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Page 1: Protagoras

Sumário

Resumo.........................................................................................2

Arte e Verdade.............................................................................15

Verdade........................................................................................8

Arte e Verdade.............................................................................15

Arte e Verdade.............................................................................15

Conclusão....................................................................................51

Bibliografia..................................................................................62

Notas..........................................................................................65

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Protágoras de Abdera

Resumo

Resumo: Este artigo pretende tratar do pensamento sofístico com ênfase em Protágoras e sua principal assertiva.

Palavras-chave: Protágoras, Platão, Sofistas, filosofia.

Abstract: This article intends to approach the sophistic thought, with emphasis in Protagoras and his main quote.

Key-words: Protagoras, Plato, Sophists, philosophy,.

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Uma visão panorâmica do movimento sofístico

Verdade e erro não são excludentes, posto que é precisamente na dimensão do erro e do equívoco que a verdade faz sua emergência.

(Luiz Alfredo Garcia-Roza)

O primeiro desafio é a ruptura com o senso comum, a tradição do pensamento e os pequenos historiadores que embarcando no projeto platonista limitaram-se a alardear ao longo das gerações que o sofista detinha o posto de baluarte da vilania contra a filosofia, o pensamento escorreito e a retórica vazia afastava o homem da construção da razão. Para completar eram moralmente condenáveis, eis que estrangeiros mercenários, associavam pecaminosamente o ensinar à remuneração e perpetraram o crime contra a humanidade ao cercear a defesa de Sócrates e o condenar ao mais virtuoso suicídio que se tem notícia. O sofisma ganhou verbete:Houaisssofisma•  substantivo masculino1. Rubrica: lógica.   argumento ou raciocínio concebido com

o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa

2. Rubrica: lógica.   argumentação que aparenta verossimilhança ou veridicidade, mas que comete involuntariamente incorreções lógicas; paralogismo

3. Derivação: por extensão de sentido (da acp. 1).   qualquer argumentação capciosa, concebida com a intenção de induzir em erro, o que supõe má-fé por parte daquele que a apresenta; cavilação

4. Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal.   mentira ou ato praticado de má-fé para enganar (outrem); enganação, logro, embuste

Enquanto o sofista detinha a sabedoria (sophia), o filósofo, destituído de prepotência, invocava a ironeia (εἰρωνεία) para dizer-se perseguidor do saber extraído na dialética maiêutica, essa sim legítima herdeira da ciência, verdade e luz.O fio da história e do helenismo irão nos transportar para a origem dos detentores de maestria. Os possuidores de conhecimento eram os poetas capazes de difundir os conceitos da moralidade, o conhecimento pragmático, os

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feitos de guerra1 e a dramaturgia. O projeto sofístico tinha missão assemelhada como Guthrie nos faz ver ao invocar Eurípedes que afirma ser o poeta justamente dotado de admiração “por sua sagacidade e bom conselho, e por que faz dos homens melhores cidadãos. Devemos lembrar que pré-socráticos de alta estirpe como Parmênides de Eléia e o médico Empédocles de Agrigento eram poetas e não menos filósofos. Dupréel nos mostra a conexão e mesmo a relação de cause a efeito em contraste que levaram a emergir os sistemas de pensamento de Anaxágoras, assim como de Empédocles2. O nome sofista era elástico e açambarcava o músico, o poeta e o difusor do bom conhecimento em geral, uma vez que o sábio pode e costuma ter atuação em diferentes espectros da gnose. Foi no século V AEC que a denominação se especializou para o ensino e a linguagem em prosa, mas manteve indelével o decalque de detentor de conhecimento valioso e distintivo. William Keith Chambers Guthrie vaticina que os atenienses tinham por hábito suspeitar de intelectuais e de pessoas que demonstravam eloqüência e fluidez em argumentos. Aliás, ele afirma que o hábito é comum aos povos em geral. Não tenho certeza disso, mas suspeito que os gregos tivessem especial tendência à ambivalência emocional e suspeição de seus líderes, afinal a história enumera tantos. A prática do ostracismo reforça minha inquietude nesse sentido. O professor de Cambridge registra o léxico deinon com um número expressivo de significados, mas parece-me honesto atribuir a palavra sinistro como bem adequada considerando os exemplos que o livro dá. O vocábulo mixa (como propus) a idéia de funesto, perigos, pernicioso e um pouco intrigante. Essa palavra, segundo o autor, foi constantemente associada a sofística por que traduziu também eminentemente a pessoa com enorme capacidade de convencimento, argumentação e carisma verbal. Os sofistas despertavam sentimentos contraditórios na

1 Luiz Alfredo Garcia-Rosa em Palavra e Verdade aponta os dois tipos de glória militar da época, estamos nos referindo a algo em torno de mil anos AEC, a kydos que ocorria ao guerreiro no momento do embate e kleos, que era a decantação dos fatos através das gerações, ainda através do poeta que estava a serviço da aristocracia da época.“Ao guerreiro é preferível uma morte cantada e lembrada a uma sobrevivência no esquecimento. A verdadeira morte não é a do corpo, mas a da lembrança. Morte da palavra, morte pela ausência da palavra, esta é a ameaça maior que pairava sobre os gregos dos tempos homéricos”.

2 Sophistes et physícíens ont donc vécu dans la meme atmosphere spirituelle. On ne saurait comprendre les systems dÉmpédocle et dAnaxagora sans les remetre en relation avec la crise de la physique mathématique liéé au probléme des grandeurs incommnsurables, et avec le radicalisem de la doctrine éleatique. Em tradução livre: Sofistas e físicos viviam na mesma atmosfera espiritual. Nós não podemos entender os sistemas de Empédocles ou de Anáxagora sem remeter e relacionálos à crise da física matemática fundamentados ao problema dos tamanhos incommnsurables, e com a doutrina de radicalismo eleata.

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sociedade como ocorre com políticos e advogados. Eram em sua maioria estrangeiros e a xenofobia é sentimento banal. Como ainda tinham a vocação de ensinar o que se assemelha ao professor de hoje, mas quero crer que a postura educacional da época era (como ainda sobram exemplos hoje) a do mestre distante, arrogante, ensimesmado em sua soberba que transpira saber e virtude. Verdadeiros? É a indagação que se colocava antes e, por evidente, nos tempos atuais. Frequentemente segregavam jovens do convívio dos amigos e se auto intitulavam difusores de uma pedagogia da virtude e do mérito. Barbara Cassin afiança a tradução mais comum de Arete, que enseja a expressão da ciência política aristo-cracia, ou seja um regime eivado da presunção de virtuosidade auto intitulada a seus governantes o que provoca não raras reações odiosas. No texto de Platão que trata de Protágoras, Sócrates questiona o fato de filhos de governantes tipos pela população como de excelência a toda a hora fracassam na educação de seus descendentes3. Ou na Politéia:

- Então Adimanto, disse eu, afirmaremos que também as almas mais bem dotadas, se lhes couber uma educação má, virão a ser excepcionalmente más? Ou pensas que as grandes injustiças e a maldade pura e simples vêm de uma natureza medíocre e não de natureza vigorosa mas corrompida pela educação, e que uma natureza fraca jamais vira a ser causa de grandes bens e grandes males? (491e)

E logo abaixo- Ou também tu julgas, como a maioria que certos jovens estão sendo corrompidos por sofistas de quem o que importa dizer é que são homens comuns? Não acreditas que, ao contrário, são eles, os que fazem tais afirmações, os maiores sofistas e que são eles que educam da maneira mais acabada e fazem que os jovens e os adultos, os homens e as mulheres venham a ser tal qual eles querem? (492a)

Seria simplista demais atribuir a Platão e ao jogo político todo o sucesso pela crítica depreciativa extremamente bem

3 Protágoras 325a

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sucedida, registre-se, que os Sofistas se viram imersos e que sobrevive ainda em parte aos tempos atuais. Mas não nos esqueçamos que se há uma proposta obsessiva na obra de Platão, de relevo muito superior mesmo à teoria das idéias e.g., é o poder dever de educar os jovens para formar cidadãos, eclodir potenciais de quem os tem para oferecer e investir nos melhores para produzir a excelência do extrato humano a serviço da cidade. São centenas de trechos em A República repetidos ad nauseam. Foi o comediógrafo Ateniense Aristófanes que teria flexionado o termo ao ponto de o mesmo constituir-se em ofensa.

Retórica e atuação profissional

Os sofista atuavam de forma absolutamente profissional, prometendo um serviço que era a educação dos jovens no que se refere à virtude e a arte da retórica. Protágoras, o qual temos o registro mais elaborado dessa prática, tinha uma prática específica sobre a questão que pode ser vista quer como ética, como hipócrita ou marquetológica: Aquele que contratasse seus serviços poderia optar por pagar a ele ou depositar a mesma quantia em um templo conforme julgasse melhor de acordo com sua satisfação ou seus próprios princípios. O registro da cobrança pecuniária pode ser observado em diversas passagens da obra de Platão em tons de crítica (Menon e Protágoras). Os poetas também mudaram sua postura, não por influência, e também começaram a receber pagamento pelos serviços. A prática do recebimento de dinheiro pela oferta de educação foi severamente criticada especialmente por Aristócles (Platão era um apelido) que era de família abastada, posteriormente por Aristóteles, e, naturalmente por Sócrates, que era filho de entalhador de mármore incapaz de seguir a profissão do pai por inabilidade ou pelos percalços de sua impopularidade e tinha as constantes reclamações de sua mulher Xantipa de que não era bom provedor da família já que vivia de favores. Os Sofistas acumulavam riquezas superiores ao de dez escultores conforme o registro em Menon e não tinham qualquer dificuldade em encontrar quem pagasse suas taxas ou em ter acesso aos auditórios onde realizavam suas sedutoras preleções. O fundamento das críticas recaem sobre uma radical dualidade: O pensamento contemplativo, ontológico, metafísico onde a pergunta Tò tí en eînai, ou o que é ser, como alguma coisa é, busca uma resposta conjugada com a physis e a verdade a partir de um processo de investigação sobre a origem, causa e composição de todos os entes. De outro lado o pragmatismo que entende a verdade não como resultado de um processo (notadamente maiêutico e

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dialético pela estrutura socrática), mas como uma variável social, uma convenção alicerçada na história e na conveniência e, portanto, irrelevante se não for vista como ferramenta adaptativa que flutua com as “convicções” de cada civilização4. O relativismo associado à prática social depreciava a noção de verdade absoluta, metafísica, alethéia desvelada e desesquecida moradora em um espaço sem tempo e, por isso mesmo, nem devir. Uma tolice inútil, uma formulação de nobres desocupados que não tinha qualquer utilidade prática no mundo negocial, jurídico, político, sociológico, enfim... No mundo dos viventes. Dentro desse cenário a retórica se apresenta como instrumento de convencimento a flexionar opiniões exercer o poder. O processo democrático é regime de opinião onde a verdade é nada mais do que o ponto de vista da maioria e que não estiver de acordo ou tiver outras verdades que se curve ao centralismo democrático ou busque suas nesgas de garantias de direito de minoria. Os sofistas para Platão são uma espécie de caçadores que se valem da oratória forense, oratória política e à conversação também com um só nome e chamando-as de arte da persuasão5. Em contraste com a verdade iluminada pelo bem:

Sócrates — Ocorre o mesmo com o bem. Dize-me, Glauco: um homem que não pode compreender a idéia do bem, separando- a de todas as demais idéias, e, como num combate, abrir caminho a despeito de todas as objeções, esforçando-se por vencer as suas provas, não na aparência, mas na essência; que não possa transpor todos esses obstáculos pela força de uma lógica infalível, que não conhece nem o bem em si mesmo nem nenhum outro bem, mas que, se apreende alguma imagem do bem, é pela opinião, e não pela ciência, que o apreende: não dirás tu que ele passa a vida presente em estado de sonho e sonolência e que, antes de despertar neste mundo, irá para o Hades dormir o último sono? (Platão, 534b/d).

4 E não foi assim que Descartes elaborou suas meditações (IV) contestando os a priori? Asseverando que mesmo em contato com os maiores professores e pesquisadores do ocidente percebia a todo o momento que se exaravam certezas tão contrastantes entre os mesmos e nenhuma delas sem o fundamento em elevadas preleções? Ou ainda ao viajar pelos cantos do mundo observava que o absurdo aqui era comezinho alhures levando-o a crer que pouco havia de certeza nas verdades mais convictas?5 Sofista 221e c/c 222c.

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Mas no mundo forense buscamos o direito ou a justiça? Muitos elementos de análise nos levam a crer que esta última é quimera esfumaçada pela neblina processual. Afinal não há de haver verdade fora dos autos processuais, verdades presumidas estão em toda a parte: presunção de inocência, de conhecimento da lei publicada em diário oficial, de paternidade, veracidade, legitimidade. Presunção absoluta e relativa, que admitem prova em contrário e outra que não. A sentença faz justiça e estabelece o direito, institui a paz social, ordena às partes que obedeçam ao mandamento de uma convicção subjetiva baseada na norma abstrata aplicada ao fato jurídico analisado in casu. E se estamos diante da defesa de um bem jurídico relevante como a vida, a liberdade o pátrio poder, a reparação do dano ou a propriedade, o ator coadjuvante, não menos relevante diga-se, é o elemento pecuniário quer no valor da causa quer nos honorários.

Estrangeiro: Sim. Parece que a classe sofista não passa da classe que ganha dinheiro com a arte da disputa, da discussão, da controvérsia, da luta, do combate e da aquisição – como foi estabelecido agora novamente pelo nosso argumento. (Platão, Sofista 226).

E o adágio diz que não há justiça sem advogado e sem justiça não há democracia. O tribunal do júri, que no Brasil esta adstrito ao julgamento dos crimes contra a vida, em outros países toma decisões sobre um número muito maior de hipóteses. Os jurados gozam da pretensão de representar a sociedade, uma vez que escolhidos de forma um tanto aleatória e desprovidos de interesses que venham a comprometer sua tomada de decisão. Como são leigos na matéria jurídica, deverão julgar de acordo com o senso comum6 e inquestionavelmente se colocam à mercê do phatos que o advogado é capaz de provocar com sua eloquência e dramatização dos fatos ou da vida pregressa do réu. No meio jurídico costuma se dizer que o conhecimento jurídico nessa etapa é despiciendo, o que vale é a capacidade de expressão e de produzir emoções tais como empatia, apiedamento e dúvida. A retórica não é atributo do sofista, é essência. A credulidade no relativismo e na subordinação do saber à força da palavra que arrebata,

6 Mais uma vez lembramos Descartes quando vaticina que se há algo bem distribuído nesse mudno é o bom senso, ninguém acha que possui pouco ou me demasia...

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persuade, emociona, fascina estabelece a gramática não do logos que busca a compreensão da totalidade ôntica, mas do nominador, encadeado em pensamento que expressa uma convicção e uma perspectiva de poder. Barbara Cassin registra a belíssima citação de Proclo:

Deve-se, então, dizer contra ele que o falso também é, e que nada impede que aquele que diz o ente diga o falso, e, além disso, aquele que diz acerca de algo (peri tinos legeri), e não diz algo (ti legeri).

Aliás, o falso traz dentro de si a certeza e o erro e toda a construção da teoria psicanalítica recai na assertiva de que a verdade emerge da palavra não pronunciada ou do dito sem intenção, ou do sonho que verdadeiramente se sonhou mas não nos vem à mente. E ainda da entrelinha, da frase que escapa ou do gesto que trai.

A Política

Mas é na política que os sofistas atuaram de maneira mais eloquente, ainda que estrangeiros sem direitos civis. E ainda assim de forma direta, ganhando cidadania e postos no governo inclusive na diplomacia7 ou indireta formando o tomadores de decisão de uma sociedade alicerçada na democracia e esse regime, que Platão condenou, é exercido pela palavra e embate de ideias, versões e exposição de “verdades”. Mas o filósofo admitia a mentira no processo político em nome de um bem maior, uma inverdade útil, mas restrita a poucos e de cunho instrumental8:

- Aos que governa a cidade, mais que a outros, convém mentir ou para beneficiar a cidade, ou por causa de inimigos ou de cidadãos, mas tal recurso não deve ficar ao alcance dos demais. Ao contrário, afirmamos que, se um indivíduo comum mente para os governantes, comete erro igual ou maior que um doente que não diz ao médico ou um aprendiz que não diz ao mestre da ginástica a verdade sobre o que se passa em seu corpo, ou quem ao piloto não comunica, a respeito do navio e da tripulação,

7 Hipias foi embaixador de Elis.8 Em 382d o tema surge pela primeira vez.

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os dados reais sobre a maneira com que ele próprio ou um dos camaradas realiza sua tarefa. (Platão, República – 389c)

A política no auge da democracia grega e mesmo após a conquista pelos romanos oferecia um número expressivo de cargos públicos onde o exercício do poder, antes como hoje, poderia conferir benefícios ao titular e suas famílias além de prestígio e realização o que atraia uma gama expressiva de jovens. Aspecto relevante a ser considerado é que a prática política da época, tendente a uma espetacularização dos eventos em auditórios9 e a prática do dissoi logoi um exercício de antilogia onde a argumentação migrava de um lado ao seu oposto assegurando que qualquer tema poderia ser objeto de dois pontos de vista contrários, mutatis mutantis ainda pode ser encontrada em tempos atuais. Comícios e showmícios, debates cronometrados e posteriormente editados nos programas eleitorais e mesmo nos telejornais são apenas dois exemplos de como o pragmatismo político encontra-se em desconexão com uma verdade absoluta. A retórica, podemos afiançar, desde sempre foi parte importante da política nos regimes democráticos ou mesmo fundamental. Durante as eleições, as versões mais do que nunca são muito mais relevantes do que os fatos10 e a capacidade de convencimento do candidato é posta à prova das urnas. No tempo mais atuais, com o desenvolvimento do marketing político e eleitoral, associado a pesquisa de opinião e o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação transformam os candidatos, não raras vezes em um produto, onde a (in) capacidade retórica é suprida pelo teleprompter e a edição de imagens, as propostas são resultado das análises de pesquisa o que faz o político falar não o que acredita, mas o que imagina que o eleitorado deseja ouvir. Depois da eleição vem o desapontamento do eleitor por um estranho advento de realidade que contrasta com aquele mundo de propaganda e fantasia de imagens. A cavilação parece ser a regra, o caminho único, a via inexorável. Há lugar para a verdade, no sentido transcendente do Platonismo, em um processo como esse?Em a República os sistemas de governo e as correlações de poder são formuladas com base em um isomorfismo, onde a cidade é equiparada a uma pessoa onde o equilíbrio de forças intra atuantes e com a primazia da razão podem trazer felicidade ao indivíduo ou ao coletivo. Ah! Quando a alma toda segue a parte filosófica w não se rebela, cada parte ca alma realiza sobretudo o que lhe cabe

9 Em alguns casos com utilização de vestimentas chamativas.10 E efetivamente há diferença?

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é e justo e, o que é mais importante, colhe para si os prazeres próprios de cada uma, não só os melhores, mas também dento do possível, os mais verdadeiros. (Platão, A República, 586e).Protágoras (Πρωταγόρας) de Abdera

Vamos aqui tecer alguns breves comentários sobre aquele que construiu a biografia mais proeminente entre os sofistas. Protágoras era um animal político, extremamente articulado com as esferas de poder em especial com Péricles e como veremos versado no mundo das leis. É importante repisar outra abordagem da dicotomia que buscamos expor em outras partes desse artigo. O embate antitético de idéias ocupava uma posição basculante, ou alicerçada na physis ou na nomos. Explico melhor: A teoria filosófica11 ao partir da pergunta fundadora, o que é ser, fluiu pelo caminho pré-socrático em construções que se baseavam em especulações da física. A origem de tudo estava na água, no úmido, no calor e no fogo, em contrários, no ar, no átomo, em uma substância sem fronteira (apeiron), e tantas outras hipóteses. Até que Platão instituiu a metafísica coma teoria das ideias que colocava a essência em um patamar transcendente, atemporal, imutável etc. Aristóteles elaborou a gramática das quatro causas e do motor imóvel como causa incausada. Isso tudo se contrapunha ao nomos que mergulhava na inabsolutividade do universo e sua relativização aos olhos de quem vê, avalia, julga e exara sua certeza. O costume forma a opinião que faz nascer a certeza e com isso a norma e a convenção social. A moral é filha desse processo. Se na natureza o animal mais forte domina e espolia o mais fraco, a escravidão é um conceito baseado em um universo físico, divino e imutável. O direito divino era inquestionável12 e origem do poder e submissão ao donatário do trono e toda a nobreza que surgia por sua delegação. Sob o ponto de vista contratual a lei deve ser obedecida por que se fundamenta no costume ou ainda por que, antes disso, os homens e nesse sentido devemos originalmente dizer os homens da nobreza detentores do poder de outrora entenderam que aquela prática social era boa por eficiência ou eficácia no plano de seus interesses e satisfação de seus desejos. E dai o bom se converte em bem e justiça. Depois vem a moral cristã a subverter parcialmente esse processo

11 Devemos observar que o sofista não raras vezes dizia estar fazendo filosofia o que em sentido amplo podemos até admitir que o fizesse. Com todas as sistemáticas refutações de Platão e Aristóteles - e ironicamente nossa principal via de acesso ao pensamento daqueles é através da obras desses – acabamos por considerar o sofista o não filósofo, mas ao observarmos com maior rigor as ideias de Protágoras ou as reflexões ontológicas de Górgias constataremos que as diferenças são inexistente ou extremamente sutis.12 Ao ponto de a religião católica adotar os conceitos aristotélicos como dogma. Master Dixie...

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coma moral do escravo impotente ao qual somente resta o odiar calado, amaldiçoando os ricos e poderosos com a ardência no fogo infernal e a compensação ex post dos pobres e desvalidos. Esse pensamento fez germinar todo um rol de conceitos de igualdade, fraternidade e humanidade muito bem conhecidos de todos. Inclusive no que diz respeito à teoria que na prática se mostra bem diversa. Quando Platão invoca o isomorfismo e equipara o homem à cidade que devem obedecer a uma receita universal e invariável para alcançar a felicidade, despersonaliza o processo político o arrancando de seu contexto histórico. É a ética de um interesse público, ou da polis em uma via “apicultural” que reduz o homem ao obreiro da colmeia que nasce com uma aptidão, capacidade e destino para cumprir seu papel em determinada casta social.No mito de Protágoras Epimeteu faz a divisão de habilidades dos animais buscando o equilíbrio que garantiria a paz da natureza e a complementaridade relacional dos espécimes. Umas mais velozes e mais fracas, outras mais lentas e fortes... Prometeu foi inspecionar o trabalho do irmão e constatou o homem desprovido de tudo. Sem armaduras físicas (um exoesqueleto, por exemplo), pelugem robusta e protetiva, velocidade ou força considerável. Prometeu rouba o fogo e a sabedoria artística13 e dos ao homem. Mas para viver em sociedade faltava mais um elemento essencial que era necessário para a nossa sobrevivência: a possibilidade de vivermos de forma agregada. Nossas habilidades e competências não seriam suficientes se vivêssemos isolados e dispersos. De fato o bebezinho é o animal mais indefeso de todo o planeta. Com algumas horas de desamparo morre com certeza. Os animais mais primitivos já nascem se movendo com alguma destreza e procurando comida. O filhote dos humanos nasce com apenas uma capacidade: emitir um som em uma determinada frequência e intensidade que consegue monopolizar as atenções do adultos, irritar o sistema nervoso central e exigir uma atitude que aplaque suas demandas egocêntricas. Se o homem não estivesse a altura de dar a proteção a ser tão frágil a espécie pereceria rapidamente.

Então Zeus, temendo que nossa raça se extinguisse por inteiro, enviou Hermes para levar aos homens o respeito e a justiça, para que assim houvesse as estruturas das cidades e os lações de amizade que tudo mantêm

13 Aqui se refere a tekhne, arte em sentido lato, pode ser entendido com conhecimento ou know how. Apesar daquela palavra ter expressão própria sophia, etc...

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reunido. Hermes logo pergunta a Zeus de que modo distribuir o respeito e a justiça entre os homens. É como são repartidas: um único a possuir a arte da medicina basta para muitos profanos; de igual modo ocorre para os demais homens de ofício. É dessa mesma forma que devo distribuir respeito e justiça entre os homens, ou será preciso repartir entre todos? Entre todos, disse Zeus, e que todos os tenham em comum, pois as cidades não existiriam se um pequeno número dentre eles os tivessem em comum, como ocorre nas outras artes; e promulgue, precisamente em meu nome, uma lei de distribuição segundo a qual quem não tiver em comum o respeito e a justiça será condenado à morte como uma doença da cidade. (Platão, Protágoras em Brabara Cassin, 2005:336).

A justiça que é objeto de investigação por pelo menos quatro capítulos de A Politeia (Πολιτεία), senão a obra completa, em Protágoras ganha o estatuto de fruto do bom senso. Aquele que confessa uma vilania por temperamento e convicção leva o rótulo da desrazão. Em Antígona temos o conflito entre a lei de Deus e a do homem, do político que determina que os inimigos de estado não podem ser enterrados em solo pátrio. E é contra essa determinação que Antígona que insurge contra os conselhos e temores de Ismênia, sua irmã, e acaba pagando coma vida. Protágoras como Platão asseveram na necessidade o cimento que nos fez viver em grupos e essa vida seria impossível sem a existência da lei. Aquele, para muitos estaria lançando a ótica contratualista que muitos séculos mais tarde iria contaminar o pensamento europeu moderno. E ironicamente optou a via do mito. Este, condenou a defesa das opiniões pela via do mito, invocava o convencimento, a via da sucessão de perguntas investigativas14 em busca do em si (autos), o puro bem e o colocou no plano do não humano, atingível pelo desenvolvimento do intelecto. A natureza não tem caráter acidental e evolutivo para ao ateniense, ao contrário, é fruto de uma vontade inteligente e superior.

14 Que esta no DNA da metodologia investigativa que criou a ciência como a entendemos hoje.

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Já o sofista de Abdera:(...)mas, uma vez que Protágoras não acreditava que as leis eram obras da natureza ou dos deuses, deve ter crido, como outros pensadores contemporâneos progressistas, que foram formuladas como resultado de um consenso de opinião entre os cidadãos que desde então se consideravam por elas vinculados. (W.K.C Guthrie, 2007:129)

O Homem Medida

Vamos concluir nosso artigo com algumas considerações sobre a assertiva mais famosa do mestre Protágoras:

O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.

A sentença será analisada dentro da seguinte estrutura esquemática. Poderíamos, talvez mais propriamente, chamar de hiperontológica a primeira e hipo-ontológica a segunda.

Martin Heidegger examina a sentença e admite certo DNA de Descartes com o relativismo e o subjetivismo em evidência. O ser estaria inserido no limite de seu próprio desvelamento, ou seja na maneira e intensidade que se

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coloca em abertura e se presentifica. A posição dominante do ser humano que se coloca como centro de todas as coisas e tema pretensão de conhecer a totalidade do ente estaria de certa forma em antecipação pelo pensamento de Protágoras. Curioso é que o filósofo também parece não excluir completamente a interpretação individual e relativista na medida em que na sua tradução insere a expressão respectivo. Sem dúvida a posição trazida por ninguém menos que Martin Heidegger, radicaliza a dimensão histórica do sofista de Abdera. A tradução que o mestre alemão faz da sentença é a seguinte:

De todas as ‘coisas” ( a saber, daquelas coisas que o homem tem constantemente em torno de si no uso e no costume (chremata /chresthai), o homem (respectivo) é a medida, das que presentam, que elas assim se presentem, como se presentam, daqueles porém, para as quais permanece e vedado presentar-se, que elas não se presentem. (Heidegger, 2007:100).

Existem alguns elementos de significação que – recorrendo a Guthrie, mas ainda sem perder de vista a visão do mestre – teremos de fazer. Primeiro é a palavra Anthropos que se refere a homem não no sentido do gênero diverso do feminino e a princípio, não poderia se referir a humanidade por que esse conceito não existiria. Essa é sem dúvida a grande controvérsia do texto e estabelece a primeira linha dicotômica de nosso quadro acima. Grote e Eugéne Dupréel15 se posiciona pelo sentido universal, muitos estudiosos, em especial os mais antigos optam pelo sentido individual. Sócrates como vermos logo mais, escolheu esse caminho. Heidegger entende o homem em um sentido egóico ou seja da maneira como as coisas se apresentam para mim, de certa forma se apresentam da mesma maneira para ti que também é homem. Além de buscarmos entender o que significa homem na sentença temos de o fazer em relação à palavra coisas que neste caso não esta colocada no sentido de ente, ou em um patamar mais elevado de coisitude universal. Aqui a tradução admite muitas variantes, mas todas caminham no mesmo sentido. Chrema tem o sentido de negócio, não como objeto negocil

15 A interpretação de E.D. vai muito além: Ce sont des vestiges; ils ont trait à la morale, à la politique, à la grammaire, à la théorie de la connaissance. E vamos utilizá-la mais tarde como base do segundo eixo de nossa análise conforme o quadro esquemático.

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ou transacional, mas uma coisa hodierna, comum, ou na linguagem de ser e tempo, à mão, na circunvisão e na mundanidade do objeto que quando esta sendo utilizado não nos damos sequer conta de sua existência. Aquele treco ali... Ou como dizem os mineiros, aquele trem... Ou o conjunto de objetos de nosso universo usual e de certa forma essa ideia acaba por trazer um desconfortável contraste com a elevação que queremos dar ao status de homem na mesma frase. Como podemos falar em humanidade e em coisas do dia a dia em sequencia? Para o mestre alemão:

O homem é a cada vez a medida da presença e do desvelamento por meio da moderação e da restrição ao aberto mais próximo, sem negar aquilo que há de mais distante e que se acha cerrado e sem se arrogar uma decisão quanto ao seu presentar-se ou ausentar-se. Não há aqui nenhum rastro do que o pensamento do que o ente enquanto tal precisa se retificar segundo o eu colocado sobre si mesmo enquanto sujeito, de que esse suhetio seria o juiz sobre todo ente e sobre seu ser e de que ele decidiria por conta dessa jurisdição com uma certeza incondicionada sobre a objetividade dos objetos. (Heidegger, 2007:103).

A subjetividade se insere na essência do homem o que ao mesmo tempo lhe impulsiona a uma dimensão que supera sua própria individualidade, eis que ao se expor como um comportamento (dasein) se coloca simultaneamente na posição de experienciar as sensações, emoções e apropria verdade no jogo de clareira e ocultação. A verdade se esfumaça do absoluto que marca o pensamento fundador de Platão e trilha os rumos da modernidade que proclama o relativismo e a abertura de possibilidades onde o homem não recua de sua primazia. Esse embate pode ter sido o duelo que fez nascer o embrião de todo o processo civilizatório ocidental.A expressão Humanismo, no entanto é recente e foi primeiramente apresentada na forma italiana umanismo ao final do século XVIII e início do XIX por Hans Reiner em debate com Franz Beckmann conforme nos ensina Bruno Snell. Antes disso, na era clássica, homem, ou aquele que sangra, o mortal em oposição ao divino é um pensamento

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vaga que se diferencia do animal pela habilidade de se comunicar através de palavras. Já a noção de educação, ou ainda de cultura já era bem clara. Há, no entanto, uma passagem da Politeia que nos chama a atenção pela expressão que Platão teria utilizado: caráter humano. Ora o sentido da expressão se coloca muito próximo do conceito de nosso ethos com o conjunto que nos caracteriza de forma distintiva como espécime. Observemos que, ainda que se coloque em contraposição à divindade esta em um trecho da obra em que se discute a capacidade dos sofistas em relação à persuasão e à paidéia dos jovens:

- Não haveria nenhum outro, disse eu, mas, ao contrário, até procurar encontra-lo seria uma tolice... É que não se torna, nem jamais se tornou, nem mesmo se tornará outro, em relação à virtude, um caráter formado à margem da educação propiciada por essas pessoas. Falo, meu amigo, de um caráter humano... Quanto ao caráter que é divino, segundo o provérbio, deixemos de mencioná-lo. Quando qualquer coisa se salva e vem a ser como deve em tal constituição, isso é preciso que saibas bem, não incorrerás em erro se disseres que essa salvação se deve a uma intervenção divinda. (Platão 493a)

E ele estava a se referir ao político Temístocles que não tinha estudo, era homem de origem humilde, mas dotado de grande talento para enfrentar os problemas da Pólis.

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Em Teeteto a sentença é explorada em seu relativismo que a reduz a um pensamento quase absurdo.O conceito de filantropia, no entanto era difundido no mundo jurídico o que nos faz partir para o segundo eixo de nossa análise: Ainda que

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