pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc … alves de... · pontifÍcia universidade...

131
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Eliane Alves de Sousa COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem SÃO PAULO 2012

Upload: tranmien

Post on 18-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Eliane Alves de Sousa

COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

SÃO PAULO 2012

ii

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Setor de Pós-Graduação

Eliane Alves de Sousa

COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da

Prof.(a). Doutor(a) Sumiko Nishitani Ikeda

SÃO PAULO 2012

iii

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________

_________________________________

_________________________________

iv

Dedico esta tese à minha querida

mãe Maria de Nazaré Silva Sousa,

por dizer-me quando criança que

somente o estudo seria capaz de

transformar a vida de qualquer

ser, e pelo constante incentivo ao

fantástico mundo da linguagem

(in memmorian)

v

AGRADECIMENTOS

Ao supremo Deus pela oportunidade de conhecer a doutora Sumiko Nishitani Ikeda e também por ter dado a mim forças para realização desta tese. À doutora Sumiko Nishitani Ikeda, pela constante dedicação e incansável orientação no processo de desenvolvimento e conclusão desta dissertação, e também pelas excelentes aulas ministradas, que abordaram métodos teóricos significativos de muita relevância social, os quais sua aplicação no âmbito escolar será de grande valia, e consequentemente contribuirá para um ensino de qualidade, resultando assim em uma educação transformadora e mais humanitária. Às doutoras Angela Lessa e Leiko Morales pela leitura e contribuição relevante das excelentes sugestões no exame de Qualificação. Aos colegas – mestrado/doutorado, com os quais compartilhei através dos seminários e das aulas, momentos de muita reflexão e aquisição de conhecimentos. À minha família: à minha mãe que sempre incentivou-me à leitura, e valorizou a educação como princípio primordial para o desenvolvimento sustentável de quaisquer país bem como para uma melhor relação interpessoal da vida social, ao meu esposo Rivaldo Silva de Almeida pela compreensão das minhas infinitas ausências e por apoiar-me incessantemente nessa jornada, que permitiu-me a dedicação a este estudo; ao meu irmão Oseas Alves de Sousa pelo estimulo e paciência; à minha sogra Elze Silva de Almeida pela incansável ajuda que tem dirigido-me durante esses anos. Às minhas amigas: Gladys Mary Santos Sales pela ajuda incessante que proporcionou-me ao longo dessa pesquisa, Cláudia Moreira dos Santos por avisar-me das inscrições de mestrado/doutorado da PUC, pelas longas horas de estudo que compartilhamos neste percurso, e por apresentar-me à professora Ikeda, essa luz que guiou-me e tornou realidade meu sonho de melhorar o ensino, e oferecer aos alunos, aulas de qualidade; à Margareth Oliveira, Robinson Rosário Pitelli e Vilma de Oliveira Caires em especial pelo apoio e estimulo que proporcionou-me desde o início do mestrado e aos colegas de profissão Célia Velose, Jemima, Marci, Sérgio e Yara Pimenta pela amizade e por compartilhar de meus momentos de estudo.

vi

Epígrafe

“Toda palavra tem sempre um mais-além, sustenta

muitas funções, envolve muitos sentidos. Atrás do

que diz um discurso, há o que ele quer dizer e,

atrás do que quer dizer, há ainda um outro querer

dizer, e nada será nunca esgotado.”

Lacan

vii

COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL – UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL

RESUMO: O objetivo desta pesquisa é examinar a coesão e a coerência em

editorial de jornal, verificando as escolhas léxico-gramaticais que são feitas para a

sua realização. Metodologicamente, a pesquisa apoia-se na Linguística Sistêmico-

Funcional (LSF), de Halliday (1985; 1994) e seus colaboradores. A unidade é a

característica mais importante de um texto, diz Hasan (1989), estudiosa da LSF. É a

unidade que nos capacita distinguir um texto de um não-texto, de um texto completo

de um incompleto. Há dois tipos de unidade: unidade de estrutura e unidade de

textura. A propriedade de textura - ou coesão - está relacionada à percepção de

coerência pelo leitor. Essa relação entre coesão e coerência tem em Eggins (1994),

da posição de sistemicista, oferece uma explicação que julgo muito esclarecedora.

Assim um texto será coerente em termos: (a) culturais, se apresentar estrutura de

gênero – com seus estágios e finalidades; e (b) situacionais, se respeitar os ditames

do registro – através das variáveis de Campo, Relações e Modo. Já um texto será

coeso se: (a) mantiver os participantes; (b) observar seleção lexical adequada; e (c)

utilizar conjunções (em que incluo os marcadores discursivos) para relacionar as

orações. Eggins fala em quatro tipos de coesão: (1) referencial, (2) lexical, (3)

conjunção e (4) estrutura conversacional (este último não será considerado nesta

pesquisa, já que não trato da conversa). Para a realização da coesão e da

coerência, trazemos também a noção de Avaliatividade (Appraisal) (MARTIN, 2000,

2003), ampliada pela proposta da coesão por realização prosódica: o significado

atitudinal que se estende pelo texto e une partes do texto através de avaliações

relacionadas entre si (LEMKE, 1998). A pesquisa deve responder às seguintes

perguntas: (i) Como se realizam a coerência e a coesão nos editoriais de jornal

examinados? (ii) Que escolhas léxico-gramaticais realizam a coerência e a coesão

em um editorial de jornal?

Palavras-chave: coesão, coerência, Linguística Sistêmico-Funcional, editorial,

gênero, registro

viii

COHESION AND COHERENCE IN THE NEWSPAPER EDITORIAL - A SYSTEMIC FUNCTIONAL VIEW

Abstract: The objective of this research is to examine cohesion and coherence in

editorials of newspapers, checking the lexico-grammatical choices that are made for

their realization. Methodologically, the research is based on Halliday’s (1985, 1994)

Systemic Functional Linguistics (LSF), and on his collaborators. unity is the most

important feature of the text, says Hasan (1989), scholar of LSF. It is unity that

enables us to distinguish a text from a non text, a complete text, from an incomplete

one. There are two kinds of unity: structure unity and texture unity. The property

texture – or cohesion – is related to the perception of the coherence by the reader.

This relationship between cohesion and coherence has in Eggins (1994), a

systemicist an explanation that I consider quite enlightening. Thus, a text can be

coherent in terms of: (a) cultural, if it presents genre structure– with its stages and

purposes, and (b) situational, if it respects Register rules - through Field, Tenor

and Mood variables. Now, a text will be cohesive if: (a) it keeps its participants; (b) if

it observes proper lexical selection; and (c) if it uses conjunctions (in this I include

the speeches markers) to relate the clauses. Eggins speaks of four types of textual

cohesion: (1) referential, (2) lexical, (3) conjunction and (4) conversational structure

(this last will be not considered in this research, since I am not analyzing converse).

For coherence and cohesion to happen, I also bring the concept of Appraisal

(MARTIN, 2000, 2003), broadened by the proposal of cohesion realized by prosody:

the attitudinal meaning that extends through the text and links parts of the text

through evaluations related among themselves. (LEMKE, 1998). This research

should answer the following questions: (i) How is coherence and cohesion realized

in the newspaper editorials examined? (ii)Which lexical-grammatical choices realize

coherence and cohesion in a newspaper editorial? Keywords: cohesion, coherence, Systemic Functional Linguistics, editorial, gender,

register

ix

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Unidade de textura (Fonte: Hasan, 1989) ............................................... 19

Quadro 2 – Coesão avaliativa: Usualidade ............................................................... 35

Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal ........... 36

Quadro 4 - Tipos de coesão ...................................................................................... 38

Quadro 5 – Exemplo de Cadeia de Referência utilizada em trecho do editorial ........ 39

Quadro 6 - Resumo das teorias de apoio .................................................................. 40

Quadro 7 – Editoriais selecionados para análise ....................................................... 41

Quadro 8 - As categorias de análise .......................................................................... 42

Quadro 9 – Texto: A lista infame, na íntegra ............................................................. 43

Quadro 10 - Análise dos estágios e das finalidades do gênero ................................. 45

Quadro 11 - Análise da coerência tripártite ............................................................... 48

Quadro 12 - Tipos de coesão .................................................................................... 50

Quadro 13 – A manutenção dos participantes ........................................................... 53

Quadro 14 – Texto: A lista infame – Cadeia de Referência ....................................... 55

Quadro 15 - Exemplo de sintaxe utilizada em trecho do editorial .............................. 57

Quadro 16 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal ......... 57

Quadro 17 - Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal .............................. 58

Quadro 18 – Coesão avaliativa (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY;

MATTHIESSEN, 1999) .............................................................................................. 60

x

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 01 2. APOIO TEÓRICO ................................................................................................. 05

2.1 A importância do contexto ......................................................................... 06 2.1.1 A Configuração Contextual ................................................................. 07 2.1.2 Contexto, gênero e estrutura de texto ................................................. 08

2.2 O editorial do jornal como um gênero ........................................................ 09 2.2.1 O texto argumentativo .......................................................................... 09

2.2.1.1 Problema - Argumento - Solução ............................................ 12 2.3 A Coerência .................................................................................................. 13

2.3.1 A natureza tripártite da coerência ...................................................... 16 2.4 A Coesão ....................................................................................................... 18

2.4.1 Anáfora, texto e discurso ....................................................................... 22 2.5 Coerência e coesão via frame semântico .................................................. 24

2.5.1 A relevância da reivindicação de Bundgaard ....................................... 26 2.5.1.1 O frame semântico ................................................................ 28

2.6 A Avaliatividade (APPRAISAL) .................................................................... 32 2.6.1 Lemke e a coesão avaliativa ................................................................ 34

2.7 Os marcadores discursivos ........................................................................ 35 2.8 Coesão e Coerência na Linguística Sistêmico-Funcional ........................ 37

2.8.1 Cadeia de Referência ........................................................................... 39 3. METODOLOGIA ................................................................................................... 40

3.1. Dados ............................................................................................................ 40 3.2 Procedimentos de análise .......................................................................... 41

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................... 43

4.1 Análise da coerência .................................................................................... 44 4.1.1 Gênero editorial: Estágios e finalidade ................................................... 44 4.1.2 Registro: exame dos elementos de Campo, Relações e Modo ............. 46 4.1.3 Análise da coerência tripártite ............................................................... 47

4.2 Análise da coesão ........................................................................................ 49 4.2.1 A manutenção dos participantes ........................................................... 49

4.2.1.1 Cadeia de Referência ................................................................. 54

xi

4.2.2 Seleção Lexical .................................................................................... 56 4.2.3 Conjunção ............................................................................................ 57

4.3 A Avaliatividade e a coesão avaliativa ..................................................... 58 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 62 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65 ANEXOS ................................................................................................................... 71

1

COESÃO E COERÊNCIA EM EDITORIAL DE JORNAL: UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL

1. INTRODUÇÃO

Desde 1996, ano em que ingressei no quadro de funcionários da Secretaria

da Educação do Estado de São Paulo, da Diretoria de Ensino Sul 3, leciono Língua

Portuguesa aos alunos dos Cursos Regulares do Ensino Fundamental II e do

Ensino Médio: a princípio em uma escola do bairro Vila São José, onde permaneci

por um período de dois anos e, atualmente, em uma escola do bairro Sítio das

Palmeiras, ambas localizadas na periferia da zona sul.

Nos últimos quinze anos, tenho trabalhado com alunos das 1ªs, 2ªs e 3ªs

séries do Curso Regular do Ensino Médio, na produção e a análise de textos

escritos, com vistas não só aos exames vestibulares universitários, mas também

com a finalidade de desenvolver suas competências leitora e escritora, para que

possam participar das diversas práticas sociais de forma crítica, cidadã e

transformadora.

Esse trabalho possibilitou a realização de um diagnóstico mais elaborado

dos problemas nucleares, presentes nas redações produzidas pelos alunos - em

especial nas redações dissertativo-argumentativas -, em que estão comprometidas

a coesão e a coerência desses textos. Por isso decidi-me por desenvolver um

trabalho mais focalizado nesses dois itens, objetivando buscar meios para auxiliar

os alunos a perceber, como se realiza não só o processo coesivo, mas a coerência

de suas redações.

Quanto ao nome ‘dissertativo-argumentativo’, devo esclarecer que, embora

haja autores que distingam argumentação de dissertação, sigo a opinião de Cereja

& Magalhães (2003), que dizem que os exames vestibulares do país solicitam aos

candidatos a produção de textos dissertativos, mas, na verdade, pela natureza

polêmica dos temas, quase sempre o que se espera do candidato é que ele

produza um texto argumentativo ou dissertativo-argumentativo, i.e., um texto em

que o autor analise e discuta um problema da realidade, defenda seu ponto de vista

e, às vezes, proponha soluções. Portanto, adoto aqui o termo ‘texto argumentativo’.

2

A dificuldade de nossos alunos com referência à comunicação escrita, em

especial a redação do texto argumentativo, esteve sempre presente no discurso de

professores e pesquisadores da área da educação. Segundo Koch (1987), o ato de

argumentar, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui

o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia,

na acepção mais ampla do termo. Pode-se assim justificar a preocupação da escola

em proporcionar ao discente a capacidade de, através da palavra escrita, defender

seu próprio ponto de vista, fato que, em última, instância lhe permitirá o exercício

pleno da cidadania.

Nesse sentido, os PCNs do Ensino Médio (1999: 139), destacam que:

[...] o aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como texto que constrói textos.

Inicialmente, pensei em examinar os textos dos meus alunos, mas julguei

também que seria válido examinar textos considerados bem redigidos, para verificar

o que deve haver nesses textos para assim serem considerados. Vários são os

fatores que concorrem para a redação de um texto satisfatório. Entre eles, é básico

o cuidado com a coerência e a coesão de um texto, sem as quais não se tem um

‘texto’, como um meio de veiculação de ideias.

Beaugrange e Dressler (1981, p. 3) dizem que, para que o texto seja uma

ocorrência comunicacional, ele deve satisfazer a alguns critérios interdependentes,

entre outros: (1) coesão, que envolve um jogo de interdependências entre as frases;

(2) coerência, que trata da intenção global do texto, fundamental para a textualidade.

Ambas promovem a inter-relação semântica entre os elementos textuais,

respondendo pela conectividade textual.

Também Indursky (2006, p. 47) afirma a importância da coesão e da

coerência para o exame da textualidade, propriedade intrínseca de um texto, e para

ela esses conceitos representam o cerne dos estudos textuais para essa área de

conhecimento. Por outro lado, a assim chamada Lingüística Textual começou a

perceber que o texto, além de ser uma superfície que pode ser examinada em

relação aos seus fatores de coesão e de coerência, é também um ato comunicativo.

3

Assim, os linguistas admitem o fato de que para estudar o texto é preciso examinar

relações que ultrapassam o limite do texto propriamente.

Hasan (1989), estudiosa da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY

1985, 1994), fala em unidade, como sendo a característica mais importante de um

texto. É a unidade que nos capacita distinguir um texto de um não-texto, de um texto

completo de um incompleto. Ela cita dois tipos de unidade: unidade de estrutura e

unidade de textura.

Para ilustrar a noção de unidade de estrutura, a autora trata da noção de

gênero, referindo-se ao modelo mais antigo de estrutura de texto no Ocidente, que

se origina em Aristóteles, quando este definiu a tragédia grega como sendo

constituída de três elementos: começo, meio e fim. Para Bakhtin (1997 [1979], p.

279): "Gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados

elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo

cotidiano até a exposição científica." Ou seja, qualquer atividade linguística estaria

necessariamente realizando um gênero.

Numa tentativa de operacionalizar a noção de gênero, Martin (1984, p. 25),

também um sistemicista, diz que gênero é uma atividade, organizada em estágios,

orientada para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como membros de

uma determinada cultura1. Dito isso, podemos afirmar que o editorial é um gênero, e

que, como tal, seus estágios e suas finalidades estarão certamente envolvidos na

construção da unidade de estrutura que, em última instância, faz parte da coerência

e, por extensão, da coesão, como veremos.

Quanto à unidade de textura, Hasan refere-se a certos tipos de relações

semânticas entre as mensagens do texto, e examina a natureza dessas relações e

os padrões léxico-gramaticais que as realizam. Para a autora, a propriedade de

textura - ou coesão - está relacionada à percepção de coerência pelo leitor. Porém,

a textura depende não somente de relações semânticas, mas também de relações

pragmáticas (CORNISH 2003).

A relação entre coesão e coerência, referida por Hasan, tem em Eggins

(1994), outra sistemicista, uma explicação que julgo muito esclarecedora. Assim um 1 Há vários tipos de gêneros: a) gêneros literários (conto, romance, novela, autobiografia, balada, soneto, fábula, tragédia, comédia) b) gênero popular (manual de instrução, artigo de jornal, reportagem de revista, receitas) c) gênero educativo (conferência, orientação, artigo para seminários, exame, livro-texto) d) gênero do dia-a-dia: compra, pedido de informação, fofoca, troca de opiniões, entrevista.

4

texto será coerente em termos: (a) culturais, se apresentar estrutura de gênero –

com seus estágios e finalidades [e.g. um editorial]; e (b) situacionais, se respeitar os

ditames do registro – através das variáveis de Campo [assunto: e.g. 'violência'],

Relações [interação: e.g. 'Folha de S. Paulo com seus leitores'] e Modo [organização

textual: e.g. 'escolhas léxico-gramaticais especificas de editorial']. Já um texto será

coeso se: (a) mantiver os participantes [e.g. 'as pessoas envolvidas na violência'];

(b) observar seleção lexical adequada [e.g. 'palavras que se refiram, de algum modo,

ao tema tratado']; e (c) utilizar conjunções (em que incluo os marcadores

discursivos) [e.g. 'relação entre orações e trechos do discurso']. Eggins fala em

quatro tipos de coesão: (1) referencial, (2) lexical, (3) conjunção e (4) estrutura

conversacional (este último não será considerado nesta pesquisa, já que não trato

da conversa). Para a realização da coesão e da coerência, trazemos também a

noção de Avaliatividade (Appraisal) (MARTIN, 2000, 2003), ampliada pela proposta

da coesão por realização prosódica: o significado atitudinal que se estende pelo

texto e une partes do texto através de avaliações relacionadas entre si (LEMKE,

1998).

O objetivo desta pesquisa é examinar a coesão e a coerência em editoriais de

jornal. A pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (i) Como se realizam a

coerência e a coesão nos editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-

gramaticais realizam a coerência e a coesão em um editorial de jornal?

Metodologicamente, a pesquisa apoia-se, basicamente, na Linguística Sistêmico-

Funcional (LSF), de Halliday (1985; 1994) e seus colaboradores.

Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: No capítulo 1,

Introdução, trato das noções de argumentação e de dissertação-argumentativa,

bem como das modificações que as definições de coesão e coerência vêm sofrendo

mais recentemente desde (HALLIDAY; HASAN 1976). No capítulo 2, Apoio teórico, apresento as concepções teóricas da Linguística Sistêmico-Funcional proposta por

Halliday (1994; 2004), que embasam esta pesquisa as propostas de definição das

noções de coerência e de coesão, que constituem-se hoje em noções que não se

restringem a questões sintático-semânticas, mas dependem de considerações

pragmáticas; a Avaliatividade (APPRAISAL), (MARTIN 2000; 2003); a coesão

avaliativa (LEMKE 1998); a natureza tripártite da coerência (AGAR; HOBBS 1982).

No capítulo 3, Metodologia, além dos dados: seleção dos três editoriais, que

resultou no corpus desta pesquisa, explico os procedimentos de análise através da

5

manutenção dos participantes, seleção lexical (EGGINS 1994) seguidos da Cadeia

de Referência (MARTIN 1992); marcadores textuais (DAFOUZ-MILNE 2008); e a

realização prosódica na proposta de Lemke (1998). No capítulo 4, Análise e Discussão dos Resultados, mostro os resultados da pesquisa sobre como se

estrutura a construção da coesão e coerência no gênero editorial de jornal,

articulados aos métodos teóricos e epistemológicos da Linguística Sistêmico-

Funcional (LSF) de Halliday (1994) e de seus colaboradores. No capítulo 5,

Considerações finais, reflito sobre a relevância social dos resultados dessa

pesquisa para a área da educação da rede pública do Estado, e mostro que com a

aplicação deles em sala de aula, foi possível proporcionar aos alunos a oportunidade

tanto da compreensão dos mecanismos textuais responsáveis pela coesão e

coerência textual bem como na produção de textos bem redigidos. Os resultados

também foram de grande valia na reformulação e reflexão das ações da prática

pedagógica do docente. Termino com as referências bibliográficas.

2. APOIO TEÓRICO

Este capítulo apresenta, inicialmente, o contexto e sua importância na

explicação de gênero editorial, relacionado ao texto dissertativo-argumentativo, e,

a seguir, as propostas de definição das noções de coerência e de coesão, que,

acompanhando a evolução dos estudos linguísticos, constituem-se hoje em noções

que não se restringem a questões sintático-semânticas, mas dependem de

considerações pragmáticas, em especial do conhecimento de mundo - ou frame -

que o leitor traz em sua interação com o texto. Feito isso, explicarei a proposta de

Halliday (1994; 2004) em sua Gramática Sistêmico-Funcional, hoje mais conhecida

como Linguística Sistêmico-Funcional, iniciando com a versão de Eggins (1994), que

nos oferece uma visão geral da teoria, envolvendo os escritos de Halliday desde a

década de 70. A sistêmica vê uma relação intrínseca entre língua e contexto,

momento em que tratarei de dois contextos considerados pela teoria: o Gênero

(contexto de cultura) e Registro (contexto situacional), questões essenciais para a

realização da coerência (EGGINS, 1994). Também com função na realização da

coerência e da coesão, apresento a noção de Avaliatividade (Appraisal) (MARTIN,

2000, 2003), ampliada pela proposta da coesão por realização prosódica: o

6

significado atitudinal que se estende pelo texto e une partes do texto através de

avaliações relacionadas entre si (LEMKE, 1998).

2.1 A importância do contexto

Alguns fatos mostram que língua e contexto estão interrelacionados

(EGGINS, 1994):

(a) somos capazes de deduzir o contexto de um texto (um texto carrega

aspectos do contexto em que foi produzido);

(b) somos capazes de predizer a língua através de um contexto (e.g. em uma

receita de ovos mexidos, podemos prever o tipo de estrutura sintática e as

palavras que ocorrerão no texto);

(c) sem um contexto não somos capazes, em geral, de dizer que significado

está sendo construído.

Portanto, continua Eggins, ao fazermos perguntas funcionais, não é suficiente

enfocarmos somente a língua, mas a língua usada em um contexto. Mas quais as

feições desse contexto afetam o uso da língua? Para responder a essa questão, os

sistemicistas lançam mão de dois conceitos: registro e gênero.

(a) O registro descreve o influência das dimensões do contexto situacional

imediato sobre a língua. Tais dimensões são 3:

Campo (assunto: a língua usada para uma receita de bolo é diferente da

usada para falar de lingüística) Relações (interlocutores: a língua usada para falar com o chefe é diferente

da usada para falar com um amigo)

Modo (texto: o modo como é construído o texto, envolvendo campo e

relações) (b) O gênero descreve a influência das dimensões do contexto cultural

sobre a língua.

7

(c) A ideologia ocupa um nível superior de contexto, que tem chamado a

atenção dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em

qualquer gênero, o uso da língua será sempre influenciado pela nossa

posição ideológica (nossos valores, nossas tendências, nossas

perspectivas).

Porém, por razões que são elas mesmas de natureza ideológica, segundo

Eggins, muitas pessoas não foram educadas para identificar a ideologia nos textos,

e por isso os "lêem" como se fossem representações naturais e inevitáveis da

realidade. Isso mostra que precisamos falar sobre a língua não apenas como um

meio de representação, mas como um instrumento atuante de construção da nossa

visão de mundo.

A relação entre língua e contexto é importante, diz Hasan (1989), por dois

motivos, um teórico e outro, prático. Teoricamente, esse fato revela uma visão do

senso não-comum. O senso comum, numa compra de batatas, seria dizer: ‘Me dá

um quilo de batatas’, ‘Quanto custa?’. O senso não-comum é a visão de que a

compra se constitui num tipo culturalmente reconhecível de situação que foi

construída através dos anos pelo uso precisamente desse tipo de linguagem. Sem o

reconhecimento dessa bi-direcionalidade, língua-contexto/contexto-língua, seria

difícil considerar a possibilidade da arte verbal, da ciência, da filosofia – de fato, todo

o domínio do conhecimento humano – ou dos desentendimentos. Do ponto de vista

prático, esse fato é importante porque, diz Hasan, ajuda a entender os detalhes da

relação entre contexto e a estrutura de um texto.

2.1.1 A Configuração Contextual

Hasan introduz um conceito envolvendo as variáveis de registro (Campo,

Relações e Modo): a Configuração Contextual (doravante CC). Na unidade

estrutural de um texto, o CC tem papel central. Se o texto pode ser descrito como

‘língua fazendo algum trabalho num contexto’, é razoável, diz Hasan, descrever a

expressão verbal de uma atividade social: o CC é uma explicação dos significados

atribuídos nessa atividade social. Assim, não surpreende que as feições do CC

8

possam ser usadas para fazer certos tipos de previsão acerca da estrutura de um

texto: Que elementos devem ocorrer? Que elementos podem ocorrer? Onde eles

devem ocorrer? Onde eles podem ocorrer? Com que frequência podem ocorrer? Ou

seja, mais sucintamente, podemos dizer que um CC prediz os elementos

obrigatórios e opcionais da estrutura de um texto, bem como a sua sequência e a

sua repetição.

Há uma boa razão para o estabelecimento de limites dos elementos

estruturais de um texto. Sem isso, a análise permanece tão intuitiva que duas

pessoas analisando um mesmo texto poderiam diferir muito. Assim, diz a autora, é

desejável encontrar um critério para decidir que parte de texto realizar que elemento;

mais do que isso, é importante estabelecer o tipo de critério para tanto.

O que se percebe na proposta de Hasan é a relação da noção de gênero

(elementos obrigatórios e opcionais da estrutura de um texto: quais são eles em um

editorial?) com a de registro (que permitem a previsão dos elementos que podem

ocorrer nessa estrutura: se se trata de 'violência' [Campo], quais serão as escolhas

lexicais?; se se trata da relação entre o jornal e seus leitores [Relação], que

conhecimento de mundo se pode prever nessa relação?; se se trata desse Campo e

dessa Relação, em um editorial da FSP [Textual], que escolhas gramaticais deverão

ser feitas?

2.1.2 Contexto, gênero e estrutura de texto

Se texto e contexto estão relacionados, segue-se que não existe uma única

maneira certa de falar ou de escrever, diz Hasan. O que é adequado em um

contexto pode não sê-lo em outro. Aprende-se a escrever texto, escrevendo textos,

tal como se aprende uma língua, falando essa língua. Assim, também, a

familiaridade com diferentes gêneros não se desenvolve automaticamente com a

idade, mas requer experiência social. A relevância de estrutura é importante para a

memória, na medida em que um trecho escrito pode ser mais facilmente lembrado

se a sua estrutura estiver clara.

Passo a considerar o gênero 'editorial de jornal'.

9

2.2 O editorial do jornal como um gênero

Fowler (1991) caracteriza o editorial do jornal como tendo uma função

simbólica importante, de partilhar da opinião do jornal, ao sustentar implicitamente a

asserção de que as demais seções, por contraste, sejam puros fatos ou

reportagens. O simbolismo textual é salientado por uma disposição e uma tipografia,

sendo o editorial geralmente impresso na mesma posição e na mesma página todos

os dias, e, além disso, um tipo gráfico especialmente “visível” pode ser usado, como

no caso da Folha de S. Paulo. No caso deste jornal, o editorial ocupa sempre a

primeira coluna da segunda página, ao lado de outros textos (que chamamos artigos

de opinião), assinados, o que faz subentender que a opinião contida no editorial seja

independente dos demais e que por default, seja a do jornal.

Também Reynolds (2000) diz que, contextualmente, o gênero editorial é

reconhecível por ser frequentemente colocado em uma página central interna

(embora em alguns tabloides populares, possa estar na primeira página),

proeminentemente marcado em relação aos demais, tais como cartas e artigos de

destaque, e em geral encabeçado pelo logo do jornal e pela data. Tem um layout

diferenciado e de rotina, desacompanhado de ilustrações (embora isso possa estar

mudando), e – mais significativo que tudo – não é assinado.

O objetivo do editorial pode ser munir os leitores (os consumidores) de

preconceitos, e assim contribuir para reter o hábito do leitor. É nesse ponto que a

ideologia entra no editorial, na medida em que, como parte de suas funções, atinge

e confirma interesses, preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é,

nas palavras de Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que

é uma interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.

2.2.1 O texto argumentativo

Em termos etimológicos, segundo Suárez (2006), argumentar significa ‘vencer

junto com o outro’ (com + vencer) e não ‘contra o outro’. Persuadir é saber gerenciar

uma relação, é falar à emoção do outro. A origem dessa palavra está ligada à

proposição ‘por’ (por meio de) e a ‘Suada’ (deusa romana da persuasão). Significava

‘fazer algo por meio do auxílio divino’. Convencer é construir algo no campo das

10

ideias: quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós.

Persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro para agir,

quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele

realize. Segundo Suárez (2006) :

A primeira condição da argumentação é ter definida uma tese e saber para que tipo de problema essa tese é resposta. No plano das idéias, as teses são as próprias idéias, mas é preciso saber quais as perguntas que estão em sua origem. (Suárez 2006: 37)

Koch (1987, p. 19) diz que, diante da aceitação de que o ato de argumentar,

de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, “constitui o ato

linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia” faz

cair por terra a distinção entre o que tradicionalmente se costuma chamar de

dissertação e de argumentação, já que a dissertação seria uma exposição de ideias

sem posicionamento pessoal. Segundo a autora, foi com o surgimento da Pragmática que o estudo da

argumentação ou retórica passou a ocupar um lugar central nas pesquisas sobre a

linguagem. A argumentação visa a provocar ou a incrementar a “adesão dos

espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento, caracterizando-se, portanto,

como um ato de persuasão”, conforme Perelman (1970, apud KOCH, 1987).

A propósito, Kitis e Milapides (1996) notam que a persuasão envolve tanto a

convicção quanto a sedução. Não é preciso dizer que, para persuadir, as

reportagens de notícias e comentários sobre assuntos políticos precisam ser

mostradas como verdadeiras e plausíveis através da incorporação de feições

persuasivas (VAN DIJK, 1988).

A convicção envolve uma lista de passos argumentativos que – espera-se -

deverão ser aceitos pelo fato de incluir a ativação e a participação do sistema

cognitivo, essa recepção constitui-se num processo cognitivo. Mas, frequentemente,

a persuasão cerceia a participação cognitiva do leitor no processo de aceitar a

perspectiva do autor e, nesses casos, podemos falar de 'sedução' em vez de

convicção. Sornig (1988, p. 97) nota que:

11

whereas the mechanisms of convincing and conviction obviously work mainly along cognitive argumentative lines, seduction, instead of trusting in the truth and/or credibility of arguments, rather exploits the outward appearance and seeming trustworthiness of the persuader2.

Ele nota também que a persuasão sedutora tenta manipular a relação que se

estabelece entre falante e ouvinte.

Pode-se conjecturar, então, continuam os autores, que os mecanismos de

sedução na relação entre o que persuade e sua "vítima" ou "cúmplice" sejam

identificáveis tanto no nível do texto quanto no do sub-texto, i.e., não somente no

nível do léxico, estruturas e figuras de linguagem como componentes da estrutura

local do texto, mas também no nível de sua coerência geral. Os mecanismos de

sedução, portanto, podem ser isolados tanto no nível da coesão quanto no da

coerência (entendidos como nível de suposições inferidas ou ativadas para tornar

coerente o texto). Em outras palavras, não só estamos lidando com escolhas

linguísticas feitas no texto, mas também com um tipo de suposição que apoia

aspectos da coerência. O que está implícito em tudo isso é a seleção de um certo

estilo. Devemos supor que há algo que não varia: "o significado subjacente ou

referência deve ser conservado constante" (VAN DIJK 1988, p. 73). Van Dijk conclui

que:

O estilo, assim, parece ser capturado pela conhecida frase 'dizer a mesma coisa através de diferentes modos" (ibid.: 73).

Essas características do discurso argumentativo já eram objetos de interesse

desde a Antiguidade, segundo Van Eemeren et al. (1997). Assim, a tradição do

estudo da argumentação tem uma história bastante antiga que data dos escritos dos

antigos gregos sobre lógica (prova), retórica (persuasão) e dialética (indagação),

especialmente na obra de Aristóteles. Historicamente, o estudo da argumentação

tem sido motivado pelo interesse no desenvolvimento do discurso ou pelo interesse

na modificação dos efeitos desse discurso na sociedade.

2 Enquando os mecanismos de convencimento e convicção, obviamente, trabalham ao longo de linhas de argumentação cognitiva, de sedução, em vez de apoiar-se na verdade e/ou na credibilidade dos argumentos, explora a aparência externa e aparente credibilidade do persuasor.

12

2.2.1.1 Problema - Argumento - Solução

Porta (2002) diz que é certo que toda filosofia deve estar referida à

"experiência". Outra questão, no entanto, é se o mero descrever a experiência

alguma vez constituiu uma filosofia. Isso não significa que o descrever

adequadamente não seja um fator decisivo na solução, reformulação e, inclusive,

dissolução do problema original. Certamente, ele pode desempenhar um papel

preponderante em vários sentidos; o que não pode é eliminar o problema enquanto

tal - reduzindo, assim, uma tese filosófica a uma mera descrição. Descrever um

fenômeno não é resolver um problema. O não atentar ao problema degrada o ensino

ou o estudo filosófico a um contar ou escutar histórias.

Ainda segundo Porta, a proposição é um enunciado capaz de ser declarado

verdadeiro ou falso. No conjunto das proposições, podemos diferenciar dois grupos,

o das afirmadas e o das não-afirmadas. Nem toda proposição é necessariamente

afirmada. Entre as proposições afirmadas situamos a tese. Uma hipótese é um

candidato a tese. A tese pode, eventualmente, apresentar-se, de inicio, como uma

hipótese que se confirma pela ulterior argumentação. Dependendo do caso, o autor

pode dedicar relativamente pouco espaço a sua tese, concentrando-se nas

alternativas a serem negadas. Distinguir entre tese e definição merece cuidado

especial: a maioria das definições são meramente nominais e, portanto, nem

verdadeiras nem falsas, não tendo sentido concordar ou discordar delas. Com base

no que foi dito anteriormente, afirmo agora: ser uma proposição consiste em uma

propriedade que o enunciado possui "em si"; ser uma tese, hipótese ou definição é

uma função que ele assume ou não conforme o contexto.

No caso do que poderíamos chamar de "teses filosóficas", elas cumprem,

além das condições mencionadas, inerentes a toda tese enquanto tal, uma terceira,

a saber: elas são solução de um problema. O estabelecimento da tese principal de

uma determinada obra depende, portanto, da correlativa fixação do seu problema

básico, conforme Porta.

A tese é uma solução ao problema e implica um optar em que outras

alternativas são descartadas, continua Porta. Tal optar parte da exigência de que a

resposta seja "pertinente", o que limita em boa medida toda arbitrariedade.

Entretanto, e óbvio que isso ainda não basta. Às vezes, há varias respostas igual-

mente "pertinentes" para a mesma pergunta. Por que, então, o filósofo se decide por

13

uma e não por outra? É aqui que os argumentos desempenham um papel

essencial. O que legitima a opção por uma determinada tese são os argumentos.

A fundamentação da tese nem sempre tem um caráter linear e nem é

facilmente reconstruível; às vezes ela assume formas muito refinadas, diz Porta. Em

algumas ocasiões, entre os argumentos, encontra-se a derivação de consequências.

Toda tese contém consequências e também elas têm de ser verdadeiras. Teses são

rechaçadas muitas vezes não por si mesmas, mas por suas consequências; outras

vezes aceitas pelas consequências de sua eventual negação, porque se descartou

toda outra alternativa etc. Não é incomum, por outra parte, que o principal

"argumento" passe por uma explicitação dos supostos da tese rival, ou seja, aqueles

que dão sentido ao problema, caso em que a argumentação da tese e a

reformulação do problema terminam confluindo.

Após essa explicação referente ao gênero editorial e sua realização através

da argumentação, passo a apresentar as noções de coerência e de coesão, que

orientarão a análise dos editoriais.

2.3 A Coerência

A coerência tem a ver com a "boa formação" do texto, segundo Koch &

Travaglia (1989), mas num sentido que não tem nada a ver com qualquer ideia

assemelhada à noção de gramaticalidade usada no nível da frase, sendo mais

ligada, talvez, a uma boa formação em termos da interlocução comunicativa.

Portanto, a coerência é algo que se estabelece na interação, na interlocução, numa

situação comunicativa entre dois usuários. Ela é, continuam os autores, o que faz

com que o texto faça sentido para os usuários, devendo ser vista, pois, como um

princípio de interpretabilidade do texto. A coerência é profunda, subjacente à

superfície textual, não linear, não marcada explicitamente na estrutura de superfície.

Nesse sentido, Bednarek (2005), que também trata das noções de coerência

(bem como de coesão), afirma que, depois da ‘reviravolta cognitiva’ de 1980, a

linguística moderna tem favorecido cada vez mais uma abordagem da linguagem

baseada na experiência de mundo e no modo como o percebemos e o

conceitualizamos, isto é, da perspectiva da linguística cognitiva (UNGERER;

SCHMID, 1996, p. x), isto é, afastando-se da abordagem meramente sintática.

14

Alguns dos interesses-chave desse ramo da linguística são protótipos, categorias,

metáforas, metonímia e frames - esta última de interesse da autora para explicar a

coerência.

Falando em termos amplos, diz a autora que a teoria de frame trata do

conhecimento de mundo. Numa primeira definição, um frame pode ser considerado

como uma estrutura mental de conhecimento que capta feições típicas do mundo.

Desde a sua concepção, o conceito de frame tem interessado pesquisadores de

vários campos e tradições (cf. TANNEN, 1993a, p. 3; 1993b, p. 15). Os pioneiros

vieram da filosofia e da psicologia (cf. KONERDING, 1993:8), mas seus conceitos

foram desenvolvidos e reinterpretados por pesquisadores da inteligência artificial

(MINSKY, 1975, 1977) e da sociologia (GOFFMAN, 1974, 1981) para nomear

apenas alguns campos e autores.

Apesar de suas raízes estarem na filosofia e na psicologia, a teoria do frame

está em geral associada ao trabalho de Minsky na inteligência artificial. Em sua

pesquisa, Minsky toma a noção introduzida pelo psicólogo Bartlet, em 1932: “[...] o

passado opera mais como uma massa organizada do que um grupo de elementos

cada um dos quais retém um caráter específico.” (BARTLETT, 1932, p. 197).

De acordo com Minsky, então, um frame pode ser considerado uma

representação mental do nosso conhecimento de mundo, uma estrutura de dados

que está localizada na memória humana e pode ser selecionada ou recuperada

quando necessário. Um frame é considerado uma estrutura: é “uma rede de nós e

relações” (MINSKY, 1977, p. 355) que parece estar estruturada em diferentes níveis.

Há os níveis fixos de topo, que possuem muitos terminais, “’buracos’ que precisam

ser preenchidos por instâncias específicas de dados” (MINSKY, 1977, p. 355).

Aparentemente, algumas dessas escolhas são obrigatórias, outras opcionais

(MINSKY, 1975, p. 239). Basicamente, isso significa que, em nossa memória, o

conhecimento é estocado em grande número de frames ou sistemas de frames

(“coleção de frames relacionados”, MINSKY, 1977, p. 355). Por exemplo, podemos

‘possuir’ algo como frame de [QUARTO], a [HOSPITAL], a [ESCOLA] etc., e cada

um deles abrange traços típicos como CAMA, LÂMPADA, MESA DE CABECEIRA,

etc. no caso do frame de [QUARTO]. Quando encontramos uma situação nova (e.g.

um quarto específico), inicia-se um processo de seleção e combinação: primeiro, um

frame é “evocado com base numa evidência parcial ou expectativa" (MINSKY, 1977,

p. 359). Então, comparamos a experiência nova (o quarto específico) com esse

15

frame selecionado ([QUARTO]) e finalmente, designamos as feições a essa nova

experiência (um quarto, lâmpada, mesinha, específicas, etc.) aos terminais do frame.

Diz Bednarek que, assim como acontece com o conceito de frame, a

coerência também é uma noção um tanto vaga na linguística e não há ainda uma

definição geralmente aceita ou uma teoria da coerência (cf. BUBLITZ, 1999, p. 1). A

coerência é mais bem descrita como uma conexão semântica, lógica ou cognitiva

que está subjacente ao texto (cf. de BEAUGRANDE; DRESSLER, 1981, p. 4;

BUSSMANN, 1996, p. 80; THOMPSON; ZHOU, 2000, p. 121). Em vez de supor que

essas conexões existam independentemente do falante ou do ouvinte, a coerência é

hoje claramente definida em relação à contribuição do ouvinte: “[...] a coerência

somente é mensurável em termos da avaliação do leitor” (HOEY, 1991, p.11). Em

outras palavras, ela se refere à extensão pela qual os ouvintes julgam que este texto

‘está unido’ e constitui um todo unificado.

Assim, Bednarek supõe que são os ouvintes que estabelecem a coerência, e

não os textos, embora os meios coesivos dos textos exerçam um amplo papel

ajudando os ouvintes a estabelecer a coerência. Em geral, operamos por princípio

automático de coerência (cf. BROWN; YULE, 1983, p. 66 F.; BUBLITZ; LENK, 1999,

p. 156 f.), supondo que o texto seja coerente (e que o falante obedeça aos princípios

de cooperação (GRICE, 1975) que são tacitamente aceitas na conversa. Daí porque

o esforço que fazemos para criar coerência, apoiando-nos em pistas possíveis, diz a

autora.

Aceitando-se as ideias de Bednarek, resta-me ver como operacionalizar a

noção de coerência no texto. Que fatores presentes no frame do leitor indicariam de

modo mais palpável a noção de que texto 'faz sentido', é coerente? Creio que a

proposta Eggins (1994) pode ser a resposta. Para ela, um texto coerente, assim o

será em termos:

(d) culturais, se apresentar estrutura de gênero – com seus estágios e

finalidades;

(e) situacionais, se respeitar os ditames do registro – através das variáveis

de Campo (assunto), Relações (os interlocutores) e Modo (linguagem).

Assim, no gênero conto de fadas, será coerente uma vaca falar, um menino

voar; e nesse conto, o assunto (Campo) pode girar em torno de crianças viajarem

16

em uma nave em direção à lua, porque a interação do autor do conto com seu leitor

(Relações) permitirá uma cumplicidade que envolve essa possibilidade; assim

também, será possível a utilização de um texto escrito oralizado (Modo), fato que

não seria admitido em gêneros mais formais como o de um decreto governamental.

Na sequência, apresento os três tipos de coerência propostos por Agar e

Hobbs (1982), que a meu ver podem esclarecer de maneira mais detalhada o

funcionamento do processo de coerência.

2.3.1 A natureza tripártite da coerência

A coerência que encontramos nos textos pode ser divida em três tipos, dizem

Agar & Hobbs (1982): global, local e de tema.

Coerência global: O falante tem metas globais que ele tenta realizar ao falar. Ele

deve desenvolver um plano da conversa ou da narração para realizar suas metas,

fragmentando-as em sub-metas e estas em outras sub-metas, até que as sub-metas

possam ser diretamente realizadas por meio de enunciados (HOBBS; EVANS,

1979). Os autores propõem chamar essa relação do enunciado com o plano geral do

falante de coerência global.

Coerência local. Em algum ponto do desenvolvimento do plano textual, as sub-

metas estarão menos relacionadas com coisas que o falante tenta efetivar no mundo

do que com coisas que o falante está tentando efetivar no texto. Dois movimentos de

continuação ou relações de coerência que atuam na microanálise abaixo serve de

exemplo: (1) Um modo de manter a coerência é dizer "o que aconteceu depois";

outro modo de manter a coerência é elaborar sobre o que acabou de se dizer.

Outras relações de coerência são: contraste, explicação e consequência.

Coerência temática. Em qualquer texto coerente, encontramos trechos de conteúdo

- vamos chamá-los de temas - que aparecem repetidamente. Esses temas conferem

um tipo de unidade ao texto, que chamamos coerência temática. Vamos nos referir a

ocorrências repetidas de temas através do texto como "linhas" de coerência temática

(também conhecidas como 'progressão temática').

17

Apresento, a seguir, como exemplo de aplicação dos três tipos de coerência,

comparando duas redações: portanto, um texto não coerente nesses termos (texto

A) e outra coerente (texto B). Limito-me a analisar os três tipos em alguns casos.

Texto (A): POR QUE VOCÊ ESCOLHEU O BRASIL PARA ESTUDAR?

(1) Eu quero estudar no Brasil porque embora adore a América Latina não conheço

ainda muitos países deste continente. (2) Quando estiver estudando no Brasil,

espero ter a oportunidade de viajar, pois assim poderei aprender mais coisas. (3)

Minha especialidade é Estudos Latino-Americanos. (4) Esta é a primeira razão por

que preciso estudar no Brasil. (5) Eu sei que a Universidade de São Paulo é uma

das melhores do Brasil e também da América Latina. (6) Conheço algumas pessoas

em S. Paulo que assim me informaram. (7) No momento estudo no Albion College,

em Michigan, mas aqui não há nenhum curso concentrado especificamente na

América Latina. (8) O programa pareceu-me o único adequado para mim.

Discussão:

Vejamos como o autor do texto (A) elabora sua redação em termos dos três

tipos de coerência:

Coerência global: Os trechos sublinhados indicam falha na coesão global: há

duas respostas (1) e (3) para a pergunta do título, mas o texto se limita a

desenvolver a segunda resposta.

Coerência local: Entre (5) e (6) há coerência local: uma explicação, o que

não acontece entre (4) e (5), pois não há explicação da relação entre o tipo de

estudo a que o autor se dedica e a USP.

Coerência temática: Entre (4) e (5), há falha na manutenção do Tema

('estudos latino-americanos') e ('USP').

Essas falhas comprometem a coerência do texto (A). De fato, todos os

alunos, mesmo aqueles que construiriam textos como esse, foram de opinião que o

18

texto é fragmentado, com vai e vem que atrapalham a sua leitura. Não é, porém o

que acontece com o Texto (B):

Texto (B): POR QUE VOCÊ ESCOLHEU O BRASIL PARA ESTUDAR?

(1) Tive várias razões para escolher o Brasil. (2) Entre elas, uma é o fato de eu estar

trabalhando como assistente de investigação na área de desenvolvimento do

Terceiro Mundo, o que me despertou um imenso interesse na América Latina,

especialmente aprender sobre a experiência brasileira. (3) Os quatro anos de

estudos nos EUA ensinaram-me muito sobre o papel deste país a respeito do

desenvolvimento latino-americano.

Discussão:

Coerência global: (1) responde à pergunta-título.

Coerência local: (2) explica o motivo (dentre os vários) e (3) explica o porquê

de ser o Brasil.

Coerência temática: Os trechos sublinhados mostram a coerência via Tema:

razões → elas → Terceiro Mundo → América Latina → brasileira → deste

país → latino-americano.

A opinião maciça dos alunos, que compararam as duas redações, é de que o

texto (B) é fácil de ler, portanto, fácil de entender. Na realidade, o texto mostra que,

para respeitar os três tipos de coerência, deve apresentar uma visão global, para

aos poucos fragmentar esse total em partes mais acessíveis. Assim, "tive muitas

razões" abre um leque de opções, que aos poucos se fecha para chegar à

experiência brasileira, respondendo à pergunta original.

Passo, a seguir, a tecer algumas considerações sobre a noção de coesão.

2.4 A Coesão

Para explicar a noção de coesão, que realizada a unidade de textura, Hasan

(1989), compara os seguintes exemplos:

19

Exemplo A: Era uma vez uma menininha e ela saiu para um passeio e ela viu um ursinho fofinho e então ela o levou para casa e lá em casa ela o lavou.

Exemplo B: Ele montou num búfalo. Eu o pus no armário. Eu reservei um lugar. Eu não o comi.

Quadro 1 – Unidade de textura (Fonte: Hasan, 1989)

O exemplo (A) apresenta uma certa continuidade que falta em (B), diz Hasan.

Uma dessas continuidades pode ser descrita em termos de estrutura de gênero.

Embora (A) esteja incompleto, é um exemplo claro de um gênero familiar, isto é,

uma história inacabada. Já não se reconhece tão facilmente o gênero de (B),

embora possamos perceber as sentenças como tendo sido retiradas, talvez, de um

livro de exercícios de língua. Mas (B) não apresenta uma estrutura de começo, meio

e fim.

Por outro lado, a continuidade estrutural não é o único tipo de continuidade.

Assim, o texto (A) possui o atributo da textura, que falta ao texto (B), ou seja, (A) é

um texto coeso, enquanto (B) não o é: em A há certos tipos de relação de

significados entre suas partes que não se encontram em (B). Por exemplo, 'ela'

refere-se à 'menininha'. Uma maneira mais concisa de dizer é que 'ela' é co-

referencial à 'menininha'.

Assim, (A) será visto como coerente, enquanto (B) não o será.

A propósito, para Eggins (1994), textura é a propriedade que distingue um

texto de um não-texto; é o que mantém juntas as orações de um texto para lhes dar

unidade. Assim um texto será coeso se:

(a) mantiver os participantes;

(b) observar seleção lexical adequada; e

(c) utilizar conjunções para relacionar as orações.

Observemos que no exemplo (B), do Quadro 1, nenhum desses elementos é

levado em consideração. O texto (B) não é coeso porque: (i) não há manutenção de

participante (variando entre 'búfalo', 'armário', 'lugar') [não há manutenção da

progressão temática]; assim sendo, em (ii) não há como falar em seleção lexical

20

adequada; (iii) não há conectivos lógicos entre as orações. A propósito, Eggins fala

em quatro tipos de coesão textual: referencial, lexical, por conjunção e de estrutura

conversacional (que apresentarei no capítulo da Metodologia).

Assim, também, para Bednarek, a coesão é uma propriedade de textos e

refere-se aos meios linguísticos para prover ‘textura’ (i.e., liga as sentenças de um

texto), tal como a referência, substituição, elipse, reiteração, colocação e conjunção,

de Halliday & Hasan (1976), os padrões do léxico, de Hoey (1991), etc.

Da mesma forma, segundo Koch e Travaglia (1989), a coesão é

explicitamente revelada através de marcas linguísticas, índices formais na estrutura

da sequência linguística e superficial do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já

que se manifesta na organização sequencial do texto. É nitidamente sintática e

gramatical, mas pode ser também semântica. Sabe-se que a coesão contribui para

estabelecer a coerência, mas não garante sua obtenção, dizem os autores. O texto

não é coerente porque as frases que o compõem guardam entre si determinadas

relações, mas estas relações existem precisamente devido à coerência do texto.

Não é essa a opinião de Cornish (2003) para quem a coesão nem sempre

está "explicitamente revelada através de marcas linguísticas". Para demonstrar sua

proposta, usa dois artigos de jornal, para examinar o modo como o leitor cria

discurso baseando-se em várias pistas textuais fornecidas pelo escritor, em termos

de um contexto relevante. A sinalização de certos tipos de anáfora bem como a

dêixis fazem parte dessas pistas. Ele inicia sua proposta, definido:

a. TEXTO: sequência conectada de sinais verbais e não-verbais em termos

dos quais o discurso é co-construído pelos participantes no ato da

comunicação.

b. DISCURSO: sequência hierarquicamente estruturada e situada de atos

indexicais, enunciativos e ilocucionários realizada na perseguição de uma

meta comunicativa, integrada num dado contexto.

c. CONTEXTO é sujeito a um processo de construção e revisão conforme o

discurso se desenrola. É através da invocação de um contexto relevante

(que é em parte determinado pela natureza do co-texto em questão, bem

como pelo gênero) que o ouvinte/leitor é capaz de converter a

sequência de pistas textuais em discurso.

21

O texto age como um reservatório de pistas servindo de instrução para o

receptor construir um modelo conceitual da situação evocada pelo produtor, um

modelo que o receptor pretende que seja idêntica ao modelo do produtor.

O discurso, por outro lado, designa o resultado das sequências de atos

enunciativos, ilocucionários e indexicais hierarquicamente estruturados,

mentalmente representados em que os participantes se engajam conforme a

comunicação se desenrola. Tais seqüências têm como sua raison d'être a realização

de alguma meta comunicativa, e podem ser vistas como constituídas de unidades

menores caracterizadas pelo fato de que as 'microproposições' (KINTSH; VAN DIJK,

1978) que elas contêm são localmente coerentes, isto é, realizam um nível que

Grosz & Sidner (1986) chamam 'estrutura intencional' (veja PARISI;

CASTELFRANCHI, 1977). Tais unidades mantém entre si uma certa relação

manifestando um tipo mais global de coerência.

Essa distinção é feita porque o discurso, diz Cornish, – isto é, a construção

situada e a interpretação da mensagem via um texto relativo a um contexto, em

termos das intenções do produtor – é um empreendimento (re-construtivo) e,

portanto, altamente probabilístico. Da perspectiva do receptor, não é uma questão

de simplesmente decodificar o texto para chegar à mensagem plena originalmente

pretendida pelo produtor. O 'significado' não está 'no' texto; ele tem de ser

construído pelo receptor através do texto e do contexto apropriado. Em qualquer

caso, o texto é, em geral, se não sempre, incompleto e indeterminado em relação ao

discurso que pode ser derivado do texto em conjunção com o contexto. A distinção

está ligada ao fato bem conhecido de que a evocação de aspectos superficiais do

texto é mais alta imediatamente depois da leitura (pelo leitor); mas essa habilidade

desaparece quando um lapso de tempo significativo separa a leitura da evocação:

aqui, o conteúdo geral (o "essencial" do texto) é mais bem lembrado que os detalhes

da superfície do texto. Muito do discurso cotidiano é em todo caso 'oblíquo', isto é,

não há uma relação uma-a-uma entre forma e significado - i.e., o enunciado ou o

significado do produtor, oposto ao significado linguístico.

22

2.4.1 Anáfora, texto e discurso

Diferentemente da abordagem tradicional da anáfora em termos da chamada

endófora3 (e.g. HALLIDAY; HASAN, 1976), em que a expressão anafórica precisa

primeiramente ligar-se a um antecedente textual co-ocorrente adequado para que a

relação anafórica se estabeleça, a abordagem desenvolvida por Cornish pede uma

relação mais indireta, em três vias, entre o que o autor chama de (i) desencadeador-

de-antecedente (CORNISH, 1999, p. 41-43) (ii) uma representação discursiva

mental e (iii) uma anáfora. Sob essa abordagem, há uma interação entre os

domínios do texto e do discurso, enquanto que, sob a concepção tradicional, a

relação é estabelecida inteiramente dentro do texto. É por razões 'top-down'4 em

vez de exclusivamente 'botton-up', o que inclui fatores intertextuais, que a referência

indexical da anáfora do discurso é estabelecida (veja EMMOTT, 1995, p. 84-86;

WERTH, 1999, p. 291-293). A definição de anáfora citada abaixo é exemplo típico

de abordagem intratextual de anáfora (hoje descartada).

[...] uma expressão é anafórica se sua interpretação referencial depender de outra expressão que se encontra no co-texto. (RIEGEL et al. 1964, p. 610)

Não há necessidade de haver nenhuma outra 'expressão relevante ocorrendo

no co-texto' com a qual se contrate tal relação. Em muitas circunstâncias de uso

normal da língua, a "resolução" da anáfora é virtualmente automática, e não dá

chance para um cálculo consciente da parte do receptor, continua o autor.

Além disso, o tratamento da anáfora pelos textualistas requer que os traços

morfológicos da anáfora pronominal combinem com os da expressão antecedente –

isto é, do seu referente. Mas essa combinação não é necessária, especialmente no

discurso falado. Nos casos em que não existe antecedente co-textual relevante,

podemos trabalhar com a chamada 'exófora' (CORNISH, 1999, cap. 4), que Cornish

afirma funcionar essencialmente do mesmo modo que a endófora padrão. Para

ilustrar esse fato, tomemos um exemplo:

3 Endófora - Dentro do texto: anáfora: Pedro comprou um livro e ele (=anáfora) vai me emprestar. (pronome vem depois) catáfora: Ele comprou isto: um belo de um carro. (pronome vem antes) Exófora - Fora do texto: Ei, você, preencha este cupon e ganhe um prêmio. 4 Top-down: hipóteses que formulamos enquanto o texto se desenvolve. Botton-up: o texto (as letras, as palavras, enfim o concreto) que vão me dando pistas para a formulação daquelas hipóteses.

23

(5) [Contexto: diante de uma porta fechada do escritório de um membro do staff acadêmico

da Universidade de Kent em Canterbury, UK. Um estudante está indeciso diante da porta,

evidentemente interessado em ver o membro em questão. Um outro estudante, que

conhece o membro do staff em questão, passa, e vendo a situação, diz]: Ele não está aí!

Notemos que o referente indicado pelo pronome ele não está co-presente na

situação do enunciado. A presença do estudante diante da porta atua como o

desencadeador-de-antecedente (DA). Como tal, ele induz o estabelecimento da

representação discursiva relevante na mente do produtor (algo como: 'este

estudante está querendo ver X'). A relação metonímica5 entre o estudante

enfocando a porta e o membro do staff é um tipo de conexão explorada no

estabelecimento da anáfora. Aqui temos uma relação de 'efeito-causa' integrando as

duas representações ('estudante Y quer ver o membro do staff X, mas o escritório de

X está fechado' (EFEITO), 'e isto é porque X não está aqui' (CAUSA). A situação é

assim idêntica a que seria se o referente do pronome estivesse mencionado

explicitamente no segmento relevante do co-texto, como em:

(5') Estudante: Você sabe se o sr. Smith está em seu escritório?

O outro: Não, ele não está aí.

Nos casos tanto da anáfora co-textual ('endófora' como em [5']) quanto da

anáfora contextual ('exófora', como em [5]), a representação da interpretação da

anáfora em contexto torna explícita a relação que o seu referente contrai com a

situação circundante – dado que as anáforas zero e átonas sempre recuperam o

referente de uma situação saliente na qual desempenha papel central. Se esse

referente foi evocado direta e explicitamente no co-texto precedente (ou

subsequente, no caso da catáfora), ele não é nem uma condição necessária nem

suficiente para a existência da anáfora. O referente visado pela anáfora está

associado de algum modo à representação discursiva evocada via o DA (um

enunciado, um gesto), e é estabelecido como uma função do segmento inteiro do

discurso construído subsequente à introdução dessa representação. 5 Metonímia: relação da parte com o todo.

24

A resolução da anáfora envolve essencialmente um processo de integração

da predicação do DA com o seu contexto discursivo. Vamos examinar um

interessante exemplo falado, altamente elíptico, para ilustrar essa proposta

complexa do modo como a anáfora atua em termos do discurso:

(6) [ Diálogo num filme:]

Mulher: Por que você não escreveu para mim?

Homem: Eu escrevi ... começava a, mas eu sempre as rasgava.

(Fragmento do filme Summer Holiday).

O primeiro enunciado desse fragmento de diálogo é o DA (juntamente com o

seu ponto ilocucionário, o pedido feito ao homem, o qual justifica o fato de ele não

ter escrito [nenhuma carta] para a mulher). A existência de uma ou mais cartas

escritas pelo homem é negada pela pergunta negativa da mulher (você não

escreveu nenhuma carta); assim o referente de as não pode ser idêntico ao do seu

'antecedente' (cartas). O segundo enunciado elíptico do homem começava a ..., que

cria a implicatura de que a carta ou cartas foram escritas, mas não foram enviadas à

mulher. Essa implicatura é confirmada através do processamento do terceiro

enunciado do homem, em que se afirma que ele destruía as cartas parcialmente

escritas. O fato de o verbo rasgar nesse conjunto anafórico ser modificado pelo

advérbio quantificador sempre (no sentido de 'em toda ocasião [em que te escrevi

uma carta]') significa que a própria frase verbal está quantificada, e justifica o plural

do pronome clítico (as), a referência sendo mais de uma carta.

Apresento a seguir, a proposta de Bundgaaard (2006) que serve como uma

explicação em que se basearão alguns tipos de coesão (EGGINS, 1994) que

utilizarei em minha análise, bem como a noção de 'realização prosódica' (LEMKE,

1998), a coesão efetivada por elementos avaliativos.

2.5 Coerência e coesão via frame semântico

Bundgaard (2006) não aceita a distinção tradicional entre coesão e coerência,

i.e., a distinção entre:

25

(a) regras sintáticas, que governariam a composição de unidades

sintáticas na oração; e

(b) regras semântico-pragmáticas, que guiariam a composição de

unidades de texto além dos limites da oração.

Para tanto, apresenta dois princípios de combinação semântica ativos em

todos os níveis de composição linguística: a estrutura esquemática de frame e a

estrutura narrativa. Embora ele trate da questão na narrativa, creio que sua

proposta interessa em termos gerais à minha pesquisa. Esses princípios seriam

componentes de um sistema combinatório semântico determinado em termos de

relações de dependência.

Ele trata de princípios que governam a combinação de unidades linguísticas

em um todo significativo. Para ele, 'unidade' é qualquer elemento da língua que

possa ser considerado como parte de um todo compreensivo, não importando a

extensão da parte ou do todo. Assim, a unidade '-or' de 'comprador' é parte de um

composto; assim como 'comprador' é parte de 'comprador de cavalos'; 'comprador

de cavalo' é parte de 'O comprador de cavalo negociou o animal', e assim por diante.

Já que para o autor não há diferença crítica entre o que tradicionalmente é

chamado de coesão linguística (i.e., unidade dentro de uma oração) e coerência

linguística (e.g., unidade de algum tipo maior que a oração), quando se diz 'todo

significativo', 'significativo' é tomado a sério, segundo ele. Os princípios de

combinação a que ele se refere são semânticos, e não sintáticos. Quando falamos,

não estamos preocupados com a nossa capacidade de produzir sentenças corretas.

Nossa maior preocupação é expressar na língua as coisas que temos em mente.

Queremos combinar significados genuínos e não simplesmente categorias

sintáticas.

O autor diz que linguística cognitiva tem se interessado nas duas últimas

décadas pelas estruturas linguísticas com as quais combinamos os significados,

bem como pela relação às experiências que elas expressam. Essa questão diz

respeito à natureza esquemática do significado, i.e., o fato de a própria experiência

ser organizada por esquemas, estruturas organizadoras de significado ou padrões

significativos de distribuição de papéis e que, a língua, para usar o termo de Leonard

Talmy (2000), evoca essas representações conceitualmente estruturadas, i.e., que o

significado linguístico apoia-se no tipo de estrutura que organiza nossa

27

26

experiência. Bundgaard restringe-se a apresentar dois princípios esquemáticos da

coerência/coesão linguísticas, que governam a composição semântica tanto abaixo

quanto acima do nível da oração, como já me referimos acima: a estrutura

esquemática de frame e a estrutura narrativa.

Segundo Bundgaard, desde a 4a. Investigação Lógica, de Husserl (1913

[2001]), diz-se que as unidades linguísticas combinam-se em proposições

significativas (do tipo: 'esses números pós-modernos estão esfomeados') em virtude

de regras que: (1) são imanentes ao próprio sistema linguístico e, portanto,

inteiramente independentes de qualquer sanção subjetiva da compatibilidade de

coerência semântica das unidades combinadas; e (2) aplicam-se às unidades

somente de acordo com formas categóricas (sintáticas), isto é, independentemente

da sua importância semântica (e, é claro, independentemente do fato de que as

pessoas usam essas unidades não simplesmente para gerar frases, mas para gerar

frases que expressem o que elas pensam sobre alguma coisa).

A refutação dessa tradição linguística pelo autor repousa em: (1) observações

de como o significado é realizado por expressões linguísticas e da relação entre

significado e forma linguística; e (2) uma simples inversão da perspectiva sobre

língua, isto é, da definição de língua e do objeto da linguística.

2.5.1 A relevância da reivindicação de Bundgaard

Se deixarmos de lado o fato de que princípios de gestalt governariam ou não

a combinação de unidades linguísticas dentro e além da oração, o fato é que as

unidades linguísticas formam um todo que não se reduz à soma de suas partes. Se

uma pessoa grita, dirigindo-se para mim 'Saia daqui!' e alguém me pergunta o que

ela me falou, eu posso dizer 'Ela me mandou sair da sala'. Eu reproduzo o mesmo

significado global, mas com outras palavras. O mesmo aconteceria se traduzisse o

enunciado para um outro sistema semiótico. Tudo isso se o significado for

devidamente identificado.

Outra feição essencial deve ser notada: mesmo não havendo acesso a

nenhum 'significado de ordem superior' no sentido da gestalt, sem haver nenhuma

parte que o expresse, é evidente que nenhum significado de ordem superior (o que

queremos expressar) seja univocamente ligado a um tipo específico de expressão. É

27

totalmente contingente (i.e., dependente das circunstâncias sob as quais nos

comunicamos) o modo como expressamos o que temos em mente. Assim, posso

referir-me ao vendedor de cavalos como 'Vendedor de cavalos' ou 'Ele é o homem

que comercializa cavalos'. Assim também posso referir-me a um evento através de

uma oração 'Ela comprou verdura na quitanda.', ou, em duas orações, 'Ela foi à

quitanda e comprou verdura.' A afirmação de que a oração seria sintaticamente um

limite essencial não tem contrapartida semântica, já que o estado de coisas evocado

por uma oração pode também sê-lo por duas orações.

Considere, diz Bundgaard, como temos acesso direto em nível super-

ordenado quando dizemos coisas como 'que história maravilhosa' ou 'esse livro

mostra que o amor está acima de tudo', etc. Mesmo textos longos podem ser

acessados e rearticulados através de conjuntos restritos de momentos semânticos

constituintes. Esses fatos apontam para a existência de princípios de coerência

acessíveis (no sentido de que as coisas são redutíveis ou acessíveis por meio de

poucas relações de ordem superior que fazem suas partes 'ficarem juntas'.

Essas observações permitem dizer que, uma vez que as combinações de

unidades linguísticas menores e combinações de unidades linguísticas maiores

apresentarem as mesmas características semânticas, e uma vez que se pode provar

que a oração não constitui nenhum limite natural para a composição de significados,

podemos esperar encontrar princípios de combinação semântica que operem na

maioria de (senão em todos) os níveis da composição linguística.

A refutação de analogia ou continuidade estrutural entre coesão linguística e

coerência linguística depende de decisão metodológica, continua Bundgaard. Mas

pode-se dizer que a priori a língua não é apenas um sistema formal internamente

estruturado, mas também um meio de comunicação, ou seja, sua função essencial é

expressar pensamentos.

A língua é usada para expressar pensamentos sobre alguma coisa, continua

o autor. Assim a língua deve ser capaz não somente em referir-se a alguma coisa,

mas também em expressar fielmente o modo como elas foram pensadas ou

conceituadas. Se assim é, deve haver algum tipo (se não for um isomorfismo direto)

de uma compatibilidade entre o modo pelo qual os pensamentos são compostos e o

modo pelo qual as unidades linguísticas são combinadas para expressá-los. Em

outras palavras, a combinação de unidades linguísticas é precedida e finalizada pela

composição de pensamentos. Mas a composição de pensamentos não é limitada

28

pela proposição e assim também o seu correlato linguístico: a oração. Seu nicho

natural não é a proposição strictu sensu, mas a concatenação, a combinação de

significados. Assim, em relação à composição de pensamentos, há apenas uma

diferença de grau, não de natureza, entre unidades combinadas dentro do escopo

da proposição (cujo correlato linguístico é a oração) e unidades combinadas dentro

do escopo de uma série de proposições.

Uma outra consequência essencial, diz o autor, é que as unidades linguísticas

(palavras, sentenças, trechos com várias sentenças) especificam linguisticamente os

pensamento (parciais ou combinadas) que expressam. Usar a língua é outorgar os

significados pretendidos às unidades linguísticas, e entender a língua é captar a

intenção do falante. Nesse sentido, não há diferença essencial entre as palavras

'quente' e 'batata' nas sentenças abaixo, como expressões bem-formada e mal-

formada respectivamente:

(3) Me dá a batata quente.

(4) *A me batata dá quente.

Nos dois casos, é impossível atribuir qualquer significado positivo a 'quente'

ou a 'batata' sem especificações contextuais. Eis porque Husserl ter dito que

palavras e sentenças sem intencionalidade são meros "padrões sonoros" (Wortlaut),

e não expressões strictu sensu. Bundgaard passa a explicar a noção de frame-

semântico, importante para a compreensão de sua proposta.

2.5.1.1 O frame semântico

A noção de "frame semântico" foi criada por Charles J. Fillmore num artigo de

1982. Sua definição é importante para o presente contexto:

O frame semântico oferece um modo particular de olhar os significados das palavras, bem como o modo de caracterizar princípios para criar novas palavras e frases, para acrescentar novos significados a palavras e para reunir significados de elementos de um texto no total de significados do texto. Pelo termo 'frame' tenho em mente qualquer sistema de conceitos relacionados de tal modo que para entender qualquer um deles é necessário entender a estrutura inteira no qual ele entra; quando uma dessas coisas em tal estrutura é apresentada num texto, ou numa conversa, todos os outros ficam automaticamente disponíveis (FILLMORE 1982, p. 111).

29

O ponto é que muitos elementos lexicais isolados não adquirem significado

simplesmente por referência a objetos externos (abstratos ou concretos); seus

significados tomados separadamente ativam cenários, scripts ou esquemas mais

compreensíveis, em relação aos quais eles assumem um significado específico, diz

Bundgaard. Assim verbo como 'comprar', 'vender' e uma série de outros ativam o

frame comercial.

O importante não é somente que esses frames sejam infiltrantes, mas

também que eles exercem uma função integrativa genuína tanto dentro da oração

quanto além da oração, e, além disso, podem ser usados para explicar o modo pelo

qual uma mesma palavra pode significar coisas diferentes em diferentes contextos.

Consideremos:

(5) Eu consegui isso em casa.

(6) Eu consegui isso no shopping.

Em (6) e não em (5) 'consegui' significa 'comprei', porque 'shopping' ativa o

frame comercial. A abordagem gerativa tentou, no tratamento dos compostos, definir

compostos como resultados de orações subjacentes deletadas que (segundo ela)

guiaria o construto semântico desse fenômeno (cf. LEES, 1960; LEVI, 1978). Essa

hipótese não se sustenta porque não há como recuperar um único verbo (ou atingir

a oração certa): o 'leiteiro' pode ser 'o homem que vende leite' ou 'o homem que

entrega leite', 'o homem que bebe muito leite', etc.

Se tivermos em mente que o nicho natural do uso da língua não é a oração,

mas o discurso – i.e., o meio inteiro que, em qualquer caso, possibilita afirmar o

ponto, expressar ideias, etc – não será surpresa que a estrutura do frame semântico

exerça a mesma função de ligação semântica entre orações inteiras bem como

entre entidades lexicais simples. O frame semântico é na verdade uma estrutura

conceitual que como conceito não está ligado a nenhum nível específico da língua.

Assim, diz Bundgaard, a língua será língua somente se for capaz de

expressar o que temos na mente. Além disso, a organização de nossas experiências

naturais ou fenomenológicas e a organização das entidades linguísticas é, na

verdade, muito heterogêneas. O que é dado simultaneamente na experiência (em

um espaço multi-dimensional) precisa ser articulado na língua passo a passo,

30

sucessivamente (em um espaço uni-dimensional). Já Cournot (1851, p. 364)

observava: a propriedade fundamental da língua é que ela é "uma série

essencialmente linear", cujo "modo de construção obriga-nos a usar uma série

sucessiva, linear, de signos para expressar as relações que a mente percebe, ou

deveria perceber simultaneamente em uma ordem diferentes". Por mais limitador

que seja essa circunstância, a língua precisa dispor os significados para transpor a

ordem da experiência natural (e os significados pré-linguísticos) em uma ordem da

articulação simbólica (de outra forma não seria capaz de expressar nada, e assim

não seria língua). Esses meios não são puramente sintáticos e não podem ser

reduzidos à forma sintática, se por sintaxe entendermos os princípios que governam

a geração de sentenças bem formadas, ou seja, no sentido estreito de sintaxe.

Os princípios de coerência que o autor discute servem para caracterizar o

modo como as palavras se combinam em virtude de seus significados, como as

palavras configuram-se em um todo mais compreensivo, por meio de estruturas de

ordem superior e intrinsecamente significativos, e como as palavras assumem um

significado específico de acordo com a posição que ocupam dentro desse todo

esquemático compreensível. O ponto mais importante aqui é que esses princípios de

configuração semântica não estão confinados, mas eles provam que são operativos

dentro e fora da oração.

Dentro desse enquadre, podemos entender como uma poesia (1) ou um

trecho de prosa (2), a seguir, podem ser considerados como exemplares coerentes e

coesos, embora não apresentem explicitamente os requisitos tradicionalmente

exigidos. Entendemos, então, que os elementos coesivos omitidos podem ser

inseridos pelo leitor, uma vez que seu frame consiga captar o esquema coerente de

'pesca' ou de 'dona de casa enfastiada'.

31

(1) A PESCA Affonso Romano de Sant'Anna

o anil

o anzol

o azul

o silêncio

o tempo

o peixe

a agulha

vertical

mergulha

a água

a linha

a espuma

o tempo

a âncora

o peixe

a garganta

a âncora

o peixe

a boca

o arranco

o rasgão

aberta a água

aberta a chaga

aberto o anzol

aquelino

ágilclaro

estabanado

o peixe

a areia

o sol

Fonte: Koch & Travaglia (1989)

32

(2) CORTE Maria Amélia Mello

(O dia segue normal. Arruma-se a casa. Limpa-se em volta. Cumprimenta-se os vizinhos. Almoça-se

ao meio-dia. Ouve-se rádio à tarde. Lá. pelas 5 horas, inicia-se o sempre.)

(Miniconto publicado no Suplemento Literário do Minas Gerais no. 686, ano

XIV. 24/11/1979, p.9.)

Coerência e coesão estão também relacionadas, segundo Lemke (1998), à

realização prosódica, esse significado avaliativo que se estende pelo texto e que

inclui: a coesão avaliativa, a propagação sintática, a avaliação projetiva, a

avaliação prospectiva e retrospectiva. Ele fala na coesão feita a partir da

Avaliatividade que se estende pelo texto, concorrendo em última instância para a

realização da coerência do texto.

Para tanto, apresentamos, a seguir, a noção de Avaliatividade (MARTIN,

2000, 2003) para, depois, trazer a complementação feita a essa noção por Lemke.

2.6 A Avaliatividade (APPRAISAL)

Martin (2000) enfoca a metafunção interpessoal e afirma que, na Linguística

Sistêmico-Funcional (LSF) (HALLIDAY, 1994), o que tende a ser omitido é a

semântica da avaliação – como os interlocutores estão sentindo, os julgamentos que

eles fazem e o valor que eles põem em vários fenômenos de sua experiência. Se

observarmos um diálogo, veremos que ele é muito mais que uma simples troca de

bens & serviços ou de informação, como preconiza a LSF. Assim, precisamos

elaborar sistemas lexicalmente-orientados que tratem também desses elementos,

diz Martin.

O autor examina o léxico avaliativo que expressa à opinião do falante (ou do

escritor) sobre o parâmetro bom/mau. Ele se enquadra na tradição da Linguística

Sistêmico-Funcional (LSF). O sistema de escolhas usado para descrever essa área

de significado potencial é chamado Avaliatividade (APPRAISAL).

(1) É inaceitável que o espírito de competição degenere em mortes.

33

O sistema de Avaliatividade é constituído por três principais sistemas:

(a) ATITUDE, que envolve três subsistemas, a saber:

(i) AFETO, que trata da expressão da emoção (felicidade, medo, etc.);

(ii) JULGAMENTO, que trata da avaliação moral do comportamento

(honestidade, bondade, deslealdade, etc.); e

(iii) APRECIAÇÃO, que trata da avaliação estética (imponência, beleza,

tosco, etc.). E que inclui a AVALIAÇÃO SOCIAL, uma sub-categoria

de APRECIAÇÃO, que se refere à avaliação positiva ou negativa de

produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.

Esses subsistemas se ligam a dois outros:

(b) COMPROMISSO, que trata do grau de compromisso do escritor à

avaliação que expressa, o que é feito através da modalidade e sistemas

relacionados. Em termos amplos, White (2003) que estudou esse

subsistema, distingue entre enunciados heteroglóssicos ou dialógicos

(nos quais se sinaliza uma posição que explicitamente mostra

diversidade de opiniões, com implicação de conflito e luta entre as vozes;

e enunciados monoglóssicos (em que o escritor se posiciona,

construindo a audiência como partilhando a mesma visão de mundo).

(c) GRADAÇÃO, que trata dos recursos para intensificar ou minimizar a força

da avaliação (aumentando ou diminindo) ou o foco da avaliação

(aguçando ou amenizando).

O autor está interessado em mostrar que a avaliação explícita ou implícita

(estes, chamados de tokens de Atitude) é complexa para operar, mas que pode ser

reduzida a um pequeno número de conjuntos básicos de opções: o que parece ser,

a princípio, um grupo variado intratável de itens lexicais, pode ser sistematizado.

34

2.6.1 Lemke e a coesão avaliativa

Lemke (1998) amplia o alcance da Avaliatividade. Os recursos léxico-

gramaticais permitem expressar a atitude do falante não somente em relação ao

interlocutor, mas também em relação ao conteúdo ideacional de suas proposições e

propostas. Lemke acrescenta mais 3 dimensões [significativo, compreensivo e

humorístico] às da modalidade de Halliday (1994) [provável - usual - necessário -

desejável], completando, portanto, sete dimensões.

Lemke apoia-se em Bakhtin (1935), que chamou atenção aos modos pelos

quais uma comunidade social incorpora um grande número de diferentes vozes

discursivas cada qual apresentando características de alguma sub-comunidade de

falantes, e em relação semântica complexa com muitas outras, fenômeno ao qual

Lemke (1995a) chama de 'formações discursivas'. Bakhtin caracteriza essas vozes

discursivas através de pontos de vista, que diferem em seu conteúdo ideológico (ou

ideacional, segundo Lemke) e em sua avaliação 'axiológica' (valor) em relação ao

conteúdo e a outras vozes, fenômeno chamado por ele de 'heteroglossia'.

A abordagem da teoria do registro (GREGORY, 1967; HALLIDAY, 1977)

também pode caracterizar a diferença de vozes em dois textos, através da

frequência de opções no sistema da transitividade. Mas, para caracterizar as

relações 'axiológicas', não basta o apoio do sistema da metafunção interpessoal

(Halliday 1985), segundo Lemke, pois quando falamos não apenas criamos relações

de oferta e demanda, solidariedade e distância, domínio e subordinação, etc. com os

interlocutores, mas também construímos atitudes e avaliações em relação ao nosso

próprio discurso e ao de outros.

Como Martin (1992, p. 553-559) e outros notaram, continua Lemke, as

realizações de significados interpessoais, incluindo modalidades e atitudes, tendem

a ser mais 'prosódicas' que as realizações mais segmentáveis e localizadas dos

significados ideacionais. Podemos interpretar esse fato, dizendo que componentes

redundantes, qualificadores e amplificadores ou restritivos, daquilo que é

funcionalmente uma única avaliação, espalham-se através da oração ou da oração

complexa ou, mesmo, de longos trechos de um texto. Como já disse Hasan (1984,

1989), Como veremos, as avaliações podem se propagar de um elemento a outro da

estrutura, bem como ao longo de cadeias coesivas, mas elas podem também criar

cadeias coesivas. Quando isso acontece, eles se sobrepõem a outros significados

35

avaliativos, e os escritores experientes encontram meios de integrar suavemente os

resultados através de delicadas escolhas lexicais e interdependências gramaticais.

Ficará claro também que as avaliações de proposições e propostas não são

independentes, em longos textos, da avaliação de participantes, processos e

circunstâncias incluídos em proposições e propostas.

Devido à existência de vários tipos de nominalização em certos registros, uma

proposição num ponto do texto pode tornar-se 'condensado' (LEMKE, 1990) como

um participante em outro trecho, e participantes (especialmente nomes abstratos)

podem ser 'expandidos' pelo leitor em proposições implícitas através da referência a

algum intertexto, ou ao co-texto imediato.

Vejamos, a seguir, exemplos da coesão avaliativa.

A co-avaliação, ao longo da mesma dimensão pode criar elos coesivos entre

elementos separados de um texto, elos esses não construídos por meios usuais de

coesão.

Enquanto isso, UM NÚMERO CRESCENTE de políticos republicanos, incluindo Usualidade

Christine Todd Whitman e William Weld, desenvolveram espinhas mais rígidas

consideradas FORA DE MODA entre os republicanos ocidentais da era Bush. Usualidade

Quadro 2 – Coesão avaliativa: Usualidade

A coesão é feita através das duas avaliações de Usualidade. Eles estão em

contraste semântico, embora lexicalmente não sejam antônimos (um número

crescente e fora de moda). O primeiro contribui para a avaliação de

Usualidade/Frequência, e o segundo com Usualidade/Expectabilidade.

2.7 Os marcadores discursivos

Há muita controvérsia a respeito do significado da expressão 'marcadores

discursivos'. Assim, para Taboada (2006), a primeira dificuldade no exame dos MDs

está na definição exata do que são e como chamá-los. Entre os termos usados

estão: marcadores de coerência, MDs, marcadores lexicais, operadores discursivos,

36

conectivos discursivos, conectivos pragmáticos, conectivos sentenciais, instrumentos

sinalizadores de discurso, ou, até mesmo 'particulazinhas incômodas' – criada por

Grimes (1975 apud TABOADA, 2006, p. 572).

Recentemente, Hyland (2005) e Hyland e Tse (2004) estabeleceram uma

forte visão interpessoal do metadiscurso, afirmando que todas as categorias

metadiscursivas são essencialmente interpessoais já que elas precisam levar em

conta o conhecimento do leitor, as experiências textuais e as necessidades de

processamento.

Embora concorde com a posição desses autores, preferi fazer a distinção

funcional entre os marcadores textuais (MMTs) e os interacionais (MMIs), seguindo

Dafouz-Milne (2008), pois essa divisão oferecerá uma variedade de subcategorias

que possibilitarão cobrir as funções pragmáticas dos marcadores metadiscursivos

(MMs) e os instrumentos linguísticos usados para realizar essas funções (DAFOUZ-

MILNE, 2008).

Além disso, para os propósitos de minha análise, resumi as categorias dos

MMs, como está no Quadro 3. Por outro lado, devo esclarecer que na proposta de

Eggins, quando ela se refere a 'conjunções', esse termo inclui os MMs.

MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,

finalmente]

Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]

Expressam relações semânticas

entre trechos do discurso;

indicam posições em uma série e

indicam mudança de tópico.

MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos

resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo,

(ironicamente)]

Expressam posicionamento do

autor e estabelecem a interação.

Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

37

2.8 Coesão e Coerência na Linguística Sistêmico-Funcional

Temos, assim, em mente que a análise da coerência e da coesão no gênero

editorial considera não somente os aspectos sintático-semânticos, mas também os

aspectos pragmáticos, envolvendo, em especial, a noção cognitiva de frame, bem

como o sistema de Avaliatividade (explícita e os tokens de Atitude). Porém, nessa

delicada relação entre o linguístico e o não-linguístico, há momentos em que

precisamos nos ater ao palpável, ao que foi efetivamente produzido no texto.

Nesse sentido, apresento a proposta de Eggins (1994) para a análise da

coerência e da coesão, em que a autora se apoia nessa relação.

Para ela, um texto será:

(i) COESO:

(a) se mantiver os participantes;

(b) se observar seleção lexical adequada; e

(c) se utilizar conjunções para relacionar as orações.

(ii) COERENTE:

(a) em termos culturais, se apresentar estrutura de gênero – com seus

estágios e finalidades; e

(b) situacionais, se respeitar os ditames do Registro – através das variáveis

de Campo, Relações e Modo.

Além disso, Eggins fala em 4 tipos de coesão, dos quais consideraremos 3,

os constantes no Quadro 4, deixando de lado a da Estrutura Conversacional por

motivos óbvios:

38

REFERÊNCIA LEXICAL CONJUNÇÕES

Exofórica (contexto imediato partilhado)

Taxonômica Relação de classe/sub-classe. Ex.: roedor/rato (i) classificação: - co-hiponímia (pneumonia/doença - classe-sub-classe: roedor e rato - contraste: seco/molhado - similaridade: sinônimo (clínica/hospital) - repetição (transfusão/transfusão) (ii) composição: - meronímia: (todo e parte: corpo e artéria) - co-meronímia: (relacionados a um todo: veia e artéria).

Coordenativas

e

Subordinativas

Endofórica (relação no interior do texto):

anafórica catafórica esofórica

Elíptica Comparativa Bridging Locacional Expectativa

Relação previsível entre: i) verbo e agente/paciente (latir/cachorro) ii) processo/participante típico (comer/jantar) iii) processo/lugar típico (transfusão/hospital) iv) item individual/grupo nominal (doador/doador de sangue).

Quadro 4 - Tipos de coesão

E, para ilustrar os tipos de coesão, ela traz a proposta da Cadeia de

Referência (MARTIN, 1992, p. 140), como mostro a seguir.

39

2.8.1 Cadeia de Referência

Quadro 5 – Exemplo de Cadeia de Referência utilizada em trecho do editorial

A cadeia de referência, ao rastrear os itens lexicais pelo texto, mostra se ele é

coeso, isto é, se os elementos se unem por todo o texto, através da referência, do

léxico e das conjunções, de maneira contínua, respeitando, assim, a Progressão

Temática. Diz Hoey (1991) que o parágrafo em que a cadeia não detectar o

elemento que rastreia deve ser deixado de lado porque não contribui para a coesão

(e por extensão para a coerência) do texto.

Resumindo os itens do apoio teórico, vimos, até aqui, o seguinte:

40

Importância do Contexto (Frame)

UNIDADE DE TEXTO

Contexto cultural:

Gênero (Editorial)

COERÊNCIA

Martin

Gênero Estágios/Finalidade

Agar & Hobbs

Global Local

Temática

Contexto situacional:

Registro (Campo-Relações-

Modo)

COESÃO

Eggins/Martin

Referência/Lexical/Conjunção Cadeia de Referência

Martin/Lemke

Coesão avaliativa

Quadro 6 - Resumo das teorias de apoio

3. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de caso em termos de Holloway (1997). Assim, o

presente estudo, que examina a coesão e a coerência em editorial de jornal, tem

limites claros, efetivados por perguntas de pesquisa, fornecimento da fonte dos

dados usados, o contexto e as pessoas envolvidas. Além disso, tenho familiaridade

com a questão em foco e conheço o contexto anterior a esta pesquisa, mas sinto a

necessidade de uma investigação mais a fundo e com embasamento teórico

adequado. Como afirma Holloway, o estudo de caso não exige uma metodologia

específica para a coleta de dados e sua análise: o pesquisador categoriza,

desenvolve tipologias e temas, generalizando ideias teóricas.

3.1. Dados

Foram coletados, inicialmente, 30 editoriais referentes aos meses de abril a

setembro/2010, publicados no jornal Folha de S.Paulo (FSP), para ter uma visão

geral da realidade neles estampada, uma vez que procurava examinar textos cujo

conteúdo se relacionasse com a realidade de meus alunos. Porém, diante das

perguntas de pesquisa desta dissertação - (i) Como se realizam a coerência e a

coesão nos editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-gramaticais

realizam a coerência e a coesão em um editorial de jornal? - que não exigem esse

41

tipo de preocupação, decidi-me por abandonar essa ideia e escolher três editoriais

de maneira aleatória. O número de três foi-me sugerido pela banca de Qualificação,

já que cada texto envolve uma análise minuciosa que acabava ultrapassando o

espaço que dela se espera. Assim, selecionei os seguintes:

Data Título

1 04.4.10 "A lista infame" – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de

morte nos regimes mais autoritários do planeta

2 18.4.10 "Falta rigor" – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos

legislativos mais severos de controle e punição

3 18.6.10 "Presos monitorados"

Quadro 7 – Editoriais selecionados para análise.

A FSP jornal tem uma tiragem média que varia entre 301.2436 e 294.4987 mil

de exemplares diários. Os editoriais ocupam a segunda página do jornal,

usualmente em número de dois a três editoriais. Fomos informados que cerca de 12

pessoas discutem a matéria, e dentre eles dois se encarregam da redação.

3.2 Procedimentos de análise

A análise de cada editorial deverá seguir as seguintes que menciono mais

abaixo com o fim de responder às perguntas de pesquisa: (i) Como se realizam a

coerência e a coesão nos editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-

gramaticais realizam a coerência e a coesão em um editorial de jornal?

Antes, revendo o apoio teórico, tenho as seguintes teorias que embasaram as

análises, conforme o Quadro 8.

6Fonte: Instituto Verificador de Circulação (IVC), no ranking de dezembro/2010 dos jornais mais vendidos do país, a “Folha de São Paulo” manteve-se no topo, com circulação média diária de 301.243. 7 Boletim: Meio & Mensagem de 24.01.11, “depois de 24 anos de hegemonia absoluta, o jornal Folha de São Paulo, que tinha uma tiragem de 294.498 exemplares diárias perdeu a liderança de maior periódico em circulação no país para o jornal Super Notícia de BH, que lidera o ranking de maior circulação em 2010 com média por edição de 295.701

42

COERÊNCIA

Gênero Estágios e Finalidades

Registro Campo - Relação – Modo

Coerência Tripártite Global - Local - Temática

COESÃO

Manutenção de participantes Seleção lexical Conjunção

Notemos que os tipos de coesão propostos por Eggins (de referência, lexical e por conjunção) correspondem exatamente às condições de coesão alistadas ao lado.

Coesão avaliativa (MARTIN/LEMKE)

Cadeia de Referência (MARTIN/EGGINS)

Quadro 8 - As categorias de análise

Lembremo-nos de que, para Eggins (1994), um texto coerente, assim o será

em termos culturais, se apresentar estrutura de gênero – com seus estágios e

finalidades; e situacionais, se respeitar os ditames do registro – através das

variáveis de Campo (assunto), Relações (os interlocutores) e Modo (linguagem).

Além disso, examino a natureza tripártite da coerência (Agar; Hobbs 1982). Por isso,

verifiquei:

(a) Exame da coerência, por meio de

(i) gênero: caracterização dos estágios e finalidades do editorial;

(ii) registro: exame elementos de Campo, Relações e Modo;

(iii) coerência tripártite: verificação da coerência global, local e de

tema.

(b) Exame da coesão, por meio de:

(i) a manutenção dos participantes;

(ii) a seleção lexical;

(iii) as conjunções.

Feito isso, verifiquei a coesão avaliativa e desenhei a Cadeia de Referência

para cada editorial analisado.

43

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Análise do editorial "Lista Infame"

Inicio a análise com o texto "Lista infame", que apresento a seguir, na íntegra.

A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos

regimes mais autoritários do planeta

Folha de São Paulo (04.4.10) Editorial (444 pals.)

“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”. Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de cada país. Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004. É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969. Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa. O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo. Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao espetáculo. Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China – mas a Anistia Internacional, que assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, naquele país, soma-se à repressão. São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas. Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”, que os Estados Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, com efeito, de obscurantismo e violência. Quadro 9 – Texto: A lista infame, na íntegra

Inicio a análise da coerência, examinando, como já foi dito acima, o Gênero

"editorial" nos seus (a) Estágios e Finalidade; (b) o Registro, envolvendo Campo,

Relações e Modo, e finalmente a Coerência Tripártite.

44

4.1 Análise da coerência

4.1.1 Gênero editorial: Estágios e finalidade

A coerência depende, em parte, do preenchimento dos estágios do gênero -

no caso, um editorial - por meio de elementos que esclareçam as finalidades de

cada estágio, para, na soma, fazer sentido em relação ao que se propõe no título. O

gênero editorial é um discurso argumentativo que apresenta uma Situação em que

se situa um Problema, e se propõe uma Solução, em favor da qual se colocam os

Argumentos. Nem sempre esses elementos vêm nessa ordem, e nem de maneira

explícita, já que muito fica por conta do conhecimento de mundo (frame) do leitor,

em geral, já "formatado" ou "catequizado" pela exposição diária a que se submete

aos pontos de vista do jornal ou de outro meio comunicativo.

Estágios

Finalidade

A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta

Folha de São Paulo (04.4.10)

Editorial (444 pals.)

Título

(1) “ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”.

Situação 1

(2) Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de cada país.

Situação 2

(3) Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da legislação. Em 1986, eram menos de cinquenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004.

Situação 3

(4) É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.

Situação 4

(5) Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais.

Situação 5

45

(6)Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa.

Problema

(7) O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo.

Argumento 1 (interesse do Estado)

(8) Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao espetáculo.

Argumento 2 (idem no Irã)

(9) Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China – mas a Anistia Internacional, que assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, naquele país, soma-se à repressão.

Argumento 3 (idem na China)

(10) São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas.

(Argumento 4 (idem em outros países)

(11) Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”, que os Estados Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, com efeito, de obscurantismo e violência.

Argumento 5 (idem nos EUA)

Quadro 10 - Análise dos estágios e das finalidades do gênero

Discussão: O editorial está dividido em 11 estágios, dos quais 5 descrevem a

Situação

de pena de morte, referida como "ofensa à humanidade". No estágio 6, é

introduzido o Problema, na realidade um duplo problema: uma "abjeção política",

não apenas ineficaz no combate à criminalidade, mas também o fato de entregar "ao

Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados

interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa". Os

estágios de 7 a 11 mostram como, de fato, em vários países, as execuções

humanas envolvem interesses escusos do Estado.

Portanto, os estágios integrantes de uma argumentação (referidos no apoio

teórico), estão presentes: a Situação, que apresenta o Problema (a ineficácia da

pena de morte no combate à criminalidade além da vinculação a interesses políticos

escusos) e os Argumentos (mostrando o império desses interesses em vários

países, até de países que se auto-proclamam em favor dos direitos humanos, todos

vinculados a questões de natureza política e não humanitária). O texto não

apresenta explicitamente uma Solução, mas esta decorre da argumentação

46

sugerindo que a pena de morte não é, definitivamente, a solução para a erradicação

da criminalidade.

4.1.2 Registro: exame dos elementos de Campo, Relações e Modo

Complementando o papel do gênero na coerência de um texto, o Registro

deve, através de suas variáveis, desenvolver o tópico proposto pelo editorial,

considerando a interação com os leitores, em um formato de estrutura e de

linguagem exigidos por esse gênero.

Campo: trata de uma lista de países que adotam a pena de morte, não para

combater a criminalidade, mas sim por simples interesses políticos de Estado. O

Editorial faz avaliações negativas dos países que adotam a pena de morte ainda em

plena época contemporânea, principalmente os Estados Unidos que “implicitamente

faz declarações” a favor da lei dos direitos humanos.

Relações: os participantes da interação são os editorialistas e os leitores da FSP.

Os editorialistas são aqueles que na construção do texto, se alinham indiretamente

com os leitores, uma vez que já prevêem a informação esperada pelo seu público-

alvo, alcançando dessa forma a interação na compreensão do texto. Os leitores são

aqueles que estão expostos às opiniões do editorial. O objetivo do editorial pode ser

o de munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para

criar o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia tem sua função no editorial, na

medida em que, como parte de suas funções, atinge e confirma interesses,

preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é, nas palavras de

Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que é uma

interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.

Modo: A linguagem escrita é formal, assim relaciona-se às exigências do gênero

editorial de jornal, as escolhas léxico-gramáticais contribuem para dar coerência e

coesão na construção do texto. A noção de “idioma público”, de Stuart Hall (1978

apud Fowler 1991, p. 48), deve ser mencionada aqui: “A linguagem empregada será

a versão do jornal da linguagem do público para quem é endereçada”. Padrões de

47

vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam preocupações

especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe analisa ações e

estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas responsabilidade;

afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações. Se o leitor do

jornal julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba

considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um “senso comum” e a

aceita.

4.1.3 Análise da coerência tripártite

A coerência também pode ser considerada como sendo constituída de três

partes, segundo Agar e Hobbs (1982). Consideremos, então, o título do editorial: "A

lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte

nos regimes mais autoritários do planeta", e vejamos como os estágios se

relacionam com esse título em termos da coerência global (que assinalo em negrito

no texto) [lembrando que a coerência global refere-se à relação do enunciado com o

plano geral do texto]. Os colchetes referem-se à coesão local [lembrando que esta

se refere ao que o falante tenta efetivar no texto, explicando, justificando]. Os termos

que concorrem para a efetivação da coerência temática [ou progressão temática]

estão sublinhados.

48

Quadro 11 - Análise da coerência tripártite.

A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta

Folha de São Paulo (04.4.10)

Editorial (444 pals.)

“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, [diz o secretário-geral interino da Anistia

Internacional, Cláudio Cordone,] “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”.

[Referia-se à pena de morte.] Os dados do último relatório da entidade, [divulgados nesta semana],

autorizam algum otimismo em termos globais, [ainda que provoquem sentimentos opostos quando o

observador se aproxima da realidade de cada país].

Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da

legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de

países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, [naquele ano], para 117

em 2004.

É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, [não sem alguma hesitação

conceitual]. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a

pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.

Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no

Brasil, e constam do noticiário cotidiano, [como é notório], os exemplos extrajudiciais.

Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no

combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado,

[instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses], o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa.

O relatório da Anistia Internacional demonstra, [aliás], de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo.

Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue.

Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as

eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que [sem dúvida] indica o papel de intimidação que

se quis associar ao espetáculo].

Os números do Irã só são suplantados, [estima-se], pelos da China – mas a Anistia Internacional, [que

assinalara 1.718 execuções em 2008], desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de

Estado, [naquele país], soma-se à repressão.

São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo [outros países]

que se destacaram no relatório: [Sudão, Iêmen e Arábia Saudita] estão entre os líderes em execuções

humanas.

Não deixa de ser irônico, [para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”], que os Estados

Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser

antípodas, [com efeito], de obscurantismo e violência.

49

Pode-se ver que todos os estágios acima referem-se ao tema 'lista infame de

países que aplicam a pena de morte por motivos de interesse político'. Nesse

sentido, o texto é coerente em termos globais.

Quanto à coerência local, indicada entre colchetes no texto, referem-se às

sub-metas, menos relacionadas com coisas que o autor tenta efetivar no mundo, do

que com coisas que ele tenta efetivar no texto, algo como dizer "o que aconteceu

depois", ou elaborar o que acabou de expor. Também, aqui, o editorial apresenta

uma série de elementos que ajudam a localizar e a entender a informação, bem

como a perceber a intenção do editorialista [que veremos com maior detalhe na

análise da coesão avaliativa].

Por fim, verifiquei a coerência temática, sublinhada no texto, e que se refere a

trechos de conteúdo - vamos chamá-los de temas - que aparecem repetidamente.

Essa questão, mais voltada à coesão, segundo Eggins, será mais bem examinada

em ocasião própria.

4.2 Análise da coesão

Examino aqui os elementos que, segundo Eggins, propiciam a coesão textual:

manutenção dos participantes; seleção lexical; conjunção (hoje, incluídos nos

marcadores discursivos). Termino fazendo a análise da coesão avaliativa e traço a

Cadeia de Referência dos textos.

4.2.1 A manutenção dos participantes

Inicio com a indicação da manutenção dos participantes, sublinhando cada

item que a sinaliza, enumerando-o, da seguinte forma: (1) lista infame - Relatório da

Anistia Internacional - (2) pena de morte - (3) regime autoritário e classificando-o,

segundo o Quadro 11, que repito como lembrete.

50

REFERÊNCIA LEXICAL CONJUNÇÕESExofórica (contexto imediato partilhado)

Taxonômica Relação de classe/sub-classe. Ex.: roedor/rato (i) classificação: - co-hiponímia (pneumonia/doença - classe-sub-classe: roedor e rato - contraste: seco/molhado - similaridade: sinônimo (clínica/hospital) - repetição (transfusão/transfusão) (ii) composição: - meronímia: (todo e parte: corpo e artéria) - co-meronímia: (relacionados a um todo: veia e artéria).

Endofórica (relação no interior do texto):

anafórica catafórica esofórica

Elíptica Comparativa Bridging Locacional Expectativa

Relação predizível entre: i) verbo e agente/paciente (latir/cachorro) ii) processo/participante típico (comer/jantar) iii) processo/lugar típico (transfusão/hospital) iv) item individual/grupo nominal (doador/doador de sangue).

Quadro 12 - Tipos de coesão

Os participantes desse editorial examinados aqui são: (i) a pena de morte; (ii)

os países que admitem o uso dessa pena; e (iii) a finalidade escusa (em geral,

política) nessa aplicação. Para essa análise, divido o texto em 3 partes, conforme foi

deduzido na análise dos estágios de gênero: (a) Situação; (b) Problema; e (c)

Argumentos. A manutenção dos participantes garante a coesão textual, segundo

Eggins. Sigo o seguinte código para apontar a manutenção desses três elementos:

(i) pena de morte infame: negrito

(ii) países que não aceitam a pena de morte: sublinhado

(iii) finalidade escusa: itálico

(iv) países que usam a pena de morte para fins escusos:

[colchetes]

A LISTA INFAME – RELATÓRIO DA ANISTIA INTERNACIONAL MOSTRA PRESENÇA DA PENA DE MORTE NOS REGIMES MAIS AUTORITÁRIOS DO PLANETA

Folha de S.Paulo (4.4.10) Editorial (444 pals.)

ESTÁGIO: (a) SITUAÇÃO

“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia similaridade Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”. co-hiponímia

51

Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta similaridade processo semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos processo quando o observador se aproxima da realidade de cada país. Discussão

A coesão, aqui, é feita da seguinte forma: "ofensa à humanidade" envolve por co-hiponímia: "escravidão e apartheid" e "pena de morte" coesos por similaridade. Todos eles já apresentados no título. Por outro lado, "dados do relatório" e "termos globais" referem-se à pena de morte por expectativa de processo, já que há uma pesquisa em pauta. Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da exp.processo repetição legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de similaridade similaridade Países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 similaridade anáfora anáfora similaridade similaridade similaridade em 2004. Discussão A coesão com trecho anterior é feito pela repetição de "pena capital", e pelas anáforas "a" e "a", referindo-se a pena de morte. Mas o tópico aqui é o "número de nações" que aboliram essa penalidade, iniciando-se por "95", que apresenta coesão por expectativa de processo, já que esses números decorrem de um processo de pesquisa, lembrado por "outros levantamentos", por similaridade. Lembremo-nos de que essa questão já é apresentada no título. A partir daí, vários números, envolvendo diminuição e aumento desse número, relacionam-se por coesão de similaridade. É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação anáfora repetição hiponímia conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena repetição de morte. [Ela] Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969. elipse anáfora Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, similaridade repetição e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. elipse similaridade Discussão "Nesta" dá continuidade ao tópico iniciado no trecho anterior por anáfora, seguido por "países"

52

por repetição e "Brasil" por hiponímia em relação a "países". Continua-se falando em "pena de morte", mantida pela elipse "ela" e pela anáfora "sua", além de "execução" (similaridade). Todo esse processo estabelece a coesão do texto, mantendo os participantes "países" e "pena de morte".

ESTÁGIO: (b) PROBLEMA

Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz repetição no combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, similaridade similaridade instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir hiperonímia similaridade irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa. contraste O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de repetição repetição morte se combinam no mundo contemporâneo. Discussão Continua-se a falar de "pena de morte" (repetição), mas para introduzir novo tópico, a "abjeção política" - já inferível pelo título que anuncia uma "lista infame", portanto, coesão por similaridade. Também por similaridade, "Estado" já é anunciado no título como "regime" (similaridade), ambos co-hiperônimos de "instituição humana". "Interesses" retoma por similaridade "abjeção política" e "morte" relaciona-se com "vida" por contraste. Como se vê, um trecho bem escrito, amarra todos os participantes por meio de vários recursos de coesão. O último trecho, resume a argumentação, relacionando "interesses de Estado" (repetição) com "pena de morte" (repetição).

ESTÁGIO: (c) ARGUMENTOS Com 388 execuções, o [Irã] é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. similaridade co-hiponímia similaridade Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições repetição e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis similaridade associar ao espetáculo. similaridade Discussão Inicia-se a apresentação de evidências para comprovar a tese. A "pena de morte" apresenta-se aqui por meio de similaridades e de repetições, relacionando-se com a "intimidação" que traz à mente "interesses abjetos" por similaridade, finalmente o Irã é citado como um país que lança

53

mão da pena de morte para fins de interesse do Estado. Os números do [Irã] só são suplantados, estima-se, pelos da [China] – mas a Anistia Internacional, que expect. processo repetição hiponímia assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de similaridade expect.processo similaridade Estado, [naquele país], soma-se à repressão. similaridade Discussão As evidências são apresentadas por meio de "números" e "cifras" que remontam para o relatório, um processo de pesquisa. Além de "Irã" (repetição), cita-se também a "China" (hipônimo de "países", que além da penalidade máxima, ainda praticam o "sigilo de Estado" e a "repressão", relacionados à pena de morte. São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países catáfora que se destacaram no relatório: [Sudão], [Iêmen] e [Arábia Saudita] estão entre os líderes em hipônimos execuções humanas. similaridade Discussão O trecho dá continuidade à apresentação de evidências de regimes que se utilizam da "pena de morte" para fins de interesses "atrasados, fundamentalistas e repressivos", citando outros países (catáfora): Sudão, Iêmen e Arábia Saudita. Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das *civilizações”, que os Estados Unidos hiponímia também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, anáfora com efeito, de obscurantismo e violência. Discussão Finalmente, como a evidência maior da tese do editorial, surgem os Estados Unidos como mais um regime - aparentemente "democrático" e "civilizado" - que não escapa ao "obscurantismo" e à "violência". Quadro 13 – A manutenção dos participantes

54

Discussão

O editorial que foi analisado é coeso, pois desde o título - a sua

superestrutura (Van DIJK 1992), que deve ser o resumo máximo de um texto -

estabelece os participantes sobre os quais gira a mensagem. São eles: a pena de

morte, os países que a aboliram, os países que ainda a utilizam e a finalidade

escusa a que essa pena serve nesses países.

Notemos, que esses participantes têm lugar em todos os parágrafos a partir

daquele em que se anuncia sua presença, por meio de vários recursos de coesão, o

que envolve uma grande riqueza de escolhas lexicais. Dessa forma, esses

participantes são mantidos, conforme nota Eggins (1994), por todo o texto, o que

facilita ao leitor não somente compreender a mensagem do editorial, mas também e,

por isso mesmo, acompanhar com facilidade a sua leitura. É nesse ponto em que a

coesão contribui para atribuir coerência ao texto.

Por outro lado, um texto assim "amarrado", forma como que uma "teia"

persuasiva, da qual é difícil escapar. São assim creio, os bons textos, aqueles que

desenvolvem uma argumentação eficiente e efetiva.

4.2.1.1 Cadeia de Referência

Vamos rastrear a manutenção dos participantes:

(1) lista infame; (2) pena de morte e (3) países do planeta, conforme teoria da

Cadeia de Referência de Eggins (1994), com base em Martin (1992, p. 140), para verificação da coesão.

55

Quadro 14 – Texto: A lista infame – Cadeia de Referência

56

4.2.2 Seleção Lexical

A análise da seleção lexical decorre da análise da manutenção dos

participantes. O que se examina aqui são os termos relacionados ao tópico "modo

interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo" que

efetivam essa manutenção. Assim, esses termos para promoverem a coesão do

editorial precisam estar de acordo com a seriedade que se pretende do assunto, e

também com a expectativa do leitor a que se destina, fatores importantes para a

promoção da coerência em editorial da Folha de S. Paulo.

Portanto, eles terão de respeitar as variáveis de Registro: Campo, tratando do

tópico proposto no título; Relações: cumprindo, através da consideração dos ditames

exigidos pelo gênero editorial e da interação com os leitores da Folha de S.Paulo;

Modo: com o respeito às exigências formais do gênero, bem como uma linguagem

que organizem as metas referentes a Campo e Relações.

A análise mostra a riqueza de linguagem que recorre a escolhas lexicais de

similaridade, como em, ‘escravidão e apartheid’, ‘nações’ e ‘países’, ‘pena capital’ e

‘pena de morte, ‘abolida’ e‘suprime’, ‘levantamentos’ similaridade de ‘dados’.

Note-se também o uso de termos que exigem conhecimento do assunto por

parte do leitor, tais como, "Relatório da Anistia Internacional", "apartheid", citação de

nomes de países fundamentalistas na mente do leitor, bem como de países como os

EUA, que apregoam os direitos humanos (fora do seu território) ou do Brasil (onde a

lei e a realidade não condizem).

Finalmente, podemos verificar a sintaxe desse texto - que se costuma chamar

de "sintaxe madura" (veja exemplo a seguir) – com várias nominalizações

['escravidão', 'humanidade', 'relatório', 'otimismo', 'sentimentos', 'observador',

'realidade'], orações subordinadas com inversões e intercalações (sublinho no texto),

construída por escolhas lexicais adequadas à formalidade exigida por um editorial

desse jornal.

57

“ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral

interino da Anistia Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa

ofensa à humanidade”.

Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade,

divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que

provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de

cada país. Quadro 15 - Exemplo de sintaxe utilizada em trecho do editorial

4.2.3 Conjunção

Como "conjunção", refiro-me não só às conjunções tradicionalmente

conhecidas - coordenativas e subordinativas -, mas também a outros elementos

conhecidos como "marcadores metadiscursivos". São elementos que, à semelhança

das conjunções, guiam o leitor através do texto. Como vimos, eles estão divididos

em textuais (MMT) e interpessoas (MMI), mas na medida em que ambos se

relacionam com o leitor nessa orientação textual, pode-se considerá-los todos

interpessoais. Veja, Quadro 3, repetido para facilitar o acompanhamento da análise:

MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,

finalmente] Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]

Expressam relações semânticas entre trechos do discurso; indicam posições em uma série e indicam mudança de tópico.

MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo, (ironicamente)]

Expressam posicionamento do autor e estabelecem a interação.

Quadro 16 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

Por uma questão de evitar muita repetição, analiso um trecho do editorial para

mostrar como os marcadores usados, ajudam a efetivar a coerência e a coesão

dentro de trecho, como o que se segue (coloco [T] para MMtextual e [I] para MMI):

É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação Sequenciador [T] Marc.Lógico [T] Epistêmico [I] Comentário [I]

conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a Comentário [I] Marc.Lógico [T]

pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.

58

Marc.Lóg. [T]

Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Topicalizador [I] Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. Marc.lóg. [T] Comentário [I]

Quadro 17 - Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

4.3 A Avaliatividade e a coesão avaliativa

Apresento a seguir a análise da avaliação do editorial, para indicar a coesão

que é feita por meio da Avaliatividade que perpassa o texto, a prosódia avaliativa

(também chamada de "logogênese" - construção dinâmica do significado conforme o

texto se desenvolve) (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999).

Indico com (+) a Avaliatividade positiva e com (-) a Avaliatividade negativa.

A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais

autoritários do planeta Folha de S. Paulo (04.4.10)

Editorial (444 pals.) “ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid”, diz o secretário-geral interino da Anistia Avaliação social (-) Idem Internacional, Cláudio Cordone, “o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade”. Avaliação social (-) Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, Aval.Soc.(-) autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o Avaliação Social (-) observador se aproxima da realidade de cada país. Aval. Soc. (-)

Discussão: A coesão é feita através de ocorrências de Avaliação Social (-). Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da Avaliação Social (+) legislação. Em 1986, eram menos de cinqüenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países Avaliação Social (+) que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004.

59

Discussão: A coesão é feita através de Avaliação Social (+). É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Avaliação Social (-) Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Avaliação Social (-) Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969. Avaliação Social (-) Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais. Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (-). Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no Avaliação social (-) Avaliação Social (-) combate à criminalidade, trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, Avaliação social (-) instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir Avaliação social (-) Avaliação Social (-) irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte Avaliação Social (-) se combinam no mundo contemporâneo. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das duas ocorrências de Avaliação Social (-). Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Avaliação Social (-) Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao Avaliação Social (-) espetáculo. Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (-).

60

Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China – mas a Anistia Internacional, que Avaliação Social (-) assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) naquele país, soma-se à repressão. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se Avaliação Social (-) destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas. Avaliação Social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do “choque das civilizações”, que os Estados Unidos Avaliação social (-) também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, Avaliação Social (-) com efeito, de obscurantismo e violência. Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Quadro 18 – Coesão avaliativa (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999)

Discussão

A análise da Avaliatividade mostra que a coesão de um texto depende

também da continuidade de uma avaliação. Poder-se-ia dizer que a coesão e a

coerência se cruzam quando a mesma avaliação perdura por trechos de texto. Um

texto em que ora se diz favorável ora desfavorável a um mesmo fato, revelaria falta

de coerência do autor e, com isso, a argumentação seria prejudicada.

O que se pode concluir depois de feita a análise é que o editorial "A lista

infame" é um texto coeso e coerente sob vários aspectos, seja de gênero, seja de

registro. E o que vimos foi o texto passar ileso por todos os testes por que passou, já

que está solidamente construído.

61

NOTA: As análises dos editoriais “Falta Rigor" e "Presos monitorados” foram

colocados nos anexos, a fim de evitar a extensão um tanto repetitiva do capítulo de

análise.

62

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o término dessa dissertação, pude perceber a relevância que as teorias

da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday (1985; 1994) e de seus

colaboradores têm para a análise da construção da coesão e coerência dos textos

pertencentes ao gênero editorial.

Estou convicta de que os resultados da análise responderam às questões que

foram à finalidade dessa pesquisa: (i) Como se realizam a coerência e a coesão nos

editoriais de jornal examinados? (ii) Que escolhas léxico-gramaticais realizam a

coerência e a coesão em um editorial de jornal?

Com relação à primeira pergunta, as análises dos três editorias (por falta de

espaço, dois deles fazem parte dos anexos) mostraram que a coesão foi construída

de diversos tipos, como: coesão referencial – exofórica e endofórica – anáfora,

catáfora, esófora, elíptica, comparativa, bridging e locacional; coesão lexical – por

classificação – hiponímia, contraste, similaridade, – por composição – meronímia e

co-meronímia, por expectativa e por marcadores lógicos. Já a coerência foi obtida

por: coerência tripártite – global, local e temática –; estágios de gênero e frame do

leitor.

Com relação à segunda pergunta de pesquisa, referentes às escolhas

lexicais, a análise mostrou que é feita de acordo com o contexto cultural, que

considera o gênero, e o contexto situacional, que considera o registro, de modo a

revelar avaliação implícita e explícita expandidas pelo leitor através de tokens de

atitude.

Com embasamento e apreensão desses pressupostos teóricos, pude mediar

e orientar o processo de aprendizagem dos meus alunos do Curso Regular do

Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino, de forma mais assertiva com relação às

dúvidas pertinentes aos mecanismos de coerência e coesão, durante a produção e

análise de texto argumentativo dissertativo. Essa tipologia textual é uma das mais

requisitadas durante o processo de ensino-aprendizagem no Curso do Ensino Médio

e também pelos órgãos oficiais de avaliação externa como, por exemplo, no

SARESP/ENEM e demais vestibulares dos centros universitários.

Cereja & Magalhães (2003) afirmam que os exames vestibulares do país

solicitam aos candidatos a produção de textos dissertativos, mas, na verdade, pela

natureza polêmica dos temas, quase sempre o que se espera do candidato é que

63

ele produza um texto argumentativo ou dissertativo-argumentativo, i.e., um texto em

que o autor analise e discuta um problema da realidade, defenda seu ponto de vista

e, às vezes, proponha soluções.

Sendo assim, para ajudar a sanar as dificuldades dos alunos, coloquei em

prática as teorias estudadas, a saber: a teoria de Eggins (1994), que aborda os

quatro tipos de coesão – referencial, lexical, conjunção e estrutura conversacional -

considerados mecanismos primordiais para obtenção da coerência textual; a de

Minsky (1975), que trata do frame (conhecimento de mundo), considerado outro

mecanismo responsável para dar coerência ao texto; a teoria da natureza tripártite

da coerência de Agar & Hobbs (1982), que trata dos três tipos de coerência: global,

local e temática, relevantes para compreensão textual; a teoria dos marcadores

metadiscursivos textuais e interpessoais de Dafouz-Milne (2008), mecanismos de

construção textual, que auxiliam nas relações semânticas e mostram o

posicionamento do autor.

As análises dos editoriais mostraram claramente a utilização desses elementos

como uma forma de garantia da coesão e coerência na construção desses editoriais.

A análise deixa evidente também que através das escolhas léxico-gramaticais

dos participantes e da cadeia de referência de Eggins (1994) é possível tornar a

produção de um texto mais “claro” – coeso e coerente –, uma vez que os

participantes devem ser retomados em cada estágio da construção textual.

Outra contribuição relevante para a construção da coerência desse gênero foi a

coesão avaliativa, conhecida também como realização prosódica (LEMKE, 1998), a

qual revelou que tanto a avaliação social positiva quanto a negativa permearam por

toda a logogênese dos editoriais. Percebi, pela análise das escolhas léxico-

gramaticais, a construção do significado atitudinal do editorial ao longo do discurso,

realizada através de avaliações implícitas, recurso de não comprometimento com as

informações transmitidas aos leitores.

Os estudos com embasamentos nos pressupostos teóricos e metodológicos

da LSF foram de suma importância para análise dos editoriais, uma vez que abriram

caminhos tanto para uma análise mais detalhada como também uma reflexão dos

mecanismos de Coesão e Coerência em Editorial de Jornal. Ao longo da pesquisa,

surgiram vários questionamentos que, paulatinamente, foram resultando em

reformulação de minhas ações pedagógicas e ampliação da visão de mundo (um

novo olhar para a problemática social – dificuldades dos alunos no processo de

64

comunicação escrita, em especial aos mecanismos de coerência e coesão.

Constatei, assim, que a LSF além de oferecer um aporte teórico aos docentes para

ministrar aulas de qualidade, também torna possível dar voz aos discentes, uma vez

que estes conseguem ter uma compreensão mais ampla e crítica, dialogando com o

texto, deixando a posição de meros produtores/leitores passivos (leigos) para

produtores/leitores ativos (críticos). Assim, sua participação das práticas sociais se

dá de forma mais efetiva. Puderam compreender que não há discurso neutro, que

todo discurso é ideológico, e que ao lerem qualquer texto, não se faz necessário

aceitar como verdade una, e isso foi permitido pela análise detalhada dos elementos

da micro e macro estrutura do texto, dentro da perspectiva da LSF.

A partir dessa constatação, agora posso dizer, com mais segurança, que

tenho mais instrumentos eficazes para ajudar os alunos a superar desafios na leitura

crítica de editoriais de jornal bem como na utilização desses mecanismos para uma

produção textual coesa e coerente, uma vez que leitura e produção textual estão

intrinsecamente interligadas.

Percebi a relevância da teoria da LSF no processo ensino-aprendizagem

como uma teoria que considera aspectos do contexto social, cultural e situacional –

imediato, que se situam as problemáticas sociais, as relações interpessoais do

mundo real, que transcendem a própria linguagem. Portanto considero, pelos

resultados obtidos, que as abordagens teóricas e metodológicas da LSF são

instrumentos poderosos para a compreensão do discurso como uma ação social que

deve ser desvelada.

65

REFERÊNCIAS

ABREU, Antônio Suarez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 09 ed.

Cotia, SP: Ateliê, 2006.

AGAR, Michael & Jerry R. HOBBS, 1982. Interpreting Discourse: Coherence and the

Analysis of Ethnographic Interviews. Discourse Processes 5 (1-32)

BAKHTIN, Makhail, 1997. Estética da Criação Verbal. SP: Martins Fontes

BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance (1934-35). In: Questões de Literatura e

de Estética: a teoria do romance. 4a ed. São Paulo: Unesp, 1998, p. 71-164.

BARTLETT, F.C. 1932. Remembering: A Study in Experimental and Social

Psychology. Cambridge University Press. p.197

BEAUGRANDE, R. de e DRESSLER, W. ,1981. Introduction to text linguistics.

Londres: Longman. p.3-4

BEDNAREK, Monika A. 2005. Frames revisited - the coherence-inducing function of

frames. Journal of Pragmatics 37.5 (685-706).

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.

Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 1999.

BROWN, G. e YULE, G. 1983. Discourse analysis. Cambridge: Cambridge University

Press. p. 66

BUBLITZ, W. 1999. Views of coherence. Pragmatics & beyond, v.63, p.1

BUBLITZ, W. e LENK, U. 1999. Disturbed coherence: ‘Fill me in’. Pragmatics &

beyond, v. 63, p.153-174.

BUNDGAARD, Peer F. PrincipIes of linguistic composition below and beyond the

clause - Elements of semantic combinatorial system. Pragmatics & Cognition 14.3

(501-525), 2006.

BUSSMANN, Hadumod. Dictionary of Language and Linguistics. Londres:

Routledge, 1996.

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens.

São Paulo: Atual, 2003.

CORNISH, Francis. Anaphora, Discourse, and Understanding. New York: Oxford

University Press, 1999.

CORNISH, Francis, 2003. The roles of written) text and anaphor-type distribution in

the construction of discourse. Text 23(1) (1-26)

66

COURNOT, A. A. (1851), An Essay on the Foundations of our Knowledge (Trans. M.

H. Moore). New York: Liberal Arts Press, 1956. p. 364

DAFOUZ-MILNE, Emma. The pragmatic role of textual and interpersonal

metadiscourse markers in the construction and attainment of persuasion: a

crosslinguistic study of newspaper discourse. Journal of Pragmatics, v. 40, p.95-113,

2008.

EEMREN, F. H. V. 1997. Strategic maneuvering. Proceedings of the tenth NCA/AFA

Conference on Argumentation, Alta, Utah. Annandale, VA: National Communication

Association: 51-56.

EGGINS, S. An Introduction to systemic functional Linguistics. London: Pinter, 1994.

EMMOTT, S. J. Information Superhighways. San Diego: Academy Press, 1995. p.

84-86.

FILLMORE, Charles J. Frame semantics. In: Linguistics in the Morning Calm. The

Linguistic Society of Korea. Soeul: Hanshin Publishing Co., 1982.

FOWLER, R. Language in the news. Londres: Routledge, 1991.

GOFFMAN, E. 1974. Frame analysis – An Essay in the Organization of Experience.

Boston: Northeastern Press.

GOFFMAN, E. 1981. Footing (trad. De Beatriz Fontana, a partir de texto original do

periódico especializado Semiotica, n.5, p.1-29, de 1929 (Mouton de Gruyter)). In: B.

T. Ribeiro, e P. M. Garcez (eds.) Sociolingüística Interacional. Porto Alegre: AGE

Editora.

GREGORY, M. 1967. Aspects of Varieties Differentiation. Journal of Linguistics, 3:

177-98.

GRICE, H. P. 1975. Logic and Conversation. In: P. Cole e J. Morgan (eds.) Syntax

and Semantics: v.3, Speech acts. New York: Academic Press, p. 41-58.

GRIMES, J. 1975. The Thread of Discourse. The Hague: Mouton.

GROSZ, Barbara e SIDNER, Candance. Attention, Intentions, and the Structure of

Discourse. Computational Linguistics, Cambridge, v.12, n. 3, p.175-204, set. 1986.

HALL, Stuart. 1978. The Social Production of News. In: St. Hall et al. (orgs.), Policing

the Crisis: Mugging, the State, and the Law and Order. London: Macmillan, 53-77.

HALLIDAY, M. A. K. A systemic interpretation of peking syllable finals. In: P. Tench

(ed.) studies in systemic phonology. London Pinter, 1992.

HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. Londres: Edward

Arnold, 1985.

67

HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. 2. ed. Londres: Edward

Arnold, 1994.

HALLIDAY, M. A. K. 2004. An Introduction to Functional Grammar. 3. ed. Revisada

por Mathiessen, M.I.M. London: Arnold.

HALLIDAY, M. A. K. e HASAN, R. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976.

HALLIDAY, M. A. K. e HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language

in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989.

HALLIDAY, M. A. K. 1977. Text as Semantic Choice in Social Context. In VAN DIJK,

T. A. e PETOFI, J. (eds.), Grammars and Descriptions, Gruyter, Berlin.

HALLIDAY, M. A. K. e MARTIN, J.R. Wrinting science: Literacy and discourse

power. London: Palmer Press, 1993.

HALLIDAY, M. A. K. e MATHIESSEN, M. I. M. Construing experience through

meaning: a language based approach to cognition, London, New York Cassell, 1999.

HASAN, R. The structure of a text the identity of text. In: HALLIDAY, M. A. K.;

HASAN, R. Language, context and text: aspects of language in a social-semiotic

perspective. Oxford: Oxford University press, 1989.

HASAN, R. 1984. Coherence and Cohesive Harmony. In FLOOD, J. (ed.),

Understanding reading comprehension: Cognition, language and the structure of

prose (pp. 181–219). Newark, Delaware: International Reading Association.

HOBBS, Jerry R. e EVANS, David A. Conversation as Planned Behavior, Technical

Note 203. SRI International, 1979.

HOEY, Michael. Patterns of Lexis in Text. Oxford: Oxford University Press, 1991.

HOLLOWAY, Immy. Basic Concepts for qualitativa research. Londres: Blackwell

Science, 1997.

HUSSERL, E. 1913. Logical Investigations. Florence: Routledge.

HYLAND, Ken. Metadiscourse, exploring interaction in writing. Oxford: Continuum,

2005.

HYLAND, Ken, TSE, Polly. Metadiscourse in academic writing: a reappraisal. Applied

Linguistics, v. 25, p. 156-177, 2004.

INDURSKY, F. Discurso e Textualidade: O texto nos estudos da linguagem

especificidades e limites. Campinas: Pontes, 2006.

KINTSCH, W. e VAN DIJK, T. A. 1978. Toward a model of text comprehension and

production. Psychological Review, 85 (5), 363-394.

68

KITIS, E. e MILAPIDES, M. 1996. Read it and believe it: How metaphor constructs

ideology in news discourse – A case study. Journal of Pragmatics, v.28, p.557-590.

KOCH, I. G. V. Argumentação e Linguagem. SP: Editora Cortez, 1987.

KOCH, I. G. V. e TRAVAGLIA, L. C. Texto e Coerência. SP: Editora Cortez, 1989.

KONERDING, K. P. 1993. Frames und lexikalisches Bedeutungswissen. Tubingen:

Niemeyer. p.8

LEES, Robert B. The grammar of English nominalizations. In: International Journal of

American Linguistics, Volume 26, Number 3, Part II, 1960.

LEMKE, Jay L. 1998. Resources for attitudinal meaning – Evaluative orientations in

text semantics. Functions of Language, 5,1. (33-56)

LEMKE, Jay L. 1990. Talking science: Language, learning and values. Norwood:

Ablex Publishing Company.

LEVI, J. N. The syntax and semantics of complex nominals. New York: Academic

Press, 1978.

MARTIN, J. R. Beyond exchange: Appraisal systems in English. In: HUNSTON, S.;

THOMPSON, G. (Eds.). Evaluation in text: authorial stance and the construction of

discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 142-75.

MARTIN, J. R. English Text – System and Structure. Amsterdam: John Benjamins,

1992.

MARTIN, J. R. Factual writing: exploring and challenging social reality.Geelong, Vic.:

Deakin University Press, 1985 [re-publicado pela Oxford University Press, 1989.

MARTIN, J. R. 2003. Instantiating Appraisal: key and stance. Paper at Systemic

Functional Linguistics Association Conference: Adelaide

MARTIN, J. R. Language, register and genre. In: F. Christie (ed.), Children writing:

reader, p.21-30. Geelong: Deaking University Press, 1984.

MARTIN, J.R. ROSE, D. 2003. Working with discourse. Meaning beyond the clause.

London/New York, Continuum.

MINSKY, M. 1975. A framework for representing knowledge. In: P. Winston (ed.) The

Psychology of Computer Vision. New York: McGraw-Hill

MINSKY, M. 1977. Plain Talk About Neurodevelopmental Epistemology, JCA, v.5.

PARISI, D. e CASTELFRANCHI, C. Scrito e parlato: Studi di Grammatica Italiana. VI.

Firenze, 1977, p. 169-190.

PERELMAN, C. Le Champ de L’argumentation. Bruxelles: Editions de l’université de

Bruxelles, 1970

69

PORTA, Mario Ariel González. A Filosofia a partir de seus problemas. SP: Edições

Loyola, 2OO2.

REYNOLDS, M. The blending of narrative and argument in the generic texture of

newspaper editorials. International Journal of Applied Linguistics, v.10, n.1, p.25-40,

2000.

RIEGEL, M. Définition directe et indirecte dans le langage ordinaire: les énoncés

définitoires copulatifs. Langue Française, Paris: Laourosse, n.73, p.29-53, 1964.

SORNIG, K. 1988. Some remarks on linguistic strategies of persuasion. In: R. Wodak

(ed.) Language, Power and ideology. Amsterdam: John Benjamins, p.97

SOUZA, Cláudia Nívia Roncarati de. As Cadeias do Texto: Construindo Sentidos.

Parábola Editorial, 2010.

SPRADLEY, J. P. The Ethnographic Interview. NY: Holt, Rinehart and Winston,

1979.

TABOADA, Maite. Discourse markers as signals (or not) of rhetorical relations.

Journal of Pragmatics, v. 38, p. 567-592, 2006.

TALMY, Leonard. Toward a cognitive semantics. Vol. I. Cambridge: The MIT Press,

2000.

TANNEN, D. 1993a. Introduction. In: D. Tannen (ed.) Gender and conversational

interaction. New York: Oxford University Press, p.3

TANNEN, D. 1993b. The relativity of linguistic strategies: Rethinking power and

solidarity in gerder and dominance. In: D. Tannen (ed.) Gender and conversational

interaction. New York: Oxford University Press, p.15

THOMPSON, G. e ZHOU, J., 2000. Evaluation and organization in text: The

structuring role of evaluative disjuncts. In: S. Huston e G. Thompson (eds.) Evalution

in Text: Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxford: Oxford

University Press. p.121

THOMPSON, J. B. 1984. Studies in the therapy of ideology. Cambridge: Polity Press.

p.1

UNGERER, F. e SCHMID, H. J. An introduction to cognitive linguistics. London, New

York: Longman, 1996. p. x

VAN DIJK, T. A. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto. 1992

VAN DIJK, T. A. 1988. News as discourse. Hillsdale, NJ: L. Erlbaum Associates.

WERTH, P. Text Words; Representing Conceptual Space in Discourse. London:

Longman, 1999.

70

WHITE, P. R. R. Beyond modality and hedging: a dialogic view of the language of

intersubjective stance. Text 23.2. 2003, p. 259-284.

71

ANEXOS

72

Anexo 1 - Cadeias de referência de Eggins (1994), com base em Martin (1992)

Figura 1 – “Teia de aranha” – cadeia de referência - A lista infame – Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta

73

Figura 2 – “Teia de aranha” – cadeia de referência - FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição

74

Figura 3 – “Teia de aranha” – cadeia de referência - Presos monitorados

75

Anexo 2 – Teoria de Eggins (1994)

REFERÊNCIA

Apresentativa Eu tenho uma irmã

Presumida Ela é professora. A identidade da referência presumida pode ser recuperada:

a) do contexto geral da cultura (homofórica) ( O sol ....)

b) do contexto imediato da situação (na cozinha: A

geladeira está ...)

Exofórica contexto imediato

partilhado

Eu tenho...

Endofórica interior do texto Eu vou oferecê-lo

1. anafórica Maria ... porque ela ficou doente O referente apareceu antes.

2. catafórica O que eu quero falar é sobre isso: todos vão ... O referente aparece depois.

3. esofórica O vaso que você me deu está aí. O referente ocorre logo depois.

Elíptica

Comparativa Seus outros problemas ... Tais problemas podem ...

Um problema diferente mas muito comum...

Além disso outros problemas ...

A identidade da referência

presumida é recuperada por

comparação.

Bridging Essa operação. (operação não mencionada, mas infere-se através

do assunto que de que se está tratando: doença, hospital, etc.)

Era uma vez dois velhinhos.

A referência presumida refere-se

a um item não mencionado, mas

que pode ser inferido através de

outros itens.

Locacional Aqui eles dão ....

Terça-feira, acima, lá, etc.

Refere-se não a pessoas ou

coisas, mas ao tempo ou ao

local.

b) LEXICAL (palavras de classe-aberta) (nomes, verbos principais, advérbios e adjetivos)

(não inclui palavras gramaticais (itens de classe-fechada: preposições, pronomes, artigos, verbos auxiliares,

etc.)

Lexical string - itens lexicais em seqüência que se referem a um item por relação taxonomica (classificação

e

composição) ou de expectativa.

Itens se relacionam através de classe/sub-classe. Ex.: roedor/rato

76

RELAÇÃO

LEXICAL

Taxonômicas

i) através da classificação:

- co-hiponímia (pneumonia em relação a doença (superordenado)

- classe-sub-classe: roedor e rato (superordenado/subordinado)

- contraste: seco/molhado

- similaridade: sinônimo (clínica/hospital)

- repetição (transfusão/transfusão)

ii) através de composição:

- meronímia: (todo e parte: corpo e artéria)

- co-meronímia: (ambos relacionados a um todo: veia e artéria)

de expectativas

Relação predizível entre:

i) verbo e agente/paciente (latir/cachorro)

ii) ação/processo e participante típico (comer/jantar)

iii) processo/evento e lugar típico (transfusão/hospital)

iv) item lexical individual e um grupo nominal (doador/doador de sangue)

Observe:

Dois ou mais itens lexicais podem equivaler a um item:

Realizações

Simples Complexa

rodear

considerar

esporádico

fazer roda em volta de

ter consideração

de vez em quando

c) CONJUNÇÕES

Halliday reconhece duas dimensões:

● Interdependência (hipotaxe e parataxe)

● Lógico semântica: 1. EXPANSÂO

a) elaboração (reafirmação ou esclarecimento)*

b) extensão (adição, substituição ou alternativa)**

c) enhancement (expande ou embeleza: tempo, comparação, causa, condição ou

concessão)***

2. PROJEÇÃO

a) locução (uma oração é projetada através de outra, que a apresenta como uma locução)

b) idéia (uma oração é projetada através de outra, que a apresenta como uma idéia)

Tipos básicos de oração complexa

Interdependência: Paratático Hipotático

77

Lógico-semântica:

1. EXPANSÃO

a) elaboração João não esperou; ele fugiu. João correu, o que surpreendeu todos.

b) extensão João fugiu e Pedro ficou. João correu enquanto Pedro permaneceu.

c) enhancement João ficou com medo, por isso fugiu. João fugiu porque ficou com medo.

2. PROJEÇÃO

Paratático

hipotático

a) locução João disse: "Estou fugindo". João disse que estava fugindo.

b) projeção João pensou: "Vou fugir". João pensou que ele fugiria.

d) ESTRUTURA CONVERSACIONAL

A descrição do texto oral envolve também padrões coesivos da estrutura conversacional. a) atos de fala (ou função da fala) (oferta, ordem, afirmação, pergunta, aceitação, recusa, concordância etc.)

b) estrutura de troca (a mínima troca é formada por dois atos de fala)

* Elaboração: parataxe (1) exposição 'em outras palavras'

(2) exemplificação 'por exemplo'

(3) clarificação 'para ser preciso'

hipotaxe – oração adjetiva explicativa

** Extensão: parataxe – e, nem, ou, mas

hipotaxe – adição – substituição – alternativa

*** Enhancement (as orações adverbiais)

78

Anexo 3 – Cadeias de referência – Manutenção dos participantes dos editoriais 1ª Cadeia de Referência

Vamos rastrear a manutenção dos participantes ‘A falta de rigor da lei em

casos de extrema periculosidade e os mecanismos legislativos mais severos de

controle e punição de crimes, que fazem parte do editorial, conforme teoria da

cadeia de referência de Eggins (1994), com base em Martin (1992, p. 140)

79

80

Quadro 01 - Texto: FALTA RIGOR – Cadeia de Referência

2ª Cadeia de Referência

81

Vamos rastrear a manutenção dos participantes (1) ‘Presos monitorados’, (2)

‘sistemas de vigilância’, (3) ‘complexo carcerário’ e (4) ‘projeto de lei’, que fazem

parte do editorial, conforme teoria da cadeia de referência de Eggins (1994), com

base em Martin (1992, p. 140), para verificação da coesão.

82

Quadro 02 – Presos monitorados - Cadeia de Referência

83

Anexo 4 – Análises dos editoriais “Falta Rigor” e “Presos monitorados” 1 ANÁLISE DO EDITORIAL: "FALTA DE RIGOR"

Inicio a análise com o segundo texto que apresento a seguir, na íntegra,

publicado no jornal Folha de S.Paulo (FSP), no dia 18 de abril de 2010.

FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição

Folha de S.Paulo (18.4.10)

Editorial (452 pals.)

TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as

pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva

emocionalização nesse tipo de debates.

Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do estupro e

assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às

atenções da opinião pública.

Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como a

insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino –, não há como

evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura.

De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com

cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade;

de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger

indivíduos absolutamente

inadaptados ao convívio social.

A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990,

crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável

passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto

ou anistia.

A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena.

Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de

84

sua

pena na prisão.

Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os

condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos

que os demais.

Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema

da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores,

traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de

reincidência.

É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de

rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, e de

que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no caso dos

que desfrutam de um regime semiaberto.

Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas

seis anos depois de condenado.

O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da

periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos,

impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes

como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça.

Quadro 01 – Texto: FALTA RIGOR, na íntegra

1.1 Análise da coerência

Passo a analisar a coerência do texto, verificando:

● estágios e finalidades;

● a coerência tripártite (global-local-temática)

1.1.1 Estágios e finalidade do gênero editorial

85

FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais

severos de controle e punição Folha de S.Paulo (18.4.10)

Editorial (452 pals.)

Estágios Finalidade

(1) TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário,

avivam-se as pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto

ao risco de uma excessiva emocionalização nesse tipo de debates.

Argumento 1

(pressões por mais

rigor na legislação

penal)

(2) Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso

como o do estupro e assassinato de seis meninos em Luziânia (GO)se impõe às

atenções da opinião pública.

Argumento 2

(3) Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça

nesse episódio – como a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da

periculosidade do assassino –, não há como evitar a sensação de que a legislação

brasileira vai pecando pelo excesso de brandura.

Problema

(sublinhado)

Argumento 3

(existência de

falhas da Justiça...)

(4) De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de

presídios, com cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum

delito sem maior periculosidade; de outro, dispositivos legais avançados e garantias

teoricamente legítimas tendem a proteger indivíduos absolutamente

inadaptados ao convívio social.

Situação 1

(5) A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial

rigor. A partir de 1990, crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou

disseminação de veneno na água potável passaram a receber atenções especiais

na legislação,

sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto ou anistia.

Situação 2

(6) A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da

progressão da pena. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime

semiaberto depois de completar 1/6 de sua pena na prisão.

Situação 3

86

(7) Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional

essa restrição: os condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos

que os demais.

Situação 4

(8) Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por

completo o sistema da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo

entre as grades para estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas,

elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência.

Situação 5

(9) É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o

quanto pode haver de rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem

sempre requerida pelas autoridades, e de que modo são falhos os mecanismos de

acompanhamento e vigilância do poder público no caso dos que desfrutam de um

regime semiaberto.

Argumento 3

(falhas dos

mecanismos de

acompanhamento e

vigilância do poder

público)

(10) Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de

prisão, estar nas ruas seis anos depois de condenado.

Argumento 4

(psicopata serial

nas ruas)

(11) O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e

regulares na avaliação da periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento

da progressão da pena em alguns casos, impõem-se com urgência. Não por

impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes como os de

Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça.

Argumento 5

(cobrança da

adoção de

mecanismos,

avaliação dos

crimes e

rediscussão da

progressão da

pena) Quadro 02- Análise dos estágios e das finalidades do gênero

Discussão: O editorial está dividido em 11 estágios, dos quais 5 descrevem a

Situação

da lei de crimes hediondos, os quais precisam urgentemente serem punidos e

solucionados de forma eficaz com adoção de mecanismos legislativos, avaliação e

rediscussão da progressão da pena. A partir de 1990, os crimes hediondos deixaram

de ser contemplados com indulto ou anistia. Mas em 2006, o Supremo Tribunal

Federal considerou essa lei inconstitucional e, declarou que esses crimes teriam os

87

mesmos direitos que os outros. No estágio 3, é introduzido o Problema: existência

de falhas da Justiça, principalmente no caso do estupro e assassinato de seis

meninos em Luziânia (GO), que segundo o texto, a legislação brasileira vai pecando

pelo excesso de brandura. No estágio 1 surge a solicitação por mais rigor na

legislação penal. Segundo o texto, os estágios 2, 9 a 11 apresentam as falhas dos

mecanismos legislativos no combate aos crimes de alta periculosidade. Sendo o

estágio 2 mostra que há falhas da Justiça com excesso de brandura na legislação,

assim como os estágios de 9 a 11 mostram falhas dos mecanismos de

acompanhamento e vigilância do poder público bem como a cobrança da adoção de

mecanismos, avaliação dos crimes e rediscussão da progressão da pena. Pode-se

concluir, então que ainda não há mecanismos legislativos eficazes no combate aos

crimes, sendo que recentemente ocorreu em Luziânia, um crime que chocou a

população.

Portanto, dos estágios integrantes de uma argumentação (referidos no apoio

teórico), estão presentes a situação que apresenta o Problema (existência de falhas

específicas da Justiça – excesso de brandura legislação brasileira) e os Argumentos

(apresentado as falhas dos mecanismos legislativos na punição de crimes). A

Solução, apresentada de maneira implícita e prosodicamente, é de que façam

urgentemente a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação de

crimes de alta periculosidade bem como a rediscussão da progressão da pena.

1.1.2 Registro: exame dos elementos de Campo, Relações e Modo

Complementando o papel do gênero na coerência de um texto, o Registro

deve, através de suas variáveis, desenvolver o tópico proposto pelo editorial,

considerando a interação com os leitores, em um formato de estrutura e de

linguagem exigidos por esse gênero.

Campo: trata da urgência da adoção de mecanismos legislativos eficazes na

punição e combate de crimes hediondos bem como a rediscussão do instrumento da

progressão da pena. O Editorial faz avaliações negativas dos mecanismos de

avaliação tanto do sistema legislativo penal quanto do Supremo Tribunal Federal,

88

aponta várias inadequações desses sistemas e, exige urgência de adoção de

mecanismos eficazes no combate aos crimes de alta periculosidade.

Relações: os participantes da interação são os editorialistas e os leitores da FSP.

Os editorialistas são aqueles que na construção do texto, se alinham indiretamente

com os leitores, uma vez que já prevêem a informação esperada pelo seu público-

alvo, alcançando dessa forma a interação na compreensão do texto. Os leitores são

aqueles que estão expostos às opiniões do editorial. O objetivo do editorial pode ser

o de munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para

criar o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia tem sua função no editorial, na

medida em que, como parte de suas funções, atinge e confirma interesses,

preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é, nas palavras de

Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que é uma

interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.

Modo: A linguagem escrita é formal, assim relaciona-se às exigências do gênero

editorial de jornal, as escolhas léxico-gramáticais contribuem para dar coerência e

coesão na construção do texto. A noção de “idioma público”, de Stuart Hall (1978

apud Fowler 1991, p. 48), deve ser mencionada aqui: “A linguagem empregada será

a versão do jornal da linguagem do público para quem é endereçada”. Padrões de

vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam preocupações

especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe analisa ações e

estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas responsabilidade;

afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações. Se o leitor do

jornal julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba

considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um “senso comum” e a

aceita.

1.1.3 Análise da coerência tripártite (global-local-temática)

Passo a analisar os três fatores que promovem a coerência de um texto.

Consideremos, então, o título do editorial: “FALTA RIGOR – Em casos de extrema

periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e

89

punição”, e vejamos como os estágios se relacionam com esse título em termos da

coerência global (em negrito no texto) [lembrando que a coerência global refere-se

à relação do enunciado com o plano geral do texto]. Os colchetes referem-se à

coesão local [lembrando que esta se refere ao que o falante tenta efetivar no texto,

explicando, justificando]. Os termos que concorrem para a efetivação da coerência

temática [ou progressão temática] estão sublinhados.

FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos

mais severos de controle e punição Folha de S.Paulo (18.4.10)

Editorial (452 pals.)

TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, [avivam-se as

pressões] por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao [risco de uma excessiva

emocionalização] nesse tipo de debates.

Discussão: A coerência é realizada através da coerência temática, que está em relação paralela às coerências global e local.

Mas há [riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade], quando um caso como o do estupro e assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública.

Discussão: A coerência é realizada através da coerência local, que está em relação paralela às coerências temática e global.

Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio –

como a [insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino] –,

não há como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai [pecando pelo excesso de brandura].

Discussão: A coerência é realizada através das coerências temática e global, que estão em relação paralela às coerências

local e global.

De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, [com a superlotação de presídios], [com

cenas de absoluta barbárie] no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; de outro, [dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas] tendem

a proteger indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social.

90

Discussão: A coerência é realizada através das coerências temática e global, que estão em relação paralela às coerências

local e global que estão inseridas na coerência global e, novamente, na coerência local.

A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com [especial rigor]. A partir de 1990,

[crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável] passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo [insuscetíveis, por exemplo,

de indulto ou anistia].

Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e global –, que estão em

relação paralela à coerência local e das coerências temática e global em relação à coerência local.

A lei originalmente determinava que, nesses casos, [não valeria o mecanismo da progressão da pena]. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar

1/6 de sua pena na prisão.

Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e global –, que estão em

relação paralela às coerências local e global.

Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: [os

condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais].

Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e temática, que estão em relação paralela à coerência

local.

Rapidamente, o Congresso adotou uma [solução de meio-termo]. Sem barrar por completo o

sistema da progressão, [aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para

estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só

assustador, de reincidência].

Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e temática, que estão em relação paralela às coerências

local e global.

É pouco. Sabe-se, nas [condições de congestionamento do sistema penal], o quanto [pode haver

de rotina automática numa avaliação psiquiátrica], aliás, nem sempre requerida pelas autoridades, e

de que modo [são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância] do poder público no

91

caso [dos que desfrutam de um regime semiaberto].

Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e local, que estão em relação paralela às coerências local e

global.

Surge assim, a possibilidade de um [psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas

ruas seis anos depois de condenado].

Discussão: A coerência é realizada através dos três tipos de coerências – global, temática e local – simultaneamente

relacionadas.

[O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação] da

periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos,

impõem-se com urgência]. Não por [impulso emocional] depois de crimes particularmente

revoltantes [como os de Luziânia], mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça.

Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e local –, que estão em

relação paralela às coerências global e local.

Quadro 03 - Análise da coerência tripártite.

Pode-se ver que todos os estágios acima referem-se ao tema 'FALTA RIGOR

nos mecanismos legislativos de controle e punição dos crimes hediondos'. Nesse

sentido, o texto é coerente em termos globais.

Quanto à coerência local, indicada entre colchetes no texto, referem-se às

sub-metas, menos relacionadas com coisas que o autor tenta efetivar no mundo, do

que com coisas que ele tenta efetivar no texto, algo como dizer "o que aconteceu

depois", ou elaborar o que acabou de expor. Também, aqui, o editorial apresenta

uma série de elementos que ajudam a localizar e a entender a informação, bem

como a perceber a intenção do editorialista [que veremos com maior detalhe na

análise da coesão avaliativa].

Por fim, verificamos a coerência temática, indicada com dois asteriscos no

editorial, e que se refere a trechos de conteúdo - vamos chamá-los de temas - que

aparecem repetidamente. Essa questão, mais voltada à coesão, segundo Eggins,

será mais bem examinada em ocasião própria.

92

1.2 Análise da coesão

1.2.1 A manutenção dos participantes

Os participantes desse editorial examinados aqui são: (i) A falta de rigor da lei

em casos de extrema periculosidade; e (ii) os mecanismos legislativos mais severos

de controle e punição de crimes hediondos (que são discutidos pelo Tribunal

Regional Penal), mas não são postos em prática. Para essa análise, divido o texto

em quatro partes, conforme foi deduzido na análise dos estágios de gênero: (a)

Argumentos; (b) Problemas; (c) Situação; e (d) Argumentos. A manutenção dos

participantes garante a coesão textual, segundo Eggins. Sigo o seguinte código para

apontar a manutenção desses dois elementos:

(i) casos de extrema periculosidade: negrito

(ii) mecanismos legislativos (discussão): sublinhado

(iii) condenados distintos: itálico

(1) FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, (2) cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição Folha de S.Paulo

(18.4.10) Editorial (452 pals.)

ESTÁGIO: (a) ARGUMENTOS

*TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as *catáfora hiperônimo apresentação pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao *risco de uma excessiva repetição/ apresentação *bridging emocionalização *nesse tipo de debates. *anáfora Discussão A coesão, aqui, é feita da seguinte forma: “crime” – hiperônimo/apresentação que retoma “casos” coesos por similaridade, que está em relação ao participante “rigor na legislação penal” – repetição/apresentação. Todos eles já apresentados no título. Por outro lado, “risco” refere-se ao debate por bridging, que é feito acerca dos mecanismos legislativos, já que há uma discussão em andamento desses mecanismos de punição. E “nesse” refere-se ao assunto legislação penal por anáfora. Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do

93

repetição/comparação anáfora similaridade anáfora repetição/comparação estupro e assassinato de *seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública. hiponímia hiponímia *bridging/whole text reference expectativa Discussão A coesão com trecho anterior finaliza pelo bridging de “risco”, e pela anáfora “nesse”, referindo-se à discussão dos riscos dos mecanismos de punição de crimes hediondos. E é retomado nesse tópico por “riscos inversos” que apresenta coesão por repetição, comparação e anáfora, porque afirma que nesses debates pode haver vários riscos, de um lado pode ocorrer falhas técnicas da Justiça na investigação dos crimes, e de outro se não há provas contundentes não há culpado, ou seja, quando não há provas técnicas para se avaliar um crime, torna-se indiferente aos “olhos da lei”. Ainda nesse trecho a coesão e feita por “caso” referindo-se a crime por similaridade e pela anáfora “o” referindo-se a caso e pelas hiponímias/expectativa “estupro e assassinato, referindo-se aos crimes de assassinato de seis meninos em Luziânia (GO), que apresenta coesão por bridging.

ESTÁGIO: (b) PROBLEMA

Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como repetição hiperonímo catáfora/local ref. a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino –, não há similaridade similaride como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura. hiponímia/repetição similaridade contraste Discussão Inicia-se esse tópico com a discussão da problemática do Sistema Penal, que são as “falhas” coesão por repetição, seguida por “Justiça” hiperônimo de lei, legislação, que está em relação à catáfora “nesse episódio”, que está subjacente referindo-se ao assassinato de seis meninos em Luziânia, que dá continuidade final do trecho anterior por bridging. Continua-se falando das “falhas”, mantida pela similaridade “avaliações psicológicas” , que são realizadas pela “legislação brasileira (hiponímia/repetição), que pecam pelo excesso de “brandura” por contraste. Todo esse processo estabelece a coesão do texto, mantendo os participantes “crimes” como o assassinato de seis meninos de Luziânia e a “discussão da falta de rigor dos mecanismos legislativos na punição de crimes hediondos”.

ESTÁGIO: (c) SITUAÇÃO De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com hiponímia expectativa/similaridade apresentação holonímia/expectativa cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; bridgind similaridade/meronímia catáfora similaridade/ repetição hiponímia

94

de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger bridging/hiponímia bridging indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. similaridade

Discussão Continua-se a falar das falhas da Legislação como a “tortura” (hiponímia de crime) de “presos comuns” (expectativa/similaridade de condenados), além da “superlotação” (apresentação) de “presídios” (holonímia). Cita-se também “cenas”, mantida pela coesão bridging, que remonta todo o cenário de falhas cometidos pelo Sistema Legislativo, referindo-se às barbáries de “simples suspeitos, coesão por similaridade de “presos e condenados”. A partir daí,várias outras falhas vão sendo relacionadas por coesão catáfora como em “algum”, referindo-se a crimes, “delito”similaridade de crime e pelos elos coesivos repetição e bridging “dispositivos legais avançados’ e ‘garantias teoricamente legítimas’, que mencionados subjacentes têm tendência à proteção de indivíduos (similaridade) inadaptados ao convívio social. A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, catáfora repetição/similaridade (periculosidade) crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na repetição repetição hiponímias/repetição hiponímia hiponímia água potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, hiponímia repetição repetição de indulto ou anistia. similaridade similaridade Discussão Continua-se a falar dos “crimes” mantidos pela catáfora “Estes” que dá continuidade ao tópico anterior, seguido por “crimes hediondos” por repetição e similaridade de crimes de alta periculosidade, bem como casos de “tortura”, “terrorismo”, “estupro”, mantidos por repetição, hiponímia e introduz um novo tópico, “atenções” especiais na “legislação” por repetição, que esses crimes estão tendo, que são insuscetíveis de “indulto ou anistia”, portanto coesão por similaridades. A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena. repetição/ anáfora/repetição repetição/similaridade repetição personificação Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de sua anáfora repetição similaridade repetição/expectativa (progressão de pena) pena na prisão.

95

repetição Discussão Continua-se a falar da “lei” (repetição), referindo-se a “legislação” e “nesses casos”, coesão por anáfora e repetição, referindo-se ao tópico anterior “crimes hediondos” que não valeria o mecanismo da “pena” (repetição), uma vez que são crimes de alta periculosidade. Por outro lado “nos demais” (anáfora) referindo-se aos “crimes” (repetição) de simples suspeitos de algum delito já apresentados no terceiro estágio, o condenado (similaridade) pode gozar de um “regime semiaberto”, coesão por repetição e expectativa de progressão de pena.

Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os hiponímia anáfora/bridging condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais.repetição/sim. repetição/hiperônimo anáfora hiponímia Discussão Inicia-se o tópico por hiponímia “Supremo Tribunal Federal”, considerando inconstitucional “essa” restrição, coesão por anáfora e bridging, referindo-se a não obrigatoriedade da Lei Penal em ceder anistia, indulto e regime semiaberto aos “condenados” (repetição, similaridade) por “crimes hediondos”, coesão por repetição e hiperônimo, sendo assim devem ter os mesmos direitos dos “presos comuns”, retomado pela anáfora “os demais”. Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema hiponímia/apresentação bridging repetição da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, repetição/similaridade repetição similaridade

traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência. similaridade similaridade similaridade anáfora similaridade repetição Discussão A coesão inicia-se pela apresentação e hiponímia “Congresso”, que discorda parcialmente da decisão do “Supremo Tribunal Federal”, em igualar o “sistema da progressão” (repetição e similaridade) aos condenados, então adota uma “solução de meio termo”, mantida pela coesão bridging; e aumenta para 2/5 a ‘pena’ (repetição) para os estupradores, traficantes, torturadores ou genocidas, que relacionam-se por coesão de similaridade e, 3/5 para o “caso”, referindo-se por similaridade a “crimes” de reincidência.

ESTÁGIO: (d) ARGUMENTOS

É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de apresentação repetição rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, expectativa catáfora similaridade hiponímia (poder

96

público) e de que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no repetição repetição hiperonímia hiperonímia similaridade (pecando) caso dos que desfrutam de um regime semiaberto. simil./ exófora repetição/expectativa (progressão de pena) repetição Discussão Continua-se a falar das “falhas” da Legislação por apresentação “condições de congestionamento” por repetição do “sistema penal” para comprovar a tese. Ainda somam-se as falhas por expectativa “rotina automática”, e pela catáfora “numa”, referindo-se à “avaliação psiquiátrica”, que apresenta coesão por similaridade de “avaliações psicológicas, mencionadas no problema do terceiro estágio, e que nem sempre são requeridas pelas “autoridades”, coesão por hiponímia de “poder público” (hiperonímia). Lembremo-nos de que essa questão já é apresentada no título. A partir daí, vários outros argumentos, envolvendo as falhas do sistema penal em punir os crimes, relacionam-se por coesão repetição “falhos os mecanismos” na solução de “caso” coesão por repetição e similaridade de “crime” e também “regime semiaberto” por similaridade de “progressão de pena”. Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas seis similaridade/meronímia similaridade/meronímia similaridade similaridade expectativa repetição anos depois de condenado. (progressão) similaridade/repetição

Discussão O trecho da continuidade à apresentação de evidências das “falhas” do “sistema penal” com a possibilidade de um “psicopata serial, condenado”, coesão por similaridade/meronímia, a anos de prisão estar solto nas “ruas” similaridade de “progressão de pena”. O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da hiponímia similaridade (mecanismos) repetição periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, repetição repetição/similaridade expectativa similaridade/repetição similaridade

impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes repetição/hiperonímia como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça. exófora bridging repetição repetição repetição

Discussão

97

Finalmente, algumas possíveis soluções são apresentadas para punição de “crimes de alta periculosidade” por meio de “pulseiras eletrônicas” (hiponímia), “adoção de padrões mais rigorosos e regulares”, coesão por similaridade de “mecanismos”, cita-se também outros meios, como “avaliação da periculosidade” e “rediscussão do instrumento da progressão da pena”, coesos por repetição. Além de retomar “casos”, coesão por repetição e similaridade de “crimes” (hiperonímia), referindo-se por exófora “os”, retomando os “crimes” ocorridos em “Luziânia” por bridging, que revoltou o Brasil. Como se vê, um trecho bem escrito, amarra todos os participantes por meio de vários recursos de coesão. Quadro 04 – Manutenção dos participantes

1.2.2 Seleção Lexical

A análise da seleção lexical decorre da análise da manutenção dos

participantes. O que se examina aqui são os termos relacionados ao tópico "A

necessidade de colocar em prática a discussão dos mecanismos legislativos para a

punição e diminuição de crimes hediondos do Brasil” que efetivam essa

manutenção. Assim, esses termos para promoverem a coesão do editorial precisam

estar de acordo com a seriedade que se pretende do assunto, e também com a

expectativa do leitor a que se destina, fatores importantes para a promoção da

coerência em editorial da Folha de São Paulo.

Portanto, eles terão de respeitar as variáveis de Registro: Campo, tratando do

tópico proposto no título; Relações: cumprindo, através da consideração dos ditames

exigidos pelo gênero editorial e da interação com os leitores da Folha de São Paulo;

Modo: com o respeito às exigências formais do gênero, bem como uma linguagem

que organizem as metas referentes a Campo e Relações.

A análise mostra a riqueza de linguagem que recorre a escolhas lexicais de

similaridade, como em, ‘crime chocante’ e ‘crime(s) revoltante(s)’, ‘casos de Luziânia’

e ‘crime de Luziânia’, ‘destaque no noticiário’ e ‘atenções da opinião pública’,

‘crimes hediondos’ e ‘casos de extrema periculosidade’, ‘estupradores’, ‘traficantes’,

‘torturadores’, ‘genocidas’ e ‘condenados’, ‘delito’ e ‘crime’, instrumento da

progressão da pena’ similaridade de ‘mecanismos de progressão de pena’.

Note-se também o uso de termos que exigem conhecimento do assunto por

parte do leitor, tais como, “casos de Luziânia”, “falhas da Justiça”, citação de nomes

de acontecimentos de crimes na mente do leitor, bem os Projetos da Legislação

98

penal, que não consegue colocar em prática, as ações que são discutidas para a

punição e diminuição dos crimes de alta periculosidade (onde discussão da teoria –

mecanismos legislativos e prática não condizem com a realidade do sistema penal).

Finalmente, podemos verificar a sintaxe desse texto - que se costuma chamar

de "sintaxe madura" (veja exemplo a seguir) com várias nominalizações ['destaque

no noticiário', 'Legislação', 'emocionalização', 'debates', 'riscos', 'atenções da opinião

pública', ‘existência de falhas’, ‘disseminação’, ‘progressão’, ’restrição’, ‘vigilância’],

orações subordinadas com inversões e intercalações (que assinalo com colchetes

no texto), construída por escolhas lexicais adequadas à formalidade exigida por um

editorial desse jornal.

(1) FALTA RIGOR – Em (2) casos de extrema periculosidade, cabe discutir (3) mecanismos legislativos mais severos de controle e punição Folha de S.Paulo

(18.4.10) Editorial (452 pals.)

[TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário], avivam-se as catáfora lógico hiperônimo similaridade similaridade apresentação pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva repetição/ apresentação lógico lógico comentário emocionalização nesse tipo de debates. anáfora (legislação penal) Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, [quando um caso como o do lógico repetição anáfora lógico lógico similaridade lógico anáfora repetição estupro e assassinato de *seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública]. hiponímia lóg. hiponímia *bridging/whole text reference similaridade (destaque no noticiário) expectativa [Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como lógico repetição hiperonímo catáfora/local ref. lógico a insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino ] –, não há similaridade repetição expectativa como evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso de brandura. lógico lógico hiponímia/repetição similaridade contraste

99

De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com Sequenciador hiponímia expectativa/similaridade holonímia/expectativa cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; bridgind certeza similaridade/meronímia catáfora similaridade certeza repetição hiponímia de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger Sequenciador hiponímia epistêmico indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. certeza A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, catáfora hiponímia repetição similaridade (periculosidade) repetição lógico contraste (brandura) crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água repetição lógico repetição hiponímias hiponímia lógico hiponímia hiponímia repetição potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, repetição repetição epistêmico de indulto ou anistia. similaridade lógico similaridade A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da pena repetição/personificação lógico anáfora/repetição repetição/similaridade repetição Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar 1/6 de anáfora repetição similaridade epistêmico repetição/expectativa lógico meronímia (progressão de pena) sua pena na prisão. catáfora sin. rep. similaridade/expectativa Ocorre [que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição]: os lógico hiponímia anáfora/bridging condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais.repetição/ hiponímia repetição/hiperônimo epistêmico lógico anáfora Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema contraste hiponímia certeza repetição da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, repetição/similaridade repetição meronímia/expectativa/similaridade traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de reincidência. similaridade/meronímia/expectativa anáfora repetição

100

É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de atitudinal repetição epistêmico rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, catáfora similaridade comentário hiponímia (poder público) e de que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no lógico/comentário repetição repetição hiperonímia hiperonímia similaridade (pecando) caso [dos que desfrutam de um regime semiaberto] repetição exófora repetição/expectativa (progressão de pena) Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas lógico epistêmico similaridade/meronímia similaridade/meronímia similaridade expectativa repetição repetição ruas seis anos depois de condenado. similaridade (progressão) similaridade/meronímia/repetição O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da hiponímia lógico repetição periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, repetição lógico repetição/similaridade expectativa repetição similaridade impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes certeza repetição/hiperonímia similaridade (chocante) como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça. lógico exófora bridging lógico repetição lógico repetição repetição Quadro 05 – Seleção Lexical

1.2.3 Conjunção

Como "conjunção", refiro-me não só às conjunções tradicionalmente

conhecidas - coordenativas e subordinativas -, mas também a outros elementos

conhecidos como "marcadores metadiscursivos". São elementos que, à semelhança

das conjunções, guiam o leitor através do texto. Como vimos, eles estão divididos

em textuais (MMT) e interpessoas (MMI), mas na medida em que ambos se

relacionam com o leitor nessa orientação textual, pode-se considerá-los todos

interpessoais. Veja, Quadro 3, repetido para facilitar o acompanhamento da

análise:

101

Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

Por uma questão de evitar muita repetição, analiso um trecho do editorial para

mostrar como os marcadores usados, ajudam a efetivar a coerência e a coesão

dentro de trecho, como o que se segue (coloco [T] para MMtextual e [I] para MMI):

De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com cenas Sequenciador [T] de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior periculosidade; Certeza [I] Certeza [I] de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger Sequenciador [T] Marc. Lóg. [T] Epistêmico [I] indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. Certeza [I] Quadro 06 – Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

1.2.4 Análise da coesão avaliativa

A prosódia avaliativa (também chamada de "logogênese"). Indicada com (+) a

Avaliatividade positiva e com (-) a Avaliatividade negativa.

FALTA RIGOR – Em casos de extrema periculosidade, cabe discutir mecanismos legislativos mais severos de controle e punição

Folha de S.Paulo (18.4.10) Editorial (452 pals.)

MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,

finalmente]

Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]

Expressam relações semânticas

entre trechos do discurso;

indicam posições em uma série e

indicam mudança de tópico.

MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos

resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo,

(ironicamente)]

Expressam posicionamento do

autor e estabelecem a interação.

102

TODA VEZ que um crime especialmente chocante ganha destaque no noticiário, avivam-se as Avaliação social (-) Avaliação social (-)

pressões por mais rigor na legislação penal – e cabe advertir quanto ao risco de uma excessiva Avaliação social (-) Graduação

emocionalização nesse tipo de debates. Avaliação social (-)

Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de hiperonímia/apresentação e similaridade/repetição/apresentação (crime/choque/destaque no noticiário e rigor na legislação penal).

Mas há riscos inversos, os da indiferença e da tecnicalidade, quando um caso como o do estupro e Avaliação social (-) Avaliação social (-) assassinato de seis meninos em Luziânia (GO) se impõe às atenções da opinião pública. Avaliação social (-)

Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de repetição/hiponímia/expectativa/bridging/whole text ref. e similaridade).

Ainda que se possa mencionar a existência de falhas específicas da Justiça nesse episódio – como a Avaliação social (-) Avaliação social (-) insuficiência das avaliações psicológicas a respeito da periculosidade do assassino –, não há como Avaliação social (-) Avaliação social (-) evitar a sensação de que a legislação brasileira vai pecando pelo excesso* de brandura. Avaliação social (-) *Gradação

Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de repetição/hiperonímia/local ref./similaridade/repetição/expectativa/hiponímia/repetição/similaridade e contraste (falhas/Justiça nesse episódio/avaliações psicológicas/periculosidade/assassino/legislação/pecando e brandura).

De um lado, convive-se com a tortura de presos comuns, com a superlotação de presídios, com Avaliação social (-) Avaliação social (-) cenas de absoluta barbárie no trato de simples suspeitos de algum delito sem maior* periculosidade; Avaliação social (-) *Gradação de outro, dispositivos legais avançados e garantias teoricamente legítimas tendem a proteger Avaliação social (-) Avaliação social (+) indivíduos absolutamente inadaptados ao convívio social. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de hiponímia/expectativa/similaridade/repetição/holonímia/expectativa/bridging/meronímia/similaridade/repetição e hiponímia (tortura/presos comuns/presídios/cenas/simples suspeitos/delito/periculosidade e legais). A estes, a chamada lei dos crimes hediondos pretendeu tratar com especial rigor. A partir de 1990, Avaliação social (-) Avaliação social (+)

103

crimes como tortura, terrorismo, sequestro, estupro ou disseminação de veneno na água potável passaram a receber atenções especiais na legislação, sendo insuscetíveis, por exemplo, de indulto Avaliação social (+) Avaliação social (+) ou anistia. Discussão: A coesão é feita através do contraste das duas ocorrências de Avaliação Social (-) e Avaliação Social (+). Elas estão em relação de catáfora/hiponímia/repetição e similaridade/contraste (estes/lei/crimes hediondos e rigor/crimes/tortura/terrorismo/seqüestro/estupro/disseminação de veneno na água potável/atenções/legislação/ Indulto/anistia).

A lei originalmente determinava que, nesses casos, não valeria o mecanismo da progressão da Avaliação social (+) Avaliação social (+) pena. Nos demais crimes, o condenado pode passar a um regime semiaberto depois de completar

Avaliação social (+) 1/6 de sua pena na prisão. Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (+). Elas estão em relação de repetição/anáfora/repetição/hiponímia/repetição/similaridade/anáfora/repetição/similaridade/meronímia/expectativa e similaridade/expectativa (lei/nesses casos, mecanismo de progressão/pena/nos demais crimes/condenado/regime semiaberto/pena e prisão). Ocorre que, em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa restrição: os Avaliação social (-) condenados por crimes hediondos teriam os mesmos direitos que os demais. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das duas ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de hiponímia/bridging/repetição/hiponímia/repetição/hiperonímia e anáfora (Supremo Tribunal Federal/essa restrição/crimes hediondos e os demais).

Rapidamente, o Congresso adotou uma solução de meio-termo. Sem barrar por completo o sistema Avaliação social (+) Avaliação social (+) Avaliação social (+) da progressão, aumentou para 2/5 da pena o prazo mínimo entre as grades para estupradores, Graduação Avaliação social (+) traficantes, torturadores ou genocidas, elevando-o a 3/5 no caso, por si só assustador, de Graduação Avaliação social (+) reincidência. Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (+). Elas estão em relação de contraste/hiponímia/repetição/meronímia/expectativa/similaridade/meronímia/expectativa/anáfora e repetição (Rapidamente/Congresso/sistema da progressão/pena/estupradores/traficantes/torturadores/genocidas e caso). É pouco. Sabe-se, nas condições de congestionamento do sistema penal, o quanto pode haver de Graduação Avaliação social (-) Avaliação social (-) rotina automática numa avaliação psiquiátrica, aliás nem sempre requerida pelas autoridades, e de Avaliação social (-) que modo são falhos os mecanismos de acompanhamento e vigilância do poder público no caso Avaliação social (-)

104

dos que desfrutam de um regime semiaberto. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das várias ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de repetição/similaridade/hiponímia/repetição/similaridade//repetição/hiperonímia/repetição/exófora e repetição/expectativa(sistemapenal/avaliação psiquiátrica/hiponímia/repetição/similaridade/mecanismos/vigilância/poder público/repetição/exófora e repetição/expectativa).

Surge assim a possibilidade de um psicopata serial, condenado a 30 anos de prisão, estar nas ruas Avaliação social (-) Avaliação social (-) seis anos depois de condenado. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação Social (-). Elas estão em relação de similaridade/meronímia/expectativa/similaridade/meronímia/repetição/similaridade/repetição/similaridade e similaridade/meronímia/repetição (psicopata serial/condenado/prisão/estar nas ruas seis anos depois e condenado).

O uso das pulseiras eletrônicas, a adoção de padrões mais rigorosos e regulares na avaliação da Avaliação social (+) periculosidade, e mesmo a rediscussão do instrumento da progressão da pena em alguns casos, Avaliação social (+) impõem-se com urgência. Não por impulso emocional depois de crimes particularmente revoltantes Avaliação social (+) Avaliação social (-) como os de Luziânia, mas por uma questão de simples bom senso – e de justiça. Avaliação social (+)

Discussão: A coesão é feita através do contraste das quatro ocorrências de Avaliação social (+) e uma de avaliação (-). Elas estão em relação de hiponímia/repetição/similaridade/repetição/similaridade/expectativa/repetição/ hiperonímia/similaridade/exófora e bridging/repetição (pulseiras eletrônicas/avaliação/periculosidade/instrumentos da progressão/pena/casos/crimes/revoltantes/ os de Luziânia/simples e justiça).

Quadro 07 – Coesão avaliativa

2. ANÁLISE DO EDITORIAL: PRESOS MONITORADOS

Apresento na íntegra, o terceiro editorial "Presos monitorados", publicado no

jornal Folha de S.Paulo (FSP), no dia 18 de junho de 2010.

105

Presos monitorados

Folha de S.Paulo (18.6.10) Editorial (265 pals.)

São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo carcerário brasileiro. Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito a ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena. Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um projeto que regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso “algema eletrônica” apenas para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no Natal – e detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos submetidos à prisão provisória ou preventiva. Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade dos mais de 470 mil detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento. Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de mantê-las em abarrotadas penitenciárias. Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a extensão do monitoramento eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo. Quadro 08 – Texto: Presos monitorados, na íntegra

2.1 Análise da coerência

Passo a analisar a coerência do texto, verificando:

● estágios e finalidades;

● a coerência tripártite (global-local-temática)

106

2.1.1 Estágios e finalidade do gênero editorial

Presos monitorados

Folha de S.Paulo (18.6.10)

Editorial (265 pals.)

Estágios Finalidade

(1) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância

eletrônica de presos.

Solução (em tom

monoglóssico)

(2) O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam

julgamento, por meio de pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir

a incidência de fugas e a superlotação do complexo carcerário brasileiro.

Argumento I

(3) Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no

controle de detentos com direito a ausências temporárias na prisão.

Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa

periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no

cumprimento da pena.

Argumento II

(4) Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo

presidente Lula, de um projeto que regulamenta a instalação dos sistemas

de monitoramento à distância de presos no país.

Situação

(5) O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso

“algema eletrônica” apenas para condenados em regime semiaberto,

beneficiados por indultos em datas específicas – como no Natal – e

detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei,

suspeitos submetidos à prisão provisória ou preventiva.

Situação

(6) Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das

fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras

eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e limitar a prática de

crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias.

Argumento III

(7) Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase

metade dos mais de 470 mil detentos no país são presos provisórios,

muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento.

Problema

107

(8) Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo

Estado sem a necessidade de mantê-las em abarrotadas penitenciárias.

Solução I

(9) Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a

extensão do monitoramento eletrônico às prisões provisórias. É preciso

votá-lo logo.

Situação

Avaliação

Quadro 09 - Análise dos estágios e das finalidades do gênero

Os estágios de gênero do texto "Presos monitorados" são os seguintes, nessa

ordem:

Solução - Argumento I - Argumento II - Situação - Situação - Argumento III

Problema - Solução I - Situação - Avaliação

Inicia-se com uma Solução [vigilância eletrônica de presos], declarada em

termos monoglóssicos, e em seguida apresentam-se dois Argumentos [diminuição

de incidência de fugas] e [economia] em favor dessa Solução. Há, então, dois

estágios de descrição da Situação [sanção de projeto] e [aprovação no Congresso]

que cerca a questão da monitoração. Alterna-se com mais um Argumento [solução

para prática de crimes]. Surge um Problema II, não solucionado pela Solução I [a

espera dos presos provisórios], que poderia ser amparado pela mesma Solução.

Finalmente, nova Situação [novo projeto de lei], que merece a Avaliação [votação

urgente].

Discussão: O editorial está dividido em 9 estágios, dos quais 3 descrevem a

Situação de um projeto de lei que tramita na Câmara para extensão do

monitoramento eletrônico às prisões provisórias. Essas situações são apresentadas

nos estágios 4 [sanção de projeto], 5 [aprovação no Congresso] e no 6 [um segundo

projeto de lei]. No estágio 7, é introduzido o Problema: a espera dos presos

provisórios, que segundo o texto, aparentemente nos estágio 1 e 8 – poderia ser

solucionado com os sistemas de vigilância eletrônica. Os estágios 2, 3 e 6 mostram

como de fato várias fugas poderiam ser evitadas, caso os sistemas de vigilância

eletrônica fossem instalados e como os recursos gastos com sistema carcerário

poderiam ser economizados, e afirma, que tanto o sistema quanto detentos

lucrariam. Pode-se concluir, então que a aprovação da extensão do monitoramento

108

eletrônico seria a solução para a diminuição da criminalidade que a cada dia cresce

no país.

Portanto, dos estágios integrantes de uma argumentação (referidos no apoio

teórico), estão presentes a situação que apresenta o Problema (a urgência da

aprovação do projeto de lei) e os Argumentos (mostrando a eficácia dos

monitoramentos eletrônicos à distância). A Solução, apresentada de maneira

implícita e prosodicamente, é de que a criminalidade e as fugas vão diminuir,

somente se o projeto de lei, que prevê a extensão do monitoramento eletrônico for

votado urgentemente.

2.1.2 Registro: exame elementos de Campo, Relação e Modo

Campo: trata dos projetos que foram sancionados pelo Presidente Lula e os que

estão tramitando na Câmara para extensão do monitoramento eletrônico de alguns

presos. O Editorial faz avaliações negativas do sistema carcerário de monitoração

de presos, aponta várias inadequações e exige urgência na votação do projeto.

Relações: os participantes da interação são os editorialistas e os leitores da FSP.

Os editorialistas são aqueles que na construção do texto, se alinham indiretamente

com os leitores, uma vez que já prevêem a informação esperada pelo seu público-

alvo, alcançando dessa forma a interação na compreensão do texto. Os leitores são

aqueles que estão expostos às opiniões do editorial. O objetivo do editorial pode ser

o de munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para

criar o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia tem sua função no editorial, na

medida em que, como parte de suas funções, atinge e confirma interesses,

preocupações e pontos de vista do leitor. A ideologia aqui é, nas palavras de

Thompson (1984: 1), “o pensamento dos outros” na medida em que é uma

interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.

Modo: A linguagem escrita é formal, assim relaciona-se às exigências do gênero

editorial de jornal, as escolhas léxico-gramáticais contribuem para dar coerência e

coesão na construção do texto. A noção de “idioma público”, de Stuart Hall (1978

apud Fowler 1991, p. 48), deve ser mencionada aqui: “A linguagem empregada será

109

a versão do jornal da linguagem do público para quem é endereçada”. Padrões de

vocabulário mapeiam os registros e seus usuários; enfatizam preocupações

especiais, projetam valores sobre o assunto do discurso; a sintaxe analisa ações e

estados, moldando as pessoas com papéis e atribuindo a elas responsabilidade;

afirmam-se ou implicitam-se temas recorrentes e generalizações. Se o leitor do

jornal julgar que o modo coloquial de discurso lhe é familiar e confortável, acaba

considerando a ideologia que sua estrutura incorpora como um “senso comum” e a

aceita.

2.1.3 A coerência tripártite (global-local-temática)

Passo a analisar os três fatores que promovem a coerência de um texto.

Consideremos, então, o título do editorial: "Presos monitorados", e vejamos como os

estágios se relacionam com esse título em termos da coerência global (em negrito

no texto) [lembrando que a coerência global refere-se à relação do enunciado com o

plano geral do texto]. Os colchetes referem-se à coesão local [lembrando que esta

se refere ao que o falante tenta efetivar no texto, explicando, justificando]. Os termos

que concorrem para a efetivação da coerência temática [ou progressão temática]

estão sublinhados.

Presos monitorados

Folha de S.Paulo (18.6.10) Editorial (265 pals.) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos.

Discussão: A coerência é realizada através da coerência temática, que está em relação paralela à coerência global.

O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de [pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo carcerário brasileiro].

Discussão: A coerência é realizada através das coerências global e temática, que estão em relação paralela às coerências global e local.

[Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito a ausências temporárias na prisão]. [Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos] no cumprimento da pena.

110

Discussão: A coerência é realizada através de três relações distintas de coerências – temática, local e global relacionadas simultaneamente.

[Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção], pelo presidente Lula, [de um projeto que regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos] no país.

Discussão: A coerência é realizada através das coerências temática e local, que estão em relação paralela às coerências local e global.

O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o [uso “algema eletrônica” apenas para condenados em regime semiaberto], beneficiados por indultos em datas específicas – [como no Natal – e detentos em prisão domiciliar]. [Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos submetidos à prisão provisória ou preventiva].

Discussão: A coerência é realizada através da coerência temática, que está em relação paralela à coerência global.

[Os casos vislumbrados não são de menor importância]. [Quase 20% das fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão]. [O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e limitar a prática de crimes] durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias.

Discussão: A coerência é realizada através de três relações distintas de coerências – global, temática e local simultaneamente.

[Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. [Quase metade dos mais de 470 mil detentos no país são presos provisórios], muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento.

Discussão: A coerência é realizada através da coerência local, que está em relação paralela às coerências global e temática.

[Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de mantê-las em abarrotadas penitenciárias].

Discussão: A coerência é realizada através das três coerências – temática, global e local – relacionadas simultaneamente.

Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a extensão do monitoramento eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo.

Discussão: A coerência é realizada através de duas relações distintas de coerências – temática e global –, que estão em relação paralela às coerências global. Quadro 10 - Análise da coerência tripártite.

Pode-se ver que todos os estágios acima referem-se ao tema 'Presos

monitorados pelos sistemas de vigilância eletrônica à distância por meio de

pulseiras ou tornozeleiras'. Nesse sentido, o texto é coerente em termos globais.

Quanto à coerência local, indicada entre colchetes no texto, referem-se às

as sub-metas, menos relacionadas com coisas que o autor tenta efetivar no mundo,

111

do que com coisas que ele tenta efetivar no texto, algo como dizer "o que aconteceu

depois", ou elaborar o que acabou de expor. Também, aqui, o editorial apresenta

uma série de elementos que ajudam a localizar e a entender a informação, bem

como a perceber a intenção do editorialista [que veremos com maior detalhe na

análise da coesão avaliativa].

Por fim, verificamos a coerência temática, indicada com dois asteriscos no

editorial, e que se refere a trechos de conteúdo - vamos chamá-los de temas - que

aparecem repetidamente. Essa questão, mais voltada à coesão, segundo Eggins,

será mais bem examinada em ocasião própria.

2.2 Análise da coesão

2.2.1 A Manutenção dos Participantes

Os participantes desse editorial examinados aqui são: (i) Presos monitorados;

(ii) sistemas de vigilância; (iii) complexo carcerário; e (iv) projeto de lei (que tramita

na Câmera, deve ser sancionado urgente e colocado em prática). Para essa análise,

divido o texto em sete partes, conforme foi deduzido na análise dos estágios de

gênero: (a) Solução; (b) Argumentos; (c) Situação; (d) Argumentos; (e) Problema; (f)

Solução; e (g) Situação - Avaliação. A manutenção dos participantes garante a

coesão textual, segundo Eggins. Sigo o seguinte código para apontar a manutenção

desses dois elementos:

(i) Presos monitorados: negrito

(ii) sistemas de vigilância: sublinhado

(iii) complexo carcerário: itálico

(iv) projeto de lei [colchetes]

Presos monitorados

Folha de S.Paulo (18.6.10) Editorial (265 pals.)

ESTÁGIO: (a) SOLUÇÃO

São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. Apresentação

112

Discussão A coesão, aqui, é feita pela apresentação “sistemas de vigilância eletrônica de presos”, que trará benefícios tanto aos presos quanto ao sistema penal e à sociedade como um todo.

ESTÁGIO: (b) ARGUMENTOS O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de similaridade similaridade similaridade anáfora pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo co-hiponímia/subclasses do contraste holonímia hiperônimo/classe geral (sistemas eletrônicos) meronímia da holoní mia (complexo carcerário) carcerário brasileiro. holonímia Discussão “Controle à distância de condenados ou suspeitos”, coesão por similaridade, dá continuidade ao tópico anterior, referindo-se aos “sistemas de vigilância eletrônica de presos”, e pela anáfora “que”, referindo aos “suspeitos” que aguardam julgamento, por meio de “pulseiras ou tornozeleiras”, coesão por co-hiponímia/subclasses do hiperônimo/classe geral de “sistemas eletrônicos”. Por outro lado “fugas” contraste de “prisão” é introduzido nesse trecho para mostrar que possível por meio dos “sistemas de vigilância” a diminuição das “fugas” bem como a “superlotação” do “complexo carcerário”, coesão por holonímia. Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito a similaridade/repetição ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa similaridade/contraste/ similaridade expectativa repetição periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena. Discussão Continua-se a falar de “controle de detentos” coesão por similaridade e repetição, mas para introduzir novo tópico, “recursos e benefícios” que terão os “presos” – já inferível pelo primeiro estágio, portanto, coesão por similaridade de “condenados”. Também “ausências temporárias da prisão”, coesão por similaridade de “saídas temporárias da prisão”, e acesso a “regimes menos severos”, coesão por similaridade de “regimes por indulto” e “prisão domiciliar”.

ESTÁGIO: (c) SITUAÇÃO Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um [projeto] que anáfora/ bridging/whole similaridade text reference regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. similaridade/repetição similaridade/repetição

113

Discussão O trecho dá continuidade à apresentação de parte “desses avanços”, coesão por bridging, referindo-se por similaridade a um “projeto” (similaridade), que regulamenta a instalação dos “sistemas de monitoramento de presos” retoma por similaridade sistemas de vigilância eletrônica de presos, e deverá ser sancionado pelo presidente Lula. Todo esse processo estabelece a coesão do texto, mantendo os participantes “projeto de lei e monitoramento de presos”. O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, [ELE] prevê o uso “algema eletrônica” apenas [similaridade] anáfora/elipse similaridade/repetição para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no similaridade/repetição Natal – e detentos em prisão domiciliar. (ELES) Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos expectativa/similaridade/repetição catáfora/bridging similaridade/repetição submetidos à prisão provisória ou preventiva. similaridade repetição Discussão Continua-se a falar do “texto” sancionado, por similaridade e pela elipse/anáfora “ele”, referindo-se a “projeto”, além dos benefícios “algema eletrônica” para “condenados”, ambos por similaridade e repetição, mas os benefícios são apenas para os condenados que estão em regime semiaberto e “detentos” que estão em “prisão domiciliar”, portanto todos por coesão de expectativa, similaridade e repetição. E não para “eles” (catáfora), referindo-se aos “suspeitos” (similaridade/repetição), que estão cumprindo “prisão” (similaridade/repetição) provisória ou preventiva e não foram contemplados.

ESTÁGIO: (d) ARGUMENTOS Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e similaridade/repetição similaridade/repetição limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. similaridade/repetição local ref./similaridade Discussão Inicia-se o trecho para comprovar que atualmente, 20% das fugas da “prisão”, coesão por similaridade e repetição, são praticadas por condenados beneficiados pelo regime semiaberto, caracterizado como os casos vislumbrados. Portanto, faz-se necessário o uso de “tornozeleiras eletrônicas”, coesão por similaridade e repetição para a diminuição das “fugas” contraste de prisão e crimes, quando os “detentos” (similaridade/repetição) estiverem fora das “cadeias”, coesão por local reference e similaridade.

ESTÁGIO: (e) PROBLEMA Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade (DELES) dos mais de similaridade/repetição catáfora/bridging

114

470 mil detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar similaridade/repetição similaridade/repetição anáfora

julgamento. Discussão A evidência do problema do “sistema carcerário”, coesão por similaridade e repetição, é apresentada pela catáfora “deles”, referindo-se a quase metade dos mais de 470 mil “detentos” (similaridade/repetição) são “presos” provisórios, coesão por similaridade e repetição, e retomados pela anáfora “quais”, muitos passam anos na cadeia aguardando julgamento.

ESTÁGIO: (f) SOLUÇÃO Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de mantê- anáfora/sim.(presos) las em abarrotadas penitenciárias. anáfora similaridade/repetição Discussão Continua-se a apresentação de evidência para comprovar a tese. “dessas pessoas” apresenta-se aqui por meio de anáfora e similaridade de “presos”, para mostrar que parcela dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem mantê-“las”, anáfora que retoma “pessoas”, em abarrotadas penitenciárias, coesão por similaridade de prisão, cadeia...

ESTÁGIO: (g) SITUAÇÃO – AVALIAÇÃO Um [segundo projeto] de lei sobre o tema tramita na Câmara e [ELE] prevê a extensão do monitoramento bridging/repetição elipse/anáfora similaridade/repetição eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-[lo] logo. similaridade/repetição anáfora Discussão Finalmente, surge um “segundo projeto de lei” por bridging/repetição, que está tramitando na Câmara, retomado pela elipse “ele” que prevê a extensão do “monitoramento eletrônico”, coesão por similaridade e repetição, às “prisões provisórias” também por similaridade e repetição. Portanto a anáfora “lo” retoma o participante ‘projeto de lei’, que segundo a reivindicação do editorial, deve ser votado logo. Como se vê, um trecho bem escrito, amarra todos os participantes por meio de vários recursos de coesão. Quadro 11 – Manutenção dos participantes

2.2.2 Seleção Lexical

A análise da seleção lexical decorre da análise da manutenção dos

participantes. O que se examina aqui são os termos relacionados ao tópico

115

“sistemas de monitoramento à distância de presos para evitar fugas e os projetos de

lei” que efetivam essa manutenção. Assim, esses termos para promoverem a coesão

do editorial precisam estar de acordo com a seriedade que se pretende do assunto,

e também com a expectativa do leitor a que se destina, fatores importantes para a

promoção da coerência em editorial da Folha de São Paulo.

Portanto, eles terão de respeitar as variáveis de Registro: Campo, tratando do

tópico proposto no título; Relações: cumprindo, através da consideração dos ditames

exigidos pelo gênero editorial e da interação com os leitores da Folha de São Paulo;

Modo: com o respeito às exigências formais do gênero, bem como uma linguagem

que organizem as metas referentes a Campo e Relações.

A análise mostra a riqueza de linguagem que recorre a escolhas lexicais de

similaridade, como em, ‘sistemas de vigilância eletrônica de presos’ e ‘controle à

distância de condenados ou de suspeitos’, ‘complexo carcerário’ e

‘prisão’/’cadeia’/penitenciária, ’presos’ e ‘detentos'/‘condenados’/‘suspeitos’,

‘pulseira’/ ‘tornozeleira’ e ‘algemas eletrônicas’, ‘ausências temporárias’ similaridade

de ‘saídas temporárias’.

Note-se também o uso de termos que exigem conhecimento do assunto por

parte do leitor, tais como, "Projetos de lei”, “sistemas de monitoramento de detentos”

e “fugas da prisão”, citação de dados alarmantes de superlotação na penitenciária

na mente do leitor, bem como metade dos 470 mil detentos no país, passa anos a

aguardar julgamento, e poderia ser controlada pelo Estado (mas observa-se a

precariedade e falência do sistema carcerário do Brasil).

Finalmente, podemos verificar a sintaxe desse texto - que se costuma chamar

de "sintaxe madura" (veja exemplo a seguir) com várias nominalizações ['controle à

distância’, ‘incidência de fugas’, ‘cumprimento’, ‘instalação’, ‘saídas’, ‘tentativas’],

orações subordinadas com inversões e intercalações (que assinalo com colchetes

no texto), construída por escolhas lexicais adequadas à formalidade exigida por um

editorial desse jornal.

Presos monitorados Folha de S.Paulo (18.6.10)

Editorial (265 pals.) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. Expressão bridging Apresentação Espitêmica

116

O controle à distância de condenados ou de suspeitos [que aguardam julgamento, por meio de similaridade lógico similaridade anáfora pulseiras ou tornozeleiras], pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do complexo co-hiponímia /subclasses do probabilidade contraste lógico holonímia hiperônimo/classe geral (sistemas eletrônicos) meronímia da holoní mia (complexo carcerário)/similaridade carcerário brasileiro. Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito comentário lógico Personificação similaridade/repetição a ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, [quando considerados de baixa similaridade/expectativa contras- atitudinal similaridade lógico te/expectativa repetição periculosidade], pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena. similaridade Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um projeto que bridging/whole atitudinal/ deôntico similaridade anáfora text reference regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. similaridade/repetição O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, (ELE) prevê o uso “algema eletrônica” apenas similaridade anáfora Probab. similaridade/ repetição para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – [como no similaridade similaridade/repetição expectativa lógico repetição Natal] – e detentos em prisão domiciliar. (ELES) Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos lógico expectativa/similaridade catáfora certeza adj. Atitudinal similaridade/repetição repetição bridging submetidos à prisão provisória ou preventiva. similaridade/repetição lógico Os *casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas similaridade comentário contraste/similaridade similaridade repetição temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas repetição similaridade/repetição similaridade/repetição atitudinal/epistêmico anáfora/whole text reference e limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. lógico expectativa lógico similaridade local ref. local ref./similaridade repetição Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade (DELES) dos mais de Lógico bridging adj. atitudinal similaridade/repetição catáfora/bridging 470 mil detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento. similaridade/repetição similaridade/repetição anáfora

117

Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de expressão inclusiva anáfora epistêmica/probab. atitudinal/certeza mantê-las em abarrotadas penitenciárias. anáfora similaridade/repetição Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e (ELE) prevê a extensão do monitoramento bridging similaridade lógico elipse probab. similaridade/ repetição anáfora repetição eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo. similaridade/ similaridade/ comentário anáfora repetição repetição expr. Inclusiva Quadro 12 – Seleção Lexical

2.2.3 Conjunção

Como "conjunção", refiro-me não só às conjunções tradicionalmente

conhecidas - coordenativas e subordinativas -, mas também a outros elementos

conhecidos como "marcadores metadiscursivos". São elementos que, à semelhança

das conjunções, guiam o leitor através do texto. Como vimos, eles estão divididos

em textuais (MMT) e interpessoas (MMI), mas na medida em que ambos se

relacionam com o leitor nessa orientação textual, pode-se considerá-los todos

interpessoais. Veja, Quadro 3, repetido para facilitar o acompanhamento da

análise:

Quadro 3 - Resumo dos marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

Por uma questão de evitar muita repetição, analiso um trecho do editorial para

mostrar como os marcadores usados, ajudam a efetivar a coerência e a coesão

dentro de trecho, como o que se segue (coloco [T] para MMtextual e [I] para MMI):

MMT Marcadores Lógicos [e, além disso, contudo, assim,

finalmente]

Sequenciadores [primeiro, de um lado] Topicalizadores [em termos políticos, no caso do BNH]

Expressam relações semânticas

entre trechos do discurso;

indicam posições em uma série e

indicam mudança de tópico.

MMI Epistêmicos [é possível, talvez, certamente] Deônticos [deve, é necessário, precisamos] Comentários [pergunta, endereçamento direto, vamos

resumir, todos nós..., o que os votos estão dizendo,

(ironicamente)]

Expressam posicionamento do

autor e estabelecem a interação.

118

O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso algema eletrônica apenas Probabilidade (I) para condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no Marc. Lóg. [T] Natal – e detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos Marc. Lóg. [T] Certeza [I] Adj. Atitudinal [I] repetição bridging submetidos à prisão provisória ou preventiva. Marc. Lóg. [T] Quadro 13 – Marcadores metadiscursivos textual e interpessoal

2.2.4 Análise da coesão avaliativa

A prosódia avaliativa (também chamada de "logogênese"). Indicada com (+) a

Avaliatividade positiva e com (-) a Avaliatividade negativa.

Presos monitorados Folha de S.Paulo (18.6.10)

Editorial (265 pals.) São óbvios os benefícios propiciados pelos sistemas de vigilância eletrônica de presos. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através da ocorrência da Avaliação social (+). Ela está em relação ao bridging e apresentação (benefícios e sistemas de vigilância).

O controle à distância de condenados ou de suspeitos que aguardam julgamento, por meio de Avaliação social (+) pulseiras ou tornozeleiras, pode ajudar a diminuir a incidência de fugas e a superlotação do Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (+) complexo carcerário brasileiro. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através do contraste das duas ocorrências de Avaliação social (+) e duas de avaliação (-). Elas estão em relação de contraste de similaridade, co-hiponímia, contraste e holonímia (controle à distância de condenados/suspeitos/fugas/pulseiras ou tornozeleiras e complexo carcerário). Recursos serão economizados e haverá ganhos de eficiência no controle de detentos com direito Avaliação social (+) Avaliação social (+) a ausências temporárias na prisão. Ganham ainda os próprios presos, quando considerados de baixa Avaliação social (+) Avaliação social (+) Graduação periculosidade, pela oportunidade de acesso a regimes menos severos no cumprimento da pena.

119

Avaliação social (+) Graduação Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através das quatro ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de Personificação, similaridade/repetição, similaridade/expectativa, contraste/expectativa e similaridade (ganhos de eficiência, controle de detentos/ausências temporárias/prisão/presos e regimes menos severos). Parte desses avanços deverá resultar da recente sanção, pelo presidente Lula, de um projeto que Avaliação social (+) Avaliação social (+) Avaliação social (+) regulamenta a instalação dos sistemas de monitoramento à distância de presos no país. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através das quatro ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de bridging, similaridade e similaridade/repetição (desses avanços, projeto e sistemas de monitoramento à distância de presos). O texto, aprovado pelo Congresso no mês passado, prevê o uso “algema eletrônica” apenas para Avaliação social (+) condenados em regime semiaberto, beneficiados por indultos em datas específicas – como no Natal Avaliação social (+) Avaliação social (+) – e detentos em prisão domiciliar. Não foram contemplados, pela nova lei, suspeitos submetidos à Avaliação social (+) Avaliação social (+) prisão provisória ou preventiva. Discussão: A coesão é feita através das cinco ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de similaridade/repetição, expectativa, similaridade/repetição (“algema eletrônica”/condenados/regime semiaberto/ benefícios/detentos em prisão domiciliar e suspeitos/prisão). Os casos vislumbrados não são de menor importância. Quase 20% das fugas ocorrem em saídas Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (-) Avaliação social (-) temporárias da prisão. O uso de tornozeleiras eletrônicas deve coibir grande parte dessas tentativas e Avaliação social (+) limitar a prática de crimes durante o período em que detentos estiverem fora das cadeias. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através do contraste das três ocorrências de Avaliação social (-) e duas de avaliação (+). Elas estão em relação de contraste/similaridade/repetição, whole text reference, expectativa, similaridade/repetição, local ref. (fugas/saídas temporárias/prisão/tornozeleiras eletrônicas, dessas tentativas, crimes, detentos e fora das cadeias). Mas resta o problema mais relevante do sistema carcerário. Quase metade dos mais de 470 mil Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (-) Avaliação social (-) detentos no país são presos provisórios, muitos dos quais passam anos a aguardar julgamento. Avaliação social (-) Graduação Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das cinco ocorrências de Avaliação social (-). Elas estão em relação de bridging e similaridade/repetição (resta o problema e sistema carcerário/detentos/país/presos provisórios). Parcela considerável dessas pessoas poderia ser controlada pelo Estado sem a necessidade de Avaliação social (-) Avaliação social (-) mantê-las em abarrotadas penitenciárias. Avaliação social (-) Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação social (-). Elas estão em relação de similaridade/repetição (penitenciárias).

120

Um segundo projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara e prevê a extensão do monitoramento Avaliação social (+) Avaliação social (+) eletrônico às prisões provisórias. É preciso votá-lo logo. Avaliação social (+) Discussão: A coesão é feita através das três ocorrências de Avaliação social (+). Elas estão em relação de bridging e similaridade/repetição (segundo projeto e lei/monitoramento eletrônico/prisões provisórias). Quadro 14 - Coesão avaliativa