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Revista ESMAFE Escola de Magistratura Federal da 5a. Região TRF 5a. Região Recife – Pernambuco Nº 9 – 2005

Author: ngokhanh

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  • Revista

    ESMAFEEscola de MagistraturaFederal da 5a. Regio

    TRF 5a. Regio Recife Pernambuco

    N 9 2005

  • EDITORIA

    Humberto Vasconcelos EditorCreuza Arago Coordenadora da ESMAFE - 5

    Nancy Freitas Supervisora

    IMPRESSOIndstrias Grficas Barreto Limitada

    Av. Beberibe, 530 - Encruzilhada52041-430 - Recife - PE

    [email protected]

    TIRAGEM1.000 exemplares

    CAPAAndr Gonalves Garcia

    REVISTA ESMAFE 5a.

    ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 5 REGIORUA DO BRUM, 216 BAIRRO DO RECIFE

    50030-260 RECIFE [email protected]

    REVISTA ESMAFE: Escola de Magistratura Federal da5 Regio. Recife: TRF 5 Regio, n 9. Abril 2005. 280p.

    1. O DIREITO ADQUIRIDO. 2. EFEITOS DAINCONSTITUCIONALIDADE DA LEI. 3. A REFORMAPREVIDENCIRIA BRASILEIRA. 4. ADMINISTRAOJUDICIRIA. 5. A RELATIVAO DA COISA JULGADA

    CDU 34 (81)CDD 340

    PeR-BPE

  • ESCOLA DE MAGISTRATURAFEDERAL DA 5a. REGIO

    DIRETORIAMARGARIDA DE OLIVEIRA CANTARELLI - Diretora

    Desembargadora Federal

    MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS - Vice-DiretorDesembargador Federal

    CONSELHO EDITORIAL

    Des. Federal Ridalvo CostaDesa. Federal Margarida de Oliveira CantarelliDes. Federal Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

    Juiz Federal Carlos Reblo Jnior

  • TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a. REGIO

    DESEMBARGADORES FEDERAIS

    FRANCISCO DE QUEIROZ BEZERRA CAVALCANTIPresidente

    PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMAVice-Presidente

    LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIACorregedor

    RIDALVO COSTA

    PETRUCIO FERREIRA DA SILVA

    JOS LZARO ALFREDO GUIMARES

    JOS MARIA DE OLIVEIRA LUCENA

    FRANCISCO GERALDO APOLIANO DIAS

    JOS BAPTISTA DE ALMEIDA FILHODiretor da Revista

    NAPOLEO NUNES MAIA FILHO

    PAULO DE TASSO BENEVIDES GADELHA

    FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS

    MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS

    LIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO (Convocado)

    IVAN LIRA DE CARVALHO (Convocado)

  • Editorial ...................................................................................................... 7

    MONOGRAFIAS - Tribunal Regional Federal da 5 Regio - 15 Anos ...... 9

    Papel Social da Justia Federal: Garantia de Cidadania ...............................11Juiz Federal George Marmelstein LimaA Teoria Constitucional e a Funo Social da Justia Federal:Elementos para a Efetivao da Cidadania ................................................ 83Paulo Roberto Brasil Teles de MenezesARTIGOS.............................................................................................. 149

    Duas Sugestes Interpretativas para um Preceito do Novo Cdigo Civil .. 151Juiz Federal Edilson Pereira Nobre JniorA Jurisprudncia Federal e a Voz da Cidadania ....................................... 167Juiz Federal Alexandre Costa de Luna FreireDesapropriao e Coisa Julgada Inconstitucional ..................................... 209Juiz Federal Lus Praxedes Vieira da Silva

    A Disciplina da Compensao de Crdito Decorrente de PagamentoIndevido ou a Maior de Tributos Federais Sujeitos aLanamento por Homologao ............................................................... 219Juiza Federal Niliane Meira LimaManifestao Popular e os Limites Materiais Convocao doPlebiscito e Referendo: Uma Anlise da Lei 9709/98 ............................... 235Juiz Federal Flvio Roberto Ferreira de LimaO Tribunal Constitucional Luz da Filosofia Poltica: Um DebateSobre o Conflito Entre Jurisdio Constitucional eEstado Democrtico de Direito ............................................................... 253Advogado Marcelo Casseb ContinentinoEvoluo Histrica do SFH .................................................................... 271Advogado Cludio Gonalves Marques

    Sumrio

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    EDITORIAL

    com grande satisfao que entregamos aos leitores e leitoras o exem-plar de nmero nove desta Revista da Escola de Magistratura Federal da 5Regio, o primeiro sob os auspcios da nova direo da ESMAFE, frente aDesembargadora Federal Margarida Cantarelli.

    Nesta ocasio, ressaltamos o profcuo trabalho at aqui realizado paralanamento e manuteno da periodicidade desse valioso instrumento de pro-moo cientfica do Direito em nossa Regio. A responsabilidade que nos pesa,em vista da herana que nos foi deixada, das maiores, e clama por uma dedi-cao que leve ao contnuo aperfeioamento da nossa Revista.

    Em atendimento a essa exigncia que, a partir do prximo nmero, osartigos que sero publicados j obedecero aos regramentos definidos pelaAssociao Brasileira de Normas Tcnicas para a apresentao de trabalhoscientficos. Com essa iniciativa, mais do que adequar os textos aqui publicadosaos parmetros das comunidades acadmicas, busca-se permitir que o conte-do de alto relevo das teses aqui lanadas seja objeto de difuso, por outrosrgos de divulgao da cincia, que j vm pautando suas publicaes poresse rigor normativo.

    igualmente motivo de orgulho a publicao, neste nmero, dos traba-lhos vencedores do Concurso de Monografias alusivas aos Quinze Anos doTribunal Regional Federal da 5 Regio, sobre o tema Papel Social da JustiaFederal: Garantia de Cidadania, onde saiu vencedor, na categoria profissional,o trabalho apresentado com o ttulo-tema do certame, de autoria do Dr. GeorgeMarmelstein Lima, Juiz Federal no Rio Grande do Norte e, na categoria estu-dante, a monografia A Teoria Constitucional e a Funo Social da Justia Fe-deral: Elementos para a Efetivao da Cidadania, de autoria do estudante Pau-lo Roberto Brasil Teles de Meneses, do Estado do Maranho.

    Mais do que cumprir o regulamento daquele concurso, cujo artigo 2,pargrafo quarto, garantia aos primeiros lugares a publicao dos trabalhos pre-miados, a incluso das monografias, com destaque, nesta edio da Revista daEscola de Magistratura, completa um ciclo exitoso na tarefa de fomentar o de-

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    bate cientfico no meio jurdico, que tomou para si a nossa Diretora, quando, frente da Presidncia do TRF da 5 Regio, promoveu o certame mencionado.

    Outra conquista que merece destaque a programao, j para o corren-te ano, dos primeiros cursos a serem oferecidos, na Regio, atravs do proces-so de teleconferncia. A transmisso simultnea e interativa, interligando o Tri-bunal e as Sees Judicirias, ensejar, entre outras possibilidades, a ampliaode oportunidades de capacitao, com significativa reduo de custos.

    Recife, abril de 2005.

    A EDITORIA

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    MONOGRAFIAS

    Tribunal Regional Federalda 5 Regio 15 Anos

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    PAPEL SOCIAL DA JUSTIA FEDERAL:GARANTIA DE CIDADANIA

    Categoria: ProfissionalJuiz Federal George Marmelstein Lima

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    Juza Federal Fabola Bernardi, a provamais expressiva do papel social da Justia

    Federal como garantia da cidadania.

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    1. INTRODUO

    O slogan sem Justia no h democracia no apenas uma frase bonitagrudada nos vidros de alguns carros. Na realidade, ela retrata a verdadeira im-portncia do Poder Judicirio em um Estado Democrtico de Direito. Afinal,sem um Judicirio independente, pouco se pode fazer contra os abusos do po-der pblico. Sem um Judicirio forte, a Constituio corre grande risco de ficarsem efetividade. Enfim, sem um Judicirio atuante, no h mesmo democracia.

    No toa que, em momentos de abalos democrticos, a Justia umadas primeiras instituies afetadas. Com o golpe militar de 64, a ditadura, porexemplo, em suas primeiras manifestaes, proibiu o Judicirio de interferir nosassuntos do governo, aposentou juzes compulsoriamente e acabou com as ga-rantias de independncia da magistratura. O famigerado Ato Institucional n. 5determinava que seriam excludos de qualquer apreciao judicial todos os atospraticados de acordo com o referido ato (art. 11) e, antes disso, o Ato Instituci-onal n. 2 esvaziou bastante as atribuies do Supremo Tribunal Federal, trans-ferindo para a Justia Militar a competncia para o julgamento dos ilcitos contraa odiosa Lei de Segurana Nacional. O mesmo ocorreu na poca do EstadoNovo (1937-1945), quando o autoritarismo de Getlio Vargas, estampado naConstituio de 1937 (a famosa Polaca), simplesmente extinguiu a JustiaFederal.

    No presente trabalho, ser percebida com ainda maior claridade a verda-de contida na frase acima citada.

    A partir de uma anlise do papel social da Justia Federal, particularmen-

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    te aps a Constituio Federal de 1988, ser comprovado que a magistraturafederal, em todas as suas instncias, exerceu uma funo importantssima nareconstruo da democracia e da cidadania aps o trmino do regime militar.

    Os exemplos a serem analisados demonstraro que os juzes federais sou-beram captar bem o esprito renovador da Constituio de 1988, contribuindosignificativamente para o aprimoramento da cidadania e para a defesa dos direi-tos fundamentais.

    E para que no fique a impresso de que o estudo no passa de um elogiodemagogo Justia Federal, tambm ser demonstrado que nem tudo so flo-res na histria recente da instituio. necessrio reconhecer que, em muitosaspectos, o Judicirio Federal precisa melhorar, a fim de poder prestar um ser-vio altura do que a sociedade brasileira merece.

    A autocrtica no se refere apenas aos recentes episdios noticiados naimprensa envolvendo magistrados federais, como as to divulgadas OperaesAnaconda e Diamante1.

    Na verdade, as referidas operaes serviram apenas para comprovar aindamais a fora institucional da magistratura federal no Brasil.

    Em praticamente todos os casos em que houve forte indcio de irregulari-dade, a prpria Justia foi capaz de dar uma resposta imediata populao,seja afastando cautelarmente, seja punindo administrativamente, seja prenden-do os envolvidos. E o mais importante: todas as investigaes somente forampossveis porque a prpria Justia Federal permitiu que elas ocorressem, deter-minando as escutas telefnicas, as buscas e apreenses, as quebras de sigilo...Parece que ningum percebe ou finge no perceber que, por trs de todasessas investigaes, havia um magistrado federal que a autorizava. Desse modo,somente foi possvel descobrir e investigar a srio essas atividades criminosasporque a prpria Justia Federal agiu sem corporativismo. Esse fato pratica-mente esquecido pela mdia.

    Quem est dentro do Judicirio, convivendo diariamente com magistra-dos e servidores, sabe que a Justia Federal composta, em sua esmagadoramaioria, por gente honesta, trabalhadora e socialmente sensvel. So pouqussi-

    1 A Operao Anaconda tem como objeto a investigao de crimes envolvendo policiais e magistradosfederais em So Paulo. Seu principal acusado, o Juiz Federal Rocha Mattos, est preso preventivamente.As acusaes so vrias: venda de sentenas, abuso de poder, formao de quadrilha entre outras. J aOperao Diamante tem como objeto a investigao do crime organizado em vrios Estados brasilei-ros. Durante a investigao, verificou-se uma suposta participao de membros do Judicirio, que foramafasta dos de suas funes. Esses fatos foram fartamente divulgados na imprensa nacional.

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    mos os juzes desidiosos e mais raros ainda os desonestos. O quadro de pesso-al, de todos os nveis, um dos mais qualificados do pas, sendo comuns oscasos de servidores que se tornam juzes, procuradores, promotores etc.

    De qualquer modo, elogiar a Justia Federal no significa aceitar a suaestrutura atual e achar que tudo deve continuar como est. Pelo contrrio, de-vem ser feitas e esto sendo feitas mudanas significativas, a fim de aproxi-mar ainda mais a Justia Federal do povo e fazer desse rgo um instrumentopoderoso de defesa da Constituio e das instituies democrticas. Todas es-sas transformaes que esto ocorrendo na Justia Federal sero vistas em umcaptulo especfico na parte final do trabalho.

    Como natural, o estudo comear com uma abordagem histrica daJustia Federal. O tpico de grande importncia para que se perceba adequa-damente o papel da instituio nos dias de hoje; afinal, como bem explicouVladimir Passos de Freitas, uma instituio, para evoluir, necessita conhe-cer seu passado, ter controle absoluto do presente e planejar seu futuro2.Alis, Vladimir Passos de Freitas, recentemente, escreveu uma interessante obrasobre a Histria da Justia Federal3, cuja leitura j obrigatria para quempretende conhecer a fundo o Judicirio Federal.

    Na segunda parte, ser feita uma sucinta anlise do perfil constitucionaltraado pela Constituio de 1988 para a Justia Federal. Nessa oportunidade,sero vistas as principais competncias previstas na Constituio, tanto no m-bito cvel quanto no mbito penal.

    Em seguida, atingindo o ponto alto do trabalho, sero exemplificados ca-sos paradigmticos de atuao da Justia Federal em favor da cidadania e daconcretizao dos valores constitucionais aps a Constituio Federal de 1988.So muitos os exemplos em que o Judicirio Federal agiu com independncia ebravura, muitas vezes contra interesses de setores poderosos da sociedade e dogoverno central. Tambm so freqentes as situaes em que a Justia Federalexerceu papel preponderante na definio de polticas pblicas e na concretiza-o de direitos fundamentais, antecipando-se ao legislador e at mesmo influen-ciando a elaborao de novas leis de forte contedo social.

    Na ltima parte do trabalho, sero feitas algumas consideraes acercadas perspectivas e dos problemas a serem enfrentados pela Justia Federal da-

    2 FREITAS, Vladimir Passos de. O Perfil do Juiz Federal, p. 45. In: Revista da Associao dos JuzesFederais, n. 50, Braslia: AJUFE, 1996, pp. 45/49

    3 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Histrico e Evoluo no Brasil. Curitiba: Juru, 2003.

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    qui para frente. So projees sobre como ser a Justia Federal do III Milnio.A iminente reforma do Judicirio, as recentes leis aprovadas tratando da JustiaFederal e os vrios projetos de lei em tramitao no Congresso Nacional permi-tiro uma anlise prospectiva.

    Para concluir esta introduo, s resta congratular o Tribunal RegionalFederal da 5 Regio pela iniciativa de operacionalizar esse concurso de mono-grafia tratando do papel social da Justia Federal. Nestes momentos de crise deimagem institucional, importante fazer com que se reflita construtivamente so-bre a misso do Judicirio, enaltecendo os pontos positivos e buscando corrigiros aspectos negativos. Sem a reflexo no possvel perceber os erros. Semperceber os erros no possvel mudar. Sem mudar no possvel melhorar. Esem melhorar no possvel receber o to almejado reconhecimento da socie-dade.

    2. UMA BREVE HISTRIA DA JUSTIA FEDERAL4

    2.1. A JUSTIA FEDERAL NA SUA PRIMEIRA FASE (1890-1937)

    O objetivo deste tpico conhecer um pouco a histria da Justia Fede-ral desde a sua criao at o ano de 1937, data em que o governo anti-demo-crtico de Vargas extinguiu a Justia Federal de primeira instncia. Antes, po-rm, uma prvia explicao.

    Desde a sua origem, a Justia Federal composta pelos juzes de primei-ro grau (chamados de juzes federais ou juzes seccionais) e pelo Supremo Tri-bunal Federal. No havia um tribunal federal intermedirio at 1946, data emque foi criado o Tribunal Federal de Recursos.

    4 Para uma compreenso mais completa da histria da Justia Federal, recomenda-se a leitura do livro:FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003, bemcomo dos seguintes artigos: DOMINGUES, Paulo Srgio. A Evoluo da Justia e do Papel dos Juzes noBrasil. In: Revista Direito Federal n. 67, Braslia: AJUFE, 2001, pp. 321/327; DOBROWOLSKI, Slvio.A Dinmica da Justia Federal. In: Revista da Associao dos Juzes Federais, n. 3, Braslia: AJUFE, 1982;DUARTE, Ado de Assuno. A Justia Federal e sua Importncia. In: Revista da Associao dos JuzesFederais, n. 50, Braslia: AJUFE, 1996, pp. 20/24; FREITAS, Vladimir Passos de. O Perfil do Juiz Federal.In: Revista da Associao dos Juzes Federais, n. 50, Braslia: AJUFE, 1996, pp. 45/49; JUCOVSKY, VeraLcia R. S. & NASCIMENTO, Srgio. A Justia Federal no Brasil. In: Revista da Associao dos JuzesFederais, n. 50, Braslia: AJUFE, 1996, pp. 16/18; OLIVEIRA, Alexandre Vidigal de. Justia Federal Evoluo Histrico-Legislativa. In: Revista da Associao dos Juzes Federais, n. 50, Braslia: AJUFE,1996, pp. 9/14; SILVEIRA, Nri da. A Justia Federal Brasileira. In: Revista da Associao dos JuzesFederal, n. 2, Braslia: AJUFE, 1982.

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    Assim, a histria da Justia Federal deveria, forosamente, incluir a hist-ria do Supremo Tribunal Federal, que e foi o rgo mximo do chamadoJudicirio da Unio.

    Optou-se, contudo, por fazer uma anlise que exclusse os julgamentosoriginrios do Supremo Tribunal Federal. Os exemplos que sero citados a se-guir so casos que foram julgados por juzes federais de primeiro grau e apenaseventualmente foram julgados, em grau de recurso, pelo Supremo Tribunal Fe-deral, que funcionava tambm como a segunda e ltima instncia da Justia Fe-deral, antes de ser criado, em 1946, o Tribunal Federal de Recursos, e, em1988, os Tribunais Regionais Federais.

    Em vrios momentos, o termo Justia Federal utilizado para se referirto-somente aos juzes de primeiro grau, embora o Supremo Tribunal Federaltambm seja um rgo da Justia Federal. A opo deveu-se ao objetivo dotrabalho, que analisar o papel social da Justia Federal (juzes federais e, atu-almente, tribunais regionais federais) e sua atuao em favor da cidadania.

    2.1.1.O DECRETO 848/1890: A CRIAO DA JUSTIA FEDERAL

    Antes mesmo de ser promulgada a Constituio de 1891, a primeira dorecm-instaurado regime republicano, o Governo Provisrio instituiu a JustiaFederal, atravs do Decreto 848/1890.

    A magistratura federal nasceu, portanto, juntamente com a Repblica ecom a Federao, espelhando-se no modelo norte-americano.

    L nos Estados Unidos da Amrica o Judicirio j gozava de grande pres-tgio, graas em grande parte doutrina do controle judicial de constitucionali-dade (judicial review). Como se sabe, desde 1803, no famoso caso Marburyvs. Madison, a Suprema Corte norte-americana reconheceu que os rgos ju-diciais detinham a misso de fiscalizar a compatibilidade dos atos pblicos coma Constituio Federal, podendo negar aplicao a leis ou atos que fossem in-compatveis com os princpios traados na Lei Fundamental.

    E foi com esse esprito que a Justia Federal foi criada no Brasil, com adiferena de que l nos Estados Unidos o judicial review foi uma construojurisprudencial e doutrinria, enquanto aqui a possibilidade de controle de cons-titucionalidade pelo Poder Judicirio era prevista expressamente pela Constitui-o Federal de 1891 e pelo Decreto 848/1890.

    A Exposio de Motivos do referido Decreto 848/1890, apresentadapelo ento Ministro Campos Salles, confirma a ndole fiscalizadora da Justia

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    Federal. Eis um trecho da Exposio que ressalta qual seria o papel da magis-tratura federal no novo regime (o vernculo no foi atualizado, a fim de manter aoriginalidade do texto):

    Cabendo ao ministerio que me foi confiado a importante tarefa de organi-zar um dos poderes da Unio, e consultando os grandes interesses confi-ados suprema direco do Governo Provisrio, pareceu-me necessriosubmetter desde j vossa approvao e assignatura o decreto que insti-tue a Justia Federal, de conformidade com o disposto na Constituioda Republica.A proximidade da installao do Congresso constituinte, que poderia pa-recer em outras circumstancias um plausivel motivo de adiamento, afim deque lhe fosse submettido o exame de uma questo de tal magnitude, tor-na-se, entretanto, nesta situao, que profundamente anormal, uma po-derosa razo de urgencia a aconselhar a adopo desta medida.O principal, sino o unico intuito do Congresso na sua primeira reunio,consiste sem duvida em collocar o poder publico dentro da legalidade.Mas esta misso ficaria certamente incompleta si, adoptando a Constitui-o e elegendo os depositarios do poder executivo, no estivesse todaviapreviamente organizada a Justia Federal, pois que s assim podero fi-car a um tempo e em definitiva constituidos os tres principaes orgos dasoberania nacional. Trata-se, portanto, com este acto, de adoptar o pro-cesso mais rapido para a execuo do programma do Governo Proviso-rio no seu ponto culminante a terminao do perodo dictatorial.Mas, o que principalmente deve caracterisar a necessidade da immediataorganizao da Justia Federal o papel de alta preponderncia que ellase destina a representar, como orgo de um poder, no corpo social.No se trata de tribuanes ordinarios de justia, com uma jurisdico purae simplesmente restricta applicao das leis nas multiplas relaes dodireito privado. A magistratura que agora se instala no paiz, graas aoregimen republicano, no um instrumento cego ou mero interprete naexecuo dos actos do poder legislativo. Antes de applicar a lei cabe-lheo direito de exame, podendo dar-lhe ou recusar-lhe sanco, si ella lheparecer conforme ou contraria lei organica5.

    5 CJF Conselho da Justia Federal. Justia Federal Legislao. Braslia: CJF, 1993.

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    Como se observa, a Justia Federal fora criada com um objetivo bastantenobre e difcil, qual seja, controlar a validade dos atos do executivo e do legisla-tivo em face da Constituio. Relembra-se que, no regime imperial, o controlede constitucionalidade era uma atribuio do chamado Poder Moderador. Oprprio Imperador era responsvel pela fiscalizao da constitucionalidade dosseus atos e dos atos do legislativo, tendo absoluto controle sobre o Judicirio,cuja misso restringia-se a solucionar os conflitos entre particulares.

    J no novo modelo, sugerido pelo Decreto 848/1890 e confirmado pelaConstituio de 1891, o sistema judicirio seria dual, em que a Justia Federaldeveria conviver com as Justia locais (Estaduais): os juzes estaduais seriamresponsveis pela soluo dos conflitos privados, enquanto magistratura fede-ral caberia o julgamento das causas de direito pblico-constitucional, especial-mente as que tivessem origem em atos administrativos do Governo Federal,conforme determinava o art. 60 da Constituio de 1891, o art. 15 do Decreto848 de 1890 e o art. 13 da Lei 221, de 1894, que eram os principais instrumen-tos normativos que dispunham acerca da competncia da Justia Federal.

    Assim, pelo menos no papel, havia uma crena de que a Justia Federalseria capaz de exercer a fiscalizao dos demais poderes, servindo como guar-di da Constituio dentro do sistema de freios e contrapesos que se pretendiaimplementar. Restava saber se na prtica o controle seria eficaz, j que a fisca-lizao judicial da constitucionalidade das leis ainda no fazia parte de nossatradio jurdica.

    2.1.2.O PRIMEIRO CASO DE GRANDE RELEVNCIA

    Em 1893, Rui Barbosa publicou um texto denominado Os actos incons-titucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justia Federal, onde tra-ou as primeiras linhas do que viria a ser o controle judicial de constitucionalida-de no Brasil.

    O texto no propriamente uma obra acadmica, mas a consolidao detrabalhos forenses envolvendo um mesmo tema: as aes civis dos militares re-formados pelos Decretos de abril de 1892 assinados pelo governo ditatorial doMarechal Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro.

    Rui Barbosa, na qualidade de advogado, ingressou com diversas aescivis perante a recm-criada Justia Federal, visando anular judicialmente osatos de reforma dos militares que se opuseram ao golpe de Floriano6.

    6 A famosa carta-manifesto dos treze generais dirigida a Floriano Peixoto, exigindo nova eleio presiden-cial pode ser lida em: AMARAL, Roberto; BONAVIDES, Paulo. Textos Polticos da Histria do Brasil. 3ed. vol. 2, Braslia: Senado Federal, 2002, p. 333.

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    A Justia Federal estava dando seus primeiros passos e, portanto, aindano havia um sentimento constitucional no pas. Soava, no mnimo, estranhodizer que um juiz federal de primeiro grau, diga-se de passagem teria tama-nho poder, a ponto de decretar a nulidade de um ato da mais alta autoridade doexecutivo, especialmente provinda de um regime autoritrio.

    Ningum imaginaria que um magistrado de primeira instncia agiria com acoragem suficiente para enfrentar o Executivo no caso dos militares reformadospelo Marechal Floriano. Afinal, aquele era um perodo em que, por muito pou-co, prendiam-se parlamentares e jornalistas, demitiam-se professores e servi-dores pblicos, reformavam-se militares, aposentavam-se juzes compulsoria-mente e fuzilavam-se os que fossem contra o regime. Alm disso, os juzes fede-rais, embora vitalcios, ainda no tinham a garantia de inamovibilidade, de talmodo que um juiz no Rio de Janeiro poderia ser removido para os mais longn-quos rinces do pas com uma simples penada e se desse por satisfeito porainda estar vivo!

    Para se ter uma noo de como ainda era frgil a aceitao da tese de queos magistrados detinham o poder de controlar a validade dos atos do Executivoe do Legislativo, alguns juzes que, naquele perodo, se negaram a aplicar leis,sob o fundamento de inconstitucionalidade, chegaram a ser acusados por crimede responsabilidade ou de prevaricao, o que levou Rui Barbosa a escreveruma obra memorvel sob o tema, em defesa da liberdade de conscincia dojuiz, intitulada Defesa do Dr. Alcides de Mendona Lima no Recurso de Re-viso contra a Sentena do Superior Tribunal do Rio Grande do Sul, queserviu de fundamento defesa de um magistrado que havia sido condenado pena de 9 meses de suspenso do emprego por haver declarado a inconstituci-onalidade da Lei de Organizao Judiciria do Rio Grande do Sul!7.

    O certo que, para surpresa geral, o Juiz Federal Henrique Vaz PintoCoelho, em 1895, julgou a favor dos militares reformados, garantindo aos auto-res das aes o direito de receberem os vencimentos dos cargos/patentes comose no tivessem sido reformados.

    As referidas sentenas foram uma surpresa at para Rui Barbosa, confor-me se pode observar no seguinte trecho de uma carta escrita por ele poca,durante exlio que estava vivendo em Londres:

    7 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo I/1891-1898. 2 ed. Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 84. O Supremo Tribunal Federal acabou firmando o entendi-mento de que faz parte da funo jurisdicional o controle de constitucionalidade das leis, razo pela qualos juzes no poderiam ser responsabilizados por se negarem aplicao a leis que reputem inconstitucio-nais.

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    Ontem recebi do Rio um telegrama annimo nesses termos Vitria. Juizseccional reformas militares. Hurra maior campeo liberdades civis milita-res tempo legalidade. Quer isso dizer que o juiz federal sentenciou afavor dos meus clientes na famosa questo? um triunfo, que eu noesperava, descrente que estou das qualidades morais da nossa magistra-tura. (...)Vejo que venci a questo dos generais e lentes demitidos, perante a justi-a federal. um triunfo, que me surpreendeu, ante a desmoralizao geraldo pas. Noutra terra esse arresto seria recebido como a primeira con-quista para a liberdade constitucional. No Brasil no sei se ele ter mere-cido as honras dos comentrios8.A deciso foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, que adotou o

    entendimento de que nulo o ato do Poder Executivo que reforma forada-mente um oficial militar, fora dos casos previstos em lei.

    Logo aps a deciso do STF, o Governo anulou os decretos de abril de1892, tendo os militares favorecidos pela deciso sido anistiados e reintegradosaos cargos que ocupavam.

    O caso exemplar. Foi a primeira vez no Brasil que se sustentou, perantea Justia Federal, a inconstitucionalidade de um ato do executivo. Tratava-se,como disse o prprio Rui Barbosa, de uma novidade de um regime inteiramen-te sem passado entre ns. Alis, novidade essa que fora recebida muito desfa-voravelmente pelos amigos do ex-Presidente Marechal Peixoto, conforme no-ticiou o jornal The Standard e The Finantial News9.

    A sentena, escrita com objetividade, mas com profunda noo do seupapel simblico, contm alguns aspectos dignos de nota, que ressaltam a funoque seria desempenhada pela Justia Federal dentro do Estado Republicano eFederativo que acabara de surgir:

    (...) manifesta a competncia do Poder Judicirio para dizer em espciede ofensas ao poder poltico contra os direitos individuais com preteriodas leis e da Constituio (...). Pelas opinies da corrente geral dos cons-titucionalistas, firmando de modo claro e positivo que ao Poder Judici-

    8 BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XX, 1893, Tomo V, Rio de Janeiro: Ministrio daEducao e Cultura, 1958, p. XXXVI (introduo).

    9 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo I/1891-1898. 2 ed. Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 63.

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    rio, no regmen americano (que o da nossa Constituio) cabe a supre-ma misso de garantir a verdade constitucional e legal e proteger os direi-tos individuais contra as exorbitncias do Executivo e Legislativo. (...) OPoder Judicirio se acha que a lei do congresso viola a Constituio, pro-nuncia-se por esta. Mister, porm, que haja controvrsia entre as partesacrca de algum caso sujeito. D-se aos cidados o meio de tornar efeti-vos os direitos individuais quando violados por lei contrria a les; masainda que o Tribunal Supremo declare que a aplicao dela no caso de-batido inconstitucional, de nenhum valor nem efeito, no deixa por issoa lei de continuar em vigor. Continua a ser obrigatria para todos, mascada qual quando lhe chega a vez em caso submetido justia, tem omesmo recurso acima indicado para evitar-lhe a aplicao. (FlorentinoGonzales Lio de Dir. Const.). manifesto, pois, lei ou ato adminis-trativo que ataque um direito subjetivo, o lesado pode recorrer ao depar-tamento judicirio e ste tem competncia. (...) No h poderes, querlegislativos, quer executivos, com exerccio legal, seno dentro das nor-mas constitucionais, lei suprema que domina e avassala tdas as outrasleis, atos administrativos, decises judicirias, desde que a violem. (...)No h onipotncia no Congresso, como no h no Executivo tm atri-buies constitucionais e legais e fora delas so exorbitantes e seus atosnulos10.

    Eis a, nessa formidvel deciso, o marco inicial da atuao da JustiaFederal em prol da democracia.

    E que bela lio foi-nos deixada pelo julgado: no h poderes, quer legis-lativos, quer executivos, seno dentro das normas constitucionais, lei supremaque avassala todas as outras leis, atos administrativos, decises judicirias, des-de que a violem...

    2.1.3.OUTROS CASOS IMPORTANTES

    No fcil colher material sobre a Justia Federal na sua primeira fase deexistncia.

    10 Extrado do livro: BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XX, 1893, Tomo V, Rio deJaneiro: Ministrio da Educao e Cultura, 1958, pp. 219/223.

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    Para se ter uma idia da dificuldade no existe sequer uma relao nomi-nal de todos os juzes federais que atuaram no perodo11.

    De qualquer modo, alguns exemplos podem ser apresentados, sobretudoporque a Justia Federal teve que se manifestar sobre episdios bastante co-nhecidos na histria brasileira, j que era competente para julgar os crimes po-lticos e os assuntos constitucionais de maior relevncia. E nesse ponto, as obrasreferentes histria do Supremo Tribunal Federal servem de tima fonte depesquisa, j que muitos julgamentos de relevo partiram de decises de primeirainstncia, chegando ao STF apenas em grau de recurso12.

    bvio que no possvel dimensionar o grau de aceitao social dasdecises que sero citadas a seguir. As fontes nem sempre so confiveis, atpelo forte contedo poltico dos julgados.

    2.1.3.1. ANISTIA INVERSA

    O primeiro exemplo selecionado , de certo modo, uma continuao docaso da reforma dos militares pelos decretos de abril de 1892, e tambm fazparte do rol de trabalhos jurdicos de Rui Barbosa, tendo sido por ele denomi-nado de Anistia Inversa Caso de Teratologia Jurdica Defesa perante oJuzo Seccional dos Condenados pela Anistia de 189513.

    Os militares afastados durante o perodo ditatorial comandado pelo Ma-rechal Floriano Peixoto foram anistiados pelo Decreto Legislativo n. 310/1895.

    A anistia, contudo, foi bastante restritiva na medida em que determinavaque os oficiais ento anistiados no poderiam voltar ao servio ativo antes dedecorridos dois anos, contados da data em que se apresentassem s autorida-des competentes, e ainda se a tanto anusse o Poder Executivo.

    11 Essas e outras dificuldades so ressaltadas por FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluoe Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003. A respeito da relao nominal dos juzes federais, o Conselhoda Justia Federal elaborou um Repertrio Bibliogrfico da Justia Federal: CJF Conselho da JustiaFederal. Repertrio Bibliogrfico da Justia Federal. Braslia: CJF, 2000. Esse repertrio, contudo, incompleto, deixando de mencionar, por exemplo, o prprio Juiz Federal Henrique Vaz Pinto Coelho.

    12 De se destacar os quatro tomos da obra a Histria do Supremo Tribunal, de Lda Boechat Rodrigues,especialmente os dois primeiros.

    13 BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XXIV, 1897, Tomo III, Rio de Janeiro: Minis-trio da Educao e Cultura, 1955.

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    Rui Babosa foi, ento, constitudo advogado dos oficiais descontentes eingressou, em fevereiro de 1896, com uma ao sumria contra a Unio repre-sentado quase cinqenta militares insatisfeitos.

    Digno de nota nas alegaes de Rui Barbosa a defesa que se faz docontrole judicial de constitucionalidade exercido pela Justia Federal, invocan-do o precedente da reforma dos militares:

    Graas a Deus, j no invoco um princpio contestvel neste pas, afir-mando a prerrogativa bendita da justia na verificao da constitucionali-dade dos atos dos outros poderes, como me sucedia, quando, h trsanos, assumi a iniciativa de sustent-la ante este mesmo tribunal. As deci-ses judicirias na questo, que levantei, da nulidade da reforma dos mi-litares espoliados pelos decretos ditatrios de abril de 1892, decises aque dignamente se inclinou o chefe do Estado, pem termo controvr-sia, hoje morta.Verdade seja que ento a resistncia se opunha a atos inconstitucionais dopoder executivo. Mas as razes, que cortaram a dvida no tocante aosdecretos da administrao, de todo em todo a dissipam no que respeitaaos do congresso. Era em nome da independncia dos poderes, do direi-to, inerente a cada um deles, de interpretar, no ofcio de suas funes, asclusulas da lei fundamental a elas correspondentes, que se me qualificavade anarquizadora e tumulturia a doutrina alis bebida por mim nas guastranqilas da jurisprudncia americana. Em resposta ficou demonstradopela minha argumentao que a justia federal a intrprete suprema daconstituio republicana14.

    Com rpida tramitao, o processo foi julgado pelo Juiz Seccional Aure-liano Campos, que proferiu sentena em 27 de julho de 1896, julgando os pedi-dos procedentes para o fim de considerar os autores livres das restries legis-lativas, condenando a Unio a pagar-lhes o soldo e demais vencimentos quelhes coubessem em virtude das leis vigentes, como se estivessem isentos deculpa15.

    14 BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XXIV, 1897, Tomo III, Rio de Janeiro: Minis-trio da Educao e Cultura, 1955, pp. 13/14.

    15 CF. BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XXIV, 1897, Tomo III, Rio de Janeiro:Ministrio da Educao e Cultura, 1955, p. 8. A sentena encontra-se nas pginas 167/171 da referidaobra.

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    O Supremo Tribunal Federal, porm, em polmico acrdo, reformou asentena, julgando os autores carecedores da ao, aceitando o argumento daUnio de que a anistia uma faculdade do Legislativo, que a concede com ascondies que entender devidas, no cabendo ao Judicirio modific-las16.

    Em 7 de dezembro de 1898, foi promulgada a Lei n. 533, que suprimiu asrestries contidas no decreto 310, embora mantendo algumas limitaes con-cernentes a vencimentos e promoes j decretadas.

    2.1.3.2. CONSPIRAO MILITAR DE 1904

    Durante o Governo de Rodrigues Alves, houve diversos momentos deinstabilidade social, causados principalmente por medidas sanitrias que desa-gradaram a opinio pblica, como a instituio da vacina obrigatria, levada acabo pelo famoso mdico sanitarista Osvaldo Cruz.

    Nesse contexto de intranqilidade social e descontentamento com o Go-verno, um grupo de militares tramou a deposio do Presidente da Repblica,visando instaurao de uma ditadura militar, que prepararia a restaurao daMonarquia.

    O movimento, obviamente, no obteve sucesso, tendo sido presos algunsde seus mentores, civis e militares.

    Em 3 de janeiro de 1905, foi oferecida denncia contra os civis implica-dos no movimento.

    No mesmo dia, o Juiz Federal Pires e Albuquerque, que viria a ser Minis-tro do Supremo Tribunal Federal, despachou o processo, declarando no po-der receber a denncia, j que o crime de conspirao exigia a participao devinte ou mais pessoas e apenas quatro pessoas eram denunciadas, alm de noser possvel desmembrar o feito entre civis e militares, tendo em vista a unidadedo delito, devendo tanto os civis quanto os militares serem julgados pela JustiaFederal17.

    O Supremo Tribunal Federal, posteriormente, reformou o entendimento edeterminou que o juiz recebesse a denncia nos termos em que estava concebi-da contra os denunciados civis, deixando que os militares fossem processados ejulgados no foro militar.

    16 O acrdo encontra-se nas pginas 177/181 da obra j citada. Um relato sobre as circunstncia em quefoi proferida a deciso pode ser encontrado em RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do SupremoTribunal Federal. Tomo I/1891-1898. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 70.

    17 RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo II/1809-1910. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 73.

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    Apesar da deciso do STF, o caso serve para demonstrar que a JustiaFederal podia agir com certa independncia, mesmo diante de uma situaocrtica de tentativa de derrubada do Presidente da Repblica.

    2.1.3.3. HABEAS CORPUS CONTRA A EXPULSO DE ESTRANGEIROS

    Em princpios de 1907, o Governo Federal decretou inmeras expulsesde estrangeiros, com base na Lei 1.641/1907, sendo uma das primeiras a domdico portugus Dr. Urbino de Freitas18.

    Ingressando na Justia Federal contra a medida, o mdico obteve habe-as-corpus, concedido pelo Juiz Seccional Pires e Albuquerque, em processo demuita repercusso. A deciso foi confirmada posteriormente pelo Supremo Tri-bunal Federal.

    O caso importante, pois foi uma das primeiras vezes em que o Judiciriobrasileiro atuou em defesa da liberdade de estrangeiros, atuando nitidamente emprol dos direitos humanos.

    Recentemente, em caso de grande repercusso, o Superior Tribunal deJustia teve a oportunidade de conceder habeas-corpus a um jornalista estran-geiro do New York Times que publicou matria que desagradou o Presidente daRepblica, demonstrando que, em alguns momentos, a histria parece ser ccli-ca.

    2.1.3.4. RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIO

    A Justia Federal tambm teve que julgar importantes casos de responsa-bilidade civil da Unio, como o famoso episdio do Bombardeio da Bahia portropas federais e a no menos famosa revolta de Juazeiro, ocorrida no Cear ecomandada pelo popular Padre Ccero.

    No caso do Bombardeio da Bahia, ocorrido em 1912, a Justia Federalteve uma participao inicialmente criticvel, j que o bombardeio ocorreu apretexto de dar cumprimento a uma ordem de habeas corpus concedida pelojuiz seccional Paulo Fortes, em favor de deputados daquele Estado que estavamimpedidos de exercerem seus mandatos por proibio do Governador AurlioViana.

    18 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo II/1899-1910. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 45.

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    Concedido o habeas corpus, as Foras Armadas, a pretexto de faz-locumprir fora, atirou bombas na Praa do Palcio, atingindo o Palcio doGoverno e vrios edifcios prximos, inclusive a famosa Biblioteca Pblica doEstado, que foi reduzida a cinzas.

    O ato gerou descontentamento dentro do prprio Poder Executivo Fede-ral, tendo o ento Ministro da Marinha, Joaquim Marques Batista Leo, escrito,em 11 de janeiro de 1912, uma carta de demisso ao Presidente da Repblica,Hermes da Fonseca, que ficou famosa.

    Eis um trecho que ressalta a sua revolta diante dos acontecimentos:

    O bombardeio da capital do Estado da Bahia, pelas fortalezas guarneci-das por foras federais, uma iniqidade que atenta menos contra a Cons-tituio brasileira do que contra a civilizao e a dignidade humana. Eleconstituir uma ndoa indelvel em nossa Histria, um oprbrio para osseus responsveis, a percusso de uma crise, suja gravidade ningumpoderia precisar, mas acredito ser funesta aos que a provocaram. Obombardeio da capital da Bahia talvez seja julgado um ato constitucionaldefensvel. O Senador estadual Arlindo Leone e outros companheirosobtiveram um mandado de habeas corpus do juiz federal, e este magis-trado, de acordo com o disposto no art. 6, N 4, da Constituio Fede-ral, requisitou fora para a sua execuo. No h dvida que o acatamen-to s decises do Poder Judicirio um dos principais fundamentos donosso sistema constitucional. Mas, se alguma vez, Sr. Presidente da Re-pblica, eu fosse capaz de vos aconselhar desobedincia ostensiva a umaresto do Poder Judicirio, certamente seria quando um juiz quisesse bom-bardear uma cidade comercial de um pas livre, para executar um habeascorpus19.

    Acalmados os nimos e aps muitos discursos de revolta contra a atitu-de das foras federais por parte do ento Senador baiano Rui Barbosa -, foiinterposta ao civil visando o reconhecimento da responsabilidade da Unio ea conseqente reparao dos danos ocasionados em razo do bombardeio. Asentena condenatria proferida pela Justia Federal de primeiro grau foi confir-mada pelo Supremo Tribunal Federal na Apelao Cvel 4.967 em 1928, aps

    19 A referida carta pode ser lida em AMARAL, Roberto; BONAVIDES, Paulo. Textos Polticos da Histriado Brasil. 3 ed. vol. 3, Braslia: Senado Federal, 2002, p. 674/675.

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    dezesseis anos do episdio. Firmou-se o entendimento de que a Unio civil-mente responsvel pelos prejuzos decorrentes do bombardeio da Bahia, em191220.

    No caso do Cear, ocorrido entre os anos de 1913 e 1914, aconteceualgo semelhante.

    A disputa pelo poder estadual levou deputados oposicionistas a se unirema Padre Ccero e aos famosos cangaceiros, que atacaram e venceram as tropasgovernistas estaduais desde Juazeiro at chegarem orla de Fortaleza, capitaldo Estado.

    Aps o trmino do conflito, vrios particulares que tiveram bens destru-dos com a revolta de Juazeiro ingressaram com aes de indenizao contra aUnio. Argumentou-se que o Governo Federal compactuou com os revoltosos,permitindo que armas e suprimentos chegassem aos cangaceiros atravs dasestradas de ferro pertencentes Unio, alm de no terem sido enviadas tropasfederais para debelar os revoltosos.

    O Juiz Seccional acolheu o pedido, condenando a Unio a pagar a impor-tncia dos prejuzos, liquidveis em execuo de sentena.

    Em outubro de 1921, oito anos aps os acontecimentos, a sentena foiconfirmada pelo Supremo Tribunal Federal que decidiu, na Apelao Cvel 3283,o seguinte:

    indiscutvel a competncia da Justia para amparar os direitos individu-ais lesados em conseqncia de atos do Governo Federal quando, con-trariando a misso que lhe cumpria desempenhar num Estado em quehavia perturbao da ordem pblica, exagerou e praticou uma srie deatos com manifesto desgnio de fazer triunfar a sedio existente, de alte-rar a situao poltica regularmente estabelecida; e a Unio Federal res-ponsvel pelos atentados propriedade particular ento cometidos emconseqncia dessa sua irregular interveno21.

    Vale ressaltar que, mesmo antes dos referidos julgados, as aes indeni-zatrias proferidas contra a Unio no eram muito bem recebidas pelo Poder

    20 RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo III/1910-1926. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 73.

    21 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo III/1910-1926. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 82.

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    Executivo, como era de se esperar. Tanto assim que, em mensagem ao Con-gresso Nacional no ano de 1900, o Poder Executivo aponta como causa princi-pal do desequilbrio financeiro do pas as sentenas indenizatrias proferidaspela Justia Federal22.

    No de hoje, portanto, que o Governo Federal, ao invs de respeitar aConstituio e as leis para evitar as condenaes judiciais, tenta inibir a ao doJudicirio atravs de argumentos ad terrorem, tentando culpar a Justia Fe-deral pelos mais diversos problemas financeiros.

    2.1.3.5. A DEFESA DAS LIBERDADES CIVIS E DOS DIREITOS INDIVIDUAIS

    No tomo III de sua famosa Histria do Supremo Tribunal Federal, ahistoriadora Lda Boechat Rodrigues dedica sua pesquisa formao da dou-trina brasileira do habeas corpus, ressaltando os casos julgados no perodo de1910 a 1926.

    Embora seja uma obra dedicada ao Supremo Tribunal Federal, possvellocalizar diversos casos em que a Justia Federal de primeiro grau contribuiupara a proteo de liberdades civis e, conseqentemente, para a consolidaoda doutrina brasileira do habeas corpus, atravs da qual esse instrumento po-deria ser utilizado para proteger qualquer espcie de direito individual violado eno apenas a liberdade de locomoo23.

    Houve casos em que os juzes federais concederam habeas corpus paraa proteger a liberdade de imprensa (livre circulao de jornais), inclusive garan-tindo o direito de indenizao pelos prejuzos decorrentes da censura em jornaisdurante o estado de stio24.

    Houve, tambm, casos em que a Justia Federal concedeu habeas cor-pus para garantir o exerccio de direitos polticos (direito de voto), j que ainda

    22 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo II/1809-1910. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 16.

    23 Com a Reforma Constitucional de 1926, a abrangncia do habeas corpus foi limitado proteo daliberdade de locomoo. Posteriormente, foi criado o mandado de segurana.

    24 Ementa: A suspenso de jornais, na vigncia de estado de stio. A Unio responde pelos prejuzosdecorrentes desse ato, que somente para casos extremos e devidamente justificados poderia ser tolerado(Apelao Cvel 3662, julgada em 12/9/1930, Rel. Min. Soriano de Souza). Mais tarde, pacificou-se oentendimento de que, cessado o estado de stio decretado pelo Governo Federal, e conseqentementerestaurada em toda sua plenitude a ao do Poder Judicirio, possvel condenar a Unio pelos danoscausados ao patrimnio particular pelos excessos praticados pelos seus representantes e prepostos duran-te o regime de exceo.

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    no existia a Justia Eleitoral. Exemplo disso ocorreu no habeas corpus reque-rido em favor de Albano Augusto de Souza Frana e outros, concedido pelo juizseccional Octavio Kelly, em 19 de janeiro de 1910, garantindo os impetrantesde usar livremente os direitos polticos na Barra do Pira25.

    O mesmo juiz federal, que futuramente viria ser Ministro do SupremoTribunal Federal, proferiu memorvel sentena em favor de Edmundo Bitten-court, dono do jornal Correio da Manh, garantindo-lhe a manuteno de pos-se daquele matutino em pleno estado de stio, em maio de 1925. de se desta-car trechos da referida sentena, especialmente quando o magistrado, numaviso de efetividade processual bem avanada para poca, comina multas emque incorrer a autoridade pblica que cercear a livre publicao do mesmo,bem como prev a reparao dos danos decorrentes da grave e violenta injus-tia praticada pelos poderes pblicos contra a propriedade do Sr. EdmundoBittencourt26. E, efetivamente, quando cessou o estado de stio, o Dr. Edmun-do Bittencourt ingressou com ao indenizatria contra a Unio, em razo dosprejuzos causados pelo fechamento do Correio da Manh, tendo o SupremoTribunal Federal confirmado a deciso de primeiro grau e reconhecido a res-ponsabilidade civil da Unio no referido caso27.

    Vale citar, do mesmo modo, alguns casos isolados em que a Justia Fede-ral garantiu o direito de reunio de operrios (meetings), embora a regra tenhasido a represso a grupos sociais, especialmente os arnarquistas e socialistas,que eram vistos como nocivos sociedade28. O posicionamento refletia a men-talidade da poca de que os movimentos operrios eram casos de polcia edeveriam ser reprimidos a todo custo.

    De qualquer modo, apesar de todo o preconceito burgus em torno dosanarquistas e socialistas, de se registrar uma atuao firme da Justia Federalcontra a expulso arbitrria de estrangeiros residentes e at de brasileiros queforam considerados nocivos sociedade por pregarem doutrinas contra o capi-

    25 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo III/1910-1926. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 199.

    26 RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo III/1910-1926. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 199.

    27 Apelao Cvel 3267, j. 8/10/1929, rel. Min. Soriano de Souza, RF 55/215.

    28 Ver a respeito o Captulo 15 (Poder de Polcia), de RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do SupremoTribunal Federal. Tomo III/1910-1926. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991, pp. 251/260.

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    talismo. Nesse sentido, o Captulo 14 da referida obra de Lda Boechat Rodri-gues apresenta inmeros exemplos em que se considerou possvel o controlejudicial dos decretos de expulso, especialmente quando so violadas regrasbsicas da Constituio Federal29.

    2.1.3.6. A REVOLTA DOS 18 DE FORTE DE COPACABANA DE 1922

    Outro processo de grande repercusso e relevncia histrica foi o refe-rente ao movimento revolucionrio de 5 de julho de 1922 (revolta dos 18 doForte de Copacabana).

    Alguns militares, descontentes com medidas governamentais, rebelaram-se contra as autoridades constitudas, objetivando substituir o governo existentepor uma Junta Governativa. Fracassado o movimento, os militares revoltososforam denunciados perante a Justia Federal.

    O Juiz Federal absolveu vrios acusados e, quanto aos condenados, clas-sificou o delito no art. 111 do Cdigo Penal e no no art. 107, que teria umapena maior. Houve recurso para o Supremo Tribunal Federal que reformou par-cialmente a sentena, to somente para condenar alguns acusados que haviamsido absolvidos pelo Juiz Federal.

    2.1.3.7. O MOVIMENTO REVOLUCIONRIO PAULISTA DE JULHO DE 1924

    Fato semelhante ocorreu em 5 de julho de 1924, em So Paulo, no epis-dio de ficou conhecido como Revoluo Paulista.

    O processo foi julgado em primeira instncia pelo juiz federal de SoPaulo, Dr. Washington de Oliveira, que, no futuro, viria a ser Ministro do Supre-mo Tribunal Federal.

    Para se ter uma idia da dificuldade que deve ter sido julgar o referidoprocesso, basta dizer que os autos formavam 167 volumes e haviam sido de-nunciadas 688 pessoas isso sem falar na presso poltica que recaia sobre ocaso.

    O Procurador Geral da Repblica pretendia a condenao dos revoluci-onrios no grau mximo, que seria a pena prevista no artigo 107 do CdigoPenal.

    29 RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo III/1910-1926. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1991, pp. 223/249.

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    O Juiz Federal, porm, desclassificou o delito do artigo 107 para o artigo111, que resultava em uma pena mais branda.

    De acordo com o Jornal Folha da Manh, de 17 de novembro de 1927,a sentena teria sido bem recebida pelos revolucionrios e representava, decerto modo, a aspirao geral da sociedade (o texto est com a grafia original):

    Duas correntes se formam nos debates. Uma favoravel a confirmao dasentena exarada no processo, pelo integro juiz dr. Washington de Olivei-ra. A outra, favoravel da sentena appellada e de accordo com a reformada mesma, do artigo III para o artigo 107 do Codigo Penal, conformepleteia o ministro procurador Pires e Albuquerque. Os votos ainda noso conhecidos. Mas aspirao geral, em todos os circulos, que a deci-so da nossa mais alta Corte de Justia seja para confirmar a sentena donotavel juiz, dr. Washington de Oliveira, j acceita pelos revolucionarios eno nas duras penas do artigo 107 e sua consequente excluso do Exer-cito Nacional de tantos officiaes envolvidos no movimento de 5 de Julho.

    Prevaleceu, contudo, a opinio do Procurador Geral da Repblica, Mi-nistro Pires e Albuquerque, que defendia ardorosamente a punio mxima dosrevolucionrios. Em sesso secreta, o Supremo Tribunal Federal deu provimen-to parcial ao recurso do Procurador Criminal (RCr 536).

    Um fato curioso cerca o processo.Os mesmos militares ento condenados, que tiveram no Ministro Pires e

    Albuquerque a figura do acusador implacvel, foram, por ironia do destino, vi-toriosos na Revoluo de 1930 e, como o prprio Ministro Pires e Albuquerquedeclarou, os ontem condenados, agora vitoriosos, poderiam nutrir o humanssi-mo sentimento de vingana30. E, de fato, a vingana no tardou...

    Atravs do Decreto n. 19.656/1931, vrios Ministros do Supremo Tribu-nal Federal que condenaram as revoltas de 1922, 1924 e 1927, entre eles oMin. Pires e Albuquerque, foram compulsoriamente aposentados31.

    2.1.4.CONCLUSO

    Como se observa, a Justia Federal participou de diversos episdios dahistria republicana brasileira. Em muitos casos, a magistratura federal de pri-

    30 Cf. RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo Tribunal Federal. Tomo IV/1930-1963. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2002, pp. 31/32.

    31 Sobre esse fato e suas repercusses, veja-se RODRIGUES, Lda Boechat. Histria do Supremo TribunalFederal. Tomo IV/1930-1963. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002.

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    meira instncia tomou posturas corajosas, afrontando abertamente o poder cen-tral.

    No possvel, contudo, afirmar com preciso, diante da ausncia deregistros histricos confiveis, se a Justia Federal cumpriu adequadamente seupapel institucional dentro desse perodo compreendido entre 1891 at 1937,aqui chamado de primeira fase da Justia Federal.

    As limitaes impostas pelo contexto histrico e a estrutura ainda prec-ria no eram favorveis a uma atuao de destaque da Justia Federal.

    Alm disso, os Juzes Federais eram indicados pelo Presidente da Rep-blica, o que dava um carter quase sempre poltico (leia-se: politiqueiro) s no-meaes, conforme bem anotou Andrei Koerner em interessante estudo sobre operodo:

    Os juzes seccionais eram nomeados pelo presidente da Repblica a par-tir de lista trplice elaborada pelo STF. O processo de nomeao dosjuzes seccionais abria um campo de negociao entre as oligarquias esta-duais, o presidente da Repblica e os ministros do STF. A escolha docandidato pelo presidente era parte do compromisso da Poltica dos Go-vernadores, pela qual a oligarquia dominante no estado controlava os cargosfederais. (...) Aps a entrada em vigor da Constituio, os juzes seccio-nais passaram a ser nomeados pelo presidente da Repblica a partir delista trplice elaborada pelo STF. O processo de nomeao era basica-mente o seguinte: aberta a vaga, o presidente da Repblica comunicavaao presidente do STF, que publicava edital nos principais jornais do pas.O prazo para as inscries era de trinta dias, a partir dos quais era sorte-ada uma comisso de trs ministros para examinar os documentos e clas-sificar os candidatos. A classificao era votada secretamente no STF e opresidente do STF encaminhava a lista com os nomes dos trs candidatosmais votados para o presidente da Repblica, que nomearia um deles. Aslistas elaboradas pelo STF eram criticadas pela imprensa, porque eramcolocados os dois candidatos mais qualificados, mas tambm o candidatoindicado pela oligarquia dominante do estado, o qual era nomeado. (...)Ao controle das nomeaes pelas oligarquias estaduais, como parte daPoltica dos Governadores, somavam-se a organizao bastante precriados juzes seccionais e restries impostas legalmente ao seu papel deservirem de garantia aos direitos polticos, enquanto intrpretes da Cons-tituio. Assim, se algum juiz seccional tivesse a veleidade de afrontaralguma das oligarquias estaduais sem o apoio de outra, ou do governofederal, sua ao seria intil, devido ausncia de meios materiais comque pudesse contar para efetiv-la. Alm disso, os seus suplentes, leigos esem remunerao, eram nomeados pelo presidente, a partir da indicao

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    das prprias oligarquias, o que garantia a ineficcia da ao da JustiaFederal no interior do pas32.

    Diga-se, ainda, que, praticamente em todos os casos em que o juiz fede-ral de primeira instncia confrontou abertamente o poder central, a deciso, nofinal das contas, acabou sendo reformada, em grau de recurso, pelo SupremoTribunal Federal, o que, de certo modo, esvaziou a importncia das sentenasmonocrticas33.

    Mesmo assim, apesar de todas as dificuldades citadas, Rui Barbosa, emum texto da poca, chegou a reconhecer o papel extraordinrio da JustiaFederal ao criar obstculos ao surgimento de uma ditadura por parte do podercentral34, o que demonstra que a Justia Federal teve uma atuao, at certoponto, positiva no perodo.

    E paralelamente ao aspecto poltico-social, inegvel a importncia daJustia Federal para a consagrao de, hoje conhecidos, princpios e institutosde direito pblico, como o controle difuso de constitucionalidade, a possibilida-de de anulao de atos pblicos eivados de ilegalidade (controle dos atos admi-nistrativos), o direito indenizao no caso de desapropriao, o direito dereintegrao na hiptese de demisses irregulares, a consagrao e evoluo dateoria da responsabilidade civil do Estado e o desenvolvimento da doutrina bra-sileira do habeas corpus, que antecedeu o surgimento do mandado de seguran-a no controle dos atos pblicos que violassem qualquer liberdade individual e

    32 KOERNER, Andrei. O Poder Judicirio no Sistema Poltico da Primeira Repblica. In: Revista da USPn. 21, So Paulo: USP, 1994, pp. 58/69. O mesmo artigo foi publicado na Revista da AJUFE n. 74/2004.Sobre o mesmo assunto, v. FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil.Curitiba: Juru, 2003, pp. 27/34.

    33 por essas e outras que Joo Mangabeira disse que o rgo que, desde 1892 a 1937, mais faltou Repblica no foi o Congresso, foi o Supremo Tribunal Federal (cf. BALEEIRO, Aliomar. O SupremoTribunal Federal, esse outro desconhecido. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 69). A crtica no de todoprocedente, diante de alguns posicionamentos firmes adotados pelo STF no perodo. Porm, sem dvida,o rgo mximo da Justia brasileira falhou em diversos momentos, adotando posicionamentos nitida-mente covardes diante de violaes graves Constituio pelo Poder Executivo. E isso foi bem maisntido aps a Constituio de 1934 e, mais ntido ainda, aps a Constituio de 1988.

    34 Eis a citao: Na forma poltica onde se moldou a Constituio Brasileira, todos os grandes pensadores,todos os observadores de valor so unnimes em reconhecer e temer o poderia dos presidentes. Dos freiose contrapesos, a que o regmen parlamentar submete a coroa dos monarcas, a repblica presidencialexonerou a autoridade do chefe do Poder Executivo. Todo esse ramo da energia constitucional absorve-se numa s individualidade, sobre a qual nenhuma ao tem os ministros e o Congresso. Em vez de sergovernado por uma comisso do Parlamento, o pas regido pela discrio de um homem, cuja foraigualaria a do Tzar, ou a do Sulto, se o curto perodo do seu ascendente o no desarmasse, a descentrali-zao federativa o no circunscrevesse, e o papel extraordinrio da justia federal lhe no criasse obst-culos ditadura (Trecho do artigo O Estado de Stio, Obras Completas de Rui Barbosa.v. 25, t. 1, 1898. p. 94).

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    no apenas a liberdade de locomoo, representando um grande avano naproteo dos direitos fundamentais.

    2.2. A JUSTIA FEDERAL NO ESTADO NOVO (1937-1945)

    Em 1937, com o surgimento do Estado Novo de Getlio Vargas, houveuma grande reviravolta na histria da Justia Federal, pois a Constituio de1937, considerada a mais autoritria que o Brasil j teve, extinguiu a JustiaFederal.

    Os juzes federais que estavam na ativa foram aposentados ou foram co-locados em disponibilidade, com vencimentos proporcionais, caso ainda notivessem trinta anos de servio, nos termos dos artigos 17735 e 18236, da Cons-tituio de 1937, bem como da Lei Constitucional n. 8, de 194237.

    Segundo Vladimir Passos de Freitas, alguns desses juzes federais foramaproveitados na Justia de seus Estados38, mas a verdade que poucos so oscomentrios sobre a extino da Justia Federal nesse perodo, certamenteporque o regime poltico ento vigente no recomendava opinies diver-gentes ou crticas. Paira a respeito um quase absoluto silncio39.

    O pior que o autoritarismo atingiu tambm o prprio Supremo TribunalFederal, cuja misso deveria ser a de tentar barrar um pouco os arbtrios gover-namentais e defender a Constituio. Porm, no foi isso que ocorreu.

    35 art.177 - Dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data desta Constituio, podero ser aposenta-dos ou reformados de acordo com a legislao em vigor os funcionrios civis e militares cujo afastamentose impuser, a juzo exclusivo do Governo, no interesse do servio pblico ou por convenincia do regime.

    36 art.182 - Os funcionrios da Justia Federal, no admitidos na nova organizao judiciria e quegozavam da garantia da vitaliciedade, sero aposentados com todos os vencimentos se contarem mais detrinta anos de servio, e se contarem menos ficaro em disponibilidade com vencimentos proporcionaisao tempo de servio at serem aproveitados em cargos de vantagens equivalentes.

    37 artigo nico os juzes postos em disponibilidade ou aposentados na forma dos artigos 182 e 177 daConstituio de 10 de novembro de 1937 e da Lei Constitucional n. 2, de 16 de maio de 1938, perceberovencimentos proporcionais a partir do ato da disponibilidade ou aposentadoria, salvo se contarem commais de 30 anos de servio.

    38 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003,p. 36.

    39 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003,p. 36. Acerca desse perodo, vale uma leitura dos Anais do Seminrio O Supremo Tribunal Federal naHistria da Repblica, especialmente a palestra O Supremo Tribunal Federal ontem e hoje, proferidapelo grande jurista Evandro Lins e Silva, que foi advogado no perodo, cf. AJUFE Associao dos JuzesFederais. Anais do Seminrio O Supremo Tribunal Federal na Histria da Repblica. Braslia: AJUFE,2002, pp. 588/644.

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    Na verdade, no perodo Vargas, a postura do STF foi de submisso,chegando ao ponto de o ento Presidente do Supremo Tribunal Federal, logoaps a instaurao do governo provisrio instaurado em 1930, haver transmiti-do a Getlio Vargas os melhores votos para o governo de fato que se instala-ra40.

    J durante o Estado Novo, o Supremo Tribunal Federal praticamente seapaga como rgo de controle dos atos do Executivo. Aposentadoria compul-sria de Ministros, excluso das chamadas questes polticas da esfera de com-petncia do Supremo, criao do odioso Tribunal de Segurana Nacional, pos-sibilidade de revogao de decises judiciais por meros atos presidenciais, reti-rando do STF o poder de dizer a ltima palavra sobre a constitucionalidade deleis, foram uma realidade no perodo compreendido entre 1937 a 1945.

    Os fatos do perodo demonstram mais uma vez a veracidade da afirma-o de que sem Justia no h democracia e vice-versa.

    2.3. A JUSTIA FEDERAL NA CONSTITUIO DE 1946

    A Constituio de 1946, que restabeleceu a democracia suprimida noEstado Novo, curiosamente no reinstalou a Justia Federal de 1 grau, emboratenha recriado o Judicirio da Unio, formado pelo Supremo Tribunal Federal,pelo Tribunal Federal de Recursos, pelos Juzes e Tribunais Militares, pelos Ju-zes e Tribunais Eleitorais e pelos Juzes e Tribunais do Trabalho.

    A novidade, portanto, foi a criao do Tribunal Federal de Recursos, cujacompetncia seria basicamente a de julgar os recursos cveis e criminais emcasos de interesse da Unio e entidades federais.

    Sobre o Tribunal Federal de Recursos assim comenta Vladimir Passos deFreitas:

    No fcil concluir sobre a importncia do Tribunal Federal de Recursosnos anos de sua existncia. Como j se disse, so quase inexistentes estu-dos a respeito. No entanto, possvel dizer que ele teve um papel muitoimportante na afirmao do Direito Administrativo, atuando nos moldesdo Conselho de Estado da Frana. Seus Ministros eram respeitados, ain-da que no tivessem o reconhecimento dado aos que pertenciam ao Su-premo Tribunal Federal41.

    40 Cf. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal jurisprudncia poltica. So Paulo: Revista dosTribunais, 1994, p. 75.

    41 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003,p. 49.

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    As causas que seriam tradicionalmente da Justia Federal de primeirainstncia continuariam a ser julgadas por varas especializadas nas capitais dosEstados (chamadas de Varas da Fazenda Nacional), o que causava muitos cons-trangimentos e dificuldades para os jurisdicionados, especialmente os que noviviam na capital, j que deveriam se dirigir ao Distrito Federal para poderemacompanhar as aes contra a Unio, uma vez que o Tribunal Federal de Recur-sos, rgo revisor, estava localizado na Capital da Repblica (Rio de Janeiro e,posteriormente, Braslia).

    2.4. A JUSTIA FEDERAL NO REGIME MILITAR (1964-1988)

    Somente em 27 de outubro de 1965, em pleno regime militar, foi recriadaa Justia Federal de 1 instncia, atravs do Ato Institucional n 2.

    Pelo mesmo Ato, as garantias de vitaliciedade e inamovibilidade dos Ju-zes foram suspensas. Alm disso, os primeiros Juzes Federais seriam nomeadospelo Presidente da Repblica, com a aprovao do Senado, o que demonstraque no havia a inteno de se construir, naquele momento, um Judicirio Fede-ral independente; afinal, como j foi frisado, regimes ditatoriais no desejamuma Justia forte, sobretudo quando o papel desse rgo precisamente con-trolar a validade constitucional dos atos emanados do poder pblico.

    Em 30 de maio de 1966, foi editada a Lei 5.010, ainda hoje parcialmenteem vigor, tratando exclusivamente da Justia Federal e, por isso, chamada deLei Orgnica da Justia Federal. A partir da, a estrutura da Justia Federalcomea a ganhar os contornos que se conhece atualmente.

    Durante esse perodo histrico, caracterizado pela ausncia de liberdade,pela tortura institucionalizada, pela censura na imprensa e pelas ameaas previs-tas no Ato Institucional n 5, no se pode dizer que a atuao da Justia Federalfoi marcante. Na verdade, foroso reconhecer que o Poder Judicirio comoum todo, salvo raras manifestaes de coragem, ficou de mos atadas diantedas arbitrariedades cometidas pelos militares.

    O prprio Supremo Tribunal Federal, que talvez fosse o nico rgo doJudicirio com fora suficiente para defender a democracia e, portanto, paracondenar os atos ditatoriais, foi silenciado quando tentou cumprir sua missoconstitucional. Atravs dos atos institucionais, especialmente o segundo e o quinto,a importncia do STF foi bastante diminuda. Os ministros com posicionamen-tos contrrios ao regime foram compulsoriamente aposentados, e, por fora do

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    AI 5, tornou-se expressamente proibida a interferncia judicial nos assuntospolticos, ainda que fossem violados direitos fundamentais42.

    Quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal teve que apreciar avalidade do Decreto-Lei 1.077/70, que previa a censura prvia em manifesta-es artsticas (livros, filmes, peas teatrais, msicas etc.), o ento PresidenteMdici divulgou um ato governamental informando que a censura baseava-se noAI-5 e, portanto, qualquer deciso do STF pouco valeria, j que no podiahaver interferncia judicial dos atos que se fundamentavam no AI-5, conformedeterminava o artigo 11 do referido Ato. A partir da, o STF deixou de conhecertodos os mandados de segurana impetrados contra a censura governamental43.

    Alm desses problemas de ndole poltico-institucional, que impediam umaatuao mais firme do Judicirio contra as manifestaes ditatoriais, a estruturaque foi dada Justia Federal no permitia uma resposta eficiente aos proble-

    42 Acerca do papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal durante o regime militar, confira-se: VALE,Osvaldo Trigueiro. O Supremo Tribunal Federal e a Instabilidade Poltico Institucional. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 1976.

    43 Entre outros: MS 20146, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 15/12/1978; MS 20149, rel. Min. Soares Munhoz,j. 13/9/1978; MS 20075, rel. Min. Thompson Flores, j. 27/8/1975. Veja-se, a propsito da censura noregime militar, o seguinte comentrio do historiador Carlos Fico: Em 1973 o jornal Opinio publicouuma edio que acabaria confiscada. As matrias tinham sido anteriormente encaminhadas censura, masno foram devolvidas no prazo combinado. Posteriormente, com a autorizao dos censores, foi publica-do o nmero seguinte de Opinio, somente com o material autorizado. Esta foi a estratgia usada pelojornal para provar a existncia da censura da imprensa: uma edio sem censura e outra censurada. Omaterial serviu para que se impetrasse um mandado de segurana contra o governo, sendo advogado dojornal o ex-presidente da Cmara dos Deputados e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, AdautoLcio Cardoso, que havia renunciado ao cargo de ministro do STF justamente quando, dois anos antes, foio nico a votar favoravelmente pela representao do MDB contra o Decreto-lei n. 1.077, de 26 dejaneiro de 1970, que institua a censura prvia de publicaes contrrias moral e aos bons costumes. Oprincipal argumento de Adauto era, no caso do Opinio, a ilegalidade da censura da imprensa. Durante ojulgamento, o advogado do governo anunciou que tinha uma carta do ministro da Justia informando quetal censura era feita com base no AI-5 e no no Decreto-lei. Mas a votao j havia comeado e Opiniovenceu por 6 votos a 5. No dia seguinte, porm, o presidente Mdici divulgou um despacho anulando adeciso do STF e confirmando que a censura baseava-se no AI-5 (decises decorrentes do Ato no podiamser contestadas pela Justia). Neste despacho, Mdici fazia meno a um outro, de 1971, atravs do quala censura da imprensa teria sido adotada com base em artigo do AI-5 que permitia ao presidente daRepblica adotar medidas prprias ao Estado de Stio, conforme estabelecia a Constituio ento vigente,notadamente a censura da imprensa. Tudo indica que o documento foi antedatado, tendo sido forjadoapenas para justificar o episdio envolvendo Opinio, o que transparece seja por detalhes de sua numera-o, seja pela meno que faz, em seus consideranda, teatral renncia de um ministro do SupremoTribunal Federal, precisamente o advogado de Opinio (In: Prezada Censura: cartas ao regimemilitar. Disponvel on-line: http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/art/index.jsp

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    mas que ela tinha que enfrentar44, alm de haver sido transferida para a JustiaMilitar, por fora do AI n. 2, a competncia para julgar os crimes polticos base-ados na Lei de Segurana Nacional45.

    Mesmo assim, ainda possvel encontrar alguns posicionamentos maisfirmes da Justia Federal nesse perodo de tristes memrias.

    Nesse sentido, pode-se citar a clebre sentena condenando a Unio areparar os danos decorrentes da morte do jornalista Vladimir Herzog nas de-pendncias do DOI/CODI, no ano de 1978, quando o AI 5 estava em plenovigor. O Juiz Federal Mrcio Moraes, no aceitando a verso oficial de que teriahavido um suicdio, reconheceu que a morte do referido jornalista teria sidocausada por torturas praticadas pelos militares e, em razo disso, determinouque a Unio indenizasse a viva e os filhos do jornalista46.

    Comentando o caso, assim se manifestou Vladimir Passos de Freitas:

    A sentena, noticiada pelos principais jornais do pas, teve uma intensa esurda repercusso. Intensa porque era um gesto de ousadia condenar aUnio pela prtica de um fato decorrente de investigaes polticas. Afi-nal, jamais havia sido proferida sentena reconhecendo a responsabilida-de do regime. Ademais, vivia-se sob a vigncia do Ato Institucional n. 5 e,sem motivao, poderia o magistrado ser cassado. A repercusso foi degeneralizado nmero de delaes e represlias. O Juiz Mrcio Moraes foide coragem mpar e discrio absoluta, recusando-se a dar entrevistas oua ser fotografado47.

    O prprio Juiz Federal Mrcio Moraes, atualmente Desembargador Fe-deral do Tribunal Regional Federal da 3 Regio, contou, em programa para a

    44 Sobre as dificuldades vividas pela Justia Federal nos primeiros anos de sua reinstalao, vale conferir aentrevista concedida pelo Desembargador Federal do TRF 5 Regio Ridalvo Costa, publicada no Infor-mativo da AJUFE, n. 3. Nessa entrevista, o Desembargador ressalta que, apesar de todas as dificuldades, aJustia Federal era respeitada pelos militares. Ver tambm: FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003.

    45 E o resultado dessa transferncia de competncia j conhecido: basta uma simples leitura do livroBrasil: Nunca Mais para perceber como a Justia Militar foi inerte no combate tortura e preconcei-tuosa com os rus, chamados subversivos.

    46 A clebre sentena pode ser encontrada na Revista Direito Federal n. 98.

    47 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003,p. 82.

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    TV Justia gravado neste ano (2004), como foi aquele processo:

    Recebi um telefonema aconselhando que, qualquer que fosse minha de-ciso, no deveria divulg-la antes do final da vigncia do AI-5, em janei-ro de 1979. Foi a que percebi o quanto seria importante sentenciar oprocesso antes dessa data e proferi minha deciso em agosto de 197848.

    Mrcio Moraes explicou ainda que foi a primeira oportunidade oficial queo Judicirio teve de reconhecer que o Executivo torturava e matava seus presos.Afirmou que a atuao da Justia Federal no perodo da ditadura comeoumuito mais pelo aspecto econmico do que pelo aspecto poltico, especialmentecom o controle judicial do poder de tributar49.

    Houve, posteriormente, uma sentena do Juiz Federal Luiz Rondon Tei-xeira de Magalhes que condenou a Unio a ressarcir os danos causados aosjornais o Estado de So Paulo e Jornal da Tarde pela censura em suas edi-es50.

    Vale destacar tambm a sentena proferida pela Justia Federal cariocano caso do jornalista Mrio Alves de Souza Vieira, conforme narra VladimirPassos de Freitas:

    O jornalista Mrio Alves, residente no Rio de Janeiro, saiu de sua casa nodia 16/1/1970 e nunca mais voltou. Os familiares foram sua procura eobtiveram informaes extra-oficiais de que ele teria sido levado para oPrimeiro Batalho de Polcia do Exrcito DOI/CODI, na rua Baro deMesquita, e de l, aps ter sido torturado, teria sido encaminhado aoHospital do Exrcito, desaparecendo no trajeto. No havia registro depriso em flagrante e nem ordem de priso emitida por qualquer autorida-de policial, militar ou judiciria. Inconformadas, a esposa Dilma BorgesVieira e a Filha Lcia Vieira Caldas ingressaram com ao declaratria naJustia Federal no Rio de Janeiro que, distribuda 1 Vara Federal, rece-beu o n. 2678420. postulavam a declarao de responsabilidade da Unio

    48 Reproduzido no Informativo de abril de 2004 da AJUFE.

    49 Cf. Informativo da AJUFE de abril de 2004, p. 12.

    50 Cf. FERREIRA, Manoel Alceu Affonso. Iconoclastia Jurdica. In: Revista da Associao dos JuzesFederal n. 18, Braslia: AJUFE, 1987.

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    pela morte presumida do jornalista e a devoluo de seu corpo. Contes-tada a ao, negada enfaticamente a priso, atribuiu-se ao desapareci-mento o fato de participar de atividades subversivas, inclusive com a suacondenao pena de 03 anos de recluso, por ter atentado contra a Leide Segurana Nacional. Todavia, a negativa foi afastada com base nacolheita de provas de vrios testemunhos, tendo a Juza Federal Tnia deMelo Bastos Heine proferido sentena em 19.10.1981, declarando a res-ponsabilidade da R pelo pagamento de uma indenizao, inclusive pordanos morais, restando invivel a entrega do corpo. A relevncia da sen-tena manifesta, pos reconheceu a responsabilidade da Unio pelo de-saparecimento do jornalista preso51.

    De qualquer modo, afora alguns exemplos pontuais, a magistratura poucopde fazer para combater a ditadura, at porque era expressamente vedada ainterferncia do Judicirio nos assuntos mais delicados. Alm disso, as garantiasde independncia da magistratura previstas constitucionalmente estavam sus-pensas52.

    Isso no significa dizer que os juzes federais compactuaram com o regi-me militar ou mesmo que a Justia Federal seria um instrumento da ditadura.Nada mais absurdo.

    Tanto assim que, to logo ocorreu a abertura democrtica, a JustiaFederal foi enrgica ao censurar vrios atos abusivos cometidos durante o per-odo do regime ditatorial. E so vrios os exemplos disso.

    Houve, a ttulo ilustrativo, a memorvel sentena proferida pela Juza Fe-deral Marisa Ferreira dos Santos, de So Paulo, no caso Lamarca.

    Na referida sentena, foi reconhecida viva do famoso ex-capito doExrcito, Carlos Lamarca, o direito de obter da Unio uma penso militar. Re-lembre-se que Carlos Lamarca, a despeito de sua condio de oficial das forasarmadas, lutou bravamente contra o regime militar, tendo sido morto em comba-te em 13/9/1971, no Municpio de Brotas de Bacaba, Bahia53.

    51 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003,p. 83.

    52 No artigo O Judicirio de Rondnia no Perodo Militar, a historiadora Nilza Menezes narra a histriade dois juzes federais do ento Territrio Federal de Rondnia que foram cassados, com base no AI n. 5,porque proferiram decises que desagradaram o poder central (MENEZES, Nilza. O Judicirio de Rond-nia no Perodo Militar. In: Revista Justia & Histria, n. 5, TJRS: Rio Grande do Sul, 2003).

    53 Referida sentena pode ser lida na Revista Direito Federal n. 62, de 1999.

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    Digno de nota, igualmente, foi a deciso proferida no chamado motimdos marinheiros, como bem narrou Vladimir Passos de Freitas:

    Os autores, praas, cabos, marinheiros de 1 e 2 classes, grumetes oufuzileiros navais da Marinha de Guerra, foram acusados de participar dochamado motim dos marinheiros, nos dias 25, 26 e 27 de maro de1964. Aps a Revoluo de 31 de maro daquele ano, deposto o Presi-dente da Repblica Joo Goulart, responderam a Inqurito Policial-Mili-tar e acabaram sendo expulsos ou licenciados ex officio, com base noDecreto-lei 9.698, de 12.09.1946. Em 18.08.1979 foi editada a Lei 6.683,que concedia anistia aos autores de crimes polticos. No entanto, os auto-res no foram beneficiados por ela, porque suas transgresses foram denatureza administrativa e no criminal. A ao, que tinha por objetivo in-clu-los nos benefcios da Lei da Anistia, foi proposta na Seo Judiciriada Bahia, sendo distribuda 2 Vara, processo 24.874/80. Processadaregularmente, o pedido foi objeto de sentena em 08.09.1981, da lavrada Juza Federal Eliana Calmon Alves da Cunha, que deu ao artigo 1 daLei 9.698, de 18.08.1979, interpretao sistemtica, afirmando que aanistia no pode beneficiar apenas os punidos por Atos Institucionais ouComplementares, no deve ter por pressuposto fatos ou pessoas e, reco-nhecendo o Motim dos Marinheiros como um fato poltico, deferiu aosautores o direito de serem reintegrados aos quadros da Marinha. A deci-so foi muito importante porque corrigiu injustia flagrante e acabou pororiginar diplomas legislativos favorveis aos desaparecidos, ou seja, a Lei9.140, de 1995, e a Medida Provisria 2.151-2, de 24.08.200154.

    Vale citar, no mesmo sentido, a sentena proferida pelo Juiz Federal Eduar-do Appio, de Cascavel (PR), que condenou a Unio a indenizar por danosmorais uma senhora que teria sido violentada sexualmente por um soldado doExrcito s vsperas do golpe militar de 1964. Segundo o Juiz, a prova testemu-nhal unssona da comunidade sobre o estupro seria suficiente para comprovar ocrime, mesmo j tendo passados 40 anos, e a condenao da Unio seria capazde reparar minimamente o dano causado por um de seus agentes, cabendo aoMinistrio Pblico Federal e prpria Unio buscar a autoria efetiva do estupropara fins de responsabilidade regressiva55.

    Merece destaque tambm a deciso proferida pela Justia Federal doDistrito Federal e de Marab, que permitiu a apreenso de documentos (arqui-

    54 FREITAS, Vladimir Passos de. Justia Federal Evoluo e Histrico no Brasil. Curitiba: Juru, 2003,p. 86.

    55 Conforme noticiado no informativo da AJUFE de fevereiro de 2004.

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    vos secretos do Exrcito) referentes guerrilha do Araguaia, no intuito de tentarlocalizar os corpos dos desaparecidos nos confrontos ocorridos durante o regi-me militar.

    Por fim, h de se mencionar os inmeros casos em que a Justia Federalgarantiu queles que lutaram contra o regime militar o direito a receberem apo-sentadorias como anistiados polticos, na forma do artigo 8, dos Atos das Dis-posies Constitucionais Transitrias56, mantendo viva a esperana de que osabusos do poder, mesmo quando no corrigidos nos momentos de exceo,podero ser reparados quando restaurado o regime democrtico.

    2.5. A JUSTIA FEDERAL NOS DEBATES CONSTITUINTES

    Durante os debates constituintes, chegou-se a propor a extino da Justi-a Federal. Diziam, sem conhecimento de causa, que no teria sentido a suaexistncia em regimes democrticos57.

    No entanto, ao invs de acolher a proposta de extino, o constituintedeu um voto de confiana Justia Federal, optando por fortalec-la, amplian-do sua competncia e dando-lhe uma melhor estrutura.

    A partir de ento, j com as garantias de independncia restabelecidas ecom a sua competncia ampliada, a histria da Justia Federal passa a se con-fundir com a histria da luta dos cidados contra os arbtrios do poder pblicofederal e contra a violao de direitos fundamentais. o que se ver nos prxi-mos tpicos.

    3. A JUSTIA FEDERAL NA CONSTITUIO DE 198858

    A Justia Federal, aps a Constituio de 1988, passou a ocupar umaposio privilegiada dentro do quadro institucional brasileiro. Sua competncia

    56 Art. 8 - concedida anistia aos que, no perodo de 18 de setembro de 1946 at a data da promulgaoda Constituio, foram atingidos, em decorrncia de motivao exclusivamente poltica, por atos deexceo, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n 18, de15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradasas promoes, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduao a que teriam direito se estivessemem servio ativo, obedecidos os prazos de permanncia em atividade previstos nas leis e regulamentosvigentes, respeitadas as caractersticas e peculiaridades das carreiras dos servidores pblicos civis e milita-res e observados os respectivos regimes jurdicos.

    57 Veja, a propsito, artigo intitulado Ataques Justia Federal, publicado na Revista da Ajufe n. 18, de1987.

    58 Sobre a competncia da Justia Federal, recomendam-se as seguintes obras: CARVALHO, VladimirSouza. Competncia da Justia Federal. 4 ed. Curitiba: Juru, 2000; PERRINI, Raquel Fernandes. Compe-tncias da Justia Federal Comum. So Paulo: Saraiva, 2001.

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    foi bastante alargada tanto na rea cvel quanto na rea penal, especialmenteporque foram revogadas as medidas de exceo que retiravam a independnciada magistratura e proibiam os juzes de se pronunciarem sobre os assuntos po-ltico-sociais mais delicados. Alm disso, foi dada uma maior autonomia finan-ceiro-oramentria ao Judicirio, o que certamente fortaleceu a independnciada magistratura como um todo.

    Houve, ainda, a extino do Tribunal Federal de Recursos, que deu lugarao Superior Tribunal de Justia e aos Tribunais Regionais Federais, permitindo adescentralizao (regionalizao) das instncias recursais e, conseqentemente,mais agilidade e transparncia no julgamento dos recursos interpostos contra asdecises dos juzes de primeiro grau59.

    No que se refere competncia dos juzes federais de primeira instncia,o assunto foi exaustivamente tratado no art. 109, da CF/88, com seus onzeincisos e quatro pargrafos.

    Em breves palavras, pode-se dizer que a competncia da Justia Federalem matria cvel cinge-se s causas em que atuem entidades federais (Unio,autarquias60 ou empresas pblicas federais61), exceto s de falncia, as de aci-dente de trabalho e as sujeitas Justia Eleitoral e Justia do Trabalho, almdas causas previstas no inc. II62, III63 e XI64, que so mais raras. Na prtica, issosignifica que, salvo poucas excees, a magistratura federal dirimir conflitosversando sobre direito constitucional, direito tributrio, direito internacional, direito

    59 Atualmente, existem cinco Tribunais Regionais Federais, com jurisdio nos seguintes Estados: TRF 1Regio: Braslia (sede), Minas Gerais, Gois, Bahia, Tocantins, Piau, Mato Grosso, Rondnia, Amap,Par, Roraima, Acre, Maranho, Amazonas; TRF 2 Regio: Rio de Janeiro (sede) e Esprito Santo; TRF4 Regio: Rio Grande do Sul (sede), Paran e Santa Catarina; TRF 5 Regio: Pernambuco (sede), Cear,Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraba e Alagoas. H algumas propostas de emenda constitucional para queesse nmero de Tribunais Regionais Federais seja ampliado.

    60 So exemplos de entidades autrquicas federais: IBAMA, Banco Central do Brasil, INCRA, DNER,SUDENE, DNOCS, INSS, FUNAI, Fundao Nacional de Sade, IPEA, IBGE, vrias Universidade Fede-rais e as agncias reguladoras (ANATEL, ANP, ANA, ANEEL etc.).

    61 So exemplos de empresas pblicas federais: BNDES, SERPRO, INFRAERO, Caixa Econmica Federal.Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos etc.

    62 as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Municpio ou pessoa domiciliada ouresidente no Pas.

    63 as causas fundadas em tratado ou contrato da Unio com Estado estrangeiro ou organismo internaci-onal.

    64 a disputa sobre direitos indgenas.

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    previdencirio, direito ambiental, direito administrativo e outras causas de direi-to pblico, quando estiverem em jogo os interesses de entidades federais. Rara-mente, a Justia Federal julga processos envolvendo direitos privados.

    Em matria criminal, a competncia envolve basicamente as infraespenais de interesse da Unio, autarquias ou empresas pblicas federais, exclu-das as contravenes e ressalvada a competncia da Justia Militar e Eleitoral.

    A Justia Federal tambm competente para julgar os crimes polticos,os crimes previstos em tratados internacionais e os crimes contra a organizaodo trabalho, contra o sistema financeiro e a ordem econmico-finaceira, e, final-mente, os crimes de ingresso ou permanncia irregular de estrangeiro.

    As causas criminais que se repetem com maior freqncia no mbito daJustia Federal so as envolvendo fraude previdncia social e Fazenda Na-cional, contrabando e descaminho, uso de moeda falsa, roubos s agncias daCaixa Econmica Federal e Empresa de Correios e Telgrafos, trfico inter-nacional de entorpecentes, malvers