, o Texto Celetista,
constitui o conjunto normativo mais próximo, além de outras normas trabalhistas
correlatas. Por outro viés, é igualmente composto por normas jurídicas superiores,
mas que também formam um universo normativo sistêmico e referencial para a regra
jurídica ou diploma normativo interpretados.32
Trata-se, pois, da Constituição Federal de 1988 que, em seu conjunto
harmonioso, técnico, coerente e progressista, busca instaurar um Estado
Democrático de Direito no país, instituindo princípios humanísticos e sociais
conectados entre si, além de inserir os direitos individuais e sociais trabalhistas no
rol dos direitos individuais fundamentais da pessoa humana. Ademais, compõem
também esse conjunto normativo amplo, no ordenamento pátrio, os diplomas e as
normas internacionais de direitos humanos econômicos, sociais e culturais
internamente vigorantes no Brasil.
Tal conjunto de normas internacionais imperativas no Brasil é composto pelas
Convenções da Organização das Nações Unidas. Citamos, como exemplo, o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1996, ratificado pelo
Brasil, conforme Decreto Legislativo n. 226/1991 e promulgação pelo Decreto
Presidencial n. 591/1992.
É composto igualmente por diversas Convenções da Organização
Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil as quais apresentam diversos
princípios e regras de direito individual e coletivo trabalhista, todos com inegável
imperatividade e primazia jurídicas no âmbito do direito interno.
É ainda integrado por importantes Declarações Internacionais de Direitos
Humanos, como a Declaração de Filadélfia, da OIT, de 1944, e a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, de 1948.
De resto, a doutrina jurídica assim explícita no que tange ao método finalístico
– também denominado de teleológico:
31
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 93. 32
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 93.
20
[...] a relevância de se observar o caráter finalístico da norma, do diploma e do Direito interpretados. O fenômeno do Direito, conforme já exposto nesta obra, necessariamente ostenta caráter finalístico, teleológico, não podendo ser interpretado de maneira literal, fragmentada, sem coerência sistemática e de modo distante da observância de seus fins maiores, principalmente quando essa interpretação conduzir a regra examinada para sentido contrário aos objetivos sociais, humanísticos e civilizatórios do ordenamento jurídico.
33
Dessa maneira, o intérprete, em sua análise interpretativa, deve sempre
observar os fins sociais da norma jurídica e do diploma legal, de modo a que
nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse comum. 34
Por fim, conforme explica Mauricío Godinho Delgado e Gabriela Neves
Delgado, é conveniente que:
[...] os três métodos científicos de exegese do Direito devem, naturalmente, ser utilizados de maneira conjugada, harmônica, a fim de que se alcance o resultado interpretativo mais coerente, lógico, sistematizado e finalístico com o conjunto do ordenamento jurídico. Com esse zelo científico e operacional, afastam-se as interpretações regressivas, antissociais, antihumanísticas e não civilizatórias do fenômeno jurídico.
35
Nessa linha de entendimento, é cediço que:
[...] o Direito contemporâneo, próprio do Estado Democrático de Direito, que é inerente ao Constitucionalismo Humanístico e Social, não está mais contido apenas na regra jurídica – ao reverso do que se louvava no período napoleônico do liberalismo primitivo de duzentos anos atrás. É que o Direito está, antes de tudo, contido na norma jurídica, constituída não só pela regra, como também – e principalmente – pelos princípios jurídicos.
36 Muito
menos, a interpretação dessa regra deve se fazer a partir de seu aparente sentido literal. O sentido próprio da regra jurídica está determinado também pelo sentido da norma de Direito, sendo que esse sentido se encontra por intermédio do manejo científico dos métodos de exegese jurídica denominados métodos lógico, sistemático e teleológico. Tais métodos devem ser brandidos, pelo intérprete do fenômeno jurídico, equilibradamente e de maneira conjugada, como um todo unitário, coerente e sistêmico.
37
Oportuno frisar ainda, que uma das técnicas consagradas de interpretação
lógico-sistemática e teleológica consiste na interpretação conforme com a
33
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 95. 34
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 95. 35
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 95. 36
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 96. 37
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 96.
21
Constituição Federal de 1988, a par da interpretação em conformidade com
determinados diplomas normativos internacionais imperativos no Brasil.38
Nesse quadro metodológico, ao invés de se invalidar a regra jurídica
interpretada, alinha-se pela escolha da interpretação conforme, de maneira a
autorizar a agregação dos comandos imperativos que advém do Texto
Constitucional ou dos diplomas internacionais imperativos com as dimensões
compatíveis e adequáveis das regras infraconstitucionais confrontadas.39
Estes parâmetros hermenêuticos, para a interpretação do direito se aplicam,
naturalmente, ao direito do trabalho,40 e, em especial, nesta pesquisa, sobre as
normas de proteção ao trabalho feminino. A especificidade justrabalhista:
[...] que existe nesse campo diz respeito ao caráter teleológico da interpretação dos preceitos normativos no campo do Direito do Trabalho, em decorrência de esse campo jurídico ser essencialmente finalístico, realizando valores e pretensões inerentes à pessoa humana, ao invés de pretensões e valores típicos do individualismo possessivo do mercado econômico. Na perspectiva do Constitucionalismo Humanístico e Social e de seu Estado Democrático de Direito, o Direito Laboral concretiza alguns dos objetivos centrais desse novo constitucionalismo elaborado depois da barbárie excludente e impiedosa do nazifascismo europeu. De um lado, o objetivo de democratizar não apenas a sociedade política, mas também a sociedade civil, inclusive o mercado econômico e suas empresas, que ostentam, conforme se conhece, vínculos de poder assimétricos e recorrentes tendências darwinistas.
41
Por outro viés, fazer da ordem jurídica horizonte e efetivo cenário de
afirmação da centralidade da pessoa humana, de sua dignidade, de seu bem-estar
individual e social, de sua segurança, de sua inviolabilidade física e psíquica, da
valorização de seu trabalho, especialmente o emprego. Em síntese, fazer das
ordens jurídicas, sociais e econômicas uma realidade livre, justa e solidária.
Nessa precisa linha, assim expõe a doutrina:
A interpretação do Direito do Trabalho seguramente se submete às linhas gerais básicas que a Hermenêutica Jurídica traça para qualquer processo interpretativo do fenômeno do Direito. A especificidade do ramo justrabalhista não avança a tal ponto de isolar esse ramo jurídico do conjunto de conquistas teóricas alcançadas pela Ciência Jurídica no que conceme à dinâmica interpretativa do Direito. Nessa linha, a interpretação
38
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 96. 39
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 97. 40
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 97. 41
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 97.
22
no Direito do Trabalho sujeita-se, essencialmente, ao mesmo tipo de processo imperante em qualquer ramo jurídico existente. Sujeita-se, portanto, ao conjunto de princípios, teorias e regras examinadas no presente capítulo. Não obstante esse leito comum em que se insere o processo interpretativo justrabalhista, cabe se aduzir uma especificidade relevante que se agrega – harmonicamente – na dinâmica de interpretação do Direito do Trabalho. É que esse ramo jurídico deve ser sempre interpretado sob um enfoque de certo modo valorativo (a chamada jurisprudência axiológica), inspirado pela prevalência dos valores e princípios essenciais ao Direito do Trabalho no processo de interpretação. Assim, os valores sociais preponderam sobre os valores particulares, os valores coletivos sobre os valores individuais. A essa valoração específica devem se agregar, ainda – e harmonicamente –, os princípios jus trabalhistas, especialmente um dos nucleares do ramo jurídico, o princípio da norma mais favorável.
42
Na realidade, inúmeros princípios constitucionais, somados ao princípio da
norma mais favoráve 43 , atuam vigorosamente na dinâmica hermenêutica em
praticamente quase toda a conjuntura interpretativa. Nessa linha, podemos ressaltar,
por exemplo, os seguintes princípios: da centralidade da pessoa humana na ordem
jurídica e na vida socioeconômica; da valorização do trabalho e do emprego; da
dignidade da pessoa humana; da justiça social e da subordinação da propriedade à
sua função socioambiental.44
Por tudo isso, a ideia é de que o direito não se interpreta em tiras. É possível
e desejável que o intérprete do direito conjugue mais de um método na análise de
determinada situação para compreender o adequado sentido normativo de um texto.
Portanto, claro está, pela perspectiva hoje dominante na ciência do direito, que é o
que faremos durante a pesquisa no tocante às normas de proteção ao trabalho da
mulher.
1.2 Notas filosóficas, jurídicas, científicas e costumeiras e o direito da
mulher
Quando partimos para uma análise filosófica, encontramos o pensamento de
Jean-Jacques Rousseau, que contribuiu para as reflexões sobre a desigualdade de
gênero no século XVIII. Defensor dos princípios iluministas de liberdade e igualdade,
leva a uma expectativa diversa sobre a sua teoria com relação aos direitos das
42
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, pp. 251-252. 43
Manifestamente inserido no caput do artigo 7º da Constituição Federal de 1988. 44
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 98.
23
mulheres na sociedade, diversa da realidade atual e da qual defendemos neta
pesquisa.
No período em que viveu o filósofo, existiam mulheres e outros filósofos e
filósofas que clamavam a igualdade de direitos para homens e mulheres. Jean-
Jacques Rousseau tinha ciência deste debate, o que resultou na sua obra Emílio45.
Nesta senda, Jean-Jacques Rousseau entende que a natureza e a razão
consistem nos fundamentos da desigualdade entre homens e mulheres, no
isolamento da mulher no âmbito doméstico e na subordinação do sexo feminino. 46
Ao analisar a obra, verificamos a presença de quatro capítulos destinados
àquele que representa o sexo masculino, que é Emílio, como também apenas um
capítulo para tratar da figura feminina, representada por Sofia; esta seria a mais
breve esposa de Emílio.
Assim, uma passagem no livro afirma que não é bom que o homem fique só –
curiosamente trata-se de versículo bíblico constante em Gênesis 2:1847 – e, que fora
prometido uma companheira a Emílio, a qual seria Sofia. O autor questiona do seu
paradeiro, onde ela se abriga e onde a encontrará: “para encontrá-la é preciso
conhecê-la. Saibamos primeiramente como é e julgaremos melhor onde reside”.48
No desenrolar dos escritos, o filósofo genebrino expõe um discurso sobre a
inferioridade feminina e consolida uma teoria de exclusão das mulheres da política.
Ademais, Jean-Jacques Rousseau demonstra as habilidades domésticas de Sofia e
expõe que, desde cedo, as mulheres devem aprender os trabalhos de seu sexo.
Assim, de forma exitosa, o autor descreve que Sofia é experiente em tudo o
que lhe fora ensinado. Os trabalhos do sexo feminino seriam, por exemplo, o corte e
a costura de seus vestidos. Sofia teria prazer em trabalhar com a agulha, mas a sua
preferência era o de fazer renda, “porque nenhum outro dá atitude mais agradável e
em nenhum os dedos se exercitam com mais graça e ligeireza”.49
Sofia também se dedicava às tarefas domésticas, pois era bem entendida
sobre a cozinha e a copa; os preços e a qualidade dos alimentos e mantimentos;
sobre fazer as suas contas; e servia de mordomo para sua mãe. Demais disso, foi 45
Publicada no ano de 1762, que consiste numa proposta de educação dos indivíduos desde criança até adultos. 46
SOUZA, Cristiane Aquino. A desigualdade de gênero no pensamento de Rousseau. Disponível em:
https://siaiap32.univali.br//seer/index.php/nej/article/viewFile/7198/4094 Acesso em: 30 out. 2019. 47
Confira-se: E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele. (Gênesis 2:18). 48
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 423. 49
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 473.
24
feita para ser mãe de família; pois, tomando conta da casa de seu pai, governaria
muito bem a dela própria; ela atendia bem às funções dos criados e sempre o fazia
de forma afetuosa.50
Dessa forma, o filósofo considera que a desigualdade entre os sexos origina-
se na natureza e na razão, ao expor:
Quando a mulher se queixa da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão; essa desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão: cabe a quem a natureza encarregou do cuidado dos filhos a responsabilidade disso perante o outro.
51
Pelo exposto, o entendimento rousseauniano era de que em razão da
natureza dos homens e das mulheres não ser a mesma, eles não devem receber a
mesma educação e, portanto, devem desfrutar de trabalhos diversos.
Conforme exprime, o homem e a mulher não devem ser desenvolvidos da
mesma forma, nem de caráter nem de temperamento, segue-se que não devem
receber a mesma educação. Com relação à natureza, devem agir de acordo, mas
não devem fazer as mesmas coisas. Em resumo, o fim dos trabalhos seria o mesmo,
mas os trabalhos seriam diferentes e, por conseguinte, os gostos que os cercam.52
Em contraponto a Jean-Jacques Rousseau, Platão, na obra ‘A República’,
considera que homens e mulheres são destituídos da mesma natureza e, por isso,
capazes de exercer as mesmas funções. Entretanto, para o filósofo iluminista, a
ideia de Platão seria equivalente a uma “promiscuidade civil que confunde em tudo
os dois sexos nos mesmos empregos, nos mesmos trabalhos, e não pode deixar de
engendrar os mais intoleráveis abusos”53.
O autor defende ainda que as mulheres devem ser educadas de acordo com
os deveres de seu sexo, evitando a busca de verdades abstratas ou especulativas,
limitando-se a gerir as tarefas domésticas, pois não teriam competência para buscar
verdades abstratas e especulativas, dos princípios, dos axiomas nas ciências, enfim,
tudo o que tende a generalizar as ideias. Os estudos femininos devem ser voltados
50
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 473. 51
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 428. 52
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 430. 53
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 430.
25
para a prática, ou seja, caberia a elas aplicar os princípios encontrados pelo
homem.54
A partir dessas premissas, verificamos que, agregada em uma sociedade
patriarcal, a mulher sempre foi vítima de discriminações no tocante ao seu
desempenho profissional. Durante muitos séculos a sociedade esteve definida por
este modelo, o qual exigia dela uma vida de submissão, ocupando posição de
inferioridade, pois era obrigada a viver reclusa e a obedecer ao pai. Quando casava,
deveria ser orientada pelo seu marido, ou seja, era criada e educada para o
casamento, a dedicação aos filhos e ao lar.
Por outro viés, no entanto, mulheres de classes econômicas menos
favorecidas trabalhavam como empregadas domésticas, a fim de sustentar sua casa
e seus filhos, tendo em vista a constante ausência da figura do marido. É essa a
linha de pensamento que, por um longo período, trouxe o legado de que a mulher
não podia estudar ou exercer qualquer profissão. Vivia na total dependência
econômica do seu cônjuge, pois ele deveria ser o único provedor da família.
Por certo, Jean-Jacques Rousseau desaprovou essas mulheres da burguesia
que ocuparam espaços intermediários entre a esfera pública e privada. De forma
grotesca, a nosso ver e para as perspectivas atuais, afirmava pela sua preferência
em mulheres simples e educadas a uma mulher culta “que viesse estabelecer no lar
um tribunal de literatura de que seria presidenta. Uma mulher assim é o flagelo do
marido, dos filhos, dos amigos, dos criados, de todo mundo. Do alto de seu gênio,
ela desdenha todos os seus deveres de mulher”.55
Para ele, fora do seu círculo doméstico, a mulher culta seria ridícula e alvo de
críticas,
pois não pode deixar de sê-lo quando se sai de sua condição e não se é feito para a que se quer ter. Todas essas mulheres de grandes talentos só aos tolos impressionam. [...] Toda jovem letrada permanecerá solteira a vida inteira, em só havendo homens sensatos na terra.
56
Dessa forma, deixa claro que as mulheres não devem jamais sair do espaço
doméstico.
54
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 463. 55
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 432. 56
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 432.
26
A vista de tudo o que expusemos, no entanto, a fim de desenvolver um
debate, importante frisarmos que, antes mesmo de Jean-Jacques Rousseau, já
existiam filósofos e filósofas que defendiam os direitos civis e políticos das mulheres
e a igualdade de gênero nos planos natural, racional e moral.
Também, no tempo em que viveu o filósofo, já existiam mulheres que
questionavam o seu confinamento no âmbito doméstico. Havia salões literários e
políticos, realizados nas casas de mulheres da burguesia e da aristocracia, que
reuniam pessoas da elite intelectual, social e artística.57
Naquela época, o filósofo de Genebra teve conhecimento destes
posicionamentos e utilizou a expressão “os partidários do belo sexo”, a fim de se
referir aos pensadores em questão:
Todas as faculdades comuns aos dois sexos não lhes são igualmente repartidas; mas encaradas em conjunto elas se compensam. A mulher vale mais como mulher e menos como homem; em tudo em que faz valer seus direitos, ela leva vantagem; em tudo em que quer usurpar os nossos fica abaixo de nós. Não se pode responder a esta verdade geral senão com exceções; maneira constante de argumentar dos partidários do belo sexo.
58
Nessa perspectiva, antes de Jean-Jacques Rousseau, elencamos o filósofo
François Poullain de La Barre, no século XVII, que, em 1673 escreveu a obra ‘A
igualdade dos dois sexos’, um tratado físico e moral onde se verifica a importância
de se desfazer dos preconceitos.59
O autor defende que ao observar a conduta dos homens e das mulheres, as
pessoas são obrigadas a reconhecer a igualdade completa entre os dois sexos.
Determina, ainda, que somente os costumes e os preconceitos são capazes de
impedir que as mulheres sejam reconhecidas como iguais aos homens, tanto no
conhecimento científico quanto nos governos e nos trabalhos de maneira geral.
O filósofo ensina que o preconceito mais antigo consiste naquele relacionado
à desigualdade entre os sexos e defende a necessidade de superá-lo por intermédio
do método cartesiano:
Nos ha parecido que lo mejor sería elegir un tema determinado y explosivo en el que todos estuvieran interesados; luego de haber demostrado que un sentimiento tan viejo como el mundo, tan extendido y amplio como la propia tierra y tan universal como el género humano es un prejuicio o un erros, los
57
Destes salões participaram grandes filósofos como Montesquieu, Voltaire, Hegel, Diderot e D´Alembert. 58
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 431. 59
LA BARRE, François Poullain de. De L´égalité des deux sexes. Discours physique et moral ou l´on voit
l´importance de se défaire des prejugés, 1673.
27
sabios podrían convencerse por fin de la necesidad de juzgar las cosas por uno mismo después de haberlas examinado detenidamente, y de no remitirse en modo alguno a la opinión ni a la buena fe de los demás, si queremos evitar ser engañados. Entre todos los prejuicios, ninguno hemos podido observar que fuera más apto para nuestro empeño que aquél que comúnmente se tiene sobre la desigualdad de ambos os sexos
60.
Jean-Jacques Rousseau teve conhecimento desta e de outras obras de
François Poullain de la Barre61 . Por exemplo, seguramente podemos frisar que
quando Jean-Jacques Rousseau determina que a desigualdade entre homens e
mulheres não é fruto do preconceito e sim da razão, está respondendo a François
Poullain de la Barre. Ainda para contextualizar o pensamento de Jean-Jacques
Rousseau e compreender que, em sua época, a igualdade de gênero era um tema
em discussão, cabe lembrar que seu pensamento serviu de base teórica para a
Revolução Francesa de 1789.62
Em linhas pré-revolucionárias, em que se clamava por liberdade e igualdade,
era natural que muitas mulheres exigissem igualdade de direitos em relação aos
homens e, entre outros, o direito de participação política. Dessa forma, é razoável
afirmar que os escritos de Jean-Jacques Rousseau sobre o papel das mulheres na
sociedade tivessem como objetivo deixar transparente que a igualdade não seria
extensiva às mulheres, rompendo-se a suposta universalidade proclamada na época
iluminista.
Traçando o percurso do tema, nesse período revolucionário surgiu, de forma
mais intensa e organizada, o debate político e filosófico sobre a cidadania das
mulheres. 63 Nessa linha, Jean-Jacques Rousseau enviou um escrito para
D’Alembert na qual enfatizava o papel das mulheres na esfera doméstica.64
Em resposta65, D’Alembert afirmou que caso o filósofo tivesse razão em negar
a virtude às mulheres, isso seria devido à escravidão a que elas estariam
submetidas por parte dos homens. Ademais, critica a educação recebida pelas
60
POULLAIN DE LA BARRE apud AMORÓS, Celia; COBO, Rosa. Feminismo e ilustración. In: AMORÓS, Celia; MIGUEL, Ana de. (org.). Teoría feminista: de la ilustración a la globalización. Madrid: Minerva Ediciones, 2010,
p. 100. 61
POULLAIN DE LA BARRE apud AMORÓS, Celia; COBO, Rosa. Feminismo e ilustración. In: AMORÓS, Celia; MIGUEL, Ana de. (org.). Teoría feminista: de la ilustración a la globalización. Madrid: Minerva Ediciones, 2010. 62
11 anos após a sua morte. 63
Alguns autores se alinharam a favor da causa destas, como Montesquieu, Diderot, Voltaire e D’Alembert. 64
CALDERÓN QUINDÓS, Fernando. La mujer en la obra de Jean-Jacques Rousseau. Universitas
Philosophica, n. 40-41, 2003, pp. 11-28. 65
A carta a Rousseau foi escrita em 1759, ao passo que a redação de Emílio ocorreu entre 1757 e 1760. Podemos concluir, portanto, que as ideias de D´Alembert não foram recepcionadas pelo filósofo genebrino.
28
mulheres, na qual aprendiam a fingir, ocultar suas opiniões e disfarçar os seus
pensamentos; e conclui:
Cuando la instrucción sea más libre de expandirse, más extendida y homogénea, experimentaremos sus efectos bienhechores; dejaremos de mantener a las mujeres bajo el yugo y la ignorancia y ellas dejarán de seducir, engañar y gobernar sus señores. El amor entre los dos sexos será para entonces como la amistad más dulce y verdadera entre los hombres virtuosos
66.
Demais disso, pairava ainda sobre Jean-Jacques Rousseau a inferioridade
intelectual feminina, pois as mulheres não deveriam tentar ultrapassar os limites
impostos pelo seu sexo, pois isso equivaleria a usurpar as vantagens masculinas.
Não seria oportuno, portanto, cultivar, nas mulheres as qualidades de homem:
Acreditai-me, mãe judiciosa, não façais de vossa filha um homem de bem, como que para dar um desmentido à natureza; fazei dela uma mulher honesta e ficai certa de que ela valerá mais com isso, para ela e para nós.
67
No entanto, o autor acreditava que as mulheres não deveriam ser educadas
na total ignorância:
Deduzir-se-á disto que deva ser educada na ignorância de tudo e adstrita unicamente às tarefas do lar? Fará o homem sua criada de sua companheira? Privar-se-á ao lado dela do maior encanto da sociedade? Para escravizá-la ainda mais, impedi-la-á de conhecer o que quer que seja? Fará dela uma verdadeira autômata? Não, sem dúvida, assim não o mandou a natureza, que dá às mulheres um espírito tão agradável e tão versátil; ao contrário, ela quer que elas pensem, julguem, amem, conheçam, cultivem seu espírito como seu rosto; são armas que lhes dá para suprir a força de que carecem e para dirigir a nossa. Elas devem aprender muitas coisas, mas as que lhes convém saber.
68
Destarte, para Jean-Jacques Rousseau as mulheres deveriam ser educadas
em uma ignorância parcial, pois poderiam aprender muitas coisas, as quais seriam
apenas as que lhes convierem e estabelecidas pelo homem; em resumo, as
mulheres poderiam aprender apenas aquilo que os homens consideravam
conveniente.
Traçadas essas premissas, podemos enunciar que no Brasil, anos após,
assimilou a mesma ideia de inferioridade e submissão, por exemplo, o Código Civil
66
PULEO, Alicia H. La ilustración olvidada: la polémica de los sexos en el siglo XVIII. MaMadrid: Anthropos,
2011, p. 76. 67
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 432. 68
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992, p. 432.
29
de 191669, o qual revelava a permissão da anulação de um casamento cuja mulher
já era deflorada70 e também a deserdação da filha “desonesta”.71 Antes da entrada
em vigor do Estatuto da Mulher Casada, o referido Código retirava da mulher casada
a sua capacidade civil plena, tornando-a relativamente incapaz.72
Ao casar, a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do marido73, situação
que só foi alterada com a Lei do Divórcio. O Código Civil de 1916 determinava
também que o marido, na condição de chefe da sociedade conjugal, detinha a
representação legal da família e, desse modo, administrava todos os bens do casal,
inclusive aqueles que pertenciam à esposa, conforme situa o artigo 233.
Voltando ao campo filosófico, em contraponto às ideias de Jean-Jacques
Rousseau, ressaltamos os estudos da filósofa inglesa Mary Wollestonecraft. Em sua
obra ‘A reivindicação dos direitos da mulher’74, publicada em 1792, a autora critica
diversos autores que haviam realizado uma descrição da mulher como alguém
inferior ao homem. Em síntese, enfoca especialmente Jean-Jacques Rousseau:
Começarei com Rousseau e, com base em suas próprias palavras, apresentarei um esboço de sua opinião sobre o caráter da mulher, intercalando comentários e reflexões. É verdade que meus comentários surgirão de alguns princípios simples, que podem ser deduzidos do que eu disse, mas a estrutura artificial de Rousseau foi construída com tanta ingenuidade que é necessário que eu a ataque de uma maneira mais completa.
75
Por sua vez, Mary Wollestonecraft contrapõe-se às premissas expostas na
obra Emílio. Uma das suas críticas incide na afirmação de Jean-Jacques Rousseau
de que as mulheres possuem uma natureza diferente dos homens que as inclinaria
para a vida doméstica. Ela deixa certo que os costumes e os hábitos das mulheres
resultam de uma construção social:
Que uma garota, condenada a permanecer sentada durante horas ouvindo as conversas das pobres babás ou observando o arranjo pessoal de sua mãe, tenta participar da conversa é algo lógico; e depois imita sua mãe ou suas tias, vestindo roupas e penteando sua boneca sem vida, como fazem
69
Cuja vigência se deu até o início de 2003. 70
Código Civil (1916), Artigo 178, § 1º. 71
Código Civil (1916), Artigo 1.744, III. 72
Código Civil (1916), Artigo 6º, II. 73
Código Civil (1916), Artigo 240. 74
A Vindication of the Rights of Woman (1792). 75
WOLLESTONECRATF, Mary. Vindicación de los derechos de la mujer. Madrid: Debate Editorial, 1998, p.
109.
30
com ela, pobre criatura inocente! É incontestavelmente uma consequência totalmente natural.
76
Ela entende que nem os homens mais eminentes tiveram força suficiente para
superar a atmosfera ao seu redor. É, pois, a socialização, na qual se inclui uma
educação inadequada, a que dirige as meninas para o coquetismo e o artifício. Jean-
Jacques Rousseau, que havia explicado, ao longo de sua obra, o caráter
socialmente construído de todas as instituições e relações sociais, não o faz em
relação à subordinação das mulheres.77
Dessa forma, a natureza mencionada por Jean-Jacques Rousseau não seria
natural, mas criada pelo filósofo para legitimar a subordinação das mulheres.
Destaca ainda uma noção de virtude racional e, uma vez que a razão seria acessível
a ambos os sexos, a virtude seria única e universal:
Falo do sexo masculino como um todo, mas não vejo vislumbres da razão que justifiquem que suas virtudes tenham uma natureza diferente. Como isso seria possível se a virtude tivesse apenas um modelo idêntico e eterno? Então, se meu racionamento é o lógico, devo insistir, por um lado, que os dois sexos andem para o mesmo fim, e, por outro lado, que Deus existe.
78
Diante disso, Mary Wollestonecraft questiona a razão pela qual se corrompe o
espírito feminino ensinando-lhe as artes do coquetismo. Além disso, interroga qual é
a perspectiva das mulheres quando não há matrimônio ou promessa de matrimônio.
Por outro lado, inquire se as mulheres, ao serem educadas desde a infância para a
obediência passiva, teriam personalidade suficiente para dirigir uma família e educar
os filhos. Dessa forma, reivindica a individualidade das mulheres e o reconhecimento
de sua capacidade de decidir o seu próprio destino.
Por derradeiro, Mary Wollestonecraft aponta a necessidade de dar espaço
para as mulheres se desenvolverem, pois: “elas nunca foram capazes de exercer
sua razão, nunca foram independentes, nunca refutaram uma opinião ou se
ressentiram da dignidade de serem livres e racionais”79.
76
WOLLESTONECRATF, Mary. Vindicación de los derechos de la mujer. Madrid: Debate Editorial, 1998, p.
67. 77
AMORÓS, Celia; COBO, Rosa. Feminismo e ilustración. In: AMORÓS, Celia; MIGUEL, Ana de. (org.). Teoría feminista: de la ilustración a la globalización. Madrid: Minerva Ediciones, 2010. 78
WOLLESTONECRATF, Mary. Vindicación de los derechos de la mujer. Madrid: Debate Editorial, 1998, p.
46. 79
WOLLESTONECRATF, Mary. Vindicación de los derechos de la mujer. Madrid: Debate Editorial, 1998, p.
59.
31
Considera ainda que a força física é a única base sólida sobre a qual se pode
defender a superioridade do sexo masculino, mas insiste que as virtudes e os
conhecimentos sejam os mesmos para ambos os sexos:
Mas insisto mais uma vez no fato de que não apenas as virtudes, mas também o conhecimento deve ser da mesma natureza para ambos os sexos, mas no mesmo grau, e que as mulheres, consideradas não apenas como criaturas mortais, mas também como seres racionais, elas devem se esforçar para adquirir as virtudes ou qualidades humanas pelos mesmos meios que os homens, em vez de serem educadas como uma raça de semi-pessoas imaginárias, uma das quimeras loucas de Rousseau.
80
De acordo com a filósofa inglesa, seria conveniente uma revolução nos
costumes femininos, pois teria chegado a hora de devolver às mulheres a dignidade
perdida. Assim, mesmo que as mulheres tenham deveres diferentes para cumprir,
são deveres humanos e devem ser regidos pelos mesmos princípios aplicados para
os homens.
É importante insistir, sob este olhar, que apesar de toda a discriminação
sofrida ao longo de séculos, as mulheres do mundo inteiro continuaram e ainda
permanecem lutando pela igualdade de direitos com os homens, obtendo conquistas
graduais e progressivas. Nesse passo, a teoria de Jean-Jacques Rousseau caiu por
terra.
Por meio da dicotomia público e privado, ele havia consolidado a teoria que
propiciava a permanência da exclusão feminina do espaço político. Esta exclusão
resultou legitimada pelo direito até meados do século XX, quando a maioria dos
países ocidentais incorporou o direito ao voto feminino. No Brasil, ocorreu em 1932,
quando o movimento feminino garantiu o direito ao voto.81
Noutro deslinde, distanciando do campo filosófico, na década de 1960, um
importante acontecimento serviu para redesenhar o papel da mulher na sociedade e,
por conseguinte, na sua inserção no mercado de trabalho, a qual foi chamada de
revolução sexual. 82 O avanço dos métodos anticoncepcionais serviu como fator
determinante para a emancipação feminina. Nos dizeres de Simone de Beauvoir, até
então, “[...] para muitas mulheres, a vida era uma série ininterrupta de partos”.83
80
WOLLESTONECRATF, Mary. Vindicación de los derechos de la mujer. Madrid: Debate Editorial, 1998, p.
64. 81
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 112. 82
CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação. São Paulo: LTr., 2007,
p. 97. 83
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Fatos e mitos. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980, p. 153.
32
Assim, os métodos contraceptivos possibilitaram à mulher decidir o momento
da gravidez e quantos filhos pretendia ter, garantindo uma vida profissional mais
ativa. Ademais, além da maternidade, passou a planejar sua realização pessoal e
seu sucesso profissional, estudando e se aperfeiçoando com o objetivo de obter
ascensão no concorrido mercado de trabalho.
Outrossim, na década de 1960, com a entrada em vigor do Estatuto da Mulher
Casada, em 1962, a condição jurídica da mulher brasileira alcançou um novo
patamar. Entretando, a conquista mais expressiva da emancipação da mulher
brasileira aconteceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que
consagrou como direito fundamental a igualdade de gênero ao estabelecer que
“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, [...]”, comando previsto no
artigo 5º da Carta.
Nesse deslinde, o Texto Constitucional de 1988, como importante marco no
processo de democratização do Brasil, conferiu um novo status às mulheres,
garantindo-lhes condições de igualdade com os homens, principalmente na família e
no trabalho. Não obstante, a existência de uma barreira cultural na sociedade, que
ainda mantém conceitos ultrapassados, vem impedindo a mulher de usufruir
plenamente esta igualdade.
Nesse passo, quando nos aprofundamos no estudo sobre o ambiente de
trabalho, pesquisas recentes revelam que as mulheres brasileiras possuem muito
mais anos de estudos que os homens. Apesar disso, continuam recebendo salários
bem inferiores, reflexo de um problema que não atinge somente o Brasil.
Aliás, a igualdade absoluta entre homens e mulheres não existe em país
algum. O último relatório executado pela Organização Internacional do Trabalho,
denominado Mulheres no Trabalho – tendências 2016, demonstra:
A desigualdade entre homens e mulheres persiste nos mercados de trabalho globais, em relação às oportunidades, ao tratamento e aos resultados. Nas últimas duas décadas, os significativos progressos alcançados pelas mulheres na educação não se traduziram numa melhoria comparativa na sua situação no trabalho. Em muitas regiões do mundo, as mulheres, comparativamente aos homens, têm mais probabilidades de permanecerem ou virem a ficar desempregadas, têm menos oportunidades de participar no mercado de trabalho e – quando o conseguem – muitas vezes têm de aceitar empregos de qualidade inferior. Os progressos para ultrapassar estes obstáculos têm sido lentos e limitados em algumas regiões do mundo.
84
84
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Mulheres no trabalho – tendências 2016. Disponível em: http://www.ilo.org. Acesso em: 28 out. 2019.
33
O estudo ainda explica:
Entre 1995 e 2015, a taxa de atividade global da população feminina diminuiu de 52,4 por cento para 49,6 por cento. Os números correspondentes para os homens são respectivamente de 79,9 e 76,1 por cento. As oportunidades de participação das mulheres no mercado de trabalho no mundo permanecem quase 27 pontos percentuais abaixo das oportunidades dos homens.
85
No tocante às diferenças remuneratórias, podemos observar:
A nível global estimam-se em 23 por cento as disparidades salariais de gênero, isto é as mulheres ganham 77 por cento do que ganham os homens. [...]. Essas disparidades não podem ser explicadas unicamente por diferenças na educação ou pela idade. Estão, também, relacionadas com a subavaliação do trabalho que é realizado pelas mulheres e das competências exigidas nos sectores ou profissões de predominância feminina, práticas discriminatórias, e a necessidade das mulheres fazerem pausas na carreira para poderem assegurar as responsabilidades adicionais, por exemplo, após o nascimento de uma criança.
86
Nessa perspectiva, ao comentar sobre o tema da igualdade de remuneração,
Carla Teresa Martins Romar propõe:
[...] persiste a discriminação e a desigualdade salarial da mulher. Desse aspecto podemos ressaltar que segundo o Informe Mundial sobre Salários 2014-2015 da Organização Internacional do Trabalho [...] A nova edição do Informe Mundial sobre Salários da OIT revela uma disparidade salarial considerável entre homens e mulheres, considerando como base de análise de 38 países
87.
A autora ressalta que, segundo o Informe:
[...] verifica-se que nos países analisados os salários médios das mulheres são entre 4% e 36% inferiores aos dos homens, mas a disparidade em termos absolutos aumenta em relação às mulheres que ganham mais. [...]. A “diferença salarial relacionada com a maternidade” (que mede a diferença de retribuição entre as trabalhadoras mães e as mulheres sem filhos) também foi considerada no Informe. Por exemplo, no México, as mães ganham cerca de 33% menos do que as mulheres sem filhos, enquanto na Rússia esta diferença é de aproximadamente 2%.
88
85
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Mulheres no trabalho – tendências 2016. Disponível em: http://www.ilo.org. Acesso em: 28 out. 2019. 86
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Mulheres no trabalho – tendências 2016. Disponível em: http://www.ilo.org. Acesso em: 28 out. 2019. 87
ROMAR, Carla Teresa Martins. Informe sobre salários 2014-2015 da Organização Internacional do Trabalho. Persiste a discriminação e a desigualdade salarial da mulher. Revista de Direito do Trabalho, ano 41, n. 161,
jan.-fev. 2015. São Paulo: RT, 2015, p. 46. 88
ROMAR, Carla Teresa Martins. Informe sobre salários 2014-2015 da Organização Internacional do Trabalho. Persiste a discriminação e a desigualdade salarial da mulher. Revista de Direito do Trabalho, ano 41, n. 161,
jan.-fev. 2015. São Paulo: RT, 2015, p. 47.
34
Por todo o exposto, consideramos que o tema do trabalho da mulher é de
grande relevância para o direito como um todo, especialmente para o direito do
trabalho. A depender do viés de análise, representa não apenas importância para
concretizar as normas internacionais, nacionais e infraconstitucionais que visam
promover a igualdade do trabalho entre homens e mulheres e na proteção à mulher
gestante ou lactante, mas também as normas que tutelam o nascituro e o recém-
nascido em fase de amamentação.
Ao citar Mozart Victor Russomano, Octavio Bueno Magano pondera: “A
proteção à maternidade não termina com o parto. Nem sequer com o
restabelecimento da parturiente quando ela volta ao serviço. Continua, através da
prole, por muitos meses” 89.
Este arcabouço normativo que sustenta o ordenamento jurídico trabalhista da
mulher trabalhadora deve ser analisado cuidadosamente sob o viés de ser direito e
dever da família, da sociedade e do Estado, pois suas possíveis alterações ao longo
da história do direito possuem o condão de refletir além da figura da empregada.
Portanto, afirmamos com convicção que a trabalhadora não é a única destinatária
dessas normas, porque:
[...] o texto constitucional coloca em destaque o direito à vida (art. 5º, caput), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o direito à saúde, a proteção à maternidade e à infância (art. 6º, CF), o direito ao meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado, neste incluído o meio ambiente do trabalho (arts. 225 e 200, VIII, CF), a preocupação com a mulher trabalhadora no período de gestação e pós-parto (art. 7º, XVIII, XX XXII, art. 10, II, b, ADCT), e o direito da criança ao desenvolvimento sadio (art. 227); cujo escopo maior é impedir retrocesso nessas conquistas e evitar o desmonte dos direitos sociais dos trabalhadores construídos ao longo dos séculos’.
90
Como principal diploma normativo trabalhista, a CLT especifica no seu Título
III sobre as normas especiais que tutelam o trabalho em geral, e inclui um capítulo
específico (Capítulo III) para disciplinar a proteção do trabalho da mulher (artigos
372 a 401). Por derradeiro, todo esse conjunto normativo que tutela, em especial, a
mulher trabalhadora, foi construído ao longo da história até se reunir ao texto
consolidado. Este, porventura, foi sofrendo diversas modificações que impactaram
tanto na promoção quanto na proteção do seu trabalho.
89
MAGANO, Octavio Bueno. Direito tutelar do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr., 1992, pp. 119-120. 90
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017.
35
Octavio Bueno Magano frisa:
[...] o caráter tuitivo das normas contidas no Capítulo III, do Título III da CLT, foi acentuado pelo legislador brasileiro, não apenas na denominação atribuída ao referido capítulo (Da Proteção do Trabalho da Mulher), senão também pela regra do art. 377, que assim se enuncia: a adoção de medidas de proteção ao trabalho das mulheres é considerada de ordem pública, não justificando, em hipótese alguma, a redução de salário.
91
Ademais, o autor enfatiza:
Conquanto se possa afirmar que a legislação trabalhista é genericamente de ordem pública, não há dúvida de que aqui o legislador quis sublinhar o caráter mais acentuadamente protecionista das normas concernentes ao trabalho da mulher. Segundo resulta do oportuno escólio de Tostes Malta, quis o legislador chamar atenção para o fato de que as normas em estudo não poderiam ser colocadas fora do direito público, pelo marcante e direto interesse do Estado na proteção da saúde da mulher.
92
Dessa forma, as normas gerais de proteção ao trabalho da mulher devem ser
analisadas separadamente em relação às normas cujo objetivo é proteger a mulher
em estado de gravidez ou lactação. Com o transcorrer do tempo, algumas normas
protetoras da mulher ficaram desatualizadas, mas as que se referem à maternidade
e à gestação continuam atualíssimas e urgentes.
Nessa linha, chegamos numa análise aprofundada sobre os reflexos da Lei n.
13.467/2017 no tema das normas que protegem o trabalho da mulher para
concluirmos nossos apontamentos sobre suas novas realidades e perspectivas.
Com ênfase nesse alicerce, faremos uma síntese sobre os principais pontos
da história do seu trabalho. Cabe-nos, portanto, destacar nos próximos capítulos, a
importância dos documentos internacionais surgidos ao longo dos anos, além da
normativa interna, todos enfatizando precisamente o que interessa para fundamentar
a conclusão desta dissertação.
1.3 Aspectos históricos
A fim de limitar a atividade interpretativa dessa pesquisa, buscamos utilizar do
método de interpretação histórica das normas.
91
MAGANO, Octavio Bueno. Direito tutelar do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr., 1992, p. 98. 92
MAGANO, Octavio Bueno. Direito tutelar do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr., 1992, p. 98.
36
Para entendermos o presente, é necessária, ainda que brevemente, uma
remissão ao passado. Do contrário, não teremos a possibilidade de ter uma visão
completa a fim de compreender as ocorrências vigentes no mundo contemporâneo.
É que o ser humano e as instituições não podem experimentar,
particularmente, o ser humano. Não é como nós experimentamos com a vida. Na
história não se experimenta. A única maneira, portanto, de sabermos se algo é
positivo ou negativo, ou qual a direção a seguir, em especial para esta pesquisa
sobre o trabalho da mulher, é examinarmos um pouco os antecedentes.
Por isso a história é tão importante. E não seria diferente quando a temática
de pesquisa é a mulher trabalhadora. O ponto de partida da análise será justamente
conhecer suas fases históricas.
Nos primórdios, homens e mulheres se encarregavam de tarefas distintas.
Elas cuidavam da coleta de frutos e da cultura da terra. Na Antiguidade, eram
destinadas ao cuidado de ovelhas, de tecer a lã, ceifar o trigo e preparar o pão. E na
Idade Média, cuidavam da agricultura.
Mais tarde, a Revolução Industrial, cujo início ocorreu na Inglaterra em
meados do século XVIII, resultou na substituição do trabalho artesanal pela
mecanização, alterando o modo de produção manual para o sistema fabril, o qual
teve um papel fundamental na inserção das mulheres no mercado de trabalho.
Nos dizeres de Jorge Luiz Souto Maior, com a utilização de máquinas, “a
mulher, antes considerada mais fraca para o trabalho braçal, poderia contar com
instrumentos que fariam a produção depender menos da força física.”93
Diante dessa nova realidade que também atingiu outros países europeus,
como Alemanha, França e Itália, o processo de industrialização vivido pelo mundo
europeu foi caracterizado pela exploração do trabalho das chamadas “meias-forças”,
o que incluiria, além do trabalhador menor, a mulher trabalhadora.94
Nesse contexto, Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro Nascimento
sublinham:
Por ocasião da Revolução Industrial do século XVIII, o trabalho feminino foi aproveitado em larga escala, a ponto de ser preterida a mão de obra masculina. Nessa época havia a preferência pelo trabalho da mulher em razão dos menores salários pagos e que o Estado era omisso, pois não
93
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. São Paulo: LTr., 2008, p.
154 94
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr., 2016, p. 705.
37
intervinha nas relações jurídicas de trabalho, o que permitia diversas explorações.
95
Nessa mesma linha, Carla Teresa Martins Romar:
Uma das consequências da Revolução Industrial foi o ingresso da mulher no mercado de trabalho. No entanto, a exploração daí decorrente, caracterizada desde o pagamento de menores salários do que aos homens, até a ausência de qualquer preocupação em relação à gestação e à maternidade, foi tão grande que levou à formação de um sistema de proteção à mulher, desenvolvido a partir do século XIX.
96
A época visava uma jornada de trabalho de 14 a 16 horas, com pausa de 20
minutos para refeição e descanso. Muitas vezes, esta era a única pausa realizada,
sem as mínimas condições de saúde e higiene no ambiente de trabalho, com
prejuízo para a saúde física e mental dos operários.
As trabalhadoras estavam sujeitas ao assédio sexual, à exploração e à
violência dos empregadores e seus capatazes e “quando grávidas, as operárias
trabalhavam até a última semana de gestação, retornando à fábrica três semanas ou
menos após o parto, pois temiam perder o emprego”97. Dessa forma, concluímos
que o Estado era omisso, conforme explica Amauri Mascaro Nascimento:
[...] o Estado, não intervindo nas relações jurídicas de trabalho, permitia, com a sua omissão, toda sorte de explorações. Nenhuma limitação da jornada de trabalho, idênticas exigências dos empregadores quanto às mulheres e homens, indistintamente, insensibilidade diante da maternidade e dos problemas que pode acarretar à mulher, quer quanto às condições pessoais, quer quanto às responsabilidades de amamentação e cuidados dos filhos em idade de amamentação etc. O processo industrial criou um problema que não era conhecido quando a mulher, em épocas remotas, dedicava-se aos trabalhos de natureza familiar e de índole doméstica. A indústria tirou a mulher do lar por 14, 15 ou 16 horas diárias, expondo-a a uma atividade profissional em ambientes insalubres e cumprindo obrigações muitas vezes superiores às suas possibilidades físicas.
98
Em resumo, as mulheres se sujeitavam a condições precárias de trabalho que
prejudicavam sua saúde. Eram submetidas a jornadas exaustivas, trabalhavam em
condições insalubres, recebiam salários inferiores aos dos homens; sequer havia
qualquer tipo de proteção em relação à gestação e à maternidade. Tudo contrariava
95
NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 40. ed.
São Paulo: LTr., 2015, p. 209. 96
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 728. 97
GAMBA, Juliane Caravieri Martins; MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Tutela jurídica do trabalho da mulher: aspectos relevantes. Revista de Direito do Trabalho (RDT). São Paulo, v. 39, n. 152, jul.-ago. 2013, p. 68. 98
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 930.
38
o que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) exalta desde 1999 como
trabalho decente:
Formalizado pela OIT em 1999, o conceito de trabalho decente sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.
99
Destarte:
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) introduziu, em 1999, o conceito de trabalho decente, que expressa o amplo objetivo de garantir a mulheres e homens oportunidades de emprego produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. Sua abordagem considera tanto as dimensões do trabalho como extratrabalho, e estabelece uma ponte entre trabalho e sociedade. A meta de fundo é melhorar as condições de vida de todas as pessoas na sociedade
100.
Assim descreve a OIT sobre o trabalho decente:
Oportunidades de emprego produtivo se referem à importância de garantir que todas as pessoas que queiram trabalhar possam efetivamente encontrar um emprego, e que isso permita aos trabalhadores e suas famílias alcançar um nível de bem-estar aceitável. Emprego em condições de liberdade sublinha o fato de que o trabalho deveria ser livremente escolhido e não deveria ser exercido em condições forçadas; significa, além disso, que os trabalhadores têm o direito de participar nas atividades das organizações sindicais. Emprego em condições de equidade significa que é necessário que os trabalhadores sejam tratados de forma justa e eqüitativa, sem discriminações e permitindo conciliar o trabalho com a família. Emprego em condições de segurança se refere à necessidade de proteger a saúde dos trabalhadores, assim como assegurar pensões e proteção social adequadas. Emprego em condições de dignidade requer que todos os trabalhadores sejam tratados com respeito e possam participar das decisões relativas às condições de trabalho.
101
Demais disso, desde a origem da OIT, cada uma destas dimensões do
conceito de trabalho decente tem sido alvo de recomendações e ações. A grande
novidade do conceito reside no fato de enfatizar uma visão conjunta das diversas
dimensões do trabalho, no âmbito de um só marco. Importante insistir que é um
conceito universal, portanto, engloba todos os trabalhadores.102
Atendendo a essa perspectiva, conforme observa Carlos Henrique Bezerra
Leite, não é qualquer trabalho que deve ser considerado um direito humano e
99
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Mulheres no trabalho – tendências 2016. Disponível em: http://www.ilo.org. Acesso em: 28 out. 2019. 100
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Mulheres no trabalho – tendências 2016. Disponível em: http://www.ilo.org. Acesso em: 28 out. 2019. 101
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 29 out. 2019. 102
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 29 out. 2019.
39
fundamental, mas apenas o trabalho capaz de dignificar a pessoa humana do
trabalhador. Nesse contexto, frisamos o direito ao trabalho digno ou decente como
valor precursor de um ordenamento jurídico, político, econômico e social.103
Ademais, a situação retratada linhas atrás tornou-se insustentável.
Começaram a surgir revoltas operárias reivindicando melhores condições de
trabalho às mulheres. A partir dessa leitura, portanto, em razão do cenário vivido à
época, a falta de proteção ao trabalho da mulher refletiu-se como um problema para
toda a sociedade, levando mais tarde ao surgimento de um verdadeiro arcabouço de
normas protetivas a esse respeito.
Esse fator material talvez não houvesse sido suficiente para desencadear a
formação do aparato do sistema de proteção à mulher, desenvolvido a partir do
século XIX, se não houvesse conjugado com a ideia concomitante de que deveria
ser colocada num pedestal, ideia esta exprimida nos versos de François Coppée:
Dieu voulo résumer lês charmes de la femme Em um seul, mais qui fut le plus essentiel Et mit dans son regard tout l’infini Du ciel.
104
Nesse cenário, foram editadas as seguintes leis:
[...] o “Coal Mining Act”, de 1842, proibindo o trabalho da mulher em subterrâneos e com o “Factory Act”, de 1844, que reduziu sua jornada para 12 horas, vedando-lhe o trabalho noturno; em 1878, o Factory and Workshop Atc, proíbe o trabalho da mulher à noite, com algumas exceções, e fixa sua jornada semanal em 55:30 horas e 60:00 horas, respectivamente, na indústria têxtil e nas outras fábricas, excluído o domingo. A tutela estende-se, em 1892, às mulheres e menores nos magazines, restaurantes e hotéis.
105
Nesse mesmo estágio, alguns países, como França e Itália também
começaram a se preocupar com a excessiva exploração da mão de obra dos
menores e das mulheres, o que levou ao surgimento de normas para coibir os
abusos.
Ao comentar sobre o desenvolvimento da legislação operária, Cesarino Júnior
ressalta: “Em todos os países começou a legislação operária por ocupar-se da
proteção do trabalho das crianças e das mulheres, que se estendeu hoje a países de
civilização extraeuropeia, como a Índia e o Japão”106.
103
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 41. 104
apud MAGANO, Octavio Bueno. Direito tutelar do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr., 1992, p. 99. 105
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 30. 106
CESARINO JUNIOR, Antônio. Direito social brasileiro. São Paulo: LTr., 1970, p. 53.
40
Na Itália, por exemplo, em 1902, surgiu a Lei Carcano que, além de proibir o
trabalho da mulher nos subterrâneos, instituiu a licença-maternidade de quatro
semanas após o parto, muito embora nada tenha disposto a respeito das prestações
relativas a esse período, tampouco sobre a garantia de emprego ao término da
referida licença.107
Por seu turno, a ideia de uma legislação internacional do trabalho ganhou
diversos adeptos. Dentre os principais eventos capazes de impulsionar o processo
de internacionalização do direito trabalhista, estão
1) o Congresso Internacional de Beneficência em Londres, realizado em 1856, recomendando uma regulamentação internacional do direito do trabalho; 2) a Câmara Francesa que votou em 1884 a recomendação de uma regulamentação internacional do direito do trabalho; 3) a 1ª Conferência Internacional para questões operárias, ocorrida em Berlim em 1890, na qual quase todos os países europeus assinaram um protocolo com medidas regulamentando o trabalho em certas situações.
108
Pontuamos ainda o Protocolo de Berlim, que, em um de seus itens, tratava de
modo específico do trabalho das mulheres, proibindo-lhes o labor noturno e aquele
executado em minas, locais insalubres e perigosos e assegurava às empregadas
gestantes um descanso mínimo de quatro semanas após o parto.109
Dessa forma, o protocolo subscrito por ocasião da Conferência Internacional
de Berlim de 1890, foi o primeiro documento de cunho internacional a tratar da
proteção à maternidade das trabalhadoras, garantindo à mulher um período de
descanso pós-natal para possibilitar a recuperação das forças físicas e mentais
despendidas durante a gravidez e, principalmente no parto, além de permitir à mãe
estar mais próxima de seu filho nos primeiros dias de vida.
Por sua vez, deflagrada a Primeira Guerra Mundial em 1914110, as questões
relativas à uniformização e proteção dos direitos dos trabalhadores que vinham
sendo examinadas, sobretudo das mulheres e dos menores, foram colocadas de
lado. No entanto, foi justamente durante esse período que as mulheres,
maciçamente, ingressaram no mercado de trabalho substituindo os homens nas
fábricas.
107
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 31 108
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 9, p. 431, dez. 2006. Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf. Acesso: em 28 out. 2019. 109
PÉREZ PATON, Roberto. Derecho social y legislación del trabajo. 2. ed. Buenos Aires: Arayí, Librería
Editorial, 1954, p. 318. 110
A qual perdurou até 1918.
41
Para ocupar esta lacuna deixada pelos homens convocados para a batalha,
as autoridades desconsideraram regras e valores que reinavam à época em uma
sociedade muito conservadora, porque precisavam contar, com urgência, com a
força de trabalho das mulheres.
Arnaldo Süssekind, por sua vez, explica que em 25 de janeiro de 1919, findo
o conflito, instalaram no Palácio de Versalhes, em Paris, a Conferência de Paz com
o propósito de manter a paz duradoura,
nesse mesmo dia, [...] acolhendo proposta de Lloyd George, da Inglaterra, a Conferência aprovou a designação de uma Comissão de Legislação Internacional do Trabalho, destinada ao estudo preliminar de regulamentação internacional do Trabalho [...].
111
A propósito, o Tratado de Versalhes, composto por aproximadamente 440
artigos e diversos anexos, assinado pela Alemanha e pelas potências aliadas em 28
de junho de 1919, sancionado no Brasil pelo Decreto n. 3.875/1919, previa a criação
da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Inicialmente, a OIT era vinculada à Sociedade das Nações Unidas mas, a
partir de 1945, foi incorporada à Organização das Nações Unidas. Por sua tradição
pacífica, a Suíça foi escolhida para receber a sede da Organização Internacional do
Trabalho, instalada na cidade de Genebra, em 1920.112
Acerca da história da Organização Internacional do Trabalho, que mantém
escritórios em vários países, dentre eles o Brasil, ressaltamos:
A OIT foi criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social. É a única das agências do Sistema das Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta de representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores. A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. O Brasil está entre os membros fundadores da OIT e participa da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião. Na primeira Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1919, a OIT adotou seis convenções. A primeira delas respondia a uma das principais reivindicações do movimento sindical e operário do final do século XIX e começo do século XX: a limitação da jornada de trabalho a 8 horas diárias e 48 horas semanais. As outras convenções adotadas nessa ocasião referem-se à proteção à maternidade, à luta contra o desemprego, à definição da
111
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr., 2000, pp. 99-100. 112
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 9, p. 431, dez. 2006. Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf. Acesso: em 28 out. 2019.
42
idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e à proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos. Albert Thomas tornou-se o primeiro Diretor-Geral da OIT [...].
113
Sobre a filosofia da OIT, Arnaldo Süssekind explica que o objetivo da
Organização é melhorar a condição humana, no seu conjunto, não se restringindo a
melhorar as condições de trabalho.114
Ela se preocupa unicamente com a melhora das condições materiais de
existência, mas procura enfatizar a luta contra a necessidade, visando ao progresso
material e à segurança econômica, como à defesa dos valores da liberdade, de
dignidade e igualdade, independentemente da raça, da crença ou do sexo. Dessa
forma, a ação da OIT não é limitada a tutelar os trabalhadores propriamente ditos,
porquanto alcança o conjunto de seres humanos nas suas relações de trabalho.115
Quanto aos textos fundamentais da OIT, Arnaldo Süssekind propõe:
[...] eles insistem na necessidade de um esforço concentrado, internacional e nacional, para promover o bem comum, isto é, para assegurar o bem-estar material e espiritual da Humanidade. [...] Esses princípios de base da OIT sublinham que a ação para melhorar as condições sociais da Humanidade, no sentido mais amplo do termo, não deve constituir um setor distinto das políticas nacionais ou da ação internacional, pois representa o próprio objeto dos programas económicos e financeiros e estes devem ser julgados sob este prisma. Afirma-se a primazia do social em toda planificação económica e a finalidade social do desenvolvimento econômico.
116
Por oportuno, quando pesquisamos sobre o histórico da OIT, com a
perspectiva de manter a paz social, no início do século XX e ao final da Primeira
Guerra Mundial, os governos aliados, principalmente o francês e o britânico,
idealizaram a criação de um organismo internacional com a finalidade de realizar
estudos iniciais para a regulamentação internacional do trabalho.
Para a concretização desse objetivo, constituíram uma comissão com
representantes dos Estados Unidos da América, da França, da Inglaterra, do Japão,
da Bélgica, da Itália, da Checoslováquia, da Polônia e de Cuba.117
As delegações da França e da Itália, em seus projetos, destacavam o papel
dos governos no funcionamento do organismo a ser criado e, em consequência, na
113
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br. Acesso em: 30 abr. 2017. 114
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr., 1983, p.133. 115
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr., 1983, p.133. 116
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr., 1983, p.133. 117
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 9, p. 431, dez. 2006. Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf. Acesso: em 28 out. 2019.
43
evolução das leis de proteção ao trabalho. Por sua vez, a delegação norte-
americana atribuiu “aos empregadores e trabalhadores os maiores ônus na solução
dos seus próprios problemas.”118
Considerando que o projeto produzido pelos ingleses adotava uma posição
intermediária, que buscava o diálogo social, prevendo a criação de um organismo
tripartite, composto por representantes dos governos, dos empregadores e dos
trabalhadores, que votariam individual e independentemente, a comissão constituída
escolheu referido documento para servir de base para as suas discussões.
Realizadas ínfimas alterações, em 24 de março de 1919, a comissão aprovou
o projeto elaborado pela delegação inglesa, passando a OIT a constituir a Parte XIII
do Tratado de Versalhes, a qual se encontra estruturada da seguinte forma: 1ª
Seção – Organização Internacional do Trabalho; Preâmbulo; Capítulo 1º –
Organização119; Capítulo 2º – Funcionamento120; Capítulo 3º – Prescrições gerais121;
Capítulo 4º – Medidas transitórias122; 2ª Seção – Princípios Gerais123 124.
Já naquele tempo, o Tratado de Versalhes destacou sobre a proteção ao
trabalho feminino, tanto que na Parte XIII do pacto citado, nos números VII e XIX
constam, respectivamente, as seguintes recomendações:
A trabalho de igual valor deve-se pagar salário igual, sem distinção de sexo do trabalhador e deve-se organizar, em cada Estado, serviço de inspeção que compreenda mulheres, a fim de assegurar a aplicação de leis e regulamentos para proteção dos trabalhadores
125.
Em 10 de maio de 1944, enquanto a Segunda Guerra Mundial ainda ceifava
milhares de vidas, a OIT realizou sua 26ª sessão, na qual aprovou a Declaração da
Filadélfia, ampliando os princípios estabelecidos no Tratado de Versalhes por estar
convencida de que “[...] só se pode estabelecer uma paz duradoura com base na
justiça social”, conforme artigo II da referida Declaração.126
118
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 9, p. 431, dez. 2006. Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf. Acesso: em 28 out. 2019. 119
Artigos 387-399. 120
Artigos 400-420. 121
Artigos 421-423. 122
Artigos 424-426. 123
Artigo 427. 124
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr., 2000, p. 101. 125
VIANNA, José Segadas et al. Instituições de direito do trabalho. v. 1. 22. ed. Atualizada por Arnaldo
Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr., 2005, p. 976. 126
CARNEIRO, Wellington Pereira. Palimpsesto de humanidade: direitos humanos e normas internacionais do trabalho, um estudo comparado. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, v.
47, n. 77, pp. 173-192, jan.-jul. 2008, p.179.
44
Com o fim do conflito mundial houve a criação da Organização das Nações
Unidas na Conferência de São Francisco, em 1945, quando foi aprovada a Carta
das Nações Unidas. Assim, a OIT, que, ao ser instituída, integrava a Sociedade das
Nações, passou a vincular-se à ONU, como organismo especializado que tem por
competência elaborar a regulamentação internacional do trabalho. 127
No que tange à sua natureza jurídica, OIT é uma organização internacional
permanente com mandato constitucional, que possui personalidade jurídica de
direito público internacional128 e constitui-se de três órgãos:
1) Conferência Internacional do Trabalho (Assembleia Geral); 2) Conselho de Administração (direção colegiada); 3) Repartição (secretaria). Os dois primeiros órgãos possuem uma estrutura tripartite, composta por representantes dos Estados-membros, dos trabalhadores e dos empregadores, “[...] na proporção de dois para os primeiros e um para cada um dos demais, estabelecendo-se, assim, igual número de representantes oficiais e das classes produtoras [...]”
129
O artigo 1º da Constituição da OIT, no que concerne à filiação em seus
quadros, prevê em seus § 2º, § 3º e § 4º:
São membros da entidade, em síntese, todos os Estados que já o eram a 1º de novembro de 1945; qualquer Estado-Membro que for admitido como membro das Nações Unidas, por decisão da Assembleia Geral, comunicando ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho que aceitou integralmente as obrigações decorrentes da Constituição da OIT; qualquer Estado que, ainda que não pertença à Organização das Nações Unidas, comunique ao Diretor-Geral da RIT, sua formal aceitação das obrigações resultantes da Constituição da Organização Internacional do Trabalho.
130
Portanto, são membros fundadores da OIT os 29 países signatários do
referido pacto e que o ratificaram131. O Brasil, por ter sido um dos países vencedores
da Primeira Guerra Mundial, está entre os 29 que assinaram o Tratado de
Versalhes, sendo, desse modo, um dos membros fundadores da OIT, participando
da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião. 132
127
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 9, p. 431, dez. 2006. Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf. Acesso: em 28 out. 2019. 128
GAMBA, Juliane Caravieri Martins; MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Tutela jurídica do trabalho da mulher: aspectos relevantes. Revista de Direito do Trabalho (RDT). São Paulo, v. 39, n. 152, jul.-ago. 2013, p. 71. 129
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr., 2000, p. 105. 130
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 13 out. 2019. 131
De acordo com o artigo 387 do Tratado de Versalhes. 132
CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação. São Paulo: LTr., 2007,
p. 163
45
Por derradeiro, até 1939, quando iniciou a Segunda Guerra Mundial, a
Conferência da OIT havia adotado 67 Convenções e 66 Recomendações sobre os
principais temas do direito do trabalho e da previdência social.133 Apesar disso,
durante o conflito, suas atividades quase foram extintas, até que ela se filiou à
Organização das Nações Unidas.
Na prática, ainda que permaneça integrado às Nações Unidas, o Estado
membro pode desligar-se da OIT, desde que observe o disposto no § 5º do artigo 1º
da Constituição da OIT, que requer aviso prévio, comunicando a pretensão ao
Diretor Geral da Repartição Internacional do Trabalho.
Tal retirada, no entanto, somente surtirá efeito dois anos após a data do
requerimento, desde que satisfeitas todas as obrigações financeiras e de validade
de ratificação das convenções durante o período de vigências destas, com as
obrigações que lhe correspondam, até o efetivo desligamento.
Para a readmissão do Estado deve ser observada a forma prevista no § 6º do
artigo 1º da Constituição da OIT. Contudo, o Estado deverá se submeter à decisão
da Assembleia Geral. Além disso, deve comunicar ao Diretor-Geral da RIT que
aceitou integralmente as obrigações decorrentes da Constituição da OIT.
Anualmente, por um período de aproximadamente três semanas, em junho,
em Genebra, na Suíça, ocorre a reunião da Conferência Internacional do Trabalho,
exceto quando se trata de questões de trabalho marítimo, que impõem a realização
de uma segunda reunião anual.
Ao referido órgão da OIT, que tem função normativa, compete discutir,
aprovar e adotar as convenções e recomendações com o objetivo de disciplinar as
relações jurídico-trabalhistas e, assim, fomentar a valorização do trabalho humano, a
dignidade do trabalhador e a justiça social. Posteriormente, as convenções são
submetidas à ratificação de cada país. À Conferência compete, também, controlar as
convenções ratificadas.134
Ao término da Primeira Guerra Mundial e com o retorno dos combatentes ao
lar, no início da década de 1920, as mulheres foram “convidadas” a regressar ao
ambiente doméstico, para educar os filhos e cuidar da família, funções que a
133
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr., 2000, p. 106. 134
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 9, p. 431, dez. 2006. Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Zoraide.pdf. Acesso: em 28 out. 2019.
46
sociedade conservadora da época entendia que tinham sido relegadas a segundo
plano durante o conflito.
Nessa linha, Paula Oliveira Cantelli enfatiza que com o fim da Primeira Guerra
Mundial, inúmeros soldados retornaram para suas cidades, o que provocou
excessiva mão de obra. Disso resultou uma onda conservadora na Europa, que
tinha como lema: “o lugar da mulher é dentro de casa.” 135
A retirada da mão de obra feminina do mercado de trabalho arrefeceu, em
certa medida, as reivindicações das trabalhadoras. Mas isso aconteceu por um curto
período. Eclodiu a Segunda Guerra Mundial em 1939, os homens foram convocados
para as frentes de batalha e, novamente, as mulheres precisaram assumir os postos
de trabalho. Notamos que “[...] na Alemanha, tão logo a guerra começou, os nazistas
obrigaram as mulheres a se registrarem nas agências de empregos.” 136
Ultimado o Segundo Grande Conflito em 1945, outra vez tentaram obrigar as
mulheres a cederem os lugares nas fábricas aos sobreviventes da guerra, que
buscaram retomar seus postos de trabalho. No entanto, a segunda metade do
século XX já se aproximava e os avanços tecnológicos, a mecanização e a
automação permitiam que as tarefas fossem executadas com muito menos esforço
físico, possibilitando a permanência das mulheres no mercado de trabalho.
Nos dizeres de Mozart Victor Russomano:
[...] quando os soldados voltaram das trincheiras, desaparecendo ou diminuindo as causas sociais que estimularam o trabalho das mulheres [...], estas, em nome de suas necessidades individuais, se recusaram a abandonar os empregos de que obtinham sustento, mantendo, assim, em razão de causas pessoais, aberta concorrência ao homem adulto, nas várias frentes de trabalho que o desenvolvimento industrial ia, pouco a pouco, multiplicando e diversificando.
137
Percebe-se, assim, que as duas guerras mundiais que despontaram na
Europa no século passado contribuíram indiretamente para a emancipação da
mulher. Isso porque, convocados os homens para defenderem suas pátrias nos
campos de batalha, as mulheres, até então confinadas ao ambiente doméstico,
foram para as fábricas produzir especialmente material bélico.
135
CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação. São Paulo: LTr., 2007,
p. 94. 136
CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação. São Paulo: LTr., 2007,
p. 95. 137
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 430.
47
Em razão da lacuna deixada pelos homens em outras áreas de trabalho, as
mulheres passaram a trabalhar, por exemplo, nos serviços auxiliares, na condição
de motoristas, guardas de trânsito, enfermeiras provando suas habilidades em todos
os setores e, desde então, marcando presença no concorrido mercado de trabalho.
1.4 Os direitos humanos da mulher e as normas internacionais de proteção
ao seu trabalho Os direitos humanos assumiram presença decisiva na contestação de
grandes questões jurídicas na perspectiva contemporânea. A sua análise passou a
constituir etapa fundamental no percurso investigador do jurista, que não mais pode
ficar alheio à abordagem humanística do seu objeto de estudo. Expressam, portanto,
uma clara preocupação de conteúdo, que engrandece a atividade jurídica, ao afirmar
a centralidade filosófica da pessoa humana, perante outros valores acolhidos ao
longo da história.
No entanto, devemos esclarecer que a expressão “direitos humanos” enfrenta
a dificuldade própria da abrangência de suas pretensões. Trata-se de algo amplo
para contentar-se com um juízo preliminar. As suas aspirações dificultam uma
conceituação consensual.
Por exemplo, Norberto Bobbio já teve a oportunidade de criticar a maioria das
definições de direitos humanos, ou direitos do homem, como prefere:
Direitos do Homem são os que cabem ao homem enquanto homem. Resultaria em mera tautologia vincular o conceito ao propósito de irrecusabilidade de certos direitos que a todo homem nada diria sobre o conteúdo. E invocar o projeto de aperfeiçoamento da pessoa humana, ou de desenvolvimento civilizador, resvalaria para critérios avaliatórios.
138
Por derradeiro, para Americo Plá Rodríguez, o sentido mais conveniente da
definição, indica os direitos humanos como os direitos que todo homem possui pelo
simples fato de ser homem.139 Para Norberto Bobbio, entretanto, trata-se de um
conceito muito vago, mas as tentativas de detalhar o seu significado não conseguem
escapar da generalização.
Entre nós, Fernando Barcellos de Almeida traz os direitos humanos como
138
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 17. 139
RODRÍGUEZ, Americo Plá. Los derechos humanos y el derecho del trabajo. In: Debato Laboral. Revista
Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo, ano III, n. 6, San Jose: Iscos Cisl, 1990, p. 11.
48
[...] as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais. Tamanha amplitude, ao menos, poderia ter o mérito, aliás reivindicado pelo autor, de desagradar até mesmo adeptos do fundamentalismo islâmico.
140
Nesta seara, conveniente destacarmos o conceito de Perez Luño, para quem
os direitos humanos são:
[...] um conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan lãs exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional.
141
Destarte, inegavelmente, o enfoque proposto por Perez Luño pressupõe a
afirmação jurídica e concreta de princípios, que por sua vez traduzem valores. Daí o
convite à investigação dos aspectos filosóficos dos direitos humanos.
No plano filosófico, os direitos humanos evocam a tradição que preconiza
conotação ética do direito, a despeito da reconhecida autonomia científica do
fenômeno jurídico. Tal qual Germán J. Bidart Campos alude à ideia de direito como
um mínimo ético, ainda que persistam delimitados em terrenos distintos o direito e a
moral.142
E conclui a sua perspectiva, em defesa do que chama eticidade do direito. Ele
afirma que sem valoração é impossível todo enfoque sobre os direitos humanos.
Está certo, diz o autor, que a ética é uma raiz, prévia ao direito, No entanto, isso não
significa que esta mesma raiz ética deixe de penetrar no jurídico e se juridicize. Para
ele, os direitos humanos têm um fundamento jurídico que o direito extrai da ética.143
Diríamos que a compreensão dos direitos humanos não dispensa da
consideração do seu conteúdo essencialmente libertário. Isso nos remete a uma
presunção traduzida, segundo Germán J. Bidart Campos, em valoração específica,
de índole reinvindicatória, voltada à emancipação da pessoa humana. 144 Disso
140
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1996, p. 24. 141
apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996, p. 59. 142
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991, pp. 5;
68. 143
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991, pp. 5;
68. 144
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991, p. 69.
49
resulta a convicção no sentido de admitir que a ideia de direitos humanos possui um
fundo jusnaturalista que os leva a se situarem acima do direito positivo.145
Nessa perspectiva, o valor justiça assume importância transcendental em
qualquer abordagem legítima acerca dos direitos humanos, conferindo a estes não
apenas a presunção de uma origem metapositiva, como também a filiação a um
determinado marco axiológico, segundo o qual o objetivo a alcançar consiste no
crescente desenvolvimento da personalidade humana.
Não cuidam apenas os direitos humanos de assegurar aquilo que é básico à
subsistência, mas ainda de agregar progressivamente novos atributos, em prol de
um horizonte de realização plena do ser humano.
Goldschmidt chegou à formulação similar, assegurando que o princípio
supremo de justiça implica assegurar um espaço de liberdade para cada ser
humano, de modo a viabilizar o seu desenvolvimento como indivíduo. 146 Estas
reflexões nos conduzem à elevação da dignidade da pessoa humana como valor
indispensável à modulação conceitual e dinâmica dos direitos humanos.
Sequencialmente, a deflagração histórica dos direitos humanos remonta ao
surgimento de teorias filosóficas de caráter iluminista, especialmente a partir do
século XVIII. Os valores do humanismo racionalista, então desenvolvidos, difundiram
o ideal da existência de direitos naturais, inalienáveis, contrapostos à realidade
política e social do Antigo Regime.
Nessa perspectiva, a sua gênese filosófica, pois, localizava-se numa
concepção jusnaturalista, cujo pioneiro foi John Locke, para quem no estado de
natureza os homens são livres e iguais, daí resultando a afirmação de direitos
naturais, que deveriam ser observados por todos, inclusive pelo Estado.147
Desse referencial jusfilosófico, nasceram as declarações de direitos, que
vieram a materializar, com o advento das revoluções burguesas do final do século
XVIII, a ideia de que a liberdade e a igualdade dos homens deveriam tornar-se
ideias a serem perseguidas, deixando de ser apenas proclamações de cunho
teórico.148 Parece válido deduzir de tal mutação – de valores filosóficos em direitos
declarados – a origem concreta dos direitos humanos.
145
RODRÍGUEZ, Americo Plá. Los derechos humanos y el derecho del trabajo. In: Debato Laboral. Revista
Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo, ano III, n. 6, San Jose: Iscos Cisl, 1990, p.12. 146
apud CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991,
pp. 5-6. 147
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, pp. 28-29. 148
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 29.
50
Por derradeiro, a primeira etapa da afirmação dos direitos humanos
dimensiona a ideia de liberdade com caráter hegemônico e aglutinativo. Tanto
assim, que a nota fundamental das declarações de direitos da época reside na
defesa jurídica dos indivíduos perante o Estado. Tratava-se de impor limites à
atuação estatal de forma a assegurar a intangibilidade da liberdade individual. A
crença implícita era de que a realização dos direitos do homem dependia da
consagração absoluta dos preceitos da liberdade.
Naquela época, a forma de expressão do conceito de liberdade era traduzida
no caráter imperativo do princípio da legalidade, pelo qual ninguém deve ser
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.149 Na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, a
liberdade é definida como a faculdade de fazer tudo aquilo que não prejudique
outrem150. O desdobramento desta ideia encontra-se no artigo subsequente, pelo
qual tudo o que não for proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser
constrangido a fazer o que a lei não ordena.151
Esta premissa parte de uma formulação kantiana, que coloca a liberdade na
condição de único direito originário, correspondente a toda pessoa, em virtude de
sua humanidade. Deriva dessa ideia-mãe a lei universal da coexistência da
liberdade dos indivíduos, na medida em que seja respeitada a liberdade do outro.152
Desde a gênese dos direitos humanos, é inegável o sentido fundamental da
liberdade. O seu âmbito de aplicação é quase ilimitado, conforme assinala Robert
Alexy. Entretanto, o seu alcance traduz uma autêntica imprecisão conceitual.153
A liberdade levada às últimas consequências pode conduzir a barbaridades,
muito embora a sua perspectiva de afirmação confunda-se frequentemente com algo
que é da essência do ser humano.
Entre a inquietação existencial da concretização do valor liberdade e a
necessidade de se definir limites ao seu exercício, desponta o desfecho que mesmo
direitos humanos são passíveis de restrições, sob pena de causar prejuízo a outros
direitos humanos.
149
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1996, p. 29. 150
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Artigo 4, § 1º. 151
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Artigo 5. 152
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundalentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997,
p. 360. 153
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundalentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997,
p. 210.
51
Dessa maneira, constrói-se o conceito de que a liberdade humana não deve
ser absoluta, mas relativa. É a faculdade de agir com o mínimo de restrições,
devendo estas ser razoáveis, não abusivas e previstas em lei. 154 A jornada de
desenvolvimento dos direitos humanos pressupõe uma atitude crítica no tocante à
ideia original de liberdade como total inexistência de impedimentos.
No plano econômico, a maximização da liberdade individual é capaz de trazer
implicações lesivas à preservação da dignidade humana, na medida em que priorize
a obtenção do lucro acima de outros valores. Nessa perspectiva, a vida em
sociedade não pode ser um vale-tudo, em que aos vencedores em matéria de
acumulação de dinheiro esteja assegurada plena liberdade de utilização da riqueza
conquistada, para multiplicá-la em lucros maiores.
Nessa perspectiva, a primeira grande característica dos direitos humanos
consiste na universalidade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão155,
embora situada do ponto de vista histórico e geográfico, não esteve restrita a
fronteiras nem limites temporais, inscrevendo-se definitivamente como um
patrimônio jurídico da humanidade. Seu caráter universal é inegável.
No entanto, será a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de
dezembro de 1948, aprovada pela 3ª sessão ordinária da Assembleia Geral das
Nações Unidas 156 que constituirá o documento primordial da amplitude e da
generalidade dos direitos humanos.
O princípio da universalidade reconduz os direitos humanos aos seus
destinatários. Uma vez que são proclamados em favor de todo homem, os direitos
humanos alcançam indistintamente os seres humanos, sejam quais forem as suas
peculiaridades. Germán J. Bidart Campos explica: “el hombre siempre fue, es, y será
hombre, persona. Y siempre le será debido el reconocimiento de los derechos que le
son inherentes por ser persona, por poseer uma naturaleza humana”.157
O autor ainda acrescenta uma correção conceitual a este conceito:
conquanto não tracem limites setoriais, nem relativos a âmbitos humanos, tais direitos acomodam-se a ambientes históricos, daí resultando o seu grau de realização, variável e dependente das situações sócio-políticas e jurídicas. É a inserção concreta dos direitos humanos que possui
154
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1996, p. 29. 155
De 26 de agosto de 1789. 156
Foi assinada pelo Brasil na mesma data. 157
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991, pp.
416-41.
52
peculiaridade e fisionomia existencial própria, o que, evidentemente, não desmente a ideia de universalidade.
158
Outro aspecto que nos atrai o interesse é a internacionalização da proteção
dos direitos humanos. Trata-se de um fenômeno relativamente novo nas relações
entre Estados, entre indivíduos, e entre uns e outros, conforme aponta Fernando
Barcellos de Almeida.159
As fontes do direito que mediam estas relações já não se resumem aquelas
provenientes do território dos Estados, especificamente considerados. A
consagração da tutela dos direitos humanos tem vocação claramente internacional,
consistindo o estudo de sua incorporação à vida jurídica dos Estados uma matéria
atualmente de grande importância.
Desde a conversão do homem em sujeito de direito internacional 160 , a
comunidade internacional passou a assumir os direitos humanos como um conteúdo
primordial ao bem comum mundial. Sucede, contudo, que a titularização e o gozo
destes direitos, embora contem com a cobertura de organizações internacionais,
devem ser assegurados dentro dos Estados, e não fora deles. 161
Isso significa que a internacionalização da proteção dos direitos humanos não
dispensa de mecanismos de incorporação de conteúdos pelo direito interno de cada
país, além de adequada constitucionalização e avançada interpretação
constitucional.
Outra característica é a especificação. A marca evolutiva dos direitos
humanos evidencia uma tendência nítida à especificação, que merece de Norberto
Bobbio atenção especial. Para ele, tem havido uma passagem gradual, porém
crescentemente acentuada, para uma especialização dos sujeitos titulares de
direitos humanos. Da primeira dedução do abstrato do sujeito homem para o sujeito
específico cidadão, produziram-se, e não cessam de acontecer, especificações
relevantes, que trouxeram ao enfoque dos direitos humanos questões de gênero,
fases de vida e estados excepcionais na existência humana, dentre outras.162
158
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991, pp. 30-
36. 159
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1996, p. 112. 160
Fundamentalmente a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 161
CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoría general de los derechos humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991. 162
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 62.
53
A certa altura, os instrumentos internacionais de direitos humanos passaram a
apresentar diversos direcionamentos temáticos, com o objetivo de dedicar
mecanismos de proteção mais condizentes a cada uma das suas espécies. Como
exemplo, destacamos que dessa repartição decorreu a adoção simultânea do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos
Sociais, Econômicos e Culturais.163
Destas duas grandes categorias de matérias em que foram agrupados os
direitos humanos, importante situar que, na segunda delas, os direitos sociais, e
mais especificamente o direito do trabalho, impõe ao Estado a necessidade de
promover e assegurar as condições suficientes para sua manifestação,
desenvolvimento e aplicação na generalidade dos casos.164
Antes mesmo da sua consagração perante o Pacto Internacional de Direitos
Sociais, Econômicos e Culturais, o direito do trabalho já contava com a chancela dos
artigos 23 e 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo 23. 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4.Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. Artigo 24. Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
O Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais165, por seu
turno, dispõe o direito do trabalho nos termos adiante transcritos:
ARTIGO 7º Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) Um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles por trabalho igual; ii) Uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto;
163
Na data de 16 de dezembro de 1966. 164
VALENZUELA, Emilio Morgado. Los derechos humanos y el derecho del trabajo. In: Debato Laboral. Revista
Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo, San Jose: Iscos Cisl, ano III, n. 6, 1990, p. 6. 165
Ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
54
b) À segurança e a higiene no trabalho; c) Igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feridos.
ARTIGO 8º 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir: a) O direito de toda pessoa de fundar com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato de escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias; b) O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas. c) O direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas: d) O direito de greve, exercido de conformidade com as leis de cada país. 2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da política ou da administração pública. 3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados Partes da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam – ou a aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção.
Nesta senda, podemos retratar que o conteúdo trabalhista incorporado nos
documentos internacionais destacados demonstra que entre o direito trabalhista e o
direito humanístico há uma afinidade bastante próxima, conforme assinalado por
Emilio Morgado Valenzuela. 166 Assim, é inquestionável o privilégio que o plano
internacional dá ao ser humano trabalhador.
Nessa medida, inicialmente, o conceito de direitos humanos se restringiu aos
direitos civis, englobando também direitos políticos; essa primeira fase perdurou até
o século XX. A contar da colisão instigada pela Segunda Guerra, que alargou a
influência da concepção social de constitucionalismo inaugurada no período histórico
imediatamente precedente, próximo da Primeira Guerra Mundial e de seus
importantes efeitos culturais e jurídicos 167 , ampilou-se o conceito de direitos
humanos. Surgiram, pois, documentos internacionais, transparecendo a
166
VALENZUELA, Emilio Morgado. Los derechos humanos y el derecho del trabajo. In: Debato Laboral. Revista
Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo, San Jose: Iscos Cisl, ano III, n. 6, 1990, p. 5. 167
Criação da OIT; criação de Constituições de caráter social, tais como a Constituição do México, de 1917, e a Constituição Alemã, de 1919.
55
necessidade de se alargar a noção restrita de direitos humanos, de modo a abranger
direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, os direitos individuais e os direitos
sociais trabalhistas passaram igualmente a ostentar a natureza de direitos humanos.
Indubitavelmente, entendemos, portanto, que os direitos humanos possuem o
direito do trabalho como sua dimensão social mais expressiva. Por derradeiro, é por
intermédio desse ramo jurídico especializado que se sintetiza um maior espaço
evolutivo aos direitos humanos, ultrapassando as fronteiras originais, as quais
vinculam a dimensão da liberdade e a intangibilidade física e psíquica da pessoa
humana.168
Nessa conjuntura, é de suma importância a pesquisa sobre os direitos
humanos dos grupos vulneráveis, que consistem em categorias de pessoas
desprotegidas tanto sob o viés social quanto histórico, pela ordem jurídica interna. O
tema tem levado o direito internacional público a estabelecer padrões mínimos de
proteção a essas pessoas, tanto no âmbito global quanto no regional.169
Nessa linha, é importante diferenciar os conceitos de grupos vulneráveis e de
minorias:
Minorias são grupos de pessoas que não têm a mesma representação política que os demais cidadãos de um Estado ou, ainda, que sofrem histórica e crônica discriminação por guardarem entre si características essenciais à sua personalidade que demarcam a sua singularidade no meio social, tais como etnia, nacionalidade, língua, religião ou condição pessoal; trata-se de grupos de pessoas com uma identidade coletiva própria, que os torna “diferentes” dos demais indivíduos no âmbito de um mesmo Estado (v.g., os povos indígenas, a comunidade LGBTI, os refugiados etc.). Grupos vulneráveis, por sua vez, são coletividades mais amplas de pessoas que, apesar de não pertencerem propriamente às “minorias”, eis que não possuidoras de uma identidade coletiva específica, necessitam, não obstante, de proteção especial em razão de sua fragilidade ou indefensabilidade (v.g., as mulheres, os idosos, as crianças e adolescentes, as pessoas com deficiência, os consumidores, etc.).
170
Portanto, as mulheres estão vinculadas à categoria dos vulneráveis. São
pessoas que se encontram atualmente na esfera de preferência internacional de
proteção de direitos, ou seja, que têm merecido a criação de normas internacionais
específicas de proteção.
Ao estudarmos a história, verificamos que as conquistas dos direitos pelas
mulheres são recentes em todo o mundo.171 Importante insistir, todavia, que foi
somente com o movimento feminista por direitos iguais, que ganhou força
168
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 94. 169
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Método, 2018, p. 294. 170
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Método, 2018, p. 294. 171
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Método, 2018, p. 296.
56
internacional a partir do século XX 172 , que os direitos humanos das mulheres
começaram a ser reivindicados com maior diligência pelo mundo todo.
Prova disso foi que em 1975 assentou-se, por intermédio das Nações Unidas,
que aquele seria o Ano Internacional da Mulher. Nesse mesmo período, elegeu-se o
dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, também por designação da
Organização das Nações Unidas,
Essas reivindicações, que levaram uma arquitetura internacional de proteção
às mulheres, ligam-se ao direito à igualdade formal, à igualdade econômica, ao
acesso à justiça integral e irrestrita, à liberdade sexual e reprodutiva, à redefinição
dos papéis sociais, ao direito à diversidade de raça e etnia, entre outros. Todos
esses direitos foram reclamados ao longo dos tempos sob diversas bandeiras, tendo
ganhado a anuência do direito internacional após a segunda metade do século XX.
Destarte, sob o ponto de vista dos direitos humanos, apontamos, em primeiro
lugar, como principal orientação, a Declaração Universal de Direitos Humanos de
1948.
Assim, nas palavras de Valério de Oliveira Mazzuoli:
Com fundamento na dignidade da pessoa humana, a Declaração Universal nasceu como um código de conduta mundial para dizer a todo o planeta que os direitos humanos são universais, bastando a condição de ser pessoa para que se possa vindicar e exigir a proteção desses direitos em qualquer ocasião e em qualquer circunstância. O que se deve entender é que a Declaração Universal visa estabelecer um padrão mínimo para a proteção dos direitos humanos em âmbito mundial, servindo como paradigma ético e suporte axiológico desses mesmos direitos.
173
Conforme observa Mauricio Godinho Delgado, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 demonstra sua feição de patamar mínimo de civilidade,
na conjuntura dos direitos humanos, que se aplicaria a todos os indivíduos.174
Disso, concluímos que a partir da sua promulgação, os direitos humanos
adquiriram um caráter global. Essa concepção de universalidade dos direitos, em
especial das mulheres, culminou na possibilidade da negociação de tratados
internacionais de proteção.
Sergio Pinto Martins esclarece que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 desenvolveu regras de não discriminação por motivo de sexo.175
172
Mais precisamente na década de 1970. 173
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Método, 2018, pp. 91-92. 174
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 183. 175
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 671.
57
Somos capazes, portanto, de encontrar as ditas normas no artigo 2º, item 1, que
determina a capacidade de todo ser humano gozar de direitos e liberdades sem
distinção de sexo. E também no artigo 7º, que disciplina a igualdade de todos
perante a lei sem distinção, além da garantia da proteção contra discriminação
capaz de violar a Declaração.
No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 retratou
em seu texto diversos dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948; um deles, o qual citamos como espelho, é o artigo 5º.
Dito isso, conforme observa Michel Villey, a Declaração Universal tem sido
espelho para numerosos tratados, cujo conteúdo é de direito humano, além de servir
como paradigma tanto do sistema global, quanto dos contextos regionais176:
Foi exatamente a partir de 1948 que se fomentou, portanto, a criação de tratados referentes aos direitos humanos, a começar (no sistema regional europeu) pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950, seguida de uma série de preâmbulos de tratados a ela concernentes
177.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 influenciou a ordem
interna e internacional, é fonte jurídica dos tratados internacionais que versam sobre
a proteção dos direitos humanos e serve de substrato para decisões judiciais em
todo o mundo.
Reforça-se assim, mais tarde, que os instrumentos internacionais de
proclamação dos direitos humanos começaram a apresentar diversos
direcionamentos temáticos, com o objetivo de oferecer mecanismos de proteção
mais adequados a cada uma de suas espécies. A fim de exemplificar essa análise,
citamos o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, documentos surgidos em 16 de
dezembro de 1966.
Dessas duas grandes categorias de matérias em que foram agrupados os
direitos humanos, relevante situar na segunda delas os direitos sociais, mais
especificamente, o direito social ao trabalho da mulher.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais determina
em seu artigo 3º a igualdade de direitos de homens e mulheres com relação a todos
176
VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.
São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 03. 177
VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.
São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 03.
58
os direitos econômicos, sociais e culturais contidos no Pacto. Já o artigo 2º do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos garante que toda discriminação de sexo
deve ter proteção igualitária e eficaz.
Nesse horizonte, destacamos ainda a Convenção da Organização das
Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW178), ratificada pelo Brasil em 20 de março de 1984, pelo Decreto n.
89.460. Para tanto, a Convenção CEDAW autorizou as discriminações positivas,
pelas quais os Estados estão aptos a adotar medidas temporárias, cujo fito é
fomentar a igualdade entre mulheres e homens.179
A Convenção traz, em seu artigo 1º, o conceito de discriminação contra a
mulher:
Art. 1.º Para fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
No que tange à nossa linha de pesquisa, ela também determina que os
Estados partes têm o dever de amparar medidas que eliminem a discriminação em
face da mulher quando se trate de matéria de emprego. O objetivo, portanto, é
assegurar a elas direitos iguais aos dos homens.
Dentre os direitos assegurados pela Convenção, destacamos, por exemplo, o
de que as mulheres devem ter as mesmas oportunidades de emprego que os
homens, sendo iguais os critérios de seleção; que a mulher é livre para a escolha da
sua profissão; que ela possui direitos iguais aos dos homens em sua remuneração;
e que deve ser protegida em sua saúde e segurança, incluindo tudo o que envolve a
reprodução.
A fim de combater a discriminação contra a empregada em condições de
gestação e maternidade, a norma determina ainda que os Estados partes devem
assegurar medidas que impeçam a demissão da mulher grávida ou em período de
licença-maternidade. Esta última deve ser implantada, além de conferida proteção
especial às mulheres durante a gravidez nos trabalhos que lhe são prejudiciais.
178
Sigla em inglês de “Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women”. 179
ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. Adotada pela Assembleia Geral
da OEA em 06.06.1994, ratificada pelo Brasil em 27.11.1995, e promulgada pelo Decreto 1.973, de 01.08.1996. ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos. São Paulo: FTD, 1997,
p.56.
59
Apesar da importância do CEDAW, este foi o texto internacional que mais
recebeu reservas por parte dos Estados signatários, especialmente no tocante à
igualdade entre homens e mulheres na família.
Sobre os motivos dessa relutância, Flávia Piovesan esclarece que as
reservas foram justificadas com base na religião, na cultura e nas leis. Alguns
países, como Bangladesh e Egito, acusaram o Comitê sobre a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher da prática de ‘imperialismo cultural e intolerância
religiosa’, ao impor-lhes a igualdade entre homens e mulheres, inclusive no âmbito
familiar.180
Frisamos que essa postura, reforça o quanto a implementação dos direitos
humanos das mulheres está condicionada à divisão entre os espaços público e
privado. Ainda hoje, muitas sociedades confinam a mulher ao espaço
exclusivamente doméstico da casa e da família, conforme destacado linhas atrás por
meio dos estudos filosóficos de Jean-Jacques Rousseau.
Segundo a autora,
se constata a democratização do espaço público, com a participação ativa de mulheres nas mais diversas arenas sociais, resta o desafio de democratização do espaço privado – cabendo ponderar que tal democratização é fundamental para a própria democratização do espaço público.
181
Nesse cenário, com o objetivo de examinar os progressos alcançados na
aplicação da Convenção, foi estabelecido o Comitê sobre a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW), formado por 23 peritos que
carregam prestígio moral e de reconhecida competência na área abrangida pela
Convenção, eleitos pelos Estados partes e cujo exercício das funções deve dar-se a
título pessoal. 182
A propósito, questão fundamental referente à Convenção diz respeito à falta
de enfrentamento do tema da violência contra a mulher. O documento originado
versou apenas sobre temas relativos ao âmbito da vida privada, o que levou o
Comitê CEDAW a adotar a Recomendação Geral n. 19, em janeiro de 1992, que
180
PIOVESAN, Flávia. A proteção internacional dos direitos humanos das mulheres. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 15, n. 57 (Edição Especial), jan.-mar. 2012, p. 76-77. 181
PIOVESAN, Flávia. A proteção internacional dos direitos humanos das mulheres. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 15, n. 57 (Edição Especial), jan.-mar. 2012, pp. 76-77. 182
Conforme dispõe o artigo 17, § 1º, da Convenção, na escolha dos peritos, hão de ser levadas em conta uma distribuição geográfica equitativa e a representação das diversas formas de civilização, assim como dos principais sistemas jurídicos hoje existentes.
60
passou a considerar como discriminação contra as mulheres, também a violência
contra elas perpetrada, quer na esfera pública ou na privada, conforme prevê o
artigo 1º da Convenção de 1979. 183
Ainda no tocante ao plano global de proteção, resta destacar que os direitos
da mulher ganharam especial atenção por parte da Declaração e Programa de Ação
de Viena de 1993. O § 18º da parte conceitual da Declaração abriu espaços para
uma regulamentação do tema ao frisar:
Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica, social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as formas de discriminação com base no sexo são objetivos prioritários da comunidade internacional. A violência e todas as formas de abuso e exploração sexual, incluindo o preconceito cultural e o tráfico internacional de pessoas, são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana e devem ser eliminadas. Pode-se conseguir isso por meio de medidas legislativas, ações nacionais e cooperação internacional nas áreas do desenvolvimento econômico e social, da educação, da maternidade segura e assistência à saúde e apoio social. Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos, que devem incluir a promoção de todos os instrumentos de direitos humanos relacionados à mulher. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Governos, instituições governamentais e não governamentais a intensificarem seus esforços em prol da proteção e promoção dos direitos humanos da mulher e da menina.
A partir desse dispositivo, a Declaração e Programa de Ação de Viena passou
a disciplinar os direitos humanos das mulheres184, integrando o maior capítulo da
Declaração: “A igualdade de condições e os direitos humanos das mulheres”.
Nesse passo, se a CEDAW não tratou da violência contra a mulher, assim o
fez, entretanto, na Declaração de Viena de 1993, a qual, no § 38, recomendou à
Assembleia Geral da ONU para que se adotasse um projeto de declaração sobre a
violência contra a mulher e instasse os Estados a combaterem tal violência conforme
as disposições da Declaração.
A postura acabou logrando êxito com a adoção, em 20 de dezembro de 1993,
da Resolução n. 48/104 da Assembleia Geral, que proclamou a Declaração para a
Eliminação da Violência contra as Mulheres.185 Com a Resolução n. 54/134, de 17
183
CEDAW. General Recommendation n. 19, A/47/38, de 29-01-1992. 184
Declaração e Programa de Ação de Viena. §§ 36 a 44. 185
ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. Adotada pela Assembleia Geral da OEA em 06.06.1994, ratificada pelo Brasil em 27.11.1995, e promulgada pelo Decreto 1.973, de 01.08.1996. In: ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos. São Paulo: FTD, 1997,
pp.130-131.
61
de dezembro de 1999, a Assembleia Geral instituiu o dia 25 de novembro como o
Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Por outro cenário, quando partimos para o estudo no sistema interamericano
de direitos humanos, importante destacarmos a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994, conhecida como
Convenção de Belém do Pará;186 esta foi fruto do intenso e bem articulado trabalho
do Movimento Feminista das Américas.187
Ao analisá-la, percebemos que desde o seu preâmbulo, a Convenção enfatiza
que a violência em face da mulher trata-se de uma violação dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais e que limita total ou parcialmente o reconhecimento, o
gozo e o exercício dos seus direitos e liberdades.
Destaca ainda que a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade
humana e manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre
mulheres e homens. A sua eliminação, portanto, é condição indispensável para o
desenvolvimento individual e social da mulher, sua plena e igualitária participação
em todas as esferas da vida.
A Convenção em estudo possui 25 artigos. Os seus artigos 3º e 4º são os
principais, pois garantem expressamente o direito de toda mulher ser livre de
violência, tanto na esfera pública como na esfera privada 188 , e o direito ao
reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e
liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais
relativos aos direitos humanos, os quais abrangem, dentre outros:
(a) o direito a que se respeite sua vida, (b) o direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral, (c) o direito à liberdade e à segurança pessoais, (d) o direito a não ser submetida à tortura, (e) o direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família, (f) o direito à igual proteção perante a lei e da lei, (g) o direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos, (h) o direito de livre associação, (i) o direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei e (j) o direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões (art. 4.º).
186
Adotada pela Assembleia Geral da OEA em 06.06.1994, ratificada pelo Brasil em 27.11.1995, e promulgada pelo Decreto 1.973, de 01.08.1996. 187
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.152. 188
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), conhecida como Convenção de Belém do Pará, Artigo 3º.
62
No que tange ao seu núcleo protetivo, enfatizamos a observação de Carlos
Weis de que essa Convenção
supera, em muito, sua equivalente do Sistema Universal, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, posto que aborda, de maneira integrada, uma série de direitos humanos, indo muito além do que o título do documento deixa antever.
189
Por fim, em outras esferas regionais de proteção, destacamos o Protocolo à
Carta Africana sobre os Direitos das Mulheres em África, de 2003, e a Convenção
do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as
Mulheres e a Violência Doméstica, de 2011.
A propósito, quando do exame dos casos internacionais, ressaltamos que o
mais emblemático envolvendo o Brasil sobre o tema da violência contra a mulher foi
o relativo à Maria da Penha Maia Fernandes, vítima quase fatal de violência
doméstica praticada pelo ex-marido na década de 1980.190
Em razão da longa demora das autoridades locais 191 em levar adiante o
inquérito policial e a ação judicial respectiva, Maria da Penha peticionou junto ao
Centro pela Justiça e Direito Internacional e ao Comitê Latino-Americano de Defesa
dos Direitos da Mulher, que levaram o caso à análise da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos. Em consequência, no seu relatório anual de 2000, declarou:
A denúncia alega a tolerância da República Federativa do Brasil (doravante denominada “Brasil” ou “o Estado”) para com a violência cometida por Marco Antônio Heredia Viveiros em seu domicílio na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, contra a sua então esposa Maria da Penha Maia Fernandes durante os anos de convivência matrimonial, que culminou numa tentativa de homicídio e novas agressões em maio e junho de 1983. Maria da Penha, em decorrência dessas agressões, sofre de paraplegia irreversível e outras enfermidades desde esse ano. Denuncia-se a tolerância do Estado, por não haver efetivamente tomado por mais de 15 anos as medidas necessárias para processar e punir o agressor, apesar das denúncias efetuadas.
192
A rigor, pela primeira vez, a Comissão aplicou a Convenção de Belém do
Pará para sustentar a responsabilidade do Estado no que tange ao dever de
189
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.152. 190
Maria da Penha sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-esposo: a primeira, em razão de um tiro por ele disparado em simulação a um assalto, que a deixou paraplégica; e a segunda, meses depois, por uma descarga elétrica (também por ele engendrada) durante um banho. O drama por ela vivenciado foi descrito num livro autobiográfico, intitulado Sobrevivi, posso contar, publicado pela editora Armazém da Cultura. 191
Foram mais de 15 anos. 192
Comissão IDH, Relatório n. 54/2001, Caso 12.051: “Maria Da Penha Maia Fernandes vs. Brasil”, de 04-04-2001.
63
prevenir, sancionar e erradicar a violência doméstica contra a mulher, notadamente
em razão da ineficiência judicial perante casos de violência doméstica.193
Segundo ela, a “inefetividade judicial geral cria um ambiente que facilita a
violência doméstica, por não existirem evidências socialmente percebidas da
vontade e efetividade do Estado, como representante da sociedade, de sancionar
tais atos”.194
Ao final, dirigiu recomendações ao Estado brasileiro para rever os padrões
nacionais de tolerância de violência contra as mulheres.195
Dentre as recomendações estabelecidas pela Comissão ao Brasil estava a de
adequar sua legislação aos termos da Convenção Americana. Desde então, o
Estado brasileiro preocupou-se em aprovar lei específica programando as formas de
violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para
preveni-la e reduzi-la, além da prestação assistencial às vítimas.
Desta feita, surgiu a Lei n. 11.340/2006, também denominada “Lei Maria da
Penha”, em homenagem àquela que deflagrou uma queixa contra o Brasil no
sistema interamericano por violação de direitos humanos. Na sua ementa, ficou
evidenciada a relevância das normas internacionais de direitos humanos:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Convém notar que, com a entrada em vigor da Lei, as normas dos tratados
internacionais que a inspiraram foram automaticamente inseridas no ordenamento
jurídico interno. Tempos depois, diversas causas já foram julgadas com base na
mesma Lei nas situações em que a violência doméstica foi posta em questão.
Para se adequar à realidade da sociedade brasileira, a seara de aplicação da
Lei vem constantemente sendo estendida. Por exemplo, levantou-se um
193
COMISSÃO IDH. Estándares jurídicos vinculados a la igualdad de género a los derechos de las mujeres en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: desarollo y aplicación, Doc.
OEA/Ser.L/V/II.143, n. 60, de 03.11.2011, §§ 23-24. 194
COMISSÃO IDH. Estándares jurídicos vinculados a la igualdad de género a los derechos de las mujeres en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: desarollo y aplicación, Doc.
OEA/Ser.L/V/II.143, n. 60, de 03.11.2011, §§ 23-24. 195
O caso Maria da Penha não chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos; foi finalizado na própria Comissão Interamericana.
64
interessante debate a respeito do artigo 16 da Lei Maria da Penha, segundo o qual
as ações penais públicas serão “condicionadas à representação da ofendida”.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4424/DF, o Supremo Tribunal
Federal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação
proposta pela Procuradoria Geral da República para, dando interpretação conforme
aos artigos 12, I, e 16, ambos da Lei Maria da Penha, assentar a natureza pública e
incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal leve, pouco
importando a sua extensão, praticado contra a mulher no ambiente doméstico.
O Relator, Ministro Marco Aurélio Mello, considerou que sujeitar o
prosseguimento da medida penal à vontade da mulher, nos casos de lesão corporal,
representa desconsideração da desigualdade histórica de forças entre os sexos,
resultando, em última análise, em uma proteção legal deficiente.196
Desta feita, entendeu a Suprema Corte pela não aplicação da Lei n.
9.099/1995197 aos delitos da Lei Maria da Penha e aos crimes de lesão corporal
praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo que de natureza leve, o
que retira o cabimento da transação penal e da suspensão condicional do processo.
Por seu turno, diversos juristas já tentaram defender a inconstitucionalidade
da Lei Maria da Penha, sob o argumento de que viola a igualdade entre homens e
mulheres, em especial por proteger apenas as mulheres, e não os homens, nas
situações de violência doméstica e familiar. Preferimos, pois, reconhecer a
inconveniência deste argumento, não resistindo àquele segundo o qual a Lei é
resultado de obrigação que o Brasil assumiu no plano internacional de proteger as
mulheres contra qualquer tipo de discriminação ou violência.
Em síntese, ao ratificar a Convenção de Belém do Pará, o Estado brasileiro
se comprometeu a incluir em sua legislação interna normas civis, penais, e
administrativas, assim como as de outra natureza necessárias com o objetivo de
prevenir, punir e erradicar a violência em face da mulher, além de adotar as medidas
administrativas apropriadas.198
Desta feita, convém enfatizar que a Lei Maria da Penha é o resultado desse
compromisso, representando a obrigação do Brasil em adequar o seu direito
doméstico aos compromissos internacionais de direitos humanos assumidos no 196
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4424/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09-02-2012, DJ 17-02-2012; e Informativo STF 654. 197
Relativa aos crimes de menor potencial ofensivo e aos Juizados Especiais Criminais. 198
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), conhecida como Convenção de Belém do Pará, Artigo 7º, c.
65
âmbito internacional, obrigação consagrada em diversos tratados internacionais a na
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.199
Por fim, anotamos que a Lei n. 13.104/2015, ao alterar o artigo 121 do Código
Penal, instituiu o feminicídio no Brasil, que consiste na morte de mulher por razões
de gênero em situações de violência doméstica e familiar, menosprezo ou
discriminação à condição de mulher, praticado por homem ou mulher sobre mulher
em situação de vulnerabilidade.200
Acentuamos, ainda, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Com o transcorrer dos anos, ela tem evoluído com o propósito de
assentar o estatuto jurídico dos direitos humanos das mulheres no sistema
interamericano, especialmente no que diz respeito aos diversos tipos de violência.201
A propósito, o tema da violência sexual contra mulheres tem sido o mais
assentado no sistema interamericano desde então, tanto pela Comissão quanto pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Pela primeira vez, a Corte decidiu a
questão da violência sexual contra mulheres no julgamento do caso penal Miguel
Castro Castro vs. Peru, de 2006, relativo à violência sexual sofrida por mulheres,
inclusive gestantes, recolhidas em um complexo penitenciário no Peru. 202
Naquela oportunidade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
determinou:
violência sexual como a que se configura com ações de natureza sexual cometidas em uma pessoa sem o seu consentimento, que, ademais de compreender a invasão física do corpo humano, podem incluir atos que não impliquem penetração ou qualquer contato físico.
203
Como consequência, responsabilizou o Peru pelo fato de diversas detentas
terem ficado nuas perante militares armados, inclusive para realizar necessidades
fisiológicas, em situação de vasta humilhação e indefensabilidade. A Corte entendeu
199
BIANCHINI, Alice; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Lei de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha): constitucionalidade e convencionalidade. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 98, n. 886, pp.
363-385, ago. 2009. 200
Com o feminicídio, acrescentou-se, assim, mais uma circunstância qualificadora para o crime de homicídio, incluindo-o, como consequência, no rol dos crimes previstos na Lei n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos). 201
COMISSÃO IDH. Estándares jurídicos vinculados a la igualdad de género a los derechos de las mujeres en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: desarollo y aplicación, Doc.
OEA/Ser.L/V/II.143, n. 60, de 03.11.2011, §§ 33-45. 202
CORTE IDH. Caso Penal Miguel Castro Castro vs.Peru. Mérito, reparações e custas. Sentença de 25 de
novembro de 2006, Série C, n. 160. 203
COMISSÃO IDH. Estándares jurídicos vinculados a la igualdad de género a los derechos de las mujeres en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: desarollo y aplicación, Doc.
OEA/Ser.L/V/II.143, n. 60, de 03.11.2011, §§ 306.
66
desnecessário qualquer contato físico para haver violência sexual por parte de
agentes do Estado, dadas as especificidades de cada caso.204
Por seu turno, em 2009, a Corte Interamericana, no julgamento do caso
González e outras vs. México, discorreu sobre os direitos humanos das mulheres de
forma global. Na oportunidade, reconheceu a responsabilidade do Estado por
irregularidades e atrasos nas investigações dos desaparecimentos, e posteriores
mortes de Laura Berenice Ramos Monárrez 205 , Claudia Ivette González 206 e
Esmeralda Herrera Monreal207 208.
Após o desaparecimento das três mulheres, os corpos foram encontrados em
um campo algodoeiro na Cidade de Juárez, em Chihuahua, no México, com sinais
de violência sexual e outros abusos físicos.
O resultado do embate foi que a Corte acolheu a responsabilidade do México
por violação à Convenção Americana e à Convenção de Belém do Pará
relativamente às três vítimas e seus familiares, por não ter empreendido os esforços
para resguardar o direito das vítimas à integridade pessoal, à vida e à liberdade; por
não ter tomado as medidas ao esclarecimento do crime, tomando por base padrões
socioculturais discriminatórios em relação às pessoas do sexo feminino.
Noutro giro, no que concerne à violência sexual e às dificuldades de acesso à
justiça das mulheres indígenas, a Corte Interamericana teve a oportunidade de se
manifestar no julgamento do caso Inés Fernández Ortega vs. México, de 2010,
atinente às violações de direitos humanos contra a mulher indígena Inés Fernández
Ortega, da comunidade Me’phaa, pelo exército do México.209
A Corte Interamericana reconheceu a desfeita do México nas investigações,
especialmente em razão da condição étnica e socioeconômica da mulher indígena, e
o condenou pela violação ao direito à integridade pessoal, à dignidade e à vida
privada da vítima, consagrados na Convenção Americana; e pelo descumprimento
do dever de se abster de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e de
204
COMISSÃO IDH. Estándares jurídicos vinculados a la igualdad de género a los derechos de las mujeres en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: desarollo y aplicación, Doc.
OEA/Ser.L/V/II.143, n. 60, de 03.11.2011, §§ 306. 205
De 17 anos. 206
De 20 anos. 207
De 15 anos. 208
CORTE IDH. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) vs. México. Exceção preliminar, mérito,
reparações e custas. Sentença de 16 de novembro de 2009, Série C, n. 205. 209
CORTE IDH. Caso Fernández Ortega e outras vs. México. Exceção preliminar, mérito, reparações e
custas. Sentença de 30 de agosto de 2010, Série C, n. 215; COMISSÃO IDH. Las mujeres indígenas y sus derechos humanos en las Américas, Doc. OEA/Ser.L/V/II, n. 44, de 17-04-2017.
67
velar para que suas autoridades ou funcionários se comportem de acordo com essa
obrigação, assegurados pelo artigo 7º, a, da Convenção de Belém do Pará. 210
Por fim, frisamos ainda a decisão da Corte Interamericana proferida no caso
Massacre de Las Dos Erres vs. Guatemala, de 2009, sobre a proteção dos direitos
humanos das mulheres em situação de conflito armado. 211
A situação resultou na responsabilidade internacional do Estado pela falta de
diligência na investigação e julgamento dos responsáveis pelo assassinato, tortura e
violação sexual de 251 pessoas na aldeia de Las Erres, por militares e Kaibiles212 da
Guatemala, em dezembro de 1982, no âmbito da guerra civil guatemalteca.
Apesar de vários homens também terem sido mortos durante a operação, a
Corte Interamericana frisou, especialmente, as violações aos direitos humanos das
mulheres, que foram “particularmente selecionadas como vítimas de violência
sexual”, reconhecendo que “a violação sexual das mulheres foi uma prática do
Estado, executada no contexto dos massacres, dirigida a destruir a dignidade da
mulher nos níveis cultural, social, familiar e individual”.213
Por todo o exposto, essa evolução jurisprudencial demonstra a preocupação
da Corte Interamericana na proteção e no estabelecimento do estatuto jurídico dos
direitos humanos das mulheres no sistema interamericano. Como se nota das
decisões analisadas, integram esse estatuto, além da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, todas as convenções de que o Estado é parte sobre proteção dos
direitos das mulheres, quer do sistema global (Convenção CEDAW) quer do sistema
regional interamericano (Convenção de Belém do Pará).
Dessa forma, estes instrumentos formam o corpus juris de proteção aos
direitos humanos das mulheres no Estado brasileiro, servindo de paradigma ao
controle de convencionalidade das leis internas menos benéficas.
Por derradeiro, quando analisado o tema da (des)criminalização do aborto até
o 3º mês de gravidez, em 29 de novembro de 2016, a 1ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, a partir do voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso, considerou
impossível criminalizar o aborto realizado até o terceiro mês de gestação, caso
210
CORTE IDH. Caso massacre de Las Dos Erres vs. Guatemala. Exceção preliminar, mérito, reparações e
custas, sentença de 24 de novembro de 2009, Série C, n. 211. 211
CORTE IDH. Caso massacre de Las Dos Erres vs. Guatemala. Exceção preliminar, mérito, reparações e
custas, sentença de 24 de novembro de 2009, Série C, n. 211 212
Forças de elite. 213
Nesse caso, várias mulheres grávidas foram vítimas de abortos induzidos e outros atos de barbárie, confirmados pela Corte Interamericana na sentença.
68
contrário haveria a violação de inúmeros direitos fundamentais das mulheres, além
do princípio da proporcionalidade.214
Portanto, para o Ministro, foi necessário conferir interpretação conforme a
Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal, a fim de excluir do seu âmbito
de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre de
gravidez. Entendeu ainda que a criminalização é incompatível com os seguintes
direitos fundamentais:
[...] os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.
215
Para ele, ademais, a tipificação penal do aborto viola, também, o princípio da
proporcionalidade por motivos que se cumulam:
(i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios
216.
Por fim, anotou:
praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
217
Destarte, a partir da decisão destacada acima, a 1ª Turma do Supremo
Tribunal Federal deferiu Habeas Corpus para afastar também a prisão preventiva do
médico e demais réus acusados da prática do aborto.
214
Entre eles, destacamos a autonomia, a integridade física e psíquica, a igualdade de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos. 215
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 124.306/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29-11-2016, voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso. 216
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 124.306/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29-11-2016, voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso. 217
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 124.306/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29-11-2016, voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso.
69
Dando um passo adiante, a normativa internacional de tutela do trabalho da
mulher não se restringe a esses grandes documentos gerais que declaram os
direitos humanos. Como visto, são documentos abrangentes e que cuidam da figura
feminina além do seu trabalho.
Nesse contexto, importante destacar para esta pesquisa que, quando
pesquisamos sobre o labor, princípios relevantes relacionados ao trabalho feminino
são encontrados nos textos da Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) de 1919, e da Declaração de Filadélfia de 1944, acerca dos fins e
objetivos da OIT. Um exemplo é o item II, “a” da Declaração de Filadélfia, que
determina o direito de todos os seres humanos, independentemente do sexo, ao
bem-estar material e ao desenvolvimento espiritual dentro da sua dignidade.
Tais princípios consistem em:
O trabalho não é uma mercadoria; a liberdade de expressão e de associação é essencial para o progresso constante; a pobreza em qualquer lugar constitui um perigo a liberdade de todos; a luta contra a necessidade requer esforços nacionais e internacionais, constantes e concertados, e com participação de representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos governos, com o fim de promover o bem-estar comum; a paz permanente só pode basear-se na justiça social; todos os seres humanos, sem distinção de raça, credo ou sexo, têm direito a perseguir seu bem-estar natural e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de seguridade econômica e em igualdade de oportunidades. E destes princípios derivam as numerosas convenções e recomendações adotadas pela OIT desde a sua fundação.
218
Dissecando mais didaticamente o tema, em 1988, a Organização
Internacional do Trabalho aprovou a “Declaração de Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento”. O documento determina um marco
geral de proteção fundado em cinco princípios básicos: proteção contra o trabalho
forçado, liberdade de associação e de organização sindical, igualdade e não
discriminação, igualdade de gênero e proteção da infância.
Estes princípios estão contidos em oito de suas convenções tidas como
padrões básicos do trabalho e aplicáveis a todas as nações, independentemente de
ratificação e de seu nível de desenvolvimento econômico. Estas oito Convenções
que, em inglês, correspondem à expressão Core Labour Standards, são:
Convenção n. 29, de 1930 – Trabalho Forçado; Convenção n. 87, de 1948 – Liberdade de Associação e Direito de se Organizar (não ratificada pelo
218
VALENZUELA, Emilio Morgado. Los derechos humanos y el derecho del trabajo. In: Debato Laboral. Revista
Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo, San Jose: Iscos Cisl, ano III, n. 6, 1990, pp. 7-8, 1990.
70
Brasil); Convenção n. 98, de 1949 – Direito de Organizar-se e Negociação Coletiva; Convenção n. 100, de 1951 – Igualdade de Remuneração; Convenção n. 105, de 1957 – Abolição de Trabalho Forçado; Convenção n. 111, de 1958 – Discriminação no Emprego; Convenção n. 138, de 1973 – Idade Mínima; Convenção n. 182, de 1999 – Piores formas de Trabalho Infantil.
219
Este documento frisa a fiel observância do respeito aos direitos fundamentais,
e deixa certo que o seu objetivo é dar pleno conhecimento ao mundo de que os
direitos inscritos nos documentos normativos internacionais são direitos humanos e
integram os direitos sociais fundamentais, razão pela qual não podem ser
violentados nem desvirtuados, mas devem ser plenamente tutelados pelos países
membros, pois assumiram o compromisso de assim respeitá-los na Carta de Adesão
à OIT.220
Conforme destaca Alice Monteiro de Barros, é inegável a influência da ação
internacional, principalmente da Organização Internacional do Trabalho, no
engrandecimento da legislação do trabalho no Brasil, inclusive no capítulo da CLT
que versa sobre o trabalho da mulher.221
Nessa linha de raciocínio, enfatizamos o direito internacional do trabalho
como integrante da área trabalhista lato sensu.
A expressão é encontrada na doutrina de Mauricio Godinho Delgado.
Segundo o autor, a partir da fundação da OIT em 1919, pelo Tratado de Versalhes,
surgiu o direito internacional do trabalho. Demais disso, considerada a sua
estruturação, em especial, em torno das Convenções da OIT, esse segmento tem
exercido bastante influência nas normas internas e comunitárias.222
Soma-se ainda o fato de que, desde 1945, a Organização das Nações Unidas
(ONU) tem aprovado diversas Declarações e Convenções Internacionais de grande
relevância para a área trabalhista, embora algumas delas não tenham como objetivo
abarcar somente esse ramo jurídico especializado.223
Diante desse cenário, é fundamental o estudo do direito internacional do
trabalho, em especial dos seus princípios e regras jurídicas ratificadas, para
219
CARNEIRO, Wellington Pereira. Palimpsesto de humanidade: direitos humanos e normas internacionais do trabalho, um estudo comparado. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, v.
47, n. 77, pp. 173-192, jan.-jul. 2008, p. 191. 220
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Defesa e aprimoramento progressivo dos direitos fundamentais sociais: proibição de retrocesso social por meio de reformas trabalhistas. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito
Individual, coletivo e processual do trabalho. São Paulo: LTr., 2017. 221
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr., 2016, p. 705. 222
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 67. 223
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 67.
71
aprofundarmos a força do ordenamento jurídico trabalhista concernente ao trabalho
da mulher. É o que faremos neste capítulo.
Conforme avalia Carla Teresa Martins Romar:
A Organização Internacional do Trabalho, desde sua criação em 1919, institui normas de proteção especial ao trabalho da mulher, visando dar efetividade às trabalhadoras nos ordenamentos jurídicos internos de seus Estados-membros. Assim, várias Convenções e Recomendações da OIT adotaram regras abarcando diversos aspectos de proteção à mulher em relação, entre outros, à inserção no mercado de trabalho, a não discriminação no trabalho, à proteção à gestação e à maternidade e ao respeito às suas características físicas.
224
No mesmo sentido, Arnaldo Süssekind explica:
[...] uma das consequências da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, foi o ingresso da mulher e do menor no mercado de trabalho, visando a complementar o orçaamento familiar, cujos chefes tiveram reduzidos os seus salários. A exploração daí decorrente determinou a inclusão na pauta da Conferência de Berlim, de março de 1980, do exame do trabalho das crianças, dos jovens e das mulheres. Desde então, o trabalho da mulher foi amplamente discriminado em relação ao do homem, sobretudo no tocante ao salário. Daí a preocupação da Organização Internacional do Trabalho, a partir de sua criação (1919), em instituir normas de proteção especial do trabalho feminino.
225
Ainda, nas palavras de Valério de Oliveira Mazzuolli:
As convenções e as recomendações são os dois instrumentos que compõem a produção normativa da OIT em matéria de padrões mínimos trabalhistas, frutos de debates entre os delegados dos Estados-membros. As convenções são fonte formal, sendo tratados internacionais no seu sentido estrito (regidas, portanto, pelo Direito dos Tratados). Ou seja, são normas internacionais que requerem, no plano do Direito Interno dos Estados, todas as formalidades pertinentes, para a entrada em vigor e aplicação. São, de modo geral, tratados abertos, porque os Estados que não são seus signatários originais a eles podem aderir. As Recomendações, por sua vez, são fontes materiais, servindo de inspiração para o legislador interno na criação de normas trabalhistas. Não se integram ao Direito Interno pela via da ratificação, não sendo sequer previamente aprovadas pelo Congresso Nacional, como são as convenções internacionais do trabalho.
226
Dessa forma, a Convenção começa a vigorar no Estado membro doze meses
após a sua ratificação, desde que já esteja em vigor no âmbito internacional, e tem
224
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 728. 225
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, pp. 513-514. 226
FRANCO FILHO, Georgenor de; MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Incorporação e aplicação das Convenções Internacionais da OIT no Brasil. In: FRANCO FILHO, Georgenor de; MAZZUOLLI, Valério de Oliveira (org.). Direito internacional do trabalho: o estado da arte sobre a aplicação das Convenções Internacionais da OIT no
Brasil. São Paulo: LTr., 2016, p.16.
72
validade de dez anos. Após, o Estado membro dispõe de doze meses para
denunciar a convenção. Caso não o faça, há a renovação tácita por mais dez anos.
Nesse deslinde, durante a primeira reunião da Conferência Internacional do
Trabalho, realizada nos Estados Unidos, na cidade de Washington, em 1919, foram
adotadas as seis primeiras Convenções da OIT:
Convenção n. 1 sobre horas de trabalho na indústria; Convenção n. 2 sobre o desemprego; Convenção n. 3 sobre a proteção da maternidade; Convenção n. 4 sobre o trabalho noturno das mulheres; Convenção n. 5 sobre a idade mínima para admissão na indústria; Convenção n. 6 sobre o trabalho noturno de menores na indústria.
227
Por seu turno, com o objetivo de proteger a trabalhadora grávida e, ao mesmo
tempo, preocupada em evitar que essa tutela resultasse em discriminação ao
trabalho feminino, a Convenção n. 3228, ratificada pelo Brasil em 26 de abril de 1934,
promulgada pelo Decreto n. 423/1935, e denunciada em 18 e dezembro 1962, pelo
Decreto 51.627, 229 assegurou às empregadas gestantes de estabelecimentos
industriais e comerciais os seguintes direitos:
a) o seu afastamento do trabalho durante as seis semanas subsequentes ao parto (art. 3, alínea a); b) o recebimento de prestações monetárias no curso desse licenciamento, cujo valor, fixado pela autoridade competente, deveria ser suficiente para sua manutenção e a de seu filho, e pago “pelo Tesouro público ou por um sistema de seguro” (art. cit., alínea c).
230
Todavia, considerando que o primeiro instrumento internacional de proteção à
maternidade no âmbito trabalhista garantia licença-maternidade somente às
trabalhadoras das indústrias e do comércio, a Organização optou por editar a
Recomendação n. 12, conforme explica Alice Monteiro de Barros:
Em 1921, a Recomendação n. 12, da OIT propôs a extensão dessa licença às empregadas de empresas agrícolas, ressaltando-se que a retribuição correspondente incumbiria aos cofres públicos ou a um sistema de seguros. No mesmo sentido é a Recomendação n. 67, de 1944, sobre a garantia dos meios de subsistência, quando sugere que os riscos cobertos pelo seguro social devam incidir sobre situações em que o segurado esteja impossibilitado de obter sua subsistência, incluindo, em seu campo de incidência, a maternidade.
231
227
CARNEIRO, Wellington Pereira. Palimpsesto de humanidade: direitos humanos e normas internacionais do trabalho, um estudo comparado. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, v.
47, n. 77, pp. 173-192, jan.-jul. 2008. 228
Conhecida também como Convênio sobre a Proteção à Maternidade. 229
CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação. São Paulo: LTr., 2007,
p. 169. 230
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr., 2000, p. 396. 231
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 41.
73
A referida Convenção n. 3 foi revista em 1952, dando origem à Convenção n.
103232, aumentando a licença maternidade para doze semanas, no mínimo; destas,
um período nunca inferior a seis semanas deve ser concedido após o parto,
conforme itens 2 e 3 do artigo III do diploma legal.
Oportuno ressaltar que no início da revisão da Convenção n. 3 da OIT, a
Organização Mundial da Saúde, ao ser consultada sobre as questões médicas
afetas à proteção da trabalhadora gestante, recomendou:
[...] tratamentos especiais à empregada gestante, visando proteger-lhe a saúde física e mental durante a gravidez, parto e em período posterior ao mesmo, especialmente se amamenta. Esse tratamento especial está consubstanciado nas proibições de trabalho em condições que acarretem à mulher, no ciclo gravídico puerperal, fadiga excessiva ou riscos profissionais, como trabalhos penosos, assim considerados os que impliquem esforço físico ou horários prolongados; recomenda-se assistência médica antes, durante e após o parto, e licença-maternidade remunerada, por meio de um sistema de seguros ou de outra forma de assistência social que lhe evite “inquietude financeira imediata”, [...].
233
Não obstante, a maternidade é tida como um obstáculo para o ingresso e a
permanência da mulher no mercado de trabalho. Dessa forma, visando impedir a
discriminação contra o trabalho feminino, a Convenção n. 103 da Organização
Internacional do Trabalho determina:
4. As prestações em espécie e a assistência médica serão concedidas quer nos moldes de um sistema de seguro obrigatório quer mediante pagamento efetuado por fundos públicos, em ambos os casos serão concedidos de pleno direito a todas as mulheres que preencham as condições estipuladas. [...]. 6. Quando as prestações em espécie fornecidas nos moldes de um sistema de seguro social obrigatório são estipuladas com base nos proventos anteriores, elas não poderão ser inferiores a dois terços dos proventos anteriores tomados em consideração. 7. Toda contribuição devida nos moldes de um sistema de seguro social obrigatório que prevê a assistência à maternidade e toda taxa calculada na base dos salários pagos, que seria cobrada tendo em vista fornecer tais prestações, devem ser pagas de acordo com o número de homens e mulheres empregados nas empresas em apreço, sem distinção de sexo, sejam pagas pelos empregadores ou, conjuntamente pelos empregadores e empregados. 8. Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega. (Itens 4, 6, 7 e 8 do art. IV do Decreto 58.820, de 14/07/1966).
232
Ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 58.820/1966. 233
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 43.
74
Isto posto, notamos que a proteção à maternidade foi uma das primeiras
matérias a ser objeto de regulamentação específica pela OIT. Entretanto, ao longo
de sua existência, a OIT editou outras convenções para tutelar os direitos das
trabalhadoras, dentre elas:
Convenção n. 45, de 1935, vigência nacional em 1939, disciplina a proibição do trabalho de mulheres, de qualquer idade, em minas para a extração de substâncias situadas debaixo da superfície da terra; Convenção n. 100, de 1953, vigência nacional em 1958, trata de igualdade salarial, salário igual para trabalho de igual valor entre o homem e a mulher; [...]; Convenção n. 111, de 1960, vigência nacional em 1966, estabelece a proibição de discriminação em matéria de emprego e ocupação fundada na raça, cor, sexo, religião etc., e determina a adoção de medidas que possibilitem a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres sem discriminação; Convenção n. 171, de 1995, vigência nacional em 2004, proíbe o trabalho noturno para as empregadas durante a gravidez e no estado puerperal, durante 16 semanas, sendo 8 semanas antes do parto.
234
Ainda preocupada com as próximas gerações, a OIT realizou a revisão da
Convenção n. 103 pela de n. 183/2000, ampliando a proteção da maternidade para
fixar em 14 semanas a duração da licença da empregada, podendo esse período ser
prorrogado na hipótese de enfermidade ou complicações resultantes do parto e para
abranger as mulheres que trabalham na economia informal. 235
Nesse sentido ainda, a Convenção n. 183 faz referência a um conjunto de
convenções internacionais orientadas para a igualdade de oportunidades e de
tratamento para trabalhadoras e trabalhadores e considera que a proteção à
gravidez é uma responsabilidade compartilhada dos governos e das sociedades,
formada por cinco componentes: licença maternidade, proteção do emprego,
benefícios pecuniários e médicos, proteção à saúde (com relação aos trabalhos
prejudiciais para a saúde das mulheres e dos bebês) e amamentação. 236
Ela determina uma licença de, no mínimo, 14 semanas e um período de 6
semanas de afastamento após o parto. Estabelece o direito a uma licença caso
ocorra enfermidade ou complicações da gravidez ou do parto. Também prevê que os
benefícios em dinheiro pagos durante a licença devem ser de, no mínimo, dois
234
GAMBA, Juliane Caravieri Martins; MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Tutela jurídica do trabalho da mulher: aspectos relevantes. Revista de Direito do Trabalho (RDT). São Paulo, v. 39, n. 152, jul.-ago. 2013, p. 72. 235
SÜSSEKIND, Arnaldo. As convenções da OIT sobre prestação à maternidade e a legislação brasileira. Jornal Trabalhista Consulex Brasília (DF), v. 17, n. 821, jul. 2000, p. 8. 236
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019.
75
terços dos rendimentos anteriores das mulheres e financiados mediante um seguro
social obrigatório ou ficar a cargo de fundos públicos. 237
Também proíbe a demissão de mulheres grávidas durante a licença ou depois
de sua reintegração ao trabalho, exceto por razões que não estejam relacionadas à
gravidez e garante às mulheres o direito de retornar ao mesmo posto de trabalho ou
a um posto equivalente com a mesma remuneração. Ainda, veda a discriminação
em função da maternidade e proíbe a exigência de teste de gravidez. Deve ser
garantido o direito a descansos ou uma redução de jornada em função da
amamentação.238
Entretanto, convém esclarecer que o Brasil não ratificou a Convenção n. 183
da OIT tendo em vista que quando o referido pacto passou a vigorar no âmbito
internacional, em 2000, a Constituição Federal de 1988, na forma do artigo 7º, XVIII,
já garantia à empregada gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, licença-
maternidade de 120 dias.
Por derradeiro, antes mesmo do “Decênio das Nações Unidas para a Mulher”
(1975-1985), a OIT consagrou a tese da não discriminação, seja na Convenção n.
100, seja na Convenção n. 111239. Aflita com a situação do trabalho feminino, a
Convenção n. 100 da OIT estabelece a igualdade de remuneração e de benefícios
entre homens e mulheres por trabalho de igual valor.
Não obstante, quando se trata da proteção à maternidade, homens e
mulheres devem ser tratados de maneira diversa. A desigualdade é justificada em
razão da própria natureza, pois somente a mulher consegue engravidar, dar a luz e
amamentar. Nesse sentido, Léa Elisa Silingowschi Calil:
As normas de proteção à maternidade surgem obviamente assegurando situações que advêm da natural diferença existente entre homens e mulheres. Ou seja, a mulher gesta e dá à luz uma criança. Essa diferença antes de tudo é biológica. E proteger a mulher enquanto gestante e, depois, durante a amamentação é garantir o futuro da espécie, fim último da existência de qualquer ser vivo.
240
Assim, a maternidade é uma condição exclusivamente feminina e dela
depende o futuro do ser humano. Logo, a proteção garantida às gestantes e
237
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 238
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 239
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 516. 240
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, p. 42.
76
lactantes objetiva, em última análise, assegurar a saúde física e mental do nascituro
e do bebê, garantindo a perpetuação da espécie humana.
Isto posto, com relação às principais Convenções da OIT que servem de
fundamento para esta pesquisa e que versam sobre a proteção ao trabalho da
mulher, destacamos a Convenção n. 3 (trata do trabalho da mulher antes e depois
do parto); a Convenção n. 100 (determina a igualdade de remuneração entre
homens e mulheres para trabalho igual) e a Convenção n. 103 (proteção da
maternidade), bem como a Convenção n. 183 citada.
Dentre as demais também relevantes, citamos a Convenção n. 111
(discriminação em matéria de emprego e profissão); a Convenção n. 156
(estabelece a igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores dos
dois sexos em relação às responsabilidades familiares), e a Convenção n. 171 (trata
do trabalho noturno, tendo as mulheres proteção especial apenas em razão da
maternidade).
Nesse sentido, ressaltamos ainda que a Convenção n. 156 reconhece os
problemas e as necessidades específicas enfrentadas pelos trabalhadores e
trabalhadoras com responsabilidades familiares, definidos como
trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades com relação aos seus/suas filhos/as e outros membros da família direta que de forma evidente necessitem de seu cuidado ou sustento, quando tais responsabilidades limitem suas possibilidades de preparar-se para a atividade econômica e de nela ingressar, participar e progredir.
241
Esta convenção estabelece a obrigação dos Estados de incluir, entre os
objetivos de sua política nacional, o de permitir que as pessoas com
responsabilidades familiares possam exercer seu direito a estar em um emprego
sem ser objeto de discriminação e, na medida do possível, sem conflito entre suas
responsabilidades familiares e profissionais. 242
Também apresenta a obrigação de implementar medidas que permitam a livre
escolha do emprego, que facilitem o acesso à formação, que garantam a integração
e a permanência destes trabalhadores na força de trabalho e sua reintegração após
um período de ausência em razão destas responsabilidades. 243
241
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 242
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 243
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019.
77
A Convenção destaca, ainda, a necessidade de serem adotadas medidas de
planejamento local e regional de forma que sejam consideradas as necessidades
deste grupo de trabalhadores, além do desenvolvimento de serviços comunitários,
públicos e privados de assistência à infância e às famílias.244
Por fim, assinala claramente que as responsabilidades familiares não devem
constituir-se, por si só, causa para o término da relação de trabalho. Essa noção
favorece especialmente as mulheres, já que, comumente, elas têm maiores
dificuldades e insegurança no mercado de trabalho devido à carga de trabalho
doméstico e às responsabilidades familiares.245
Por fim, recentemente, em 2019, foi aprovada pela OIT a Convenção n. 190.
Por seu intermédio, foi reconhecido que a violência e o assédio no trabalho infringem
os direitos humanos. Ambos consistem, portanto, em ameaça à igualdade de
oportunidades e, por isso, são incompatíveis com o trabalho decente conforme
conceituado linhas atrás. O tema possui profunda relevância quando se trata do
trabalho da mulher; entretanto ainda não entrou em vigor no plano internacional.
Nessa ordem de ideias, elencamos algumas Recomendações da OIT:
Recomendação n. 12 (aborda a proteção da trabalhadora antes e depois do parto);
Recomendação n. 67 (auxílio-maternidade); Recomendação n. 90 (igualdade de
remuneração entre homens e mulheres) e Recomendação n. 92 (proteção da
maternidade). Ademais, acrescentamos a Recomendação n. 111 (disciplina sobre as
práticas discriminatórias no emprego ou ocupação); a Recomendação n. 123 (trata
sobre o emprego das mulheres e das suas responsabilidades familiares).
Em específico, pontuamos que a Recomendação n. 165 determina medidas
de apoio a fim de garantir o acesso, a permanência e a reintegração ao trabalho
para trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares. Ademais,
abarca medidas que destinam o melhoramento das condições de trabalho e da
qualidade de vida, além da redução e da flexibilidade da jornada de trabalho. 246
O documento ainda propõe medidas que considerem as condições de
trabalho dos trabalhadores em tempo parcial, temporários e trabalhadores a
domicílio. Outros aspectos importantes se relacionam à ampliação dos serviços de
cuidado infantil e de apoio às famílias, orientada por estatísticas e pesquisas sobre
244
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 245
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 246
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019.
78
as necessidades e as preferências dos trabalhadores e trabalhadoras com
responsabilidades familiares.247
Ademais, devem ser estabelecidos planos para o desenvolvimento
sistemático e para facilitar a organização dos serviços, como também meios
adequados e suficientes, gratuitos ou a um custo razoável, que respondam às
necessidades destes trabalhadores e trabalhadoras e das pessoas sob a sua
responsabilidade. Assume-se que tanto os homens como as mulheres são
responsáveis por seus/suas filhos/as e, em função disso, propõe-se que ambos
possam usar uma licença parental posterior à licença maternidade.248
Estabelece-se que homens e mulheres deveriam poder obter uma licença em
caso de enfermidade do/a filho/a ou de outro membro de sua família direta.249
Frisamos ainda a Recomendação n. 191, que propõe estender a licença
maternidade, no mínimo, para 18 semanas, no caso de nascimentos múltiplos e a
extensão das mesmas garantias e direitos no caso de adoção.250
Além disso, o texto incorpora atribuições paternas em caso de falecimento da
mãe, pois estende aos pais o direito ao período restante de licença. Determina,
ainda, que a mãe ou o pai deveriam ter direito a uma licença parental durante o
período seguinte ao término da licença maternidade.251
Desta feita, a tarefa desenvolvida pela OIT representa um papel fundamental
na promoção da justiça social e na proteção da maternidade. Os princípios inseridos
nos seus instrumentos estão presentes em textos das ONU, como o artigo 25 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual tanto a maternidade
quanto a infância possuem o direito a cuidados e assistência especiais, assim como
todas as crianças, nascidas dentro ou fora do casamento, devem ter a mesma
proteção social.
Dessa forma, o conteúdo trabalhista incorporado nos documentos
internacionais demonstra um verdadeiro diálogo das fontes existente entre o direito
do trabalho e o direito internacional. Como reflexo, concluímos que este último trata
os direitos da mulher trabalhadora de forma vantajosa e privilegiada.
A fim de esclarecer brevemente a teoria do diálogo das fontes acima
mencionado, Cláudia Lima Marques sintetiza: 247
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 248
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 249
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 250
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019. 251
Disponível em: https://www.ilo.org. Acesso em: 5 nov. 2019.
79
Erik Jayme, ao analisar o reflexo da cultura da comunicação no direito, afirma que o fenômeno mais importante, nesta sua nova teoria dos reflexos da pós-modernidade no direito internacional privado, é que “a solução dos conflitos de leis emerge agora de um diálogo entre as fontes as mais heterogêneas”. Os direitos humanos, os direitos fundamentais e constitucionais, os tratados, as leis e códigos, “estas fontes todas não mais se excluem, ou não mais se revogam mutuamente; ao contrário, elas ‘falam’ umas às outras e os juízes são levados a coordenar estas fontes ‘escutando’ o que as fontes ‘dizem’”.
252
Ainda nas palavras da autora:
A teoria do diálogo das fontes é, em minha opinião, um método da nova teoria geral do direito muito útil e pode ser usada na aplicação de todos os ramos do direito, privado e público, nacional e internacional, como instrumento útil ao aplicador da lei no tempo, em face do pluralismo pós-moderno de fontes, que não parece diminuir no século XXI.
253
Demais disso, na área trabalhista, quando do estudo das suas fontes,
utilizamos a regra prevista no artigo 8º da CLT que autoriza a aplicação do direito
comparado ao ordenamento jurídico trabalhista, quando ausente qualquer
disposição legal ou contratual.
É o que explica Carla Teresa Martins Romar:
Alguns autores incluem entre as fontes do Direito do Trabalho os tratados internacionais que tratem de matéria trabalhista e as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Outros autores, porém, entendem que os tratados e as convenções internacionais, à medida que são ratificados e ingressam no ordenamento do país, devem ser incluídos no conceito de lei em sentido amplo, não devendo ser destacados como fonte específica do Direito do Trabalho.
254
Nessa ordem de ideias, conforme observa Mauricio Godinho Delgado, a
recente jurisprudência da Suprema Corte elenca que, quando ingressarem na ordem
jurídica interna, os tratados e as convenções internacionais possuem o status de
norma infraconstitucional. Mas, se forem documentos referentes aos direitos
humanos, adquirem status supralegal.255
Importante lembrar que, com o advento da Reforma do Poder Judiciário
(Emenda Constitucional n. 45/2004), se observado o disposto no artigo 5º, § 3º, c/c
252
MARQUES, Cláudia Lima (coord.) Diálogo das fontes. Do conflito à coordenação de normas do direito
brasileiro. São Paulo: RT, 2012, pp. 18-19. 253
MARQUES, Cláudia Lima (coord.) Diálogo das fontes. Do conflito à coordenação de normas do direito
brasileiro. São Paulo: RT, 2012, p. 21. 254
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, pp. 73-
74. 255
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 181.
80
artigo 60, § 2º da Constituição Federal de 1988, a normativa internacional com
conteúdo humanista adquiriu status de Emenda Constitucional.256
Questiona-se, no entanto, qual seria a norma aplicável na hipótese de conflito
entre a normativa interna e internacional. Sabemos, quando do estudo do direito do
trabalho, que as regras preponderantes são as mais favoráveis ao trabalhador,
conforme princípio expresso no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 e
destacado por Carla Teresa Martins Romar:
A aplicação da regra da norma mais favorável torna flexível a hierarquia das normas trabalhistas, devendo ser considerada como mais importante, em cada caso concreto, a norma mais favorável ao trabalhador, ainda que esta não seja a Constituição Federal ou uma lei federal.
257
Por seu turno, expõe Mauricio Godinho Delgado:
O mesmo se aplica a normas de tratados e convenções internacionais sobre direitos individuais e sociais trabalhistas — que têm óbvia natureza de Direitos Humanos. Dessa maneira, em situação de aparente conflito entre preceitos internacionais ratificados (Convenções da OIT, por exemplo) e preceitos legais internos, prevalece o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, quer no que tange ao critério de solução do conflito normativo, quer no que diz respeito ao resultado interpretativo alcançado.
258
256
Para aprofundar o tema, a doutrina de Valério Mazzuoli, que coincide, no Supremo Tribunal Federal, com o entendimento do Ministro Celso de Mello, defende que todos os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e em vigor possuem status de norma constitucional (artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988). Não importa o quórum de aprovação do tratado. Disso resulta que tais tratados são também paradigmas de controle da produção normativa doméstica. É o que se denomina controle de convencionalidade das leis, o qual pode se dar tanto pela via de ação (controle concentrado) quanto pela via de exceção (controle difuso). Nessa toada, os demais tratados internacionais, não relacionados com os direitos humanos, possuem o status de supralegalidade. Com isso, o sistema brasileiro de controle da produção normativa doméstica também contaria (após a Emenda Constitucional n. 45/2004) com um controle jurisdicional da convencionalidade das leis e de supralegalidade das normas infraconstitucionais. Em sentido diverso, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, reconheceu que os tratados de direitos humanos possuem o status supralegal. Duas eram as correntes em pauta: a do Ministro Gilmar Mendes, que sustentava o valor supralegal desses tratados, e a do Ministro Celso de Mello, que lhes conferia valor constitucional. Dessa forma, para a Suprema Corte, c aso um tratado venha a ser aprovado pelas duas casas legislativas com quórum qualificado e ratificado pelo Presidente da República, terá ele valor de Constituição Federal de 1988 (art. 5º, § 3º, Constituição Federal de 1988). Fora disso, todos os tratados de direitos humanos vigentes no Brasil contam com valor supralegal. Na ordem jurídica brasileira, o Tratado de Marraqueche e a Convenção de Nova Iorque (ou Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) e o seu Protocolo Facultativo (Decreto n. 6.949/2009) foram aprovados no quórum do artigo 5º, § 3º, Constituição Federal de 1988, possuindo status de Emenda Constitucional, servindo de parâmetro de controle. Nessa altura, devemos ressalvar que o controle de convencionalidade concentrado teria o mesmo significado do controle de constitucionalidade concentrado porque os tratados com aprovação qualificada equivalem a uma Emenda Constitucional. Nesse sentido, com relação ao controle de convencionalidade concentrado, é possível defender a possibilidade de ADI, ADC, ADO e ADPF. Por sua vez, o controle difuso de convencionalidade não se confunde com o controle de constitucionalidade, que ocorre quando há antinomia entre uma lei e a Constituição Federal de 1988. O controle difuso de convencionalidade de tratados com status supralegal pode ser invocado perante qualquer juízo e deve ser feito por qualquer juiz. 257
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, pp. 56-
57. 258
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, pp. 182-183.
81
Nesse deslinde, temos ainda as Recomendações da OIT, que não são fontes
formais do direito trabalhista, pois sequer geram direitos e obrigações aos
indivíduos, entretanto, possuem o caráter de fonte jurídica material, pois induzem os
Estados a aperfeiçoarem sua legislação interna.259
Em conclusão, temos que toda essa normativa internacional, além de vigorar
no Brasil, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e serve de parâmetro
para o controle de convencionalidade.
1.5 A evolução da matéria na legislação brasileira
Conforme adverte Léa Elisa Silingowschi Calil:
Um dos aspectos mais importantes de se passar a limpo a História do Trabalho e do Direito do Trabalho da Mulher no Brasil é demonstrar a peculiaridade do tratamento legal dado à mulher, ou seja, que o Direito do Trabalho da Mulher não caminhou pari passu com o Direito do Trabalho ‘do homem’.
260 [...] Obviamente, algumas das diferenças entre as legislações
aplicadas a cada gênero surgiram da real desigualdade entre eles, tanto que certas proteções legais que advieram de lei se mantêm necessárias até hoje, porém outras tantas se mostram mais como fruto do preconceito, do desconhecimento científico acerca da fisiologia feminina do que propriamente como benefício concedido às mulheres.
261
Tecidas essas premissas, inicialmente nos propusemos aprofundar na matriz
constitucional. Diante do atual cenário, portanto, pesquisaremos o que reporta as
peculiaridades da doutrina do neoconstitucionalismo, que constata um amplo
conjunto de alterações ocorridas com o transcorrer do tempo no Estado e no direito
constitucional.
O neoconstitucionalismo alterou significativamente “o sistema de
referenciamento do direito do trabalho, permitindo uma ressignificação da legislação
do trabalho, à luz de valores democráticos e humanistas, tão reclamados na relação
entre capital e trabalho”.262 Para Daniela Muradas Reis:
A expressão neoconstitucionalismo, como nota Daniel Sarmento, não corresponde “a uma concepção teórica clara coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes”. Trata-se, em verdade, de um centro gravitacional em construção, que congrega ao redor de si vertentes
259
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 183. 260
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, pp. 11-12. 261
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, pp. 11-12. 262
REIS, Daniela Muradas. Neoconstitucionalismo e o direito do trabalho: as dinâmicas de interação entre a Constituição e a legislação trabalhista. Revista de Direito do Trabalho, ano 41, n. 63, São Paulo: RT, 2015.
82
teóricas, abordagens institucionais e práticas jurídicas de grande protagonismo na contemporaneidade, passando, também a influenciar largamente muitos ramos tradicionais do direito”.
263
Conforme explica Marcelo Novelino, há três acepções nas quais o termo
neoconstitucionalismo costuma ser empregado:
I) como modelo específico de organização jurídico-política, cujos traços característicos, esboçados a partir da Segunda Guerra Mundial, ganham contornos mais definitivos no final do século XX (neoconstitucionalismo como modelo constitucional); II) como teoria do direito utilizada para descrever e operacionalizar este novo modelo constitucional (neoconstitucionalismo teórico); e III) como ideologia que valora positivamente as transformações ocorridas nos sistemas constitucionais (neoconstitucionalismo ideológico).
264
Ao utilizarmos a primeira acepção (como modelo específico de organização
jurídico-política), afirmamos que o marco histórico dessas alterações consiste na
formação do Estado Constitucional de Direito, que teve início logo após a Segunda
Guerra Mundial, ou seja, ao longo das últimas décadas do século XX. A partir deste
momento, constatamos o reconhecimento da força normativa da Constituição.
Nesse cenário, para verificar se uma norma jurídica é válida, basta
compatibilizá-la com o texto constitucional. Portanto, é possível verificar a mudança
de paradigmas, pois o Estado Legislativo de Direito deu lugar ao Estado
Constitucional de Direito.
Por derradeiro, frisamos o pós-positivismo como marco filosófico, pois o
direito e a ética se reaproximam, visto que o princípio da dignidade humana ganhou
preponderância. Por se reconhecer a centralidade dos direitos fundamentais, houve
a busca pela sua concretização e pela garantia de condições mínimas de existência
aos indivíduos.
Nas palavras de Pedro Lenza:
O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e a aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de
263
REIS, Daniela Muradas. Neoconstitucionalismo e o direito do trabalho: as dinâmicas de interação entre a Constituição e a legislação trabalhista. Revista de Direito do Trabalho, ano 41, n. 63, São Paulo: RT, 2015. 264
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 65.
83
uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia.
265
Houve, portanto, um verdadeiro processo de constitucionalização de direitos.
A Constituição adquiriu um forte conteúdo axiológico ao incorporar valores, como os
da justiça social, moralidade e equidade. Nessa linha, no pós-positivismo, os
princípios passaram a ser vistos como normas jurídicas, e não apenas como meios
de integração do ordenamento jurídico.
Destarte, as Constituições passam a incorporar cada vez mais os princípios, a
exemplo da Constituição Federal de 1988. No caso da área trabalhista, que é a área
social do direito no sentido amplo, ou a área do trabalho, a Constituição brasileira,
por exemplo, incorporou diversos princípios denominados pela doutrina mais
atualizada de princípios constitucionais do trabalho.266
Dentre eles, estão o princípio da dignidade da pessoa humana; o da
centralidade da pessoa humana na vida social e na ordem jurídica; o princípio da
inviolabilidade do direito à vida; a inviolabilidade física e psíquica da pessoa
humana; o princípio da segurança no seu sentido amplo, inclusive humanístico e o
princípio da igualdade em sentido material.
Vale lembrar que as mulheres integram a categoria dos grupos vulneráveis e
que a análise dos direitos humanos desses grupos excepciona o princípio da
igualdade formal – que preconiza que todos são iguais perante a lei – erigido no
Estado Liberal, para consagrar o da igualdade material ou substancial, que
reconhece as particularidades de cada indivíduo envolvido em dada situação
jurídica. Pelo princípio da igualdade material ou substancial deve-se tratar os iguais
de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas
desigualdades.267
Destacamos também o princípio da norma mais favorável, que a Constituição
Federal de 1988 incorporou de maneira bastante clara em seu artigo 7º e o princípio
da vedação do retrocesso, dentre vários outros.
Para melhor entender a classificação pontuada, Mauricio Godinho Delgado
esclarece:
265
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 117. 266
Nesse sentido, citamos a doutrina de Mauricio Godinho Delgado. 267
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 117.
84
Arrolam-se, de maneira sintética, os seguintes princípios constitucionais do trabalho: a) princípio da dignidade da pessoa humana; b) princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica; c) princípio da valorização do trabalho e do emprego; d) princípio da inviolabilidade do direito à vida; e) princípio do bem-estar individual e social; f) princípio da justiça social; g) princípio da submissão da propriedade à sua função socioambiental; h) princípio da não discriminação; i) princípio da igualdade, especialmente a igualdade em sentido material; j) princípio da segurança; k) princípio da proporcionalidade e da razoabilidade; l) princípio da vedação do retrocesso social.
268
Por derradeiro, o caráter principiológico das Constituições, e da brasileira em
particular, e a presença de princípios humanísticos sociais, inclusive trabalhistas, é
uma característica marcante, fundamental, decisiva e inviolável do
constitucionalismo moderno, contemporâneo e atual.
É também característica desse constitucionalismo a presença de direitos
humanos sociais, culturais e econômicos, portanto, naturalmente, também de
direitos humanos trabalhistas, como direitos individuais constitucionais
fundamentais, tema extremamente relevante para a análise do contexto recente
vivenciado.
Nessa linha, o marco teórico consiste em alterações que compreendem a
força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o
desenvolvimento de uma nova dogmática que interpreta a Constituição.
Sobre o tema, Pedro Lenza reforça:
Dentro da ideia de força normativa (Konrad Hesse), pode-se afirmar que a norma constitucional tem status de norma jurídica, sendo dotada de imperatividade, com as consequências de seu descumprimento (assim como acontece com as normas jurídicas), permitindo o seu cumprimento forçado. No contexto de expansão da jurisdição constitucional, Barroso observa que, “antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao Judiciário. Inúmeros países europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado à criação de tribunais constitucionais”. Ao confrontar regras (enunciados descritivos, aplicados de acordo com as regras de subsunção, isso quer dizer a aplicação e enquadramento do fato à norma) e princípios (normas que consagram valores), Barroso conclui no sentido de uma nova dogmática da interpretação constitucional, não mais restrita à denominada interpretação jurídica tradicional.
269
268
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 227. 269
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 117-118.
85
No mais, as normas constitucionais passaram a ser o centro do sistema
jurídico. Além de estarem, do ponto de vista formal, no topo do ordenamento
jurídico, também são paradigmas interpretativos de todos os outros ramos do direito,
inclusive do direito do trabalho e, em especial, quando se trata do trabalho da
mulher.
Uma das características marcantes do neoconstitucionalismo é a centralidade
da Constituição e dos direitos fundamentais, rotulada comumente pela expressão
“constitucionalização do direito”.
Podemos organizar a ideia de constitucionalização do direito em três
aspectos. O primeiro deles seria a consagração de normas de outros ramos do
direito na Constituição. O segundo aspecto é a chamada filtragem constitucional,
consistente no fenômeno pelo qual toda a ordem jurídica deve ser lida e aprendida
sob as lentes da Constituição, de maneira a realizar os valores nela consagrados.
Assim, sob a égide do neoconstitucionalismo, a Constituição assumiu a
posição de centralidade no ordenamento, cujos preceitos são dotados de
normatividade e se irradiam para os outros ramos do direito. Os Códigos, inclusive,
devem ser todos interpretados à luz da Carta Magna.
O último aspecto de nossa análise consiste na eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, que implica aplicar esses direitos às relações entre particulares.
Para melhor esclarecer a teoria citada, destacamos os ensinamentos de
Marcelo Novelino:
Na doutrina liberal clássica os direitos fundamentais são compreendidos como limitações ao exercício do poder estatal, restringindo-se ao âmbito das relações entre o particular e o Estado (direitos de defesa). Por esta relação jurídica ser hierarquizada, de subordinação, utiliza-se a expressão eficácia vertical dos direitos fundamentais. Não obstante, a constatação de que a opressão e a violência contra os indivíduos são oriundas não apenas do Estado, mas também de múltiplos atores, privados, fez com que a incidência destes direitos fosse estendida ao âmbito das relações entre particulares. A projeção dos direitos fundamentais a estas relações, nas quais os particulares se encontram em uma hipotética relação de coordenação (igualdade jurídica), é denominada eficácia horizontal (ou privada, ou externa ou em relação a terceiros) dos direitos fundamentais. Mais recentemente, parte da doutrina tem utilizado a expressão eficácia diagonal para designar a aplicação dos direitos fundamentais àquelas relações contratuais entre particulares nas quais há um desequilíbrio fático e/ou jurídico entre as partes envolvidas, tais como as relações trabalhistas e consumeristas.
270
270
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 313.
86
Por outro viés, conforme ensina Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza
Neto, a constitucionalização do direito se divide em duas vertentes de compreensão:
a constitucionalização-inclusão e a constitucionalização releitura.
A constitucionalização-inclusão consiste no zelo da Constituição, na
preocupação voltada a temas de grande relevância, antes apenas conteúdo da lei
ordinária. Podemos dizer, portanto, que qualquer disciplina jurídica pode encontrar
um ponto em comum com a Constituição, fenômeno denominado ubiquidade
constitucional.271
A constitucionalização-releitura traduz a impregnação de todo o ordenamento
pelos valores constitucionais. Neste caso, os institutos, conceitos, princípios e
teorias de cada ramo do direito sofrem uma releitura à luz da Constituição. Portanto,
a Constituição se torna protagonista na interpretação do direito infraconstitucional,
conforme expressão de Paulo Bonavides: “ontem, os Códigos; hoje, a
Constituição”.272
Dito isso, é de suma importância para nossa pesquisa reconhecer o direito
constitucional do trabalho como segmento do direito trabalhista lato sensu.
O direito do trabalho constitucionalizado foi fruto da Constituição do México,
de 1917, e da Constituição da Alemanha, de 1919. Ambas firmaram regras
trabalhistas, o que tencionou para as novas Constituições inserirem, ao seu final,
título ou capítulo direcionado à “ordem econômica e social” e aos “direitos sociais”,
especialmente os de seguridade social e os trabalhistas.
Entretanto, conforme lembra Mauricio Godinho Delgado, apenas com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, é que podemos concretizar
efetivamente, pelo viés científico, o surgimento de um verdadeiro direito
constitucional do trabalho no país.273
Desta feita, conforme observa Léa Elisa Silingowschi Calil, o direito trabalhista
feninino pode ser elencado em três grandes grupos ou três grandes ondas de
271
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Fundamentalização e fundamentalismo na interpretação do princípio da livre iniciativa. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (org.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 710. 272
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Fundamentalização e fundamentalismo na interpretação do princípio da livre iniciativa. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (org.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 710. 273
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 65.
87
transição. A primeira delas trata-se da proibição e da proteção; a segunda, da
proteção à promoção da igualdade; e a terceira cuida do direito promocional. 274
Em breves notas, ressaltamos que na época da proibição, a mulher era
excluída de qualquer legislação trabalhista. É o período que cronologicamente se
inicia com a República e segue até a implantação do Estado Novo, pouco antes da
promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho.
Já quando analisamos o tempo de proteção, a legislação protegia a mulher
trabalhadora, proibindo-a de exercer inúmeras atividades. No entanto, essas
proibições vão sendo suprimidas ao longo do tempo. Tal período compreende a
promulgação do Texto Consolidado em 1943 até o início da Constituinte de 1985.
Por fim, o tempo do direito promocional segue desde a Constituição Federal
de 1988 até os dias atuais.
Com efeito, é extremamente relevante para esse estudo pontuarmos a
evolução do trabalho da mulher nas Constituições brasileiras.
A Constituição de 1934 garantiu a proibição da discriminação do trabalho da
mulher com relação aos salários (artigo 121, § 1º, “a”); vedou o trabalho da mulher
em serviços insalubres (artigo 121, § 1º, “d”); garantiu o repouso remunerado para a
gestante (artigo 121, § 1º, “h”); e garantiu a constituição dos serviços de amparo à
maternidade (artigo 121, § 3º).
Em mais detalhes, observamos que até 1934 somente normas
infraconstitucionais ressalvavam a situação da mulher trabalhadora, tendo em vista
que a Constituição do Império – outorgada em 25 de março de 1824 – e a
Constituição de 1891 foram omissas no tocante à matéria. 275
A crise econômica provocada em 1929 e os diversos movimentos sociais que
clamavam por melhores condições de trabalho auxiliaram para a promulgação da
Constituição de 1934. Esta fora influenciada pela Constituição de Weimar da
Alemanha, de 1919, em razão do seu conteúdo social, sendo o primeiro texto
constitucional do Brasil a garantir direitos à trabalhadora gestante.
Observamos que no Título IV da Constituição de 1934, que tratava da ordem
econômica e social, o § 1º do artigo 121 preconizava a igualdade de salário, vedava
o trabalho de gestantes em ambientes insalubres e garantia a assistência médica e
sanitária à gestante, concedendo-lhe descanso antes e depois do parto, sem 274
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, p. 13. 275
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, pp. 409-410.
88
prejuízo do salário e do emprego. Instituiu também os benefícios da previdência,
mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da
velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidente de trabalho ou de
morte.
Ademais, o artigo 141 determinava o amparo à maternidade e à infância, em
todo o território nacional, motivo pelo qual a União, os Estados e os Municípios
deveriam destinar 1% das respectivas rendas tributárias a fim de que tal proteção
fosse verdadeiramente efetiva.276
Por sua vez, a Constituição de 1937 277 foi omissa quanto à garantia de
emprego à gestante; mas assegurou “assistência médica e higiênica ao trabalhador
e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso
antes e depois do parto” (artigo 137, l).
Embora a Constituição de 1937 tenha mantido “[...] o preceito formal de
igualdade de todos perante a lei, extirpou o dispositivo da Constituição anterior que
proibia a diferença de salário por motivo de sexo.” 278 Tal omissão deu espaço para
o Decreto-Lei n. 2.548/1941, que determinou a redução do salário das mulheres em
10% em relação ao salário pago aos homens. É o que observamos do seu artigo 2º.
Nesse cenário, o artigo 157, II e IX, da Constituição de 1946 manteve as
proibições de diferenças quanto aos salários e de trabalho em atividades insalubres,
inclusive o direito da gestante ao descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do
emprego nem do salário (artigo 157, X); reconheceu as assistências sanitária,
hospitalar e médica à gestante (artigo 157, XIV) e a previdência em favor da
maternidade (artigo 157, XVI).
Portanto, a Constituição de 1946 279 , no que diz respeito ao direito das
empregadas, voltou a garantir isonomia salarial entre homens e mulheres280 e a
estabilidade das gestantes281, nos termos previstos na Constituição de 1934.
Com a Lei n. 4.121/1962 (Estatuto da Mulher Casada), a mulher casada
deixou de ser considerada relativamente incapaz. Até então, de acordo com o artigo
6º, II do Código Civil de 1916, a mulher precisava do consentimento do seu marido 276
Constata-se, assim, que até o início da década de 1940, várias normas legais trabalhistas foram editadas para atender condições específicas. Essa situação mudou em 1º de maio de 1943 quando a CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, entrou em vigor, reunindo todas as leis esparsas vigentes à época sobre direito individual do trabalho, direito coletivo do trabalho e direito processual do trabalho. 277
Outorgada em 10 de novembro de 1937. 278
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 411. 279
Promulgada em 18 de setembro de 1946. 280
Constituição Federal (1946). Artigo 157, II. 281
Constituição Federal (1946). Artigo 157, X.
89
para trabalhar. Por sua vez, o Estatuto do Trabalhador Rural, que entrou em vigor
em 02 de março de 1963, por meio da Lei 4.214 determinava:
[...], basicamente, buscou assegurar aos rurais quase os mesmos direitos garantidos aos trabalhadores urbanos. O Estatuto do Trabalhador Rural acabou revogado pela Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973, cujo critério foi o da extensão aos trabalhadores rurais da legislação trabalhista aplicável ao trabalhador urbano, salvo algumas restrições, o que não alterou substancialmente o seu elenco de direitos. Assim, não houve qualquer legislação especial aplicável à mulher rurícola que não fosse a que já era garantida à mulher que executasse trabalho considerado urbano.
282
Nessa ordem, as garantias da Constituição de 1946 foram mantidas na
Constituição de 1967, que incluiu o direito da mulher à aposentadoria aos 30 anos
de trabalho, com salário integral, conforme verificado no artigo 158, XX.
Pois bem, passados mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição
de 1946, o novo Texto Constitucional começou a vigorar em 15 de março de 1967. A
Constituição de 1967 renovou ao vedar a diferença de salários e de critérios de
admissão por motivo de sexo, cor e estado civil 283 e ao garantir à mulher
aposentadoria, aos trinta anos de trabalho, com salário integral284.
Com a perspectiva de coibir a discriminação das mulheres no concorrido
mercado de trabalho, o Decreto n. 75.207, de 10 de janeiro de 1975, que
regulamentou a Lei n. 6.136, de 07 de novembro de 1974, em observância à
Convenção n. 103 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil
em 1952, transferiu o custo do salário-maternidade para a Previdência Social. 285
Desse modo, a partir de 1974, o salário-maternidade passou a constituir prestação
previdenciária. Por seu turno, a Emenda Constitucional n. 1/1969 manteve as
garantias e as proibições das anteriores.
Nessa perspectiva, a partir da Constituição Federal de 1988, iniciou-se o
direito promocional das mulheres, em que se busca promover a igualdade de
gêneros. Assim, na Carta de 1988, destacamos os artigos 5º, 7º, 201 e o artigo 10,
II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O artigo 5º, I, trata da
igualdade entre os homens. O artigo 7º garante a licença à gestante de 120 dias,
sem prejuízo do emprego e do salário; a proteção do mercado de trabalho da
282
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, p. 49. 283
Constituição Federal (1967). Artigo 158, I. 284
Constituição Federal (1967). Artigo 158, XX. 285
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 419.
90
mulher, mediante incentivos e a proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo.
Sobre os preceitos constitucionais de 1988, Arnaldo Süssekind ressalta:
O art. 5º da Carta Política de 1988, ao relacionar os direitos fundamentais do ser humano, estatui: “I – Homens e mulheres são iguais em seus direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. E, no art. 7º, prescreveu: “XVIII – licença a gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;” [...] “XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;” “XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. Acompanhando a tendência já referida no direito internacional, não repetiu a proibição do trabalho da mulher em indústrias insalubres, que constava do Estatuto Político de 1967 (art. 165, X), restringindo essa vedação aos menores de dezoito anos (art. 7º, XXXIII). Por seu turno, proibiu, por motivo de sexo, “a diferença de salário, de exercício de funções e de salário de admissão (art. 7º, XXX)”. Em razão dessas normas, a Secretaria de Relações do Trabalho, em instrução dirigida ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, acentuou que se tornaram aplicável ao trabalho feminino as normas gerais da CLT concernentes à jornada de trabalho, as horas extraordinárias, a compensação de horário na semana e ao serviço noturno. Por seu turno, a Lei Maior manteve, como encargo da Previdência Social, “a proteção à maternidade, especialmente a gestante” (art. 201, III). E inovou a matéria, dispondo sobre o salário-paternidade (art. 7º, XIX).
286
Merece destaque também o artigo 201, II, sobre o seguro-maternidade e o
artigo 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que trata da
garantia de emprego à mulher gestante, da confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto.
Desse modo, no estudo das Constituições brasileiras observamos uma
normativa preocupada com a igualdade de trabalho e a maternidade, inclusive as
Constituições não democráticas de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1/1969.
Nesse deslinde, visando analisar a evolução da legislação protecionista
inerente ao trabalho da mulher no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro,
entendemos necessário frisar em especial o desenvolvimento das leis
infraconstitucionais trabalhistas brasileiras.
Em primeira monta, diversamente do ocorrido na Europa 287 , no Brasil,
somente com a assinatura da Lei Áurea em 1888, no final do século XIX, foi abolida
a escravidão dos negros trazidos da África. Como consequência, criaram-se
286
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, pp. 517-518. 287
Que, desde o século XVIII, via-se às voltas com movimentos de trabalhadores exigindo melhores condições de trabalho.
91
diversos postos de trabalho, especialmente na agricultura. Ademais, passou-se a ter
um contingente muito maior de trabalhadores livres.
Poucos assalariados existentes antes da abolição da escravatura tinham suas
relações de trabalho reguladas como relações de serviço. Portanto, até então, o
Brasil não contava com uma legislação que normatizasse o trabalho subordinado. 288
Com o findar da escravidão e, em razão da expansão das fronteiras agrícolas,
ao longo dos anos, o Brasil sofreu um déficit de mão de obra no campo. A fim de
resolver a questão, o governo começou a incentivar a imigração europeia, criando
um programa que concedia benefícios aos imigrantes europeus para que viessem
ao Brasil trabalhar na área rural, principalmente nas fazendas de café na cidade de
São Paulo. 289
Acostumados a gozar da força de trabalho alheia em troca de nenhum
pagamento, como perdurou durante a escravidão, os donos das fazendas cafeeiras
tentaram manter o mesmo sistema, explorando os imigrantes. Consequentemente,
conforme ensina Carlos Bernardo Vainer: “As duríssimas condições impostas aos
imigrantes pelos contratos de parceria e a prepotência dos fazendeiros não
tardariam a provocar reclamações, deserções, greves e verdadeiras revoltas.”290
Nessa conjuntura, muitos dos imigrantes repeliram as atividades do campo e
permearam para os centros urbanos, fato que coincidiu com o início da
industrialização no Brasil e provocou transformações nas relações de trabalho no
país.
Com a industrialização, a mão de obra feminina, que até então se dedicava
ao pequeno comércio de quitandas, frutos e hortaliças, passou a ser empregada em
larga escala, principalmente nas indústrias têxteis.
Neste período, os trabalhadores – que eram homens, mulheres e crianças –
submetiam-se a jornadas extensas e precárias condições de trabalho. Em razão
disto, logo surgiram os primeiros movimentos de reivindicação da classe
trabalhadora brasileira e a necessidade de se criar instrumentos para solucionar os
conflitos oriundos das novas relações de trabalho.
288
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, p. 21. 289
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. O Brasil dos imigrantes. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 35. 290
VAINER, Carlos Bernardo. Do corpo marcado ao território demarcado: uma leitura da transição para o trabalho livre como ponto de partida para uma história da mobilidade do trabalho no Brasil. Cadernos de migração. São Paulo, n. 7, 2000, p. 76.
92
Dessa forma, em 1912, começou a tramitar no Congresso Nacional o primeiro
projeto de Código do Trabalho, que tinha como um dos seus objetivos regular o
trabalho feminino, o qual estabelecia que a mulher poderia:
[...] contratar emprego independentemente de autorização do marido, que lhe era vedado o trabalho noturno, que a jornada de trabalho não poderia exceder de 8 horas e que se poderia licenciar de 15 a 25 dias antes do parto e até 25 dias depois, com garantia de retorno ao emprego e percepção de um terço do salário no primeiro período e metade no segundo
291.
No entanto, as ideias conservadoras que impulsionavam a sociedade e o
parlamento foram mais fortes, o que levou à rejeição do projeto.
José Segadas Vianna esclarece que a reação contra todo o projeto
[...] foi enérgica e os dispositivos sobre o trabalho feminino provocaram violentos debates. O Deputado Raul Cardoso entendia que permitir o trabalho feminino independente da autorização marital era “expor a honra da mulher do operário a discussões judiciais; Ottoni Maciel afirmava que “os maridos ficam em uma posição muito secundária” e Augusto de Lima dizia, zangado, que “seria a repetição de uma disposição profundamente imoral e desorganizadora do lar”; no entanto, falando sobre as operárias, declarava que “essas moças são maltratadas e prestam serviços superiores às suas forças”.
292
Não obstante, no âmbito estadual, a Lei n. 1.596/1917, que reorganizou o
serviço sanitário de São Paulo, proibia o trabalho das mulheres durante o último mês
de gravidez e o primeiro do puerpério nos estabelecimentos industriais, conforme
seu artigo 95293.
No plano federal, o Decreto n. 16.300/1923, aprovou o Regulamento do
Departamento Nacional de Saúde Pública. Foi a primeira norma a facultar às
mulheres que trabalhavam em estabelecimentos comerciais e industriais, repouso
de 30 dias antes e 30 dias depois do parto. 294
Este diploma legal também previa que tais estabelecimentos facultassem às
empregadas ou operárias que estivessem amamentando os filhos “o ensejo
necessário ao cumprimento desse dever”.295
291
VIANNA, José Segadas et al. Instituições de direito do trabalho. v. 1. 22. ed. Atualizada por Arnaldo
Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr., 2005, p. 979. 292
VIANNA, José Segadas et al. Instituições de direito do trabalho. v. 1. 22. ed. Atualizada por Arnaldo
Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr., 2005, p. 979. 293
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 413. 294
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr., 1995, p. 413. 295
Decreto n. 16.300/1923, que aprovou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública. Artigo 348.
93
Por seu turno, o Decreto n. 16.300/1923 fixava, no seu artigo 349, a
organização de “caixas a favor das mães pobres” e, com o intuito de proteger as
crianças, a criação de creches ou salas de amamentação localizadas próximas da
sede das empresas ou indústrias para que as mães, duas ou três vezes durante a
jornada, pudessem amamentar seus filhos 296 ; no entanto era omisso quanto à
duração desses intervalos.
Nesse passo, importante insistir que o primeiro diploma legal a tratar
unicamente da tutela do trabalho feminino foi o Decreto n. 21.417-A, de 17 de maio
de 1932. Ele regulamentou as condições de trabalho das mulheres nos
estabelecimentos industriais e comerciais, e estabeleceu, em seu artigo 1º, que a
todo trabalho de igual valor corresponderia salário igual, sem distinção de sexo. 297
Também vedou o trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e
comerciais, públicos ou particulares, no período noturno, ou seja, das 22 horas de
um dia até às 5 horas do dia seguinte, exceto em situações especiais do artigo 3º.
Ademais, proibiu o trabalho feminino nos subterrâneos, nas minerações, em
subsolo, nas pedreiras e obras de construção pública ou particular, como também
nos serviços perigosos e insalubres298, constantes do anexo:
I – Emanações nocivas: fabricação e manipulação com ácidos fosfórico, acético, azótico, pícrico, salicílico e sulfuroso; fabricação e depósito de adubos químicos, de composição mineral ou orgânica; fabricação de anilinas e produtos derivados; tratamento da borracha com enxofre, clorureto de enxofre, éter, sulfureto de carbono, benzina, nafta; câmaras frias em que haja vapores ácidos ou de amoníaco; fabricação de carvão animal; fabricação de cloro, de hipoclorureto de ácido e de compostos ou preparados contendo cloro ativo, sulfato de cobre e outros compostos tóxicos de cobre; cortimento e preparação de couros por processos químicos; quaisquer trabalhos com chumbo, dissolventes químicos voláteis e inflamáveis; destilação de carvão de pedra, de madeira, xistos betuminosos, querosene, óleos minerais, resinas, alcatrão de origem vegetal ou animal; destilação de líquidos alcoólicos; douradura, trabalhos com esmalte, estanhagem de vidros e espelhos, fabricação dos éteres sulfúrico e acético, galvanoplastia, fabricação de gelatina; impermeabilização de tecidos com produtos voláteis e inflamáveis, benzina, nafta, etc.; limpeza e trabalho nos matadouros, trabalhos com mercúrio, extração de óleos por meio de dissolventes químicos voláteis, refinação de ouro por meio de ácidos, fabricação de sais de prata, trabalho com ácidos e produtos nocivos nas tinturarias. II – Perigo de acidentes: fabricação e manipulação dos ácidos sulfúrico e clorídrico, afiação de instrumentos e peças metálicas em rebolo ou a esmeril, fabricação e transporte de
296
Decreto n. 16.300/1923, que aprovou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública. Artigo 350. 297
RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Salário-maternidade. Curitiba: Juruá, 2009, p. 40. 298
Decreto n. 16.300/1923, que aprovou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública. Artigo 5º, b.
94
explosivos; depósito, manipulação e transporte de inflamáveis; fabricação de potassa, fabricação da soda, fabricação e aplicação do sulfureto de carbono; fabricação e aplicação, a quente, de vernizes fabricação de álcool, fabricação de óleos; III – Perigo de envenenamento: ácido oxálico, arsênico e seus compostos e preparados; fabricação do fósforo, excluindo-se, o empacotamento, manipulação com resíduos animais, dessecação, depósito e preparados de sangue, preparação ou aplicação de tintas que contenham produtos tóxicos. IV – Necessidade de trabalho atento e prudente: fabricação de colódio, celuloide e produtos nitrados análogos. V – Poeira e vapores nocivos: calcinação de minérios, pedra de cal, madeira, osso; trabalhos com peles.
De acordo com o artigo 6º da norma, o Ministro do Trabalho, Indústria e
Comércio poderia estabelecer derrogações totais ou parciais às proibições
existentes no quadro acima, quando comprovado que, mediante aplicação de novos
métodos de trabalho ou sistema de fabricação, ou pela adoção de medidas de
prevenção, desaparecesse o caráter perigoso determinante da proibição.
O artigo 7º do decreto, por oportuno, vedou o trabalho da mulher grávida,
durante um período de quatro semanas, antes do parto, e quatro semanas depois.
Esses lapsos temporais poderiam ser aumentados de até duas semanas cada um,
em casos excepcionais, comprovados por atestados médicos.
Igualmente, a referida norma facultou à trabalhadora gestante romper o
contrato de trabalho, desde que comprovasse, por meio de atestado médico, que o
labor desenvolvido prejudicava sua gestação299.
O Decreto n. 21.417-A/1932 também garantiu à mulher trabalhadora, durante
o período de afastamento que antecedia e sucedia ao parto, um auxílio
correspondente à metade dos seus salários, de acordo com a média dos seis
últimos meses, pago pelas Caixas criadas pelo Instituto de Seguridade Social e, na
falta destas, pelo empregador300.
A empregada tinha assegurado, ainda, o retorno às funções exercidas antes
do afastamento. No caso de aborto não criminoso, o decreto beneficiava a
empregada com um repouso remunerado de duas semanas, com garantia de
reverter ao lugar que ocupava301.
Para amamentar o próprio filho, o normativo legal dispunha que a
trabalhadora tinha direito a dois intervalos diários, de trinta minutos cada um,
durante os primeiros seis meses de vida do bebê. Nos estabelecimentos em que
299
Decreto n. 16.300/1923, que aprovou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública. Artigo 8º. 300
Decreto n. 21.417-A/1932, Artigos 9º e 14. 301
Decreto n. 21.417-A/1932, Artigo 10.
95
laborassem, pelo menos, 30 mulheres maiores de 16 anos de idade, o empregador
deveria providenciar local apropriado para que as crianças em período de
amamentação fossem mantidas sob a vigilância e assistência das mães302.
Finalmente, o Decreto n. 21.417-A não permitia aos empregadores despedir a
mulher grávida pelo simples fato da gravidez e sem outro motivo que justificasse a
dispensa, conforme previa em seu artigo 13.
Alice Monteiro de Barros enfatiza a notória influência desse Decreto no texto
do Capítulo III da CLT, em especial, nos seus artigos 391, 392, § 1º e 2º, 393, 394,
395 e 396.303
Traçando o percurso do tema, com o Decreto n. 24.273/1934, foi atribuído às
mulheres empregadas no comércio o direito ao auxílio-maternidade. Por sua vez, o
Decreto-Lei n. 2.548/1940 admitiu a possibilidade da redução do salário mínimo da
mulher.
Em 1973, com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho, foi mantida a
legislação protetora, suprimindo a discriminação do Decreto-Lei n. 2.548.
Mais tarde, em 1967, a CLT passou por diversas alterações por meio do
Decreto-Lei n. 229/1967, que previa um maior rigor quanto ao empregador em
relação ao local apropriado destinado à guarda de filhos de mulheres em período de
amamentação. Também proibia o trabalho da mulher em período de 4 semanas
antes e 8 semanas após o parto.
Com a Lei n. 7.855/1989, a CLT teve vários artigos revogados relacionados à
proteção do trabalho da mulher, adequando o texto consolidado às novas
necessidades do mercado de trabalho.
Foram revogados, portanto, o artigo 379 (proibia o trabalho noturno); o artigo
380 (especificava o trabalho em determinadas condições); os artigos 374 e 375
(disciplinavam a prorrogação e a compensação); o artigo 387 (dizia sobre o labor
nos subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras e obras de construção
civil, pública ou particular, e nas atividades perigosas e insalubres).
A Lei n. 9.799/1999 incorporou à CLT os artigos 373-A, 390-B a 390-E, e 392,
§ 4º. Com base nas normas internacionais citadas, e com o intuito de complementar
o sistema de proteção a partir de uma intenção de coibir práticas discriminatórias
contra a mulher, o artigo 373-A da CLT veda ao empregador:
302
Decreto n. 21.417-A/1932, Artigos 11 e 12. 303
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr., 2016, p. 706.
96
publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Mais tarde, a Lei n. 13.287/2016 acrescentou o artigo 394-A à CLT, para
proibir o trabalho da gestante ou lactante em atividades, operações ou locais
insalubres e a Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) alterou diversos dispositivos
concernentes ao trabalho da mulher, os quais serão objeto de estudo nos capítulos
próprios.
Após a lei reformista, a Lei n. 13.509/2017, que fomenta e facilita a prática da
adoção de crianças e adolescentes, acresceu-se um parágrafo único a essa
disposição celetista.
Foi alterado o caput do artigo 392-A da CLT para esclarecer que a licença-
maternidade que beneficia a empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para
fins de adoção também se aplica na hipótese de adoção de adolescente; alterou
ainda o caput do artigo 396 do mesmo diploma para estender à empregada adotante
o direito, durante a jornada de trabalho, a 2 descansos especiais de meia hora cada
um, até que a criança complete 6 meses de idade.
Após discorrer sobre todo esse caminho evolutivo, percebemos que a
regulamentação jurídica de proteção da mulher trabalhadora ocupa-se dos seguintes
aspectos: a proteção à maternidade com paralisações forçadas, descansos
obrigatórios maiores e imposição de condições destinadas a atender à sua situação
de mãe. Também na defesa do salário, objetivando evitar discriminações em
detrimento da mulher; proibições, quer quanto à duração diária e semanal do
trabalho, quer quanto a determinados tipos de atividades prejudiciais.304
304
NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 40. ed.
São Paulo: LTr., 2015, p. 209.
97
Nesse deslinde, conforme destacam Amauri Mascaro Nascimento e Sônia
Mascaro Nascimento, a necessidade de tutela legal do trabalho da mulher é tese
que vem sendo questionada no Brasil, diante das tendências observadas nas leis
mais recentes, eliminando algumas proibições da atividade da mulher.305
Dessa forma, a doutrina diverge quanto à recepção ou não de diversas
normas constantes do capítulo celetista.
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, as disposições legais mais
favoráveis à empregada mulher existentes na CLT ainda continuam em vigor e
foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. Para o autor, somente os
artigos 374, 375, 376, 378, 379, 380 e 387 foram expressamente revogados pela
nova ordem constitucional. Assim, defende que todos os demais dispositivos
continuam vigentes, por sua compatibilidade com a Carta.306 Essa é a linha de
entendimento que pretendemos percorrer nesta pesquisa.
Por outro lado, Gustavo Filipe Barbosa Garcia argumenta que todas as
diferenças e restrições ao trabalho da mulher já haviam sido revogadas pelo atual
ordenamento jurídico constitucional. A Constituição Federal de 1988 assegura a
igualdade de sexo no artigo 5º, I, não havendo assim a recepção de inúmeros temas
do diploma celetista307:
Como se nota, foram excluídas do ordenamento jurídico as disposições que, embora com o objetivo inicial de proteção ao trabalho da mulher, estabeleciam restrições e diferenciações que não mais se justificavam. Tais medidas, surgidas em outro momento histórico, em vez de proteger, passaram a desencadear condutas discriminatórias, quanto ao gênero, por parte das empresas e dos empregadores, nos aspectos da admissão, exercício de funções e remuneração das mulheres no mercado de trabalho.
308
A importância dessa constatação para o presente estudo revela-se com a
recente Lei n. 13.467/2017. Os reflexos da Reforma Trabalhista às normas de
proteção do trabalho da mulher trouxe como problema central desta pesquisa o fato
de que o artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988 vem experimentando
movimentos de retração, pautados na influência política e de grande parte da
doutrina, face à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior
do Trabalho. 305
NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 40. ed.
São Paulo: LTr., 2015, p. 210. 306
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 697. 307
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: Gen, 2017, p. 602. 308
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: Gen, 2017, p. 602.
98
O dispositivo constitucional prevê a proteção ao mercado de trabalho da
mulher mediante incentivos legais específicos. Ao contrário do espírito dessa norma
constitucional, a Reforma Trabalhista introduziu mudanças claramente restritivas ao
âmbito protetivo desse direito fundamental da mulher, ao revogar o artigo 384 da
CLT e alterar as regras de trabalho em condições insalubres da trabalhadora
gestante e lactante.
Nossa linha de pesquisa não concerne aos fundamentos da maior parcela da
doutrina, que entende que as diversas medidas protetivas acabam gerando
discriminação, conforme demonstraremos em capítulos próprios. Ao contrário disso,
defendemos que a interpretação do artigo 5º, I da Constituição Federal de 1988 não
é absoluta e que a proteção da mulher gestante e lactante é um problema urgente.
Trata-se de uma preocupação candente, pois não são só as mulheres as
destinatárias das normas protetivas do seu trabalho. Uma nova legislação que não
garanta as efetivas medidas de ampliação da sua proteção no mercado de trabalho
pode encaminhar para um grande retrocesso com maus reflexos no futuro.
Como exemplo dessas efetivas medidas de ampliação da proteção da mulher,
citamos a Lei n. 9.029/1995 que determina regra antidiscriminatória, pois estipula
alguns parâmetros para os casos de dispensa baseada, dentre outros, na
discriminação por “sexo”. A norma reporta também à condição da mulher,
destacando como motivos discriminatórios a gestação, a natalidade e a
maternidade, dentre outros.
Por sua vez, Arnaldo Süssekind explica:
A Lei n. 11.340 de agosto de 2006 instituiu mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição, assim como da Convenção sobre a eliminação em todas as formas de violência contra a mulher, da Convenção interamericana para erradicar a violência contra a mulher e demais tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
309
Dessa forma, a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) determina em seu
artigo 9º, § 2º, II, que o juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica
e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, a manutenção do
vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até
seis meses.
309
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 521.
99
2 A PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER
A fim de obter melhor êxito em nossa pesquisa, recorreremos à hermenêutica
constitucional, que consiste na busca pelo entendimento quanto ao espírito da
norma.
Nessa perspectiva, Marcelo Novelino ensina:
As constituições possuem características que as diferenciam das demais leis, dentre elas: I) a superioridade hierárquica; II) a natureza principiológica de boa parte de suas normas, sobretudo, no âmbito dos direitos fundamentais; III) a variedade de seu objeto, no qual abrangidos os mais variados temas; IV) a diversidade do grau de eficácia e de efetividade de suas normas; V) a origem compromissória, marcada pela criação de normas orientadoras por valores plurais e, não raro, antagônicos entre si; e VI) a alta carga moral e política de alguns enunciados normativos, cuja interpretação tende a ser fortemente influenciada por fatores ideológicos.
310
Dessa forma, os elementos clássicos de interpretação, como por exemplo, o
elemento gramatical ou literal, sistemático, lógico, histórico e teleológico revelam-se
insuficientes para interpretar o conteúdo constitucional.
Essa conclusão levou juristas alemães a desenvolverem princípios e métodos
que buscam interpretar a Constituição de maneira específica. Dito isso, para esta
pesquisa, interessa o método hermenêutico-concretizador.
Nas palavras de Marcelo Novelino:
A teorização fundamental do método hermenêutico-concretizador foi desenvolvido por Konrad Hesse (1988) que, inspirado nas obras de Viehweg e Luhmann, sistematizou um conjunto de princípios interpretativos dirigentes e limitadores a serem utilizados na coordenação e valorização dos pontos de vista adotados na resolução dos problemas constitucionais. O catálogo compreende os princípios da unidade da constituição, do efeito integrador, da concordância prática, da convivência das liberdades públicas, da força normativa, da máxima efetividade e da conformidade funcional.
311
Nesse método, há a primazia da norma sobre o problema, partindo-se do
resultado da concretização normativa para a solução do caso.
Nessa linha interpretativa, em um primeiro exame, devemos recorrer aos
aspectos gerais relativos aos direitos sociais. Estes consistem em direitos
fundamentais do homem, caracterizam-se como liberdades positivas e são de
fundamental observância em um Estado Social e Democrático de Direito. Possuem
como objetivo primordial a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes e
310
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 166. 311
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 174.
100
visam dar concretude à da igualdade social. São, ainda, consagrados como
fundamentos do Estado Democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal de
1988.
Nessa linha, José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira ensinam:
[...] a individualização de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade.
312
Assim, para efeitos constitucionais de proteção do artigo 7º, o trabalhador
subordinado será o empregado, aquele que mantiver algum vínculo de emprego.
Por ausência de um conceito constitucional de trabalhador, 313 a fim de
estabelecermos os beneficiários dos direitos sociais constitucionais, devemos nos
socorrer ao seu conceito infraconstitucional. Ou seja, aquele que trabalha ou presta
serviços por conta e sob a direção da autoridade de outrem, pessoa física ou
jurídica, entidade privada ou pública, adaptando-o, porém, ao texto constitucional.
Conforme dita Amauri Mascaro do Nascimento:
A Constituição é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público. Não mencionando outros trabalhadores, como o eventual, o autônomo e o temporário, os direitos destes ficam dependentes de alteração da lei ordinária, à qual se restringem.
314
Por oportuno, ressalvamos que os direitos sociais previstos
constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de
imperativas, invioláveis pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista.
A definição dos direitos sociais no texto da Constituição Federal de 1988
destinado aos direitos e garantias fundamentais acarreta duas consequências
imediatas. A primeira delas é a subordinação à regra da autoaplicabilidade e, a
segunda, a possibilidade de ajuizamento do mandado de injunção, sempre que
houver a omissão do poder público na regulamentação de alguma norma que
312
CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed.
Coimbra: Coimbra, 1993, p. 285. 313
Marcus Vinícius Americano da Costa conceitua empregador e empregado, com farta citação doutrinária e jurisprudencial. (COSTA, Marcus Vinícius Americano da. O direito do trabalho na Constituição de 1988. São
Paulo: RT, 1991, pp. 15-32). 314
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p.
34.
101
preveja um direito social e impossibilite o seu exercício. Assim, a Constituição
Federal de 1988 consagrou regras garantidoras da socialidade e
corresponsabilidade, entre as pessoas e os diversos grupos.315
Por sua vez, os direitos sociais enumerados no Capítulo II, do Título II, da
Constituição Federal de 1988 não esgotam os direitos fundamentais constitucionais
dos trabalhadores, que se encontram também difusamente previstos no seu próprio
corpo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagra em seu
artigo XXII:
todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade
316.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 ainda proclama serem direitos
sociais a educação, a saúde, a alimentação, 317 o trabalho, a moradia, 318 o
transporte,319 o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância e a assistência aos desamparados, conforme artigo 6º.320
A fim de garantir maior efetividade aos direitos sociais, a Emenda n.
31/2000 321 criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, instituído no
âmbito do Poder Executivo Federal, que vigorou até 2010. Seu objetivo era viabilizar
a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência. Seus recursos
deveriam ser direcionados às ações suplementares de nutrição, habitação,
educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante
interesse social.
Por seu turno, no artigo 7º, o legislador constituinte definiu direitos
constitucionais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social.
315
CARVALHO, Virgílio de Jesus Miranda. Os valores constitucionais fundamentais: esboço de uma análise
axiológico-normativa. Coimbra: Coimbra, 1982, p. 26. 316
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf Acesso em: 13 out. 2019. 317
A Emenda Constitucional n. 64/2010, deu nova redação ao art. 6º, incluindo na Constituição Federal o direito à alimentação. 318
Em relação à proteção do bem de família, em face do direito de moradia, conferir: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Rextr. n. 352.940/SP. Rel. Min. Carlos Velloso, decisão: 25-4-2005. Informativo STF n. 385. 319
Incluído como direito social pela Emenda Constitucional n. 90/2015. 320
A Emenda Constitucional n. 26/2000 deu nova redação ao art. 6º, incluindo na Constituição Federal de 1988 o direito à moradia. 321
Publicada no DOU, em 18-12-2000.
102
Sob essas premissas, ao aprofundarmos os estudos a respeito dos direitos
sociais é fundamental analisar alguns conceitos, como a adjudicação dos direitos
sociais, a reserva do possível, o mínimo existencial e o princípio da vedação do
retrocesso.
Sobre a adjudicação dos direitos sociais,
o entendimento de que as normas de direitos sociais, por terem caráter meramente programático, são insuscetíveis de conferir direitos subjetivos adjudicáveis encontra-se superado. No contexto constitucional contemporâneo, a controvérsia não gira em torno da possibilidade de adjudicação, mas dos limites a serem observados por órgãos judiciais quando da implementação desses direitos. Ante o pleno reconhecimento da força normativa da constituição, seria incompatível com o princípio da inafastabilidade jurisdicional (Constituição Federal de 1988, art. 5º, XXXV) qualquer argumento no sentido de afastar a possibilidade de adjudicação dos direitos sociais, os quais possuem dimensão subjetiva, ou seja, conferem aos cidadãos o direito de exigir do Estado determinadas prestações materiais.
322
Com relação à reserva do possível, ela pode ser compreendida como uma
limitação fática e jurídica oponível à realização dos direitos fundamentais, sobretudo
de cunho prestacional e deve ser analisada sob três aspectos: I) disponibilidade
fática; II) disponibilidade jurídica; e III) razoabilidade e proporcionalidade da
prestação.323
O mínimo existencial, entendido a partir dos princípios da dignidade humana,
da liberdade material e do Estado Social, compõe um conjunto de bens e utilidades
básicas imprescindíveis a uma vida social digna.324
Já o princípio da vedação do retrocesso proíbe a redução injustificada do grau
de concretização alcançado por um direito fundamental de caráter prestacional. Isso
significa que, uma vez concretizado o direito, ele não pode ser diminuído ou
esvaziado, consagrando o que a doutrina francesa denominou efeito cliquet.
Podemos fundamentá-lo no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 e no Pacto de
São José da Costa Rica.325
De resto, como ensina José Joaquim Gomes Canotilho: “O não regresso
social enuncia a insusceptibilidade de rebaixamento dos níveis sociais já alcançados
e protegidos pela ordem jurídica, quer por meio da atividade legiferante, seja por
322
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 514. 323
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 515. 324
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 517. 325
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 518.
103
intermédio da interpretação restritiva”. 326 Conforme o autor, o princípio da vedação
do retrocesso social tem o seguinte conteúdo normativo:
O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa anulação, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.
327
No tocante à sua natureza e âmbito de incidência, costuma ser invocado tanto
como limite extrajurídico ao Poder Constituinte originário, quanto como limite jurídico
imposto aos poderes públicos encarregados de concretizar os direitos fundamentais
de caráter prestacional. Nesse sentido, o não retrocesso social teria como objetivo
impedir a extinção ou a redução injustificada de medidas legislativas ou de políticas
públicas adotadas para conferir efetividade às normas jurídicas fundamentais.328
O direito fundamental ao trabalho, como direito social, possui previsão no
Capítulo II, intitulado “Dos direitos sociais”, da Constituição Federal de 1988, no seu
artigo 6º. Esse enunciado é somado a um rol de disposições constitucionais que
versam sobre aspectos específicos da proteção e dos direitos da trabalhadora.
Assim, o artigo 7º contempla um vasto elenco de direitos e garantias dos
trabalhadores urbanos e rurais, e em combinação com os artigos 8º a 11329, formam,
no seu conjunto, as linhas mestras do regime constitucional do direito fundamental
ao trabalho. Como exemplo, podemos apontar os seguintes direitos e garantias
assegurados ao trabalhador no artigo 7º da Constituição Federal de 1988:
proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa (I), seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário (II), irredutibilidade do salário (VI), décimo terceiro salário (VIII), remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (IX), participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa (XI), salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda (XII), duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (XIII), repouso semanal remunerado (XV), gozo de férias anuais remuneradas (XVII), licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias (XVIII), licença-paternidade (XIX), proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (XX), aviso prévio
326
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1995, pp. 468-469. 327
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 321. 328
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 518. 329
Os artigos dispõem sobre a liberdade sindical, o direito de greve e a participação dos trabalhadores na gestão da empresa.
104
proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias (XXI), redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (XXII), adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (XXIII), aposentadoria (XXIV), seguro contra acidentes de trabalho (XXVIII), proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (XXX), proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (XXXI), proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (XXXIII).
No Direito Internacional dos Direitos Humanos, o direito trabalhista é
consagrado nos artigos XXIII e XXIV da Declaraão Universidade dos Direitos
Humanos de 1948, ao dispor:
Artigo XXIII – 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses; Artigo XXIV – Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
No caso do direito ao trabalho, podemos identificar a intensa conexão com
outros direitos fundamentais, reforçando a tese da interdependência e
indivisibilidade dos direitos fundamentais, a exemplo do artigo 7º, IV, que assegura
ao trabalhador um salário que atenda às suas necessidades básicas e às de sua
família com, por exemplo, moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social.
O direito ao trabalho, entendido como direito fundamental em sentido amplo
possui dupla dimensão, a objetiva e a subjetiva. Portanto, assume tal como os
demais direitos fundamentais, uma função negativa e positiva.
Na sua função positiva tal direito poderá não implicar um direito subjetivo a
um lugar de trabalho remunerado na iniciativa privada ou disponibilizado pelo Poder
Público. No entanto, se traduz na exigência de promover políticas de fomento da
criação de empregos, de formação profissional e qualificação do trabalhador, entre
outras tantas que poderiam ser referidas e que são veiculadas por lei ou programas
governamentais ou mesmo no setor privado.
105
Por outro lado, o direito à proteção do trabalho e do trabalhador se decompõe,
como já referido, em um leque de normas atributivas de direitos, liberdades e
garantias do trabalhador, como também por meio de um conjunto de princípios e de
regras de cunho organizacional e procedimental, como é o caso do direito a um
salário mínimo, da garantia de determinada duração da jornada de trabalho,
proibições de discriminação, liberdade sindical e direito de greve.
Quanto à eficácia e efetividade das normas constitucionais definidoras de
direitos e garantias do trabalhador, é necessário reconhecer que na esfera dos
direitos dos trabalhadores há exemplos controversos e que, nos últimos anos,
passaram a receber atenção cada vez maior por parte da doutrina e da
jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal.
São aquelas situações nas quais a Constituição Federal de 1988 remete
expressamente ao legislador infraconstitucional e onde o reconhecimento de uma
aplicabilidade imediata encontra forte resistência, inclusive pelos riscos em termos
de segurança jurídica e tratamento isonômico, além dos impactos sobre a economia
pública e privada.
Como exemplo, podemos citar o direito de greve dos servidores públicos, o
aviso prévio proporcional e a proteção contra a despedida arbitrária, em que a
omissão legislativa foi tida como obstáculo à fruição plena dos direitos
constitucionais. No entanto é em relação a esses casos que verificamos a produção
e dissídio, na doutrina e na jurisprudência, desaguando, mais recentemente, em
decisões impactantes do Supremo Tribunal Federal em sede de mandado de
injunção, atribuindo-lhe efeitos concretos a despeito da omissão legislativa.
Nesse deslinde, no âmbito das relações de trabalho, os direitos fundamentais
decorrem dos valores liberdade e igualdade e são voltados à proteção da
integridade física, psicológica e moral do trabalhador, a fim de lhes assegurar uma
existência digna. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 7º uma
série de direitos fundamentais sociais, dentre eles o inciso XX, que trata da proteção
ao mercado de trabalho da mulher.
No tocante ao dispositivo citado, Mauricio Godinho Delgado observa que a
Constituição Federal de 1988 determinou uma prática diferenciada, por meio da
criação de diversos incentivos específicos à proteção do trabalho da mulher, com o
fito de ampliar o seu mercado de trabalho. Por seu turno, defendemos a linha
106
interpretativa do autor, pela qual as normas infraconstitucionais em sentido contrário
ao disposto no texto constitucional tornam-se inválidas.330
Conforme previsto no Texto Constitucional de 1988, os direitos fundamentais
possuem aplicação imediata e eficácia horizontal, ou seja, aplicação nos ramos do
direito privado. Nesse sentido, Bilbao Ubillos argumenta pela necessidade da
aplicação de direitos fundamentais às relações privadas devido à força da autonomia
privada:
El Derecho no puede ignorar el fenómeno del poder privado. Tiene que afrontar esa realidad y dar una respuesta apropiada, que no podrá venir de la simple apelación al dogma de la autonomía privada, un principio seriamente erosionado en la experiencia del tráfico jurídico privado. No está de más recordar que la desigualdad de partida entre las partes de una relación laboral está en el origendel desgajamiento de la normativa laboral del tronco común del Derecho de los contratos y de la configuración del Derecho del trabajo como um ordenamento compensador, con una finalidad tuitiva, de protección de los interesses objetivamente más vulnerables, que se consigue mediante normas imperativas que limitan ¿ el juego de la autonomía negocial. Los derechos fundamentales deben protegerse, por tanto, frente al poder, sin adjetivos, y el sistema de garantías, para ser coherente y eficaz, debe ser polivalente, debe operar em todas las direcciones. No hay ninguna razón para pensar que el problema de fondo cambia en función de cuál sea el origen de la agresión que sufre uma determinada libertad. El tratamiento ha de ser, en lo esencial, el mismo.
331
Elegemos, portanto, esta norma para ser estudada minuciosamente, pois
serve de parâmetro para confrontar e aferir a constitucionalidade das alterações
feitas na CLT pela Lei n. 13.467/2017. Nesse sentido, o conceito de “bloco de
constitucionalidade” é elemento essencial do controle de constitucionalidade.
2.1 Histórico da norma e esfera de proteção
Ressaltamos nos capítulos anteriores toda a normativa internacional e
nacional de proteção ao trabalho da mulher. Portanto, neste ponto, basta
contextualizar brevemente breve os principais diplomas.
No direito internacional, constatamos a proteção ao mercado de trabalho da
mulher no artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:
Artigo II, 1 – Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
330
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr., 2017, pp. 909-910. 331
BILBAO UBILLOS, Juan María. Em qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?
Disponível em: http://livepublish.iob.com.br/. Acesso em: 24 out. 2019, p. 4.
107
condição. 2 – Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Nos artigos 2º, §§ 2º, 3º e 6º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais:
Artigo 2º – 2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados e exercerão em discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. 3. Os países em desenvolvimento, levando devidamente em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão determinar em que garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais. Artigo 6º 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito. 2. As medidas que cada Estado Parte do presente Pacto tomará a fim de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais.
No artigo 11 da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher:
Artigo 11 1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano; b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego; c) O direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico; d) O direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho; e) O direito à seguridade social, em particular em casos de aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade para trabalhar, bem como o direito de férias pagas; f) O direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.
108
2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-Partes tomarão as medidas adequadas para: a) Proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou licença de maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil; b) Implantar a licença maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antigüidade ou benefícios sociais; c) Estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinados ao cuidado das crianças; d) Dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais para elas.
3. A legislação protetora relacionada com as questões compreendidas neste artigo será examinada periodicamente à luz dos conhecimentos científicos e tecnológicos e será revista, derrogada ou ampliada conforme as necessidades.
Por fim, constatamos a proteção internacional ao mercado de trabalho da
mulher na Declaração de Filadélfia; na Declaração da OIT relativa aos Princípios e
Direitos Fundamentais no Trabalho e nas Convenções n. 100, 111, 189, 122, 103,
168 e 171 da Organização Internacional do Trabalho.
De acordo com Sergio Pinto Martins, as Constituições anteriores não tratavam
do tema proteção do mercado de trabalho da mulher. Na Subcomissão dos Direitos
dos Trabalhadores, na Comissão da Ordem Social ou na Comissão da
Sistematização não constava dispositivo nesse sentido. 332 Conforme destaca o
autor, a redação final foi configurada no artigo 7º, XX, da Constituição Federal de
1988: “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,
nos termos da lei”.333
Entretanto, podemos encontrar o espírito da norma em outras remissões da
Constituição Federal de 1988, como no seu preâmbulo e nos artigos 1º, III, artigo 3º,
I e IV, artigo 5º, caput, I e III, artigo 6º, artigo 7º, XX e XXX, artigo 143, § 2º, artigo
201, § 7º, I e II, e artigo 203, I e III.
Como remissões legais, citamos a Consolidação das Leis do Trabalho, em
especial os seus artigos 372, 373, 373-A, 377, 389, 390-B, 390-C, 390-E, 391, 397,
399 e 400. Também nas Leis n. 9.029/1995, Lei n. 10.886/2004 e Lei n. 9.799/1999
que inseriu na CLT regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho e no
artigo, 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
332
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015, pp. 685-686. 333
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 686.
109
No tocante a sua esfera de proteção, é sabido que a norma do artigo 7º, XX
da Constituição Federal de 1988 garante a proteção do mercado de trabalho da
mulher, o que alcança todos os acontecimentos sociais, políticos, econômicos e
jurídicos que pretendem envolver a presença da mulher no processo de produção e
de reprodução da prosperidade social.
Trata-se de um direito fundamental, portanto, conforme já destacado nesta
pesquisa, que abarca o conceito de trabalho decente. Com fundamento nas normas
internacionais já estudadas, abrange ainda o direito de a mulher receber tratamento
igual ao dos homens quanto à escolha profissional, remuneração, saúde e
oportunidades. Desta feita, deve prevalecer a dignidade da mulher trabalhadora,
sendo vedada a discriminação em razão do gênero.
Conforme observa Carla Teresa Martins Romar, “a questão da igualdade
entre homens e mulheres no trabalho deve ser tratada como uma questão de
direitos humanos e como um requisito indispensável ao regime democrático”.334
Importante destacar neste momento o direito do trabalho português. Maria do
Rosário Palma Ramalho dita que o direito do trabalho em Portugal propõe
mecanismos formais necessários e suficientes para fazer face aos problemas da
igualdade de tratamento entre trabalhadores e trabalhadoras, no domínio do
mercado de trabalho335:
Em face do desenvolvimento desta temática ao nível comunitário, penso até que em nosso sistema é, ressalvado um ou outro ponto e, que se mostra ou se mostrou menos favorável (como o tempo da licença de maternidade, por exemplo), geralmente compatível com o direito comunitário nesta matéria, chegando a consagrar, em alguns casos, soluções mais protectivas do que as desenvolvidas pelo direito comunitário (assim, por exemplo, em relação à redução do horário de trabalho para amamentação, ou relativamente ao sistema de inversão do ónus da prova em processos relativos a questões de igualdade de gênero).
336
Ela dita:
Trata-se pois de um sistema moderno e relativamente abrangente, tanto do ponto de vista dos sujeitos abrangidos (uma vez que se aplica tanto aos trabalhadores do sector privado, como aos do sector público, por força, respectivamente do DL n
o 392/79 de 20 de Setembro, e do DL n
o 426/88, de
18 de Novembro), como do ponto de vista das matérias objecto de tutela337
.
334
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 729. 335
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 220. 336
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 220. 337
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 220.
110
Com relação à igualdade no acesso ao emprego e na progressão profissional,
explica:
o DL no 392/79 e o DL n
o 426/88 cobrem situações de discriminação
previstas na Dir. 76/207, em relação aos anúncios de emprego, aos concursos, às promoções, às condições de trabalho e à formação profissional, e preveem tanto as situações de discriminação direta como as situações de discriminação indirecta (art. 3º do DL n
o 392/79).
338
Maria do Rosário Palma Ramalho conclui que a recente evolução do direito
nacional português permite que o sistema que tutela a igualdade em razão do sexo
vá ainda mais longe do que o direito comunitário, e cita dois casos:
[...] no acesso ao emprego, nosso sistema vai mais longe do que o direito comunitário, com a instituição de acções judiciais tendentes a atacar situações manifestas de discriminação no acesso ao emprego, feita pela L. 105/97, de 13 de Setembro (art. 4º); – por outro lado, relativamente à matéria das acções positivas, cremos que a recente revisão constitucional reforça (ou pelo menos, possibilita o reforço) da possibilidade da sua implementação (ao contrário da tendência de recuo que o direito comunitário manifestou relativamente a essa temática com o Ac. Kalanke) no nosso sistema (já previstas no art. 3º n. 2 do DL n
o 392/79), ao configurar
a “promoção” da igualdade entre os sexos como uma tarefa fundamental do Estado português, no art. 9º al. h).
339
Por seu turno, quando se trata de igualdade de tratamento remuneratório no
desenvolvimento do vínculo empregatício, a autora explica que o sistema de
Portugal também é relativamente abrangente e compatível com o direito comunitário.
Segundo ela, quando se trata de remuneração, o direito trabalhista de
Portugal possui
um conceito amplo de remuneração, que obriga, para efeitos da verificação da situação de discriminação com base no sexo, a ter em consideração não apenas a retribuição mas o conjunto de vantagens patrimoniais que o trabalhador aufere em razão do seu contrato de trabalho (a base da comparação é assim, por exigência legal, necessariamente mais alargada do que a base de comparação tomada em consideração em situações de discriminação por motivo diverso de sexo) – art. 2º c) do DL n
o 392/79).
340
A autora acentua ainda a compatibilidade desse conceito com o direito
comunitário,
[...] Além disso, o direito nacional desenvolve também os conceitos de trabalho igual e de trabalho de valor igual (art. 2º d) e e) do DL n
o 392/79) e
assegura a praticabilidade do sistema com a previsão de um sistema especial de repartição do ónus da prova – art. 9º n
o 4 do DL n
o 392/79.
341
338
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 221. 339
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 222. 340
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 222-
223. 341
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 222-
223.
111
Entende ainda a autora portuguesa que, quando se trata de igualdade de
tratamento ao longo do desenvolvimento do vínculo empregatício e de proteção em
face da despedida em razão do sexo do obreiro, “as regras gerais do nosso
ordenamento são também, do nosso ponto de vista, suficientes para assegurar uma
cobertura ampla da matéria”.342
No Brasil, frisamos o entendimento de Maria Cecília Theodoro:
As diferenças biológicas devem ser vistas como motivo diferenciador quando tiverem como objetivo proteger a mulher no mercado de trabalho. Assim, devem ser criadas condições para que a mulher possa exercer o seu trabalho em condições de segurança para si e para os seus filhos, antes e após o período gestacional.
343
Defendemos, portanto, que não se podem negar as diferenças fisiológicas
entre homem e mulher, pois a igualdade de tratamento não significa desprezo às
diferenças. O que deve ser defendido é que a mulher possa conciliar o papel de mãe
com o seu direito de trabalhar.
Ademais, trata-se de injusto a discriminação e privação da mulher do seu
direito de trabalhar com base em seu papel de mãe, como se todas as mulheres
fossem exercer esse papel. É a partir dessa mudança de concepção equivocada que
a sociedade e o Estado possui em relação à mulher, que se poderá combater a
discriminação nas relações de trabalho.
A proteção legal conferida à mulher não decorre de incapacidade nem da
inferioridade, mas em razão das condições especiais – de ordem biológica,
fisiológica e social – a ela inerentes. Nessa linha interpretativa, ao citar Mario de La
Cueva, Zélia Maria Cardoso Montal reproduz:
El derecho protectorde las mujeres persigue uma triple finalidade: Por una parte, la considración de que la salud de la mujer está ligada al porvenir de la problación em forma más íntima de ló que ocurre com el hombre, pues la mujer sana y robusta es la mejor garantia para el hogar y futuro d la raza; de ahí que sea preciso adoptar todas aquellas reglas que tiendan a asegurar su salud y que la protejan contra um trabajo excessivo y contra lãs posibles intoxicaciones em labores insalubres o perigrosas. Por outra parte, la maternidad exige una protección especial, tanto em el período anterior
342
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 222-
223. 343
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636.
112
como em el posterior al parto, pues em estas épocas se encuentra la mujer impedida para trabajar.
344
Defendemos, portanto, que essa norma constitucional que visa proteger o
mercado de trabalho da mulher não deve ser interpretada de maneira a fazer
permanecer situações que a discriminem em razão do gênero. Ao contrário. A lei
deve ser regulamentada de forma que a discriminação seja positiva, superando
efetivamente o âmbito das relações de trabalho.
Maria Cecília Theodoro complementa:
os destinatários da norma são proibidos de estabelecer quaisquer barreiras que impeçam ou dificultem o acesso da mulher ao mercado de trabalho, ou o pleno desenvolvimento de sua carreira, com fundamento nas diferenciações oriundas do gênero, como o que se tem denominado “teto de vidro” (STEIL, 1997), caracterizado pela imposição de limites invisíveis, ou de difícil percepção, que inviabilizam o alcance das mulheres a posições hierárquicas superiores dentro das estruturas organizacionais em que atuam, mantendo-as em cargos considerados inferiores aos ocupados pelos homens.
345
Ou seja, a discriminação por relação é uma expressão que diz respeito a
barreiras ou dificuldades decorrentes de ônus familiares do trabalhador. Não
necessariamente se refere a uma conduta altamente reprovável, como a de demitir
uma pessoa pelo simples fato de ter filhos.
Nessa linha, segundo a autora:
As dificuldades de acesso comumente resultam do próprio modelo de organização social que impõe às mulheres um grande peso quanto às obrigações familiares, o que as empurra para trabalhos em tempo parcial ou intermitentes, ou não formalizados, frequentemente mal remunerados. Apesar disso, de modo equivocado, tanto a ordem jurídica interna quanto a externa tendem a reafirmar o senso comum, estabelecendo ou incentivando o estabelecimento de condições que conduzem as mulheres a ocupações flexíveis, novamente sob a perspectiva de que a mulher deve continuar desdobrando-se em duplas ou múltiplas jornadas, a fim de dar conta das tarefas domésticas e do seu desenvolvimento profissional.
346
Entretanto, o direito a um trabalho decente implica principalmente o direito de
acesso da mulher ao mercado de trabalho produtivo. Não se justifica, portanto, que a
344
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017. 345
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636. 346
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636.
113
proteção ao acesso ao mercado seja orientada a ocupações precárias, socialmente
menos relevantes.
Em suma, atos discriminatórios constituem afronta direta à dignidade humana.
O artigo 373-A da CLT, conforme os artigos 5º caput e inciso I, e 7º, XX e XXX, da
Constituição Federal de 1988, constroem uma importante barreira legal visando
impedir que o gênero seja utilizado como instrumento de discriminação e garantir a
proteção do mercado de trabalho da mulher.
Oportuno consignar que a nomenclatura da discriminação lícita positivada no
artigo 373-A, caput e parágrafo único da CLT é ação afirmativa ou discriminação
positiva. Ao passo que no caso do artigo 373-A, I, da CLT chama-se qualificação
ocupacional de boa-fé.
Maria Cecília Theodoro explica que a norma constitucional
[...] visa a garantir ainda que, sempre que as mulheres consigam transpor as barreiras de acesso, sejam equitativos também o trato e as condições de trabalho, sem qualquer discriminação, inclusive impedindo que as políticas de remuneração criem distinções remuneratórias em razão do gênero, o que se verifica, por exemplo, quando, ainda que sejam mais qualificadas profissionalmente do que seus colegas homens, as mulheres recebam salários menores, ou quando ocorre uma queda no nível salarial de determinada ocupação se passa a ser desenvolvida predominantemente por mulheres.
347
Oportuno frisar ainda que a obrigatória igualdade de remuneração por
trabalho de igual valor, abrangida pela norma, está em conformidade com o artigo
7º, XXX, da Constituição Federal de 1988, o artigo 7º do Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção n. 100 da OIT.
Por fim, a não observância da norma implica, portanto, no descumprimento
tanto do texto constitucional, quanto de vários tratados e convenções internacionais
dos quais o Brasil é signatário, além do contido em normas infraconstitucionais que
regulamentam a matéria. Seus destinatários deverão, portanto, responder perante
os órgãos competentes.
347
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636.
114
2.2 Funções, titulares e destinatários da norma
Maria Cecília Theodoro apresenta quatro funções fundamentais da norma:
multifuncional, prestação social, proteção perante terceiros e antidiscriminatória.
Conforme a primeira delas (perspectiva multifuncional):
o direito fundamental social previsto no artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988, cumpre função de defesa pois, segundo se depura de sua interpretação, garante que as mulheres usufruam positivamente desse mercado de trabalho protegido (liberdade positiva), e exige que os poderes públicos, e os particulares, omitam-se de agir de modo a lesar a proteção constitucionalmente garantida (liberdade negativa).
348
Cumpre também a função de prestação social:
uma vez que a proteção visa a garantir a fruição material do direito fundamental, através, por exemplo, do acesso das mulheres à segurança social, advinda de um mercado de trabalho onde possam atuar em liberdade e plenitude.
349
Já segundo a função de proteção perante terceiros,
por impor ao Estado o dever de proteção do mercado de trabalho da mulher contra aqueles que porventura criem embaraços ao efetivo exercício desse direito por suas titulares, devendo o Estado, ao regular as relações de trabalho, não admitir que o direito fundamental da mulher a um mercado de trabalho protegido seja violado no âmbito das relações civis privadas.
350
Finalmente, pela função antidiscriminatória da norma:
[...] pode-se deduzir que o Estado deve promover ações afirmativas para que as oportunidades de emprego, de formação e de condições laborais sejam distribuídas igualitariamente entre homens e mulheres, sem nenhuma discriminação, atentando-se ainda para evitar o “disparate impact”, que pode acontecer quando a norma visando a proteção, desacompanhada do cuidado de não torná-la mão de obra mais cara que a do homem, acaba desprotegendo o mercado de trabalho da mulher como impacto adverso.
351
Por outro viés, quando frisamos a respeito dos titulares, em princípio, toda
pessoa pode ser titular de um direito social. De maneira geral, vigora o princípio da
universalidade, segundo o qual todas as pessoas são, na condição de pessoas
348
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636. 349
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636. 350
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636. 351
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 636.
115
humanas, titulares dos direitos sociais. A partir da dimensão individual da dignidade
humana e do mínimo existencial, os direitos sociais têm por titular a pessoa
individual, o que, todavia, não afasta uma dimensão transindividual.352
Desta feita, são titulares do direito previsto no artigo 7º, XX da Constituição
Federal de 1988, todas as mulheres trabalhadoras, urbanas ou rurais, brasileiras ou
estrangeiras, que não estejam em situação de restrição civil, penal ou política ao
livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão no território brasileiro e que
desejem, por livre vontade, ingressar no mercado de trabalho produtivo.
Quanto aos destinatários, não há dúvidas de que os direitos sociais vinculam
os órgãos estatais. No entanto, podemos registrar que tem sido intenso no Brasil o
debate sobre a legitimidade, a competência, as possibilidades e os limites de como
eles podem se desincumbir de seus deveres em matéria de direitos sociais. Outro
tema é o limite deste controle, notadamente quando se trata do controle judicial das
ações e omissões por parte dos demais órgãos estatais.
Por sua vez, conquanto se admita que as normas de direitos sociais incidam
nas relações entre particulares, doutrina e jurisprudência ainda debatem se
realmente há uma efetiva vinculação. Nesse sentido, todos os direitos fundamentais,
inclusive de cunho prestacional, são eficazes no âmbito das relações entre
particulares.
Em princípio, inexiste distinção entre os direitos de cunho defensivo e os
prestacionais, em que pese o seu objeto diverso e a circunstância de que os direitos
fundamentais do último grupo possam até vincular, na condição de obrigado em
primeira linha, os órgãos estatais.
A eficácia direta dos direitos sociais na esfera das relações privadas,
notadamente no que diz respeito à dimensão prestacional foi, contudo, alvo de
críticas. A despeito de adotarmos posição divergente, contribuiu para o
enriquecimento do debate no âmbito da doutrina brasileira.
Assim, é de se aproveitar o ensejo para demonstrar a razão pela qual também
as normas de direitos sociais, direta ou indiretamente, geram efeitos nas relações
352
Conforme, aliás, também tem sido destacado em diversas decisões do Supremo Tribunal Federal, especialmente, mas não exclusivamente, no caso do direito à saúde. Além disso, importa sublinhar que a titularidade de direitos sociais também deve, ao menos em determinados casos, ser reconhecida aos estrangeiros, embora polêmica a delimitação do conteúdo destes direitos em concreto e os requisitos para tanto, o que aqui não será objeto de aprofundamento. Em termos gerais, considera-se que tal reconhecimento deverá se dar pelo menos quando em causa o comprometimento em concreto do direito à vida e do mínimo existencial.
116
privadas. Para tanto, frisamos a distinção entre os direitos fundamentais sociais
como direitos negativos e positivos.
Devemos recordar, ainda, que os direitos sociais são capazes de assumir
tanto a condição de liberdades sociais, como é o caso dos direitos de greve e de
associação sindical, quanto a forma de direitos a prestações, como é o caso do
direito à saúde, à educação, à moradia, ou de alguns direitos trabalhistas como a
garantia do salário mínimo, a remuneração das férias, entre outros, sem prejuízo,
também nesses casos, de uma dimensão negativa.
Além disso, as dimensões negativa e positiva pressupõem deveres de
proteção do Estado, que, por sua vez, na condição de direitos à proteção, assumem
a feição de direitos a prestações, em geral de cunho normativo, mas também de
caráter fático.
No entanto, quando se afirma que todos os direitos fundamentais vinculam os
particulares, evidentemente se há de tomar tal afirmação no sentido de uma eficácia
direta prima facie. Em princípio, existem direitos fundamentais cujo destinatário
principal é o Estado e outros direcionados diretamente aos particulares, o que
ocorre, por exemplo, com os direitos trabalhistas.
O fato de se reconhecer a necessidade de elevada dose de prudência no
reconhecimento de direitos subjetivos a prestações tendo por destinatários
particulares, não poderá, por sua vez, levar à negação de posições jurídicas como
oponíveis entre atores privados.
Ademais, a eficácia das normas de direitos fundamentais sociais na esfera
das relações entre particulares não se resume ao reconhecimento de posições
jurídico-subjetivas de cunho prestacional, como, de resto, podemos referir, entre
outras possibilidades, a efeitos negativos, como ocorre com a aplicação do princípio
da proibição de retrocesso.
Para efeitos de uma possível eficácia direta dos direitos sociais nas relações
entre particulares, assume relevo a figura do mínimo existencial, que também nesta
seara se revela importante critério material a ser aplicado.
Se uma eficácia prestacional já é possível até mesmo fora do âmbito do que
tem sido considerado o mínimo existencial, o que não dizer quando estiverem em
causa prestações indispensáveis à satisfação das condições mínimas para uma vida
digna, com apoio também no princípio da solidariedade, que, evidentemente, não
vincula apenas aos órgãos estatais, mas a sociedade como um todo.
117
Por outro lado, importante enfatizarmos que o reconhecimento de direitos
subjetivos a prestações sociais contra entidades privadas deve ser encarado com
cautela e passar por um rigoroso controle no que diz respeito aos critérios que
presidem a solução de conflitos de direitos.
Em virtude dessa necessidade, importa construir critérios materiais para uma
adequada ponderação à luz do caso concreto, com destaque para as exigências da
proporcionalidade, o que, de resto, corresponde ao entendimento seguramente
dominante na literatura brasileira.
São destinatários do comando previsto no artigo 7º, XX, da Constituição
Federal de 1988, o poder público e os particulares.
O poder público deve agir para implementar políticas de inclusão das
mulheres no mercado de trabalho produtivo, buscando eliminar todas as formas de
discriminação. Ademais, além de, ao elaborar e fazer cumprir as normas legais,
promover a igualdade de gênero, a fim de concretizar os princípios fundamentais da
República Federativa do Brasil, omitir-se de qualquer ação em sentido contrário à
finalidade da norma constitucional.
Maria Cecília Theodoro também menciona os particulares:
Admitindo-se a eficácia privada dos direitos fundamentais (CANOTILHO, 2002) são destinatárias da norma todas as pessoas, físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que, sob qualquer modalidade, contratem e/ou dirijam a prestação de trabalho humano, sendo indistintamente responsáveis pela observância da norma constitucional, devendo, portanto, absterem-se de praticar qualquer ação ou omissão que incorra em fato discriminatório em razão do gênero contra as mulheres, no exercício de seu direito ao trabalho.
353
Portanto, toda a sociedade é destinatária da norma.
2.3 Conformação legal e concretização jurisprudencial
Conforme destacado, o artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988
determina que a proteção do mercado de trabalho da mulher será feita mediante
incentivos específicos, nos termos da lei. Referida norma é programática,
dependente de lei para sua regulamentação.354
353
THEODORO, Maria Cecília. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 637. 354
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 686.
118
Dito isso, importante um breve estudo sobre as normas constitucionais de
eficácia limitada, aquelas que, quando a Constituição é promulgada, ou entra em
vigor, não possuem de imediato o condão de produzir todos os seus efeitos.
Assim, necessitam de norma regulamentadora infraconstitucional a ser
editada pelo poder, órgão ou autoridade competente, ou de integração por meio de
emenda constitucional. São, portanto, normas de aplicabilidade indireta, mediata e
reduzida.355
Nesse âmbito, Pedro Lenza explica que José Afonso da Silva as divide em
dois grandes grupos: normas de princípio institutivo (ou organizativo) e normas de
princípio programático. Interessa-nos, portanto, discorrer sobre as últimas:
as normas de eficácia limitada, declaratórias de princípios programáticos, veiculam programas a serem implementados pelo Estado, visando à realização de fins sociais (arts. 6º — direito à alimentação; 196 — direito à saúde; 205 — direito à educação; 215 — cultura; 218, caput — ciência, tecnologia e inovação (EC n. 85/2015); 227 — proteção da criança...).12 Alguns outros exemplos podem ser “colhidos” do vasto estudo desenvolvido por José Afonso da Silva. Vinculadas ao princípio da legalidade, o autor menciona algumas normas programáticas: a) art. 7º, XI (participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei, observando que já existe ato normativo concretizando o direito); b) art. 7º, XX (proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei);
356
Desta análise, verificamos que a conformação legal será realizada por normas
legais simples, cujo objetivo é regular o conteúdo da norma constitucional, a fim de
delimitar o âmbito de proteção normativo.
No caso do artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988, tem-se realizado
por normas esparsas ou pelo acréscimo de modificações ao texto da Consolidação
das Leis do Trabalho.
A Lei n. 9.029/1995, por exemplo, estabelece regra antidiscriminatória,
estipulando parâmetros para os casos de dispensa baseada, dentre outros, na
discriminação por “sexo”, reportando também à condição da mulher, elencando
como motivos discriminatórios a gestação, a natalidade, a maternidade e
congêneres.
355
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 237. 356
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 237-238.
119
Nesta senda, importante frisar ainda, como exemplo, que em 2000, quando
Léa Elisa Silingowschi Calil publicou sua obra ‘História do Direito do Trabalho da
Mulher’, frisou:
Dos projetos de lei que visam regulamentar o inc. XX do art. 7º da Constituição Federal estabelecendo medidas para a proteção do mercado de trabalho da mulher, que tramitam atualmente no Congresso, um deles foi aprovado. Trata-se da Lei n. 9.799, de 26 de maio de 1999, de autoria da Deputada Rita Camata, que insere artigos na CLT, no capítulo que versa sobre a proteção ao trabalho da mulher, modificando o título da primeira seção do atual “Da Duração e Condições do Trabalho” para ‘Da Duração, Condições do Trabalho e da Discriminação contra a Mulher’.
357
Ela ainda explica:
São modificações tímidas, que visam, antes, coibir distorções e punir a discriminação contra o trabalho da mulher do que propriamente incentivar sua contratação e permanência no emprego. Todavia, apresentam-se como um avanço no vácuo legislativo que é o direito promocional do trabalho da mulher, pois, se até o advento da Constituição de 1988, o trabalho feminino era vítima de inúmeras restrições infundadas, após a Carta – que afirmou a igualdade entre homens e mulheres – pouco foi feito no sentido de reproduzir no plano concreto essa propalada igualdade formal.
358
No mesmo sentido protetivo, a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que
no seu artigo 9º, § 2º, II, determina que o juiz assegurará à mulher em situação de
violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, a
manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de
trabalho, por até seis meses.
Nessa mesma linha, entendemos a determinação celetista que impunha o
intervalo especial de 15 minutos às mulheres, antes do início do labor extraordinário
(artigo 384 da CLT); além da redação anterior da Lei n. 13.467/2017, do artigo 394-A
da CLT, que cuidava do trabalho de gestantes e lactantes em ambiente insalubre.
Tratam-se, portanto, de efetivas medidas de ampliação da proteção da mulher
no mercado de trabalho.
Na jurisprudência, descrevemos o julgado constante do Supremo Tribunal
Federal:
Lei 11.562/2000 do Estado de Santa Catarina. Mercado de trabalho. Discriminação contra a mulher. Competência da União para legislar sobre direito do trabalho. [...] A Lei 11.562/2000, não obstante o louvável conteúdo material de combate à discriminação contra a mulher no mercado de
357
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, pp. 62-63. 358
CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a
desigualdade fática. São Paulo: LTr., 2007, p. 63.
120
trabalho, incide em inconstitucionalidade formal, por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho. (ADI 2.487, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJE de 28-3-2008.) No mesmo sentido: ADI 3.166, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010.
359
Também ressaltamos o julgado do Tribunal Superior do Trabalho360 e, no
mesmo sentido, do Supremo Tribunal Federal361, ao concluírem que o artigo 384 da
CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, não havendo de se cogitar
sua revogação. Na mesma linha, ao longo dos anos, foram editadas súmulas por 6
Tribunais Regionais prevendo a constitucionalidade de referido intervalo.
Destacamos, portanto, as Súmulas seguintes, a começar pela de n. 28 do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
Intervalo previsto no artigo 384 da CLT. Recepção pela Constituição Federal. Aplicação somente às mulheres. Inobservância. Horas extras. O artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal consoante decisão do E. Supremo Tribunal Federal e beneficia somente mulheres, sendo que a inobservância do intervalo mínimo de 15 (quinze) minutos nele previsto resulta no pagamento de horas extras pelo período total do intervalo.
Súmula n. 39 do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:
Trabalho da mulher. Intervalo de 15 minutos. Art. 384 da CLT. Recepção pela CR/88 como direito fundamental à higiene, saúde e segurança. Descumprimento. Hora extra. O art. 384 da CLT, cuja destinatária é exclusivamente a mulher, foi recepcionado pela CR/88 como autêntico direito fundamental à higiene, saúde e segurança, consoante decisão do Supremo Tribunal Federal, pelo que, descartada a hipótese de cometimento de mera penalidade administrativa, seu descumprimento total ou parcial pelo empregador gera o direito ao pagamento de 15 minutos extras diários.
Súmula n. 65 do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região:
Intervalo do art. 384 da CLT. A regra do art. 384 da CLT foi recepcionada pela Constituição, sendo aplicável à mulher, observado, em caso de descumprimento, o previsto no art. 71, § 4°, da CLT.
Súmula n. 22 do Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região:
Intervalo. Trabalho da mulher. Art. 384 da CLT. Recepção pelo art. 5°, I, da Constituição Federal de 1988. O art. 384 da CLT foi recepcionado pela
359
PORTAL DA CONSTITUIÇÃO. A Constituição e o Supremo. 4. ed. Brasília, 2011, Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/. Acesso em: 19 nov. 2019, p. 615. 360
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR: 1404000720095120029 14040007.2009.5.12.0029, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, j. 30-08-2011, 7ª Turma, Public. 02-09-2011. 361
BRASIL. Recurso Extraordinário n. 658312.
121
Constituição Federal, o que torna devido, à trabalhadora, o intervalo de 15 minutos antes do início do labor extraordinário.
Súmula n. 24 do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:
Trabalho da mulher. Art. 384 da CLT. Intervalo de 15 minutos. Direito fundamental. Recepção pela Constituição Federal/88. Hora extra. O art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal e seu descumprimento, total ou parcial, enseja o pagamento de 15 minutos extras diários, por ser direito fundamental à higiene, saúde e segurança da mulher.
E, por fim, a Súmula n. 80 do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:
Intervalo do artigo 384 da CLT. Recepção pela CF/1988. 'A não concessão à trabalhadora do intervalo previsto no art. 384 da CLT implica pagamento de horas extras correspondentes àquele período, nos moldes do art. 71, § 4°, da CLT, uma vez que se trata de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho (art. 7°, XXII, da Constituição Federal).
Com relação à proteção à maternidade e à saúde, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal a reconheceu, sob o regime de repercussão geral, com o
entendimento assim firmado: “A incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do
ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa”,
independentemente de prévio conhecimento ou comprovação.362
Por fim, igualmente, ao apreciar o tema 973 de repercussão geral, a Corte
fixou ainda a seguinte tese: “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física
de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da
previsão expressa em edital do concurso público”.363
362
BRASIL. RE 629.053. 363
BRASIL. RE 1.058.333, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21-11-2018.
122
3 A REFORMA TRABALHISTA
Por todos os fundamentos apontados no capítulo segundo, demonstraremos
neste próximo estudo que o artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988 sofreu
alterações de cunho restritivo pela Lei n. 13.467/2017, ao revogar o artigo 384 e
alterar o artigo 394-A, ambos da CLT. No presente estudo pretende-se, portanto,
apontar a regressividade de direitos ocorrida com as alterações.
Quando se trata do intervalo especial do artigo 384, assim como o teor do
artigo 390 da CLT (que foi mantido, embora tivesse fundamento nas diferenças de
aparência física entre homens e mulheres), a norma claramente estava em harmonia
com a noção de proteção ao mercado de trabalho da mulher.
Conforme observa o Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli,
houve, com o tempo, a supressão de alguns dispositivos protetores da mulher do
ordenamento jurídico brasileiro. Dentre eles, os que tratavam do trabalho noturno e a
jornada de trabalho da empregada, previstos nos artigos 374 a 376, 378 a 380 e 387
da Consolidação das Leis do Trabalho:
[...] quando da revogação desses dispositivos pela Lei n. 7.855, de 24/10/89, o legislador entendeu que deveria manter a regra do art. 384 da CLT, a fim de garantir à mulher uma diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial peculiar e sua potencial condição de mãe, gestante ou administradora do lar. Aliás, não há como negar que há diferenças quanto à capacidade física das mulheres em relação aos homens – inclusive com levantamentos científicos (vide BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. Ltr, 2008, p. 1080; COSTA, Jurandir Freire. Homens e Mulheres. In: Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979, pp.235-261; SZAPIRO, Ana Maria. Diferença sexual, igualdade de gênero: ainda um debate contemporâneo. In: D’Ávila, Maria Inácia, PEDRO, Rosa (Orgs.). Tecendo o Desenvolvimento: saberes, gênero, ecologia social. Rio de Janeiro: Mauad: Bapera, 2003. pp.83-94; BENNETT, James T.The Politics of American Feminism: Gender Conflict in Contemporary Society. University Press of America, 2007). Cuida-se de argumento real e que deve ser considerado. Tanto é que o art. 390 da CLT protege a trabalhadora, impedindo o empregador de contratar mulher em “serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional”.
364
Portanto, o artigo 384 não era uma norma discriminatória. Não havia
fundamentação jurídica suficiente a justificar sua supressão legal. Por outro viés,
quanto ao artigo 394-A, por se tratar de norma infensa à maternidade,
364
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27-11-2014. Acórdão eletrônico – Repercussão Geral Mérito, DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015.
123
instintivamente, qualquer alteração no seu conteúdo deveria ter como objetivo maior
proteger a empregada mãe, o que se reflete também nos cuidados com o filho.
Dessa forma, pretendemos destacar as principais discussões advindas das
alterações propostas pela lei reformista. Para tanto, iniciaremos pela análise das
alterações que afetam diretamente as normas de proteção ao trabalho da mulher,
assim consideradas aquelas que alteram dispositivos do Capítulo III (Da proteção do
trabalho da mulher), do Título III (Das normas especiais de tutela do trabalho), da
Consolidação das Leis do Trabalho.
3.1 O intervalo especial das mulheres (artigo 384 da CLT)
Embora não se trate de discussão atual, a recepção ou não do artigo 384 da
CLT pela Constituição Federal de 1988, sua revogação pela Reforma Trabalhista
trouxe importantes reflexões e outras linhas de pesquisa no tratamento da matéria.
O dispositivo se relacionava com o princípio da igualdade material e o instituto da
discriminação positiva.
A Lei Maior, em seu artigo 5º, I, define como direito fundamental o tratamento
igualitário entre homens e mulheres com relação a direitos e obrigações. Conforme
demonstrado linhas atrás, essa igualdade constitucional não está mais restrita
apenas ao aspecto formal, como ocorria no Estado Liberal, mas de forma
substancial para tratar os iguais de forma igual e os desiguais conforme sua
desigualdade conforme o atual estágio do Estado Social.
A CLT previa no artigo 384 que antes de iniciar o labor extraordinário, a
empregada tinha o direito a um intervalo remunerado de 15 minutos. A regra
também se aplicava ao empregado menor (artigo 413, parágrafo único da CLT).
Esse intervalo, entretanto, não se aplicava a todos os trabalhadores. O
dispositivo era restrito às trabalhadoras. Isso porque está inserido no Capítulo III, do
Título III, da CLT, que trata sobre a proteção do trabalho da mulher. Logo, se
considerarmos pela posição topográfica, o dispositivo revela sua aplicação apenas
às mulheres.
Havia cizânia doutrinária que questionava se, diante dos termos do artigo 5º, I
da Lei Fundamental, o artigo 384 da CLT teria sido recepcionado pela Constituição
Federal de 1988.
124
Nessa linha, Luciano Martinez comenta que com o passar dos anos, a
jurisprudência não foi uníssona quanto ao tema. Alguns defendiam que a norma
havia sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, pois objetivava velar
pela saúde, pela segurança e pela higidez física da mulher trabalhadora; no entanto,
outros entendiam que a regra não havia sido recepcionada porque refletia um
tratamento diferenciado em favor unicamente da trabalhadora.365
Desta feita, para alguns autores, como Alice Monteiro de Barros, Homero
Batista Mateus da Silva, Adalberto Martins, Sergio Pinto Martins e Gustavo Filipe
Barbosa Garcia, o preceito não havia sido recepcionado, pois na atualidade não há
mais amparo legal para tal tratamento desigual, assim como as normas protetivas
que deixaram de existir ao longo dos anos.
Todos defendiam que a norma em análise não se refere ao esforço físico,
conforme dispõe o artigo 390 da CLT, tampouco à proteção da gravidez ou da
maternidade. Era, portanto, uma limitação decorrente do gênero.
Por essa doutrina, Alice Monteiro de Barros sustentava que a diferença entre
homens e mulheres não traduz fundamentos para esse tratamento diferenciado,
salvo em condições especiais, como a maternidade. A autora entendia que a
intenção do artigo 384 da CLT poderia caracterizar um obstáculo à contratação de
mulheres. Em resumo, o que seria uma norma de cunho protetivo, acabaria se
tornando um motivo para preterição.366
Nessa mesma linha, Adalberto Martins menciona que a não recepção chegou
a ser acolhida pela Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal
Superior do Trabalho.367
Segundo Homero Batista Mateus da Silva, considerando que a capacidade de
fazer horas extras não é um tema consensual e a falta de base científica para
afirmar que homens têm mais facilidade de prorrogar jornada do que suas
companheiras, a interpretação mais equilibrada é aquela que propugna a não
recepção do dispositivo.368
Diante disso, segundo esse viés doutrinário, o artigo 384 da CLT sofria do
“ancilosamento normativo”, já que os motivos que ensejaram sua edição estão
365
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 808. 366
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr., 2016, p. 708. 367
MARTINS, Adalberto. In: MACHADO, Costa (coord.); ZAINAGHI, Domingos Sávio (org.). CLT interpretada artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8. ed. São Paulo: Manole, 2017, p. 258. 368
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 3 — saúde e segurança do
trabalho. 1. ed. em e-book baseada na 2ª impressa. São Paulo: RT, 2015.
125
ultrapassados e são inaplicáveis à realidade atual. Logo, como o dispositivo não
visava proteger a condição peculiar do corpo feminino, o artigo 5º, I, da Constituição
Federal de 1988, que defende o tratamento isonômico deve prevalecer.
Por oportuno, o princípio da igualdade
constitui-se um dos fundamentos dos ordenamentos jurídicos democráticos e compõe o jus cogens internacional, ou seja, ‘normas impostergáveis de cumprimento obrigatório por todos os Estados, independentemente de sua concordância, como critério para participação na comunidade internacional.
369
Em sentido contrário, perfilhamos e defendemos de forma cristalina nesta
pesquisa o entendimento de Carlos Henrique Bezerra Leite; a doutrina de Antonio
Umberto de Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon
Teixeira de Azevedo Neto, como também Mauricio Godinho Delgado.
Este último argumenta:
[...] o preceito tem certa dimensão de política de medicina preventiva no ambiente de trabalho, usualmente corroborada pela Constituição (art. 7º, XXII), uma vez que as horas extras, de maneira geral, produzem inegáveis desgastes na saúde física e mental da pessoa humana a elas submetida. Aqui, portanto, a recepção foi plena.
370
Desta feita, em que pese a previsão de igualdade constitucional do artigo 5º, I,
da Constituição Federal de 1988, esta não é absoluta. A mulher possui uma
estrutura física mais frágil que a masculina que deve ser preservada por razões
biossociais, conforme ressalta Celso Ribeiro Bastos:
homens e mulheres não são, em diversos sentidos, iguais, sem que com isso se queira afirmar a primazia de um sobre o outro. O que cumpre notar é que, por serem diferentes, em alguns momentos haverão forçosamente de possuir direitos adequados a estas desigualdades.
371
Demais disso, a norma celetista, ao tratar de horas extras também se refere à
fadiga e à saúde, como ocorre no artigo 390 da CLT, devendo, portanto, ser
considerada recepcionada pela Lei Fundamental.
Nesse sentido, há as ações afirmativas, que impõem um tratamento
diferenciado aos grupos das minorias e dos vulneráveis, este no caso das mulheres, 369
VECCHI, Ipojucan Demetrius. Igualdade de gênero nas relações de trabalho: a prova da discriminação. In: MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; SARLET, Ingo Wolfgang; FRAZÃO, Ana de Oliveira (coord.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito constitucional: estudos em homenagem a Rosa Maria Weber. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 266. 370
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr., 2019, p. 962. 371
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva, 1989, p. 18.
126
todos alvos de discriminação na sociedade. O artigo 384 da CLT é exemplo de
discriminação positiva, que permite a implementação da igualdade sob o espectro
material.
Podemos fundamentar a questão em respeito ao não retrocesso social (artigo
7º, caput, da Constituição Federal de 1988 e do Pacto de São José da Costa Rica) e
no princípio da norma mais favorável; ambos já abordados em capítulos anteriores
desta pesquisa.
Em resumo, Homero Batista Mateus da Silva fundamenta que, por esse
raciocínio “biológico”, a proteção se equipara àquela do carregamento de peso,
portanto, recepcionada tanto para as mulheres quanto para os adolescentes:
Quando a Lei 7.855/1989 varreu da CLT diversos dispositivos obsoletos, como a vedação ao trabalho noturno da mulher (art. 379) e o direito de o marido romper o contrato de trabalho capaz de afetar o sossego do lar (art. 446, parágrafo único), deveria efetivamente ter incluído na lista da revogação o conteúdo do art. 384. Não o fez. Mas isso não significa aprovação ou anuência do legislador ordinário e, ainda que assim não fosse, legislador ordinário também peca. Por terceiro, concorre uma interpretação mais ousada, mas a ser devidamente compreendida. Aplicando a igualdade de gênero preconizada pelo art. 5º, I, da CF/1988, em sentido contrário, advoga-se a tese de que o art. 384, concebido originalmente para adolescentes e mulheres, estende-se aos homens, como forma de desestimular as horas extras e proteger a saúde e a segurança do trabalho. A tese é certamente minoritária, em tempos de abuso na requisição de horas extras, mas já sensibilizou, por exemplo, os congressistas da Jornada de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho promovida pelo TST e pela Anamatra em 23 de novembro de 2007, que aprovou o seguinte verbete de número 22: “Constitui norma de ordem pública que prestigia a prevenção de acidentes de trabalho (CF, 7º, XXII) e foi recepcionada pela Constituição Federal, em interpretação conforme (art. 5º, I, e 7º, XXX), para os trabalhadores de ambos os sexos”.
372
Pelo ponto de vista de Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado,
comungamos, portanto, com a ideia de que esse intervalo consiste em vantagem
adicional e específica conferida à mulher trabalhadora e trata-se de peculiaridade
relevante no que tange às razões biológicas da mulher.373
Nesse deslinde e, não menos importante, havia ainda uma terceira corrente
doutrinária que defendia a recepção do dispositivo celetista, mas argumentando que
sua aplicação deveria ser estendida aos homens. O fundamento é que se trata de
norma legal que visa preservar a saúde e a segurança, evitando o risco do acidente
372
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 3 — saúde e segurança do
trabalho. 1. ed. em e-book baseada na 2ª impressa. São Paulo: RT, 2015. 373
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, pp. 148-149.
127
de trabalho por fadiga. Como exemplo, citamos a doutrina de Alice Monteiro de
Barros e Adalberto Martins.
Na jurisprudência, o Tribunal Superior do Trabalho vinha reconhecendo a
validade do artigo em comento e sua compatibilidade com a nova ordem
constitucional de 1988, determinando o pagamento de 50% sobre o valor da hora
normal pelo descanso não fruído pela empregada mulher.
Adalberto Martins lembra que em 17 de novembro de 2008, o Pleno do
Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar incidente de inconstitucionalidade em
recurso de revista (TST-IIN-RR n. 1.540/2005- 046-12-00.5), como relator o Ministro
Ives Gandra Martins Filho, acolheu a tese de que referido artigo da CLT foi
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, 374 conforme se observa da
seguinte ementa:
MULHER – INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF. 1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST). 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em
374
MARTINS, Adalberto. In: MACHADO, Costa (coord.); ZAINAGHI, Domingos Sávio (org.). CLT interpretada artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8. ed. São Paulo: Manole, 2017, pp. 258-258.
128
função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado. (IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, Tribunal Pleno, DJ 13/02/2009).
375
Percebemos que um dos fundamentos do Tribunal Superior do Trabalho foi o
de que a igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a
natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos.
Ademais, que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla
jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam
à casa. Para nós, trata-se de realidade constante nas mais diversas regiões do país.
Assim, estes também são aspectos que confirmam não haver afronta ao artigo 5º, I,
da Constituição Federal de 1988376.
Como reflexo, a corrente jurisprudencial que defendia a não recepção do
artigo 384 pela Constituição Federal de 1988 sofreu abalo com decisões de instância
final no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, revalorizando o dispositivo e
alertando para a necessidade de tratamento diferenciado às mulheres no campo das
horas extras. Chegou a haver decisão de Turma do Supremo Tribunal Federal
confirmando o julgado do Tribunal Superior do Trabalho.377
Nessa mesma linha, em 2014, o Supremo Tribunal Federal, durante
julgamento de Recurso Extraordinário (RE 658.312), havia reconhecido a recepção
do artigo 384 da CLT em face da Constituição Federal de 1988. Ressaltamos,
portanto, a importância de discorrermos sobre os fundamentos expostos pelo
Ministro Relator, Dias Toffoli, os quais defendemos na nossa linha de pesquisa.
Em primeiro lugar, o Ministro teceu algumas considerações acerca do texto e
do histórico da norma:
375
Também nesse sentido, há os seguintes julgados daquela Corte Superior: TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins, Tribunal Pleno, DEJT 13-02-09; TST-RR-21860078.2009.5.02.0070, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, j. 6-3-13; TST-E-RR–46500-41.2003.5.09.0068, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 12-03-2010; TST-E-RR-286840073.2002.5.09.0900, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 20-2-09; TSTRR-43500-48.2008.5.04.0019, 2ª Turma, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 16-12-10; TST-RR-17291/2000-015-09-00, 8ª Turma, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 15-6-09; TST-RR20198/2005-013-09-00, 1ª Turma, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DJ 12-6-09; TST-RR-3339/2000-069-09-00, 5ª Turma, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DJ 12-6-09; e TST-RR-1300-14.2008.5.02.0332, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, j. 29-6-11. 376
MARTINS, Adalberto. In: MACHADO, Costa (coord.); ZAINAGHI, Domingos Sávio (org.). CLT interpretada artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8. ed. São Paulo: Manole, 2017, pp. 258-258. 377
SILVA, Homero Batista Mateus da. CLT Comentada. 2. ed. São Paulo: RT, 2019, p. 260.
129
Esse dispositivo ingressou neste país na vida jurídica das mulheres com o Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, o qual foi sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, no qual não só se unificou toda a legislação trabalhista, como também se inseriram no mundo jurídico novos direitos dos trabalhadores. Temos de relembrar que a cláusula geral da igualdade foi expressa em todas as Constituições brasileiras. O art. 179, inciso XIII, da Constituição de 1824 previa que “[a] lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. A Constituição de 1891, com a redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926, preocupava-se com a igualdade formal entre as pessoas, a fim de impedir que se fizessem distinções em função das posses ou de títulos nobiliárquicos ou de nascimento, estabelecendo o seguinte: “[t]odos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliarchicos e de conselho” (art. 72, § 2º). Somente com a Constituição brasileira de 1934 é que, pela primeira vez, ressaltou-se o tratamento igualitário entre o homem e a mulher, quando, de forma exemplificativa, retratou a Constituição a obrigação da lei de garantir esse tratamento isonômico: “[t]odos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas” (art. 113, ‘1’). Esse texto foi retomado, quanto a seus aspectos elucidativo e ilustrativo, incluindo o tratamento isonômico quanto ao gênero, no art. 153, § 1º, da Emenda Constitucional n. 1 de 1969.
378
O Relator esclareceu ainda que a Constituição de 1937 estava em vigor
quando a CLT foi sancionada. Assim como na Constituição de 1946, aquela se
limitava a determinar a igualdade de todos perante a lei. Mais adiante, a Carta de
1946 vedou expressamente o tratamento desigual de salários para um mesmo
trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. E acrescentou:
Nem a inserção de cláusula geral de igualdade em todas as nossas Constituições nem a inserção de cláusula específica de igualdade de gênero na Carta de 1934 garantiram, como é de todos sabido, a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Não foi por outro motivo que a Constituição Federal de 1988, sobre o tema, explicitou, em três mandamentos, a necessária garantia da igualdade, sob seus diversos aspectos. Assim: i) fixou a cláusula geral de igualdade, prescrevendo, em seu art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”; ii) estabeleceu uma cláusula específica de igualdade de gênero, declarando que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (art. 5º, inciso I, CF); e iii) ao mesmo tempo, deixou excepcionada a possibilidade de tratamento diferenciado, por opção do constituinte, na parte final desse dispositivo, salientando que isso se dará “nos termos [da] Constituição”.
379
378
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão eletrônico – Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 14 nov. 2019. 379
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015.
130
Isto posto, o Ministro cita o artigo 7º, XX da Constituição Federal de 1988
como exceção ao disposto no artigo 5º, I da Carta. Desta feita, pela interpretação
dos dispositivos constitucionais, a Lei Fundamental baseou-se em critérios para
esse tratamento diferenciado:
i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas ou meramente legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho (PITANGUY, Jacqueline & BARSTED, Leila L. (orgs.). O Progresso das Mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM, Fundação Ford e CEPIA, 2006); ii) considerou existir um componente orgânico, biológico, a justificar o tratamento diferenciado, inclusive pela menor resistência física da mulher; e iii) considerou haver, também, um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho – o que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma, como propõe a metódica concretista de Friedrich Müller (cf. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann: Rio de Janeiro, Renovar, 2005 e O novo paradigma do direito: introdução à teoria e à metódica estruturantes do direito. Trad. Dimitri Dimoulis et. al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008).
380
Entendemos, portanto, que o enunciado normativo não retrata um mecanismo
de compensação histórica por discriminações socioculturais fundado na doutrina do
“impacto desproporcional”, pois o artigo 384 da CLT considerou que os outros dois
critérios destacados e estes parâmetros constitucionais são legitimadores de um
tratamento diferenciado.
Ao analisarmos o seu teor, inferimos que a norma aborda aspectos de
evidente desigualdade de forma proporcional. Diante disso, comungamos com as
premissas de que inexistem fundamentos sociológicos ou a comprovação por dados
a amparar a tese de que o artigo 384 da CLT dificultaria a inserção da mulher no
mercado de trabalho.
Destarte, a norma não gera, no plano de sua eficácia, qualquer prejuízo ao
mercado de trabalho feminino. Aliás, o intervalo previsto no artigo 384 da CLT só
tem cabimento quando a trabalhadora labora, ordinariamente, com jornada superior
ao limite permitido pela lei e o empregador exige, diante de uma necessidade, que
se extrapole esse período.
380
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015.
131
Diante desses argumentos jurídicos, defendemos também que não há espaço
para uma interpretação que amplie, sob a tese genérica da isonomia, a concessão
da mesma proteção ao trabalhador do sexo masculino, pois:
além de os declinados raciocínios lógico e jurídico impedirem que se aplique a norma ao trabalhador homem, sob o prisma teleológico da norma, não haveria sentido em se resguardar a discriminação positiva diante das condicionantes constitucionais mencionadas. Adotar a tese ampliativa acabaria por mitigar a conquista obtida pelas mulheres. Torno a insistir: o discrímen, na espécie, não viola a universalidade dos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrou a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores, de forma justificada e proporcional.
381
Por sua vez, no tocante aos limites jurídicos do trato igualitário entre homens
e mulheres no contexto trabalhista, Antonio Umberto Souza Júnior, Fabiano Coelho
de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto explicam:
O Brasil se comprometeu, oficialmente, antes de promover qualquer alteração como a que gerou, a debater o assunto de modo sério, prévia e democraticamente, com ampla participação dos atores envolvidos, dever que se impunha mais ainda no caso em estudo, quando o legislador tencionava suprimir histórica medida protetiva a favor da mulher trabalhadora brasileira, cuja constitucionalidade do fator de discrímen já não repousava mais qualquer grau de dúvida por força de decisão recente do Plenário do STF. Nesse sentido, o artigo 5º, item 2, da Convenção n. 111, da OIT: Qualquer membro pode, depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, definir como não discriminatórias qualquer outras medidas especiais que tenham por fim salvaguardar as necessidades particulares de pessoas em relação às quais a atribuição de uma proteção ou assistência especial, seja, de uma maneira geral, reconhecida como necessária, por motivos tais como o sexo, a invalidez, os encargos de família ou o nível social ou cultural.
382
Ainda discorrendo sobre o voto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias
Toffoli lembra a inexistência de violação quanto à Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que traz em seu artigo 1º o
conceito de discriminação sobre o qual discorremos no capítulo segundo:
O fato é que tanto as disposições constitucionais convencionais como as infraconstitucionais não impedem que ocorram tratamentos diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para o discrímen e que as garantias sejam proporcionais às diferenças existentes entre os gêneros, ou ainda, definidas por algumas conjunturas sociais. Sobre o tema, vide a sóbria e exata colocação de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a
381
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015. 382
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 157.
132
impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, o quanto possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade, assegura que os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos sem especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentos as para os atingidos” (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo, Malheiros, 1999, p. 18).
383
Portanto, não houve tratamento arbitrário ou em detrimento do homem, pois o
que o legislador verificou foi a necessidade de, diante das diferenças suscitadas,
conferir às mulheres o benefício normativo juslaboral.
Assim, constituem outras hipóteses normativas em que se concebeu a
igualdade como um fim necessário em situações de desigualdade:
i) direitos trabalhistas extensivos aos trabalhadores não incluídos no setor formal, como é o caso das trabalhadoras domésticas; ii) licença-maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com prazo superior à licença-paternidade; iii) prazo menor para a mulher adquirir a aposentadoria por tempo de serviço e de contribuição, nos termos dos arts. 40, inciso III e 201, § 7º, da Constituição Federal; iv) Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, que dispôs que cada partido ou coligação deve reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo (art. 10, § 3º, com a redação dada pela Lei n. 12.034, de 2009); e v) “Lei Maria da Penha” (Lei n. 11.340/2006), que estabeleceu uma série de proteções especiais às mulheres vítimas de violência doméstica.
384
Vale transcrever excerto do artigo “A Interpretação do Artigo 384 da
Consolidação das Leis de Trabalho e o Tratamento Isonômico entre Homens e
Mulheres” acerca do tema:
Sem embargo, com a devida vênia à tese defendida por parte da doutrina e da jurisprudência pátrias, que perfilham entendimento no sentido de ser inconstitucional o texto do art. 384 da CLT, entende-se que a proteção ao labor da mulher quanto a sua duração configura-se proteção à situação desigual, sem qualquer ofensa ao princípio constitucional da igualdade.
385
O Ministro ainda destaca:
Dúvida não há de que a Constituição Federal de 1988 representou um marco contra a discriminação da mulher, inclusive nos ambientes laboral e familiar. No entanto, não vislumbro motivos para que se utilize desse argumento para eliminar garantias que foram instituídas por escolha do legislador, dentro de sua margem de ação. Ainda que existisse alguma
383
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015. 384
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015. 385
OLIVEIRA, Maria Fernanda Pereira de. In: Repertório IOB de jurisprudência: trabalhista e previdenciário, n.
13, pp. 425-422, jul. 2008.
133
dúvida – o que não ocorreu com este Relator – na espécie caberia a aplicação do “forema” in dubio pro legislatore, que, para alguns doutrinadores, como García Amado (apud PULIDO, Carlos Bernal. El neoconstitucionalismo a debate. Bogotá: Instituto de Estudios Constitucionales, 2006, p. 17), é, em verdade, uma regra de preferência quando há zona de penumbra quanto à constitucionalidade ou não de uma decisão discricionária adotada pelo legislador. Da mesma forma, quando se vislumbra, pela abertura constitucional, uma pluralidade de concretizações possíveis, há que se respeitar o “pensamento possibilista”, há muito defendido por Peter Häberle, apoiado no escólio de Niklas Luhmann (Komplexität und Demokratie, PSV, 4, 1968, p. 494 e ss.), na defesa da própria democracia, desde que, como bem anotou aquele filósofo e jurista, as alternativas surjam dos marcos constitucionais (HÄBERLE, Peter. Pluralismo y constitución: estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Estudio preliminar y traducción de Emilio Mikunda-Franco. Madrid: Tecnos, 2002, p. 68).
386
Em conclusão, o dispositivo atacado não viola o artigo 7º, XXX, da
Constituição Federal de 1988, na medida em que não diz respeito a tratamento
diferenciado quanto ao salário a ser pago a homens e mulheres, a critérios distintos
de admissão, ou mesmo a exercício de funções diversas entre diferentes gêneros.
Ante o exposto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 384 da
CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que a norma se aplica a
todas as mulheres trabalhadoras, pois:
são legítimos os argumentos jurídicos a garantir o direito ao intervalo. O trabalho contínuo impõe à mulher o necessário período de descanso, a fim de que ela possa se recuperar e se manter apta a prosseguir com suas atividades laborais em regulares condições de segurança, ficando protegida, inclusive, contra eventuais riscos de acidentes e de doenças profissionais. Além disso, o período de descanso contribui para a melhoria do meio ambiente de trabalho, conforme exigências dos arts. 7º, inciso XXII, e 200, incisos II e VIII, da Constituição Federal.
387
Nessa continuidade, partindo da premissa de que o artigo 384 da CLT foi
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, surgiu o debate acerca das
consequências do seu descumprimento. Parte da doutrina opinava que a
inobservância do intervalo implicaria infração administrativa, apenas computando-se
os 15 minutos no labor em sobrejornada, já que a mulher estaria iniciando a
prorrogação de seu horário normal, além de tratar-se de intervalo intrajornada não
remunerado, sem afirmar que será computado na jornada.388
386
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27-11-2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015. 387
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658312, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27-11-2014. Acórdão eletrônico – Repercussão Geral Mérito, DJe-027, Divulg 09-02-2015, Public 10-02-2015. 388
MARTINS, Adalberto. In: MACHADO, Costa (coord.); ZAINAGHI, Domingos Sávio (org.). CLT interpretada artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8. ed. São Paulo: Manole, 2017, p. 259.
134
Contudo, não era esta a posição da jurisprudência majoritária, especialmente
em face da ampliação do conceito de jornada extraordinária, que abrange o trabalho
nos intervalos legalmente previstos, ainda que não remunerados, conforme
reiterados julgados do Tribunal Superior do Trabalho, que vinha determinando a
aplicação analógica do artigo 71, § 4º, da CLT.389
Nessa sequência, no entanto, o julgamento da Suprema Corte foi anulado por
questão meramente formal, retornando à pauta da sessão do dia 14 de setembro de
2016. Mais tarde, embora os processos já ajuizados mantivessem acesos os
debates sobre a pausa de 15 minutos antes das horas extras, a partir de 11 de
novembro de 2017 esse dispositivo deixou de vigorar.
Carlos Henrique Bezerra Leite entende que a revogação do dispositivo pela
Reforma Trabalhista representa um retrocesso social e discriminação de gênero do
legislador em desfavor da mulher empregada.390 Por esse ângulo, Antonio Umberto
Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de
Azevedo Neto, interpretam:
Essa mudança legal, portanto, afeta o núcleo mínimo do direito fundamental das trabalhadoras brasileiras à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (CF, art. 7º, XXII), na medida em que, em vez de minimizar, claramente maximiza tais riscos sem qualquer argumento técnico-científico, ofendendo, ainda, a efetiva adequação do trabalho às condições psicofísicas das trabalhadoras, patamar jurídico humanístico diferenciado estabelecido por convenção internacional de direitos humanos regularmente incorporada ao direito interno e perante a qual o legislador infraconstitucional deve necessária adstrição e respeito, haja vista sua natureza “supralegal” (CF, art. 5º, parágrafos 2º e 3º, STF, HC n. 87.585/TO e RE n. 466.343/SP).
391
Ademais, concluem que se trata de involução jurídica e que não houve
qualquer justificativa apontada no Relatório do Deputado Rogério Marinho (PSDB-
RN), relator da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados392:
[...] o relator no Senado, Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), foi enfático ao se pronunciar pessoalmente contrário à revogação do art. 384 da CLT, destacando inclusive que, “embora reconheçamos a demanda pela
389
MARTINS, Adalberto. In: MACHADO, Costa (coord.); ZAINAGHI, Domingos Sávio (org.). CLT interpretada artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8. ed. São Paulo: Manole, 2017, p. 259. 390
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 582. 391
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 156. 392
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
pp. 154-155.
135
mudança, também reconhecemos em muitos setores que a manutenção da norma é necessária para proteger a higidez, saúde e segurança da mulher”. Porém, ao final, paradoxalmente, rejeita emenda de manutenção do artigo celetista em comento “diante do pacto estabelecido entre as lideranças do Congresso Nacional e do Poder Executivo”, que, conforme amplamente declarados pelos próprios congressistas na mídia e em sessões públicas, consistia em um grande “acordo político” cujo propósito era “acelerar” a aprovação do projeto de Reforma Trabalhista no Congresso Nacional mediante promessa do atual Presidente da República, Michel Temer, de que futuramente publicaria a Medida Provisória revendo alguns temas. A manobra política foi usada porque, havendo aprovação de qualquer emenda no Senado – uma que fosse –, o projeto retornaria na íntegra para a Câmera dos Deputados (CF, art. 65, parágrafo único), com enorme prejuízo para os propósitos políticos imediatistas do Governo Federal.
393
Na oportunidade, lembram e ressaltam parte do julgamento da Suprema
Corte que entendeu pela recepção do dispositivo. O Ministro do Supremo Tribunal
Federal Dias Toffoli argumentou que qualquer modificação legislativa no dispositivo
deveria ter fundamentos reais e efetivos para retirar a norma do ordenamento
jurídico. Assim enfatizam os autores:
[...] foi exatamente tudo isso que, neste caso, não se observou. Afinal, no particular, não houve fundamentação técnica, não houve debate democrático e não houve sequer decisão no âmbito do Congresso Nacional. Pelo contrário, operou-se tramitação apressadíssima de formulação legislativa de profunda impactação na realidade sociolaboral brasileira, cuja deliberação política final foi atribuída inteiramente ao Presidente da República sob o único e exclusivo argumento de que haveria um “acordo político” para uma futura Medida Provisória. Ressalte-se, a propósito, que o Presidente da República sancionou integralmente o material legislativo que recebeu, fazendo nascer a Lei n. 13.467/2017. Processo legislativo, pois, deveras insólito.
394
Vale lembrar que o tema é de ordem pública, pois envolve a discussão sobre
o equilíbrio do meio ambiente de trabalho da mulher. Por conta disso, convém
repisar algo a respeito do núcleo mínimo do direito fundamental à redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, conforme
dispõe o artigo 7º, XXII da Constituição Federal de 1988:
Ora, tratando-se de temática ambiental (equilíbrio do meio ambiente de trabalho – CF, art. 200, XXII), a discussão deverá ser sempre interdisciplinar, a envolver abalizados argumentos técnico-científicos relacionados à saúde humana. Não por outro motivo, o texto constitucional reporta não só ao propósito de redução dos riscos labor-ambientais, mas também à exigência de que tal redução deva ser instrumentalizada “por
393
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo:
Rideel, 2017, pp. 154-155. 394
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 155.
136
meio de normas de saúde, higiene e segurança”, ou seja, por meio de debate cientificamente sério e reconhecido.
395
Nessa esteira, a questão ganha maior obscuridade do ponto de vista técnico,
quando recordamos que a palavra “saúde” deve abarcar tanto a saúde física quanto
mental, com fundamento no artigo 3º, item e, da Convenção n. 155, da OIT. Ou seja,
os riscos ambientais trabalhistas a serem enfrentados abrangem também os riscos
ergonômicos e psicossociais. Estes últimos têm forte presença relacionada à estafa
mental naturalmente vivenciada quando da prática de horas extras, o que se
potencializa em face de quem exerce, por fortes fatores culturais, a conhecida “dupla
jornada”, como ocorre com a mulher trabalhadora.396
Neste ponto, inclinamos a importância de comentar sobre a “dupla jornada”,
ou seja, no que se refere à matéria da proteção da maternidade e da conciliação
entre a vida profissional e a vida privada dos trabalhadores.
Assim, oportuno analisar, mais uma vez, em breve síntese, o direito do
trabalho português, sobre o qual Maria do Rosário Palma Ramalho ensina:
[...] em termos directos, a dominância sociológica do trabalho masculino, como fonte exclusiva ou principal do rendimento familiar, esbate-se naturalmente com o desempenho de uma actividade profissional pelos trabalhadores dos dois sexos e este desempenho contribui, correlativamente, para atenuar a tradicional separação de papéis sociais entre os dois sexos no atendimento à família.
397
Tal avanço
[...] é especialmente nítido no caso português, em que as mulheres trabalham, tal como os homens, quase sempre o tempo inteiro, e não como sucede noutros países, sobretudo a tempo parcial – o que, em certa medida, facilita a perpetuação da separação tradicional das tarefas de atendimento à família. E é também evidente porque, em muitos casos, os dois membros do casal têm uma actividade profissional não por opção, mas porque o rendimento de um deles não é suficiente para acorrer às necessidades do agregado familiar.
398
Ademais, a intensa atuação feminina no mercado de trabalho
faz surgir necessidades novas de compatibilização da vida profissional com a função genética da trabalhadora mulher, por ocasião da maternidade, e
395
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo:
Rideel, 2017, p. 155. 396
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 156. 397
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 218. 398
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 218.
137
essas exigências interferem globalmente com a organização das empresas, obrigando a uma maior elasticidade organizativa e de gestão [...].
399
Por outro viés,
porque desta participação das mulheres no mercado de trabalho decorrem também necessidades de compatibilização da vida profissional e da vida familiar para os trabalhadores dos dois sexos (e não só para a trabalhadora mulher), na partilha das responsabilidades inerentes às qualidades de pai e de mãe, que acumulam com a qualidade de trabalhador e de trabalhadora.
400
Os destaques mencionados vão de encontro com o pensamento de Hegel,
conforme apontamos nas premissas de Jean-Jacques Rousseau. Hegel, outrossim,
distribui papéis dentro da família para os indivíduos de acordo com o sexo de cada
um e, por isso, conforme a sua natureza, uma vez que a família é o espírito ético
mais imediato ou natural.401
Nesse contexto, nas notas de Maria do Rosário Palma Ramalho:
Nesta matéria (enquadrada pela L. 4/84, de 5 de Abril, e pela L. 17/95, de 9 de Junho), e que voltou aliás a merecer atenção do legislador constitucional na revisão de 1977 (com a referência expressa do art. 59. no 1 b) da CRP à necessidade de assegurar a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar), o sistema garante formalmente o não prejuízo na carreira profissional por motivos atinentes à maternidade (com a manutenção do direito ao lugar e aos demais elementos integrativos do estatuto da trabalhadora na empresa, nas situações de licença de maternidade e de licença especial para assistência aos filhos) – arts. 9º e 14º da L. 4/84; o sistema possibilita formalmente o ajustamento dos tempos de trabalho às necessidades de atendimento aos filhos, por acordo entre o trabalhador e o empregador (é a previsão da jornada contínua, do tempo parcial ou dos horários de trabalho flexíveis – art. 15º da L. 4/84) e, em casos especiais, sem necessidade de acordo (art. 10º-A da L. 4/84); e prevê ainda a justificação das faltas para prestação de assistência inadiável a membros do agregado familiar – arts. 13º e 14º da L. 4/84. 402
Dito isso, podemos concluir o avanço do direito laboral em Portugal quando
comparamos ao ordenamento jurídico brasileiro. Assim, o direito comparado é
compreendido como “o ramo da ciência jurídica que estuda as semelhanças e
399
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 218-
219. 400
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 218-
219. 401
HEGEL, Georg. W. F. Ciência da lógica: excertos. São Paulo: Barcarolla, 2011, §157. 402
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Estudos de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2003, p. 223.
138
dissemelhanças entre institutos e/ou ordenamentos jurídicos de diferentes Estados,
mediante cotejo sistemático e classificação em famílias” 403.
A sua utilização, portanto, trata de universalizar o valor social do trabalho
humano a partir de um balizamento internacional pelo diálogo transfronteiriço das
fontes, restabelecendo a convergência entre as “duas (várias) cidadanias”. 404 E,
arrolando o direito comparado como fonte do direito trabalhista, o artigo 8º do
diploma celetista nos permite abraçar as linhas interpretativas dos estudos de Maria
Rosário Palma Ramalho para a ordem jurídica interna.
Isto posto, entendemos pela inconstitucionalidade da revogação do artigo 384
da CLT por ferir as disposições constitucionais e infraconstitucionais acima
invocadas e por expressar violação ao princípio constitucional da vedação de
retrocesso social (artigos 5º, LIV e § 2º, 7º, caput e XXII, da Constituição Federal de
1988 e o Pacto de São José da Costa Rica).
Igualmente, por envolver temática de saúde, higiene e segurança do trabalho,
e por ser fruto de processo legislativo que também fez “vista grossa” para todos os
preceitos acima invocados, integrantes de diplomas internacionais ratificados pelo
Brasil e, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por versar sobre
direitos humanos, portam natureza jurídica supralegal, ou seja, há de prevalecer
sobre a lei nacional, a revogação desse enunciado também é inconvencional.
Sobre o conceito de controle de convencionalidade, André de Carvalho
Ramos explica:
O controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos internos (comissivos ou omissivos) em face das normas internacionais (tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções vinculantes de organizações internacionais). Esse controle pode ter efeito negativo ou positivo: o efeito negativo consiste na invalidação das normas e decisões nacionais contrárias às normas internacionais, resultando no chamado controle destrutivo ou saneador de convencionalidade; o efeito positivo consiste na interpretação adequada das normas nacionais para que estas sejam conformes às normas internacionais (efeito positivo do controle de convencionalidade), resultando em um controle construtivo de convencionalidade.
405
403
FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olivia de Quintana F. Diálogo de fontes na pós-reforma (Lei 13.467/2017): o direito comparado como alternativa de colmatação para as lacunas do direito do trabalho brasileiro. In: Revista LTr., v. 81, n. 9, set. 2017, p. 1.069. 404
FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olivia de Quintana F. Diálogo de fontes na pós-reforma (Lei 13.467/2017): o direito comparado como alternativa de colmatação para as lacunas do direito do trabalho brasileiro. In: Revista LTr., v. 81, n. 9, set. 2017, p. 1.074. 405
SAGÜES, Nestor Pedro. El “control de convencionalidad” en el sistema interamericano, y sus antecipos en el ámbito de los derechos económicos-sociales. Concordancias y diferencias con el sistema europeo. In:
BOGDANDY, Armin von; FIX-FIERRO, Héctor; ANTONIAZZI, Mariela Morales; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (orgs.). Construcción y papel de los derechos sociales fundamentales. Hacia un ius constitucionale
commune en América Latina. Universidad Nacional Autônoma de México: Instituto de Investigaciones Jurídicas,
139
Esta forma de controle pode ser de duas espécies: a internacional e a
nacional. A norma internacional consiste no parâmetro do controle de
convencionalidade internacional; o seu objeto é toda a normativa interna, e pouco
importa a sua hierarquia nacional, que pode até mesmo ser oriunda do Poder
Constituinte Originário. Ademais, neste controle, o tratado de direitos humanos é
sempre a norma paramétrica superior.406
Por outro lado, no controle nacional, há limite ao objeto, tendo em vista que as
normas do Poder Constituinte Originário não podem ser analisadas. Além disso, a
hierarquia do tratado-parâmetro depende do direito nacional, que estabelece o
estatuto dos tratados internacionais.407
Em continuidade ao tema desta pesquisa, em que pese a revogação da
norma, as discussões sobre a importância do direito que deixou de existir no sistema
de normas trabalhistas não pararam por aí. Com o tempo, houve a supressão do
ordenamento jurídico de diversos direitos protetores da mulher como, por exemplo,
os que tratavam sobre o trabalho noturno e a jornada de trabalho da empregada.
Entretanto, quando da revogação desses dispositivos pela Lei n. 7.855/1989,
o legislador entendeu que a regra do artigo 384 da CLT deveria ser mantida, a fim
de garantir à mulher uma diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial
peculiar e sua potencial condição de mãe, gestante ou administradora do lar,
realidade esta que ainda permanece nas mais diversas regiões do país.
As normas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho,
além das linhas doutrinárias apontadas ao longo do estudo pela recepção remetem
à conclusão de que ao revogar o artigo 384 da CLT, a Lei n. 13.467/2017 reduziu
importante direito das mulheres e foi de encontro ao disposto no artigo 7º, XX, da
Constituição Federal de 1988. Apesar de estarmos diante de um dispositivo
revogado, podemos nos debruçar em novas linhas de pesquisa.
A primeira delas: essa revogação trouxe reflexo negativo ao direito do
trabalho, pois pode servir, em um futuro próximo, de substrato para revogar ou
restringir outras normas tutelares. Como exemplo, citamos o artigo 390 da CLT, que
permaneceu intacto com a Reforma Trabalhista. E vamos além. Não só em normas 2011. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/7/3063/16.pdf. Acesso em: 15 out. 2016 apud RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 589. 406
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 589-593. 407
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 590-593.
140
que tutelam o trabalho da mulher, mas também quanto as que protegem o trabalho
do menor, já que o intervalo especial de 15 minutos também era concedido ao
empregado menor, pela disposição do § 3º do artigo 413 da CLT.
Nessa continuidade, destacamos uma terceira e última pesquisa acerca dos
impactos da revogação.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem gerando fenômeno similar
ao que os juristas norte-americanos identificam como backlash. Todavia, antes de
abordar especificamente os aspectos teóricos do fenômeno backlash, faremos uma
breve incursão no chamado constitucionalismo democrático que, em contraste ao
constitucionalismo popular, é:
[...] teoria que apregoa que as decisões concernentes às Constituições devem ser tomadas apenas pelo povo, e não mais pelo Poder Judiciário
408
e, também, ao Minimalismo Judicial, de acordo com o qual as cortes não deveriam decidir questões “desnecessárias” na resolução de um caso concreto, limitando-se a respeitar seus próprios precedentes e exercer “virtudes passivas”, o Constitucionalismo Democrático legitima a atuação do Poder Judiciário por meio da utilização de princípios constitucionais de abertura argumentativa no processo de interpretação constitucional, de modo a potencializar o engajamento político expresso em termos de interações entre as cortes e a sociedade em geral.
409
Robert Post e Reva Siegel, ambos professores da Yale Law School, no texto
“Democratic Constitutionalism and Backlash”, ensinam que o constitucionalismo
democrático “afirma o papel do governo representativo e dos cidadãos mobilizados
na garantia da Constituição, ao mesmo tempo em que afirma o papel das Cortes na
utilização de um raciocínio técnico-jurídico para interpretar a Constituição”.410
De forma diversa do constitucionalismo popular, o democrático
não procura retirar a Constituição das Cortes. O Constitucionalismo Democrático reconhece o papel essencial dos direitos constitucionais judicialmente garantidos na sociedade americana. Diferentemente do foco juricêntrico nas Cortes, o Constitucionalismo Democrático aprecia o papel essencial que o engajamento público desempenha na construção e legitimação das instituições e práticas do judicial review.
411
408
KRAMER, Larry. The interest of the man: James Madison, popular democracy. Valparaiso University Law Review, v. 41, n. 2, pp. 697-754, 2007. Disponível em: http://scholar.valpo.edu. Acesso em: 19 out. 2019. 409
BUNCHAFT, Maria Eugênia. Constitucionalismo democrático versus minimalismo judicial. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 38, pp. 154-180, jan.-jun. 2011. Disponível em: http://www.jur.puc-rio.br. Acesso
em: 9 out. 2019. 410
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe rage: democratic constitutionalism and the backlash. Harvard Civil Rights – civil liberties law review, v. 42, n. 2, pp. 373-433, 2007. Disponível em: https://papers.ssrn.com. Acesso
em: 9 out. 2019. 411
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe rage: democratic constitutionalism and the backlash. Harvard Civil Rights – civil liberties law review, v. 42, n. 2, pp. 373-433, 2007. Disponível em: https://papers.ssrn.com. Acesso
em: 9 out. 2019.
141
No seu entendimento, a enunciação do constitucionalismo democrático reside
justamente no fato de que a autoridade da Constituição depende de sua legitimidade
democrática, o que se dá no momento em que os cidadãos reconhecem a
Constituição. Para eles, essa crença é sustentada por tradições de engajamento
popular, que autorizam os cidadãos a não só interpretar a Constituição, como
também a se opor a quem quer que a esteja desrespeitando.412
No constitucionalismo democrático é inquestionável que as manifestações e
as reações populares contrárias a certa interpretação constitucional feita pelo Poder
Judiciário reverenciam a legitimidade do sistema jurídico,413 pois é dada ao povo a
abertura para debater como a Constituição deve ser aplicada. Nada mais razoável e
esperado do que haver discordâncias da posição adotada pelo Poder Judiciário nas
decisões em que se interpreta a Constituição Federal de 1988.
Pois bem, em 1972, no caso Furman vs. Georgia, a Suprema Corte dos EUA
decidiu, por 5 a 4 votos, a incompatibilidade da pena de morte com a oitava emenda
da constituição norte-americana, que veda a adoção de penas cruéis e incomuns.
A postura liberal da Corte fortaleceu ainda mais os conservadores, que
conseguiram vitórias políticas nas eleições seguintes, conquistando cargos no
parlamento e no executivo. A sua bandeira política foi o endurecimento da legislação
penal. Dessa forma, ao conquistarem cada vez mais espaço político, os
conservadores conseguiram aprovar diversas leis aumentando o rigor da legislação
penal, inclusive ampliando a prática da pena de morte.
Por seu turno, em 1976, diante da alteração do cenário político, a Corte dos
EUA, ao reavaliar a decisão, passou a entender que, com exceção de alguns casos,
a pena de morte era compatível com a oitava emenda, permitindo que os estados
continuassem a prever a pena para os crimes mais graves.
Após a decisão proferida no caso Furman vs. Georgia e a consequente vitória
eleitoral do grupo favorável à pena de morte, a quantidade de estados que passaram
a adotá-la aumentou significativamente no tocante ao quadro anterior. Ou seja,
Estados que não adotavam a pena de morte passaram a adotá-la em razão da
mudança na opinião pública provocada pela reação contra a postura liberal. 412
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe rage: democratic constitutionalism and the backlash. Harvard Civil Rights – civil liberties law review, v. 42, n. 2, pp. 373-433, 2007. Disponível em: https://papers.ssrn.com. Acesso
em: 9 out. 2019. 413
KOZICKI, Katya. Backlash: as “reações contrárias” à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 153. In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de et al. (org.). O direito achado na rua: introdução crítica à justiça de
transição na América Latina. Brasília: UnB, 2015. v. 7. pp. 192-194. Disponível em: http://www.justica.gov.br. Acesso em: 9 out. 2019.
142
Desta feita, o exemplo citado propõe o que é o fenômeno backlash. Trata-se
de um efeito colateral das decisões judiciais em questões polêmicas, decorrente de
uma reação do poder político contra a pretensão do poder jurídico de controlá-lo.
Nessa perspectiva, a expressão backlash traduz um forte sentimento de um
grupo de pessoas em reação a eventos sociais ou políticos. Embora o tema tenha
sido pouco explorado pela doutrina brasileira, encontramos breve nota explicativa a
respeito no voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, em julgado da
Corte reconhecendo a constitucionalidade material da ‘Lei da Ficha Limpa’.
Em sua denotação clássica, a terminologia backlash está relacionada a uma
reação brusca de uma roda ou conjunto de rodas conectadas em um mecanismo em
razão de movimento não uniforme ou pressão súbita nela aplicada.414 A palavra
começou a ser utilizada no contexto político para descrever reações desencadeadas
por mudanças bruscas do status quo como, por exemplo, as reações aos
movimentos feministas em busca de direitos.415
Assim leciona Katya Kozicki:
O termo backlash pode ser traduzido como reação, resposta contrária, repercussão. Dentro da teoria constitucional, vem sendo concebido como a reação contrária e contundente a decisões judiciais que buscam outorgar sentido às normas constitucionais. Seriam, então, reações que acontecem desde a sociedade e questionam a interpretação da Constituição realizada no âmbito do Poder Judiciário. No Brasil, penso ser o caso, especialmente, das reações populares às decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em sede de controle concentrado/abstrato de constitucionalidade. O engajamento popular na discussão de questões constitucionais não apenas é legítimo dentro dessa perspectiva, mas pode contribuir, também, para o próprio fortalecimento do princípio democrático.
416
Conforme observa Pedro Lenza:
a doutrina norte-americana passou a empregar o termo backlash — nesse sentido de reação, a partir do papel desempenhado pelas Cortes em relação a temas extremamente delicados para o seu momento histórico, como a separação entre brancos e negros em escolas do Sul dos Estados Unidos (Brown v. Board of Education) e o reconhecimento da possibilidade da interrupção da gravidez até o primeiro trimestre (Roe v. Wade), dentre tantos outros. Conforme explicam, a maioria dos autores refere-se ao fenômeno backlash sob a perspectiva dos tribunais e considerando o risco
414
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 90-91. 415
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 90-91. 416
KOZICKI, Katya. Backlash: as “reações contrárias” à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 153. In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de et al. (org.). O direito achado na rua: introdução crítica à justiça de
transição na América Latina. Brasília: UnB, 2015. v. 7. pp. 192-194. Disponível em: http://www.justica.gov.br. Acesso em: 9 out. 2019.
143
que a decisão, sem o apoio popular, possa trazer à própria existência (e legitimidade) do Poder Judiciário.
417
Desta feita, podemos relacionar a revogação do artigo 384 da CLT com o
efeito backlash em razão do contexto em que a Reforma Trabalhista foi aprovada e
porque tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal Superior do Trabalho já
haviam decidido que o dispositivo fora recepcionado pela ordem constitucional de
1988.
A maioria dos autores refere-se ao fenômeno backlash sob a perspectiva dos
tribunais e considerando o risco de que a decisão, sem o apoio popular, possa trazer
à própria existência e legitimidade do Poder Judiciário. Por mais que o Judiciário
deva estar sensível às demandas políticas e sociais, jamais se admitirá que a
decisão, apesar de agradar a opinião pública, seja contrária à Constituição.
Naturalmente, os critérios técnicos e jurídicos deverão estar presentes e, em certas
situações, as decisões não encontram respaldo popular, gerando o fenômeno
backlash.
Entendemos assim que a referência ao tema se mostra extremamente densa
e revela perspectivas de amplas e calorosas discussões acadêmicas futuras.
3.2 O afastamento de gestantes e lactantes em atividades insalubres (artigo 394-A da CLT)
A saúde é um direito de todos, conforme previsto no artigo 6º da Constituição
Federal de 1988. Seu direito é garantido aos empregados, no que diz respeito à
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança.
Como reflexo desse direito, cabe ao empregador zelar pela higidez no
ambiente de trabalho adotando medidas coletivas e individuais de proteção e
segurança da saúde. Nesse sentido, a Convenção n. 155 da OIT e os artigos 7º,
XXII e XXVIII; e 225, ambos da Constituição Federal de 1988.
O texto consolidado também dá concretude ao direito à saúde no meio
ambiente do trabalho, quando dedica o Capítulo V do Título II às normas da
segurança e da medicina do trabalho nos artigos 154 a 201 da CLT.
417
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 139.
144
Ademais, disciplina todas as medidas que devem ser adotadas para tornar o
meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado e sem riscos à integridade
psicofísica dos trabalhadores.
Por oportuno, o artigo 3º, I da Lei n. 6.938/1982 define o meio ambiente como
o conjunto de condições, leis, influências e integrações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Nessa linha, nas palavras de José Afonso da Silva “[...] o meio ambiente de
trabalho pode ser entendido como local em que se desenrola boa parte da vida do
trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da
qualidade daquele ambiente”.418
Para Raimundo Simão de Melo, o meio ambiente laboral deve considerar a
pessoa do trabalhador e tudo que o cerca, tendo em vista que abarca “o local de
trabalho, os instrumentos de trabalho, o modo de execução das tarefas e a maneira
como o trabalhador é tratado pelo empregador ou tomador de serviço e pelos
próprios colegas de trabalho”.419
Como corolário do princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais, o
direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado amplia e intensifica o
sentido do direito à vida, à dignidade da pessoa humana para alcançar a garantia de
uma vida saudável que possibilite o desenvolvimento do ser humano em sua
integralidade e em todas as suas potencialidades.420
Nessa linha, ao citar José Afonso da Silva, Zélia Maria Cardoso confirma:
[...] as normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos e demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada.
421
418
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 5. 419
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo:
LTr., 2013, p. 29. 420
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 124. 421
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 124.
145
Ao contratar empregados a empresa deve ter ciência da sua responsabilidade
pela saúde, segurança e bem-estar daqueles, oferecendo-lhes um meio ambiente do
trabalho que não represente riscos para a sua integridade psíquica.422
O descaso na prevenção dos riscos à saúde do trabalhador ou a
impossibilidade de se eliminar as condições inadequadas ao meio ambiente do
trabalho podem ocasionar acidentes do trabalho ou a contração de moléstias
ocupacionais.423
Assim, o meio ambiente de trabalho salubre é direito de todos os
trabalhadores, independentemente da forma ou do local da prestação de serviços. O
ideal seria que ele sempre fosse saudável e seguro para preservar a saúde física e
mental, além da vida dos empregados, proporcionando bem-estar e segurança. O
artigo 157 da CLT, por isso, atribui ao empregador o dever de resguardar seus
empregados dos riscos inerentes à atividade profissional.
Entretanto, nem sempre isso é possível. Constatado o desempenho de
atividades em condições prejudiciais à saúde ou que coloquem em risco a
integridade física do trabalhador, o legislador, conforme ensina Sebastião Geraldo
de Oliveira, pode eleger uma das seguintes condutas: i) aumentar a remuneração
para compensar o maior desgaste do trabalhador (monetização do risco); ii) reduzir
a duração da jornada; iii) proibir o trabalho (alternativa ideal). 424
Argentina425, Paraguai426 e Uruguai427, por exemplo, para citar países que
com o Brasil compõem o MERCOSUL, optaram por reduzir a jornada de trabalho
dos empregados que laboram em atividades ou operações insalubres, sem diminuir
o salário correspondente à jornada normal de 8 horas diárias.
No entanto, no Brasil, o legislador optou por criar o adicional de insalubridade
por meio da Lei n. 185/1936, diploma legal que instituiu as comissões competentes
para determinar o valor do salário mínimo.428
O artigo 2º da Lei n. 185/1936 dispunha: 422
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 125. 423
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 125. 424
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. São Paulo: LTr., 2011,
p. 129. 425
Artigo 200 da Lei n. 20.744/1976. 426
Artigo 198 da Lei n. 213/1993. 427
Artigo 1º da Lei n. 11.577/1950. 428
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das leis do trabalho comentada. 48. ed. Atualizada por José
Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr., 2015, p. 335.
146
Salário mínimo é a remuneração mínima devida ao trabalhador adulto por dia normal de serviço. Para os menores aprendizes ou que desempenhem serviços especializados é permitido reduzir até metade o salário mínimo e para os trabalhadores ocupados em serviços insalubres é permitido aumentá-lo na mesma proporção.
Por sua vez, o Decreto-Lei n. 399/1938, que regulamentou a Lei n. 185/1936,
no § 1º do seu artigo 4º, atribuiu ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
competência para organizar “[...] o quadro das indústrias insalubres que, pela sua
própria natureza ou método de trabalho, forem susceptíveis de determinar
intoxicações, doenças ou infecções.”
Inicialmente,
[...] para os trabalhadores ocupados em operações consideradas insalubres era garantido um aumento salarial que poderia chegar até o equivalente à metade do salário mínimo. Em 1º de maio de 1940, o Decreto-Lei n. 2.162, fixou
429 o pagamento do referido adicional em grau máximo, médio e
mínimo, no percentual de 40%, 20% ou 10%, respectivamente, sobre o salário mínimo.
430
Com a entrada em vigor da CLT em 1943, a matéria passou a ser
regulada em sua Seção XIII, contida no Capítulo V.
Com o escopo de viabilizar o direito à saúde e o ambiente de trabalho hígido,
a Constituição Federal de 1988 e a CLT previram o adicional de insalubridade.
Sobre o tema, discorre Carla Teresa Martins Romar:
O direito ao recebimento de adicional de remuneração por trabalho em atividades insalubres é previsto pelo art. 7º, XXIII, da Constituição Federal. Considera-se trabalho insalubre a atividade que pode abalar a saúde do trabalhador de forma grave, ocasionando doenças. A insalubridade diz respeito, portanto, a um risco à saúde do trabalhador.
431
Nessa sequência, conforme prevê o artigo 189 da CLT, são consideradas
atividades ou operações insalubres aquelas que,
por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
429
Decreto-Lei n. 2.162/ 1940. Artigo 6º. 430
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das leis do trabalho comentada. 48. ed. Atualizada por José
Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr., 2015, p. 335. 431
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 695.
147
Compete, pois, ao Ministério do Trabalho432 aprovar o quadro das atividades e
operações insalubres e adotar normas sobre os critérios de caracterização da
insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, os meios de proteção
e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes (artigo 190 da
Consolidação das Leis do Trabalho).
A empregada que presta serviços em atividades insalubres tem o direito de
receber o adicional de insalubridade. O valor do adicional pode variar conforme o
seu grau. Se em grau máximo, o adicional será de 40%; em grau médio, de 20% e
em grau mínimo, de 10%, todos percentuais calculados sobre o salário-mínimo.433
A partir da Constituição Federal de 1988, o adicional de remuneração para as
atividades insalubres foi reconhecido também na seara constitucional, conforme
observamos do artigo 7º, XXIII. Os Textos Constitucionais anteriores limitaram-se a
vedar o trabalho das mulheres e dos menores em indústrias insalubres.434
Como se nota, o legislador brasileiro optou pela monetização do risco, ao fixar
o pagamento do adicional de insalubridade, o qual possui natureza de salário-
432
Na atualidade trata-se da Secretaria do Trabalho vinculada ao Ministério da Economia. 433
Sobre o tema, a Emenda Constitucional n. 45/2004, conhecida como a “Reforma do Judiciário” inovou o ordenamento jurídico ao dispor sobre a Súmula Vinculante, a qual submete os órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal a seguirem as decisões reiteradas sobre matéria constitucional do Supremo Tribunal Federal, após o voto de 2/3 de seus Ministros, consoante artigo 103-A da Lei Fundamental. Em recente decisão referente à repercussão geral de um Recurso Extraordinário, a Suprema Corte criou a quarta súmula vinculante determinando que o salário mínimo não pode ser usado como indexador de benefício trabalhista. O salário mínimo é a importância capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, nos termos do artigo 7º, IV, da Constituição Federal de 1988. No mesmo dispositivo constitucional é encontrada a vedação da vinculação do salário mínimo para qualquer fim. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal gerou grande cizânia na doutrina referente a qual será a base de cálculo do adicional de insalubridade previsto no artigo 192 da CLT. O Tribunal Superior do Trabalho, ao se manifestar sobre a matéria, decidiu que a Suprema Corte utilizou-se da técnica de origem alemã da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade, a qual deixa certo que a norma, em que pese sua declaração de inconstitucionalidade, continua a regular as relações obrigacionais dela decorrentes em face da impossibilidade de o Poder Judiciário se substituir ao legislador para definir outra base de cálculo. Nesse sentido o artigo 27 da Lei n. 9.868/1999. Tal entendimento vai ao encontro da cláusula pétrea de separação dos poderes, já que não poderia o Poder Judiciário legislar e criar norma substitutiva da que foi declarada inconstitucional, como ocorria com redação suspensa da Súmula 228 do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, no entender do candidato, a base de cálculo do adicional de insalubridade será o salário mínimo até o advento de lei posterior que discipline nova base de cálculo. No tocante aos empregados que já tiveram por decisão judicial transitada em julgado a base de cálculo fixada com fulcro no salário mínimo, em respeito à coisa julgada, direito fundamental nos termos do artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, não é possível qualquer alteração, já que a interpretação da jurisprudência é que se mantenha tal base de cálculo. Algumas vozes defendem a relativização da coisa julgada e a possibilidade de revisão dessas decisões para que o empregado passe a receber o adicional de insalubridade com a nova base de cálculo mais vantajosa, pois a sociedade não poderia conviver com a coisa julgada inconstitucional. Nesse sentido, os artigos 475-L, § 1°, do Código de Processo Civil e 884, § 5°, da CLT disciplinam que o título executivo judicial deixará de ser exigível se fundado em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Por fim, muito embora o adicional em análise tenha surgido com o escopo de compensar o labor nas atividades insalubres, nos termos do artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, deve-se priorizar o fim das atividades desenvolvidas em ambiente hostil à saúde obreira, objetando a venda da integridade física através do pagamento de adicionais, já que o bem maior é a vida e não o patrimônio. 434
BUCK, Regina Célia. Cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. 2. ed. São Paulo:
LTr., 2015, p. 74.
148
condição e não se incorporando à remuneração. Destarte, ele é somente devido
enquanto existir a circunstância que respalda o recebimento de tal plus.
No entanto, esse acréscimo não se constitui propriamente em vantagem
pecuniária, ou seja, em salário, configura-se, uma tentativa de compensação para o
trabalhador em razão da prestação de serviço em condições mais gravosas à sua
saúde que o normal.
Por se tratar de matéria técnica de higiene ocupacional, compete ao Ministério
da Economia435 aprovar o quadro de atividades e operações insalubres e adotar as
normas concernentes aos critérios de caracterização da insalubridade, os limites de
tolerância aos agentes agressivos, os meios de proteção, e o tempo máximo de
exposição do trabalhador.436
Assim, o Ministério do Trabalho e Emprego437 regulamentou a matéria relativa
à Segurança e Medicina do Trabalho por intermédio da Portaria n. 3.214/1978, que
atualmente conta com 38 Normas Regulamentadoras, dentre elas, a Norma
Regulamentadora n. 15, que disciplina as atividades e operações insalubres.
Ademais, em seus 14 anexos, relaciona os agentes químicos, físicos e biológicos
que causam danos à saúde dos empregados.
Nessa senda, para caracterizar a insalubridade, é necessário o
preenchimento de dois requisitos de forma cumulativa. O primeiro deles é que o
empregado se exponha a agentes nocivos à saúde; e o segundo é que tal exposição
seja superior aos limites previstos na norma regulamentadora expedida pelo extinto
Ministério do Trabalho e Emprego.
O Texto Celetista propõe que eliminar ou neutralizar a insalubridade é
providência a ser tomada com a adoção de medidas que conservem o ambiente de
trabalho dentro dos limites de tolerância ou pelo uso de equipamentos individuais de
proteção pelo trabalhador. Além disso, prevê que a caracterização e a classificação
da insalubridade devem ser estabelecidas por perícia a cargo de médico do trabalho
ou engenheiro do trabalho, registrados no extinto Ministério do Trabalho e Emprego,
de modo que a prova pericial é indispensável para constatar o ambiente insalubre.
Entretanto, oportuno acentuar que mesmo a prova técnica apurando que o
empregado labora em atividades ou operações insalubres, ainda assim o adicional
435
Na atualidade trata-se da Secretaria do Trabalho vinculada ao Ministério da Economia. 436
CLT. Artigo 190. 437
Na atualidade trata-se da Secretaria do Trabalho vinculada ao Ministério da Economia.
149
respectivo somente é devido se a atividade ou operação estiver classificada como tal
no quadro elaborado pelo extinto Ministério do Trabalho.438
Dito de outra maneira, não basta a perícia identificar o agente insalubre, é
imperativo que este agente seja reconhecido como insalubre pelos normativos
editados pelo extinto Ministério do Trabalho.
Destarte, conforme preconiza a Súmula 248 do Tribunal Superior do Trabalho,
“A reclassificação ou a descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade
competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa a direito
adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial”.
Nesta senda, ao observar a ordem adotada pela CLT, verificamos a opção do
legislador de garantir ao obreiro o pagamento pelo prejuízo causado à sua saúde em
razão da exposição ao agente nocivo, pois primeiro estabelece as situações em que
caracterizada a insalubridade e justificado o recebimento do respectivo adicional,
para depois indicar em quais circunstâncias ocorre a eliminação ou a neutralização
do agente agressor.439
A NR-15 considera atividades ou operações insalubres as que se
desenvolvem acima dos limites de tolerância previstos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 11 e
12, as mencionadas nos Anexos 6, 13 e 14 e aquelas comprovadas por meio de
laudo de inspeção do local de trabalho, constantes dos anexos 7, 8, 9 e 10.
Ela relaciona nos seus 14 Anexos os seguintes agentes como insalubres:
ruído contínuo ou intermitente (Anexo 1), ruídos de impacto (Anexo 2), exposição ao
calor (Anexo 3), radiações ionizantes (Anexo 5), trabalho sob condições hiperbáricas
(Anexo 6), radiações não ionizantes (Anexo 7), vibrações (Anexo 8), frio (Anexo 9),
umidade excessiva (Anexo 10), agentes químicos (Anexos 11 e 13 – Benzeno:
Anexo 13-A), poeiras minerais, sílica livre e amianto (Anexo 12) e agentes biológicos
(Anexo 14). O anexo 4, revogado pela Portaria MTPS n. 3.751, de 23 de novembro
de 1990, apontava a insuficiência de iluminação como agente insalubre.
Regina Célia Buck diferencia agentes químicos de agentes biológicos:
[...] os agentes químicos podem ser encontrados nas formas gasosa, líquida e sólida; quando absorvidos pelo nosso organismo, por via respiratória, através da pele ou por ingestão, produzem na maioria dos casos, reações
438
Conforme artigo 196 da CLT e Súmula n. 460 do Supremo Tribunal Federal. 439
Tal opção vai de encontro com o artigo 7º, XXII, da Constituição Federal de 1988, que garante aos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.”
150
que são chamadas de venenosas ou tóxicas. Como exemplos: poeiras, fumo, neblinas, gases, névoas, vapores etc. Os agentes biológicos são micro-organismos presentes no ambiente de trabalho como bactérias, fungos, vírus, protozoários, bacilos, parasitas, entre outros. São invisíveis ao olho nu, sendo visíveis apenas ao microscópio.
440
Apontado o normativo do extinto Ministério do Trabalho que trata dos agentes
insalubres, passa-se a examinar os efeitos destes elementos nocivos sobre o
organismo humano e, em alguns casos, de modo específico, os males por eles
causados à gestante e ao nascituro. Sobre o tema, Melissa A. McDiarmid e outros
autores avaliam:
Reprodução é um processo complexo e vulnerável. A reprodução normal exige uma grande interação entre os processos anatômico e fisiológico. Os mecanismos hormonais envolvidos na reprodução exigem interações precisas entre o hipotálamo, a pituitária, e ovário ou testículo. Os incríveis mecanismos imunológicos que permitem que o tecido estranho do feto sobreviva dentro da mãe, somente agora começaram a ser elucidados. [...]. Exposições ocupacionais não são a causa da maioria dos distúrbios reprodutivos, mas a exposição ocupacional pode causar sérios problemas reprodutivos, que são inteiramente evitáveis. [...]. A exposição tóxica durante a gravidez pode causar malformação ou morte do feto. Atribuem-se a algumas exposições, problemas neuropsiquiátricos ou cânceres descobertos mais tarde na infância. Outras exposições podem levar a problemas de saúde que não são detectados antes da idade adulta.
441
O Anexo 1 da NR-15 da Portaria n. 3.21/1978 indica os limites de tolerância
para ruídos contínuos ou intermitentes, estabelecendo que os níveis destes agentes
devem ser medidos por decibéis. O quadro existente no mencionado anexo fixa que,
numa jornada de 8 horas, a máxima exposição diária permitida situa-se em 85
decibéis. Ultrapassado esse limite o ambiente torna-se insalubre, o que garante ao
empregado o pagamento do adicional de insalubridade.
Esse pagamento, no entanto, pode ser elidido se os EPI’s, no caso, protetores
auriculares, fornecidos obrigatoriamente pelo empregador, forem adequados para
neutralizar os efeitos do agente físico nocivo. Contudo, a simples utilização do EPI
não elimina o risco do empregado vir a sofrer redução da capacidade auditiva. Logo,
para ser eficaz, o protetor auricular precisa ser usado corretamente e obedecer aos
requisitos mínimos de qualidade aptos a garantir a atenuação do ruído, os quais
necessitam ser previamente testados pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego.
O item 5 do Anexo 1 da NR em estudo veda a exposição do trabalhador a
níveis de ruído acima de 115 dB, sem proteção adequada. Por sua vez, o item 7 do 440
BUCK, Regina Célia. Cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. 2. ed. São Paulo:
LTr., 2015, p. 72. 441
McDIARMID, Melissa A. et al. Patologia da reprodução relacionada com o trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p.1.575.
151
normativo adverte: “As atividades ou operações que exponham os trabalhadores a
níveis de ruído, contínuo ou intermitente, superiores a 115 dBA, sem proteção
adequada, oferecerão risco grave e iminente.”
Os efeitos do ruído no organismo humano, além dos limites permitidos, não
acarretam apenas a perda da audição, podendo causar também danos extra-
auditivos. Nesse sentido, Tuffi Messias Saliba elucida:
Os efeitos do ruído não se limitam ao aparelho auditivo. Vários estudos descrevem alterações em outros órgãos e reações psíquicas devido à exposição ao ruído. Dentre os estudos sobre os efeitos extra-auditivos do ruído descrito na literatura, há informação que a exposição pode afetar o sistema cardiovascular, provocar distúrbios gastrointestinais, irritabilidade, nervosismo, vertigens, alterações endócrinas, entre outros.
442
No que tange aos efeitos do ruído sobre o desenvolvimento do sistema
auditivo do nascituro, Giovana Verri esclarece:
O desenvolvimento da audição inicia por volta do 5º mês de gestação, mas o feto não parece estar preparado para os estímulos sonoros externos ao corpo da mãe. Estudos recentes [...] revelaram que os ruídos de 60 db a 80 db produzem estresse no concepto, e acima de 80 db são nocivos à saúde fetal. Conscientes disso, os estudiosos da área empenharam-se em analisar os efeitos da exposição do feto a ruído intenso, principalmente no terceiro trimestre da gestação e no recém-nascido. Esses estudos procuraram determinar o nível de exposição a ruído necessário para alterar o desenvolvimento da audição e da linguagem bem como as situações nas quais estes danos podem ocorrer, visando a prevenção e a orientação das gestantes.
443
A autora destaca autora ainda um estudo que analisou “[...] 131 crianças entre
6 e 10 anos, cujas mães foram expostas por nove meses a variáveis níveis de ruído
industrial, divididas em três grupos: de 65 a 75 dbA, de 75 a 85 dbA e de 85 a 95
dbA. [...].”444. Segue o que foi constatado:
[...] 31% das crianças testadas apresentavam perda auditiva em um ou ambos ouvidos. A maior perda encontrada estava no grupo de maior exposição. Conclui-se, então que é de 3 a 4 vezes maior a possibilidade de perda auditiva significativa em crianças cujas mães foram expostas durante a gestação a níveis de ruído maiores de 85 dbA, quando comparadas às crianças cujas mães foram expostas a intensidade menores. Baseado
442
SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 7. ed. São Paulo: LTr., 2016, p.
186. 443
VERRI, Giovana. A gestante exposta ao ruído: efeitos auditivos para o feto. 35f. Monografia (especialização
em audiologia clínica) – Centro de especialização de fonoaudiologia clínica, CEFAC, Porto Alegre, 1999. Disponível em: http://www.cefac.br. Acesso em: 15 out. 2019, p. 5. 444
VERRI, Giovana. A gestante exposta ao ruído: efeitos auditivos para o feto. 35f. Monografia (especialização
em audiologia clínica) – Centro de especialização de fonoaudiologia clínica, CEFAC, Porto Alegre, 1999. Disponível em: http://www.cefac.br. Acesso em: 15 out. 2019, pp. 8-9.
152
nesses estudos Lalande et al. (1986) propôs o limiar de 85 dbA como limite máximo para as gestantes trabalharem, levando em consideração a necessidade de excelente acuidade auditiva em crianças para o desenvolvimento da linguagem e da fala. Da mesma forma, Smeja concluiu em seus estudos de 1979 que gestantes trabalhando com intensidade abaixo de 90 dbA não estariam expondo o desenvolvimento auditivo de seus bebês a riscos significativos.
445
Infere-se que havendo observância das regras previstas no Anexo 1 da NR-
15 e o uso adequado dos equipamentos de proteção individual, capazes de atenuar
ou elidir os efeitos prejudiciais da exposição ao agente físico, o ruído contínuo ou
intermitente não oferece risco à saúde da gestante e do ser concebido.
O Anexo 2 aponta os limites de tolerância para ruídos de impacto e define
como ruído de impacto “[...] aquele que apresenta picos de energia acústica de
duração inferior a um segundo, a intervalos superiores a um segundo”. A norma em
análise fixa como limite de tolerância para ruído de impacto 130 dB (linear); nos
intervalos entre os picos, o ruído existente no ambiente deve ser avaliado como
ruído contínuo.
O Anexo 3 trata dos limites de tolerância para exposição ao calor em regime
de trabalho intermitente, apontado índices distintos quando os períodos de descanso
do empregado ocorrem no próprio local da prestação de serviço ou em outro lugar,
onde o recinto é mais ameno, com o trabalhador em repouso ou exercendo atividade
leve. A norma classifica como trabalho leve o executado sentado com movimentos
moderados com braço e tronco ou braços e pernas.
Ademais, considera-se trabalho leve a atividade desenvolvida de pé, em
máquina ou bancada, principalmente com os braços. Como trabalho moderado, o
Anexo 3 fixa aquele desenvolvido sentado, com movimentos vigorosos com braços e
pernas; de pé, trabalho leve e moderado em máquina ou bancada, com alguma
movimentação e, por último, trabalho moderado de levantar ou empurrar pesos.
Por fim, a norma considera trabalhos pesados os fatigantes e os intermitentes
de levantar, empurrar ou arrastar pesos, como a remoção com pá. Tuffi Messias
Saliba menciona a existência de quatro categorias principais de doenças
decorrentes do calor:
a) Exaustão do calor: com a dilatação dos vasos sanguíneos em resposta ao calor, há uma insuficiência do suprimento do sangue do córtex cerebral, resultando numa baixa pressão arterial. b) Desidratação: a desidratação
445
VERRI, Giovana. A gestante exposta ao ruído: efeitos auditivos para o feto. 35f. Monografia (especialização
em audiologia clínica) – Centro de especialização de fonoaudiologia clínica, CEFAC, Porto Alegre, 1999. Disponível em: http://www.cefac.br. Acesso em: 15 out. 2019.
153
provoca, principalmente, a redução do volume de sangue, promovendo a exaustão do calor, porém, em casos extremos, produz distúrbios na função celular, até a deterioração do organismo, insuficiência muscular, redução da secreção (especialmente das glândulas salivares), perda de apetite, entre outros c) Câimbras de calor: na sudorese, há perda de água e sais minerais, principalmente de NaCl (cloreto de sódio). Com a redução dessa substância no organismo, poderão ocorrer espasmos musculares e câimbras. d) Choque térmico: ocorre quando a temperatura do núcleo do corpo atinge determinado nível que coloca em risco algum tecido vital que permanece em contínuo funcionamento.
446
O autor enfatiza ainda: “[...]. No caso do agente calor, o uso de EPI não afasta
o risco de sobrecarga térmica. [...].”447 A matéria tratada no Anexo 5 da NR-15 diz
respeito à exposição dos trabalhadores a radiações ionizantes. Todavia, por se tratar
de assunto de alta complexidade, referido anexo limita-se a fazer remissão às
instruções contidas na Norma 3.01 da Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN) sobre “Diretrizes Básicas de Radioproteção”, aprovada, em caráter
experimental, pela Resolução CNEN n. 12/1988, ou daquela que venha a substituí-
la.
Conforme a norma da CNEN, a radiação ionizante pode ser conceituada
como “qualquer partícula ou radiação eletromagnética que, ao interagir com a
matéria, ioniza seus átomos ou moléculas”. Na visão de Tuffi Messias Saliba:
As radiações ionizantes incluem a eletromagnética, como, por exemplo, os raios gama emitidos por materiais radioativos e raios X de aceleradores de elétrons e aparelhos de raio X, com energia superior a 12,4 elétrons-volts (ev), correspondendo aproximadamente a comprimentos de onda inferiores a 100 nm (nanômetros). As radiações ionizantes incluem também a corpuscular, como, por exemplo, partículas alfa e beta emitidas por materiais radioativos, bem como os nêutrons, prótons e partículas carregadas mais pesadas de aceleradores e reatores nucleares.
448
Acerca dos efeitos danosos desse agente agressor sobre a saúde humana, o
autor pontua:
Os efeitos das radiações ionizantes podem ser somáticos (não se transmitem hereditariamente) ou genéticos (se transmitem hereditariamente). A resposta dos diferentes órgãos e tecidos à radiação é variável tanto em relação ao tempo de aparecimento quanto à gravidade dos sintomas. Assim poderão ocorrer alterações no sistema hematopoiético (perda de leucócitos, diminuição do número de plaquetas, anemia), no aparelho digestivo (inibição de proliferação celular, diminuição ou supressão
446
SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 7. ed. São Paulo: LTr., 2016, p.
220. 447
SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 7. ed. São Paulo: LTr., 2016, p.
229. 448
SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 7. ed. São Paulo: LTr., 2016, p.
234.
154
de secreções), na pele (inflamação, eritema e descamação), no sistema reprodutor (redução da fertilidade ou esterilidade), nos olhos, no sistema cardiovascular (pericardites), no sistema urinário (fibrose renal) e no fígado (hepatite de radiação).
449
Não obstante, devemos frisar que inicialmente a exposição à radiação
ionizante caracterizava-se como insalubre, conforme Anexo 5 da NR-15.
Prevalecia o entendimento de que este agente nocivo acarretava danos
progressivos à saúde do empregado ao longo de sua vida laboral, em razão da
continuidade da exposição. Entretanto, esse posicionamento foi revisto e,
atualmente, as radiações ionizantes são tidas como fonte de periculosidade. Nesse
sentido é decisão pelo Tribunal Superior do Trabalho em incidente de uniformização
de jurisprudência:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ARTIGO 193 DA CLT. RADIAÇÕES IONIZANTES OU SUBSTÂNCIA RADIOTIVA. PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABAHO. 1. Por força da delegação legislativa contida no art. 200, VI, da CLT, a Portaria nº 3.393, de 17 de dezembro de 1987, do Ministério do Trabalho, reputou atividade de risco potencial para o empregado a que o expõe a radiações ionizantes ou a substâncias radioativas, assegurando-lhe o direito à percepção de adicional de periculosidade. A Portaria nº 496, de 11.12.2002 (DOU 12/12/2002), igualmente do Ministério do Trabalho, vigente até 06.04.2003, revogou a referida Portaria, sob o fundamento de que tal atividade assegura ao empregado apenas adicional de insalubridade. Sobreveio, enfim, a Portaria nº 518, de 07.04.2003, também do Ministério do Trabalho, repristinando a diretriz de que o trabalho sob radiações ionizantes ou substâncias radioativas gera direito ao adicional de periculosidade de que trata o art. 193, § 1º, da CLT. 2. Plenamente eficaz e sob o manto do princípio da legalidade portaria ministerial para a disciplina da matéria porquanto expedida em delegação outorgada, de forma expressa, pela lei. 3. Proposta de edição de Orientação Jurisprudencial nos seguintes termos: – ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. RADIAÇÃO IONIZANTE OU SUBSTÂNCIA RADIOATIVA. DEVIDO. A exposição do empregado à radiação ionizante ou a substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial, mediante Portaria que inseriu a atividade como perigosa, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, caput, VI, da CLT. No período de 12.12.2002 a 06.04.2003, enquanto vigeu a Portaria nº 496, do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional de insalubridade.
Dessa forma, as Portarias do extinto Ministério do Trabalho n. 3.393/1987 e
518/2003 450 preveem como atividade periculosa o labor exposto a radiações
ionizantes.
449
SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 7. ed. São Paulo: LTr., 2016, p.
235. 450
Esta foi atualizada pela Portaria n. 592/2015.
155
Homero Batista Mateus da Silva ressalta a seguinte explicação para essa
alternância quanto à natureza jurídica das radiações ionizantes, que ora classifica tal
fator como insalubre, ora como componente gerador de periculosidade:
[...], a única explicação plausível para a radiação continuar na NR 15 mas ter sido catalogada como causadora de periculosidade por portarias supervenientes (3.393/1987 e 518/2003) foi o fato de que em setembro de 1987 o Brasil conheceu o maior acidente radiológico do mundo, envolvendo a manipulação indevida do Césio 137, originalmente destinado para fins odontológicos, na cidade de Goiânia, e o governo federal ter sido pressionado a apresentar alguma resposta concreta à sociedade, que não fosse apenas a solidariedade às famílias dos mortos e dos infectados. Três meses após o acidente, o Ministério do Trabalho e Emprego alterou a natureza jurídica da exposição à radiação, contemplando-a com o adicional de periculosidade ao invés do adicional de insalubridade – em outras palavras, alguém imaginou que o aumento salarial indireto que essa alteração produz pudesse satisfazer a perplexidade da população. O ato é evidentemente demagógico.
451
O enquadramento das radiações ionizantes como agente insalubre ou
perigoso torna-se relevante quando considerados os termos do artigo 394-A da CLT,
que prevê o afastamento das trabalhadoras grávidas e lactantes apenas das
atividades, operações ou locais insalubres.
O labor em condições hiperbáricas, sob ar comprimido e submerso, é
abordado no Anexo 6 da NR-15. Importante pontuar que trabalhos sob ar
comprimido são os efetuados em ambiente onde o trabalhador é obrigado a suportar
pressões maiores que a atmosférica e onde se exige cuidadosa descompressão.
No caso, há insalubridade caracterizada em grau máximo por ser inerente à
atividade, inexistindo possibilidade de neutralização ou eliminação do agente nocivo.
No entendimento de Tuffi Messias Saliba:
[...] o trabalho sob pressão hiperbárica deveria ser tratado em normas relativas à Segurança do Trabalho, pois não se trata de agente de Higiene do Trabalho. O não cumprimento das normas estabelecidas expõe o empregado a risco de vida; para ele, a nosso ver, o adicional devido seria o de periculosidade.
452
Dessa forma, o trabalho em condições hiperbáricas desenvolvido por
trabalhadores da construção civil na edificação de pontes, viadutos e túneis, quando
ar comprimido é injetado no interior de túneis a fim de evitar a entrada de água ou o
451
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 3 — saúde e segurança do
trabalho. 1. ed. em e-book baseada na 2ª impressa. São Paulo: RT, 2015, p. 145. 452
SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e periculosidade: aspectos
técnicos e práticos. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016, p. 67.
156
desabamento, além do labor executado por mergulhadores profissionais expõem os
empregados aos riscos inerentes aos ambientes pressurizados.
O Anexo 6 estabelece que as atividades e operações sob ar comprimido e de
mergulho são insalubres em grau máximo. Por oportuno, o Anexo 7 destaca a
insalubridade em grau médio para a exposição às radiações não ionizantes, sem a
proteção adequada, por avaliação qualitativa, em decorrência de laudo de inspeção
realizada no local de trabalho.
Para os efeitos dessa norma, são radiações não ionizantes as microondas,
ultravioletas e laser. Segundo Homero Batista Mateus da Silva,
as radiações não ionizantes são tendencialmente menos agressivas do que as radiações ionizantes, por não envolverem mutação genética nem comprometimento do material genético do organismo alvejado, mas nem por isso deve prescindir de estudos e de cuidados especiais no ambiente de trabalho [...]
453
Ademais,
Configurada a exposição do trabalhador a patamares elevados de radiação não ionizante, o adicional de insalubridade será meramente em grau médio, [...], tudo na forma do quadro final da Norma Regulamentadora n. 15. Os seus efeitos podem ser neutralizados pelo uso correto de equipamentos de proteção individual obrigatórios [...].
454
O Anexo 8, por seu turno, estabelece critérios para caracterizar a condição de
trabalho insalubre decorrente da exposição às vibrações de mãos e braços e
vibrações de corpo inteiro. As situações de exposição à vibrações de mãos e braços
(VMB) e vibrações de corpo inteiro (VCI) superiores aos limites de exposição
ocupacional são insalubres em grau médio.
Inicialmente, referido anexo, com a redação dada pela Portaria da Secretaria
de Segurança e Medicina do Trabalho n. 12, de 06 de junho de 1983, fixava que a
perícia, visando comprovar ou não a exposição às vibrações, deveria tomar por base
os limites de tolerância definidos pela Organização Internacional para a
Normatização em suas normas ISO 2631 e ISO/DIS 5349.455
453
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 3 — saúde e segurança do
trabalho. 1. ed. em e-book baseada na 2ª impressa. São Paulo: RT, 2015, p. 106. 454
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 3 — saúde e segurança do
trabalho. 1. ed. em e-book baseada na 2ª impressa. São Paulo: RT, 2015, p. 106. 455
SILVA, Alexandre Pinto da. Caracterização técnica da insalubridade & periculosidade. 2. ed. São Paulo:
LTr., 2016, p. 143.
157
Em 13 de agosto de 2014, a Portaria Ministério do Trabalho e Emprego n.
1.297 alterou a redação do Anexo 8 da NR-15, estabelecendo que os procedimentos
técnicos para a avaliação quantitativa das VCI e VMB são estabelecidos nas Normas
de Higiene Ocupacional da FUNDACENTRO (NHO-09 e NHO-10)456
Eduardo da Silva Lopes tece as seguintes considerações sobre os reflexos da
vibração na saúde do trabalhador:
O corpo humano reage às vibrações de diferentes maneiras. A exposição ocupacional continuada das vibrações pode causar efeitos diretos sobre o corpo, podendo ser destacados os seguintes problemas: perda do equilíbrio e falta de concentração, desordens gastrointestinais, aumento da frequência cardíaca, perda do controle muscular de partes do corpo, distúrbios visuais com visão turva, descalcificação de pequenas áreas dos ossos do corpo, lesões na coluna vertebral e degeneração gradativa do tecido muscular e nervoso. Além disso, uma doença muito comum e reconhecida resultante da exposição prolongada das mãos à vibração e a impactos repetidos é a síndrome dos dedos brancos ou doença de Raynaud, causada pelo espasmo das artérias digitais, que limita o fluxo sanguíneo nos dedos, sendo que, em casos extremos, pode causar danos permanentes ou gangrena.
457
Formado por um único item, o Anexo 9 da NR-15 regula a exposição dos
empregados ao agente insalubre frio:
As atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.
A norma não estabelece limites de exposição ao frio. A caracterização da
insalubridade ocorre por avaliação qualitativa, ou seja, pela inspeção realizada no
local de trabalho e, quando constatada, garante ao empregado apenas o direito ao
adicional de insalubridade em grau médio.
O choque térmico decorrente da mudança brusca de ambiente pelo ingresso
em locais com diferenças de temperatura muito grandes pode causar doenças
respiratórias, reumáticas e hipotermia.458 Nesse sentido, “o aspecto mais importante
na hipotermia, que poderá trazer a morte, é a queda de temperatura profunda do
456
SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e periculosidade: aspectos
técnicos e práticos. 15. ed. São Paulo: LTr., 2016, p. 201. 457
Disponível em: http://www.mundohusqvarna.com.br. Acesso em: 16 out. 2019. 458
Que consiste na queda de temperatura do núcleo do corpo.
158
corpo. Deve-se proteger os trabalhadores da exposição ao frio, de modo que a
temperatura profunda do corpo não caia a menos de 36ºC.”459
O Anexo 10 da NR-15 versa sobre a umidade. Muito sucinto, o normativo fixa:
As atividades ou operações executadas em locais alagados ou encharcados, com umidade excessiva, capazes de produzir danos à saúde dos trabalhadores, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.
Dessa forma, a caracterização da umidade como agente insalubre se dá em
grau médio quando o empregado labora com partes do corpo submersas em locais
alagados ou encharcados como, por exemplo, açudes, valas, tanques, lagos, rios ou
assemelhados, sujeito, assim, aos danos advindos do contato com a água por
períodos de tempo excessivos.
A NR-15 regula a insalubridade pelo contato com agentes químicos em quatro
anexos. O primeiro deles, o Anexo 11, lista as substâncias que acarretam o
pagamento do adicional de insalubridade nos graus mínimo, médio ou máximo, se
excedidos os limites de tolerância em avaliação quantitativa por meio de inspeção no
ambiente de trabalho.
Embora milhões de agentes químicos possam ser encontrados no ambiente
laboral, apenas os constantes do quadro 1 do Anexo 11 (aproximadamente 220
produtos químicos) são tidos, pela norma do Ministério do Trabalho e Emprego
como insalubres, caso os limites de tolerância fixados para absorção pela via
respiratória sejam extrapolados.460
Não há estudos científicos correlacionando os efeitos de todos os produtos
químicos listados no quadro 1 do Anexo 11 da NR-15 sobre o desenvolvimento do
concepto, somente de alguns, dentre eles, o chumbo:
Um postulado clássico da biologia do desenvolvimento tem sido o período crítico. Trata-se do conceito de que as exposições tóxicas em certas épocas do desenvolvimento têm efeitos nocivos específicos. Períodos críticos na biologia reprodutiva e do desenvolvimento são importantes na avaliação dos danos ocupacionais. Se uma mulher grávida começa um trabalho que a ponha em exposição a grandes quantidades de poeira de chumbo no início de seu terceiro trimestre de gravidez, um defeito congênito de coração de seu bebê não pode ser atribuído a essa exposição. Isso porque o primeiro trimestre é o período crítico para o desenvolvimento do coração e porque
459
SALIBA, Tuffi Messias. Curso básico de segurança e higiene ocupacional. 7. ed. São Paulo: LTr., 2016, p.
230. 460
SILVA, Alexandre Pinto da. Caracterização técnica da insalubridade & periculosidade. 2. ed. São Paulo:
LTr., 2016, p.173.
159
chumbo não é conhecido pela cardiotoxicidade. Mas o chumbo é uma neurotoxina. O cérebro do feto é vulnerável no terceiro trimestre, senão antes. [...].
461
No tocante aos efeitos da exposição indireta da criança a substâncias
químicas durante o período de amamentação, Francisco Paumgartten alerta:
A exposição da nutriz a substâncias químicas no local de trabalho, antes e durante a lactação, pode resultar em exposição significativa do lactente via leite materno. Substâncias lipofílicas a que a nutriz foi exposta (e.g. hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, solventes, medicamentos), e estão presentes no seu sangue, tendem a se concentrar na gordura do leite, sendo, desta forma, transferidas para a criança.
462
O Anexo 12 estabelece limites quantitativos de tolerância para as poeiras
minerais. A caracterização da insalubridade por exposição às poeiras minerais será
sempre em grau máximo, ocorrendo quando a concentração obtida for superior ao
limite de tolerância fixado no referido anexo e o empregado não estiver protegido
adequadamente.
O Anexo 13 traz a relação das atividades e operações envolvendo contato
com agentes químicos, consideradas insalubres em decorrência de inspeção
realizada no local de trabalho, excluindo da relação as atividades ou operações com
exposição aos agentes químicos constantes dos Anexos 11 e 12. Por se tratar de
avaliação qualitativa, não é necessário medir os níveis de concentração do agente
químico.
No que concerne às substâncias cancerígenas, o Anexo 13 determina
expressamente que não deve ser permitida nenhuma exposição ou contato, por
qualquer via, com os seguintes produtos químicos: 4–amino-difenil (p-xenilamina);
benzidina; betanaftilamina e 4–nitrodifenil; deve existir hermitização do processo ou
operação, do contrário, será considerada situação de risco grave e iminente ao
trabalhador.
O agente químico benzeno, produto comprovadamente cancerígeno,
inicialmente, constava da lista de substâncias químicas existente no Anexo 11.
Sucede que, em 19/11/1992, por meio do Decreto Legislativo n. 76, o Brasil aprovou
os textos da Convenção n. 136 e da Recomendação n. 144 da OIT, sobre “Proteção
461
McDIARMID, Melissa A. et al. Patologia da reprodução relacionada com o trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 1.578. 462
PAUMGARTTEN, Francisco José Roma. Doenças da reprodução e malformações congênitas relacionadas com o trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2013, p. 1.486.
160
contra os Riscos de Intoxicação Provocados pelo Benzeno”. A Convenção foi
ratificada em 24/03/1993 e promulgada pelo Decreto n. 1.253/1994.463
Diante disso, o benzeno passou a ser classificado como um cancerígeno
ocupacional pela Portaria Secretaria de Segurança e Saúde do Trabalho n. 14, de
20 de dezembro de 1995, que a rigor deveria ter dado origem ao Anexo 15 da NR-
15. No entanto, com o objetivo de não interromper a sequência adotada, relativa aos
agentes químicos, optou-se pela criação do Anexo 13-A.464
Os efeitos da exposição pré-natal e durante o período de amamentação ao
benzeno são tão graves para o nascituro e o bebê que o item 1 do artigo 11 da
Convenção 136 da OIT é taxativo: “As mulheres em estado de gravidez, atestado
por médico, e as mães em período de amamentação não deverão ser empregadas
em trabalhos que acarretem exposição ao benzeno ou produtos contendo
benzeno”.465
O Anexo 13-A menciona em seu item 6.1: O princípio da melhoria contínua
parte do reconhecimento de que o benzeno é uma substância comprovadamente
carcinogênica, para a qual não existe limite seguro de exposição. Todos os esforços
devem ser dispendidos continuadamente no sentido de buscar a tecnologia mais
adequada para evitar a exposição do trabalhador ao benzeno. As autoridades
brasileiras não desconhecem a gravidade da exposição ocupacional ao benzeno.
Ainda em relação à substância cancerígena benzeno, recentemente, a
Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego 1.109/ 2016 aprovou o Anexo 2, que
trata da exposição ocupacional ao benzeno em Postos Revendedores de
Combustíveis, da NR-09, a qual institui o Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais (PPRA). Essa portaria determina, dentre outros procedimentos de
segurança, que devem ser tomados pelos empregadores, donos de postos de
combustíveis, os seguintes encaminhamentos:
6.2 Os trabalhadores que exerçam suas atividades com risco de exposição ocupacional ao benzeno devem realizar, com frequência mínima semestral, hemograma completo com contagem de plaquetas e reticulócitos, independentemente de outros exames previstos no PCMSO. [...]. 9.4 Todas as bombas de abastecimento de combustíveis líquidos contendo benzeno
463
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado: saúde e segurança do trabalho.
v. 3. 2. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 119. 464
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado: saúde e segurança do trabalho.
v. 3. 2. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 119. 465
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 136, de 24 de março de 1993. Disponível em: http://www.ilo.org. Acesso em: 15 out. 2019.
161
devem estar equipadas com bicos automáticos. 9.5 Ficam vedadas nos PRC as seguintes atividades envolvendo combustíveis líquidos contendo benzeno: a) transferência de combustível líquido contendo benzeno de veículo a veículo automotor ou de quaisquer recipientes para veículo automotor com uso de mangueira por sucção oral; [...]; c) armazenamento de amostras coletadas de combustíveis líquidos contendo benzeno em áreas ou recintos fechados onde haja a presença regular de trabalhadores em quaisquer atividades; d) enchimento de tanques veiculares após o desarme do sistema automático, referido no item 9.4, exceto quando ocorrer o desligamento precoce do bico, em função de características do tanque do veículo; [...]; g) abastecimento com a utilização de bicos que não disponham de sistema de desarme automático.
O último anexo da NR-15, o de número 14, relaciona as atividades
envolvendo exposição a agentes biológicos. Nesse caso, a insalubridade é
caracterizada por avaliação qualitativa. Considerando a natureza da exposição, o
anexo estabelece graus de insalubridade médio e máximo.
Assim, a norma qualifica a insalubridade em grau máximo, por exemplo,
quando o trabalho ou a operação ocorre em contato permanente com pacientes em
isolamento por doenças infectocontagiosas, bem como objetos de seu uso, não
previamente esterilizados.
Entretanto, quando há contato permanente com pacientes, animais ou com
material infectocontagioso, em hospitais, serviços de emergência, enfermarias,
ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos
cuidados da saúde humana, aplicando-se unicamente ao pessoal que tenha contato
com os pacientes, como também aos que manuseiam objetos de uso destes, não
previamente esterilizados, o normativo estabelece insalubridade em grau médio.
Constata-se, assim, pelo exemplo dado, que as atividades somente são
insalubres em grau máximo quando se tratar de trabalho em contato permanente
com pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas.
Inerente à atividade, a insalubridade por agentes biológicos não pode ser
eliminada ou neutralizada com o uso de equipamento de proteção individual (EPI),
de modo que a utilização de luvas e outros equipamentos que evitam o contato com
o agente nocivo podem, quando muito, minimizar o risco.
No particular, importa frisar que, enquanto os agentes físicos e químicos
enfraquecem contínua e lentamente o organismo do trabalhador, os agentes
biológicos oferecem risco de vida, porque certamente irá a óbito o empregado
acidentalmente infectado pelo vírus da AIDS. Quanto aos efeitos maléficos da
exposição materna a agentes infecciosos, importa destacar:
162
Em alguns casos, o trabalho pode expor o indivíduo a agentes infecciosos. Isto pode ocorrer com profissionais de saúde em hospitais e clínicas, e em atividades de controle de vetores de doenças endêmicas, como a malária. Infecções de diferentes tipos podem resultar em comprometimento da fertilidade [...] e em desfechos adversos da gravidez. Rubéola, citomegalovírus, por exemplo, são infecções virais do complexo conhecido pelo acrônimo TORCH (Toxicoplasmose, Outros tais como coxsackie, sífilis, varicela-zoster, HIV, parvovírus B19, Rubéola, Citomegalovírus e Herpes simplex vírus-2), que reúne agentes infecciosos capazes de causar malformações congênitas, perdas gestacionais e morte fetal. As infecções TORCH, durante a gravidez, geralmente envolvem doença materna oligossintomática e graves danos aos bebês, como retardo do crescimento intrauterino, corioretinite, microcefalia e calcificação focais no cérebro. Além das infecções TORCH, a gravidez não só agrava a evolução clínica da malária, como causa retardo de crescimento pré-natal e aumenta o risco da prematuridade e abortamentos [...].
466
Isto exposto, concluímos que a maioria dos agentes insalubres são passíveis
de eliminação ou neutralização pela adoção de medidas de ordem geral, aptas a
conservar o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, ou pela adequada
utilização de equipamento de proteção individual, os quais deverão possuir
Certificado de Aprovação expedido pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego,
comprovando que os requisitos mínimos de qualidade e eficácia foram atendidos
pelo fabricante.
No entanto, em relação aos agentes nocivos cuja insalubridade não pode ser
totalmente elidida, para evitar danos à vida e à saúde do nascituro, deve o
empregador, na forma do artigo 394-A da CLT, promover a transferência da
empregada gestante para exercer suas funções em local salubre.
Nesse segmento, o debate surge quanto à possibilidade de empregadas
grávidas ou lactantes trabalharem em atividades insalubres.
A Constituição Federal de 1988 não disciplina o tema expressamente, mas a
CLT trata da matéria em seu artigo 394-A. A possibilidade do labor de gestantes e
lactantes em atividades insalubres foi um dos assuntos mais discutidos com o
advento da Lei n. 13.467/2017.
Para compreendermos melhor o debate em questão, devemos estudá-lo em
três momentos distintos. O primeiro deles é analisar a redação originária do texto da
CLT. O segundo, a modificação legislativa ocorrida em maio de 2016. E o terceiro,
quando da promulgação da Reforma Trabalhista.
466
PAUMGARTTEN, Francisco José Roma. Doenças da reprodução e malformações congênitas relacionadas com o trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2013, pp. 1.496-
1.497.
163
Nessa ordem de ideias, ao pesquisarmos sobre a redação original da CLT em
1943, observamos que trazia apenas a disposição do artigo 394, que permanece
atualmente, facultando à mulher grávida romper o contrato de trabalho prejudicial à
gestação, por meio de atestado médico.
Muito tempo depois, em maio de 2016, a Lei n. 13.287, que entrou em vigor
na data de sua publicação, teve como objetivo alterar a CLT para proibir totalmente
o trabalho da gestante ou lactante em atividades, operações ou locais insalubres.
Sobre o histórico da norma, destacamos, primeiramente, que em 24 de abril
de 2007, o Deputado Federal Sandes Júnior apresentou o Projeto de Lei n. 814,
propondo a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho, para ser acrescentado
o artigo 394-A, vedando o labor da gestante ou lactante em atividades, operações ou
locais insalubres, mantido, porém, o pagamento do adicional de insalubridade.
Sua justificativa seguiu os termos em síntese:
Várias proibições discriminatórias ao trabalho feminino caíram, com a adoção ampla do Princípio da Igualdade pela Constituição Federal de 1988. Assim, não são mais proibidas para a mulher as prorrogações de jornada, o trabalho insalubre, perigoso, noturno, em subterrâneos, minerações, subsolos, pedreiras e nas obras de construção, como previsto anteriormente em dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Foram mantidas, na legislação atual, apenas as disposições que têm por objeto medidas protetivas em relação ao período de gravidez e pós parto, de amamentação e a certas situações peculiares à mulher, como sua impossibilidade física de levantar pesos excessivos. É essa a tendência da legislação dos países desenvolvidos e em desenvolvimento que defendem o afastamento de medidas de proteção ao trabalho feminino, como forma de se evitar maiores prejuízos à mulher, porquanto tais medidas têm incentivado a prática de atitudes discriminatórias. Assim, a prevalência e quase que a exclusividade das preocupações modernas se dirigem para a proteção à maternidade, em razão do interesse público e social de que está revestida a matéria. Dessa forma, por considerarmos que o trabalho em ambientes insalubres é inegavelmente prejudicial não só para as trabalhadoras, mas principalmente para o feto e para a criança em fase de amamentação, estamos apresentando o presente Projeto de Lei, para proibir o trabalho da gestante e da lactante em atividades ou locais insalubres. Entretanto a obrigatoriedade de afastamento da empregada gestante ou lactante pode causar-lhe um prejuízo econômico se, ao ser afastada da atividade insalubre, perder o adicional que lhe era anteriormente devido. Por isso, estamos prevendo, no parágrafo único do artigo acrescentado à CLT, que, enquanto durar o afastamento da empregada, esta terá direito ao salário que vinha percebendo, incluindo o adicional de insalubridade a que tinha direito.
467
Encaminhado à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público,
a relatora, Deputada Andreia Zito, opinou pela rejeição do Projeto ao argumento de
467
Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em: 23 out. 2019.
164
que, caso aprovado, seria criada mais uma regra que, ao invés de proteger as
trabalhadoras gestantes e seu feto, faria surgir mais uma barreira discriminatória. Ou
seja, se a proposta fosse acolhida, empregador poderia optar pela contratação de
empregados do sexo masculino.
A relatora também manifestou preocupação em relação aos desvios de
funções que a proposta poderia causar; alegou, ainda, que a proposta iria aumentar
substancialmente o custo do trabalho da mulher; por fim, aduziu que a continuidade
do pagamento do adicional de insalubridade durante o afastamento do labor em
condições insalubres descaracterizaria o objetivo do mencionado adicional468.
Apesar disso, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público
(CTASP) aprovou o projeto com base no parecer vencedor da Deputada Manuela
d’Ávila, contra o voto da Deputada Thelma de Oliveira, passando o parecer da
relatora, Deputada Andreia Zito, a constituir voto em separado. Em seguida, a
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania também emitiu parecer favorável
ao projeto.
Aprovado pelos deputados, o Projeto de Lei da Câmara n. 76/2014, na forma
do artigo 65 da Constituição Federal de 1988, seguiu para o Senado Federal, onde o
relator da proposta, Senador Marcelo Crivella, em seu relatório, defendeu a
continuidade do pagamento do adicional de insalubridade porque “[...] o
comprometimento da renda da trabalhadora poderia fazer com que ela buscasse
formas de evitar tal afastamento, ainda que expondo a risco sua saúde e a de seu
bebê”469.
Revisto e aprovado pelo plenário do Senado Federal, o Projeto de Lei seguiu
para sanção presidencial. Na época, a então Presidente da República Dilma
Rousseff, depois de consultar os Ministérios da Fazenda e das Mulheres, da
Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que se manifestaram desfavoráveis à
manutenção do parágrafo único do artigo 394-A da CLT, vetou parcialmente, por
contrariedade ao interesse público, o referido parágrafo pelas seguintes razões:
Ainda que meritório, o dispositivo apresenta ambiguidade que poderia ter efeito contrário ao pretendido, prejudicial à trabalhadora, na medida em que o tempo da lactação pode se estender além do período de estabilidade no emprego após o parto, e o custo adicional para o empregador poderia levá-lo à decisão de desligar a trabalhadora após a estabilidade, resultando em interpretação que redunde supressão de direitos.
468
Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em: 23 out. 2019. 469
Disponível em: http://www12.senado.leg.br. Acesso em: 23 out. 2019.
165
Dessa forma, em 11 de maio de 2016, a Lei n. 13.287 acrescentou à CLT o
artigo 394-A, proibindo o trabalho da gestante ou lactante em atividades, operações
ou locais insalubres. O texto foi publicado no Diário Oficial da União, Seção 1,
Edição Extra, nos seguintes termos:
LEI n.13.287, DE 11 DE MAIO DE 2016 Acrescenta dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para proibir o trabalho da gestante ou lactante em atividades, operações ou locais insalubres. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 394-A: “Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre. Parágrafo único. (VETADO).” Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 11 de maio de 2016; 195º da Independência e 128º da República. DILMA ROUSSEFF Nelson Barbosa Nilma Lino Gomes.
Pela interpretação do dispositivo, verificamos tratar-se de conformação legal
do artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988, pois trouxe proteção a todas as
gestantes e lactantes, retirando as mulheres grávidas de atividades em ambientes
insalubres, protegendo também as futuras gerações.
Oportuno esclarecer que a Lei de 2016 não trouxe consigo nenhuma norma
intertemporal. Portanto, por exemplo, em um hospital, em que gestantes e lactantes
naturalmente trabalham em condições insalubres, a administração deveria afastar de
imediato todas as médicas, enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem
grávidas e em período de lactação.
Caso essa medida não fosse tomada, a empresa poderia ser autuada pela
fiscalização do trabalho, ser investigada no Ministério Público do Trabalho e, no
futuro, pagar indenização por danos morais à empregada que deveria ter sido
afastada das funções e não foi em tempo oportuno.
Entretanto, o referido dispositivo sofreu diversas críticas quando da sua
aprovação. Aliás, durante toda sua curta vigência esta norma foi atacada por críticos
que alegavam que apesar da boa intenção, a norma acabava servindo como um
desincentivo à contratação de mulheres, sobretudo em determinados setores nos
quais predominam atividades insalubres.
Podemos citar, como exemplo, o setor hospitalar. Em muitos casos, o
afastamento compulsório de gestantes e lactantes inviabilizaria as atividades, além
166
de acarretar um custo adicional aos empregadores, pois não tendo a norma previsto
alternativa ao remanejamento destas trabalhadoras para um ambiente salubre,
inexistindo este ambiente, ao empregador restaria como opção afastar a empregada
e continuar pagando o salário, em uma licença custeada pelo empregador.
Os críticos alegavam ainda que como a lei não previa a manutenção do
adicional de insalubridade no período do afastamento da atividade insalubre, a
trabalhadora seria prejudicada, pois seus rendimentos sofreriam redução justamente
em um momento no qual seus gastos aumentariam.470
Nesse cenário, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e
Estabelecimentos e Serviços, por meio da ADI n. 5.605/DF, alegou a existência de
vício de inconstitucionalidade na Lei n. 13.287/2016, que inseriu o artigo 394-A na
CLT. Em resumo, sustentou que a norma legal violava o princípio da isonomia
previsto no artigo 5º, I, da Constituição de 1988.
Aduziu ainda que ao determinar o afastamento da empregada gestante ou
lactante do labor em local insalubre, acaba por limitar indiretamente a atuação das
mulheres no ambiente hospitalar, alijando a gestante e a lactante de seu direito
fundamental ao livre exercício da profissão, dificultando ainda mais a sua entrada no
tão sonhado mercado de trabalho.
Apontou a existência das NR’s e afirmou que, no setor de saúde, a NR-32 já
prevê que a gestante deve ser remanejada para atividade compatível com seu nível
de formação desde que salubre, sendo
[...] taxativa ao dispor sobre a necessidade de realocação da gestante nos casos de contatos com agentes insalubres, seja em razão da exposição a gases ou vapores anestésicos, quimioterápicos, antineoplásticos e radiação ionizante, não havendo qualquer disposição sobre os agentes biológicos [...].
471
470
A Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5605 contra a Lei n. 13.287/2016, sob o fundamento de que esta lei contraria os princípios constitucionais da livre iniciativa, da função social da propriedade, do livre exercício da profissão, da igualdade e da proporcionalidade. A ADI ainda não foi julgada e está conclusa ao Relator, Ministro Edson Fachin. Porém, em agosto deste ano, a Procuradoria Geral da República emitiu parecer opinando pelo seu indeferimento, tendo o então Procurador Geral, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, afirmado de forma conclusiva: “Por todo o ângulo em que analisada, portanto, a norma impugnada se mostra idônea para atingir o fim visado, necessária e, portanto, proporcional em sentido estrito, tendo em vista que o ganho social promovido é muito superior à importância de eventuais dificuldades que sua implementação possa acarretar à organização empresarial. Gozando, pois, a norma impugnada, de pleno fundamento de validade constitucional, impõe-se a improcedência do pleito”. 471
Disponível em: http://s.conjur.com.br. Acesso em: 28 out. 2019.
167
Diante disso, a autora pleiteiou a suspensão cautelar da norma legal em
exame até o julgamento final da ação; a declaração de inconstitucionalidade integral
da Lei n. 13.287/2016 e, caso assim não se entenda, requer
[...] seja o artigo 1º da Lei n. 13.287/2016, interpretado conforme a Constituição Federal de 1988 de forma a excluir da sua aplicação as atividades que já possuem norma regulamentadora específica conferindo proteção às trabalhadoras gestantes e lactantes em ambientes insalubres.
Não se pretende rebater os argumentos apresentados na petição inicial. Tal
tarefa cabe ao Supremo Tribunal Federal, órgão competente para processar e julgar,
originalmente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal
ou estadual, na forma do artigo 102, I, a, da Constituição Federal de 1988.
Todavia, algumas considerações merecem ser tecidas no que tange à NR-32
da Portaria 3.214/1978, que objetiva “[...] estabelecer as diretrizes básicas para a
implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores
dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e
assistência à saúde em geral”, conforme subitem 32.1.1 da citada norma.
Por sua vez, o subitem 32.1.2, para fins de aplicação da NR em análise,
define como serviços de saúde “[...] qualquer edificação destinada à prestação de
assistência à saúde da população, e todas as ações de promoção, recuperação,
assistência, pesquisa e ensino em saúde em qualquer nível de complexidade.” Note-
se que, na definição da NR, a expressão “serviços de saúde” encontra-se atrelada
ao conceito de edificação.
Logo, a norma abrange todos os empregados que desenvolvam atividades
referentes ou não à promoção e assistência à saúde humana nas edificações
destinadas a tal fim, não alcançando, desse modo, os serviços de saúde animal.
No que tange às atividades exercidas por trabalhadoras gestantes dos
serviços de saúde, a norma em comento, no subitem 32.3.9.3.4, dispõe que o labor
em áreas com possibilidade de exposição a gases ou vapores anestésicos somente
será permitido à empregada grávida após autorizado por escrito pelo médico
responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
considerando as informações contidas no Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais.
O subitem 32.3.9.4.6, por seu turno, estabelece que, em relação aos
quimioterápicos antineoplásicos, compete ao empregador, dentre outras
168
providências, afastar das atividades as trabalhadoras gestante e nutrizes. Já o
subitem 32.4.1 determina o afastamento da trabalhadora com gravidez confirmada
das atividades com radiações ionizantes, que deve ser remanejada para atividade
compatível com o seu nível de formação.
Dando continuidade à análise da NR-32, verifica-se que o seu Anexo 1
apresenta uma classificação para os agentes biológicos. Com base nessa
classificação, o item 1 do Anexo II da NR-32 relaciona mais de 500 agentes
biológicos entre bactérias, vírus, parasitas, fungos e outros, distribuídos nas classes
de risco 2, 3 e 4. O item 2 do anexo alerta que na classificação dos agentes foram
considerados os possíveis efeitos para os trabalhadores sadios.
Além disso, foram considerados os efeitos particulares para os trabalhadores
cuja suscetibilidade possa estar afetada, como nos casos de patologia prévia,
medicação, transtornos imunológicos, gravidez e lactação. Disso se infere que a
norma reconhece a vulnerabilidade do organismo da gestante e da lactante. No
entanto, ainda assim não considera os efeitos deletérios dos agentes biológicos
nesses períodos tão específicos da vida da mulher.
Constata-se, assim, que o artigo 394-A da CLT é mais benéfico à
trabalhadora grávida ou nutriz do setor de saúde, porquanto, sem fazer qualquer
distinção entre os vários agentes nocivos prejudiciais à saúde da empregada, de
diferentes graus de insalubridade, proíbe expressamente o labor, enquanto durar a
gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres,
determinando o desempenho das tarefas em ambiente saudável.
Apenas em um aspecto, a NR-32 é mais favorável à trabalhadora grávida ou
lactante do setor de saúde: quando há exposição à radiação ionizante ou à
substância radioativa. Isto porque, conforme exposto, as radiações ionizantes são
reconhecidas como fontes geradoras de periculosidade de acordo com as Portarias
n. 3.393/1987 e n. 518/2003472.
Desse modo, considerando que o artigo 394-A da CLT não veda o trabalho da
empregada grávida ou lactante sob condições de periculosidade, a citada norma
regulamentadora do extinto Ministério do Trabalho cumpre efetivamente o papel de
proteger a gravidez e a maternidade das trabalhadoras em serviço de saúde.
Daí surgiu uma corrente doutrinária sustentando que o afastamento da
gestante do ambiente insalubre gerava um efeito inverso ao previsto pela norma 472
Esta última atualizada pela Portaria n. 592/2015.
169
protetiva: reduzia a contratação de mulheres em idade fértil. Em resumo, o
afastamento da gestante ou da lactante de locais insalubres sem uma
regulamentação mais detalhada, e, ainda, sem um prazo para a adequação das
empresas, poderia trazer efeitos contrários ao inicialmente desejado pelo legislador.
Conforme esse entendimento, a Lei n. 13.467/2017 alterou o artigo 394-A da
CLT e regulamentou o afastamento das atividades insalubres da gestante e da
lactante propondo efeitos diversos em relação ao grau de insalubridade e entre
empregada gestante e lactante.
É o que se observa das explicações de Homero Batista Mateus da Silva:
[...] a redação original do projeto, à época da tramitação na Câmara, permitia o trabalho da gestante em quase todas as hipóteses em ambiente insalubre, valendo lembrar que o dispositivo não é da CLT de 1943, mas da Lei 13.287/2016, ou seja, uma norma de apenas 1 ano de idade quando da promulgação da reforma trabalhista. Passou-se da restrição severa para a liberação total do trabalho da gestante em ambiente insalubre, o que gerou pesadas críticas contra o açodamento do governo federal. Mesmo com as mudanças empreendidas durante a tramitação na Câmara Federal, o texto aprovado continua repleto de nuances e brechas para a atividade insalubre da grávida.
473
A Reforma Trabalhista, portanto, passou a admitir hipóteses nas quais a
gestante e a lactante não seriam obrigatoriamente afastadas quando trabalharem
em condições insalubres.
A norma determina que quando a atividade desenvolvida apresentar grau
médio e mínimo de insalubridade à gestante ou qualquer grau de insalubridade para
a lactante, o afastamento deveria ocorrer apenas pela recomendação de um médico
de confiança da empregada.
Assim, em relação à lactante, a alteração legal propiciou regramento menos
severo, porque antes havia proibição total de labor da lactante em qualquer condição
insalubre.
Com relação à recomendação médica, citamos como exemplo o responsável
pelo acompanhamento do pré-natal, da rede pública ou particular.474 O fato de o
médico ser de confiança da empregada gestante ou lactante, em tese, evitaria a
ocorrência de fraudes se o atestado fosse emitido por médico da empresa.
473
SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista – análise da Lei n. 13.467/2017 –
artigo por artigo. São Paulo: RT, 2017, p. 41. 474
SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista – análise da Lei n. 13.467/2017 –
artigo por artigo. São Paulo: RT, 2017, p. 42.
170
Ainda nesse contexto, explicam Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves
Delgado:
[...] a expressão legal referente à "atestado de saúde" [...] "emitido por médico de confiança da mulher" suplanta qualquer ordem de preferência entre médicos, serviços médicos e atestados médicos – como, por exemplo, a ordem de preferência mencionada na Súmula 282 do TST. Trata-se, simplesmente, do médico de escolha da mulher gestante ou lactante – este o sentido do texto expresso do novo preceito legal.
475
Importante destacar que apresentado o atestado à empresa, a empregada
tem assegurado o seu direito ao afastamento, ou seja, não seria faculdade do
empregador admitir ou não o atestado, e determinar novos exames ou atestados
que comprovem essa necessidade. Entendemos que se o empregador mantiver a
empregada em atividade insalubre mesmo com o atestado médico exigindo seu
afastamento, poderá a gestante ou lactante ingressar com ação para exigir seu
afastamento. Ou seja, é possível o reconhecimento da rescisão indireta do contrato
de trabalho pelo empregador.
Portanto, salvo em caso de comprovada fraude, não poderá o empregador
recusar o atestado médico apresentado pela gestante recomendando seu
afastamento durante a gestação.
A norma ainda prevê que o afastamento só será obrigatório quando se tratar
de empregada gestante trabalhando em condições de insalubridade máxima.
Nesse sentido, explicam Antonio Umberto Souza Júnior, Fabiano Coelho de
Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto:
[...] sujeitando-se a trabalhadora a atividades inseridas como de grau máximo de insalubridade, a princípio, deverá ter tais atividades suspensas, mediante prévia comunicação ao empregador acerca do estado de gravidez. Pontue-se que, de fato, o empregador só deverá tomar medidas nesse sentido quando a empregada o notificar que está grávida, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 392, parágrafo 1º, da CLT, até porque a lei veda ao empregador a exigência de testes, exames, perícias, laudos, atestados, declarações ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou estado de gravidez (Lei n. 9.029/1995, art. 2º, I).
476
Homero Batista Mateus da Silva ainda destaca:
[...] existem poucas hipóteses de insalubridade em grau máximo. Alguém pode achar que a expressão “grau máximo” representa um gesto nobre por
475
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr., 2017, p. 150. 476
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 164.
171
parte da reforma de 2017, ao tentar proteger as mulheres grávidas dos maiores perigos. Mas no campo da higiene ocupacional, nada é o que parece. Ao longo dos 14 anexos da NR 15, somente existe o grau máximo no contato com alguns agentes químicos e com agentes biológicos em risco exacerbado, como centros cirúrgicos, limpeza de bueiros e trabalho em necrotérios. Há, também, grau máximo no contato com radiação ionizante (cancerígena) e com as pressões elevadas para os trabalhadores submersos. No mais, a maioria dos anexos lida com o grau médio, a saber, os ruídos excessivos, os ruídos de impacto, a exposição ao calor e ao frio elevados, radiações não ionizantes, vibrações, umidade e boa parte dos elementos químicos e dos agentes biológicos. Logo, vista a questão do ponto de vista numérico, a maioria das gestantes empregadas se encontram em ambientes de grau médio de insalubridade e não no grau máximo. Talvez o caso mais preocupante seja o das gestantes empregadas em centros cirúrgicos, terapias intensivas e salas de radiografia – profissões com boa aceitação da mão de obra feminina.
477
Entendemos que a melhor forma seria desenvolver uma perícia que teria,
como profissionais mais capacitados para esta análise, o médico ou o engenheiro do
trabalho. Os médicos ginecologista ou obstetra não têm, em regra, condições de
avaliar se a atividade desempenhada oferece ou não risco à empregada. Aliás, a
redação final do dispositivo poderia gerar situações conflitantes, pois poderá haver
empregadas do mesmo setor da empresa com ou sem autorização para o
trabalho.478
Por interpretação sistemática, se houver necessidade, a gestante que
trabalha em ambiente insalubre de grau máximo poderá ser deslocada para exercer
atividades de menor incidência479.
A propósito, é direito seu, durante a gravidez, sem prejuízo de qualquer
direito, a transferência de função, quando as condições de saúde assim o exigirem,
assegurado o retorno da função, logo após seu retorno ao trabalho. Além de,
mediante atestado médico, poder romper o contrato de trabalho prejudicial à
gestação, inclusive invocando judicialmente a rescisão indireta. Nesse sentido, o
artigo 392, § 4º, I e artigo 394, da CLT.480
477
SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista – análise da Lei n. 13.467/2017 –
artigo por artigo. São Paulo: RT, 2017, p. 41. 478
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 164. 479
Salvo se apresentar atestado de saúde, emitido por médico da confiança da mulher, que recomende o afastamento de qualquer atividade insalubre durante a gestação (CLT, art. 394-A, II), quando, então, deverá ser conduzida para um local inteiramente salubre na empresa (CLT, art. 394-A, § 3º). 480
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo:
Rideel, 2017, p. 164.
172
Nesse sentido ainda, durante o afastamento da atividade insalubre, é
assegurada à empregada a manutenção de sua remuneração, além do valor
referente ao adicional de insalubridade.
O adicional em questão é uma das formas de salário-condição. A empregada
apenas irá recebê-lo enquanto estiver prestando serviços em atividades insalubres.
No entanto, a legislação abriu uma exceção, pois ainda que a empregada seja
afastada da atividade insalubre e comece a trabalhar em local salubre, manterá o
direito ao adicional de insalubridade.
Traçadas essas premissas, o afastamento total ou gradual das empregadas
gestantes e lactantes em atividades insalubres foi um dos temas mais discutidos
durante o trâmite da Reforma Trabalhista.
Por tudo o que expusemos, podemos afirmar que tais alterações impactaram
na evolução que vinha ocorrendo nos direitos da mulher trabalhadora especialmente
no período da gestação e da lactação.
Ademais, as discussões colidiram com o entendimento conferido à proteção à
maternidade e ao infante nas normas internacionais, constitucionais e
infraconstitucionais, como também na interpretação dos tribunais, sempre no sentido
de dar efetividade aos parâmetros constitucionais de proteção aos direitos da mulher
durante o estado da gravidez e no período de lactação.481 No mesmo sentido:
Verifica-se que, na trajetória da evolução dos direitos sociais, tem-se encaminhado sempre no sentido de privilegiar o direito à saúde, a proteção à maternidade e à infância, o direito a condições dignas de trabalho, a um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado, de sorte que o exercício do trabalho não represente um fator desencadeante de agravos à saúde e integridade física e psíquica dos obreiros em geral, com tratamento diferenciado à empregada gestante e à nutriz – dadas a importância e a suscetibilidade da condição da mulher nesses períodos – sendo tendência atual a eliminação dos riscos e não apenas a tentativa de neutralizar os agentes agressivos.
482
Quando da publicação da Lei n. 13.467/2017, Zélia Maria Cardoso Montal já
defendia que as modificações da Reforma Trabalhista “são flagrantemente
inconstitucionais por vulnerarem mandamentos constitucionais que asseguram a
481
GAMBA, Juliane Caravieri Martins; MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Tutela jurídica do trabalho da mulher: aspectos relevantes. Revista de Direito do Trabalho (RDT). São Paulo, v. 39, n. 152, jul.-ago. 2013, p.123. 482
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 129.
173
inviolabilidade do direito à vida em todos os seus estágios (inclusive a vida
intrauterina) e o direito à saúde”.483
Ademais, a nova lei distanciou-se
de princípios estabelecidos na Constituição Federal, entre eles a dignidade da pessoa humana, a proteção ao mercado de trabalho da mulher, a proteção integral ao nascituro e ao infante, o valor social do trabalho, a funão social da propriedade, a redução dos riscos inerentes ao trabalho e o princípio que veda a regressividade dos direitos sociais.
484
Entretanto, houve dissídio doutrinário. De um lado, alguns argumentavam que
o afastamento total poderia discriminar e diminuir a contratação de mulheres em
idade fértil. De outro lado, posicionamento o qual defendemos:
Sob o prisma da saúde humana, a solução apresentada pelo legislador é inquietamente lamentável. Acreditamos que seria melhor seguir o caminho apontado pela regência anterior, no sentido da proibição do trabalho de gestantes e lactantes em qualquer atividade insalubre, salvo atestado médico permitindo o labor. Optou o legislador, porém, por trilhar a senda oposta: tirante o caso da gestante em atividade de insalubridade em grau máximo, no restante liberou o exercício do trabalho em atividades insalubres, salvo atestado médico recomendando o afastamento. Não hesitou, ademais, em permitir que lactantes se sujeitem a níveis máximos de insalubridade em atividades laborativas.
485
Nesse mesmo sentido, prevê o Enunciado n. 50 da 2ª Jornada de Direito
Material e Processual do Trabalho:
A autorização legal permitindo o trabalho da gestante e lactante em ambiente insalubre é inconstitucional e inconvencional porque violadora da dignidade humana, do direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, da proteção integral ao nascituro e à criança e do direito social à saúde. Ademais, o meio ambiente do trabalho saudável é direito fundamental garantido pela Constituição da República, revestido de indisponibilidade absoluta. Incidência dos arts. 1º, III; 6°; 7°, XXII; 196; 200; 201, II; 203, I; 225; 226 e 227 da Constituição Federal; Convenção 103 e 183 da OIT; arts. 25, I e II da DUDH.
O referido dispositivo deve ser analisado ainda em conjunto com o artigo 611-
A da CLT, através do qual a Reforma Trabalhista passou a autorizar que o grau de
483
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 131. 484
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O labor da gestante e da lactante em ambientes insalubres: proibição de regressividade de direitos. In: A Reforma Trabalhista em debate. Direito individual, coletivo e processual do
trabalho. São Paulo: LTr., 2017, p. 131. 485
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
pp. 165-166.
174
insalubridade possa ser negociado através de convenção coletiva e acordo coletivo
de trabalho, hipótese na qual o negociado prevalecerá sobre o legislado.
Dessa maneira, quando a norma autoriza que gestantes e lactantes possam
exercer atividades insalubres, a depender do grau da insalubridade, ela está
considerando não apenas aqueles estabelecidos pelo extinto Ministério do Trabalho
e Emprego, mas também aqueles negociados, o que aumenta ainda mais a
possibilidade de riscos à saúde das trabalhadoras gestantes e lactantes.
Por sua vez, com o entendimento exposto linhas atrás, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos ajuizou Ação Direta de
Inconstitucionalidade em face do artigo 394-A da CLT, pois a norma vulneraria
dispositivos constitucionais sobre proteção à maternidade, à gestante, ao nascituro e
ao recém-nascido486; violaria a dignidade humana, os valores sociais do trabalho487
e o objetivo fundamental da República de erradicar a pobreza e reduzir as
desigualdades sociais e regionais488.
Ainda, desprestigiaria a valorização do trabalho humano e não asseguraria a
existência digna489; afrontaria a ordem social brasileira e o primado do trabalho, o
bem-estar e a justiça sociais490 e vulneraria o direito ao meio ambiente do trabalho
equilibrado491. Além dos preceitos constitucionais citados, a ação aponta a violação
do princípio da proibição do retrocesso social.
Em 30 de abril de 2019, o Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade,
Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, concedeu medida
cautelar para suspender a eficácia da expressão “quando apresentar atestado de
saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”,
constante dos incisos II e III do artigo 394-A da CLT, inseridos pela reforma.
Nessa sequência, em 29 de maio de 2019, o Supremo Tribunal Federal julgou
a Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente e declarou a inconstitucionalidade
parcial do artigo 394-A da CLT. Abaixo, os trechos declarados inconstitucionais:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;
486
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigos 6º, 7º, XXXIII, 196, 201, II, e 203, I. 487
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 1º, III e IV. 488
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 3º, III. 489
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 170. 490
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 193. 491
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 225.
175
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Redação dada pela Lei n. 13.467/2017)
Bem interpretou o Supremo Tribunal Federal que a norma impugnada, ao
expor as empregadas gestantes a atividades insalubres, diminuiu a tutela de direitos
sociais indisponíveis. Ademais, ao impor às empregadas a apresentação de
atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, inverteu o ônus da
avaliação técnica dos riscos labor-ambientais.
Segundo a doutrina de Antonio Umberto Souza Júnior, Fabiano Coelho de
Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto:
Trocando em miúdos: incumbirá à trabalhadora identificar, aferir, avaliar e diagnosticar os riscos de seu próprio meio ambiente laboral. Ocorre que é direito fundamental da classe trabalhadora a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII). Como corolário, constitui dever fundamental do empregador a manutenção do equilíbrio do meio ambiente laboral. Todavia, como é de fácil inferência, a Lei n. 13.467/2017 estabelece insólita inversão de papéis, atribuindo-se exclusivamente à gestante ou à lactante a tarefa de exibir certificado médico denunciador de desequilíbrio ambiental trabalhista.
492
Com isso, a redação do artigo 394-A da CLT dada pela Reforma Trabalhista
violou o artigo 6º da Constituição Federal de 1988, que prevê importantes direitos,
dentre eles, a proteção à maternidade, a proteção do mercado de trabalho da mulher
e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança.
Nessa linha, importante lembrar que a proteção da mulher grávida ou da
lactante em relação ao trabalho insalubre é direito social que protege a mulher e a
criança.
A finalidade destas normas, além de salvaguardar direitos sociais da mulher, é
proporcionar proteção integral ao recém-nascido, possibilitando sua convivência com
a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura e sem os
perigos de um ambiente insalubre, consagrada, com absoluta prioridade, no artigo 227
do texto constitucional, como dever da sociedade e do empregador.
492
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 166.
176
A proteção à maternidade e à criança é um direito irrenunciável, que não pode
ser afastado pelo desconhecimento, impossibilidade ou negligência da gestante ou
lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicar a ela e ao recém-
nascido.
A previsão que determina o afastamento automático da mulher gestante do
ambiente insalubre, enquanto durar a gestação, somente no caso de insalubridade
em grau máximo, contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal que tutela
os direitos da empregada gestante e lactante, do nascituro e do recém-nascido
lactente, em quaisquer situações de risco ou gravame à sua saúde e bem-estar.
No acórdão, a Ministra Rosa Weber explicou que a alteração implica inegável
retrocesso social, uma vez que revoga norma anterior proibitória desse trabalho da
gestante e lactante, além do menoscabo ao direito fundamental à saúde da mãe
trabalhadora, pois transfere ao sujeito tutelado a responsabilidade pela conveniência
de atestado indicando a necessidade de afastamento do trabalho.
O Ministro Roberto Barroso destacou que a exigência viola o princípio da
precaução, que vale também para o ambiente do trabalho, pelo qual, sempre que
houver risco ou incerteza, deve ser favorecida a posição mais conservadora e
protetiva.
Por fim, o Ministro Celso de Mello reforçou os fundamentos trazidos e
registrou que a cláusula proibidora do retrocesso em matéria social traduz, no
processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos
direitos sociais, a impedir que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma
vez atingidos, venham a ser reduzidos, degradados ou suprimidos. Correta,
portanto, a interpretação do Supremo Tribunal Federal.
Traçando o percurso do tema, em que pese a declaração parcial de
inconstitucionalidade do dispositivo, surgiram duas discussões para nossa pesquisa.
Em primeiro lugar, se essa declaração de inconstitucionalidade poderia gerar
situação de desemprego às mulheres. Comungamos com a decisão do Supremo
Tribunal Federal pela resposta negativa. No julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade, o Ministro Alexandre de Moraes destacou a improcedência do
argumento, pois eventuais discriminações devem ser punidas legalmente; além
disso, o texto constitucional determina, de maneira impositiva, a “proteção ao
mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”.
177
Em segundo lugar, cabe lembrar que as decisões definitivas de mérito,
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de
Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra
todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e
ao Poder Executivo (artigo 102, § 2º, da Constituição Federal de 1988).
Entretanto, o efeito vinculante em Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação
Declaratória de Constitucionalidade, conforme interpretação do Supremo Tribunal
Federal, não atinge o Poder Legislativo. É o que observa Pedro Lenza:
Ao analisar a possibilidade de vinculação também para o Legislativo (no caso de sua função típica), o Ministro Cezar Peluso indica, com precisão, que essa possível interpretação (diversa da literalidade constitucional) significaria o “inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição”. O Legislativo, assim, poderá, inclusive, legislar em sentido diverso da decisão dada pelo STF, ou mesmo contrário a ela, sob pena, em sendo vedada essa atividade, de significar inegável petrificação da evolução social. Isso porque o valor segurança jurídica, materializado com a ampliação dos efeitos erga omnes e vinculante, sacrificaria o valor justiça da decisão, já que impediria a constante atualização das Constituições e dos textos normativos por obra do Poder Legislativo.
493
Isto posto, a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 394-A da
CLT não vincula o legislador ordinário, que poderá legislar novamente e em sentido
diverso da decisão dada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 5.938/DF.
Interpretação diversa significaria o fenômeno da fossilização da Constituição.
Ao final, por tudo o que expusemos neste capítulo, concluímos que a
conformação legal do artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988 vem
experimentando movimentos de retração. Conforme explicamos no capítulo segundo
ela deveria ser realizada por normas legais que tenham como objetivo preservar seu
núcleo de proteção, a exemplo da Lei n. 9.029/1995 e da Lei Maria da Penha; e não
restringi-lo, como o fez a Lei n. 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista.
Por seu turno, importante ainda mencionarmos o intervalo para
amamentação. Este direito é assegurado pelo artigo 396 da Consolidação das Leis
do Trabalho e consiste em um intervalo de 30 minutos, duas vezes ao dia, destinado
a possibilitar que, neste período, a mãe amamente seu filho. Tal direito é
assegurado até que a criança complete seis meses de idade.
493
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
178
A Lei n. 13.467/2017 acrescentou ao artigo 396 um § 2º, segundo o qual, “os
horários dos descansos previstos no caput deste artigo deverão ser definidos em
acordo individual entre a mulher e o empregador”.
No nosso entendimento, tal modificação não é prejudicial às mulheres,
contudo, abre um precedente para que maus empregadores possam pressionar as
trabalhadoras a realizarem acordos individuais sobre estes intervalos que atendam
mais às necessidades da empresa do que às da mulher e da criança, desvirtuando
assim, o objetivo do instituto, se considerarmos que estas negociações se darão, em
regra, no período em que a estabilidade da gestante está chegando ao fim.
179
4 A PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER E A REFORMA TRABALHISTA: REALIDADE E PERSPECTIVAS
A Reforma Trabalhista confirmou que quando se trata do tema “proteção do
mercado de trabalho da mulher”, é necessário nos atentarmos para novas realidades
e perspectivas.
4.1 Realidade
Quando analisamos a estrutura normativa do artigo 5º, I, da Constituição
Federal de 1988, devemos priorizar seus limites constitucionais. Inicialmente, cabe-
nos examinar a relação entre os artigos 5º, I; 3º, IV; e 7º, XX, da Constituição
Federal de 1988, conforme ressalta Leonardo Martins:
Interpretando-se sistematicamente o art. 5º, I com o art. 3º, IV, da CF, conclui-se que há um conflito parcial, quando se admite a legitimidade constitucional de medidas compensatórias tomadas pelo Estado com o fim de beneficiar certo grupo social. A tese é que a promoção do “bem” da mulher poderia acarretar que esse grupo devesse ser agraciado com privilégios.
494
Portanto, seria correto dizer que privilegiar a mulher, sobrecarregando o
homem, sem observar a proporcionalidade da medida, poderia representar um
tratamento desigual que, em princípio, não pode ser justificado constitucionalmente.
Entretanto, em que pese o exposto, há uma exceção. O comando previsto no
artigo 7º, XX, é uma inequívoca ordem constitucional para a tomada de medidas
compensatórias dos tradicionais ônus socioeconômicos sofridos pela mulher.
Segundo o entendimento de Leonardo Martins:
Dogmaticamente, tem-se, nesse caso, uma limitação constitucional em forma de reserva de lei qualificada (pelo propósito a ser perseguido pelo Estado legislador) que justifica o tratamento desigual pelo legislador, desde que o tratamento desigual seja proporcional em relação à discriminação reversa por exclusão de vantagem infligida ao grupo dos homens, isto é, que a medida concretizada pelo legislador seja adequada e necessária ao propósito da proteção do mercado de trabalho da mulher.
495
494
MARTINS, Leonardo. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018. 495
MARTINS, Leonardo. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018.
180
Portanto, se o teor do artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988 vedou a
concessão de privilégios a qualquer um dos dois gêneros, a disposição do artigo 7º,
XX, nos trouxe uma exceção ou, dogmaticamente, um limite ao conteúdo jurídico-
subjetivo do direito fundamental do homem, como direito de resistência contra a
concessão de privilégio ou a aludida discriminação reversa.496
Ademais, além desse limite, temos igualmente a fixação de um dever
constitucional de atuação do Estado no sentido de se coibir, por intermédio de
cominação legal de certas condutas, que mulheres não sejam contratadas ou que
percebam menores salários em relação aos homens pelas mesmas funções. Busca-
se impedir os aludidos tratamentos desiguais indiretos ao mesmo tempo em que se
afirma um dever estatal de tutela perante agressões provenientes de particulares.
Em segundo lugar, devemos analisar o tratamento desigual em face da
gravidez e da maternidade. O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 define como
direito social, dentre outros, a proteção à maternidade. Portanto, essa proteção é
tarefa constitucional do Estado que pode limitar direitos individuais e tratar
distintamente quando estas medidas representarem o preço para alcançar o
cumprimento da referida tarefa constitucional.
Em consequência, todo benefício ou privilégio atribuído à mulher em função
de sua gravidez ou maternidade representa um tratamento desigual justificado, por
não haver nenhum outro meio de proteger a maternidade a não ser pelo tratamento
desigual específico. Sobre o tema, avalia Leonardo Martins:
De fato, tal diferença fisiológica entre o homem e a mulher é uma diferença que, objetivamente, justifica o tratamento desigual sem ferir o art. 5º, I, da CF, uma vez em que absolutamente incontroversa e livre de preconceitos e “diferenciações funcionais” pautadas na tradição (Cf. HEUN, 2004, p. 467 s. Cf. BVerfGE 84, 9 [18 s.], decisão na qual foi declarada a inconstitucionalidade de dispositivo da lei civil que prescrevia a adoção do nome do marido como nome da família quando os cônjuges não dispusessem diferentemente. Cf. os excertos dessa decisão da Corte constitucional alemã introduzidos e anotados por MARTINS, 2016, pp. 230-233). Porque o art. 6º da CF como direito constitucional colidente já pode representar um limite ao art. 5º, I, da CF, não é necessário examinar esse argumento. No entanto, ele tem aqui a função de demonstrar a contrario sensu que as supostas diferenças físicas não têm o condão de justificar nenhuma diferença de tratamento além da presente exceção.
497
496
MARTINS, Leonardo. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018. 497
MARTINS, Leonardo. In: MENDES, Gilmar Ferreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coord. científica). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018.
181
Essa discriminação positiva é permitida no direito brasileiro em face desses
dois propósitos, quais sejam, proteger a maternidade e o mercado de trabalho da
mulher. À vista disso, ao interpretarmos o antigo artigo 384 da CLT e a redação do
artigo 394-A da CLT, antes da Reforma Trabalhista, concluímos que eram normas
justificáveis e legitimadoras de um tratamento diferenciado entre homens e
mulheres. Primeiramente, pela histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho,
e, depois, pela existência de componentes orgânicos e sociais. O primeiro, em
virtude da menor resistência física da mulher e, o segundo, pelo fato de ser comum
o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – é uma
realidade, portanto, que deve ser considerada na interpretação da norma.
A Reforma Trabalhista balançou as premissas fáticas do direito trabalhista
brasileiro, suscitando uma série de questionamentos legais, constitucionais e
principiológicos, ainda muito distantes de uma resposta satisfatória. 498
Karina de Mendonça Lima frisa:
Só o tempo dirá se este balanço serviu para aparar as arestas, modernizar e fortalecer a legislação trabalhista, como alegam os defensores da reforma, ou, se este balanço acabou por ruir as estruturas da legislação laboral, jogando por terra, direitos arduamente conquistados, e acarretando a precariedade das relações de trabalho em nosso país, como afirmam os opositores da reforma.
499
Desta feita, é necessário
lançarmos desde já, um olhar acurado para as mudanças introduzidas pela nova legislação, a fim de identificarmos seus pontos negativos, direcionando assim, nossos esforços para a exclusão destes, de modo a evitar retrocessos, preservar o equilíbrio das relações de trabalho e, sobretudo, a dignidade dos trabalhadores.
500
Nas suas palavras:
Esta necessidade se mostra particularmente urgente no caso das trabalhadoras brasileiras, pois a mulher ainda ocupa uma posição de inferioridade nas relações de emprego, encontrando-se ainda em um processo de conquista e efetivação dos direitos mais elementares, como, exemplificativamente, a igualdade de oportunidades e remuneração, razão
498
LIMA, Karina de Mendonça. A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras. Disponível em:
http://revistaeletronica.oabrj.org.br/. Acesso em: 26 out. 2019. 499
LIMA, Karina de Mendonça. A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras. Disponível em:
http://revistaeletronica.oabrj.org.br/. Acesso em: 26 out. 2019. 500
LIMA, Karina de Mendonça. A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras. Disponível em:
http://revistaeletronica.oabrj.org.br/. Acesso em: 26 out. 2019.
182
pela qual está mais sujeita ao processo de supressão de direitos, vez que seus direitos ainda não estão fortemente consolidados. E, sobretudo, porque as mulheres são duplamente atingidas pela reforma trabalhista, na medida em que a Lei 13.467 de 2017 possui normas destinadas a todos os trabalhadores, homens e mulheres, o que evidentemente atinge também a estas, porém, possui normas cujas destinatárias são especificamente as mulheres, atingindo-as de forma direta, precisamente em razão de seu gênero.
501
Correta a autora ao afirmar:
As novas disposições trazidas pela Lei 13.417 de 2017 não trouxeram enunciados de proteção à mulher e tampouco ações de incentivos específicos para conferir igualdade de oportunidades. Longe disso. Enquanto outros países avançam efetivamente na adoção de medidas que equalizam direitos de mulheres e homens no mercado de trabalho, tal como ocorre com a licença-parental dividida entre pai e mãe empregados, ou políticas que asseguram igualdade salarial efetiva, a “modernização” legislativa no Brasil não se traduziu em efetivo avanço. Ao contrário, retrocede em relação à preocupação com a vida, saúde e integridade física da mulher e do nascituro, e mantém o débito com uma pauta destinada a assegurar a igualdade de oportunidades.
502
Desta feita, em primeiro lugar, a revogação do artigo 384 da CLT é
preocupante, pois pode servir, em um futuro próximo, de subsídio para a revogação
ou restrição de outras normas tutelares, a exemplo do artigo 390 da CLT, que
permaneceu intacto com a Reforma Trabalhista, sempre com a fundamentação de
que já foram revogadas diversas normas ao longo da história, pelo seu cunho
discriminatório. O fato é que aquelas eram justificáveis, esta não.
E vamos além. Não só em normas que tutelam o trabalho da mulher, mas
também quanto as que protegem o trabalho do menor, já que, conforme já
afirmamos nesta pesquisa, o intervalo especial de 15 minutos também era
concedido ao empregado menor, pela disposição do § 3º do artigo 413 da
Consolidação das Leis do Trabalho.
Por outro viés, quando se trata de proteção da maternidade, devemos
observar que é um direito de dupla titularidade, pois a imprescindibilidade da
máxima eficácia desse direito social também decorre da absoluta prioridade que o
artigo 227 da Constituição Federal de 1988 estabelece de proteção integral à
criança, inclusive, ao recém-nascido.
501
LIMA, Karina de Mendonça. A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras. Disponível em:
http://revistaeletronica.oabrj.org.br/. Acesso em: 26 out. 2019. 502
LIMA, Karina de Mendonça. A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras. Disponível em:
http://revistaeletronica.oabrj.org.br/. Acesso em: 26 out. 2019.
183
Nessa linha, explica a doutrina de Antonio Umberto Souza Júnior, Fabiano
Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto:
O artigo 4º da Convenção n. 155, da OIT, que determina que o Brasil deverá formular, pôr em pratica e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, cuidando para que essa política tenha por objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.
503
Em seguida, complementam:
Ademais, deve ainda, a fim de se assegurar a coerência dessa política nacional, implementar, mediante consulta prévia, tão cedo quanto possível, com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores e, quando for apropriado, com outros organismos, disposições de acordo com a prática e as condições nacionais a fim de conseguir a necessária coordenação entre as diversas autoridades e os diversos organismos encarregados de tornar efetivas as Partes II e III da presente Convenção [relacionadas, basicamente, à citada política nacional] (art. 15, item 1). A nossa específica Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, implantada pelo Dec. n. 7.602/2011, é taxativa ao afirmar que essa política nacional tem a prevenção e o diálogo social por princípios (item II, b e d), estabelecendo ainda a necessidade de se acompanhar o cumprimento, em âmbito nacional, dos acordos e convenções ratificados pelo Governo brasileiro junto a organismos internacionais, em especial à Organização Internacional do Trabalho – OIT, nos assuntos de sua área de competência (item VI,).
504
Nessa linha de raciocínio, utilizando-se do exemplo sugerido por Niklas
Luhmann, Marcelo Neves define a Constituição:
como [...] acoplamento estrutural entre política e direito. Nessa perspectiva, a Constituição em sentido especificamente moderno apresenta-se como uma via de ‘prestações’ recíprocas e, sobretudo, como mecanismo de interpenetração (ou mesmo de interferências) entre dois sistemas sociais autônomos, a política e o direito, na medida em que ela possibilita uma solução jurídica do problema de autorreferência do sistema político e, ao mesmo tempo, uma solução política do problema de autorreferência do sistema jurídico.
505
503
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 157. 504
SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista – análise comparativa e crítica da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017,
p. 157. 505
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 107.
184
Segundo Marcelo Neves, é viável associá-lo à noção de constitucionalização
e, então, enfrentar a problemática da concretização das normas constitucionais,
analisando a relação entre o texto e a realidade constitucional.506
Nessa linha de pesquisa, verificamos neste estudo que a conformação legal
do artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988 deve ser realizada por normas
legais que têm como objetivo regular o conteúdo da norma constitucional, a fim de
preservar o seu núcleo essencial. Isso tem ocorrido por leis esparsas ou pelo
acréscimo de modificações ao texto da CLT como, por exemplo, a Lei n. 9.029/1995
e a Lei Maria da Penha.
Isto posto, em razão das alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017, a
realidade revela que a configuração legal do artigo 7º, XX, da Constituição Federal
de 1988 vem experimentando movimentos de retração, em razão da incessante
busca pela igualdade entre homens e mulheres.
Entendemos, outrossim, que não se trata de exemplo de “mutação
constitucional”507 , fenômeno pelo qual a redação do dispositivo da Constituição
Federal de 1988 não é alterada, mas seu sentido interpretativo muda, surgindo,
então, uma nova norma jurídica 508 . Nesse sentido, não podemos restringir a
interpretação da norma do artigo 7º somente quando a mulher estiver em estado
gravídico ou maternal. Entender neste sentido é comungar com um grande
retrocesso social em relação aos direitos fundamentais da mulher trabalhadora.
4.2 Perspectivas
Por tudo o que expusemos, a perspectiva que vislumbramos é a de uma
constante investigação jurídica, social e política, a fim de se preservar o núcleo
essencial da norma constitucional do artigo 7º, XX, de proteção do trabalho da
mulher. Assim, inicialmente, acreditamos que o principal compromisso constitucional
na área trabalhista é o núcleo essencial da condição social do trabalhador,
encontrado no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 que disciplina a respeito da
dignidade, promoção da cidadania, redução de desigualdades, combate à
precarização no trabalho e ao trabalho infantil, proteção do meio ambiente,
valorização social do trabalho, promoção do desenvolvimento econômico
506
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 107. 507
Oportuno esclarecer que a “mutação constitucional” trata-se de exceção à impossibilidade de inconstitucionalidade superveniente. 508
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 260.
185
socialmente sustentável, construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
erradicação da pobreza e da marginalização, promoção do bem de todos, sem
preconceitos, busca do pleno emprego e efetividade da função social da propriedade
dos bens de produção.
Por seu turno, uma das mais importantes alterações institucionais trazidas
pela Constituição Federal de 1988 relaciona-se ao Ministério Público, o qual, de
acordo com o artigo 127, passou a ser uma instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado, por ser incumbido da defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
À vista disso, entendemos ser fundamental a presença e a atuação do
Ministério Público do Trabalho na defesa dos direitos sociais da trabalhadora. Diante
da regência da Lei n. 13.467/2017, o órgão tem atuado com êxito para coibir futuros
impactos, em especial, no tocante ao trabalho da gestante e da lactante.
Importante ressaltar que o Ministério Público do Trabalho integra o Ministério
Público da União, e possui todas as garantias e prerrogativas que disciplinam a
instituição Ministério Público, nos artigos 127 a 130 da Constituição Federal de 1988;
seus órgãos componentes estão descritos no artigo 85 da Lei Complementar n.
75/1993.
O Ministério Público do Trabalho, na defesa da ordem jurídica trabalhista,
atua judicial e extrajudicialmente. Na primeira hipótese, participa de processos
judiciais, como parte ou fiscal da ordem jurídica. Esse exercício judicial ocorre,
principalmente, por meio de ações civis públicas, ações civis coletivas, ação
rescisória, ações anulatórias de cláusulas convencionais e dissídios coletivos em
caso de greve em atividades essenciais.
Nesse sentido,
O Ministério Público, no paradigma do Estado democrático de direito, está vinculado à Constituição. Seus princípios institucionais, funções, instrumentos de atuação, garantias, prerrogativas e deveres deverão beber na fonte constitucional e dela extrair seu direcionamento e fundamento hermenêutico.
509
A atuação extrajudicial está prevista no artigo 84 da Lei Complementar n.
75/1993 – as mais usuais dizem respeito à instauração de inquérito civil e à
509
COURA, Alexandre de Castro; FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Ministério Público brasileiro: entre
unidade e independência. São Paulo: LTr., 2015, p. 134.
186
celebração de Termos de Ajustamento de Conduta, além de outros procedimentos
administrativos, com o objetivo de resguardar os direitos sociais dos trabalhadores.
Independentemente do meio utilizado, sua atuação está pautada na
preservação e na efetivação dos direitos fundamentais e humanos de todo
trabalhador; para tanto, o Ministério Público do Trabalho guia-se por metas
institucionais desenvolvidas pelas suas coordenadorias.
Desta feita,
Ao Parquet caberá a defesa da democracia, mas pautada pelo constitucionalismo, em processo de tensão contínua, até porque advogar o regime democrático materializa também respeito ao Estado de direito, e sustentar a manutenção da democracia, por efeito, fortificará o direito, em um processo dialético. Democracia e respeito ao direito devem estar alinhados. Assim, a vontade da maioria não pode servir de pretexto para desconsideração de direitos individuais de minorias eventuais e, nesse momento, os direitos humanos e fundamentais atuarão como trunfos na defesa dos hipossuficientes. Isso também fortalecerá a defesa dos direitos sociais e coletivos igualmente legitimados pelo sistema democrático constitucional.
510
Os membros do Ministério Público, em sua atuação, devem se ater às normas
mais fundamentais do Estado. Não se pode desperdiçar a oportunidade, inerente à
carreira, de aproveitar a potência revolucionária da Constituição, que
aparece quando ela é aplicada, quando ela é o substrato fundamental de decisões que garantem direitos e seu exercício, inclusive o direito de dizer que uma norma constitucional é inconstitucional e, por isso mesmo, desobedecê-la. É através da concreção da própria Constituição que a potência, a carga revolucionária da Constituição é exibida e revigorada.
511
Isto posto, e de grande relevância para esta pesquisa, o órgão participou em
3 de julho de 2019 do lançamento do Plano de Proteção à Gestante e Lactante
Trabalhadora no Poder Legislativo.
O projeto foi construído em parceria com diversas instituições e apresentado
pelo Ministério Público do Trabalho em audiência na Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. Na oportunidade,
também lançou a edição n. 38 da ‘Revista MPT em Quadrinhos’, que traz como tema
a proteção à gestante e lactante trabalhadora.
510
COURA, Alexandre de Castro; FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Ministério Público brasileiro: entre
unidade e independência. São Paulo: LTr., 2015, p. 133. 511
CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G. Constitucionalismo e democracia – soberania e poder constituinte. Revista Direito GV, n. 11, São Paulo, jan.-jun. 2010, pp.159-174. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br. Acesso em: 28 out. 2019, p. 171.
187
O plano teve início em 2018, quando lançada a campanha “Apoio, toda
grávida tem esse desejo”, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, pelo
Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul.
Entre os eixos temáticos definidos para o desenvolvimento das ações está o do
diálogo com o Legislativo e Executivo, além de outras três áreas de atuação:
campanhas de divulgação e de comunicação, boas práticas, pesquisas e estudos.
Estiveram presentes na audiência512 os representantes das Coordenadorias
Nacionais de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), de Combate à
Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), e da
Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no
Trabalho (Coordigualdade), do Ministério Público do Trabalho, que atuaram na
elaboração do Plano de Proteção à Gestante e Lactante Trabalhadora, em conjunto
com diferentes órgãos e entidades.
As propostas vão desde a necessidade de melhorar o monitoramento dos
riscos ocupacionais das trabalhadoras gestantes no país até a implementação de
políticas públicas que permitam maior divisão de tarefas entre os pais nos cuidados
com o bebê, como a criação da licença parental e a ampliação da licença-
paternidade.
Destarte, o Plano de Proteção à Gestante e Lactante Trabalhadora teve como
um dos seus objetivos adotar medidas concretas para o Brasil alcançar as
finalidades estabelecidas nos itens 3.1, 3.2 e 5.1 da Agenda de 2030 da
Organização das Nações Unidas:
3.1 Até 2030, reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos. 3.2 Até 2030, acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, com todos os países objetivando reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12 por 1.000 nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos 25 por 1.000 nascidos vivos [...] 5.1 Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte.
Assim, foram apresentadas algumas sugestões de ações para melhorar a
saúde das gestantes, as quais poderiam ser concretizadas por meio de campanhas 512
Os demais participantes foram: Abrasco; Associação Nacional de Medicina do Trabalho; Centro Brasileiro de Estudos da Saúde; Conselho Federal de Medicina; Conselho Nacional de Direitos Humanos; Conselho Nacional de Saúde; Febrasco; Fórum Sindical de Saúde do Trabalhador; Fiocruz; INSS; Coordenação de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde; Rede pela Humanização do Parto e Nascimento; Secretaria de Inspeção do Trabalho; Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade e Sociedade Brasileira de Pediatria, dentre outros.
188
que visem o planejamento familiar, a prevenção do câncer de mama e de colo de
útero, a gravidez de risco, a importância do exame pré-natal, a nutrição da mãe e o
aleitamento materno e a não automedicação.
Todas estas ações têm como finalidade propiciar um ambiente agradável,
afetivo e pacífico às gestantes em casa, no trabalho e no dia a dia, dando prioridade,
cedendo a vez em filas, auxiliando-as em seu deslocamento e no carregamento de
pacotes. O programa sustentou também algumas ações concretas sugeridas pela
Organização das Nações Unidas:
Presentear uma grávida em situação de desvantagem social com um enxoval para seu bebê. Acompanhar uma gestante, garantindo a realização do pré-natal, oferecendo transporte para as consultas e facilitando a aquisição de medicamentos, quando necessário. Divulgar informações sobre saúde para gestantes e articular palestras em Postos de Saúde, Centros Comunitários e instituições como a Pastoral da Criança. Participar de iniciativas comunitárias voltadas para a melhoria da saúde materna e o atendimento à gestante (pré-natal e pós-parto). Incentivar o debate entre a universidade, a escola e a comunidade. Reunir mulheres grávidas para troca de experiências. Incentivar a educação para gestantes. Propiciar um ambiente agradável, afetivo e pacífico às gestantes em casa, no trabalho, no dia a dia, dando prioridade a elas, cedendo a vez em filas, auxiliando-as em seu deslocamento e no carregamento de pacotes
513.
Por derradeiro, foram desenvolvidas diversas etapas para a construção do
plano de trabalho. Ocorreram três audiências públicas para apresentar os objetivos
principais do projeto, definir os eixos temáticos de atuação e estipular o cronograma
da fase de construção do plano de ação; além disso, foi estipulado prazo para os
interessados apresentarem sugestões de ações para melhorar as condições gerais e
de trabalho das gestantes. Por fim, houve votação pelos participantes de cinco
propostas de atuação para proteger a trabalhadora gestante e lactante.
Nessa linha, são propostas do plano de ação para melhorar as condições de
trabalho das gestantes e lactantes:
(a) Divulgação de maiores informações sobre direitos relativos à amamentação no trabalho para mulheres trabalhadoras que amamentam; (b) Cadastramento de empresas que possuam sala de apoio à amamentação e concessão de selo para as empresas que possuam tais salas; (c) Maior divulgação dos direitos das gestantes;
513
O último item mencionado serviu como base para a instituição do projeto no âmbito do Ministério Público do Trabalho e da elaboração do plano de ação para a busca de medidas visando à efetiva melhoria da gestante e lactante trabalhadora.
189
(d) Melhorar o monitoramento e as condições dos fatores de riscos ocupacionais das trabalhadoras gestantes; (e) Garantias de retorno ao trabalho com redução de carga horária quando comprovadamente em período de aleitamento; (f) Revisão do tempo de licença paternidade; (g) Revisão da contagem do tempo de licença maternidade/paternidade em casos de bebês prematuros; (h) Flexibilização da jornada de trabalho e tolerância para atrasos no início da gestação; (i) Licença por abortamento e licença fetal; (j) Estímulos das empresas para que homens trabalhadores parceiros de mulheres grávidas participem do pré-natal; (k) Ratificação da Convenção n. 156 da OIT; (l) Inserir, na caderneta da gestante, informações que possibilitem à avaliação das condições de trabalho a que estão submetidas as trabalhadoras gestantes.
Além disso, o plano sugere mais discussões a respeito das alterações
introduzidas pela Reforma Trabalhista, a ratificação da Convenção n. 183 da
Organização Internacional do Trabalho, a execução de estudos e de
esclarecimentos para a classe médica sobre os assuntos relacionados ao trabalho
de gestantes e lactantes, além das ações abaixo:
(a) A divulgação de maiores informações sobre direitos relativos à amamentação no trabalho; (b) Atuação para a garantia de espaço de aleitamento; (c) Realização de campanhas para combater o imaginário popular de que a trabalhadora gestante é sinônimo de fardo econômico no mundo do trabalho; (d) Campanhas de esclarecimento para que novas empresas façam adesão à licença maternidade de cento e oitenta dias; (e) Discussões sobre as licenças maternidade e paternidade em caso de famílias homoafetivas e discussões a respeito da licença parental; (f) Licenças em caso de aborto.
Vale pontuar ainda o pedido de apoio aos Ministérios Públicos Estaduais, por
meio da divulgação da campanha e da edição do Ministério Público em quadrinhos
nas redes sociais e outros meios de comunicação. Ademais, a análise da
possibilidade de discussão, com toda a sociedade, de medidas visando adotar ações
que melhorem as condições gerais das trabalhadoras gestantes e lactantes.
Nesse sentido, cabe ao Ministério Público do Trabalho adotar todas as
medidas, a fim de incluir os hipossuficientes, as minorias e os vulneráveis nas
discussões relacionadas ao trabalho que lhes interessam, para que exponham as
suas reivindicações e construam, legitimamente, soluções possíveis.
190
A atuação da instituição não é de substituição de vontade ou tutela de
incapaz, “mas como agente que fomente e desobstrua canais comunicacionais
necessários”514, como um articulador social.
Isto posto, concluímos que essa presença e preocupação do Ministério
Público do Trabalho é essencial para a construção de um melhor diálogo jurídico,
social e político, a fim de preservar o núcleo intangível que abarca os destinatários
das normas de proteção ao trabalho da mulher, ou seja, o Estado e os particulares.
Relevante lembrar, por fim, que o direito do trabalho cumpre uma função
social, que nas palavras de Teresa Martins Romar, assim se traduz: “é a que
estabelece que tal ramo jurídico é o meio de realização de valores sociais, pois visa
a preservação da dignidade humana do trabalhador, considerada como valor
absoluto e universal (justiça social)”.515
E também uma função tutelar, que visa proteger o trabalhador contra os
abusos do poder econômico e a exploração e que fundamenta o surgimento do
direito do trabalho. É cumprida por meio da elaboração de normas jurídicas de tutela
do trabalhador e restritivas da autonomia individual, seja pelo próprio Estado, por
meio da elaboração de leis, ou pelo poder de representação concedido aos
sindicatos.516
Destarte, defendemos que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a
CLT e as leis esparsas devem persistir na proteção aos direitos da mulher. O tema
da igualdade deve ser tratado conforme ensinam os doutrinadores do direito, como
ciência social: “tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais”. Temos
na proteção, sobre a qual este trabalho discorre, uma questão afeta aos direitos
humanos, requisito indispensável ao regime democrático e corolário lógico de um
Estado de Direito que preze pela mais ampla justiça.
514
COURA, Alexandre de Castro; FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Ministério Público brasileiro: entre
unidade e independência. São Paulo: LTr., 2015, p. 132. 515
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 40. 516
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 40.
191
CONCLUSÃO
Alcançamos o resultado de que o artigo 7º, XX, da Constituição Federal de
1988 vem passando por movimentos de retração, e que a revogação do artigo 384
da CLT, além das alterações do artigo 394-A do mesmo diploma, fruto da Reforma
Trabalhista, retratam essa realidade.
Retração, e não “mutação constitucional”. Isso porque não podemos restringir
a interpretação da norma do artigo 7º, XX, da Constituição Federal de 1988 somente
quando a mulher estiver em estado gravídico ou maternal, sob pena de
comungarmos com um grande retrocesso social em relação aos direitos
fundamentais da mulher trabalhadora.
Defendemos, portanto, que, ao analisar o artigo 5º, I, da Constituição Federal
de 1988, o intérprete deve estar atento aos seus limites constitucionais. O princípio
da igualdade não é absoluto. Essa norma que determina a proteção do mercado de
trabalho da mulher mediante incentivos específicos é exceção à incessante busca
da plena igualdade entre homens e mulheres. Suas distinções fisiológicas justificam
o tratamento diferenciado no trabalho quando o assunto é afeto ao labor
extraordinário, à maternidade e à gestação.
Quanto ao intervalo especial do artigo 384 da CLT, a doutrina era divergente,
mas a jurisprudência uníssona. Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal
Superior do Trabalho já haviam decidido que a norma havia sido recepcionada pela
Constituição Federal de 1988. Veio, então, a Lei n. 13.467/2017 e a extirpou do
mundo jurídico. Destarte, como reflexo da redução desse direito, compreendemos
que se trata de um exemplo do chamado efeito backlash, fenômeno do direito norte-
americano segundo o qual das decisões judiciais sobre questões polêmicas decorre
um efeito colateral, um movimento brusco do poder político contra a pretensão
controladora do Poder Judiciário.
Essa revogação do artigo 384 da CLT é preocupante, pois poderá servir, em
futuro próximo, como subsídio para revogação ou restrição de outras normas
tutelares, a exemplo do artigo 390 da CLT, que permaneceu intacto com a Reforma
Trabalhista. A fundamentação sempre seria de que diversas normas protetivas já
foram revogadas ao longo da história por serem discriminatórias e conflitarem com o
artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988. Elas sim, mas esta não.
192
E vamos além. Não só em relação às normas que tutelam o trabalho da
mulher, mas também quanto as que protegem o trabalho do menor, já que o
intervalo especial de 15 minutos também era concedido ao empregado menor, pela
disposição do § 3º do artigo 413 da CLT. Entendemos, portanto, inconstitucional e
inconvencional a revogação do artigo 384 da CLT.
Por outro viés, quando analisamos a proteção da maternidade e da gestação,
devemos observar que se trata de um direito de dupla titularidade. A
imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social também decorre da
absoluta prioridade que o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 estabelece de
integral proteção à criança, inclusive, ao recém-nascido.
Dito isso, entendemos pela inconstitucionalidade e inconvencionalidade do
artigo 394-A da CLT, conforme se posicionou recentemente o Supremo Tribunal
Federal. Entretanto, atentamos os operadores do direito sobre o efeito dessa
declaração parcial de inconstitucionalidade, que não vincula o Poder Legislativo, o
qual pode, inclusive, legislar novamente e contrariamente à decisão do Supremo
Tribunal Federal.
A perspectiva, portanto, é pela constante investigação jurídica, social e
política, a fim de se preservar o núcleo essencial da norma constitucional de
proteção do trabalho da mulher, pois não só a mulher é destinatária dessas normas,
mas também o Estado e os particulares, ou seja, a sociedade em sua integralidade.
Nesse contexto, a presença do Ministério Público do Trabalho é fundamental para
sua efetividade, o que constatamos, por exemplo, através da iniciativa de construir o
Plano de Proteção à Gestante e Lactante Trabalhadora.
O direito do trabalho deve cumprir sua função social, visando preservar a
dignidade humana da trabalhadora, e sua função tutelar, ao elaborar normas
jurídicas de tutela do trabalhador e restritivas da autonomia individual.
Destarte, concluímos que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a CLT
e as leis esparsas devem persistir na proteção dos direitos da mulher. A questão da
igualdade deve ser vista conforme ensinam os doutrinadores do direito, ou seja,
como “ciência social”: “tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais”.
Temos na proteção sobre a qual esta pesquisa discorre uma questão afeta aos
direitos humanos que, aliás, tem na mulher trabalhadora e na sua dignidade, um dos
pontos centrais para a construção e o desenvolvimento do Estado Democrático de
Direito.
193
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