pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc … alves de... · pontifÍcia universidade...
TRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP
Eliane Alves de Sousa
COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
SÃO PAULO 2012
ii
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Setor de Pós-Graduação
Eliane Alves de Sousa
COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da
Prof.(a). Doutor(a) Sumiko Nishitani Ikeda
SÃO PAULO 2012
iii
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________
_________________________________
_________________________________
iv
Dedico esta tese à minha querida
mãe Maria de Nazaré Silva Sousa,
por dizer-me quando criança que
somente o estudo seria capaz de
transformar a vida de qualquer
ser, e pelo constante incentivo ao
fantástico mundo da linguagem
(in memmorian)
v
AGRADECIMENTOS
Ao supremo Deus pela oportunidade de conhecer a doutora Sumiko Nishitani Ikeda e também por ter dado a mim forças para realização desta tese. À doutora Sumiko Nishitani Ikeda, pela constante dedicação e incansável orientação no processo de desenvolvimento e conclusão desta dissertação, e também pelas excelentes aulas ministradas, que abordaram métodos teóricos significativos de muita relevância social, os quais sua aplicação no âmbito escolar será de grande valia, e consequentemente contribuirá para um ensino de qualidade, resultando assim em uma educação transformadora e mais humanitária. Às doutoras Angela Lessa e Leiko Morales pela leitura e contribuição relevante das excelentes sugestões no exame de Qualificação. Aos colegas – mestrado/doutorado, com os quais compartilhei através dos seminários e das aulas, momentos de muita reflexão e aquisição de conhecimentos. À minha família: à minha mãe que sempre incentivou-me à leitura, e valorizou a educação como princípio primordial para o desenvolvimento sustentável de quaisquer país bem como para uma melhor relação interpessoal da vida social, ao meu esposo Rivaldo Silva de Almeida pela compreensão das minhas infinitas ausências e por apoiar-me incessantemente nessa jornada, que permitiu-me a dedicação a este estudo; ao meu irmão Oseas Alves de Sousa pelo estimulo e paciência; à minha sogra Elze Silva de Almeida pela incansável ajuda que tem dirigido-me durante esses anos. Às minhas amigas: Gladys Mary Santos Sales pela ajuda incessante que proporcionou-me ao longo dessa pesquisa, Cláudia Moreira dos Santos por avisar-me das inscrições de mestrado/doutorado da PUC, pelas longas horas de estudo que compartilhamos neste percurso, e por apresentar-me à professora Ikeda, essa luz que guiou-me e tornou realidade meu sonho de melhorar o ensino, e oferecer aos alunos, aulas de qualidade; à Margareth Oliveira, Robinson Rosário Pitelli e Vilma de Oliveira Caires em especial pelo apoio e estimulo que proporcionou-me desde o início do mestrado e aos colegas de profissão Célia Velose, Jemima, Marci, Sérgio e Yara Pimenta pela amizade e por compartilhar de meus momentos de estudo.
vi
Epígrafe
“Toda palavra tem sempre um mais-além, sustenta
muitas funções, envolve muitos sentidos. Atrás do
que diz um discurso, há o que ele quer dizer e,
atrás do que quer dizer, há ainda um outro querer
dizer, e nada será nunca esgotado.”
Lacan
vii
COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL
RESUMO: O objetivo desta pesquisa é examinar a coesão e a coerência em
editorial de jornal, verificando as escolhas léxico-gramaticais que são feitas para a
sua realização. Metodologicamente, a pesquisa apoia-se na Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF), de Halliday (1985; 1994) e seus colaboradores. A unidade é a
característica mais importante de um texto, diz Hasan (1989), estudiosa da LSF. É a
unidade que nos capacita distinguir um texto de um não-texto, de um texto completo
de um incompleto. Há dois tipos de unidade: unidade de estrutura e unidade de
textura. A propriedade de textura - ou coesão - está relacionada à percepção de
coerência pelo leitor. Essa relação entre coesão e coerência tem em Eggins (1994),
da posição de sistemicista, oferece uma explicação que julgo muito esclarecedora.
Assim um texto será coerente em termos: (a) culturais, se apresentar estrutura de
gênero – com seus estágios e finalidades; e (b) situacionais, se respeitar os ditames
do registro – através das variáveis de Campo, Relações e Modo. Já um texto será
coeso se: (a) mantiver os participantes; (b) observar seleção lexical adequada; e (c)
utilizar conjunções (em que incluo os marcadores discursivos) para relacionar as
orações. Eggins fala em quatro tipos de coesão: (1) referencial, (2) lexical, (3)
conjunção e (4) estrutura conversacional (este último não será considerado nesta
pesquisa, já que não trato da conversa). Para a realização da coesão e da
coerência, trazemos também a noção de Avaliatividade (Appraisal) (MARTIN, 2000,
2003), ampliada pela proposta da coesão por realização prosódica: o significado
atitudinal que se estende pelo texto e une partes do texto através de avaliações
relacionadas entre si (LEMKE, 1998). A pesquisa deve responder às seguintes
perguntas: (i) Como se realizam a coerência e a coesão nos editoriais de jornal
examinados? (ii) Que escolhas léxico-gramaticais realizam a coerência e a coesão
em um editorial de jornal?
Palavras-chave: coesão, coerência, Linguística Sistêmico-Funcional, editorial,
gênero, registro
viii
COHESION AND COHERENCE IN THE NEWSPAPER EDITORIAL - A SYSTEMIC FUNCTIONAL VIEW
Abstract: The objective of this research is to examine cohesion and coherence in
editorials of newspapers, checking the lexico-grammatical choices that are made for
their realization. Methodologically, the research is based on Halliday’s (1985, 1994)
Systemic Functional Linguistics (LSF), and on his collaborators. unity is the most
important feature of the text, says Hasan (1989), scholar of LSF. It is unity that
enables us to distinguish a text from a non text, a complete text, from an incomplete
one. There are two kinds of unity: structure unity and texture unity. The property
texture – or cohesion – is related to the perception of the coherence by the reader.
This relationship between cohesion and coherence has in Eggins (1994), a
systemicist an explanation that I consider quite enlightening. Thus, a text can be
coherent in terms of: (a) cultural, if it presents genre structure– with its stages and
purposes, and (b) situational, if it respects Register rules - through Field, Tenor
and Mood variables. Now, a text will be cohesive if: (a) it keeps its participants; (b) if
it observes proper lexical selection; and (c) if it uses conjunctions (in this I include
the speeches markers) to relate the clauses. Eggins speaks of four types of textual
cohesion: (1) referential, (2) lexical, (3) conjunction and (4) conversational structure
(this last will be not considered in this research, since I am not analyzing converse).
For coherence and cohesion to happen, I also bring the concept of Appraisal
(MARTIN, 2000, 2003), broadened by the proposal of cohesion realized by prosody:
the attitudinal meaning that extends through the text and links parts of the text
through evaluations related among themselves. (LEMKE, 1998). This research
should answer the following questions: (i) How is coherence and cohesion realized
in the newspaper editorials examined? (ii)Which lexical-grammatical choices realize
coherence and cohesion in a newspaper editorial? Keywords: cohesion, coherence, Systemic Functional Linguistics, editorial, gender,
register
ix
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Unidade de textura (Fonte: Hasan, 1989) ............................................... 19
Quadro 2 – Coesão avaliativa: Usualidade ............................................................... 35
Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal ........... 36
Quadro 4 - Tipos de coesão ...................................................................................... 38
Quadro 5 – Exemplo de Cadeia de Referência utilizada em trecho do editorial ........ 39
Quadro 6 - Resumo das teorias de apoio .................................................................. 40
Quadro 7 – Editoriais selecionados para análise ....................................................... 41
Quadro 8 - As categorias de análise .......................................................................... 42
Quadro 9 – Texto: A lista infame, na íntegra ............................................................. 43
Quadro 10 - Análise dos estágios e das finalidades do gênero ................................. 45
Quadro 11 - Análise da coerência tripártite ............................................................... 48
Quadro 12 - Tipos de coesão .................................................................................... 50
Quadro 13 – A manutenção dos participantes ........................................................... 53
Quadro 14 – Texto: A lista infame – Cadeia de Referência ....................................... 55
Quadro 15 - Exemplo de sintaxe utilizada em trecho do editorial .............................. 57
Quadro 16 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal ......... 57
Quadro 17 - Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal .............................. 58
Quadro 18 – Coesão avaliativa (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 1999) .............................................................................................. 60
x
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 01 2. APOIO TEÓRICO ................................................................................................. 05
2.1 A importância do contexto ......................................................................... 06 2.1.1 A Configuração Contextual ................................................................. 07 2.1.2 Contexto, gênero e estrutura de texto ................................................. 08
2.2 O editorial do jornal como um gênero ........................................................ 09 2.2.1 O texto argumentativo .......................................................................... 09
2.2.1.1 Problema - Argumento - Solução ............................................ 12 2.3 A Coerência .................................................................................................. 13
2.3.1 A natureza tripártite da coerência ...................................................... 16 2.4 A Coesão ....................................................................................................... 18
2.4.1 Anáfora, texto e discurso ....................................................................... 22 2.5 Coerência e coesão via frame semântico .................................................. 24
2.5.1 A relevância da reivindicação de Bundgaard ....................................... 26 2.5.1.1 O frame semântico ................................................................ 28
2.6 A Avaliatividade (APPRAISAL) .................................................................... 32 2.6.1 Lemke e a coesão avaliativa ................................................................ 34
2.7 Os marcadores discursivos ........................................................................ 35 2.8 Coesão e Coerência na Linguística Sistêmico-Funcional ........................ 37
2.8.1 Cadeia de Referência ........................................................................... 39 3. METODOLOGIA ................................................................................................... 40
3.1. Dados ............................................................................................................ 40 3.2 Procedimentos de análise .......................................................................... 41
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................... 43
4.1 Análise da coerência .................................................................................... 44 4.1.1 Gênero editorial: Estágios e finalidade ................................................... 44 4.1.2 Registro: exame dos elementos de Campo, Relações e Modo ............. 46 4.1.3 Análise da coerência tripártite ............................................................... 47
4.2 Análise da coesão ........................................................................................ 49 4.2.1 A manutenção dos participantes ........................................................... 49
4.2.1.1 Cadeia de Referência ................................................................. 54
xi
4.2.2 Seleção Lexical .................................................................................... 56 4.2.3 Conjunção ............................................................................................ 57
4.3 A Avaliatividade e a coesão avaliativa ..................................................... 58 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 62 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65 ANEXOS ................................................................................................................... 71
1
COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL: UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL
1. INTRODUÇÃO
Desde 1996, ano em que ingressei no quadro de funcionários da Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo, da Diretoria de Ensino Sul 3, leciono Língua
Portuguesa aos alunos dos Cursos Regulares do Ensino Fundamental II e do
Ensino Médio: a princípio em uma escola do bairro Vila São José, onde permaneci
por um período de dois anos e, atualmente, em uma escola do bairro Sítio das
Palmeiras, ambas localizadas na periferia da zona sul.
Nos últimos quinze anos, tenho trabalhado com alunos das 1ªs, 2ªs e 3ªs
séries do Curso Regular do Ensino Médio, na produção e a análise de textos
escritos, com vistas não só aos exames vestibulares universitários, mas também
com a finalidade de desenvolver suas competências leitora e escritora, para que
possam participar das diversas práticas sociais de forma crítica, cidadã e
transformadora.
Esse trabalho possibilitou a realização de um diagnóstico mais elaborado
dos problemas nucleares, presentes nas redações produzidas pelos alunos - em
especial nas redações dissertativo-argumentativas -, em que estão comprometidas
a coesão e a coerência desses textos. Por isso decidi-me por desenvolver um
trabalho mais focalizado nesses dois itens, objetivando buscar meios para auxiliar
os alunos a perceber, como se realiza não só o processo coesivo, mas a coerência
de suas redações.
Quanto ao nome ‘dissertativo-argumentativo’, devo esclarecer que, embora
haja autores que distingam argumentação de dissertação, sigo a opinião de Cereja
& Magalhães (2003), que dizem que os exames vestibulares do país solicitam aos
candidatos a produção de textos dissertativos, mas, na verdade, pela natureza
polêmica dos temas, quase sempre o que se espera do candidato é que ele
produza um texto argumentativo ou dissertativo-argumentativo, i.e., um texto em
que o autor analise e discuta um problema da realidade, defenda seu ponto de vista
e, às vezes, proponha soluções. Portanto, adoto aqui o termo ‘texto argumentativo’.
2
A dificuldade de nossos alunos com referência à comunicação escrita, em
especial a redação do texto argumentativo, esteve sempre presente no discurso de
professores e pesquisadores da área da educação. Segundo Koch (1987), o ato de
argumentar, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui
o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia,
na acepção mais ampla do termo. Pode-se assim justificar a preocupação da escola
em proporcionar ao discente a capacidade de, através da palavra escrita, defender
seu próprio ponto de vista, fato que, em última, instância lhe permitirá o exercício
pleno da cidadania.
Nesse sentido, os PCNs do Ensino Médio (1999: 139), destacam que:
[...] o aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como texto que constrói textos.
Inicialmente, pensei em examinar os textos dos meus alunos, mas julguei
também que seria válido examinar textos considerados bem redigidos, para verificar
o que deve haver nesses textos para assim serem considerados. Vários são os
fatores que concorrem para a redação de um texto satisfatório. Entre eles, é básico
o cuidado com a coerência e a coesão de um texto, sem as quais não se tem um
‘texto’, como um meio de veiculação de ideias.
Beaugrange e Dressler (1981, p. 3) dizem que, para que o texto seja uma
ocorrência comunicacional, ele deve satisfazer a alguns critérios interdependentes,
entre outros: (1) coesão, que envolve um jogo de interdependências entre as frases;
(2) coerência, que trata da intenção global do texto, fundamental para a textualidade.
Ambas promovem a inter-relação semântica entre os elementos textuais,
respondendo pela conectividade textual.
Também Indursky (2006, p. 47) afirma a importância da coesão e da
coerência para o exame da textualidade, propriedade intrínseca de um texto, e para
ela esses conceitos representam o cerne dos estudos textuais para essa área de
conhecimento. Por outro lado, a assim chamada Lingüística Textual começou a
perceber que o texto, além de ser uma superfície que pode ser examinada em
relação aos seus fatores de coesão e de coerência, é também um ato comunicativo.
3
Assim, os linguistas admitem o fato de que para estudar o texto é preciso examinar
relações que ultrapassam o limite do texto propriamente.
Hasan (1989), estudiosa da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY
1985, 1994), fala em unidade, como sendo a característica mais importante de um
texto. É a unidade que nos capacita distinguir um texto de um não-texto, de um texto
completo de um incompleto. Ela cita dois tipos de unidade: unidade de estrutura e
unidade de textura.
Para ilustrar a noção de unidade de estrutura, a autora trata da noção de
gênero, referindo-se ao modelo mais antigo de estrutura de texto no Ocidente, que
se origina em Aristóteles, quando este definiu a tragédia grega como sendo
constituída de três elementos: começo, meio e fim. Para Bakhtin (1997 [1979], p.
279): "Gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados
elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo
cotidiano até a exposição científica." Ou seja, qualquer atividade linguística estaria
necessariamente realizando um gênero.
Numa tentativa de operacionalizar a noção de gênero, Martin (1984, p. 25),
também um sistemicista, diz que gênero é uma atividade, organizada em estágios,
orientada para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como membros de
uma determinada cultura1. Dito isso, podemos afirmar que o editorial é um gênero, e
que, como tal, seus estágios e suas finalidades estarão certamente envolvidos na
construção da unidade de estrutura que, em última instância, faz parte da coerência
e, por extensão, da coesão, como veremos.
Quanto à unidade de textura, Hasan refere-se a certos tipos de relações
semânticas entre as mensagens do texto, e examina a natureza dessas relações e
os padrões léxico-gramaticais que as realizam. Para a autora, a propriedade de
textura - ou coesão - está relacionada à percepção de coerência pelo leitor. Porém,
a textura depende não somente de relações semânticas, mas também de relações
pragmáticas (CORNISH 2003).
A relação entre coesão e coerência, referida por Hasan, tem em Eggins
(1994), outra sistemicista, uma explicação que julgo muito esclarecedora. Assim um 1 Há vários tipos de gêneros: a) gêneros literários (conto, romance, novela, autobiografia, balada, soneto, fábula, tragédia, comédia) b) gênero popular (manual de instrução, artigo de jornal, reportagem de revista, receitas) c) gênero educativo (conferência, orientação, artigo para seminários, exame, livro-texto) d) gênero do dia-a-dia: compra, pedido de informação, fofoca, troca de opiniões, entrevista.
4
texto será coerente em termos: (a) culturais, se apresentar estrutura de gênero –
com seus estágios e finalidades [e.g. um editorial]; e (b) situacionais, se respeitar os
ditames do registro – através das variáveis de Campo [assunto: e.g. 'violência'],
Relações [interação: e.g. 'Folha de S. Paulo com seus leitores'] e Modo [organização
textual: e.g. 'escolhas léxico-gramaticais especificas de editorial']. Já um texto será
coeso se: (a) mantiver os participantes [e.g. 'as pessoas envolvidas na violência'];
(b) observar seleção lexical adequada [e.g. 'palavras que se refiram, de algum modo,
ao tema tratado']; e (c) utilizar conjunções (em que incluo os marcadores
discursivos) [e.g. 'relação entre orações e trechos do discurso']. Eggins fala em
quatro tipos de coesão: (1) referencial, (2) lexical, (3) conjunção e (4) estrutura
conversacional (este último não será considerado nesta pesquisa, já que não trato
da conversa). Para a realização da coesão e da coerência, trazemos também a
noção de Avaliatividade (Appraisal) (MARTIN, 2000, 2003), ampliada pela proposta
da coesão por realização prosódica: o significado atitudinal que se estende pelo
texto e une partes do texto através de avaliações relacionadas entre si (LEMKE,
1998).
O objetivo desta pesquisa é examinar a coesão e a coerência em editoriais de
jornal. A pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (i) Como se realizam a
coerência e a coesão nos editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-
gramaticais realizam a coerência e a coesão em um editorial de jornal?
Metodologicamente, a pesquisa apoia-se, basicamente, na Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF), de Halliday (1985; 1994) e seus colaboradores.
Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: No capítulo 1,
Introdução, trato das noções de argumentação e de dissertação-argumentativa,
bem como das modificações que as definições de coesão e coerência vêm sofrendo
mais recentemente desde (HALLIDAY; HASAN 1976). No capítulo 2, Apoio teórico, apresento as concepções teóricas da Linguística Sistêmico-Funcional proposta por
Halliday (1994; 2004), que embasam esta pesquisa as propostas de definição das
noções de coerência e de coesão, que constituem-se hoje em noções que não se
restringem a questões sintático-semânticas, mas dependem de considerações
pragmáticas; a Avaliatividade (APPRAISAL), (MARTIN 2000; 2003); a coesão
avaliativa (LEMKE 1998); a natureza tripártite da coerência (AGAR; HOBBS 1982).
No capítulo 3, Metodologia, além dos dados: seleção dos três editoriais, que
resultou no corpus desta pesquisa, explico os procedimentos de análise através da
5
manutenção dos participantes, seleção lexical (EGGINS 1994) seguidos da Cadeia
de Referência (MARTIN 1992); marcadores textuais (DAFOUZ-MILNE 2008); e a
realização prosódica na proposta de Lemke (1998). No capítulo 4, Análise e Discussão dos Resultados, mostro os resultados da pesquisa sobre como se
estrutura a construção da coesão e coerência no gênero editorial de jornal,
articulados aos métodos teóricos e epistemológicos da Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF) de Halliday (1994) e de seus colaboradores. No capítulo 5,
Considerações finais, reflito sobre a relevância social dos resultados dessa
pesquisa para a área da educação da rede pública do Estado, e mostro que com a
aplicação deles em sala de aula, foi possível proporcionar aos alunos a oportunidade
tanto da compreensão dos mecanismos textuais responsáveis pela coesão e
coerência textual bem como na produção de textos bem redigidos. Os resultados
também foram de grande valia na reformulação e reflexão das ações da prática
pedagógica do docente. Termino com as referências bibliográficas.
2. APOIO TEÓRICO
Este capítulo apresenta, inicialmente, o contexto e sua importância na
explicação de gênero editorial, relacionado ao texto dissertativo-argumentativo, e,
a seguir, as propostas de definição das noções de coerência e de coesão, que,
acompanhando a evolução dos estudos linguísticos, constituem-se hoje em noções
que não se restringem a questões sintático-semânticas, mas dependem de
considerações pragmáticas, em especial do conhecimento de mundo - ou frame -
que o leitor traz em sua interação com o texto. Feito isso, explicarei a proposta de
Halliday (1994; 2004) em sua Gramática Sistêmico-Funcional, hoje mais conhecida
como Linguística Sistêmico-Funcional, iniciando com a versão de Eggins (1994), que
nos oferece uma visão geral da teoria, envolvendo os escritos de Halliday desde a
década de 70. A sistêmica vê uma relação intrínseca entre língua e contexto,
momento em que tratarei de dois contextos considerados pela teoria: o Gênero
(contexto de cultura) e Registro (contexto situacional), questões essenciais para a
realização da coerência (EGGINS, 1994). Também com função na realização da
coerência e da coesão, apresento a noção de Avaliatividade (Appraisal) (MARTIN,
2000, 2003), ampliada pela proposta da coesão por realização prosódica: o
6
significado atitudinal que se estende pelo texto e une partes do texto através de
avaliações relacionadas entre si (LEMKE, 1998).
2.1 A importância do contexto
Alguns fatos mostram que língua e contexto estão interrelacionados
(EGGINS, 1994):
(a) somos capazes de deduzir o contexto de um texto (um texto carrega
aspectos do contexto em que foi produzido);
(b) somos capazes de predizer a língua através de um contexto (e.g. em uma
receita de ovos mexidos, podemos prever o tipo de estrutura sintática e as
palavras que ocorrerão no texto);
(c) sem um contexto não somos capazes, em geral, de dizer que significado
está sendo construído.
Portanto, continua Eggins, ao fazermos perguntas funcionais, não é suficiente
enfocarmos somente a língua, mas a língua usada em um contexto. Mas quais as
feições desse contexto afetam o uso da língua? Para responder a essa questão, os
sistemicistas lançam mão de dois conceitos: registro e gênero.
(a) O registro descreve o influência das dimensões do contexto situacional
imediato sobre a língua. Tais dimensões são 3:
Campo (assunto: a língua usada para uma receita de bolo é diferente da
usada para falar de lingüística) Relações (interlocutores: a língua usada para falar com o chefe é diferente
da usada para falar com um amigo)
Modo (texto: o modo como é construído o texto, envolvendo campo e
relações) (b) O gênero descreve a influência das dimensões do contexto cultural
sobre a língua.
7
(c) A ideologia ocupa um nível superior de contexto, que tem chamado a
atenção dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em
qualquer gênero, o uso da língua será sempre influenciado pela nossa
posição ideológica (nossos valores, nossas tendências, nossas
perspectivas).
Porém, por razões que são elas mesmas de natureza ideológica, segundo
Eggins, muitas pessoas não foram educadas para identificar a ideologia nos textos,
e por isso os "lêem" como se fossem representações naturais e inevitáveis da
realidade. Isso mostra que precisamos falar sobre a língua não apenas como um
meio de representação, mas como um instrumento atuante de construção da nossa
visão de mundo.
A relação entre língua e contexto é importante, diz Hasan (1989), por dois
motivos, um teórico e outro, prático. Teoricamente, esse fato revela uma visão do
senso não-comum. O senso comum, numa compra de batatas, seria dizer: ‘Me dá
um quilo de batatas’, ‘Quanto custa?’. O senso não-comum é a visão de que a
compra se constitui num tipo culturalmente reconhecível de situação que foi
construída através dos anos pelo uso precisamente desse tipo de linguagem. Sem o
reconhecimento dessa bi-direcionalidade, língua-contexto/contexto-língua, seria
difícil considerar a possibilidade da arte verbal, da ciência, da filosofia – de fato, todo
o domínio do conhecimento humano – ou dos desentendimentos. Do ponto de vista
prático, esse fato é importante porque, diz Hasan, ajuda a entender os detalhes da
relação entre contexto e a estrutura de um texto.
2.1.1 A Configuração Contextual
Hasan introduz um conceito envolvendo as variáveis de registro (Campo,
Relações e Modo): a Configuração Contextual (doravante CC). Na unidade
estrutural de um texto, o CC tem papel central. Se o texto pode ser descrito como
‘língua fazendo algum trabalho num contexto’, é razoável, diz Hasan, descrever a
expressão verbal de uma atividade social: o CC é uma explicação dos significados
atribuídos nessa atividade social. Assim, não surpreende que as feições do CC
8
possam ser usadas para fazer certos tipos de previsão acerca da estrutura de um
texto: Que elementos devem ocorrer? Que elementos podem ocorrer? Onde eles
devem ocorrer? Onde eles podem ocorrer? Com que frequência podem ocorrer? Ou
seja, mais sucintamente, podemos dizer que um CC prediz os elementos
obrigatórios e opcionais da estrutura de um texto, bem como a sua sequência e a
sua repetição.
Há uma boa razão para o estabelecimento de limites dos elementos
estruturais de um texto. Sem isso, a análise permanece tão intuitiva que duas
pessoas analisando um mesmo texto poderiam diferir muito. Assim, diz a autora, é
desejável encontrar um critério para decidir que parte de texto realizar que elemento;
mais do que isso, é importante estabelecer o tipo de critério para tanto.
O que se percebe na proposta de Hasan é a relação da noção de gênero
(elementos obrigatórios e opcionais da estrutura de um texto: quais são eles em um
editorial?) com a de registro (que permitem a previsão dos elementos que podem
ocorrer nessa estrutura: se se trata de 'violência' [Campo], quais serão as escolhas
lexicais?; se se trata da relação entre o jornal e seus leitores [Relação], que
conhecimento de mundo se pode prever nessa relação?; se se trata desse Campo e
dessa Relação, em um editorial da FSP [Textual], que escolhas gramaticais deverão
ser feitas?
2.1.2 Contexto, gênero e estrutura de texto
Se texto e contexto estão relacionados, segue-se que não existe uma única
maneira certa de falar ou de escrever, diz Hasan. O que é adequado em um
contexto pode não sê-lo em outro. Aprende-se a escrever texto, escrevendo textos,
tal como se aprende uma língua, falando essa língua. Assim, também, a
familiaridade com diferentes gêneros não se desenvolve automaticamente com a
idade, mas requer experiência social. A relevância de estrutura é importante para a
memória, na medida em que um trecho escrito pode ser mais facilmente lembrado
se a sua estrutura estiver clara.
Passo a considerar o gênero 'editorial de jornal'.
9
2.2 O editorial do jornal como um gênero
Fowler (1991) caracteriza o editorial do jornal como tendo uma função
simbólica importante, de partilhar da opinião do jornal, ao sustentar implicitamente a
asserção de que as demais seções, por contraste, sejam puros fatos ou
reportagens. O simbolismo textual é salientado por uma disposição e uma tipografia,
sendo o editorial geralmente impresso na mesma posição e na mesma página todos
os dias, e, além disso, um tipo gráfico especialmente “visível” pode ser usado, como
no caso da Folha de S. Paulo. No caso deste jornal, o editorial ocupa sempre a
primeira coluna da segunda página, ao lado de outros textos (que chamamos artigos
de opinião), assinados, o que faz subentender que a opinião contida no editorial seja
independente dos demais e que por default, seja a do jornal.
Também Reynolds (2000) diz que, contextualmente, o gênero editorial é
reconhecível por ser frequentemente colocado em uma página central interna
(embora em alguns tabloides populares, possa estar na primeira página),
proeminentemente marcado em relação aos demais, tais como cartas e artigos de
destaque, e em geral encabeçado pelo logo do jornal e pela data. Tem um layout
diferenciado e de rotina, desacompanhado de ilustrações (embora isso possa estar
mudando), e – mais significativo que tudo – não é assinado.
O objetivo do editorial pode ser munir os leitores (os consumidores) de
preconceitos, e assim contribuir para reter o hábito do leitor. É nesse ponto que a
ideologia entra no editorial, na medida em que, como parte de suas funções, atinge
e confirma interesses, preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é,
nas palavras de Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que
é uma interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.
2.2.1 O texto argumentativo
Em termos etimológicos, segundo Suárez (2006), argumentar significa ‘vencer
junto com o outro’ (com + vencer) e não ‘contra o outro’. Persuadir é saber gerenciar
uma relação, é falar à emoção do outro. A origem dessa palavra está ligada à
proposição ‘por’ (por meio de) e a ‘Suada’ (deusa romana da persuasão). Significava
‘fazer algo por meio do auxílio divino’. Convencer é construir algo no campo das
10
ideias: quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós.
Persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro para agir,
quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele
realize. Segundo Suárez (2006) :
A primeira condição da argumentação é ter definida uma tese e saber para que tipo de problema essa tese é resposta. No plano das idéias, as teses são as próprias idéias, mas é preciso saber quais as perguntas que estão em sua origem. (Suárez 2006: 37)
Koch (1987, p. 19) diz que, diante da aceitação de que o ato de argumentar,
de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, “constitui o ato
linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia” faz
cair por terra a distinção entre o que tradicionalmente se costuma chamar de
dissertação e de argumentação, já que a dissertação seria uma exposição de ideias
sem posicionamento pessoal. Segundo a autora, foi com o surgimento da Pragmática que o estudo da
argumentação ou retórica passou a ocupar um lugar central nas pesquisas sobre a
linguagem. A argumentação visa a provocar ou a incrementar a “adesão dos
espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento, caracterizando-se, portanto,
como um ato de persuasão”, conforme Perelman (1970, apud KOCH, 1987).
A propósito, Kitis e Milapides (1996) notam que a persuasão envolve tanto a
convicção quanto a sedução. Não é preciso dizer que, para persuadir, as
reportagens de notícias e comentários sobre assuntos políticos precisam ser
mostradas como verdadeiras e plausíveis através da incorporação de feições
persuasivas (VAN DIJK, 1988).
A convicção envolve uma lista de passos argumentativos que – espera-se -
deverão ser aceitos pelo fato de incluir a ativação e a participação do sistema
cognitivo, essa recepção constitui-se num processo cognitivo. Mas, frequentemente,
a persuasão cerceia a participação cognitiva do leitor no processo de aceitar a
perspectiva do autor e, nesses casos, podemos falar de 'sedução' em vez de
convicção. Sornig (1988, p. 97) nota que:
11
whereas the mechanisms of convincing and conviction obviously work mainly along cognitive argumentative lines, seduction, instead of trusting in the truth and/or credibility of arguments, rather exploits the outward appearance and seeming trustworthiness of the persuader2.
Ele nota também que a persuasão sedutora tenta manipular a relação que se
estabelece entre falante e ouvinte.
Pode-se conjecturar, então, continuam os autores, que os mecanismos de
sedução na relação entre o que persuade e sua "vítima" ou "cúmplice" sejam
identificáveis tanto no nível do texto quanto no do sub-texto, i.e., não somente no
nível do léxico, estruturas e figuras de linguagem como componentes da estrutura
local do texto, mas também no nível de sua coerência geral. Os mecanismos de
sedução, portanto, podem ser isolados tanto no nível da coesão quanto no da
coerência (entendidos como nível de suposições inferidas ou ativadas para tornar
coerente o texto). Em outras palavras, não só estamos lidando com escolhas
linguísticas feitas no texto, mas também com um tipo de suposição que apoia
aspectos da coerência. O que está implícito em tudo isso é a seleção de um certo
estilo. Devemos supor que há algo que não varia: "o significado subjacente ou
referência deve ser conservado constante" (VAN DIJK 1988, p. 73). Van Dijk conclui
que:
O estilo, assim, parece ser capturado pela conhecida frase 'dizer a mesma coisa através de diferentes modos" (ibid.: 73).
Essas características do discurso argumentativo já eram objetos de interesse
desde a Antiguidade, segundo Van Eemeren et al. (1997). Assim, a tradição do
estudo da argumentação tem uma história bastante antiga que data dos escritos dos
antigos gregos sobre lógica (prova), retórica (persuasão) e dialética (indagação),
especialmente na obra de Aristóteles. Historicamente, o estudo da argumentação
tem sido motivado pelo interesse no desenvolvimento do discurso ou pelo interesse
na modificação dos efeitos desse discurso na sociedade.
2 Enquando os mecanismos de convencimento e convicção, obviamente, trabalham ao longo de linhas de argumentação cognitiva, de sedução, em vez de apoiar-se na verdade e/ou na credibilidade dos argumentos, explora a aparência externa e aparente credibilidade do persuasor.
12
2.2.1.1 Problema - Argumento - Solução
Porta (2002) diz que é certo que toda filosofia deve estar referida à
"experiência". Outra questão, no entanto, é se o mero descrever a experiência
alguma vez constituiu uma filosofia. Isso não significa que o descrever
adequadamente não seja um fator decisivo na solução, reformulação e, inclusive,
dissolução do problema original. Certamente, ele pode desempenhar um papel
preponderante em vários sentidos; o que não pode é eliminar o problema enquanto
tal - reduzindo, assim, uma tese filosófica a uma mera descrição. Descrever um
fenômeno não é resolver um problema. O não atentar ao problema degrada o ensino
ou o estudo filosófico a um contar ou escutar histórias.
Ainda segundo Porta, a proposição é um enunciado capaz de ser declarado
verdadeiro ou falso. No conjunto das proposições, podemos diferenciar dois grupos,
o das afirmadas e o das não-afirmadas. Nem toda proposição é necessariamente
afirmada. Entre as proposições afirmadas situamos a tese. Uma hipótese é um
candidato a tese. A tese pode, eventualmente, apresentar-se, de inicio, como uma
hipótese que se confirma pela ulterior argumentação. Dependendo do caso, o autor
pode dedicar relativamente pouco espaço a sua tese, concentrando-se nas
alternativas a serem negadas. Distinguir entre tese e definição merece cuidado
especial: a maioria das definições são meramente nominais e, portanto, nem
verdadeiras nem falsas, não tendo sentido concordar ou discordar delas. Com base
no que foi dito anteriormente, afirmo agora: ser uma proposição consiste em uma
propriedade que o enunciado possui "em si"; ser uma tese, hipótese ou definição é
uma função que ele assume ou não conforme o contexto.
No caso do que poderíamos chamar de "teses filosóficas", elas cumprem,
além das condições mencionadas, inerentes a toda tese enquanto tal, uma terceira,
a saber: elas são solução de um problema. O estabelecimento da tese principal de
uma determinada obra depende, portanto, da correlativa fixação do seu problema
básico, conforme Porta.
A tese é uma solução ao problema e implica um optar em que outras
alternativas são descartadas, continua Porta. Tal optar parte da exigência de que a
resposta seja "pertinente", o que limita em boa medida toda arbitrariedade.
Entretanto, e óbvio que isso ainda não basta. Às vezes, há varias respostas igual-
mente "pertinentes" para a mesma pergunta. Por que, então, o filósofo se decide por
13
uma e não por outra? É aqui que os argumentos desempenham um papel
essencial. O que legitima a opção por uma determinada tese são os argumentos.
A fundamentação da tese nem sempre tem um caráter linear e nem é
facilmente reconstruível; às vezes ela assume formas muito refinadas, diz Porta. Em
algumas ocasiões, entre os argumentos, encontra-se a derivação de consequências.
Toda tese contém consequências e também elas têm de ser verdadeiras. Teses são
rechaçadas muitas vezes não por si mesmas, mas por suas consequências; outras
vezes aceitas pelas consequências de sua eventual negação, porque se descartou
toda outra alternativa etc. Não é incomum, por outra parte, que o principal
"argumento" passe por uma explicitação dos supostos da tese rival, ou seja, aqueles
que dão sentido ao problema, caso em que a argumentação da tese e a
reformulação do problema terminam confluindo.
Após essa explicação referente ao gênero editorial e sua realização através
da argumentação, passo a apresentar as noções de coerência e de coesão, que
orientarão a análise dos editoriais.
2.3 A Coerência
A coerência tem a ver com a "boa formação" do texto, segundo Koch &
Travaglia (1989), mas num sentido que não tem nada a ver com qualquer ideia
assemelhada à noção de gramaticalidade usada no nível da frase, sendo mais
ligada, talvez, a uma boa formação em termos da interlocução comunicativa.
Portanto, a coerência é algo que se estabelece na interação, na interlocução, numa
situação comunicativa entre dois usuários. Ela é, continuam os autores, o que faz
com que o texto faça sentido para os usuários, devendo ser vista, pois, como um
princípio de interpretabilidade do texto. A coerência é profunda, subjacente à
superfície textual, não linear, não marcada explicitamente na estrutura de superfície.
Nesse sentido, Bednarek (2005), que também trata das noções de coerência
(bem como de coesão), afirma que, depois da ‘reviravolta cognitiva’ de 1980, a
linguística moderna tem favorecido cada vez mais uma abordagem da linguagem
baseada na experiência de mundo e no modo como o percebemos e o
conceitualizamos, isto é, da perspectiva da linguística cognitiva (UNGERER;
SCHMID, 1996, p. x), isto é, afastando-se da abordagem meramente sintática.
14
Alguns dos interesses-chave desse ramo da linguística são protótipos, categorias,
metáforas, metonímia e frames - esta última de interesse da autora para explicar a
coerência.
Falando em termos amplos, diz a autora que a teoria de frame trata do
conhecimento de mundo. Numa primeira definição, um frame pode ser considerado
como uma estrutura mental de conhecimento que capta feições típicas do mundo.
Desde a sua concepção, o conceito de frame tem interessado pesquisadores de
vários campos e tradições (cf. TANNEN, 1993a, p. 3; 1993b, p. 15). Os pioneiros
vieram da filosofia e da psicologia (cf. KONERDING, 1993:8), mas seus conceitos
foram desenvolvidos e reinterpretados por pesquisadores da inteligência artificial
(MINSKY, 1975, 1977) e da sociologia (GOFFMAN, 1974, 1981) para nomear
apenas alguns campos e autores.
Apesar de suas raízes estarem na filosofia e na psicologia, a teoria do frame
está em geral associada ao trabalho de Minsky na inteligência artificial. Em sua
pesquisa, Minsky toma a noção introduzida pelo psicólogo Bartlet, em 1932: “[...] o
passado opera mais como uma massa organizada do que um grupo de elementos
cada um dos quais retém um caráter específico.” (BARTLETT, 1932, p. 197).
De acordo com Minsky, então, um frame pode ser considerado uma
representação mental do nosso conhecimento de mundo, uma estrutura de dados
que está localizada na memória humana e pode ser selecionada ou recuperada
quando necessário. Um frame é considerado uma estrutura: é “uma rede de nós e
relações” (MINSKY, 1977, p. 355) que parece estar estruturada em diferentes níveis.
Há os níveis fixos de topo, que possuem muitos terminais, “’buracos’ que precisam
ser preenchidos por instâncias específicas de dados” (MINSKY, 1977, p. 355).
Aparentemente, algumas dessas escolhas são obrigatórias, outras opcionais
(MINSKY, 1975, p. 239). Basicamente, isso significa que, em nossa memória, o
conhecimento é estocado em grande número de frames ou sistemas de frames
(“coleção de frames relacionados”, MINSKY, 1977, p. 355). Por exemplo, podemos
‘possuir’ algo como frame de [QUARTO], a [HOSPITAL], a [ESCOLA] etc., e cada
um deles abrange traços típicos como CAMA, LÂMPADA, MESA DE CABECEIRA,
etc. no caso do frame de [QUARTO]. Quando encontramos uma situação nova (e.g.
um quarto específico), inicia-se um processo de seleção e combinação: primeiro, um
frame é “evocado com base numa evidência parcial ou expectativa" (MINSKY, 1977,
p. 359). Então, comparamos a experiência nova (o quarto específico) com esse
15
frame selecionado ([QUARTO]) e finalmente, designamos as feições a essa nova
experiência (um quarto, lâmpada, mesinha, específicas, etc.) aos terminais do frame.
Diz Bednarek que, assim como acontece com o conceito de frame, a
coerência também é uma noção um tanto vaga na linguística e não há ainda uma
definição geralmente aceita ou uma teoria da coerência (cf. BUBLITZ, 1999, p. 1). A
coerência é mais bem descrita como uma conexão semântica, lógica ou cognitiva
que está subjacente ao texto (cf. de BEAUGRANDE; DRESSLER, 1981, p. 4;
BUSSMANN, 1996, p. 80; THOMPSON; ZHOU, 2000, p. 121). Em vez de supor que
essas conexões existam independentemente do falante ou do ouvinte, a coerência é
hoje claramente definida em relação à contribuição do ouvinte: “[...] a coerência
somente é mensurável em termos da avaliação do leitor” (HOEY, 1991, p.11). Em
outras palavras, ela se refere à extensão pela qual os ouvintes julgam que este texto
‘está unido’ e constitui um todo unificado.
Assim, Bednarek supõe que são os ouvintes que estabelecem a coerência, e
não os textos, embora os meios coesivos dos textos exerçam um amplo papel
ajudando os ouvintes a estabelecer a coerência. Em geral, operamos por princípio
automático de coerência (cf. BROWN; YULE, 1983, p. 66 F.; BUBLITZ; LENK, 1999,
p. 156 f.), supondo que o texto seja coerente (e que o falante obedeça aos princípios
de cooperação (GRICE, 1975) que são tacitamente aceitas na conversa. Daí porque
o esforço que fazemos para criar coerência, apoiando-nos em pistas possíveis, diz a
autora.
Aceitando-se as ideias de Bednarek, resta-me ver como operacionalizar a
noção de coerência no texto. Que fatores presentes no frame do leitor indicariam de
modo mais palpável a noção de que texto 'faz sentido', é coerente? Creio que a
proposta Eggins (1994) pode ser a resposta. Para ela, um texto coerente, assim o
será em termos:
(d) culturais, se apresentar estrutura de gênero – com seus estágios e
finalidades;
(e) situacionais, se respeitar os ditames do registro – através das variáveis
de Campo (assunto), Relações (os interlocutores) e Modo (linguagem).
Assim, no gênero conto de fadas, será coerente uma vaca falar, um menino
voar; e nesse conto, o assunto (Campo) pode girar em torno de crianças viajarem
16
em uma nave em direção à lua, porque a interação do autor do conto com seu leitor
(Relações) permitirá uma cumplicidade que envolve essa possibilidade; assim
também, será possível a utilização de um texto escrito oralizado (Modo), fato que
não seria admitido em gêneros mais formais como o de um decreto governamental.
Na sequência, apresento os três tipos de coerência propostos por Agar e
Hobbs (1982), que a meu ver podem esclarecer de maneira mais detalhada o
funcionamento do processo de coerência.
2.3.1 A natureza tripártite da coerência
A coerência que encontramos nos textos pode ser divida em três tipos, dizem
Agar & Hobbs (1982): global, local e de tema.
Coerência global: O falante tem metas globais que ele tenta realizar ao falar. Ele
deve desenvolver um plano da conversa ou da narração para realizar suas metas,
fragmentando-as em sub-metas e estas em outras sub-metas, até que as sub-metas
possam ser diretamente realizadas por meio de enunciados (HOBBS; EVANS,
1979). Os autores propõem chamar essa relação do enunciado com o plano geral do
falante de coerência global.
Coerência local. Em algum ponto do desenvolvimento do plano textual, as sub-
metas estarão menos relacionadas com coisas que o falante tenta efetivar no mundo
do que com coisas que o falante está tentando efetivar no texto. Dois movimentos de
continuação ou relações de coerência que atuam na microanálise abaixo serve de
exemplo: (1) Um modo de manter a coerência é dizer "o que aconteceu depois";
outro modo de manter a coerência é elaborar sobre o que acabou de se dizer.
Outras relações de coerência são: contraste, explicação e consequência.
Coerência temática. Em qualquer texto coerente, encontramos trechos de conteúdo
- vamos chamá-los de temas - que aparecem repetidamente. Esses temas conferem
um tipo de unidade ao texto, que chamamos coerência temática. Vamos nos referir a
ocorrências repetidas de temas através do texto como "linhas" de coerência temática
(também conhecidas como 'progressão temática').
17
Apresento, a seguir, como exemplo de aplicação dos três tipos de coerência,
comparando duas redações: portanto, um texto não coerente nesses termos (texto
A) e outra coerente (texto B). Limito-me a analisar os três tipos em alguns casos.
Texto (A): POR QUE VOCÊ ESCOLHEU O BRASIL PARA ESTUDAR?
(1) Eu quero estudar no Brasil porque embora adore a América Latina não conheço
ainda muitos países deste continente. (2) Quando estiver estudando no Brasil,
espero ter a oportunidade de viajar, pois assim poderei aprender mais coisas. (3)
Minha especialidade é Estudos Latino-Americanos. (4) Esta é a primeira razão por
que preciso estudar no Brasil. (5) Eu sei que a Universidade de São Paulo é uma
das melhores do Brasil e também da América Latina. (6) Conheço algumas pessoas
em S. Paulo que assim me informaram. (7) No momento estudo no Albion College,
em Michigan, mas aqui não há nenhum curso concentrado especificamente na
América Latina. (8) O programa pareceu-me o único adequado para mim.
Discussão:
Vejamos como o autor do texto (A) elabora sua redação em termos dos três
tipos de coerência:
Coerência global: Os trechos sublinhados indicam falha na coesão global: há
duas respostas (1) e (3) para a pergunta do título, mas o texto se limita a
desenvolver a segunda resposta.
Coerência local: Entre (5) e (6) há coerência local: uma explicação, o que
não acontece entre (4) e (5), pois não há explicação da relação entre o tipo de
estudo a que o autor se dedica e a USP.
Coerência temática: Entre (4) e (5), há falha na manutenção do Tema
('estudos latino-americanos') e ('USP').
Essas falhas comprometem a coerência do texto (A). De fato, todos os
alunos, mesmo aqueles que construiriam textos como esse, foram de opinião que o
18
texto é fragmentado, com vai e vem que atrapalham a sua leitura. Não é, porém o
que acontece com o Texto (B):
Texto (B): POR QUE VOCÊ ESCOLHEU O BRASIL PARA ESTUDAR?
(1) Tive várias razões para escolher o Brasil. (2) Entre elas, uma é o fato de eu estar
trabalhando como assistente de investigação na área de desenvolvimento do
Terceiro Mundo, o que me despertou um imenso interesse na América Latina,
especialmente aprender sobre a experiência brasileira. (3) Os quatro anos de
estudos nos EUA ensinaram-me muito sobre o papel deste país a respeito do
desenvolvimento latino-americano.
Discussão:
Coerência global: (1) responde à pergunta-título.
Coerência local: (2) explica o motivo (dentre os vários) e (3) explica o porquê
de ser o Brasil.
Coerência temática: Os trechos sublinhados mostram a coerência via Tema:
razões → elas → Terceiro Mundo → América Latina → brasileira → deste
país → latino-americano.
A opinião maciça dos alunos, que compararam as duas redações, é de que o
texto (B) é fácil de ler, portanto, fácil de entender. Na realidade, o texto mostra que,
para respeitar os três tipos de coerência, deve apresentar uma visão global, para
aos poucos fragmentar esse total em partes mais acessíveis. Assim, "tive muitas
razões" abre um leque de opções, que aos poucos se fecha para chegar à
experiência brasileira, respondendo à pergunta original.
Passo, a seguir, a tecer algumas considerações sobre a noção de coesão.
2.4 A Coesão
Para explicar a noção de coesão, que realizada a unidade de textura, Hasan
(1989), compara os seguintes exemplos:
19
Exemplo A: Era uma vez uma menininha e ela saiu para um passeio e ela viu um ursinho fofinho e então ela o levou para casa e lá em casa ela o lavou.
Exemplo B: Ele montou num búfalo. Eu o pus no armário. Eu reservei um lugar. Eu não o comi.
Quadro 1 – Unidade de textura (Fonte: Hasan, 1989)
O exemplo (A) apresenta uma certa continuidade que falta em (B), diz Hasan.
Uma dessas continuidades pode ser descrita em termos de estrutura de gênero.
Embora (A) esteja incompleto, é um exemplo claro de um gênero familiar, isto é,
uma história inacabada. Já não se reconhece tão facilmente o gênero de (B),
embora possamos perceber as sentenças como tendo sido retiradas, talvez, de um
livro de exercícios de língua. Mas (B) não apresenta uma estrutura de começo, meio
e fim.
Por outro lado, a continuidade estrutural não é o único tipo de continuidade.
Assim, o texto (A) possui o atributo da textura, que falta ao texto (B), ou seja, (A) é
um texto coeso, enquanto (B) não o é: em A há certos tipos de relação de
significados entre suas partes que não se encontram em (B). Por exemplo, 'ela'
refere-se à 'menininha'. Uma maneira mais concisa de dizer é que 'ela' é co-
referencial à 'menininha'.
Assim, (A) será visto como coerente, enquanto (B) não o será.
A propósito, para Eggins (1994), textura é a propriedade que distingue um
texto de um não-texto; é o que mantém juntas as orações de um texto para lhes dar
unidade. Assim um texto será coeso se:
(a) mantiver os participantes;
(b) observar seleção lexical adequada; e
(c) utilizar conjunções para relacionar as orações.
Observemos que no exemplo (B), do Quadro 1, nenhum desses elementos é
levado em consideração. O texto (B) não é coeso porque: (i) não há manutenção de
participante (variando entre 'búfalo', 'armário', 'lugar') [não há manutenção da
progressão temática]; assim sendo, em (ii) não há como falar em seleção lexical
20
adequada; (iii) não há conectivos lógicos entre as orações. A propósito, Eggins fala
em quatro tipos de coesão textual: referencial, lexical, por conjunção e de estrutura
conversacional (que apresentarei no capítulo da Metodologia).
Assim, também, para Bednarek, a coesão é uma propriedade de textos e
refere-se aos meios linguísticos para prover ‘textura’ (i.e., liga as sentenças de um
texto), tal como a referência, substituição, elipse, reiteração, colocação e conjunção,
de Halliday & Hasan (1976), os padrões do léxico, de Hoey (1991), etc.
Da mesma forma, segundo Koch e Travaglia (1989), a coesão é
explicitamente revelada através de marcas linguísticas, índices formais na estrutura
da sequência linguística e superficial do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já
que se manifesta na organização sequencial do texto. É nitidamente sintática e
gramatical, mas pode ser também semântica. Sabe-se que a coesão contribui para
estabelecer a coerência, mas não garante sua obtenção, dizem os autores. O texto
não é coerente porque as frases que o compõem guardam entre si determinadas
relações, mas estas relações existem precisamente devido à coerência do texto.
Não é essa a opinião de Cornish (2003) para quem a coesão nem sempre
está "explicitamente revelada através de marcas linguísticas". Para demonstrar sua
proposta, usa dois artigos de jornal, para examinar o modo como o leitor cria
discurso baseando-se em várias pistas textuais fornecidas pelo escritor, em termos
de um contexto relevante. A sinalização de certos tipos de anáfora bem como a
dêixis fazem parte dessas pistas. Ele inicia sua proposta, definido:
a. TEXTO: sequência conectada de sinais verbais e não-verbais em termos
dos quais o discurso é co-construído pelos participantes no ato da
comunicação.
b. DISCURSO: sequência hierarquicamente estruturada e situada de atos
indexicais, enunciativos e ilocucionários realizada na perseguição de uma
meta comunicativa, integrada num dado contexto.
c. CONTEXTO é sujeito a um processo de construção e revisão conforme o
discurso se desenrola. É através da invocação de um contexto relevante
(que é em parte determinado pela natureza do co-texto em questão, bem
como pelo gênero) que o ouvinte/leitor é capaz de converter a
sequência de pistas textuais em discurso.
21
O texto age como um reservatório de pistas servindo de instrução para o
receptor construir um modelo conceitual da situação evocada pelo produtor, um
modelo que o receptor pretende que seja idêntica ao modelo do produtor.
O discurso, por outro lado, designa o resultado das sequências de atos
enunciativos, ilocucionários e indexicais hierarquicamente estruturados,
mentalmente representados em que os participantes se engajam conforme a
comunicação se desenrola. Tais seqüências têm como sua raison d'être a realização
de alguma meta comunicativa, e podem ser vistas como constituídas de unidades
menores caracterizadas pelo fato de que as 'microproposições' (KINTSH; VAN DIJK,
1978) que elas contêm são localmente coerentes, isto é, realizam um nível que
Grosz & Sidner (1986) chamam 'estrutura intencional' (veja PARISI;
CASTELFRANCHI, 1977). Tais unidades mantém entre si uma certa relação
manifestando um tipo mais global de coerência.
Essa distinção é feita porque o discurso, diz Cornish, – isto é, a construção
situada e a interpretação da mensagem via um texto relativo a um contexto, em
termos das intenções do produtor – é um empreendimento (re-construtivo) e,
portanto, altamente probabilístico. Da perspectiva do receptor, não é uma questão
de simplesmente decodificar o texto para chegar à mensagem plena originalmente
pretendida pelo produtor. O 'significado' não está 'no' texto; ele tem de ser
construído pelo receptor através do texto e do contexto apropriado. Em qualquer
caso, o texto é, em geral, se não sempre, incompleto e indeterminado em relação ao
discurso que pode ser derivado do texto em conjunção com o contexto. A distinção
está ligada ao fato bem conhecido de que a evocação de aspectos superficiais do
texto é mais alta imediatamente depois da leitura (pelo leitor); mas essa habilidade
desaparece quando um lapso de tempo significativo separa a leitura da evocação:
aqui, o conteúdo geral (o "essencial" do texto) é mais bem lembrado que os detalhes
da superfície do texto. Muito do discurso cotidiano é em todo caso 'oblíquo', isto é,
não há uma relação uma-a-uma entre forma e significado - i.e., o enunciado ou o
significado do produtor, oposto ao significado linguístico.
22
2.4.1 Anáfora, texto e discurso
Diferentemente da abordagem tradicional da anáfora em termos da chamada
endófora3 (e.g. HALLIDAY; HASAN, 1976), em que a expressão anafórica precisa
primeiramente ligar-se a um antecedente textual co-ocorrente adequado para que a
relação anafórica se estabeleça, a abordagem desenvolvida por Cornish pede uma
relação mais indireta, em três vias, entre o que o autor chama de (i) desencadeador-
de-antecedente (CORNISH, 1999, p. 41-43) (ii) uma representação discursiva
mental e (iii) uma anáfora. Sob essa abordagem, há uma interação entre os
domínios do texto e do discurso, enquanto que, sob a concepção tradicional, a
relação é estabelecida inteiramente dentro do texto. É por razões 'top-down'4 em
vez de exclusivamente 'botton-up', o que inclui fatores intertextuais, que a referência
indexical da anáfora do discurso é estabelecida (veja EMMOTT, 1995, p. 84-86;
WERTH, 1999, p. 291-293). A definição de anáfora citada abaixo é exemplo típico
de abordagem intratextual de anáfora (hoje descartada).
[...] uma expressão é anafórica se sua interpretação referencial depender de outra expressão que se encontra no co-texto. (RIEGEL et al. 1964, p. 610)
Não há necessidade de haver nenhuma outra 'expressão relevante ocorrendo
no co-texto' com a qual se contrate tal relação. Em muitas circunstâncias de uso
normal da língua, a "resolução" da anáfora é virtualmente automática, e não dá
chance para um cálculo consciente da parte do receptor, continua o autor.
Além disso, o tratamento da anáfora pelos textualistas requer que os traços
morfológicos da anáfora pronominal combinem com os da expressão antecedente –
isto é, do seu referente. Mas essa combinação não é necessária, especialmente no
discurso falado. Nos casos em que não existe antecedente co-textual relevante,
podemos trabalhar com a chamada 'exófora' (CORNISH, 1999, cap. 4), que Cornish
afirma funcionar essencialmente do mesmo modo que a endófora padrão. Para
ilustrar esse fato, tomemos um exemplo:
3 Endófora - Dentro do texto: anáfora: Pedro comprou um livro e ele (=anáfora) vai me emprestar. (pronome vem depois) catáfora: Ele comprou isto: um belo de um carro. (pronome vem antes) Exófora - Fora do texto: Ei, você, preencha este cupon e ganhe um prêmio. 4 Top-down: hipóteses que formulamos enquanto o texto se desenvolve. Botton-up: o texto (as letras, as palavras, enfim o concreto) que vão me dando pistas para a formulação daquelas hipóteses.
23
(5) [Contexto: diante de uma porta fechada do escritório de um membro do staff acadêmico
da Universidade de Kent em Canterbury, UK. Um estudante está indeciso diante da porta,
evidentemente interessado em ver o membro em questão. Um outro estudante, que
conhece o membro do staff em questão, passa, e vendo a situação, diz]: Ele não está aí!
Notemos que o referente indicado pelo pronome ele não está co-presente na
situação do enunciado. A presença do estudante diante da porta atua como o
desencadeador-de-antecedente (DA). Como tal, ele induz o estabelecimento da
representação discursiva relevante na mente do produtor (algo como: 'este
estudante está querendo ver X'). A relação metonímica5 entre o estudante
enfocando a porta e o membro do staff é um tipo de conexão explorada no
estabelecimento da anáfora. Aqui temos uma relação de 'efeito-causa' integrando as
duas representações ('estudante Y quer ver o membro do staff X, mas o escritório de
X está fechado' (EFEITO), 'e isto é porque X não está aqui' (CAUSA). A situação é
assim idêntica a que seria se o referente do pronome estivesse mencionado
explicitamente no segmento relevante do co-texto, como em:
(5') Estudante: Você sabe se o sr. Smith está em seu escritório?
O outro: Não, ele não está aí.
Nos casos tanto da anáfora co-textual ('endófora' como em [5']) quanto da
anáfora contextual ('exófora', como em [5]), a representação da interpretação da
anáfora em contexto torna explícita a relação que o seu referente contrai com a
situação circundante – dado que as anáforas zero e átonas sempre recuperam o
referente de uma situação saliente na qual desempenha papel central. Se esse
referente foi evocado direta e explicitamente no co-texto precedente (ou
subsequente, no caso da catáfora), ele não é nem uma condição necessária nem
suficiente para a existência da anáfora. O referente visado pela anáfora está
associado de algum modo à representação discursiva evocada via o DA (um
enunciado, um gesto), e é estabelecido como uma função do segmento inteiro do
discurso construído subsequente à introdução dessa representação. 5 Metonímia: relação da parte com o todo.
24
A resolução da anáfora envolve essencialmente um processo de integração
da predicação do DA com o seu contexto discursivo. Vamos examinar um
interessante exemplo falado, altamente elíptico, para ilustrar essa proposta
complexa do modo como a anáfora atua em termos do discurso:
(6) [ Diálogo num filme:]
Mulher: Por que você não escreveu para mim?
Homem: Eu escrevi ... começava a, mas eu sempre as rasgava.
(Fragmento do filme Summer Holiday).
O primeiro enunciado desse fragmento de diálogo é o DA (juntamente com o
seu ponto ilocucionário, o pedido feito ao homem, o qual justifica o fato de ele não
ter escrito [nenhuma carta] para a mulher). A existência de uma ou mais cartas
escritas pelo homem é negada pela pergunta negativa da mulher (você não
escreveu nenhuma carta); assim o referente de as não pode ser idêntico ao do seu
'antecedente' (cartas). O segundo enunciado elíptico do homem começava a ..., que
cria a implicatura de que a carta ou cartas foram escritas, mas não foram enviadas à
mulher. Essa implicatura é confirmada através do processamento do terceiro
enunciado do homem, em que se afirma que ele destruía as cartas parcialmente
escritas. O fato de o verbo rasgar nesse conjunto anafórico ser modificado pelo
advérbio quantificador sempre (no sentido de 'em toda ocasião [em que te escrevi
uma carta]') significa que a própria frase verbal está quantificada, e justifica o plural
do pronome clítico (as), a referência sendo mais de uma carta.
Apresento a seguir, a proposta de Bundgaaard (2006) que serve como uma
explicação em que se basearão alguns tipos de coesão (EGGINS, 1994) que
utilizarei em minha análise, bem como a noção de 'realização prosódica' (LEMKE,
1998), a coesão efetivada por elementos avaliativos.
2.5 Coerência e coesão via frame semântico
Bundgaard (2006) não aceita a distinção tradicional entre coesão e coerência,
i.e., a distinção entre:
25
(a) regras sintáticas, que governariam a composição de unidades
sintáticas na oração; e
(b) regras semântico-pragmáticas, que guiariam a composição de
unidades de texto além dos limites da oração.
Para tanto, apresenta dois princípios de combinação semântica ativos em
todos os níveis de composição linguística: a estrutura esquemática de frame e a
estrutura narrativa. Embora ele trate da questão na narrativa, creio que sua
proposta interessa em termos gerais à minha pesquisa. Esses princípios seriam
componentes de um sistema combinatório semântico determinado em termos de
relações de dependência.
Ele trata de princípios que governam a combinação de unidades linguísticas
em um todo significativo. Para ele, 'unidade' é qualquer elemento da língua que
possa ser considerado como parte de um todo compreensivo, não importando a
extensão da parte ou do todo. Assim, a unidade '-or' de 'comprador' é parte de um
composto; assim como 'comprador' é parte de 'comprador de cavalos'; 'comprador
de cavalo' é parte de 'O comprador de cavalo negociou o animal', e assim por diante.
Já que para o autor não há diferença crítica entre o que tradicionalmente é
chamado de coesão linguística (i.e., unidade dentro de uma oração) e coerência
linguística (e.g., unidade de algum tipo maior que a oração), quando se diz 'todo
significativo', 'significativo' é tomado a sério, segundo ele. Os princípios de
combinação a que ele se refere são semânticos, e não sintáticos. Quando falamos,
não estamos preocupados com a nossa capacidade de produzir sentenças corretas.
Nossa maior preocupação é expressar na língua as coisas que temos em mente.
Queremos combinar significados genuínos e não simplesmente categorias
sintáticas.
O autor diz que linguística cognitiva tem se interessado nas duas últimas
décadas pelas estruturas linguísticas com as quais combinamos os significados,
bem como pela relação às experiências que elas expressam. Essa questão diz
respeito à natureza esquemática do significado, i.e., o fato de a própria experiência
ser organizada por esquemas, estruturas organizadoras de significado ou padrões
significativos de distribuição de papéis e que, a língua, para usar o termo de Leonard
Talmy (2000), evoca essas representações conceitualmente estruturadas, i.e., que o
significado linguístico apoia-se no tipo de estrutura que organiza nossa
27
26
experiência. Bundgaard restringe-se a apresentar dois princípios esquemáticos da
coerência/coesão linguísticas, que governam a composição semântica tanto abaixo
quanto acima do nível da oração, como já me referimos acima: a estrutura
esquemática de frame e a estrutura narrativa.
Segundo Bundgaard, desde a 4a. Investigação Lógica, de Husserl (1913
[2001]), diz-se que as unidades linguísticas combinam-se em proposições
significativas (do tipo: 'esses números pós-modernos estão esfomeados') em virtude
de regras que: (1) são imanentes ao próprio sistema linguístico e, portanto,
inteiramente independentes de qualquer sanção subjetiva da compatibilidade de
coerência semântica das unidades combinadas; e (2) aplicam-se às unidades
somente de acordo com formas categóricas (sintáticas), isto é, independentemente
da sua importância semântica (e, é claro, independentemente do fato de que as
pessoas usam essas unidades não simplesmente para gerar frases, mas para gerar
frases que expressem o que elas pensam sobre alguma coisa).
A refutação dessa tradição linguística pelo autor repousa em: (1) observações
de como o significado é realizado por expressões linguísticas e da relação entre
significado e forma linguística; e (2) uma simples inversão da perspectiva sobre
língua, isto é, da definição de língua e do objeto da linguística.
2.5.1 A relevância da reivindicação de Bundgaard
Se deixarmos de lado o fato de que princípios de gestalt governariam ou não
a combinação de unidades linguísticas dentro e além da oração, o fato é que as
unidades linguísticas formam um todo que não se reduz à soma de suas partes. Se
uma pessoa grita, dirigindo-se para mim 'Saia daqui!' e alguém me pergunta o que
ela me falou, eu posso dizer 'Ela me mandou sair da sala'. Eu reproduzo o mesmo
significado global, mas com outras palavras. O mesmo aconteceria se traduzisse o
enunciado para um outro sistema semiótico. Tudo isso se o significado for
devidamente identificado.
Outra feição essencial deve ser notada: mesmo não havendo acesso a
nenhum 'significado de ordem superior' no sentido da gestalt, sem haver nenhuma
parte que o expresse, é evidente que nenhum significado de ordem superior (o que
queremos expressar) seja univocamente ligado a um tipo específico de expressão. É
27
totalmente contingente (i.e., dependente das circunstâncias sob as quais nos
comunicamos) o modo como expressamos o que temos em mente. Assim, posso
referir-me ao vendedor de cavalos como 'Vendedor de cavalos' ou 'Ele é o homem
que comercializa cavalos'. Assim também posso referir-me a um evento através de
uma oração 'Ela comprou verdura na quitanda.', ou, em duas orações, 'Ela foi à
quitanda e comprou verdura.' A afirmação de que a oração seria sintaticamente um
limite essencial não tem contrapartida semântica, já que o estado de coisas evocado
por uma oração pode também sê-lo por duas orações.
Considere, diz Bundgaard, como temos acesso direto em nível super-
ordenado quando dizemos coisas como 'que história maravilhosa' ou 'esse livro
mostra que o amor está acima de tudo', etc. Mesmo textos longos podem ser
acessados e rearticulados através de conjuntos restritos de momentos semânticos
constituintes. Esses fatos apontam para a existência de princípios de coerência
acessíveis (no sentido de que as coisas são redutíveis ou acessíveis por meio de
poucas relações de ordem superior que fazem suas partes 'ficarem juntas'.
Essas observações permitem dizer que, uma vez que as combinações de
unidades linguísticas menores e combinações de unidades linguísticas maiores
apresentarem as mesmas características semânticas, e uma vez que se pode provar
que a oração não constitui nenhum limite natural para a composição de significados,
podemos esperar encontrar princípios de combinação semântica que operem na
maioria de (senão em todos) os níveis da composição linguística.
A refutação de analogia ou continuidade estrutural entre coesão linguística e
coerência linguística depende de decisão metodológica, continua Bundgaard. Mas
pode-se dizer que a priori a língua não é apenas um sistema formal internamente
estruturado, mas também um meio de comunicação, ou seja, sua função essencial é
expressar pensamentos.
A língua é usada para expressar pensamentos sobre alguma coisa, continua
o autor. Assim a língua deve ser capaz não somente em referir-se a alguma coisa,
mas também em expressar fielmente o modo como elas foram pensadas ou
conceituadas. Se assim é, deve haver algum tipo (se não for um isomorfismo direto)
de uma compatibilidade entre o modo pelo qual os pensamentos são compostos e o
modo pelo qual as unidades linguísticas são combinadas para expressá-los. Em
outras palavras, a combinação de unidades linguísticas é precedida e finalizada pela
composição de pensamentos. Mas a composição de pensamentos não é limitada
28
pela proposição e assim também o seu correlato linguístico: a oração. Seu nicho
natural não é a proposição strictu sensu, mas a concatenação, a combinação de
significados. Assim, em relação à composição de pensamentos, há apenas uma
diferença de grau, não de natureza, entre unidades combinadas dentro do escopo
da proposição (cujo correlato linguístico é a oração) e unidades combinadas dentro
do escopo de uma série de proposições.
Uma outra consequência essencial, diz o autor, é que as unidades linguísticas
(palavras, sentenças, trechos com várias sentenças) especificam linguisticamente os
pensamento (parciais ou combinadas) que expressam. Usar a língua é outorgar os
significados pretendidos às unidades linguísticas, e entender a língua é captar a
intenção do falante. Nesse sentido, não há diferença essencial entre as palavras
'quente' e 'batata' nas sentenças abaixo, como expressões bem-formada e mal-
formada respectivamente:
(3) Me dá a batata quente.
(4) *A me batata dá quente.
Nos dois casos, é impossível atribuir qualquer significado positivo a 'quente'
ou a 'batata' sem especificações contextuais. Eis porque Husserl ter dito que
palavras e sentenças sem intencionalidade são meros "padrões sonoros" (Wortlaut),
e não expressões strictu sensu. Bundgaard passa a explicar a noção de frame-
semântico, importante para a compreensão de sua proposta.
2.5.1.1 O frame semântico
A noção de "frame semântico" foi criada por Charles J. Fillmore num artigo de
1982. Sua definição é importante para o presente contexto:
O frame semântico oferece um modo particular de olhar os significados das palavras, bem como o modo de caracterizar princípios para criar novas palavras e frases, para acrescentar novos significados a palavras e para reunir significados de elementos de um texto no total de significados do texto. Pelo termo 'frame' tenho em mente qualquer sistema de conceitos relacionados de tal modo que para entender qualquer um deles é necessário entender a estrutura inteira no qual ele entra; quando uma dessas coisas em tal estrutura é apresentada num texto, ou numa conversa, todos os outros ficam automaticamente disponíveis (FILLMORE 1982, p. 111).
29
O ponto é que muitos elementos lexicais isolados não adquirem significado
simplesmente por referência a objetos externos (abstratos ou concretos); seus
significados tomados separadamente ativam cenários, scripts ou esquemas mais
compreensíveis, em relação aos quais eles assumem um significado específico, diz
Bundgaard. Assim verbo como 'comprar', 'vender' e uma série de outros ativam o
frame comercial.
O importante não é somente que esses frames sejam infiltrantes, mas
também que eles exercem uma função integrativa genuína tanto dentro da oração
quanto além da oração, e, além disso, podem ser usados para explicar o modo pelo
qual uma mesma palavra pode significar coisas diferentes em diferentes contextos.
Consideremos:
(5) Eu consegui isso em casa.
(6) Eu consegui isso no shopping.
Em (6) e não em (5) 'consegui' significa 'comprei', porque 'shopping' ativa o
frame comercial. A abordagem gerativa tentou, no tratamento dos compostos, definir
compostos como resultados de orações subjacentes deletadas que (segundo ela)
guiaria o construto semântico desse fenômeno (cf. LEES, 1960; LEVI, 1978). Essa
hipótese não se sustenta porque não há como recuperar um único verbo (ou atingir
a oração certa): o 'leiteiro' pode ser 'o homem que vende leite' ou 'o homem que
entrega leite', 'o homem que bebe muito leite', etc.
Se tivermos em mente que o nicho natural do uso da língua não é a oração,
mas o discurso – i.e., o meio inteiro que, em qualquer caso, possibilita afirmar o
ponto, expressar ideias, etc – não será surpresa que a estrutura do frame semântico
exerça a mesma função de ligação semântica entre orações inteiras bem como
entre entidades lexicais simples. O frame semântico é na verdade uma estrutura
conceitual que como conceito não está ligado a nenhum nível específico da língua.
Assim, diz Bundgaard, a língua será língua somente se for capaz de
expressar o que temos na mente. Além disso, a organização de nossas experiências
naturais ou fenomenológicas e a organização das entidades linguísticas é, na
verdade, muito heterogêneas. O que é dado simultaneamente na experiência (em
um espaço multi-dimensional) precisa ser articulado na língua passo a passo,
30
sucessivamente (em um espaço uni-dimensional). Já Cournot (1851, p. 364)
observava: a propriedade fundamental da língua é que ela é "uma série
essencialmente linear", cujo "modo de construção obriga-nos a usar uma série
sucessiva, linear, de signos para expressar as relações que a mente percebe, ou
deveria perceber simultaneamente em uma ordem diferentes". Por mais limitador
que seja essa circunstância, a língua precisa dispor os significados para transpor a
ordem da experiência natural (e os significados pré-linguísticos) em uma ordem da
articulação simbólica (de outra forma não seria capaz de expressar nada, e assim
não seria língua). Esses meios não são puramente sintáticos e não podem ser
reduzidos à forma sintática, se por sintaxe entendermos os princípios que governam
a geração de sentenças bem formadas, ou seja, no sentido estreito de sintaxe.
Os princípios de coerência que o autor discute servem para caracterizar o
modo como as palavras se combinam em virtude de seus significados, como as
palavras configuram-se em um todo mais compreensivo, por meio de estruturas de
ordem superior e intrinsecamente significativos, e como as palavras assumem um
significado específico de acordo com a posição que ocupam dentro desse todo
esquemático compreensível. O ponto mais importante aqui é que esses princípios de
configuração semântica não estão confinados, mas eles provam que são operativos
dentro e fora da oração.
Dentro desse enquadre, podemos entender como uma poesia (1) ou um
trecho de prosa (2), a seguir, podem ser considerados como exemplares coerentes e
coesos, embora não apresentem explicitamente os requisitos tradicionalmente
exigidos. Entendemos, então, que os elementos coesivos omitidos podem ser
inseridos pelo leitor, uma vez que seu frame consiga captar o esquema coerente de
'pesca' ou de 'dona de casa enfastiada'.
31
(1) A PESCA Affonso Romano de Sant'Anna
o anil
o anzol
o azul
o silêncio
o tempo
o peixe
a agulha
vertical
mergulha
a água
a linha
a espuma
o tempo
a âncora
o peixe
a garganta
a âncora
o peixe
a boca
o arranco
o rasgão
aberta a água
aberta a chaga
aberto o anzol
aquelino
ágilclaro
estabanado
o peixe
a areia
o sol
Fonte: Koch & Travaglia (1989)
32
(2) CORTE Maria Amélia Mello
(O dia segue normal. Arruma-se a casa. Limpa-se em volta. Cumprimenta-se os vizinhos. Almoça-se
ao meio-dia. Ouve-se rádio à tarde. Lá. pelas 5 horas, inicia-se o sempre.)
(Miniconto publicado no Suplemento Literário do Minas Gerais no. 686, ano
XIV. 24/11/1979, p.9.)
Coerência e coesão estão também relacionadas, segundo Lemke (1998), à
realização prosódica, esse significado avaliativo que se estende pelo texto e que
inclui: a coesão avaliativa, a propagação sintática, a avaliação projetiva, a
avaliação prospectiva e retrospectiva. Ele fala na coesão feita a partir da
Avaliatividade que se estende pelo texto, concorrendo em última instância para a
realização da coerência do texto.
Para tanto, apresentamos, a seguir, a noção de Avaliatividade (MARTIN,
2000, 2003) para, depois, trazer a complementação feita a essa noção por Lemke.
2.6 A Avaliatividade (APPRAISAL)
Martin (2000) enfoca a metafunção interpessoal e afirma que, na Linguística
Sistêmico-Funcional (LSF) (HALLIDAY, 1994), o que tende a ser omitido é a
semântica da avaliação – como os interlocutores estão sentindo, os julgamentos que
eles fazem e o valor que eles põem em vários fenômenos de sua experiência. Se
observarmos um diálogo, veremos que ele é muito mais que uma simples troca de
bens & serviços ou de informação, como preconiza a LSF. Assim, precisamos
elaborar sistemas lexicalmente-orientados que tratem também desses elementos,
diz Martin.
O autor examina o léxico avaliativo que expressa à opinião do falante (ou do
escritor) sobre o parâmetro bom/mau. Ele se enquadra na tradição da Linguística
Sistêmico-Funcional (LSF). O sistema de escolhas usado para descrever essa área
de significado potencial é chamado Avaliatividade (APPRAISAL).
(1) É inaceitável que o espírito de competição degenere em mortes.
33
O sistema de Avaliatividade é constituído por três principais sistemas:
(a) ATITUDE, que envolve três subsistemas, a saber:
(i) AFETO, que trata da expressão da emoção (felicidade, medo, etc.);
(ii) JULGAMENTO, que trata da avaliação moral do comportamento
(honestidade, bondade, deslealdade, etc.); e
(iii) APRECIAÇÃO, que trata da avaliação estética (imponência, beleza,
tosco, etc.). E que inclui a AVALIAÇÃO SOCIAL, uma sub-categoria
de APRECIAÇÃO, que se refere à avaliação positiva ou negativa de
produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.
Esses subsistemas se ligam a dois outros:
(b) COMPROMISSO, que trata do grau de compromisso do escritor à
avaliação que expressa, o que é feito através da modalidade e sistemas
relacionados. Em termos amplos, White (2003) que estudou esse
subsistema, distingue entre enunciados heteroglóssicos ou dialógicos
(nos quais se sinaliza uma posição que explicitamente mostra
diversidade de opiniões, com implicação de conflito e luta entre as vozes;
e enunciados monoglóssicos (em que o escritor se posiciona,
construindo a audiência como partilhando a mesma visão de mundo).
(c) GRADAÇÃO, que trata dos recursos para intensificar ou minimizar a força
da avaliação (aumentando ou diminindo) ou o foco da avaliação
(aguçando ou amenizando).
O autor está interessado em mostrar que a avaliação explícita ou implícita
(estes, chamados de tokens de Atitude) é complexa para operar, mas que pode ser
reduzida a um pequeno número de conjuntos básicos de opções: o que parece ser,
a princípio, um grupo variado intratável de itens lexicais, pode ser sistematizado.
34
2.6.1 Lemke e a coesão avaliativa
Lemke (1998) amplia o alcance da Avaliatividade. Os recursos léxico-
gramaticais permitem expressar a atitude do falante não somente em relação ao
interlocutor, mas também em relação ao conteúdo ideacional de suas proposições e
propostas. Lemke acrescenta mais 3 dimensões [significativo, compreensivo e
humorístico] às da modalidade de Halliday (1994) [provável - usual - necessário -
desejável], completando, portanto, sete dimensões.
Lemke apoia-se em Bakhtin (1935), que chamou atenção aos modos pelos
quais uma comunidade social incorpora um grande número de diferentes vozes
discursivas cada qual apresentando características de alguma sub-comunidade de
falantes, e em relação semântica complexa com muitas outras, fenômeno ao qual
Lemke (1995a) chama de 'formações discursivas'. Bakhtin caracteriza essas vozes
discursivas através de pontos de vista, que diferem em seu conteúdo ideológico (ou
ideacional, segundo Lemke) e em sua avaliação 'axiológica' (valor) em relação ao
conteúdo e a outras vozes, fenômeno chamado por ele de 'heteroglossia'.
A abordagem da teoria do registro (GREGORY, 1967; HALLIDAY, 1977)
também pode caracterizar a diferença de vozes em dois textos, através da
frequência de opções no sistema da transitividade. Mas, para caracterizar as
relações 'axiológicas', não basta o apoio do sistema da metafunção interpessoal
(Halliday 1985), segundo Lemke, pois quando falamos não apenas criamos relações
de oferta e demanda, solidariedade e distância, domínio e subordinação, etc. com os
interlocutores, mas também construímos atitudes e avaliações em relação ao nosso
próprio discurso e ao de outros.
Como Martin (1992, p. 553-559) e outros notaram, continua Lemke, as
realizações de significados interpessoais, incluindo modalidades e atitudes, tendem
a ser mais 'prosódicas' que as realizações mais segmentáveis e localizadas dos
significados ideacionais. Podemos interpretar esse fato, dizendo que componentes
redundantes, qualificadores e amplificadores ou restritivos, daquilo que é
funcionalmente uma única avaliação, espalham-se através da oração ou da oração
complexa ou, mesmo, de longos trechos de um texto. Como já disse Hasan (1984,
1989), Como veremos, as avaliações podem se propagar de um elemento a outro da
estrutura, bem como ao longo de cadeias coesivas, mas elas podem também criar
cadeias coesivas. Quando isso acontece, eles se sobrepõem a outros significados
35
avaliativos, e os escritores experientes encontram meios de integrar suavemente os
resultados através de delicadas escolhas lexicais e interdependências gramaticais.
Ficará claro também que as avaliações de proposições e propostas não são
independentes, em longos textos, da avaliação de participantes, processos e
circunstâncias incluídos em proposições e propostas.
Devido à existência de vários tipos de nominalização em certos registros, uma
proposição num ponto do texto pode tornar-se 'condensado' (LEMKE, 1990) como
um participante em outro trecho, e participantes (especialmente nomes abstratos)
podem ser 'expandidos' pelo leitor em proposições implícitas através da referência a
algum intertexto, ou ao co-texto imediato.
Vejamos, a seguir, exemplos da coesão avaliativa.
A co-avaliação, ao longo da mesma dimensão pode criar elos coesivos entre
elementos separados de um texto, elos esses não construídos por meios usuais de
coesão.
Enquanto isso, UM NÚMERO CRESCENTE de políticos republicanos, incluindo Usualidade
Christine Todd Whitman e William Weld, desenvolveram espinhas mais rígidas
consideradas FORA DE MODA entre os republicanos ocidentais da era Bush. Usualidade
Quadro 2 – Coesão avaliativa: Usualidade
A coesão é feita através das duas avaliações de Usualidade. Eles estão em
contraste semântico, embora lexicalmente não sejam antônimos (um número
crescente e fora de moda). O primeiro contribui para a avaliação de
Usualidade/Frequência, e o segundo com Usualidade/Expectabilidade.
2.7 Os marcadores discursivos
Há muita controvérsia a respeito do significado da expressão 'marcadores
discursivos'. Assim, para Taboada (2006), a primeira dificuldade no exame dos MDs
está na definição exata do que são e como chamá-los. Entre os termos usados
estão: marcadores de coerência, MDs, marcadores lexicais, operadores discursivos,
36
conectivos discursivos, conectivos pragmáticos, conectivos sentenciais, instrumentos
sinalizadores de discurso, ou, até mesmo 'particulazinhas incômodas' – criada por
Grimes (1975 apud TABOADA, 2006, p. 572).
Recentemente, Hyland (2005) e Hyland e Tse (2004) estabeleceram uma
forte visão interpessoal do metadiscurso, afirmando que todas as categorias
metadiscursivas são essencialmente interpessoais já que elas precisam levar em
conta o conhecimento do leitor, as experiências textuais e as necessidades de
processamento.
Embora concorde com a posição desses autores, preferi fazer a distinção
funcional entre os marcadores textuais (MMTs) e os interacionais (MMIs), seguindo
Dafouz-Milne (2008), pois essa divisão oferecerá uma variedade de subcategorias
que possibilitarão cobrir as funções pragmáticas dos marcadores metadiscursivos
(MMs) e os instrumentos linguísticos usados para realizar essas funções (DAFOUZ-
MILNE, 2008).
Além disso, para os propósitos de minha análise, resumi as categorias dos
MMs, como está no Quadro 3. Por outro lado, devo esclarecer que na proposta de
Eggins, quando ela se refere a 'conjunções', esse termo inclui os MMs.
MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,
finalmente]
Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]
Expressam relações semânticas
entre trechos do discurso;
indicam posições em uma série e
indicam mudança de tópico.
MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos
resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo,
(ironicamente)]
Expressam posicionamento do
autor e estabelecem a interação.
Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
37
2.8 Coesão e Coerência na Linguística Sistêmico-Funcional
Temos, assim, em mente que a análise da coerência e da coesão no gênero
editorial considera não somente os aspectos sintático-semânticos, mas também os
aspectos pragmáticos, envolvendo, em especial, a noção cognitiva de frame, bem
como o sistema de Avaliatividade (explícita e os tokens de Atitude). Porém, nessa
delicada relação entre o linguístico e o não-linguístico, há momentos em que
precisamos nos ater ao palpável, ao que foi efetivamente produzido no texto.
Nesse sentido, apresento a proposta de Eggins (1994) para a análise da
coerência e da coesão, em que a autora se apoia nessa relação.
Para ela, um texto será:
(i) COESO:
(a) se mantiver os participantes;
(b) se observar seleção lexical adequada; e
(c) se utilizar conjunções para relacionar as orações.
(ii) COERENTE:
(a) em termos culturais, se apresentar estrutura de gênero – com seus
estágios e finalidades; e
(b) situacionais, se respeitar os ditames do Registro – através das variáveis
de Campo, Relações e Modo.
Além disso, Eggins fala em 4 tipos de coesão, dos quais consideraremos 3,
os constantes no Quadro 4, deixando de lado a da Estrutura Conversacional por
motivos óbvios:
38
REFERÊNCIA LEXICAL CONJUNÇÕES
Exofórica (contexto imediato partilhado)
Taxonômica Relação de classe/sub-classe. Ex.: roedor/rato (i) classificação: - co-hiponímia (pneumonia/doença - classe-sub-classe: roedor e rato - contraste: seco/molhado - similaridade: sinônimo (clínica/hospital) - repetição (transfusão/transfusão) (ii) composição: - meronímia: (todo e parte: corpo e artéria) - co-meronímia: (relacionados a um todo: veia e artéria).
Coordenativas
e
Subordinativas
Endofórica (relação no interior do texto):
anafórica catafórica esofórica
Elíptica Comparativa Bridging Locacional Expectativa
Relação previsível entre: i) verbo e agente/paciente (latir/cachorro) ii) processo/participante típico (comer/jantar) iii) processo/lugar típico (transfusão/hospital) iv) item individual/grupo nominal (doador/doador de sangue).
Quadro 4 - Tipos de coesão
E, para ilustrar os tipos de coesão, ela traz a proposta da Cadeia de
Referência (MARTIN, 1992, p. 140), como mostro a seguir.
39
2.8.1 Cadeia de Referência
Quadro 5 – Exemplo de Cadeia de Referência utilizada em trecho do editorial
A cadeia de referência, ao rastrear os itens lexicais pelo texto, mostra se ele é
coeso, isto é, se os elementos se unem por todo o texto, através da referência, do
léxico e das conjunções, de maneira contínua, respeitando, assim, a Progressão
Temática. Diz Hoey (1991) que o parágrafo em que a cadeia não detectar o
elemento que rastreia deve ser deixado de lado porque não contribui para a coesão
(e por extensão para a coerência) do texto.
Resumindo os itens do apoio teórico, vimos, até aqui, o seguinte:
40
Importância do Contexto (Frame)
↓
UNIDADE DE TEXTO
↓
Contexto cultural:
Gênero (Editorial)
COERÊNCIA
Martin
Gênero Estágios/Finalidade
Agar & Hobbs
Global Local
Temática
Contexto situacional:
Registro (Campo-Relações-
Modo)
COESÃO
Eggins/Martin
Referência/Lexical/Conjunção Cadeia de Referência
Martin/Lemke
Coesão avaliativa
Quadro 6 - Resumo das teorias de apoio
3. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caso em termos de Holloway (1997). Assim, o
presente estudo, que examina a coesão e a coerência em editorial de jornal, tem
limites claros, efetivados por perguntas de pesquisa, fornecimento da fonte dos
dados usados, o contexto e as pessoas envolvidas. Além disso, tenho familiaridade
com a questão em foco e conheço o contexto anterior a esta pesquisa, mas sinto a
necessidade de uma investigação mais a fundo e com embasamento teórico
adequado. Como afirma Holloway, o estudo de caso não exige uma metodologia
específica para a coleta de dados e sua análise: o pesquisador categoriza,
desenvolve tipologias e temas, generalizando ideias teóricas.
3.1. Dados
Foram coletados, inicialmente, 30 editoriais referentes aos meses de abril a
setembro/2010, publicados no jornal Folha de S.Paulo (FSP), para ter uma visão
geral da realidade neles estampada, uma vez que procurava examinar textos cujo
conteúdo se relacionasse com a realidade de meus alunos. Porém, diante das
perguntas de pesquisa desta dissertação - (i) Como se realizam a coerência e a
coesão nos editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-gramaticais
realizam a coerência e a coesão em um editorial de jornal? - que não exigem esse
41
tipo de preocupação, decidi-me por abandonar essa ideia e escolher três editoriais
de maneira aleatória. O número de três foi-me sugerido pela banca de Qualificação,
já que cada texto envolve uma análise minuciosa que acabava ultrapassando o
espaço que dela se espera. Assim, selecionei os seguintes:
Data Título
1 04.4.10 "A lista infame" – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de
morte nos regimes mais autoritários do planeta
2 18.4.10 "Falta rigor" – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos
legislativos mais severos de controle e punição
3 18.6.10 "Presos monitorados"
Quadro 7 – Editoriais selecionados para análise.
A FSP jornal tem uma tiragem média que varia entre 301.2436 e 294.4987 mil
de exemplares diários. Os editoriais ocupam a segunda página do jornal,
usualmente em número de dois a três editoriais. Fomos informados que cerca de 12
pessoas discutem a matéria, e dentre eles dois se encarregam da redação.
3.2 Procedimentos de análise
A análise de cada editorial deverá seguir as seguintes que menciono mais
abaixo com o fim de responder às perguntas de pesquisa: (i) Como se realizam a
coerência e a coesão nos editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-
gramaticais realizam a coerência e a coesão em um editorial de jornal?
Antes, revendo o apoio teórico, tenho as seguintes teorias que embasaram as
análises, conforme o Quadro 8.
6Fonte: Instituto Verificador de Circulação (IVC), no ranking de dezembro/2010 dos jornais mais vendidos do país, a “Folha de São Paulo” manteve-se no topo, com circulação média diária de 301.243. 7 Boletim: Meio & Mensagem de 24.01.11, “depois de 24 anos de hegemonia absoluta, o jornal Folha de São Paulo, que tinha uma tiragem de 294.498 exemplares diárias perdeu a liderança de maior periódico em circulação no país para o jornal Super Notícia de BH, que lidera o ranking de maior circulação em 2010 com média por edição de 295.701
42
COERÊNCIA
Gênero Estágios e Finalidades
Registro Campo - Relação – Modo
Coerência Tripártite Global - Local - Temática
COESÃO
Manutenção de participantes Seleção lexical Conjunção
Notemos que os tipos de coesão propostos por Eggins (de referência, lexical e por conjunção) correspondem exatamente às condições de coesão alistadas ao lado.
Coesão avaliativa (MARTIN/LEMKE)
Cadeia de Referência (MARTIN/EGGINS)
Quadro 8 - As categorias de análise
Lembremo-nos de que, para Eggins (1994), um texto coerente, assim o será
em termos culturais, se apresentar estrutura de gênero – com seus estágios e
finalidades; e situacionais, se respeitar os ditames do registro – através das
variáveis de Campo (assunto), Relações (os interlocutores) e Modo (linguagem).
Além disso, examino a natureza tripártite da coerência (Agar; Hobbs 1982). Por isso,
verifiquei:
(a) Exame da coerência, por meio de
(i) gênero: caracterização dos estágios e finalidades do editorial;
(ii) registro: exame elementos de Campo, Relações e Modo;
(iii) coerência tripártite: verificação da coerência global, local e de
tema.
(b) Exame da coesão, por meio de:
(i) a manutenção dos participantes;
(ii) a seleção lexical;
(iii) as conjunções.
Feito isso, verifiquei a coesão avaliativa e desenhei a Cadeia de Referência
para cada editorial analisado.
43
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Análise do editorial "Lista Infame"
Inicio a análise com o texto "Lista infame", que apresento a seguir, na íntegra.
A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos
regimes mais autoritários do planeta
Folha de São Paulo (04.4.10) Editorial (444 pals.)
“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”. Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de cada país. Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004. É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969. Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa. O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo. Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao espetáculo. Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China – mas a Anistia Internacional, que assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, naquele país, soma-se à repressão. São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas. Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”, que os Estados Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, com efeito, de obscurantismo e violência. Quadro 9 – Texto: A lista infame, na íntegra
Inicio a análise da coerência, examinando, como já foi dito acima, o Gênero
"editorial" nos seus (a) Estágios e Finalidade; (b) o Registro, envolvendo Campo,
Relações e Modo, e finalmente a Coerência Tripártite.
44
4.1 Análise da coerência
4.1.1 Gênero editorial: Estágios e finalidade
A coerência depende, em parte, do preenchimento dos estágios do gênero -
no caso, um editorial - por meio de elementos que esclareçam as finalidades de
cada estágio, para, na soma, fazer sentido em relação ao que se propõe no título. O
gênero editorial é um discurso argumentativo que apresenta uma Situação em que
se situa um Problema, e se propõe uma Solução, em favor da qual se colocam os
Argumentos. Nem sempre esses elementos vêm nessa ordem, e nem de maneira
explícita, já que muito fica por conta do conhecimento de mundo (frame) do leitor,
em geral, já "formatado" ou "catequizado" pela exposição diária a que se submete
aos pontos de vista do jornal ou de outro meio comunicativo.
Estágios
Finalidade
A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta
Folha de São Paulo (04.4.10)
Editorial (444 pals.)
Título
(1) “ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”.
Situação 1
(2) Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de cada país.
Situação 2
(3) Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da legislação. Em 1986, eram menos de cinquenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004.
Situação 3
(4) É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.
Situação 4
(5) Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais.
Situação 5
45
(6)Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa.
Problema
(7) O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo.
Argumento 1 (interesse do Estado)
(8) Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao espetáculo.
Argumento 2 (idem no Irã)
(9) Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China – mas a Anistia Internacional, que assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, naquele país, soma-se à repressão.
Argumento 3 (idem na China)
(10) São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas.
(Argumento 4 (idem em outros países)
(11) Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”, que os Estados Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, com efeito, de obscurantismo e violência.
Argumento 5 (idem nos EUA)
Quadro 10 - Análise dos estágios e das finalidades do gênero
Discussão: O editorial está dividido em 11 estágios, dos quais 5 descrevem a
Situação
de pena de morte, referida como "ofensa à humanidade". No estágio 6, é
introduzido o Problema, na realidade um duplo problema: uma "abjeção política",
não apenas ineficaz no combate à criminalidade, mas também o fato de entregar "ao
Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados
interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa". Os
estágios de 7 a 11 mostram como, de fato, em vários países, as execuções
humanas envolvem interesses escusos do Estado.
Portanto, os estágios integrantes de uma argumentação (referidos no apoio
teórico), estão presentes: a Situação, que apresenta o Problema (a ineficácia da
pena de morte no combate à criminalidade além da vinculação a interesses políticos
escusos) e os Argumentos (mostrando o império desses interesses em vários
países, até de países que se auto-proclamam em favor dos direitos humanos, todos
vinculados a questões de natureza política e não humanitária). O texto não
apresenta explicitamente uma Solução, mas esta decorre da argumentação
46
sugerindo que a pena de morte não é, definitivamente, a solução para a erradicação
da criminalidade.
4.1.2 Registro: exame dos elementos de Campo, Relações e Modo
Complementando o papel do gênero na coerência de um texto, o Registro
deve, através de suas variáveis, desenvolver o tópico proposto pelo editorial,
considerando a interação com os leitores, em um formato de estrutura e de
linguagem exigidos por esse gênero.
Campo: trata de uma lista de países que adotam a pena de morte, não para
combater a criminalidade, mas sim por simples interesses políticos de Estado. O
Editorial faz avaliações negativas dos países que adotam a pena de morte ainda em
plena época contemporânea, principalmente os Estados Unidos que “implicitamente
faz declarações” a favor da lei dos direitos humanos.
Relações: os participantes da interação são os editorialistas e os leitores da FSP.
Os editorialistas são aqueles que na construção do texto, se alinham indiretamente
com os leitores, uma vez que já prevêem a informação esperada pelo seu público-
alvo, alcançando dessa forma a interação na compreensão do texto. Os leitores são
aqueles que estão expostos às opiniões do editorial. O objetivo do editorial pode ser
o de munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para
criar o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia tem sua função no editorial, na
medida em que, como parte de suas funções, atinge e confirma interesses,
preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é, nas palavras de
Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que é uma
interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.
Modo: A linguagem escrita é formal, assim relaciona-se às exigências do gênero
editorial de jornal, as escolhas léxico-gramáticais contribuem para dar coerência e
coesão na construção do texto. A noção de “idioma público”, de Stuart Hall (1978
apud Fowler 1991, p. 48), deve ser mencionada aqui: “A linguagem empregada será
a versão do jornal da linguagem do público para quem é endereçada”. Padrões de
47
vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam preocupações
especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe analisa ações e
estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas responsabilidade;
afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações. Se o leitor do
jornal julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba
considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um “senso comum” e a
aceita.
4.1.3 Análise da coerência tripártite
A coerência também pode ser considerada como sendo constituída de três
partes, segundo Agar e Hobbs (1982). Consideremos, então, o título do editorial: "A
lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte
nos regimes mais autoritários do planeta", e vejamos como os estágios se
relacionam com esse título em termos da coerência global (que assinalo em negrito
no texto) [lembrando que a coerência global refere-se à relação do enunciado com o
plano geral do texto]. Os colchetes referem-se à coesão local [lembrando que esta
se refere ao que o falante tenta efetivar no texto, explicando, justificando]. Os termos
que concorrem para a efetivação da coerência temática [ou progressão temática]
estão sublinhados.
48
Quadro 11 - Análise da coerência tripártite.
A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta
Folha de São Paulo (04.4.10)
Editorial (444 pals.)
“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, [diz o secretário-geral interino da Anistia
Internacional, Cláudio Cordone,] “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”.
[Referia-se à pena de morte.] Os dados do último relatório da entidade, [divulgados nesta semana],
autorizam algum otimismo em termos globais, [ainda que provoquem sentimentos opostos quando o
observador se aproxima da realidade de cada país].
Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da
legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de
países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, [naquele ano], para 117
em 2004.
É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, [não sem alguma hesitação
conceitual]. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a
pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.
Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no
Brasil, e constam do noticiário cotidiano, [como é notório], os exemplos extrajudiciais.
Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no
combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado,
[instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses], o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa.
O relatório da Anistia Internacional demonstra, [aliás], de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo.
Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue.
Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as
eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que [sem dúvida] indica o papel de intimidação que
se quis associar ao espetáculo].
Os números do Irã só são suplantados, [estima-se], pelos da China – mas a Anistia Internacional, [que
assinalara 1.718 execuções em 2008], desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de
Estado, [naquele país], soma-se à repressão.
São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo [outros países]
que se destacaram no relatório: [Sudão, Iêmen e Arábia Saudita] estão entre os líderes em execuções
humanas.
Não deixa de ser irônico, [para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”], que os Estados
Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser
antípodas, [com efeito], de obscurantismo e violência.
49
Pode-se ver que todos os estágios acima referem-se ao tema 'lista infame de
países que aplicam a pena de morte por motivos de interesse político'. Nesse
sentido, o texto é coerente em termos globais.
Quanto à coerência local, indicada entre colchetes no texto, referem-se às
sub-metas, menos relacionadas com coisas que o autor tenta efetivar no mundo, do
que com coisas que ele tenta efetivar no texto, algo como dizer "o que aconteceu
depois", ou elaborar o que acabou de expor. Também, aqui, o editorial apresenta
uma série de elementos que ajudam a localizar e a entender a informação, bem
como a perceber a intenção do editorialista [que veremos com maior detalhe na
análise da coesão avaliativa].
Por fim, verifiquei a coerência temática, sublinhada no texto, e que se refere a
trechos de conteúdo - vamos chamá-los de temas - que aparecem repetidamente.
Essa questão, mais voltada à coesão, segundo Eggins, será mais bem examinada
em ocasião própria.
4.2 Análise da coesão
Examino aqui os elementos que, segundo Eggins, propiciam a coesão textual:
manutenção dos participantes; seleção lexical; conjunção (hoje, incluídos nos
marcadores discursivos). Termino fazendo a análise da coesão avaliativa e traço a
Cadeia de Referência dos textos.
4.2.1 A manutenção dos participantes
Inicio com a indicação da manutenção dos participantes, sublinhando cada
item que a sinaliza, enumerando-o, da seguinte forma: (1) lista infame - Relatório da
Anistia Internacional - (2) pena de morte - (3) regime autoritário e classificando-o,
segundo o Quadro 11, que repito como lembrete.
50
REFERÊNCIA LEXICAL CONJUNÇÕESExofórica (contexto imediato partilhado)
Taxonômica Relação de classe/sub-classe. Ex.: roedor/rato (i) classificação: - co-hiponímia (pneumonia/doença - classe-sub-classe: roedor e rato - contraste: seco/molhado - similaridade: sinônimo (clínica/hospital) - repetição (transfusão/transfusão) (ii) composição: - meronímia: (todo e parte: corpo e artéria) - co-meronímia: (relacionados a um todo: veia e artéria).
Endofórica (relação no interior do texto):
anafórica catafórica esofórica
Elíptica Comparativa Bridging Locacional Expectativa
Relação predizível entre: i) verbo e agente/paciente (latir/cachorro) ii) processo/participante típico (comer/jantar) iii) processo/lugar típico (transfusão/hospital) iv) item individual/grupo nominal (doador/doador de sangue).
Quadro 12 - Tipos de coesão
Os participantes desse editorial examinados aqui são: (i) a pena de morte; (ii)
os países que admitem o uso dessa pena; e (iii) a finalidade escusa (em geral,
política) nessa aplicação. Para essa análise, divido o texto em 3 partes, conforme foi
deduzido na análise dos estágios de gênero: (a) Situação; (b) Problema; e (c)
Argumentos. A manutenção dos participantes garante a coesão textual, segundo
Eggins. Sigo o seguinte código para apontar a manutenção desses três elementos:
(i) pena de morte infame: negrito
(ii) países que não aceitam a pena de morte: sublinhado
(iii) finalidade escusa: itálico
(iv) países que usam a pena de morte para fins escusos:
[colchetes]
A LISTA INFAME – RELATÓRIO DA ANISTIA INTERNACIONAL MOSTRA PRESENÇA DA PENA DE MORTE NOS REGIMES MAIS AUTORITÁRIOS DO PLANETA
Folha de S.Paulo (4.4.10) Editorial (444 pals.)
ESTÁGIO: (a) SITUAÇÃO
“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia similaridade Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”. co-hiponímia
51
Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta similaridade processo semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos processo quando o observador se aproxima da realidade de cada país. Discussão
A coesão, aqui, é feita da seguinte forma: "ofensa à humanidade" envolve por co-hiponímia: "escravidão e apartheid" e "pena de morte" coesos por similaridade. Todos eles já apresentados no título. Por outro lado, "dados do relatório" e "termos globais" referem-se à pena de morte por expectativa de processo, já que há uma pesquisa em pauta. Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da exp.processo repetição legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de similaridade similaridade Países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 similaridade anáfora anáfora similaridade similaridade similaridade em 2004. Discussão A coesão com trecho anterior é feito pela repetição de "pena capital", e pelas anáforas "a" e "a", referindo-se a pena de morte. Mas o tópico aqui é o "número de nações" que aboliram essa penalidade, iniciando-se por "95", que apresenta coesão por expectativa de processo, já que esses números decorrem de um processo de pesquisa, lembrado por "outros levantamentos", por similaridade. Lembremo-nos de que essa questão já é apresentada no título. A partir daí, vários números, envolvendo diminuição e aumento desse número, relacionam-se por coesão de similaridade. É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação anáfora repetição hiponímia conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena repetição de morte. [Ela] Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969. elipse anáfora Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, similaridade repetição e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. elipse similaridade Discussão "Nesta" dá continuidade ao tópico iniciado no trecho anterior por anáfora, seguido por "países"
52
por repetição e "Brasil" por hiponímia em relação a "países". Continua-se falando em "pena de morte", mantida pela elipse "ela" e pela anáfora "sua", além de "execução" (similaridade). Todo esse processo estabelece a coesão do texto, mantendo os participantes "países" e "pena de morte".
ESTÁGIO: (b) PROBLEMA
Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz repetição no combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, similaridade similaridade instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir hiperonímia similaridade irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa. contraste O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de repetição repetição morte se combinam no mundo contemporâneo. Discussão Continua-se a falar de "pena de morte" (repetição), mas para introduzir novo tópico, a "abjeção política" - já inferível pelo título que anuncia uma "lista infame", portanto, coesão por similaridade. Também por similaridade, "Estado" já é anunciado no título como "regime" (similaridade), ambos co-hiperônimos de "instituição humana". "Interesses" retoma por similaridade "abjeção política" e "morte" relaciona-se com "vida" por contraste. Como se vê, um trecho bem escrito, amarra todos os participantes por meio de vários recursos de coesão. O último trecho, resume a argumentação, relacionando "interesses de Estado" (repetição) com "pena de morte" (repetição).
ESTÁGIO: (c) ARGUMENTOS Com 388 execuções, o [Irã] é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. similaridade co-hiponímia similaridade Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições repetição e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis similaridade associar ao espetáculo. similaridade Discussão Inicia-se a apresentação de evidências para comprovar a tese. A "pena de morte" apresenta-se aqui por meio de similaridades e de repetições, relacionando-se com a "intimidação" que traz à mente "interesses abjetos" por similaridade, finalmente o Irã é citado como um país que lança
53
mão da pena de morte para fins de interesse do Estado. Os números do [Irã] só são suplantados, estima-se, pelos da [China] – mas a Anistia Internacional, que expect. processo repetição hiponímia assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de similaridade expect.processo similaridade Estado, [naquele país], soma-se à repressão. similaridade Discussão As evidências são apresentadas por meio de "números" e "cifras" que remontam para o relatório, um processo de pesquisa. Além de "Irã" (repetição), cita-se também a "China" (hipônimo de "países", que além da penalidade máxima, ainda praticam o "sigilo de Estado" e a "repressão", relacionados à pena de morte. São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países catáfora que se destacaram no relatório: [Sudão], [Iêmen] e [Arábia Saudita] estão entre os líderes em hipônimos execuções humanas. similaridade Discussão O trecho dá continuidade à apresentação de evidências de regimes que se utilizam da "pena de morte" para fins de interesses "atrasados, fundamentalistas e repressivos", citando outros países (catáfora): Sudão, Iêmen e Arábia Saudita. Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das *civilizações”, que os Estados Unidos hiponímia também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, anáfora com efeito, de obscurantismo e violência. Discussão Finalmente, como a evidência maior da tese do editorial, surgem os Estados Unidos como mais um regime - aparentemente "democrático" e "civilizado" - que não escapa ao "obscurantismo" e à "violência". Quadro 13 – A manutenção dos participantes
54
Discussão
O editorial que foi analisado é coeso, pois desde o título - a sua
superestrutura (Van DIJK 1992), que deve ser o resumo máximo de um texto -
estabelece os participantes sobre os quais gira a mensagem. São eles: a pena de
morte, os países que a aboliram, os países que ainda a utilizam e a finalidade
escusa a que essa pena serve nesses países.
Notemos, que esses participantes têm lugar em todos os parágrafos a partir
daquele em que se anuncia sua presença, por meio de vários recursos de coesão, o
que envolve uma grande riqueza de escolhas lexicais. Dessa forma, esses
participantes são mantidos, conforme nota Eggins (1994), por todo o texto, o que
facilita ao leitor não somente compreender a mensagem do editorial, mas também e,
por isso mesmo, acompanhar com facilidade a sua leitura. É nesse ponto em que a
coesão contribui para atribuir coerência ao texto.
Por outro lado, um texto assim "amarrado", forma como que uma "teia"
persuasiva, da qual é difícil escapar. São assim creio, os bons textos, aqueles que
desenvolvem uma argumentação eficiente e efetiva.
4.2.1.1 Cadeia de Referência
Vamos rastrear a manutenção dos participantes:
(1) lista infame; (2) pena de morte e (3) países do planeta, conforme teoria da
Cadeia de Referência de Eggins (1994), com base em Martin (1992, p. 140), para verificação da coesão.
56
4.2.2 Seleção Lexical
A análise da seleção lexical decorre da análise da manutenção dos
participantes. O que se examina aqui são os termos relacionados ao tópico "modo
interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo" que
efetivam essa manutenção. Assim, esses termos para promoverem a coesão do
editorial precisam estar de acordo com a seriedade que se pretende do assunto, e
também com a expectativa do leitor a que se destina, fatores importantes para a
promoção da coerência em editorial da Folha de S. Paulo.
Portanto, eles terão de respeitar as variáveis de Registro: Campo, tratando do
tópico proposto no título; Relações: cumprindo, através da consideração dos ditames
exigidos pelo gênero editorial e da interação com os leitores da Folha de S.Paulo;
Modo: com o respeito às exigências formais do gênero, bem como uma linguagem
que organizem as metas referentes a Campo e Relações.
A análise mostra a riqueza de linguagem que recorre a escolhas lexicais de
similaridade, como em, ‘escravidão e apartheid’, ‘nações’ e ‘países’, ‘pena capital’ e
‘pena de morte, ‘abolida’ e‘suprime’, ‘levantamentos’ similaridade de ‘dados’.
Note-se também o uso de termos que exigem conhecimento do assunto por
parte do leitor, tais como, "Relatório da Anistia Internacional", "apartheid", citação de
nomes de países fundamentalistas na mente do leitor, bem como de países como os
EUA, que apregoam os direitos humanos (fora do seu território) ou do Brasil (onde a
lei e a realidade não condizem).
Finalmente, podemos verificar a sintaxe desse texto - que se costuma chamar
de "sintaxe madura" (veja exemplo a seguir) – com várias nominalizações
['escravidão', 'humanidade', 'relatório', 'otimismo', 'sentimentos', 'observador',
'realidade'], orações subordinadas com inversões e intercalações (sublinho no texto),
construída por escolhas lexicais adequadas à formalidade exigida por um editorial
desse jornal.
57
“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral
interino da Anistia Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa
ofensa à humanidade”.
Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade,
divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que
provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de
cada país. Quadro 15 - Exemplo de sintaxe utilizada em trecho do editorial
4.2.3 Conjunção
Como "conjunção", refiro-me não só às conjunções tradicionalmente
conhecidas - coordenativas e subordinativas -, mas também a outros elementos
conhecidos como "marcadores metadiscursivos". São elementos que, à semelhança
das conjunções, guiam o leitor através do texto. Como vimos, eles estão divididos
em textuais (MMT) e interpessoas (MMI), mas na medida em que ambos se
relacionam com o leitor nessa orientação textual, pode-se considerá-los todos
interpessoais. Veja, Quadro 3, repetido para facilitar o acompanhamento da análise:
MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,
finalmente] Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]
Expressam relações semânticas entre trechos do discurso; indicam posições em uma série e indicam mudança de tópico.
MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo, (ironicamente)]
Expressam posicionamento do autor e estabelecem a interação.
Quadro 16 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
Por uma questão de evitar muita repetição, analiso um trecho do editorial para
mostrar como os marcadores usados, ajudam a efetivar a coerência e a coesão
dentro de trecho, como o que se segue (coloco [T] para MMtextual e [I] para MMI):
É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação Sequenciador [T] Marc.Lógico [T] Epistêmico [I] Comentário [I]
conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a Comentário [I] Marc.Lógico [T]
pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.
58
Marc.Lóg. [T]
Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Topicalizador [I] Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. Marc.lóg. [T] Comentário [I]
Quadro 17 - Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
4.3 A Avaliatividade e a coesão avaliativa
Apresento a seguir a análise da avaliação do editorial, para indicar a coesão
que é feita por meio da Avaliatividade que perpassa o texto, a prosódia avaliativa
(também chamada de "logogênese" - construção dinâmica do significado conforme o
texto se desenvolve) (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999).
Indico com (+) a Avaliatividade positiva e com (-) a Avaliatividade negativa.
A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais
autoritários do planeta Folha de S. Paulo (04.4.10)
Editorial (444 pals.) “ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia Avaliação social (-) Idem Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”. Avaliação social (-) Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, Aval.Soc.(-) autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o Avaliação Social (-) observador se aproxima da realidade de cada país. Aval. Soc. (-)
Discussão: A coesão é feita através de ocorrências de Avaliação Social (-). Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da Avaliação Social (+) legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países Avaliação Social (+) que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004.
59
Discussão: A coesão é feita através de Avaliação Social (+). É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Avaliação Social (-) Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Avaliação Social (-) Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969. Avaliação Social (-) Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (-). Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no Avaliação social (-) Avaliação Social (-) combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, Avaliação social (-) instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir Avaliação social (-) Avaliação Social (-) irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte Avaliação Social (-) se combinam no mundo contemporâneo. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das duas ocorrências de Avaliação Social (-). Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Avaliação Social (-) Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao Avaliação Social (-) espetáculo. Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (-).
60
Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China – mas a Anistia Internacional, que Avaliação Social (-) assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) naquele país, soma-se à repressão. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se Avaliação Social (-) destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”, que os Estados Unidos Avaliação social (-) também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, Avaliação Social (-) com efeito, de obscurantismo e violência. Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Quadro 18 – Coesão avaliativa (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999)
Discussão
A análise da Avaliatividade mostra que a coesão de um texto depende
também da continuidade de uma avaliação. Poder-se-ia dizer que a coesão e a
coerência se cruzam quando a mesma avaliação perdura por trechos de texto. Um
texto em que ora se diz favorável ora desfavorável a um mesmo fato, revelaria falta
de coerência do autor e, com isso, a argumentação seria prejudicada.
O que se pode concluir depois de feita a análise é que o editorial "A lista
infame" é um texto coeso e coerente sob vários aspectos, seja de gênero, seja de
registro. E o que vimos foi o texto passar ileso por todos os testes por que passou, já
que está solidamente construído.
61
NOTA: As análises dos editoriais “Falta Rigor" e "Presos monitorados” foram
colocados nos anexos, a fim de evitar a extensão um tanto repetitiva do capítulo de
análise.
62
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o término dessa dissertação, pude perceber a relevância que as teorias
da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday (1985; 1994) e de seus
colaboradores têm para a análise da construção da coesão e coerência dos textos
pertencentes ao gênero editorial.
Estou convicta de que os resultados da análise responderam às questões que
foram à finalidade dessa pesquisa: (i) Como se realizam a coerência e a coesão nos
editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-gramaticais realizam a
coerência e a coesão em um editorial de jornal?
Com relação à primeira pergunta, as análises dos três editorias (por falta de
espaço, dois deles fazem parte dos anexos) mostraram que a coesão foi construída
de diversos tipos, como: coesão referencial – exofórica e endofórica – anáfora,
catáfora, esófora, elíptica, comparativa, bridging e locacional; coesão lexical – por
classificação – hiponímia, contraste, similaridade, – por composição – meronímia e
co-meronímia, por expectativa e por marcadores lógicos. Já a coerência foi obtida
por: coerência tripártite – global, local e temática –; estágios de gênero e frame do
leitor.
Com relação à segunda pergunta de pesquisa, referentes às escolhas
lexicais, a análise mostrou que é feita de acordo com o contexto cultural, que
considera o gênero, e o contexto situacional, que considera o registro, de modo a
revelar avaliação implícita e explícita expandidas pelo leitor através de tokens de
atitude.
Com embasamento e apreensão desses pressupostos teóricos, pude mediar
e orientar o processo de aprendizagem dos meus alunos do Curso Regular do
Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino, de forma mais assertiva com relação às
dúvidas pertinentes aos mecanismos de coerência e coesão, durante a produção e
análise de texto argumentativo dissertativo. Essa tipologia textual é uma das mais
requisitadas durante o processo de ensino-aprendizagem no Curso do Ensino Médio
e também pelos órgãos oficiais de avaliação externa como, por exemplo, no
SARESP/ENEM e demais vestibulares dos centros universitários.
Cereja & Magalhães (2003) afirmam que os exames vestibulares do país
solicitam aos candidatos a produção de textos dissertativos, mas, na verdade, pela
natureza polêmica dos temas, quase sempre o que se espera do candidato é que
63
ele produza um texto argumentativo ou dissertativo-argumentativo, i.e., um texto em
que o autor analise e discuta um problema da realidade, defenda seu ponto de vista
e, às vezes, proponha soluções.
Sendo assim, para ajudar a sanar as dificuldades dos alunos, coloquei em
prática as teorias estudadas, a saber: a teoria de Eggins (1994), que aborda os
quatro tipos de coesão – referencial, lexical, conjunção e estrutura conversacional -
considerados mecanismos primordiais para obtenção da coerência textual; a de
Minsky (1975), que trata do frame (conhecimento de mundo), considerado outro
mecanismo responsável para dar coerência ao texto; a teoria da natureza tripártite
da coerência de Agar & Hobbs (1982), que trata dos três tipos de coerência: global,
local e temática, relevantes para compreensão textual; a teoria dos marcadores
metadiscursivos textuais e interpessoais de Dafouz-Milne (2008), mecanismos de
construção textual, que auxiliam nas relações semânticas e mostram o
posicionamento do autor.
As análises dos editoriais mostraram claramente a utilização desses elementos
como uma forma de garantia da coesão e coerência na construção desses editoriais.
A análise deixa evidente também que através das escolhas léxico-gramaticais
dos participantes e da cadeia de referência de Eggins (1994) é possível tornar a
produção de um texto mais “claro” – coeso e coerente –, uma vez que os
participantes devem ser retomados em cada estágio da construção textual.
Outra contribuição relevante para a construção da coerência desse gênero foi a
coesão avaliativa, conhecida também como realização prosódica (LEMKE, 1998), a
qual revelou que tanto a avaliação social positiva quanto a negativa permearam por
toda a logogênese dos editoriais. Percebi, pela análise das escolhas léxico-
gramaticais, a construção do significado atitudinal do editorial ao longo do discurso,
realizada através de avaliações implícitas, recurso de não comprometimento com as
informações transmitidas aos leitores.
Os estudos com embasamentos nos pressupostos teóricos e metodológicos
da LSF foram de suma importância para análise dos editoriais, uma vez que abriram
caminhos tanto para uma análise mais detalhada como também uma reflexão dos
mecanismos de Coesão e Coerência em Editorial de Jornal. Ao longo da pesquisa,
surgiram vários questionamentos que, paulatinamente, foram resultando em
reformulação de minhas ações pedagógicas e ampliação da visão de mundo (um
novo olhar para a problemática social – dificuldades dos alunos no processo de
64
comunicação escrita, em especial aos mecanismos de coerência e coesão.
Constatei, assim, que a LSF além de oferecer um aporte teórico aos docentes para
ministrar aulas de qualidade, também torna possível dar voz aos discentes, uma vez
que estes conseguem ter uma compreensão mais ampla e crítica, dialogando com o
texto, deixando a posição de meros produtores/leitores passivos (leigos) para
produtores/leitores ativos (críticos). Assim, sua participação das práticas sociais se
dá de forma mais efetiva. Puderam compreender que não há discurso neutro, que
todo discurso é ideológico, e que ao lerem qualquer texto, não se faz necessário
aceitar como verdade una, e isso foi permitido pela análise detalhada dos elementos
da micro e macro estrutura do texto, dentro da perspectiva da LSF.
A partir dessa constatação, agora posso dizer, com mais segurança, que
tenho mais instrumentos eficazes para ajudar os alunos a superar desafios na leitura
crítica de editoriais de jornal bem como na utilização desses mecanismos para uma
produção textual coesa e coerente, uma vez que leitura e produção textual estão
intrinsecamente interligadas.
Percebi a relevância da teoria da LSF no processo ensino-aprendizagem
como uma teoria que considera aspectos do contexto social, cultural e situacional –
imediato, que se situam as problemáticas sociais, as relações interpessoais do
mundo real, que transcendem a própria linguagem. Portanto considero, pelos
resultados obtidos, que as abordagens teóricas e metodológicas da LSF são
instrumentos poderosos para a compreensão do discurso como uma ação social que
deve ser desvelada.
65
REFERÊNCIAS
ABREU, Antônio Suarez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 09 ed.
Cotia, SP: Ateliê, 2006.
AGAR, Michael & Jerry R. HOBBS, 1982. Interpreting Discourse: Coherence and the
Analysis of Ethnographic Interviews. Discourse Processes 5 (1-32)
BAKHTIN, Makhail, 1997. Estética da Criação Verbal. SP: Martins Fontes
BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance (1934-35). In: Questões de Literatura e
de Estética: a teoria do romance. 4a ed. São Paulo: Unesp, 1998, p. 71-164.
BARTLETT, F.C. 1932. Remembering: A Study in Experimental and Social
Psychology. Cambridge University Press. p.197
BEAUGRANDE, R. de e DRESSLER, W. ,1981. Introduction to text linguistics.
Londres: Longman. p.3-4
BEDNAREK, Monika A. 2005. Frames revisited - the coherence-inducing function of
frames. Journal of Pragmatics 37.5 (685-706).
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 1999.
BROWN, G. e YULE, G. 1983. Discourse analysis. Cambridge: Cambridge University
Press. p. 66
BUBLITZ, W. 1999. Views of coherence. Pragmatics & beyond, v.63, p.1
BUBLITZ, W. e LENK, U. 1999. Disturbed coherence: ‘Fill me in’. Pragmatics &
beyond, v. 63, p.153-174.
BUNDGAARD, Peer F. PrincipIes of linguistic composition below and beyond the
clause - Elements of semantic combinatorial system. Pragmatics & Cognition 14.3
(501-525), 2006.
BUSSMANN, Hadumod. Dictionary of Language and Linguistics. Londres:
Routledge, 1996.
CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens.
São Paulo: Atual, 2003.
CORNISH, Francis. Anaphora, Discourse, and Understanding. New York: Oxford
University Press, 1999.
CORNISH, Francis, 2003. The roles of written) text and anaphor-type distribution in
the construction of discourse. Text 23(1) (1-26)
66
COURNOT, A. A. (1851), An Essay on the Foundations of our Knowledge (Trans. M.
H. Moore). New York: Liberal Arts Press, 1956. p. 364
DAFOUZ-MILNE, Emma. The pragmatic role of textual and interpersonal
metadiscourse markers in the construction and attainment of persuasion: a
crosslinguistic study of newspaper discourse. Journal of Pragmatics, v. 40, p.95-113,
2008.
EEMREN, F. H. V. 1997. Strategic maneuvering. Proceedings of the tenth NCA/AFA
Conference on Argumentation, Alta, Utah. Annandale, VA: National Communication
Association: 51-56.
EGGINS, S. An Introduction to systemic functional Linguistics. London: Pinter, 1994.
EMMOTT, S. J. Information Superhighways. San Diego: Academy Press, 1995. p.
84-86.
FILLMORE, Charles J. Frame semantics. In: Linguistics in the Morning Calm. The
Linguistic Society of Korea. Soeul: Hanshin Publishing Co., 1982.
FOWLER, R. Language in the news. Londres: Routledge, 1991.
GOFFMAN, E. 1974. Frame analysis – An Essay in the Organization of Experience.
Boston: Northeastern Press.
GOFFMAN, E. 1981. Footing (trad. De Beatriz Fontana, a partir de texto original do
periódico especializado Semiotica, n.5, p.1-29, de 1929 (Mouton de Gruyter)). In: B.
T. Ribeiro, e P. M. Garcez (eds.) Sociolingüística Interacional. Porto Alegre: AGE
Editora.
GREGORY, M. 1967. Aspects of Varieties Differentiation. Journal of Linguistics, 3:
177-98.
GRICE, H. P. 1975. Logic and Conversation. In: P. Cole e J. Morgan (eds.) Syntax
and Semantics: v.3, Speech acts. New York: Academic Press, p. 41-58.
GRIMES, J. 1975. The Thread of Discourse. The Hague: Mouton.
GROSZ, Barbara e SIDNER, Candance. Attention, Intentions, and the Structure of
Discourse. Computational Linguistics, Cambridge, v.12, n. 3, p.175-204, set. 1986.
HALL, Stuart. 1978. The Social Production of News. In: St. Hall et al. (orgs.), Policing
the Crisis: Mugging, the State, and the Law and Order. London: Macmillan, 53-77.
HALLIDAY, M. A. K. A systemic interpretation of peking syllable finals. In: P. Tench
(ed.) studies in systemic phonology. London Pinter, 1992.
HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. Londres: Edward
Arnold, 1985.
67
HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. 2. ed. Londres: Edward
Arnold, 1994.
HALLIDAY, M. A. K. 2004. An Introduction to Functional Grammar. 3. ed. Revisada
por Mathiessen, M.I.M. London: Arnold.
HALLIDAY, M. A. K. e HASAN, R. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976.
HALLIDAY, M. A. K. e HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language
in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989.
HALLIDAY, M. A. K. 1977. Text as Semantic Choice in Social Context. In VAN DIJK,
T. A. e PETOFI, J. (eds.), Grammars and Descriptions, Gruyter, Berlin.
HALLIDAY, M. A. K. e MARTIN, J.R. Wrinting science: Literacy and discourse
power. London: Palmer Press, 1993.
HALLIDAY, M. A. K. e MATHIESSEN, M. I. M. Construing experience through
meaning: a language based approach to cognition, London, New York Cassell, 1999.
HASAN, R. The structure of a text the identity of text. In: HALLIDAY, M. A. K.;
HASAN, R. Language, context and text: aspects of language in a social-semiotic
perspective. Oxford: Oxford University press, 1989.
HASAN, R. 1984. Coherence and Cohesive Harmony. In FLOOD, J. (ed.),
Understanding reading comprehension: Cognition, language and the structure of
prose (pp. 181–219). Newark, Delaware: International Reading Association.
HOBBS, Jerry R. e EVANS, David A. Conversation as Planned Behavior, Technical
Note 203. SRI International, 1979.
HOEY, Michael. Patterns of Lexis in Text. Oxford: Oxford University Press, 1991.
HOLLOWAY, Immy. Basic Concepts for qualitativa research. Londres: Blackwell
Science, 1997.
HUSSERL, E. 1913. Logical Investigations. Florence: Routledge.
HYLAND, Ken. Metadiscourse, exploring interaction in writing. Oxford: Continuum,
2005.
HYLAND, Ken, TSE, Polly. Metadiscourse in academic writing: a reappraisal. Applied
Linguistics, v. 25, p. 156-177, 2004.
INDURSKY, F. Discurso e Textualidade: O texto nos estudos da linguagem
especificidades e limites. Campinas: Pontes, 2006.
KINTSCH, W. e VAN DIJK, T. A. 1978. Toward a model of text comprehension and
production. Psychological Review, 85 (5), 363-394.
68
KITIS, E. e MILAPIDES, M. 1996. Read it and believe it: How metaphor constructs
ideology in news discourse – A case study. Journal of Pragmatics, v.28, p.557-590.
KOCH, I. G. V. Argumentação e Linguagem. SP: Editora Cortez, 1987.
KOCH, I. G. V. e TRAVAGLIA, L. C. Texto e Coerência. SP: Editora Cortez, 1989.
KONERDING, K. P. 1993. Frames und lexikalisches Bedeutungswissen. Tubingen:
Niemeyer. p.8
LEES, Robert B. The grammar of English nominalizations. In: International Journal of
American Linguistics, Volume 26, Number 3, Part II, 1960.
LEMKE, Jay L. 1998. Resources for attitudinal meaning – Evaluative orientations in
text semantics. Functions of Language, 5,1. (33-56)
LEMKE, Jay L. 1990. Talking science: Language, learning and values. Norwood:
Ablex Publishing Company.
LEVI, J. N. The syntax and semantics of complex nominals. New York: Academic
Press, 1978.
MARTIN, J. R. Beyond exchange: Appraisal systems in English. In: HUNSTON, S.;
THOMPSON, G. (Eds.). Evaluation in text: authorial stance and the construction of
discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 142-75.
MARTIN, J. R. English Text – System and Structure. Amsterdam: John Benjamins,
1992.
MARTIN, J. R. Factual writing: exploring and challenging social reality.Geelong, Vic.:
Deakin University Press, 1985 [re-publicado pela Oxford University Press, 1989.
MARTIN, J. R. 2003. Instantiating Appraisal: key and stance. Paper at Systemic
Functional Linguistics Association Conference: Adelaide
MARTIN, J. R. Language, register and genre. In: F. Christie (ed.), Children writing:
reader, p.21-30. Geelong: Deaking University Press, 1984.
MARTIN, J.R. ROSE, D. 2003. Working with discourse. Meaning beyond the clause.
London/New York, Continuum.
MINSKY, M. 1975. A framework for representing knowledge. In: P. Winston (ed.) The
Psychology of Computer Vision. New York: McGraw-Hill
MINSKY, M. 1977. Plain Talk About Neurodevelopmental Epistemology, JCA, v.5.
PARISI, D. e CASTELFRANCHI, C. Scrito e parlato: Studi di Grammatica Italiana. VI.
Firenze, 1977, p. 169-190.
PERELMAN, C. Le Champ de L’argumentation. Bruxelles: Editions de l’université de
Bruxelles, 1970
69
PORTA, Mario Ariel González. A Filosofia a partir de seus problemas. SP: Edições
Loyola, 2OO2.
REYNOLDS, M. The blending of narrative and argument in the generic texture of
newspaper editorials. International Journal of Applied Linguistics, v.10, n.1, p.25-40,
2000.
RIEGEL, M. Définition directe et indirecte dans le langage ordinaire: les énoncés
définitoires copulatifs. Langue Française, Paris: Laourosse, n.73, p.29-53, 1964.
SORNIG, K. 1988. Some remarks on linguistic strategies of persuasion. In: R. Wodak
(ed.) Language, Power and ideology. Amsterdam: John Benjamins, p.97
SOUZA, Cláudia Nívia Roncarati de. As Cadeias do Texto: Construindo Sentidos.
Parábola Editorial, 2010.
SPRADLEY, J. P. The Ethnographic Interview. NY: Holt, Rinehart and Winston,
1979.
TABOADA, Maite. Discourse markers as signals (or not) of rhetorical relations.
Journal of Pragmatics, v. 38, p. 567-592, 2006.
TALMY, Leonard. Toward a cognitive semantics. Vol. I. Cambridge: The MIT Press,
2000.
TANNEN, D. 1993a. Introduction. In: D. Tannen (ed.) Gender and conversational
interaction. New York: Oxford University Press, p.3
TANNEN, D. 1993b. The relativity of linguistic strategies: Rethinking power and
solidarity in gerder and dominance. In: D. Tannen (ed.) Gender and conversational
interaction. New York: Oxford University Press, p.15
THOMPSON, G. e ZHOU, J., 2000. Evaluation and organization in text: The
structuring role of evaluative disjuncts. In: S. Huston e G. Thompson (eds.) Evalution
in Text: Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxford: Oxford
University Press. p.121
THOMPSON, J. B. 1984. Studies in the therapy of ideology. Cambridge: Polity Press.
p.1
UNGERER, F. e SCHMID, H. J. An introduction to cognitive linguistics. London, New
York: Longman, 1996. p. x
VAN DIJK, T. A. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto. 1992
VAN DIJK, T. A. 1988. News as discourse. Hillsdale, NJ: L. Erlbaum Associates.
WERTH, P. Text Words; Representing Conceptual Space in Discourse. London:
Longman, 1999.
70
WHITE, P. R. R. Beyond modality and hedging: a dialogic view of the language of
intersubjective stance. Text 23.2. 2003, p. 259-284.
72
Anexo 1 - Cadeias de referência de Eggins (1994), com base em Martin (1992)
Figura 1 – “Teia de aranha” – cadeia de referência - A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta
73
Figura 2 – “Teia de aranha” – cadeia de referência - FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição
75
Anexo 2 – Teoria de Eggins (1994)
REFERÊNCIA
Apresentativa Eu tenho uma irmã
Presumida Ela é professora. A identidade da referência presumida pode ser recuperada:
a) do contexto geral da cultura (homofórica) ( O sol ....)
b) do contexto imediato da situação (na cozinha: A
geladeira está ...)
Exofórica contexto imediato
partilhado
Eu tenho...
Endofórica interior do texto Eu vou oferecê-lo
1. anafórica Maria ... porque ela ficou doente O referente apareceu antes.
2. catafórica O que eu quero falar é sobre isso: todos vão ... O referente aparece depois.
3. esofórica O vaso que você me deu está aí. O referente ocorre logo depois.
Elíptica
Comparativa Seus outros problemas ... Tais problemas podem ...
Um problema diferente mas muito comum...
Além disso outros problemas ...
A identidade da referência
presumida é recuperada por
comparação.
Bridging Essa operação. (operação não mencionada, mas infere-se através
do assunto que de que se está tratando: doença, hospital, etc.)
Era uma vez dois velhinhos.
A referência presumida refere-se
a um item não mencionado, mas
que pode ser inferido através de
outros itens.
Locacional Aqui eles dão ....
Terça-feira, acima, lá, etc.
Refere-se não a pessoas ou
coisas, mas ao tempo ou ao
local.
b) LEXICAL (palavras de classe-aberta) (nomes, verbos principais, advérbios e adjetivos)
(não inclui palavras gramaticais (itens de classe-fechada: preposições, pronomes, artigos, verbos auxiliares,
etc.)
Lexical string - itens lexicais em seqüência que se referem a um item por relação taxonomica (classificação
e
composição) ou de expectativa.
Itens se relacionam através de classe/sub-classe. Ex.: roedor/rato
76
RELAÇÃO
LEXICAL
Taxonômicas
i) através da classificação:
- co-hiponímia (pneumonia em relação a doença (superordenado)
- classe-sub-classe: roedor e rato (superordenado/subordinado)
- contraste: seco/molhado
- similaridade: sinônimo (clínica/hospital)
- repetição (transfusão/transfusão)
ii) através de composição:
- meronímia: (todo e parte: corpo e artéria)
- co-meronímia: (ambos relacionados a um todo: veia e artéria)
de expectativas
Relação predizível entre:
i) verbo e agente/paciente (latir/cachorro)
ii) ação/processo e participante típico (comer/jantar)
iii) processo/evento e lugar típico (transfusão/hospital)
iv) item lexical individual e um grupo nominal (doador/doador de sangue)
Observe:
Dois ou mais itens lexicais podem equivaler a um item:
Realizações
Simples Complexa
rodear
considerar
esporádico
fazer roda em volta de
ter consideração
de vez em quando
c) CONJUNÇÕES
Halliday reconhece duas dimensões:
● Interdependência (hipotaxe e parataxe)
● Lógico semântica: 1. EXPANSÂO
a) elaboração (reafirmação ou esclarecimento)*
b) extensão (adição, substituição ou alternativa)**
c) enhancement (expande ou embeleza: tempo, comparação, causa, condição ou
concessão)***
2. PROJEÇÃO
a) locução (uma oração é projetada através de outra, que a apresenta como uma locução)
b) idéia (uma oração é projetada através de outra, que a apresenta como uma idéia)
Tipos básicos de oração complexa
Interdependência: Paratático Hipotático
77
Lógico-semântica:
1. EXPANSÃO
a) elaboração João não esperou; ele fugiu. João correu, o que surpreendeu todos.
b) extensão João fugiu e Pedro ficou. João correu enquanto Pedro permaneceu.
c) enhancement João ficou com medo, por isso fugiu. João fugiu porque ficou com medo.
2. PROJEÇÃO
Paratático
hipotático
a) locução João disse: "Estou fugindo". João disse que estava fugindo.
b) projeção João pensou: "Vou fugir". João pensou que ele fugiria.
d) ESTRUTURA CONVERSACIONAL
A descrição do texto oral envolve também padrões coesivos da estrutura conversacional. a) atos de fala (ou função da fala) (oferta, ordem, afirmação, pergunta, aceitação, recusa, concordância etc.)
b) estrutura de troca (a mínima troca é formada por dois atos de fala)
* Elaboração: parataxe (1) exposição 'em outras palavras'
(2) exemplificação 'por exemplo'
(3) clarificação 'para ser preciso'
hipotaxe – oração adjetiva explicativa
** Extensão: parataxe – e, nem, ou, mas
hipotaxe – adição – substituição – alternativa
*** Enhancement (as orações adverbiais)
78
Anexo 3 – Cadeias de referência – Manutenção dos participantes dos editoriais 1ª Cadeia de Referência
Vamos rastrear a manutenção dos participantes ‘A falta de rigor da lei em
casos de extrema periculosidade e os mecanismos legislativos mais severos de
controle e punição de crimes, que fazem parte do editorial, conforme teoria da
cadeia de referência de Eggins (1994), com base em Martin (1992, p. 140)
81
Vamos rastrear a manutenção dos participantes (1) ‘Presos monitorados’, (2)
‘sistemas de vigilância’, (3) ‘complexo carcerário’ e (4) ‘projeto de lei’, que fazem
parte do editorial, conforme teoria da cadeia de referência de Eggins (1994), com
base em Martin (1992, p. 140), para verificação da coesão.
83
Anexo 4 – Análises dos editoriais “Falta Rigor” e “Presos monitorados” 1 ANÁLISE DO EDITORIAL: "FALTA DE RIGOR"
Inicio a análise com o segundo texto que apresento a seguir, na íntegra,
publicado no jornal Folha de S.Paulo (FSP), no dia 18 de abril de 2010.
FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição
Folha de S.Paulo (18.4.10)
Editorial (452 pals.)
TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as
pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva
emocionalização nesse tipo de debates.
Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do estupro e
assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às
atenções da opinião pública.
Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como a
insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino –, não há como
evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura.
De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com
cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade;
de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger
indivíduos absolutamente
inadaptados ao convívio social.
A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990,
crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável
passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto
ou anistia.
A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena.
Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de
84
sua
pena na prisão.
Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os
condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos
que os demais.
Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema
da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores,
traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de
reincidência.
É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de
rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, e de
que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no caso dos
que desfrutam de um regime semiaberto.
Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas
seis anos depois de condenado.
O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da
periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos,
impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes
como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça.
Quadro 01 – Texto: FALTA RIGOR, na íntegra
1.1 Análise da coerência
Passo a analisar a coerência do texto, verificando:
● estágios e finalidades;
● a coerência tripártite (global-local-temática)
1.1.1 Estágios e finalidade do gênero editorial
85
FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais
severos de controle e punição Folha de S.Paulo (18.4.10)
Editorial (452 pals.)
Estágios Finalidade
(1) TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário,
avivam-se as pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto
ao risco de uma excessiva emocionalização nesse tipo de debates.
Argumento 1
(pressões por mais
rigor na legislação
penal)
(2) Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso
como o do estupro e assassinato de seis meninos em Luziânia (GO)se impõe às
atenções da opinião pública.
Argumento 2
(3) Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça
nesse episódio – como a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da
periculosidade do assassino –, não há como evitar a sensação de que a legislação
brasileira vai pecando pelo excesso de brandura.
Problema
(sublinhado)
Argumento 3
(existência de
falhas da Justiça...)
(4) De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de
presídios, com cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum
delito sem maior periculosidade; de outro, dispositivos legais avançados e garantias
teoricamente legítimas tendem a proteger indivíduos absolutamente
inadaptados ao convívio social.
Situação 1
(5) A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial
rigor. A partir de 1990, crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou
disseminação de veneno na água potável passaram a receber atenções especiais
na legislação,
sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto ou anistia.
Situação 2
(6) A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da
progressão da pena. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime
semiaberto depois de completar 1/6 de sua pena na prisão.
Situação 3
86
(7) Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional
essa restrição: os condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos
que os demais.
Situação 4
(8) Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por
completo o sistema da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo
entre as grades para estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas,
elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência.
Situação 5
(9) É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o
quanto pode haver de rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem
sempre requerida pelas autoridades, e de que modo são falhos os mecanismos de
acompanhamento e vigilância do poder público no caso dos que desfrutam de um
regime semiaberto.
Argumento 3
(falhas dos
mecanismos de
acompanhamento e
vigilância do poder
público)
(10) Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de
prisão, estar nas ruas seis anos depois de condenado.
Argumento 4
(psicopata serial
nas ruas)
(11) O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e
regulares na avaliação da periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento
da progressão da pena em alguns casos, impõem-se com urgência. Não por
impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes como os de
Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça.
Argumento 5
(cobrança da
adoção de
mecanismos,
avaliação dos
crimes e
rediscussão da
progressão da
pena) Quadro 02- Análise dos estágios e das finalidades do gênero
Discussão: O editorial está dividido em 11 estágios, dos quais 5 descrevem a
Situação
da lei de crimes hediondos, os quais precisam urgentemente serem punidos e
solucionados de forma eficaz com adoção de mecanismos legislativos, avaliação e
rediscussão da progressão da pena. A partir de 1990, os crimes hediondos deixaram
de ser contemplados com indulto ou anistia. Mas em 2006, o Supremo Tribunal
Federal considerou essa lei inconstitucional e, declarou que esses crimes teriam os
87
mesmos direitos que os outros. No estágio 3, é introduzido o Problema: existência
de falhas da Justiça, principalmente no caso do estupro e assassinato de seis
meninos em Luziânia (GO), que segundo o texto, a legislação brasileira vai pecando
pelo excesso de brandura. No estágio 1 surge a solicitação por mais rigor na
legislação penal. Segundo o texto, os estágios 2, 9 a 11 apresentam as falhas dos
mecanismos legislativos no combate aos crimes de alta periculosidade. Sendo o
estágio 2 mostra que há falhas da Justiça com excesso de brandura na legislação,
assim como os estágios de 9 a 11 mostram falhas dos mecanismos de
acompanhamento e vigilância do poder público bem como a cobrança da adoção de
mecanismos, avaliação dos crimes e rediscussão da progressão da pena. Pode-se
concluir, então que ainda não há mecanismos legislativos eficazes no combate aos
crimes, sendo que recentemente ocorreu em Luziânia, um crime que chocou a
população.
Portanto, dos estágios integrantes de uma argumentação (referidos no apoio
teórico), estão presentes a situação que apresenta o Problema (existência de falhas
específicas da Justiça – excesso de brandura legislação brasileira) e os Argumentos
(apresentado as falhas dos mecanismos legislativos na punição de crimes). A
Solução, apresentada de maneira implícita e prosodicamente, é de que façam
urgentemente a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação de
crimes de alta periculosidade bem como a rediscussão da progressão da pena.
1.1.2 Registro: exame dos elementos de Campo, Relações e Modo
Complementando o papel do gênero na coerência de um texto, o Registro
deve, através de suas variáveis, desenvolver o tópico proposto pelo editorial,
considerando a interação com os leitores, em um formato de estrutura e de
linguagem exigidos por esse gênero.
Campo: trata da urgência da adoção de mecanismos legislativos eficazes na
punição e combate de crimes hediondos bem como a rediscussão do instrumento da
progressão da pena. O Editorial faz avaliações negativas dos mecanismos de
avaliação tanto do sistema legislativo penal quanto do Supremo Tribunal Federal,
88
aponta várias inadequações desses sistemas e, exige urgência de adoção de
mecanismos eficazes no combate aos crimes de alta periculosidade.
Relações: os participantes da interação são os editorialistas e os leitores da FSP.
Os editorialistas são aqueles que na construção do texto, se alinham indiretamente
com os leitores, uma vez que já prevêem a informação esperada pelo seu público-
alvo, alcançando dessa forma a interação na compreensão do texto. Os leitores são
aqueles que estão expostos às opiniões do editorial. O objetivo do editorial pode ser
o de munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para
criar o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia tem sua função no editorial, na
medida em que, como parte de suas funções, atinge e confirma interesses,
preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é, nas palavras de
Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que é uma
interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.
Modo: A linguagem escrita é formal, assim relaciona-se às exigências do gênero
editorial de jornal, as escolhas léxico-gramáticais contribuem para dar coerência e
coesão na construção do texto. A noção de “idioma público”, de Stuart Hall (1978
apud Fowler 1991, p. 48), deve ser mencionada aqui: “A linguagem empregada será
a versão do jornal da linguagem do público para quem é endereçada”. Padrões de
vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam preocupações
especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe analisa ações e
estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas responsabilidade;
afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações. Se o leitor do
jornal julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba
considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um “senso comum” e a
aceita.
1.1.3 Análise da coerência tripártite (global-local-temática)
Passo a analisar os três fatores que promovem a coerência de um texto.
Consideremos, então, o título do editorial: “FALTA RIGOR – Em casos de extrema
periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e
89
punição”, e vejamos como os estágios se relacionam com esse título em termos da
coerência global (em negrito no texto) [lembrando que a coerência global refere-se
à relação do enunciado com o plano geral do texto]. Os colchetes referem-se à
coesão local [lembrando que esta se refere ao que o falante tenta efetivar no texto,
explicando, justificando]. Os termos que concorrem para a efetivação da coerência
temática [ou progressão temática] estão sublinhados.
FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos
mais severos de controle e punição Folha de S.Paulo (18.4.10)
Editorial (452 pals.)
TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, [avivam-se as
pressões] por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao [risco de uma excessiva
emocionalização] nesse tipo de debates.
Discussão: A coerência é realizada através da coerência temática, que está em relação paralela às coerências global e local.
Mas há [riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade], quando um caso como o do estupro e assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública.
Discussão: A coerência é realizada através da coerência local, que está em relação paralela às coerências temática e global.
Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio –
como a [insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino] –,
não há como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai [pecando pelo excesso de brandura].
Discussão: A coerência é realizada através das coerências temática e global, que estão em relação paralela às coerências
local e global.
De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, [com a superlotação de presídios], [com
cenas de absoluta barbárie] no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; de outro, [dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas] tendem
a proteger indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social.
90
Discussão: A coerência é realizada através das coerências temática e global, que estão em relação paralela às coerências
local e global que estão inseridas na coerência global e, novamente, na coerência local.
A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com [especial rigor]. A partir de 1990,
[crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável] passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo [insuscetíveis, por exemplo,
de indulto ou anistia].
Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e global –, que estão em
relação paralela à coerência local e das coerências temática e global em relação à coerência local.
A lei originalmente determinava que, nesses casos, [não valeria o mecanismo da progressão da pena]. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar
1/6 de sua pena na prisão.
Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e global –, que estão em
relação paralela às coerências local e global.
Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: [os
condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais].
Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e temática, que estão em relação paralela à coerência
local.
Rapidamente, o Congresso adotou uma [solução de meio-termo]. Sem barrar por completo o
sistema da progressão, [aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para
estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só
assustador, de reincidência].
Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e temática, que estão em relação paralela às coerências
local e global.
É pouco. Sabe-se, nas [condições de congestionamento do sistema penal], o quanto [pode haver
de rotina automática numa avaliação psiquiátrica], aliás, nem sempre requerida pelas autoridades, e
de que modo [são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância] do poder público no
91
caso [dos que desfrutam de um regime semiaberto].
Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e local, que estão em relação paralela às coerências local e
global.
Surge assim, a possibilidade de um [psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas
ruas seis anos depois de condenado].
Discussão: A coerência é realizada através dos três tipos de coerências – global, temática e local – simultaneamente
relacionadas.
[O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação] da
periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos,
impõem-se com urgência]. Não por [impulso emocional] depois de crimes particularmente
revoltantes [como os de Luziânia], mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça.
Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e local –, que estão em
relação paralela às coerências global e local.
Quadro 03 - Análise da coerência tripártite.
Pode-se ver que todos os estágios acima referem-se ao tema 'FALTA RIGOR
nos mecanismos legislativos de controle e punição dos crimes hediondos'. Nesse
sentido, o texto é coerente em termos globais.
Quanto à coerência local, indicada entre colchetes no texto, referem-se às
sub-metas, menos relacionadas com coisas que o autor tenta efetivar no mundo, do
que com coisas que ele tenta efetivar no texto, algo como dizer "o que aconteceu
depois", ou elaborar o que acabou de expor. Também, aqui, o editorial apresenta
uma série de elementos que ajudam a localizar e a entender a informação, bem
como a perceber a intenção do editorialista [que veremos com maior detalhe na
análise da coesão avaliativa].
Por fim, verificamos a coerência temática, indicada com dois asteriscos no
editorial, e que se refere a trechos de conteúdo - vamos chamá-los de temas - que
aparecem repetidamente. Essa questão, mais voltada à coesão, segundo Eggins,
será mais bem examinada em ocasião própria.
92
1.2 Análise da coesão
1.2.1 A manutenção dos participantes
Os participantes desse editorial examinados aqui são: (i) A falta de rigor da lei
em casos de extrema periculosidade; e (ii) os mecanismos legislativos mais severos
de controle e punição de crimes hediondos (que são discutidos pelo Tribunal
Regional Penal), mas não são postos em prática. Para essa análise, divido o texto
em quatro partes, conforme foi deduzido na análise dos estágios de gênero: (a)
Argumentos; (b) Problemas; (c) Situação; e (d) Argumentos. A manutenção dos
participantes garante a coesão textual, segundo Eggins. Sigo o seguinte código para
apontar a manutenção desses dois elementos:
(i) casos de extrema periculosidade: negrito
(ii) mecanismos legislativos (discussão): sublinhado
(iii) condenados distintos: itálico
(1) FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, (2) cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição Folha de S.Paulo
(18.4.10) Editorial (452 pals.)
ESTÁGIO: (a) ARGUMENTOS
*TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as *catáfora hiperônimo apresentação pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao *risco de uma excessiva repetição/ apresentação *bridging emocionalização *nesse tipo de debates. *anáfora Discussão A coesão, aqui, é feita da seguinte forma: “crime” – hiperônimo/apresentação que retoma “casos” coesos por similaridade, que está em relação ao participante “rigor na legislação penal” – repetição/apresentação. Todos eles já apresentados no título. Por outro lado, “risco” refere-se ao debate por bridging, que é feito acerca dos mecanismos legislativos, já que há uma discussão em andamento desses mecanismos de punição. E “nesse” refere-se ao assunto legislação penal por anáfora. Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do
93
repetição/comparação anáfora similaridade anáfora repetição/comparação estupro e assassinato de *seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública. hiponímia hiponímia *bridging/whole text reference expectativa Discussão A coesão com trecho anterior finaliza pelo bridging de “risco”, e pela anáfora “nesse”, referindo-se à discussão dos riscos dos mecanismos de punição de crimes hediondos. E é retomado nesse tópico por “riscos inversos” que apresenta coesão por repetição, comparação e anáfora, porque afirma que nesses debates pode haver vários riscos, de um lado pode ocorrer falhas técnicas da Justiça na investigação dos crimes, e de outro se não há provas contundentes não há culpado, ou seja, quando não há provas técnicas para se avaliar um crime, torna-se indiferente aos “olhos da lei”. Ainda nesse trecho a coesão e feita por “caso” referindo-se a crime por similaridade e pela anáfora “o” referindo-se a caso e pelas hiponímias/expectativa “estupro e assassinato, referindo-se aos crimes de assassinato de seis meninos em Luziânia (GO), que apresenta coesão por bridging.
ESTÁGIO: (b) PROBLEMA
Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como repetição hiperonímo catáfora/local ref. a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino –, não há similaridade similaride como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura. hiponímia/repetição similaridade contraste Discussão Inicia-se esse tópico com a discussão da problemática do Sistema Penal, que são as “falhas” coesão por repetição, seguida por “Justiça” hiperônimo de lei, legislação, que está em relação à catáfora “nesse episódio”, que está subjacente referindo-se ao assassinato de seis meninos em Luziânia, que dá continuidade final do trecho anterior por bridging. Continua-se falando das “falhas”, mantida pela similaridade “avaliações psicológicas” , que são realizadas pela “legislação brasileira (hiponímia/repetição), que pecam pelo excesso de “brandura” por contraste. Todo esse processo estabelece a coesão do texto, mantendo os participantes “crimes” como o assassinato de seis meninos de Luziânia e a “discussão da falta de rigor dos mecanismos legislativos na punição de crimes hediondos”.
ESTÁGIO: (c) SITUAÇÃO De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com hiponímia expectativa/similaridade apresentação holonímia/expectativa cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; bridgind similaridade/meronímia catáfora similaridade/ repetição hiponímia
94
de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger bridging/hiponímia bridging indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. similaridade
Discussão Continua-se a falar das falhas da Legislação como a “tortura” (hiponímia de crime) de “presos comuns” (expectativa/similaridade de condenados), além da “superlotação” (apresentação) de “presídios” (holonímia). Cita-se também “cenas”, mantida pela coesão bridging, que remonta todo o cenário de falhas cometidos pelo Sistema Legislativo, referindo-se às barbáries de “simples suspeitos, coesão por similaridade de “presos e condenados”. A partir daí,várias outras falhas vão sendo relacionadas por coesão catáfora como em “algum”, referindo-se a crimes, “delito”similaridade de crime e pelos elos coesivos repetição e bridging “dispositivos legais avançados’ e ‘garantias teoricamente legítimas’, que mencionados subjacentes têm tendência à proteção de indivíduos (similaridade) inadaptados ao convívio social. A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, catáfora repetição/similaridade (periculosidade) crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na repetição repetição hiponímias/repetição hiponímia hiponímia água potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, hiponímia repetição repetição de indulto ou anistia. similaridade similaridade Discussão Continua-se a falar dos “crimes” mantidos pela catáfora “Estes” que dá continuidade ao tópico anterior, seguido por “crimes hediondos” por repetição e similaridade de crimes de alta periculosidade, bem como casos de “tortura”, “terrorismo”, “estupro”, mantidos por repetição, hiponímia e introduz um novo tópico, “atenções” especiais na “legislação” por repetição, que esses crimes estão tendo, que são insuscetíveis de “indulto ou anistia”, portanto coesão por similaridades. A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena. repetição/ anáfora/repetição repetição/similaridade repetição personificação Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de sua anáfora repetição similaridade repetição/expectativa (progressão de pena) pena na prisão.
95
repetição Discussão Continua-se a falar da “lei” (repetição), referindo-se a “legislação” e “nesses casos”, coesão por anáfora e repetição, referindo-se ao tópico anterior “crimes hediondos” que não valeria o mecanismo da “pena” (repetição), uma vez que são crimes de alta periculosidade. Por outro lado “nos demais” (anáfora) referindo-se aos “crimes” (repetição) de simples suspeitos de algum delito já apresentados no terceiro estágio, o condenado (similaridade) pode gozar de um “regime semiaberto”, coesão por repetição e expectativa de progressão de pena.
Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os hiponímia anáfora/bridging condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais.repetição/sim. repetição/hiperônimo anáfora hiponímia Discussão Inicia-se o tópico por hiponímia “Supremo Tribunal Federal”, considerando inconstitucional “essa” restrição, coesão por anáfora e bridging, referindo-se a não obrigatoriedade da Lei Penal em ceder anistia, indulto e regime semiaberto aos “condenados” (repetição, similaridade) por “crimes hediondos”, coesão por repetição e hiperônimo, sendo assim devem ter os mesmos direitos dos “presos comuns”, retomado pela anáfora “os demais”. Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema hiponímia/apresentação bridging repetição da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, repetição/similaridade repetição similaridade
traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência. similaridade similaridade similaridade anáfora similaridade repetição Discussão A coesão inicia-se pela apresentação e hiponímia “Congresso”, que discorda parcialmente da decisão do “Supremo Tribunal Federal”, em igualar o “sistema da progressão” (repetição e similaridade) aos condenados, então adota uma “solução de meio termo”, mantida pela coesão bridging; e aumenta para 2/5 a ‘pena’ (repetição) para os estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas, que relacionam-se por coesão de similaridade e, 3/5 para o “caso”, referindo-se por similaridade a “crimes” de reincidência.
ESTÁGIO: (d) ARGUMENTOS
É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de apresentação repetição rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, expectativa catáfora similaridade hiponímia (poder
96
público) e de que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no repetição repetição hiperonímia hiperonímia similaridade (pecando) caso dos que desfrutam de um regime semiaberto. simil./ exófora repetição/expectativa (progressão de pena) repetição Discussão Continua-se a falar das “falhas” da Legislação por apresentação “condições de congestionamento” por repetição do “sistema penal” para comprovar a tese. Ainda somam-se as falhas por expectativa “rotina automática”, e pela catáfora “numa”, referindo-se à “avaliação psiquiátrica”, que apresenta coesão por similaridade de “avaliações psicológicas, mencionadas no problema do terceiro estágio, e que nem sempre são requeridas pelas “autoridades”, coesão por hiponímia de “poder público” (hiperonímia). Lembremo-nos de que essa questão já é apresentada no título. A partir daí, vários outros argumentos, envolvendo as falhas do sistema penal em punir os crimes, relacionam-se por coesão repetição “falhos os mecanismos” na solução de “caso” coesão por repetição e similaridade de “crime” e também “regime semiaberto” por similaridade de “progressão de pena”. Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas seis similaridade/meronímia similaridade/meronímia similaridade similaridade expectativa repetição anos depois de condenado. (progressão) similaridade/repetição
Discussão O trecho da continuidade à apresentação de evidências das “falhas” do “sistema penal” com a possibilidade de um “psicopata serial, condenado”, coesão por similaridade/meronímia, a anos de prisão estar solto nas “ruas” similaridade de “progressão de pena”. O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da hiponímia similaridade (mecanismos) repetição periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, repetição repetição/similaridade expectativa similaridade/repetição similaridade
impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes repetição/hiperonímia como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça. exófora bridging repetição repetição repetição
Discussão
97
Finalmente, algumas possíveis soluções são apresentadas para punição de “crimes de alta periculosidade” por meio de “pulseiras eletrônicas” (hiponímia), “adoção de padrões mais rigorosos e regulares”, coesão por similaridade de “mecanismos”, cita-se também outros meios, como “avaliação da periculosidade” e “rediscussão do instrumento da progressão da pena”, coesos por repetição. Além de retomar “casos”, coesão por repetição e similaridade de “crimes” (hiperonímia), referindo-se por exófora “os”, retomando os “crimes” ocorridos em “Luziânia” por bridging, que revoltou o Brasil. Como se vê, um trecho bem escrito, amarra todos os participantes por meio de vários recursos de coesão. Quadro 04 – Manutenção dos participantes
1.2.2 Seleção Lexical
A análise da seleção lexical decorre da análise da manutenção dos
participantes. O que se examina aqui são os termos relacionados ao tópico "A
necessidade de colocar em prática a discussão dos mecanismos legislativos para a
punição e diminuição de crimes hediondos do Brasil” que efetivam essa
manutenção. Assim, esses termos para promoverem a coesão do editorial precisam
estar de acordo com a seriedade que se pretende do assunto, e também com a
expectativa do leitor a que se destina, fatores importantes para a promoção da
coerência em editorial da Folha de São Paulo.
Portanto, eles terão de respeitar as variáveis de Registro: Campo, tratando do
tópico proposto no título; Relações: cumprindo, através da consideração dos ditames
exigidos pelo gênero editorial e da interação com os leitores da Folha de São Paulo;
Modo: com o respeito às exigências formais do gênero, bem como uma linguagem
que organizem as metas referentes a Campo e Relações.
A análise mostra a riqueza de linguagem que recorre a escolhas lexicais de
similaridade, como em, ‘crime chocante’ e ‘crime(s) revoltante(s)’, ‘casos de Luziânia’
e ‘crime de Luziânia’, ‘destaque no noticiário’ e ‘atenções da opinião pública’,
‘crimes hediondos’ e ‘casos de extrema periculosidade’, ‘estupradores’, ‘traficantes’,
‘torturadores’, ‘genocidas’ e ‘condenados’, ‘delito’ e ‘crime’, instrumento da
progressão da pena’ similaridade de ‘mecanismos de progressão de pena’.
Note-se também o uso de termos que exigem conhecimento do assunto por
parte do leitor, tais como, “casos de Luziânia”, “falhas da Justiça”, citação de nomes
de acontecimentos de crimes na mente do leitor, bem os Projetos da Legislação
98
penal, que não consegue colocar em prática, as ações que são discutidas para a
punição e diminuição dos crimes de alta periculosidade (onde discussão da teoria –
mecanismos legislativos e prática não condizem com a realidade do sistema penal).
Finalmente, podemos verificar a sintaxe desse texto - que se costuma chamar
de "sintaxe madura" (veja exemplo a seguir) com várias nominalizações ['destaque
no noticiário', 'Legislação', 'emocionalização', 'debates', 'riscos', 'atenções da opinião
pública', ‘existência de falhas’, ‘disseminação’, ‘progressão’, ’restrição’, ‘vigilância’],
orações subordinadas com inversões e intercalações (que assinalo com colchetes
no texto), construída por escolhas lexicais adequadas à formalidade exigida por um
editorial desse jornal.
(1) FALTA RIGOR – Em (2) casos de extrema periculosidade, cabe discutir (3) mecanismos legislativos mais severos de controle e punição Folha de S.Paulo
(18.4.10) Editorial (452 pals.)
[TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário], avivam-se as catáfora lógico hiperônimo similaridade similaridade apresentação pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva repetição/ apresentação lógico lógico comentário emocionalização nesse tipo de debates. anáfora (legislação penal) Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, [quando um caso como o do lógico repetição anáfora lógico lógico similaridade lógico anáfora repetição estupro e assassinato de *seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública]. hiponímia lóg. hiponímia *bridging/whole text reference similaridade (destaque no noticiário) expectativa [Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como lógico repetição hiperonímo catáfora/local ref. lógico a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino ] –, não há similaridade repetição expectativa como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura. lógico lógico hiponímia/repetição similaridade contraste
99
De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com Sequenciador hiponímia expectativa/similaridade holonímia/expectativa cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; bridgind certeza similaridade/meronímia catáfora similaridade certeza repetição hiponímia de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger Sequenciador hiponímia epistêmico indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. certeza A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, catáfora hiponímia repetição similaridade (periculosidade) repetição lógico contraste (brandura) crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água repetição lógico repetição hiponímias hiponímia lógico hiponímia hiponímia repetição potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, repetição repetição epistêmico de indulto ou anistia. similaridade lógico similaridade A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena repetição/personificação lógico anáfora/repetição repetição/similaridade repetição Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de anáfora repetição similaridade epistêmico repetição/expectativa lógico meronímia (progressão de pena) sua pena na prisão. catáfora sin. rep. similaridade/expectativa Ocorre [que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição]: os lógico hiponímia anáfora/bridging condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais.repetição/ hiponímia repetição/hiperônimo epistêmico lógico anáfora Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema contraste hiponímia certeza repetição da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, repetição/similaridade repetição meronímia/expectativa/similaridade traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência. similaridade/meronímia/expectativa anáfora repetição
100
É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de atitudinal repetição epistêmico rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, catáfora similaridade comentário hiponímia (poder público) e de que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no lógico/comentário repetição repetição hiperonímia hiperonímia similaridade (pecando) caso [dos que desfrutam de um regime semiaberto] repetição exófora repetição/expectativa (progressão de pena) Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas lógico epistêmico similaridade/meronímia similaridade/meronímia similaridade expectativa repetição repetição ruas seis anos depois de condenado. similaridade (progressão) similaridade/meronímia/repetição O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da hiponímia lógico repetição periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, repetição lógico repetição/similaridade expectativa repetição similaridade impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes certeza repetição/hiperonímia similaridade (chocante) como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça. lógico exófora bridging lógico repetição lógico repetição repetição Quadro 05 – Seleção Lexical
1.2.3 Conjunção
Como "conjunção", refiro-me não só às conjunções tradicionalmente
conhecidas - coordenativas e subordinativas -, mas também a outros elementos
conhecidos como "marcadores metadiscursivos". São elementos que, à semelhança
das conjunções, guiam o leitor através do texto. Como vimos, eles estão divididos
em textuais (MMT) e interpessoas (MMI), mas na medida em que ambos se
relacionam com o leitor nessa orientação textual, pode-se considerá-los todos
interpessoais. Veja, Quadro 3, repetido para facilitar o acompanhamento da
análise:
101
Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
Por uma questão de evitar muita repetição, analiso um trecho do editorial para
mostrar como os marcadores usados, ajudam a efetivar a coerência e a coesão
dentro de trecho, como o que se segue (coloco [T] para MMtextual e [I] para MMI):
De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com cenas Sequenciador [T] de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; Certeza [I] Certeza [I] de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger Sequenciador [T] Marc. Lóg. [T] Epistêmico [I] indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. Certeza [I] Quadro 06 – Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
1.2.4 Análise da coesão avaliativa
A prosódia avaliativa (também chamada de "logogênese"). Indicada com (+) a
Avaliatividade positiva e com (-) a Avaliatividade negativa.
FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição
Folha de S.Paulo (18.4.10) Editorial (452 pals.)
MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,
finalmente]
Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]
Expressam relações semânticas
entre trechos do discurso;
indicam posições em uma série e
indicam mudança de tópico.
MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos
resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo,
(ironicamente)]
Expressam posicionamento do
autor e estabelecem a interação.
102
TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as Avaliação social (-) Avaliação social (-)
pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva Avaliação social (-) Graduação
emocionalização nesse tipo de debates. Avaliação social (-)
Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de hiperonímia/apresentação e similaridade/repetição/apresentação (crime/choque/destaque no noticiário e rigor na legislação penal).
Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do estupro e Avaliação social (-) Avaliação social (-) assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública. Avaliação social (-)
Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de repetição/hiponímia/expectativa/bridging/whole text ref. e similaridade).
Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como a Avaliação social (-) Avaliação social (-) insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino –, não há como Avaliação social (-) Avaliação social (-) evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso* de brandura. Avaliação social (-) *Gradação
Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de repetição/hiperonímia/local ref./similaridade/repetição/expectativa/hiponímia/repetição/similaridade e contraste (falhas/Justiça nesse episódio/avaliações psicológicas/periculosidade/assassino/legislação/pecando e brandura).
De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com Avaliação social (-) Avaliação social (-) cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior* periculosidade; Avaliação social (-) *Gradação de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger Avaliação social (-) Avaliação social (+) indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de hiponímia/expectativa/similaridade/repetição/holonímia/expectativa/bridging/meronímia/similaridade/repetição e hiponímia (tortura/presos comuns/presídios/cenas/simples suspeitos/delito/periculosidade e legais). A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, Avaliação social (-) Avaliação social (+)
103
crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto Avaliação social (+) Avaliação social (+) ou anistia. Discussão: A coesão é feita através do contraste das duas ocorrências de Avaliação Social (-) e Avaliação Social (+). Elas estão em relação de catáfora/hiponímia/repetição e similaridade/contraste (estes/lei/crimes hediondos e rigor/crimes/tortura/terrorismo/seqüestro/estupro/disseminação de veneno na água potável/atenções/legislação/ Indulto/anistia).
A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da Avaliação social (+) Avaliação social (+) pena. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar
Avaliação social (+) 1/6 de sua pena na prisão. Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (+). Elas estão em relação de repetição/anáfora/repetição/hiponímia/repetição/similaridade/anáfora/repetição/similaridade/meronímia/expectativa e similaridade/expectativa (lei/nesses casos, mecanismo de progressão/pena/nos demais crimes/condenado/regime semiaberto/pena e prisão). Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os Avaliação social (-) condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das duas ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de hiponímia/bridging/repetição/hiponímia/repetição/hiperonímia e anáfora (Supremo Tribunal Federal/essa restrição/crimes hediondos e os demais).
Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema Avaliação social (+) Avaliação social (+) Avaliação social (+) da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, Graduação Avaliação social (+) traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de Graduação Avaliação social (+) reincidência. Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (+). Elas estão em relação de contraste/hiponímia/repetição/meronímia/expectativa/similaridade/meronímia/expectativa/anáfora e repetição (Rapidamente/Congresso/sistema da progressão/pena/estupradores/traficantes/torturadores/genocidas e caso). É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de Graduação Avaliação social (-) Avaliação social (-) rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, e de Avaliação social (-) que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no caso Avaliação social (-)
104
dos que desfrutam de um regime semiaberto. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de repetição/similaridade/hiponímia/repetição/similaridade//repetição/hiperonímia/repetição/exófora e repetição/expectativa(sistemapenal/avaliação psiquiátrica/hiponímia/repetição/similaridade/mecanismos/vigilância/poder público/repetição/exófora e repetição/expectativa).
Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas Avaliação social (-) Avaliação social (-) seis anos depois de condenado. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de similaridade/meronímia/expectativa/similaridade/meronímia/repetição/similaridade/repetição/similaridade e similaridade/meronímia/repetição (psicopata serial/condenado/prisão/estar nas ruas seis anos depois e condenado).
O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da Avaliação social (+) periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, Avaliação social (+) impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes Avaliação social (+) Avaliação social (-) como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça. Avaliação social (+)
Discussão: A coesão é feita através do contraste das quatro ocorrências de Avaliação social (+) e uma de avaliação (-). Elas estão em relação de hiponímia/repetição/similaridade/repetição/similaridade/expectativa/repetição/ hiperonímia/similaridade/exófora e bridging/repetição (pulseiras eletrônicas/avaliação/periculosidade/instrumentos da progressão/pena/casos/crimes/revoltantes/ os de Luziânia/simples e justiça).
Quadro 07 – Coesão avaliativa
2. ANÁLISE DO EDITORIAL: PRESOS MONITORADOS
Apresento na íntegra, o terceiro editorial "Presos monitorados", publicado no
jornal Folha de S.Paulo (FSP), no dia 18 de junho de 2010.
105
Presos monitorados
Folha de S.Paulo (18.6.10) Editorial (265 pals.)
São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo carcerário brasileiro. Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito a ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena. Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um projeto que regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso “algema eletrônica” apenas para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no Natal – e detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos submetidos à prisão provisória ou preventiva. Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade dos mais de 470 mil detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento. Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de mantê-las em abarrotadas penitenciárias. Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a extensão do monitoramento eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo. Quadro 08 – Texto: Presos monitorados, na íntegra
2.1 Análise da coerência
Passo a analisar a coerência do texto, verificando:
● estágios e finalidades;
● a coerência tripártite (global-local-temática)
106
2.1.1 Estágios e finalidade do gênero editorial
Presos monitorados
Folha de S.Paulo (18.6.10)
Editorial (265 pals.)
Estágios Finalidade
(1) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância
eletrônica de presos.
Solução (em tom
monoglóssico)
(2) O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam
julgamento, por meio de pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir
a incidência de fugas e a superlotação do complexo carcerário brasileiro.
Argumento I
(3) Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no
controle de detentos com direito a ausências temporárias na prisão.
Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa
periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no
cumprimento da pena.
Argumento II
(4) Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo
presidente Lula, de um projeto que regulamenta a instalação dos sistemas
de monitoramento à distância de presos no país.
Situação
(5) O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso
“algema eletrônica” apenas para condenados em regime semiaberto,
beneficiados por indultos em datas específicas – como no Natal – e
detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei,
suspeitos submetidos à prisão provisória ou preventiva.
Situação
(6) Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das
fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras
eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e limitar a prática de
crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias.
Argumento III
(7) Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase
metade dos mais de 470 mil detentos no país são presos provisórios,
muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento.
Problema
107
(8) Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo
Estado sem a necessidade de mantê-las em abarrotadas penitenciárias.
Solução I
(9) Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a
extensão do monitoramento eletrônico às prisões provisórias. É preciso
votá-lo logo.
Situação
Avaliação
Quadro 09 - Análise dos estágios e das finalidades do gênero
Os estágios de gênero do texto "Presos monitorados" são os seguintes, nessa
ordem:
Solução - Argumento I - Argumento II - Situação - Situação - Argumento III
Problema - Solução I - Situação - Avaliação
Inicia-se com uma Solução [vigilância eletrônica de presos], declarada em
termos monoglóssicos, e em seguida apresentam-se dois Argumentos [diminuição
de incidência de fugas] e [economia] em favor dessa Solução. Há, então, dois
estágios de descrição da Situação [sanção de projeto] e [aprovação no Congresso]
que cerca a questão da monitoração. Alterna-se com mais um Argumento [solução
para prática de crimes]. Surge um Problema II, não solucionado pela Solução I [a
espera dos presos provisórios], que poderia ser amparado pela mesma Solução.
Finalmente, nova Situação [novo projeto de lei], que merece a Avaliação [votação
urgente].
Discussão: O editorial está dividido em 9 estágios, dos quais 3 descrevem a
Situação de um projeto de lei que tramita na Câmara para extensão do
monitoramento eletrônico às prisões provisórias. Essas situações são apresentadas
nos estágios 4 [sanção de projeto], 5 [aprovação no Congresso] e no 6 [um segundo
projeto de lei]. No estágio 7, é introduzido o Problema: a espera dos presos
provisórios, que segundo o texto, aparentemente nos estágio 1 e 8 – poderia ser
solucionado com os sistemas de vigilância eletrônica. Os estágios 2, 3 e 6 mostram
como de fato várias fugas poderiam ser evitadas, caso os sistemas de vigilância
eletrônica fossem instalados e como os recursos gastos com sistema carcerário
poderiam ser economizados, e afirma, que tanto o sistema quanto detentos
lucrariam. Pode-se concluir, então que a aprovação da extensão do monitoramento
108
eletrônico seria a solução para a diminuição da criminalidade que a cada dia cresce
no país.
Portanto, dos estágios integrantes de uma argumentação (referidos no apoio
teórico), estão presentes a situação que apresenta o Problema (a urgência da
aprovação do projeto de lei) e os Argumentos (mostrando a eficácia dos
monitoramentos eletrônicos à distância). A Solução, apresentada de maneira
implícita e prosodicamente, é de que a criminalidade e as fugas vão diminuir,
somente se o projeto de lei, que prevê a extensão do monitoramento eletrônico for
votado urgentemente.
2.1.2 Registro: exame elementos de Campo, Relação e Modo
Campo: trata dos projetos que foram sancionados pelo Presidente Lula e os que
estão tramitando na Câmara para extensão do monitoramento eletrônico de alguns
presos. O Editorial faz avaliações negativas do sistema carcerário de monitoração
de presos, aponta várias inadequações e exige urgência na votação do projeto.
Relações: os participantes da interação são os editorialistas e os leitores da FSP.
Os editorialistas são aqueles que na construção do texto, se alinham indiretamente
com os leitores, uma vez que já prevêem a informação esperada pelo seu público-
alvo, alcançando dessa forma a interação na compreensão do texto. Os leitores são
aqueles que estão expostos às opiniões do editorial. O objetivo do editorial pode ser
o de munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para
criar o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia tem sua função no editorial, na
medida em que, como parte de suas funções, atinge e confirma interesses,
preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é, nas palavras de
Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que é uma
interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.
Modo: A linguagem escrita é formal, assim relaciona-se às exigências do gênero
editorial de jornal, as escolhas léxico-gramáticais contribuem para dar coerência e
coesão na construção do texto. A noção de “idioma público”, de Stuart Hall (1978
apud Fowler 1991, p. 48), deve ser mencionada aqui: “A linguagem empregada será
109
a versão do jornal da linguagem do público para quem é endereçada”. Padrões de
vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam preocupações
especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe analisa ações e
estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas responsabilidade;
afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações. Se o leitor do
jornal julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba
considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um “senso comum” e a
aceita.
2.1.3 A coerência tripártite (global-local-temática)
Passo a analisar os três fatores que promovem a coerência de um texto.
Consideremos, então, o título do editorial: "Presos monitorados", e vejamos como os
estágios se relacionam com esse título em termos da coerência global (em negrito
no texto) [lembrando que a coerência global refere-se à relação do enunciado com o
plano geral do texto]. Os colchetes referem-se à coesão local [lembrando que esta
se refere ao que o falante tenta efetivar no texto, explicando, justificando]. Os termos
que concorrem para a efetivação da coerência temática [ou progressão temática]
estão sublinhados.
Presos monitorados
Folha de S.Paulo (18.6.10) Editorial (265 pals.) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos.
Discussão: A coerência é realizada através da coerência temática, que está em relação paralela à coerência global.
O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de [pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo carcerário brasileiro].
Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e temática, que estão em relação paralela às coerências global e local.
[Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito a ausências temporárias na prisão]. [Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos] no cumprimento da pena.
110
Discussão: A coerência é realizada através de três relações distintas de coerências – temática, local e global relacionadas simultaneamente.
[Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção], pelo presidente Lula, [de um projeto que regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos] no país.
Discussão: A coerência é realizada através das coerências temática e local, que estão em relação paralela às coerências local e global.
O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o [uso “algema eletrônica” apenas para condenados em regime semiaberto], beneficiados por indultos em datas específicas – [como no Natal – e detentos em prisão domiciliar]. [Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos submetidos à prisão provisória ou preventiva].
Discussão: A coerência é realizada através da coerência temática, que está em relação paralela à coerência global.
[Os casos vislumbrados não são de menor importância]. [Quase 20% das fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão]. [O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e limitar a prática de crimes] durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias.
Discussão: A coerência é realizada através de três relações distintas de coerências – global, temática e local simultaneamente.
[Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. [Quase metade dos mais de 470 mil detentos no país são presos provisórios], muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento.
Discussão: A coerência é realizada através da coerência local, que está em relação paralela às coerências global e temática.
[Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de mantê-las em abarrotadas penitenciárias].
Discussão: A coerência é realizada através das três coerências – temática, global e local – relacionadas simultaneamente.
Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a extensão do monitoramento eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo.
Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e global –, que estão em relação paralela às coerências global. Quadro 10 - Análise da coerência tripártite.
Pode-se ver que todos os estágios acima referem-se ao tema 'Presos
monitorados pelos sistemas de vigilância eletrônica à distância por meio de
pulseiras ou tornozeleiras'. Nesse sentido, o texto é coerente em termos globais.
Quanto à coerência local, indicada entre colchetes no texto, referem-se às
as sub-metas, menos relacionadas com coisas que o autor tenta efetivar no mundo,
111
do que com coisas que ele tenta efetivar no texto, algo como dizer "o que aconteceu
depois", ou elaborar o que acabou de expor. Também, aqui, o editorial apresenta
uma série de elementos que ajudam a localizar e a entender a informação, bem
como a perceber a intenção do editorialista [que veremos com maior detalhe na
análise da coesão avaliativa].
Por fim, verificamos a coerência temática, indicada com dois asteriscos no
editorial, e que se refere a trechos de conteúdo - vamos chamá-los de temas - que
aparecem repetidamente. Essa questão, mais voltada à coesão, segundo Eggins,
será mais bem examinada em ocasião própria.
2.2 Análise da coesão
2.2.1 A Manutenção dos Participantes
Os participantes desse editorial examinados aqui são: (i) Presos monitorados;
(ii) sistemas de vigilância; (iii) complexo carcerário; e (iv) projeto de lei (que tramita
na Câmera, deve ser sancionado urgente e colocado em prática). Para essa análise,
divido o texto em sete partes, conforme foi deduzido na análise dos estágios de
gênero: (a) Solução; (b) Argumentos; (c) Situação; (d) Argumentos; (e) Problema; (f)
Solução; e (g) Situação - Avaliação. A manutenção dos participantes garante a
coesão textual, segundo Eggins. Sigo o seguinte código para apontar a manutenção
desses dois elementos:
(i) Presos monitorados: negrito
(ii) sistemas de vigilância: sublinhado
(iii) complexo carcerário: itálico
(iv) projeto de lei [colchetes]
Presos monitorados
Folha de S.Paulo (18.6.10) Editorial (265 pals.)
ESTÁGIO: (a) SOLUÇÃO
São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. Apresentação
112
Discussão A coesão, aqui, é feita pela apresentação “sistemas de vigilância eletrônica de presos”, que trará benefícios tanto aos presos quanto ao sistema penal e à sociedade como um todo.
ESTÁGIO: (b) ARGUMENTOS O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de similaridade similaridade similaridade anáfora pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo co-hiponímia/subclasses do contraste holonímia hiperônimo/classe geral (sistemas eletrônicos) meronímia da holoní mia (complexo carcerário) carcerário brasileiro. holonímia Discussão “Controle à distância de condenados ou suspeitos”, coesão por similaridade, dá continuidade ao tópico anterior, referindo-se aos “sistemas de vigilância eletrônica de presos”, e pela anáfora “que”, referindo aos “suspeitos” que aguardam julgamento, por meio de “pulseiras ou tornozeleiras”, coesão por co-hiponímia/subclasses do hiperônimo/classe geral de “sistemas eletrônicos”. Por outro lado “fugas” contraste de “prisão” é introduzido nesse trecho para mostrar que possível por meio dos “sistemas de vigilância” a diminuição das “fugas” bem como a “superlotação” do “complexo carcerário”, coesão por holonímia. Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito a similaridade/repetição ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa similaridade/contraste/ similaridade expectativa repetição periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena. Discussão Continua-se a falar de “controle de detentos” coesão por similaridade e repetição, mas para introduzir novo tópico, “recursos e benefícios” que terão os “presos” – já inferível pelo primeiro estágio, portanto, coesão por similaridade de “condenados”. Também “ausências temporárias da prisão”, coesão por similaridade de “saídas temporárias da prisão”, e acesso a “regimes menos severos”, coesão por similaridade de “regimes por indulto” e “prisão domiciliar”.
ESTÁGIO: (c) SITUAÇÃO Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um [projeto] que anáfora/ bridging/whole similaridade text reference regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. similaridade/repetição similaridade/repetição
113
Discussão O trecho dá continuidade à apresentação de parte “desses avanços”, coesão por bridging, referindo-se por similaridade a um “projeto” (similaridade), que regulamenta a instalação dos “sistemas de monitoramento de presos” retoma por similaridade sistemas de vigilância eletrônica de presos, e deverá ser sancionado pelo presidente Lula. Todo esse processo estabelece a coesão do texto, mantendo os participantes “projeto de lei e monitoramento de presos”. O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, [ELE] prevê o uso “algema eletrônica” apenas [similaridade] anáfora/elipse similaridade/repetição para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no similaridade/repetição Natal – e detentos em prisão domiciliar. (ELES) Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos expectativa/similaridade/repetição catáfora/bridging similaridade/repetição submetidos à prisão provisória ou preventiva. similaridade repetição Discussão Continua-se a falar do “texto” sancionado, por similaridade e pela elipse/anáfora “ele”, referindo-se a “projeto”, além dos benefícios “algema eletrônica” para “condenados”, ambos por similaridade e repetição, mas os benefícios são apenas para os condenados que estão em regime semiaberto e “detentos” que estão em “prisão domiciliar”, portanto todos por coesão de expectativa, similaridade e repetição. E não para “eles” (catáfora), referindo-se aos “suspeitos” (similaridade/repetição), que estão cumprindo “prisão” (similaridade/repetição) provisória ou preventiva e não foram contemplados.
ESTÁGIO: (d) ARGUMENTOS Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e similaridade/repetição similaridade/repetição limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. similaridade/repetição local ref./similaridade Discussão Inicia-se o trecho para comprovar que atualmente, 20% das fugas da “prisão”, coesão por similaridade e repetição, são praticadas por condenados beneficiados pelo regime semiaberto, caracterizado como os casos vislumbrados. Portanto, faz-se necessário o uso de “tornozeleiras eletrônicas”, coesão por similaridade e repetição para a diminuição das “fugas” contraste de prisão e crimes, quando os “detentos” (similaridade/repetição) estiverem fora das “cadeias”, coesão por local reference e similaridade.
ESTÁGIO: (e) PROBLEMA Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade (DELES) dos mais de similaridade/repetição catáfora/bridging
114
470 mil detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar similaridade/repetição similaridade/repetição anáfora
julgamento. Discussão A evidência do problema do “sistema carcerário”, coesão por similaridade e repetição, é apresentada pela catáfora “deles”, referindo-se a quase metade dos mais de 470 mil “detentos” (similaridade/repetição) são “presos” provisórios, coesão por similaridade e repetição, e retomados pela anáfora “quais”, muitos passam anos na cadeia aguardando julgamento.
ESTÁGIO: (f) SOLUÇÃO Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de mantê- anáfora/sim.(presos) las em abarrotadas penitenciárias. anáfora similaridade/repetição Discussão Continua-se a apresentação de evidência para comprovar a tese. “dessas pessoas” apresenta-se aqui por meio de anáfora e similaridade de “presos”, para mostrar que parcela dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem mantê-“las”, anáfora que retoma “pessoas”, em abarrotadas penitenciárias, coesão por similaridade de prisão, cadeia...
ESTÁGIO: (g) SITUAÇÃO – AVALIAÇÃO Um [segundo projeto] de lei sobre o tema tramita na Câmara e [ELE] prevê a extensão do monitoramento bridging/repetição elipse/anáfora similaridade/repetição eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-[lo] logo. similaridade/repetição anáfora Discussão Finalmente, surge um “segundo projeto de lei” por bridging/repetição, que está tramitando na Câmara, retomado pela elipse “ele” que prevê a extensão do “monitoramento eletrônico”, coesão por similaridade e repetição, às “prisões provisórias” também por similaridade e repetição. Portanto a anáfora “lo” retoma o participante ‘projeto de lei’, que segundo a reivindicação do editorial, deve ser votado logo. Como se vê, um trecho bem escrito, amarra todos os participantes por meio de vários recursos de coesão. Quadro 11 – Manutenção dos participantes
2.2.2 Seleção Lexical
A análise da seleção lexical decorre da análise da manutenção dos
participantes. O que se examina aqui são os termos relacionados ao tópico
115
“sistemas de monitoramento à distância de presos para evitar fugas e os projetos de
lei” que efetivam essa manutenção. Assim, esses termos para promoverem a coesão
do editorial precisam estar de acordo com a seriedade que se pretende do assunto,
e também com a expectativa do leitor a que se destina, fatores importantes para a
promoção da coerência em editorial da Folha de São Paulo.
Portanto, eles terão de respeitar as variáveis de Registro: Campo, tratando do
tópico proposto no título; Relações: cumprindo, através da consideração dos ditames
exigidos pelo gênero editorial e da interação com os leitores da Folha de São Paulo;
Modo: com o respeito às exigências formais do gênero, bem como uma linguagem
que organizem as metas referentes a Campo e Relações.
A análise mostra a riqueza de linguagem que recorre a escolhas lexicais de
similaridade, como em, ‘sistemas de vigilância eletrônica de presos’ e ‘controle à
distância de condenados ou de suspeitos’, ‘complexo carcerário’ e
‘prisão’/’cadeia’/penitenciária, ’presos’ e ‘detentos'/‘condenados’/‘suspeitos’,
‘pulseira’/ ‘tornozeleira’ e ‘algemas eletrônicas’, ‘ausências temporárias’ similaridade
de ‘saídas temporárias’.
Note-se também o uso de termos que exigem conhecimento do assunto por
parte do leitor, tais como, "Projetos de lei”, “sistemas de monitoramento de detentos”
e “fugas da prisão”, citação de dados alarmantes de superlotação na penitenciária
na mente do leitor, bem como metade dos 470 mil detentos no país, passa anos a
aguardar julgamento, e poderia ser controlada pelo Estado (mas observa-se a
precariedade e falência do sistema carcerário do Brasil).
Finalmente, podemos verificar a sintaxe desse texto - que se costuma chamar
de "sintaxe madura" (veja exemplo a seguir) com várias nominalizações ['controle à
distância’, ‘incidência de fugas’, ‘cumprimento’, ‘instalação’, ‘saídas’, ‘tentativas’],
orações subordinadas com inversões e intercalações (que assinalo com colchetes
no texto), construída por escolhas lexicais adequadas à formalidade exigida por um
editorial desse jornal.
Presos monitorados Folha de S.Paulo (18.6.10)
Editorial (265 pals.) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. Expressão bridging Apresentação Espitêmica
116
O controle à distância de condenados ou de suspeitos [que aguardam julgamento, por meio de similaridade lógico similaridade anáfora pulseiras ou tornozeleiras], pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo co-hiponímia /subclasses do probabilidade contraste lógico holonímia hiperônimo/classe geral (sistemas eletrônicos) meronímia da holoní mia (complexo carcerário)/similaridade carcerário brasileiro. Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito comentário lógico Personificação similaridade/repetição a ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, [quando considerados de baixa similaridade/expectativa contras- atitudinal similaridade lógico te/expectativa repetição periculosidade], pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena. similaridade Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um projeto que bridging/whole atitudinal/ deôntico similaridade anáfora text reference regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. similaridade/repetição O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, (ELE) prevê o uso “algema eletrônica” apenas similaridade anáfora Probab. similaridade/ repetição para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – [como no similaridade similaridade/repetição expectativa lógico repetição Natal] – e detentos em prisão domiciliar. (ELES) Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos lógico expectativa/similaridade catáfora certeza adj. Atitudinal similaridade/repetição repetição bridging submetidos à prisão provisória ou preventiva. similaridade/repetição lógico Os *casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas similaridade comentário contraste/similaridade similaridade repetição temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas repetição similaridade/repetição similaridade/repetição atitudinal/epistêmico anáfora/whole text reference e limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. lógico expectativa lógico similaridade local ref. local ref./similaridade repetição Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade (DELES) dos mais de Lógico bridging adj. atitudinal similaridade/repetição catáfora/bridging 470 mil detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento. similaridade/repetição similaridade/repetição anáfora
117
Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de expressão inclusiva anáfora epistêmica/probab. atitudinal/certeza mantê-las em abarrotadas penitenciárias. anáfora similaridade/repetição Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e (ELE) prevê a extensão do monitoramento bridging similaridade lógico elipse probab. similaridade/ repetição anáfora repetição eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo. similaridade/ similaridade/ comentário anáfora repetição repetição expr. Inclusiva Quadro 12 – Seleção Lexical
2.2.3 Conjunção
Como "conjunção", refiro-me não só às conjunções tradicionalmente
conhecidas - coordenativas e subordinativas -, mas também a outros elementos
conhecidos como "marcadores metadiscursivos". São elementos que, à semelhança
das conjunções, guiam o leitor através do texto. Como vimos, eles estão divididos
em textuais (MMT) e interpessoas (MMI), mas na medida em que ambos se
relacionam com o leitor nessa orientação textual, pode-se considerá-los todos
interpessoais. Veja, Quadro 3, repetido para facilitar o acompanhamento da
análise:
Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
Por uma questão de evitar muita repetição, analiso um trecho do editorial para
mostrar como os marcadores usados, ajudam a efetivar a coerência e a coesão
dentro de trecho, como o que se segue (coloco [T] para MMtextual e [I] para MMI):
MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,
finalmente]
Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]
Expressam relações semânticas
entre trechos do discurso;
indicam posições em uma série e
indicam mudança de tópico.
MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos
resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo,
(ironicamente)]
Expressam posicionamento do
autor e estabelecem a interação.
118
O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso algema eletrônica apenas Probabilidade (I) para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no Marc. Lóg. [T] Natal – e detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos Marc. Lóg. [T] Certeza [I] Adj. Atitudinal [I] repetição bridging submetidos à prisão provisória ou preventiva. Marc. Lóg. [T] Quadro 13 – Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal
2.2.4 Análise da coesão avaliativa
A prosódia avaliativa (também chamada de "logogênese"). Indicada com (+) a
Avaliatividade positiva e com (-) a Avaliatividade negativa.
Presos monitorados Folha de S.Paulo (18.6.10)
Editorial (265 pals.) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através da ocorrência da Avaliação social (+). Ela está em relação ao bridging e apresentação (benefícios e sistemas de vigilância).
O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de Avaliação social (+) pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (+) complexo carcerário brasileiro. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através do contraste das duas ocorrências de Avaliação social (+) e duas de avaliação (-). Elas estão em relação de contraste de similaridade, co-hiponímia, contraste e holonímia (controle à distância de condenados/suspeitos/fugas/pulseiras ou tornozeleiras e complexo carcerário). Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito Avaliação social (+) Avaliação social (+) a ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa Avaliação social (+) Avaliação social (+) Graduação periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena.
119
Avaliação social (+) Graduação Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através das quatro ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de Personificação, similaridade/repetição, similaridade/expectativa, contraste/expectativa e similaridade (ganhos de eficiência, controle de detentos/ausências temporárias/prisão/presos e regimes menos severos). Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um projeto que Avaliação social (+) Avaliação social (+) Avaliação social (+) regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através das quatro ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de bridging, similaridade e similaridade/repetição (desses avanços, projeto e sistemas de monitoramento à distância de presos). O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso “algema eletrônica” apenas para Avaliação social (+) condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no Natal Avaliação social (+) Avaliação social (+) – e detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos submetidos à Avaliação social (+) Avaliação social (+) prisão provisória ou preventiva. Discussão: A coesão é feita através das cinco ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de similaridade/repetição, expectativa, similaridade/repetição (“algema eletrônica”/condenados/regime semiaberto/ benefícios/detentos em prisão domiciliar e suspeitos/prisão). Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (-) Avaliação social (-) temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e Avaliação social (+) limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através do contraste das três ocorrências de Avaliação social (-) e duas de avaliação (+). Elas estão em relação de contraste/similaridade/repetição, whole text reference, expectativa, similaridade/repetição, local ref. (fugas/saídas temporárias/prisão/tornozeleiras eletrônicas, dessas tentativas, crimes, detentos e fora das cadeias). Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade dos mais de 470 mil Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (-) Avaliação social (-) detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento. Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das cinco ocorrências de Avaliação social (-). Elas estão em relação de bridging e similaridade/repetição (resta o problema e sistema carcerário/detentos/país/presos provisórios). Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de Avaliação social (-) Avaliação social (-) mantê-las em abarrotadas penitenciárias. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação social (-). Elas estão em relação de similaridade/repetição (penitenciárias).
120
Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a extensão do monitoramento Avaliação social (+) Avaliação social (+) eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de bridging e similaridade/repetição (segundo projeto e lei/monitoramento eletrônico/prisões provisórias). Quadro 14 - Coesão avaliativa