revista muito #34
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Revista Semanal do Jornal A TardeTRANSCRIPT
23/11/2008 53SALVADOR DOMINGO
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23/11/2008 5SALVADOR DOMINGO
2 3 . 1 1 . 20 0 8ÍNDICE
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FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DE MELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE R E N AT OSIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA E D I T O R- C H E F E FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADIEDITORA KÁTIA BORGES EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAES DESIGNER ANACLÉLIA REBOUÇAS. FALE COM A REDAÇÃO WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: [email protected], 71 3340-8800(CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / [email protected] / WWW.ATAR-DE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODO O PAÍS PEREIRA DE SOUZA E CIA. LTDA./ RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF. MILTONCAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71) 3340-8500.FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX 3340-8732.REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11) 3237-207 9SERGIPE E ALAGOAS GABINETE DE MÍDIA & COMUNICAÇÃO LTDA. RUA ÁLVARO BRITO, 455, SALA 35, BAIRRO 13 DE JULHO, CEP 49.020-400- ARACAJU - SE - TELEFONE: (79)3246-4139 / (79)9978-8962 BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900.(61) 3226-0543/1343 A TARDE É ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DECIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA
12
ABRE ASPAS O jornalista Gonçalo Juniortraduz o mundo em história e quadrinhos
FERNANDO VIVAS | AG A TARDE20
MODA Vestidos longos, leves e coloridosdos anos 70 invadem o verão 2009
REJANE CARNEIRO | AG A TARDE
28
CA PA Agricultura orgânica, alternativaviável para uma alimentação de qualidade
REJANE CARNEIRO | AG A TARDE
40 C U LT U RAConheça os 12 baianosselecionados paraa 15ª edição do Salão deArte do MAM
42 GAST R ÔBolos de festa mantêma tradição paracasamentos eaniversários
46 SAT É L I T EUma inesquecívelviagem pelo Salar deUyuni, o inacreditáveldeserto de sal da Bolívia
49 T R I L H ASHá 30 anos, a estaçãomais quente liberavacorpos e mentes naCidade da Baía
Horta noEco-sítioTakenami, emMata de SãoJoão, em fotode RejaneCa r n e i r o
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MUITO MAIS NO PORTAL A TARDE ON LINEATARDE.COM .BR/MUITO
C O M E N T Á R I OSMande suas sugestões e comentários para [email protected] «
_Bares de praia Quero sugerir
reportagem sobre os bares de praia que
estão surgindo em Salvador e que mais
parecem hotéis de luxo. Arquinor Pinto
de Araújo Junior
_Sol na laje Pena que a modelo
parece finlandesa e não tem nada a ver
com as lindas baianas que desfilam pelas
"lajes" soteropolitanas. Walter Brito
_Mott 1 Sou heterossexual, negro,
e não vejo onde está a similaridade que
justifique as comparações do Sr. Mott. Sua
história deixa claro que grande parte do
preconceito vivido pelos homossexuais
nasce deles mesmos. A opinião expressa
sobre o vereador eleito reforça tal juízo.
Antonio Andrade
_Mott 2 Parabéns pela ótima
entrevista. Seria o máximo você, Mott,
com a sua verve, cultura e inteligência, na
Câmara, na Assembléia ou no Congresso
Nacional. Maurício Freire, do Cedeca
_Erramos As fotos da matéria
“Acerte na escolha” foram feitas no
Colégio Anchieta da Pituba. A modelo do
editorial de Márcia Ganem é Erika Caldas.
As legendas corretas são: Look azul:
brinco Andrômeda, pulseira Andrômeda e
blusa Márcia Ganem. Verde: brinco
Antônio Bernardo e vestido Márcia
Ganem. Amarelo: vestido Márcia Ganem.
Looks da estilista Márcia Ganem
REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE
ABRE ASPAS Mais imagens dashistórias em quadrinhos criadas pelojornalista e escritor Gonçalo Junior
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GAST R Ô Confira receita exclusiva debolo tradicional de nozes, feito pela cakedesigner Ana Laura Lacerda
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23/11/2008 9SALVADOR DOMINGO
CARTUM CAU [email protected]
Uma das regras para se ter uma vida saudável é cuidar bem do que se
come. Refeições equilibradas e uma grande variedade de frutas, le-
gumes e verduras na dieta parecem certezas inabaláveis. Mas não é
bem assim. A repórter Katherine Funke mostra que, para ter saúde de
verdade, é preciso consumir alimentos livres de agrotóxicos. A boa no-
tícia é que tem crescido a produção baiana na área dos orgânicos, apre-
sentando uma maior diversidade de alimentos. É cada vez mais comum encontrar pela
cidade feirinhas, pontos de venda e serviços de entrega, oferecidos pelos produtores
para tornar o consumo mais acessível. Nas próximas páginas, novos sabores para sua
vida. Nadja Vladi, editora-coordenadora.
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MUITO INDICA ARTES VISUAIS
Ra d i c a l i d a d eVINTE E CINCO - ARTESDE CHICO MAZZONIDESDE 1983Até quinta (27), das 13às 17 horas, de terçaa sábado, na GaleriaArt Factory (Consuladoda Holanda, Largodo Carmo)De graça
LEITURAS MUSICADASProjeto acontece nestaquarta (26), às 20horas, na Livraria Tomdo Saber (RioVermelho). De graça
REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE
O que pode um quarto de século? No caso dos trabalhos de
Chico Mazzoni, a sensação que os anos foram bem-vindos às
pesquisas técnicas e redimensionamento do desejo do artista. A
exposição Vinte e cinco – artes de Chico Mazzoni desde 1983,
sua 15ª individual, mostra como as várias fases do artista
caminham para um atrator que é mais que uma subjetividade
inquieta: uma subjetividade em estado de interrogação. São 35
peças de exposições que incluem a ironia de Po p - u p (2006), o
destemor das Cidades invisíveis(2007), ou o giro amoroso para
a criatura como em Da cor de hester 2 (1985), fazendo a espiral
da arte de Mazzoni se deslocar numa passionalidade
vertiginosa. Alguns trabalhos, lamento dizer, são de coleções
particulares ou do artista. MARCOS DIAS «
Leituras musicadasOs atores Harildo Deda (foto) e Yumara
Rodrigues, e o músico Tuzé de Abreu
participam do projeto Leitura Musicada,
em homenagem a atriz Nilda Spencer. A
cantora Manuela Rodrigues também faz
participação especial. «
Chico Mazzoni: subjetividade em estado de interrogaçãoCRISTINA DANTAS | DIVULGAÇÃO
23/11/2008 11SALVADOR DOMINGO
BIO ERLON BISPO
Texto NADJA VLADI [email protected] Foto REJANE CARNEIRO [email protected]
O produtoré baianoErlon Bispo, 43, é um baiano de Pau Brasil
– mesma cidade do índio Galdino, que gos-
ta de falar muito, quase sem respirar. Da
mesma forma, ele segue com sua vida de
produtor cultural. Foi morar em São Paulo,
aos 7 anos, e, apenas aos 29, conheceu Sal-
vador, trazido pela atriz Ana Paula Bouzas.
Veio para ficar um mês; ficou 13 anos. Aqui
produziu espetáculos como A Casa de Eros,
ao lado de Eliana Pedroso, que revelou o
ator Wagner Moura. Foi também Erlon que
trouxe para Salvador o diretor pernambu-
cano João Falcão com o musical infantil A
Ver Estrelas. A vinda de Falcão para a Bahia
fez com que ele conhecesse os atores Lá-
zaro Ramos, Vladimir Brichta, João Miguel
e o próprio Moura, levados por ele para o
Rio de Janeiro para encenar A Máquina.
Mas Erlon não se cansa. De volta a São Pau-
lo, começou a produzir o grupo XIX de Tea-
tro e já coleciona sucessos. O espetáculo
A r r u f os foi indicado, este ano, ao Prêmio
Bravo e ao Prêmio Shell de Teatro. Para
quem começou no teatro com o grupo Ver-
tigem, conhecido por suas experimenta-
ções ousadas e instigantes, o encontro
com o XIX trouxe de volta o que mais gosta:
a pesquisa teatral. De passagem por Sal-
vador, trouxe a peça H ys t e r i a , que mostra a
condição do feminino no Brasil no século
19, e está feliz com o frescor da cena teatral
baiana. “Todo mundo quer fazer teatro em
Salvador, e a cidade está cada vez mais vol-
tada para a arte de qualidade, com bons
dramaturgos, produtores e atores”. «
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ABRE ASPAS GONÇALO JUNIOR JORNALISTA E ESCRITOR
«O mercadoeditorial é umamediocridade»
Texto KATHERINE FUNKE [email protected] FERNANDO VIVAS [email protected]
Foram só duas horas de conversa. Mas o experiente jornalista
Gonçalo Junior, 41, multiplicou os segundos a ponto de pare-
cerem quatro ou cinco horas. Verborrágico, voltou à época em
que publicava fanzines punks, ouvia o álbum S andinista, do
Clash, e caçava pérolas no acervo da Biblioteca dos Barris ("A
melhor biblioteca que eu conheço"). Ainda analisou parte da
sua produção, que abrange nada menos que 12 livros de dife-
rentes tipos, e falou dos próximos projetos: uma biografia do
sambista Batatinha, outra do artista visual Eugênio Hirsch e um
romance-reportagem sobre a relação dos artistas baianos com
o carlismo nos anos 90. Nascido em Guanambi, o jornalista tra-
balhou em diários na capital baiana antes de ir morar em São
Paulo em 1997. Passou os primeiros seis anos como repórter de
cultura da Gazeta Mercantil. Nos quatro anos seguintes, come-
çou a dar bolo nos amigos que assistem ao futebol às quar-
tas-feiras para se dedicar ao ofício de escritor depois do expe-
diente. Sempre em busca da informação precisa, Gonçalo Junior
já ganhou três HQ-Mix, o prêmio mais importante dos quadri-
nhos brasileiros: melhor pesquisa (1997), melhor livro – A guer-
ra dos gibis (2005) – e contribuição para as artes gráficas (2006).
Eis aí um homem que tem tanto a dizer que, nas próximas pá-
ginas, você acompanha só uma parte da entrevista. O restante
está no site da Muito.
Por que você ficou dois anos sem vir à Bahia?
Estou sempre pesquisando e escrevendo. E sou meio per-
feccionista. Estou há dez meses sem terminar um livro por-
que não consegui descobrir o nome da mãe e do pai do cara.
Falei com mais de 40 pessoas, levantei toda a história, mas
não há esse registro. É um artista austríaco que morou 18
anos na Argentina e veio para o Brasil em 1955. Aqui, ele
revolucionou o mercado de livros com capas. O nome dele
é Eugênio Hirsch. Esse fez de 2,5 mil a 3 mil capas para a
Civilização Brasileira na década de 50. A história do livro bra-
sileiro se divide em antes e depois dele. É um artista gráfico
revolucionário. Junto com Millôr Fernandes, criou o Pif Paf,
que foi o pai da imprensa alternativa e de resistência à di-
tadura militar. Era um cara muito espaçoso e tinha uma vida
alucinante. Ele chocava os caras mais descolados de Ipane-
ma e de Copacabana nos anos 60.
O que fez você se interessar por essa história?
Eugênio foi o único brasileiro a publicar na P l a y b oy ame-
ricana. Foi citado pelas revistas de design do mundo como
um dos artistas mais importantes da década de 60. Ele tra-
balhou em uma coleção chamada Mundo dos Museus, que
foi reproduzida em mais de 80 países, e recebeu carta da
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14 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
Rainha da Inglaterra parabenizando
pelo projeto gráfico, assim como do
General Franco, e outras. Mas teve
um final terrível: morreu de amor.
No Brasil, ele criou uma polêmica:
garante que participou de uma orgia
na casa de Monteiro Lobato, e isso o
teria incentivado a criar as próprias
orgias. Eugênio estava escandali-
zando o Rio de Janeiro. Eram dro-
gas, sexo, muito sexo, surubas...
Como você conseguiu realizar o sonho de
publicar A guerra dos gibis pela Cia. das
Letras, depois de receber 27 nãos de ou-
tros editores?
Registrei esse livro na Biblioteca Na-
cional em 1994, e só saiu em dezem-
bro de 2004. Em primeiro lugar, há
preconceito em relação ao tema. A
guerra dos gibis é uma biografia
não-autorizada de Roberto Mari-
nho. Segundo lugar: o mercado edi-
torial é uma mediocridade absurda.
Há quatro editores. Os outros são
comerciantes de livros, caras que
vão na onda. A última editora que
procurei, achava que não iriam pu-
blicar porque não tinha o perfil. E foi
a única em que um editor leu o livro.
Luiz Schwarcz me ligou para falar
que estava na metade da leitura e
perguntou se aceitaria reduzir um
pouco porque iria ficar muito volu-
moso. Mas falou: você tem liberda-
de para enxugar onde quiser. Nunca
ninguém tinha feito isso.
Além de publicar pesquisas, você escreve
roteiros de ficção. Já publicou duas gra-
phic novels: O Messias e C l a u s t r o fo b i a .
Como é esse trabalho de criação?
Claustrofobia foi lançado numa
quinta-feira, pela Devir, e o G u e r ra
dos gibisno sábado, pela Cia. das Letras. As pessoas que não
me conheciam achavam que eu estava atirando para todo
lado. Mas acontece que as pessoas não conheciam o meu
histórico aqui em Salvador. Em 1982, comecei a fazer ro-
teiros com o Cedraz, que faz o Xaxado, publicado em A TAR-
DE. Eu desenhava, mas o Cedraz me disse que era melhor
fazer roteiros. Então, fiz roteiros de terror e eróticos. Já em
São Paulo, continuei trabalhando com o Cedraz porque era
uma coisa que gostava e fizemos grandes parcerias. Mas,
esses dois livros têm uma coisa em comum: não têm texto.
As histórias de Claustrofobia foram criadas na primeira se-
mana em que cheguei a São Paulo, sob o impacto de ver
aquela cidade cheia de mendigos nas ruas, uma desuma-
nidade absurda. Você mora cinco anos de frente para uma
pessoa, e ela mal dá um sorriso, um bom-dia. Um psiquiatra
que entrevistei uma vez me falou que faltam espaços de
convivência em São Paulo. Faltam praças para as pessoas
conversarem, falta praia. É uma explicação interessante
porque, com o tempo, comecei a descobrir que as pessoas
se preservam, ficam na defensiva, não cumprimentam, não
querem incomodar. É uma cidade cheia de gente, e as pes-
soas andam solitariamente nas ruas.
Em O Messias, você anuncia que vai chegar um justiceiro crimi-
noso que vai mudar o caos que está por aí. Você acredita que isso
vai acontecer mesmo?
Vai. O crime não é organizado no Brasil. Esse livro foi feito
por volta de 96 e saiu em 2006; dez anos depois. Foi feito no
momento em que a imprensa estava denunciando o envol-
vimento de pastores evangélicos com o crime organizado
do Rio de Janeiro. Agora, ele não tem nenhuma referência
consciente à Guerra de Canudos, eu juro. Canudos foi um
lugar isolado no fim do mundo. Já O Messias acontece no
coração do Rio de Janeiro, no meio das favelas da cidade.
É uma graphic novel toda visual. O protagonista foi conce-
bido para ser um albino. Ele cresce no meio do crime e o
transforma em uma ferramenta de revolução. É um cara
completamente cheio de incoerências. Em nome de Deus,
em nome da fé, ele consegue arregimentar todos os tra-
ficantes. Isso é perfeitamente possível. Acho que a fé é a
única coisa capaz de unir tanta gente que sofre violência da
polícia, tantos abusos, o descaso do Estado, de viver pre-
cariamente. Então, ele junta todo mundo e consegue eli-
minar os traficantes.
A GUERRA DOS GIBISObra de referênciacom dadosimportantes sobre osbastidores do mercadoeditorial brasileiroEditora: Cia. das Letras
O MESSIASHQ totalmente visual,sem texto, desenhadapor Flávio Luiz sobreroteiro de GonçaloEditora OperaG ra p h i ca
ENCICLOPÉDIA DOSMONSTROSRecém-lançado estudocom análises,históricos e muitasimagensEditora Ediouro
23/11/2008 15SALVADOR DOMINGO
De onde surgiu essa idéia?
A única referência consciente que
me lembro é um filme que se chama
A Conquista do Planeta dos Macacos,
em que os macacos simulam que es-
tão mortos, mas na verdade eles es-
tão deitados em cima das armas.
Quando os humanos aparecem,
eles começam a matar. Em O Mes-
sias, a descida do morro acontece co-
mo se fosse uma romaria. Aí, inva-
dem os shoppings e tomam conta da
cidade. Contar isso visualmente é di-
fícil. Flávio Luís (o desenhista) fez um
trabalho brilhante porque ele gosta
de jogar detalhes no fundo, situa-
ções que completam a história, em
outro nível de leitura, e uma HQ po-
de ter até quatro níveis de leitura.
Você pode ler O Messias em dez mi-
nutos, no máximo. Mas, se você ler
com atenção, começa a se fazer per-
guntas: por que tem aquela cena em
que a mulher está vendo televisão e
monta um fã-clube para o cara? É
aquela coisa do fascínio da mídia.
Acho que essa história do Messias é
muito possível, porque o crime não é
organizado. Você pode organizar
sem religião no meio, mas acho que
a religião, a fé, é um instrumento
que pode juntar todo mundo.
E você tem religião, tem fé?
Sou de uma família católica! Eu não
«Há quatro editores. Os outrossão comerciantes de livros,caras que vão na onda»
16 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
nho é fazer uma graphic novel com
um CD de trilha sonora.
E C l a u t r o fo b i a tem alguma referência
nesse sentido?
Claustrofobia é uma experiência
bem mais radical, porque é a miséria
levada ao extremo. Tem uma histó-
ria nele, chamada Dias de Chuva,
que nasceu assim: eu passava todo
dia na calçada do Colégio Central ao
ir para casa (sempre morei no Toro-
ró) e via um cara vendendo livros.
Em Salvador, chove muito, e me in-
comodava passar na chuva e perce-
ber que o cara não estava lá. Em ci-
ma disso, criei uma situação em que
não pára de chover na cidade duran-
te 15 dias. E esse cara vai sofrendo
uma pressão muito grande da mu-
lher, da filha, da necessidade de
comprar coisas. E chega ao extremo
em que ele mata a mulher. Pode ser
piegas o final, mas o pensei para ser
muito cruel: quando ele mata a mu-
lher, aí a filha vem, puxa ‘ele’ pelo
braço e mostra que a chuva passou.
Só que aí, ferrou tudo...
«Onde você colocaDeus, tem respostapara tudo, mas sãorespostas muitoconformistas»
freqüento igreja, nem nada, mas
vim de uma família católica. Eu não
tenho... (interrompe-se)
Acredita em Deus?
(Passa a mão pelo rosto, em expres-
são de desespero, e só depois de
uma pausa fala). Meu pai vai ler is-
so!... Fica difícil, né? Fica difícil acre-
ditar em Deus. Mas todo mundo tem
que acreditar, né? Ah, mas pula essa
pergunta...
Por quê?
Porque... (Ele pensa por alguns se-
gundos e só então recomeça a falar)
Porque se você se envolver muito
com os problemas, se você olhar
muito à sua volta, fica muito difícil
acreditar que Deus existe. Onde vo-
cê coloca Deus, tem resposta para
tudo, mas são respostas muito con-
formistas. A religião, de um modo
geral, é muito útil ao poder e induz
as pessoas ao conformismo. Deus é
manipulado, usado pelo poder, pa-
ra dar poder e para dar dinheiro. O
Messias fala disso. Ele acha que tem
poderes divinos e ao mesmo tempo
faz uma transformação social. Induz
as pessoas a buscarem a terra pro-
metida dentro de um shopping. Por
isso, foquei o combate dentro de um
shopping, que é uma caixa onde as
pessoas aparentemente estão pro-
tegidas de tudo, inclusive da miséria
– e de uma hora para outra uma mul-
tidão invade e vem destruir tudo.
Aquilo foi pensado como filme mu-
do, com trilha sonora. Na época, Chi-
co Science estava vivo e eu tinha vis-
to O Baile Perfumado. Imaginei que
poderia ser uma batida bem pesada
como trilha. Você só iria ouvir duas
coisas no filme: música o tempo to-
do, como se fosse O Encouraçado Po-
tenkin, e as balas. O meu grande so-
23/11/2008 17SALVADOR DOMINGO
E qual seria a trilha sonora perfeita?
Uma pegada de metal, acelerada,
meio mangue beat, meio Blade
Ru n n e r.
(O fotógrafo mostra as imagens da entre-
vista para Gonçalo e ele reclama que apa-
rece sempre com cara de chorão. Pede pa-
ra apagar algumas delas). Mas você cho-
ra muito, Gonçalo? É um cara emotivo?
Sim, sim! Quem não chora não ma-
ma. Choro até em comercial... No
Natal, tenho crise de existência. Co-
mo todo mundo se adora, como to-
do mundo deseja Feliz Ano-Novo! Se
o Natal fosse o ano inteiro, seria um
paraíso. As pessoas estão passando
fome o ano inteiro, mas só no Natal
todo mundo fica bonzinho...
Então, uma pergunta para sorrir. Você
continua escrevendo histórias eróticas?
Não, mas já fiz muitas nos anos 80,
para as editoras Press e Nova Sam-
pa, principalmente. Era o que o mer-
cado tinha: ou fazia isso, ou fazia ter-
ror. Gosto muito de terror. Tenho in-
teresse grande por monstros. Os
monstros são todos outsiders. A
monstruosidade nasce do precon-
ceito, da intolerância, do racismo.
Os monstros são supercoerentes
com o que faço, porque sempre tra-
to de personagens que viveram à
margem ou foram discriminados.
Em Enciclopédia dos monstros, falo
do monstro visual, que não é o psi-
copata que se encontra por aí na fila
do restaurante a quilo, ou dentro do
cinema. Falo dos monstros visuais.
Eu adoro o Frankenstein porque foi
inventado por uma garota de 17
anos; é um ícone da ambição huma-
na de superar Deus. «
«O meu grande sonho é fazeruma graphic novel com umCD de trilha sonora»
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MODA M AX I V E ST I D OS
Fotos REJANE [email protected] VICTOR VILLARPANDOv i c t o r .v i l l a r p a n d o @ g r u p o a t a r d e . c o m . b rProdução e estilo VICTOR VILLARPANDOE MÁRCIA LUZ [email protected]
Se levarmos em conta a grande influência dos
anos 70 no verão 2009, não dá para nos es-
pantar a alta dos maxivestidos na estação.
Confortáveis e femininos, eles marcaram
presença no verão do hemisfério norte,
quando Angelina Jolie, Kate Moss e Jéssica
Alba só apareciam com os tais longos de te-
cidos leves. No Brasil, especialmente em Sal-
vador, as peças são excelente pedida para os
dias de sol. Elas são frescas e podem ser usa-
das com sandálias baixas. Aposte no branco,
amarelo, azul, flores, patchwork (sobreposi-
ção de estampas), listras e bolinhas. As bai-
xinhas devem tomar cuidado: vestidões tipo
cigana e de silhueta muito fluida podem dei-
xar a aparência deselegante. Muito c o nv i d a
para um passeio na parte de trás do Farol da
Barra com sua vista deslumbrante.
70Ve r ã oanos
23/11/2008 21SALVADOR DOMINGO
Brinco Divina VaidadeR$ 33
Vestido ABXContempo
R$ 358
Bolsa VeroR$ 547,90
Pulseira BonnieR$ 85
Sapato ABX ContempoR$ 138
26 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
ATA L H O CAFÉ ESCORIAL
Sofisticação caseira na Barra
Texto MARCOS DIAS [email protected] Foto REJANE CARNEIRO [email protected]
Há mais de 30 anos lidando com presentes finos, a lojista Elvira Perez sempre gostou de
cozinhar nos fins de semana e reunir amigos. Nascida na Galícia, mas criada no Brasil, os
amigos sugeriram que ela fizesse algo com seus dons culinários. Há três meses, abriu o Café
Escorial, ao lado da sua loja de presentes. E para quem acha que o normal seria ela se lançar
numa gastronomia cheia de fru-fru, o que surpreende é a sofisticação caseira do cardápio.
Para início de conversa, Elvira acha que hoje sabe fazer comida baiana melhor que a es-
panhola. Experimente a feijoada, a galinha ao molho pardo ou o sarapatel, e depois me
diga. Os pratos vão de R$9 a R$12 e, além disso, há, mingaus, sucos naturais e sanduíche
de pernil (R$4). À noitinha, sopas como a italiana, a de legumes ou canja. O filho Francisco,
que fica no atendimento, está sempre alerta. Mas, para tudo dar muito certo, o segredo
começa cedinho, quando a proprietária vai às compras e, com os produtos selec i o n a d os ,
a comida é feita diariamente. Alguns clientes andam profetizando que do jeito que as
coisas estão, com uma delícia após a outra, é possível que eles tenham que ampliar o
espaço do Café para a área da loja de presentes. A voz do povo... «
CAFÉ ESCORIAL:Alameda Antunes, 22,Barra (71 3267-2192),de segunda a sábado,das 7h30 às 20hD E S TA Q U E : Além dospratos do dia, elesservem chuleta e peitode frango grelhadosdiariamente, bemcomo umbuzada emingaus . Umahomenagem a umamigo de Francisco, deuorigem ao Bacalhau adom Marcelino, servidoàs terças. E para quemquiser fazer sua cenaainda mais caseira, elestêm serviço de entrega
23/11/2008 27SALVADOR DOMINGO
28 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
Fo m ede quê?
Texto KATHERINE FUNKE [email protected] REJANE CARNEIRO [email protected]
Mais nutritivos que os alimentosconvencionais, os orgânicos começama conquistar produtores e consumidores
23/11/2008 29SALVADOR DOMINGO
Passava das nove da manhã
quando chegamos ao Eco-
sítio Takenami. Vencemos
105 quilômetros de estrada
poeirenta até a área rural de
Mata de São João para co-
nhecer uma das maiores hortas orgânicas
da Região Metropolitana de Salvador. No
caminho, seguimos as raras e discretas pla-
cas que levavam ao Núcleo Colonial JK,
fundado durante o governo de Juscelino
Kubitschek (1951-1961), por uma parceria
entre o Japão e o Brasil.
A sede do sítio é apenas uma casa sim-
ples, com duas grandes mesas ao longo
das quais a família faz refeições, cálculos e
embalagens dos hortifruti.Tomohide Ta-
kenami, que também é secretário de Agri-
cultura de Mata de São João, aparece de
roupa social e celular na cintura.
Enquanto percorremos sua fazenda de
100 hectares, ele conta o motivo de traba-
lhar exclusivamente com produtos orgâni-
cos. Durante 30 anos, aquelas terras foram
tratadas com agrotóxicos e adubos quími-
cos. Segundo Tomohide, há fortes evidên-
cias de que seu pai, Tatsumi, tenha sido ví-
tima do hábito de aplicar os produtos sem
equipamentos de proteção. Tatsumi mor-
reu de câncer de fígado há 23 anos.
Nessa época, Tomohide morava em Sal-
vador e era um bem-sucedido gerente de
distribuição do grupo Paes Mendonça.
Mas, imbuído do compromisso pessoal de
mudar o rumo do agronegócio da família,
voltou a morar no sítio. Fez cursos em en-
tidades pioneiras em produção orgânica,
como o Instituto Agronômico de Campinas
(SP). Depois, teve de exercitar a paciência e
a criatividade para tornar o solo fértil de
maneira natural e conseguiu duas certifi-
cações de legitimidade de que tudo o que
produz é orgânico: da Associação Novo En-
canto e da Fundação Mokiti Okada.
30 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
Esses certificados envolvem o pagamento de taxas às entidades
e a profissionalização de diferentes fases da produção. Cada pro-
cesso precisa ser registrado e comprovado: do plantio à irrigação,
da adubação ao corte, dos registros trabalhistas aos tributários.
Produtos sem selo, por isso só devem ser comprados diretamente
e de fornecedores confiáveis.
Como secretário de Agricultura, Takemani tem repassado pes-
soalmente as técnicas de cultivo orgânico para os produtores do
município. Resultado: já existem outras 50 lavouras certificadas e
mais 150 à espera. “Agricultura orgânica é muito bom. Fica bem
mais fácil e barato para todos”, diz Masaiyuki Funaki, 41, um dos
produtores de hortaliças da região, descendente de japoneses.
Para Takenami, a satisfação em ganhar colegas no setor orgâ-
nico é cada vez maior. “Às vezes me perguntam se não tenho medo
de concorrência. Pelo contrário! A demanda por orgânicos está au-
mentando e não poderei atender a todos sozinho”, afirma. Além
disso, com mais produtores no local, diminui o custo a ser pago por
cada um pela certificação.
MERCADO EM EXPANSÃOA tendência do mercado baiano de orgânicos é justamente esta:
aumento do volume de vendas internas e para exportação. Con-
seqüentemente, o preço dos produtos poderá diminuir. Mas ainda
há trabalho duro a fazer – desde a organização dos consumidores
para evitar intermediários até o incentivo governamental à pro-
fissionalização de roças, granjas e pastos familiares.
“Queremos que o processo de comercialização direta ganhe es-
cala. Para isso, precisamos organizar os pequenos produtores. Já
estamos fazendo isso, em um projeto-piloto que o Ministério do
Desenvolvimento Agrário pode ampliar para o resto do País”, diz
Ailton Florêncio dos Santos, superintendente de agricultura fami-
liar da Secretaria de Agricultura do Estado (Seagri).
Na Bahia, 625 mil famílias vivem no campo e são potenciais
fornecedores orgânicos. Algumas delas já conquistam mercado
em outros países, como as que produzem cacau, laranja, umbu e
café. Para o consumo brasileiro, um destaque é o mel Flor Nativa,
produzido na Chapada Diamantina e vendido em Salvador, Bra-
sília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Os produtores do Flor Nativa já ganharam nove prêmios em
congressos estaduais e nacionais de apicultura, são remunerados
em dobro em relação ao mel convencional e podem exibir o selo do
Instituto Biodinâmico (IBD), uma das entidades certificadoras mais
antigas e mais rígidas do Brasil.
Pedro Constam, representante da associação de apicultores
que produz o Flor Nativa, diz que o desafio é atender às demandas
de um mercado cada vez mais crescente. Ele comemora a oficina de
produção orgânica que a Seagri está anunciando para dezembro,
assim como o apoio de entidades como o Sebrae, mas lamenta a
falta de união entre os produtores de todo o Estado.
“Diferente do Sul e Sudeste do Brasil, onde o movimento é forte
e organizado, na Bahia ainda não conseguimos nivelar e reunir os
produtores orgânicos em uma associação, o que seria fundamen-
tal para termos mais respaldo perante os órgãos e governos”, ana-
lisa o apicultor.
Também não há ainda organização do comércio de carne e ovos
certificados. Ovos caipiras baianos até são mais fáceis de encontrar.
Contudo, ovo caipira é diferente de orgânico.
João Paulo Guimarães, pesquisador da Embrapa Agrobiologia,
no Rio de Janeiro, esclarece que as galinhas caipiras são criadas
soltas, mas podem comer ração industrializada ou com ingredien-
tes transgênicos e receber antibióticos. Para serem chamadas de
orgânicas, elas precisam ser criadas sem químicos, de acordo com
as normas federais.
Funaki, de Mata de São João: “mais fácil e barato”
23/11/2008 31SALVADOR DOMINGO
Alimentos orgânicos contêmmais micronutrientes que osconvencionais: em média,65% mais cálcio, 73% maisferro, 118% mais magnésio,91% mais fósforo, 125% maispotássio e 60% mais zinco
32 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
NA SEIVAAssim como nas galinhas, nos vegetais,
hortaliças, leguminosas e frutas, a comple-
ta ausência de substâncias industriais tam-
bém é uma das principais vantagens frente
aos produtos convencionais.
Análises da Agência Nacional de Vigilân-
cia Sanitária (Anvisa), realizadas desde
2001, mostram que 42% dos tomates, mo-
rangos e alfaces brasileiros, em média,
chegam às nossas mesas com mais resí-
duos de agrotóxicos do que o permitido.
Pior: também apresentam produtos de
uso não-autorizado. São temperos invisí-
veis como metamifodós, monocrotofós,
endossulfam, difenocanazol, fenitrotiona,
procloraz, profenofós, metomil, lambda-
cialotrina, diclorvós e azinfós metílico.
De acordo com a Anvisa, o mesmo pro-
blema atinge, em proporções menores,
mamão, maçã, banana, batata, cenoura e
laranja. "E não adianta nada lavar, deixar
de molho ou tirar a casca. O químico tam-
bém está na seiva dos produtos", diz a mé-
dica sanitarista Idê Gurgel, pesquisadora
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em
Pernambuco. "Algumas substâncias ficam
acumuladas no organismo por meses ou
anos, como os organoclorados".
De dermatites a câncer, as doenças cau-
sadas pelos produtos químicos aplicados
nos alimentos têm sido alvo de pesquisas
para precisar as relações de causa e efeito.
Pesquisa da Universidade de Edimburg, na
Escócia, registra uma redução gradual do
volume de espermatozóides em adultos,
humanos e animais, provocada por resí-
duos químicos nos alimentos e no meio
ambiente.
“Os agrotóxicos são agentes químicos
que determinam uma série de efeitos no-
civos para a saúde humana”, avisa Frede-
rico Peres, pesquisador da Escola Nacional
de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz
do Rio de Janeiro. O alerta serve especial-
mente para os trabalhadores rurais, que
precisariam usar macacão, máscara, pro-
tetor auricular, óculos e luvas para se pro-
teger do contato direto com os químicos.
“No Nordeste, é praticamente impossível
alguém usar todos esses equipamentos,
por causa do calor infernal”, lamenta a mé-
dica Idê Gurgel.
MAIS NUTRITIVOSSem agrotóxicos, adubos químicos e
outros defensivos artificiais, as hortas or-
gânicas retiram fertilidade do próprio solo,
enriquecido por ingredientes naturais co-
mo ossos triturados, fezes e urina de ani-
mais, palhas e folhas de plantas, pó-de-ro-
cha, torta de mamona e calcário. As pra-
gas, quando aparecem, são controladas
manualmente e com auxílio de extratos
naturais, como fumo.
Além disso, ao contrário da monocultu-
ra movida por agrotóxicos, nas proprieda-
des rurais de produção orgânica há a ne-
cessidade natural de variedade de espé-
cies. Cada uma contribui, à sua maneira,
para manter a fertilidade do solo e a imu-
nidade a pragas.
Fazendas que preservam mata nativa
têm solos ainda mais ricos. Na Agrossivil-
cutura São Cosme & Damião, em Ubaita-
ba, no Sul da Bahia, dois mil pés de jaca-
randá e outras espécies da mata atlântica
garantem fósforo e nitrogênio em níveis
ideais para o cultivo de cacau, palmito de
pupunha, cupuaçu, açaí, banana, acerola e
a b a ca x i .
Com esse tipo de adubo, os alimentos
orgânicos conseguem atingir graus nutri-
tivos incríveis. Uma pesquisa realizada em
Chicago e publicada no Journal of Applied
Nutrition, nos Estados Unidos, em 1993,
Joaquim e Monika, da Fazenda Oiti, em Morro do Chapéu: paixão e conhecimento
23/11/2008 33SALVADOR DOMINGO
Em média, 42% dotomate, morango e alfaceproduzidos no Brasilapresentam resíduos deagrotóxicos nãoautorizados ou acima dolimite, segundo a Anvisa
34 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
mostrou que os alimentos orgânicos possuem mais micronutrien-
tes do que os convencionais: em média, 65% mais cálcio, 73% mais
ferro, 118% mais magnésio, 91% mais fósforo, 125% mais potás-
sio e 60% mais zinco.
“Nas fazendas orgânicas, a terra tem naturalmente mais nu-
trientes e, assim, produz plantas mais medicinais”, diz o médico
baiano Fernando Hoisel, um divulgador da importância da alimen-
tação saudável para prevenir doenças. “Isso acontece porque o so-
lo é uma entidade viva: recebe e transmite energias”, explica o
geógrafo Joaquim Júlio de Oliveira, 70, doutor em geomorfologia
pela Sorbonne e dono de vasta biblioteca sobre o tema.
Junto com a esposa, Monika Krugmann de Oliveira, 66, Joa-
quim mantém há 12 anos a Fazenda Oiti, em Morro do Chapéu, na
Chapada Diamantina. Eles plantam flores comestíveis (como a ca-
puchinha e o amor-perfeito), hortaliças, ervas (algumas raras por
aqui, como sálvia e estragão), leguminosas e frutas.
A produção é escoada para restaurantes naturais, cozinhas de
hotéis e, sempre às quintas-feiras, venda direta para consumido-
res, que devem passar na residência do casal, próxima ao Parque
de Pituaçu. Apaixonados pelas descobertas dessa lida com a terra,
Joaquim e Monika afirmam que a melhor horta orgânica é aquela
que se pode criar no quintal.
“É preciso duas coisas, apenas: investir em conhecimento e nos
elementos necessários”, ensina Joaquim. Tomateiros, por exem-
plo, precisam de solo rico em cálcio — caso contrário, os frutos
ficam com fundo preto.
A LT E R N AT I VASSuzane Almeida, 50, proprietária da Pousada Candombá, no
Vale do Capão, município de Palmeiras, sabe reconhecer esses si-
nais das necessidades nutritivas das plantas. No empreendimento,
ela alimenta o restaurante, aberto para hóspedes e visitantes, com
a horta do próprio quintal. A plantação é variada, com oito espécies
de banana, todos os tipos de temperos imagináveis e ainda couve,
alface, cenoura e rabanete. “Praga? Não dá!”.
Mas como espaço e tempo para quintais são reduzidos na vida
da cidade, a alternativa mais barata para os interessados em pro-
dutos orgânicos é comprar direto com os produtores. O empre-
sário Alcides Valente, 55, sente cheiro de interior quando faz com-
pras na casa de Monika e Joaquim. Isso porque, em vez de ser anô-
nimo em um supermercado, Alcides tem nome, história e prefe-
rências reconhecidas pelos donos da Oiti. “Ele já sabe o que eu
gosto e separa para mim. Ficamos amigos e discutimos até pro-
jetos para nossos filhos”, conta Alcides.
Feirinhas, pontos de venda justa e serviços de entrega ofere-
cidos pelos próprios produtores são formas acessíveis de poder
provar os orgânicos. Outra opção é fazer compras coletivas, o que
reduz preços finais.
Foi o que fez a pedagoga Edlene Paim, 34. Há alguns anos, ela
juntou dez amigos para driblar os preços exorbitantes das delica-
tessens e formou uma cooperativa de consumidores. Edlene faz
parte do Umbigo, organização parceira do Instituto de Permacul-
tura que tem ajudado a escoar a produção orgânica dos municípios
Coração de Maria e Berimbau, próximo a Feira de Santana.
Por causa dessa mobilização, por exemplo, uma loja de produ-
Usina de biofertilizantes, orgulho de Tomohide Takenami
23/11/2008 35SALVADOR DOMINGO
O Brasil é o quartomaior consumidorde agrotóxicos domundo segundo aFAO, órgão da ONUpara alimentação
36 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
tos naturais próxima à primeira portaria de
Villas do Atlântico começou a vender hor-
tifruti orgânicos todas as sextas-feiras.
“Nossa intenção é tirar do processo a figura
dos atravessadores”, explica.
Iniciativas do tipo são comemoradas pe-
los produtores. Marc Nüscheler, membro
de uma cooperativa do Sul da Bahia (Ca-
bruca), diz que vender por meio de super-
mercados grandes não é financeiramente
vantajoso para quem trabalha com orgâ-
nicos. “Então, nós vendemos para expor-
tação e para a Natura, que faz a linha Ekos
Cacau”, afirma.
C O N SC I Ê N C I AO tamanho do mercado brasileiro de or-
gânicos ainda não foi mensurado pelo go-
verno, mas todos são unânimes quanto à
sua tendência de expansão. Contudo, o en-
genheiro agrônomo Rogério Dias, coorde-
nador de agroecologia do Ministério da
Agricultura, explica que a conversão para o
orgânico não significa ainda grandes lu-
cros porque compete com um mercado
ainda muito maior.
Um dos desafios é convencer o maior
número de consumidores de que determi-
nados produtos naturalmente não estarão
disponíveis em alguns períodos do ano.
Quando são cultivados com agrotóxicos e
defensivos, é possível encontrá-los o ano
inteiro; mas no método orgânico, deve-se
seguir as leis da natureza.
Além disso, com a implantação do selo
único, criado pelo governo federal, os pro-
dutores terão de seguir um conjunto de re-
gras ainda mais rígidas até o final de 2009.
Assim, a opção pelo orgânico é só para
quem realmente gosta de pensar que pro-
porciona uma vida mais saudável aos tra-
balhadores e às pessoas que irão saborear
os alimentos.
“Nossa maior satisfação não é econômi-
ca. Acredito na alimentação natural como
forma de prevenir doenças ”, diz a soció-
loga Arlene Andrade Guimarães, 46, da
São Cosme & Damião, que, em Salvador,
faz entregas em domicílio.
“Nós não queremos crescer muito o
nosso negócio, mas manter a qualidade de
tudo o que fazemos, em cada detalhe”.
No Eco-sítio Takenami, o pensamento é
parecido: o crescimento do negócio deve
vir como conseqüência da qualidade da
produção. Tsuneyo, 76, a mãe de Tomohi-
de, não esconde a alegria de ver a história
da família reescrita pelo método natural de
cultivo, como numa volta ao passado.
No Japão, ela trabalhava em roças or-
gânicas de arroz e trigo, em uma cidade
próxima a Nagasaki. Agora, em Mata de
São João, Tsuneyo tem um pequeno jar-
dim de flores, cheio de rosas e calêndulas,
perto do qual fecha os olhos, em agrade-
cimento, pouco antes das refeições. «
Em pleno Vale do Capão, é o quintal que abastece a pousada de Suzane Almeida
MAPA DOS ORGÂNICOS EM SALVADORFEIRAS/PONTOS DE VENDASegundas e quintas, no Grão de Arroz (Pituba eBarris)Quartas, das 6 às 10h30, em frente ao restauranteA Saúde na Panela (Pituba), para cítricos e raízes.Quintas, próximo ao Parque de Pituaçu, produtosda Fazenda Oiti (71 3232 6025).Quintas, das 4 às 11h, no Parque da Cidade.Sextas, na Natural Villas (71 3379 0109), Villas doAt l â n t i c o.Sábado s, das 7 às 9h, no pé da Ladeira da BarraSábado s, das 8 às 15h, e domingos, das 8 às 11h,no Botica da Vovó (71 3345 5572, entregas),Pituba.Domingos, quinzenalmente, no Parque de Pituaçu
SERVIÇO DE ENTREGAFazenda São Cosme & Damião71 8114 7374Eco-sítio Takenami w w w. e c os i t i o. c o m . b rGrão de Arroz (Pituba) 71 3248 9535 »
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23/11/2008 37SALVADOR DOMINGO
Pesquisadores da EscolaNacional de Saúde Públicaapontam que, se adotada portodos os produtores, aagricultura orgânica seria capazde alimentar 40 planetas
38 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
ONDE ENCONTRAR1, 4 e 6: Gift Express (www.giftexpress.com.br)| 2: King Market (71 3878–1270)| 3: Submarino (submarino.com. br)| 5: Xarmonix ( 71 3443–2979)
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23/11/2008 39SALVADOR DOMINGO
40 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
Os eleitosTexto NADJA VLADI [email protected] Foto REJANE CARNEIRO [email protected]
O 15º Salão de Arte da Bahia do MAM, que abre no dia 19 de dezembro, teve 40 artistas selecionados. Muito
reuniu os 12 baianos escolhidos no antigo casarão do Solar do Unhão para mostrar a cara dos eleitos. O número
maior em relação à última edição é, na opinião de Solange Farkas, diretora do museu, o resultado de uma pro-
dução mais articulada e de um amadurecimento no uso dos suportes e das proposições artísticas. “Está acon-
tecendo uma reapropriação da fotografia pelos artistas visuais, e é isso que caracteriza boa parte dos trabalhos
selecionados. Você vê claramente uma conexão com o que está acontecendo no mundo”. «
ANA PAULAP E S S OAO b ra : Sem títuloCa t e g o r i a : Vídeo
RENER RAMAO b ra : 17 anos, 2meses e 10 diasCategoria: Vídeo
LIANE HECKERTO b ra :I n s u s t e n t á ve lCa t e g o r i a :Fo t o i n s t a l a ç ã o
ANGÉLICA BORGESO b ra : R h i z o p h o raMangleCa t e g o r i a :Instalação
NICOLAS SOARESO b ra : I n s u s t e n t á ve lCa t e g o r i a :Fo t o i n s t a l a ç ã o
A DA L B E R T OA LV E SO b ra :MalabaristasCa t e g o r i a :Desenho
23/11/2008 41SALVADOR DOMINGO
JÔ FÉLIX(COLETIVO TRÍPTICO)O b ra : RizomaCategoria: Inter vençãoe fotografia
FÁBIO MAGALHÃESO b ra : Involucro I, IIe IIICa t e g o r i a : P i n t u ra
VINÍCIUS SAO b ra : O b j e t osÓpticos 2Ca t e g o r i a :Instalação
ZÉ DE ROCHAObra: R i s os
Categoria: D e s e n h oscom carvão
DANIEL LISBOAO b ra : P r o c e s s osFoscos ReluzentesCa t e g o r i a :Videoinstalação
PÉRICLES MENDES(COLETIVO TRÍPTICO)Obra: RizomaCa t e g o r i a :Videoinstalação
VLADIMIR OLIVEIRA(COLETIVO TRÍPTICO)Obra: RizomaCa t e g o r i a :Intervenção ef o t o g ra f i a
R AC H E LM AS C A R E N H AS
O b ra : Sem títuloCategoria: Vídeo
VALÉRIA SIMÕESO b ra : Parabrisa cultCa t e g o r i a : Fo t o g ra f i a*Valéria faltou, masmandou a foto
» LEIA ENTREVISTA COM SOLANGE FARKASEM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO
42 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
Beleza quese comeTexto TATIANA MENDONÇA [email protected] REJANE CARNEIRO [email protected]
Saborosas obras de arte, eles sãoindispensáveis em qualquercomemoração e levam a assinaturade sofisticados cake designers
Quem quiser ter um bolo
assinado pela cake desig-
ner Ivana Simões terá
que esperar. A agenda
dela, acreditem, está
cheia até março do ano
que vem. Ivana era dentista e largou o con-
sultório para cuidar dos filhos. Começou fa-
zendo “bolinhos” para as festas de aniver-
sário deles. Depois, para parentes, ami-
gos, amigos de amigos, até se tornar a pre-
ferida entre as celebridades baianas (fez o
bolo de casamento da cantora Cláudia Leit-
te). A carreira já dura mais de 20 anos.
É segunda-feira e mais de dez bolos re-
pousam no ateliê de Ivana. Eles não vão
para as festas. Na verdade, já voltaram. A
parte de baixo está cortada e coberta por
um guardanapo; o resto está intacto. São
bolos cenográficos. Lindos de morrer, mas
de isopor. Menos a parte que a noiva corta
para fazer cena e tirar fotografia.
GAST R ÔBOLOS DE
F E STA
23/11/2008 43SALVADOR DOMINGO
O bolo de verdade sai de algum subter-
râneo e já chega cortado para os convida-
dos. E esse, sim, ela garante, é gostoso.
Porque essa história de que bolo de festa é
bonito, mas ninguém suporta comer, não
está com nada.
Na casa de Ana Laura Lacerda é assim
desde que ela se entende por gente. Bonito
e gostoso. Ela cresceu rodeada por um
cheirinho onipresente de bolo. A avó, Cân-
dida, e a mãe, Maria Lúcia, também estão
no ofício há quem sabe quantos anos.
Vai buscar os álbuns para mostrar, em
preto e branco, bolos em forma de carro,
do Cine Jandaia e até do Elevador Lacerda;
todos de açúcar. Uma das fotos dá uma pis-
ta de quando a história começou: um bolo
em forma de livro comemora a chegada da
cegonha em 1931.
Na lista de clientes antigos e famosos,
governadores e donos de grandes empre-
sas. "Esse laço aqui, sabe como minha avó
fazia? Modelava na garrafa de leite que o
Bolos de
c a s a m e n t o,
assinados por
Ivana Simões. Ao
lado, bolo para
festa infantil, de
Denise da Silva
moço vinha entregar em casa. E deixava secando ao sol. Hoje o
pessoal faz com papel manteiga; é mais fácil". E o bolo de noiva?
"Tinha sete fitas. A depender da que você pegasse casava logo, ou
ficava para titia".
A PASTAHoje está tudo mudado. “Para cobrir, é só colocar a pasta ame-
ricana e pronto”. Mas e o gosto? “Parece chiclete, prefiro não usar”.
As coberturas variam, mas Ana Laura geralmente usa clara de ovo,
açúcar e limão. Para crianças, a glace é uma mistura de manteiga
e leite condensado. Papel de arroz é outra heresia que ela dispen-
sa. "O gosto é muito ruim".
Ivana também não gosta do sabor da pasta, mas diz que ela é
indispensável para a decoração, por oferecer muitas possibilida-
des. “Mas prefiro cobrir os bolos também com a glace mármore,
para dar um gostinho de limão”.
Telma Salgueiro (no cartão de visitas, Telma Bolos) explica que
a pasta americana é uma mistura de açúcar, gelatina, glucose, CMC
e essência. “É a melhor para cobrir bolo e dá para guardar na ge-
ladeira por até dois meses”. Ela fechou uma lojinha de artesanato
para fazer bolos. O primeiro foi para o casamento da filha, numa
história que já dura nove anos. Acabou juntando as duas coisas. Os
bolos feitos por ela custam entre R$ 80 e R$ 1.000.
44 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
Telma tem clientes que já se fiam tanto
nela que nem ligam com antecedência pa-
ra agendar as encomendas. “Outro dia
uma me ligou, dizendo que o aniversário
dela estava chegando, se eu já tinha feito o
bolo (risos). Tenho que guardar as datas na
agenda. É isso o ano todo”, conta.
Ela faz questão de que os bolo que pro-
duz sejam úmidos (molha com calda de
açúcar) e cheios de recheio (três em dois
bolos). Para assar, diz que manter o forno
médio é o ideal.
Já Ana Laura sugere deixar o forno na
temperatura máxima uns 10 minutos an-
tes de assar e, depois, diminuir um pouqui-
nho. “Bolo é para ser assado igual a sequi-
lho. Aí, ele fica fofinho e crocante".
Ana Laura Lacerda e um bolo infantil
feito especialmente para Muito
SEM VACAS MAGRASIvana tem quatro funcionárias e, de
quarta a domingo, entrega cerca de oito
bolos. “Para quem trabalha com isso não
tem vacas magras. Só em agosto sinto uma
ligeira baixa”. Ela faz parte da ICES, maior
associação de designers de bolos do mun-
do, e diz que a principal diferença entre os
bolos de festa e os de doceria é que os das
lojas são mais úmidos. Seus bolos custam
entre R$ 200 e R$ 2.000.
Não chove tanto na horta de Ana Laura,
que passou a fazer também docinhos e sal-
gados e está se especializando em bolos
para crianças. “Tem épocas, em julho e de-
zembro, que já tive até que recusar pedi-
dos. Hoje faço um, dois, por semana”.
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Para fazer um bolo grande e decorado,
ela leva geralmente uma manhã inteira.
"Não tenho pressa". Os bolos custam entre
R$ 100 e R$ 150.
EM FAMÍLIAA impressão é que Denise da Silva e as
duas filhas, Deise e Graziela, têm que se re-
vezar com os bolos que fazem para caber
na cozinha. Um monte de formas de varia-
dos tamanhos se espalha pelo fogão e pe-
los armários num exíguo espaço.
Denise foi incentivada por uma amiga e
tomou coragem para vender bolos há vinte
anos. As meninas foram se tornando aju-
dantes. Até a filha que foi morar na Itália
virou boleira.
Os bolos vão para casamentos, aniver-
sários, 15 anos, bodas de ouro. Custam a
partir de R$ 80 e o mais caro, o de casa-
mento, sai por R$ 500. A massa é o “branco
comum”. Ela diz que sempre usa margari-
na em vez de manteiga e que o leite de coco
“não pode ser qualquer um”.
O recheio é de creme com ameixa e a
cobertura de glace mármore. Isso é o bá-
sico, mas se a pessoa quiser pedir de outros
tipos, claro que pode. Para os de casamen-
to, o recheio costuma ser de nozes. “Mas a
gente faz só bolo verdadeiro. Bolo falso, de
isopor, não”, diz Graziela. Para fazer e con-
feitar são dois dias inteiros.
E mesmo fazendo bolo diariamente,
elas juram que ainda agüentam comer.
Outro dia deu preguiça e compraram um
pronto, de caixa (veja só), mas não é que o
bolo solou? Pois. “A gente nunca tinha so-
lado um bolo antes, só o de caixa”, diz Dei-
se, e todas riem.
De cada bolo que sai da cozinha aper-
tadinha, vem mais dois ou três clientes, tu-
do no boca-a-boca – no caso, literalmente.
No sábado, quando foram feitas as fotos
desta reportagem, elas já tinham sete para
entregar. «
Ao lado, o Cine Jandaia. Acima,
um carro antigo: fotos dos bolos
decorados por Cândida Lacerda
ONDE ENCOMENDARAna Laura Lacerda 3241-1953. Telma RitaS algueiro 3305-2819. Ivana Simões3235-4709. Denise da Silva 33 4 1 - 0 3 1 2 »
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SAT É L I T E SALAR DE UYUNI BOLÍVIA
O incrível desertode sal da Bolívia
Texto e foto LAIS MENDES [email protected]
DESERTO DE SAL:A viagem peloSalar de Uyun, naBolívia, dura trêsdias e sai porR$ 300, o queinclui ahospedagem, otransporte e aalimentação
Lais Mendes
estuda
comunicação
na Ufba
Ao chegar à entrada do Salar de Uyuni, localizado no sudoeste da
Bolívia, a sensação que se tem é de estar às portas do paraíso. A
luminosidade ofuscante do Sol (óculos escuros é peça obrigatória)
e o azul intenso do céu combinam perfeitamente com a grandeza
do maior deserto de sal do planeta. Em meio a essa imensa planície
branca, surge no horizonte a Inca Huasi, ou Casa dos Incas, uma
ilha repleta de cactos milenares que chegam a atingir 12 metros de
altura. Durante o passeio, é possível conhecer também um hotel
feito de sal, caminhar sob lagoas congeladas, tomar banho nas
termas e observar de perto animais como vicunhas e lhamas.
A visita ao Salar costuma ser realizada
em um tour de três dias, que pode sair des-
de a cidade de São Pedro de Atacama (Chi-
le) ou de Uyuni (Bolívia) e custa, em média,
R$ 300, que inclui transporte, alimentação
e hospedagem. A viagem, em um veículo
4X4, exige espírito aventureiro e preparo
físico dos viajantes. A depender da época
do ano, o frio pode ser intenso durante a
noite e, no decorrer da viagem, a altitude
passa de 2.500 para 4.800 metros em pou-
cas horas. O destino que inspirou obras de
Salvador Dalí é garantia de paisagens es-
tonteantes e quase intocadas que ficarão
gravadas pra sempre na memória. « » S
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ORELHA GUSTAVO RIOS
Na cozinhado escritor
Texto KÁTIA BORGES [email protected] REJANE CARNEIRO [email protected]
Baiano de Salvador, 34 anos, Gustavo Rios publicou O amor éuma coisa feia em 2007, pela coleção Rocinante da 7 Letras.Participa do grupo Corte, que promove recitais multimídia nacidade, escreve em blogs e prepara um novo livro de contos
LIVRO PUBLICADO: O amor é uma coisa feia (7 Letras, 2007)
O amor é uma coisa feia? De onde veio
esse título? O amor é feio sim. Não tem
nada a ver com as babaquices das no-
velas. Nem com essa perfeição esdrúxula
e mal-arranjada que insistem em nos
mostrar. E o título veio de uma música,
uma pancada de poucos acordes que
acabei escutando num momento inte-
ressante da vida. Você é escritor e co-
zinheiro. E alguns de seus contos são
ambientados em cozinhas. Diz aí, como
a culinária entrou em sua vida? Nem
bem a culinária, mas foi a cozinha que
entrou. E foi pela porta dos fundos. É de
onde temos uma visão privilegiada do
mundo, acredite. Depois, as coisas fi-
caram diferentes. E como a literatura
atravessou a culinária? Foi a cozinha, o
mundo da cozinha. Porém digo e repito:
escrever é sempre maior que tudo. Sem-
pre foi e sempre será. O resto é adorno.
Uma tempera a outra ou a combinação é
forte? A combinação é forte. Por vezes,
amarga e indigesta para quem não tem
coragem. É impressão ou tem um Ke-
rouac forte na sua prosa? Não tem não.
Apesar do desejo de ser Kerouac ou
Henry Miller. Ou até mesmo o genial
Hermilo Borba Filho. Sei que, no fundo,
não passo de um cara de bairro. Con-
sidero o que escrevo bastante simplório
quando penso nesses caras. Gosto es-
pecialmente dos textos com o chef de
cozinha, publicados no Cozinha do Cão,
seu blog. É um alter ego? Não, sou eu.
Ali estava sem reservas e bastante ex-
posto. Era estranho. Apaguei tudo. Onde
a poesia entra nesse caldeirão? Ela já
estava lá. Nos fanzines que li, nos livros
do Leminski e do Miller; estava lá quan-
do nasci, talvez, ou quando entrei no
primeiro sebo e saquei uma foto do
Morrison na parede. Estava lá bem antes
dos tais adornos de que falei. « » M
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23/11/2008 49SALVADOR DOMINGO
TRILHAS ANINHA [email protected]
«Não era apenas uma mudança deperíodo, era uma outra cidade»
Já é verão naCidade da Baía
De que é feito um verão? De muito sol, pra
começar, um Sol que nasce e se põe com
intensidade total, ao contrário do Sol das
outras estações. Li de uma escritora, nos anos 70,
que o operador do Sol do terceiro-mundo era es-
tagiário e que, por isso, o controle deixava a dese-
jar, mas, depois que passei um verão em Madrid, 40
graus à sombra, acho que o operador do Sol é um
só, está trabalhando desde o Big Bang, não fez dis-
cípulos e já devia estar aposentado. Não sei se os
dias de verão ainda são mais longos que as noites,
como aprendi na escola, estamos pós-estrago da
camada de ozônio, pós-extinção de milhares de es-
pécies da fauna e da flora, no auge da mimosa pas-
sagem do homem-sabido pelo planeta, sinônimo
de que qualquer verdade absoluta pode ser um
boato da Quem ou da Amiga, espalhado na ilha de
Ca ra s depois de uma rodada de prosecco. Há 30
anos, eu esperava a chegada do verão como os pri-
sioneiros aguardam a soltura, marcando os dias na
folhinha. E quando ele chegava com seu figurino
brilhante e calorento, e a cidade se enchia de gente,
os preços do coco e do acarajé disparavam, as fes-
tas-de-largo se sucediam, as lavagens se multipli-
cavam, não era apenas mudança de período, era
uma outra Cidade. Era a Baía que nenhuma estação
consegue representar com tanta sinceridade.
Dentro dessa Baía, de todos-os-santos, ex-
plodia a santidade do Carnaval dos anos se-
tenta, que o poeta Torquato Neto nomeou
de a grande zorra, uma espécie de ilha do outro lado
do continente, onde uma ditadura insuportável-
mente burra e chata proibia Picasso, Sófocles, Marx
e Kubrick. O Carnaval liberava todos. E tudo. Com
uma trilha sonora inesquecível, composta por Cae-
tano Veloso, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Walti-
nho Queiroz, cantando a cidade, a dor, o prazer e a
própria festa. “Atrás do trio elétrico só não vai quem
já morreu. Deixa sangrar, deixa o Carnaval passar.
Meta o cotovelo e vá abrindo caminho, pegue no
meu cabelo pra não se perder e terminar sozinho...
Quem tem cara tem medo, quem tem medo tem
cura, essa história de medo é caretice pura. Pombo
correio, o mundo voa, mas me traga uma notícia
boa. Vestida de mortalha da cabeça até o pé e a bo-
ca lambuzada de acarajé". «
50 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8
PAREDE CHRISTIAN [email protected]
Nesta última imagem na seção Parede,Christian apresenta um de seus trabalhosmais fortes: a religiosidade no Haiti, ilhacaribenha que tem como principal religiãoo vodu. O fotógrafo capta a força da fé nofeixe de luz que ilumina a fiel e sua vela. «
» MUITO MAIS IMAGENS PARA VER, USAR EMSEU BLOG E INFORMAÇÕES SOBRE COMOPARTICIPAR EM ATARDE.COM.BR/MUITO
23/11/2008 51SALVADOR DOMINGO
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