revista muito #34

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23/11/2008 53 SALVADOR DOMINGO COLABORE COM AS PRÓXIMAS EDIÇÕES DA MUITO E VEJA O MAKING OF DAS REPORTAGENS EM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO DOMINGO, 23 DE NOVEMBRO DE 2008 #34 Cooperativas driblam a industrialização e oferecem alternativas mais saudáveis REVISTA SEMANAL DO JORNAL A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE A HORA DOS O R G Â N I C OS Gonçalo Junior une jornalismo e HQs Maxivestidos invadem o verão

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Revista Semanal do Jornal A Tarde

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Page 1: Revista Muito #34

23/11/2008 53SALVADOR DOMINGO

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23/11/2008 5SALVADOR DOMINGO

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2 3 . 1 1 . 20 0 8ÍNDICE

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FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DE MELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE R E N AT OSIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA E D I T O R- C H E F E FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADIEDITORA KÁTIA BORGES EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAES DESIGNER ANACLÉLIA REBOUÇAS. FALE COM A REDAÇÃO WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: [email protected], 71 3340-8800(CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / [email protected] / WWW.ATAR-DE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODO O PAÍS PEREIRA DE SOUZA E CIA. LTDA./ RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF. MILTONCAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71) 3340-8500.FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX 3340-8732.REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11) 3237-207 9SERGIPE E ALAGOAS GABINETE DE MÍDIA & COMUNICAÇÃO LTDA. RUA ÁLVARO BRITO, 455, SALA 35, BAIRRO 13 DE JULHO, CEP 49.020-400- ARACAJU - SE - TELEFONE: (79)3246-4139 / (79)9978-8962 BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900.(61) 3226-0543/1343 A TARDE É ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DECIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA

12

ABRE ASPAS O jornalista Gonçalo Juniortraduz o mundo em história e quadrinhos

FERNANDO VIVAS | AG A TARDE20

MODA Vestidos longos, leves e coloridosdos anos 70 invadem o verão 2009

REJANE CARNEIRO | AG A TARDE

28

CA PA Agricultura orgânica, alternativaviável para uma alimentação de qualidade

REJANE CARNEIRO | AG A TARDE

40 C U LT U RAConheça os 12 baianosselecionados paraa 15ª edição do Salão deArte do MAM

42 GAST R ÔBolos de festa mantêma tradição paracasamentos eaniversários

46 SAT É L I T EUma inesquecívelviagem pelo Salar deUyuni, o inacreditáveldeserto de sal da Bolívia

49 T R I L H ASHá 30 anos, a estaçãomais quente liberavacorpos e mentes naCidade da Baía

Horta noEco-sítioTakenami, emMata de SãoJoão, em fotode RejaneCa r n e i r o

Page 7: Revista Muito #34
Page 8: Revista Muito #34

8 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

MUITO MAIS NO PORTAL A TARDE ON LINEATARDE.COM .BR/MUITO

C O M E N T Á R I OSMande suas sugestões e comentários para [email protected] «

_Bares de praia Quero sugerir

reportagem sobre os bares de praia que

estão surgindo em Salvador e que mais

parecem hotéis de luxo. Arquinor Pinto

de Araújo Junior

_Sol na laje Pena que a modelo

parece finlandesa e não tem nada a ver

com as lindas baianas que desfilam pelas

"lajes" soteropolitanas. Walter Brito

_Mott 1 Sou heterossexual, negro,

e não vejo onde está a similaridade que

justifique as comparações do Sr. Mott. Sua

história deixa claro que grande parte do

preconceito vivido pelos homossexuais

nasce deles mesmos. A opinião expressa

sobre o vereador eleito reforça tal juízo.

Antonio Andrade

_Mott 2 Parabéns pela ótima

entrevista. Seria o máximo você, Mott,

com a sua verve, cultura e inteligência, na

Câmara, na Assembléia ou no Congresso

Nacional. Maurício Freire, do Cedeca

_Erramos As fotos da matéria

“Acerte na escolha” foram feitas no

Colégio Anchieta da Pituba. A modelo do

editorial de Márcia Ganem é Erika Caldas.

As legendas corretas são: Look azul:

brinco Andrômeda, pulseira Andrômeda e

blusa Márcia Ganem. Verde: brinco

Antônio Bernardo e vestido Márcia

Ganem. Amarelo: vestido Márcia Ganem.

Looks da estilista Márcia Ganem

REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

ABRE ASPAS Mais imagens dashistórias em quadrinhos criadas pelojornalista e escritor Gonçalo Junior

D I V

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A Ç Ã O

GAST R Ô Confira receita exclusiva debolo tradicional de nozes, feito pela cakedesigner Ana Laura Lacerda

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Page 9: Revista Muito #34

23/11/2008 9SALVADOR DOMINGO

CARTUM CAU [email protected]

Uma das regras para se ter uma vida saudável é cuidar bem do que se

come. Refeições equilibradas e uma grande variedade de frutas, le-

gumes e verduras na dieta parecem certezas inabaláveis. Mas não é

bem assim. A repórter Katherine Funke mostra que, para ter saúde de

verdade, é preciso consumir alimentos livres de agrotóxicos. A boa no-

tícia é que tem crescido a produção baiana na área dos orgânicos, apre-

sentando uma maior diversidade de alimentos. É cada vez mais comum encontrar pela

cidade feirinhas, pontos de venda e serviços de entrega, oferecidos pelos produtores

para tornar o consumo mais acessível. Nas próximas páginas, novos sabores para sua

vida. Nadja Vladi, editora-coordenadora.

Page 10: Revista Muito #34

10 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

MUITO INDICA ARTES VISUAIS

Ra d i c a l i d a d eVINTE E CINCO - ARTESDE CHICO MAZZONIDESDE 1983Até quinta (27), das 13às 17 horas, de terçaa sábado, na GaleriaArt Factory (Consuladoda Holanda, Largodo Carmo)De graça

LEITURAS MUSICADASProjeto acontece nestaquarta (26), às 20horas, na Livraria Tomdo Saber (RioVermelho). De graça

REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

O que pode um quarto de século? No caso dos trabalhos de

Chico Mazzoni, a sensação que os anos foram bem-vindos às

pesquisas técnicas e redimensionamento do desejo do artista. A

exposição Vinte e cinco – artes de Chico Mazzoni desde 1983,

sua 15ª individual, mostra como as várias fases do artista

caminham para um atrator que é mais que uma subjetividade

inquieta: uma subjetividade em estado de interrogação. São 35

peças de exposições que incluem a ironia de Po p - u p (2006), o

destemor das Cidades invisíveis(2007), ou o giro amoroso para

a criatura como em Da cor de hester 2 (1985), fazendo a espiral

da arte de Mazzoni se deslocar numa passionalidade

vertiginosa. Alguns trabalhos, lamento dizer, são de coleções

particulares ou do artista. MARCOS DIAS «

Leituras musicadasOs atores Harildo Deda (foto) e Yumara

Rodrigues, e o músico Tuzé de Abreu

participam do projeto Leitura Musicada,

em homenagem a atriz Nilda Spencer. A

cantora Manuela Rodrigues também faz

participação especial. «

Chico Mazzoni: subjetividade em estado de interrogaçãoCRISTINA DANTAS | DIVULGAÇÃO

Page 11: Revista Muito #34

23/11/2008 11SALVADOR DOMINGO

BIO ERLON BISPO

Texto NADJA VLADI [email protected] Foto REJANE CARNEIRO [email protected]

O produtoré baianoErlon Bispo, 43, é um baiano de Pau Brasil

– mesma cidade do índio Galdino, que gos-

ta de falar muito, quase sem respirar. Da

mesma forma, ele segue com sua vida de

produtor cultural. Foi morar em São Paulo,

aos 7 anos, e, apenas aos 29, conheceu Sal-

vador, trazido pela atriz Ana Paula Bouzas.

Veio para ficar um mês; ficou 13 anos. Aqui

produziu espetáculos como A Casa de Eros,

ao lado de Eliana Pedroso, que revelou o

ator Wagner Moura. Foi também Erlon que

trouxe para Salvador o diretor pernambu-

cano João Falcão com o musical infantil A

Ver Estrelas. A vinda de Falcão para a Bahia

fez com que ele conhecesse os atores Lá-

zaro Ramos, Vladimir Brichta, João Miguel

e o próprio Moura, levados por ele para o

Rio de Janeiro para encenar A Máquina.

Mas Erlon não se cansa. De volta a São Pau-

lo, começou a produzir o grupo XIX de Tea-

tro e já coleciona sucessos. O espetáculo

A r r u f os foi indicado, este ano, ao Prêmio

Bravo e ao Prêmio Shell de Teatro. Para

quem começou no teatro com o grupo Ver-

tigem, conhecido por suas experimenta-

ções ousadas e instigantes, o encontro

com o XIX trouxe de volta o que mais gosta:

a pesquisa teatral. De passagem por Sal-

vador, trouxe a peça H ys t e r i a , que mostra a

condição do feminino no Brasil no século

19, e está feliz com o frescor da cena teatral

baiana. “Todo mundo quer fazer teatro em

Salvador, e a cidade está cada vez mais vol-

tada para a arte de qualidade, com bons

dramaturgos, produtores e atores”. «

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Page 12: Revista Muito #34

12 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

ABRE ASPAS GONÇALO JUNIOR JORNALISTA E ESCRITOR

«O mercadoeditorial é umamediocridade»

Texto KATHERINE FUNKE [email protected] FERNANDO VIVAS [email protected]

Foram só duas horas de conversa. Mas o experiente jornalista

Gonçalo Junior, 41, multiplicou os segundos a ponto de pare-

cerem quatro ou cinco horas. Verborrágico, voltou à época em

que publicava fanzines punks, ouvia o álbum S andinista, do

Clash, e caçava pérolas no acervo da Biblioteca dos Barris ("A

melhor biblioteca que eu conheço"). Ainda analisou parte da

sua produção, que abrange nada menos que 12 livros de dife-

rentes tipos, e falou dos próximos projetos: uma biografia do

sambista Batatinha, outra do artista visual Eugênio Hirsch e um

romance-reportagem sobre a relação dos artistas baianos com

o carlismo nos anos 90. Nascido em Guanambi, o jornalista tra-

balhou em diários na capital baiana antes de ir morar em São

Paulo em 1997. Passou os primeiros seis anos como repórter de

cultura da Gazeta Mercantil. Nos quatro anos seguintes, come-

çou a dar bolo nos amigos que assistem ao futebol às quar-

tas-feiras para se dedicar ao ofício de escritor depois do expe-

diente. Sempre em busca da informação precisa, Gonçalo Junior

já ganhou três HQ-Mix, o prêmio mais importante dos quadri-

nhos brasileiros: melhor pesquisa (1997), melhor livro – A guer-

ra dos gibis (2005) – e contribuição para as artes gráficas (2006).

Eis aí um homem que tem tanto a dizer que, nas próximas pá-

ginas, você acompanha só uma parte da entrevista. O restante

está no site da Muito.

Por que você ficou dois anos sem vir à Bahia?

Estou sempre pesquisando e escrevendo. E sou meio per-

feccionista. Estou há dez meses sem terminar um livro por-

que não consegui descobrir o nome da mãe e do pai do cara.

Falei com mais de 40 pessoas, levantei toda a história, mas

não há esse registro. É um artista austríaco que morou 18

anos na Argentina e veio para o Brasil em 1955. Aqui, ele

revolucionou o mercado de livros com capas. O nome dele

é Eugênio Hirsch. Esse fez de 2,5 mil a 3 mil capas para a

Civilização Brasileira na década de 50. A história do livro bra-

sileiro se divide em antes e depois dele. É um artista gráfico

revolucionário. Junto com Millôr Fernandes, criou o Pif Paf,

que foi o pai da imprensa alternativa e de resistência à di-

tadura militar. Era um cara muito espaçoso e tinha uma vida

alucinante. Ele chocava os caras mais descolados de Ipane-

ma e de Copacabana nos anos 60.

O que fez você se interessar por essa história?

Eugênio foi o único brasileiro a publicar na P l a y b oy ame-

ricana. Foi citado pelas revistas de design do mundo como

um dos artistas mais importantes da década de 60. Ele tra-

balhou em uma coleção chamada Mundo dos Museus, que

foi reproduzida em mais de 80 países, e recebeu carta da

Page 13: Revista Muito #34

23/11/2008 13SALVADOR DOMINGO

Page 14: Revista Muito #34

14 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

Rainha da Inglaterra parabenizando

pelo projeto gráfico, assim como do

General Franco, e outras. Mas teve

um final terrível: morreu de amor.

No Brasil, ele criou uma polêmica:

garante que participou de uma orgia

na casa de Monteiro Lobato, e isso o

teria incentivado a criar as próprias

orgias. Eugênio estava escandali-

zando o Rio de Janeiro. Eram dro-

gas, sexo, muito sexo, surubas...

Como você conseguiu realizar o sonho de

publicar A guerra dos gibis pela Cia. das

Letras, depois de receber 27 nãos de ou-

tros editores?

Registrei esse livro na Biblioteca Na-

cional em 1994, e só saiu em dezem-

bro de 2004. Em primeiro lugar, há

preconceito em relação ao tema. A

guerra dos gibis é uma biografia

não-autorizada de Roberto Mari-

nho. Segundo lugar: o mercado edi-

torial é uma mediocridade absurda.

Há quatro editores. Os outros são

comerciantes de livros, caras que

vão na onda. A última editora que

procurei, achava que não iriam pu-

blicar porque não tinha o perfil. E foi

a única em que um editor leu o livro.

Luiz Schwarcz me ligou para falar

que estava na metade da leitura e

perguntou se aceitaria reduzir um

pouco porque iria ficar muito volu-

moso. Mas falou: você tem liberda-

de para enxugar onde quiser. Nunca

ninguém tinha feito isso.

Além de publicar pesquisas, você escreve

roteiros de ficção. Já publicou duas gra-

phic novels: O Messias e C l a u s t r o fo b i a .

Como é esse trabalho de criação?

Claustrofobia foi lançado numa

quinta-feira, pela Devir, e o G u e r ra

dos gibisno sábado, pela Cia. das Letras. As pessoas que não

me conheciam achavam que eu estava atirando para todo

lado. Mas acontece que as pessoas não conheciam o meu

histórico aqui em Salvador. Em 1982, comecei a fazer ro-

teiros com o Cedraz, que faz o Xaxado, publicado em A TAR-

DE. Eu desenhava, mas o Cedraz me disse que era melhor

fazer roteiros. Então, fiz roteiros de terror e eróticos. Já em

São Paulo, continuei trabalhando com o Cedraz porque era

uma coisa que gostava e fizemos grandes parcerias. Mas,

esses dois livros têm uma coisa em comum: não têm texto.

As histórias de Claustrofobia foram criadas na primeira se-

mana em que cheguei a São Paulo, sob o impacto de ver

aquela cidade cheia de mendigos nas ruas, uma desuma-

nidade absurda. Você mora cinco anos de frente para uma

pessoa, e ela mal dá um sorriso, um bom-dia. Um psiquiatra

que entrevistei uma vez me falou que faltam espaços de

convivência em São Paulo. Faltam praças para as pessoas

conversarem, falta praia. É uma explicação interessante

porque, com o tempo, comecei a descobrir que as pessoas

se preservam, ficam na defensiva, não cumprimentam, não

querem incomodar. É uma cidade cheia de gente, e as pes-

soas andam solitariamente nas ruas.

Em O Messias, você anuncia que vai chegar um justiceiro crimi-

noso que vai mudar o caos que está por aí. Você acredita que isso

vai acontecer mesmo?

Vai. O crime não é organizado no Brasil. Esse livro foi feito

por volta de 96 e saiu em 2006; dez anos depois. Foi feito no

momento em que a imprensa estava denunciando o envol-

vimento de pastores evangélicos com o crime organizado

do Rio de Janeiro. Agora, ele não tem nenhuma referência

consciente à Guerra de Canudos, eu juro. Canudos foi um

lugar isolado no fim do mundo. Já O Messias acontece no

coração do Rio de Janeiro, no meio das favelas da cidade.

É uma graphic novel toda visual. O protagonista foi conce-

bido para ser um albino. Ele cresce no meio do crime e o

transforma em uma ferramenta de revolução. É um cara

completamente cheio de incoerências. Em nome de Deus,

em nome da fé, ele consegue arregimentar todos os tra-

ficantes. Isso é perfeitamente possível. Acho que a fé é a

única coisa capaz de unir tanta gente que sofre violência da

polícia, tantos abusos, o descaso do Estado, de viver pre-

cariamente. Então, ele junta todo mundo e consegue eli-

minar os traficantes.

A GUERRA DOS GIBISObra de referênciacom dadosimportantes sobre osbastidores do mercadoeditorial brasileiroEditora: Cia. das Letras

O MESSIASHQ totalmente visual,sem texto, desenhadapor Flávio Luiz sobreroteiro de GonçaloEditora OperaG ra p h i ca

ENCICLOPÉDIA DOSMONSTROSRecém-lançado estudocom análises,históricos e muitasimagensEditora Ediouro

Page 15: Revista Muito #34

23/11/2008 15SALVADOR DOMINGO

De onde surgiu essa idéia?

A única referência consciente que

me lembro é um filme que se chama

A Conquista do Planeta dos Macacos,

em que os macacos simulam que es-

tão mortos, mas na verdade eles es-

tão deitados em cima das armas.

Quando os humanos aparecem,

eles começam a matar. Em O Mes-

sias, a descida do morro acontece co-

mo se fosse uma romaria. Aí, inva-

dem os shoppings e tomam conta da

cidade. Contar isso visualmente é di-

fícil. Flávio Luís (o desenhista) fez um

trabalho brilhante porque ele gosta

de jogar detalhes no fundo, situa-

ções que completam a história, em

outro nível de leitura, e uma HQ po-

de ter até quatro níveis de leitura.

Você pode ler O Messias em dez mi-

nutos, no máximo. Mas, se você ler

com atenção, começa a se fazer per-

guntas: por que tem aquela cena em

que a mulher está vendo televisão e

monta um fã-clube para o cara? É

aquela coisa do fascínio da mídia.

Acho que essa história do Messias é

muito possível, porque o crime não é

organizado. Você pode organizar

sem religião no meio, mas acho que

a religião, a fé, é um instrumento

que pode juntar todo mundo.

E você tem religião, tem fé?

Sou de uma família católica! Eu não

«Há quatro editores. Os outrossão comerciantes de livros,caras que vão na onda»

Page 16: Revista Muito #34

16 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

nho é fazer uma graphic novel com

um CD de trilha sonora.

E C l a u t r o fo b i a tem alguma referência

nesse sentido?

Claustrofobia é uma experiência

bem mais radical, porque é a miséria

levada ao extremo. Tem uma histó-

ria nele, chamada Dias de Chuva,

que nasceu assim: eu passava todo

dia na calçada do Colégio Central ao

ir para casa (sempre morei no Toro-

ró) e via um cara vendendo livros.

Em Salvador, chove muito, e me in-

comodava passar na chuva e perce-

ber que o cara não estava lá. Em ci-

ma disso, criei uma situação em que

não pára de chover na cidade duran-

te 15 dias. E esse cara vai sofrendo

uma pressão muito grande da mu-

lher, da filha, da necessidade de

comprar coisas. E chega ao extremo

em que ele mata a mulher. Pode ser

piegas o final, mas o pensei para ser

muito cruel: quando ele mata a mu-

lher, aí a filha vem, puxa ‘ele’ pelo

braço e mostra que a chuva passou.

Só que aí, ferrou tudo...

«Onde você colocaDeus, tem respostapara tudo, mas sãorespostas muitoconformistas»

freqüento igreja, nem nada, mas

vim de uma família católica. Eu não

tenho... (interrompe-se)

Acredita em Deus?

(Passa a mão pelo rosto, em expres-

são de desespero, e só depois de

uma pausa fala). Meu pai vai ler is-

so!... Fica difícil, né? Fica difícil acre-

ditar em Deus. Mas todo mundo tem

que acreditar, né? Ah, mas pula essa

pergunta...

Por quê?

Porque... (Ele pensa por alguns se-

gundos e só então recomeça a falar)

Porque se você se envolver muito

com os problemas, se você olhar

muito à sua volta, fica muito difícil

acreditar que Deus existe. Onde vo-

cê coloca Deus, tem resposta para

tudo, mas são respostas muito con-

formistas. A religião, de um modo

geral, é muito útil ao poder e induz

as pessoas ao conformismo. Deus é

manipulado, usado pelo poder, pa-

ra dar poder e para dar dinheiro. O

Messias fala disso. Ele acha que tem

poderes divinos e ao mesmo tempo

faz uma transformação social. Induz

as pessoas a buscarem a terra pro-

metida dentro de um shopping. Por

isso, foquei o combate dentro de um

shopping, que é uma caixa onde as

pessoas aparentemente estão pro-

tegidas de tudo, inclusive da miséria

– e de uma hora para outra uma mul-

tidão invade e vem destruir tudo.

Aquilo foi pensado como filme mu-

do, com trilha sonora. Na época, Chi-

co Science estava vivo e eu tinha vis-

to O Baile Perfumado. Imaginei que

poderia ser uma batida bem pesada

como trilha. Você só iria ouvir duas

coisas no filme: música o tempo to-

do, como se fosse O Encouraçado Po-

tenkin, e as balas. O meu grande so-

Page 17: Revista Muito #34

23/11/2008 17SALVADOR DOMINGO

E qual seria a trilha sonora perfeita?

Uma pegada de metal, acelerada,

meio mangue beat, meio Blade

Ru n n e r.

(O fotógrafo mostra as imagens da entre-

vista para Gonçalo e ele reclama que apa-

rece sempre com cara de chorão. Pede pa-

ra apagar algumas delas). Mas você cho-

ra muito, Gonçalo? É um cara emotivo?

Sim, sim! Quem não chora não ma-

ma. Choro até em comercial... No

Natal, tenho crise de existência. Co-

mo todo mundo se adora, como to-

do mundo deseja Feliz Ano-Novo! Se

o Natal fosse o ano inteiro, seria um

paraíso. As pessoas estão passando

fome o ano inteiro, mas só no Natal

todo mundo fica bonzinho...

Então, uma pergunta para sorrir. Você

continua escrevendo histórias eróticas?

Não, mas já fiz muitas nos anos 80,

para as editoras Press e Nova Sam-

pa, principalmente. Era o que o mer-

cado tinha: ou fazia isso, ou fazia ter-

ror. Gosto muito de terror. Tenho in-

teresse grande por monstros. Os

monstros são todos outsiders. A

monstruosidade nasce do precon-

ceito, da intolerância, do racismo.

Os monstros são supercoerentes

com o que faço, porque sempre tra-

to de personagens que viveram à

margem ou foram discriminados.

Em Enciclopédia dos monstros, falo

do monstro visual, que não é o psi-

copata que se encontra por aí na fila

do restaurante a quilo, ou dentro do

cinema. Falo dos monstros visuais.

Eu adoro o Frankenstein porque foi

inventado por uma garota de 17

anos; é um ícone da ambição huma-

na de superar Deus. «

«O meu grande sonho é fazeruma graphic novel com umCD de trilha sonora»

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Page 18: Revista Muito #34

18 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

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Page 20: Revista Muito #34

20 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

MODA M AX I V E ST I D OS

Fotos REJANE [email protected] VICTOR VILLARPANDOv i c t o r .v i l l a r p a n d o @ g r u p o a t a r d e . c o m . b rProdução e estilo VICTOR VILLARPANDOE MÁRCIA LUZ [email protected]

Se levarmos em conta a grande influência dos

anos 70 no verão 2009, não dá para nos es-

pantar a alta dos maxivestidos na estação.

Confortáveis e femininos, eles marcaram

presença no verão do hemisfério norte,

quando Angelina Jolie, Kate Moss e Jéssica

Alba só apareciam com os tais longos de te-

cidos leves. No Brasil, especialmente em Sal-

vador, as peças são excelente pedida para os

dias de sol. Elas são frescas e podem ser usa-

das com sandálias baixas. Aposte no branco,

amarelo, azul, flores, patchwork (sobreposi-

ção de estampas), listras e bolinhas. As bai-

xinhas devem tomar cuidado: vestidões tipo

cigana e de silhueta muito fluida podem dei-

xar a aparência deselegante. Muito c o nv i d a

para um passeio na parte de trás do Farol da

Barra com sua vista deslumbrante.

70Ve r ã oanos

Page 21: Revista Muito #34

23/11/2008 21SALVADOR DOMINGO

Brinco Divina VaidadeR$ 33

Vestido ABXContempo

R$ 358

Bolsa VeroR$ 547,90

Pulseira BonnieR$ 85

Sapato ABX ContempoR$ 138

Page 22: Revista Muito #34

26 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

ATA L H O CAFÉ ESCORIAL

Sofisticação caseira na Barra

Texto MARCOS DIAS [email protected] Foto REJANE CARNEIRO [email protected]

Há mais de 30 anos lidando com presentes finos, a lojista Elvira Perez sempre gostou de

cozinhar nos fins de semana e reunir amigos. Nascida na Galícia, mas criada no Brasil, os

amigos sugeriram que ela fizesse algo com seus dons culinários. Há três meses, abriu o Café

Escorial, ao lado da sua loja de presentes. E para quem acha que o normal seria ela se lançar

numa gastronomia cheia de fru-fru, o que surpreende é a sofisticação caseira do cardápio.

Para início de conversa, Elvira acha que hoje sabe fazer comida baiana melhor que a es-

panhola. Experimente a feijoada, a galinha ao molho pardo ou o sarapatel, e depois me

diga. Os pratos vão de R$9 a R$12 e, além disso, há, mingaus, sucos naturais e sanduíche

de pernil (R$4). À noitinha, sopas como a italiana, a de legumes ou canja. O filho Francisco,

que fica no atendimento, está sempre alerta. Mas, para tudo dar muito certo, o segredo

começa cedinho, quando a proprietária vai às compras e, com os produtos selec i o n a d os ,

a comida é feita diariamente. Alguns clientes andam profetizando que do jeito que as

coisas estão, com uma delícia após a outra, é possível que eles tenham que ampliar o

espaço do Café para a área da loja de presentes. A voz do povo... «

CAFÉ ESCORIAL:Alameda Antunes, 22,Barra (71 3267-2192),de segunda a sábado,das 7h30 às 20hD E S TA Q U E : Além dospratos do dia, elesservem chuleta e peitode frango grelhadosdiariamente, bemcomo umbuzada emingaus . Umahomenagem a umamigo de Francisco, deuorigem ao Bacalhau adom Marcelino, servidoàs terças. E para quemquiser fazer sua cenaainda mais caseira, elestêm serviço de entrega

Page 23: Revista Muito #34

23/11/2008 27SALVADOR DOMINGO

Page 24: Revista Muito #34

28 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

Fo m ede quê?

Texto KATHERINE FUNKE [email protected] REJANE CARNEIRO [email protected]

Mais nutritivos que os alimentosconvencionais, os orgânicos começama conquistar produtores e consumidores

Page 25: Revista Muito #34

23/11/2008 29SALVADOR DOMINGO

Passava das nove da manhã

quando chegamos ao Eco-

sítio Takenami. Vencemos

105 quilômetros de estrada

poeirenta até a área rural de

Mata de São João para co-

nhecer uma das maiores hortas orgânicas

da Região Metropolitana de Salvador. No

caminho, seguimos as raras e discretas pla-

cas que levavam ao Núcleo Colonial JK,

fundado durante o governo de Juscelino

Kubitschek (1951-1961), por uma parceria

entre o Japão e o Brasil.

A sede do sítio é apenas uma casa sim-

ples, com duas grandes mesas ao longo

das quais a família faz refeições, cálculos e

embalagens dos hortifruti.Tomohide Ta-

kenami, que também é secretário de Agri-

cultura de Mata de São João, aparece de

roupa social e celular na cintura.

Enquanto percorremos sua fazenda de

100 hectares, ele conta o motivo de traba-

lhar exclusivamente com produtos orgâni-

cos. Durante 30 anos, aquelas terras foram

tratadas com agrotóxicos e adubos quími-

cos. Segundo Tomohide, há fortes evidên-

cias de que seu pai, Tatsumi, tenha sido ví-

tima do hábito de aplicar os produtos sem

equipamentos de proteção. Tatsumi mor-

reu de câncer de fígado há 23 anos.

Nessa época, Tomohide morava em Sal-

vador e era um bem-sucedido gerente de

distribuição do grupo Paes Mendonça.

Mas, imbuído do compromisso pessoal de

mudar o rumo do agronegócio da família,

voltou a morar no sítio. Fez cursos em en-

tidades pioneiras em produção orgânica,

como o Instituto Agronômico de Campinas

(SP). Depois, teve de exercitar a paciência e

a criatividade para tornar o solo fértil de

maneira natural e conseguiu duas certifi-

cações de legitimidade de que tudo o que

produz é orgânico: da Associação Novo En-

canto e da Fundação Mokiti Okada.

Page 26: Revista Muito #34

30 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

Esses certificados envolvem o pagamento de taxas às entidades

e a profissionalização de diferentes fases da produção. Cada pro-

cesso precisa ser registrado e comprovado: do plantio à irrigação,

da adubação ao corte, dos registros trabalhistas aos tributários.

Produtos sem selo, por isso só devem ser comprados diretamente

e de fornecedores confiáveis.

Como secretário de Agricultura, Takemani tem repassado pes-

soalmente as técnicas de cultivo orgânico para os produtores do

município. Resultado: já existem outras 50 lavouras certificadas e

mais 150 à espera. “Agricultura orgânica é muito bom. Fica bem

mais fácil e barato para todos”, diz Masaiyuki Funaki, 41, um dos

produtores de hortaliças da região, descendente de japoneses.

Para Takenami, a satisfação em ganhar colegas no setor orgâ-

nico é cada vez maior. “Às vezes me perguntam se não tenho medo

de concorrência. Pelo contrário! A demanda por orgânicos está au-

mentando e não poderei atender a todos sozinho”, afirma. Além

disso, com mais produtores no local, diminui o custo a ser pago por

cada um pela certificação.

MERCADO EM EXPANSÃOA tendência do mercado baiano de orgânicos é justamente esta:

aumento do volume de vendas internas e para exportação. Con-

seqüentemente, o preço dos produtos poderá diminuir. Mas ainda

há trabalho duro a fazer – desde a organização dos consumidores

para evitar intermediários até o incentivo governamental à pro-

fissionalização de roças, granjas e pastos familiares.

“Queremos que o processo de comercialização direta ganhe es-

cala. Para isso, precisamos organizar os pequenos produtores. Já

estamos fazendo isso, em um projeto-piloto que o Ministério do

Desenvolvimento Agrário pode ampliar para o resto do País”, diz

Ailton Florêncio dos Santos, superintendente de agricultura fami-

liar da Secretaria de Agricultura do Estado (Seagri).

Na Bahia, 625 mil famílias vivem no campo e são potenciais

fornecedores orgânicos. Algumas delas já conquistam mercado

em outros países, como as que produzem cacau, laranja, umbu e

café. Para o consumo brasileiro, um destaque é o mel Flor Nativa,

produzido na Chapada Diamantina e vendido em Salvador, Bra-

sília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Os produtores do Flor Nativa já ganharam nove prêmios em

congressos estaduais e nacionais de apicultura, são remunerados

em dobro em relação ao mel convencional e podem exibir o selo do

Instituto Biodinâmico (IBD), uma das entidades certificadoras mais

antigas e mais rígidas do Brasil.

Pedro Constam, representante da associação de apicultores

que produz o Flor Nativa, diz que o desafio é atender às demandas

de um mercado cada vez mais crescente. Ele comemora a oficina de

produção orgânica que a Seagri está anunciando para dezembro,

assim como o apoio de entidades como o Sebrae, mas lamenta a

falta de união entre os produtores de todo o Estado.

“Diferente do Sul e Sudeste do Brasil, onde o movimento é forte

e organizado, na Bahia ainda não conseguimos nivelar e reunir os

produtores orgânicos em uma associação, o que seria fundamen-

tal para termos mais respaldo perante os órgãos e governos”, ana-

lisa o apicultor.

Também não há ainda organização do comércio de carne e ovos

certificados. Ovos caipiras baianos até são mais fáceis de encontrar.

Contudo, ovo caipira é diferente de orgânico.

João Paulo Guimarães, pesquisador da Embrapa Agrobiologia,

no Rio de Janeiro, esclarece que as galinhas caipiras são criadas

soltas, mas podem comer ração industrializada ou com ingredien-

tes transgênicos e receber antibióticos. Para serem chamadas de

orgânicas, elas precisam ser criadas sem químicos, de acordo com

as normas federais.

Funaki, de Mata de São João: “mais fácil e barato”

Page 27: Revista Muito #34

23/11/2008 31SALVADOR DOMINGO

Alimentos orgânicos contêmmais micronutrientes que osconvencionais: em média,65% mais cálcio, 73% maisferro, 118% mais magnésio,91% mais fósforo, 125% maispotássio e 60% mais zinco

Page 28: Revista Muito #34

32 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

NA SEIVAAssim como nas galinhas, nos vegetais,

hortaliças, leguminosas e frutas, a comple-

ta ausência de substâncias industriais tam-

bém é uma das principais vantagens frente

aos produtos convencionais.

Análises da Agência Nacional de Vigilân-

cia Sanitária (Anvisa), realizadas desde

2001, mostram que 42% dos tomates, mo-

rangos e alfaces brasileiros, em média,

chegam às nossas mesas com mais resí-

duos de agrotóxicos do que o permitido.

Pior: também apresentam produtos de

uso não-autorizado. São temperos invisí-

veis como metamifodós, monocrotofós,

endossulfam, difenocanazol, fenitrotiona,

procloraz, profenofós, metomil, lambda-

cialotrina, diclorvós e azinfós metílico.

De acordo com a Anvisa, o mesmo pro-

blema atinge, em proporções menores,

mamão, maçã, banana, batata, cenoura e

laranja. "E não adianta nada lavar, deixar

de molho ou tirar a casca. O químico tam-

bém está na seiva dos produtos", diz a mé-

dica sanitarista Idê Gurgel, pesquisadora

da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em

Pernambuco. "Algumas substâncias ficam

acumuladas no organismo por meses ou

anos, como os organoclorados".

De dermatites a câncer, as doenças cau-

sadas pelos produtos químicos aplicados

nos alimentos têm sido alvo de pesquisas

para precisar as relações de causa e efeito.

Pesquisa da Universidade de Edimburg, na

Escócia, registra uma redução gradual do

volume de espermatozóides em adultos,

humanos e animais, provocada por resí-

duos químicos nos alimentos e no meio

ambiente.

“Os agrotóxicos são agentes químicos

que determinam uma série de efeitos no-

civos para a saúde humana”, avisa Frede-

rico Peres, pesquisador da Escola Nacional

de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz

do Rio de Janeiro. O alerta serve especial-

mente para os trabalhadores rurais, que

precisariam usar macacão, máscara, pro-

tetor auricular, óculos e luvas para se pro-

teger do contato direto com os químicos.

“No Nordeste, é praticamente impossível

alguém usar todos esses equipamentos,

por causa do calor infernal”, lamenta a mé-

dica Idê Gurgel.

MAIS NUTRITIVOSSem agrotóxicos, adubos químicos e

outros defensivos artificiais, as hortas or-

gânicas retiram fertilidade do próprio solo,

enriquecido por ingredientes naturais co-

mo ossos triturados, fezes e urina de ani-

mais, palhas e folhas de plantas, pó-de-ro-

cha, torta de mamona e calcário. As pra-

gas, quando aparecem, são controladas

manualmente e com auxílio de extratos

naturais, como fumo.

Além disso, ao contrário da monocultu-

ra movida por agrotóxicos, nas proprieda-

des rurais de produção orgânica há a ne-

cessidade natural de variedade de espé-

cies. Cada uma contribui, à sua maneira,

para manter a fertilidade do solo e a imu-

nidade a pragas.

Fazendas que preservam mata nativa

têm solos ainda mais ricos. Na Agrossivil-

cutura São Cosme & Damião, em Ubaita-

ba, no Sul da Bahia, dois mil pés de jaca-

randá e outras espécies da mata atlântica

garantem fósforo e nitrogênio em níveis

ideais para o cultivo de cacau, palmito de

pupunha, cupuaçu, açaí, banana, acerola e

a b a ca x i .

Com esse tipo de adubo, os alimentos

orgânicos conseguem atingir graus nutri-

tivos incríveis. Uma pesquisa realizada em

Chicago e publicada no Journal of Applied

Nutrition, nos Estados Unidos, em 1993,

Joaquim e Monika, da Fazenda Oiti, em Morro do Chapéu: paixão e conhecimento

Page 29: Revista Muito #34

23/11/2008 33SALVADOR DOMINGO

Em média, 42% dotomate, morango e alfaceproduzidos no Brasilapresentam resíduos deagrotóxicos nãoautorizados ou acima dolimite, segundo a Anvisa

Page 30: Revista Muito #34

34 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

mostrou que os alimentos orgânicos possuem mais micronutrien-

tes do que os convencionais: em média, 65% mais cálcio, 73% mais

ferro, 118% mais magnésio, 91% mais fósforo, 125% mais potás-

sio e 60% mais zinco.

“Nas fazendas orgânicas, a terra tem naturalmente mais nu-

trientes e, assim, produz plantas mais medicinais”, diz o médico

baiano Fernando Hoisel, um divulgador da importância da alimen-

tação saudável para prevenir doenças. “Isso acontece porque o so-

lo é uma entidade viva: recebe e transmite energias”, explica o

geógrafo Joaquim Júlio de Oliveira, 70, doutor em geomorfologia

pela Sorbonne e dono de vasta biblioteca sobre o tema.

Junto com a esposa, Monika Krugmann de Oliveira, 66, Joa-

quim mantém há 12 anos a Fazenda Oiti, em Morro do Chapéu, na

Chapada Diamantina. Eles plantam flores comestíveis (como a ca-

puchinha e o amor-perfeito), hortaliças, ervas (algumas raras por

aqui, como sálvia e estragão), leguminosas e frutas.

A produção é escoada para restaurantes naturais, cozinhas de

hotéis e, sempre às quintas-feiras, venda direta para consumido-

res, que devem passar na residência do casal, próxima ao Parque

de Pituaçu. Apaixonados pelas descobertas dessa lida com a terra,

Joaquim e Monika afirmam que a melhor horta orgânica é aquela

que se pode criar no quintal.

“É preciso duas coisas, apenas: investir em conhecimento e nos

elementos necessários”, ensina Joaquim. Tomateiros, por exem-

plo, precisam de solo rico em cálcio — caso contrário, os frutos

ficam com fundo preto.

A LT E R N AT I VASSuzane Almeida, 50, proprietária da Pousada Candombá, no

Vale do Capão, município de Palmeiras, sabe reconhecer esses si-

nais das necessidades nutritivas das plantas. No empreendimento,

ela alimenta o restaurante, aberto para hóspedes e visitantes, com

a horta do próprio quintal. A plantação é variada, com oito espécies

de banana, todos os tipos de temperos imagináveis e ainda couve,

alface, cenoura e rabanete. “Praga? Não dá!”.

Mas como espaço e tempo para quintais são reduzidos na vida

da cidade, a alternativa mais barata para os interessados em pro-

dutos orgânicos é comprar direto com os produtores. O empre-

sário Alcides Valente, 55, sente cheiro de interior quando faz com-

pras na casa de Monika e Joaquim. Isso porque, em vez de ser anô-

nimo em um supermercado, Alcides tem nome, história e prefe-

rências reconhecidas pelos donos da Oiti. “Ele já sabe o que eu

gosto e separa para mim. Ficamos amigos e discutimos até pro-

jetos para nossos filhos”, conta Alcides.

Feirinhas, pontos de venda justa e serviços de entrega ofere-

cidos pelos próprios produtores são formas acessíveis de poder

provar os orgânicos. Outra opção é fazer compras coletivas, o que

reduz preços finais.

Foi o que fez a pedagoga Edlene Paim, 34. Há alguns anos, ela

juntou dez amigos para driblar os preços exorbitantes das delica-

tessens e formou uma cooperativa de consumidores. Edlene faz

parte do Umbigo, organização parceira do Instituto de Permacul-

tura que tem ajudado a escoar a produção orgânica dos municípios

Coração de Maria e Berimbau, próximo a Feira de Santana.

Por causa dessa mobilização, por exemplo, uma loja de produ-

Usina de biofertilizantes, orgulho de Tomohide Takenami

Page 31: Revista Muito #34

23/11/2008 35SALVADOR DOMINGO

O Brasil é o quartomaior consumidorde agrotóxicos domundo segundo aFAO, órgão da ONUpara alimentação

Page 32: Revista Muito #34

36 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

tos naturais próxima à primeira portaria de

Villas do Atlântico começou a vender hor-

tifruti orgânicos todas as sextas-feiras.

“Nossa intenção é tirar do processo a figura

dos atravessadores”, explica.

Iniciativas do tipo são comemoradas pe-

los produtores. Marc Nüscheler, membro

de uma cooperativa do Sul da Bahia (Ca-

bruca), diz que vender por meio de super-

mercados grandes não é financeiramente

vantajoso para quem trabalha com orgâ-

nicos. “Então, nós vendemos para expor-

tação e para a Natura, que faz a linha Ekos

Cacau”, afirma.

C O N SC I Ê N C I AO tamanho do mercado brasileiro de or-

gânicos ainda não foi mensurado pelo go-

verno, mas todos são unânimes quanto à

sua tendência de expansão. Contudo, o en-

genheiro agrônomo Rogério Dias, coorde-

nador de agroecologia do Ministério da

Agricultura, explica que a conversão para o

orgânico não significa ainda grandes lu-

cros porque compete com um mercado

ainda muito maior.

Um dos desafios é convencer o maior

número de consumidores de que determi-

nados produtos naturalmente não estarão

disponíveis em alguns períodos do ano.

Quando são cultivados com agrotóxicos e

defensivos, é possível encontrá-los o ano

inteiro; mas no método orgânico, deve-se

seguir as leis da natureza.

Além disso, com a implantação do selo

único, criado pelo governo federal, os pro-

dutores terão de seguir um conjunto de re-

gras ainda mais rígidas até o final de 2009.

Assim, a opção pelo orgânico é só para

quem realmente gosta de pensar que pro-

porciona uma vida mais saudável aos tra-

balhadores e às pessoas que irão saborear

os alimentos.

“Nossa maior satisfação não é econômi-

ca. Acredito na alimentação natural como

forma de prevenir doenças ”, diz a soció-

loga Arlene Andrade Guimarães, 46, da

São Cosme & Damião, que, em Salvador,

faz entregas em domicílio.

“Nós não queremos crescer muito o

nosso negócio, mas manter a qualidade de

tudo o que fazemos, em cada detalhe”.

No Eco-sítio Takenami, o pensamento é

parecido: o crescimento do negócio deve

vir como conseqüência da qualidade da

produção. Tsuneyo, 76, a mãe de Tomohi-

de, não esconde a alegria de ver a história

da família reescrita pelo método natural de

cultivo, como numa volta ao passado.

No Japão, ela trabalhava em roças or-

gânicas de arroz e trigo, em uma cidade

próxima a Nagasaki. Agora, em Mata de

São João, Tsuneyo tem um pequeno jar-

dim de flores, cheio de rosas e calêndulas,

perto do qual fecha os olhos, em agrade-

cimento, pouco antes das refeições. «

Em pleno Vale do Capão, é o quintal que abastece a pousada de Suzane Almeida

MAPA DOS ORGÂNICOS EM SALVADORFEIRAS/PONTOS DE VENDASegundas e quintas, no Grão de Arroz (Pituba eBarris)Quartas, das 6 às 10h30, em frente ao restauranteA Saúde na Panela (Pituba), para cítricos e raízes.Quintas, próximo ao Parque de Pituaçu, produtosda Fazenda Oiti (71 3232 6025).Quintas, das 4 às 11h, no Parque da Cidade.Sextas, na Natural Villas (71 3379 0109), Villas doAt l â n t i c o.Sábado s, das 7 às 9h, no pé da Ladeira da BarraSábado s, das 8 às 15h, e domingos, das 8 às 11h,no Botica da Vovó (71 3345 5572, entregas),Pituba.Domingos, quinzenalmente, no Parque de Pituaçu

SERVIÇO DE ENTREGAFazenda São Cosme & Damião71 8114 7374Eco-sítio Takenami w w w. e c os i t i o. c o m . b rGrão de Arroz (Pituba) 71 3248 9535 »

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Page 33: Revista Muito #34

23/11/2008 37SALVADOR DOMINGO

Pesquisadores da EscolaNacional de Saúde Públicaapontam que, se adotada portodos os produtores, aagricultura orgânica seria capazde alimentar 40 planetas

Page 34: Revista Muito #34

38 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

ONDE ENCONTRAR1, 4 e 6: Gift Express (www.giftexpress.com.br)| 2: King Market (71 3878–1270)| 3: Submarino (submarino.com. br)| 5: Xarmonix ( 71 3443–2979)

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Page 35: Revista Muito #34

23/11/2008 39SALVADOR DOMINGO

Page 36: Revista Muito #34

40 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

Os eleitosTexto NADJA VLADI [email protected] Foto REJANE CARNEIRO [email protected]

O 15º Salão de Arte da Bahia do MAM, que abre no dia 19 de dezembro, teve 40 artistas selecionados. Muito

reuniu os 12 baianos escolhidos no antigo casarão do Solar do Unhão para mostrar a cara dos eleitos. O número

maior em relação à última edição é, na opinião de Solange Farkas, diretora do museu, o resultado de uma pro-

dução mais articulada e de um amadurecimento no uso dos suportes e das proposições artísticas. “Está acon-

tecendo uma reapropriação da fotografia pelos artistas visuais, e é isso que caracteriza boa parte dos trabalhos

selecionados. Você vê claramente uma conexão com o que está acontecendo no mundo”. «

ANA PAULAP E S S OAO b ra : Sem títuloCa t e g o r i a : Vídeo

RENER RAMAO b ra : 17 anos, 2meses e 10 diasCategoria: Vídeo

LIANE HECKERTO b ra :I n s u s t e n t á ve lCa t e g o r i a :Fo t o i n s t a l a ç ã o

ANGÉLICA BORGESO b ra : R h i z o p h o raMangleCa t e g o r i a :Instalação

NICOLAS SOARESO b ra : I n s u s t e n t á ve lCa t e g o r i a :Fo t o i n s t a l a ç ã o

A DA L B E R T OA LV E SO b ra :MalabaristasCa t e g o r i a :Desenho

Page 37: Revista Muito #34

23/11/2008 41SALVADOR DOMINGO

JÔ FÉLIX(COLETIVO TRÍPTICO)O b ra : RizomaCategoria: Inter vençãoe fotografia

FÁBIO MAGALHÃESO b ra : Involucro I, IIe IIICa t e g o r i a : P i n t u ra

VINÍCIUS SAO b ra : O b j e t osÓpticos 2Ca t e g o r i a :Instalação

ZÉ DE ROCHAObra: R i s os

Categoria: D e s e n h oscom carvão

DANIEL LISBOAO b ra : P r o c e s s osFoscos ReluzentesCa t e g o r i a :Videoinstalação

PÉRICLES MENDES(COLETIVO TRÍPTICO)Obra: RizomaCa t e g o r i a :Videoinstalação

VLADIMIR OLIVEIRA(COLETIVO TRÍPTICO)Obra: RizomaCa t e g o r i a :Intervenção ef o t o g ra f i a

R AC H E LM AS C A R E N H AS

O b ra : Sem títuloCategoria: Vídeo

VALÉRIA SIMÕESO b ra : Parabrisa cultCa t e g o r i a : Fo t o g ra f i a*Valéria faltou, masmandou a foto

» LEIA ENTREVISTA COM SOLANGE FARKASEM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO

Page 38: Revista Muito #34

42 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

Beleza quese comeTexto TATIANA MENDONÇA [email protected] REJANE CARNEIRO [email protected]

Saborosas obras de arte, eles sãoindispensáveis em qualquercomemoração e levam a assinaturade sofisticados cake designers

Quem quiser ter um bolo

assinado pela cake desig-

ner Ivana Simões terá

que esperar. A agenda

dela, acreditem, está

cheia até março do ano

que vem. Ivana era dentista e largou o con-

sultório para cuidar dos filhos. Começou fa-

zendo “bolinhos” para as festas de aniver-

sário deles. Depois, para parentes, ami-

gos, amigos de amigos, até se tornar a pre-

ferida entre as celebridades baianas (fez o

bolo de casamento da cantora Cláudia Leit-

te). A carreira já dura mais de 20 anos.

É segunda-feira e mais de dez bolos re-

pousam no ateliê de Ivana. Eles não vão

para as festas. Na verdade, já voltaram. A

parte de baixo está cortada e coberta por

um guardanapo; o resto está intacto. São

bolos cenográficos. Lindos de morrer, mas

de isopor. Menos a parte que a noiva corta

para fazer cena e tirar fotografia.

GAST R ÔBOLOS DE

F E STA

Page 39: Revista Muito #34

23/11/2008 43SALVADOR DOMINGO

O bolo de verdade sai de algum subter-

râneo e já chega cortado para os convida-

dos. E esse, sim, ela garante, é gostoso.

Porque essa história de que bolo de festa é

bonito, mas ninguém suporta comer, não

está com nada.

Na casa de Ana Laura Lacerda é assim

desde que ela se entende por gente. Bonito

e gostoso. Ela cresceu rodeada por um

cheirinho onipresente de bolo. A avó, Cân-

dida, e a mãe, Maria Lúcia, também estão

no ofício há quem sabe quantos anos.

Vai buscar os álbuns para mostrar, em

preto e branco, bolos em forma de carro,

do Cine Jandaia e até do Elevador Lacerda;

todos de açúcar. Uma das fotos dá uma pis-

ta de quando a história começou: um bolo

em forma de livro comemora a chegada da

cegonha em 1931.

Na lista de clientes antigos e famosos,

governadores e donos de grandes empre-

sas. "Esse laço aqui, sabe como minha avó

fazia? Modelava na garrafa de leite que o

Bolos de

c a s a m e n t o,

assinados por

Ivana Simões. Ao

lado, bolo para

festa infantil, de

Denise da Silva

moço vinha entregar em casa. E deixava secando ao sol. Hoje o

pessoal faz com papel manteiga; é mais fácil". E o bolo de noiva?

"Tinha sete fitas. A depender da que você pegasse casava logo, ou

ficava para titia".

A PASTAHoje está tudo mudado. “Para cobrir, é só colocar a pasta ame-

ricana e pronto”. Mas e o gosto? “Parece chiclete, prefiro não usar”.

As coberturas variam, mas Ana Laura geralmente usa clara de ovo,

açúcar e limão. Para crianças, a glace é uma mistura de manteiga

e leite condensado. Papel de arroz é outra heresia que ela dispen-

sa. "O gosto é muito ruim".

Ivana também não gosta do sabor da pasta, mas diz que ela é

indispensável para a decoração, por oferecer muitas possibilida-

des. “Mas prefiro cobrir os bolos também com a glace mármore,

para dar um gostinho de limão”.

Telma Salgueiro (no cartão de visitas, Telma Bolos) explica que

a pasta americana é uma mistura de açúcar, gelatina, glucose, CMC

e essência. “É a melhor para cobrir bolo e dá para guardar na ge-

ladeira por até dois meses”. Ela fechou uma lojinha de artesanato

para fazer bolos. O primeiro foi para o casamento da filha, numa

história que já dura nove anos. Acabou juntando as duas coisas. Os

bolos feitos por ela custam entre R$ 80 e R$ 1.000.

Page 40: Revista Muito #34

44 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

Telma tem clientes que já se fiam tanto

nela que nem ligam com antecedência pa-

ra agendar as encomendas. “Outro dia

uma me ligou, dizendo que o aniversário

dela estava chegando, se eu já tinha feito o

bolo (risos). Tenho que guardar as datas na

agenda. É isso o ano todo”, conta.

Ela faz questão de que os bolo que pro-

duz sejam úmidos (molha com calda de

açúcar) e cheios de recheio (três em dois

bolos). Para assar, diz que manter o forno

médio é o ideal.

Já Ana Laura sugere deixar o forno na

temperatura máxima uns 10 minutos an-

tes de assar e, depois, diminuir um pouqui-

nho. “Bolo é para ser assado igual a sequi-

lho. Aí, ele fica fofinho e crocante".

Ana Laura Lacerda e um bolo infantil

feito especialmente para Muito

SEM VACAS MAGRASIvana tem quatro funcionárias e, de

quarta a domingo, entrega cerca de oito

bolos. “Para quem trabalha com isso não

tem vacas magras. Só em agosto sinto uma

ligeira baixa”. Ela faz parte da ICES, maior

associação de designers de bolos do mun-

do, e diz que a principal diferença entre os

bolos de festa e os de doceria é que os das

lojas são mais úmidos. Seus bolos custam

entre R$ 200 e R$ 2.000.

Não chove tanto na horta de Ana Laura,

que passou a fazer também docinhos e sal-

gados e está se especializando em bolos

para crianças. “Tem épocas, em julho e de-

zembro, que já tive até que recusar pedi-

dos. Hoje faço um, dois, por semana”.

Page 41: Revista Muito #34

23/11/2008 45SALVADOR DOMINGO

Para fazer um bolo grande e decorado,

ela leva geralmente uma manhã inteira.

"Não tenho pressa". Os bolos custam entre

R$ 100 e R$ 150.

EM FAMÍLIAA impressão é que Denise da Silva e as

duas filhas, Deise e Graziela, têm que se re-

vezar com os bolos que fazem para caber

na cozinha. Um monte de formas de varia-

dos tamanhos se espalha pelo fogão e pe-

los armários num exíguo espaço.

Denise foi incentivada por uma amiga e

tomou coragem para vender bolos há vinte

anos. As meninas foram se tornando aju-

dantes. Até a filha que foi morar na Itália

virou boleira.

Os bolos vão para casamentos, aniver-

sários, 15 anos, bodas de ouro. Custam a

partir de R$ 80 e o mais caro, o de casa-

mento, sai por R$ 500. A massa é o “branco

comum”. Ela diz que sempre usa margari-

na em vez de manteiga e que o leite de coco

“não pode ser qualquer um”.

O recheio é de creme com ameixa e a

cobertura de glace mármore. Isso é o bá-

sico, mas se a pessoa quiser pedir de outros

tipos, claro que pode. Para os de casamen-

to, o recheio costuma ser de nozes. “Mas a

gente faz só bolo verdadeiro. Bolo falso, de

isopor, não”, diz Graziela. Para fazer e con-

feitar são dois dias inteiros.

E mesmo fazendo bolo diariamente,

elas juram que ainda agüentam comer.

Outro dia deu preguiça e compraram um

pronto, de caixa (veja só), mas não é que o

bolo solou? Pois. “A gente nunca tinha so-

lado um bolo antes, só o de caixa”, diz Dei-

se, e todas riem.

De cada bolo que sai da cozinha aper-

tadinha, vem mais dois ou três clientes, tu-

do no boca-a-boca – no caso, literalmente.

No sábado, quando foram feitas as fotos

desta reportagem, elas já tinham sete para

entregar. «

Ao lado, o Cine Jandaia. Acima,

um carro antigo: fotos dos bolos

decorados por Cândida Lacerda

ONDE ENCOMENDARAna Laura Lacerda 3241-1953. Telma RitaS algueiro 3305-2819. Ivana Simões3235-4709. Denise da Silva 33 4 1 - 0 3 1 2 »

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46 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

SAT É L I T E SALAR DE UYUNI BOLÍVIA

O incrível desertode sal da Bolívia

Texto e foto LAIS MENDES [email protected]

DESERTO DE SAL:A viagem peloSalar de Uyun, naBolívia, dura trêsdias e sai porR$ 300, o queinclui ahospedagem, otransporte e aalimentação

Lais Mendes

estuda

comunicação

na Ufba

Ao chegar à entrada do Salar de Uyuni, localizado no sudoeste da

Bolívia, a sensação que se tem é de estar às portas do paraíso. A

luminosidade ofuscante do Sol (óculos escuros é peça obrigatória)

e o azul intenso do céu combinam perfeitamente com a grandeza

do maior deserto de sal do planeta. Em meio a essa imensa planície

branca, surge no horizonte a Inca Huasi, ou Casa dos Incas, uma

ilha repleta de cactos milenares que chegam a atingir 12 metros de

altura. Durante o passeio, é possível conhecer também um hotel

feito de sal, caminhar sob lagoas congeladas, tomar banho nas

termas e observar de perto animais como vicunhas e lhamas.

A visita ao Salar costuma ser realizada

em um tour de três dias, que pode sair des-

de a cidade de São Pedro de Atacama (Chi-

le) ou de Uyuni (Bolívia) e custa, em média,

R$ 300, que inclui transporte, alimentação

e hospedagem. A viagem, em um veículo

4X4, exige espírito aventureiro e preparo

físico dos viajantes. A depender da época

do ano, o frio pode ser intenso durante a

noite e, no decorrer da viagem, a altitude

passa de 2.500 para 4.800 metros em pou-

cas horas. O destino que inspirou obras de

Salvador Dalí é garantia de paisagens es-

tonteantes e quase intocadas que ficarão

gravadas pra sempre na memória. « » S

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23/11/2008 47SALVADOR DOMINGO

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48 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

ORELHA GUSTAVO RIOS

Na cozinhado escritor

Texto KÁTIA BORGES [email protected] REJANE CARNEIRO [email protected]

Baiano de Salvador, 34 anos, Gustavo Rios publicou O amor éuma coisa feia em 2007, pela coleção Rocinante da 7 Letras.Participa do grupo Corte, que promove recitais multimídia nacidade, escreve em blogs e prepara um novo livro de contos

LIVRO PUBLICADO: O amor é uma coisa feia (7 Letras, 2007)

O amor é uma coisa feia? De onde veio

esse título? O amor é feio sim. Não tem

nada a ver com as babaquices das no-

velas. Nem com essa perfeição esdrúxula

e mal-arranjada que insistem em nos

mostrar. E o título veio de uma música,

uma pancada de poucos acordes que

acabei escutando num momento inte-

ressante da vida. Você é escritor e co-

zinheiro. E alguns de seus contos são

ambientados em cozinhas. Diz aí, como

a culinária entrou em sua vida? Nem

bem a culinária, mas foi a cozinha que

entrou. E foi pela porta dos fundos. É de

onde temos uma visão privilegiada do

mundo, acredite. Depois, as coisas fi-

caram diferentes. E como a literatura

atravessou a culinária? Foi a cozinha, o

mundo da cozinha. Porém digo e repito:

escrever é sempre maior que tudo. Sem-

pre foi e sempre será. O resto é adorno.

Uma tempera a outra ou a combinação é

forte? A combinação é forte. Por vezes,

amarga e indigesta para quem não tem

coragem. É impressão ou tem um Ke-

rouac forte na sua prosa? Não tem não.

Apesar do desejo de ser Kerouac ou

Henry Miller. Ou até mesmo o genial

Hermilo Borba Filho. Sei que, no fundo,

não passo de um cara de bairro. Con-

sidero o que escrevo bastante simplório

quando penso nesses caras. Gosto es-

pecialmente dos textos com o chef de

cozinha, publicados no Cozinha do Cão,

seu blog. É um alter ego? Não, sou eu.

Ali estava sem reservas e bastante ex-

posto. Era estranho. Apaguei tudo. Onde

a poesia entra nesse caldeirão? Ela já

estava lá. Nos fanzines que li, nos livros

do Leminski e do Miller; estava lá quan-

do nasci, talvez, ou quando entrei no

primeiro sebo e saquei uma foto do

Morrison na parede. Estava lá bem antes

dos tais adornos de que falei. « » M

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Page 45: Revista Muito #34

23/11/2008 49SALVADOR DOMINGO

TRILHAS ANINHA [email protected]

«Não era apenas uma mudança deperíodo, era uma outra cidade»

Já é verão naCidade da Baía

De que é feito um verão? De muito sol, pra

começar, um Sol que nasce e se põe com

intensidade total, ao contrário do Sol das

outras estações. Li de uma escritora, nos anos 70,

que o operador do Sol do terceiro-mundo era es-

tagiário e que, por isso, o controle deixava a dese-

jar, mas, depois que passei um verão em Madrid, 40

graus à sombra, acho que o operador do Sol é um

só, está trabalhando desde o Big Bang, não fez dis-

cípulos e já devia estar aposentado. Não sei se os

dias de verão ainda são mais longos que as noites,

como aprendi na escola, estamos pós-estrago da

camada de ozônio, pós-extinção de milhares de es-

pécies da fauna e da flora, no auge da mimosa pas-

sagem do homem-sabido pelo planeta, sinônimo

de que qualquer verdade absoluta pode ser um

boato da Quem ou da Amiga, espalhado na ilha de

Ca ra s depois de uma rodada de prosecco. Há 30

anos, eu esperava a chegada do verão como os pri-

sioneiros aguardam a soltura, marcando os dias na

folhinha. E quando ele chegava com seu figurino

brilhante e calorento, e a cidade se enchia de gente,

os preços do coco e do acarajé disparavam, as fes-

tas-de-largo se sucediam, as lavagens se multipli-

cavam, não era apenas mudança de período, era

uma outra Cidade. Era a Baía que nenhuma estação

consegue representar com tanta sinceridade.

Dentro dessa Baía, de todos-os-santos, ex-

plodia a santidade do Carnaval dos anos se-

tenta, que o poeta Torquato Neto nomeou

de a grande zorra, uma espécie de ilha do outro lado

do continente, onde uma ditadura insuportável-

mente burra e chata proibia Picasso, Sófocles, Marx

e Kubrick. O Carnaval liberava todos. E tudo. Com

uma trilha sonora inesquecível, composta por Cae-

tano Veloso, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Walti-

nho Queiroz, cantando a cidade, a dor, o prazer e a

própria festa. “Atrás do trio elétrico só não vai quem

já morreu. Deixa sangrar, deixa o Carnaval passar.

Meta o cotovelo e vá abrindo caminho, pegue no

meu cabelo pra não se perder e terminar sozinho...

Quem tem cara tem medo, quem tem medo tem

cura, essa história de medo é caretice pura. Pombo

correio, o mundo voa, mas me traga uma notícia

boa. Vestida de mortalha da cabeça até o pé e a bo-

ca lambuzada de acarajé". «

Page 46: Revista Muito #34

50 SALVADOR DOMINGO 2 3 / 1 1 / 20 0 8

PAREDE CHRISTIAN [email protected]

Nesta última imagem na seção Parede,Christian apresenta um de seus trabalhosmais fortes: a religiosidade no Haiti, ilhacaribenha que tem como principal religiãoo vodu. O fotógrafo capta a força da fé nofeixe de luz que ilumina a fiel e sua vela. «

» MUITO MAIS IMAGENS PARA VER, USAR EMSEU BLOG E INFORMAÇÕES SOBRE COMOPARTICIPAR EM ATARDE.COM.BR/MUITO

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23/11/2008 51SALVADOR DOMINGO

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