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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 12 (2.457) Cidade do Vaticano quinta-feira 23 de março de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +/!"!@!=!$! Para a jornada mundial da juventude o Papa releu o Magnificat Oração revolucionária A encíclica esquecida GIOVANNI MARIA VIAN Se é verdade que Paulo VI é um Papa distante no tempo e de facto esquecido, o mesmo é válido para um dos seus documentos mais ca- racterísticos, a encíclica Populorum progressio sobre o desenvolvimento dos povos. Publicado há meio sé- culo, o texto tem a data de 26 de março de 1967, dia de Páscoa, e suscitou no mundo um enorme cla- mor, igualável só aos contrastes que teria feito surgir um ano e meio depois a Humanae vitae para o controle natural dos nascimentos. E não foi ocasional que precisa- mente sobre estes dois documentos tenha voltado Montini com acentuações particulares no so- Como acontece com frequência na tradição cristã, antigo e novo misturam-se na Populorum progres- sio, texto na sua raiz evangélico e que sabe unir com eficácia num olhar clarividente a experiência pessoal de Montini, contributos do pensamento contemporâneo, o en- sinamento social dos Papas e a vi- são de antigos autores cristãos. «A terra é dada a todos, e não apenas aos ricos» exclama Ambrósio, o santo bispo de Milão citado na en- cíclica, que explica imediatamente que o direito de propriedade nunca deve danificar a utilidade comum, precisamente «segundo a doutrina tradicional dos padres da Igreja e dos grandes teó- logos». O texto papal, conce- bido e amadurecido no início dos anos sessenta, vê com lucidez que a questão social não é só questão moral, mas tem uma «dimensão mundial». Mon- tini refere-se ex- plicitamente às viagens feitas à América Latina e à África como A exortação a «lançar-se com fideli- dade criativa na construção de tem- pos novos» foi confiada pelo Papa Francisco aos jovens do mundo in- teiro na tradicional mensagem envia- da em vista da trigésima segunda jornada mundial da juventude, que será celebrada a nível diocesano no próximo dia 9 de abril, Domingo de Ramos. Depois da experiência internacio- nal vivida em Cracóvia no contexto do jubileu extraordinário da miseri- córdia, o caminho das novas gera- ções retoma o itinerário local em vis- ta do próximo encontro que será realizado no Panamá de 22 a 27 de janeiro de 2019. Como de costume, o Pontífice tenciona acompanhar igualmente este caminho trienal atra- vés de mensagens, centradas desta vez no Magnificat e ritmadas pelos versículos do evangelista Lucas. Tudo isto também em vista do Sí- nodo dos bispos que terá lugar em outubro de 2018 sobre o tema «Os jovens, a fé e o discernimento voca- cional». Por esta razão, realçou o Papa, é necessária «uma sintonia en- tre o percurso rumo à Jmj do Pana- má e o caminho sinodal». E foi por isso que este ano, com uma iniciati- va sem precedentes para favorecer uma difusão mais ampla da mensa- gem, o Santo Padre quis apresen- tá-la com um vídeo em que mencio- na de forma sintética os temas abor- dados no documento, convidando a empreender um intenso caminho de preparação espiritual para estes dois grandes encontros eclesiais. PÁGINAS 8 E 9 O Papa Montini assina a «Populorum progressio» a 26 de março de 1967, dia de Páscoa Conferência em Roma sobre Fátima Testemunho em primeira pessoa ROSA DE PINHO NA PÁGINA 2 À Penitenciaria apostólica Bom confessor O confessionário deve representar uma prioridade pastoral, a mais im- portante no ministério sacerdotal, a ponto que deveriam ser eliminados os cartazes com o horário. Reco- mendou o Papa, ao delinear o retra- to ideal do bom confessor, durante a audiência aos participantes num curso promovido pela Penitenciaria apostólica, recebidos na manhã de 17 de março. Um retrato centrado em três ele- mentos: estar «imersos na relação com Cristo, capazes de discerni- mento no Espírito e prontos para evangelizar». O Pontífice confiden- ciou que «a Penitenciaria é o tipo de Tribunal que agrada» deveras. Porque, explicou, a ele «nos dirigi- mos para obter aquele remédio in- dispensável para a nossa alma que é a Misericórdia. Mesmo se, admoes- tou, «não somos bons confessores» só «graças a um curso»; aliás, «a do confessor é uma “longa escola”, que dura a vida toda». PÁGINA 5 «Magnificat» (Taizé, igreja da Reconciliação) lene balanço do pontificado profe- rido a 29 de junho de 1978, quando «o decurso natural da nossa vida chega ao ocaso», disse o Pontífice que falecera quarenta dias mais tar- de quase de repente. Naquele discurso Paulo VI decla- rou que as suas duas encíclicas pre- tendiam defender a vida humana «ameaçada, perturbada ou até su- primida»: escolha definida impres- cindível pelo Papa no quadro do seu ensinamento para servir a ver- dade. Logo que o concílio se con- cluiu, precisamente uma nova to- mada de consciência das exigências da mensagem evangélica impõe que a Igreja «se coloque ao serviço dos homens» escreve de facto o Pontífice no início do texto, prepa- rado graças a diversas colaborações mas que resulta indiscutivelmente pessoal na inspiração, em muitas acentuações e na própria lingua- gem, apaixonada e sugestiva. cardeal e à Terra Santa, à Índia e a Nova Iorque, à sede das Nações Unidas, como sucessor de Pedro que escolheu o nome de Paulo pa- ra explicar uma das afirmações mais incisivas da encíclica — «Os povos da fome interpelam hoje de maneira dramática os povos da opulência» — e para se declarar «advogado dos povos pobres». Passou meio século depois da publicação da Populorum progressio e em linhas gerais a visão de Mon- tini permanece válida na sua diag- nose dramática e radical: «O mun- do está doente. O seu mal reside menos na delapidação dos recursos ou no seu açambarcamento por parte de alguns do que na falta de fraternidade entre os homens e en- tre os povos». Como repete hoje incansavelmente o seu sucessor, mesmo incompreendido por mui- tos, que de Paulo VI está a restituir a memória.

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 12 (2.457) Cidade do Vaticano quinta-feira 23 de março de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +/!"!@!=!$!

Para a jornada mundial da juventude o Papa releu o Magnificat

Oração revolucionária

A encíclica esquecidaGI O VA N N I MARIA VIAN

Se é verdade que Paulo VI é umPapa distante no tempo e de factoesquecido, o mesmo é válido paraum dos seus documentos mais ca-racterísticos, a encíclica Populorump ro g re s s i o sobre o desenvolvimentodos povos. Publicado há meio sé-culo, o texto tem a data de 26 demarço de 1967, dia de Páscoa, esuscitou no mundo um enorme cla-mor, igualável só aos contrastesque teria feito surgir um ano emeio depois a Humanae vitae parao controle natural dos nascimentos.E não foi ocasional que precisa-mente sobre estes dois documentostenha voltado Montini comacentuações particulares no so-

Como acontece com frequênciana tradição cristã, antigo e novomisturam-se na Populorum progres-sio, texto na sua raiz evangélico eque sabe unir com eficácia numolhar clarividente a experiênciapessoal de Montini, contributos dopensamento contemporâneo, o en-sinamento social dos Papas e a vi-são de antigos autores cristãos. «Aterra é dada a todos, e não apenasaos ricos» exclama Ambrósio, osanto bispo de Milão citado na en-cíclica, que explica imediatamenteque o direito de propriedade nuncadeve danificar a utilidade comum,precisamente «segundo a doutrina

tradicional dos padres daIgreja e dos grandes teó-logos».

O texto papal, conce-bido e amadurecido

no início dosanos sessenta, vêcom lucidez quea questão socialnão é só questãomoral, mas temuma «dimensãomundial». Mon-tini refere-se ex-plicitamente àsviagens feitas àAmérica Latina eà África como

A exortação a «lançar-se com fideli-dade criativa na construção de tem-pos novos» foi confiada pelo PapaFrancisco aos jovens do mundo in-teiro na tradicional mensagem envia-da em vista da trigésima segundajornada mundial da juventude, queserá celebrada a nível diocesano no

próximo dia 9 de abril, Domingo deRamos.

Depois da experiência internacio-nal vivida em Cracóvia no contextodo jubileu extraordinário da miseri-córdia, o caminho das novas gera-ções retoma o itinerário local em vis-ta do próximo encontro que será

realizado no Panamá de 22 a 27 dejaneiro de 2019. Como de costume,o Pontífice tenciona acompanharigualmente este caminho trienal atra-vés de mensagens, centradas destavez no Magnificat e ritmadas pelosversículos do evangelista Lucas.

Tudo isto também em vista do Sí-nodo dos bispos que terá lugar emoutubro de 2018 sobre o tema «Osjovens, a fé e o discernimento voca-cional». Por esta razão, realçou oPapa, é necessária «uma sintonia en-tre o percurso rumo à Jmj do Pana-

má e o caminho sinodal». E foi porisso que este ano, com uma iniciati-va sem precedentes para favoreceruma difusão mais ampla da mensa-gem, o Santo Padre quis apresen-tá-la com um vídeo em que mencio-na de forma sintética os temas abor-dados no documento, convidando aempreender um intenso caminho depreparação espiritual para estes doisgrandes encontros eclesiais.

PÁGINAS 8 E 9

O Papa Montini assinaa «Populorum progressio»a 26 de março de 1967,dia de Páscoa

Conferência em Roma sobre Fátima

Te s t e m u n h oem primeira pessoa

ROSA DE PINHO NA PÁGINA 2

À Penitenciaria apostólica

Bom confessorO confessionário deve representaruma prioridade pastoral, a mais im-portante no ministério sacerdotal, aponto que deveriam ser eliminadosos cartazes com o horário. Reco-mendou o Papa, ao delinear o retra-to ideal do bom confessor, durantea audiência aos participantes numcurso promovido pela Penitenciariaapostólica, recebidos na manhã de17 de março.

Um retrato centrado em três ele-mentos: estar «imersos na relaçãocom Cristo, capazes de discerni-mento no Espírito e prontos paraevangelizar». O Pontífice confiden-ciou que «a Penitenciaria é o tipode Tribunal que agrada» deveras.Porque, explicou, a ele «nos dirigi-mos para obter aquele remédio in-dispensável para a nossa alma que éa Misericórdia. Mesmo se, admoes-tou, «não somos bons confessores»só «graças a um curso»; aliás, «ado confessor é uma “longa escola”,que dura a vida toda».

PÁGINA 5

«Magnificat» (Taizé, igreja da Reconciliação)

lene balanço do pontificado profe-rido a 29 de junho de 1978, quando«o decurso natural da nossa vidachega ao ocaso», disse o Pontíficeque falecera quarenta dias mais tar-de quase de repente.

Naquele discurso Paulo VI decla-rou que as suas duas encíclicas pre-tendiam defender a vida humana«ameaçada, perturbada ou até su-primida»: escolha definida impres-cindível pelo Papa no quadro doseu ensinamento para servir a ver-dade. Logo que o concílio se con-cluiu, precisamente uma nova to-mada de consciência das exigênciasda mensagem evangélica impõeque a Igreja «se coloque ao serviçodos homens» escreve de facto oPontífice no início do texto, prepa-rado graças a diversas colaboraçõesmas que resulta indiscutivelmentepessoal na inspiração, em muitasacentuações e na própria lingua-gem, apaixonada e sugestiva.

cardeal e à Terra Santa, à Índia e aNova Iorque, à sede das NaçõesUnidas, como sucessor de Pedroque escolheu o nome de Paulo pa-ra explicar uma das afirmaçõesmais incisivas da encíclica — «O spovos da fome interpelam hoje demaneira dramática os povos daopulência» — e para se declarar«advogado dos povos pobres».

Passou meio século depois dapublicação da Populorum progressioe em linhas gerais a visão de Mon-tini permanece válida na sua diag-nose dramática e radical: «O mun-do está doente. O seu mal residemenos na delapidação dos recursosou no seu açambarcamento porparte de alguns do que na falta defraternidade entre os homens e en-tre os povos». Como repete hojeincansavelmente o seu sucessor,mesmo incompreendido por mui-tos, que de Paulo VI está a restituira memória.

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 23 de março de 2017, número 12

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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Apresentado livro sobre Fátima durante uma conferência no Instituto português em Roma

Testemunho em primeira pessoa

ROSA DE PINHO

«É a ti, peregrino, que estelivro é dedicado. Foi es-crito por quem te acom-

panhou durante cerca de cinquentaanos em Fátima. Sendo peregrino econtando, pela rádio e pela televi-são, o que como peregrino viveu evive. Há muitos olhares sobre Fáti-ma. Este é como um vitral que sófaz sentido visto de dentro para fora.Por isso é mais que uma crónica. Éum olhar sobre cada pessoa queconstitui uma multidão. E mais quemultidão, comunidade. Tem umpouco de história do essencial deFátima. Tem muito da voz que seprende à Imagem da Virgem e lhenarra em prece toda a sua vida feitade dores e esperanças. É tambémuma via-sacra que pode ser celebra-da perante os muitos quadros exis-tentes no Santuário. O melhor itine-rário será o percurso dos Valinhos,onde cada estação é um ato contem-plativo nos sereníssimos painéis depedra branca que nos revelam ospassos percorridos por Jesus da con-denação à Ressurreição. Contém um

conjunto de orações que podem serrezadas a qualquer hora do dia ouda noite. É um rosário sem contas.Toma, lê e reza».

Assim começa o livro escrito pelocónego António Rego, «Fátima —Sou peregrino», com o subtítulo«Um percurso espiritual», editoraPaulinas, apresentado na tarde dequinta-feira, 16 de março, pelo bispode Leiria-Fátima, dom António Mar-to, no Salão nobre do Instituto deSanto António dos Portugueses emRoma. O autor, que trabalhou du-rante mais de cinquenta anos na rá-dio e na televisão e que de Fátimafez centenas de reportagens, confes-sou que quando lhe pediram paraescrever um livro «que ajude o pere-grino a viver a sua peregrinação aFátima» sentiu uma certa dificulda-de porque, disse, «sobre Fátima estátudo dito e não faltam bons guiaspara peregrinos». Depois — a c re s -centou — imaginei-me a entrar no li-vro também como peregrino. Nãoser «um simples narrador, mas al-guém que está dentro da experiênciaespiritual de Fátima e não se separadaquilo que vê, conta e reza. Umato único».

Trata-se de um livro que é sobre-tudo um testemunho em primeirapessoa das vivências do peregrinoem Fátima. Um magistral «guia doperegrino», publicado simultanea-mente em português e italiano, noano da celebração do Centenário dasAparições que o Papa Francisco iráp re s i d i r.

Antes da apresentação, dom Antó-nio Marto proferiu uma conferênciasobre o tema “Fátima: mensagem deMisericórdia e de Esperança para omundo” na qual frisou a sua atuali-dade cem anos depois, recordandoque a «sombra de Fátima» abrangetodo o século XX, «talvez o maiscruel e sangrento da história», e queé nesse trágico quadro que a Virgemaparece em Fátima «como uma visãode paz e uma luz de esperança paraa Igreja e para o mundo». Talvez sóhoje consigamos compreender «mais

profundamente a verdade, a riquezae toda a extensão desta mensagem»,disse, destacando que «é possívelvencer o mal, a partir da conversãodo coração a Deus pela oração e re-paração do pecado humano».

Recordando João Paulo II, que aFátima foi peregrino três vezes, domAntónio Marto realçou que a «men-sagem é destinada especialmente aoshomens do nosso século, marcadopela guerra, ódio e violação dos di-reitos humanos fundamentais, peloenorme sofrimento de homens e na-ções, assim como pela luta contraDeus, até ao ponto de negar a suaexistência». Trata-se de uma missãoprofética que «seria um erro pensarque está concluída», disse citando aspalavras de Bento XVI em Fátima emmaio de 2010, o qual sublinhou a“promessa consoladora” deixada pe-la Virgem aos três videntes: “No fi-nal, o meu Imaculado Coraçãotriunfará...”.

Por isso, dom António Marto su-blinhou a relevância da mensagemde Fátima como «afirmação da pri-mazia de Deus». O apelo à conver-são e à reparação, à oração, especial-mente a recitação do Terço, o com-promisso da Paz, a compaixão pelosofrimento, a devoção ao ImaculadoCoração de Maria, a abertura à co-munhão católica, através da unidadeem volta do Papa, que Nossa Senho-ra dirigiu aos três pastorinhos naCova da Iria, são outros aspetosfundamentais.

A apresentação teve lugar na pre-sença do embaixador de Portugaljunto da Santa Sé, António de Al-meida Ribeiro. Estiveram presentestambém, além o reitor do Instituto,mons. Agostinho Borges, o chefe doprotocolo da Secretaria de Estadodo Vaticano, mons. José AvelinoBettencourt, e alguns sacerdotes eleigos portugueses que trabalhamem Roma e no Vaticano.

Programa da peregrinação pontifícia ao santuário mariano

Vinte e quatro horas de oraçãoA recitação do rosário na capelinha das aparições e a missa celebrada aoar livre serão os dois momentos fortes da viagem que o Papa realizará a12 e 13 de maio próximo ao santuário de Nossa Senhora de Fátima, porocasião do centenário das aparições de Nossa Senhora aos três pastori-nhos na Cova da Iria. Quase vinte e quatro horas de oração em terra por-tuguesa. De facto, o Pontífice partirá de Fiumicino às 14h00 de sexta-fei-ra 12 e aterrará na base aérea de Monte Real às 16h20. O voo de regressoa Roma está previsto para as 15h00 do dia seguinte.

Depois da cerimónia de boas-vindas, do encontro particular com o pre-sidente da República portuguesa e da visita à capela da base aérea, Fran-cisco transfere-se de helicóptero para o estádio de Fátima e dali, numaviatura aberta, chega ao santuário. A noite carateriza-se pela visita à cape-linha das aparições, com a bênção das velas e a recitação do rosário.

Na manhã de sábado 13 o Pontífice tem um breve encontro com o pri-meiro-ministro português na casa Nossa Senhora do Carmo. Em seguidavisita o santuário antes de celebrar, no adro, a missa solene e depois saú-da os doentes presentes. No final, Francisco volta para a casa Nossa Se-nhora do Carmo, onde almoça juntamente com os bispos locais. Por fim,no início da tarde, tem lugar a cerimónia de despedida na base aérea deMonte Real e o regresso.

A 28 e 29 de abril

O Papa Franciscono Egito

Acolhendo o convite do presiden-te da República, dos bispos cató-licos, de Sua Santidade o PapaTawadros II e do grande Imã damesquita de Al-Azhar, xeque Ah-med Mohamed el-Tayyib, o Papairá à República Árabe do Egitode 28 a 29 de abril, para visitar acidade do Cairo. O programa daviagem será anunciado nos próxi-mos dias.

Peregrinos a caminho do santuário

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

No Angelus o Pontífice falou de Jesus e da samaritana

Em busca da verdadeira águaQuando o cristão deixa de procurar a«água verdadeira» que «dá a vidaeterna», acaba por ir beber de poçosque não têm água limpa». Recordou oPapa Francisco no Angelus de 19 demarço, falando do encontro de Jesuscom a samaritana narrado no trechoevangélico da liturgia dominical.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho deste domingo, tercei-ro de Quaresma, apresenta-nos odiálogo de Jesus com a samaritana(cf. Jo 4, 5-42). O encontro aconte-ceu quando Jesus atravessava a Sa-maria, região entre a Judeia e a Ga-lileia, habitada por pessoas que osjudeus desprezavam, considerando-acismática e herege. Mas será precisa-mente esta população uma das pri-meiras a aderir à pregação cristã dosApóstolos. Enquanto os discípulosvão à aldeia procurar comida, Jesuspermanece junto de um poço e pedede beber a uma mulher que ali tinhaido buscar água. E deste pedido co-

meça um diálogo. «Como é que Tu,sendo judeu, te dignas pedir algumacoisa a uma samaritana?». Jesus res-ponde: se soubesses quem sou, e odom que tenho para ti, serias tu apedir e eu te daria «água viva», umaágua que sacia qualquer sede e setorna fonte inexaurível no coraçãode quem a bebe (cf. vv. 10-14).

Ir ao poço buscar água é cansati-vo e tedioso; seria bom ter à disposi-ção uma fonte a jorrar! Mas Jesusfala de uma água diversa. Quando amulher se apercebe que o homemcom o qual está a falar é um profeta,confidencia-lhe a própria vida eapresenta-lhe questões religiosas. Asua sede de afeto e de vida plenanão foi satisfeita pelos cinco maridosque tivera, aliás, viveu desilusões eenganos. Por isso a mulher fica ad-mirada com o grande respeito queJesus tem por ela e quando Ele lhefala até da verdadeira fé, como rela-ção com Deus Pai «em espírito everdade», então ela intui que aquelehomem poderia ser o Messias e Je-

sus — o que é raríssimo — confirma-o: «Sou Eu, que falo contigo» (v.26). Ele diz que é o Messias a umamulher com uma vida tão dissoluta.

Queridos irmãos! A água que dá avida eterna foi infundida nos nossoscorações no dia do nosso Batismo;nele Deus transformou-nos e en-cheu-nos da sua graça. Mas talvezeste grande dom o tenhamos esque-cido, ou reduzido a um mero dadocivil; e talvez vamos à procura de«poços» cujas águas não nos matama sede. Quando esquecemos a verda-deira água, vamos à procura de po-ços que não têm água limpa. Entãoeste Evangelho é precisamente paranós! Não só para a samaritana, maspara nós. Jesus fala-nos como falouà samaritana. Certamente nós já oconhecemos, mas talvez ainda não otenhamos encontrado pessoalmente.Sabemos quem é Jesus, mas talveznão o tenhamos encontrado pessoal-mente, nem falado com Ele, e aindanão o reconhecemos como o nossoSalvador. Este tempo de Quaresma éa ocasião boa para nos aproximar-mos d’Ele, encontrá-lo na oraçãonum diálogo direto, falar com Ele,ouvi-lo; é a ocasião para ver o seurosto também no rosto de um irmãoou de uma irmã que sofre. Destemodo podemos renovar em nós agraça do Batismo, matar a sede nafonte da Palavra de Deus e do seuEspírito Santo; e assim descobrirtambém a alegria de nos tornarmosartífices de reconciliação e instru-mentos de paz na vida diária.

A Virgem Maria nos ajude a be-ber constantemente da graça, daque-la água que brota da rocha que éCristo Salvador, para que possamosprofessar com convicção a nossa fé eanunciar com alegria as maravilhasdo amor de Deus misericordioso efonte de todo o bem.

No final da prece mariana o Papadirigiu o pensamento às vítimas dasinundações que nestes dias atingiram oPeru. Em seguida recordou a figura deJosef Mayr-Nusser, beatificado a 18 demarço em Bolzano, e convidou os fiéisa saudar com um aplauso todos ospais no dia de São José, cuja festa

litúrgica foi adiada para o dia seguinteporque coincidiu com o domingo.

Queridos irmãos e irmãs!Desejo garantir a minha proximida-de à amada população do Peru, du-ramente atingida por inundações de-vastadoras. Rezo pelas vítimas e porquantos estão comprometidos a pres-tar socorros.

Ontem em Bolzano, foi proclama-do Beato Josef Mayr-Nusser, pai defamília e representante da Ação Ca-tólica, martirizado porque recusouaderir ao nazismo por fidelidade aoEvangelho. Pela sua grande enverga-dura moral e espiritual ele constituium modelo para os fiéis leigos, so-bretudo para os pais, que hoje recor-damos com grande afeto, mesmo sea festa litúrgica de São José se cele-brará amanhã porque hoje é domin-go. Saudemos todos os pais com umgrande aplauso. [as pessoas aplau-dem]

Dirijo uma cordial saudação a to-dos vós peregrinos de Roma, da Itá-lia e de diversos países. Saúdo as co-munidades neocatecumenais que vie-ram de Angola e da Lituânia; assimcomo os responsáveis da Comunida-de de Santo Egídio da África e daAmérica Latina.

Desejo a todos bom domingo.Não vos esqueçais de rezar por mim.Bom almoço e até à vista!

Sieger Köder, «A samaritana no poço»

Recebido em audiência o presidente Kagame

Perdão pelas violências no Ruanda

Na manhã de 20 de março, o PapaFrancisco recebeu em audiência, noPalácio Apostólico do Vaticano, osenhor Paul Kagame, presidente daRepública de Ruanda. Sucessiva-mente, o chefe de Estado encon-trou-se com o secretário de Estadocardeal Pietro Parolin, acompanha-do do secretário para as relaçõescom os Estados, D. Paul RichardG a l l a g h e r.

Durante os colóquios cordiaisforam recordadas as boas relaçõesexistentes entre a Santa Sé e Ruan-da; apreciou-se o notável caminhode retomada para a estabilizaçãosocial, política e económica dopaís; e foi relevada a colaboraçãoentre o Estado e a Igreja local naobra de reconciliação nacional e deconsolidação da paz, em benefícioda nação inteira. Neste contexto, oPapa manifestou a sua profundador pessoal, bem como a da SantaSé e da Igreja pelo genocídio con-tra os tutsis, expressando a sua so-lidariedade pelas vítimas e porquantos continuam a padecer asconsequências daqueles aconteci-mentos trágicos e, em sintonia como gesto realizado por João Paulo IIdurante o grande jubileu do ano2000, renovou a imploração deperdão a Deus pelos pecados e pe-

las falhas da Igreja e dos seusmembros, entre os quais sacerdotes,religiosos e religiosas que cederamao ódio e à violência, traindo aprópria missão evangélica. O Pon-tífice desejou também que este hu-milde reconhecimento das faltascometidas naquela circunstância,que infelizmente deturparam o ros-to da Igreja, contribua, também àluz do recente ano santo da miseri-córdia e do comunicado publicadopelo episcopado ruandês por oca-sião do encerramento deste ano,para «purificar a memória» e parapromover com esperança e renova-da confiança um futuro de paz,testemunhando que é concretamen-te possível viver e trabalhar juntos,quando se põem no centro a digni-dade da pessoa humana e o bemcomum.

Por fim, teve lugar uma troca depontos de vista sobre a situaçãopolítica e social da região, comuma atenção especial a algumasáreas atingidas por conflitos ou ca-lamidades naturais, e expressou-separticular preocupação pelo grandenúmero de refugiados e migrantesnecessitados da assistência e daajuda da parte da comunidade in-ternacional e também dos organis-mos regionais.

Bispos de El Salvadorem visita ad limina

Na manhã de segunda-feira 20 de março o Santo Padre recebeu em audiênciaos membros da Conferência episcopal de El Salvador por ocasião da visita «ad limina»

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 23 de março de 2017, número 12

Coleta anual para a Terra Santa

Manter viva a esperançaem tempos difíceis

Publicamos a carta enviada a 1 demarço, quarta-feira de Cinzas, aos bis-pos do mundo inteiro pela Congregaçãopara as Igrejas orientais — por ocasiãoda coleta anual destinada à TerraSanta — assinada pelo cardeal Leo-nardo Sandri e pelo arcebispo CyrilVa s i l ’, respetivamente prefeito e secretá-rio do dicastério.

O caminho quaresmal que estamos apercorrer convida-nos a erguer oolhar para a meta: somos chamadosa seguir Nosso Senhor Jesus Cristoaté ao Gólgota e, depois, descer comEle até ao Sepulcro; assim, experi-mentamos a força sempre nova e vi-vificante da sua Ressurreição. OsLugares Santos da nossa fé são otestemunho tangível deste extraordi-nário acontecimento que mudou ahistória da humanidade e a abriu auma nova esperança.

Daqueles lugares, o anúncio daPáscoa espalhou-se por todo o mun-do e continua a ser difundido. Na-quela região, de um modo ininter-rupto através dos séculos, mesmo acusto de grandes sacrifícios e martí-rios, continua a estar presente umacomunidade cristã como rosto uni-versal do Pentecostes.

O sentido de comunhão em Cris-to morto e ressuscitado por nós, le-va-nos a promover, também esteano, a importante iniciativa de umaCollecta pro Terra Sancta, manifestan-do a união fraterna que une a IgrejaUniversal com aquela Igreja Mãe. OSanto Padre, por ocasião da Assem-bleia da Reunião das Obras de Aju-da às Igrejas Orientais (ROACO), a 16de junho de 2016, no momento emque se referia aos trabalhos de res-tauro em curso na Basílica da Nati-vidade em Belém e da Edícula doSanto Sepulcro em Jerusalém, recor-dou o valor, não só da presença daIgreja na Terra Santa, como tambéma importância da «manutenção dosLugares Santos e dos Santuários,graças à Coleta de Sexta-Feira San-ta, que em cada ano se renova, apartir da feliz intuição do BeatoPaulo VI». Graças à generosa ofertade tantos católicos e não, os traba-lhos de restauro dos dois lugares,património comum da Cristandade,estão a concluir-se no prazo previstoe com os melhores resultados possí-veis.

Sabemos que hoje não é fácil vi-ver a fé no Médio Oriente. De ummodo especial não o é no Iraque, naSíria e no Egito, onde a comunidadecristã tem feito a experiência do ecu-menismo do sangue, e onde cada fieldeve lutar cada dia contra a tentaçãode abandonar a própria terra e mes-mo a própria fé. Também não o énos outros países daquela região, on-de muitas vezes os cristãos estãosubmetidos a formas de pressão e dediscriminação que minam quotidia-namente as suas condições de vida ede permanência naquele lugar.

Manter viva a esperança nestecontexto é verdadeiramente difícil e,

ao mesmo tempo, importantíssimo.A pequena presença cristã no MédioOriente tem, por isso, necessidadede sentir o apoio e a proximidade detoda a Igreja. Um apoio que é feitode oração constante por eles. Umapoio que é, também, feito de ajudaeconómica concreta; tendo em contaaquilo que já São Paulo escrevia apropósito da primeira coleta para Je-rusalém: «Dê cada um segundo oimpulso do seu coração, sem tristezanem constrangimento, porque Deusama aquele que dá com alegria» (2Cor 9, 7).

Mais uma vez, graças à generosi-dade de toda a Igreja, que se faz vi-va e se manifesta na Coleta de Sex-ta-Feira Santa, as comunidades cató-licas da Terra Santa, quer latinas daDiocese do Patriarcado de Jerusaléma da Custódia Franciscana e de ou-tras circunscrições, quer orientais:greco-melquita, copta, maronita, sí-ria, caldeia e arménia, com as famí-lias religiosas e os organismos de to-do o género, poderão por sua vezajudar concretamente os pobres e osdoentes de cada etnia e de cada cre-do religioso, sem distinção.

As paróquias de cada rito prosse-guirão o seu trabalho pastoral dandoatenção especial aos pobres. As esco-las serão lugares de encontro entrecristãos e muçulmanos para prepara-rem em conjunto um futuro de res-peito e colaboração mútua. Os hos-pitais e centros de primeiros socor-ros, os hospícios e os centros de en-contro continuarão a acolher osdoentes e necessitados, os refugiadose imigrantes, as pessoas de todas as

idades e religiões fustigadas pelohorror da guerra. Interpelam-nos to-dos os dias, e não podemos esque-cer, o rosto de milhares de crianças ejovens em idade escolar, fugindo daviolência e perseguição que neste

momento ocorrem na Síria e no Ira-que. Eles foram acolhidos nas esco-las da Terra Santa graças à Coletade Sexta-Feira Santa. Outro elemen-to importante que constitui a vitali-dade da Igreja na Terra Santa é ap e re g r i n a ç ã o , iniciativa que deve serpromovida continuamente. Atravésda viagem aos Lugares Santos e nospassos de Cristo é possível, não sóum renascimento da fé e uma redes-coberta das próprias origens, mas étambém um meio de nova evangeli-zação. As peregrinações são, entreoutros, um meio essencial de subsis-tência para a população cristã daTerra Santa. Segundo recentes esta-tísticas, ao menos trinta por centoda comunidade local — em Jerusa-lém e em Belém — vive e trabalha naindústria do turismo religioso.

Nestes dias de preparação para aSanta Páscoa renovamos o nossoempenho em ser artesãos de paz, re-zando e trabalhando, até que a pazhabite no coração de cada pessoa,especialmente dos nossos irmãos eirmãs da Terra Santa e do MédioO riente.

A vossa excelência, aos sacerdotes,aos consagrados e aos fiéis, que seempenham no sucesso da realizaçãodesta Coleta, alegro-me ao transmitira todos o vivo reconhecimento doSanto Padre Francisco, ao qual seune a gratidão da Congregação paraas Igrejas Orientais. Invoco sobre asua pessoa e o seu ministério pasto-ral, e sobre todos os fiéis da sua ju-risdição, as maiores bênçãos divinas,e desejo-vos também uma SantaPáscoa e as saudações mais fraternasno Senhor Jesus.

A Santa Sé a favor das basílicasda Natividade e do Santo Sepulcro

Um contributo de quinhentos mil dólares para os trabalhos de restauroque estão a ser feitos na basílica da Natividade em Belém foi oferecidopela Santa Sé à Custódia franciscana da Terra Santa. Como se sabe, umaparte importante dos restauros já foi realizada e espera-se que, com oacordo das comunidades interessadas, o trabalho possa ser depressa com-pletado.

A Santa Sé deseja contribuir também para o restauro do Santo Sepul-cro em Jerusalém, e para esta finalidade atribuiu uma cifra igual de qui-nhentos mil dólares para a nova fase dos trabalhos que dizem respeito àárea em volta do nicho do Santo Sepulcro. Esta segunda contribuição se-rá disponibilizada quando as comunidades titulares do Status quo t i v e re mconstituído de comum acordo uma comissão específica. Ambas as contri-buições, que se tornaram possíveis através da Secretaria de Estado e daCongregação para as Igrejas orientais, serão postas à disposição mediantea Custódia da Terra Santa.

A solicitude e a atenção a estes dois lugares santos, que há séculos ali-mentam a fé da Igreja e de inúmeros peregrinos, são sinal e expressão doamor a Cristo, a fim de que — como disse o Papa Francisco no discurso àReunião das obras de ajuda às Igrejas orientais a 16 de junho passado —«o rosto da Igreja reflita visivelmente a luz de Cristo Verbo encarnado.Ele é a nossa paz, e bate à porta do nosso coração no Médio Oriente».

A Basílica da Natividadeem Belém

O presidente libanêsrecebido em audiência

A 16 de março o PapaFrancisco recebeu emaudiência o senhorMichel Aoun, presi-dente da Repúblicado Líbano, o qual su-cessivamente se encon-trou com o cardealPietro Parolin, secretá-rio de Estado, acom-panhado pelo arcebis-po Paul Gallagher, se-cretário para as Rela-ções com os Estados.

Durante os colóquios cordiais foram evidenciadas as boas relaçõesentre a Santa Sé e o Líbano, realçando o papel histórico e institucionalda Igreja na vida do país. Expressaram satisfação pelo compromissodas várias forças políticas por levar a termo a vacância presidencial, fa-zendo votos para que no futuro haja uma colaboração cada vez maisprofícua entre os membros das diversas comunidades étnicas e religio-sas em prol do bem comum e do desenvolvimento da nação.

Prosseguindo o colóquio, fizeram referência à Síria, com particularatenção aos esforços internacionais por uma solução política do confli-to. Foi também confirmado o apreço pelo acolhimento que o Líbanooferece aos numerosos refugiados sírios. Por fim, houve um amplo in-tercâmbio de opiniões sobre o contexto regional, mencionando os ou-tros conflitos em ato e a situação dos cristãos no Médio Oriente.

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

À Penitenciaria apostólica

Bom confessorO retrato ideal do «bom confessor» foidesenhado pelo Papa Francisco durantea audiência concedida aos participantesno curso promovido pela Penitenciariaapostólica, recebidos na manhã de 17de março na sala Paulo VI. A seguir,o discurso de saudação proferido peloSumo Pontífice.

Estimados irmãos!

É com prazer que me encontro con-vosco, nesta primeira audiência de-pois do Jubileu da Misericórdia, porocasião do anual Curso sobre o ForoInterno. Dirijo uma saudação cor-dial ao Cardeal Penitenciário-Mor,enquanto lhe agradeço as amáveisexpressões. Saúdo o Regente, osPrelados, os Oficiais e os Funcioná-rios da Penitenciaria, os Colégiosdos penitencieiros ordinários e ex-traordinários das Basílicas Papais naUrbe, e todos vós participantes nes-te curso.

Na realidade, confesso-vos, o daPenitenciaria é um tipo de Tribunalque realmente me agrada, porque setrata de um tribunal da misericór-dia», ao qual nos dirigimos para re-ceber o remédio indispensável para a

nossa alma, que é a Misericórdia di-vina!

O vosso curso sobre o foro inter-no, que contribui para a formação debons confessores, é útil como nunca, ediria até necessário nos dias de hoje.Sem dúvida, não nos tornamos bonsconfessores graças a um curso, não:a do confessionário é uma «longaescola», que dura a vida inteira. Masquem é o «bom confessor»? Comonos tornamos bons confessores?

A este propósito, gostaria de indi-car três aspetos.

1. O «bom confessor» é, acima detudo, um verdadeiro amigo de JesusBom Pastor. Sem esta amizade, serámuito difícil amadurecer aquela pa-ternidade, tão necessária no ministé-rio da Reconciliação. Ser amigo deJesus significa antes de tudo cultivara oração. Quer uma prece pessoalcom o Senhor, pedindo-lhe incessan-temente o dom da caridade pastoral;quer uma oração específica paracumprir a tarefa de confessor e paraos fiéis, irmãos e irmãs que se apro-ximam de nós em busca da miseri-córdia de Deus.

Um ministério da Reconciliação«imbuído de oração» será um refle-xo credível da misericórdia de Deus

e evitará os dissabores e as incom-preensões que, às vezes, se poderiamgerar até no encontro sacramental.O confessor que reza sabe bem queele mesmo é o primeiro pecador, oprimeiro perdoado. Não se podeperdoar no Sacramento sem a cons-ciência de ter sido perdoado primei-ro. E por conseguinte a oração é agarantia primordial para evitar todasas atitudes de severidade, que inutil-mente julga o pecador e não o peca-do.

Na oração é necessário implorar adádiva de um coração ferido, capazde compreender as chagas do próxi-

mo e de as curar com o azeite damisericórdia, com aquele que o bomsamaritano derramou sobre as feri-das daquela pobre vítima, de quemninguém tinha piedade (cf. Lc 10,34).

Na oração devemos pedir a pre-ciosa dádiva da humildade, para quese manifeste cada vez mais claramen-te que o perdão é um dom gratuitoe sobrenatural de Deus, do qual nóssomos simples e necessários adminis-tradores, pela própria vontade de Je-sus; e sem dúvida será do seu agra-do se recorrermos generosamente àsua misericórdia.

Além disso, na oração nós invoca-mos sempre o Espírito de discerni-mento e de compaixão. O Espíritopermite que nos identifiquemos comas dores das irmãs e dos irmãos quese aproximam do confessionário,acompanhando-os com discernimen-to prudente e maduro, e com verda-deira compaixão pelos seus sofri-mentos, causados pela pobreza dop ecado.

2. Em segundo lugar, o bom con-fessor é um homem do Espírito, umhomem do discernimento. Quantomal se causa à Igreja pela falta dediscernimento! Quanto mal se pro-voca às almas com ações que nãoafundam as suas raízes na escuta hu-milde do Espírito Santo e da vonta-de de Deus. O confessor não cum-pre a sua vontade pessoal e não en-sina uma sua doutrina. Ele é chama-do a cumprir sempre e unicamente avontade de Deus, em plena comu-nhão com a Igreja da qual é minis-tro, ou seja, servo.

O discernimento permite distin-guir sempre, para não confundir, pa-ra nunca «medir tudo pela mesmabitola». O discernimento educa oolhar e o coração, permitindo assimaquela delicadeza de espírito tão ne-cessária diante de quantos nosabrem o sacrário da própria cons-ciência para receber a sua luz, paz em i s e r i c ó rd i a .

O discernimento é necessário tam-bém porque aquele que se aproximado confessionário pode provir das si-tuações mais diversas; poderia atésofrer de algum distúrbio espiritual,cuja natureza deve ser submetida aum discernimento atento, tendo emconsideração todas as circunstânciasexistenciais, eclesiais, naturais e so-brenaturais. Se o confessor se derconta da presença de verdadeirosdistúrbios espirituais — que tambémpodem ser em grande parte psíqui-

Celebração penitencial na basílica vaticana

Tempo de misericórdiaTodos os dias é tempo de misericórdia, cada momentoé propício para nos reconciliarmos com Deus. Foi as-sim em particular durante o ano santo que acabou dese concluir e o mesmo acontece sempre na Quaresma.A confissão está no centro do itinerário de conversãodeste tempo forte: portanto, como nos anos passados,na basílica de São Pedro foi realizada a celebração dapenitência. O rito teve lugar no final da tarde de sexta-feira, 17 de março, presidido pelo Papa Francisco, oqual foi o primeiro que se aproximou do sacramento,confessando depois sete fiéis leigos: três homens e qua-tro mulheres. No total, as confissões duraram cerca decinquenta minutos.

Também este ano o Pontífice se ajoelhou diante dofrade penitencieiro, no degrau do confessionário, colo-cado ao lado do monumento de Clemente XIII, numanave lateral da basílica. Ao receber a absolvição, o Pa-pa Francisco sentou-se por sua vez no confessionárioem frente, vestiu a estola roxa e administrou o sacra-mento a sete penitentes.

Acolheram as outras confissões dos fiéis sessenta sa-cerdotes, entre os quais os penitencieios das quatro ba-sílicas papais: São Pedro, São João de Latrão, SantaMaria Maior, São Paulo Extramuros. Entre os confes-sores estava também o cardeal Mauro Piacenza, Peni-tenciário-Mor, juntamente com o regente, monsenhorKrzysztof Józef Nykiel, e os oficiais da Penitenciaria;os arcebispos Rino Fisichella, presidente do PontifícioConselho para a promoção da nova evangelização, JoséOctavio Ruiz Arenas, secretário do dicastério, e Kon-rad Krajewski, esmoler pontifício. Entre os presentes,os cardeais Ouellet e Re, o arcebispo Georg Gänswein,prefeito da Casa Pontifícia, monsenhor Leonardo Sa-pienza, regente da Prefeitura, e numerosos prelados eprimazes da Cúria romana.

A presença dos penitencieiros representou também omomento conclusivo do vigésimo oitavo curso sobre oforo interno organizado pela Penitenciaria apostólicade 14 a 17 de março. Com a celebração em São Pedro— o rito para a reconciliação de vários penitentes coma confissão e a absolvição individual — o Papa anteci-pou também a iniciativa “Vinte e quatro horas para oSenhor”, que se realizará em todas as igrejas do mundode 24 a 25 de março.

A iniciativa, que já chegou à quarta edição, foi pro-movida pelo dicastério para a promoção da nova evan-gelização e este ano tem como tema «Misericórdia que-ro» (Mateus 9, 13)». O objetivo é sublinhar a impor-tância da oração, da adoração eucarística e do sacra-mento da reconciliação.

Em particular, no dia 24 em Roma, das 20h00 atéaltas horas da noite, as igrejas de Santa Maria em Tras-tevere e dos Estigmas de São Francisco permanecerãoabertas para a adoração eucarística e as confissões. Sá-bado 25, às 17h00, na igreja de Santo Espírito em Sas-sia, a iniciativa concluir-se-á com a celebração conclusi-va de agradecimento, e com as primeiras vésperas doquarto domingo de quaresma, presididas pelo arcebis-po Fisichella.

Peter Paul Rubens, «São Pedro» (detalhe, 1616-1618)

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

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CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 5

Bom confessor

No livro do irmão a memória de Shahbaz Bhatti

A narração de PaulPIETRO PAROLIN

Há pessoas dispostas a morrer peloideal no qual acreditam. Entre elasestava Shahbaz Bhatti, ministro fe-deral das Minorias do Paquistão, as-sassinado a 2 de março de 2011 emIslamabad. Contudo, o ideal deShahbaz Bhatti não era uma simplesideia nem um mero valor, apesar denobre e elevado. Era o que os cris-tãos têm de mais querido, isto é, opróprio Cristo (cf. V. Soloviev, Ilracconto dell’anticristo). «Quero viverpor Cristo e por Ele quero morrer»,escreveu no seu testamento espiri-tual.

De Shahbaz conhecemos algunspormenores da vida pública, mas na-da sabemos sobre o seu universo in-terior. Com esta publicação, o seu ir-mão Paul torna-o familiar a nós,descrevendo-o na sua intimidade, nasua existência diária, mostrando osseus progressos humanos e espiri-tuais.

Páginas escritas com lágrimas nosolhos e com um véu de amargura,mas aliviadas pela certeza de que afé de Shahbaz nunca falhou. Aténos momentos mais difíceis, quandoas ameaças e o ódio tentavam pôrfim à sua missão de cristão e de po-lítico.

Um político no verdadeiro sentidodo termo, que escolheu o Evangelhocomo estilo de vida e com ele con-formou a sua ação. No testamento,em parte incluído nesta biografia,

deixou frases inesquecíveis, que ex-primem a profundidade da sua rela-ção íntima com Cristo. Desde a in-fância Shahbaz, segundo a narração

de Paul, procurou o que une e não oque separa. Manteve sempre no co-ração a sorte dos mais pobres, dosmais frágeis, dos últimos. Entre es-

tes, reservou um lugar particular àminoria cristã do Paquistão.

Ao cumprir a sua missão, foi umpromotor sincero do diálogo inter-religioso, do ecumenismo e da pazentre os povos, demonstrando quesó o confronto aberto pode educaras novas gerações para a escuta, atolerância e a convivência pacífica.

Uma certeza que encontra confir-mação nas palavras do testamentode Shahbaz, que ressoam como umprograma de vida: «Propuseram-mealtos cargos no governo e pediram-me para abandonar a minha batalha,mas rejeitei sempre, até arriscando avida. A minha resposta é sempre amesma: “Não. Quero servir Jesus co-mo homem comum”».

Servir Jesus na simplicidade e hu-mildade, pondo-se em questão, semdesistir diante dos poderes do mun-do, ciente de que nada nem nin-guém poderia tirá-lo da mão do seuSenhor. Foi com esta fé graníticaque Shahbaz soube resistir à violên-cia e ao ódio.

A leitura deste livro, que desejaser antes de tudo um contributo pa-ra a busca da paz e da justiça, enri-quecerá o leitor. Através destas pági-nas, Shahbaz Bhatti ajuda-nos a nãonos esquecermos dos cristãos do Pa-quistão e das suas dificuldades, econtinua o seu compromisso pelaconvivência civil e a compreensãomútua entre as religiões na sua pá-tria, que sempre amou e serviu.

Voz de justiçaSeis anos depois da morte de Shahbaz Bhatti, ministro católico dasminorias do Paquistão, assassinado a 2 de março de 2011 emIslamabad, Paul Bhatti escreveu o livro Shahbaz — La voce dellagiustizia (Cinisello Balsamo, San Paolo, 2017, 168 páginas), no qualrepercorre sob um ponto de vista familiar a vida do irmão e o seucompromisso pelo diálogo e pela justiça. Publicamos o prefácio daobra escrito pelo cardeal secretário de Estado.

Caminhomilenar

Intitula-se Le antiche Chiese cris-tiane d’oriente, um cammino mil-lenario (Roma, Città Nuova,2016, 283 página) a nova ediçãode uma panorâmica escrita hámais de uma década por PaoloSiniscalco. O livro, tão atualiza-do que resulta como materialtotalmente novo, descreve arealidade antiquíssima e hojepor muitos aspetos dolorosa,das Igrejas nascidas e caracteri-zadas originalmente ao longodos séculos nos atuais Próximoe Médio Oriente, onde o pró-prio cristianismo teve origem:de Jerusalém e da antiga Judeiaaté Antioquia e Síria, para seestender ao Egito e à regiãoanatólia, depois mais a orienteaté à Arménia, Geórgia e Índia,e ao sul até à Etiópia.

Atualizado bibliograficamen-te, o livro apresenta uma novaintrodução que repercorre demodo sintético as vicissitudesdos cristãos orientais até à dra-mática situação atual, refletindobrevemente sobre a realidadepouco conhecida mas vital dadiáspora nos países ocidentais.E se em relação à edição ante-rior foi sacrificada a parte lite-rária, resta fundamental e útil arevisão do cristianismo como sedesenvolveu nas diversas re-giões do oriente. (g . m . v. )

cos, e isto deve ser averiguado atra-vés de uma sadia colaboração com asciências humanas — não deve hesitarem consultar aqueles que, na diocese,estão encarregados deste ministériodelicado e necessário, ou seja, osexorcistas. Mas estes devem ser esco-lhidos com muito cuidado e comgrande prudência.

3. Finalmente, o confessionário éinclusive um lugar de evangelização.Com efeito, não existe evangelizaçãomais autêntica do que o encontrocom o Deus da misericórdia, com oDeus que é Misericórdia! Encontrar amisericórdia significa encontrar o ver-dadeiro rosto de Deus, assim como oSenhor Jesus no-lo revelou.

Então, o confessionário é um lugarde evangelização e de formação. Nobreve diálogo que mantém com o pe-nitente, o confessor está chamado adiscernir o que é mais útil e até ne-cessário para o caminho espiritualdaquele irmão ou daquela irmã; àsvezes será preciso voltar a anunciaras verdades de fé mais elementares, onúcleo incandescente, o querigma semo qual a própria experiência do amorde Deus e da sua misericórdia per-maneceria como que emudecida; porvezes será oportuno indicar os funda-mentos da vida moral, sempre em re-lação à verdade, ao bem e à vontadedo Senhor. Trata-se de uma obra dediscernimento imediato e inteligente,

que pode fazer um grande bem aosfiéis.

Com efeito, o confessor está cha-mado diariamente a ir às «periferiasdo mal e do pecado» — esta é umamá periferia! — e a sua obra represen-ta autêntica prioridade pastoral. Con-fessar é uma prioridade pastoral. Porfavor, que não haja mais cartazes co-mo estes: «Só confessamos às segun-das e quartas-feiras, de tal hora a talhora». Há que confessar sempre quenos pedirem. E se estás ali [no con-fessionário] em oração, deixa o con-fessionário aberto, pois ele é o Cora-ção de Deus aberto.

Caros irmãos, abençoo-vos e dese-jo-vos que sejais bons confessores:imersos na relação com Cristo, capa-zes de discernimento no EspíritoSanto e prontos para aproveitar aocasião de evangelizar.

Orai sempre pelos irmãos e pelasirmãs que se aproximam do Sacra-mento do perdão. Por favor, rezaitambém por mim!

Eu não gostaria de concluir semantes dizer algo que me veio ao pen-samento, enquanto o Cardeal Prefei-to falava. Ele referiu-se a duas chavese a Nossa Senhora, e gostei disto, eagora digo-vos uma... duas coisas.Fez-me muito bem, quando eu erajovem, ler o livro de Santo AfonsoMaria de Ligório sobre Nossa Senho-ra: As glórias de Maria. No final decada capítulo, há sempre a descriçãode um milagre de Nossa Senhora,com o qual ela entra na vida e resol-

ve os problemas. E agora a segundacoisa. Disseram-me que no sul daItália existe uma lenda, uma tradiçãosobre Nossa Senhora: a Nossa Se-nhora das tangerinas. É uma terraonde há muitas tangerinas, não é ver-dade? E dizem que é a padroeira dosladrões [ri, riem]. Dizem que os la-drões vão rezar ali. E a lenda — assimdizem — é que os ladrões que rezama Nossa Senhora das tangerinas,quando morrem, veem a fila diantede Pedro que com as chaves abre aporta e deixa entrar uma pessoa edepois volta a abri-la e a deixar pas-sar outra; mas quando vê um deles,Nossa Senhora faz-lhe um sinal parase esconder e depois, quando todospassam, ao cair da noite, Pedro fechaa porta e Nossa Senhora chama-o edeixa-o passar pela janela. Trata-sede um conto popular, mas é muitobonito: perdoar com a Mãe ao lado;perdoar com a Mãe. Porque a mu-lher, o homem que vai ao confessio-nário tem uma Mãe no Céu, que lheabrirá a porta e o ajudará no mo-mento de entrar no Céu. SempreNossa Senhora, porque Ela nos ajudatambém a nós na prática da miseri-córdia. Agradeço ao Cardeal estesdois símbolos: as chaves e Nossa Se-nhora. Muito obrigado!

Convido-vos — é hora — a recitarjuntos o An g e l u s : «Angelus Domi-ni...».

[Bênção].Não digais que os ladrões vão para

o Céu! Não o digais [ri, riem]!

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Os cristãos num mundo dilacerado

Tr a b a l h ode reconciliação

KURT KO CH

No ecumenismo, o compromis-so é essencialmente umaobra de reconciliação. Esta

dimensão fundamental foi evocadadurante a semana de oração pelaunidade dos cristãos deste ano, ins-pirada nas palavras escritas peloapóstolo Paulo na sua carta à comu-nidade de Corinto: «O amor deCristo impele-nos rumo à reconcilia-ção». Não é ocasional que esta te-mática tenha sido escolhida pela co-munidade de trabalho das Igrejascristãs na Alemanha, no ano em quese comemora a Reforma, com aconsciência de que, se por um ladoa Reforma nos permitiu redescobriro Evangelho da justificação do ho-mem através da graça divina, poroutro ela foi também marcada pordolorosas divisões e por terríveisguerras confessionais. Ambos estesaspetos foram salientados pelo PapaFrancisco e pelo bispo Munib You-nan, presidente da Federação lutera-na mundial (Flm), na sua Declara-ção conjunta assinada em Lund, naSuécia: «Enquanto estamos profun-damente gratos pelos dons espiri-tuais e teológicos recebidos mediante

tinopla e na basílica de São Pedroem Roma, foi lida a Declaração con-junta dos mais altos representantesdas duas Igrejas, patriarca Atenágo-ras e Papa Paulo VI, mediante a qualse decidia «anular da memória e doseio da Igreja» as recíprocas senten-ças de excomunhão que remontavama 1054, a fim de evitar que elas fos-sem «um obstáculo para a reaproxi-mação na caridade». Através destegesto memorável, o veneno da exco-munhão foi eliminado do organismoeclesial e o sinal da divisão foi subs-tituído pelo símbolo da caridade.Esta ação tornou-se o ponto de par-tida da reconciliação entre as Igrejascatólica e ortodoxa, cujo objetivo foidescrito há cinquenta anos pelo pa-triarca Atenágoras, com estas pala-vras apaixonadas: «Chegou a horada coragem cristã. Amemo-nos unsaos outros; professemos a mesma fécomum; caminhemos juntos rumo àglória do sagrado altar comum paracumprir a vontade do Senhor, a fimde que a Igreja resplandeça, o mun-do creia e a paz de Deus desça sobreto dos!».

A reconciliação é igualmente ne-cessária no que diz respeito à grandedivisão ocorrida no mundo cristão

mana e da teologia da sua épocamuitas vezes não estava desprovidode deturpações controversas que, emparte, ainda têm um impacto sobre opresente», deplorando «que, porcausa destas representações provoca-tórias, os nossos irmãos católicos ro-manos tenham sido ofendidos e malentendidos». Digna de ser recordaraé também a admissão das própriasculpas feita pela Flm que, congrega-da em plenária diante dos anabatis-tas, reconheceu o seu «profundo pe-sar e dor pela perseguição dos batis-tas, perpetrada pelas autoridades lu-teranas» e, em especial, porque «osreformadores luteranos justificaramteologicamente tal perseguição». Em2010, este reconhecimento das pró-prias culpas levou à celebração deum ofício litúrgico penitencial, me-diante o qual a Flm e a Conferênciamenonita mundial se reconciliaram.

A reconciliação pressupõe o reco-nhecimento da própria culpa, a dis-ponibilidade a fazer penitência e apurificação da memória histórica, àqual o Papa Francisco exortou deforma particular no que se refere àcomemoração comum da Reforma:«Não podemos cancelar aquilo queaconteceu, mas não queremos permi-tir que o peso das culpas do passadocontinue a aviltar as nossas relações.A misericórdia de Deus renovará osnossos relacionamentos». Com efei-to, misericórdia e reconciliação de-vem ser as perspetivas principais nocaminho do ecumenismo, ao longodo qual os cristãos são impelidos aoamor de Cristo. Graças ao amor, asdiferenças legítimas entre as váriasconfissões não representam apenas,como no passado, somente obstácu-los, mas inclusive a possibilidade deum enriquecimento recíproco na fé.O amor verdadeiro não anula as di-ferenças, mas leva-as a convergir re-conciliadas numa unidade mais pro-funda.

Nós cristãos devemos este teste-munho ao mundo de hoje. Para nospodermos colocar ao serviço da re-conciliação dos homens e dos povos,devemos comprometer-nos incessan-temente na nossa própria reconcilia-ção e temos o dever de fazer tudo afim de que se cumpra a grande espe-rança que sempre animou o PapaJoão Paulo II. Ele estava persuadidode que, após o primeiro milénio dehistória da Igreja, que foi o período

da Igreja indivisa, e depois do se-gundo milénio que, tanto no Orien-te como no Ocidente, tinha provoca-do profundas divisões na Igreja, oterceiro milénio tem a grande tarefade restabelecer a unidade perdidados cristãos. João Paulo II sabia quenós cristãos devemos estar «maisdispostos a empreender o caminhoda unidade pela qual Cristo rezouna vigília da sua paixão». Com efei-to, o valor desta unidade é enorme:«Num certo sentido, trata-se do fu-turo do mundo, do futuro do Reinode Deus no mundo. As debilidadese os preconceitos humanos não po-dem destruir o desígnio de Deus pa-ra o mundo e para a humanidade.Considerando tudo isto, podemosolhar para o porvir com um certootimismo. Podemos confiar que“Aquele que iniciou em nós esta boaobra a completará” (cf. Fl 1, 6)».

Se fizermos nossa esta persuasãode João Paulo II, parecerá aindamais claramente a importância fun-damental que o ecumenismo cristãoreveste no mundo contemporâneo.O compromisso cristão a favor dareconciliação no mundo começa coma reconciliação dos cristãos e dasIgrejas cristãs, para depois poderresplandecer na vida de todos osdias e na convivência dos homens edos povos. A nível da economia asuperação das divisões do mundocristão constitui o pressuposto indis-pensável a fim de que o cristianismopossa tornar-se sinal e instrumentode unidade e de paz para a humani-dade inteira. Isto é válido de manei-ra particular em relação à globaliza-ção crescente que, para nós cristãos,no campo do ecumenismo, deve sermais um motivo de consolidação eintensificação da colaboração ao ser-viço do bem integral de toda a famí-lia humana, como justamente obser-vou o Papa Francisco na mensagemque transmitiu aos participantes nadécima assembleia geral do Conse-lho mundial de Igrejas, congregadosem Busan na Coreia do Sul, em no-vembro de 2013: «O mundo globali-zado em que vivemos exige da nossaparte um testemunho comum dadignidade reconhecida por Deus acada ser humano, em benefício dapromoção concreta das condiçõesculturais, sociais e jurídicas que per-mitam que os indivíduos e as socie-dades cresçam em liberdade».

do Ocidente no séculoXVI. Uma vez que os refor-madores tencionavam re-novar e não dividir a Igre-ja, a Reforma deve serconsiderada em sentidopositivo também pelos ca-tólicos, como um processode renovação da Igrejaatravés da redescoberta doEvangelho da graça divinagratuita. No entanto, aReforma não levou ao res-tabelecimento da Igreja in-teira; pelo contrário, eladividiu-se provocando san-grentas guerras confessio-nais. Perante este rosto deduas caras, por um ladoestamos gratos pelos donsque nos foram oferecidosatravés da Reforma, e poroutro temos motivos váli-dos para reconhecer aber-tamente as nossas culpas,

para nos arrependermos e promover-mos a reconciliação.

Durante e depois do Vaticano II,os vários Pontífices que se sucede-ram pediram muitas vezes perdãopelo mal que os católicos causaramaos membros das outras Igrejas. Atal propósito, recordamos de modoparticular o forte gesto penitencialdo Papa João Paulo II que, duranteas celebrações do Ano santo, no diado perdão, confessou as grandes cul-pas do passado; e recordamos tam-bém o Papa Francisco que, por oca-sião da sua visita ao templo valdensede Turim, pediu «perdão pelas atitu-des e comportamentos não cristãos,até desumanos» que, ao longo dahistória, os católicos tiveram em re-lação aos fiéis valdenses.

Da parte protestante, há que re-cordar a Declaração em que a Flm,durante a sua sessão plenária de1979, afirmou a disponibilidade a re-conhecer «que o juízo dos reforma-dores em relação à Igreja católica ro-

a Reforma, confessamos e deplora-mos diante de Cristo que luteranos ecatólicos tenham ferido a unidadevisível da Igreja».

Os cristãos só podem contribuirde maneira credível para a reconci-liação dos homens, se eles mesmosviverem em paz entre si e consegui-rem restabelecer a unidade que foidilacerada e que se perdeu por causadas várias divisões ao longo da his-tória. No seu fulcro mais íntimo, oecumenismo representa o esforço derestabelecimento da unidade doscristãos e portanto, essencialmente, éuma obra de reconciliação, como sedemonstrou várias vezes na história.

No que se refere à urgente neces-sidade de reconciliação entre Orien-te e Ocidente no mundo cristão, di-vidido a partir do século XI, ummarco decisivo foi certamente oacontecimento que teve lugar a 7 dedezembro de 1965 quando, poucoantes do encerramento do VaticanoII, na catedral do Fanar em Constan-

Dies academicus«Cristãos unidos em prol de um mundodilacerado» foi o tema escolhido pelaPontifícia universidade gregoriana parao dies academicus de 2017. Paraapresentar as lectiones magistrales, namanhã de 15 de março, foram chamadosKarl-Hinrich Manzke, bispo evangélico-luterano de Schaumburg-Lippe, e ocardeal presidente do Pontifícioconselho para a promoção da unidadedos cristãos, de cuja intervençãopublicamos a seguir quase inteiramentea parte conclusiva. O texto integral emitaliano encontra-se no site do nossojornal.

Fabrizio Clerici, «O madeiro da cruz» (1976)

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Na mensagem para a jornada mundial da juventude o Papa relê o Magnificat

Oração revolucionáriaO convite a «lançar-se com fidelidadecriativa na construção de uma novaépoca» foi dirigido pelo Papa Franciscoaos jovens do mundo inteiro, por ocasiãoda Jornada mundial da juventude de2017, que será celebrada no próximo dia9 de abril, domingo de Ramos.Publicamos em seguida o texto damensagem pontifícia.

«O Todo-Poderoso fez em mimmaravilhas» (Lc 1, 49)

Queridos jovens!Eis-nos de novo em caminho, depois

do nosso encontro maravilhoso emCracóvia, onde celebramos juntos aXXXI Jornada Mundial da Juventude eo Jubileu dos Jovens, no contexto doAno Santo da Misericórdia. Deixamo-nos guiar por São João Paulo II e San-ta Faustina Kowalska, apóstolos da mi-sericórdia divina, para dar uma respos-ta concreta aos desafios do nosso tem-po. Vivemos uma intensa experiênciade fraternidade e alegria, e demos aomundo um sinal de esperança; as ban-deiras e as línguas diferentes não erammotivo de discórdia e divisão, mas oca-sião para abrir as portas dos corações,para construir pontes.

No final da JMJ de Cracóvia, indi-quei o próximo destino da nossa pere-grinação que, com a ajuda de Deus,nos levará ao Panamá em 2019. Nestecaminho, acompanhar-nos-á a VirgemMaria, Aquela que todas as geraçõeschamam bem-aventurada (cf. Lc 1, 48).O novo trecho do nosso itinerário liga-se ao anterior, que estava centrado nasbem-aventuranças, mas impele-nos aavançar. Na realidade, tenho a peitoque vós, jovens, possais caminhar, nãosó fazendo memória do passado, mastendo também c o ra g e m no presente e es-p e ra n ç a no futuro. Estas atitudes, sem-pre vivas na jovem Mulher de Nazaré,aparecem claramente expressas nos te-mas escolhidos para as próximas trêsJ M J. Neste ano (2017), refletiremos so-bre a fé de Maria, quando disse noMa g n i f i c a t : «O Todo-Poderoso fez emmim maravilhas» (Lc 1, 49). O tema dopróximo ano (2018) — «Maria, não te-mas, pois achaste graça diante de Deus»(Lc 1, 30) — far-nos-á meditar sobre acaridade, cheia de coragem, com que aVirgem acolheu o anúncio do anjo. AJMJ de 2019 inspirar-se-á nas palavras«Eis a serva do Senhor, faça-se em mimsegundo a tua palavra» (Lc 1, 38), a res-posta de Maria ao anjo, cheia de espe-rança.

Em outubro de 2018, a Igreja cele-brará o Sínodo dos Bispos sobre o te-ma: Os jovens, a fé e o discernimento vo-cacional. Interrogar-nos-emos sobre omodo como vós, jovens, viveis a expe-riência da fé no meio dos desafios do

nosso tempo. E abordaremos também aquestão das possibilidades que tendesde maturar um projeto de vida, discer-nindo a vossa vocação — entendida emsentido amplo — ao matrimónio, noâmbito laical e profissional, ou então àvida consagrada e ao sacerdócio. Dese-jo que haja uma grande sintonia entreo percurso para a JMJ do Panamá e ocaminho sinodal.

O nosso tempo não precisade «jovens-sofá»

Segundo o Evangelho de Lucas, Ma-ria, depois de ter acolhido o anúnciodo anjo respondendo «sim» à vocaçãode se tornar mãe do Salvador, levanta-se e vai, apressadamente, visitar a pri-ma Isabel, que está no sexto mês degravidez (cf. 1, 36.39). Maria é muitojovem; aquilo que lhe foi anunciado éum dom imenso, mas inclui tambémdesafios muito grandes; o Senhor ga-rantiu-lhe a sua presença e o seu apoio,mas há ainda muitas coisas obscuras nasua mente e no seu coração. No entan-to, Maria não se fecha em casa, não sedeixa paralisar pelo medo ou o orgu-lho. Maria não é daquelas pessoas que,para estar bem, precisam de um bomsofá onde ficar cómodas e seguras. Nãoé uma jovem-sofá! (cf. Discurso na Vigí-lia, Cracóvia, 30/VII/2016). Vendo que

maravilha (cf. Lc 1, 40-45). As duasmães, bem como os filhos que trazemno ventre, quase dançam de felicidade.Isabel, impressionada pela fé de Maria,exclama: «Feliz de ti que acreditaste,porque se vai cumprir tudo o que te foidito da parte do Senhor» (Lc 1, 45).Sim, um dos grandes dons recebidospela Virgem foi o dom da fé. Acreditarem Deus é um dom inestimável, masrequer também ser acolhido; e, por is-so, Isabel bendiz Maria. Ela, por suavez, responde com o cântico do Ma g n i -ficat (cf. Lc 1, 46-55), onde encontramosa frase: «O Todo-Poderoso fez em mimmaravilhas» (Lc 1, 49).

Podemos definir revolucionária estaoração de Maria: o cântico de uma jo-vem cheia de fé, consciente dos seus li-mites mas confiante na misericórdia di-vina. Esta mulher corajosa dá graças aDeus, porque olhou para a sua peque-nez e também pela obra de salvaçãoque realizou no povo, nos pobres e noshumildes. A fé é o âmago de toda ahistória de Maria. O seu cântico ajuda-nos a compreender a misericórdia doSenhor como motor da história, tanto ahistória pessoal de cada um de nós co-mo a da humanidade inteira.

Quando Deus toca o coração de umjovem, de uma jovem, estes tornam-secapazes de ações verdadeiramente gran-diosas. As «maravilhas» que o Todo-

Ser jovem não significa estardesconectado do passado

Maria ultrapassou há pouco a ado-lescência, como muitos de vós. E toda-via, no Ma g n i f i c a t , dá voz ao louvor doseu povo, da sua história. Isto mostra-nos que ser jovem não significa estardesconectado do passado. A nossa his-tória pessoal insere-se numa longa es-teira, no caminho comunitário dos sé-culos que nos precederam. Como Ma-ria, pertencemos a um povo. E a histó-ria da Igreja ensina-nos que, mesmoquando ela tem de atravessar maresborrascosos, a mão de Deus guia-a, fá-la superar momentos difíceis. A verda-deira experiência de Igreja não é comoum flashmob em que se marca um en-contro, faz-se uma performance e depoiscada um continua pelo seu caminho. AIgreja traz consigo uma longa tradição,que se transmite de geração em gera-ção, enriquecendo-se ao mesmo tempocom a experiência de cada indivíduo.Também a vossa história encontra o seulugar dentro da história da Igreja.

Fazer memória do passado é útiltambém para acolher as intervençõesinéditas que Deus quer realizar em nóse através de nós. E ajuda a abrir-nospara sermos escolhidos como seus ins-trumentos, colaboradores dos seus pro-jetos salvíficos. Também vós, jovens,podereis fazer maravilhas, assumir res-ponsabilidades enormes, se reconhecer-des a ação misericordiosa e omnipoten-te de Deus na vossa vida.

Deixai que vos faça algumas pergun-tas: Como é que «salvais» na vossa me-mória os acontecimentos, as experiên-cias da vossa vida? Que fazeis com osfactos e as imagens gravadas nas vossasrecordações? A alguns, particularmenteferidos pelas circunstâncias da vida, po-deria vir a vontade de «resetar» o seupassado, valer-se do direito ao esqueci-mento. Mas queria lembrar-vos quenão há santo sem passado, nem peca-dor sem futuro. A pérola nasce de umaferida da ostra! Com o seu amor, Jesuspode curar os nossos corações, transfor-mando as nossas feridas em verdadeiraspérolas. O Senhor, como dizia SãoPaulo, pode manifestar a sua força atra-vés das nossas fraquezas (cf. 2 Cor 12,9).

Mas as nossas recordações não de-vem ficar todas comprimidas, como namemória de um disco rígido. Nem épossível arquivar tudo numa «nuvem»virtual. É preciso aprender a fazer comque os factos do passado se tornem rea-lidade dinâmica, refletindo sobre ela edela tirando lições e sentido para onosso presente e futuro. Tarefa difícil,mas necessária, é descobrir o fio condu-tor do amor de Deus que une toda anossa existência.

Muitos dizem que vós, jovens, soisdesmemoriados e superficiais. Não con-cordo de maneira alguma! Mas é preci-so reconhecer que, nestes nossos tem-pos, há necessidade de recuperar a ca-pacidade de refletir sobre a própria vi-da e projetá-la para o futuro. Ter umpassado não é o mesmo que ter umahistória. Na nossa vida, podemos tertantas recordações, mas delas... quantasconstroem verdadeiramente a nossa me-mória? Quantas são significativas paraos nossos corações e ajudam a dar umsentido à nossa existência? Os rostos

dos jovens, nas «redes sociais», apare-cem em muitas fotografias que contamacontecimentos mais ou menos reais,mas de tudo isso não sabemos quantoseja «história», experiência que possaser narrada, dotada de uma finalidade ede um sentido. Os programas na TV es-tão cheios dos chamados «reality show»,mas não são histórias reais; são apenasminutos que passam diante de uma te-lecâmara, nos quais os personagenstranscorrem o dia, sem um projeto.Não vos deixeis transviar por esta falsaimagem da realidade! Sede protagonis-tas da vossa história, decidi o vosso fu-t u ro !

Como permanecer conectado,seguindo o exemplo de Maria

Diz-se, de Maria, que guardava to-das as coisas, meditando-as no seu co-ração (cf. Lc 2, 19.51). Com o seu exem-plo, esta jovem simples de Nazaré ensi-na-nos a conservar a memória dosacontecimentos da vida, mas também aencaixá-los reconstruindo a unidadedos fragmentos que possam, juntos,compor um mosaico. Como podemosexercitar-nos concretamente neste senti-do? Dou-vos algumas sugestões.

No fim de cada dia, podemos deter-nos alguns minutos a lembrar os mo-

mentos belos, os desafios, o que correubem e o que correu mal. Assim, diantede Deus e de nós mesmos, podemosmanifestar os sentimentos de gratidão,arrependimento e entrega, inclusiva-mente — se quiserdes — anotando-osnum caderno, uma espécie de diário es-piritual. Isto significa rezar na vida,com a vida e sobre a vida, e ajudar-vos-á certamente a perceber melhor as ma-ravilhas que o Senhor faz em favor decada um de vós. Como dizia SantoAgostinho, podemos encontrar Deusnos vastos campos da nossa memória(cf. Confissões, Livro X, 8, 12).

Ao ler o Ma g n i f i c a t , damo-nos contado grande conhecimento que Maria ti-nha da Palavra de Deus. Cada versícu-lo deste cântico tem um texto paralelono Antigo Testamento. A jovem mãe deJesus conhecia bem as orações do seupovo. Certamente foram os seus pais,os seus avós que lhas ensinaram. Comoé importante a transmissão da fé deuma geração à outra! Há um tesouroescondido nas orações que nos ensinamos nossos antepassados, naquela espiri-tualidade vivida na cultura dos simplesa que chamamos piedade popular. Mariareúne o património de fé do seu povo erecompõe-no num cântico todo seu,mas que é ao mesmo tempo cântico daIgreja inteira. E toda a Igreja o canta

com Ela. Para que também vós, jovens,possais cantar um Ma g n i f i c a t todo vos-so e fazer da vossa vida um dom para ahumanidade inteira, é fundamental quevos unais à tradição histórica e à oraçãodaqueles que vos precederam. Daí aimportância de conhecer bem a Bíblia,a Palavra de Deus, de a ler diariamenteconfrontando a vossa vida com ela, len-do os acontecimentos diários à luz da-quilo que o Senhor vos diz nas Sagra-das Escrituras. Na oração e na leituraorante da Bíblia (a chamada lectio divi-na), Jesus abrasará os vossos corações,iluminará os vossos passos, mesmo nosmomentos sombrios da vossa existência(cf. Lc 24, 13-35).

Maria ensina-nos também a viver nu-ma atitude eucarística, ou seja, a dargraças, a cultivar o louvor, a não fixar-nos apenas nos problemas e dificulda-des. Na dinâmica da vida, as súplicasde hoje tornar-se-ão motivos de agrade-cimento amanhã. Assim, a vossa parti-cipação na Santa Missa e os momentosem que celebrardes o sacramento daReconciliação serão, simultaneamente,ápice e ponto de partida: as vossas vi-das renovar-se-ão cada dia no perdão,tornando-se louvor perene ao Todo-Po-deroso. «Fiai-vos na recordação deDeus: a sua memória (...) é um coraçãoterno e rico de compaixão, que se ale-

gra em eliminar definitivamente todosos nossos vestígios de mal» (Homiliana Missa da JMJ, Cracóvia,

31/VII/2016).Vimos que o Ma g n i f i c a t b ro t a

do coração de Maria no mo-mento em que encontra a suaprima idosa Isabel. Esta, com asua fé, o seu olhar perspicaz e

as suas palavras, ajuda a Vir-gem a compreender melhor agrandeza da ação de Deusn’Ela, da missão que lhe foi

confiada. E vós, estais cientes da fonteextraordinária de riqueza que é o en-contro entre os jovens e os idosos?Quanta importância dais aos idosos,aos vossos avós? Aspirais, justamente, a«levantar voo», levais no coração mui-tos sonhos, mas precisais da sabedoriae da visão dos idosos. Ao mesmo tem-po que abris as asas ao vento, é impor-tante descobrirdes as vossas raízes e re-colherdes o testemunho das pessoasque vos precederam. Para construir umfuturo que tenha sentido, é preciso co-nhecer os acontecimentos passados etomar posição sobre eles (cf. Exort.Apost. pós-sinodal Amoris laetitia,191.193). Vós, jovens, tendes a força; osidosos têm a memória e a sabedoria.Como Maria com Isabel, ponde os vos-sos olhos nos idosos, nos vossos avós.Dir-vos-ão coisas que apaixonarão avossa mente e comoverão o vosso cora-ção.

Fidelidade criativapara construir tempos novos

É verdade que ainda poucos anospassaram por vós e, por isso, podeissentir dificuldade em dar o devido va-lor à tradição. Fixai bem que isto nãosignifica ser tradicionalistas. Não!Quando Maria diz, no Evangelho, «oTodo-Poderoso fez em mim maravi-lhas», Ela entende que aquelas «mara-vilhas» não acabaram, mas continuam arealizar-se no presente. Não se trata deum passado remoto. Saber fazer memó-ria do passado não significa ser nostál-gicos ou ficar presos a um período de-terminado da história, mas saber reco-nhecer as próprias origens, para voltarsempre ao essencial e lançar-se com fi-delidade criativa na construção de tem-pos novos. Seria um mal e não benefi-ciaria ninguém cultivar uma memóriaparalisante, que levasse a fazer sempreas mesmas coisas da mesma maneira. Éum dom do céu poder ver que muitosde vós, com as vossas dúvidas, sonhose perguntas, vos opondes àqueles quedizem que as coisas não podem ser di-f e re n t e s .

Uma sociedade que valoriza apenaso presente, tende também a desvalori-zar tudo aquilo que se herda do passa-do, como, por exemplo, as instituiçõesdo matrimónio, da vida consagrada, damissão sacerdotal. Estas acabam por servistas como sem sentido, como formasultrapassadas. Pensa-se viver melhor emsituações chamadas «abertas», compor-tando-se na vida como num re a l i t ys h o w, sem propósito nem finalidade.Não vos deixeis enganar! Deus veioampliar os horizontes da nossa vida,em todas as direções. Ele ajuda-nos adar o devido valor ao passado, paramelhor projetar um futuro de felicida-

Rumo ao Panamá

CO N T I N UA NA PÁGINA 13

Silvio Formichetti, «Magnificat» (2009)

servia uma ajuda à sua prima idosa, Elanão perde tempo e põe-se imediata-mente a caminho.

Longo é o percurso para chegar a ca-sa de Isabel: cerca de 150 quilómetros.Mas a jovem de Nazaré, impelida peloEspírito Santo, não conhece obstáculos.Certamente as jornadas de viagem aju-daram-na a meditar sobre o aconteci-mento maravilhoso em que estava en-volvida. O mesmo acontece connosco,quando fazemos uma peregrinação: aolongo da estrada, voltam-nos à menteos factos da vida, e podemos maturar oseu sentido e aprofundar a nossa voca-ção, descoberta em seguida no encon-tro com Deus e no serviço dos outros.

O Todo-Poderosofez em mim maravilhas

O encontro entre as duas mulheres, ajovem e a idosa, é repleto da presençado Espírito Santo e cheio de alegria e

poderoso fez na existência de Maria fa-lam-nos também da viagem da nossavida, que não é um vagar sem sentido,mas uma peregrinação que, não obstan-te todas as suas incertezas e tribulações,pode encontrar em Deus a sua plenitu-de (cf. An g e l u s , 15/VIII/2015). Dir-me-eis: «Mas, padre, eu sou muito limita-do, sou pecador; que posso fazer?»Quando o Senhor nos chama, não sedetém naquilo que somos ou no que fi-zemos. Pelo contrário, no momento emque nos chama, Ele está a ver tudoaquilo que poderemos fazer, todo oamor que somos capazes de desenca-dear. Como a jovem Maria, podeis fa-zer com que a vossa vida se torne ins-trumento para melhorar o mundo. Je-sus chama-vos a deixar a vossa marcana vida, uma marca que determine ahistória, a vossa história e a história demuitos (cf. Discurso na Vigília, Cracó-via, 30/VII/2016).

Para favorecer uma difusão mais amplada tradicional mensagem por ocasião daJmj, este ano o Papa Francisco quisapresentar o seu conteúdo aos jovens domundo inteiro com um vídeo no qual serefere a alguns dos temas tratados nodocumento e convidou a empreender umcaminho de preparação que levará àpróxima celebração internacional, emprograma no Panamá de 22 a 27 dejaneiro de 2019.

Prezados jovens!Com a recordação cheia de vida donosso encontro na Jornada Mundialda Juventude de 2016 em Cracóvia,pusemo-nos a caminho rumo à próxi-ma meta que, se Deus quiser, será oPanamá em 2019. Para mim são mui-tos importantes estes momentos de en-contro e diálogo convosco, e eu quisque este itinerário se cumprisse emsintonia com a preparação para o pró-ximo Sínodo dos Bispos, que será de-dicado a vós, jovens.

Neste caminho somos acompanha-dos pela nossa Mãe, a Virgem Maria,que nos anima com a sua fé, a mesmafé que Ela exprime no seu cântico delouvor. Maria diz: «O Todo-Poderosofez em mim maravilhas» (Lc 1, 49). Ela

sabe dar graças a Deus, que olhou pa-ra a sua pequenez, e reconhece asgrandes coisas que Ele realiza na suavida; assim, põe-se em viagem para irao encontro da sua prima Isabel, idosae necessitada da sua proximidade.Não permanece fechada em casa, por-que não é uma jovem-sofá que procu-ra estar tranquila e em segurança, semque ninguém lhe incomode. É impeli-da pela fé, porque a fé constitui oâmago de toda a história da nossaMãe.

Caros jovens, Deus olha inclusivepara vós e chama-vos, e quando o fazvê todo o amor que sois capazes deoferecer. Assim como a jovem de Na-zaré, também vós podeis melhorar omundo, para deixar um sinal que mar-que a história, tanto a vossa como ade muitos outros. A Igreja e a socieda-de têm necessidade de vós. Mediantea vossa abordagem, com a coragemque tendes, através dos vossos sonhose ideais caem os muros do imobilismoe abrem-se veredas que nos levam ru-mo a um mundo melhor, mais justo,menos cruel e mais humano.

Durante este percurso, encorajo-vosa cultivar um relacionamento de fami-liaridade e de amizade com a VirgemSanta. Ela é a nossa Mãe. Falai-lhe co-mo a uma Mãe. Juntamente com Ela,dai graças pelo precioso dom da féque recebestes dos vossos antepassa-dos e confia-lhe a vossa vida inteira.Como uma boa Mãe, Ela ouve-vos,abraça-vos, ama-vos e caminha con-vosco. Asseguro-vos que se assim fizer-des, não vos arrependereis.

Boa peregrinação rumo à JornadaMundial da Juventude de 2019. Deusvos abençoe!

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 23 de março de 2017, número 12

Misericórdia e reconciliação

Cada dia é jubileuNICOLA GORI

Concluiu-se o ano santo da miseri-córdia, mas para os cristãos que seaproximam do sacramento da confis-são cada dia é um novo «jubileu»no qual se pode sentir a alegria doperdão de Deus, recordou monse-nhor Krzysztof Nykiel, regente daPenitenciaria apostólica, nesta entre-vista a L’Osservatore Romano, naqual traçou uma espécie de perfil doconfessor, na vigília do curso anualsobre o foro íntimo, que teve lugarde 14 a 17 de março.

terna entre si. Portanto, a confissãoé importante porque é o sacramentoque restabelece a nossa amizade comDeus cada vez que o pecado nosafasta dele e nos separa do seu amormisericordioso. A confissão é indis-pensável se quisermos deveras expe-rimentar a alegria de nos sentirmosamados por Deus, perdoados porEle, circundados e protegidos peloseu abraço, como narra a parábolado pai misericordioso que «faz festae se alegra» quando finalmente podeabraçar de novo o seu filho que vol-ta arrependido mas confiante de queseria acolhido em casa.

da divina, transmite paz e reconcilia-ção, comunica a alegria da salvaçãoe da misericórdia. O Papa Francisco,na audiência concedida aos partici-pantes no curso sobre o foro íntimodo ano passado, reafirmou que «éimportante que o confessor seja um“canal de alegria” e que o fiel, de-pois de ter recebido o perdão já nãose sinta oprimido pelas culpas maspossa saborear a obra de Deus que olibertou, viver na abundância dagraça, pronto para reparar o mal co-metido e ir ao encontro dos irmãoscom o coração bom e disponível».

Quais devem ser os dotes de um bomconfessor?

Pessoalmente considero que cadasacerdote no ato de administrar o sa-cramento do perdão, não possa pres-cindir dos apelos bem precisos lan-çados pelo Papa Francisco na cartaapostólica Misericordia et misera nonúmero dez: «Peço-vos para serdesacolhedores com todos, testemunhasda ternura paterna não obstante agravidade do pecado, solícitos emajudar a refletir sobre o mal cometi-do, claros ao apresentar os princí-pios morais, disponíveis para acom-panhar os fiéis no caminho peniten-cial respeitando com paciência o seupasso, clarividentes no discernimen-to de cada um dos casos, generososna concessão do perdão de Deus.Como Jesus, perante a adúltera, op-tou por permanecer em silêncio paraa salvar da condenação à morte, as-sim também o sacerdote no confes-sionário seja magnânimo de coração,ciente de que cada penitente lhe re-corda a sua própria condição pes-soal: pecador mas ministro da mise-ricórdia». Na minha opinião os di-versos aspetos evidenciados nesta ex-pressão representam um percurso deacompanhamento espiritual dos fiéisclaro e verdadeiro para o encontrocom a misericórdia de Deus, mas in-dicam ainda mais especificamente as

diversas e significativas etapas de umprocesso educativo para o sacramen-to da reconciliação, ao qual cadaconfessor deve referir-se permanente-mente. Por este motivo o Papa Fran-cisco exorta sempre os sacerdotesconfessores a não se sentirem donosdo sacramento do perdão. mas seusservidores e administradores fiéis,acolhendo os penitentes como o paina parábola do filho pródigo. Umpai que espera, vai ao encontro,abraça, perdoa, esquece e restabele-ce; um pai que sabe intercetar, apartir do coração do outro, a invoca-ção de ajuda e de perdão.

Como os sacerdotes devem responder àexortação de «se preparar com grandecuidado para o ministério da confis-são»?

Além do convite claro e direto doPapa Francisco, podemos repetir aspalavras de João Paulo II quando,numa das muitas mensagens dirigi-das à Penitenciaria apostólica, convi-dou os sacerdotes confessores a«voltar à experiência do cenáculo afim de encontrar de novo a motiva-ção profunda da própria formaçãode ministro da misericórdia de Deuse administrador do sacramento dareconciliação». Com efeito, se a teo-logia evidencia que o ministro sagra-do age in persona Christi, a experiên-cia da efusão do Espírito no cenácu-lo, depois da ressurreição de Cristo,foi antecipada pelos apóstolos exata-mente em relação ao ministério daremissão dos pecados. Assim afir-mou o Papa Wojtyła no discurso aospenitencieiros das basílicas papais deRoma, no dia 20 de março de 1989:«Nós sacerdotes, ao distribuirmosaos fiéis a graça e o perdão no sacra-mento da Penitência, realizamos oato mais sublime, depois da celebra-ção da Eucaristia, do nosso sacerdó-cio, e nele realizamos, pode dizer-se,o fim mesmo da encarnação». Porconseguinte, ao desempenhar o mi-nistério da misericórdia por excelên-cia, o confessor vai além do perdãodos pecados, estimulando a alcançarquase uma identificação mística comJesus Cristo. Portanto, torna-se im-portante educar contínua e perma-nentemente os sacerdotes confessorespara a beleza da penitência, que en-contra a sua plenitude no sacramen-to da reconciliação, assim como for-má-los para a dedicação amorosa aeste sacramento, cientes de que talpaixão será deveras abrangente namedida em que fizermos a experiên-cia pessoal da misericórdia divina.Esta é a finalidade que move a Peni-tenciaria apostólica a organizar epromover anualmente o curso sobreo foro íntimo, para ajudar os sacer-dotes a tomar consciência da gran-deza e sublimidade do sacramentoda confissão.

No palácioda ChancelariaOs trabalhos do curso anual sobre o foro íntimotiveram início a 14 de março, no palácio romanoda Chancelaria, com a lectio magistralis docardeal penitenciário-mor Mauro Piacenza sobre«Herança e perspetivas do jubileu damisericórdia na missão pastoral da Igreja»,seguida pela conferência do regente sobre a«Penitenciaria apostólica: um dicastério aoserviço dos confessores e dos penitentes».O programa previa os pronunciamentos dosprelados da Penitenciaria: o arcebispo ArthurRoche, o bispo Juan Ignacio Arrieta Ochoa deChinchetru, monsenhor Giacomo Incitti, ojesuíta Ján Ďačok, o salesiano Paolo Carlotti eos franciscanos Edoardo Brentari e MaurizioFaggioni. O curso conclui-se no dia 17 com aaudiência papal e, na parte da tarde, com acelebração penitencial presidida por Franciscona basílica de São Pedro.Na ocasião estiveram presentes para a escuta dasconfissões dos fiéis oitenta sacerdotes postos àdisposição pela Penitenciaria, a maior parte dosquais penitencieiros ordinários e extraordináriosdas basílicas papais da cidade.

Como e através dequem a Igreja exerceeste «mandato» de mi-sericórdia e salvação?

O mandato de re-mir os pecados cons-titui uma verdadeiranovidade evangélica.Jesus confere aosapóstolos o seu poderde perdoar os peca-dos. A Igreja, desdeas suas origens, consi-derou tal poder trans-missível aos sucesso-res dos apóstolos, in-vestidos desta formada missão de conti-nuar no tempo o ser-viço de ser ministrosda reconciliação, em-baixadores da miseri-córdia de Deus. Nistomanifesta-se toda aimportância do minis-tro da reconciliação,chamado por anti-quíssima tradição oconfessor. Certamen-te, é uma tarefa deli-cada e exigente, mastambém a mais grati-ficante e consoladorado ministério sacer-dotal. O confessor é aimagem visível da mi-

Há vinte e seis anos a Penitenciariaapostólica organiza durante a quares-ma este encontro dedicado ao sacra-mento da reconciliação. Por que a con-fissão é tão importante para a vida daI g re j a ?

Em virtude do mandato que oRessuscitado deu aos seus discípulos— «a quem perdoardes os pecadosserão perdoados» — a Igreja desdeas origens proclamou sempre a BoaNova que «Deus é rico de misericór-dia» e, por conseguinte, «enviou aomundo o seu Filho unigénito a fimde que o mundo se salve por meiodele». A remissão dos pecados é aprincipal missão da Igreja no mun-do. Temos o dever de repetir a todosjuntamente com São Paulo: «Deixai-vos reconciliar com Deus». De facto,a Igreja deve recordar antes de tudoa si mesma e aos homens do nossotempo que nas origens da sua mis-são de reconciliação está a vontadede Deus de que todos se salvem ealcancem a felicidade eterna. Deuscriou os homens a fim de que vivamna sua amizade e em comunhão fra-

sericórdia invisível de Deus; aqueleque, absolvendo «em nome do Pai edo Filho e do Espírito Santo», liber-ta o homem — como escreve o após-tolo Paulo na carta aos Colossenses— «do poder das trevas para o levar

Jean-Louis Forain«A volta do filho pródigo» (1925)

Na manhã de sexta-feira 17 de março o Papa Francisco recebeu em audiênciauma delegação de Catholic Theological Ethics in the World Church (Ctewc)

Audiência a estudiosos de ética

ao reino do seu Filhodileto, por meio doqual obtemos a re-denção, a remissãodos pecados». O con-fessor gera para a vi-

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Cristo pessoa e não personagem

O que fazemos da nossa fé?

Christian Montagna, «Ausência de luz» (2010)

Primeira e segunda pregação de Quaresma

inclusive em países e re-giões de antiga tradiçãocristã». Assim Cristoacaba por «ser posto delado também no diálo-go entre ciência e fé;com a filosofia que seocupa de conceitos me-tafísicos e não de reali-dades históricas; ou nodiálogo inter-religioso,em cujo contexto se fa-la de paz e ecologismo,mas não de Jesus».

Por isso, é preciso«recriar as condiçõespara uma fé na divinda-de de Cristo sem reser-vas nem reticências»,insistiu o religioso,exortando a «entenderbem» a expressão conti-da na primeira Carta deJoão: «Vencer o mun-

A proclamação de Jesus como «Senhor» é «aporta que nos introduz no conhecimento doCristo ressuscitado e vivo»: um Cristo que jánão é «personagem, mas pessoa; nem umconjunto de teses, dogmas e correspetivas he-resias, nem só objeto de culto e memória, atémesmo a litúrgica e eucarística, mas pessoaviva e sempre presente no Espírito», afirmouo capuchinho Raniero Cantalamessa, prega-dor da Casa Pontifícia, pronunciando a pri-meira pregação na capela Redemptoris Materdo Palácio apostólico.

Ao desenvolver o tema escolhido para asmeditações deste ano — «Ninguém pode di-zer: “Jesus é o Senhor!” se não no EspíritoSanto (1 Cor 15, 3). O Paráclito introduz-nosna “plena verdade” sobre Jesus Cristo e o seumistério pascal» — o religioso aprofundou osentido da proclamação de Jesus «Senhor»,que hoje assume uma atualidade particular,sobretudo em resposta a quantos pensam que«seja possível, aliás necessário, renunciar àtese da unicidade de Cristo, a fim de favore-cer o diálogo entre as várias religiões». Narealidade, explicou Cantalamessa, proclamarJesus «Senhor» significa «precisamente pro-clamar a sua unicidade». Não é por acasoque no segundo artigo do C re d o se lê: «Creionum só Senhor, Jesus Cristo». Por outro la-do, observou Cantalamessa, a coragem neces-sária hoje «para acreditar que Jesus é “o úni-co Senhor” é nada» em comparação com aque era necessária nos primeiros anos do cris-tianismo. Contudo, acrescentou, o «poder doEspírito» não é concedido «se não a quemproclama Jesus Senhor, na aceção forte dasorigens: é um dado de experiência». De fac-to, «só depois que um teólogo ou um anun-ciador decidiu apostar tudo em Jesus Cristo“único Senhor”, mas tudo mesmo, até à custade ser “expulso da sinagoga”, só então faz aexperiência de uma certeza e de um podernovos na sua vida».

Com efeito, esta redescoberta «luminosade Jesus como Senhor» é «a novidade e agraça que Deus está a conceder, no nossotempo, à Igreja». O capuchinho confessouque quando interrogava a tradição sobre to-dos os outros temas e palavras da Escritura,«os testemunhos dos padres invadiam a men-te»; ao contrário, quando tentava interrogarsobre este ponto, «permanecia quase muda».De facto, desde o século III «o título de Se-nhor já não é incluído no seu significadoquerigmático». De facto, fora do âmbito reli-gioso judaico «não era tão significativo aponto de exprimir suficientemente a unicida-de de Cristo». Orígenes, por sua vez, consi-dera «Senhor» (Kyrios) «o título próprio dequem está ainda na fase do temor, a ele cor-responde, segundo Orígenes, o título de“servo”, enquanto a “m e s t re ” corresponde ode “discípulo” e de amigo».

Assim, continua-se a falar de Jesus «Se-nhor»; mas isto, especificou Cantalamessa,«tornou-se um nome de Cristo como os ou-tros, aliás com mais frequência um dos ele-mentos do nome completo de Cristo: “NossoSenhor Jesus Cristo”». Somente mais tardeteve início uma «mudança» — visível tambémna linguagem das traduções das Escrituras —através da qual a referência ao «Senhor» jánão se reduz à simples pronúncia de um no-me, mas torna-se «uma profissão de fé».

Protagonista deste «salto de qualidade» éo Espírito Santo. Ele anima o conhecimentoespiritual e existencial de Jesus como Senhor.E assim fazendo, frisou o pregador, «evitaque se descuide o conhecimento objetivo,dogmático e eclesial de Cristo, mas revitaliza-o». Com efeito, graças ao Espírito Santo —segundo quanto afirma Santo Ireneu — a ver-

dade revelada «como um depósito preciosocontido num vaso de valor, rejuvenesce sem-pre e faz rejuvenescer também o vaso que acontém».

Falando sobre o papel do Espírito no co-nhecimento de Cristo, o religioso revelouque «se delineiam já no âmbito do NovoTestamento, dois tipos de conhecimento deCristo, ou dois aspetos nos quais o Espíritodesempenha a sua ação». Há um conheci-mento «objetivo de Cristo, do seu ser, do

seu mistério e da sua pessoa»; e um conhe-cimento «mais subjetivo, funcional e interiorque tem por objeto o que Jesus “faz pormim”, mais do que o que ele “é em si”». EmPaulo prevalece «o interesse pelo conheci-mento do que Cristo fez por nós, pela obrade Cristo e em particular o seu mistério pas-cal». Em João tem relevo «o interesse peloque Cristo é: o logos eterno que estava emDeus e veio na carne, que é “um só com oPa i ”». Portanto, «para João, Cristo é sobre-tudo o revelador; para Paulo é principal-mente o salvador».

«E vós, quem dizeis que Eusou?»: hoje esta pergunta deJesus aos discípulos alcançacada cristão, impelindo-o afazer um exame de consciên-cia — «o que fazemos danossa fé»? — advertindo-ocontra o risco de pôr «Cristoentre parênteses». Foi direta-mente ao essencial o padreRaniero Cantalamessa, pre-gador da Casa pontifícia, na

fundamenta a divindade deCristo, mas é na divindadede Cristo que se funda a sal-vação». Por conseguinte, «adivindade de Cristo é a pe-dra angular que sustenta osdois mistérios essenciais dafé cristã: a Trindade e a en-carnação», que «são pratica-mente duas portas que seabrem e se fecham juntas».

notamos ao contrário umaausência preocupante, e atéuma rejeição da sua pessoa:no que acreditam, na realida-de, os que se definem “c re n -tes” na Europa e algures?Creem, muitas vezes, na exis-tência de um ser supremo,de um criador; acreditamque existe um “além”». Con-tudo «esta fé é uma fé deís-ta, não uma fé cristã»». E«várias sondagens sociológi-cas fazem esta constatação

segunda meditação quares-mal pronunciada na manhãde 17 de março, na capelaRedemptoris Mater, na pre-sença do Papa Francisco.

Mostrando que «o Espíri-to Santo nos introduz nomistério da divindade deCristo», o religioso relançou«a fé de Niceia», afirmandoque «em cada época e cultu-ra Cristo deve ser proclama-do Deus, não em qualquerconceito derivado nem se-cundário, mas no sentidomais forte que a palavra deDeus tem em tal cultura».Os padres que se opuseramvigorosamente à heresia aria-na, explicou, amadureceram«a sua certeza absoluta dadivindade de Jesus não atra-vés da especulação da vida,mas exatamente da reflexãosobre a experiência que aIgreja, graças à ação do Es-pírito Santo, faz da salvaçãoem Cristo». Em síntese,«não é na salvação que se

Devemos perguntar-nos,prosseguiu o pregador, «qualé o lugar que Jesus Cristoocupa na nossa sociedade ena própria fé dos cristãos».Contudo, trata-se «de umapresença-ausência de Cris-to». Com efeito, «no mundodo espetáculo e nos massmedia, Jesus está muito pre-sente: numa série interminá-vel de narrações, filmes e li-vros, os escritores manipulama figura de Cristo, às vezessob o pretexto de fantásticosnovos documentos históricos:tornou-se uma moda, um gé-nero literário, especula-se so-bre a vasta ressonância quecausa o nome de Jesus eacerca do que Ele representapara uma grande parte dahumanidade, garantindo as-sim ampla publicidade a bai-xo preço». Resumindo, trata-se de um verdadeiro «parasi-tismo literário».

«Mas se olharmos para oâmbito da fé — prosseguiu —

do». Não se trata, explicou,de «alcançar mais sucesso,dominando o cenário políti-co e cultural. Isto seria exa-tamente o oposto: não ven-cer o mundo, mas mundani-zar-se». Assim, «excluindotodas as formas de triunfalis-mo, trata-se de uma vitóriasobre aquilo que até o mun-do odeia e não aceita de simesmo: a temporalidade, acaducidade, o mal, a morte».E «a fim de que não hajadúvidas sobre a naturezadesta vitória sobre o mundo,ela é inaugurada com umtriunfo totalmente especial, avitória da Cruz». Portanto,um sucesso que proporcionaao homem «aquilo que elemais deseja: luz e vida». Nãoé por acaso que «a frasemais bonita que os espososdizem um ao outro é: «Tor-naste-me feliz!». E Jesus me-rece que a sua esposa, aIgreja, lhe diga isto do fun-do do seu coração».

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 23 de março de 2017, número 12

Missas matutinas em Santa MartaQuinta-feira16 de março

Como se nada fosseOs desabrigados, os novos pobressem dinheiro para pagar a renda, osdesempregados e as crianças que pe-dem esmola — malvistos porque per-tencem «àquela etnia que rouba» —já parecem fazer parte do «panora-ma da cidade». Precisamente «comouma estátua, a paragem do autocar-ro, o posto do correio». E são trata-dos com a mesma indiferença, comose não existissem, como se a sua si-tuação fosse até «normal» e nãochegasse a mexer com o coração.Mas assim deslizamos «do pecado àcorrupção» para o qual não tem re-médio, admoestou o Papa. Em sínte-se, insistiu, é como quando pensa-mos em nos safarmos com «umaAve-Maria e um Pai-Nosso», conti-nuando depois «a viver como se na-da fosse», vendo na televisão e nosjornais crianças assassinadas poruma bomba lançada contra um hos-pital ou uma escola.

«Na antífona de entrada», obser-vou imediatamente o Papa na suahomilia citando o salmo 139 (23-24),«rezamos: “Sonda-me, ó Deus, e co-nhece o meu coração, prova-me econhece os meus pensamentos; vê sehá em mim algum caminho mau eguia-me pelo caminho eterno”».Porque, explicou, «podemos levaruma vida de falsidade, de aparên-cias: parece uma coisa e a realidadeé outra». Precisamente «por isso pe-dimos ao Senhor que perscrute averdade da nossa vida: e se eu levaruma vida de falsidade, que me con-duza pelo caminho da vida, da vidav e rd a d e i r a » .

«Esta oração — explicou Francisco— está em harmonia com aquilo queo profeta Jeremias nos diz na pri-meira leitura» (17, 5-10) apresentan-do «estas duas opções que são pila-res de vida: «Maldito o homem queconfia em outro homem; bendito ohomem que deposita a confiança noSenhor”». Portanto, «maldito e ben-dito». Por um lado, há «o homemque confia no homem, aposta nacarne para o seu sustento, ou seja,nas coisas que ele pode gerir, na vai-dade, no orgulho, nas riquezas, emsi mesmo» e «sente-se como se fosseum deus, afasta o seu coração doSenhor». Precisamente «deste afasta-mento do Senhor “não virá o bem”»escreve o profeta Jeremias. E o ho-mem «será como um arbusto no de-serto», isto é «sem fruto, não seráfecundo: tudo acaba com ele, nãodeixará vida, aquela vida terminacom a própria morte, porque a suaconfiança estava em si mesmo».

«Ao contrário, “bendito é o ho-mem que confia no Senhor e o Se-nhor é a sua confiança”» afirmou oPontífice, repetindo as palavras deJeremias. Com efeito, aquele homem«confia no Senhor, agarra-se ao Se-nhor, deixa-se guiar pelo Senhor».Aquele que confia no Senhor será,escreve Jeremias, «como árvore plan-tada ao longo de um curso de água,que estende as raízes em direção àcorrente; não teme quando chega ocalor». Numa palavra, «será fecun-

do». Ao passo que aquele que confiaem si mesmo «será “como um arbus-to no deserto”, estéril».

Eis portanto, explicou o Papa,que «esta opção, entre estes doismodos de vida que depois se tornampilares de vida, vem do coração: afecundidade do homem que confiano Senhor e a esterilidade do ho-mem que confia em si mesmo, nassuas coisas, no seu mundo, nas suasfantasias ou até nas suas riquezas,no seu poder». Jeremias não deixade nos admoestar: «Está atento, nãoconfia no teu coração: “nada é maistraidor do que o coração e dificil-mente se cura!”». Por conseguinte,insistiu Francisco, «o nosso coraçãoatraiçoa-nos se não estivermos aten-tos, se não estivermos constantemen-te vigilantes, se formos preguiçosos,se vivermos com frivolidade, umpouco assim, tendo em consideraçãounicamente as coisas». E «este cami-nho é perigoso, é um caminho es-corregadio, quando confio só nomeu coração: porque ele é falso, ép erigoso».

Precisamente «este — prosseguiu oPapa referindo-se ao trecho de Lucas(16, 19-31) — aconteceu com o senhorrico do Evangelho: quando umapessoa vive no seu ambiente fecha-

Portanto, explicou o Papa, aquelehomem rico «não era um pecador,era um corrupto porque conhecia asnumerosas misérias, mas era feliz alie não lhe importava nada». Eis quevoltam com força as palavras de Je-remias: «Maldito o homem que con-fia em si mesmo, que confia no seucoração: “nada é mais falso do que ocoração, e dificilmente se cura” equando tu estás naquele caminho dadoença, dificilmente te curarás».

A este ponto Francisco quis pro-por um exame de consciência: «Ho-je vou fazer uma pergunta a todosnós: o que sentimos no coraçãoquando caminhamos pelas ruas e ve-mos os desabrigados, as crianças so-zinhas que pedem esmola?». Talvezpensemos que «são daquela etniaque rouba». Mas «o que sinto eu»quando vejo «os desabrigados, ospobres, os abandonos, também osdesabrigados bem vestidos, porquenão têm dinheiro para pagar a ren-da, porque não têm um trabalho?».E tudo «isto — afirmou o Papa — fazparte do panorama, da paisagem deuma cidade, como uma estátua, aparagem de autocarro, o posto docorreio: e será que inclusive os desa-brigados fazem parte da cidade? Énormal isto? Estai atentos, estai

Segunda-feira20 de março

José o sonhadorNa solenidade litúrgica de São José— que este ano foi adiada por umdia devido à coincidência com o ter-ceiro domingo de Quaresma — o Pa-pa celebrou a missa em Santa Marta,meditando exatamente sobre a figurado santo padroeiro da Igreja univer-sal. Nele o Pontífice indicou o mo-delo de «homem justo», de «homemcapaz de sonhar», de «conservar» e«levar em frente» o «sonho deDeus» sobre o homem.

Por isso, ele foi proposto comoexemplo para todos e em especialpara os jovens, aos quais José ensinaa nunca perder «a capacidade de so-nhar, de arriscar» e de assumir «ta-refas difíceis».

E muitos sonhos para o seu futurotinham certamente as treze estudan-tes que há precisamente um anomorreram num acidente rodoviáriona Catalunha, enquanto participa-vam no programa de estudos Eras-mus. Por elas o Pontífice quis ofere-cer expressamente a celebração euca-rística, na qual participaram inclusi-ve os familiares das sete jovens ita-lianas mortas na colisão do autocar-ro .

Para a sua meditação Franciscoinspirou-se na liturgia da palavraque fala de «descendência, herança,paternidade, filiação, estabilidade»:todas expressões, observou, «que sãouma promessa mas depois concen-tram-se num homem que não fala,não profere uma única palavra, umhomem do qual se diz que era justo,só isso. E depois um homem quenós vemos que age como um ho-mem obediente». Precisamente José.

Um homem, prosseguiu o Papa,«do qual não sabemos nem sequer aidade» e que «carrega nos ombrostodas estas promessas de descendên-cia, herança, paternidade, filiação eestabilidade do povo». Uma granderesponsabilidade que no entanto, co-mo se lê no Evangelho de Mateus(1, 16.18-21.24), se encontra todaconcentrada «num sonho». Aparen-temente, disse o Pontífice, tudo istoparece «demasiado subtil», lábil de-mais. E contudo é exatamente este«o estilo de Deus» com o qual Josése identifica plenamente: ele «umsonhador» é capaz «de aceitar estatarefa gravosa e que tem muito paranos dizer neste tempo de forte senti-do de orfandade». Assim ele aceita«a promessa de Deus e leva-a emfrente em silêncio com fortaleza, le-va-a em frente para que se cumpra avontade de Deus».

Portanto, eis delineada «a figurade José: o homem escondido, o ho-mem do silêncio, o homem que ser-ve de pai adotivo; o homem que tema maior autoridade naquele momen-to sem a mostrar». Um homem,acrescentou o Papa, que nos poderia«dizer muito», e contudo «não fa-la», que poderia «comandar», umavez que comanda o Filho de Deus, eno entanto «obedece». A ele, ao seucoração, Deus confia «coisas dé-beis»: com efeito, «uma promessa é

do, respira o ar dos seus bens, dasua satisfação, da vaidade, de se sen-tir seguro e confia apenas em si mes-mo, perde a orientação, perde a bús-sola e não sabe onde estão os limi-tes». O seu problema é que «viveunicamente ali: não sai de si».

Justamente é a história do homemrico do qual Jesus fala aos fariseusna narração de Lucas: «Vivia bem,nada lhe faltava, tinha muitos ami-gos», porque «quando há dinheirotemos amigos e quando falta o di-nheiro não há festas, os amigos afas-tam-se, vão-se embora». Portanto,aquele homem «estava sempre comamigos, nas festas», contudo emfrente da sua «porta estava aquelepobre». Mas «ele sabia quem eraaquele pobre — sabia! — porque de-pois, quando fala com o pai Abraão,diz “manda-me Lázaro!”». Por con-seguinte, «sabia também como sechamava, mas não lhe importava». Eentão «era um pecador? Sim. Masdo pecado pode-se voltar atrás, pe-de-se perdão e o Senhor perdoa».

No que diz respeito àquele ho-mem rico, pelo contrário, «o coraçãolevou-o por um caminho de morte, atal ponto que não pode voltar atrás:há um ponto, há um momento, háum limite do qual dificilmente sevolta atrás». E «é quando o pecadose transforma em corrupção».

que sinto quando no noticiário, nosjornais, vejo, que caiu uma bombaali, em cima de um hospital, e mor-reram muitas crianças, numa escola,coitadas»? Talvez «recito uma Ave-Maria, um Pai-Nosso por elas e con-tinuo a viver como se nada fosse».Ao contrário, é bom questionar-nosse o drama de tanta gente «entra nomeu coração» ou se sou exatamente«como aquele rico» sobre o qual fa-la o Evangelho, no qual «Lázaronunca entrou no coração», do qualaté «os cães tinham mais piedade».E «se eu fosse como aquele rico, es-taria no caminho do pecado para ac o r ru p ç ã o » .

«Por esta razão — concluiu Fran-cisco referindo-se às palavras do sal-mo 139 proclamadas na antífona daentrada — peçamos ao Senhor: “Son-da-me, ó Deus, e conhece o meu co-ração; vê se o meu caminho está er-rado, se estou naquele caminho es-corregadio que leva do pecado paraa corrupção, do qual não se podevoltar atrás”». Porque, reafirmou,«habitualmente o pecador, quandose arrepende, volta atrás; o corruptodificilmente, porque está fechado emsi mesmo». Por isso, «hoje a ora-ção» a ser feita é precisamente:«Perscruta, Senhor, o meu coração efaz com que eu compreenda em qualcaminho estou, qual estrada estou ap ercorrer».

atentos! Quando estascoisas ressoam no nossocoração como normais —“mas sim, a vida é assim,eu como, bebo, mas paranão ficar com sentimen-tos de culpa dou umaoferta e vou em frente” —não está bem».

Se tivermos estes pen-samentos quer dizer que«estamos, naquele mo-mento, naquela estradaescorregadia», que leva«do pecado à corrup-ção». Por isso, prosse-guiu o Pontífice, é opor-tuno questionar-nos: «o

Viktor e Natalia Kovalevski, «Indiferença»

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Carta às Confrarias da caridade

Para dar nova coragem aos pobres

débil», assim como é débil «umacriança», mas também «uma jovemsobre a qual ele teve uma suspeita».Debilidades que continuam tambémnos eventos sucessivos: «Pensemosno nascimento do Menino, na fugapara o Egito...».

«Todas estas debilidades», expli-cou o Pontífice, José «toma-as pelamão, põe-nas no coração e leva-asem frente como se levam em frenteas debilidades, com ternura, commuita ternura, com a ternura com aqual se pega no colo uma criança».Por isso, a liturgia oferece o exem-plo do «homem que não fala masobedece, o homem da ternura, o ho-mem capaz de levar em frente aspromessas para que se tornem fir-mes, seguras; o homem que garantea estabilidade do reino de Deus, apaternidade de Deus, a nossa filia-ção como filhos de Deus». Eis porque motivo, revelou o Papa, «gostode pensar em José como o guardiãodas debilidades», inclusive «das nos-sas debilidades». Com efeito, ele «écapaz de fazer nascer muitas coisasbonitas das nossas debilidades, dosnossos pecados». Ele «é guardiãodas debilidades para que se tornemfirmes na fé».

Uma tarefa fundamental que José«recebeu em sonho», porque ele era«um homem capaz de sonhar». Por-tanto, ele não só «é guardião dasnossas debilidades, mas também po-demos dizer que é o guardião do so-nho de Deus: o sonho do nosso Pai,o sonho de Deus, da redenção, dasalvação de todos, desta recriação, éconfiado a ele».

«Como é grande este carpintei-ro!», exclamou o Pontífice, ressal-tando mais uma vez que ele, «cala-do, trabalha, guarda, leva em frenteas debilidades, é capaz de sonhar».E a ele, disse Francisco, «hoje gosta-ria de pedir: que nos conceda a to-dos a capacidade de sonhar, porquequando sonhamos coisas grandes,bonitas, aproximamo-nos do sonhode Deus, daquilo que Deus sonhasobre nós». O Papa concluiu comuma intercessão singular: «Que con-ceda aos jovens — porque ele era jo-vem — a capacidade de sonhar, dearriscar e de cumprir as tarefas difí-ceis que viram nos sonhos». E final-mente, a todos os cristãos, conceda«a fidelidade que em geral crescenuma atitude correta, cresce no si-lêncio e na ternura que é capaz deguardar as próprias debilidades e asdos outros».

Domingo Martínez,«O sonho de São José» (séc. XVIII)

Dar alívio aos pobres restituindo-lhescoragem e esperança: é o que fazemdesde há quatrocentos anos asConfrarias da caridade, fundadas porSão Vicente de Paulo, cujo carismafoi recordado pelo Papa Francisconuma carta enviada aos membros daAssociation international desCharités (Aic). A seguir a nossatradução do francês do texto pontifício.

Aos membros da As s o c i a t i o nInternational des Charités (AIC)

Neste ano de 2017, celebrais os qua-trocentos anos das primeiras Con-frarias da Caridade, fundadas porSão Vicente de Paulo em Châtillon.É com alegria que me uno espiri-tualmente a vós para festejar esteaniversário e formulo os meus me-lhores votos para que esta boa obracontinue a sua missão de levar umtestemunho autêntico da misericór-dia de Deus junto dos mais pobres.Que este aniversário seja para todosa ocasião de dar graças a Deus porestes dons e abrir-se às suas surpre-sas, a fim de discernir, sob o soprodo Espírito Santo, novos caminhospara que o serviço da caridade sejacada vez mais fecundo!

As Charités surgiram da ternura eda compaixão do coração de Mon-senhor Vicente pelos pobres, muitasvezes marginalizados ou abandona-dos nas aldeias e nas grandes cida-des. A sua ação no meio deles ecom eles pretendia refletir a bonda-de de Deus pelas suas criaturas. Eleconsiderava os pobres como os re-presentantes de Jesus Cristo, comoos membros do seu corpo sofredor;

ele tinha compreendido que tam-bém os pobres são chamados a edi-ficar a Igreja e que por sua veztambém eles nos teriam convertido.

No seguimento de Vicente dePaulo o qual confiara o cuidadodos seus pobres a leigos, e de mo-do especial a mulheres, a vossa As-sociação quis promover o desenvol-vimento das pessoas menos favore-cidas e aliviar os pobres e os sofri-mentos materiais, físicos, morais eespirituais. E é na Providência deDeus que se encontra o fundamen-to deste compromisso. E o que é aProvidência a não ser o amor deDeus que age no mundo e pede anossa cooperação? Gostaria de vosencorajar de novo hoje a acompa-nhar a pessoa na sua integridade,dedicando uma atenção particular àprecariedade das condições de vidade numerosas mulheres e crianças.A vida de fé, a vida unida a Cristopermite-nos compreender a realida-de da pessoa, a sua dignidade in-comparável, não como uma realida-de limitada aos bens materiais, aosproblemas sociais, económicos epolíticos mas a considerá-la comoum ser criado à imagem e seme-lhança de Deus, como um irmão ouuma irmã, como o nosso próximopelo qual somos responsáveis. Para«vermos» estas pobrezas e para nosaproximarmos delas, não é suficien-te seguir as grandes ideias mas énecessário viver do mistério da En-carnação, este mistério tão queridoa São Vicente de Paulo, mistériodeste Deus que se abaixou tornan-do-se homem, que viveu entre nós emorreu «para aliviar o homem esalvá-lo». Não são apenas palavrasbelas, mas «trata-se do próprio sere agir de Deus». É o realismo queestamos chamados a viver comoIgreja. Eis por que não existe umapromoção humana, uma libertaçãoautêntica do homem, sem o anún-cio do Evangelho «pois o aspetomais sublime da dignidade do ho-mem consiste na sua vocação à co-munhão com Deus».

Na Bula de proclamação daabertura do ano jubilar, manifesteio desejo de «que os anos futuros

sejam permeados de misericórdiapara ir ao encontro de todas as pes-soas levando-lhes a bondade e aternura de Deus» (n. 5). Convido-vos a prosseguir por este caminho.A credibilidade da Igreja passa pelocaminho de amor misericordioso eda compaixão que abrem à esperan-ça: não se trata unicamente de en-contrar Cristo nos pobres, mas tam-bém de fazer com que os pobressintam Cristo em vós e nas vossasações. Estando enraizados na expe-riência pessoal de Cristo podeiscontribuir também para uma «cul-tura da misericórdia» que renoveprofundamente os corações e abra auma realidade nova.

Por fim, gostaria de vos convidara contemplar o carisma de Santa

Luísa de Marillac, à qual Monse-nhor Vicente confiou a animação ea coordenação das Confrarias dacaridade, e a encontrar nela esta fi-neza e delicadeza da misericórdiaque nunca fere nem humilha nin-guém mas que alivia, dá nova cora-gem e esperança.

Ao confiar-vos à intercessão daVirgem Maria, assim como à prote-ção de São Vicente de Paulo e deLuísa de Marillac, envio-vos a Bên-ção Apostólica e peço-vos que re-zeis por mim!

Vaticano, 22 de fevereiro de 2017

FRANCISCO

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

Mensagem para a jornada mundial da juventude

de: mas isto só é possível, se se vi-verem experiências autênticas deamor, que se concretizam na desco-berta da vocação do Senhor e naadesão a ela. E isto é a única coisaque nos torna verdadeiramente feli-zes.

Queridos jovens, confio o nossocaminho rumo ao Panamá, bem co-mo o itinerário de preparação dopróximo Sínodo dos Bispos, à ma-terna intercessão da Virgem Maria.Convido-vos a recordar dois aniver-sários importantes em 2017: os tre-

zentos anos do achado da imagemde Nossa Senhora Aparecida, noBrasil; e o centenário das apariçõesde Fátima, em Portugal onde, coma ajuda de Deus, irei em peregrina-ção no próximo mês de maio. SãoMartinho de Porres, um dos Santospadroeiros da América Latina e daJMJ de 2019, tinha o costume, noseu serviço humilde de cada dia, deoferecer as flores melhores a Mariacomo sinal do seu amor filial. Cul-tivai também vós, como ele, umarelação de familiaridade e amizadecom Nossa Senhora, confiando-lheas vossas alegrias, problemas e

preocupações. Garanto-vos que nãovos arrependereis!

A jovem de Nazaré, que em todoo mundo assumiu mil rostos e no-mes para estar próxima dos seus fi-lhos, interceda por cada um de nóse nos ajude a cantar as maravilhasque o Senhor realiza em nós e atra-vés de nós.

Vaticano, 27 de fevereiro de 2017Memória de São Gabriel

de Nossa Senhora das Dores

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 23 de março de 2017, número 12

Faleceu o cardeal Miloslav Vlk

Limpador de vitrinasnas ruas de Praga

Telegrama de pesar do Pontífice

Fiel a Cristo durante as perseguições

Tendo sido ordenado sacerdote nosdias da «primavera de Praga» de1968 e bispo a seguir à «revoluçãode veludo» de 1989, Miloslav Vlk foiuma importante figura de referênciapara o seu povo. Confirmam-no ostestemunhos de carinho unânimesquando se difundiu a notícia da suadoença e em seguida da sua morte.De resto, na República Checa todosconhecem a sua história: o limpadorde vitrinas que se torna cardeal.

Nele Vaclav Havel reconheceu«um válido parceiro na tentativa delevar a Igreja e o Estado a caminharjuntos, e um homem que viveu umtestemunho a aplicar não só aos cris-tãos, mas à sociedade inteira». E opadre Vlk acumulou uma grandeprovisão de humildade desempe-nhando os trabalhos mais ingratossob o regime comunista checoslova-co, mas sem nunca deixar de exercerclandestinamente o ministério sacer-dotal.

Filho de uma mãe solteira, foi ba-tizado no mesmo dia do nascimento,no santuário mariano de Sepekov.Depressa o pequeno Miloslav conhe-ceu o trabalho duro nos campos, nasquintas, sobretudo como guardadorde vacas. E a sua aspiração ao sacer-dócio embateu-se com a árdua per-seguição comunista. Assim, em 1952começa a trabalhar como operáriona fábrica de automóveis MotorUnion. Embora tenha sido chamadoa servir o exército, contudo conse-guiu estudar como arquivista na Fa-culdade de Letras da prestigiosaUniversidade Carolina de Praga, ob-tendo a licenciatura em 1960. Comeste título pôde trabalhar em váriosarquivos no sul da Boémia. Apaixo-nado pelo esperanto desde a adoles-cência, publicou uma obra para de-fender aquela expressão linguísticados ataques de Stalin.

De 1964 a 1968 finalmente conse-gue estudar, entre muitas peripécias,na Faculdade de teologia dos SantosCirilo e Metódio, que na realidadeera um seminário controlado peloEstado. É neste contexto que encon-tra o movimento dos Focolares,amadurecendo a espiritualidade de«Jesus abandonado na cruz». Quemo ordenou sacerdote foi D. JosephHlouch, que acabava de voltar de-pois de dezoito anos de exílio dadiocese de Ceské Budějovice, pedin-do-lhe que fosse seu secretário. En-tretanto, a «primavera de Praga»deixava entrever alguma espiral paraa Igreja, «que contudo nunca se ca-lou» — frisava Vlk — recordando que«o cardeal Tomášek ficava furiosoquando ouvia falar de Igreja do si-lêncio».

Depois, também ele conheceu omachado da repressão. Incomodadopela influência que o padre Vlkexercia em muitas pessoas, em 1971 o

regime confinou-o em aldeias remo-tas e chegou a proibir o exercício doseu ofício presbiteral. Motivação: eraum sacerdote «muito bom». Masnaquele período, recordava, «eu es-tava sozinho, ninguém me podiaajudar, nem sequer o meu bispo, eeu era rejeitado por todos».

Assim, o «cidadão» Miloslav Vlké obrigado a exercer clandestina-mente o ministério em Praga — ondepodia dar menos nas vistas — p ordez anos, de outubro de 1978 a de-zembro de 1988. Precisamente de1978 a 1986 trabalhou como limpa-dor de vitrinas no centro da cidade.Confessava nas ruas, nos becos, aténas salas de espera do tribunal, e ce-lebrava a missa clandestinamente nascasas. «Foram os anos mais aben-çoados da minha vida», revelou.

Naquela época desempenhou se-cretamente a sua atividade pastoralcom pequenos grupos de leigos. De1986 a 1988 teve a possibilidade detrabalhar no arquivo distrital dobanco estatal checoslovaco, em Pra-ga. E enquanto a Igreja vivia nas ca-tacumbas e o Estado procurava divi-dir o clero e o laicado, assim comoos leigos entre si, Vlk entrou na pri-meira comunidade focolarina dePraga «como leigo — dizia — vistoque o governo me tinha retirado a“licença” de sacerdote. Assim eu,presbítero, vivi inclusive a experiên-cia de leigo, que me foi útil tambémcomo bispo e cardeal».

No dia 1 de janeiro de 1989, noinício da mudança histórica, o regi-me concedeu-lhe desempenhar omúnus sacerdotal por um ano deprova. Assim foi pároco em váriasparóquias. Mas é com a chamada«revolução de veludo» que a históriado operário e limpador de vitrinas

Miloslav Vlk muda repentina e radi-calmente.

Participa em Roma, estando naprimeira fila, a 12 de novembro de1989, na canonização de Santa Inêsda Boémia, evento que serviu prati-camente de prelúdio para a derroca-da do regime. Eis as suas palavras:«Pela primeira vez na história do re-gime comunista checoslovaco, dezmil peregrinos vão a Roma para acelebração. A partir de então, osacontecimentos sucedem-se rapida-mente e sem derramamento de san-gue. Poucos dias depois, em Praga,teve lugar uma grande manifestaçãoestudantil. É o início da revoluçãode veludo. E muitos, não só católi-cos, falam de milagre de Santa Inês.Milagre! A mesma palavra que Ha-vel usou ao receber o Papa em Pra-ga em 1990: “Não sei o que é ummilagre, mas hoje aconteceu um!”».

Contudo, Vlk não escondia a tris-teza por se ter dispersado rapida-mente a experiência vivida pelos ca-tólicos e leigos, sob o comunismo eem 1989: com efeito, nem tudo fun-cionou como se esperava, e até severificaram alguns impasses na ques-tão ligada às relações entre Estado eIgreja, sobre o problema dos benseclesiásticos, inclusive no seio daprópria Igreja.

Quando em 1990 foi nomeadobispo de Ceské Budějovice, Vlk es-colheu como lema Ut omnes unumsint. A diocese era vacante desde1972, ano do falecimento de D.Hlouch, mas no dia 27 de março de1991, depois de apenas um ano deatividade, o Papa nomeou-o arcebis-po de Praga, sucessor dos cardeaisTo m á šek, o «velho carvalho», e Be-ran. Em 1993 foi eleito presidente daConferência episcopal checa, cargoque ocupou até ao ano 2000.

A 16 de abril de 1993 tornou-setambém presidente do Conselho dasconferências episcopais europeias;confirmado em 1996, desempenhouesta função até maio de 2001, defen-dendo tenazmente as raízes cristãsda Europa e procurando unir as ex-periências ocidentais e orientais.«Começava-se de zero, nem sequernos conhecíamos», narrou. E em1991, no primeiro Sínodo especialpara a Europa, desempenhou o car-go de secretário especial: «Quem vi-nha do outro lado da cortina eraconsiderado de segunda classe, só naIgreja não foi assim e sentimo-nosimediatamente acolhidos em termosde igualdade».

Os primeiros anos noventa foramrealmente singulares para o seu país.Em junho de 1992 teve início o pro-cesso de divisão da Checoslováquiae, a 1 de janeiro de 1993, nasceramdois Estados soberanos: a RepúblicaCheca e a República Eslovaca. Por-tanto, Vlk viveu pessoalmente estasimportantes mudanças históricas echegou a definir «vertiginoso» o ca-minho percorrido em pouquíssimotempo: desde sacerdote clandestino,obrigado a trabalhar como limpadorde vitrinas pelas ruas, até arcebispo;da perseguição para a liberdade,«contudo uma liberdade difícil degerir».

Criado cardeal em 1994, tornou-semembro da Congregação para asIgrejas orientais e do Pontifício con-selho para as comunicações sociais.Foram-lhe tributados importantes re-conhecimentos académicos nos Esta-dos Unidos, na Alemanha, na Poló-nia, e também na sua pátria onde re-cebeu a honorificência mais alta.Momentos inesquecíveis para ele fo-ram as visitas de João Paulo II aPraga em 1990 (com etapa em Ve-lehrad), em 1995 (com etapas emOlomouc e Ostrava) e em 1997 (cometapa em Hradec Králové), e deBento XVI em 2009: «Passar com oPapa pelas ruas do centro de Praga,onde eu era um limpador de vitri-nas, foi uma experiência deveras es-pecial», confessou Vlk.

Na manhã de 18 de março faleceu o cardeal Miloslav Vlk, arcebispo emérito dePraga. Nasceu a 17 de maio de 1932 em Lišnice-Sepekov, diocese de CeskéBudějovice, e foi ordenado sacerdote em 23 de junho de 1968. Tendo sido nomea-do bispo de Ceské Budějovice a 14 de fevereiro de 1990, recebeu a ordenação epis-copal no dia 31 de março seguinte. A 27 de março de 1991 tornou-se arcebispo dePraga. Foi criado e publicado cardeal do título de Santa Cruz de Jerusalém, noconsistório de 26 de novembro de 1994. No dia 13 de fevereiro de 2010 renunciouao governo pastoral da arquidiocese.

Miloslav Vlk limpa uma vitrinaem Praga nos anos oitenta

Na manhã de 18 de março faleceu ocardeal Miloslav Vlk, arcebispoemérito de Praga, na RepúblicaCheca. Tinha 84 anos. Assim querecebeu a triste notícia, o PapaFrancisco enviou ao seu sucessor nessacomunidade diocesana, cardealDominik Duka, o seguinte telegramade condolências.

Recebi a notícia do falecimento doSenhor Cardeal Miloslav Vlk, Arce-bispo Emérito de Praga, ocorridono final de uma doença dolorosaque ele suportou com fé e confian-ça no Senhor. Elevo fervorosas pre-ces a Deus, a fim de que conceda o

descanso eterno a este pastor zelosoe generoso, enquanto me uno espi-ritualmente aos fiéis dessa comuni-dade diocesana onde ele desempe-nhou o ministério episcopal comsolicitude. Recordo com admiraçãoa sua fidelidade tenaz a Cristo, nãoobstante as privações e perseguiçõescontra a Igreja, assim como a suafecunda e diversificada atividadeapostólica, animada pelo desejo dedar testemunho da alegria do Evan-gelho a todos, promovendo umaautêntica renovação eclesial, sempredócil às inspirações do EspíritoSanto. Ao manifestar as minhassentidas condolências aos familiares

do saudoso Purpurado, ao clero e atodos os fiéis dessa amada Arqui-diocese, concedo de coração a con-fortadora Bênção apostólica, em si-nal de fé e esperança cristã no Se-nhor Ressuscitado.

FRANCISCUS P P.

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número 12, quinta-feira 23 de março de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 16 de março

D. Petar Rajič, Núncio Apostólicoem Angola e São Tomé e Príncipe; eos seguintes Prelados da Conferên-cia Episcopal do Canadá, em visita«ad limina Apostolorum»: D. ValéryVienneau, Arcebispo de Moncton;D. Daniel Jodoin, Bispo de Ba-thurst; D. Claude Champagne, Bis-po de Edmundston; D. Robert Har-ris, Bispo de Saint John NewBrunswick; D. Martin William Cur-rie, Arcebispo de Saint John’sNewfoundland; D. Robert AnthonyDaniels, Bispo de Grand Falls; D.Peter Joseph Hundt, Bispo de Cor-ner Brook e Labrador; D. AnthonyMancini, Arcebispo de Halifax-Yar-mouth; D. Brian Joseph Dunn, Bis-po de Antigonish; e D. RichardJohn Grecco, Bispo de Charlotte-town.

No dia 17 de março

O Senhor Cardeal George Pell, Pre-feito da Secretaria para a economia;e D. Marek Solczyński, NúncioApostólico na Geórgia, na Arméniae no Azerbaijão.

No dia 18 de março

Os Senhores Cardeais Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para os bis-pos; Gualtiero Bassetti, Arcebispode Perugia — Città della Pieve (Itá-lia); D. Andrés Carrascosa Coso,Núncio Apostólico no Panamá; e D.Michael A. Blume, Núncio Apostóli-co no Uganda.

A Senhora Marta Santos Pais, Re-presentante Especial do Secretário-Geral da Onu para a Violência con-tra as crianças.

No dia 20 de março

Os seguintes Prelados da Conferên-cia episcopal de El Salvador em visi-ta «ad limina Apostolorum»: D. Jo-sé Luis Escobar Alas, Arcebispo deSan Salvador, com o Auxiliar, D.Gregorio Rosa Chávez; D. OswaldoEstéfano Escobar Aquilano, Bispode Chalatenango; D. Emilio AntonioRivas Segovia, Administrador Dio-cesano de San Miguel; D. MiguelÁngel Morán Aquino, Bispo de San-ta Ana; D. William Ernesto IrahetaRivera, Bispo de Santiago de María;D. José Elias Rauda Gutiérrez, Bis-po de San Vicente; D. ConstantinoBarrera Morales, Bispo de Sonsona-te; D. Elías Samuel Bolaños Avelar,Bispo de Zacatecoluca; e D. FabioReynaldo Colindres Abarca, Ordiná-rio Militar para El Salvador.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 16 de março

De D. Claude Rault, M.Afr., ao go-verno pastoral da Diocese deLaghouat (Argélia).

A 17 de março

De D. Carlo Mazza, ao governopastoral da Diocese de Fidenza (Itá-lia).

A 21 de marçoDe D. Rómulo Emiliani Sánchez,C.M.F., ao cargo de Auxiliar de SãoPedro Sula (Honduras).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 16 de marçoBispo de Cheyenne (E UA ), o Rev.do

Pe. Steven Biegler, do clero da Dio-cese de Rapid City, até esta data Vi-gário Geral e Reitor da Catedral«Our Lady of Perpetual Help» emRapid City.

D. Steven Biegler nasceu a 22 demarço de 1959, em Mobridge (EUA).Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia9 de julho de 1993.

Bispo da Diocese de Keta-Akatsi(Gana), D. Gabriel Edoe Kumordji,S.V.D., atualmente Vigário Apostólicode Donkorkrom.Bispo de Laghouat (Argélia), oR e v. do Pe. John Gordon MacWil-liam, M.Afr., até agora Superior Pro-vincial para a Argélia e a Tunísia.

D. John Gordon MacWilliam,M.Afr., nasceu em Wimbledon (Ingla-terra), no dia 20 de novembro de1948. Foi ordenado Sacerdote a 4 dejulho de 1992.

No dia 17 de marçoBispo de Fidenza (Itália), o Rev.do

Pe. Ovidio Vezzoli, do Clero daDiocese de Brescia, até agora profes-

sor, Prefeito dos Estudos do Seminá-rio diocesano e bibliotecário da mes-ma Diocese.

D. Ovidio Vezzoli nasceu em Adro(Itália), a 2 de janeiro de 1956. Rece-beu a Ordenação sacerdotal no dia 14de junho de 1980.

No dia 18 de marçoNúncio Apostólico no Ruanda, oR e v. do Pe. Andrzej Józwowicz, Con-selheiro de Nunciatura, simultanea-mente elevado à dignidade de Arce-bisp o.

D. Andrzej Józwowicz nasceu emBoćki (Polónia), no dia 14 de janeirode 1965. Foi ordenado Sacerdote a 24de maio de 1990.

Arcebispo de Semarang (Indonésia),o Rev.do Pe. Robertus Rubiyatmoko,até esta data Vigário Judicial da Ar-quidiocese de Semarang e Formadordo Seminário Maior.

D. Robertus Rubiyatmoko nasceu a10 de outubro de 1963, em Sleman(Indonésia). Recebeu a Ordenação sa-cerdotal no dia 12 de agosto de 1992.

Bispo de Tumaco (Colômbia), oR e v. do Pe. Orlando Olave Villanoba,do Clero da Diocese de Barranca-bermeja, até hoje Pároco da Cate-dral e Vigário diocesano para a pas-toral.

D. Orlando Olave Villanoba nasceuno dia 28 de janeiro de 1969, emBarrancabermeja (Colômbia). Foi orde-nado Sacerdote em 5 de dezembro de1998.

No dia 20 de marçoNúncio Apostólico na RepúblicaCentro-Africana, o Rev.do Pe. Santia-go De Wit Guzmán, Conselheiro deNunciatura, simultaneamente eleva-do à dignidade de Arcebispo.

D. Santiago De Wit Guzmán nas-ceu em Valencia (Espanha), a 5 de se-tembro de 1964. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal no dia 27 de maio de 1989.

No dia 22 de marçoBispo Coadjutor da Diocese deMontenegro (Brasil), o Rev.do Pe .Carlos Rômulo Gonçalves e Silva,do Clero da Arquidiocese de Pelo-tas, até agora Vigário-Geral.

D. Carlos Rômulo Gonçalves e Sil-va nasceu a 24 de janeiro de 1969 emPiratini (Brasil). Obteve a licenciaturaem Teologia Espiritual na PontifíciaUniversidade Gregoriana em Roma(2002-2004). Foi ordenado Sacerdotea 8 de dezembro de 1994. Foi VigárioParoquial de Santa Teresinha em Pelo-tas (1995-2002); Coordenador daPastoral vocacional (1997-2002); Co-ordenador das Santas Missões Popula-res (2005-2007); Pároco de Nossa Se-nhora da Conceição em Canguçu(2008-2011); Coordenador da Pasto-ral presbiteral (2008-2011); Pároco(2011-2012) e depois Vigário Paro-quial (2012-2013) de Santo Curad’Ars em Pelotas; Professor no Institutode Teologia Paulo VI (desde 1995).Atualmente desempenha os seguintescargos: Diretor do Insituto de TeologiaPaulo VI; Diretor da Escola Diaconal;e Membro do Colégio dos Consultores,do Conselho Presbiteral, do Conselhopara os Assuntos económicos e de al-guns Conselhos da Universidade Cató-lica de Pelotas.

Em Bolzano a beatificação de Josef Mayr-Nusser

Aquele não na cara de HitlerCom o seu «não» pronunciado na cara do führer, JosefMayr-Nusser diz a cada homem que «também hoje épossível opor-se a qualquer Hitler, grande ou pequeno,que possa apresentar-se na vida», mantendo sempre oestilo cristão da firmeza serena. Contudo, é necessárioestar prontos para pagar as consequências: «Josef mor-reu devido às violências sofridas no caminho rumo aocampo de concentração de Dachau». Tinha trinta ecinco anos. Originário de Bolzano, casado com Hilde-gard, teve um filho que se chamava Albert. Recrutadoforçadamente nas SS, «como cristão» rejeitou prestarjuramento ao tirano, mesmo sabendo muito bem o queestava para enfrentar. E por este seu testemunho aIgreja proclamou-o beato. Sábado 18 de março, na ca-tedral de Bolzano, o cardeal Angelo Amato presidiu aorito de beatificação em nome do Papa Francisco.

Tem deveras muito para nos dizer — afirmou o pre-feito da Congregação para as causas dos santos — este«jovem pai de família, mártir da fé durante o períodosombrio da ditadura nazista e da segunda guerra mun-dial». Josef Mayr-Nusser «mostrou a todos, amigos einimigos, como defender a própria identidade cristã,seguindo a própria consciência reta que não podia serforçada a cometer o mal». De resto, explicou, «Joseftinha estudado a fundo o livro Mein Kampf, descobrin-do ali o sistema desumano e anticristão do nacional-so-cialismo». A sua firme oposição a jurar para Hitler«refletia portanto a consciência de viver em tempos deperseguição que exigiam um testemunho coerente como Evangelho, através de palavras e de factos». «O mar-tírio — afirmou o purpurado — é o assassínio de umbatizado por ódio à fé cristã. O cristianismo é hojeodiado, contestado, perseguido: os discípulos de Cristorepresentam o grupo religioso mais perseguido dosnossos tempos da Europa à África, das Américas àÁsia». Contudo, «não faltam testemunhas corajosas esinceras da fé».

Nestes últimos anos, prosseguiu o purpurado, «BentoXVI e Francisco repetiram várias vezes que quando oscristãos se mostram realmente fermento, luz e sal da ter-ra, tornam-se também eles, como Jesus, objeto de perse-guição e sinal de contradição». E assim «a fazenda Nus-ser» de Bolzano, a casa do novo beato, «tornou-se agoranão só uma memória do passado, mas um monumentovivo dedicado a um jovem pai de família que teve a co-ragem de se opor ao ídolo da sua época, um simulacromortal e funesto que a história abjurou para sempre».

Os testemunhos sobre a sua morte, recordou o car-deal Amato, «mostram os sofrimentos inauditos que le-varam Josef à morte, mas também a sua força de espí-rito e a sua gentileza». Era o dia 24 de fevereiro de1945. Uma jovem guarda das SS testemunhou que «Jo-sef nunca pronunciou palavras de maledicência ou delamentação, continuando a agradecer Ve rg e l t ’s Gottquantos procuravam ajudá-lo». Numa carta dirigida àsenhora Mayr, esta guarda escreveu: «Entre os seuspoucos objetos pessoais foram encontrados um NovoTestamento, um missal e uma coroa do rosário: morreupor Cristo, disto agora tenho certeza, trinta e quatroanos depois da sua morte. Querida senhora Mayr, mes-mo se não é muito o que atualmente lhe posso referir,contudo estou firmemente convicto de que passei ca-torze dias em situações desumanas, com um “santo”.Agora é o meu grande intercessor junto a Deus».

«Um mártir não se improvisa e o martírio não é umcaso fortuito» concluiu o purpurado. Com efeito, «Jo-sef desde quando era jovem cultivou a formação cultu-ral e religiosa», nutrindo-se das obras de São Tomás,Romano Guardini e Tomás Moro. Além disso, «quan-do era jovem, Josef ficara comovido também com a vi-cissitude do jesuíta mexicano padre Miguel Pro, con-denado a morte e fuzilado em 1927 sem processo devi-do ao seu amor a Cristo rei».

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 23 de março de 2017, número 12

Na audiência geral o Papa Francisco meditou sobre a perseverança e a consolação na vida cristã

Próximos dos mais frágeis

Bom dia, amados irmãos e irmãs!

Há já algumas semanas que o Após-tolo Paulo nos ajuda a compreendermelhor em que consiste a esperançacristã. E dissemos que não era umotimismo, mas algo diferente. E oApóstolo ajuda-nos a entender isto.Hoje fá-lo relacionando-a com duasatitudes importantes como nuncapara a nossa vida e para a nossa ex-periência de fé: a «p e rs e v e ra n ç a » e a

pressão «nós, que somos fortes» po-deria parecer presunçosa, contudona lógica do Evangelho sabemosque não é assim mas, ao contrário, éexatamente o oposto, porque a nos-sa força não provém de nós mesmos,mas do Senhor. Quem experimentana própria vida o amor fiel de Deuse a sua consolação é capaz, aliás,tem o dever de estar perto dos ir-mãos mais frágeis e de carregar as

tem necessidade da consolação dosoutros; e vice-versa, na debilidadepodemos oferecer sempre um sorrisoou uma mão ao irmão em dificulda-de. E é uma comunidade como estaque «glorifica a Deus com um sócoração e uma só voz» (cf. v. 6).Mas tudo isto só é possível se nocentro pusermos Cristo e a sua Pala-vra, porque Ele é o «forte», Ele éaquele que nos dá a força, a paciên-cia, a esperança, a consolação. Ele éo «irmão forte» que cuida de cadaum de nós: com efeito, todos nós te-mos necessidade de ser carregadosàs costas pelo Bom Pastor, de nossentirmos contemplados pelo seuolhar terno e atencioso.

Caros amigos, nunca agradecemossuficientemente a Deus o dom da

tema: «Watershed: Replenishing WaterValues for a Thirsty World», p ro m o v i -do pelo Pontifício Conselho para aCultura e pelo Capítulo argentinodo Clube de Roma. Celebra-se pre-cisamente hoje o Dia mundial daágua, instituído há vinte e cincoanos pelas Nações Unidas, e ontemfoi comemorad0 o Dia internacionaldas florestas. Alegro-me com esteencontro, que marca uma nova etapano compromisso comum de váriasinstituições, a fim de sensibilizar pa-ra a necessidade de tutelar a águacomo bem de todos, valorizandotambém os seus significados cultu-rais e religiosos. Encorajo de modoespecial o vosso esforço no campoeducacional, com propostas a favordas crianças e dos jovens. Obrigado

presença e ação misericordiosa deDeus. Pois bem, São Paulo recorda-nos que a perseverança e a consola-ção nos são transmitidas de modoespecial pelas Escrituras (v. 4), ou se-ja, pela Bíblia. Com efeito, em pri-meiro lugar a Palavra de Deus leva-nos a dirigir o olhar para Jesus, aconhecê-lo melhor e a conformar-nos com Ele, a assemelhar-nos cadavez mais a Ele. Em segundo lugar, aPalavra revela-nos que o Senhor éverdadeiramente «o Deus da perse-verança e da consolação» (v. 5), quepermanece sempre fiel ao seu amorpor nós, ou seja, que é perseveranteno seu amor por nós, não se cansade nos amar! É perseverante: ama-nos sempre! E cuida de nós, cobrin-do as nossas feridas com a carícia dasua bondade e da sua misericórdia,isto é, consola-nos. Não se cansa denos consolar.

É nesta perspetiva que se compre-ende também a afirmação inicial doApóstolo: «Nós, que somos fortes,devemos suportar as fraquezas dequantos não o são, sem procurar oque nos é agradável» (v. 1). Esta ex-

suas fragilidades. Se permanecermospróximos do Senhor, teremos a for-taleza para estar perto dos mais frá-geis, dos mais necessitados, para osconsolar e fortalecer. Este é o seusignificado. E podemos fazer istosem autossatisfação, mas sentindo-nos simplesmente como um «canal»que transmite os dons do Senhor; eassim tornamo-nos concretamente«semeadores» de esperança. É isto queo Senhor nos pede, com a fortalezae a capacidade de consolar e de ser-mos semeadores de esperança. E ho-je é necessário semear esperança,mas não é fácil...

O fruto deste estilo de vida não éuma comunidade em que alguns sãode «série A», ou seja os fortes, e ou-tros de «série B», isto é os fracos. Aocontrário, como diz Paulo, o frutoconsiste em «ter os mesmos senti-mentos uns para com os outros, se-gundo Jesus Cristo» (v. 5). A Pala-vra de Deus alimenta uma esperançaque se traduz concretamente em parti-lha, em serviço recíproco. Pois atéquem é «forte», mais cedo ou maistarde experimenta a fragilidade e

sua Palavra, que se torna presentenas Escrituras. É ali que o Pai deNosso Senhor Jesus Cristo se revelacomo «Deus da perseverança e daconsolação». E é ali que nos torna-mos conscientes de que a nossa es-perança não se baseia nas nossaspróprias capacidades nem nas nossasforças, mas na ajuda de Deus e nafidelidade do seu amor, ou seja, naforça e na consolação de Deus.O brigado!

Um convite a não esquecer que asmigrações são «a maior tragédia depoisda segunda guerra mundial» foidirigido pelo Papa, no final daaudiência geral, aos diretores diocesanosda fundação Migrantes. «Celebra-seprecisamente hoje o Dia mundial daágua, instituído há vinte e cinco anospelas Nações Unidas, e ontem foicomemorad0 o Dia internacional dasflorestas», recordou o Pontífice no finalda audiência geral, saudando os váriosgrupos presentes.

Dirijo a minha cordial saudação aosparticipantes no Congresso sobre o

todos acolhe e perdoa.Saúdo os participantes na assem-

bleia para os diretores de Migrantes,enquanto os animo a prosseguir nocompromisso em prol do acolhimen-to e da hospitalidade aos migrantese refugiados, favorecendo a sua inte-gração e tendo em consideração osdireitos e deveres recíprocos paraquantos acolhem e para os que sãoacolhidos. Não nos esqueçamos queo atual problema dos refugiados edos migrantes é a maior tragédia de-pois da segunda guerra mundial.

Dirijo uma saudação particularaos jovens, aos doentes e aos recém-casados. No próximo sábado cele-braremos a Solenidade da Anuncia-ção do Senhor à Virgem Maria. Esti-mados jovens, sabei estar à escuta davontade de Deus, como Maria; dile-tos enfermos, não desanimeis nosmomentos mais difíceis, conscientesde que o Senhor não dá uma cruzsuperior às vossas forças; e vós, pre-zados recém-casados, edificai a vossavida matrimonial sobre a rocha firmeda Palavra de Deus.

«consolação» (vv. 4.5). Notrecho da Carta aos Roma-nos, que há pouco ouvimos,elas são citadas duas vezes:primeiro em referência às Es-crituras e depois ao próprioDeus. Qual é o seu significa-do mais profundo, mais ver-dadeiro? E de que modoelucidam a realidade da es-perança? Estas duas atitudes:a perseverança e a consola-ção.

A p e rs e v e ra n ç a , p o deríamosdefini-la também como pa-ciência: é a capacidade de su-portar, carregar às costas,«su-portar», permanecer fiel,até quando o peso parecetornar-se grande demais, in-sustentável, e teríamos a ten-tação de julgar negativamen-te e abandonar tudo e todos.Ao contrário, a consolação é agraça de saber ver e mostrarem todas as situações, aténas mais marcadas pela desi-lusão e pelo sofrimento, a

pelo que fazeis e que Deusvos abençoe!

Saúdo os peregrinos delíngua portuguesa, do Brasile de Portugal. Queridosamigos, somos chamados aestar sempre disponíveis pa-ra os outros, com um sorrisoou com uma mão estendidapara quem está em dificulda-de, tornando-nos assim ver-dadeiros semeadores de es-perança. Que Deus vosabençoe a todos!

Convido todas as comuni-dades a viver com fé o en-contro de 24 e 25 de março,para voltar a descobrir o sa-cramento da reconciliação:«24 horas pelo Senhor». Fa-ço votos a fim de que tam-bém no corrente ano estemomento privilegiado degraça do caminho quaresmalseja vivido em muitas igrejasdo mundo para experimen-tar o alegre encontro com amisericórdia do Pai, que a

«Quem experimenta na própria vida o amor fiel de Deus e a sua consolação écapaz, aliás, tem o dever de estar perto dos irmãos mais frágeis e de carregar assuas fragilidades. E podemos fazer isto sem autossatisfação», disse o PapaFrancisco na audiência geral de quarta-feira 22 de março com os fiéis reunidosna praça de São Pedro. Dando continuidade às reflexões sobre a esperança cristã,o Sumo Pontífice meditou de modo especial acerca de duas atitudes na vidacristã: a perseverança e a consolação. Eis a sua catequese.