revista almocreve 2006

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Um Retrato das Gentes de Carção beleza natural… tradições… cultura…

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Page 1: Revista Almocreve 2006

Um Retr ato das Gent es de Carção

beleza natural…tradições…

cultura…

Page 2: Revista Almocreve 2006

DOMINGOS LOPESCOMÉRCIO DE PEIXE

PEIXE FRESCO – CONGELADOS – MARISCO

VENDA AMBULANTEVIMIOSO – MOGADOURO – MIRANDA – BRAGANÇA

Bairro Santo Estêvão, Rua A • 5230 CARÇÃOTel. 273 512 353 • Tlm. 938 844 902

CONOPULCONSTRUÇÃO E OBRAS PÚBLICAS, LDA.

Tel./Fax 273 333 779 5230 C A R Ç Ã O

Page 3: Revista Almocreve 2006

Editorial Prezadoleitor! Écomgrandecontentamentoquevosapresentamosa3ªediçãodaAlmocreve. Aediçãoanteriorfoiumsucessonãosó derivado ao conteúdo e grafismo, mas tambémpelointeresseeadesãodaspesso-as, comprovando o sucesso gradativo deste projecto. No entanto não chega, queremos fazer melhor, evoluir anualmente este au-daz projecto como propaganda da nossapovoação. É um trabalho afoito e ambicioso, com custos económicos muito elevados, mas com a ajuda de todos os carçonenses, cola-boradores, J. F. de Carção, C. M. de Vimio-so e patrocinadores, temos vindo a conse-guir concretizar este sonho iniciado em2002porumgrupodejovenscomgrandeforçadevontadeemnãodeixarperdertodaanossacultura. Apelamosatodososcarçonensesquecontribuamparaoengrandecimentodesteprojecto. Arazãoparaasuacontinuaçãoeevo-lução é a participação de todos, pois julga-mosqueemcadaalmacarçonenseháumarica história, digna de ser partilhada, desde factos passados, contos, lendas, cantigas, poemas, rezas, etc., para que a nossa cul-tura não desapareça, pois cada vez que um homem morre, uma biblioteca arde! Contribua e deixe-nos a sua crítica paraquepossamosevoluir. Obrigado pela sua atenção e espera-mosqueestetrabalhosejadoseuagrado. Com os melhores cumprimentos:

Paulo Lopes

DestaquesOAlmocreve....................................... 5As Chocalhadas ................................... 12AscoresdoDemo............................... 13Patriotísmo dos moradores de Carção . 15LoasaSantoAntónio.......................... 16OEntrudo............................................ 18Jóias esquecidas da cultura popular .... 20A eterna Carção e sua emigração ........ 22Carção um lugar central de comércio . 32Cultura do Linho em Carção … .......... 37Homenagem ao Heróis Militares ........ 46

FICHA TÉCNICAPropriedade e Edição: Associação Cultural dos Almocreves de Carção

Contactos para colaboração:Tlm.966197194/966510938 E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] Bairro de St.º Estêvão, Rua A, 5230 Carção

Impressão e Criação Gráfica Ecola Tipográfica – Bragança

Dep. Legal:N.º183993/02

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Page 4: Revista Almocreve 2006

Ó Carção, ó Carçãozinho,Lá no alto bate o ventoDuas caixinhas de amores,P´ra quem quer gastar o tempo.

Ora v i va Carção e a sua bandeira Ora v i va Carção e a mocidade solte ira.

Éide rodear Carção,Com trinta metros de f ita,Á porta do meu amor,Eide pôr a mais bonita.

Ora v i va Carção e a sua bandeira Ora v i va Carção e a mocidade solte ira.

Em Carção já não há rosas,Já se secaram as rose iras,As rosas que agora há,São as mocinhas solte iras.

Ora v i va Carção e a sua bandeira Ora v i va Carção e a mocidade solte ira.

Em Carção já não há cravos,Já se secaram os craveiros.Os cravos que agora há,São os mocinhos solte iros.

Ora v i va Carção e a sua bandeira

Ora v i va Carção e a mocidade solte ira.

Maria Celene A. Fernandes

Hino de Carção

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Mensagem do Presidenteda Câmara Municipal de Vimioso

À Revista Almocreve

Muito me honra deixar esta mensagem na Revista Almocreve. Afinal, este projecto,iniciado por um conjunto de jovens, tem-se vindo a afirmar dentro e fora do concelho, sendo,indiscutivelmente,umimportanteinstrumentonadefesaepromoçãodanossacultura,emgeral,edeCarção,emparticular.Aessesjovensexpresso,emnomedomunicípio,omeuagradecimentoeoestímuloparaquemantenhambemvivaestainiciativacultural. ARevistaAlmocreve,verdadeirobilhetedeIdentidadee“retractodasgentesdeCarção”surgiunummomentoemqueafreguesiadeCarçãoassistiuaumanovafasededesenvolvimentonosmais diferente domínios. No plano cultural assistiu-se à fundação de associações que têmvindoadesenvolverummeritóriotrabalho.ANívelurbanísticoCarçãotemvindoabeneficiardeintervençõessignificativas.RecordooLargodePadreAmândioLopes;aCasadoPovo,finalmente,estáaserrecuperadae,comaconclusãodasobrasdaAV.25deAbril,Carçãoganharáumaimagemmaisurbanaemaiasmoderna. Continuaremos,comoatéaqui,atrabalhardeformadeterminadaparadaraoscarçonensesmaisemelhorqualidadedevida.Essaéanossaobrigação,eoscarçonenses,gentetrabalhadoraecomespíritodeiniciativa,bemomerecem.

Umabraçoamigo

José Baptista Rodrigues

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É com grande satisfação que aceito o pedido de fazer uma pequena mensagem da Junta de Freguesia de Carção para a terceira edição da revista Almocreve. Em primeiro, gostaria em nome de toda a Junta de Freguesia, dar os parabéns a esta jovem Associaçãoquebrilhantementetêmlevadoadianteumprojectotãoaudazeambiciosodoqualtodosnósnosorgulhamos. Em segundo, porque é do interesse de todos, recolher e promover a cultura deste grandioso povo, desde os usos, costumes e tradições para que não se apague das memórias para sempre e do mesmo modo, para que os mais novos e os vindouros percebam e se orgulhem da Terra que os vi-o nascer. Da nossa parte, espero que este projecto continue bastante vivo, com a promessa de que sempre vosapoiaremosnarealizaçãodesteeoutrosprojectosfuturos. Desejo-vos as melhores felicidades e o meu agradecimento pelo trabalho desenvolvido, um verdadeiroexemplodequetodosnóspodemosedevemoscontribuirparaodesenvolvimentodanossapovoação. Enquanto Presidente, continuarei atento às necessidades de Carção, muito receptivo a apoiar e incentivar todas as Associações de índole cultural. A todos, deixo um abraço de amizade.

O Presidente da Junta de Freguesia

Marcolino Rodrigues Fernandes

Mensagem do Presidente da JuntadeFreguesiadeCarção

Page 7: Revista Almocreve 2006

O AlmocreveAinda o dia dormitava,Já o meu pai se levantava,Paraacargapreparar.Latos reluzentes, cheios do liquido dourado,Sobre o dorso dos muares bem apertado,Mantas bem lavadas a tapar.

Nas alforges, uma toalha e a merendaMais as medidas para a venda:Litros, quartilhos e remeias.Sempre alegre e sem canseira,Lá subia e descia a ladeira,Acaminhodasaldeias.

Esperavam-no ansiosas as freguesas,Pois trazia o sabor das suas mesas,Aprovisãoestavaacabada.De Vale de Frades a Serapicos,Angueira, Avelanoso, São Joanico,Eracansativaajornada.

Encontrou um belo dia,Um padre que da igreja vinha,Eparouparaconversar.“Bom – dia meu bom amigo!Como sou parecido consigo,Olhequepodeacreditar!

Levanto-me de manhã cedo,Sempre bem disposto e ledo,Paracelebraramissa.Debaixo do frio ou da calma,Aos fregueses condimento a alma,Evocêcondimentaavida”.

Com um angélico sorriso,Despediu-se do amigo,Apertando-lheamão.“Venha por aqui muitas vezes,Vá servir os seus fregueses,Meu amigo de Carção”.

Meu pai ficou muito honrado,Ser, por tão ilustre pessoa elogiado,Ecomaqueleapertodemão.Todo o trabalho feito com honestidade,Em prol da sociedade,Édignodeadmiração.

E depois da volta dada,Há dois dias fora de casa,Láregressavaelesorridente.No Inverno, todo molhado,No Verão sequioso e suado,Porqueatemperaturaeraardente.

Éramos ainda pequeninas,Adorávamos suas cantigas,Aosomdumavelhaguitarra.Sentava-nos no colo com carinho,Sem descansar um bocadinho,Eadormecia-noscomacantata.

Por vezes juntavam-se na Praça,Discutindo com algazarra,Opontodasituação.Todos emitiam seu parecer,Como o negócio estava a decorrer,Era um local de convívio e reunião.

Eraassimoganha-pãoDos vendedores ambulantes de Carção,Vida dura, mas alegre.Nada mais sabia fazer,Se não comprar e vender,EraavidadoAlmocreve.

Panos, azeite, arroz, bacalhau, sardinhaExcedentes que noutras regiões havia,Tudo levavam à povoação.Pôr as donas de casa descansadas,Aguardavam em suas casas,Achegadadaprovisão.

Quando dinheiro não havia,Para saldar a dívida,Registavam no seu livro.E só nas colheitas do Verão,Com o belo e louro grão,Satisfaziamseucompromisso.

É uma profissão antiga,Já mencionada na Bíblia,DesdeostemposdeAbraão.Os adeptos do mal dizer,Devem ficar a saber,Quepagavamcontribuição.

Merecem bem ser elogiados,De pejorativos sentidos libertados,Com respeito e admiração.Ao meu pai muito obrigada,Por tanta canseira e caminhada,A vós, A.C.A.C., a minha gratidão.

Sofia Jerónimo

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Batem leve, levemente,

comoquemchamapormim.

Seráchuva?Serágente?

Gente não é, certamente

eachuvanãobateassim.

É talvez a ventania:

mas há pouco, há poucochinho,

nemumaagulhabulia

naquietamelancolia

dospinheirosdocaminho...

Quem bate, assim, levemente,

com tão estranha leveza,

que mal se ouve, mal se sente?

Não é chuva, nem é gente,

neméventocomcerteza.

Fui ver. A neve caía

do azul cinzento do céu,

branca e leve, branca e fria...

-Háquantotempoanãovia!

E que saudades, Deus meu!

Olho-aatravésdavidraça.

Pôstudodacordolinho.

Passa gente e, quando passa,

ospassosimprimeetraça

nabrancuradocaminho...

Fico olhando esses sinais

da pobre gente que avança,

e noto, por entre os mais,

ostraçosminiaturais

dunspezitosdecriança...

E descalcinhos, doridos...

a neve deixa inda vê-los,

primeiro, bem definidos,

depois, em sulcos compridos,

porquenãopodiaerguê-los!...

Quequemjáépecador

sofra tormentos, enfim!

Mas as crianças, Senhor,

porquelhesdaistantador?!...

Porquepadecemassim?!...

E uma infinita tristeza,

umafundaturbação

entra em mim, fica em mim presa.

Cai neve na Natureza

-ecainomeucoração.

Augusto Gil

Recolha: Ricardo Teixeira

Balada de Neve

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Foto: Eiras do Vale

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Canção de NatalEntrai pastores, entraiPor esses portais sagrados,Vinde adorar o menino,Queestáempalhasdeitado.

Entrai pastores, entrai Por esses portais a dentro, Vinde adorar o menino, Eosagradonascimento.

São José é velhoJá não pode andar,Precisa de um moço,Paraoajudar.

Senhora lavava, São José estendia, E o Menino chorava, Com o frio que fazia.

Rorró meu MeninoRórró meu amor,EstaspancadinhasNãomatamcomdor.

Os filhos dos homens Emberçosdourados E Vós meu menino Empalhasdeitado.

Em palhas deitado,Em palhas aquecido,Filho duma rosa,Eumcravonascido.

Rórró meu menino, Rórró meu amor, Rórró lindo cravo, Rórró linda flor.

Os ReisLápartemostrêsreisDaspartesdoorienteVisitar do Deus menino,UmDeusomnipotente.

Herodes como malvado, Como travesso e maligno, Àsavessaslheensinou Aossantosreisocaminho.

Os reis como eram santos,Seus caminhos vão seguindo,Guiados por uma estrela,Atéchegaraomenino.

A cabana era pequena, Nãocabiamláostrês Adoravam o Menino, Cada um de sua vez.

Uns lhe ofereciam ouro,Outros lhe ofereciam mirra,OutroslheofereciamincensoParaascensaromenino.

Os alunos do 1º ciclo do ensino recorrente de Carção de 2006

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Encomendaçãodas AlmasÀ porta das Almas Santas,BateDeusatodaahoraAs almas lhe responderam,ÓmeuDeusquequereisagora?Quero que deixeis o MundoEquevenhaisparaaGlória.

Ó almas que estais dormindo,Acordai não durmais mais,Lá no outro mundo,Tendesvossasmãesevossospais.

Perdoa-me meu irmão,Por te acordar agora,Reza lá um Pai Nosso,Queeujámevouembora.

O Santo Cristo de Outeiro,Tem um galo no seu sino,Cada vez que o galo canta,Recorda o Verbo Divino.

Rezemos também um credo,Ó Santo Cristo de Outeiro,Que na hora da nossa morte,Sejaonossocompanheiro.

Senhor Deus de Misericórdia,Virgem Mãe de Deus e Mãe nossa,Pedi ao Vosso Amado Filho,Que nos alcance Misericórdia.

Perdoai meu Jesus perdoai,Porque eu tenho vivido enganado,Mas ninguém é tão terno nem tão bom,Como Vós sem cessar.

Vivo no mundo como em desterro,Por onde eu erro a suspirar,Terna saudade Virgem minha alma,Dá-te à calma o meu penar.

Ao longe espaço, o sol caminha,A pátria é minha o eterno bem,A suspirar por minha Mãe,A suspirar por minha Mãe.

Os alunos do 1º ciclo do ensino recorrente de Carção de 2006

Paixão de CristoBendita e louvada seja,A Paixão do Redentor,Que para nos livrar das culpas,Padeceupornossoamor.

Padeceu grandes tormentos,Duros martírios na cruz,Morreu para nos salvar,Bendito seja Jesus.

Quando por nós padecestes,Ó bom Jesus Salvador!Quem há que possa entender,Tantosexcessosd´amor?

Na Vossa Santa cabeça,Coroa de espinhos cravaram,Donde, entre dores incríveis,Fontes de sangue emanaram.

Vossas Santíssimas faces,Sofreram mil bofetadas,Foram por duros algozes,Encarnecidas, pisadas.

Vossas Santíssimas costas,Pesada cruz conduziram,Entre agudíssimas dores,Novaschagasseabriram.

O Vosso corpo divino,Ferido e todo chagado,Diz-nos bem como é horrendo,Quantoémedonhoopecado.

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Bairro de Cima

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Já lá vai o Senhor preso,Já lá vai pró calvário,Leva uma cruz em seus ombros,Enamãoumverdecravo.

Vossos sagrados cabelos,Mais finos que o próprio ouro,Dai-me licença Senhor,De entrar em Vosso tesouro.

Vossa Sagrada cabeça,Coroada de mil espinhos,Por causa dos meus pecados,Sofrestes grandes Martírios.

Vossos sagrados olhos,Inclinados para o chão,Perdoai-me os meus pecados,Porvossamorteepaixão.

Vossos sagrados ouvidos,Atingidos por mil gritos,Por causa dos nossos pecados,Bom Jesus Deus dos Aflitos.

A vossa sagrada boca,Cheia de fel amargoso,Perdoai-me os meus pecados,ÓmeuDeustodo-poderoso.

As vossas sagradas faces,Cheias de escarro nojento,Por causa dos meus pecados,Sofrestegrandestormentos.

Vossa sagrada garganta,Vos puseram uma corda,Por ela vos arrastaram,Tendedenósmisericórdia.

Vossos sagrados ombros,Vos puseram um madeiro,Por causa dos meus pecados,Ó bom Jesus verdadeiro.

As Vossas sagradas mãos,Pregaram numa cruz,Por causa dos meus pecados,Valha-me Cristo Jesus.

Vosso sagrado lado,Foi aberto com uma lança,P´rá minha alma lá entrar,Senhor dai-lhe confiança.

Vossos sagrados joelhos,Arrastados pelo chão,Perdoai-me os meus pecados,Ó meu Jesus que tantos são.

Vossos sagrados pés,Mais alvos que a neve pura,Vão correndo rios de sangue,Pelaruadaamargura.

Estas doze repartições,Ó meu Jesus vo-las ofereço,Que na hora da nossa morte,Nos tenhais o Céu aberto.

Os alunos do 1º ciclo do ensinorecorrente de Carção

Os martírios

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Cruzeiro de St.º Estêvão

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A Fonte da Silveirinha, localizava-se no Vale, destruída recentemente, sacrificada para melhores arruamentos, onde durante vários séculos teve como finalidade abastecer grande parte da população, certificada pelos mais antigos, como a água mais fresca e saborosa da povoação. Reza a lenda, que todas as manhãs, uma rapariga ia buscar o seu cântaro de água. Já antes do facto se ter passado, dizia-se que nessa fonte havia uma Moura Encantada à esperadealguémquelhequebrasseoseuencantodaqualajovemrapariganadasabia. Numa manhã, como era costume, foi buscar água e com grande deslumbramento reparou que junto à fonte havia um fio de ouro. Muito apressadamente começou a dobá-lo. Dobava, dobava, dobava e o novelo ia crescendo, crescendo, crescendo e já em proporções enormes, ela continuou a dobar!...parecendo que o fio de ouro nunca mais tinha fim. Algum tempo depois tocou o sino da igreja e ela muito aflita porque tinha que ir à missa, pensando que ia chegar tarde, partiu o fio do novelo e nesse momento ouviu uma voz que vinha do fundo da Fonte: -Ah!... Ah!... Tontica!... Por tua causa vou passar mais uns anos aqui, porque se tu tivesses dobado até ao fim eu poderia estar livre, assim dobraste o meu encanto! O novelo transformou-se em pó e foi levado pelo vento. A rapariga, muito assustada, fugiu e nunca mais voltou à fonte.

M. B. S. V.

ALendadaFontedaSilveirinha

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Para regar íamos às hortas da Ribei-rinha regularmente, eu no lombo da burra Ruça, pelo caminho poeirento que serpen-teava no vale, entre o ventre redondo das montanhas. Ao longo do caminho, de um e outro lado viam-se hortas coloridas, pas-tos, pombais, vinhas, oliveiras, pomares, olmos ao longo do ribeiro, mais acima cur-rais, por todos os campos vacas, ovelhas, burros, mulas. Ouviam-se os motores de rega ecoando pelos montes, vozes de pes-soasquecantavamenquantorealizavamosseus trabalhos, os chocalhos das vacas e as campainhas dos rebanhos, o ladrar dos cães queosguardavameasáriasestridentesofe-recidas gratuitamente pelas aves canoras. Quando se ouvia o cuco, consulta-vam-se-lhe os poderes premonitórios coma pergunta “cuco da Paradinha, quantos anos vou ficar solteirinha?”.Aaveaolongeouviaaperguntaansiosaeperscrutandoofuturodainquiridoralárespondia. Contavam-se as grasnadelas após a questãoeessenúmerocorrespondiaaonú-merodeanosatéaocasamento.Umasdascoisas mais aborrecidas deste método eraque conforme os dias e os cucos, o número deanosvariavaeeraumacrisedenervostentarresolveromistérioditadopelasaves.Não havia regras estabelecidas, fazer a mé-dia das diversas leituras era complicado eportanto o mais simples era tomar comocertaaquelaquereferiaomenornúmero.

Rosário Andrade

Paixaros-Oscucos

SILVAPORTO,Guardandoorebanho,1893,Óleosobretela

Coisas do dia a dia A vida na aldeia era feita de trabalho árduo, de sacrifícios indizíveis e de privações maiores que a alma. As pessoas vi-viamsubjugadaspordoismonstrosquenãoasdeixavamsergente. Ocorpodeumcamponêsnãolhepertencia.Eraumempréstimo precário da terra. E todos os dias, desde o ar-reboldaauroraatéqueosúltimosraiosdesolseesgota-vam de cansaço no firmamento, eles pagavam essa dívi-da, com o suor árduo dos dias intermináveis, com alegrias breves, com lágrimas de esperança ou de desapontamento, com o sangue, porque muitas vezes, pelos penhascos, em árvores possantes, se colocavam em posições precárias para não deixar nada, arriscavam a vida por muito pouco. O espírito, mirrado pela ignorância, era dominado pelo peso de superstições e de medos fermentados no ne-voeiro dos séculos, transmitidos por uma tradição oral fecunda e por um temor oblíquo às penas do Inferno. Quepodiaumaalmaaquemnãoerapermitidoques-tionarsenãoaceitarservilmentetodososdogmaserepe-tiraslitaniasouvidasanosapósanos?OLatimsótinhasido substituído pela língua materna poucos anos antes na prática litúrgica. Todos sabiam de cor os dizeres, podiam recitarnumaecolaliacegatodasaspartesdamissanumlatinório empenado, mas evidentemente não chegavam a digerir o significado das palavras. Ouviam as parábolas das Escrituras, as cartas aos Apóstolos, os sermões, por entre o sono que atentava, dizendo “amém” quando era para dizer, sentando-se, ajoelhando-se e levantando-se maquinalmenteoucomorespostaacotoveladaagudadeum vizinho mais atento. Mesmo com tudo dito em Portu-guês, duvido que entendessem a maior parte das palavras edosensinamentosquesepretendiamtransmitir.Aqua-lidade dos sermões era avaliada pela teatralidade con-vincente do pregador, pelas pausas cheias de significado, pelo fervor arrebatado da descrição do mal e do bem, pela quantidade de palavras finas e sem significado mas que soavam como mel aos ouvidos empedernidos. Mas também, creio que a compreensão e a interiorização não importava muito, o mais importante era demonstrar aos outros, com a simples presença, que eram tão dignos do céucomooutroqualquer.Assimrepousavaaconsciênciasobasombracaridosadabenevolênciadivina.

Rosário Andrade

Acolheita,SilvaPorto

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As chocalhadas “Quando o casamento é feito entre pessoas muito desiguais em idade, condição e formosura, ou quando um dos nubentes é simplório, ou já cometeu faltas graves, há ainda o costumeestúpidoeselvagemdefazerachocalhada. Altas horas da noite, quando quase toda a gente já está deitada, os rapazes, tendo previamente combinado o serviço, juntam-se aos magotes nos cantos e encruzilhadas das ruas e a certa distância. O maioral da chocalhada, dá o sinal de alarme e de sentido; com uma pequena campainha ou guiso, e logo começam a sair de todos os cantos magotes de rapazes carregados de rosários de chocalhos de diversos timbres e tamanhos, misturados com latas e ferragachos ou ferros velhos de diversas espécies; e, munidos de embudes e tubos de lata, correndo, saltam e regougando, percorrem as ruas da povoação, fazendo um barulho infernal, que ora cessa aqui repentinamente, para, passados instantes, se ouvir lá mais ao longe. A´porta dos noivos o barulho é maior, e a galhofa muito mais ruidosa. Às vezes vão buscar ingarélas, grades, escadas, arcas velhas para a porta dos noivos; chegam a arrastar carros de bois e a pô-los de pé, e fingem escalar as paredes da casa, até chegar quase à janela do quarto onde os noivos estão deitados, e da aldraba da porta dependuram rosáriosdechifresdediversostamanhos. A certo sinal todos se calam repentinamente; e faz-se um grande silêncio, para verificarem se se ouve algum ruído ou movimento estranho. A turba fracciona-se; e cada magote vai para determinado sítio, onde se escondem. Dado o sinal, um dos grupos começa a businar e a soltar gemidos e meias palavras, que só eles entendem, dizendo de quando em quando: Aperta! Aperta! Carnudo! Lá ao longe, outro grupo, regougando e buzinando, respondem: A´lerta! A´lerta está! Aperta! Aperta! Carnudo! Os outros grupos procedem da mesma maneira até que, por fim, se juntam todos os magotes; e, saltando e correndo em grande tropel, imitando cavalgaduras coxeando a galope, percorrem de novo as ruas da povoação, e desaparecem. Sobre a intima relação que tudo isto tem com os antigos Romanos, leia-se o que o nosso muito querido amigo e ilustríssimo colega Pe. Francisco Manuel Alves, digníssimo Abade de Baçal, diz com muita erudição nas suas Memórias Arqueológicas – Históricas do distrito de Bragança, Tomo IX, pp. 317 à 322”1.

Recolha: Gil Azevedo___________1 Pe. Miranda Lopes, Carção – concelho de Vimioso, 1939, p. 14

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A. A. Lopes

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Rua Vale Falcão, 17 5 230 C A R Ç Ã O M I N I - M E R C A D O A I D A

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Page 15: Revista Almocreve 2006

AscoresdoDemo(Crónica) Certo ano o crepúsculo tingiu o céu de um vermelho vivo, a cor do Demónio. Reuniu-se a aldeia em pranto, uns por terem visto e jurado que era o manto de próprio Demo, outros chamados pela urgência do sino que tocava a rebate com um terror redobrado. A notícia espalhou-se como chama em rastilho seco, dirigiram-se todos à igreja, cada um pensando que era chegado o dia do Juízo Final. Rezou-se o Terço, as Ave-Marias, a Salve-rainha, o Acto de Contrição, a Ladainha... – Nª. Sra. Do Rosário de Fátima” – lançava em tom resignado o Padre Amândio “Rogai por nós” – respondia o povo amedrontado – “Rogai por mim” – clamava uma velhota, sentindo já nos dedos dos pés o calor cáusticodasáscuasquetorturamoscondenados. AlguémmaisesclarecidodisseentãoaoPadreAmândio que não valia a pena tê-los ali subjugado ao medo, que se tratava de um fenómeno natural e passageiro. E o Padre, resignado, que bem sabia, mas que os deixasse na ignorância, se lhes tentassemexplicarnãoentenderiameeradamaneiraqueestavamnaigrejaarezar.

Rosário Andrade

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o bom pão da Nossa Terra…

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OnossoantigoefalecidoparoquianoJosé António Rodrigues Praça (o tio Polaco), um velhote dos seus oitenta anos, muito inteligente e espirituoso, dizia-nos que a gente de Carção foi sempre muito liberal, e que os miguelistas tinham aqui poucos amigos; e que, quando era rapaz, se cantavam em Carção estes estribilhos, aludindo à luta entre D. Pedro e D. Miguel:

Vós chamais-me piolhoso, Eu só os tenho d´um lado: E´melhor ser piolhoso Do que ser perro malhado.

Enquanto no Porto Um só existir, Não há-de o tirano Ao trono subir!

D. Miguel queria ser rei, General dos Farrapões! Vá governar ao inferno! Fora caipira! Fora ladrões!

E também nos contou que, quando rapaz, ouvira dizer a seus pais, que esteve em Carção El-Rei D. Carlos de Espanha acompanhado da raínha sua mulher, e de uma patriarca. Um soldado de Carção, comentando uma visita tão extraordinária, e pouco desejada, disse enojado, falando da rainha:

- Esta p... caldeireira napolitana, que andaráporaquiafazer?... OnossofalecidocolegaPe.DomingosAntónio Luís Cordeiro, atrás mencionado, contou-nos o seguinte caso: Um dia entrou em Carção uma escolta de soldados armados, pertencentes aos partidários de El-Rei D. Miguel, em perseguição dos liberais, e só encontrou na Praça uma velhinha, fiando na roca. Um dos soldados, apontando-lhe a espingarda, com ares ameaçadores, interpelou-a, dizendo: - Onde estão os liberais de Carção? -Quemvive? A velhinha, tranzida de medo, res-pondeu, a tremer: - Valha-me Deus, meu Senhor! Eu não sei o que vai por esse mundo de Cristo, nem quemhá-devivercomtantodesassossego!Olhe, meu senhor:

QuevivaD.Pedro! E que viva D. Miguel! Que ambos saíram da mesma pele! EquevivaacasadeBragança! Queeunãopossoentendersemelhantedança!1

Recolha: Leonel Vaqueiro

__________1Pe. Miranda Lopes, Carção – concelho de Vimioso, 1939, pp. 14 e 15.

Patriotismo dos moradores de Carção

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Loas a Santo António “Em tempos não muito distantes, cantavam-se loas a Santo António no dia da sua festa, que tinha e continua a ter lugar dia 13 de Junho de cada ano. A loa consistia num cântico em louvor ao Santo que, no fundo, não era mais do que algum pedido ou, até, algum agradecimento a Santo António por qualquer graça concedida. Tinha lugar durante a procissão, em várias paragens e, finamente, à porta principal da igreja. Toda a gente que havia participado na procissão ficava aglomerada no adro da igreja; o Santo, aos ombros de quatro penitentes, voltado para o povo, bondoso e sereno, para ouvir a súplica ou o agradecimento. Qualquer pessoa que tivesse jeito para cantar ou recitar a loa, fazia-o com a maior fé, mas quem mais cantava eram os pastores que, de cordeiro ao colo, para oferecer ao Santo, ali agrade-ciam o favor das graças concedidas durante todo o ano. Mas as loas também agradeciam a cura de uma doença pessoal ou de um familiar, o facto do jovem se ter livrado da tropa e tantas outras coisas que eram pedidas ao Santo Milagroso, nomeadamente saúde, que o lobo não fosse ao gado e até um pedido de casamento. E se havia loas engraçadas e que faziam, de algum modo, sorrir os circunstantes, também não é menos verdade que outras havia que, pelo seu significado e dor, faziam chorar. Muitas vezes as loas eram em grande quantidade e o padre, já cançado, ia para a sacristia desparamentar-se, deixando o Santo aos fiéis. No tempo do Pe. Manuel Jerónimo, de alcunha o Pe. Bicho, de boas recordações, era vulgar ouvir-lhe dizer: “Olhai... aí vou fica. Cantai-lhe o que quiserdes e depois ponde-o no altar”1.

Recolha: Francisco Ribas1.ª Loa

Santo António milagroso,Vós sois o santo do povo.Venho aqui todos os anos,Esteanocás´toudenovo.

A trazer-vos um cordeiro,SantoAntónioaquiestou.Éfrutodeumapromessa.Doanoquejápassou.

Três meses s´eteve doente,OcordeiroquevostragoDo milagre que fizestes,SantoAntónioéopago.

NoanoquejápassouOlobonãofoiaogado.Muito agradecido estou,Santo António: Obrigado.

A´horaqueosgaloscantam.Hinos d´amor a Jesus,Sai o pastor da cabana,P´ralevarasuacruz.

Reza-se, guardando o gado.Apascentando-onaterra.NossaSenhoraapareceuAospastorinhosdaserra.

AntóniootempomudouDacabeçaatéaospés.A tua festa era a treze,Esteanocaiuadez.

Continuais livrando o gadoDo lobo, fera esfaimada,Guardai também o pastor,Quesemelenãofaçonada.

Santo António até p´ro ano,Cheio de fé voltarei.Se o lobo não for ao gado,Outrocordeirotrarei.

2.ª Loa

Parai Divino António,SantoAntóniodeLisboa.A Vós e ao Vosso Menino,EuvoucantaraminhaLoa.

Aqui Vos trago o cordeiro,Queprometiooutroano.O lobo não foi ao gado,Olobonãocausoudano.

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Santo António milagroso,Quesempremeabençoaste.Deixo aqui o cordeiro,Quedolobomoguardaste.

Aceitai-o Santo António,Queédadocommuitoamor.Guardai o gado do lobo,Guardaitambémopastor.

O carneiro pai do anho,Que Vos trago com agrado,Esteve muito doente,Mas agora vai curando.

ÓmeuqueridoSantoAntónioÓmeuSantopopular.Abençoai o meu gado,Abençoaisomeular.

Vosso Menino é Cordeiro,Mas é Cordeiro de Deus.E o cordeiro que vos trago,Éumcordeirodosmeus.

Santo António dos milagres,Abençoaisopastor.Que dia e noite trabalha,Com a graça do Senhor.

Ó meu António bendito,Guardaiopastoreocão.Guardai cabras e ovelhas,Peço-voscomdevoção.

Meu Santo António bondoso,Nadatenhop´ravosdar.Dou-vos o meu coração,Eapobrezadomeular.

Pedi por nós ao Senhor,E a Maria, Sua Mãe.P´ra que um dia nos receba,Nasuaglóriatambém.

EagorameuSantoamigoEuvosqueroprometer.Quep´roanovoltareiOutrocordeirotrazer.

3.ª Loa

Fostes pregar aos peixesPregai-lhe também às bogasPregai-lhe ao Tina do CampoQu´é quem as agarra todas (ó).

EstátudotãomudadoAtéotempodemudaIndanãoháuitotempoQu´umpadrecasoucura.

´StivesteapregaremPáduaDizemmuitosqueésdelá.É mentira, Santo António,Tuésnossoeésdecá.

Falam tanto os italianos,Dizem tanta coisa à toa,Querem que sejas de Pádua,Mas tu nasceste em Lisboa.

Antónioolhap´rótermoEp´rópastordescuidadoLiberta o gado, do lobo;Liberta as hortas, do gado.

_________1 Rodrigues, Francisco António Fernandes, Carção suas gentes, usos e tradições, C.M.V., 1999, pp. 138 – 144.

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AépocamaisdivertidanaescolaeraoEn-trudo. Os preparativos começavam muito antes, nos Trabalhos Manuais fazíamos chapéus de cartolina, de forma cónica, nos quais desenhá-vamosimagenscoloridaseenfeitávamoscomfitinhas na extremidade. Fazíamos as máscaras de cartolina também, a partir de moldes usados anos após anos, uma cara de cão ou de gato, mais ou menos pomposa conforme as capacidadesartísticas de cada um. Os mais sortudos exibiam com orgulho umas máscaras de plástico, mui-to garridas, compradas normalmente na feira. Muito antes do Entrudo dava-se a volta à aldeia à procura do peru mais rechonchudo e com as faces mais vermelhas onde se adivi-nhava a valentia. A procura e as negociações eram demoradas e mantidas no mais absolu-tosigiloparaqueasclassesconcorrentesnãosuspeitassemdoachadoetentassempormeiodeofertasuperiorouporcausadeparentescoafastado minar o negócio. Os alunos de cadaclasse contribuíam conforme as suas pos-seseesticadeuma ladoesticadeoutro lá seconseguia atingir a quantia pedida pelo ven-dedor e finalmente o negócio lá se realizava. Na semana anterior ao Entrudo construía-mos, com pompa e circunstância, o andor em queogalináceoiriaserlevadoemcortejo.Umacaixa de madeira, onde as sardinhas vinham da lota, servia de base. Quatro ripas fortes, prega-dassolidamentenoscantosserviriampara le-var ao ombro todo o aparato. A partir da base, deixando na frente uma abertura, erguiam-se maisumasripasqueserematavamcomumtec-todomesmomaterial.Estaestruturaeraentãocuidadosamente preenchida com hera e final-

mente enfeitadacom fitas de pa-pelcolorido. No dia mar-cado, cada clas-se transportavaruidosamente oseuperúentrevi-vas ao professor, gritos e cânticos de alegria, lenga-lengasalusivasaoEntrudoeasfestividadeseameaças veladas à ave:

Ó peru da crista roma pouca sorte foi a tua

A barriga da minha mestra Vai ser a tua sepultura.

O objectivo era oferecer ao respectivoprofessor o melhor perú da aldeia, não só su-perior em estatura, mas também em valentia. Para demonstrar esta última característica, a procissãodirigia-seaumterreiroondeospo-bres animais eram instigados uns contra osoutros. Depois da luta, o peru vencedor era consideradoumheróielavadoemcortejopelaaldeia para mostrar a todos a valentia da avee a verdade consequente e absoluta de que oprofessor da classe era o melhor do mundo. Oferecia-se então o animal glorioso aomestre e a partir daí a sua sorte era a ele que pertencia.Nuncaseouviudizerqueacarreiranosringuessetenhaprolongado...

Rosário Andrade

O Entrudo

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Punição – PortoAutor – A P CTuríbulo – Alt. 28 cmNaveta – 20,5 X 20,5 cmSéculo – XVIII (Finais)

A Naveta e o Turíbulo de Carção

“Estas duas peças são típicas da arte Rococó. O turíbulo utiliza a estrutura vertical. A cobertura obteve-se pela utilização de uma cúpula. A decoração é conseguida através de elementos vegetalistas.A utilizaçãode conchas não lhe éestranha.Estaspeçascontinuamautilizarasquatrocadeiastendoumadestasafunçãodeerguerapartesuperior. A naveta utiliza o mesmo esquema decorativo do turíbulo e revela uma grande atracção pelas curvas e contracurvas, pela verticalidade e pelo volume, elementos muito ao gosto desta época. As navetas, são o símbolo da segurança que permite atravessar as tormentas da vida, a Barca de Pedro é a igreja que conduz os fiéis à salvação. Deste autor pouco posso acrescentar, a não ser que também se lhe adquiriram as mesmas peças paraaigrejadeArgoselo. Pelo estilo das peças deve ter vivido nos finais do século XVIII ou princípios do seguinte”1.

Recolha: Paulo Lopes_________1 PEREIRA, Fernando, A ourivesaria religiosa no concelho de Vimioso, C.M.V., 1997, p. 32

Turíbulo

Naveta

Punção do Turíbulo e Naveta

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Jóias esquecidas da cultura popular A contemplar a aldeia e toda a vastidão de montes, erigida no cimo desta elevação, encontra-se uma capela pequena e modesta, dedicada a São Roque. O ventre largo e manso do monte servia de eira. Era para lá que os cereais eram levados depois da ceifa. Os feixes de trigo, de cevada, de cen-teio, eram colocados em medas, molhes circulares de considerável altura. Eram depois desfeitos a pouco e pouco, espalhando pela eira pequenas quantidades para trilhar. Durante longas horas sob o calor mortificador, os animais que arrastavam utensílios pesados sobre os feixes espalhados. Depois deste trabalho, havia ainda que lançar a mistura resultante ao ar, para com acção da gravidade e de alguma aragem, o grão cair pesado a um lado e a palha ser deslocada o suficiente para os permitir separar. Lembro-me das bestas e os homens a regressarem a casa exaustos e arfantes, cobertos de um camada de finíssimo pó, e de pequenas e inúmeras partículas de palha. Mais tarde apareceram as malhadeiras mecanicas, gigantes amarelos mecanizados que ali-mentados na eira com os molhes, regurgitavam o cereal para um lado, pronto a ser ensacado, e a palha para outro. E mais tarde ainda, surgiram as segadeiras. Estes sim, monstros completamente automatizadosqueiampeloscamposdevorandoassearasedeixandoumrastodefardosdepalhadevidamente atados, a distancias regulares. No caminho para Argoselo, depois de vencer a inclina-ção acentuada do monte, mais um planalto amplo oferecia o corpo brando para servir de Eira. No caminho para as Eiras, na área a que se chamava “o Vale” existia uma fonte secular e um enorme tanque onde as mulheres iam lavar a roupa e actualizar os mexericos. A fonte dizia-se, era encantada. Nela aparecia ocasionalmente uma moura que morrera de amores. Muitas pessoas afir-mavam terem-lhe visto os fios do cabelo e a linha de oiro de um novelo que ela dobava eternamen-te...

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Foto

: Eira

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Vale

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Cantigas da Segada

TrêsvoltasdeiaocasteloSemacharporondeentrar...-SoldadinhodearmasbrancasVisteis-lo por ‘qui passar?-Esse soldado senhora,Morto esta no arealCom três f’ridas em seu peitoQualdastrêsamaismortal.Por uma entrava o sol,Poroutraentravaoluar.PoramaispequenadelasPode o gavião passar,Com suas asas estendidasSemasensanguentar.

Cantiga da Segada

À caça ia Dom Pedro,A caçar com’o sol iaSeus perros iam cansados,eletambémcansadoia.Deitou-se a ua sombra,DasmaisaltasquehaviaLapormeiodanoiteSeusolhosdeitouacima.Viu na mesma sombrau’a donzela qu’dormia-O que faz ai a donzela,Oquefazaiamenina?-Estou a cumprir u’a promessaQue m’a deu minha madrinha.Hoje acaba o ano,Amanhãcomeçaodia.-QuerviradonzelaEmminhacompanhia?-Olhai se eu quero, Olhaiseeuquereria.Montou-a em seu cavaloE p’ra casa se dirigia.PoromeiodocaminhoDeu-lhetamanharisa.

- Porque se ri a donzela,Porqueseriamenina?-Rio-me do cavaleiroe da sua cobardia,Demeencontarnomontee guardar-me com ‘desia.-Volta atrás ó meu cavaloQueaesporavaiperdida!...-Volta a frente ó cavaleiro,que se a espora era de prata,Meu pai d’ouro t’a daria.

-Equeméesseteupaiquetantoourotenia?- Meu pai é o rei de Castela,Minha mãe, Dona Maria.-Por sinais que me vais dando,Tuésunairmanamia!...-Abra a porta minha mãe,Abra-a com mu’ta alegria,Entendia trazer mulher,Etragounairmanamia.- Se é minha filha,Suba até a cozinha,Sé é minha nora,Partapãoevá-seembora!

Rosario Andrade

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: Eira

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Vale

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A eterna Carção e sua emigração Durante quatro séculos, o Brasil foi povoado pela emigração portuguesa e nos séculos XVI e XVII, tão somente, cidadãos portugueses é que emigraram, os quais aqui cruzavam-se com a popu-lação, indígena exigente, daí surgiram dessa fusão, os caboclos, que era uma mistura entre brancos e índios. Como o advento da «escravidão» na qual durante séculos, para cá vieram os negros africa-nos isto do século XVII até meados do século XIX, e a fusão das três raças, deu o seguinte: além dos caboclos (brancos e índios) haviam os mulatos (brancos e negros) e os cafusos (negros e índios). Na época do império até à proclamação da república brasileira em 1889, a emigração portu-guesa havia diminuído, todavia, os militares resolveram abrir a imigração e então começaram a vir pessoas de outras raças, nomeadamente, italianos, espanhóis, gentes do leste europeu, como russos e do oriente próximo, como os libaneses, sírios, judeus, turcos, etc... bem como, a partir de 1905, do extremo oriente, Japão, Coreia, China e Índia, uma verdadeira miscelânea. Começou então a emigração portuguesa em grande escala, em seu mais acentuado plano, isso já em pleno século XX, chegando a aportar em Santos, uma média mensal de 5000 pessoas, as quais vinham em direcção da cidade de São Paulo, isto sem contar o que ocorria na cidade de Rio de Janeiro e outras cidades menores. De todas as partes de Portugal, aqui chegavam os emigrantes e principalmente os transmon-tanos, como os meus avós, o materno era de Rio Frio (Bragança) e o paterno de Carção e a «glória» que, este que escreve estas palavras, foi ter tido a descendência transmontana (o transmontano verga mas não quebra), sendo um orgulho fantástico, por eu ter ido conhecer Rio Frio e Carção e nelas eu pude ver quão magníficos são os seus povos, pela expressão mental, ética de um povo altaneiro, condizente com o conluio das raças que as formou e na qual eu estou ligado, fisicamente e espiritu-almente, directamente em primeira geração. Os «carçonenses» que para cá vieram, evidentemente alguns voltaram, por não se adaptarem a uma nova vida e longe de seus lugares de criação, mas, os que ficaram curtiram a vida como se es-tivessem em suas próprias aldeias, porque a imensidão de cidadãos portugueses era impressionante e traziam para cá toda a «fleuma» do trabalho, da diversão, da música e do folclore.

De Carção, podemos enumerar algumas famílias que, para cá vieram, tais como:

Francisco Manuel da Costa e filhos

GualterNascimentoPrada

Manuel Inácio Prada e filhos

António Miranda e família

ProdênciaAfonsoeirmãs

Celestino Calares

Adelaide Prada e família

Domingos Poças e família

João Alves Batista

José Augusto Rodrigues Calado

Manuel Augusto Luiz

Família Gerónimo

José Maria Calares

Américo Pires e família

Eusébio Fernandes e família

Manuel Barqueiros

Isabel Maria Prada Alves e irmãos

Maria Guiomar Afonso

Germanos e família

Vilarreal e família

António Machado

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Eles embarcaram em Lisboa e no Porto e os navios, faziam paradas na ilha da Madeira ou na ilha das Palmas, sendo que, ficaria quase impossível mencionar todas as famílias que, vieram para São Paulo via Santos e hoje em dia, após 1974 não houve mais emigração e só podemos vir para o Brasil com cartas chamadas, pelo acordo Brasil – Portugal. Os carçonenses, sempre brilhantes, traziam com eles a música folclórica que enfeitavam os bairros paulistanos com festas nas paróquias, no natal também, e todo o fim de semana havia feste-jos proporcionados por essa gente maravilhosa que, acabaram incutindo no brasileiro a forma das festas nos clubes de bairro e mormente, nas cidades interioranas, sendo que a música caipira é uma corrupteladamúsicaportuguesa. Os portugueses instalavam-se em todos os bairros da grande cidade São Paulo e os «carço-nenses» geralmente escolhiam os bairros do Brás, Vila Maria e Vila Mariana e no bairro Brás, na rua Miler, havia até uma entidade de nome «São João Batista» que oferecia festas e bailes sema-nais com músicas folclóricas e cantores de fado, havia como ainda existe o Centro Trasmontano de São Paulo, a Casa de Portugal de São Paulo, o Clube Português de São Paulo e outras inúmeras entidades como o Arouca Clube de São Paulo, Vilas de Portugal, Clube Lusitano, Vasco da Gama, Portuguesa de Desportos, Pedro Homem de Melo e enfim, um número grande em outras cidades como Campinas com sua Casa de Portugal, Praia Grande também, e Santos e que, esses emigrantes criaram, para que hoje nós possamos nos divertir e recordar o querido e eterno Portugal. Como de Carção havia a tradição de «Almocreves», muitos e muitos carçonenses para cá trouxeram essa profissão, como meu pai, Adriano Augusto da Costa, seus irmãos Diamantino da

Foto: Anos 30, Almocreves de Carção no Brasil (venda de panos)

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Costa e António Joaquim da Costa e espalhando-se pela capital e cidades do interior paulista, bem como outros estados, como Minas Gerais, vendiam todo o tipo de mercadorias, como: calças, blu-sas, camisas, vidraçaria, couros, etc... Hoje São Paulo é a maior cidade das Américas, com18 milhões de habitantes, 6 milhões de automóveis, mais dois milhões de outros veículos, com metro (metrô) levando quase 5 milhões de pessoas diariamente e se juntarmos com as cidades coladas em São Paulo, formando a «Grande São Paulo» teremos o maior conglomerado populacional do mundo com 30 milhões de habitantes, edevemosaquem?Partedissotudooutalvez80%aosportuguesesedosbrilhantescarçonensesque, para cá vieram e deram vida a tudo em São Paulo, nos seus costumes, na vida diária, nas festas eoutrasactividades. Graças a Deus eu sou descendente desse povo altaneiro, ligado eternamente às minhas ra-ízes lusitanas, escrevo no jornal «Mundo Lusíada» há já 5 anos, em uma coluna com o título de «Opinião Luso-Descendente», sou sócio da «Beneficência portuguesa de São Paulo» frequento o «Centro Trasmontano de São Paulo», a Associação Portuguesa de Desportos, a Casa de Portugal de São Paulo, e o grupo folclórico «Pedro Homem de Melo» e acompanhei o meu pai «carçonense» Adriano Augusto da Costa que, faleceu em 31 – 12 – 2004 com 102 anos de idade e quem amou e transmitiu a mim a paixão fulminante por essa terra bendita, a eterna e de sonhos: Carção. Amo a revista «Almocreve» e os seus integrantes que me deram a oportunidade em duas revistas de colocar a minha opinião, na de 2004 «A importância de ser descendente de Carção» e na de 2005 «Carção, o diamante reluzente». Glória eterna à Carção, de meus sonhos! Porque para mim é o maior orgulho de minha vida e quando eu coloquei os meus pés nessa terra sagrada, o meu coração palpitou emocionalmente, obrigado povo de Carção, obrigado heróis da revista «Almocreve», muito obrigado mesmo!!!

Adriano Augusto da Costa Filho - Brasileiro luso – descendente, sangue e alma de carçonense (Membro da Casa do Poeta de São Paulo) (Membro do Movimento Poético Nacional - Brasil)

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A matança do porco constituía um cerimonial que se repetia todos os anos no mes de De-zembro. Criavam-se os porcos desde pequenos com o que a terra dava, castanhas, batatas, couves, abóboras, beterrabas, a fruta que o bicho carcomia por dentro e atirava precocemente ao chão.Convidavam-se os vizinhos, vinha a família, todas a ajuda era bem vinda. Era necessária a for-ça de alguns homens para transportar o bicho e colocá-lo em cima de um banco, sob o flanco. Com o animal assim imobilizado, um dos homens, normalmente alguém com experiência na matéria, enterrava-lhe a navalha no tórax, dirigida ao coração. O sangue recolhia-se, misturava-se com cebola picada e sal e mexia-se durante algum tempo para evitar a sua coagulação. Deseguida chamuscavam-se os pelos e lavava-se a pele do bicho. Tradicionalmente o porco eracolocado no chão em cima de palha seca que posteriormente se queimava. Depois de chamus-caro animalos cascosdasunhaseram retiradas eumadas actividadesaqueas crianças acha-vam muita piada era recolhê-los e enfiá-los nos bolsos dos adultos sem estes darem conta.Posteriormente, o porco era colocado de costas no banco, fazia-se uma incisão no abdómen e no tórax para retirar as vísceras. Estas eram entregues às mulheres que as levavam para perto de uma fonte de água. Aí lavavam-nas exaustivamente, extraíam com paciência o conteúdo entérico, as serosidades e davam-lhes destino conforme o tipo e qualidade, intestino delgado para chouriços e alheiras; intestino grosso para salpicões; estômago, bexiga e murca para os butelos. O coração, o fígado, os rins, alguns pedaços da barriga eram aproveitados para o almoço da matança. Depois de limpo, o porco era suspenso de cabeça para baixo, por meio de uma rol-dana ou apenas por estacas de madeira. O frio áspero retesava as carnes durante a noite.No dia seguinte, com a carne enxuta e hirta, procedia-se ao desmanche do animal. Também aqui era dado destino às diferentes partes, presuntos para a salga, costelas para serem fumadas, cabeça para as alheiras, lombos para os salpicões, ossos da coluna e rabo para os butelos, retalhos para os chouriços, sobras para os chabianos.

A matança do porco

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Havia muito pouco que se não se aproveitasse. Nós não tínhamos o hábito de comer o touci-nho mas era normal na maioria das outras casas nem isso escapar. De qualquer modo, guardavam-se os pedaços mais incomestíveis, ou a provisão do ano passado, que entretanto se tornara rançosa, para fazer sabão. Cortava-se o toucinho em pedacinhos, juntava-se soda cáustica e outros ingredientes, e o processo de saponificacao carcomia a gordura e trans-formava-anumsabaomuitobrancoecomumodorcaracteristico. A gordura do abdómen que protege as vísceras, à qual se dava o nome de “unto”, depois de retesada pela acção do frio de uns dois dias, era cortada em pedaçosefervida. Assimseobtinhaabanhaquedepoisseusavaparacozinharduranteorestodoano.Asdiferentespartesdecarneeramcortadasconvenientementetendoemcontaasua finalidade. Eram então mantidas em água salgada e aromatizada com tomilho, orégãos, louro e muitos alhos, durante dois ou três dias até tomarem o sal. Durante esse tempo, os almoços e jantares consistiam invariavelmente de carne de porco assada. Era uma carne perfumada, suculenta e muito tenraquepingavaabundantementeparaasbrasasesedesfazianabocacompoucoesforço.

Fumeiro: As alheiras

Depoisdamatançadoporcocomeçavaaazáfamadefazerofumeiro.Opioreramasalheiras.Os preparativos começavam no dia anterior, partia-se o pão em fatias muito finas para uma caldeira enorme de cobre, descascavam-se inúmeras cabeças de alho. As tripas, depois de lavadas, eram cortadas em pedaços de vinte e cinco a trinta centímetros e atadas numa das extremidades. No dia marcado, muito cedo, era necessário cozer as diferentes carnes, porco, vitela, galinha, pato. Era tudo feito ao lume, usava-se um pote de ferro tradicional, enorme e que só era usado para este efeito. Apesar do tamanho descomunal, a quantidade de carnes era tão grande que eram neces-sáriasváriasrodadasparaacozertoda. O caldo resultante, perfumado com ervas e alhos, era forte, oloroso e de um sabor intenso e aveludado. De seguida desfiavam-se convenientemente as carnes. Esta operação demorava longas horas. Com o caldo fervente amolecia-se o pão, adicionavam-se os alhos moídos, a carne, o azeite quente

(algumas pessoas usavam também banha derretida, mas lá em casa gostavamos da opção relativamente mais saudável) e o colorau. Assim se obtinha uma massa untuosa, alaranjada e fumegante. Procedia-seentãoaoprocessomorosodetransferiramassaparaointeriordastripas.Paraesseefeitousava-seumafulineira, um uten-sílio metálico em forma de funil. Introduzia-se a extremidade mais estreita na abertura da tripa, e pela outra empurrava-se a massa até que a alheira surgia corada e arrebitada. Atava-se a abertura com o fio que sobrava da outra extremidade e pronto, ja estava...

Depois restava lavar as alheiras e içá-las ao tecto da cozinha, onde ficariam por alguns dias a secaremporacçãodocaloredofumodalareira. Oschouriços eram mais fáceis de fazer. Com a carne cortada em pedaços adequados, es-corrida da água da salga e envolvida em colorau, fazia-se passar pela fulineira, furando com uma agulha qualquer bolsa de ar e obrigando os bocados a aderirem firmemente uns aos outros.Parafazerossalpicões usava-se uma técnica semelhante, mas sem a fulineira. Eram usadas tripas largas, do intestino grosso ou tripão comprado no mercado, os pedaços de carne de tamanho consi-derável, eram introduzidos directamente, acondicionados cuidadosamente, entalados uns contra os outros, evitando qualquer bolsa de ar entre eles.

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Osanguedoporcoeasaparasmenosvistosaseramusadosparafazeroschabianos (chouri-cos de sangue). O processo de elaboração era semelhante ao das alheiras. O pão fatiado era amo-lecido com o caldo rico e espesso resultante da cozedura das carnes. Com a adição do sangue obtinha-se uma massa muito escura que servia de base aos dois tipos de chabiano. O primeiro, era um enchido normal comido cozido durante a refeição. O segundo assava-se normalmente no fim da refeição e obtinha-se pela adição de acúcar, mel e amêndoas à massa base. Os pulmões e a traqueia, cortadosempedaçosemisturadoscomoutrosbocadosdecarneeramusadosparafazerasBochas, um enchido muito original, com uma consistência estranhamente esponjosa, que se comia cozido.Sempreajudeinaelaboraçãodestesenchidosmasosbutelos (no centro da fotografia) eram um assun-tomuitomaissério.Eranecessáriaaexperiênciadelongosanosparaadquirirahabilidade que permitia conjugar os ossos -vértebras, costela, rabo - nas tripas, demodoaobterumenchidohomogéneoeequilibradonasuacomposição.Astripas, estômago, bexiga e murca tinham de ser preparados segundo um proces-somorosoquerequeriagrandepaciênciaededicação.Àmedidaqueoenchidonascia das mãos hábeis da minha mãe, era-lhe dado o destino, “este grandico para comer no dia de Páscoa, este para o dia tal, este para fulano, este para sicrano...”. A medida que eram feitos, os enchidos eram pendurados na tecto da co-zinha, por cima da lareira para serem curados. Colocados em varas de um lado a outro, constituíam umavisãomulticoloridaereconfortante.Enquantoqueosdemaistinhamumavalidadebastantereduzida e eram consumidos nos meses seguintes, os chouriços e os salpicões eram conservados emazeiteparaorestodoano.Ospresuntosuntadosempimentãopicanteemantidosemsalmouradurante uns meses conservam-se durante muito tempo e alimentavam as famílias durante o resto do ano.

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5230-131 ARÇÃO

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“Carção apresenta uma dimensão popula-cional invulgar nas aldeias do Nordeste. Estárelativamente perto de Bragança: a estrada mais curta que liga esta cidade à vila de Vi-mioso atravessa a aldeia, ou antes, a «Praça de Carção». Esta aldeia e aquela vila encon-tram-se à mesma distância absoluta de Bra-gança e, contudo, Carção está efectivamente mais perto da cidade do que a vila de Vimioso. Surpreende-nosdeentradaoaspectodaPra-ça de Carção: casas sem qualquer função rural, com primeiro e segundo andar, varandas e jane-lasdevidrinhos.Sugere-nosapresençadeumgrupoabastadoquenãonasceunosnossosdias.O povo chama à «Praça» o bairro dos judeus. Queristodizerqueelereconhecenaestruturada aldeia dois grupos distintos: os lavradores e os «judeus», ou seja, os que vivem da lavoura eosquevivemdocomércio.Esteúltimogrupotem uma posição bem definida dentro da aldeia: uma actividade, um modo de vida e uma posi-ção social. É através desta população comer-ciantequeaaldeiatemumafunçãonaregião. Se o tema do nosso trabalho foi a po-sição da aldeia nos seus aspectos inter-re-lacionados, justifica-se assim que empre-guemos a designação de «judeus» no mes-mo sentido com que o povo hoje a utiliza1.A importância regional da Praça de Carção:

Um grupo numeroso de judeus é constituído por comerciantes ambulantes que, montados na mula, percorrem as aldeias do concelho de Vi-mioso e o planalto de Miranda a vender azeite, bacalhau, arroz, farinha e, com menos frequên-cia, ovos, peixe e queijo. O local de abasteci-mentodestecomércioambulanteéaprópriaal-deia de Carção. O seu equipamento comercial é relativamente importante: quatro ou cinco casas de comércio «de tudo», localizadas na Praça. A afluência frequente de camionetas de mercea-rias e de peixe à Praça de Carção revela também

Carção, um lugar central de comérciona segunda metade do século XX (1950/1960)

o volume da actividade comercial da aldeia. Oscomerciantesambulantestambémseen-contram particularmente ligados ao comérciodoazeite.Osseusfornecedoreshabituaiseramas aldeias do Sabor, especialmente Santulhão, Matela e Izeda. Nos últimos decénios, esta rede deabastecimentoconcentrou-seeosfornecedo-resdocomércioambulantedoazeitesãoagoragrandescomerciantes.Sãoogrupodearmaze-nistas de Macedo de Cavaleiros, donos de um comércio variado, especialmente azeite; abas-tecem-nosasaldeiasdasmargensdoSabor.OutrogrupoéodosgrandescomerciantesdeCarção, que não são, no entanto, grandes pro-dutores de azeite. Compram-no aos pequenos agricultores e, por outro lado, como são donos da prensa da aldeia, as máquinas permitem-lhes engrossaracolheita.Estesgrandescomercian-tes de Carção são, portanto, fornecedores dos azeiteiros, por um lado, e dos grandes arma-zenistas de Macedo de Cavaleiros, por outro. AespaçosaPraçaéumdostraçosmaisca-racteristicamente definidores de Carção. O bu-lício da chegada das camionetas ou dos carros doscaixeiros-viajantesquesedeslocamaBra-gança, passando por Carção e Argozelo, o pas-solentodaspessoasrondandoastabernaseo«café» retratam uma praça comercial. É o local de trânsito para os fornecedores das lojas de co-mércio da aldeia. Mas a Praça não serve apenas asuanumerosapopulaçãolocal.Aelaocorremaspessoasdasaldeiasvizinhasquevêmfazercompras; dela irradiam os azeiteiros que vão venderosprodutosporumavastaáreadeclientesconsumidores: desde as aldeias em redor até às aldeiasdoplanaltoondeacamionetanãochega. A actividade comercial de Carção é antiga. Quando o Nordeste Transmontano não tinhasequer as poucas estradas de hoje, e mesmo anteriormente ao caminho-de-ferro, os co-merciantes de Carção iam até ao Pinhão, onde deixavam as mulas. Daí iam ao Porto fazer compras e regressavam à aldeia com os car-

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Carção, um lugar central de comérciona segunda metade do século XX (1950/1960)

roscarregadosdemercadoria.Amemóriadosactuais azeiteiros está povoada de histórias, ouvidas aos pais e avós, que relatam morosas viagens e carregamentos que periodicamentechegavam à aldeia. Os comerciantes passavam todoo anonestasviagens e sóvinham três aquatrovezesporanoacasa.Amercadoriatra-zida para a aldeia era vendida a retalho aospequenos azeiteiros que, montados na mula, a iamrevenderaoutrasaldeiasdodistritodeBragança. Com a penetração do caminho-de-ferro em Trás-os-Montes, o local de abasteci-mento dos comerciantes por grosso de Carção passou a estar mais perto: Bragança ou Macedo de Cavaleiros. Depois veio a estrada. Hoje as camionetas trazem a Carção a mercadoria e os grossistas da aldeia decaíram. Uns saíram para o Brasil ou para as cidades como Lisboa, Porto, Bragança; dos que se mantiveram comerciantes

(grossistas) a maioria deslocou-se para Mace-do de Cavaleiros, particularmente os grossistas de cereais, azeite e lã. Os grossistas de solas ecabedaisdispersaram-semais.Hojesãodoisarmazéns de solas e cabedais do Porto, mas gente de Carção, que fornecem os sapateiros da aldeia. Macedo de Cavaleiros era um posto centraldecolectaederedistribuiçãodeprodu-tos. Com o caminho-de-ferro as condições para lugarcentraldeactividadesgrossistaacentua-ram-se. Actualmente, a concentração de gros-sistas de Carção em Macedo é considerável, localizando-se a maior parte deles na Rua da Estação.Sãoreconhecidosaindahojecomoumgrupo distinto da população de Macedo e, con-tudo, muitos são os que já lá nasceram. «Para cá do Marão mandam os que cá estão. Menos em Macedo onde mandam dos de Carção». Permaneceram na aldeia meia dúzia de

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A Praça: Centro Comercial para uma área vasta e símbolo na aldeia da impor-tância do grupo dos Judeus.

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grossistas que souberam adaptar-se. Os seusherdeiros são hoje os donos das lojas de co-mércio da Praça.A decadência dos azeiteirosfoi menos brusca, visto que a sua função ainda tem razões para persistir. É preciso considerar as condições de acessibilidade, a estrutura das aldeias e as relações cidade-campo no Nordeste Transmontanoparasituaropapeldocomércioambulante num mundo rural à margem da vida de relação. Contudo, é uma actividade adapta-daqueseapresentacadavezmenoslucrativa.Mantém-se porque os azeiteiros não podem trocar este modo de vida pelo outro – a lavoura. Com a evolução dos meios de transporte, a vida comercial de Carção reduziu-se. Como era de esperar, os grossistas foram os mais sensí-veisaestaevolução.Éporissoqueopovodizque «já não há judeus». Referem-se aos gran-des comerciantes que deixaram a aldeia, aos donos das prestigiosas casas da Praça, constru-ídas no princípio do século. Elas atestam a im-portância de um grupo e a função comercial da aldeia. Entretanto, a posição de Carção alterou-se, mas permanece, contudo, como lugar cen-tral de funções comerciais para uma vasta área.

A estrutura da aldeia:

Vimos que a Praça tem uma função co-mercial na região. Ela não podia deixarde ser «bairro» distinto dentro da aldeia. Com efeito, há um absoluto contraste en-tre a Praça e o Bairro de Cima, ou seja, en-tre o bairro dos judeus e o dos lavradores. No Bairro de Cima, apinhado sobre a rocha, avariedadedecasaségrande.Desdeashabi-tações mais simples – a casa com a porta da loja do porco debaixo da escada – até à casa de varandacomalpendreegrandesportadasqueescondemvárias lojasdegado.Se avarieda-de de tipos de casa rural atesta diferenças defortuna entre os lavradores, o contraste entre a Praça e o resto da aldeia denuncia dois tiposdistintos de viver: o comerciante e o agricultor. Tambémnaaldeiasesenteocontrasteentreosvagares do azeiteiro regressado a casa – pe-quenosgruposdiscutindonegóciosdeixam-seficar pela Praça – e o dia-a-dia programado e silenciosodolavrador.Queristodizerquevãofabricandoapenasumajeirinhaparaobterpa-

lhaparaamulaeestrumeparaacortinhadondecolhemhortaeumpoucodepãoparaosgastosda casa. Muitas vezes colhem o pão na leira do vizinho que recebe, em troca, a terra estruma-da para a sua sementeira. Outras vezes, pedem emprestada a mula a outro azeiteiro, para que a parelha possa arar um exíguo pedaço de terra. Como diz o povo, o judeu não pega na enxa-da, quer dizer, não faz da terra o seu modo de viver. Procura apenas obter dela um mínimo paracomerduranteoanoevivedocomércio. Persistem hoje os vendedores ambulantes.Para se fazer hoje uma ideia da importância re-lativa do grupo dentro da aldeia, procedemos emAgostode1968auminquéritodirecto.Aaldeia tinha 358 fogos (1310 habitantes), se-gundoossensosde1960.Oinquéritoabrangeuapenas 264 fogos. Cerca de 27% eram tidos como «judeus». Destes, 50% eram vendedores ambulantes, tanto azeiteiros como comercian-tes de peixe, ovos, fruta, etc., sendo os restan-tes artífices (sapateiros, ferreiros, carpinteiros, albardeiros, ferradores, alfaiate, barbeiro). Com efeito, o grupo de artífices é relativamen-te numeroso. Satisfazem a população locale a das aldeias vizinhas que frequentementevêm fazer compras a Carção. Os seus produ-tossãotambémvendidosnasfeirasregionais. Os agricultores correspondiam a 45% dapopulação da aldeia, dos quais pouco menos de um terço eram lavradores de vacas; os res-tantes lavram com mulas, jumentos ou machos. Os senhores da aldeia são meia dúzia degrandes negociantes. Herdeiros do comérciodos pais – as casas da Praça –, foram-se tornando progressivamentedonosdevastaspropriedadesrurais.Énestasqueseobservaoúnicosinaldemecanização e, por outro lado, são trabalhadas porjeirantesougentesemterraquehabitanaaldeia. O comércio da aldeia – quatro grandes casas – e as únicas indústrias agrícolas – duas prensas hidráulicas e uma moagem – pertencem a indivíduos deste sector da população. Já atrás fizemos referência ao facto de a propriedade des-tas indústrias agrícolas favorecer a concentra-ção da actividade comercial grossista de Carção. O grupo de jeirantes na aldeia é, de facto, numeroso. Corresponde a cerca de 20% da po-pulação totaldaaldeia.Agrandemaioriadosjeirantes utiliza terras a meias ou «pelo estru-

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me». Mas vivem essencialmente da jeira: os grandes senhores de Carção e os proprietários da vila – Vimioso – dão-lhes trabalho todo o ano. No Verão formam grupos de segadores. Descem a Mirandela para fazer a segada na última semana de Maio. Em Junho, voltam à aldeiaparacolheropãoevãosegarparaasal-deias vizinhas. Em Julho, deslocam-se a terras de Miranda. Dantes, deslocavam-se também a Alcañices e Zamora (Espanha). Há uns anos para cá, o número dos grupos e o percurso tem-se reduzido, visto que os jeirantes cons-tituem a maioria dos imigrados em França. Asegregaçãoentreagricultoreseazeiteirosera completa há apenas quarenta anos: bairros distintos, casamentos exclusivos dentro do gru-po, forte animosidade entre uns e outros. Só de hávinteanosparacáéquesevãotolerandooscasamentos entre elementos dos dois grupos.Não deixam de dar azo a galhofa, manifesta-ções jocosas e cortejos barulhentos, com cho-calhos, por parte da rapaziada judia, dirigidos ao noivo que casou com a filha de lavrador.

O lavrador significa para o judeu uma acti-vidade rotineira, penosa e inferior. Não falando já do grossista, o nível económico do azeiteiro eratãosuperioraodolavrador.Acrescentava-se ainda o prestígio de uma «actividade men-tal» que permitia ter lucros, ver outras terras eterlargasférias.Olavradorsentiaasuapo-sição como inferiorizante em relação àqueles que viviam do negócio, da «cabeça». Os nomes das ruas transversais à Praça lembram o pres-tígio dos grandes judeus que saíram da aldeia. Hoje, a distância económica entre o azeitei-ro e o lavrador não existe. Contudo, a sua se-paração é forte, se não progressiva. O precon-ceitodeoposiçãodeumavidarotineiraeduraà da «actividade mental», que é o comércio ou ofício, mantém-se. Mas, mais do que isso, osjudeusambicionaramoutroestratosocialeos filhos estudaram. Há cerca de 50 estudan-tes na aldeia, filhos de judeus. Frequentam a Universidade de Coimbra uns, outros o Magis-tério, e os cursos técnicos em menor número. Regressados a casa em Agosto, os estudantes

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Bairro de Cima: bairro de agricultores

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constituem um grupo. Mesmo quando os ju-deuse lavradoresnãoestãodistanciadospelorendimento económico, mas pelo significado social de um modo de vida, a segregação dos filhos – uns estudados, outros continuadores da vida da lavoura dos pais – reforça a segregação. São grupos distintos que nas suas relações se ignoram mutuamente. A Senhora das Graças, no mês de Agosto, é uma festa de judeus: deve-se à iniciativa e organização dos estudantes; conta com avultadas contribuições dos judeus, principalmente daqueles que hoje se encon-tram no Brasil ou em qualquer cidade do país.

Perspectivas de alteração da estrutura da al-deia:

Estimou-seem200onúmerodeemigradosque estavam fora de fronteiras, especialmente França2. São principalmente jeirantes, lavrado-res que deixaram a sua casa entregue à mulher e filhos e, em número reduzido, os azeiteiros de pequeno comércio, cada vez mais incerto. OsemigrantesvêmacasanomêsdeAgostoe pelo Natal. Com o dinheiro que trazem com-pramcasas.O fenómenoévulgar emaldeiasportuguesas: vão surgindo grupos de casas novas, bairros de «franceses», na periferia da aldeia. Mas, a área construída em Carção não cresce por este processo tentacular. Os «fran-

ceses» querem comprar as boas casas do cen-tro da aldeia e é assim que «os lavradores já se vão chegando à Praça». Quando os «france-ses» partem, depois das férias de Verão, espera-seumanoparaoutraoportunidadedevenda. Todaagentesabequeháumaúnicaépocado ano em que é possível obter um bom preço pelasuapropriedade.Odinheiropermitiuaoslavradores comprar casas que ocupam dentrodaaldeiaumaantigaeimportanteposiçãocen-tral: a Praça. É o atestado mais imediato de uma ascensão. Uma pergunta fica suspensa. Em que medidaéqueodesejodeequiparaçãovaimaislonge? Psicologicamente, o exemplo que têm na própria aldeia – os estudantes que refor-çam a distância entre dois grupos – seria um incentivo. Contudo, os exemplos são ainda in-significantes para tentar qualquer conclusão”3.

Recolha: Paulo Lopes––––––––––1 Dão-nos informações sobre a antiguidade de uma população judaica ocupada em ofícios: Francisco Manuel Alves, reitor de Baçal, Memó-rias Arqueológicas do Distrito de Bragança, vol. V, Coimbra, 1925; F. M. Alves e A. Martins Amado Vimioso, Notas Monográficas, Coimbra, 1968; J. L. Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, vol. V, Lisboa, 1967. o nosso ponto de vista, no entanto, foi o do significado socio-económico deumgrupo.2Estimativafeitaem19683 Paula Bordalo Lema, Revista Portuguesa de Geografia, Universida-de de Lisboa – Instituto de Alta Cultura, Vol. VII, nº 3, Lisboa, 1972.

João AméricoGonçalves Andrade

Informação Foi atribuída ao Notário, Dr. João Américo Gonçalves Andrade, licença para instalação de Cartório Notarial, exercendo a actividade na Avenida Sá carneiro, 11 (antiga sede da Caixa de Crédito Agrícola), em Bragança, ficando a seu cargo o acervodoextintocartórioNotarial.

CARTÓRIO NOTARIAL DE BRAGANÇAAv. Dr. Francisco Sá Carneiro, N.º 11 • 5300-252 BRAGANÇA

Tel. 273 302 880/5 – Fax 273 302 889Email: [email protected]

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Desconhece-se quando e onde o homemterá praticado pela primeira vez a cultura do li-nho. De acordo com os dados mais recentes da investigaçãoarqueológica,pode-seafirmarqueocultivodestaplantaherbáceajáerapraticadopelo homem pré-histórico.Aludimos, apenas,aachadosemterritórioactualmenteportuguês.NalgumasjazidasdaprovínciadeAlmiraqueremontam a 2.500 anos a.C., encontraram-secápsulasdelinhaça.Outrovestígioprovémdeumasepultura,situadanumapropriedadejuntodasCaldasdeMonchiquenoAlgarve,ondeserecolheuumpequenopanode linho, tambémde2.500a.C.Esta sepulturadatadaprimeiraIdadedoBronzeMediterrâneoPeninsular. Estesfactos,provamaexistênciadoculti-vodolinho,mastambémindicam,peloperfildoseufabrico,umlongodesenvolvimentoan-terior. AocompulsarmosaBíbliaSagrada,veri-ficamos várias referências ao vocábulo latinotexere,quesignifica traçar, tecer, tramar,bemcomoàsváriasutilizaçõesdostêxteisdesdeosagradoaoprofano. NoLivro do Êxodo,encontramosreferên-ciaaofactode,hácercade2.500anosa.C.,olinhosercultivadonoEgiptoedaimportânciadestenoquotidianoenasubsistênciadapopu-lação–“OgranizodestruiuportodooEgipto,quantohavianoscamposequebrouasárvores(...).Olinhoeacevadatinhamsidodestruídosporqueacevadaestava jácomespiga,eo li-nhoemflor.”1Aperdadestaculturaédescritacomoumadesgraça, tal a sua importâncianavidadapopulação. AindanoAntigoTestamento,encontramosreferênciaàutilizaçãodolinhonoespaçoSa-grado, como forma de glorificar oAltíssimo.Oseguinteexemploébemelucidativo:“Cons-truirásaseguiroÁtriodoTabernáculo.Doladomeridional,oÁtrioterácortinasdelinhoretor-cido num comprimento de cem côvados for-mandoumlado.”2Sãoaindafeitasreferênciasàsvestessacerdotais,“estasutilizarãoooiro,apúrpuraviolácea,apúrpuraescarlate,apúrpuracarmesimeolinhofino.OEfodseráfeitodeoiro,depúrpuraviolácea,depúrpuraescarlate,depúrpuracarmesimedelinhoretorcidotraba-

Cultura do Linho em Carção, na década de 50lhadoporumartista.”3

NãomenosimportantessãoasreferênciasàsvestesdeAarão–“Farásatúnicadelinho,atiaratambémdelinhoeocínguloserábordado.ParaosfilhosdeAarãofarásigualmente,túni-cas,cíngulosefarástiarascomosinaldedig-nidade e como ornamento. Revestirás com elas oteuirmãoAarãoeosseusfilhos;ungi-los-ás,investi-los-áseconsagrá-los-ásparaquesejamsacerdotesaoMeuserviço.Farás,também,cal-çõesdelinhovulgar,afimdelhescobriranu-dez,desdeosrinsatéàscoxas.”4

Convémsublinhar aindaque, as própriasvestes de Cristo eram de linho sem costuras. Faceaoexposto,é importantecompreen-derqueassociedadesanteriormentedescritas,regeram-sesobreorespeitodosvalorestrans-cendentaisecomunitáriosedaquelesquenãosemedememdinheiromasembeleza. O linhoé-nos reveladocomosímbolodedignidade,desinteresse,grandezaperanteaad-versidade,alegria,coragemfísica,sustentodocorpo e integridade moral. Desde a Antiguida-dequeolinhopermaneceumdosmaisimpor-tantestêxteis. A religiãoperdeu influência sobreosho-mensedesdehádécadasosmitoseasreligiõesparecem superadas pelo ateísmo.No entanto,olinhocontinuaasersímboloeumimportan-teritomilenáriodaelevaçãoetranscendênciabemcomoumimportantemeiodesubsistênciademuitaspopulações. Neste contexto e não esquecendo o ob-jectivoquenosmove–afirmevontadededartestemunhosobreonossopercurso,asnossasmemórias – tentaremos explicar, duma formatãosucintaquantopossível,comoseprocessa-vaaculturadolinhoemCarção,nadécadade50,desdearespectivasementeiraatéàsbonitastoalhasbrancas,comoaalmasempecado,dosaltaresdanossaigrejaedasmesasdoslavrado-res. Nacasademeuspais, tal comoemqua-se todasascasasdos lavradoresdeCarção,olinhoeratratadoatravésdeprocessostradicio-nais,desdeasementeiraatéàtecelagem,cons-tituindoumapreciosa tradição legadadepaisparafilhos. Assim,aolongodoseu“martírio”,olinho

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passava por várias fases designadas por “tor-mentos”.

A Sementeira

Esta tinha lugar na primavera, fazendo-ameuspaisnahortadoFreixo,naencostanas-centedeCabeçaGorda.Quandooscaulesatin-giammaisoumenosquinzecentímetros,aleiradolinhoeraregadapelopé.Consistiaestarega,emabriroorifíciodopoçodeágua,oqualfica-vaamontantedareferidaplantaçãoe,correndoopreciosolíquidopelosulcoabertoatéchegaràreferidaleira,ondeeraderramadolivrementepor todo o terreno da plantação, ficando estecompletamentealagado,comosedeumcampodearrozse tratasse.Haviatambémocuidadodeomondar,ou seja, arrancar todasaservasdaninhaseestranhasàreferidaplantação. Normalmente,emfinsdeJulho,alturaemqueoscaulesatingiamcercade90/100centí-metrosdealtura,eseencontravamquasemadu-ros,procedia-seaorespectivoarranque.Meuspais, costumavam transportá-lo em pequenosfeixesparacasaeestendiam-nosobre“mantasdefarrapos”5,nohortoquepossuíamcontíguoàstraseirasdasuacasa.Aquieracolocadoemforma de gavelas, para acabar de secar. Erasemprerecolhidoaofimdatarde,paranãoapa-nharahumidadedanoite,repetindo-seaope-raçãodiaapósdiaatéficartotalmentesecoeascápsulasseabriremnaturalmenteelibertaremassementesajudascomlevessacudidelaspelasmãoshabilidosasdeminhaMãe. O Curtimento Depoisdebemsecoetotalmentedesbaga-do, era transportadonovamente empequenosfeixesosmolhos,nodorsodeanimaispossan-tes,nomeadamenteasininosoumuares,paraoRioMaçãs,atravésdossinuososeserpenteadoscarreiros da íngreme ladeira de PenaTaínha.Chegadosaoreferidorio,colocávamososres-pectivosmolhosnoaçudedomoinhodePenaTaínha,tambémnaqueletempoconhecidopelomoinhodoRamos,sobreosquaiscolocávamospedras,demodoaevitarqueacorrentearras-tasseosmesmos.Olinhoficavanestasituaçãomaisoumenosumasemana,duranteaqualsedesenvolviaumaespéciedefermentaçãoepor

meiodesta,naturalmente,sedavaaseparaçãodoselementosfibrososdoslenhosos. Passado este período, o linho era retira-dodaágua.Abria-seabasedosfeixesecolo-cavam-se em pé, uns ao lado dos outros, emforma de pirâmide, para arejaremmelhor atéàsecagemtotal,afimdeseremtransportadosnovamente para casa.

A Maçagem Seguia-se agora o “tormento” da maça-gem.Esteprocesso,eraaprimeirafasedapre-paraçãodasfibras,ouseja,aseparaçãodasfi-bras lenhosas das fibras têxteis.Consistia emmaçarolinhocomummaço,oumaça(Fig.1)6,comonóslhechamávamos,aqualerafeitademadeiradecarvalho,porsernaturalmenterijaepesada.Erafeitaemformacilíndrica,comumcabotalhadonaprópriapeça,numadasextre-midades.

Começava-se esta operação, através depancadasconstantescomareferidamaça,poreliminarasraízesdosrespectivoscaules.Con-tinuava-seamaçagem,desdeabasedoscaulesatéàoutraextremidadeeacadapancadaqueseefectuava,comaoutramãovirava-seomolhode linho, para evitarmaçar nomesmo sítio eassim não cortar as respectivas fibras têxteis.Estaoperaçãorepetia-seváriasvezes,aomes-motempoqueseiasacudindo,atéficarcom-pletamentelimpodasarestasedasfibrasmaisfrágeisoucurtas.Aeste“tormento”seguia-seoutro. A Espadelagem Aespadelagemdolinho,eraasegundafa-sedapreparaçãodasfibras.Eranormalmentele-vadaaefeitocomoauxíliodedoisutensílios.

Fig. 1 - Maça

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O cortiço e a espadela.A espadeladeira,mulherqueespadelavaolinho,colocavaocor-tiço em pé, à sua frente. Empunhava a espa-dela (Fig.2)7, emformadecutelo,aqual,aocontrário damaça, era feita demadeira leve,normalmente de cerejeira ou amieiro. Com amãoesquerda,aespadeladeira,seguravaaes-trigapelomeio,demodoaquemetadedames-maficassependentedobordosuperioreparaforadocortiço(Fig.3)8,eaoutrametadeparadentro do mesmo. Começava então, em mo-vimentos ritmadoseconstantes,decimaparabaixoaespadelagemdasestrigas,paralibertaras fibras têxteis das palhas fragmentadas pe-lasoperaçõesanteriores.Acadaumaouduasespadeladelas,aespadeladeiracomamãoes-querdaviravaaestriga,paraespadelarames-madetodososladosuniformemente.Quandoapartequeinicialmenteficarapendentedoladodeforadocortiçoestavadevidamenteespade-lada, a espadeladeira invertia agoraaposiçãodaestriga,afimdeespadelaraparteque ini-cialmente ficara pendente para o interior docortiço.NoBairrodeCima,ondenasci,estasduasoperaçõeseramlevadasaefeitoemgrupo.Juntávamo-nosdefrontedacasademeuspaisàportada“Tia”Antónia“Chencha”,ondehaviaumacalçadabasálticasobreaqualmaçávamoso linho.A alma do grupo era a “Tia” Isabel“Revoreda”.Quejeitoelatinhaparaespadelar!Ao movimentar agilmente a espadela, moviaocorpoemconstantesmovimentosfranzinos,aomesmotempoque,cantarolandoalegremen-

te, entusiasmava o grupo e assim se tornavamais suave aquela enfadonha tarefa. Quandose“zangava”,nomeadamentecomalgumaes-trigaemaranhada,lásaíaopalavrãocastiçodaterra.Noentantoeracuidadosa,pronunciava-onoplural,nofemininoeacrescentando-lheum“v”nomeio,amenizandodestemodo,oefeito:“Carvalhas te recosam c’ambaranhada stas”.Jamaispodereiesquecertãotípicosquadrosdanossa Aldeia.

A Assedagem

Concluída a espadelagem, surgia desdelogooutro“tormento”–aassedagem–ouseja,aúltimafasedesteprocessoartesanal,atravésdoqualseseparavamasfibrasmaislongas,olinhopropriamentedito,dasfibrasmaiscurtas,a estopa. Aassedagem,eralevadaaefeitopelaasse-dadeiracomoauxílio,naturalmentedosedei-ro.Esteeraconstituídoporumapeçadema-deira (tábua) rectangularcomcercade80cmdecomprimento,emcujocentrosefixavaumceporevestidodechapa,ondeseencontravamimplantados dentes de aço pontiagudos, cujasecçãoeraredondaouparalelepípeda.Nosse-deirosdesecçãoredonda(Fig.4)9,ametadees-querdadestaeraconstituídapordentespontia-gudosmaisgrossoseafastadosunsdosoutrosaqualerautilizadaparaaprimeirafasedaasse-dagemdasestrigaseametadedireita,dedentesmaisfinosejuntos,destinava-seàúltimafaseda assedagem. Por sua vez, nos de duas sec-çõesdedentespontiagudos(Fig.5)10,umaeraconstituídatambémpordentesmaisgrossoseafastadoseaoutrapossuíaosdentesmaisfinosejuntos,cujasfunçõeseramasacimadescritas,efectivamente. Osedeiroquemeuspaispossuíameradesecsecçãoredondaearespectivamadeirapare-ciapreta,tãoenegrecidaseencontravadevidoaoslongosanosdasuaexistência,oqualhaviasido legadoentreváriasgerações.Gostaria e,tudofizpara incluirnestemodesto trabalhoasuafotografia,masosmeusintentosnãotive-ramêxito.Reproduz-senoentantoafotografiadeoutrosemelhante(Fig.4)oqualpertenceuàaldeia de Malhadas do Concelho de Miranda doDouroehojeseencontranoMuseudeEt-nologia.Aabertura,emformademeialua,que

Fig. 2 - Espadela

Fig. 3 - Cortiço

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sevênumadasextremidades,serviaparaaas-sedadeira,quandoassedavaasestrigasempé,comosedeiroaoaltoeparaleloàspernas,aliintroduzirumdospéseassimfirmaroreferidosedeiro. Esta operação era,mais umavez, levadaaefeitopelasincansáveismulheres.Namaiorpartedasvezesenaposiçãodesentada,aas-sedadeira, instalava o sedeiro imediatamenteàsuafrente,aproximandoapartesuperiordomesmoaopeito,demodoaqueasmãosficas-semparalelasàsecçãodedentespontiagudos.

Pegavanaestriga,desatavaassuasextremida-des e de imediato enrolava uma no dedo indi-cadordamãodireitaesacudia-aenergicamenteparaaendireitar.Emseguida,passava-acuida-dosamenteváriasvezes,primeiropelametadedireitadasecçãodedentesmaisraloseafasta-dosedepoispelametadeesquerdadareferidasecção,dedentesmaisfinosemaisjuntosemmovimentosleves.Comamãoesquerdaacom-panhava e amparava a estriga e assim tal como aumacabeleira fulva aovento, a “penteava”(assedava), primeiro desde omeio da estrigapara uma das extremidades e em seguida a ou-tra metade. Écomimensurávelsaudade,querecordoeretenhonaminhamemória,aimagemdemi-nhaMãe,debruçadasobreosedeiro,qualpaci-ênciadeSantaemãosdefadaexperiente,quetãoperfeitotrabalhorealizavam!Eos“tormentos”dolinhocontinuavam... A Fiagem O“tormento”dafiagem, tarefaquemaisumavezcabiaàslaboriosasmulheres,erade-sempenhadanointervalodeoutrastarefasnãomenos cansativas. Muitas vezes as mulheres fiavam à noite, ao longo do serão e à luz da

candeiadeazeite,depoisdeumlongoeárduodiadetrabalhonocampoeemcasa.Não raras vezes, era vê-las pastorear o reba-nho,guardandomanadasdevacas(boiadas)ea caminho da horta, fiando as suas estrigas emanelos.Paraexecutarestatarefa,eraapenas,necessáriaumarocaerespectivofuso(Fig6)11. Paciênciaeartenãolhesfaltavam,predicadosqueaprendiamemtenraidadeetransmitiamàsnovasgeraçõescomtodaamestriaesaber.Lembro-meperfeitamente,denadécadade50,sereupróprioafazerasrocasparaminhaMãeeminhas irmãsfiaremo linhoea lã.NaPri-mavera,quandoaseivajábrotavanasplantas,cortava rancas (varas direitas) de castanheiro. Napartesuperiordaranca,auns15cmabaixodorespectivotopo,abriaumaincisãocircular,ondeapertavaumfio,repetindoestaoperaçãoa15ou20cmmaisabaixo.Molhavaestapartedavaraeemseguidalevava-aalumebrando,afimdeaamolecer.Comumanavalhadepontacortada,própriaparaenxertia,abriaumafendalongitudinalmente entre os dois ceptos, repe-tindoestaoperaçãonoladooposto,formandoassim,quatro tiras (fugas) iguais.Commuitojeito,colocavaumarodeladecortiçaoudema-deira,tambémlongitudinalmentenumadasre-feridasfendas.Comoauxíliodosdedosemui-tahabilidade,iamovendoarodelademodoaarquearasfugas,atéqueamesmaficassetrans-versalmentenocentrodaquelas.Estavaconclu-ídooroquiloubojodaroca.

Fig. 4 - Sedeiro de Secção redonda

Fig. 5 - Sedeiro de duas Secções redondas paralelepípedas

Fig. 6 - Roca e Fuso

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Apartesuperioraobojo(atorre),eraenfeitadacomváriosdesenhos simétricos, feitos comacitadanavalha,taiscomolosangos,triângulos,recortes circulares, etc. Na haste da roca, ouparteinferiordavara,abrianarespectivacas-ca,duasfendasparalelasemformaaspiral.Re-tiravaessafaixadacascadavara.Emseguidalevava-aalumebrando,afimdetorrarafaixada vara descascada. Finalmente retirava a outra faixadecascaeassimficavaarocaornamenta-dacomumafaixabrancaeoutraparalela,acas-tanhada pela acção do fogo. Estes desenhoseramagostoeconformeaimaginaçãodecadaum.Haviarocascujobojoeraconstituídoporseisoumaisfugas,masaexecuçãodestaseramaisdifícil.Ofusoeraconstituídoporumahastedemadei-raemformadeconealongado.Tinhanabaseumpequenodiscofixoenapartesuperiorumaranhura em forma heleocal onde a fiandeiraenrolavaofio,paraprocederàtorçãodenovabraçadadomesmo.Afiandeiraseguravaomanelodelinhoaobojodaroca.Enfiavaaparteinferiordamesmanacintura,doladoesquerdo,amparando-acomorespectivoantebraço.Comosdedospolegareindicadoresquerdos,puxavaasfibrasdolinhoeenrolava-ascomos referidosdedos.Comoauxíliodasalivahumedeciaofio,esticando-oparaqueficasseuniforme.Ofioassimconfec-cionado,iasendoenroladonofusocomosde-dospolegareindicadordamãodireitaforman-doassimarespectivamaçaroca.

Passagem do fio das maçarocas para as meadas Asmaçarocasdofiofiadona roca e res-pectivo fusoeramcolocadasemmeadasatra-vésdosarilho. EmCarção,nadécadade50,utilizava-seosarilho igual ao representado na (Fig.7)12. Como podemosobservareraconstituídoemmadeira,porquatrobraçosemcruzcomumapequenapeçatransversalnapontadosrespectivosbra-ços.Tinhaumeixohorizontal, comumama-nivelanumadasextremidadeseelevadosobreduascolunasparalelas.Abaseeraconstituídaporumagradeemformade“T”duplo.Ofuso,comamaçarocaeracolocadotransversalmen-tenaranhuradedoisbornoseofioiaprender

numadaspeçastransversaisdareferidacruzdosarilho.Comoauxíliodamanivelaprocedia-se a movimentos circulares da cruz do sarilho fazendopassarofiodamaçaroca,dofuso(quetambémsemovianomesmosentido),paraasrespectivas meadas.13 Branqueamento do fio Olinhopassaagorapordoisprocessosdebranqueamento. O primeiro, branqueamentodasmeadas, consistia em batê-las fortementesobreumapedradolavadouro,ounumapedrajunto do poço na horta. Eram batidas, natu-ralmentenummovimentodecimaparabaixoapenas com água, sem usar qualquer tipo desabão.Aestaoperaçãochamava-seadeceiva.Emseguidaprocedia-seàbarrela,ouseja,co-ziam-seasmeadasemcaldeirasdecobresobre-postasnastrempes,queeramconstituídasporumarcodeferrosustentadoportrêspéssobreoqual se colocavamas referidas caldeirasdecobre.Tambémsecostumavapendurarascal-deirasdasLás.Asmeadaseramentão,empa-padasemáguaecinza,amaisbrancapossível,normalmenteutilizava-seacinza14 de vides. As referidasmeadas,eramemborralhadasnacal-daresultantedascinzasedaágua, tendo-seocuidadoemverificar se todososfiosficavambemempapados.Quandoaquantidadedeme-adas eramenor, ferviam-se emgrandes potesdeferro.Depoisdebemempapadas,asmeadaserammergulhadasemáguaaferver,calcando-ascomumacolherdecabolongo.Nofinaldoprocesso juntava-se-lhe cinza seca e bocadosdesabãojuntamentecomalgumaservas.Man-tinha-seaáguaemconstantefervura,acrescen-

Fig. 7 - Sarilho

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tando-a quando necessário para compensar aqueseevaporava.Estaoperaçãodemoravacer-cade24horas.Asmeadaseramretiradasfindoeste tempo e depois da água estar fria. Eramentão, novamente lavadas com água e sabão,esfregando-asnapedra,metendo-lheosbraçospor dentro e esticando-as, batendo-as e sacu-dindo-as.Nofinaldesteprocesso,procedia-seaumasegundabarrelada.Asmeadaseramco-locadasnumcortiçoounumcestodevergadetecidobemapertado,àsfiadasecobertascomum pedaço de lençol sobre o qual se deitavaumacamadadecinzapeneirada,deitandoporcimadesta,águaaferver,aomesmotempoquesemexiaacinza.Estaoperaçãosó terminavaquandoaágua,depoisdeatravessarasmeadas,saíaporbaixodobarreleiro15àmesmatempe-ratura que se deitava nomesmo.Em seguidaabafava-seobarreleiro,paramanterocalornomesmodurantealgumtempo.Quandoarrefe-cia,repetia-seaoperaçãosucessivamente,du-rantetrêsdias. Terminadaabarrela,asmeadaseramreti-radasdosrespectivosrecipientes,lavadas,en-direitadasepostasacoraraosolduranteodia,sendosemprerecolhidasànoite.Estecoramen-todemoravacercadequatrodiasdecadaladodasmeadas.Terminadamaisestaetapasãofi-nalmente lavadas e postas a secar. Durante a se-cagem,penduradas,emcanasouvaras,asme-adastinhamtendênciaasecontrair,peloqueàsvezeseranecessárioesticá-lascomosbraçosenodiaseguintependurá-laspelaoutraextremi-dade.Depoisdedevidamentesecas,metiam-seasmãospordentroesticando-asbem.Atravésdeumaforçadesencontradadosbraços,enrola-vam-sesobresi,ameio,fazendopassarumdosextremos da meada por dentro do outro e nesta posiçãoseguardavamemcestosatéseremdo-badas. A Dobagem16

Parapassarofiodasmeadasparanovelosutilizava-seadobadoira(Fig.8)17Esteutensílioespecial era constituído pela base, uma caixaabertaemformaquadrangularourectangular,aqualserviaparacolocarosnovelos,paraalémde suportar toda a armadura. Do centro dessa base,partiaumeixoverticalfixo,queatraves-savaosquatrobraçosemcruz,duploseparale-

los,dispostosnahorizontal,distanciadosde40a50cm.Osquatrobraçosdadobadoira,sãoli-gadosporquatroprumosnasrespectivasextre-midades,àvoltadosquaisseenrolaameada.Como sepodeobservarna referidafigura, osbraçossuperioressãoligeiramentemaispeque-nosdoqueosinferiorese istoparafacilitaracolocaçãodasmeadasàvoltadosprumos.Ime-diatamentesobosbraçossuperioreseàvoltado eixo central, há comoqueumapoio, paraevitarqueaarmaduraconstituídapelosquatrobraçosequatroprumosdescaia. As extremidades dos braços inferiores,exterioresaosprumos,servemparaapoiodasmeadaseevitarqueasmesmascaiamdaarma-dura. Paraprocederàdobagemcoloca-seamea-danasmãos,“desfaz-seavolta,estica-seentreosbraços, acertam-se e endireitam-seosfios,ecoloca-senadobadoira;parte-seedesenrola-seofiodocostal grande,procura-seocostal pequeno,desata-seapontadameada,ecome-ça-seaenrolarofioemtornodeumpequenoelementosólido–bugalho,pontadecarolodemilho,etc.,queseseguranamãoesquerda(equeconstituionúcleocentraldonovelo),pas-sandoatravésdeumpuidouro–bocadodepano-seguroentreosdedospolegareindicadordamãodireita,nãosóparaprotecçãodessesdedoscontraoatrito,mastambémparaajudaraeli-minarpequenosfiaposdofio”18

Convém referir que em Carção, naque-letempo,nemtodasascasastinhamtodososutensíliosquevimosdescrevendopeloque,seprocediaaoempréstimodosmesmos,deacor-docomoespíritocomunitáriodaaldeia.19

Fig. 8 - Dobadoura

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A Tecelagem

Nadécadade50,existiamemCarçãová-riosteares.Asmulheresquenãosededicavamàstarefasdocampo20,aprendiamatecer,cos-turareaconfeccionartodootipodevestuáriocomo camisolas, meias, “meotes” ou “meio-tes”,estesdestinadosaoshomens.Aprendiam,ainda, aartedocrochet,da rendaedo tricot.Entreasmúltiplasediversificadaspeças,des-taca-seabelezaeabundânciademotivosdascolchasdealgodão.21

Actualmente,emCarção,existemcercadeumadúziadetecedeirasque,continuamauti-lizarastécnicasmilenaresdetrabalharolinho.Noentanto,vêem-seobrigadasarecorreràuti-lizaçãodeprodutosindustriaisparacolmatarafaltadematérias-primasnaturaiscomoolinhoda“terra”,quesedeixoudecultivardevido,na-turalmente,àdiversificaçãodaaldeia. Recuemos ao tempo em que a tecedeirapreparavaotecidocomassuasprópriasmãos.Eramcolocadas,notearmanual,duassériesdefios:“unsparalelosentresiquevãodoprincí-pioaofimdapeça(teiaoubarbim)eoutrosqueficamperpendicularesà teiaequeconstituema trama.No tearmanual ordinário ou tear depisos22osfiosdateiasãoesticadoshorizontal-mente entre dois cilindros ou órgãos, um co-locadonaretaguarda,ondeestãoenroladososfiosdateiaeoutronapartedafrente,ondeesseenrolaotecidojáfeito.Osfiosdateiapassamnosliçosdasperchadasoumalhase,quandoateiaestámontadanotear,essesfiosficampa-raleloseàmesmadistânciaunsdosoutros.Atecelageméfeitapelolevantarebaixardasper-chadasquesuportamosfiosdateia;assim,parareceber a trama, umas perchadas levantam-seenquanto outras baixam, seguindo os fios dateiaessesmovimentos.Delesresultaumafas-tamentoouseparaçãodosfiosdasduassériasdateia,quesechamaa“cala”,eentãonessein-tervalofaz-sepassaralançadeira,naqualestáofioquevaiformara tramaequesedeslocaperpendicularmenteaosfiosdateia.Osfiosdateia passam depois entre os dentes de um pente fixadonumbatentemóvel,comummovimentooscilatórioemtornodeumeixo,queéacciona-dopelamãodatecedeira.Opentefazdepoisdapassagemdalançadeiraoapertodatramacon-traotecidojáfeito;e,então,denovopelaacção

dospedaisquecomandamasperchadas,estasmudamdeposição,mudandocomosedisse,aposiçãodosfiosdateiafazendo-seapassagemda lançadeiraemsentidocontrárioaodapas-sagemanterior.Opente fazdenovooapertoe as operações repetem-se sucessivamente.Otecidopassadepoispelamesaoupeitodefrontedaqualestáatecedeiraevai-seenrolandonocilindro da frente do tear por um avanço co-mandadomanualmentepelatecedeira.”23

Quando analisamos as obras produzidaspelas tecedeiras,atravésdomodus operandis, anteriormentedescrito,verificámosqueascol-chas,ostapeteseoutraspeçasdetecelagemdecarácter popular ou de sabor requintado, pe-quenas e “rústicas”oumarcadaspor comple-xacomposição, impressionantenoseugrandecampoounaopulênciadoseusignonuncaes-quecemnoseudesenhoacapacidadecriadorae recriadora do nosso Povo.No colorido dostapetes, pode dizer-se que se empregaram to-dasascoresdoespectrosolare,ainda,decadauma,váriostons. Emcontrastecomesterequinteteciam-setambémmantasde farrapos,asquais serviamparapassadeirasousecaroslegumesnoverão,tais como o feijão, grão de bico, feijão frade(chícharos),ornamentarasalbardasemolidasdeanimaiseatépararevestircolchões,desig-nadosporenxergas.Asproduçõespodemapre-sentaracornaturaldosmateriaisusados,seremtingidas comcolorantesnaturais ou, indepen-dentementedisto, seremdecoradasatravésdobordadodedesenhosgeométricosenaturalis-tas. O linho demelhor qualidade tem aplica-ções diversas ligadas ao uso doméstico e aoculto religioso, nomeadamente na confecçãode lindas e alvas toalhas decoradas com rendas efranjas. Atecelagemàsemelhançadetodooarte-sanatotradicionalaindanãoperdeuocarizuti-litárioquedesdesemprelheestevesubjacente,materializando-se emobjectos úteis e funcio-nais,mastambémempeças,maisligadasaosactosfestivoseàdecoração,reforçavamasuaexpressão estética. Podemos, mesmo afirmarqueaspeçasde tecelagemmarcavamoritmodavidahumana.Porexemplo,astoalhasdeli-nho,dediferentestamanhos,destinavam-seaosaltaresdaIgrejamatrizedasváriascapelas;ou-

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tras,demenoresdimensões,eramutilizadasnosacramentodobaptismo,primorosamentecon-feccionadaspelasmadrinhasqueasofereciamaos seus afilhados. Outro uso habitual é nasmesasdassalasdejantarbemcomoparares-guardaropão(fogaças),guardadoemcaixasdemadeira.Toalhasdelinhocrucommonogramaeram utilizadas como toalhas de rosto.24 Recordemo-nos, ainda, que o “homem vestia calças de burel ou de estopa e camisadelinhoou,igualmentedeestopa.Osmeotes,asmeias e camisolas agasalhavam,homens emulheres,duranteosdiasfriosdeInverno.Osxailesdelãerampeçaimportantenaindumen-táriadetrabalhodamulher,enquantoqueosdelinhoerammaisapropriadosao trajardeDo-mingoedefesta.Porém,estesfigurinosforam-seconvertendoemrelíquiasusadas,dequandoemvez,emfestaseromariasounoutrasmani-festaçõesmaisoumenosfolclóricas.”25

Atecelagemfoiumaactividadedeprimor-dial importância económica paraCarção. Elacompletavaosfracosrendimentosdeumpovoque praticava a agricultura de subsistência, apastoríciaequesededicavaaumaténueindús-triadecalçado,tambémmanual. Podemosentãoconcluirque,alã,olinho,bemcomoosprodutosderivadosdestasmaté-rias-primas(colchas,tapetes,toalhas…)cons-tituíamumelemento importantenoequilíbrioeconómicodasfamíliascarçonensesdadécadade50. Umaúltimanotaimpõe-se.Aartedatece-lagem foide talmodo importante emCarçãoque,umadaspeçasdotear–alançadeira–foiincluídacomopeçaheráldicanoBrasãodear-masdanossamilenarfreguesia.Aestepropó-sito,édetodaaacuidaderecordaropublicadoem Diário da República:“Chefe–LançadeiradeOurocomenfiaduradeazul”26,sobreposto,naturalmente, na parte superior do “escudo”,

quenasimbologiadasrespectivaspeçasherál-dicas,simbolizao“artesanatolocal.”27

Os teares de pedais, demadeira robusta,apresentam-seemformadequadrângulo,“tem quatroprumosoupernas–aspernasdafrenteeaspernasdetrás–feitasdegrossosbarrotes,geralmentedemadeiradecastanho,desecçãoquadrangular,demenorsecçãonametadesu-perior,ondeentramasmesas–peçasfortes,ouemjeitodelongarinasadescairdetrásparaafrente,duasdecadalado,umaembaixoeoutraemcima;noalinhamentodasmesassituam-seduastravessas–oscapitéis–enfiadosnosto-possuperioresdapernas,equeservemdebaseaos dispositivos mecânicos do pente e dos li-ços.Naextremidadedasmesas,atrás,apoiamospombosdoórgãodaurdidura,ondesefixaaroda,eemqueestáenroladaaurdidura,quesevaidesenrolandoàmedidaqueatecelagemadianta;naoutraextremidade,eumpontomaisrecuado,jádoladointeriordaspernas,fixam-seosmalhetesdoórgãodopeitooudabarriga,ouquandoestenãoexiste,doórgãodopano,ondecorrespondentemente,otecidosevaien-rolandoàmedidaqueatecelagemavança”29

E–órgãoondeseenrolaateiaK–Pesos(ouPilãoduplo)bb’-Varetas(apartirdasquaissecruzamosfiosdateia)RR’-Roldanas(nointeriordoscarretos)LL’–HH’-PerchadasCC’-CordelqueligaasroldanasàsperchadasMM’-Pedais(oupremedeiras)F–TeiaoubarbimD–LançadeiraB-Pente.I-BatentedopenteG-Tempereiros(paraesticarotecido)T-Órgãoondeseenrolaotecidopronto

Fig.9-EsquemadeumTear28

Fig.10-TeardePedais

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Branqueamento do tecido

Apósseremretiradosdotear,ostecidosde linho e de estopa eram submetidos a umprocessodebranqueamento,queconsistiaemdiversas lavagens, determinado tempo de ex-posiçãoao solparacorareváriasbarrelasdecinzaesabão.Otecidoera,numaprimeirafase,escaldadocomáguaaferverecinzaemgrandescaldeirasdecobreououtrovasilhame,ondepermaneciaduranteumanoite.Eradepoislavado,esticado,alisadoedobradosucessivamenteemvoltasde25/30 cm, sendo em seguida estendido sobrerelva,umdiadeumladoeoutrodiadooutro,apósoquevoltavaaserlavadocomsabãoees-tendido para enxugar ligeiramente e ser depois submetidoanovabarreladecinza.O interiordobarreleiroeraforradocomumlençolvelho,sobreoqualsecolocavaotecidoabranquear,cobrindo-ocomumpanobrancosobreoqualse peneirava a cinza e se colocavam plantas,comoflordesabugueiro,queparaalémdeaju-darabranquear,perfumavamopano,deitandoporcimaáguaaferveremgrandequantidade.Cobria-sedepoiscomaspontasdolençolquehaviam ficado pendentes do lado de fora dobarreleiroedeixava-seficaratécompletoarre-fecimento.Eranovamenteensaboadoecolocadodenovoacorar,agoradoisdiasdeumladoedoisdooutro. Opano era submetido a tantas quantasbarrelas fossem necessárias até ficar comple-tamentebranco.Comoénatural,onúmerodebarrelasdependiadobranqueamentodasmea-das.Seestasfossemdevidamentebranqueadas,acoradostecidoseramaisfácilenecessitavademenosbarrelas.Concluídoesteprocesso,otecidoeralavadoepostoasecarcompletamenteaberto,dobran-do-sedepoisaomeio,nosentidolongitudinal,afimdesecarmaislentamenteeficarmaisma-cio.Depoisdecompletamenteseco,eraenrola-doeguardadonaarcaatéaodestinofinal.Eis-noschegadosaofimdumaligeirasín-tese descritiva dos “tormentos” do linho, quetivemos oportunidade de presenciar e de algum modoparticiparactivamenteemalgunsdeles,nadécadade50,nanossamilenaraldeia–Car-ção.

Resta-nosreferircomestasimplesesinge-laexposiçãoquedesejámosapenasrecordarosábioaproveitamentodosrecursosnaturaisdopovodeCarção,muitoconcretamentenoqueserefereaocultivodolinhoealgunsdosseus“tormentos”30.

Norberto Tomé Valente______________1 Livro do Êxodo, in Bíblia Sagrada,trad.DeFreiAlcindoCosta,StampleyPublicaçõesLda,SãoPaulo,1974,p.73.2 Idem, p.89.3 Idem, p.89.4 Idem, p.90.5Mantasdefarrapos:eramurdidascomoprópriolinho,cujatapaduraerafeitadefinastirasdefarraposvelhosquesecortavamparaoefeito.6ErnestoVeigadeOliveira,et al,OLinho–TecnologiaTradicionalPortuguesa,2.ªEdição–InstitutoNacionaldeInvestigaçãoCientífica–CentrodeEstudosdeEtnologia,Lisboa,1991,p.43.7FotografadanaCasadaCulturadaCâmaraMunicipaldeVimioso8ErnestoVeigadeOliveira,et al,OLinho–TecnologiaTradicionalPortuguesa,2.ªEdição–InstitutoNacionaldeInvestigaçãoCientífica–CentrodeEstudosdeEtnologia,Lisboa,1991,p.61.9Idem,p.7210CarlosPereira, et al,OsTormentosdoLinho,prospectoexistentenoMuseuEtnográficodaMadeira,s/des/p11ErnestoVeigadeOliveira, et al,OLinho–TecnologiaTradicionalPortuguesa,2.ªEdição–InstitutoNacionaldeInvestigaçãoCientífica–CentrodeEstudosdeEtnologia,Lisboa,1991,pp.77e87.12Idem,p.11013Paraumaanálisemaisdetalhadadesteprocessoconvémesclarecerosignificadodemeada.Esta “ é geralmente formada por 10 ou 12maçarocas, que se emendamumas nas outras àmedidaquevãosendoensarilhadas.Nofinal,apontadofioprendeaumpequenofeixedefiosdaprópriameada–o Costalpequenooucabrita-,esóserádesatadaquandoameadavieraserdobada.Ameada,antesdeseretirardosarilho,éatadacomváriasvoltaslargasdefio–o costal grande ou castedo-,paranãosedesfazer.”Cf.ErnestoVeigadeOliveira,et tal,OLinho–TecnologiaTradicionalPortuguesa,2.ªEdição–InstitutoNacionaldeInvestigaçãoCientífica–CentrodeEstudosdeEtnologia,Lisboa,1991,p.11214Acinza,antesdefazeracalda,erapeneirada,paraalibertardeeventuaiscarvõesououtrasimpurezasedissolvia-senaáguafriaemalguidaresgrandesatéformarumacaldaespessa.15Objectoemqueseencontravamasmeadas.16Passagemdofiodasmeadasparanovelos.17ErnestoVeigadeOliveira,et al,OLinho–TecnologiaTradicionalPortuguesa,2.ªEdição–InstitutoNacionaldeInvestigaçãoCientífica–CentrodeEstudosdeEtnologia,Lisboa,1991,p.116.18Idem,p.11819 Perante a falta da dobadoira, não raras vezes,minhaMãe colocava asmeadas nosmeusantebraçosabertoseperpendicularesaocorpofazendomovimentos laterais,enquantoelaseencarregavadedobaronoveloeassimosmesmosantebraçossubstituíamaqueleobjecto.20Asmulheresquesededicavamessencialmenteàsactividadestelúricasaprendiam,também,aconfeccionar.Tarefaquedesempenhavamnosintervalosdaactividadeagrícolaepecuária.21Ascolchassãoconfeccionadasparcialmente,aosquadrados,triângulosoulosangos,umdecadavezequandose reúneonúmerosuficientedepeças,estassão ligadasumasàsoutras,àsquaisseacrescentamfranjasatodaàvolta,exceptodoladodacabeceira,formando,destemodo,astípicasebonitascolchascarçonenses.22QueeramosquepredominavamemCarçãonaqueletempo.23InGrande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, EditorialEnciclopédiaLimitada,Lisboa-RiodeJaneiro,1978,vol.30,p.885.24RecordemosqueamaiorpartedascasasdeCarçãonãopossuíamcasadebanhonoseuinte-rior,peloquedispunham,nãorarasvezes,nosquartosdedormir,deumlavatóriocomarmaçãodeferrolacadodebranco,decujobordosuperiorpendiaumatoalhadelinho.25JoãoAzevedoEditor,1998,PatrimónioNaturalTransmontano“P.N.deMontesinho”,pp.77-83.26 Diário da república, IIIsérie,n.º16de20deJaneirode2004,p.1402.27 Oficio n.º 365/CH de 1deOutubrode2004,daComissãodeheráldicadaAssociaçãodosArqueólogosportugueses.28InGrande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,EditorialEnciclopédia,Limitada,Lisboa–RiodeJaneiro,1978,vol.30,p.885.29ErnestoVeigadeOliveira, et al,OLinho–TecnologiaTradicionalPortuguesa,2.ªEdição–InstitutoNacionaldeInvestigaçãoCientífica-CentrodeEstudosdeEtnologia,Lisboa,1991,p.p.128,130.30Informamosoilustreleitordequenãoparticipámosactivamentenos“tormentos”daespade-lagemedatecelagem,porseremtarefasessencialmentefemininas,peloquepedimosdesculpaàsmestresespadeladeirasetecedeirasdeCarção,sefalhámosnumounoutroponto.

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No último número, “ALMOCREVE” ho-menageou os três militares de CARÇÃO, que estoicamentecombateramnaIGrandeGuerraMundial. Foram assim dissipadas determinadas dúvidas sobre as vicissitudes que os mesmossofreram durante aquele tremendo flagelo. Neste número desejaríamos homenagear outros três heróis militares CARÇONENSES, os quais, com o preço do seu sangue, derra-mando-oemdefesadaPátriaqueosviunas-cer, na qual acreditaram e pela qual abnegada-mente lutaram até ao sacrifício da própria vida (tal como um dia o haviam jurado), elevaram e enobreceram Portugal, Vimioso e sobretudo CARÇÃO, sua terra natal. Porém, pelos feitos valorosos que cometeram, da lei da morte se libertaram, como diria o grande poeta.

ANIBAL DOS SANTOS FERNANDES JARDINO (1935-1961)

Nasceu em Carção, a 25 de Novembro de 1935.Era filho de António Martins e de Dª. Aduzinda de Paiva Fernandes. Ainda jovem, acompanhou seus pais, indo para a cidade de Bragança onde passaram a viver no BairroAlém Rio. Exercia a nobre profissão de sapa-teiro.

Em 7 de Novembro de 1955,com vinte anos de idade, foi incorporado na Marinha Portugue-sa com o posto de 2º.Grumete Recruta. Em 4 de Dezembro de 1961, iniciou a sua comissão nas províncias Ultramarinas, no Estado da Índia, a bordo do N.R.P. “VEGA”. Infelizmente, no dia 18 de Dezembro de 1961, durante o com-

bate entre forças desproporcionais da Lancha“VEGA” com a aviação indiana, foi atingido mortalmente por uma rajada de metralhadorade um avião. O seu corpo e o do Comandante da referida lancha, 2º. Tenente Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo, nunca foram res-gatados.As forças eram de tal modo despro-porcionais que, enquanto as tropas indianas eram constituídas por cinquenta mil efectivos, as Portuguesas eram constituídas por apenas 5.4OOmilitaresedotadasdeparcosmeios. O nosso conterrâneo, Aníbal dos Santos Fernandes Jardino, bateu-se de tal maneira he-róica, que o Governo Português, o distingui a título póstumo, com louvor, a mais alta conde-coraçãoparaoseupostoepromoçãoaopostoimediato.

“Manda o Governo da República Portu-guesa, pelo Ministro da Marinha, conceder a título póstumo a Medalha de Cobre de Va-lor com Palma ao Marinheiro Artilheiro da Reserva da Armada nº.5770/1519-Anibal dos Santos Fernandes Jardino, morto durante o glorioso combate que, em 18-12-1961, a lan-cha de fiscalização “Vega” em águas territo-riais de Diu, travou com unidades inimigas. Manifestou aquele Marinheiro perante este combate, extraordinária coragem e invulgar abnegação”1

“Por despacho Ministerial de 27/05/1963, concedida a Medalha Militar por promoção a título póstumo” 2

Em 18 de Dezembro de 2004, passados 43 anosapósaUniãoIndianatertomadopelaforçaos territórios então portugueses de Goa, Damão e Diu, em cujo acto bélico perdeu heroicamen-te a vida o nosso conterrâneo Aníbal Jardino, a Câmara Municipal de Bragança, num acto louvável do seu Presidente, Sr. Eng.º António Jorge Nunes, com a colaboração e presença da Marinha, homenageou-o com um monumen-to no Parque Eixo Atlântico, naquela cidade. Do programa das cerimónias da homenagem, constou:

Homenagem aos Heróis Militares de Carção

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“- Missa de sufrágio pelos militares faleci-dos na Índia; - Inauguração de uma Exposição da Mari-nha; - Palestra alusiva á efeméride; - Inauguração do Monumento no Parque Eixo Atlântico da autoria do mestre António Nobre com a presença de uma força da Mari-nha e do CALM Leiria Pinto em representação do CEMA” 3

“As cerimónias, que contaram com a pre-sençadeváriasentidadescivisemilitaresen-tre as quais o Presidente daCâmara Municipal de Bragan-ça Jorge Nunes acompanhadode alguns dos seus vereado-res, o CMG Chicote da Silva que apoiou decisivamente ainiciativa do evento, a irmã do homenageado, Maria de Lurdes Jardino, dois sobreviventes da “Vega”: SAJ Francisco Men-des de Freitas e Cabo Arman-do Cardoso da Silva, na época respectivamente Marinheiro Electricista e Marinheiro Fo-gueiro Motorista e o Presiden-tedaDirecçãodaAssociaçãode Ex-Militares de Trás-os-Montes e Alto Douro, Sr. José Fernandes, iniciaram-se com uma missa, na Igreja da Mi-sericórdia, por intenção da-queles que tombaram na Índia quando dos acontecimentosdeDezembrode1961.

O Almirante CEMA fez-se representar pelo Presidente da Comissão Cultural da Marinha, CALM Leiria Pinto, tendo um terno de cla-rins do Corpo de Fuzileiros prestado as honras protocolares. Após o acto religioso, numa das salas do Centro Cultural Municipal, foi inau-gurada uma exposição itinerante do Museu de Marinha, na qual figurava, em primeiro plano, um painel salientando o combate da “Vega” e a actuação do Cabo Jardino, sendo também apre-sentadas as respectivas condecorações, ofere-cidas pela família à Marinha e um modelo da lancha. Completavam esta exposição modelos dos principais tipos de embarcações utilizadas durante o período da Expansão Portuguesa e expositores com cartas e instrumentos náuti-cos. Em seguida, teve lugar, no auditório do Centro uma Sessão Solene, iniciada por bre-vespalavrasdoPresidentedaAutarquiaquesecongratulou comahomenagemaumheróicoMarinheiro seu conterrâneo e agradeceu a pre-sença da Marinha nas cerimónias. O CALM Leiria Pinto, muito sucintamente, referiu-se aos acontecimentosquesecomemoravamerepor-tando-se ao homenageado disse:

Evocação dos Heróis da “Vega”. À direita os dois sobreviventes

Estátua de homenagem a Aníbal Jardino, junto ao Parque Eixo Atlântico, em Bragança.

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Quando jurou Bandeira Jardino declarou cumprir o seu dever mesmo com o sacrifício da própria vida. Assim aconteceu, por isso ve-neramos a sua memória. Muitos filhos de Bra-gança se glorificaram defendendo a Pátria, o Cabo Jardino é incontestavelmente um deles. Por fim o 2º.TEN Carlos Valentim fez uma comunicação sobre a vida do homenageado, começandoporreferirosprimeirospassosnaMarinha e associando a sua carreira aos desen-volvimentosnacionaise internacionaisdeen-tãoquehaviamdeculminarnocombateaero- val travado em Diu durante o qual o Cabo Jardino veio a perder heroicamente a vida. Da descriçãodetalhadadocombatequeenvolveualancha “VEGA”de sublinhar que embora Jardi-no pertencesse à guarnição da lancha “Folque”, pequenaembarcaçãousadaemapoioaostraba-lhos da Brigada Hidrográfica do Estado da Ín-dia, se voluntariou para embarcar na “Vega”.Foi depois inaugurado, no Parque Eixo-Atlân-tico, perante numerosa assistência e com uma guarda de honra formada por uma secção doCorpo de Fuzileiros acompanhada de um ter-no de clarins, um monumento ao Cabo Jardino, obradaautoriadoescultortransmontanoAntó-nioNobre. O evento terminou com um almoço conví-vio oferecido pelo Presidente da Câmara local à Marinha, durante o qual se trocaram lembran-çasesemanifestouasatisfaçãoporsetercon-cretizadoestamerecidahomenagemaumdosúltimos heróis na Índia”.4

ACÇÃO DA LANCHA DE FISCALI-ZAÇÃO “VEGA” DURANTE A INVASÃO DE DIU

“Tendo saído de Diu em 17 de Dezembro, a lancha de fiscalização “VEGA” fundeou frente a Nagoá às 22h00 do mesmo dia. Na madrugada do dia 18, por volta das 01h40, foram ouvidos tiros em terra pela praça de serviço. Alertado por esta, mandou o Co-mandante, 2º.Tenente Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo, ocupar postos de combate e suspender. Dirigiu-se, então, a lancha para junto de um contacto radar não identificado que nave-gavaacercade12milhasdacosta.

Por volta das 04h00,o navio, visualmente identificado como um cruzador, lançou grana-das iluminantes e abriu fogodemetralhadorapesada sobre a “Vega”, que retirou para Diu e fundeou. Às 06h15 suspendeu e aproximou-se no-vamente do cruzador, onde foi vista, içada no mastroabandeiradaUniãoIndiana.Alancharegressou ao fundeadouro e Oliveira e Carmo fardou-sedebrancopara“morrercomhonra”.Às 07h00 foram avistados aviões a jacto efec-tuando bombardeamento sobre terra. O Co-mandantereuniuaguarniçãoeleu-lhesasor-dens do Estado-Maior da Armada, segundo as quaisalanchadeveriacombateratéaoúltimocartucho. Cerca das 07h30 aproximaram-se dois avi-ões para bombardear a Fortaleza e o Coman-dantemandouabrirfogosobreelescomapeçade20mm(umdosaparelhosacabariaporseratingido e obrigado a aterrar). Estes riposta-ram, matando, no ataque, o marinheiro arti-lheiro António Ferreira, e cortando pelas coxas as pernas de Oliveira e Carmo que, ainda com vida, retirou do bolso e beijou as fotografias da mulher e do filho pequeno. Deflagrara, entre-tanto, um violento incêndio, que rapidamente se propagou à casa da máquina e ponte. A peça foiabandonadaemvirtudedoseuredutosetertornadointransitáveldevidoaosburacoscausa-dos pelos projécteis inimigos e pelo incêndio, que atingia, já, o convés. A guarnição tentou, então, arriar o bote para evacuar o Comandante, mas um novo ata-que aéreo feriu mortalmente Oliveira e Carmo, tendo tambémsidoatingidos trêsmarinheirosum deles, marinheiro artilheiro Aníbal Jardino com a perna esquerda cortada pela canela, viria a falecer no trânsito para terra). Com o bote inutilizado e a lancha com-pletamente tomada pelas chamas, viram-se os sobreviventesobrigadosanadaremdirecçãoaterra, agarrando-se os feridos a uma balsa. Após sete longas e dramáticas horas, conseguiram, por fim chegar à praia (dois homens ficaram separadosdogrupoeatingiramterraemlocaisdiferentes dos restantes), tendo posteriormente sidofeitosprisioneiros. Sacudida pelas explosões das suas próprias munições, a “Vega” acabaria entretanto, por se

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afundar, arrastando consigo os corpos do herói-co Comandante e do seu artilheiro.”5.

ANTONIO DOS SANTOS JERONIMO FERNANDES (1950-1973)

Nasceu em CARÇÃO a 2 de Janeiro de 1950. Era filho de Domingos António Jeróni-mo Fernandes e de Dª. Maria da Glória Fernan-des Jerónimo. Foi recenseado pelo concelho de Vimioso freguesia de Carção sob o nº.7 em 1970.AlistadonoExércitoPortuguêsem11deJunho do mesmo ano sendo considerado apto paratodooserviçomilitar. Foi incorporado no R.I.5 em 13 de Julho de 1971,como recrutado e com o nº. de ordem 2913,onde iniciou a frequência do 1º.Ciclo do C.S.M. Concluiu a recruta em 26 de Setembro de 1971,sendo colocado no CISMI a fim de frequentar a o 2º. Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos na especialidade de Armas Pesadas, que concluiu em 11 de Dezembro de 1971,com a classificação de 12,86 valores. Promovido ao Posto de 1º. Cabo Miliciano em 03.JAN.72, sendo colocado no R.I.13 na mesma data.

Nomeado para prestar serviço no Ultra-mar, nos termos da alínea e) do Artº.20º. do Decreto nº. 49107 de 7/7/69, nos termos da Notanº.21459Pº.33312e33212da3º.Secçãoda RSP/DS/ME, de 28/04/72.Desembarcou em Bissau em 23.JUN.72, data em que foi promo-vido ao Posto de Furriel Miliciano e colocado na CCaç.3. Passou para a CCaç.17 e posterior-mente para a CCaç.19. Faleceu em 26.MAI.73 vítima de ferimentos em combate. Possuía

como Habilitações Literárias o Curso Geral dos Liceus (5º.Ano) e como Profissionais Militares o Curso de Sargentos Milicianos, como atrás referido.

O Furriel Miliciano António dos Santos Je-rónimo Fernandes, era considerado um militar dotado de elevado espírito de missão e sentido profissional, cujas qualidades foram reconheci-dasnoseguinteLOUVOR:

“Louvado a título Póstumo em 25AGO73 pelo Exmo Comandante do COP-3, porque ape-sar do pouco tempo que prestou serviço na sua Companhia tomando parte efectiva em diversas operações, mostrando-se um extraordinário Comandante de Secção; Durante inúmeras fla-gelações que a sua Companhia sofreu, durante o período mais crítico de Guidage procurou sempre, e por vezes com risco da própria vida, manter o comando da sua Secção, acabando por ser vítima de uma granada de Morteiro IN. Militar muito disciplinado, possuindo nítida noção das responsabilidades e elevado espírito de missão, foi denunciado pela preocupação de manter a sua Secção em elevado espírito, grau de eficiência e prontidão para o combate.(0.S.nº.18 de 05.SET.73 da CCaç.19)”

Este Louvor foi considerado, como sendo dado pelo Exmº. Brigadeiro Comandante Mili-tar, por despacho de 29.AGO.73. (0.S. nº.21 de 02. OUT.73 da CCaç.19).

JOSÉ MANUEL RODRIGUES AFONSO (1950-1973)

Nasceu em CARÇÃO a 29 de Julho de 1950. Era filho de Acácio Augusto Afonso e de D.ª Delfina Rosa Rodrigues. Foi recenseado pelo concelho de Vimioso freguesia de Carção sob o nº.18 em 1970. Foi alistado e incorpora-do em 05 de Agosto de 1971 no B.C.-3,com o NM 08954671Em 18 de Outubro de 1971, foi colocado no R.I.-13 e em 3 de Janeiro de 1972 no R.I.-16. Concluiu a Escola de Recrutas em 27 de Fevereiro de 1972. Foi nomeado para servir no Ultramar nos termos da alínea e) do Artº.20º. do Decreto 49107 de 7-7-69,com des-tino à CCaç.3537/R.I.-16 (Nota nº.8121 Pº.5-

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9-4B/4D/4F-4G de 18-2-72 do RSP/DSP/ME. EmbarcouemLisboaporviaaéreaem24deJunho com destino à R.M.A., desembarcando em Luanda dia 25/6. Faleceu em 7 de Abril de 1973.

O soldado José Manuel Rodrigues Afonso, foiconsideradoummilitardestemido e valo-roso, conforme consta do seguinte LOUVOR:

“Louvado por Sua Exª. O Comandante do CMD/An-1, por proposta do Sr. Comandan-te do BCaç. 3880, porque no dia 17NOV72, durante a Operação “QUINTAL”/3ª. Fase, a quando de um golpe de mão efectuado a um posto de sentinela IN, ao ter-lhe sido mandado pelo chefe de equipa fazer o envolvimento jun-tamente com um outro seu camarada desempe-nhou fiel e eficientemente a missão, rastejando com o máximo silêncio e cuidado levantou-se de surpresa e decididamente a uns escassos metros do IN, arrebatou-lhe a arma perante o

olhar atónito deste. Evidenciou o Soldado JOSE MANUEL RODRIGUES AFONSO, grande domínio de movimentos e presença de espírito que, aliados aos seus grandes conhecimentos de técnica de combate, fazem-no ser apontado elemento des-temido e valoroso na Companhia que serve, `a qual dá o melhor do seu esforço.” (História da Unidade – BCaç. 3880).

Saibamos venerar a memória destes seisHeróis Militares Carçonenses. É nosso enten-dimento, ser de elementar justiça que o bom Povo de Carção, edifique o mais urgente possí-vel, uma placa no centro da Povoação de modo aperpetuaramemóriadestesHEROIS, que de forma SUPREMA, souberam honrar e eno-brecer CARÇÃO.

AGRADECIMENTOS: “ALMOCREVE” agradece ao Senhor Presidente da Câmara Mu-nicipal de Bragança, ao Senhor Chefe de Gabi-nete de Sua Exª. o Chefe do Estado Maior da Armada (CEMA) e ao Senhor Chefe do Arqui-vo Geral do Exército, a prestimosa colabora-ção, no fornecimento de dados para a elabora-çãodestetexto.

Norberto Tomé Valente _______1 Ordem do Corpo de Marinheiros de 23/08/1962

2 Ordem da 2.ª Repartição de 05/06/19633 Ofício n.º 3538 de 2005/04/27 da Câmara Municipal de Bragança4 Revista da Armada, publicação oficial da Marinha n.º 383, ano XX-XIV, Fevereiro 2005, p. 25.5 Revista da Armada, publicação oficial da Marinha n.º 348, ano XX-XIV, Dezembro 2001 (http://www.marinha./extra/revista/ra-dez2001/pag20.html)

Av. Sá Carneiro – Forum Theatrum • 1.º piso – Loja 15Tel. 273 333 880 – Tlm. 938 220 916 • Bragança

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Adeus ó casas estreitinhas da velha aldeia de CarçãoAdeus Cruzeiros de CristoAmorforteenuncavistoEmfervoredevoção

Ó Largo das Fontes, cheio de tradição Onde meus avós, onde minha mãe passaram serõesAfontevelhinhatodaesmuralhada Vete já só pranto, vendo que já não serve para nada.

Adeus ó Santa Marinha escondidaNaermidaondeescutasosmeusaisNosdegrausdastuasescadasContos de reis e de fadas, contavam os nossos pais.

Adeus Carção doutras eras, pelames e Primaveras Curtindo coiros ao sol Levando a toda a parte, a sola da tua arte Do mais fino e puro rol.

Adeus ó Bairro da Igreja, onde o velho templo alvejaOndeosvelhosvãorezarOndehátambémumasmurilhasQuetambémsabemvibrar.

Adeusteiasdotearquesóvóssabeisbordar Lindas jovens de Carção Saúdo-vos nestes cantos, horas tristesSemquebrantesatecernorés-do-chão

Os nossos lavradores no São RoqueÉtudofestaondehátrilhasaoluarEaSenhoradasGraçasandaporruasepraçasSuasgraçasespalhar...

Os alunos do 1º ciclo do ensino recorrente de Carção, 2006

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Passatempo

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Senhora das GraçasCARÇÃO • 17 a 27 de Agosto de 2006

17 a 26 de Agosto Novena Religiosa na Igreja de St.ª Cruz.26 de Agosto – Sábado 14.00 horas – Missa com Sermão em Honra de St.ª Teresinha. Procissão. 21.00 horas – Momento alto de Veneração da Sr. das Graças. Procissão de Velas. Missa Campal na Capela de St.ª Marinha. Sermão.

27 de Agosto – Domingo 14.30 horas – Missa Solene dos Devotos à Padroeira. Sermão. Procissão. Adeus à Virgem. Fim das Cerimónias – Momentos de Reflexão.