sobre a arte de estudar - olavo de carvalho

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Sapientiam Autem Non Vincit Malitia www.seminariodefilosofia.org  Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser re produzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio, sem a permissão expressa do autor.  1  Sobre a Arte de Estudar Curso intensivo por OLAVO DE C  ARVALHO Instituto Cultural Brasil-Alemanha, Salvador BA, 9-11 de novembro de 1995  COLEÇÃO DE TEXTOS  A UXILIARES 1 ORGANIZAÇÃO DOS ESTUDOS. CONDIÇÕES PRÉVI AS 1. Antes de planejar o que quer que seja   Todo e qualquer plano é constituído basicamente de quatro coisas: a) uma descrição do objetivo; b) conhecimento e posse de um conjunto de meios; c) escalonamento cronológico dos atos; d) controle do estado das coisas em cada etapa. Esses quatro itens, por sua vez, dependem de um criterioso conhecimento do terreno onde vai se desenrolar a execução do plano. Começaremos, portanto, pela discussão do terreno, e procederemos mediante comparação com outros terrenos onde outras pessoas conceberam e levaram a cabo planos semelhantes.  Vamos citar alguns exemplos. No seu livro Como se Faz uma Tese , Umberto Eco enuncia uma série de regras para a organização dos estudos tendo em vista que o aluno tenha por objetivo tornar-se um intelectual de profissão no quadro dos estudos humanísticos da universidade européia e mais particularmente italiana. O terreno escolhido delimita claramente o objetivo, os meios, o cronograma e as formas de controle. É claro que uma parte das técnicas sugeridas pelo autor se aplica com utilidade em outros contextos, podendo servir a um estudante universitário brasileiro ou mesmo a um pesquisador independente fora do quadro universitário; também é claro que grande parte das sugestões indicadas se transforma, neste último caso, em sobrecarga inútil, e que o pesquisador independente encontraria outros problemas, para os quais o livro dirigido ao universitário italiano não oferece solução. Um outro livro muito conhecido é  A Arte de Ler , de Mortimer J. Adler. Ele se dirige essencialmente ao homem comum, ao comerciante, ao trabalhador, ao pai de família, dotado de boa formação ginasial, de um conhecimento suficiente da língua inglesa, mas profissionalmente alheio à ocupação intelectual. Suas técnicas destinam-se a fornecer a este homem os meios de posicionar-se no quadro das idéias e valores cujo intercâmbio e conflito constituem a trama básica da cultura Ocidental, e fazê-lo num prazo razoavelmente curto, quatro ou cinco anos. O ideal é fazer do cidadão comum um observador consciente desse teatro das idéias, não propriamente um participante ativo.  Ambos esses livros pressupõem um quadro social estável e perfeitamen te definido, no qual a função intelectual ocupa um lugar bastante claro. Se as universidades italianas estivessem em fase de experiência e mudassem de programa e de exigências curriculares todo ano, ou se a sociedade americana estivesse num estado de crise permanente que dissolvesse o quadro de estabilidade que garante os lazeres e o equilíbrio psicológico da classe média, nem Umberto Eco

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  • 5/25/2018 Sobre a Arte de Estudar - Olavo de Carvalho

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    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, arquivada outransmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio, sem a permisso expressa do autor.

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    Sobre a Arte de Estudar

    Curso intensivo porOLAVO DE CARVALHO

    Instituto Cultural Brasil-Alemanha, Salvador BA, 9-11 de novembro de 1995

    COLEO DE TEXTOSAUXILIARES

    1

    ORGANIZAO DOS ESTUDOS. CONDIES PRVIAS

    1.Antes de planejar o que quer que seja

    Todo e qualquer plano constitudo basicamente de quatro coisas:

    a) uma descrio do objetivo;b) conhecimento e posse de um conjunto de meios;c) escalonamento cronolgico dos atos;d) controle do estado das coisas em cada etapa.

    Esses quatro itens, por sua vez, dependem de um criterioso conhecimento do terrenoonde vai se desenrolar a execuo do plano. Comearemos, portanto, pela discusso do terreno, eprocederemos mediante comparao com outros terrenos onde outras pessoas conceberam elevaram a cabo planos semelhantes.

    Vamos citar alguns exemplos. No seu livro Como se Faz uma Tese, Umberto Eco enuncia

    uma srie de regras para a organizao dos estudos tendo em vista que o aluno tenha por objetivotornar-se um intelectual de profisso no quadro dos estudos humansticos da universidadeeuropia e mais particularmente italiana. O terreno escolhido delimita claramente o objetivo, osmeios, o cronograma e as formas de controle. claro que uma parte das tcnicas sugeridas peloautor se aplica com utilidade em outros contextos, podendo servir a um estudante universitriobrasileiro ou mesmo a um pesquisador independente fora do quadro universitrio; tambm claro que grande parte das sugestes indicadas se transforma, neste ltimo caso, em sobrecargaintil, e que o pesquisador independente encontraria outros problemas, para os quais o livrodirigido ao universitrio italiano no oferece soluo.

    Um outro livro muito conhecido A Arte de Ler, de Mortimer J. Adler. Ele se dirigeessencialmente ao homem comum, ao comerciante, ao trabalhador, ao pai de famlia, dotado deboa formao ginasial, de um conhecimento suficiente da lngua inglesa, mas profissionalmente

    alheio ocupao intelectual. Suas tcnicas destinam-se a fornecer a este homem os meios deposicionar-se no quadro das idias e valores cujo intercmbio e conflito constituem a tramabsica da cultura Ocidental, e faz-lo num prazo razoavelmente curto, quatro ou cinco anos. Oideal fazer do cidado comum um observador consciente desse teatro das idias, nopropriamente um participante ativo.

    Ambos esses livros pressupem um quadro social estvel e perfeitamente definido, noqual a funo intelectual ocupa um lugar bastante claro. Se as universidades italianas estivessemem fase de experincia e mudassem de programa e de exigncias curriculares todo ano, ou se asociedade americana estivesse num estado de crise permanente que dissolvesse o quadro deestabilidade que garante os lazeres e o equilbrio psicolgico da classe mdia, nem Umberto Eco

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    poderia descrever com tanta facilidade os caminhos que levam ao sucesso acadmico, nem Adlerconseguiria com tanta desenvoltura comunicar ao cidado americano uma imagem de conjuntoda cultura do Ocidente.

    Os quadros sociais crticos e turvos embaralham os dados necessrios compreenso doterreno, delimitao da nossa posio nele e concepo do plano. No quadro brasileiro, adescrio dos meios e etapas para uma formao intelectual no podem de maneira alguma

    resumir-se nem nas receitas de sucesso acadmico de Umberto Eco, nem no otimismohumanstico da idia de cultura geral( pressuposta por Adler. O problema, para ns, enormemente mais complexo. Temos de levar em conta alguns fatos que intimidariam o maisarrogante dos acadmicos europeus e fariam desanimar o mais confiante dos americanos.

    Dentre esses fatos, o mais desanimador a enorme complexidade da gramticaportugusa e o estado presente da nossa lngua, que, em parte pelas deficincias do ensino, emparte pelo impacto massacrante da linguagem padronizada das comunicaes de massa, em partepela penetrao dissolvente de um nmero excessivo de grias de curta durao ( provenientessobretudo da disseminao de estados psicticos induzidos pela experincia das drogas ), emparte, afinal, pela cumplicidade demaggica dos prprios escritores, ansiosos de popularizar( fora sua linguagem, chegou ao ponto de perder toda eficincia enquanto veculo decomunicao de idias e de tornar-se apenas um cacarejo vagamente impressionista.

    Como j apontamos numa aula anterior, a maior parte das leituras cultas da nossajuventude constituda de tradues, e a traduo, no Brasil, o quartel-general da inpcia. Aregra urea do menor esforo produz adaptaes foradas da nossa lngua s sintaxesestrangeiras, implantando nos nossos hbitos subconscientes toda uma esquematologia artificial edespropositada, que vai aos poucos entravando a nossa agilidade mental. Isso ainda mais graveporque a maior parte das tradues feita do ingls, e a lngua inglesa tem, por um lado, umaestrutura sinttica muito simples e, por outro, um vocabulrio imenso e uma potencialidadeinfindvel para a criao de compostos, de expresses idiomticas e de adaptaes de palavrasestrangeiras ( sendo ela mesma o resultado da fuso de duas lnguas completamente diferentesentre si e no, como a nossa, uma herana mais ou menos direta do latim ). A nossa lgua, aocontrrio, tende, como o latim, a uma sintaxe mais puramente geomtrica e a uma severidademaior perante a assimilao de termos estrangeiros. Se o ingls tende s expresses abreviadas e

    sintticas, sendo, por isto, a lngua por excelncia da poesia lrica, somente de longe rivalizadapelo alemo, a nossa, ao contrrio, uma lngua de distines sutilissmas, onde o deslocamentode uma vrgula produz as maiores dubiedades, e que, por isto, requer construes mais detalhadase propicia um extremo rigor de argumentao dialtica; , como o latim, uma lngua de juristas etelogos, e da que as nossas expresses lricas tendam frequentemente a refrear-se pela ironia,quando no podem disciplinar-se pelas rgidas leis da mtrica clssica. No toa que os nossospoetas mais eminentes Drummond, Bandeira, Murillo Mendes, Mrio Quintana so todossentimentais irnicos, e que os poetas puramente sentimentais e intimistas so geralmente desegunda ordem, ao contrrio do que se d na literatura inglesa e alem.

    Esses fatos so por demais evidentes, e a ampla inconscincia deles nos nossos meiosletrados tem produzido os mais desastrosos efeitos, agravados pela nossa condio de culturaimitativa.

    Em qualquer traduo, fcil ver que, onde o ingls escreve duas linhas, o brasileiro ouportugus tem de escrever trs ou quatro, para prevenir as dubiedades. A tentativa de copiar osintetismo ingls produz apenas uma aparncia enganosa de simplicidade, que faz o leitor, a longoprazo, acostumar-se a uma taxa anormal de dubiedades entrevistas e no esclarecidas. Isto acabapor formar no subconsciente do leitor brasileiro uma massa de obscuridades, cuja presenaestorvante, no fim, lhe parece to natural quanto a dificuldade de respirar se torna um hbitonatural para o asmtico de nascena. Ele se acostumou a entender pouco, e no lhe ocorre quepoderia entender melhor. Um exemplo colhido a esmo:

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    Pedro, bispo de Alexandria, propusera punies suaves para crentes que haviamrealizado sacrifcios em altares pagos, fixadas de acordo com o fato de terem sido elesameaados com a morte, a tortura ou apenas com a priso. Quando Pedro levou adiante seuprograma de ao, o bispo de Licpolis, Melito, e seus seguidores recusaram-se acolaborar.( ( Steven Runciman,A Teocracia Bizantina, trad. brasileira, Rio, Zahar, 1978, p. 17 )

    Neste curto pargrafo de uma traduo, o leitor pode deslizar por cima da aparente

    facilidade anglo-saxnica de elocuo, sem dar-se conta de que ele no nos informa:a) Se Melito no concordou com as punies ou com a suavidade delas, o que

    exatamente o contrrio;b) Se Pedro optou pela suavidade das punies tendo em vista que os traidores s haviam

    trado sob ameaa, de morte ou se, ao contrrio, julgou dever punir tendo em vista que asameaas, graves nuns casos, eram, em outros, demasiado leves para poderem servir de escusapara a traio, j que alguns traidores tinham sido ameaados apenas com a priso.

    Em suma, ele no nos informa absolutamente nada, e o leitor segue em frente sem dar-seconta da dose anormal de dubiedade que acaba de engolir, e que terminar por tornar-se um

    vcio. Se o leitor mais tarde vira escritor, ele vai escrever exatamente assim.Vejamos agora como o pargrafo ficaria enormemente mais claro se, ao invs de

    seguirmos servilmente a fluncia inglesa, a escandssemos com a rigorosa pontuao portugusa,

    e com as devidas interpolaes exigidas pelo detalhismo congnito da nossa lngua:Pedro, bispo de Alexandria, propusera punies suaves para crentes que haviam

    realizado sacrifcios em altares pagos, fixadas de acordo com o fato de eles terem sidoameaados com morte, tortura ou priso simples.

    Ou ento, melhor ainda:Pedro, bispo de Alexandria, propusera punies para crentes que haviam realizado

    sacrifcios em altares pagos, fixando-as suaves pelo fato de terem eles agido sob ameaa demorte, tortura ou priso simples.

    Na mesma medida em que o portugus, como o latim, uma lngua de preciso, umalngua de disputas dialticas e jurdicas, nesta mesma medida uma lngua onde o descuido naconstruo da frase produz inevitavelmente a dubiedade, da qual se escapa em ingls pelo fato de

    que a simplicidade de sintaxe, e o grande nmero de palavras curtas, atraem a ateno do leitormais para a forma da frase como um todo do que para as distintas relaes entre termos isoladosde uma mesma frase, exatamente ao contrrio do que acontece no portugus. Da o famosoargumento do gramtico Napoleo Mendes de Almeida, de que no se pode escrever bem emportugus sem haver estudado latim, que habitua a mente aos complexos problemas das nuancessugeridas pelos jogos de construo das frases.

    Num momento em que o ingls se torna a lngua predominante de cultura, substituindoprimeiro o latim e depois o francs, as desvantagens para a lngua portugusa so evidentes. Asdificuldades de comunicao se avolumam, e a massa de intelectuais de pequeno e mdio portepassa a acreditar que se trata de uma deficincia congnita da prpria lngua portugusa, e no dadificuldade que eles mesmos tm de se adaptar ao gnio prprio dessa lngua aps teremaprendido a pensar em ingls, ao invs de latim ou grego. Assim, alguns deles, dentre os mais

    populares, chegam ao auge de pedantismo de no conseguirem se comunicar sem trazer entreparnteses os equivalentes ingleses dos pronomes retos e oblquos que empregam. A moda foilanada por Paulo Francis ( homem cujo talento s teria a ganhar com a excluso de todopedantismo anglo-saxnico ).

    O problema da lngua s o primeiro. Defrontamo-nos, em seguida, com o fato de que anossa formao ginasial nem de longe se compara quela fornecida pelas escolas americanas oueuropias. Um menino francs no chega de modo algum universidade sem ter-se demonstradocapaz de explicar-se com lgica e elegncia segundo as regras estritas da composition franaise, isto ,sem ter adquirido o domnio de uma arte de estruturao das idias e palavras que, no Brasil,bastaria para habilit-lo a ser um jornalista de primeiro plano, bem acima dos recm-formados

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    pelas faculdades de jornalismo. Nem chegar um menino italiano a escapar das garras do ensinosecundrio antes de haver enfrentado a mtrica de Dante e Manzoni, Leopardi e Pascoli, ao passoque o nosso gosto literrio formado sob o parmetro fixado por Joaquim Manuel de Macedo eBernardo Guimares, isto quando no resvala ao nvel de Caetano Veloso, Pel, Alziro Zarur, equando a sem-vergonhice estabelecida no faz dos nossos jovens ginasianos o pretexto e veculoinocente para o escoamento forado da produo abundante e abusiva do jovem escritor

    nacional; neste caso, consideraes de oportunismo profissional, de mistura com a patriotada desempre, acabam primando sobre o dever de transmitir, aos jovens, valores universais que so osustentculo de toda cultura. Problemas desta ordem foram abundantemente descritos peloherico batalhador da cultura, Osman Lins. E os livros que ele escreveu sobre isto tmdiretamente um valor prtico para ns, pois cada um dos alunos aqui presentes padeceinteriormente das deficincias criadas pelo estado de coisas que ele descreve.

    Um terceiro ponto com que nos defrontamos o prprio carter imitativo e farsesco davida cultural num pas satlite, onde a vida cultural depende, seja de uma fortuna hereditria quepermita as viagens de estudo, a aquisio de livros estrangeiros e o contato com atmosferasculturais mais respirveis, seja da insero do candidato nas filas do puxa-saquismo oficial, nadisputa das magras verbas de pesquisa, em toda uma rdua concorrncia por migalhas,desgastando nessa misria todo o idealismo da sua juventude. Resta a opo de, afastando-se do

    meio acadmico, buscar abrigo no mundo dos espetculos e das comunicaes de massa, cujarecompensa financeira custa a imerso na atmosfera de leviandade, diz-que-diz e vida bomia,que arrasa toda vocao intelectual j na primavera de uma carreira de estudos.

    Finalmente, a constatao das dificuldades materiais gera no aspirante a esperanainsensata de conseguir primeiro melhores condies sociais e econmicas, para depois, e somenteento, iniciar seriamente uma vida de estudos. Ningum, jamais, em toda a histria culturalbrasileira, alcanou a vitria por este caminho e, ao contrrio, o nmero daqueles que aalcanaram pelo esforo de estudar desde a juventude, suportando com pacincia e resignao amisria material e social, inclui os maiores nomes das nossas letras e cincias, sendo antes os ricosde nascena uma exceo notvel. Das camadas ricas nunca saiu nem Capistrano de Abreu nemMachado de Assis, nem Cruz e Souza nem Da Costa e Silva.

    Finalmente, o empenho de industrializao a servio do estrangeiro faz descer sobre a

    alma da nossa populao um conjunto de falsas e aberrantes normas ticas, que, sob pretexto deadaptao social e de realismo, induz todos a pensarem que o ideal de um bomemprego( coincida com a segurana e a paz necessrias ao lazer intelectual; e os brasileirosingnuos se esforam para enquadrar-se nesse ideal, sufocando-se de sentimentos de culpaquando no conseguem atingi-lo, sem dar-se conta de que os agentes desse ideal os porta-

    vozes do capitalismo nem de longe se encarregam de gerar o nmero de empregos necessrio consecuo do ideal proposto, e de que a prometida estabilidade propositadamente acenadacomo bandeira no intuito de manter escrava uma populao perpetuamente em busca daquiloque reservado a poucos.

    Ao encetarmos o planejamento de uma vida intelectual no Brasil, devemos levar em contatodos esses fatores, pois eles constituem a topografia do terreno onde se desenrolaro as nossasbatalhas.

    No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, a vida a servio do esprito requer aabdicao inicial de toda e qualquer esperana de encontrar qualquer apoio que seja na rede deinstituies e costumes da sociedade vigente. No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar,uma vida a servio do esprito requer que no se busque apoio em nenhuma outra parte a no serno Esprito mesmo. A vida intelectual no Brasil, h de ter o carter de um radicalismoextramundano e mesmo abertamente antimundano: mais do que em qualquer outro lugar, a vidaintelectual aqui um esforo de austeridade monstica. preciso buscar apoio na confianainabalvel nos princpios e valores que em toda parte e sempre fundaram a validade euniversalidade da inteligncia humana, e trabalhar numa via de mo nica que desce

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    perpetuamente do Cu Terra, sem nada pedir Terra e sem nada extrair dela seno o mnimoabsolutamente indispensvel sobrevivncia material e ao prosseguimento do trabalho.Desprezar ativamente o aplauso dos imbecis e o apoio dos falsos. Nada esperar seno o prmiofinal e supremo dos esforos humanos, que o de ter vivido na verdade e pela verdade. E no houtro paraso seno este.

    2.Elementos para um plano

    Nosso objetivo no portanto nem favorecer o sucesso profissional e acadmico, nemapenas elevar culturalmente o cidado comum. ajudar a forjar um tipo de intelectual capaz deresistir s imensas presses despersonalizantes e hipnticas de uma sociedade onde se juntam asbarbries e abusos de um capitalismo nascente aos horrores apocalpticos da agonia de umacivilizao. De fato, observamos no Brasil, por um lado, a fria de um progresso econmico quedeseja implantar-se fora num ambiente ainda mal egresso do provincianismo colonial, e, deoutro, a atmosfera de cinismo, devassido e espera ansiosa da catstrofe, caracterstica das pocasde extrema decadncia. O utopismo futurista , aqui, veiculado principalmente pelas organizaesocultistas e pseudomsticas, cuja florao de fantasias aberrantes , em todo mundo, a marca maisacentuada da decadncia. Isto torna a nossa situao muito mais desumana que a de qualquer

    intelectual europeu ou americano. Sofremos o impacto desagregante da sociedade de massas, semque ela nos d o acesso compensatrio a todos os meios de cultura letrada. Experimentamos osabor da degenerescncia, sem dispor da liberdade que a prpria confuso moral da modernidadeparadoxalmente assegura a europeus e americanos. Sofremos o assalto despersonalizante dainvaso de nossas vidas privadas, sem dispor da mobilidade assegurada pela sociedade afluente.No dispomos da presena viva de uma cultura milenar estabilizada como a da Europa, aomesmo tempo que nos faltam a liberdade, o poder e os meios de criar livremente como o fizeramos americanos. Temos a opresso sem a ordem social, o autoritarismo sem a segurana, o caossem a liberdade, a indefinio sem mobilidade. Todos os paradoxos do fim e do comeoajuntam-se tragicamente neste lugar. Isto impossibilita radicalmente todo planejamento do futuroindividual, ao mesmo tempo que a presso de uma drstica luta pela sobrevivncia impossibilitamesmo at o repouso na mediocridade do dia-a-dia.

    Nesse panorama, o planejamento de uma vida de estudos no se pode apoiar nem numformalismo universitrio estabelecido, nem num amadorismo que faa da cultura um hobbyvenervel da classe mdia alta. No dispomos dessas duas formas de conforto.

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    ALGUMAS REGRAS DE MORAL PRTICA CONCERNENTES AO EXERCCIO DAVIDA INTELECTUAL

    Rio, 10 de novembro de 1991.

    As riquezas ou bens materiais (incluindo as energias e capacidades humanas que, atravsdo trabalho, possam se transformar em riquezas) so substncia desse setor particular da vidahumana que a vida econmica. Os homens diferem economicamente uns dos outros conformea quantidade e o emprego dessa substncia; subentendendo-se que, quanto maior a quantidade equanto mais inteligente o seu emprego, tanto melhores sero os resultados. Uma quantidadegrande de bens pode ser rapidamente dilapidada mediante um emprego dispersivo ou aleatrio,do mesmo modo que uma quantidade pequena pode ser aumentada por um emprego sistemticoe inteligente. Igualmente tm uma substncia a vida humana considerada em geral, e a vidaintelectual em especial.

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    A substncia da vida humana, j se disse, o tempo. A qualidade e o valor das vidas dosindivduos diferem conforme o emprego que faam do seu tempo. H vidas que passamrapidamente, como num sonho, e nas quais as possibilidades e oportunidades vo sedesmanchando umas aps as outras, como flocos de nuvens. A vida que se esvai traioeiramente,deixando atrs de si um saldo de vazio e melancolia, foi o tema predileto de um dos nossosgrandes poetas: Manoel Bandeira. Este homem, que levou, alis, uma vida grande e significativa,

    queixava-se:"Levei a vida toa, toa",e, num momento de lirismo cruel, vendo passar o enterro de um desconhecido, cantava comamargura

    "a vida inteira que poderia ter sido / e que no foi".H, claro, vidas perdidas sem culpa; h puras vtimas da adversidade, que perecem

    lutando, com o melhor de suas foras, contra obstculos invencveis: a m sorte, os imprevistosda Histria, a resistncia surda e inconsciente de um meio social mesquinho, a falta deoportunidades, a morte prematura. Mas se estas vidas no alcanam a vitria, ningum poderdizer que foram destitudas de sentido: sua derrota encerra precisamente a afirmao de umsentido a realizar, que legado s geraes seguintes como um dever espera de cumprimento.Um pas que condena ao fracasso muitos homens bons -- pedaos de gnios, como disse algum

    -- vai acumulando, ao longo do tempo, uma dvida moral cujo peso deprime e seca todoidealismo moral nas novas geraes, levando-as a um desencantado cinismo. Mas htambm a disperso proposital e culposa. Ela assume uma grande variedade de formas, desde adilapidao ostensiva de um talento evidente (uma espcie de "protesto" suicida e vaidoso), at assutis manobras com que, de modo semiconsciente, os tolos e medocres se esquivam de todaoportunidade de melhorar. Em todas essas diferentes variedades de fuga ao dever, porm, o queest em jogo sempre um mesmo erro: o desvio de foras preciosas (e tanto mais preciosasquanto menor a sua quantidade) para fins ocasionais e dispersivos, sem ligao com a afirmaode um sentido da vida. Trata-se de um roubo: energias que de direito deveriam ser consagradas realizao do sentido so desviadas, prostitudas e postas a servio de desejos, de temores, deesperanas momentneas e passageiras, desligadas da espinha dorsal da vida. Quando digo"sentido da vida" no pensem que me refiro a nenhum segredo, a nenhuma obscuridade

    metafsica, a nenhum objeto de especulao pseudomstica. O sentido da vida algo deperfeitamente evidente a quem quer que no esteja totalmente destitudo de conscincia moralnatural, a quem quer que no esteja totalmente embotado pelos questionamentos artificiosos deuma pseudocultura pedante e narctica. O sentido da vida revela-se de imediato no sentimentode um dever pessoal intransfervel e consolida-se em atos sistemticos e constantes de dedicao,

    venerao ativa e servio. A certeza firme e tranquila de um sentido da vida -- a nica forma defelicidade que garantida aos homens sobre a Terra -- a resposta a esses atos, e no a umaindagao terica (exceto quando a indagao terica, na forma de vida filosfica, seja ela mesmauma modalidade de dedicao, venerao ativa e servio; condio que evidentemente no secumpre no pseudofilsofo pedante, cujo questionamento ctico do sentido da vida no costumaser outra coisa seno uma tentativa de legitimar sofisticamente seus prprios desejos arbitrrios,sua prpria dilapidao de energia vital, bem com um meio de arrebanhar companheiros que

    amenizem sua perversa solido (e lhe dem, pelo nmero, a segurana que intimamente lhe falta). No caso dos indivduos vocacionalmente dotados para a vida intelectual ( e daqueles que,mesmo sem vocao especial, hajam tomado conscincia da dimenso intelectual de toda vidahumana ), a questo do sentido da vida e da dilapidao da sua substncia assume um contornopeculiar. A substncia da vida intelectual a ateno. Os indivduos diferemintelectualmente uns dos outros conforme os objetos a que prestam ateno e conforme aquantidade e qualidade relativas dessa ateno. O homem intelectualmente mais perfeito aqueleque presta por mais tempo e com maior intensidade a melhor qualidade de ateno quilo queseja supremamente importante para a realizao do sentido da vida. A perfeio na vidaintelectual nada tem a ver, portanto, com dons inatos, com o Q.I., com as habilidades especficas

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    como lgica, arte, expresso oral, problem solving e outras tantas capacidades, meramenteinstrumentais, que hoje em dia, erigidas em fetiches, so cultuadas como se fossem a intelignciamesma. A perfeio na vida intelectual sobretudo uma questo moral e de ordem ntima, nosentido de que uma firme deciso interior de servir unicamente ao mais importante, e desacrificar a ele todo o resto, ou seja, de estabelecer uma rgida hierarquia da ateno, pode suprirmesmo a carncia de habilidades especficas, e de que mesmo a abundncia destas ltimas,

    amparada por uma bela educao e pelo apoio solcito do meio social e familiar, s poder, naausncia desse requisito moral, resultar na produo de uma dessas caricaturas de intelectual quehoje lotam com sua indigesta presena o cenrio todo da vida cultural brasileira: so uns tiposcujas habilidades, artsticas, cientficas ou retricas, se exibem como finalidades em si, parafascnio de uma multido de basbaques, e independentemente dos valores a que sirvam: a merasatisfao do ego, o sucesso profissional, a lisonja aos poderes ou vaidade das massas, so,todos, tomados como finalidades legtimas e suficientes: s o que importa a "criatividade" e o"nvel tcnico de realizao". culto do instrumento. Um grave sintoma desse desfiguramento dainteligncia , hoje em dia, o uso corrente da expresso "de primeiro mundo", para qualificar tudoo que parea bom e correto; no fundo, h nisto uma identificao sorrateira e perversa daqualidade -- isto , em ltima anlise, da importncia e do sentido -- com a quantidade doinvestimento financeiro. Quando eu era jovem, um filme se considerava bom quando com

    recursos financeiros exguos, conseguia dizer algo de importante para a vida humana; hoje em dia,celebra-se como bom, isto , "de primeiro mundo", qualquer coisa ca e repetitiva que se consigareproduzir com "excelente nvel tcnico de realizao", isto , com o investimento de umaquantidade de dlares equivalente do similar estrangeiro. Um pas cujos intelectuais chegam aesse nvel de servilismo abjeto, sinceramente: merece o destino que tem. Mas, voltando aoponto central, se a vida intelectual sobretudo uma questo interior de deciso tica, isto , se eladepende sobretudo da dedicao da ateno ao que seja supremamente importante, ento h doisproblemas que de imediato se oferecem ao nosso exame. Primeiro, se a vida de pura investigaoterica -- a vida filosfica, independentemente de todas as consequncias prticas, morais,pedaggicas e polticas que a filosofia possa ter -- obedece realmente a esse requisito, ou se no seperde na pura contemplao daquilo que deveria, em vez disso, ser servido ativamente. Asegunda questo a das relaes entre ateno e tempo: o que importa a intensidade da ateno

    em certos momentos (ficando os demais disposio de outras finalidades), ou necessrio umservio constante que no deixe tempo para mais nada? A primeira questo resolve-se doseguinte modo: a vida filosfica, se pura investigao e contemplao do sentido, , por istomesmo, a tentativa de esclarec-lo e de possu-lo intelectualmente de modo pleno (superando amera e vaga intuio que arriscaria perder-se to logo se passasse ao servio prtico). A vidafilosfica , por isto, garantia e defesa do sentido contra a invaso do absurdo e do no-significativo. O filsofo aquele que, ao investigar os fins e purific-los pela crtica racional, oslivra de toda contaminao do secundrio e os defende contra toda falsa hierarquia surgida dasexigncias prticas do momento, histrico ou psicolgico. Contra a idolatria do instrumento, ofilsofo restabelece, num esforo secular, o imprio dos fins. Neste sentido, a filosofia totaldedicao aos fins, e , portanto, a forma suprema de vida intelectual.

    A segunda questo, que de grande alcance prtico para o estudante, pois a resposta dela

    fornecer o critrio para a distribuio do seu tempo e das suas energias na vida cotidiana, ela seresolve pelos seguintes passos, que sero melhor esclarecidos na exposio oral:1o. Se um homem capaz de intensa concentrao intelectual, e de outro lado verifica

    que sua inteligncia responde melhor a um esforo descontnuo e variado do que a uma aplicaoconstante e rotineira, ento evidente que o trabalho intelectual formal (ler, escrever, investigar,ouvir, meditar) pode ser realizado nos intervalos de uma vida dedicada, tambm, a umapluralidade de fins secundrios, como o cuidado da famlia, as atividades comerciais, os esportes,etc.

    2o. -Se, inversamente, verifica que s rende alguma coisa aps longo esforo contnuo(por exemplo, s compreende um texto aps muitas repeties), ento est moralmente obrigado

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    a desempenhar esse esforo. Esses dois tipos de inteligncia so determinados pelacaracterologia individual, e intil lutar contra a natureza. Cada qual deve contentar-se com o seutipo e tentar obter dele o melhor que possa, cultivando um estilo prprio.

    3o. Porm essa diferena refere-se apenas atividade intelectual formal. A atividadeinformal, que o que verdadeiramente interessa, consiste em prosseguir na busca do essencialatravs de toda a variedade das situaes e atividades humanas. deste modo, no importa o que

    um homem esteja fazendo aparentemente e na superfcie: o que importa distinguir se ele esthipnoticamente a servio de fins secundrios, esquecido do essencial, ou se, justamente aocontrrio, est buscando nessa ocupao aparentemente secundria alguma manifestao doessencial. O verdadeiro intelectual est dedicado sua tarefa vinte e quatro horas por dia. Est emplena busca do sentido, em plena contemplao e servio do sentido, quando janta com osamigos ou brinca com os filhos, quando passeia pelas ruas ou joga bola, quando faz amor equando dorme. O grande filsofo italiano Benedetto Croce, por exemplo, tinha fama deconhecer cada uma das pedras das ruas de sua querida Npoles e de saber de cor a genealogia decada uma das famlias de seus habitantes, ricos ou pobres: mas, nele, a aparente disperso dopasseador ou a curiosidade frvola do colecionador de fofocas familiares se integravaharmoniosamente no profundo meditador das foras histricas, cuja luta ele enxergava no snos magnos eventos pblicos, mas no cenrio da vida cotidiana e no interior dos lares. O nosso

    Mrio Ferreira dos Santos era entusistico apreciador de futebol; terminada a partida, queparecera absorv-lo hipnoticamente, ele girava o boto da TV e derramava sobre a mulher e osfilhos as lies de Histria, de psicologia, de sociologia e de tica que o jogo lhe havia ensinado.O velho Leibniz passava horas jogando cricket com as damas da crte -- que poderia haver demais frvolo? --, mas especulando, por dentro, sobre a descrio geomtrica dos movimentos dasbolas ou sobre o fundamento ltimo de uma convivncia harmoniosa entre os homens. Faao que fizer, o intelectual de raa estar sempre a servio dos fins supremos, tais como os hajacaptado ou tais como esteja se esforando para capt-los, e em nenhum momento oencontraremos submetido, absorvido hipnoticamente ou a servio de propsitos desligadosdesses fins ou opostos a eles. A concentrao total e constante da ateno nas tarefas dainteligncia a marca do intelectual, seja ela ou no acompanhada de uma regularidade exteriordos atos, o que, como foi dito acima, mera questo de temperamento.

    O homem disperso, o frouxo, o tolo, o medocre, ao contrrio, se entrega facilmente aespetculos ou atividades nas quais no enxerga nenhuma conexo com as finalidades superiores,e se entrega a elas precisamente porque no enxerga essa conexo e porque lhe parece necessriodesligar-se dos fins superiores para poder "descansar", "relaxar" ou entregar-se a prazeres deocasio ou a preocupaes de ocasio que, luz desses fins, deveriam logicamente ser julgadosestpidos ou prejudiciais. O critrio final que deve decidir se cabe ou no o estudante entregar-sea uma atividade qualquer o da sua conexo interior com os fins da vida intelectual, o do seu

    valor, mesmo instrumental, para a realizao desses fins.Tome-se como exemplo a vida amorosa. Ela pode ser no somente boa mas essencial

    para a inteligncia. Quem pode negar que a experincia da paixo, do afeto familiar, da doloridaviuvez e das alegrias de um segundo casamento por amor deram a Aristteles um senso dasrealidades terrenas e do seu valor, que falta totalmente ao castssimo Plato? Quem pode negar

    que a paixo amorosa, com suas ascenses e quedas, est na raiz da criatividade furiosa de umBalzac, de um Henry Miller, de um Hemingway, para s citar trs dos maiores? Como noenxergar a presena do eros nas fontes da inspirao de um dos maiores filsofos do nossosculo, Max Scheler, o "filsofo do corao"?

    No entanto, trata-se, em todos esses casos, de paixo sria, vivida com plena conscinciade sua significao, de seus perigos, de seus abismos, de seu potencial a um tempo vivificador ealienante. Trata-se de experincia profunda e no de sentimentalismo bobo, nem de namorico,nem de prurido romntico, nem de iluso casamenteira. Sobretudo, o homem capaz de viver aexperincia profunda do amor tambm, e sempre, o homem capaz de conduzir-se comdignidade na solido, feliz de poder alternar a fuso do encontro com o retorno profundidade

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    de um interior luminoso e tranquilo. No verdadeiro intelectual, a vida amorosa est integrada,ainda que dialeticamente, busca dos fins: ela no um repouso, nem um desvio, nem muitomenos uma diverso romntica. Os exemplos poderiam multilplicar-se vontade. Ocomrcio, a poltica, o esporte, a vida de famlia -- tudo, no mundo, pode ser parte da vidaintelectual ou fuga s suas exigncias. Somente o exame rigoroso e sincero das motivaesntimas que pode decidir, em cada caso, se ao sair em busca deste ou daquele fim secundrio o

    indivduo est se enriquecendo, construindo uma personalidade para a vida intelectual, ou se, aocontrrio, est cedendo servilmente a impulsos e desejos estpidos e dispersantes.

    3

    ETAPAS DO APRENDIZADO

    1. Copista

    1.1 Exigncias1.1.1 Compreenso dos originais1.1.1.1 Lngua e vocabulrio1.1.1.2 Alfabetos e famlias de letras1.1.1.3 Sinais grficos

    1.2 Tarefas do copista1.2.1 Cpia ( reproduo )1.2.2 Traslado ( documento a documento )1.2.3 Transcrio

    1.2.3.1 Plana1.2.3.2 Hierrquica - exemplos:

    1.2.3.2.1 Judicial1.2.3.2.2 Jornalstica1.2.3.2.3 Editorial

    1.3 Edio simples1.3.1 Elaborao de originais1.3.2 Planejamento e composio1.3.3 Reviso

    1.4 Edio cientfica ( edtica )1.4.1 Colao1.4.2 Variantes

    1.4.3 Reconstituio conjetural

    2. Compilador

    ( v. folha anexa: Etapas da informao )

    3. Expositor

    4. Autor

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    EXPLICAO DE TEXTO

    1. Documentao

    1.1 Localizao, dados bibliogrficos1.2 Autor

    2. Impresses subjetivas

    2.1 Geral2.2 Especial

    2.2.1 Evocaes2.2.2 Extenses

    3. Linguagem

    3.1 Esclarecimento dos termos3.1.1 Arcaicos3.1.2 Especiais ou obscuros

    3.2 Destaque das expresses3.3 Citaes3.4 Aluses

    4. Diviso

    4.1 Diviso propriamente dita4.2 Coerncia:4.2.1 Lgica4.2.2 Analgica4.2.3 Espacial4.2.4 Temporal4.2.5 Combinada

    5. Comentrio linear

    6. Estudo estilstico

    6.1 Vocabulrio6.2 Figuras6.3 Extenso das frases6.4 Seu encadeamento

    7. Enumerao dos temas

    8. Possveis direes da reflexo

    9. Plano de exposio

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    ETAPAS DA INFORMAO

    1. Formulao inicial,definies nominais

    2. Levantamento de fontes

    3. Coleta inicial

    4. Exame geral

    5. Conceitos

    6. Segunda coleta

    7. Interpretao e diviso

    8. Seleo hierrquica

    9. Sntese inicial ( hipteses )

    10. Crtica e reviso

    11. Verificaes e testes

    12. Concluses e redao

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    MODELO DAS RESENHAS DE LIVROS

    FICHA CATALOGRFICA( 1 )

    Deve atender s normas catalogrficas internacionais de indexao de livros. No necessriocolocar o sobrenome do autor antes do nome ( trata-se de resenha de um s ), nem procedercomo se fosse ficha de arquivo ou de biblioteca, que so variveis.

    Autor ou Organizador( 1.1 )

    Como achar os nomes dos autores em bibliotecas:

    - Ortega y Gasset;- Edgar de Bruyne;- Miguel de Unamuno;- John StuartMills.

    Nomes espanhis: vale o primeiro sobrenome, o do pai.

    Nomes holandeses: o deBruyne artigo, e no preposio. Equivale ao the ingls, ou ao le francs( ex.: Le Gros ).

    Nomes ingleses: sempre o ltimo.

    indispensvel ter um livro de como usar bibliografia. IndicoElementos de Bibliografia, de AntonioHouaiss, ou Du Bon Usage des Bibliographies, de Jeannette Reboul para recorrer quando tiveremdvidas, ou qualquer outro, j que as normas so internacionais.

    Publicaes oficiais: procurar o nome da instituio ou pas. Ex.: Relatrio de Fulano na Secretariade Cultura de S. Paulo -- procurar primeiro em S. Paulo. Cdigo Penal Brasileiro ouConstituio Brasileira: ver Brasil( e, depois, Congresso Nacional; em seguida, cdigo,Constituio, etc.

    Obra coletiva: organizador ( abreviao org. ) ou editor ( ed. ). A expresso latina et alii( abreviaoet al. ) indica vrios colaboradores. No precisa colocar o nome dos colaboradores porque a

    palavra organizador( j supe que algum compilou. Numa antologia, necessrio por o nomedo organizador. Tudo isso faz parte do aspecto material.

    Ttulo da edio utilizada( 1.2 )No o ttulo da edio original. Todos esses elementos so separados por ponto ou ponto e

    vrgula.

    Dados da edio( 1.3 )

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    Compilador, prefaciador, etc( 1.3.1 )O compilador o principal responsvel pela reunio de textos heterogneos. Coloca-se como sefaz com o organizador. Ex.: Ensaios de Sociologia, de Max Weber. Autor: Max Weber. Organizadopor Fulano.

    Prefcio, apresentao, introduo, notas, ndice por Fulano.

    Tradutor, se houver. ( 1.3.2 )Abreviar sempre ( trad., org. ).

    Local ( cidade ), Editor, Ano( 1.3.3 )Editor: no precisa por Indstrias Reunidas S. Jos Ltda. -- por s S. Jos. Por o nomecomercial e no a razo social.Local: a cidade.

    Ano: se no tiver, colocar s/d( sem data ) ou por a data da impresso, que se encontra na ltimapgina.

    Caracteres fsicos, etc( 1.3.4 )

    Esse item nem sempre necessrio. In quarto, in octavo: s para obra rara. obrigatrio colocar onmero de volumes, se houver mais de um ( ex.: 3 vols. ). Quanto ao nmero de pginas, opcional. Na lista de livros que indiquei, o ttulo entre parnteses indica para o leitor que existeuma traduo, mas que no foi essa que li. Fazer outra ficha, se quiser, para o original; a noprecisa colocar o nome do autor.

    Como ler o livro? O item 4 ( resumo analtico), para quem l, o primeiro. Suponha que j leu olivro; a vai se colocar as seguintes questes:

    DEFINIO GERAL( 2 )

    Primeiro, a definio geral do livro. Abrir chave que se refere importnciado livro para o leitor,

    porm transmitida, no em termos de avaliao segundo seu julgamento crtico, mas segundo aimportncia objetiva, que se fundamenta em razes( de 2.1.1 a 2.1.6 ).Pode ser livro clssico( 2.1.1 ). Ex.: o clssico de Gibbon, History of the Decline and Fall of the Roman

    Empire, vai ser editado em portugus pela primeira vez. Se o livro for raro ou inacessvel tambm motivo de importncia objetiva. Se no for o caso, esse item cai fora.

    Contribuio nova a um debate importante( 2.1.2 )Assim considerado normalmente ou porque voce o considera; a, necessrio justificar. Mas pararesponder a esse item, voce teria que ler muito mais do que o livro referido -- como saber isso se

    voce no acompanha o debate? Para responder a essa questo, voce dever ter uma informaovasta e estar habituado a ler sobre esse assunto. Caso contrrio, apele para o consenso da crtica;leia alguns artigos sobre o assunto e consulte bibliografias comentadas. Ex.: Le Vocabulaire de Kant

    -- o debate velho mas a novidade que pode ser lido como se fosse um dicionrio de Kant.Algum j fez algo parecido? Procurar nas bibliografias comentadas. A resposta a esse item deveser fundamentada nos fatos.

    Original? Inesperado?( 2.1.3 )O livro pode ser, por si mesmo, original ou enfocar o assunto de forma indita, inesperada ouinabitual.

    Importa pelo assunto ou pela abordagem?( 2.1.4 )

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    Ex.: O Marxismo Ocidental, de Jos Guilherme Merquior. Quase no h obra de conjunto sobre osautores marxistas ocidentais. O assunto no global velho, mas o enfoque novo -- a misto. LeVocabulaire de Kant: o assunto velho, porm a idia de fazer um dicionrio kantiano nova. Oque tem de interessante que, apesar de ser um dicionrio, pode ser lido como se no o fosse; misto de dicionrio e de introduo a Kant. portanto original: novo por ser um dicionriopara ser lido e no para ser meramente consultado.

    Oportuno para o momento e o leitor? til?( 2.1.5 )Se atende a alguma demanda, porque oportuno. Quanto ao quesito utilidade, no para vocedizer o que gosta e sim se til para o pblico, no para voce.

    Assunto, matria( 2.2 )Definir o assunto ( objeto material ), o ponto-de-vista ( objeto formal-motivo, 2.3 ) e o objetivo( objeto formal-terminativo, 2.4 -- uma avaliao crtica ).Ex.: O Marxismo Ocidental= objeto material; encarado do ponto-de-vista de sua unidade = objetoformal-motivo; avaliao crtica da corrente = objeto formal-terminativo.

    Limites auto-impostos pelo autor( 2.5 )

    A amplitude do projeto, se tratado em 1000 pginas ou em 200.

    Extenso( 2.5.1 )A extenso fsica como limite. A extenso limitar o tratamento do tema.

    Gnero( 2.5.2 )No caso do livro de Merquior, ensastico. O ensaio oferece uma teoria sugestiva em nvel deprova dialtica, sem a inteno de prov-la extensivamente; uma tentativa que precede umaexplicao. Quem escreve um ensaio considera que um estudo mais profundo vai comprovar suatese, da qual d apenas uma explicao suficiente. Abre um estudo a ser feito pelo autor ou poroutros, do tipo: essa tese suficientemente importante para justificar um estudo mais profundodo tema.

    Outros( 2.5.3 )Outros limites auto-impostos ( tratei do assunto s por este ngulo( ). Esses limites podem estarexplcitos. Ver prefcio. Os dois primeiros limites no esto declarados ( extenso e gnero ).

    voce quem ir declar-los. Os outros estaro declarados pelo autor.

    Isso para voces verem como foi superficial a leitura que fizeram at hoje e como se passa deuma leitura curiosa para uma leitura cientfica. Por exemplo, se voce vai escrever O Pensamento deOrtega y Gasset, necessrio que voce tenha feito todo esse trabalho de resenha com cada livrodele, para chegar s constantes. Esse o princpio do estudo cientfico.

    A definio geral( 2 ) um problema interno do livro, apesar de tocar em algumas coisas externas.

    CONTEXTO( 3 )

    Trata-se do contexto intelectual onde entra o livro. Vai ser de dois tipos: diacrnico ( o queaconteceu antes do livro ser escrito ) e sincrnico( o quadro contemporneo ao livro ), 3.1.

    O autor ( 3.1.1 )

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    Avaliar a autoridade do autor, sua formao. Ex.: onde estudou? Fez estudos acadmicos sobreesse assunto? Com quem aprendeu? Estudou em universidade ou autodidata? Teve bonsamigos que o ensinaram? Fez ps-graduao? Doutoramento? Uma contribuio importanteoferecida por algum sobre o autor pode mudar o quadro das coisas. O local onde estudou indicaa atmosfera das idias captadas pelo autor. A formao serve para legitimar o interesse ou formaro nvel de exigncia do leitor. Se o autor estudou em grandes centros, Oxford, Sorbonne, etc, no

    pode alegar falta de informaes. Se veio da Universidade de Zmbia, no se pode julg-lo porisso. Ex.: durante a guerra, escrevia-se citando de memria, o que no tira o valor da obra. Oautor pode, por modstia, sonegar informaes ( caso de Eduardo Portella ) ou, at, falsificardados; todos os dois so raros.

    Dbitos reconhecidos( 3.1.1.b )Verificar se o autor se declara seguidor de algum. Ex.: quando o autor diz, esse livro aplicar omtodo de G. Luckcs ao assunto, significa que est subentendida a obra de Luckcs. Isso importante porque s vezes o autor no foi influenciado por quem pensa e sim por outros. Ex.:no livro de Merquior, ele declara que os autores marxistas so, na verdade, nietzscheanos.

    Trabalhos anteriores do autor sobre a mesma matria ou sobre outras( 3.1.1.c )

    Esse dado mais importante do que a formao do autor. Verificar se o autor j publicou outroslivros sobre o mesmo assunto. Ex.: Merquior escreveu, anteriormente publicao de O

    Marxismo Ocidental, sobre os autores marxistas individualmente. Se publicou, prova que j estudouo assunto. Escreveu o livro em trs meses ( limitao ); por serem idias muito condensadas, ficadifcil de ler.

    A matria -- Estado da questo( 3.1.2 ) o contexto anterior obra examinada. Em que ponto esto os debates sobre o tpico? debate corrente? terreno virgem? ( 3.1.2.a ) O tema considerado relevante e por qu? Deveriaser? ( No para voce, mas objetivamente ) ( 3.1.2.b ). Fazer breve lista apreciativa sobre ostrabalhos anteriores ( 3.1.2.c ). O livro escrito entra em debate j existente.

    Contemporneo -- Quadro dos pontos de vista( 3.2 )A escola ou corrente a que se filia pode no coincidir com os dbitos reconhecidos. Pode ter sidoaluno de algum sem ter absorvido sua disciplina. Ex.: Jos Guilherme Merquior foi aluno deLvi-Strauss, o que no quer dizer que foi discpulo. Merquior descendente ideolgico dofilsofo poltico Raymond Aron. Se o autor no se filia a nenhuma escola, inaugura outra? Hdiferena entre o autor e os demais membros da escola? ( 3.2.1.b )

    Polemiza? Com quem?( 3.2.2 )Afirma algo ou nega afirmao precendente? Ex.: Merquior polemiza com os autores queexamina e com a opinio marxista estabelecida. Um autor pode ser politicamente comunista massua anlise no ser marxista ( diferena entre a posico ideolgica e a posico intelectual ).Existem influncias intelectuais subreptcias, que o indivduo no percebe e que lhe alteram o

    olhar? ( Trata-se de um problema da sociologia do conhecimento ).

    Reexplicando o dado escola: no dado externo, dado da estruturao interna do livro, isto ,metodologia; no uma questo to somente ideolgica mas metodolgica. Trata-se da posiointelectual: o autor examina esse assunto desde que ponto-de-vista metodolgico?

    RESUMO ANALTICO( 4 )

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    ( 4.1 ) Enumerao dos grandes blocos em que o autor divide a argumentao. Isso podecoincidir com os ttulos dos captulos ou no. H quem no saiba capitular ( ex.: obras de

    Aristteles ).Ex.: livro de Merquior:- 1a etapa: conceito de mundo ocidental e pano de fundo; razes do mundo ocidental nopensamento de Hegel, Marx e os idealistas alemes;

    - 2a

    etapa: os fundadores do marxismo ocidental;- 3aetapa: o desenvolvimento do mundo ocidental no ps-guerra;- 4aetapa: concluso geral; tese de conjunto.

    Devemos buscar a estrutura real do livro, que s vezes no corresponde nominal.

    Desenvolvimento do argumento( 4.2 ) resumo do livro inteiro, mediante uma leitura criteriosa onde se sublinha as frases destacadas,de maneira a formar frases contnuas, emendando-as. Nunca sublinhar palavras isoladas e simfrases, de modo que, se algum copiar, encontre um texto com comeo, meio e fim -- a no setem de redigir o resumo. Ao datilografar, fazer o resumo do resumo ( v. texto de retrica ).Quando voce estica e comprime o texto de vrias maneiras, a saber a estrutura interna do livro.

    Quando tiver o contexto inteiro, ento ter matado a charada.

    Sntese final( 5 )Deve ter uma pgina, = definio geral + contexto + resumo analtico. a sntese de tudo o que

    voce falou, no do livro. a concluso final do livro luz de seu contexto e da definio dadaanteriormente ( objeto material, formal-motivo, formal-terminativo ). Uma vez lido o livro,

    verifique se o autor falou do assunto, se o fez do ponto-de-vista que havia declarado e se atingiuo seu objetivo. A resenha informativa pra nesse ponto. Uma boa resenha substitui o livro.

    Ao fazer o resumo analtico, distinguir o que citao literale o que parfrase( frase de sua autoriaque resume o pensamento de outro ).

    Aspas: as aspas s entram depois do ponto, quando h citao de frase inteira. Se for pedao defrase, as aspas vm antes do ponto.Em ingls, as aspas vm depois do ponto -- .Em portugus, as aspas vm antes do ponto -- .

    Ogrifo usado em:- ttulo do livro ( nunca aspeado );- palavras estrangeiras;- conceitos que se deseja destacar.

    Ogrifoou itlicoequivale ao sublinhado uma vez. O negritoequivale ao sublinhado duas vezes. O

    negrito e itlicoequivalem ao sublinhado trs vezes.

    As aspasso usadas para:1) citar frases alheias;2) atenuar um conceito, para indicar que aquilo no est sendo falado no sentido reto, mas nooblquo;3) indicar um conceito sobre o qual no se quer assumir responsabilidade, que no se endossatotalmente. As aspas servem como uma atenuante ou para indicar que a idia no totalmentesua.

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    Citao de trecho inteira do texto: fazer coluna menor e mudar o espao ( de espao 2 para 1 ).No usar aspas.

    Cada tipo de letra (famlia) tem quatro tipos:- redondo;

    - negrito ( escura );- grifo ou itlico ( inclinada );- grifo negrito ( inclinada escura ).

    Quando fechar cada citao, citar a pgina ( cuja abreviao p. e no pag. ).

    Plural majesttico: ( ex.: na nossa opinio...( ). Justifica-se se voce fala em nome do cargo ouenquanto autoridade pessoal ou coletiva. deselegante quando o indivduo se intitula no plural:eu sou eu.

    Impessoal: evitem essa construo, que contraria o esprito da lngua portuguesa ( existe emfrancs e ingls - on, one; saiu do latim homo, era usada no portugus arcaico e depois se perdeu ).

    O pronome senada tem a ver com essa idia, traduzida pela expresso a gente. O nsimpessoaltem que ser o nssem pronome. Ex.: vivemos tomando decises apressadas. Quando utilizar oimpessoal, moderao no uso do se. No comear frases com a expresso torna-se necessrio; s seusa essa expresso como consequncia de outra coisa anterior; usar necessrio. Leiam os quesabem escrever portugus: Graciliano Ramos e Machado de Assis.

    Sempre que escrevemos, tropeamos em dificuldades. No forcem a lngua; adaptem-se pobreza de sua lngua. Todas as lnguas so pobres nas construes de que dispem. O melhor forar a voces mesmos em vez de usar o recurso fcil de forar a lngua. No francs, quase todasas palavras so oxtonas. No espanhol e no portugus, no -- a frase sobe e desce. O portugus,apesar de mal usado, uma das melhores lnguas para a filosofia. Na USP, os professores imitamo francs e fica pedante. Em filosofia, no temos que imitar -- Mrio Ferreira dos Santos era

    pssimo escritor.

    Quando escrever algo, leia em voz alta e verifique, com sua imaginao, como soaria aos ouvidosdo outro. Deve haver uma traduo do pensado ao escrito. A traduo direta muito difcil; preciso muito prtica. Pensar primeiro e depois traduzir para o portugus. Preste ateno quandoler em diferentes lnguas. a maior estupidez quando se diz, escreva como pensa. Penseprimeiro e depois traduza o que voce pensou para o portugus. Que portugus? O de Gracilianoe Machado e tambm o de Jos Geraldo Vieira, que o contrrio de Graciliano, mas o segundomelhor escritor brasileiro do sculo -- muito chato, s os professores o lem. Isso vai inauguraruma nova etapa no curso -- so recursos para voce adquirir certeza pessoal. Quem no a obtiver,ser um eterno escravo da opinio alheia. Somente aquele que investiga, coloca dvidas e asresolve, se liberta. Para obter autonomia, no basta a reivindicao -- tem de haver fora. Issodeve ser conquistado, j que ningum lhe dar de presente -- dar, no mximo, o que eu estou lhedando.

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    MTODO DE INVESTIGAO

    1o: Formulao inicial do tema sob a forma de um problema.

    1.1 Motivo: deve haver razes pessoais, sociais e culturais para que a coisa seja investigada.

    1.2 Pergunta: deve-se transformar o tema numa pergunta.

    1.3 Definies e distines: deve-se delimitar o campo. Qual o grau de certeza que sepretende alcanar e a amplitude do tema.

    1.4 Discusso da possibilidade:

    1.4.1 Terica: no estado presente do conhecimento humano, a pergunta tem respostacientfica ou no?

    1.4.2 Prtica: se o tema no demasiado extenso, complexo e se h condies materiais e

    intelectuais para resolver a questo satisfatoriamente. Na impossibilidade de uma respostasatisfatria, abandonar o tema, por mais interessante que seja. Analisar o tempo que se dispor aotrabalho e se ou no exequvel faz-lo.

    2o: Levantamento das fontes:

    2.1 Quais as fontes j conhecidas? Lista de tudo quanto j leu a respeito do assunto.2.2 Lista de todas as fontes bibliogrficas existentes.2.2.1 Bibliografias Gerais.2.2.2 Bibliografias especializadas ( tendo em conta que nem sempre o tema est sob um

    nome adequado ou comum ).2.2.3 Bibliografias ocultas (colocadas no fim de obras sobre o assunto).

    2.2.4 Revistas especializadas.2.2.5 Jornais e outras publicaes.2.3 Entrevistas, consultas e outros materiais necessrios.2.4 Coleta de dados propriamente dita.2.5 Organizao ( para leitura ) do material. Separa-se o que preciso ler por extenso.2.5.1 Organizao hierrquica.2.5.1.1 As obras tericas e clssicas sobre o assunto ( no do informaes, mas conceitos

    e mtodos e critrios que vo orientar no mapeamento total do terreno ).2.5.1.2 Os estudos sobre temas especficos ligados investigao ( no sendo necessrio

    tratar-se de obras de primeira qualidade ).2.5.1.3 Fontes informativas ( no precisam ser de grande qualidade ).2.5.2 Organizao em srie das leituras. ( At aqui, nada se leu propriamente ).

    3o: Exame profundo das fontes.

    3.1 Leitura extensiva, ficha, resumo, tesoura... digesto do material.

    4o: Formulao das hipteses de resposta.

    4.1 Hipteses.

    4.2 Hierarquizao ( discusso das hipteses ).

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    4.3 Exame das possibilidades de formulao de cada uma das hipteses; de demonstrao

    de cada uma das hipteses. Resposta s questes: o qu necessrio? O qu falta? Em resumo,delimitao das possibilidades de demonstrao.

    5o: Primeira colocao de uma tese( 1oesboo explicativo ).

    5.1 Recolocao do problema ( no s agora como pergunta mas tambm comoresposta ).

    5.2 Discusso dos mtodos interpretativos e explicativos.

    5.3 Argumentao em favor de sua tese.

    5.4 Concluses.

    6o: Crticas e avaliaes.

    6.1 Condies de veracidade: em que medida aquela tese pode ser demonstrada poraqueles meios?6.1.1 Adequao do mtodo.6.1.2 Suficincia das fontes.6.2 Critrios de verificao ( para tirar dvidas definitivamente quanto a se a tese est

    certa ou errada ).

    7o: Verificao propriamente dita.

    7.1 Lgica.7.2 Novas fontes ( complementao das fontes ).7.3 Experimental.

    8o: Recolocao da tese( corrigida ) -- o que remete ao item 1o.

    9o: Redao final.

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    REDAO

    O fracasso do ensino da lngua portuguesa fenomenal, apesar da evoluo das tcnicasdo ensino e das teorias lingusticas. Este protesto, lanado pelo Jornal do Brasilmais de um anoatrs, continua vlido. O reconhecimento do diagnstico unnime ( v. Os erros do nooportugueiz ruim, SALA DE AULA no15 ). Mas com essas afirmaes o editorialista tocou nomiolo do paradoxo com que se defrontam, todos os dias, os professores de Portugus: aimproficincia lingustica dos egressos do 2o grau tem razes mais fundas do que aquelas quepoderiam ser cortadas na sala de aula, mediante os esforos pessoais de um professor e aaplicao desta ou daquela tcnica pedaggica. H toda uma constelao de causas queultrapassam infinitamente o raio de ao de um professor, e este, no entanto, tem de continuar aensinar Portugus como senada estivesse acontecendo e tudo dependesse do seu empenho e dasua habilidade. Entre essas causas, que solapam diariamente os resultados desse empenho, osanalistas so unnimes em citar as seguintes:

    1)A incultura generalizada: Em casa os jovens no tm um ambiente propcio para o estudodo idioma, e nas ruas no encontram outra coisa seno o apoio de seus iguais para ficaremexatamente como esto.

    2) O imprio do udiovisual: A TV, o cinema, os shows de rockformam o ambiente mentaldos alunos, e nessa atmosfera a palavra escrita uma planta demasiado frgil para podercrescer.

    3) A ausncia do livro no cotidiano do brasileiro: O consumo anual de livros no Brasil ,segundo clculos oficiais, doisper capita( em comparao com os doze da Europa ocidental eos dez dos Estados Unidos ). E o boomeditorial dos ltimos anos foi s um truque, perto do

    boompopulacional ( inclusive da populao das escolas ).

    4) Falhas da legislao e do planejamento: Por exemplo, diz Beatriz de Castro Barreto,coordenadora do Departamento de Letras da PUC do Rio, a grade curricular do ensinomdio privilegia as cincias tecnolgicas, deixando uma carga horria reduzida para as aulasde Portugus.

    H outras causas, mas essas so suficientes para que, na hora de avaliar as culpas, oprofessor, vendo de um lado seu esforo pessoal e a eficcia de suas tcnicas e, de outro, osfatores sociais maiores, sinta a conscincia aliviada ante o peso esmagador do prato alheio.

    O gramtico Celso Pedro Luft, do Instituto de Letras da Universidade Federal do RioGrande do Sul, aps afirmar que para aprender a escrever preciso ler, ler, ler, reconhece queo professor, para mandar ler, tem antes de fazer sua parte e como que vai fazer isto se elemesmo, sobrecarregado de aulas, no tem tempo para ler? A soluo bvia que ocorre a Luft :Eles deveriam ser bem pagos. E assim esta questo, como alis todas as outras no Brasil atual,acaba sendo remetida esfera das tablitas.

    Por outro lado, mesmo que lessem e lessem, isto no asseguraria aos alunos melhorcompreenso nem melhor redao. preciso ler bem, complementa Ida Lourdes Marquardt,coordenadora das redaes do vestibular da PUC do Rio Grande do Sul desde 1978. E istoimplica que no serve ler qualquer coisa. Num livro hoje famoso, o crtico ingls Richard Hoggart

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    investigou os hbitos de leitura das classes mdia e baixa de Londres, e chegou a uma conclusosurpreendente: apesar da reforma do ensino, que dera oportunidade aos mais pobres, nem poristo eles tinham tido acesso cultura superior: por baixo do mundo da cultura superior haviaflorescido uma indstria de livros de um novo tipo, especificamente destinados aos novosalfabetizados; de modo que toda a sua recm-adquirida capacidade de leitura era gasta com puroentretenimento, sem proveito cultural maior. E no era s pelo contedo que esses livros eram

    um desperdcio. Comentando as concluses de Hoggart ( publicadas em The uses of literacy, 1957,ttulo que corresponde a Para que serve aprender a ler ), diz o crtico brasileiro Otto MariaCarpeaux:

    No se trata de literatura nem de jornalismo, mas de entertainement, de diverso, exploradapelo entertainement business; que uma grande, ramificada e lucrativa indstria. Diverso apalavra-chave: a fragmentao diverte e distrai a ateno. Os leitores daquelas publicaestornam-se incapazes de concentrar a ateno. Lem to depressa ( na diagonal ) que notm tempo para compreender bem. Os autores so conscientes disso. Escrevem de talmodo que no necessrio compreender bem, mas basta adivinhar.

    Uma pesquisa inspirada na de Hoggart foi depois empreendida no Brasil pela professora

    da USP, Ecla Bosi, com resultados similares ( v. seu livro Leituras Operrias, Petrpolis, Vozes ). claro que, nesse especial sentido, ler, ler, ler pode ser o avesso de aguar acompreenso. Pois, define Francisco Plato Savioli, com seus 25 anos de experincia no ensinodo Portugus em cursos pr-vestibular, o objetivo do 2ograu formar o leitor proficiente aquele que, lendo um texto no muito especializado, pode absorver o mximo de significados ecaptar tambm com que intenoforam construdos esses significados. E Madre Olvia ( Clia C.Pereira Leite, do Insitututo de Pesquisas Lingusticas Sedes Sapientiae, de So Paulo ), diz que seaprende Portugus no secundrio com o seguinte propsito: Pensarpara ser gente; pensar parafalar;pensarpara escrever;pensarpara ouvir e entender.

    Para piorar as coisas, se a literatura de entertainement estruturada de tal maneira que oleitor, hipnotizado, v direto aos fatos narrados e absorva neles toda a sua ateno, sem reparar

    nas intenes subjacentes, uma mesmssima observao pode ser feita com relao leitura dosjornais e revistas srios: a padronizao nos textos, no estilo, na estrutura, na utilizao ousupresso de certas palavras, visa a tornar a escrita jornalstica to transparente, que o leitor saltedireto para os fatos, sem precisar pensar nem questionar as interpretaes. Esta solicitude empoupar o trabalho mental ao leitor chega ao preciosismo de proibir o uso de palavras que noestejam em uso corrente ( um corrente, por sua vez, criado ou ao menos consolidado pelosmesmos jornais e revistas ) e que pudesse causar estranheza. Tudo se faz para que o contedo

    veiculado deslize sem atritos para dentro da conscincia ( ou do inconsciente ) do leitor. Sematrito quer dizer: sem exame. OManual de Redao e Estilodo jornal O Estado de So Paulo, que setornou um best seller ( o que mostra at que ponto a imprensa diria adquiriu autoridade emmatria estilstica ) veta, por exemplo, o uso da palavra deflagrar. Prefira provocar,desencadear, diz oManual. O uso exclusivo de palavras que no arranhem torna o texto mais

    digervel, mas, por isto mesmo, pode dar um ar de naturalidade a opinies que no so nadanaturais; e se Aristteles tinha razo ao dizer que o entendimento nasce do espanto, suprimir asoportunidades de estranheza ento fazer com que o ler, ler, ler possa transcorrerperfeitamente bem sem o pensar, pensar, pensar. claro que no era isto que Luft tinha emmente.

    Em suma, ningum l e, quando l, l coisas preparadas com o intuito e com a arte dedispens-lo de pensar.

    Cercado de toda essa imensa rede de impedimentos e desestmulos, seria normal que oProfessor de Portugus confessasse a impotncia de suas pequenas tcnicas e se sentisseautorizado a cruzar os braos, citando ( se que teve tempo de l-lo ) o famoso verso de

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    Drummond: O poeta / declina de toda responsabilidade / na marcha do mundo capitalista.Dito de outro modo: me d o meu bon.

    No entanto, no isto o que acontece. Talvez porque, nos ltimos anos, tenha seacostumado a enfrentar esse gigantesco problema como setudo dependesse do seu esforo pessoal,o professor de Portugus no Brasil de hoje tem procurado por todos os meios atualizar-se comnovas tcnicas, na esperana, talvez, de que operem o milagre da multiplicao dos efeitos.

    Raciocinando na linha do como se, que meios e tcnicas um professor poderia utilizar paraneutralizar, at o limite do possvel, a influncia analfabetizante de todas essas foras sociaisconjuradas contra o progresso do seu aluno? A pergunta nose refere a alteraes de currculos,nem a providncias que devessem ser tomadas em escala social para melhorar o ensino doPortugus. Refere-se apenas quilo que um professor, sozinho com seus recursos pessoais, podefazer em sala de aula, dentro das condies existentes no pas e sem contarcom a possibilidade demelhor-las por uma reforma social. Em suma: qu que se pode fazer de prtico e imediato,aqui e agora?

    Juntando e dando uma forma esquemtica a sugestes e recursos tcnicos provenientesde vrias fontes ( algumas de orientaes bem diferentes entre si ), um conjunto de sete regrasprticas para dar mais eficincia aos mtodos j em uso poderia ser delineado como est naspginas seguintes.

    1. Escrever no natural

    Parece estranho ter de lembrar isto, quando todo mundo sabe que o homo sapiens sinventou a escrita depois de muitos milnios de lngua falada. Mas Franscisco Plato Savioliinsiste e tem obtido bons resultados com esta orientao em que a escrita um mundodiferente do mundo da fala. Redigir tornou-se uma atividade extica, porque vivemos numacivilizao do ouvido. Esta diferena, diz Savioli, longe de ser vencida, deve ser aprofundada:trata-se de acostumar o aluno a perceber, em contraste com a sucessividadeda fala, a simultaneidadedo escrito. Num escrito completo, todas as palavras estaro ao mesmo tempo, de modo que, aoescrever as antecedentes, preciso ter j em vista as consequentes e, depois de escritas estas,confer-las com as antecedentes. Na linguagem oral, esta coeso geralmente negligenciada, e, ao

    transpor para a atividade de redao os hbitos da fala, o aluno se trumbica e no se comunica.Muitas vezes, diz Savioli, os alunos no tm noo de que o texto um tecido, uma trama, umconjunto solidrio de idias. Com freqncia eles se contradizem numa mesma passagem. Nooral, estas contradies passam despercebidas ou so compensadas pela nfase nos gestos, naexpresso facial, etc. Parece que o difcil, a, fazer o aluno renunciarconsciente e deliberadamenteao apoio do contexto fsico e psicolgico e a levar em conta somenteas palavras.

    Savioli no diz explicitamente isto, mas parece tambm que um bom treino, para operar apassagem do oral ao escrito, no pode dispensar a reteno das idias na memria, antes de escrev-las. Um exerccio til, neste sentido, seria pedir ao aluno que falasse, que expusesse oralmente ocontedo que pretende escrever ( a narrativa de um fato, por exemplo ) e que depois o repetisseem voz alta um certo nmero de vezes. Depois de algumas repeties, a narrativa est mais ntidae adquire uma forma fixa medida que o aluno retm a viso do seu conjunto. E s ento ele

    tentar escrev-la.A linguagem escrita, diz Savioli, congela, cristaliza a fala no papel. A concluso lgica que cristaliz-la antes na mente um bom meio de passar do oral ao escrito, sem traumas.

    O outro Plato, que no lecionava no pr-vestibular mas na Academia de Atenas, jenfatizava a importncia da memria para a futura organizao das idias; e fazia seus alunos,diariamente, narrarem para si mesmos, antes de dormir, tudo o que haviam feito durante o dia.

    Aos poucos, isto d o sentido da forma cristalizada dos fatos percebidos, que facilita o narrar e opensar. Um de seus discpulos, Aristteles, sistematizou depois a explicao da memria comoetapa intermediria indispensvel no caminho que leva das percepes sensveis ao pensamento.

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    2. Toda escrita empostada

    Empostado vem de posto. Empostar a voz significa colocaro centro energtico deonde ela emana no lugar adequado finalidade da emisso. Em suma: adequar a voz situao. Oator, uma vez treinado, tem uma multido de vozes diferentes, e as seleciona como numbaralho, segundo as necessidades de cada papel.

    Do mesmo modo, para escrever, preciso ajustar previamente a inteligncia situao. impossvel escrever no ar, sem ter uma idia precisa de a quem se fala, onde se fala, quando sefala, etc. Enfim: preciso colocar-se imaginativamente no posto desde onde se vai falar.Escrever sempre representar um papel diante de algum.

    Este lado teatral da redao frequentemente negligenciado pelos professores.Ansiosos por obter do aluno uma naturalidade e confundindo a naturalidade do existir, que direta e primria, com a naturalidade do estilo, que indireta e secundria, conquistada por umaarte ou artifcio , esquecem que mais fcil para o aluno representar um papel esquemtico econvencional do que ser ele mesmo.

    Expressar-se com naturalidade desde o centro vivo do prprio eu algo que at mesmoos grandes poetas reconhecem como empreendimento impossvel. Quem no conhece o sonetoem que Augusto dos Anjos se queixa de que a idia, brotada no recesso da alma, ao tentar sair

    tropea no molambo da lngua paraltica? Essa dificuldade faz com que o aprendiz de escrita seapegue naturalmente a modelos convencionais, quer sejam os do seu meio de origem, queraqueles fornecidos pelo professor.

    Isto parece um inconveniente, mas, na prtica, possvel tirar proveito desseconvencionalismo. Como? Fazendo com que o aluno, ao invs de se apegar a modos de expressoconvencionais, se imagine colocado em situaes sociais convencionais, e o imagine com tal

    verossimilhana que, sentindo-se vontade dentro delas, possa expressar-se numa linguagemmais espontnea, conforme as associaes de idias que a situao imaginada lhe sugira. Oconvencionalismo assim transferido do texto para o contexto, e deixa de exercer uma influncialimitante sobre a imaginao do aluno.

    mais ou menos o que diz Beatriz de Castro Barreto: Antes de escrever, o aluno deveter em mente quais os objetivos que visa a atingir com o texto. Ele deve entender qual o papel que

    ir desempenhar naquela situao. Ele deve perguntar: Como me comportarante este leitor, aquele leitor,etc.?Assim, partindo de situaes mais convencionais e esquemticas, pode-se ir subindo para

    situaes mais complexas e individuais, de modo que o aluno v desenvolvendo esquemas decomunicao cada vez mais ricos.

    Isso bem mais sensato do que esperar que o aluno seja ele mesmo sem qualquerapoio em papis sociais. Primeiro, que, para um homem ser ele mesmo e expressar-se por escritocomo tal, preciso um certo autoconhecimento que s os anos trazem; segundo, preciso queesse autoconhecimento se cristalize num papel, num personagem, numa maneira externa de ser,de que esse indivduo se reveste na hora de escrever, exatamente como quem emposta a voz. Foilevando em conta essa empostao, inevitvel na passagem da espontaneidade do oral premeditao do escrito, que o grande filsofo e crtico italiano Benedetto Croce desenvolveu a

    noo da personalidade litarria de um autor, distinta da sua personalidade vivente ou concreta( que Croce chamava personalidade emprica ), a qual se expressa pela personalidade literriasem jamais confundir-se com ela. Mais tarde, o crtico espanhol Carlos Bousoo, em seu livroTeora de la Expressin Potica, demonstrou que na poesia ( e portanto em qualquer escrito queescape ao puramente conceitual e externo ), o que se expressa no diretamente o eu real eemprico, mas uma como que segunda personalidade, que d ao eu uma capacidade de exprimir-se em formas fixas, diferentes das usadas na comunicao oral cotidiana. Essas noes so hojecorrentes em crtica literria, mas o ensino do Portugus nem sempre tira proveito delas. Umapersonalidade literria prpria e inconfundvel , realmente, a raiz do que se chama estilo, e oestilo se constitui quando o indivduo desenvolve uma modalidade pessoal de reagir

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    lingusticamente s situaes mais diversas. Por isto mesmo necessrio partir de situaesesquemticas e convencionais, para no exigir que o aluno realize e prodgio de ter estilo antesmesmo de saber escrever. Para o aluno, obter um meio de expresso literria colocar-se numnovo papel social, e isto oferece tantas dificuldades quantas tem um novato para adaptar-se a umambiente desconhecido. Exigir que, nessa situao, ele seja plenamente natural e espontneodesde o comeo, fazer como o Estado democrtico inventado por Jean-Jacques Rousseau:

    um Estado que obrigava seus sditos, pela fora, a ser livres.

    3. Escrever para quem?

    Se o papel desempenhado pelo que escreve um dos elementos importantes dacomunicao por escrito, a pessoa do destinatriodo escrito no o menos.

    Escrever para quem?, pergunta Celso Pedro Luft: Para um leitor indefinido, ou, o que pior, para o professor de Portugus? Ante um destinatrio indefinido impossvel encontrar aempostao adequada; e se o destinatrio implcito for o professor de Portugus, como haveria oaluno de escapar dos cacoetes mentais do subordinado que procura agradar ao superior? Nesteltimo caso, a situao repetida cria um esteretipo que tender a ser imitado em muitas outrassituaes diferentes, onde falar como um aluno ao professor no tem o menor cabimento. No

    entanto, quem no viu recados ou at cartas de amor escritas em vernaculs, em lngua deagradar professor?Ter conscincia do destinatrio do escrito to importante que, em sua Retrica,

    Aristteles gastou uma dezena de captulos explicando a psicologia dos vrios pblicos:psicologia dos velhos, dos jovens, dos polticos, dos ricos, etc. Tudo isto para ajudar o aprendizde orador ( ou de escritor ) a visualizar o destinatrio, isto , a empostar-se psicologicamente.

    Tambm aqui, mais fcil visualizar um destinatrio esquemtico e convencional do queum auditrio composto e vivo.

    Pode-se, por exemplo, pedir ao aluno que conceba um destinatrio definido somente porseu ofcio ou cargo chefe de repartio, juiz, mestre-de-obras e que escreva para essesindivduos algo relacionado ao trabalho deles ( um requerimento, um pedido de oramento ).Depois, progressivamente, introduzem-se destinatrios mais complexos, definidos por seus traos

    psicolgicos, sua idade, seu estado de sade, etc.

    4. Partir do que o aluno j tem

    O professor deve ensinar para o aluno que tem, no para o que gostaria de ter, adverteJoo Wanderley Geraldi, do Departamento de Lingustica da Universidade Estadual de Campinas:S possvel definir a ao pedaggica a partir da histria dos componentes do grupo.

    A teoria da emancipao confirma isso: mais fcil para o aluno colocar-sepsicologicamente em situaes conhecidas, ou prximas das conhecidas, e o professor no podeajud-lo a isto se no sabe quais as situaes que ele conhece.

    Mas isto no quer dizer que o professor tenha de se ater s situaes vividas pelo aluno

    no seu ambiente de origem.Uma situao imaginria, mas bem prxima das vividas por qualquer aluno, a situaode professor. Cludio Moreno, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Paulo Guedes,professor do Colgio Anchieta, em Porto Alegre, obtiveram bons resultados designando algunsalunos para dividir com eles o trabalho de correo de redaes de outros alunos ( da 3 asrie do2ograu ). A experincia foi premiada no Concurso Nacional de Ensino de Redao, em Braslia.

    No se trata de limitar-se s situaes verossmeis, aquelas em que o aluno possa estarefetivamente amanh ou depois. Uma destas situaes, que raramente aproveitada no ensino dePortugus, a de ter de redigir trabalhos para professores de outras matrias Histria ouBiologia, por exemplo.

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    5. Escrever no ler

    Entender as palavras no seu uso no a mesma coisa que definir seus significados,explic-los nos seus detalhes, ou ter facilidade para parafrasear, argumenta Luiz Carlos Cagliari,da Unicamp: Qualquer falante nativo usa de todo o seu conhecimento lingustico para entender

    o que dito e usa uma parte insignificante dele para falar.Por isto mesmo, Cagliari acha um erro fazer o aluno reescrever com suas prpriaspalavras uma poesia, um conto, uma obra literria qualquer. Pois, no conseguindo colocar-se

    verossimilmente na personalidade literria do autor ( e no possuindo a sua prpriadesenvolvida ), ele vai com isso transformar a obra numa caricatura no-artstica. semelhante aquerer derreter uma esttua de bronze e depois tentar reproduzir segundo o gnio de cada um,achando que assim se entende melhor o que o escultor quis dizer.

    A concluso que a produo de textos nunca acompanha pari passu a evoluo dacompreenso. O aluno que j consegue, por exemplo, compreender um conto de Machado de

    Assis, no est, s por isto, habilitado a imit-lo. As grandes obras literrias, por isto, se servemde modelo, para serem compreendidas e admiradas, no imitadas diretamente nemparafraseadas. Como poderia o aluno colocar-se psicologicamente na posio do artista criador,

    se no tem ainda a elasticidade interior sequer para imaginar-se na situao de um funcionrioque redige um memorando?Tudo isto sugere que, embora seja sempre til, como sugere Luft, fazer um aquecimento

    prvio com anlises de textos antes de entrar nos exerccios de redao, convm que o professorexija do aluno um pouco menos, como redator, do que lhe exige como leitor.

    6. Escrever no pensar

    No de hoje que se sabe que as categorias da Gramtica no tm correspondncia plenacom as da Lgica. Os retricos medievais comparavam essas duas cincias, respectivamente, construo e arquitetura. Construo colocar materiais tijolos, madeira de modo quefiquem de p; arquitetura dispor, no materiais, mas as meras propores matemticas dos

    cmodos, numa ordem funcional e bela. As duas cincias tm pontos de contato, mas diferemem muitos outros. A lgica a cincia da coerncia entre as idias, e a Gramtica o arranjosistemtico de materiais ( sons e grafismos ) que permite expressar idias, sejam elas lgicas ouindiferentes lgica.

    Mas, na verdade, o ensinar a pensar, a colocar as idias em ordem, tem incumbido apenase exclusivamente aos professores de Portugus, como se Gramtica e Lgica fossem a mesmacoisa. Quando o aluno est escrevendo sobre qualquer outra disciplina, simplesmente no levaem conta que est redigindo um texto, e passa a no se preocupar com lgica, coerncia ougramtica, coisas que s lhe so cobradas na prova de redao, protesta Beatriz de CastroBarreto.

    O que o professor de portugus pode fazer, no caso, , de um lado, exigir dos outrosprofessores que cobrem coerncia ( e correo gramtica ) dos alunos nos trabalhos de suas

    disciplinas; de outro lado, pode usar estes trabalhos como ocasio de exerccios nas aulas dePortugus. A lgica to necessria ( ou mais ) em Biologia ou Histria quanto em Portugus. Eas matrias cientficas, pela importncia que nelas tm a questo do mtodo da investigao, somuito mais propcias para o ensino de Lgica do que as aulas de Portugus. Acho que o escreverbem deve ser de fato uma ao conjunta, interdisciplinar, conclui Beatriz.

    To importante este ponto, que Luiz Carlos Cagliari, discutindo a interpretao detextos como meio de desenvolver a compreenso do aluno, no se conforma com que essatcnica seja usada somente com textos literrios, ao passo que os textos usados em Matemtica,Biologia, Histria, nunca so analisados como textos, isto : passam como puros traslados do real, eno como elaboraes da inteligncia humana, dotadas de forma e inteno. Para mim, diz

  • 5/25/2018 Sobre a Arte de Estudar - Olavo de Carvalho

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    Cagliari, faria sentido justamente o contrrio do que faz a escola: a interpretao de textos ficariamelhor quando aplicada a um texto cientfico e no a um texto artstico. Entre outras razes,porque o texto cientfico tem um sentido perfeitamente explicitvel e o texto artstico s vezestem intenes subjetivas que o aluno pode captar por dentro, sem ser capaz de express-las.

    O hbito de incumbir o professor de Portugus de ensinar a pensar acaba por terconsequncias s vezes desastrosas. Muitas regras de Gramtica o que fazem confundir o

    incipiente raciocnio lgico do aluno, sobrecarregando-o de noes que, gramaticalmente vlidas isto , legitimadas pelo uso social e culto , no entanto no tm fundamento lgico, ou nocorrespondem aos conceitos homnimos que existem em Lgica. Por exemplo, o substantivoBrasil, em Gramtica, concreto, ao passo que em Lgica pode ser concreto ou abstrato segundoa acepo em que tomado; quando designa a autoridade formalmente exercida por um Estadosobre um determinado territrio ( varivel conforme as guerras e os tratados ), esse substantivoindica uma unidade de ordem, diferente da unidade substancialdos seres fsicos; e, neste sentido, abstrato. Quem pensa gramaticalmente acaba dando concretude de pedras e bananas a noesabstratas, o que o torna vtima fcil dos discursos ideolgicos e publicitrios e o predispe, comodizia o historiador ingls Gordon Childe, a matar e morrer antes por smbolos e palavras do quepela mais suculenta das bananas.

    A diferena mais importante entre a Lgica e a Gramtica que a primeira procura

    descrever esquematicamente as relaes efetivamente possveis entre coisas, ao passo que aGramtica um conjunto de usos humanos que podem no ter nada a ver com essas relaes. Asregras lgicas tm valor universal normativo, ao passo que as de Gramtica variam no tempo e noespao sem maior prejuzo. A mudana das regras gramaticais, com frequncia, decorre demotivaes afetivas perfeitamente ilgicas.

    Por essa razo, Madre Olvia, do Instituto Sedes Sapientiae, prope que no ensino sejaomitida, por exemplo, a distino entre concreto e abstrato. E prope que se introduza umaoutra distino esta sim, lgica entre seres animados e inanimados, destacando que s osprimeiros podem ser sujeitos em sentido lgico, isto , praticar aes reais, ao passo que osinanimados s so sujeitos figurativamente, isto , gramaticalmente. Quando se diz que ascotaes da bolsa subiram, o sujeito gramatical as aes no pratica ao nenhuma: na

    verdade a sofrem. O uso gramatical, neste caso, d substancialidade e capacidade de agir a uma

    mera abstrao, contrariando a lgica. Um exemplo talvez ainda mais flagrante: quando dizemos,Joo surrou Pedro, o sujeito gramatical ( Joo ) ao mesmo tempo sujeito lgico ( praticou aao real ). Se dizemos, porm, Pedro foi surrado por Joo, o sujeito lgico continua o mesmo( Joo ), mas o sujeito gramatical agora Pedro.

    Se o professor no distinguir cuidadosamente, para os alunos, o que tem validade lgica eo que tem validade gramatical exclusivamente, estar alimentando hbitos mentais que, a longoprazo, podem resultar numa quase impossibilidade de pensar logicamente. Aqui, de novo, oremdio tem de ser encontrado na colaborao com os demais professores, pedindo a estes quedem noes de Lgica fora do contexto gramatical.

    7. Escrever no ensinar Gramtica

    Este um ponto que, ao menos em teoria, no levanta mais muitas discusses. A maioriados tericos concorda que preciso primeiro vencer a barreira psicolgica ( o que impe aoprofessor aceitar muitos erros de gramtica ), para s depois, aos poucos, ir propondo comcuidado alguma sistematizao gramatical. como dizer que um garoto primeiro tem de brincarde bola, sentir-se jogador, para s depois aprender as regras do futebol profissional. Dito assimparece bvio, mas, na verdade, durante muitas geraes o ensino da gramtica, dadoprematuramente, serviu para inibir a capacidade expressiva dos alunos.

    preciso distinguir entre a Gramtica como sistema de usos cultos e a Gramtica comocincia. perfeitamente possvel assimilar a primeira isto , aprender a escrever com certacorreo sem saber nada da segunda. E justamente para isso que serve a leitura dos clssicos

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