monogafia eliete pedagogia 2011

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0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM – BA. PEDAGOGIA 2006.1 ELIETE FAGUNDES DE JESUS HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA SENHOR DO BONFIM – BA MARÇO DE 2011

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Pedagogia 2011

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Page 1: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII

SENHOR DO BONFIM – BA.

PEDAGOGIA 2006.1

ELIETE FAGUNDES DE JESUS

HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNC IA SEM PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

SENHOR DO BONFIM – BA

MARÇO DE 2011

Page 2: Monogafia Eliete pedagogia 2011

1

ELIETE FAGUNDES DE JESUS

HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNC IA SEM

PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

Monografia apresentada ao departamento

de Educação da Universidade do Estado

da Bahia-UNEB/CAMPUS VII, como parte

dos requisitos para conclusão do curso de

pedagogia: Docência e Gestão de

Processos Educativos.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Glória da Paz

SENHOR DO BONFIM – BA

MARÇO DE 2011

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ELIETE FAGUNDES DE JESUS

HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNC IA SEM PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

Aprovada em: 17 de março de 2011

Profª. Drª. : Maria Glória da Paz Orientadora

Profª. Mestra: Edna Ferreira Examinadora

Profª. Especialista: Ana Maria Campos Dias Examinadora

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3

A Deus, pelo dom da vida e por seu amor

incondicional, por sempre ter me dado força

para não desistir.

A meu filho, Lucas Emanuel, por ser parte de mim.

A minha mãe, Dejanira, que com sua coragem é a

grande responsável por essa conquista.

Ao meu pai, Evanio, pelo incentivo

Aos meus irmãos, Marilza, Evaniel, Josenice

Evanice e Silvania, pelo apoio.

Ao meu esposo, Manoel Neto pela dedicação,

paciência e companheirismo.

Page 5: Monogafia Eliete pedagogia 2011

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus meu pai por estar sempre ao meu lado, e por tudo

que me proporciona, sendo meu porto seguro, meu eterno agradecimento.

A minha família pela compreensão nos momentos em que precisei estar ausente e

por sempre ter acreditado em mim.

Ao meu filho, Lucas Emanuel, razão do meu viver.

A minha irmã, Marilza, pela dedicação e carinho ao dividir comigo o papel de mãe de

Lucas, o meu muito obrigado.

A professora Glória, co-autora na construção deste trabalho, meu sincero

agradecimento.

Aos colegas de turma, em especial, Alice, Cícero Elaine, Elizangela e Simone, pela

cumplicidade, compreensão, e amizade, que me serviram de ancora, em todos os

momentos, vocês moram no meu coração.

A Lidiane, minha irmã, amiga, e fiel escudeira pelo companheirismo.

Aos professores: Beatriz, Ana Maria Suzzana Alice, Rita Braz, Claudia Maisa,

Pascoal, Elizabeth Barbosa, Elizabeth, Joanita Moura, Simone Wanderley, Ozelito,

Sanda Fabiana, Helder Luís, Jader Rocha, Rita Carneiro, Ricardo e Romilson pelos

conhecimentos proporcionados, estarão sempre na minha memória.

Aos colegas da turma de 2007 com os quais dividi este percurso, principalmente

Ana Lúcia, pelo apoio.

A dona Rosi e seu Eduardo pela ajuda nos momentos que precisei.

A minha prima, Suzana Fagundes, pela amizade e confiança.

Page 6: Monogafia Eliete pedagogia 2011

5

A Valmir dos Santos pelo incentivo.

A Drª. Eva, Drº. Hélio, Drª. Mariana pela força, e compreensão.

Aos colegas de trabalho da Defensoria Pública e da Escola José de Anchieta com os

quais compartilho muitos momentos.

Aos irmãos da Igreja Adventista do Sétimo dia de Tijuaçu.

Aos amigos Gabriela, Daniel, Fábio, Patrícia, Camila e Drº. Hélcio pela amizade, e

palavras de incentivo.

Aos amigos diretores, professores e funcionários do Colégio Estadual de Senhor do

Bonfim, pela confiança demonstrada.

Ao pessoal da biblioteca, Margarida, Maria, Rizia e Grazi, pela ajuda e paciência.

E a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para a efetivação deste trabalho

e fizeram e fazem parte da minha vida.

Page 7: Monogafia Eliete pedagogia 2011

6

“Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim”.

Clarice Lispector

Page 8: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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RESUMO

O presente estudo é fruto da linha de pesquisa narrativa autobiográfica e tem como

principal objetivo, tomando como pressuposto a minha história de vida, trazer ao

lume a importância da abordagem autobiográfica como veículo educativo. Na

produção deste trabalho, utilizamos a abordagem biográfica, através da narrativa

autobiográfica buscamos subsidio em algumas fontes escritas de vários estudiosos,

que nos deram sustentação dentre eles Josso (2004), Áries (1981), Sousa (2006),

Passegi (2008), Freire (1983) e outros mais que, discutem a relevância da pesquisa

de si mesmo na formação pessoal e profissional como fonte de reflexão e avaliação

de modo a propiciar novas posturas e ações. E como fonte oral me ancorei na

minha própria narração.

Palavras - chave: Memória Autobiográfica - Infância - História de vida e

formação

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: Eliete Fagundes de Jesus

FIGURA 02: Mapa do Distrito de Tijuaçu

FIGURA 03: Vista da Praça Principal de Tijuaçu

Page 10: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 CAPÍTULO I......................................... ......................................................................12

1. Memória autobiográfica: uma arte de tessituras de si..................................12

2. A infância e suas várias concepções de século a século.............................15

3. História de vida e formação: um ato de formar e de formar-se na e para

vida..........................................................................................................................18

CAPÍTULO II........................................ ......................................................................21 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..............................................................21

2.1 Abordagem biográfica........................... ............................................................21 2.2 Instrumentos utilizados no estudo.............. .....................................................21 2.2.1 A Narrativa.........................................................................................................21 2.2.2 As fontes............................................................................................................22

2.2.3 Fontes orais.......................................................................................................22 2.2.4 Identificação da entrevistada.............................................................................22

2.2.5 Fontes escritas..................................................................................................23 2.3 O Local do estudo ou de onde estou falando: o m eu lugar de nascimento moradia............................................ ..........................................................................24 CAPÍTULO III....................................... ......................................................................28 3. CONTANDO A MINHA HISTÓRIA....................... ..................................................28

3.1 A INFÂNCIA: a descoberta do mundo e das pessoas , o primeiro contato

com a escola e com novas amizades.................. ...................................................28

3.1.1 Uma infância entre doenças e trabalho.............................................................28

3.1.2 Três bolachões e alguns restos de brinquedos venciam a tristeza do não ter, e

ocupavam o seu lugar............................................................................................28

Page 11: Monogafia Eliete pedagogia 2011

10

3.1.3 Uma chuva forte: a casa caiu............................................................................29

3.1.4 Uma estratégia para conseguir ajudar em casa, trabalhar estudar...................30

3.1.5 Ir à escola... ou aquilo que não tive quero dar a vocês.....................................30

3.1.6 Primeiras experiências escolares... classe multiseriada,motivo pelo qual

aprendi a ler muito cedo...........................................................................................31

3.1.7 Os professores leigos e dedicados...................................................................32

3.1.8 Nem bem professora e já fora despedida.........................................................33

3.1.9 Em meio às dificuldades uma profecia.............................................................33

3.1.10 Estratégia de convivência: um aluno passivo para uma professora

“durona”......................................................................................................................35

3.1.11 Chega o tão sonhado ginásio..........................................................................36

3.2 A adolescência: a organização do meu universo, o surgimento das

primeiras paixões.................................. ...................................................................37

3.2.1 Escola e trabalho infantil: uma experiência de aprendizagens e

discriminação..............................................................................................................38

3.2.2 Magistério... Mais barreiras... trabalhei como empregada doméstica...............39

3.3 A fase adulta: as minhas primeiras experiências profissionais e o sonho de

ser mãe e professora .............................. ................................................................41

3.3.1 A universidade: passei a viver outra realidade, outras portas se abriram.........42

3.3.2 Curso de pedagogia..........................................................................................43

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ........................................................46

REFERENCIAS..........................................................................................................48

ANEXOS....................................................................................................................52

Page 12: Monogafia Eliete pedagogia 2011

11

INTRODUÇÃO

Depois de “subir e descer” sobre qual seria o tema da minha monografia, a

cada encontro com minha orientadora uma proposta diferente e nada (rs), foi então

que numa conversa meu desejo íntimo e a minha vontade de relatar um pouco da

minha trajetória familiar e escolar falaram mais alto e decidimos então que eu faria

uma narrativa (auto) biográfica.

Por meio deste trabalho quero mostrar que uma infância pobre e sem

perspectiva, não é obstáculo para ninguém cruzar os braços e se conformar com o

“destino” “o eu não posso” ou “eu não consigo”, “meu pai ou minha mãe não me dão

nada” e o “ ninguém me dá uma oportunidade”.

Esse relato se mostra relevante uma vez que aqui se registram experiências

vivenciadas que ao invés de fazer-me desistir, me estimularam a fazer diferente, a

ultrapassar barreiras incontáveis, mas que não foram suficientemente fortes para me

fazer desistir, pois levei em conta, o desejo de mudança de não aceitar o curso

“natural” das coisas. Essa premissa me faz perguntar: Como é que filho de pais

semi-analfabetos pobres e negros pode progredir na vida? Sendo assim, tomo como

objetivo, escrever uma memória (auto) biográfica para refletir sobre a minha

trajetória de vida e formação.

Page 13: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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CAPÍTULO I

“Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum

modo escrito em mim”.

Clarice Lispector

1. MEMÓRIA AUTOBIOGRÁFICA: UMA ARTE DE TESSITURAS DE S I

Construir uma narrativa autobiográfica é trazer a público experiências

vivenciadas cotidianamente, para tanto é preciso que seja feita uma introspecção

das lembranças, dos acontecimentos, recordar a própria história, desde o momento

do nascimento, o primeiro choro, as visitas, as alegrias os problemas, o convívio

social, as tradições culturais, as primeiras experiências escolares, a primeira

professora; é querer falar dos fatos como estes realmente aconteceram; embora a

memória humana, com alguns limites impostos pelas questões biológicas,

neurológicas e pelas vivências construídas diariamente, além dos limites temporais,

não proporcione uma lembrança completamente nítida e pura.

O que realmente fica armazenado passa por uma seleção subjetiva em que

a visão de mundo do indivíduo juntamente com as construções da memória coletiva

desses registra o que aconteceu de mais marcante na vida do indivíduo. Para

Passegi (2008), autobiografar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos,

entretanto essa trajetória de contar de si trará a luz muitos fatos importantes do

caminho, alguns bons que com certeza dão prazer ao recordar e outros que

provocam lembranças não tão agradáveis, mas que fazem parte da trajetória de vida

e que provocam pontos para refletir, sobre como são construídas as histórias de

vida.

Vive-se no presente, mas por força da lembrança e da imaginação a

memória recorre ao passado para um repensar, ou, melhor dizendo, um

balanceamento sobre a formação obtida e o que não se obteve ainda e assim

chegar à compreensão de que a busca de si requer um parar para pensar e como

bem nos diz Larrosa (2002) também olhar, sentir e perceber através da ativação da

memória o que foi feito e o que falta fazer para alcançar uma cota maior de

Page 14: Monogafia Eliete pedagogia 2011

13

perfeição; e é este ato de lembrar que a memória produz. Souza (2006) considera

como um processo de recuperação do eu, que envolve a própria memória, o tempo

e o esquecimento a partir do que cada um viveu e vive, sua maneira de fazer as

escolhas, de situar suas pertenças, interesses e aspirações, de contemplar suas

subjetividades, suas recordações, referencias acontecimentos simbólicos na vida

(p.22).

A esse respeito Freire (1983) afirma que:

(...) o homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser em busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. (...) (p.27)

Reforçando estas idéias vale acrescentar que, para recordar as histórias de

vida é necessário manter pelo menos alguns elementos essenciais guardados na

memória: os fatos, as pessoas e as coisas que fizeram parte desse acontecimento,

elementos esses, que a partir do grau de sensibilidade do indivíduo se torna possível

ou não, o resgate da lembrança; o que se confirma na palavra de Garcia (2003):

O processo de tessitura das lembranças é tramado pela utilização da sensibilidade da memória, através da linguagem e dos sentidos, que cada sujeito atribui aos fatos e acontecimentos vividos em sua trajetória pessoal-social, o que torna a experiência comunicável. (p.103)

Observamos que no convívio social o ser humano vivência experiências

consideradas imprescindíveis para o seu desenvolvimento, entretanto mesmo dentro

do coletivo cada ser tem em si especificidades que permite uma interação com o

outro e consigo mesmo, porém dar vida a essas experiências é narrar a vida, é

reinventá-la. É produzir novos sentidos, é atualizar, em novo contexto, as marcas

inscritas em nosso corpo, em nossa história. (GARCIA, 2003, p.112).

Compreendemos que para se tornar possível esse reencontro com a

história, precisamos nos debruçar sobre o passado na sua totalidade analisando

aspectos que julgamos importantes para serem contados. Em Souza (2006...) apud

Sachacter, “A experiência subjetiva da memória é o que nos permite interligar as

nossas lembranças umas as outras e avaliar o seu significado na nossa vida.”

Page 15: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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Portanto, ao fazermos uma narrativa (auto) biográfica temos a oportunidade

de lembrar e recontar as experiências vivenciadas, lembranças essas de grande

significado, que nascem com a própria história de vida. Buscando um encontro em

que se descortinam as sutilezas que mobilizaram diferentes campos na construção

da identidade e em vários momentos atribuindo significados às reminiscências da

minha trajetória de vida, ou seja, um reencontro comigo mesma. Como nos diz

Souza (2006):

A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido às experiências como uma estranheza de si permite ao sujeito interpretar suas recordações em duas dimensões. Primeiro, como uma etapa vinculada à formação a partir da singularidade de cada história de vida e, segundo, como um processo de conhecimento sobre si que a narrativa favorece. O processo de formação e de conhecimento possibilita ao sujeito questionar-se sobre os saberes de si a partir do saber-ser – mergulho interior e o conhecimento de si – e o saber-fazer-pensar sobre o que a vida lhe ensinou. (p. 62)

Através da narrativa, os sujeitos conseguem expor seus anseios, revelando

assim o sentido da vida isso é possível porque temos guardado na memória, fatos,

pessoas, recordações até então privadas que por decisão própria tornam-se

públicas ao ser desveladas potencialidades, atitudes e valores que orientavam

escolhas, nos diversos campos da vida humana como pessoal, educacional,

profissional, emocional e espiritual assim como bem nos explica Souza (2006):

A escrita da narrativa, como uma atividade metarreflexivo, mobiliza no sujeito uma tomada de consciência, por emergir do conhecimento de si e das dimensões intuitivas, pessoais, sociais, e políticas impostas pelo mergulho interior, remetendo-o a constantes desafios em relação às suas experiências e às posições tomadas. Diversos questionamentos surgem na tensão dialética entre o pensamento, a memória e a escrita, os quais estão relacionados à arte de evocar, ao sentido estabelecido e à investigação sobre si mesmo, construídos pelo sujeito, para ampliar o seu processo de conhecimento e de formação a partir das experiências. (p. 101)

Quando refazemos o percurso trilhado nos espaços vivenciados é possível

compreender o contexto e os sentidos desse caminho, entretanto é importante

lembrar que essa vivência não se deu de forma solitária e individual. Tudo aconteceu

e acontece em um ou vários contextos sociais. Nesse enfoque, Souza (2006) apud

Halbwachs (1990) comenta que a memória se estrutura em identidades de grupo:

recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como

membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função da comunidade

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15

da fábrica ou do escritório.

Mesmo assim com todo esse convívio social o contexto das narrativas

autobiográficas é perpassado por singularidade, são muitos os significados

encontrados no processo de busca de si. Nessa perspectiva Josso (2004) ressalta

que:

(...) a busca de si é inseparável de uma relação com outrem, mesmo quando, durante um tempo, se privilegia uma exploração de si, em relação a si mesmo, a partir de autopercepções e de auto-observações, sustentadas ou não, por um quadro terapêutico ou de desenvolvimento pessoal.

Essa perspectiva de pesquisa é um processo de redescoberta, é uma

espécie de desmascaramento das facetas que constituem o percurso daquele que

conta sua história. Ou melhor, a pessoa pesquisa e é ao mesmo tempo pesquisada,

possibilitando uma análise mais precisa do objeto pesquisado. Como ressalta Pérez

(2003, p. 100) narrativa nos permite conhecer e analisar (...) “histórias que não nos

falam de fatos, mas de acontecimentos, que não se constituem em documentos,

mas em signos, que não nos apresentam argumentos, mas sentidos.”

Portanto, é através da memória autobiográfica que nos lembramos do nosso

próprio passado, temos a capacidade de relembrar eventos pessoais que foram

retidos, recuperados para assim poderem ser relatados. Nesse sentido Souza (2006,

p. 103) diz o seguinte: “O sentido da recordação é pertinente e particular ao sujeito,

o qual implica-se com o significado atribuído às experiências e ao conhecimento de

si, narrando aprendizagens experienciais e formativas daquilo que ficou na sua

memória.”

2. A infância e suas várias concepções de século a século

Recorrendo a definição da palavra infância, buscamos no dicionário da

língua portuguesa, subsídios para tal. Em Gama (2001), encontramos que a infância

é a idade da meninice, período do crescimento que precede a puberdade, e para

infantil a definição de relativo à criança, ingênuo, inocente. Atrelado a isso,

encontramos que a palavra infância é originária do latim, significando, portanto, a

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16

incapacidade de falar, carregando consigo o estigma de incompletude, como nos fala

Lajolo (2001):

Enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em relação àquele que a nomeia. A palavra ‘‘infante’’, infância e os demais cognatos, em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem um campo semântico estritamente ligado a idéia de ausência da fala, essa noção de infância como qualidade ou estudo do ‘’infant, isto é, ‘’d’quele que não fala’’, constrói-se a partir de pré-fixos e radicais lingüísticos que compõem a palavra: in r prefixo que indica negação; fanti = particípio presente do verbo latino fari, que significa falar, dizer. (p. 229)

Partindo de tais definições, percebemos que os conceitos de infância bem

como de infantil estão associados à idéia de ingenuidade, pureza e inocência. Na

busca de uma conceituação sobre a criança/infância ao longo da historiografia

humana, tomamos de Carvalho, (2003), uma afirmativa ’’ A infância existe desde os

primeiros tempos da humanidade, mas a sua percepção dotada de representações

só é sentida a partir do século XVI e XVII’’ (p.47). O que significa dizer que a infância

somente começa a ser percebida com a chegada do Iluminismo.

A aparição da infância ocorre em torno do século XIII e XIX, mas o sinal de

sua evolução torna-se clara e evidente no continente europeu nos séculos XVI e

XVII, no momento em que a estrutura social vigente provocou uma alteração nos

sentimentos e nas relações frente à criança.

Percebemos diante disso que a criança neste período não tinha lugar de

destaque na sociedade nem na família, suas particularidades não eram levadas em

consideração, e o que realmente as diferenciavam dos adultos era apenas a força

física, e assim que adquiriam certa independência, por mínima que fosse, era

conduzida aos costumes e práticas do mundo adulto.

A infância nesta época tinha uma duração mínima, que se restringia a

fragilidade física, mas ao conseguir alguma independência, a criança era conduzida

ao convívio adulto, fazendo parte do seu mundo, mas é fácil concluir que não estava

preparada para tanto. Segundo Áries, (1956) a passagem que elucida este

Page 18: Monogafia Eliete pedagogia 2011

17

entendimento: ‘’de criancinha pequena ela se transforma imediatamente em homem

jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem praticadas antes

da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades evoluídas de

hoje. ’’(p.9-10).

Sendo assim, não havia separação entre as funções exercidas pelos adultos

e crianças. No contexto das grandes navegações, por exemplo, para conquistar

novas terras, as crianças eram obrigadas a trabalhar e a se comportar como adultos,

como nos aponta RAMOS (2001):

Em uma época em que meninas de 15 anos eram consideradas aptas para casar, e meninos de 09 anos plenamente capacitados para o trabalho pesado, o cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas eram extremamente penosa para os pequeninos. Os meninos não eram ainda homens, mas eram tratados como se fossem, e ao mesmo tempo eram considerados como pouco mais que animas cuja mão-de-obra deveria ser explorada enquanto durasse sua vida útil. As meninas de 12 a 16 anos não eram ainda mulheres, mas em idade consideradas casadoura pela Igreja Católica, eram caçadas e cobiçadas como se o fossem. Em meio ao mundo adulto, o universo infantil não tinha espaço: as crianças eram obrigadas a se adaptar ou perecer. (p. 48)

O conceito de infância é muito dinâmico, e ao longo do tempo vem se

modificando. A partir do século XVII, a criança passa a ter certo espaço na

sociedade, sendo que antes disso era enxergada como uma miniatura de adulto.

Nesse período, descobertas científicas fazem com que a criança pouco a pouco seja

concebida como um sujeito frágil, indefeso que requer uma atenção maior. Eis que

surge neste contexto a escola, como entidade que ajudará nesta formação, como

nos explicitam Fontana; Cruz, (1986), “À escola coadjuvante desta formação cabia a

responsabilidade pelo desenvolvimento de habilidades de leitura e aritmética, além

de reforçar os ensinamentos religiosos e morais transmitidos pelos pais’’.

Sobre este momento do advento da escola atrelada ao novo sentimento do

adulto para com as crianças, que implicará em um cuidado maior, Áries, (1981)

emite o seguinte pensamento:

Page 19: Monogafia Eliete pedagogia 2011

18

A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida á distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estende até nossos dias e ao qual se dá o nome de escolarização. (p.11)

Áries (1981) vem fortalecer as discussões acerca das transformações pelas

quais passam a visão da infância neste período histórico. A infância é baseada num

intenso sentimento de afeto e aceitação. Passa a ser valorizada e “paparicada’’

desde o nascimento e passa a ser observada, despertando o interesse de

educadores e moralistas. Nasce aí outro sentimento de infância assinalado pelo

interesse psicológico do mundo infantil e pela preocupação com o desenvolvimento

moral da criança:

O primeiro sentimento de infância - caracterizado pela paparicação surgiu no seio familiar na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI e de um maior número de moralistas do século XVII preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes.

Esses moralistas haviam se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento, por sua vez, passou para a vida familiar. (p. 163-164)

Segundo nos relata Áries (1981), a partir do século XVIII a criança torna-se

especial no seio da família e a ela é dispensada uma atenção especial, despertando

assim um sentimento mais fraterno por parte dos pais.

3. História de vida e formação: um ato de formar e de formar-se na e para a

vida

“Contar é tão dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. “Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balance, de se reme xerem dos lugares.” (Guimarães Rosa) )

Estudar história, sempre me causou expectativa, rever todas aquelas datas, e

acontecimentos, história essa contada por alguém que não se sabe ao certo se é

Page 20: Monogafia Eliete pedagogia 2011

19

verídica ou não, agora me vejo aqui tentando contar a minha própria história, e

refletir sobre as experiências vividas, o que será que vão dizer da minha história de

vida?Até porque vou contar algo que ninguém contou. Narrar a vida, escrever sua

autobiografia é, do ponto de vista da formação, um exercício de autotransformação

(Garcia, 2003. p.103)

A esse respeito Moita (1992) afirma o seguinte:

Só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma. Só uma história de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com o seu contexto. Numa história de vida podem identificar-se as continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as “transferências” de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços quotidianos. (p. 117)

A vontade de analisar a minha história de vida e formação é que me colocou

aqui. Sei que muitas foram as influências existentes, as experiências vivenciadas, os

questionamentos, as angústias, as frustrações, mas também as vitórias. Esse

recontar me remete a percorrer caminhos outrora já percorridos. Como coloca Souza

(2006. p. 150) “a narrativa autobiográfica contem a totalidade de uma experiência de

vida”.

Assim por meio da história de vida podemos fazer uma reflexão mais precisa

da experiência da nossa formação, isto porque esta também faz parte da nossa

trajetória.

As experiências, de que falam as recordações-referências constitutivas das narrativas de formação, contam não o que a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da vida. (Josso, 2004. p. 43).

Podemos dizer que essa experiência além de ser importante para o acúmulo

de informações, ela também constitui, transforma se em subjetividade

Escrever sobre o processo de sua formação parece aos olhos de quem jamais o fez, uma tarefa fácil. Mas fixar na escrita o que se tenta pegar no ar, o que foge e escapa a cada tentativa é um trabalho ao mesmo tempo laborioso, sedutor e consideravelmente formador. (Passegi,2008 p.36)

Page 21: Monogafia Eliete pedagogia 2011

20

Principalmente porque colocando o sujeito em contato com suas

experiências construídas ao longo da vida através de registros oral ou escrito de

suas vivências no cotidiano pessoal e ou profissional o mesmo se tornará

possibilitado, enquanto autor e ator de sua própria história, a eleger aprendizagens

significadoras e significá-las, como bem afirma Josso (2002) a favor do seu processo

de formação na e para a vida.

Page 22: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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CAPÍTULO II

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 Abordagem Biográfica

Quando me reportei ao caminho da história de vida, optei por falar sobre o

processo de vida e formação. Então decidi em consenso com minha orientadora,

voltar o olhar para mim mesma enquanto pessoa, visto que estou no caminho da

formação. Acredito ser de extrema relevância desenvolver o estudo com base nos

pressupostos que permeiam a história de vida e formação, partindo da perspectiva

(auto) biográfica.

Sendo assim, me declaro como sujeito desse estudo, tendo como objeto a

minha história de vida e formação, assumindo a condição de pessoa que investiga e

que é investigada, infere e busca respostas por intermédio do caminho científico,

vislumbrando o epicentro do problema que permeia a investigação rigorosa exigida

no entorno acadêmico. Como afirma Souza (2006, p. 4) “(...) o sujeito toma

consciência de si e de suas aprendizagens experienciais quando vive,

simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história.”

2.2 Instrumentos utilizados no estudo

2.2.1 A Narrativa

Para o desenvolvimento do presente trabalho utilizamos à narrativa. A

narrativa foi dividida em três partes: infância, adolescência, fase adulta e atual, cada

fase foi subdividida em vivencias pessoais, sociais e profissionais.

1. A infância, o período que proporciona à criança a descoberta do mundo e das

pessoas, o primeiro contato com a escola e com novas amizades.

2. A adolescência, uma transição entre a infância e início da fase adulta, período

de insegurança em que o indivíduo começa a organizar o seu universo, o

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22

surgimento das primeiras paixões e a necessidade de independência se

acentua, as escolhas, o avanço nos estudos e o sonho da formatura.

3. A fase adulta, o indivíduo demonstra maior estabilidade, onde surgem as

primeiras experiências profissionais, e foi nesse período que tive a minha primeira

experiência como professora, onde também passei no vestibular, realizei o meu

maior sonho que foi o de ser mãe.

2.2.2 As fontes

2.2.3 Fontes orais:

Figura 01: Eliete Fagundes de Jesus (1983): Acerv o de Eliete 2.2.4 Identificação da entrevistada

Sou Eliete Fagundes de Jesus, negra, tenho 27 anos de idade nasci no dia

14 de setembro de 1983, na cidade de Senhor do Bonfim, Bahia. Sou a quarta em

uma família de seis irmãos, sou filha de Dejanira Fagundes de Jesus e de Evanio de

Jesus, sou casada, tenho um filho do sexo masculino, sou adventista do sétimo dia,

Page 24: Monogafia Eliete pedagogia 2011

23

estou concluindo o terceiro grau (curso de pedagogia), sou professora e auxiliar de

serviços gerais.

2.2.5 Fontes escritas:

Para fundamentar este trabalho buscamos alguns autores que nos deram

sustentação na construção dos conceitos chave:

ÁRIES, (1981). No livro “Historia Social da infância e da família” Philippe

Áries pontua os diversos conceitos de infância em relação à criança ao longo dos

tempos, de geração a geração.

Até o final da Idade Média, a criança era vista como um pequeno adulto;

somente na transição dos séculos XVII para o XVIII, um novo conceito se

estabeleceu e a criança passou a ser considerada como um ser ingênuo e frágil,

portanto, merecedora de cuidados e mimos.

Na modernidade, a educação proporcionou à criança o desfrute do seu real

espaço na sociedade através do direito de ter infância.

FREIRE, (1983). Em “Educação e Mudança” temos a oportunidade de uma

leitura interessante que nos leva a compreender a nossa incompletude; daí a

necessidade de educarmo-nos para alcançarmos a perfeição.

Este livro fala-nos sobre a importância da esperança na educação, pois

através dela haverá mudanças. O autor faz referência à responsabilidade do

profissional de educação perante a sociedade, no desenvolvimento de atividades e

compromissos em colaborar com um processo de transformação. Assinala também

que a educação tem como elemento fundamental, como seu sujeito, o homem que

busca, por meio dela, a superação de suas imperfeições.

JOSSO, (2004). A partir da leitura do livro “Experiências de Vida e

Formação” de Marie-Christine Josso obtive contribuições teóricas, como também,

reflexões importantes à elaboração deste trabalho monográfico.

Josso apresenta neste livro a possibilidade do uso da metodologia das

Page 25: Monogafia Eliete pedagogia 2011

24

histórias de vida ao tempo em que nos dá um excelente retrato das razões e usos

das abordagens autobiográficas que permitem a cada um de nós “caminhar para si”

reavaliando os conhecimentos adquiridos ao longo da vida e socializando-se com o

desconhecido na busca de novos saberes.

SOUZA, (2008) Em “Histórias de vida, escrita de si e abordagem

experiencial” Elizeu Clementino de Souza evidencia as historias de vida como

processo de conhecimento e de formação, considerando a abordagem biográfica

pertinente quando vista como um meio de investigação e um instrumento

pedagógico.

Figura 02: mapa do Distrito de Tijuaçu

2.3 O Local do estudo ou de onde estou falando: o m eu lugar de nascimento e moradia

Tijuaçu é um distrito pertencente ao município de Senhor do Bonfim, que fica

localizado no Piemonte Norte do Itapicuru, Noroeste do Estado da Bahia, situado ás

Page 26: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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margens da BR 407, com uma população estimada em 6.000 habitantes.

A sua história teve início com a chegada de três mulheres negras que vieram

fugidas de senzalas perto de Salvador, duas destas mulheres não temos notícias,

apenas uma delas Maria Rodrigues mais conhecida por Mariinha Rodrigues

depositou aqui suas esperanças à beira de um lago embaixo de uma montanha

onde iniciou toda nossa história.

... Há cerca de 200 anos atrás três mulheres negras, escravas, fugitivas de uma senzala do litoral baiano, depois de uma longa e muito desgastante caminhada chegaram à beira de um pequeno lago, onde pararam para descansar. (...) Diante dos seus olhos tiveram a preciosa água e uma terra fértil para plantar. Ao redor havia um mato cheio de plantas e animais. Entretanto, as duas das três mulheres sumiram no esquecimento do tempo e só uma, Maria Rodrigues, popularmente chamada Mariinha Rodrigues, tornou-se uma parte da memória do povo de Tijuaçu, a grande mãe de muitos deles... MACHADO (2005) p.(21)

Miranda (2009) acrescenta que:

“... A localidade de Tijuaçu teve início quando três escravas que estavam fugindo do cativeiro passaram a viver em Tijuaçu. Apenas uma permaneceu, que foi Maria Rodrigues. A partir daí, toda história relatada pelos depoentes tem como protagonista essa ex-escarvizada, que constituiu família, criando laços de parentesco e solidariedade no referido território. ( p. 34)

Mariinha Rodrigues segundo relatos dos mais velhos era uma mulher forte e

inteligente, e para assegurar a posse de suas terras estrategicamente, colocou um

dos seus filhos para morar nas localidades ao redor de Tijuaçu, visando assim ao

domínio das terras.

“Mariinha Rodrigues “uma negra fugida”, a desbravadora do território, que residia no Alto Bonito e que, estrategicamente, povoou as terras de Tijuaçu, pondo em cada localidade um filho, com o objetivo de tomar posse dessas terras, pelo uso de ocupação.” Miranda (2009) p.(33)

Por ter sido fundada por negros, a população de Tijuaçu é composta em sua

maioria por negros, pessoas que durante muito tempo vêm lutando pelo resgate de

sua história e pelo reconhecimento como comunidade quilombola, o que veio

acontecer em 2000, reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares como

comunidade remanescente de quilombo. Como nos afirma Machado (2005):

Page 27: Monogafia Eliete pedagogia 2011

26

...Só no ano de 2000 um outro antropólogo, Osvaldo Martins de Oliveira, junto com algumas pessoas das comunidades e com ajuda de agentes comunitários, visitou todas as comunidades, fez entrevistas com a população, elaborou o laudo e no dia 08 de fevereiro de 2000 viajou para Vitória/ES . Já no dia 20 de fevereiro enviou o laudo e no dia 28 de fevereiro de 2000 no Diário Oficial da União o Governo Federal reconheceu Tijuaçu como uma terra remanescente de quilombola. (p. 29-30)

E Miranda complementa:

“... Em 18 de fevereiro de 2000, o antropólogo da Fundação Cultural Palmares, Osvaldo Martins de Oliveira, concluiu o Relatório de Identificação da Comunidade Negra de Tijuaçu, sendo Tijuaçu reconhecido como território remanescente de quilombo, através de Ato publicado no Diário Oficial da União de 28 de fevereiro de 2000.” p. (62)

Após o reconhecimento, a realidade de nossa comunidade mudou: podemos

andar de cabeça erguida e temos orgulho de ser negros. Além do mais, somos o

terceiro maior distrito de Senhor do Bonfim, temos uma população composta por

mais ou menos 6.000 habitantes e aproximadamente 1.300 famílias. A economia é

basicamente proveniente da agricultura, aposentados funcionários públicos e

vendedores informais que, entre outras coisas, comercializam o tradicional acarajé e

o milho assado.

Figura 03: Vista da Praça principal de Tijuaçu: Acervo Eliete

O padroeiro de Tijuaçu é São Benedito, um santo negro que é festejado na

comunidade no dia primeiro de novembro com festejos religiosos em que temos

Page 28: Monogafia Eliete pedagogia 2011

27

novenas missas e batizados, e algumas manifestações culturais como o tradicional e

animado samba de lata, dança do parentesco, dança do corta cana e dança - afro. A

festa profana conta com apresentação de bandas musicais, desfiles de blocos e as

apresentações culturais da comunidade.

Tijuaçu conta com duas escolas públicas municipais de médio porte, um

anexo de uma escola estadual, um mini-hospital (PSF), posto policial, um, Centro de

Referência de Assistência Social – (CRAS QUILOMBOLA), uma igreja católica, três

igrejas evangélicas, um centro cultural, casas comerciais, dois cemitérios, bares,

lanchonetes, um restaurante e três associações: Associação de Moradores,

Associação de Desenvolvimento Comunitário de Tijuaçu e Associação Agro-Pastoril

Quilombola de Tijuaçu e Adjacências, esta última após ter sido fundada deu um novo

rumo a nossa comunidade, trazendo muitos benefícios. “A Associação Quilombola

tem conquistado espaço enquanto órgão representativo, procurando atender às

reinvidicações da comunidade e defendendo os direitos desses remanescentes”

(Miranda, 2009, p.59).

Page 29: Monogafia Eliete pedagogia 2011

28

CAPÍTULO III

3. CONTANDO A MINHA HISTÓRIA

3.1 A INFÂNCIA: a descoberta do mundo e das pessoas , o primeiro contato

com a escola e com novas amizades.

3.1.1 Uma infância entre doenças e trabalho

Sou Eliete Fagundes de Jesus, filha de Dejanira Fagundes de Jesus e de

Evanio de Jesus. Nasci em uma família pobre, no dia 14 de setembro de 1983,

tenho muito que aprender. Sou a 4ª filha de uma família de seis irmãos (uma veio de

uma relação extraconjugal de meu pai), mas que mora com a gente.

Quando nasci era muito doente, mainha conta que só vivia no médico ou nos

rezadores locais. Certa vez, diz ela que eu estava mal e então ela me levou para

Senhor do Bonfim para um médico me consultar, ele ficou com tanta pena de mim,

que pediu a ela que me entregasse para ele cuidar de mim e me criar, achando que

eu não sobreviveria, mas, ela disse que não, ficaria comigo mesmo correndo esse

risco e ele se dispôs a cuidar mesmo assim. Ela sempre me levava para ele me

examinar foi então que ela lhe pediu para ser meu padrinho de batismo, graças a

Deus fiquei curada.

A Minha Infância não foi fácil, minha mãe ia trabalhar na roça ou vender

milho em Senhor do Bonfim, nós ficávamos em casa, meus irmãos mais velhos

tomavam conta da gente. Mainha saía de madrugada e chegava à noite motivo pelo

qual por muito tempo chamei minha irmã mais velha de mãe.

3.1.2 Três bolachões e alguns restos de brinquedos venciam a tristeza do não

ter, e ocupavam o seu lugar...

Page 30: Monogafia Eliete pedagogia 2011

29

Em casa, cada um tinha sua tarefa, as meninas cuidavam da pequena casa

com dois quartos sala e cozinha e meu irmão fazia e dividia a comida, minha outra

irmã cuidava dos menores, quando mainha saía deixava o dinheiro para

comprarmos bolachão em seu Zé do bar (in memorian), como era conhecido o

velhinho da venda. Meus irmãos compravam três unidades de bolachões, que eram

divididos da seguinte maneira: meu irmão mais velho comia um e os outros dois

eram repartidos por nós quatro. Meio dia, se tivesse feijão, arroz, farinha e a mistura

quando tinha, mainha dizia para os três maiores comerem só com a farinha, e eu e

minha irmã mais nova comíamos com arroz.

Não tinha brinquedo para brincarmos aí catávamos alguma coisa que

encontrávamos no lixo que alguém jogava fora, para brincarmos, à noite

brincávamos de bicho (pega-pega), tarefa, sete pedra, cuscuz, macaco (

amarelinha), salada mista etc.

3.1.3 Uma chuva forte: a casa caiu...

Eu era muito pequena, mas consigo lembrar de uma chuva que deu aqui na

região em que encheu muitos tanques e o açude onde pegávamos água e

lavávamos roupas. Uma senhora chamada dona Raimunda morreu na hora da

chuva, pois como foi muito forte, na época disseram que ela morreu com medo dos

trovões.

A nossa casinha de taipa (pau a pique), que ficava vizinho a um córrego

enorme que chamávamos de barroca, infelizmente não resistiu à forte chuva e caiu,

graças a Deus, não fomos atingidos, mainha saiu desesperada em busca de ajuda e

só quando amanheceu o dia foi que nós percebemos que estávamos sem teto e com

a ajuda de alguns parentes e amigos conseguimos salvar o pouco que nos restou e

nos mudamos temporariamente para uma outra casa.

Sem casa e sem dinheiro, o que fazer? Meu irmão tinha uma porca, mainha

Page 31: Monogafia Eliete pedagogia 2011

30

vendeu-a e conseguiu pagar a alguém para tirar varas no mato, e assim

conseguimos reerguer a nossa casa. Todos reclamavam porque morávamos em um

local tão perigoso, mas era o único que tínhamos, mainha sempre foi muito

batalhadora e com a ajuda de Deus conseguiu juntar o dinheiro necessário para

novamente fazer a casa de taipa ( pau a pique), com chão batido.

Como estávamos crescendo, a casinha com dois cômodos estava ficando

pequena, depois de algum tempo é que ela conseguiu pagar para bater adobes e

fazer uma cozinha e um quarto para meu irmão; não tínhamos sanitário, o banheiro

era de palha de licurizeiro e só servia para tomar banho, o que era um sufoco.

3.1.4 Uma estratégia para conseguir ajudar em casa, trabalhar e estudar

À medida que fomos crescendo íamos ajudando mainha no que podíamos

sem que prejudicassem os estudos, o sistema funcionava assim: quem estudasse

em um turno, iria no turno oposto para a roça, para Bonfim vender milho ou para a

casa de alguém fazer algum trabalho doméstico, a fim de contribuirmos com as

despesas da casa; também catávamos ossos, mamona ou alumínio, material que

era vendido ao seu Zé do bar, local onde também trabalhávamos. Nossa vida era

muito corrida, tínhamos que buscar lenha, água nos tanques, cuidar da casa, cuidar

uns dos outros e ainda ajudar mainha. Uma pergunta sempre me vinha a cabeça:

onde estaria o nosso pai? Eu tinha pouca lembrança dele, assim como sentia muita

vontade de revê-lo.

3.1.5 Ir à escola... Ou aquilo que eu não tive quer o dar a vocês...

Mainha sempre priorizou o estudo, ela dizia: “aquilo que eu não tive, quero

dar a vocês, por isso, estudem”, mas não era fácil manter cinco filhos na escola,

numa época em que todos os materiais escolares teriam que ser comprados pelos

pais, mesmo assim, ela fazia questão e mesmo comprando o material aos poucos,

muitas pessoas diziam: “tira a metade desses meninos da escola pra te ajudar, que

Page 32: Monogafia Eliete pedagogia 2011

31

tu não agüenta sozinha”, mas graças a Deus ela não dava ouvidos a estas

interferências.

Quando íamos para escola, lá em casa parecia um campo de concentração,

pois todos os meninos da vizinhança vinham para que fossemos juntos, não

podíamos perder um só dia, muitas das vezes íamos sem tomar café ou sem

almoçar, então, a hora da merenda era uma alegria. Nunca reclamávamos da

comida, como muitos dos colegas faziam, pois além de derramar a merenda,

ficavam dizendo bobagens às merendeiras.

Lembro-me da sopa deliciosa de dona Margarida, do arroz com sardinha,

das almôndegas... pois tínhamos que comprar o pão para comer com as

almôndegas, mas nem sempre mainha podia deixar o dinheiro para todos, aí

comíamos as almôndegas puras mesmo, sem o pão. Uma vez um aluno estava com

uma moeda para comprar o pão - é que o rapaz da padaria ia vender na escola

coitado do menino, engoliu a moeda. Foi um sufoco, precisou levá-lo para o hospital

e, graças a Deus conseguiram tirar.

3.1.6 Primeiras experiências escolares... Classe mu ltisseriada, motivo pelo

qual aprendi a ler muito cedo

Meus primeiros anos escolares foram em classes multisseriadas, acredito ter

sido este o motivo pelo qual aprendi a ler muito cedo, gostava tanto de ler que lia

tudo que vinha pela frente, sentia uma enorme sensação de liberdade, mainha dizia:

“papagaio quando aprende ler sabe a cartilha toda, mas não sabe o A B C”.

No ano de 1991 com sete anos já estava na 1ª série; em Tijuaçu as aulas

aconteciam de terça à sexta-feira, porque na segunda-feira era o dia em se realizava

a feira livre: Nesse dia, mainha fazia um bico como tratadeira de fato de boi, nós

íamos para feira pedir verdura e carne para fazermos a brincadeira do guisado

juntamente com os colegas da rua, era uma alegria, era também uma maneira de

Page 33: Monogafia Eliete pedagogia 2011

32

amenizarmos o sofrimento.

3.1.7 Os professores, leigos e dedicados

Apesar de ficarmos sozinhos em casa, ninguém ousava desobedecer a uma

ordem dada por mainha, dificilmente perdíamos um dia de aula, só mesmo por

alguma necessidade. Os professores na sua maioria eram leigos, mas, muito

dedicados. Minha professora da 1ª série chamava-se Tereza, ela era muito paciente,

todos gostávamos dela, eu tinha sete anos e como já sabia ler não sentia muita

dificuldade de pegar as matérias, no final do ano ela fez um passeio para uma roça,

mainha não me deixou ir, fiquei muito triste, mas eu sabia que ela só queria o melhor

para mim, pois no local tinha um tanque onde os meninos iam tomar banho, e como

eu por duas vezes tinha me afogado em um tanque onde lavávamos roupas, ela

ficou receosa em me deixar ir. Os alunos gostaram do passeio e nada de ruim

aconteceu. Esta professora hoje é aposentada e continua morando em Tijuaçu, pela

qual tenho muito respeito.

Nesta época passei por mais um problema de saúde e novamente

dependendo de cuidados médicos mainha me levou para o meu padrinho me

examinar, ele passou alguns exames e foi detectado que eu estava com uma

infecção urinária sofri muito, mas graças a Deus fiquei curada. Com quase oito anos

fui batizada, mas, no dia meu padrinho não pode vir, pois estava de plantão e o filho

dele me batizou, foi quando ganhei meu primeiro brinquedo era um kit contendo um

secador, um espelho, um pente, pó e escova, como ninguém sabia o que era um

secador, um dos meninos que estava presente falou que era um revólver de

brinquedo.

O ano letivo chegou ao final, e fui aprovada para a 2ª série, em 1992 já na 2ª

série, a turma continuou praticamente a mesma, fui cada vez mais me aproximando

dos amigos, tive ainda a feliz oportunidade de conhecer a professora Zilda a qual

carinhosamente chamávamos de Zildinha. Era jovem, paciente, e muito dedicada.

Page 34: Monogafia Eliete pedagogia 2011

33

Mostrava que gostava de ensinar, íamos para a escola com prazer pois lá tínhamos

a certeza que éramos bem vindos; os prédios escolares não tinha muros nem

portões, mesmo assim não saía da escola, pois tinha o objetivo de estudar e me

formar, não pretendia desistir e temia receber reclamação em casa.

3.1.8 Nem bem professora e já fora despedida...

Como já sabia ler, a vizinha me colocava para ensinar as filhas dela. Ela era

muito severa com as meninas e não as deixava sair de casa para brincar fora. Um

dia eu fui ensinar uma lição que tinha na cartilha e tinha como título a palavra Gilete.

Como já entendia a pronúncia das letras comecei ensinando da seguinte maneira:

“vamos soletrar, gi-le-te”, a mãe das meninas quando viu aquilo ficou brava, pois

achava que eu estava ensinando errado. Ela disse que o certo era “gi-ji-le-te”, no

entendimento dela se pronunciava daquela maneira e foi uma confusão: me acusou

de não querer ensinar direito a fim de que as filhas dela não aprendessem e me

dispensou das aulas.

O futuro escolar das meninas não foi muito bom a mais velha desistiu muito

cedo de estudar e a mais nova infelizmente faleceu de repente vítima de meningite.

Me entristeci muito, pois éramos muito amigas, fiquei abalada, pois não entendia

muito destes assuntos de “adulto”, achava que a qualquer momento ela voltaria com

aquela alegria de sempre.

3.1.9 Em meio às dificuldades uma profecia

Em uma visita à minha madrinha, ela me deu uma blusa que tinha uma linda

pintura, ela é artista plástica, nesta pintura tinha escrito o meu nome, e o meu

padrinho pediu para eu ler o que estava escrito, e eu li “Eliete”, então ele disse:

professora Eliete, será que ele estava profetizando?

Page 35: Monogafia Eliete pedagogia 2011

34

Sabendo que mainha não poderia comprar outro caderno caso um acabasse

eu escrevia as letras bem pequenas e nas entrelinhas para economizar, era tão

pequena que só eu mesma conseguia entender, procurava sempre fazer a lição de

casa cedo antes de escurecer, pois lá em casa ainda não tinha energia elétrica e

estudar com o candeeiro era ruim, além do mais à noite todo mundo saía de casa ou

para brincar na rua ou para assistir as novelas na casa de alguém.

Na escola, na hora do recreio, gostava muito de brincar com os colegas,

mas na sala de aula não dizia uma só palavra era muito tímida. Certa vez, teve uma

campanha de vacinação que me marcou muito, fomos eu, minhas irmãs e minhas

primas para o posto de saúde em Tijuaçu para nos vacinarmos, chegando lá

soubemos que quem se vacinasse ganharia um gibi, só que como eu era pequena

tinha apenas 08 anos, a moça achando que eu não sabia ler não me deu a

revistinha, e todas as meninas disseram para ela que eu sabia ler, logo ela falou:

“então leia para eu ver se você sabe”. Na minha mente de criança eu não me achava

na obrigação de provar para ela que eu sabia ler, então, eu não li, além disso, havia

a questão da timidez, o que me deixava envergonhada.

A moça não me deu a revista e eu voltei para casa triste, minha prima, só

porque era maior, ganhou e nem sabia ler ainda e eu não ganhei, e isso ficou na

minha mente por muito tempo, porque aquela moça não acreditou na minha

palavra? Ela nem trabalhava lá, estava apenas ajudando a mãe dela, daí então

tomei um trauma de vacina que só ia ao posto para vacinação quando era obrigada.

Ao final do ano letivo a professora fez um amigo secreto, todos estavam

ansiosos para ver que presente ganharia, o embrulho da professora era lindo o que

causou curiosidade em toda a sala, só que apenas uma pessoa ganharia e esta

pessoa fui eu, ganhei uma linda blusa da “família Dinossauros” uma série de TV que

estava passando na época, gostei muito da blusa e a usei por muito tempo. Passei

para a 3ª série, nas férias aproveitava para ir para a roça onde morava nossa avó.

Íamos quase todos os dias era muito divertido, pois lá moravam alguns primos

nossos e brincávamos e trabalhávamos bastante também.

Page 36: Monogafia Eliete pedagogia 2011

35

3.1.10 Estratégia de convivência: um aluno passivo para uma professora

“durona”

Na 3ª série, com 09 anos, a turma era praticamente a mesma, mas com

alguns alunos novos. A professora não era muito aceita pela turma e ela também

não fazia questão de ser simpática, sempre muito séria, não puxava assunto que

não fosse referente às aulas. Não tenho lembrança de vê-la brincando ou em um

momento de descontração com toda a turma, apenas conversava com algumas

meninas, pois tinha alguns parentes aqui, mas ela era de Senhor do Bonfim, muitos

alunos a temiam, pois não era o primeiro ano que ensinava na comunidade e todo

mundo já sabia da fama dela de durona. Teve até uma menina que era muito

nervosa e não quis estudar com ela temendo ser reprovada, graças a Deus, não tive

nenhum problema, pois sempre ficava quieta no meu canto e fazia as tarefas o que

era considerado positivo, o aluno passivo que nunca reclama de nada e fazia tudo

sem questionar.

A essa altura já sabia resolver alguns cálculos matemáticos, mas não

dominava a divisão, neste ano me tornei evangélica o que mudou completamente a

minha vida; meu pai resolveu aparecer depois de muito tempo fora. Eu praticamente

não me lembrava mais da fisionomia dele, fiquei muito feliz em revê-lo, ele bebia

muito o que nos deixava muito tristes, pois nos maltratava com xingamentos e

palavrões. Percebi, então, que a alegria se tornou em tristeza, já que o curto período

de tempo que passava em casa, a maior parte era bebendo, mainha sempre

aguentou tudo calada e nunca falava mal dele para nós.

Eu, muito sonhadora, sabia que um dia sairia daquela situação, o que me

fazia ver as coisas um pouco mais além do que a minha mente de criança conseguia

alcançar, com uma mentalidade um pouco avançada já pensava no futuro. Lá em

casa continuava o mesmo sufoco mainha sozinha para manter cinco filhos

estudando, em uma manhã antes de irmos para a escola meu irmão procurou a

caneta e não encontrou-situação comum para nós - então, ele resolveu parar de

estudar para ajudar mais mainha nas despesas. Ela ficou muito triste, pois ele

Page 37: Monogafia Eliete pedagogia 2011

36

sempre foi muito inteligente, sabia fazer conta como ninguém, cubava terra para

pessoas e já estava na 5ª série, mas foi uma decisão que ele tomou e ninguém pode

fazer nada. Eu e minhas irmãs continuamos estudando.

Brincávamos de escola eu e minhas amigas, em nossa “escolinha” tínhamos

de tudo, professora, diretora, merenda, quadro de giz, alunos, boletim escolar etc. eu

era a professora e a minha amiga Nadja era a diretora, a “escolinha” funcionava em

um depósito do pai dela, era muito divertido, nem todos os dias dava para fazer

merenda, pois cada aluno trazia um pouquinho de alguma coisa e nós fazíamos,

mas, nem sempre tínhamos.

Na escola regular, como a professora era contratada ameaçaram colocá-la

para fora. Isso gerou uma confusão entre os alunos, pois todos gostavam dela,

então ela nos levou até uma fazenda de um vereador, que fica aqui próximo, para

pedirmos a ele que não deixasse tirar a professora, ele prometeu que ela não sairia.

Tempos depois ele cumpriu o que prometeu: a professora não saiu e no final do ano

ela fez um amigo secreto na sala, como eu não tinha dinheiro, não queria participar

da brincadeira, com o incentivo da professora, eu trabalhei em seu Zé, ganhei um

real e levei para a escola, entreguei para professora comprar o presente.

3.1.11 Chega o tão sonhado ginásio

Quando cheguei a 5ª série no ano de 1995 levei um choque, pois estava

acostumada com apenas quatro disciplinas no currículo e agora teria 8 e professor

passava de um para vários. Confesso que tive um pouco de dificuldade

principalmente com matemática, pois como já disse não sabia resolver cálculos de

dividir . Já estudava com minha irmã mais velha, na turma tinha muitos alunos que já

eram casados e tinham filhos.

Nesta série tive uma experiência que considero uma das mais importantes

para a minha vida escolar e pessoal, entre os professores tinha um especial, o

professor Marcelo, morava na comunidade de Alto Bonito, era muito respeitado pelos

pais, pois tinha um método rígido, o que se constituía no desespero de muitos

Page 38: Monogafia Eliete pedagogia 2011

37

alunos, minhas irmãs mais velhas já tinham estudado com ele, mas eu era a primeira

vez...

O professor de geografia sugeriu uma das atividades para casa, pediu que

desenhássemos o mapa do Brasil com os estados e as capitais. No dia seguinte

entregamos as atividades. Muitos dos meus colegas pagaram para fazer. Eu como

não tinha como pagar, fiz e confesso que não ficou muito bom, mas, quando o

professor olhou os trabalhos tivemos uma surpresa, ele pegou o meu mapa e

perguntou de quem era, como eu era tímida fiquei quieta, aí ele me chamou, e eu

tremi toda, foi quando ele disse que aquele era realmente um trabalho, e segurando

a minha atividade disse que o importante era o esforço de cada um e não a beleza, e

mandou os demais alunos refazerem a atividade. Este momento para mim foi como

uma quebra de barreira, pois até então eu era muito calada, dificilmente expressava

minha opinião, e quando o professor Marcelo me mostrou que eu era capaz,

comecei a mudar, a participar das aulas, não mais temia “errar” pois aprendi que o

erro faz parte do processo de aprendizagem

3.2 A ADOLESCÊNCIA: a organização do meu universo, o surgimento das

primeiras paixões

A adolescência é uma fase meio confusa, via o tempo passar como um

foguete e eu sem querer me desgarrar da inocência de criança, mas tendo que me

acostumar com as responsabilidades de um “adulto”, tudo foi um pouco estranho no

começo, pois gostava muito de brincar apesar de não possuir brinquedos, pensava

que dava para parar o tempo e permanecer naquele universo, mágico da infância,

onde mesmo com muitas limitações considero ter sido a fase mais importante da

minha vida. Naturalmente outros interesses foram surgindo e com eles as primeiras

paixões, assim também surge a necessidade de trabalhar; num universo de

mudanças, incertezas e inseguranças, felizmente encontrei no seio familiar e social

ajuda para conviver com as mudanças, e sempre tendo a escola como prioridade.

A adolescência nos faz pensar que não necessitamos de mais ninguém que

dá para resolver tudo sozinho, começamos a dar prioridade aos amigos e

Page 39: Monogafia Eliete pedagogia 2011

38

desconsiderar a opinião familiar, então tive que aprender que mesmo tendo crescido,

não era suficientemente independente para fazer da minha vida o que quisesse,

necessitava dos outros e principalmente da família para seguir o meu processo de

formação física e profissional.

3.2.1 Escola e trabalho infantil: uma experiência d e aprendizado e

discriminação

Nesta época, me apaixonei por um garoto, mas acho que ele nunca

descobriu, só quem sabia era eu e uma amiga, nunca namorei com ele, tinha medo

de apanhar, o tempo passou assim como a paixão e antes do início do ano letivo fui

trabalhar em Senhor do Bonfim, tinha apenas 13 anos, não foi uma experiência

muito agradável, pois nem uma cama para dormir foi disponibilizado. Dormia no

sofá, até quando a filha da patroa me colocou para dormir no chão em um

colchonete bem fino, alegando que o meu peso danificaria o sofá, logo após passei a

dormir na casa de outra pessoa, voltando bem cedo para o trabalho.

Explorada, tratada como escrava, diante dos maus tratos, quinze dias depois

pedi para ir embora, recebi como pagamento, cinco reais, mas estava contente,

estava voltando para casa. Este acontecimento reforçou ainda mais o meu desejo de

mudar de vida.

No ano de 1997, na sétima série, aprendi a resolver cálculos de divisão, em

apenas um mês, com o professor Oberdan, que não continuou nos ensinando

porque foi selecionado no concurso da polícia. Outro fato de que tenho lembrança,

foi uma atividade em que a professora solicitava uma história em quadrinhos, como

eu não sabia ainda o que era, fui procurar nos livros, até que uma prima me

ofereceu um exemplar, elaborei a atividade, mas para minha surpresa não era

daquela maneira, e isso me serviu de lição.

Aos evangélicos não era permitido usar calça, o fardamento escolar era

composto de blusa e calça, por razões de obediência a Igreja, eu usava a blusa com

a saia, o que foi de encontro as orientações da direção da escola, que exigia o uso

do uniforme completo, sob pena de não poder frequentar as aulas, fui motivo de

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39

chacota dos colegas, fiquei envergonhada e preocupada ao mesmo tempo, pois não

queria parar de estudar, precisei quebrar as regras de Igreja, e consegui uma calça

usada, pois não podíamos comprar uma nova, essa atitude da escola me fez

perceber que muitas das vezes a escola se preocupa com questões burocráticas e

não com o desenvolvimento dos alunos. Em 1998, na 8ª série, a turma continuava

praticamente a mesma, salvo por alguns alunos que haviam sido reprovados, as

amizades já estavam bastante amadurecidas, com as quais continuo me

relacionando até hoje. No currículo outras surpresas: começamos a estudar química

e física. Me acostumei rápido com as novidades que o currículo apresentava, os

novos assuntos de matemática também me atraiam.

Mesmo convivendo com as pressões da adolescência tive que fazer

escolhas, mesmo sem entender, mesmo assim, acredito ter feito a coisa certa já que

as consequências não foram ruins, o que culminou com a escolha profissional num

momento em que estava finalizando o ginásio e entrando no ensino médio e

alimentava o sonho da formatura. Mesmo precisando trabalhar, continuei os estudos

foi um pouco sufocado, mas havia a necessidade de contribuir com a renda familiar

era indispensável que me dividisse entre o trabalho e a escola.

3.2.2 Magistério... Mais barreiras trabalhei como e mpregada doméstica

Mesmo com o desejo de ser professora, não escolhi fazer magistério, eu fui

escolhida pelo magistério, motivada por boatos de que o curso estava desvalorizado

optei por fazer formação geral, e graças a um equívoco da diretora da escola, fui

matriculada no magistério, as colegas solicitaram transferência de curso,

continuamos estudando juntas.

Para mim, não foi fácil cursar o magistério, pois precisava trabalhar, e a

única opção era ser empregada doméstica, só que o curso era oferecido no turno

vespertino, foi uma luta, mas eu tinha um objetivo, que era o de continuar meus

estudos para que no futuro pudesse escolher em quê trabalhar. Como aqui em

Tijuaçu só era oferecido o ensino fundamental quem passasse para o ensino médio

tinha que ir cursar em Senhor do Bonfim.

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40

No ano de 1999, aceitei o desafio de trabalhar e estudar, era muito cansativo

então no 1º ano do curso de magistério, não consegui suportar a pressão e desisti

de trabalhar, tornando as coisas ainda mais difíceis, pois como compraria as

apostilas que os professores passavam, recorrer à família era impossível, eles

também não tinham como ajudar. Como estava estudando para ser professora, uma

das atividades do curso é o estágio de observação, foi então que retornei a Escola

Municipal Antônio José de Souza, a mesma escola em que eu havia estudado até a

5ª série, só tinha uma diferença, antes eu era aluna agora estava buscando a minha

formação, foi uma experiência muito prazerosa.

Na escola já estávamos sendo preparados para aprender a dar aulas

causando nervosismo em muitos colegas, mas não tive problemas quanto a isso,

pois o medo de falar na frente das pessoas estava sendo vencido. Com o final do

ano letivo veio também a minha aprovação para o 2º ano. Entre o trabalho como

doméstica e o estudo cheguei ao estágio, interrompi o trabalho neste período,

retomando logo depois. Ainda no estágio presenciei um acidente fatal com um aluno,

até hoje não consigo esquecer aquela cena.

Em 2001, quando cheguei ao terceiro ano continuei trabalhando e

estudando, não era fácil, mas fazia o quanto podia para não ter que desistir de

estudar, novamente precisei fazer o estágio para conclusão do curso de magistério,

então, saí do trabalho por um tempo retornando depois.

Antes de terminar o ano letivo ficamos sabendo no colégio que a

Universidade do Estado da Bahia (UNEB) estava no período de inscrição para o

vestibular e que os alunos de escolas públicas tinham o direito a isenção se tivesse

média 6,0 em português e matemática, e só ficamos sabendo disso no último dia

para inscrição, então, eu e algumas colegas nos dirigimos até a secretaria da escola

para pedirmos o documento com as notas, para realizarmos a inscrição no

vestibular. Como estávamos concluindo o ensino médio a escola realizou algumas

solenidades de formatura, com isso não pude estudar e o vestibular ficou para outra

oportunidade.

Entre 2002 e 2005, foram muitas as tentativas de concurso, sem resultados

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41

positivos, como estava noiva, resolvi-me casar, algumas dificuldades surgiram, até

surgir a oportunidade de trabalhar no programa de alfabetização do governo, fomos

até a secretaria de Educação do Município, conseguimos a vaga, só que tínhamos

que conseguir os alunos e isto nós fizemos. Então me vi divida entre o trabalho

doméstico e o de professora, a princípio deu certo, pois eu ensinava só à noite, mas

depois não deu e eu optei por ficar trabalhando só com a escola, era um trabalho

muito gratificante, e trabalhar com adultos, então, me deu a oportunidade de

aprender muitas coisas, inclusive de estudar no cursinho pré vestibular do governo,

Universidade Para Todos.

3.3 A FASE ADULTA: as minhas primeiras experiências profissionais e o sonho

de ser mãe e professora

É o que chamamos de fase adulta, quando determinadas atitudes, já não

são mais aceitas. Foi nesse período que tive a minha primeira experiência como

professora, quando também passei no vestibular, realizei o meu maior sonho que foi

o de ser mãe, mas continuei determinada a conseguir os meus objetivos, e mesmo

depois que tive o meu filho, não parei, pelo contrário, continue estudando e tive a

felicidade de passar em três concursos públicos, e a correria só aumentou, pois tive

e tenho que ser , mãe, esposa, dona de casa, profissional, estudante, ufa! E ainda

tenho tempo par ser feliz, é uma fase muito boa em que cada dia mais, aprendo e

retiro algumas coisas não mais necessárias e estou perto de conseguir minha

segunda formação como professora, hoje já atuando. E estou sempre aberta a

novas aprendizagens que com certeza serão muitas nas novas fases que virão, com

fé em Deus.

Iniciado o processo seletivo da UNEB, fiz a minha inscrição para o curso de

pedagogia, fiz as provas do vestibular e fui aprovada depois de algumas tentativas; o

resultado foi informado por uma colega, que chegou até a minha casa avisando que

tinha visto o meu nome entre os aprovados do vestibular da UNEB. Este foi um

momento de grande significado para mim, para minha mãe a notícia foi recebida

com naturalidade, afinal ela não entendia o significado deste acontecimento. Na

reunião da Associação Quilombola fui parabenizada por todos os companheiros,

muitos compartilharam dessa alegria comigo, foi um momento muito importante.

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Um novo tempo se iniciou, em 2006 fui aprovada em concurso publico da

Prefeitura de Senhor do Bonfim, neste mesmo período a associação ganhou

algumas máquinas de corte e costura, e abriu um curso para quem quisesse

aprender a costurar, eu me matriculei, gostava muito, fiz novas amizades, e algum

tempo depois já estava confeccionando bolsas, a experiência foi fantástica, também

tivemos a oportunidade de fazer cursos pelo SEBRAE, uma empresa foi criada e

começamos a trabalhar fabricando bolsas para comercialização.

3.3.1 A Universidade: passei a viver outra realidad e, outras portas se abriram

As aulas começaram na faculdade estava um pouco apreensiva e ansiosa,

mas logo me entrosei com a turma na qual já haviam pessoas que eu já conhecia,

um novo mundo então foi sendo descoberto, os autores estudados a experiência de

colegas e o contato com professores passei a viver outra realidade, até então

desconhecida. Neste mesmo período saíram os resultados dos concursos para os

quais havia me inscrito, O Regime de Direito Administrativo – REDA, do estado, para

auxiliar administrativo e da Prefeitura de Filadélfia para professor; mesmo estando

nos últimos meses de gestação, Escolhi trabalhar no Colégio Estadual de Senhor do

Bonfim, mas com 15 dias que estava trabalhando, mais precisamente no dia 12 de

julho de 2007, dei a luz a meu filho Lucas Emanuel.

Trabalhar no Colégio Estadual foi muito gratificante, pois conheci pessoas

que acreditavam em mim, e torciam para que eu não desistisse dos meus sonhos,

sou muito grata a todos que com seu carinho e amizade me ajudaram a crescer.

Agora me dividia entre dois trabalhos família e faculdade. Tinha dias que

pensava que não ia dar conta. No ano de 2009 ao chegar à Escola José de Anchieta

no povoado de Aguadas, tudo era novo para mim, senti um pouco de dificuldades no

planejamento das aulas, pois não havia participado do planejamento coletivo, visto

que ainda estava em questão com a prefeitura. Mas com o passar do tempo fui

pegando o jeito e sempre procurava e procuro desenvolver meu trabalho da melhor

forma possível, já é o 3º ano consecutivo que trabalho nesta escola, fortalecendo

cada vez mais os laços de amizades, com alunos, e corpo docente e comunidade

local.

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3.3.2 Curso de pedagogia

O curso de pedagogia para mim foi e é uma realização, adentrar neste novo

mundo me causou muita expectativa, as aulas, os debates, desenvolvimento dos

trabalhos, a preparação e apresentação dos seminários, como também me

angustiava muito com os trabalhos interdisciplinares, já no primeiro semestre

tivemos que fazer um artigo, até então não sabia o que era, dificultando ainda mais o

desenvolvimento do trabalho, como éramos todos leigos no assunto escolhemos

uma temática não muito boa de desenvolver, mas mesmo assim fizemos e foi muito

válida a experiência.

A minha turma era muito boa. Fiz muitas amizades afinal éramos 50 pessoas

diferentes. Cada um com a sua história, seu jeito, e suas experiências, tive a

oportunidade de aprender muito, seja com os professores que sempre estavam

dispostos a compartilhar seus conhecimentos e com os colegas, nos debates, nas

apresentações, e nos trabalhos em equipe. Algo que sei que não vou me esquecer

foram às atividades interdisciplinares, pois além de produzirmos os trabalhos

escritos (artigos, projetos e relatórios) tínhamos que participar de um sorteio para ver

quem iria apresentar e esta apresentação era para todas as turmas do curso de

pedagogia e os demais cursos. Apresentei algumas vezes, mas não tinha problema

em falar em público, ser evangélica e participar das atividades da igreja me ajudou a

perder a timidez.

Mesmo com o sofrimento, sabia que os trabalhos interdisciplinares eram

necessários à nossa formação, em um semestre do curso a turma entrou em

conflito, pois os sorteios eram feitos na hora da apresentação, então queríamos que

este sorteio fosse feito antes, gerando uma enorme confusão, com o colegiado, e

com a professora da disciplina. Mas no final tudo se resolveu e os trabalhos foram

apresentados.

Como sou adventista não frequentava as aulas nem na sexta feira à noite

nem no sábado pela manhã, então a cada dois semestres perdia duas disciplinas,

mas felizmente o campus começou a disponibilizar turmas à tarde, facilitando assim

para mim e outros colegas para assim podermos cursar as disciplinas que

Page 45: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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estávamos devendo, e no início como trabalhava pela manhã, ficou fácil. Entretanto

como meu filho ainda era pequeno, passar o dia fora era complicado, pois estava

amamentando então nos dias que necessitava ir para a faculdade, minha irmã trazia

o Lucas para que eu pudesse amamentá-lo enquanto estudava, mas depois que

comecei a trabalhar o dia todo ficou mais difícil, mas mesmo assim conseguia

negociar e continuei cursando as disciplinas, o que me ajudou a não atrasar o curso.

No componente curricular: Educação e Cultura Afro-brasileira tive a

oportunidade juntamente com o grupo inseparável de apresentar um trabalho sobre

Tijuaçu, foi emocionante, contar a história do lugar onde vivo, apresentamos a

História, convidamos um membro da Associação Quilombola para dar uma palestra

e a presença marcante do samba de lata, meu esposo estava vendendo acarajé no

Campus, no final da apresentação servimos acarajé de cortesia,

Quando chegou o período de fazer os estágios exigidos pelo curso, me vi

novamente em apuros, pois como poderia trabalhar e estagiar ao mesmo tempo?

Mas graças a Deus que, as pessoas com quem trabalho são compreensivas, e não

me impediram de cumprir os estágios, pelo contrário me deram muita força para não

desistir.

Desde o 2º semestre começamos a trabalhar com a temática diversidade

cultural em sala de aula, e quando os trabalhos passaram a ser desenvolvidos

individualmente, continuei com essa temática até o 7º semestre, para o

desenvolvimento dos estágios escolhi a mesma Escola que estudei e fiz os estágios

do ensino médio, e novamente tenho oportunidade de voltar no tempo e relembrar

do meu começo na vida escolar, foi muito gratificante. Trabalhamos nos estágios

com: educação infantil, séries iniciais e educação em espaços não-formais. Participei

também da elaboração e aplicação de um projeto de ensino e extensão com o tema

higiene bucal.

Já no 8º semestre, voltamos a trabalhar em grupo, o estágio que realizamos

foi em espaços não-formais. Então optamos por trabalhar com ludicidade,

escolhemos a turma do programa de erradicação do trabalho infantil (PETI), aqui em

Tijuaçu, confeccionamos vários brinquedos com objetos reciclados como também

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desenvolvemos vários tipos de brincadeiras. Foi muito legal.

Como não consegui acompanhar a turma no 9º semestre me matriculei para

fazer o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), aí surgiram as dúvidas: que

temática vou escolher para o meu TCC? Escolhia uma, não me encantava, outra e

mais e mais e nada. Foi então que em uma conversa com a professora Glória

comecei a desabafar sobre o meu processo escolar, e a minha vontade de contar as

minhas histórias, mas como “achava”, motivada por boatos de que só é válido se

alguém já trabalhou com a temática antes, não poderia. Fiquei tentando me

encontrar onde não estava, e nesta conversa com a minha orientadora descobri que

poderia sim fazer uma narrativa autobiográfica. Isto me deixou empolgada. Agora

sim vou fazer o que sempre quis e pensei.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente me vejo como aluna remanescente de quilombos, no 10º

semestre buscando a minha formação como pedagoga, para tanto terminando de

construir o meu (TCC), onde narro a minha história de vida e formação, são

momentos muito emocionantes parece que estou revivendo minha vida, o choro é

inevitável, pois, existiram momentos que não trouxeram boas lembranças, mas,

enxugo as lágrimas e continuo com a certeza de que tudo que aconteceu foi válido,

por isso estou contando. E sei que muito tenho que aprender, e estou disposta a

isso.

Escrever sobre a minha trajetória de vida me conduziu a uma descoberta

surpreendente: até então nunca tinha parado para refletir sobre a minha pessoa e

agora sei que sou uma mulher cheia de coragem e decisão em lutar por tudo que

desejo por mais difícil que seja. Se antes eu era autora/atriz das minhas

experiências e vivências, hoje sou também expectadora: este trabalho monográfico

me coloca nesta posição uma vez que escrevendo e relembrando assisto e revivo as

passagens da minha vida como num filme, chorando e sorrindo ao mesmo tempo,

pois se muito sofri por causa das dificuldades que enfrentei, agora posso sorrir

porque me sinto vitoriosa por ter vencido esta fase tão difícil e triste do meu

passado. Lembro-me de alguns dizeres animadores de um autor desconhecido

“Todo obstáculo é um caminho e toda pedra nesse caminho, um trampolim”.

Acredito que, com o apoio materno, transformei obstáculos em caminhos e

saltei pedras como se saltasse de um trampolim para uma vida melhor, não só para

mim, mas para todos os meus entes queridos a minha volta e tomo novamente por

empréstimo as palavras de um autor desconhecido; ”Quando alguém evolui, evolui

tudo o que está a sua volta”.

Cabe salientar que, é de suma importância a abordagem autobiográfica no

processo de formação de professores, como está sendo para mim futura pedagoga à

autocompreensão do que somos e das aprendizagens que adquirimos ao longo da

vida e no decorrer da nossa formação docente.

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Está sendo muito difícil encerrar este trabalho, principalmente porque

representa o começo de uma nova trajetória em minha vida: a minha promoção para

outros novos conhecimentos num patamar mais alto da formação continuada; sei

que para as experiências que estão além dos muros da Universidade me

aguardando, tudo o que vivi e aprendi e relatei aqui, me servirá de base para

enfrentar e vencer com reflexão, criticidade e sabedoria os revezes da vida;

significando uma farta munição para continuar a árdua jornada, buscando o melhor

para mim, para os outros e para o mundo.

Enfim, antes de acionar a tecla “pause” ainda tomo a liberdade de convidar

a todos que analisarem e apreciarem este trabalho para uma breve reflexão sobre a

afirmativa de Nietsche (2003) “Ninguém pode construir no teu lugar a ponte que te

seria preciso tu mesmo transpor no fluxo da vida – ninguém exceto tu”. Baseada

nisso, é que construí com as ferramentas da educação a ponte para atravessar de

um lado a outro da minha vida - da ignorância para a sabedoria; da desinformação

para a formação e do fracasso para o sucesso.

Page 49: Monogafia Eliete pedagogia 2011

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ANEXOS

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ALGUMAS FOTOS

Foto 01: Infância: meu batismo na Igreja Adventista do 7º dia. Acervo Eliete

Foto 02: Adolescência: eu e Neto. Acervo Eliete

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Foto 03: Conclusão da 8ª série. Acervo Eliete

Foto o4: Conclusão do Ensino Médio, (curso de magistério). Acervo Eliete

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Foto 05: Casamento, eu mainha e neto Acervo Eliete

Foto 06: Gravidez, eu. Acervo Eliete

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Foto 07: Nascimento do meu filho Lucas Emanuel. Acervo Eliete

Foto 08: Minha mãe Dejanira e meu filho Lucas Emanuel. Acervo Eliete

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Foto 09: Meu pai Evanio e minha irmã Silvania. Acervo Eliete

Foto 10: Minha irmã Marilza e Lucas. Acervo Eliete

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Foto 11: Minha irmã Josenice. Acervo Eliete

Foto 12: Minha irmã Evanice e Lucas. Acervo Eliete

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Foto 13: Minha irmã josenice e meu irmão Evaniel ( Netinho)

Foto14: Equipe de Professores e direção da Escola Municipal José de Anchieta

(2009) Acervo Eliete

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Foto 15: No estágio em espaços não formais (PETI). Acervo Eliete

Foto 16: Grupo inseparável do curso de pedagogia: Alice, Elaine, Simone, Cícero e

eu. (acervo Eliete)

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Foto 17: Silvania, minha sobrinha, Ana Carolina, Marilza e Lucas (acervo Eliete)

Foto 18: Minha sobrinha Daise (acervo: Eliete)

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Foto 19: minha sobrinha, Ana Júlia e Lucas (acervo Eliete)

Foto 20: Neto Lucas e Eu (acervo Eliete)

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Foto 21: Vista d o monte de Tijuaçu. Acervo Eliete

Foto 22: Vista da Praça do Comércio Tijuaçu. Acervo. Eliete