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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 14 (2.611) Cidade do Vaticano terça-feira 7 de abril de 2020 y(7HB5G3*QLTKKS( +z!"!&!#![! Na missa do Domingo de Ramos o Papa recordou os «verdadeiros heróis» que se dedicam aos outros A vida não serve se não se serve mem que se tornou “faber”, “artesão” da própria fortuna, do próprio destino; o iluminismo já no título indicava o fim da noite, a possibilidade para o ho- mem de se mover guiado pela luz da razão onde quer que ele quisesse, afas- tando qualquer escuridão e com ela os medos e as tristezas (“Hoje a felicidade é uma ideia nova na Europa” disse Saint-Just na Convenção durante a re- volução francesa), e no final e mais ain- da a pós-modernidade foi afirmada pe- la velocidade deste movimento, um di- namismo tão otimista e ao mesmo tem- po convulsivo que torna tudo (antes de tudo as relações) efémero, precário, lí- quido. Agora tudo parou, tudo parece estag- nar. Esta “imagem parada” que blo- queou o brilhante filme de ação que o mundo ocidental estava a interpretar, uns mais convencidos, outros menos, obriga-nos, entre outras coisas, a redefi- nir o conceito de “ação”, daquela obra de que Jesus fala. E a pergunta então é dirigida precisamente aos seguidores de Jesus de Nazaré: o que e como devem fazer hoje, no meio de uma paralisia devido à emergência de saúde? Quais ações podem e devem fazer os cristãos, eles já sabem, são “as obras daquele que me enviou”, mas o que podem fa- zer num momento em que, fisicamente, ANDREA MONDA «Convém que Eu faça as obras d'Aque- le que Me enviou, enquanto é dia; a noite vem, na qual ninguém pode tra- balhar» (Jo 9, 4). Assim se lê no Evan- gelho de João, que nos acompanha nestes dias de preparação para a Sema- na Santa. Jesus refere-se obviamente ao próprio momento em que é preso e, portanto, a sua obra será interrompida definitivamente, de facto no capítulo 13 do mesmo quarto Evangelho o evange- lista observa, no momento em que Ju- das deixa o cenáculo para ir organizar a traição, a expressão «tendo, pois, to- mado o bocado de pão... saiu apressa- damente. E era noite» (Jo 13, 30). Mas as palavras de Jesus hoje, no final desta Quaresma marcada pela quarentena por causa da pandemia, assumem um valor e um significado ulteriores. De facto, poder-se-ia pensar que, nestes dias, a Itália, e com ela uma boa parte do mundo, já se encontra na escuridão de uma “noite” que impede ou limita fortemente qualquer tipo de ação. En- contramo-nos todos ou quase todos fe- chados nas nossas casas, obrigados a permanecer ali durante um tempo in- certo, que de semana para semana se prolonga em vez de diminuir, sem qualquer possibilidade de movimento a não ser dentro de casa. Fomos todos apanhados de surpresa: a modernidade foi marcada pelo movimento, pelo ho- A noite e a luz de um amor humilde, criativo e heroico CONTINUA NA PÁGINA 6

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Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E ROMANO · espero muito em breve, o faremos com espírito, criatividade e uma força maior do que hoje, e eu di-ria

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 14 (2.611) Cidade do Vaticano terça-feira 7 de abril de 2020

y(7HB5G3*QLTKKS( +z!"!&!#![!

Na missa do Domingo de Ramos o Papa recordou os «verdadeiros heróis» que se dedicam aos outros

A vida não serve se não se serve

mem que se tornou “fab er”, “artesão”da própria fortuna, do próprio destino;o iluminismo já no título indicava ofim da noite, a possibilidade para o ho-mem de se mover guiado pela luz darazão onde quer que ele quisesse, afas-tando qualquer escuridão e com ela osmedos e as tristezas (“Hoje a felicidadeé uma ideia nova na Europa” disseSaint-Just na Convenção durante a re-volução francesa), e no final e mais ain-da a pós-modernidade foi afirmada pe-la velocidade deste movimento, um di-namismo tão otimista e ao mesmo tem-po convulsivo que torna tudo (antes detudo as relações) efémero, precário, lí-quido.

Agora tudo parou, tudo parece estag-nar. Esta “imagem parada” que blo-queou o brilhante filme de ação que omundo ocidental estava a interpretar,uns mais convencidos, outros menos,obriga-nos, entre outras coisas, a redefi-nir o conceito de “ação”, daquela obrade que Jesus fala. E a pergunta então édirigida precisamente aos seguidores deJesus de Nazaré: o que e como devemfazer hoje, no meio de uma paralisiadevido à emergência de saúde? Quaisações podem e devem fazer os cristãos,eles já sabem, são “as obras daqueleque me enviou”, mas o que podem fa-zer num momento em que, fisicamente,

ANDREA MONDA

«Convém que Eu faça as obras d'Aque-le que Me enviou, enquanto é dia; anoite vem, na qual ninguém pode tra-balhar» (Jo 9, 4). Assim se lê no Evan-gelho de João, que nos acompanhanestes dias de preparação para a Sema-na Santa. Jesus refere-se obviamente aopróprio momento em que é preso e,portanto, a sua obra será interrompidadefinitivamente, de facto no capítulo 13do mesmo quarto Evangelho o evange-lista observa, no momento em que Ju-das deixa o cenáculo para ir organizara traição, a expressão «tendo, pois, to-mado o bocado de pão... saiu apressa-damente. E era noite» (Jo 13, 30). Masas palavras de Jesus hoje, no final destaQuaresma marcada pela quarentenapor causa da pandemia, assumem umvalor e um significado ulteriores. Defacto, poder-se-ia pensar que, nestesdias, a Itália, e com ela uma boa partedo mundo, já se encontra na escuridãode uma “noite” que impede ou limitafortemente qualquer tipo de ação. En-contramo-nos todos ou quase todos fe-chados nas nossas casas, obrigados apermanecer ali durante um tempo in-certo, que de semana para semana seprolonga em vez de diminuir, semqualquer possibilidade de movimento anão ser dentro de casa. Fomos todosapanhados de surpresa: a modernidadefoi marcada pelo movimento, pelo ho-

A noite e a luzde um amor humilde, criativo e heroico

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 7 de abril de 2020, número 14

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: € 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assinaturas.or@sp c.va

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

Um jornal invencívele o desafio que temos diante de nós

Numa carta do Cardeal Secretário de Estado aos chefes dos Dicastérios da Cúria Romana

O agradecimento do Papaaos funcionários do Vaticano

ANDREA MONDA

O jornal que estais a ler não otendes nas mãos. Estais a ler naInternet, especificamente no sitedo jornal renovado e melhorado,através de um dispositivo móvelou no vosso computador pessoal.

Esta é a terceira vez que se teveque suspender a impressão empapel na longa história da L’O s-servatore Romano: a primeira vezfoi por alguns dias, em setembrode 1870, por ocasião da brecha daPorta Pia e da tomada de Roma,a segunda ocorreu em setembrode 1919, e durou cerca de doismeses por causa de uma greve datipografia. No entanto, estes doisprecedentes não são comparáveiscom a situação que vivemos hoje,pela simples e decisiva razão deque nessas duas ocasiões a sus-pensão equivaleu a uma interrup-ção real na produção do jornal, ehoje não. O que ontem poderiaser visto como um sinal mortalinfligido ao jornal diário, hoje de-ve ser lido como um sinal da vita-lidade deste jornal que se adaptaimediatamente à nova situaçãodramática que o Vaticano, Roma,Itália e o mundo estão a viver.

Nestes dias escrevi uma cartaaos meus colegas da redação naqual dizia (e tenho o prazer de arepetir aos leitores, afinal somostodos “colegas”, estamos todos“coligados”, fazemos parte damesma comunidade): «Mais doque uma “decisão” é uma questãode reconhecimento da realidade.Como o Papa costuma dizer: arealidade é superior à ideia». Eum bom jornal, um jornal “inven-cível” como L'Osservatore Roma-no, não pode viver fora da reali-dade. Tem que caminhar dentrodela para a transformar. A reali-dade é que se morre por um ini-migo invisível. E que para venceresta guerra temos que nos adap-tar a uma vida diferente durantealgum tempo. Mas não devemosadaptar-nos a viver sem informa-ção. Podemos não encontrar ojornal nos quiosques, ou podemosnão recebê-lo pelo correio, masnão devemos deixar de o ler. Nãopodemos deixar de o escrever.L’Osservatore Romano é invencí-vel, porque nem sequer esta terrí-vel pandemia o derrotou: hoje es-tamos vivos e presentes na Rede evós, leitores, continuais a ler asnossas páginas, aliás, esta é umaoportunidade para alargar as filei-ras dos nossos leitores e no am-biente digital não há, de facto,f ro n t e i r a s !

Ontem, na primeira página,publiquei uma reflexão aguda epreciosa da teóloga Stella Morraque começava com estas palavras:«A história da cultura mostra-nosque é atividade humana e huma-

nizadora transformar (com todo oesforço que isso implica) o cronosem kairos». Este é o desafio quese coloca diante de um jornal quepretende ter uma alma espirituale um valor cultural forte, inspira-da pela nossa consciência forma-da à luz do Evangelho: captar onovo que já se revela misteriosa-mente diante dos nossos olhos,muitas vezes nublados, cansadospela dureza da vida e voltadospara o passado, e por isso incapa-zes de ler os “sinais dos tempos”.A profecia de Isaías é válida hojecomo e mais do que ontem: «Eisque vou realizar uma obra nova: /a qual já começa: Não a vedes? /Vou abrir um caminho no deser-to, / e fazer correr os rios na este-pe» (Is 43, 19). Estamos prontos

para aceitar esta novidade? Paraencontrar a estrada aberta no de-serto? Para saciar a nossa sede naágua dos rios da estepe? StellaMorra tem razão, não podemoscontinuar a «flutuar nas coisas (emuitas vezes nas pessoas), porque“muitas vão passar”, equipemo-nos para encontrar soluções paraos problemas que gradualmentesurgem: como podemos continuara fazer quase tudo o que fizemosantes? Como criar as condiçõespara o podermos fazer novamen-te?». Este, aliás, é o valor dopontificado do Papa Franciscoque sempre nos recordou o riscomortal de confiar na lógica do«sempre se fez assim». Devemos,portanto, combater aquela resig-nação arrepiante que se alimenta

da própria necessidade humanade confirmação e segurança e en-frentar o mar aberto que a vidaabre diante de nós, mesmo e so-bretudo neste tempo sério e peri-goso. Tudo isto significa quequando voltarmos a imprimirL’Osservatore Romano no papel,espero muito em breve, o faremoscom espírito, criatividade e umaforça maior do que hoje, e eu di-ria também com mais competên-cia porque teremos explorado no-vas fronteiras e seremos mais peri-tos e revigorados pela nossa expe-riência. Com uma consciência:nesta luta que não é apenas tec-nológica, mas também e sobretu-do espiritual, não estamos sozi-nhos, nenhum crente está sozi-nho, nunca.

«O agradecimento do Santo Padre» foi expresso pe-lo Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin — jun-tamente com seu agradecimento “pessoal" — a «todosos leigos, religiosas e sacerdotes que prestam serviçoà Santa Sé» neste período dramaticamente marcadopela pandemia causada pelo coronavírus.

Através de uma carta enviada aos chefes dos Di-castérios da Cúria Romana, o cardeal dirige aos fun-cionários do Vaticano um encorajamento para enfren-tar o «sacrifício que se pede», dizendo — ciente das«preocupações», das «dificuldades» e dos «esforços»diários — grato «pelo espírito de disponibilidade»com que dão continuidade ao «trabalho, seguindocuidadosamente as medidas cautelares que foram dis-postas para limitar o mais possível o contágio».

A carta começa por lembrar que «já se passaramvárias semanas desde que os primeiros casos de infec-ção de Covid-19 foram confirmados na Itália». Desde

então, continua o Cardeal Parolin, o vírus, «agressivoe difícil de conter», não poupou nem sequer «o Esta-do da Cidade do Vaticano e a Cúria Romana». Ape-sar disso — assinala — mesmo procurando «salvaguar-dar a saúde» dos funcionários, «os departamentospermaneceram abertos, a fim de garantir o exercíciodo Ministério Petrino».

E embora reafirmando a necessidade de se «iso-lar», o cardeal assinala que se pediu aos funcionáriosque continuassem, embora «de forma reduzida, alter-nada e flexível», a «ir para o escritório» ou, «sempreque possível, desempenhar as atividades em casa».No caso que a criticidade persista, o Secretário deEstado recomenda «com insistência para encorajar eimplementar o máximo possível» o trabalho descen-tralizado, e concluiu garantindo a proximidade naoração também aos familiares dos funcionários.

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número 14, terça-feira 7 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Corações abertos numa fraternidade globalA emergência vista por Aloysius John Secretário-Geral da Caritas Internationalis

FRANCESCO RICUPERO

«Nesta situação de emergência desaúde, a Caritas Internationalis estána linha da frente para implementarum plano contra a propagação dapandemia, mas a cooperação globalé essencial»: foi este o apelo lançadopelo Secretário Geral da Caritas In-ternationalis, Aloysius John, atravésde L’Osservatore Romano, que temeque a crise pandémica possa «levar àestigmatização dos doentes de Co-vid-19, bem como à discriminação degrupos vulneráveis da sociedade, co-mo os migrantes e os refugiados».Diante da escalada das pessoas infe-tadas e das mortes em todos os can-tos do planeta, John pede, portanto,um esforço unânime que envolva«não só os governos locais e asagências internacionais, mas tambéma sociedade civil e os grupos religio-sos».

De que maneira as organizações rela-cionadas com a Caritas estão a procu-rar fornecer o maior número possível deserviços a quem deles necessita?

Neste tempo de crise grave e atéde tragédia, a Caritas Internationaliscontinua a trabalhar para acolher,acompanhar e ajudar as pessoas di-reta ou indiretamente afetadas. Paramelhor enfrentar a Covid-19, a reco-lha de informação e a sensibilizaçãosão um objetivo-chave. As pessoas,especialmente as mais vulneráveis,devem ter o direito à informação ereceber a justa orientação para evitarserem infetadas. Isto é feito atravésdo uso de meios de comunicação co-mo as rádios e os jornais dirigidospela Igreja Católica. No Ruanda,por exemplo, a Caritas transmitemensagens de sensibilização da Igre-ja às comunidades para as sensibili-zar para o risco. Em Singapura, aCaritas local criou um serviço de vi-gilância, recordando a todos a neces-sidade de tomar medidas essenciaispara uma boa higiene pessoal. NaItália, continua a sua missão com ospobres através de refeitórios, da dis-tribuição de refeições quentes e dor-mitórios. Além disso, oferece um ser-viço «remoto» aos idosos através daajuda de jovens voluntários. Na Ca-ritas Internationalis, criámos uma cé-lula de crise Covid-19 e uma taskforce para monitorizar, acompanhare fornecer informação e assistência ànossa rede. O serviço aos pobres nãopode ser interrompido pelo vírus.Ao procurarmos ser criativos e tomartodas as precauções, continuaremosa assistir os mais vulneráveis.

Pensa que chegou o momento de cons-truir uma rede de responsabilidade naqual todos possam intervir para ajudaros outros?

Estamos interligados e tambémsomos frágeis; combater a propaga-ção do vírus é, acima de tudo, umaresponsabilidade coletiva. Ao mesmotempo, devemos atender às necessi-dades daqueles que não estão infeta-dos, mas que são vítimas colateraisdesta crise. Como será que os milha-res de cidadãos do Bangladesh quetrabalham em mercados abertos es-tão a gerir este momento em parti-

cular? Na Caritas Internationalis,também estamos preocupados comos trabalhadores dos países mais po-bres, que correm o risco de não rece-berem um salário porque não po-dem continuar o seu trabalho. E quedizer daqueles trabalhadores precá-rios que não têm previdência social.Eu acho que é hora de mostrar soli-dariedade, amor e carinho. Na sexta-feira passada, o Papa Francisco dis-se-nos que o coronavírus tambémdeve fazer emergir o melhor de nós;sim, deve fazer emergir a humanida-de porque somos todos seres huma-nos e devemos viver em solidarieda-de como uma comunidade humana.Isto poderia ser possível através dapartilha de meios, ajudando aquelesque necessitam de apoio, como faz aCaritas no Sul do mundo. Este espí-rito será ainda mais necessário quan-do sairmos desta tragédia. Além dis-so, espero que o que está a acontecerna Europa não nos impeça de cuidare compartilhar de longe os proble-mas e dificuldades dos outros.

O que está a fazer a Caritas para aju-dar as pessoas na África e na Ásia?

Felizmente, neste momento, apandemia ainda não chegou à Áfricade uma forma tão grave, onde se es-tá a pensar em como envolver aIgreja local e os seus organismos, in-cluindo a Cáritas, na resolução destacrise. Na Ásia, penso na Índia e noSri Lanka, os governos têm tomadomedidas drásticas. A Caritas, junta-mente com a Igreja, está a ajudar aganhar consciência, informando aspessoas sobre a atitude correta a seradotada para evitar que o vírus sepropague. A nível de confederação,estamos a avaliar os instrumentos decomunicação social à disposição daIgreja, de modo a tomar medidas rá-pidas em caso de surto. Este é ummomento em que precisamos de co-ordenação e imaginação. Uma dasespecificidades da rede da Caritas éoferecer serviços de oração. Deve-mos ter a coragem e a humildade deacreditar que Deus pode fazer o im-possível. De facto, foram organiza-dos serviços de oração no Sri Lanka,nas Filipinas e na Índia.

Os voluntários estão disponíveis paraintervir neste momento em particular?

Eles têm boa vontade e queremcontinuar a trabalhar. Mas devemosimpor o princípio da precaução a to-

dos e inventar outras formas de con-tinuar a servir, mas temos que tomarmuito cuidado. A Caritas Internatio-nalis deu instruções estritas no siteda Covid-19 e providenciou medidasde precaução para todos.

A crise pandémica global pode levar àdiscriminação contra grupos vulnerá-veis, tais como migrantes e refugiados?

A Covid-19 deu-nos uma lição: ahumanidade não tem fronteiras, et-nia, casta, religião nem status econó-mico. O Papa Francisco exorta-nos aviver o melhor que há em nós, fa-zendo emergir a humanidade em ca-da um de nós. Devemos estar cons-cientes de que não somos imortais eo coronavírus mostrou-nos como emtrês meses todo o planeta entrou empânico: bloqueado e isolado. Che-gou o momento de abrir os nossoscorações a uma fraternidade globalde espírito para receber e acolheruns aos outros. A Covid-19 mostrou-nos como somos vulneráveis. Fez-nos perceber que precisamos unsdos outros para combater um inimi-go comum. A memória futura develevar-nos a organizar melhor comolutar contra o vírus do egoísmo,contra o pecado da indiferença e, so-bretudo, como preservar o valor dapessoa humana. Isto é algo em quea Caritas deve continuar a trabalhar.

Como pretende a Caritas atingir Inter-nacional todas as camadas sociais me-nos afortunados do planeta?

Quando dizemos Caritas, referi-mo-nos implicitamente à Igreja lo-cal. A Caritas, que é o serviço daIgreja local, está presente de formageneralizada e está em contacto dire-to com as comunidades paroquiais.Além disso, colabora com todas ascomunidades religiosas. Na Mauritâ-nia, por exemplo, o Bispo deNouakschot emitiu um comunicadode apoio às decisões do governo epediu à população que as respeitas-se. Esta é uma forma de diálogocom a sociedade local e a Caritascontinua a apoiá-la. Quando dize-mos Caritas Internationalis, estamosa falar dos 165 membros que, juntos,podem agir de forma eficaz e efi-ciente.

A pandemia pode desviar a atenção deoutras questões críticas como a pobreza,a violência e a perseguição?

Esta pandemia deve ser um mo-mento de kairos. O mundo não po-derá funcionar como antes. No futu-ro, teremos que orientar as nossas re-flexões para procurar ser mais criati-vos e manter o impulso de solidarie-dade que vivemos durante a C0vid-19. Devemos buscar uma nova or-dem, económica e ecológica, que de-ve ser integral. A abordagem frag-mentada já não pode continuar. De-vemos combater a pobreza com amesma determinação com que esta-mos a enfrentar a pandemia. O vírusda pobreza é ainda mais grave doque a Covid-19. Precisamos ver co-mo a dívida internacional dos paísespobres ou em vias de desenvolvi-mento pode ser cancelada e comopoderá ser usado localmente o di-nheiro para ajudar os indigentes arealizar micro-projetos e sair da po-breza. A Igreja pode ser um ator im-portante juntamente com a Caritas,porque tem as infraestruturas, a ca-pacidade e os meios para o fazer.Mas tudo isto deve ser tratado comurgência. O medo da morte, provo-cado pela Covid-19, e tudo o que fi-zemos para salvar vidas humanas,deve convencer-nos a parar de mataratravés da guerra e da violência. Porum lado, queremos proteger-nos damorte, mas por outro, continuamosa guerra que causa mais vítimas doque o vírus. Quão incoerentes eegoístas somos? Quando isto termi-nar, devemos agendar imediatamenteuma conferência internacional paradeter a violência; e os líderes mun-diais devem assumir as suas respon-sabilidades. Este é um aspeto impor-tante que devemos cultivar porquetodos sabem o que significa vivercom medo da morte, perder ummembro da família, e este é o mo-mento de pôr fim às guerras.

As ajudas serão acessíveis a todos? Co-mo podemos evitar as injustiças?

O Santo Padre disse que precisa-mos de uma nova ordem, de um no-vo paradigma de desenvolvimento.Sean Callaghan, presidente do Ca-tholic Relief Services, declarou que«devemos pedir aos nossos chefes degoverno que consultem a rede católi-ca para promover atividades de mi-crodesenvolvimento e desenvolvi-mento humano integral». É atravésde tais instrumentos de patrocínio eaquisição que podemos continuar aservir e a combater o vírus da injus-tiça.

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 7 de abril de 2020, número 14

Os bispos brasileiros para a tradicional Campanha quaresmal da Fraternidade em tempos de pandemia

Todos comprometidos contra a indiferençaUma Quaresma à distancia devido àpropagação do coronavírus, mas nãopor isto menos sentida. A Conferên-cia Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), como parte da tradicionalCampanha da Fraternidade, disponi-bilizou online o texto para as cele-brações litúrgicas em família. Umamaneira, explicou o padre PatrikySamuel, secretário executivo daCampanha, para oferecer a Palavrade Deus às famílias em quarentena eapoio espiritual num período tãodramático. Mas também uma ulte-rior realização do desejo expressopela CNBB ao apresentar a Campa-nha de 2020, com o tema «Fraterni-dade e vida: dom e compromisso».No tempo quaresmal — frisam osbispos — possa cada pessoa, grupopastoral, movimento, associação,Igreja particular, em suma, todo oBrasil, ver reforçados o cuidado, ozelo, a preocupação uns pelos outrose, por conseguinte, a fraternidade.Uma evocação que os prelados sen-tiram ainda mais urgente diante dodesafio da pandemia, alertando con-tra os perigos da desinformação eapelando para enfrentar a emergên-cia «com lucidez, responsabilidade esolidariedade».

Também este ano o Papa Francis-co enviou uma mensagem na qualse alegra «que há mais de cinco dé-cadas a Igreja no Brasil realize, noperíodo quaresmal, a Campanha daFraternidade, anunciando a impor-tância de não separar as palavras doserviço aos irmãos e irmãs sobretudoos mais necessitados». O Papa re-cordou também que este ano o temada campanha «trata justamente ovalor da vida e a nossa responsabili-dade de cuidar dela em todas assuas instâncias, pois a vida é dom ecompromisso; é dom amoroso deDeus, que devemos continuamentecuidar».

Durante a missa de abertura doevento, celebrada no santuário deAparecida que conserva a imagemda santa padroeira do Brasil, o presi-dente do episcopado e arcebispo deBelo Horizonte, D. Walmor Oliveirade Azevedo, ilustrou as muitas açõese práticas propostas por ocasião des-te importante acontecimento quares-mal: criar oportunidades para parti-lhar a vida e a experiência de fé; va-lorizar o papel dos leigos; promoveratividades de evangelização em dias,horários e lugares acessíveis às pes-soas; fomentar o diálogo entre gera-ções e com a sociedade e iniciativasde formação para uma convivênciabaseada nos valores humanos; pro-mover grupos de diálogo sobre arealidade local; atividades centradasna ecologia integral. Portanto, a co-munidade é chamada a tornar-seuma casa de acolhimento, de amiza-de, de cuidado fraterno, com o desa-fio de chegar ao Domingo de Pás-coa com a formação de novas comu-nidades. Para a sociedade, o apelo éredescobrir a esperança como forçaagregadora do sentido da vida, comos leigos assumindo um compromis-so de participação no campo social epolítico. Desafios que, no contextosem precedentes da luta contra apandemia, assumem agora um signi-ficado muito especial. A Campanha

da Fraternidade — destacou o secre-tário-geral da CNBB, D. Joel PortellaAmado, bispo auxiliar do Rio de Ja-neiro — «quer advertir contra duasatitudes, a indiferença e a convicção

de que a morte só é vencida pelaprópria morte». O bispo citou oSanto Padre para falar da importân-cia de não considerar a indiferença ea violência inevitáveis. «O Papa pe-

de-nos outra direção na Laudato si'»,disse ele.

Segundo o bispo, a Campanha daFraternidade indica esta outra dire-ção, inspirando-se na parábola dobom samaritano. «Em tempos de in-diferença globalizada, a solução dosproblemas da vida nunca virá atra-vés da violência e da morte. Virá docuidado uns pelos outros e de todospela sociedade e pelo planeta».

Tomando como ponto de partidao tema deste ano, o cardeal OdiloPedro Scherer, arcebispo de SãoPaulo, destacou que «a vida é umgrande dom, mas também exige ocompromisso de cuidar dela». Signi-fica — continua o cardeal — cuidar«da vida frágil, da vida exposta aosriscos, da vida sujeita à violência, àinjustiça social, cuidar da vida aindano ventre da mãe mas também davida dos doentes, das pessoas em si-tuação de risco, cuidar dos idosos»,

A campanha da fraternidade deste ano inspira-se na figura de Santa Dulce dos P o b re s

Incorporar-se num povo"Querida Amazonia" com o olhar de uma mulher

GIORGIA SA L AT I E L L O

A exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazonia éinteiramente construída ao redor de quatro grandes so-nhos — social, cultural, ecológico e eclesial — e toca emprofundidade todas as dimensões da vida na região,com as suas tragédias, tensões, aspirações e esperanças.Alguns parágrafos são explicitamente dedicados ao pa-pel e à missão da mulher (99-103), mas aqui não nosqueremos deter exclusivamente neles, e sim fazer umareleitura de todo o documento, visto através dos olhosde uma mulher que se aproxima dele, partindo da pró-pria identidade e sensibilidade pessoal, porque esta úl-tima encontra uma resposta relevante no espírito queanima as páginas. Em primeiro lugar, à Amazónia nãose dirige um olhar distanciado, de fora, mas os proble-mas são vistos a partir de dentro e pode-se certamentefalar de uma “imersão” neles, sem traçar qualquer linhadivisória clara entre os sujeitos que os vivem e outrosque se colocam como espectadores sem um envolvi-mento real que afete os seus pontos de vista.

Diálogo, encontro, comunidade: estas três ideias pas-sam pela exortação do Papa Francisco, às vezes expres-sa explicitamente com as palavras correspondentes, ou-tras vezes subjacente ao argumento e capaz de inspirarum pensamento que vai além da análise para ser com-partilhado e abrir perspetivas aderentes à experiênciados povos da Amazónia que vivem as suas vidas mar-

cadas por imenso sofrimento. Nesta perspetiva, é cen-tral a atenção às relações entre os seres humanos e coma natureza, e o antropocentrismo da tradição cristã édeclinado como responsabilidade dos sujeitos entre si epara com uma natureza que é mãe, mas que, por suavez, espera ser protegida e preservada de comporta-mentos que são, precisamente, a negação de responsa-bilidade.

Assim como o olhar não pode ser externo, tambémas medidas que devem ser tomadas, enquanto questio-nando todo o planeta, não podem ser tomadas de ci-ma, de fora, mas é a inteira vida da Amazónia que de-ve crescer a partir de dentro, em plena fidelidade ao es-pírito que a anima. Neste sentido, tanto ecológicaquanto culturalmente, pode-se dizer que todos nós so-mos Amazónia e que a corrente que deve ser ativadatem uma dupla direção que envolve não só a proteçãodaquele território, mas também o enriquecimento detodos nos planos espiritual e cultural.

O último dos quatro sonhos do documento, o ecle-sial, constitui o ápice de todo o texto e desdobra-se emvolta de três temas essenciais: a inculturação, as comu-nidades e a convivência. Uma atenção particular é de-dicada à inculturação em todas as dimensões da vidaeclesial, pedindo respostas que a Amazónia, dentro daIgreja, pode extrair de si mesma, do seu antigo e ricopatrimónio espiritual. Tocando a vida concreta das co-munidades amazónicas, um espaço significativo é dedi-cado, como mencionado acima, às mulheres e ao seupapel insubstituível, o que requer um reconhecimentocada vez maior e incisivo, capaz de respeitar a especifi-cidade daqueles contextos.

A centralidade da vida dentro da Igreja amazónicanão nos faz esquecer a necessidade de diálogo e coope-ração ecuménica e inter-religiosa, constantemente ani-mada pelo desejo de construir pontes e não muros quedividem e correm o risco de frustrar esforços que ve-riam a sua eficácia muito reduzida.

No início, referimo-nos ao “olhar da mulher” e agoraessa referência confirma-se porque a necessidade do en-contro e das relações, sem entrar no falso debate sobrea natureza ou a cultura, é certamente um traço privile-giado da sensibilidade da mulher. Seguindo EdithStein, pode-se falar aqui da capacidade de “empatia” eesta capacidade, tão em conformidade com as mulhe-res, é talvez um dos principais fios condutores do do-cumento, capaz de lhe dar calor, assim como uma pro-ximidade autêntica com os povos amazónicos.

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número 14, terça-feira 7 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 4

Os bispos brasileiros paraCampanha da Fraternidade

Entrevista ao sacerdote argentino Juan Gabriel Arias missionário em Moçambique

Em muitos países africanoslavar as mãos é ainda mais um luxo

SI LV I N A PÉREZ

Enquanto a crise sanitária devida aocoronavírus absorve a atenção e osrecursos dos países ricos com a forçade uma centrífuga, a outra metadedo planeta espera com grande preo-cupação pelo que está prestes a cairsobre ele. A África foi o último con-tinente do mundo onde a pandemiachegou. Também aqui, no entanto, ocoronavírus se infiltrou e há cadavez mais regiões com casos positi-vos. Para alguns países do continen-te, o coronavírus pode ser uma tem-pestade perfeita sob a forma de umproblema de saúde e, sobretudo,uma crise económica para a qualnão dispõe de uma rede de seguran-ça. «Se o coronavírus se difundir emMoçambique, será uma verdadeiracatástrofe», diz o padre Juan Ga-briel Arias, sacerdote missionário ar-gentino da missão de São Bento deMangunde, uma pequena cidade a240 quilómetros de Maputo, capitaldo país, e 35 de Xai-Xai, capital daprovíncia de Gaza. O padre Ariasprefere focalizar a atenção no ime-diato: a falta de unidades de terapiaintensiva e respiradores e o medoque as pessoas sentem de «morrercomo cães porque os hospitais nãodispõem das infraestruturas necessá-rias». O alerta é o máximo. Moçam-bique decidiu interromper os voospara países onde se verificam contá-gios e impor uma quarentena obri-gatória de um mês em todo o paíscomo medida preventiva.

O principal problema, porém, é afalta de recursos, tanto materiais co-mo humanos, no sistema de saúde.A diretora nacional da Saúde públi-ca do Estado africano, Rose Marle-ne, admitiu abertamente à AgênciaEfe que o país não tem «a capacida-de de abordar e diagnosticar o coro-navírus. Temos outros problemas desaúde neste momento». De facto,Moçambique enfrenta diariamentealtas taxas de sida, malária e tuber-culose, com 0,075 médicos por milhabitantes e infraestruturas inade-

quadas para o isolamento dos doen-tes.

Perante a epidemia de coronavírus quese está a propagar em alguns paísesafricanos, o cenário em Moçambiqueestá a mudar?

Certamente. Três casos foram re-gistados a 26 de março. Ao primeiro,outros dois foram rapidamente adi-cionados. O primeiro contágio localfoi o de uma moçambicana infetadapor uma pessoa sul-africana. Oshospitais não têm camas nem respi-radores, os médicos são poucos eserviços como a água corrente sãoum luxo. O coronavírus está a pro-pagar-se em dezenas de países afri-canos e as previsões dos especialistassão dramáticas. Embora o governotenha tomado medidas urgentes erestringido a entrada no país, colo-cando em quarentena pessoas prove-

nientes do estrangeiro, nalgumasáreas a preocupação é pelas pessoasque pensam que podem escapar àquarentena se se deslocarem de umaregião para outra. Penso que esta se-rá a principal causa de contágio.Particularmente na minha área, ondeexiste uma enorme mobilidade detrabalhadores entre a África do Sul eMoçambique. Os jovens pensam quesão imunes ao coronavírus. É umasituação difícil.

Como está a reagir a comunidade deMa n g u n d e ?

As pessoas têm medo de cair no-vamente numa situação semelhante àque viviam no momento da guerra,quando todas as famílias choravam amorte de um parente ou ente queri-do. Eles pensam que a mesma coisaacontecerá, há muito medo e muitotemor entre a população de «morrerabandonados como cães». Eles tam-bém têm medo porque entendemque o sistema de saúde é incapaz delidar com uma crise desta magnitu-de. Lembremos que quando se criaum surto de cólera ou algum outroproblema similar, não há camas dis-poníveis para todos. Na província deGaza, onde se encontra a minha co-munidade, o hospital provincial maispróximo fica a cerca de quarentaquilómetros de distância. Uma uni-dade de terapia intensiva com 10/12camas acaba de ser aberta ali paraatender uma população de dois mi-lhões de pessoas. E temos relativa-mente sorte porque há outras comu-nidades que têm de percorrer700/800 quilómetros para aceder aum hospital. O problema é que nãohá respiradores, nem oxigénio.

Qual é a situação nas cidades agora?Que medidas teve de tomar para lidarcom esta situação excecional?

Em muitos países africanos lavaras mãos já era um luxo, agora é ain-

da mais. Com a pandemia a bater àporta, este luxo torna-se uma neces-sidade urgente. E sabemos que aágua é um dos elementos mais im-portantes na luta contra a infeçãopelo vírus, e aqui é um bem raro.Na minha aldeia a água vem de umpoço onde só há uma bomba e paraonde vão mães e filhos. Todos elesse concentram em torno daquelafonte de água, o que faz dela umperigoso foco de contágio. Não sóporque todos tocam na alavanca dabomba, mas também porque se jun-tam muitas pessoas. Por isso alerteias autoridades, que sugeriram quecolocássemos um balde de água comsabão para lavar as mãos antes de ti-rarmos água do poço e depois, outrocom água e lixívia para desinfetarcada vez que uma pessoa o usa. Ou-tra questão importante é a preven-ção. Não há eletricidade aqui, porisso não há televisão nem rádio. E aspessoas não sabem como se prevenir.Formamos um primeiro grupo de jo-vens para difundir os comportamen-tos a serem seguidos para a preven-ção do coronavírus. Neste momento,eles já estão a fornecer informaçõesàs famílias. Visitam as casas e dei-xam um folheto informativo. Todosos dias eles percorrem uma área.

Na Itália, padres e fiéis morrem, semmissa nem rito fúnebre. O coronavírusestá a causar a morte de muitos sacer-dotes. Há muito tempo que está na li-nha de frente, tem visto guerras, epide-mias e desastres naturais. Está a pen-sar em suspender as suas atividadesem Moçambique neste momento?

Nunca, nunca. Se a epidemia che-gar, tenho que ficar perto da minhacomunidade para administrar a ex-trema unção e dizer adeus aos «nos-sos» mortos nos funerais. E se euperder a minha vida no processo,que assim seja. Que poderia ser me-lhor do que dar a minha vida exer-cendo o meu ministério sacerdotal?

gesto de fraternidade assim comode imensa caridade. Fundamental,por outro lado — continuou o car-deal — «cuidar também do meioambiente, da vida da nossa casacomum, da vida que deve ser cui-dada, e cuidar verdadeiramentecom uma atitude não simplesmentenaturalista, mas a partir da fé e damoral cristã, olhando para a natu-reza como um dom de Deus paranós e para todos os outros».

Antes da missa de apresentaçãoda campanha, uma relíquia de San-ta Dulce dos Pobres foi entroniza-da no altar por algumas crianças.A religiosa da Bahia (1914-1992),

das irmãs missionárias da Imacula-da Conceição da Mãe de Deus, ca-nonizada em 13 de outubro de 2019e lembrada por suas obras de cari-dade e assistência aos pobres e ne-cessitados, foi de facto a fonte deinspiração para a campanha desteano. «O que experimentaremosneste período quaresmal, a IrmãDulce viveu toda a sua vida: viu,sentiu compaixão. E repetia: o im-portante é praticar a caridade, nãofalar de caridade. Uma pessoa hu-milde e simples que nunca procu-rou fazer saber o que fazia, mas es-tava sempre perto daqueles quemais precisavam», disse a sobrinhada irmã Dulce, Maria Rita Pontes.

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número 14, terça-feira 7 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Na missa do Domingo de Ramos o Papa recordou os «verdadeiros heróis» que se dedicam aos outros

A vida não serve se não se serve

Mensagem do Papa às famílias da Itália e do mundo

A criatividadedo amor vence

E pediu um gesto de ternura por quem sofre

O Papa recordou que a entrega da Cruz aos jovens de Lisboa será a 22 de novembro próximo

Uma Jornada mundial da juventude inédita

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

A noite e a luzde um amor humilde, criativo e heroico

Amados amigos, boa noite!Esta noite tenho a oportunida-de de entrar nas vossas casasde uma forma diferente do ha-bitual. Se me permitirdes, gos-taria de conversar convoscopor alguns minutos, neste mo-mento de dificuldade e sofri-mento. Imagino-vos nas vossasfamílias, a viver uma vida insó-lita para evitar o contágio. Es-tou a pensar na vivacidade dascrianças e dos jovens, que nãopodem sair, frequentar a esco-la, fazer a sua vida. Tenho nocoração todas as famílias, espe-cialmente aquelas que têm al-gum parente doente ou que in-felizmente sofreram o luto de-vido ao coronavírus ou a ou-tras causas. Hoje em dia pensomuitas vezes em pessoas sozi-nhas, por isso é mais difícil en-frentar estes momentos. Penso,sobretudo, nos idosos, que mesão tão caros.

Não posso esquecer aquelesque estão doentes de coronaví-rus, as pessoas nos hospitais.Estou ciente da generosidadedaqueles que se expõem paratratar desta pandemia ou paragarantir os serviços essenciais àsociedade. Quantos heróis, detodos os dias, de todas as ho-ras! Lembro-me também dequantos se encontram em difi-culdades económicas e estãopreocupados com o trabalho ecom o futuro. Um pensamentovai também para os presos noscárceres, a cuja dor se junta omedo da epidemia, para si pró-prios e para os seus entes que-ridos; estou a pensar nos desa-brigados, que não têm uma ca-sa para os proteger.

É um momento difícil paratodos. Para muitos, dificílimo.O Papa sabe disso e, com estaspalavras, quer manifestar a to-dos a sua proximidade e o seuafeto. Procuremos, se puder-

mos, fazer o melhor uso possí-vel deste tempo: sejamos gene-rosos; ajudemos os necessita-dos da nossa vizinhança; pro-curemos as pessoas mais sozi-nhas, talvez por telefone oupor redes sociais; rezemos aoSenhor por aqueles que se en-contram em dificuldade emItália e no mundo. Mesmo queestejamos isolados, o pensa-mento e o espírito podem irlonge com a criatividade doamor. É disto que precisamoshoje: da criatividade do amor.

Celebraremos a SemanaSanta de uma forma verdadei-ramente particular, que mani-festa e resume a mensagem doEvangelho, a mensagem doamor sem limites de Deus. E,no silêncio das nossas cidades,ressoará o Evangelho da Pás-coa. O Apóstolo Paulo diz: «Emorreu por todos, para queaqueles que vivem já não vi-vam para si, mas para Aqueleque morreu e ressuscitou poreles» (2 Cor 5, 15). Em Jesusressuscitado, a vida venceu amorte. Esta fé pascal alimentaa nossa esperança. Gostaria deo partilhar convosco esta noite.É a esperança de um tempomelhor, no qual possamos sermelhores, finalmente libertadosdo mal e desta pandemia. Éuma esperança: a esperançanão desilude; não é uma ilu-são, é uma esperança.

Juntos, com amor e paciên-cia, podemos preparar umtempo melhor nestes dias.Obrigado por me permitirdesentrar nas vossas casas. Fazeium gesto de ternura para comaqueles que sofrem, para comas crianças, para com os ido-sos. Dizei-lhes que o Papa estápróximo e reza, para que o Se-nhor nos livre depressa domal. E vós, rezai por mim.Bom jantar. Até breve!

do que nós o nosso coração; sabe co-mo somos fracos e inconstantes, quan-tas vezes caímos, quanto nos custa le-vantar e como é difícil sanar certas fe-ridas. E que fez Ele para nos ajudar,para nos servir? Aquilo que disseraatravés do profeta: «Curarei a sua infi-delidade, amá-los-ei de todo o cora-ção» (Os 14, 5). Curou-nos, tomandosobre Si as nossas infidelidades, remo-vendo as nossas traições. Assim nós,em vez de desanimarmos com medode não ser capazes, podemos levantar

Ao aproximar-se o início da Semana santa, neste tempo de pandemiade coronavírus, o Papa Francisco quis fazer-se próximo das famíliasda Itália e do mundo através da seguinte mensagem televisivatransmitida na noite de sexta-feira, 3 de abril.

Queridos jovens, senti-vos chamadosa arriscar a vida. Não tenhais medo de a gastar

por Deus e pelos outros! Lucrareis… Porque a vidaé um dom que se recebe doando-se. E porque a maioralegria é dizer sim ao amor, sem se nem mas... Como

fez Jesus por nós. #JMJ

(@Pontifex_pt)

«O drama que estamos a atravessarimpele-nos a levar a sério o que é sério, anão nos perdermos em coisas de poucovalor; a redescobrir que a vida não serve,se não se serve». Frisou o Papa durantea missa celebrada na manhã de 5 deabril, domingo de Ramos e XXXV

Jornada mundial da juventude (que esteano se celebra a nível diocesano). O ritoteve lugar na basílica de São Pedro vazia,devido às disposições que proíbemajuntamento de fiéis para combater apandemia de coronavírus. Apresentamos ahomilia proferida pelo Pontífice depois daproclamação da Paixão do Senhorsegundo Mateus.

Jesus «esvaziou-Se a Si mesmo, toman-do a condição de servo» (Fl 2, 7). Dei-xemo-nos introduzir por estas palavrasdo apóstolo Paulo nos dias da SemanaSanta em que a Palavra de Deus, quasecomo um refrão, nos mostra Jesus co-mo servo: na Quinta-feira Santa, é oservo que lava os pés aos discípulos; naSexta-feira Santa, é apresentado comoo servo sofredor e vitorioso (cf. Is 52,13); e, já amanhã, ouvimos Isaías profe-tizar acerca d’Ele: «Eis o meu servoque Eu amparo» (42, 1). Deus salvou-nos, servindo-nos. Geralmente pensamosque somos nós que servimos a Deus.Mas não; foi Ele que nos serviu gratui-tamente, porque nos amou primeiro. Édifícil amar, sem ser amado; e é aindamais difícil servir, se não nos deixamosservir por Deus.

E como nos serviu o Senhor? Dandoa sua vida por nós. Somos queridos aseus olhos, mas custamos-Lhe caro.Santa Ângela de Foligno testemunhouque ouviu de Jesus estas palavras:«Amar-te não foi uma brincadeira». Oseu amor levou-O a sacrificar-Se pornós, a tomar sobre Si todo o nossomal. É algo que nos deixa sem pala-vras: Deus salvou-nos, deixando que onosso mal se encarniçasse sobre Ele:sem reagir, somente com a humildade,paciência e obediência do servo, exclu-sivamente com a força do amor. E oPa i sustentou o serviço de Jesus: nãodesbaratou o mal que se abatia sobreEle, mas sustentou o seu sofrimento,para que o nosso mal fosse vencidoapenas com o bem, para que fossecompletamente atravessado pelo amor.Em toda a sua profundidade.

O Senhor serviu-nos até ao ponto deexperimentar as situações mais doloro-sas para quem ama: a traição e o aban-dono.

A traição. Jesus sofreu a traição dodiscípulo que O vendeu e do discípuloque O renegou. Foi traído pela multi-dão que primeiro clamava hossana, edepois «seja crucificado!» (Mt 27, 22).Foi traído pela instituição religiosa queO condenou injustamente, e pela insti-tuição política que lavou as mãos. Pen-semos nas traições, pequenas ou gran-des, que sofremos na vida. É terrívelquando se descobre que a confiançadeposta foi burlada. No fundo do cora-ção, nasce uma tal deceção que a vidaparece deixar de ter sentido. É assim,porque nascemos para ser amados e pa-ra amar, e o mais doloroso é ser traídopor quem nos prometera ser leal e soli-dário. Não podemos sequer imaginarcomo terá sido doloroso para Deus,que é amor.

Olhemos dentro nós mesmos; se for-mos sinceros para connosco, veremosas nossas infidelidades. Tanta falsida-de, hipocrisia e fingimento! Tantasboas intenções traídas! Tantas promes-sas quebradas! Tantos propósitos es-morecidos! O Senhor conhece melhor

o olhar para o Crucificado, receber oseu abraço e dizer: «Olha! A minhainfidelidade está ali. Fostes Vós, Jesus,que pegastes nela. Abris-me os braços,servis-me com o vosso amor, conti-nuais a amparar-me... Assim podereiseguir em frente!»

O abandono. Segundo o Evangelhode hoje, na cruz, Jesus diz uma frase,uma apenas: «Meu Deus, meu Deus,porque Me abandonaste?» (Mt 27, 46).É uma frase impressionante. Jesus so-frera o abandono dos seus, que fugi-ram. Restava-Lhe, porém, o Pai. Agora,no abismo da solidão, pela primeira

vez designa-O pelo nome genérico de«Deus». E clama, «com voz forte», o«p o rq u ê » mais dilacerante: «Porque Meabandonaste também Tu?» Na realida-de, trata-se das palavras de um Salmo(cf. 22, 2), que nos dizem como Jesuslevou à oração inclusive a extrema de-solação. Mas, a verdade é que Ele a ex-perimentou: experimentou o maiorabandono, que os Evangelhos atestamreproduzindo as suas palavras originais:Eli, Eli, lemá sabactháni?

Porquê tudo isto? Uma vez mais…por nós, para servir-nos. Porque quan-do nos sentimos encurralados, quando

nos encontramos num beco sem saída,sem luz nem via de saída, quando pa-rece que nem Deus responde, lembre-mo-nos que não estamos sozinhos. Je-sus experimentou o abandono total, asituação mais estranha para Ele, a fimde ser em tudo solidário connosco.Fê-lo por mim, por ti, para te dizer:«Não temas! Não estás sozinho. Ex-perimentei toda a tua desolação paraestar sempre ao teu lado». Eis o pontoaté onde nos serviu Jesus, descendo aoabismo dos nossos sofrimentos maisatrozes, até à traição e ao abandono.Hoje, no drama da pandemia, perantetantas certezas que se desmoronam,

diante de tantas expetativas traídas,no sentido de abandono que nos aper-ta o coração, Jesus diz a cada um:«Coragem! Abre o coração ao meuamor. Sentirás a consolação de Deus,que te sustenta».

Queridos irmãos e irmãs, que pode-mos fazer vendo Deus que nos serviuaté experimentar a traição e o abando-no? Podemos não trair aquilo para quefomos criados, nem abandonar o queconta. Estamos no mundo, para amar aEle e aos outros: o resto passa, isto per-manece. O drama que estamos a atra-vessar impele-nos a levar a sério o queé sério, a não nos perdermos em coisasde pouco valor; a redescobrir que a vi-da não serve, se não se serve. Porque avida mede-se pelo amor. Então, nestesdias da Semana Santa, em casa, perma-neçamos diante do Crucificado, medidado amor de Deus por nós. Diante deDeus, que nos serve até dar a vida, pe-çamos a graça de viver para servir. Pro-curemos contactar quem sofre, quemestá sozinho e necessitado. Não pense-mos só naquilo que nos falta, mas nobem que podemos fazer.

Eis o meu servo que Eu sustento. OPai, que sustentou Jesus na Paixão, ani-ma-nos, também a nós, no serviço. Écerto que amar, rezar, perdoar, cuidardos outros, tanto em família como nasociedade, pode custar; pode pareceruma via-sacra. Mas a senda do serviçoé o caminho vencedor, que nos salvou esalva a vida. Gostaria de o dizer espe-cialmente aos jovens, neste Dia que, há35 anos, lhes é dedicado. Queridos ami-gos, olhai para os verdadeiros heróis quevêm à luz nestes dias: não são aquelesque têm fama, dinheiro e sucesso, masaqueles que se oferecem para servir osoutros. Senti-vos chamados a arriscar avida. Não tenhais medo de a gastar porDeus e pelos outros! Lucrareis… Por-que a vida é um dom que se recebedoando-se. E porque a maior alegria édizer sim ao amor, sem se nem mas...Como fez Jesus por nós.

No final da celebração da missa de Domingode Ramos, na basílica de São Pedro, antes dabênção, Francisco guiou a prece do Angelus,com um encorajamento às pessoas doentes e aquantos delas cuidam. E dirigiu uma saudaçãoespecial aos jovens, recordando que o gestosimbólico da entrega da Cruz das Jornadasmundiais da juventude entre Panamá e Lisboaserá a 22 de novembro próximo.

Amados irmãos e irmãs,Antes de concluir esta celebração, gostariade saudar todos aqueles que participaramatravés dos meios de comunicação social.Em particular, o meu pensamento vai paraos jovens de todo o mundo, que vivem ho-je a Jornada Mundial da Juventude de umaforma nova, a nível diocesano. Hoje estavaprevista a entrega da Cruz dos jovens dePanamá para os de Lisboa. Este gesto evo-cativo é adiado para o Domingo de CristoRei, 22 de Novembro próximo. Esperandoesse momento, exorto-vos, jovens, a cultivare a dar testemunho da esperança, da gene-rosidade e da solidariedade de que todosnós precisamos neste momento difícil.

Amanhã, 6 de Abril, é o Dia Mundial doDesporto pela Paz e pelo Desenvolvimento,proclamado pelas Nações Unidas. Duranteeste período, muitos eventos são suspensos,mas sobressaem os frutos melhores do des-porto: resistência, espírito de equipe, frater-nidade, dar o melhor de si... Portanto, pro-movamos o desporto pela paz e pelo de-senvolvimento.

Caríssimos, encaminhemo-nos com fé pe-la Semana Santa, na qual Jesus sofre, mor-re e ressuscita. As pessoas e as famílias quenão poderão participar nas celebrações li-túrgicas são convidadas a reunir-se em ora-ção em casa, ajudadas também por meiostecnológicos. Abracemos espiritualmente osdoentes, as suas famílias e aqueles que cui-dam deles com tanta abnegação; rezemospelos defuntos à luz da fé pascal. Cada umestá presente no nosso coração, na nossa re-cordação, na nossa oração.

De Maria aprendamos o silêncio interior,o olhar do coração, a fé amorosa para se-guir Jesus no caminho da cruz, que conduzà glória da Ressurreição. Ela caminha con-nosco e ampara a nossa esperança.

é quase impossível mover-se, para seaproximar dos outros?

Na sexta-feira passada, o Papa apon-tou um caminho, o único passível deser percorrido hoje por um cristão,quando na mensagem de vídeo trans-mitida pela Rai Uno disse: «Tentemos,se pudermos, fazer o melhor uso possí-vel deste tempo: sejamos generosos;ajudemos os necessitados da nossa vizi-nhança; procuremos as pessoas mais so-litárias, talvez por telefone ou por redessociais; rezemos ao Senhor por aquelesque estão em dificuldade em Itália e nomundo. Mesmo que estejamos isolados,o pensamento e o espírito podem irlonge com a criatividade do amor. Édisto que precisamos hoje: da criativi-dade do amor». E dois dias depois, nahomilia para o Domingo de Ramos,voltou ao tema: «Estamos no mundopara O amar e amar os outros. O restopassa, isto permanece», exortando oscristãos a empreender com determina-ção o caminho do amor criativo, espe-cificando outra característica desteamor, o serviço.

Aqui assume uma dimensão “h e ro i -ca”, como ele explicou ao dirigir-se aosjovens: «O drama que estamos a atra-vessar impele-nos a levar a sério o queé sério, a não nos perdermos em coisasde pouco valor; a redescobrir que a vi-da não serve, se não se serve. Porque avida mede-se pelo amor. Então, nestes

dias da Semana Santa, em casa, perma-neçamos diante do Crucificado – olhai,olhai para o Crucificado! – medida doamor de Deus por nós. Diante deDeus, que nos serve até dar a vida, pe-çamos a graça de viver para servir. Pro-curemos contactar quem sofre, quemestá sozinho e necessitado. Não pense-mos só naquilo que nos falta, mas nobem que podemos fazer […]. É certoque amar, rezar, perdoar, cuidar dosoutros, tanto em família como na socie-dade, pode custar; pode parecer umavia-sacra. Mas a senda do serviço é ocaminho vencedor, que nos salvou esalva a vida. Gostaria de o dizer espe-cialmente aos jovens, neste Dia que, há35 anos, lhes é dedicado. Queridos ami-gos, olhai para os verdadeiros heróisque vêm à luz nestes dias: não sãoaqueles que têm fama, dinheiro e suces-so, mas aqueles que se oferecem paraservir os outros. Senti-vos chamados aarriscar a vida».

Viver o serviço pode parecer viver nasombra, na noite, porque se está certa-mente fora da luz dos refletores, masna verdade não há luz maior, não háfogo mais forte capaz de aquecer os co-rações, o próprio e o dos outros, comoo do amor gratuito e generoso. Umaluz e um fogo que sejam capazes depermanecer quando tudo terminar, in-clusive esta noite da pandemia, aliás dea contrastar já hoje, na qual ninguém,só aparentemente, pode agir.

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 7 de abril de 2020, número 14

Nota da Pontifícia academia para a vida sobre a emergência da covid-19

Pandemia e fraternidade universal«Levei esta manhã o texto do nosso documento ao Papa Francisco», o qual me«confidenciou a sua dupla preocupação: no momento atual, como ajudar sobretu-do os mais débeis; no futuro, de que maneira sair reforçados na solidariedade, pa-ra que desta crise sobressaia um “mais" de fraternidade a nível global». Foiquanto declarou o arcebispo presidente Vincenzo Paglia, falando da Nota da Pon-tifícia academia para a vida — que aqui publicamos integralmente — difundidano dia 30 de março, depois da audiência com o Pontífice, que teve lugar na ma-nhã do mesmo dia. «A pandemia da covid-19 questionou a Academia para a Vi-da — refere um comunicado de imprensa — que tem por finalidade específica atutela e a promoção da vida humana através do compromisso de cientistas de di-versas áreas geográficas, tradições culturais e religiosas, disciplinas científicas». Odocumento, conclui o comunicado, «é o resultado de uma consulta na qual foraminterpelados os 163 académicos».

munitas deve ser transformada naocasião para que este espírito de hu-manismo possa informar a culturainstitucional no tempo comum: den-tro de cada povo, no conjunto dosvínculos entre os povos.

Solidários na vulnerabilidadee no limite

Em primeiro lugar, a pandemiadestaca com dureza inesperada aprecariedade que distingue radical-mente a nossa condição humana.Em certas regiões do mundo, a pre-cariedade da existência individual ecoletiva é uma experiência diária,por causa da pobreza que não per-mite a todos aceder aos tratamentosdisponíveis, nem à alimentação emquantidade suficiente, que não faltano mundo. Noutras partes do plane-ta, as áreas de precariedade foramprogressivamente reduzidas pelosavanços da ciência e da tecnologia, aponto de nos iludirmos de que so-mos invulneráveis ou que podemosencontrar uma solução técnica paratudo. No entanto, por mais esforçosque façamos, não foi possível con-trolar esta pandemia, até nas socie-dades económica e tecnologicamentemais desenvolvidas, onde ela supe-rou as capacidades dos laboratóriose dos centros de saúde. As nossasprojeções otimistas do poder científi-co e tecnológico à nossa disposiçãotalvez nos tenham permitido suporque seríamos capazes de evitar apropagação de uma epidemia globalde tais proporções, tornando-a umahipótese cada vez mais remota. De-vemos reconhecer que não é assim.E hoje somos levados até a pensarque, além dos extraordinários recur-sos de proteção e cuidado que onosso progresso acumula, existemtambém efeitos colaterais de fragili-dade do sistema, sobre os quais nãovigiamos de modo suficiente.

Contudo, é traumaticamente claroque não somos senhores do nossodestino. E até a ciência mostra osseus limites. Já tínhamos consciênciadisto: os seus resultados são sempreparciais, quer porque se concentra —por conveniência ou por razões in-trínsecas — em certos aspetos da rea-lidade, excluindo outros, quer peloestatuto das suas teorias, que todaviasão provisórias e revisáveis. Mas naincerteza que vivemos antes da Co-vid-19, compreendemos com novaclareza a gradualidade e complexida-de requeridas pelo saber científico,com as suas exigências de método eaveriguação. As precariedades e limi-tes do nosso conhecimento tambémparecem ser globais, reais, comuns:

não existem argumentos concretospara defender a presunção de civili-zação e soberania, considerados me-lhores, capazes de evitar verificações.Constatamos como todos estamosintimamente interligados: aliás, nanossa exposição à vulnerabilidadesomos mais interdependentes do quenas nossas estruturas de eficiência.O contágio propaga-se muito rapi-damente de um país para outro; oque acontece com um torna-se deci-sivo para todos. Esta situação tornaainda mais imediatamente evidente oque sabíamos, sem o assumirmosadequadamente: no bem ou no mal,as consequências das nossas açõesinfluenciam sempre os outros. Nãoexistem gestos individuais sem con-sequências sociais: isto é válido paraos indivíduos, assim como para cadacomunidade, sociedade e população.Um comportamento incauto ou im-prudente, que só aparentemente nosdiz respeito, torna-se uma ameaçapara quantos estão expostos ao riscode contágio, talvez sem afetar quemo faz. E assim descobrimos que a se-gurança de cada um depende da in-columidade de todos.

O surto de epidemias é certamen-te uma constante na história da hu-manidade. Mas não podemos ocul-tar as caraterísticas da ameaça de ho-je, que mostra como é capaz deadaptar muito bem a sua difusão aonosso estilo de vida moderno, con-tornando a sua proteção. Devemosreconhecer os efeitos do nosso mo-delo de desenvolvimento, com a ex-ploração de áreas florestais até agorainvioladas, onde residem microorga-nismos desconhecidos ao sistemaimunológico humano, com uma rá-pida e vasta rede de ligações e trans-portes. É provável que encontremosuma solução para o que agora nosagride. Contudo, devemos fazê-loconscientes de que este tipo deameaça está a acumular o seu poten-cial sistémico a longo prazo. Em se-gundo lugar, teremos de enfrentar oproblema com os melhores recursoscientíficos e organizacionais de quedispomos: evitando uma ênfaseideológica do modelo de uma socie-dade que faça coincidir salvação

com saúde. Sem ter que as conside-rar como uma derrota da ciência eda técnica — que certamente deveráentusiasmar-nos sempre pelos seusprogressos, mas ao mesmo tempotambém nos deve fazer conviver hu-mildemente com os seus limites — adoença e a morte são uma feridaprofunda dos nossos mais queridos eíntimos afetos: que contudo não de-ve impor-nos o abandono da suajustiça nem a rutura dos seus laços.Nem sequer quando devemos aceitara nossa impotência de dar cumpri-mento ao amor que eles têm em si.Se a nossa vida é sempre mortal, te-mos a esperança de que não o seja omistério de amor em que ela reside.

Da interligação concretaà solidariedade desejada

Nunca como nesta conjuntura ter-rível somos chamados a tomar cons-ciência desta reciprocidade que estána base da nossa vida. Dando-nosconta de que cada vida é vida co-mum, é vida recíproca, uns dos ou-tros. Os recursos de uma comunida-de que se recusa a considerar a vidahumana apenas como um dado bio-lógico, constituem um bem precioso,que também acompanha responsa-velmente todas as necessárias ativi-dades de tratamento. Talvez tenha-mos corroído descontraidamente estepatrimónio, cuja riqueza faz a dife-rença em momentos como este, su-bestimando seriamente os bens rela-cionais que ele é capaz de comparti-lhar e de distribuir nos momentosem que os laços emocionais e o espí-rito comunitário são desafiados comforça, precisamente pelas necessida-des básicas de proteção da vida bio-lógica.

Agora são postos em questão doismodos de pensar bastante rudes,que contudo se tornaram senso co-mum e pontos de referência, quandose fala de liberdade e de direitos. Oprimeiro é “A minha liberdade acabaonde começa a do outro”. A fórmu-la, já perigosamente ambígua em simesma, é inadequada para compre-ender a experiência real, e não é poracaso que é afirmada por aquelesque estão em posição de força: nobem ou no mal, as nossas liberdadesestão sempre entrelaçadas e sobre-postas. Ao contrário, é precisoaprender a torná-las cooperantes,tendo em vista o bem comum e asuperação das tendências, que até aepidemia pode alimentar, a ver nooutro uma ameaça “infeciosa” daqual se distanciar e um inimigo doqual se proteger. O segundo: “A mi-nha vida depende única e exclusiva-mente de mim”. Não é assim! So-mos parte da humanidade e a huma-nidade faz parte de nós: devemosaceitar estas dependências e apreciara responsabilidade que nos tornaseus participantes e protagonistas.Não há direito algum que não tenhacomo consequência um dever corres-pondente: a coexistência dos livres eiguais é uma questão puramente éti-ca, não técnica.

Portanto, somos chamados a reco-nhecer, com nova e profunda emo-ção, que somos confiados uns aosoutros. Nunca como hoje, a relação

A humanidade inteira é provada. Apandemia da Covid-19 coloca-nosnuma situação de dificuldade inédi-ta, dramática e de alcance global: oseu poder de desestabilização donosso projeto de vida cresce diaapós dia. A difusão da ameaça põeem causa evidências que eram consi-deradas óbvias no nosso estilo de vi-da. Hoje vivemos dolorosamente umparadoxo que nunca teríamos imagi-nado: para sobreviver à doença de-vemos isolar-nos uns dos outros,mas se aprendêssemos a viver isola-dos uns dos outros, não poderíamosdeixar de compreender como é es-sencial para a nossa vida viver unscom os outros.

No meio da nossa euforia tecnoló-gica e gerencial, encontramo-nos so-cial e tecnicamente despreparadosdiante da propagação do contágio:tivemos dificuldade em reconhecer eadmitir o seu impacto. E agora, luta-mos também para conter a sua difu-são. Mas encontramos a mesma des-preparação — para não dizer umacerta resistência — a propósito do re-conhecimento da nossa vulnerabili-dade física, cultural e política diantedo fenómeno, se considerarmos adesestabilização existencial que elecausa. Esta desestabilização está forado alcance da ciência e da técnicadas estruturas terapêuticas. Seria in-justo — e errado — sobrecarregar oscientistas e técnicos com esta respon-sabilidade. Ao mesmo tempo, é cer-tamente verdade que uma maiorprofundidade de visão e uma melhorresponsabilidade pela contribuiçãoreflexiva sobre o sentido e os valoresdo humanismo têm a mesma urgên-cia que a busca de medicamentos evacinas. Não só. O exercício destaprofundidade e responsabilidade criaum contexto de coesão e unidade,de aliança e fraternidade, devido ànossa humanidade partilhada que,longe de mortificar a contribuiçãodos homens e mulheres de ciência ede governo, sustenta e atenuaemgrande medida a sua tarefa. A suadedicação — que desde já merece agratidão justificada e comovida detodos — deve certamente ser reforça-da e valorizada.

Nesta ótica, a Pontifícia Academiapara a Vida, que pelo seu mandatoinstitucional promove e apoia aaliança entre as ciências e a ética nabusca do melhor humanismo possí-vel, deseja contribuir com a sua par-ticipação reflexiva. O seu objetivo éinserir alguns dos elementos peculia-res desta situação num espírito reno-vado que deve alimentar a sociabili-dade e a atenção à pessoa. Assim, asituação extraordinária que hoje de-safia a fraternidade da humana com-

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de cuidado se apresenta como o pa-radigma fundamental da nossa con-vivência humana. A mudança da in-terdependência de facto em solida-riedade desejada não é uma transfor-mação automática. Mas já dispomosde vários sinais desta passagem paraações responsáveis e comportamen-tos de fraternidade. Vemos isto comparticular clareza na dedicação dosprofissionais da saúde, que colocamgenerosamente em ação todas assuas energias, às vezes arriscando aprópria saúde ou vida, para aliviar osofrimento dos doentes. O seu pro-fissionalismo vai muito além da lógi-ca dos vínculos contratuais, testemu-nhando assim que o trabalho é so-bretudo uma área de expressão desentido e de valores, e não apenas“atos” ou “m e rc a d o r i a s ” a permutarcom a remuneração. Mas isto tam-bém se aplica aos pesquisadores ecientistas que colocam as suas com-petências ao serviço das pessoas. Adeterminação de partilhar as forças einformações permitiu encetar rapida-mente colaborações entre redes decentros de investigação para proto-colos experimentais, que verifiquema segurança e a eficácia dos medica-mentos.

Além deles, não devemos esquecertodas as mulheres e homens que to-dos os dias escolhem positiva e cora-josamente conservar e alimentar estafraternidade. São as mães e os paisde família, os idosos e os jovens; sãoas pessoas que, até em situações ob-jetivamente difíceis, continuam a de-sempenhar o seu trabalho com ho-nestidade e consciência; são os mi-lhares de voluntários que não inter-romperam o seu serviço; são os res-ponsáveis das comunidades religio-sas que continuam a servir o povo aeles confiado, até à custa da própriavida, como salientam as histórias demuitos sacerdotes que morreram porcausa da Covid-19.

A nível político, a situação atualimpele-nos a ser clarividentes. Nasrelações internacionais (e tambémnas relações entre os países daUnião Europeia) é míope e ilusóriaa lógica que procura dar respostasem termos de “interesses nacionais”.Não se impede o vírus sem uma co-laboração efetiva e uma coordenaçãoeficaz, que enfrente com decisão asinevitáveis resistências políticas, co-merciais, ideológicas e relacionais.Naturalmente, trata-se de decisõesmuito graves e onerosas: é necessáriauma visão aberta e escolhas que nemsempre vão ao encontro dos senti-mentos imediatos das populações in-

dividuais. Mas numa dinâmica tãoacentuadamente global, para seremeficazes, as respostas não podem li-mitar-se às próprias fronteiras terri-toriais.

Ciência, medicina e política:o vínculo social à prova

As decisões políticas deverão cer-tamente ter em conta os dados cien-tíficos, mas não podem reduzir-se aeste plano. Permitir que os fenóme-nos humanos sejam interpretadosapenas com base em categorias cien-tíficas empíricas só produziria res-postas a nível técnico. Acabaríamosnuma lógica que considera os pro-cessos biológicos como fatores deter-minantes das escolhas políticas, aolongo do perigoso caminho que abiopolítica nos ensinou a conhecer.E nem sequer respeita as diferençasentre culturas, que interpretam asaúde, a doença, a morte e sistemasde tratamentos, atribuindo significa-dos que na sua diversidade podemconstituir uma riqueza a não homo-logar segundo uma única chave in-terpretativa técnico-científica.

Ao contrário, é necessária umaaliança entre ciência e humanismo,que devem ser integrados, não sepa-rados, e, o que seria ainda pior,opostos. Uma emergência como a daCovid-19 é derrotada antes de maisnada com os anticorpos da solidarie-dade. Os meios técnicos e clínicosde contenção devem ser integradosnuma vasta e profunda investigaçãoem vista do bem comum, que deverácontrastar a tendência à seleção devantagens para os privilegiados e aseparação dos vulneráveis com basena cidadania, rendimento, política eidade.

Isto também se aplica a todas asescolhas de “política dos cuidados”,incluindo as mais relacionadas coma prática clínica. As condições deemergência em que muitos países seencontram podem chegar ao pontode forçar os médicos a tomar deci-sões dramáticas e dilacerantes, pararacionar os recursos limitados, indis-poníveis para todos ao mesmo tem-po. Neste ponto, depois de ter feitotodo o possível a nível organizacio-nal para evitar o racionamento, épreciso ter sempre em mente que adecisão não pode basear-se numa di-ferença de valor da vida humana eda dignidade de cada pessoa, quesão sempre iguais e inestimáveis. Adecisão diz respeito sobretudo aoemprego dos tratamentos da melhor

forma possível, com base nas neces-sidades do paciente, ou seja, a gravi-dade da sua doença e a sua necessi-dade de cuidados, bem como a ava-liação dos benefícios clínicos que otratamento pode alcançar, em termosde prognóstico. A idade não podeser considerada como o único e au-tomático critério de escolha, casocontrário poder-se-ia cair numa ati-tude discriminatória em relação aosidosos e aos mais frágeis. Além dis-so, é necessário formular critériosque sejam, na medida do possível,compartilhados e bem fundamenta-dos com argumentos, a fim de evitararbitrariedade ou improvisação emsituações de emergência, como a me-dicina das catástrofes nos ensinou. Éclaro que se deve reiterar: o raciona-mento deve ser a última opção. Abusca de tratamentos equivalentesna medida do possível, a partilha derecursos, a transferência de pacientessão alternativas que devem ser cui-dadosamente consideradas, na lógicada justiça. A criatividade sugeriutambém, em condições adversas, so-luções que permitiram satisfazer asnecessidades, tais como o uso domesmo ventilador para vários pa-cientes. Contudo, nunca devemosabandonar a pessoa doente, nem se-quer quando não há mais curas dis-poníveis: cuidados paliativos, trata-mento da dor e acompanhamentosão exigências que nunca devem sernegligenciadas.

Também no plano da saúde públi-ca, a experiência que atravessamosrequer de nós uma séria averiguação,ainda que só se possa realizar no fu-turo, em tempos menos agitados.Elas dizem respeito ao equilíbrio en-tre as abordagens preventiva e tera-pêutica, entre a medicina individuale a dimensão coletiva (tendo emconsideração a estreita correlação en-tre saúde e direitos pessoais e saúdepública). Trata-se de questões subja-centes a uma questão mais profunda,relativa aos objetivos que a medicinase pode estabelecer, considerandoglobalmente o sentido da saúde noâmbito da vida social, com todas asdimensões que a caraterizam, comopor exemplo a educação e os cuida-dos com o meio ambiente. Vislum-bra-se a fecundidade de uma perspe-tiva global da bioética, que tenhaem conta a multiplicidade das di-mensões em jogo e a escala mundialdos problemas, superando uma visãoindividualista e redutora das ques-tões relativas à vida humana, à saú-de e aos tratamentos.

Na lógica da responsabilidade, orisco de uma epidemia global exigea construção de uma coordenaçãoglobal dos sistemas de saúde. Deve-mos estar cientes de que o nível decontenção é determinado pelo elomais fraco, em termos de prontidãodo diagnóstico, velocidade de reaçãocom medidas de contenção propor-cionais, estruturas adequadas e umsistema de regulação e partilha deinformações e dados. É também ne-cessário que a autoridade que podeconsiderar as emergências com umavisão global, tomar decisões e or-questrar a comunicação, seja tomadacomo ponto de referência para evitara desorientação gerada pela tempes-tade de comunicação que se desen-cadeia (infodemia), com a incertezados dados e a fragmentação das no-tícias.

A obrigação da tutela dos fracos:a fé evangélica à prova

Neste cenário, deve-se prestar es-pecial atenção àqueles que são maisfrágeis, especialmente os idosos edeficientes. Em iguais condições, aletalidade de uma epidemia varia deacordo com a situação dos paísesatingidos — e no âmbito de cadapaís — em termos de recursos dispo-níveis, qualidade e organização dosistema de saúde, condições de vidada população, capacidade de conhe-cer e compreender as caraterísticasdo fenómeno e de interpretar as in-formações. O número de mortes serámuito maior onde, já na vida de to-dos os dias, às pessoas não foremgarantidos os simples cuidados bási-cos de saúde.

Também esta última consideração,sobre a maior penalização que aspessoas mais frágeis enfrentam, nosexorta a prestar muita atenção aomodo de falarmos sobre a ação deDeus nesta situação histórica. Nãopodemos interpretar os sofrimentospelos quais a humanidade passa, se-gundo o rude esquema que estabele-ce uma correspondência entre a “le-sa-majestade” do divino e a “sagradare p re s á l i a ” empreendida por Deus.Até a simples constatação de que se-riam punidos os mais fracos, precisa-mente aqueles que Ele mais ama ecom os quais se identifica (cf. Mt 25,40-45), desmente esta perspetiva. Aescuta das Escrituras e o cumpri-mento da promessa que Jesus realizaindicam que estar do lado da vida,como Deus nos ensina, adquire for-ma em gestos de humanidade a fa-vor do outro. Gestos que, como vi-mos, não faltam no momento atual.

Cada forma de solicitude, cadaexpressão de benevolência é uma vi-tória do Ressuscitado. É responsabi-lidade dos cristãos dar testemunhodisto. Sempre e para todos. Nestemomento, por exemplo, não pode-mos esquecer as outras calamidadesque atingem os mais frágeis, comoos refugiados e os imigrantes, ou ospovos que continuam a ser flagela-dos pelos conflitos, pelas guerras epela fome.

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Militar mede temperatura a idosa antesde entrar no refeitório para probes (FrancePress)

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A oração de intercessãoOnde a proximidade evangélica

encontrar um limite físico ou umaoposição hostil, a intercessão —fundamentada no Crucificado —conserva o seu poder implacável edecisivo, até quando o povo nãoparece à altura da bênção de Deus(cf. Êx 32, 9-13). Este brado de in-tercessão do povo de crentes é olugar onde podemos enfrentar otrágico mistério da morte, cujo me-do marca hoje a história de todosnós. Na Cruz de Cristo é possívelpensar na forma da existência hu-mana como uma grande passagem:o invólucro da nossa existência écomo um casulo que espera a liber-tação da borboleta. Como diz SãoPaulo, a criação inteira vive “as do-res do parto”.

É sob esta luz que devemos en-tender o sentido da oração. Comointercessão por cada um e por to-dos aqueles que se encontram nosofrimento, que também Jesus pa-deceu em solidariedade para con-nosco, e como momento paraaprender d’Ele o modo de a viverna entrega ao Pai. Este diálogocom Deus torna-se um manancialpara lhe podermos confiar também

os homens. Daqui podemos haurira força interior para exercer toda anossa responsabilidade e para nostornarmos disponíveis à conversão,de acordo com o que a realidadenos permite compreender do quetorna possível uma coexistênciamais humana no nosso mundo. Re-cordemos as palavras do bispo deBergamo, uma das cidades maisatingidas da Itália, D. FrancescoBeschi: «As nossas orações não sãofórmulas mágicas. A fé em Deusnão resolve magicamente os nossosproblemas, mas dá-nos uma forçainterior para assumir aquele com-promisso que, em todos e em cadaum, de formas diferentes, somoschamados a viver, especialmentenaqueles que são chamados a im-pedir e a vencer este mal».

Contudo, até aqueles que nãocompartilham a profissão desta fépodem encontrar no testemunhodesta fraternidade universal, traçosque orientam para a melhor parteda condição humana. A humanida-de que não abandona o campo, emque os seres humanos se amam elutam juntos, por amor à vida co-mo bem rigorosamente comum, re-cebe a gratidão de todos e é sinaldo amor de Deus presente entrenós.

Pa n d e m i ae fraternidade universal

Aumenta a incidência da ação pastoral no mundo católico em África e Ásia no primeiro quinquénio de Pontificado de Francisco

O Anuário Pontifícioe o Anuário estatístico da Igreja

A incidência da ação pastoral da Áfri-ca e da Ásia no mundo católico au-mentou nos primeiros cinco anos dePontificado de Sua Santidade o PapaFra n c i s c o .

A redação do Anuário Pontifíciode 2020 e do Annuarium StatisticumEccleasiae de 2018 foi preparada peloDepartamento Central de Estatísti-cas da Igreja.

Da leitura dos dados contidos noAnuário Pontifício podemos deduziralgumas novidades relativas à vidada Igreja católica no mundo, a partirde 2019.

Durante este período foram erigi-das 4 Sedes Episcopais, 1 Eparquia,2 Prelazias Territoriais, 1 ExarcadoApostólico e 1 Administração Apos-tólica; 1 Sé Arquiepiscopal e 4 Dio-ceses foram elevadas a Sedes Metro-politanas; 1 Prelazia Territorial e umVicariato Apostólico, a Sedes Epis-copais; e 2 Exarcados Apostólicos, aEparquias.

Os dados estatísticos do An n u a -rium Statisticum Ecclesiae, referentesao ano de 2018, permitem elaborarum resumo das principais tendênciasna evolução da Igreja católica nomundo durante os últimos cincoanos.

Os dados examinados mostramcom suficiente clareza que de 2013 a2018 houve uma diminuição da im-portância relativa dos países euro-peus e norte-americanos, e um au-mento na incidência de todas as ou-

tras áreas geográficas. Isto sobressai,nomeadamente, das seguintes avalia-ções:

De 2013 a 2018, os católicos bati-zados no mundo aumentaram dequase 6%. Neste mesmo períodopassam de quase 1.254 milhões para1.329 milhões, com um aumento ab-soluto de 75 milhões. No final de2018, os católicos representam poucomenos de 18% da população mun-dial. Esta taxa permanece quaseinalterada ao longo dos anos. Damesma forma, pode-se relevar queem 2018 a proporção mais alta se ve-rifica nas Américas, com 63,7 católi-

cos por 100 habitantes, à qual se se-gue a da Europa com 39,7 católicos,da Oceânia com 26,3 e da Áfricacom 19,4; a proporção mais baixaocorre na Ásia, com 3,3 católicos por100 habitantes, devido à grande di-fusão de confissões não cristãs nessecontinente. A distribuição de católi-cos nos vários continentes difere no-tavelmente da distribuição da popu-lação. De 2013 a 2018, no que dizrespeito à população, a Américamantém uma incidência quase cons-tante em relação ao total mundial,igual a 13,5%, enquanto o número decatólicos diminui 1% nestes cincoanos, atingindo 48% da populaçãocatólica do mundo. A importânciados católicos na Ásia aumenta ligei-ramente, passando de 10,9% para11,1%, mas é consideravelmente infe-rior à da população do continente(cerca de 60% em 2018). Para a po-pulação, a Europa tem uma relevân-cia de cerca de 4% inferior à daAmérica (9,6%), mas a sua incidên-cia no mundo católico é inferior àdos países americanos (21,5% contra48,3%). Quer para os países africa-nos quer para os oceânicos, no totala relevância da população diferepouco da dos católicos.

De 2013 e 2018, o número de bis-pos no mundo aumenta mais de3,9%, passando de 5.173 para 5.377,com um aumento muito acentuadona Oceânia (+4,6%), América e Ásia(+4,5% para ambos) e Europa(+4,1%), ao passo que na África(+1,4%) os valores estão abaixo damédia mundial. A distribuição terri-torial relativa aos bispos permanecesubstancialmente igual no períodoanalisado.

A dinâmica da consistência sacer-dotal parece globalmente bastanteinsatisfatória, com uma diminuiçãode 0,3% concentrada na segundametade do período em questão.Com efeito, no total o número desacerdotes aumenta em 1.400 nosdois primeiros anos, estabilizando-semais tarde e mostrando uma dimi-nuição nos últimos três anos. Emoposição à média mundial, a evolu-ção do número de sacerdotes naÁfrica e na Ásia é bastante animado-ra, respetivamente com +14,3% e+11,0%, enquanto na América perma-nece estável, por volta de 123 mil

unidades. Finalmente, a Europa e aOceânia, responsáveis pela diminui-ção observada a nível planetário, em2018 apresentam um decréscimo, res-petivamente, superior a 7% e umpouco mais de 1%. Em 2018, a dis-tribuição dos sacerdotes nos conti-nentes distingue-se por uma fortepredominância de presbíteros euro-peus (41,3%), que superam de 40% oclero americano; a incidência do cle-ro asiático é de 16,5%, do africano11,5% e do oceânico 1,1%. Nestes cin-co anos aumenta a incidência do cle-ro asiático (de 14,8% para 16,5%) edo africano (de 10,1% para 11,5%),enquanto que para o clero europeu arelevância diminui de modo acentua-do, passando de 44,3% para 41,3%.A situação é idêntica para o cleroamericano (29,6%) nos dois anosconsiderados.

Uma realidade eclesiástica queevolui rapidamente é a dos diáconospermanentes, cujo número crescefortemente tanto a nível mundial co-mo nos continentes, passando de43.195 em 2013 para 47.504 cincoanos mais tarde, portanto com umavariação positiva de aproximada-mente 10%.

A crise dos religiosos professosnão sacerdotes não dá sinais de di-minuição, e é preocupante que con-tinuem a reduzir-se no mundo. Comefeito, de 2013 e 2018 eles diminuemde quase 8%, passando de mais de55.000 para menos de 51.000. A ten-dência decrescente é comum aos vá-rios continentes, com a exceção daÁfrica e da Ásia, onde se observamvariações respetivamente de +6,8% e+3,6%.

Também para o grupo de religio-sas professas há uma dinâmica forte-mente decrescente, com uma contra-ção de 7,5% no período analisado.Com efeito, o número total de reli-giosas professas passa de quase694.000 em 2013 para menos de642.000 cinco anos mais tarde. Odeclínio diz respeito a três continen-tes (Europa, Oceânia e América),com significativas variações negati-vas (-15% na Europa, -14,8% naOceânia e -12% na América). NaÁfrica e na Ásia, ao contrário, o au-mento é decididamente vigoroso,mais de 9% para a África e +2,6%para a Ásia. Por conseguinte, a pro-porção de professas religiosas naÁfrica e na Ásia passa de 34,6% dototal mundial para 39%, em detri-mento da Europa e da América, cujaincidência total passa de 64,3% para59,9%.

O número de seminaristas maioresparece consolidar-se numa tendênciade diminuição lenta e gradual. Onúmero de candidatos ao sacerdóciono mundo passa de 118.251 em 2013para 115.880 em 2018, com uma va-riação de -2,0%. O declínio, com aexceção da África, diz respeito a to-dos os continentes, com reduçõesimportantes para a Europa (-15,6%)e América (-9,4%). A África, comuma variação positiva de 15,6%, con-firma-se como a área geográfica como maior potencial para atender àsexigências dos serviços pastorais.

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número 14, terça-feira 7 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

Audiência do Papa ao Presidentedo Conselho de ministros italiano

Na manhã de segunda-feira, 30 de março, o Santo Padrerecebeu em audiência Sua Excelência o Senhor Giuseppe Conte,

presidente do Conselho de ministros da República Italiana

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 28 de marçoO Professor Andrea Monda, Diretorde «L’Osservatore Romano»; o Se-nhor Cardeal Marc Ouellet, Prefeitoda Congregação para os Bispos; oProf. Adv. Paolo Papanti-Pelletier,Juiz Único do Tribunal do Estadoda Cidade do Vaticano; o ProfessorFranco Anelli, Magnífico Reitor daUniversidade Católica do SagradoCoração; e a Senhora Virginia Rag-gi, Presidente da Câmara Municipalde Roma.

No dia 30 de marçoSua Ex.cia o Senhor Giuseppe Con-te, Presidente do Conselho de Mi-nistros da República Italiana; e D.Vincenzo Paglia, Presidente da Pon-tifícia Academia para a Vida.

E re ç õ e s

Sua Santidade erigiu:

A 2 de abrilA Diocese de Kontagora (Nigéria),até agora Vicariato Apostólico, coma mesma denominação e configura-ção territorial, tornando-a sufragâneada Sede Metropolitana de Kaduna.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 28 de marcoDe D. Nicolaus Adi Seputra, M.S.C.,ao governo pastoral da Arquidiocesede Merauke (Indonésia).

No dia 30 de marçoDe D. Julio Edgar Cabrera Ovall,ao governo pastoral da Diocese deJalapa (Guatemala).

No dia 31 de marçoDe D. Ignacy Dec, ao governo pas-toral da Diocese de Świdnica (Poló-nia).

No dia 1 de abrilDe D. Jabulani Adatus Nxumalo,O.M.I., ao governo pastoral da Ar-

quidiocese de Bloemfontein (Áfricado Sul).

No dia 2 de abrilDe D. Daniel Thomas Turley Mur-phy, O.S.A., ao governo pastoral daDiocese de Chulucanas (Peru).

No dia 3 de abrilDe D. Edward K. Braxton, ao go-verno pastoral da Diocese de Belle-ville (Estados Unidos da América).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 28 de março— Bispo Titular de Aretusa dos Sí-rios, o Rev.do Pe. Rami Al-Kabalan,até agora Visitador Apostólico paraos fiéis sírios na Europa Ocidental eProcurador do Patriarcado de Antio-quia dos Sírios junto da Santa Sé. Oeleito assumiu o nome de «Flavia-no».

D. Rami Al-Kabalan nasceu a 17de julho de 1979 em Zaydal (Síria) erecebeu a Ordenação sacerdotal em ju-lho de 2005.

— Conselheiro da PenitenciariaApostólica, o Rev.mo Mons. Giusep-pe Tonello, Chanceler, Membro doConselho Presbiteral e da ComissãoDisciplinar do Vicariato de Roma.

A 30 de marçoBispo de Jalapa (Guatemala), oRev.do Pe. José Benedicto MoscosoMiranda, até esta data pároco da pa-róquia de «La Sagrada Familia»,Membro do Colégio dos Consulto-res e Vigário forense.

D. José Benedicto Moscoso Mirandanasceu a 7 de julho de 1959 em SanLuis Jilotepeque (Guatemala), e foi or-denado Sacerdote a 3 de janeiro de1 9 8 7.

A 31 de março— Núncio Apostólico no Sudão e naEritreia, o Rev.mo Mons. Luís Mi-guel Muñoz Cárdaba, até esta dataConselheiro de Nunciatura, simulta-neamente eleito Arcebispo Titular deNasai.

D. Luís Miguel Muñoz Cárdabanasceu em Vallelado, Espanha, a 25 deagosto de 1965, e recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 28 de junho de 1992.

— Bispo de Świdnica (Polónia), D.Marek Mendyk, até agora Auxiliarda Diocese de Legnica.— Membro do Pontifício Comité deCiências Históricas, o Rev.do Pe.Marek Andrzej Inglot, S.I. (Polónia),atualmente Decano da Faculdade deHistória e Bens Culturais da Igrejana Pontifícia Universidade Gregoria-na em Roma.

A 1 de abrilArcebispo de Bloemfontein (Áfricado Sul), D. Zolile Peter Mpambani,S.C.J., até agora Bispo de Kokstad.

A 2 de abril— Bispo de Chulucanas (Peru), oRev.do Pe. Cristóbal Bernardo MejíaCorral, do Clero da Diocese de Lu-

rín (Peru), até esta data Pároco daparóquia de «Cristo el Salvador».

D. Cristóbal Bernardo Mejía Corralnasceu a 4 de dezembro de 1954 emAncash (Peru), e foi ordenado Sacerdo-te a 18 de dezembro de 1989.

— Primeiro Bispo da Diocese deKontagora (Nigéria), D. BulusDauwa Yohanna, atualmente VigárioApostólico da mesma Sede.— Prefeito Apostólico de Ulaanbaa-tar (Mongólia), com caráter episco-pal, o Rev.do Pe. Giorgio Marengo,I.M.C., até esta data Conselheiro Re-gional da Ásia, Superior para aMongólia e Pároco de Maria Mãeda Misericórdia em Arvaiheer, simul-taneamente eleito Bispo Titular deCastra Severiana.

D. Giorgio Marengo I.M.C., nasceua 7 de junho de 1974 em Cuneo (Itá-lia). Emitiu a profissão perpétua a 24de junho de 2000 como membro doInstituto Missões Consolata, e recebeua Ordenação sacerdotal a 26 de maiode 2001.

A 3 de abril— Bispo de (Estados Unidos daAmérica), o Rev.do Pe. Michael G.McGovern, até agora Vigário Epis-copal “ad interim” do Vicariato I, Vi-gário Forense do I-C e Pároco daSaint Raphael the Archangel Parishem Old Mill Creek.

D. Michael G. McGovern narceu a1 de julho de 1964 em Chicago(E.U.A.), e recebeu a Ordenação sacer-dotal a 21 de maio de 1994.

— Bispo Auxiliar de Przemyśl dosLatinos (Polónia), o Rev.do Pe. Kr-zysztof Chudzio, até esta data Páro-co de Jasienica Rosielna, simultanea-mente eleito Bispo Titular de Mara-zane.

D. Krzysztof Chudzio nasceu a 25de junho de 1963 em Przemyśl (Poló-nia), e foi ordenado Sacerdote a 14 dejunho de 1988.

Igrejas Católicas Orientais

No dia 28 de marçoO Santo Padre deu o seu Assentimen-to:

À eleição feita pelo Sínodo dos Bis-pos da Igreja Patriarcal de Antio-quia dos Sírios, do Rev.do Pe. CamilAfram Antoine Semaan, Exarca paraos fiéis sírios em Jerusalém, Palestinae Jordânia, atribuindo-lhe a Sede Ti-tular de Hierapolis dos Sírios, atéesta data Administrador Patriarcalda mesma Circunscrição.

Prelados falecidosAdormeceu no Senhor

A 3 de abrilD. Giovanni Paolo Gibertini, BispoEmérito de Reggio Emilia - Guastal-la, na Itália.

O saudoso Prelado nasceu em Cianod’Enza (Itália), a 4 de maio de 1922.Recebeu a Ordenação sacerdotal em 12de agosto de 1945 e a Ordenação epis-copal a 25 de abril de 1983.

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E ROMANO · espero muito em breve, o faremos com espírito, criatividade e uma força maior do que hoje, e eu di-ria

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 7 de abril de 2020, número 14

Nas provas da vidaum caminho de purificação

O Pontífice retomou as catequeses sobre as bem-aventuranças

C AT E Q U E S E

Publicamos a seguir o texto dacatequese pronunciada pelo Papa naaudiência geral de quarta-feira, 1 deabril que, devido à emergência docoronavírus, teve lugar na Bibliotecaparticular do Palácio apostólico doVaticano, sem a presença de fiéis.Retomando o ciclo de reflexões sobreas Bem-aventuranças, o Pontíficeanalisou a sexta: «Bem-aventuradosos puros de coração, porque verão aDeus».

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje lemos juntos a sexta bem-aventurança, que promete a visãode Deus e tem como condição apureza do coração.

Diz um Salmo: «O meu coraçãopressente os teus dizeres: “Pro curaia minha face!”. É a tua face, Se-nhor, que eu procuro. Não escon-dais de mim o Vosso rosto» (27, 8-9).

Esta linguagem manifesta a sedede uma relação pessoal com Deus,não mecânica, nem um pouco ne-bulosa, não: pessoal, que até o li-vro de Job expressa como sinal deum relacionamento sincero. Diz as-sim o livro de Job: «Os meus ouvi-dos tinham ouvido falar de Ti,mas, agora, viram-Te os meus pró-prios olhos» (Jb 42, 5). E muitasvezes eu penso que este é o cami-nho da vida, no nosso relaciona-mento com Deus. Conhecemos aDeus pelo ouvir dizer, mas com anossa experiência vamos em frente,em frente, em frente e no final co-nhecê-lo-emos diretamente, se for-mos fiéis... E esta é a maturidadedo Espírito.

Como se chega a esta intimida-de, a conhecer Deus com os olhos?Pode-se pensar nos discípulos deEmaús, por exemplo, que têm oSenhor Jesus ao seu lado, «os seusolhos, porém, estavam impedidosde O reconhecerem» (Lc 24, 16). OSenhor abrir-lhes-á os olhos no fi-nal de uma viagem que culminarácom o partir do pão e começarácom uma censura: «Ó homens seminteligência e lentos de espírito emcrer em tudo quanto os profetasanunciaram!» (Lc 24, 25). Esta é areprovação do início. Eis a origemda sua cegueira: o seu coração seminteligência e lento. E quando ocoração é insensato e lento, não seveem as coisas. Veem-se um poucoenevoadas. Aqui está a sabedoriadesta bem-aventurança: para a con-templar é necessário cair em nósmesmos e dar lugar a Deus, por-que, como diz Santo Agostinho,«Deus é mais íntimo de mim doque eu mesmo» (“interior intimomeo”: Confissões, III, 6, 11). Para ver

Deus não é preciso mudar de ócu-los ou de ponto de observação,nem mudar os autores teológicosque ensinam o caminho: é precisolibertar o coração dos seus enga-nos! Só este é o caminho.

Esta é uma maturação decisiva:quando percebemos que o nossopior inimigo está muitas vezes es-condido no nosso coração. A bata-lha mais nobre é contra os enganosinteriores que os nossos pecadosgeram. Porque os pecados mudama visão interior, eles mudam a ava-liação das coisas, eles fazem-nosver coisas que não são verdadeiras,ou pelo menos que não são tão ver-dadeiras.

Por conseguinte, é importanteentender o que é “pureza do cora-ção”. Para o fazer, é preciso lembrarque para a Bíblia o coração nãoconsiste apenas em sentimentos,mas é o lugar mais íntimo do serhumano, o espaço interior ondeuma pessoa é ela mesma. Isto, deacordo com a mentalidade bíblica.

O próprio Evangelho de Mateusdiz: «Se a luz que está em ti fortrevas, quão grandes serão essastrevas» (6, 23). Esta «luz» é oolhar do coração, a perspetiva, asíntese, o ponto a partir do qual selê a realidade (cf. Exort. ap. Evan-gelii gaudium, 143).

Mas o que significa coração «pu-ro » ? O puro de coração vive napresença do Senhor, conservandono coração o que é digno da rela-ção com Ele; só assim possui umavida “unificada”, linear, não tortuo-sa, mas simples.

Assim, o coração purificado é oresultado de um processo de liber-tação e renúncia. O puro de coraçãonão nasce assim, experimentouuma simplificação interior, apren-dendo a negar o mal em si mesmo,algo que na Bíblia se chama c i rc u n -cisão do coração (cf. Dt 10, 16; 30, 6;Ez 44, 9; Jr 4, 4).

Esta purificação interior implicao reconhecimento daquela parte do

coração que está sob a influênciado mal — «Sabe, Padre, sinto-meassim, penso assim, vejo assim, eisto é mau»: reconhecer a partemá, a parte que está enevoada pelomal — para aprender a arte de sedeixar sempre ensinar e guiar peloEspírito Santo. O percurso do co-ração doente, do coração pecador,do coração que não pode ver bemas coisas, porque está em pecado,até à plenitude da luz do coração éobra do Espírito Santo. É Elequem nos guia por este caminho.Eis que, por este caminho do cora-ção, chegamos a «ver Deus».

Nesta visão beatífica há uma di-mensão futura, escatológica, comoem todas as bem-aventuranças: é aalegria do Reino dos Céus paraonde vamos. Mas há também a ou-tra dimensão: ver Deus significacompreender os desígnios da Pro-vidência naquilo que nos acontece,reconhecer a sua presença nos Sa-cramentos, a sua presença nos nos-sos irmãos, especialmente nos po-bres e nos que sofrem, e reconhecê-lo onde Ele se manifesta (cf. Cate-cismo da Igreja Católica, 2519).

Esta bem-aventurança é um pou-co fruto das anteriores: se ouvimosa sede do bem que habita em nós etemos consciência de que vivemosde misericórdia, começa um cami-nho de libertação que dura a vidainteira e nos conduz ao Céu. Éuma obra séria, uma obra que oEspírito Santo faz se lhe dermosespaço para que o faça, se estiver-mos abertos à ação do EspíritoSanto. Por isso podemos dizer queé uma obra de Deus em nós — nasprovas e purificações da vida — eesta obra de Deus e do EspíritoSanto conduz a uma grande ale-gria, a uma paz verdadeira. Não te-nhamos medo, abramos as portasdo nosso coração ao Espírito Santopara que ele nos purifique e nosconduza por este caminho rumo àalegria plena.

No final da catequese, antes derecitar o “Pater noster” e de concedera bênção apostólica, o Pontíficesaudou os fiéis que o seguiam atravésda mídia, dirigindo as seguintespalavras aos de língua portuguesa.

Amados ouvintes de língua portu-guesa, a todos saúdo e convido aviver com a Igreja inteira, em pen-samento e de coração, a próximaSemana Santa, que coloca diantedos nossos olhos a Cruz onde Je-sus assumiu e suportou toda a tra-gédia da humanidade. Não pode-mos esquecer as tragédias dos nos-sos dias, porque a Paixão do Se-nhor continua no sofrimento doshomens. Que os vossos coraçõesencontrem, na Cruz de Cristo,apoio e conforto no meio das tri-bulações da vida; abraçando aCruz como Ele, com humildade,confiança e abandono filial à von-tade de Deus, tereis parte na glóriada Ressurreição.