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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE DIREITO
RENAN PEREIRA FERRARI
A DECISO DE CONDENAO PROFERIDA PELO CONSELHO DE SENTENA
NO TRIBUNAL DO JRI AMPARADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS
INFORMATIVOS COLHIDOS NO INQURITO POLICIAL: CONFLITO ENTRE OS
PRINCPIOS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
CRICIMA
2015
RENAN PEREIRA FERRARI
A DECISO DE CONDENAO PROFERIDA PELO CONSELHO DE SENTENA
NO TRIBUNAL DO JRI AMPARADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS
INFORMATIVOS COLHIDOS NO INQURITO POLICIAL: CONFLITO ENTRE OS
PRINCPIOS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Trabalho de Concluso de Curso, apresentado para obteno do grau de bacharelado no curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientador(a): Prof. () Leandro Alfredo da Rosa.
CRICIMA
2015
RENAN PEREIRA FERRARI
A DECISO DE CONDENAO PROFERIDA PELO CONSELHO DE SENTENA
NO TRIBUNAL DO JRI AMPARADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS
INFORMATIVOS COLHIDOS NO INQURITO POLICIAL: CONFLITO ENTRE OS
PRINCPIOS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Trabalho de Concluso de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obteno do Grau de bacharelado, no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em bibliografias.
Cricima, 14 de dezembro de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Esp. Leandro Alfredo da Rosa UNESC - Orientador
Prof. Joo de Mello - UNESC
Prof. Marconi Borges Caldeira - UNESC
Tudo o que voc pode fazer ou sonhar
voc alcanar. Sendo assim, mos obra.
(Goethe)
Dedico esta monografia, com eterna
gratido, a quem me permite sonhar e fazer:
Para meus pais, simplesmente por tudo.
Palavras faltam para descrever todo
agradecimento e sentimento que tenho por
vocs.
Deus, por toda a oportunidade e
capacidade que sempre me deu.
AGRADECIMENTOS
Ningum proprietrio do saber humano. Na longa via do aprendizado,
somos todos peregrinos. O caminhante de hoje o guia de amanh. De alguma
forma os que ensinam aprendem, e os que aprendem, de alguma forma ensinam
(Edilson Mougenot Bonfim).
por essas e outras que agradeo todo corpo docente do curso de
Direito da UNESC por fazer parte desta minha longa caminhada acadmica,
especialmente ao meu orientador, a quem muito respeito e admiro como advogado e
professor.
Agradeo tambm, com um pesar de sinceras desculpas devido
ausncia durante todos esses anos de graduao, aos meus velhos e novos amigos
e demais familiares por toda a fora, compreenso, amor e amizade.
Em alguns perodos da vida, principalmente na busca de nossos sonhos,
somos obrigados a sacrificarmos certos momentos. Tambm por vocs!
Por fim, mas no menos importante, quero agradecer aos meus amigos
de faculdade Felipe, Guilherme, Gabriel e Saimon, por fazerem parte desta longa
caminhada e torn-la menos rdua.
Meu singelo e sincero muito obrigado!
Na dvida, prefervel absolver um
culpado a condenar um inocente
Renato Brasileiro de Lima
RESUMO
O presente trabalho monogrfico visa esclarecer at que ponto a condenao proferida no Tribunal do Jri amparada exclusivamente em elementos informativos colhidos no inqurito policial, calcada na ntima convico e na soberania dos veredictos, fere os princpios constitucionais do contraditrio e da ampla defesa plenitude de defesa. Analisar-se- o procedimento dos crimes dolosos contra a vida, bem como a maneira que se d a colheita de provas no ordenamento jurdico criminal ptrio e sua anlise no momento das decises judiciais e todo o mecanismo inerente s partes e ao judicirio a fim de verificar qual a forma de decidir mais benfica ao ru quando presente a hiptese constante no ttulo desta monografia. O mtodo de pesquisa a ser utilizado ser o dedutivo, em pesquisa terica e qualitativa com emprego de material bibliogrfico e documental legal. No quarto captulo, com o propsito de verificar na prtica como uma deciso de condenao proferida pelo conselho de sentena com base exclusivamente em elementos informativos colhidos no inqurito policial pode ser atacada, foi realizada uma minuciosa pesquisa jurisprudencial acerca do assunto, para tanto, utilizou-se os Tribunais de Justia dos estados de Minas Gerais e Santa Catarina, bem como o Superior Tribunal de Justia e o Supremo Tribunal Federal, abrangendo os anos de 2008 a 2015. Isso ser necessrio para identificar se os princpios constitucionais do contraditrio e da ampla defesa esto sendo violados. Palavras-chave: Tribunal do Jri; provas; inqurito; soberania dos veredictos; contraditrio e ampla defesa.
RESUME
This monograph aims to clarify to what extent the conviction of the jury exclusively supported by evidence gathered in the police investigation, based on inner conviction and sovereignty of the verdicts, violates the constitutional principles of the contradictory and full defense - defense of fullness. It will analyze the procedure of crimes against life and the way it gives the collection of evidence in the criminal law parental and analysis at the time of judgments and all the inherent mechanism to the parties and the judiciary in order to check which way to decide is most beneficial to the defendant when this constant assumption in the title of this monograph. The research method to be used is deductive, in theoretical and qualitative research with the use of library materials and legal documents. In the fourth chapter, in order to verify in practice as a sentencing decision by judgment of directors based solely on elements of information gathered in the police investigation can be attacked, a detailed jurisprudential research on the subject was held, therefore, we used if the Courts of Justice of Minas Gerais and Santa Catarina, as well as the Superior Court and the Supreme Court, covering the years 2008 to 2015. it will be necessary to identify whether the constitutional principles of the contradictory and full defense They are being violated. Keywords: the jury; evidences; survey; sovereignty of the verdicts; contradictory and full defense.
SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................... 11
2 A COMPETNCIA CONSTITUCIONAL DE JULGAMENTO DOS CRIMES
DOLOSOS CONTRA A VIDA ................................................................................... 12
2.1 OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA TIPIFICADOS NO CDIGO PENA 15
2.2 A PREVISO INFRACONSTITUCIONAL E O PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL
DO JRI .................................................................................................................... 19
2.3 A DECISO PROFERIDA PELO CONSELHO DE SENTENA: O PRINCPIO
DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS ...................................................................... 23
3 O PROCESSO PENAL BRASILEIRO: AS FASES INVESTIGATIVA E JUDICIAL
.................................................................................................................................. 27
3.1 A TEORIA DA PROVA E O SEU SISTEMA DE COLHEITA ADOTADO NO
PROCESSO PENAL BRASILEIRO .......................................................................... 32
3.2 OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITRIO E DA AMPLA
DEFESA .................................................................................................................... 36
3.3 O INQURITO POLICIAL E SEU VALOR PROBANTE.....................................39
3.4 A APLICAO DO PRINCPIO IN DUBIO PRO REO E A NECESSRIA
IMPRONNCIA OU ABSOLVIO DO ACUSADO ANTE INEXISTNCIA DE
PROVAS JUDICIALIZADAS.....................................................................................43
4 A LIVRE APRECIAO DA PROVA PELO JUZO NATURAL DA CAUSA
(JURADOS) E A NO VINCULAO S PROVAS JUDICIALIZADAS: UMA
AFRONTA AOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS OU A SIMPLES ESCOLHA DE
UMA DAS TESES APRESENTADAS? .................................................................... 49
4.1 A DECISO DE CONDENAO PROFERIDA PELO CONSELHO DE
SENTENA COM BASE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS
EXCLUSIVAMENTE NO INQURITO POLICIAL ANTE INEXISTNCIA DE
PROVAS JUDICIALIZADAS: VIOLAO AO PRINCPIO CONSTITUCIONAL DA
PLENITUDE DE DEFESA......................................................................................... 51
4.2 A POSSIBILIDADE DE INTERPOSIO DO RECURSO DE APELAO EM
FACE DE UMA DECISO CONDENATRIA PROFERIDA PELO CONSELHO DE
SENTENA CALCADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS
COLHIDOS NA FASE INVESTIGATIVA ANTE UNIRRECORRIBILIDADE DAS
DECISES DO TRIBUNAL DO JRI ....................................................................... 55
4.3 A POSSIBILIDADE DE ANULAO DA DECISO PROFERIDA PELO
CONSELHO DE SENTENA ANTE O PRINCPIO DA SOBERANIA DOS
VEREDICTOS: PONDERAO COM O PRINCPIO DA PLENITUDE/AMPLA
DEFESA .................................................................................................................... 58
5 CONCLUSO ........................................................................................................ 65
REFERNCIAS ......................................................................................................... 66
11
1 INTRODUO
A presente monografia visa analisar as posies doutrinrias e
jurisprudenciais acerca da violao ao princpio da plenitude de defesa (contraditrio
e ampla defesa) nas decises de condenao proferidas pelo Tribunal do Jri
amparadas exclusivamente em provas colhidas na fase investigativa e os
consequentes mecanismos para alterar decises deste patamar sem que haja
violao ao princpio da soberania dos veredictos, vez que os jurados, por no
possurem a tecnicidade jurdica, bem como por no serem investidos no cargo por
meio de um certame pblico, votam, ao final do procedimento dos crimes dolosos
contra a vida, de acordo com a sua ntima convico.
Analisar-se- a possvel ponderao entre os princpios da ampla defesa
e da soberania dos veredictos por parte do tribunal ad quem quando interposto um
recurso de apelao com fundamento em uma deciso manifestamente contrria a
prova dos autos, o que deve ser realizado em cada caso concreto.
12
2 A COMPETNCIA CONSTITUCIONAL DE JULGAMENTO DOS CRIMES
DOLOSOS CONTRA A VIDA
O instituto do Tribunal do Jri propagou-se pelo mundo atravs da Carta
Magna da Inglaterra do ano de 1215. Tinha como preceito: ningum poder ser
detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, seno em virtude
de julgamento de seus pares, segundo as leis do pas (NUCCI, 2014, p. 749-750).
Na Frana, aps a revoluo francesa, estabeleceu-se o Tribunal do Jri, tendo
como finalidade o combate ao regime monrquico, com ideias democrticas e de
liberdade (NUCCI, 2014, p. 749-750).
No Brasil, o instituto ganhou fora e notoriedade no ano de 1822, por
fora do decreto do Prncipe Regente. Inicialmente era um tribunal composto por 24
cidados bons, honrados, inteligentes e patriotas. O Tribunal do Jri foi inserido e
excludo no decorrer dos anos nas Cartas Magnas j existentes no Brasil, at que,
com a proclamao da repblica e a promulgao da Constituio Federal de 1988,
calcado na implementao do estado democrtico de direito, instituiu-se de vez o
Tribunal do Jri (NUCCI, 2014, p. 749-750).
Vicente Greco Filho, ao analisar o contexto histrico do Tribunal do Jri,
ensina:
[...] No Brasil, o jri foi criado pela Lei de 28 de junho de 1822, para os delitos de imprensa, constitudo de 24 juzes de fato. Mais tarde, tambm desdobrou-se em jri de acusao, constitudo de 24 juzes, e jri de julgamento, com 12 juzes. No correr da histria brasileira, o jri teve sua competncia ora ampliada ora restringida, fixando a Constituio de 1946 a competncia mnima para os crimes dolosos contra a vida, convivendo com ele o jri de imprensa e o escabinado de economia popular. A Constituio de 1967 atribuiu-lhe a competncia exclusiva e no amplivel para os crimes dolosos contra a vida, mas a Constituio de 1988 voltou a assegurar a competncia para os crimes dolosos contra a vida, entendendo-se, pois, que outras infraes podero vir a ter sua deciso por ele. (2012, p. 440-441).
A Constituio Federal de 1988 reconheceu, como direito/garantia
fundamental do homem, em seu art. 5, inciso XXXVIII, a competncia do Tribunal
do Jri para julgar os crimes dolosos contra a vida. Assim versa o dispositivo
constitucional:
Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: [...]
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XXXVIII - reconhecida a instituio do jri, com a organizao que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votaes; c) a soberania dos veredictos; d) a competncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (BRASIL, 2015a).
O Jri , ento, uma garantia/direito constitucional de cada cidado ser
julgado por seus pares quando da ocorrncia de um crime doloso contra a vida, no
qual a anlise meritria do caso concreto, no momento da condenao ou
absolvio, no ser feita por um juiz togado, mas sim por populares, os jurados.
Nessa linha preleciona Fernando Capez, ao dizer que:
[...] Sua finalidade a de ampliar o direito de defesa dos rus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prtica de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurdicas, sejam julgados pelos seus pares. Como direito e garantia individual, no pode ser suprimido nem por emenda constitucional, constituindo verdadeira clusula ptrea (ncleo constitucional intangvel). Tudo por fora da limitao material explcita contida no art. 60, 4, IV, da Constituio Federal. Seus princpios bsicos so: a plenitude da defesa, o sigilo nas votaes, a soberania dos veredictos e a competncia mnima para julgamento dos crimes dolosos contra a vida (2014, p. 1496).
Vale lembrar que nem todos os crimes que atingem o bem jurdico vida
estaro sujeitos ao rito do Tribunal do Jri, como o caso do latrocnio; leso
corporal seguida de morte; estupro seguido de morte; genocdio; militar na ativa que
comete homicdio contra militar na ativa; civil que mata militar das foras armadas
em servio; para queles que detm foro por prerrogativa de funo, como, por
exemplo, deputados federais; crime poltico de matar o Presidente da Repblica, do
Senado Federal, da Cmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal; tiro de
abate; e ato infracional equiparado homicdio (LIMA, 2014, p. 1324).
Nos crimes de latrocnio, leso corporal seguida de morte, estupro
seguido de morte e genocdio o julgador da demanda criminal ser o juiz singular, e
no o conselho de sentena. A propsito, confirmando tal entendimento, vide o teor
da Smula 603 do Supremo Tribunal Federal, que diz: A competncia para o
processo e julgamento de latrocnio do juiz singular e no do Tribunal do Jri
(BRASIL, 2015b).
J em relao ao ato infracional, de acordo com o art. 103 do Estatuto da
Criana e do Adolescente, cabe ao Juizado da Infncia e da Juventude o
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processamento da representao oferecida pelo Ministrio Pblico objetivando a
aplicao de medida socioeducativa (LIMA, 2014, p. 1325).
Nos casos dos crimes militares alhures, bem como no tiro de abate, a
competncia no seria outra seno a Justia Militar, seja da Unio ou dos Estados, a
depender do caso concreto (LIMA, 2014, p. 1325-1326).
Os agentes que possuem prerrogativa de funo prevista na Constituio
Federal, quando cometem um crime doloso contra a vida sero julgados perante um
tribunal, o qual determinado de acordo com previso legal. Entretanto, se esta
prerrogativa de funo estiver prevista apenas na Constituio Estadual, prevalece a
competncia do Tribunal do Jri para julgar os crimes dolosos contra a vida
praticados por esses agentes, conforme dispe a Smula Vinculante n 45 do
Supremo Tribunal Federal, in verbis: A competncia constitucional do Tribunal do
Jri prevalece sobre o foro por prerrogativa de funo estabelecido exclusivamente
pela Constituio Estadual (BRASIL, 2015c).
No crime poltico de matar o Presidente da Repblica, do Senado Federal,
da Cmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, Renato Brasileiro de
Lima ensina que:
[...] cuidando-se de crime poltico previsto no art. 29 da Lei na 7.170/83, no h falar em crime doloso contra a vida. Logo, a competncia para o processo e julgamento desses delitos de um juiz singular federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituio Federal (2014, p. 1326).
Importante destacar que a Constituio Federal estabeleceu uma
competncia mnima do Tribunal do Jri, o que no significa no poder estend-la
para julgamentos de crimes de outras naturezas. Por outras palavras, uma lei
ordinria federal pode estabelecer outros delitos que sero julgados pelo Tribunal do
Jri, o que no se pode fazer suprimir esta competncia mnima estabelecida pela
Carta Magna, at porque o art. 5 da Lei Maior considerado clusula ptrea, no
sendo suscetvel suprimir seus dispositivos nem mesmo por emenda constitucional
(NUCCI, 2014, p. 706).
Estabeleceu-se, assim, que o conselho de sentena, formado pelos sete
jurados tem a incumbncia de julgar quando algum atenta contra o bem jurdico
vida.
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Sobre a competncia constitucional do Tribunal do Jri, vale citar a
doutrina de Andr Puccinelli Junior:
O tribunal do jri um rgo jurisdicional integrado por pessoas comuns e no por juzes togados. Sua origem remonta Inglaterra medieval, onde se traduzia o direito fundamental do cidado de ser julgado pelos seus pares. Nos Estados em que a instituio do jri no se desenvolveu a partir de exigncias do prprio contexto cultural, como sucedeu nos pases anglo-saxnicos, sua existncia palco de grande controvrsia e alvo de tentativas de erradicao sob a alegao de que no jri a emoo frequentemente predomina sobre a racionalidade tcnica, conduzindo a resultados muitas vezes desastrosos. Apesar das crticas, continua a nos seduzir por sua legitimidade democrtica a compreenso de que a justia no monoplio de profissionais tcnicos, devendo contemplar a viso da prpria sociedade, muito mais afeita justia especfica do caso concreto do que aplicao mecnica de normas abstratas e genricas. A atual Constituio reconhece a instituio do jri, com a organizao que lhe der a lei, garantindo: I a plenitude de defesa; II o sigilo das votaes; III a soberania dos veredictos; IV a competncia para julgamento dos crimes dolosos contra a vida (homicdio, infanticdio, aborto e auxlio ou instigao ao suicdio). (2012, p. 139).
Cumpre registrar, tambm, que, para a maioria da doutrina, a participao
de populares no Tribunal do Jri a forma mais direta de exercer a democracia, por
ser a nica oportunidade que o cidado tem de participar ativamente no poder
judicirio, eis que, para ingressar na carreira da magistratura necessrio prestar e
ser aprovado em um certame, leia-se: concurso pblico. Diferente do que ocorre no
poder legislativo, no qual, de tempos em tempos, a sociedade vota para eleger seus
representantes (NUCCI, 2014, p. 707).
2.1 OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA TIPIFICADOS NO CDIGO PENAL
Superada a questo da previso constitucional da competncia para
julgamento dos crimes dolosos contra a vida e demonstradas as excees ela,
passa-se a anlise dos crimes que esto sujeitos ao rito do Tribunal do Jri.
Porm, antes de adentrar ao tema, resta pormenorizar o conceito do bem
jurdico vida.
Coube ao poder constituinte, ao elaborar a Carta da Repblica, elevar a
proteo da vida ao status de norma constitucional. Assim prev o Texto Maior de
1988 em seu art. 5, que trata dos direitos fundamentais do homem:
Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a
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inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 2015d)
E, ainda mais, a Conveno Americana de Direitos Humanos (Pacto de
So Jos da Costa Rica), em seu art. 4, 1, disps:
Artigo 4 - Direito vida. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepo. Ningum pode ser privado da vida arbitrariamente. (OEA, 2015).
A vida o maior bem jurdico que o ser humano possui. Sem ela no h
outros direitos. to importante que assegurado pela Carta Magna no caput do
art. 5. um direito supraestatal, acima de qualquer outra norma. Serve como um
basilar para o desenvolvimento digno da pessoa humana, podendo, contudo, haver
excees, quando, por exemplo, o bem confronta diretamente os interesses do
Estado. Porm, frisa-se: ningum pode ser privado de sua vida de forma arbitrria
(NUCCI, 2014, p. 343).
Nesse prisma, considera-se a vida um bem jurdico quase inquebrvel,
pois pouqussimas so as excees em que se pode abrir mo deste bem. Os
exemplos de disposio do bem jurdico vida esto previstos tanto na Constituio
Federal de 1988 quanto na legislao infraconstitucional.
Sobre o assunto, Cleber Masson ensina que:
A vida constitui-se em direito fundamental do ser humano, consagrado no art. 5 da Constituio Federal. Trata-se de direito formal e materialmente constitucional, com carter supraestatal. No obstante, tem natureza relativa: pode sofrer limitaes, desde que legtimas e sustentadas por interesses maiores do Estado. Nesse sentido, a admisso da pena de morte em tempo de guerra (CF, art. 5, XLVII, a), a legtima defesa (CP, art. 25) e o aborto em determinadas situaes legalmente previstas (CP, art. 128). (2014, p. 308).
O primeiro exemplo, talvez o mais claro e presente no mundo jurdico o
instituto da legtima defesa, previsto no art. 25 do Cdigo Penal, que diz: Art. 25 -
Entende-se em legtima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessrios, repele injusta agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem
(BRASIL, 2015e).
Ora, se a vida um bem jurdico assegurado at pela Constituio
Federal de 1988, no seria outro o norte de a legislao infraconstitucional prever
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situaes em que a prpria pessoa que tiver esse bem jurdico ameaado possa
proteg-lo. o que ocorre no caso do instituto supracitado.
Outro exemplo, este um pouco mais raro, at mesmo inexistente
casuisticamente, a previso da pena de morte em tempo de guerra. Assim o
texto Constitucional: XLVII - no haver penas: a) de morte, salvo em caso de
guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; [...] (BRASIL, 2015f).
Acerca do tema, ensina Guilherme de Souza Nucci que:
[...] A vida direito fundamental, somente no podendo ser atacada arbitrariamente, o que no chega a abranger nem mesmo a possibilidade de aplicao da pena de morte. A Conveno Europeia dos Direitos do Homem preceitua (art. 2., 1) que o direito de qualquer pessoa vida protegido pela lei. Ningum poder ser intencionalmente privado da vida, salvo em execuo de uma sentena capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei (grifo nosso). Admite-se, pois, em tese, a existncia da pena de morte, sem que isso, por si s, seja uma violao dos direitos humanos fundamentais. (2014, p. 343).
Por derradeiro, tem-se a previso infraconstitucional da possibilidade da
mulher abortar quando necessrio. Previstos na legislao so dois casos: quando a
vida da gestante estiver em risco ou quando a gravidez for resultado de um crime de
estupro. Assim versa do Cdigo Penal:
Art. 128 - No se pune o aborto praticado por mdico: Aborto necessrio I - se no h outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (BRASIL, 2015g).
Sobre o dispositivo acima, traz-se doutrina de Fernando Capez:
[...] primeira vista tem-se a impresso de que o citado dispositivo legal constituiria uma dirimente ou escusa absolutria, pois o texto legal se inicia com a frase no se pune. Tal concluso, contudo, no prospera. Se se tratasse de hiptese de excluso da pena, a enfermeira, como lembra E. Magalhes Noronha, que auxiliasse o mdico, no aborto, seria punida. Com razo, se realmente fosse uma causa pessoal de excluso da pena, somente o mdico por ela seria abrangido. Tal, porm, no a sua natureza jurdica, pois, como ensina Damsio E. de Jesus, haveria causa especial e excluso de pena somente se o CP dissesse no se pune o mdico; o Cdigo, entretanto, menciona no se pune o aborto. Qual, ento, seria a natureza jurdica das causas elencadas no art. 128 do CP? Trata-se de causas excludentes da ilicitude, sendo, portanto, lcita a conduta daquele que pratica o aborto nas duas circunstncias elencadas no texto legal. (2014, p. 61-62).
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18
Ademais, quanto ao tema, insta salientar que na ADPF 54/04/DF o
Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a interpretao de tipificar como
crime de aborto a interrupo da gravidez de fetos anencfalos (MASSON, 2014, p.
323-324).
Doravante, os crimes dolosos contra a vida esto previstos na parte
especial do Cdigo Penal, em seus arts. 121 ao 128, so eles: homicdio (art. 121,
do Cdigo Penal), induzimento, instigao ou auxlio ao suicdio (art. 122, do Cdigo
Penal), infanticdio (art. 123, do Cdigo Penal) e aborto (arts. 124 a 128, todos do
Cdigo Penal).
Desse modo, quando efetivamente violado o bem jurdico vida estar-se
caracterizado um dos delitos alhures, devendo o agente violador do direito ser
punido pelo Estado aplicando-se o rito do Tribunal do Jri.
O primeiro deles, o mais gravoso de todos, o art. 121 do Cdigo Penal,
que diz respeito ao crime de homicdio, possuindo a seguinte redao: Art. 121.
Matar algum (BRASIL, 2015h).
Conceituando o fato jurdico homicdio, preleciona Fernando Capez:
Homicdio a morte de um ser humano provocada por outro ser humano. a eliminao da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicdio o crime por excelncia. Como dizia Impallomeni, todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lgica, o primeiro dos bens o bem vida. O homicdio tem a primazia entre os crimes mais graves, pois o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurana geral, sabendo-se que todos os bens pblicos e privados, todas as instituies se fundam sobre o respeito existncia dos indivduos que compem o agregado social. (2014, p. 17).
Portanto, configura-se o crime de homicdio sempre que algum, agindo
com o chamado animus necandi vontade de matar ceifa ou tenta ceifar a vida de
outrem.
J o delito previsto no art. 122 do Cdigo Penal (induzimento, instigao
ou auxlio ao suicdio) caracteriza-se quando uma pessoa induz (faz nascer uma
ideia), instiga (refora a ideia j existente) ou auxilia (contribui materialmente)
algum, por vontade livre e consciente, a cometer suicdio, ou seja, tirar a prpria
vida (BITENCOURT, 2012, p. 67).
Nesse ponto, importante destacar que o suicdio em si no crime, pois
o agente que ceifa a prpria vida no comete crime algum. O que se pune, bem
19
verdade, o agente que induz, instiga ou auxilia algum a comet-lo, como
demonstrado acima.
No que se refere ao tipo descrito no art. 123, do Cdigo Penal, que possui
a seguinte redao Art. 123 - Matar, sob a influncia do estado puerperal, o prprio
filho, durante o parto ou logo aps: (BRASIL, 2015i), verifica-se a sua
caracterizao quando o sujeito ativo age com animus necandi sob a influncia do
estado puerperal vulgarmente conhecida como depresso ps-parto.
Sobre o delito, vale trazer lume a sempre boa doutrina de Rogrio
Greco:
Analisando a figura tpica do infanticdio, percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial de homicdio, que cometido levando-se em considerao determinadas condies particulares do sujeito ativo, que atua influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espao de tempo, pois o delito deve ser praticado durante o parto ou logo aps. (2015, p. 213).
Por fim, os dispositivos previstos nos arts. 124 a 128 do Cdigo Penal do
conta das diversas espcies do crime de aborto e suas excludentes de ilicitude.
As normas penais alhures protegem a vida do ser humano em formao.
Protege-se a vida intrauterina, o feto. A conduta visa a incriminar aquele que der
causa e/ou provocar o aborto na gestante (PRADO, 2010, p. 84-85). O mesmo
jurista complementa dizendo que o aborto consiste em morte dolosa do feto dentro
do tero ou na violenta expulso do feto do ventre materno, da qual resulte a
morte (2010, p. 85).
Deste modo, quando infringida umas das normas penais acima expostas,
a competncia e o rito a ser seguido ser o do Tribunal do Jri.
2.2 A PREVISO INFRACONSTITUCIONAL E O PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL
DO JRI
Como se sabe, o atual Cdigo de Processo Penal foi editado no ano de
1941, ou seja, antes da promulgao da Constituio Federal de 1988.
Porm, norteado pela competncia mnima estabelecida na Lei
Fundamental, o legislador reformou o Cdigo de Processo Penal e editou a Lei n
20
11.689, de 2008, reformulando todo o procedimento referente ao rito do Tribunal do
Jri, disciplinando-o em seus arts. 406 497.
Reforou-se a premissa constitucional de que cabe ao conselho de
sentena, formado pelos sete jurados, a incumbncia de decidir quando algum
atenta contra o bem jurdico vida.
O procedimento especial do Tribunal do Jri bifsico: primeiro tem-se o
sumrio de culpa (fase preliminar) e depois a fase em plenrio.
A fase preliminar em muito se assemelha ao procedimento comum, ou
seja, a ao penal inicia-se com o oferecimento da pea acusatria que, em regra,
uma denncia pois os crimes dolosos contra a vida so de ao penal pblica
incondicionada. Nesta fase, tambm chamada de sumrio de culpa, ou iudicium
accusationis, h apenas a interveno do juiz togado, chamado, tambm, de juiz
sumariante (LIMA, 2014, p. 1327-1328).
Logo em seguida o magistrado realiza a anlise de admissibilidade da
pea acusatria (rejeio ou recebimento). Recebida, o ru ser citado para
apresentar resposta acusao, no prazo de 10 (dez) dias, ouvido o Ministrio
Pblico no prazo de 5 (cinco) dias. Aps o ato, o magistrado designa audincia de
instruo e julgamento, na qual proceder-se- tomada de declaraes da vtima,
se possvel, inquirio de testemunhas, no mximo 8 (oito) cada parte,
esclarecimento dos peritos e possveis acareaes (LIMA, 2014, p. 1327-1328).
Por fim, na solenidade supra ser procedido ao interrogatrio do ru e,
por derradeiro, apresentadas as alegaes finais. O procedimento dever ser
concludo no prazo mximo de 90 (noventa) dias, porm, este um prazo imprprio,
ou seja, no h sanes caso descumprido. Encerrado todos os atos inerentes
audincia de instruo e julgamento, no momento de tomar a deciso, o juzo natural
pode tomar quatro decises distintas: desclassificar o fato delituoso, absolver
sumariamente, impronunciar ou pronunciar o ru (LIMA, 2014, p. 1327-1328).
Na deciso de desclassificao o magistrado verifica, pelas provas
colhidas na instruo processual, que o fato ali investigado no um crime doloso
contra a vida. Nesta hiptese, o juiz deve desclassificar a infrao penal e remeter
os autos para o juzo competente (GRECO FILHO, 2012, p. 499).
A deciso de absolver sumariamente o ru, por seu turno, caracteriza-se
quando presentes quaisquer uma das hipteses do art. 415, do Cdigo de Processo
Penal, o qual possui a seguinte redao:
21
Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolver desde logo o acusado, quando: I provada a inexistncia do fato; II provado no ser ele autor ou partcipe do fato; III o fato no constituir infrao penal; IV demonstrada causa de iseno de pena ou de excluso do crime. (BRASIL, 2015j).
Discorrendo sobre o dispositivo supracitado, Guilherme de Souza Nucci
ensina que:
[...] a deciso de mrito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretenso punitiva do Estado. A Lei 11.689/2008 introduziu outras causas determinantes dessa deciso. Pode-se absolver o ru nas seguintes hipteses: a) no est provada a existncia do fato; b) no est provado ser o acusado o autor ou partcipe do fato; c) prova-se que o fato no constitui infrao penal. Alm disso, permanecem as causas anteriores reforma, ou seja, quando o magistrado reconhece excludente de ilicitude ou de culpabilidade (arts. 20, 21,22, 23, 26, caput, e 28, 1., do Cdigo Penal). preciso ressaltar que somente comporta absolvio sumria a situao envolta por qualquer das situaes suprarreferidas quando nitidamente demonstradas pela prova colhida. (2014, p. 425).
A deciso de impronncia, por sua vez, deve ser tomada quando o juiz
singular no estiver convicto de que os elementos de provas colhidos nos autos
asseguram a existncia do fato delituoso. O material probatrio deve ter idoneidade
suficiente para ser um alicerce deciso de pronncia. Deste modo, quando
esgotados todos os meios probatrios (realizao da audincia) e no demonstrada
a existncia do fato descrito na denncia, ou mesmo a autoria delitiva, dever o
magistrado, fundamentadamente, impronunciar o ru. O processo, neste caso, ser
arquivado, podendo, posteriormente, caso surjam provas novas, ser desarquivado e
reiniciado (OLIVEIRA, 2014, p. 729-731).
Por fim, mas no menos importante, o juiz sumariante poder decidir por
pronunciar o ru, quando convencido da materialidade do delito e presentes indcios
suficientes da autoria.
Sobre a deciso de pronncia, Renato Brasileiro de Lima ensina que:
Para que o acusado seja pronunciado, dever o juiz sumariante estar convencido da materialidade do fato e da existncia de indcios suficientes de autoria ou de participao. Como se denota da prpria redao do art. 413, caput, em relao materialidade do crime, deve o juiz estar convencido. H necessidade, portanto, de um juzo de certeza. bem verdade que os jurados podem, posteriormente, vir a absolver o acusado no plenrio do Jri por entenderem no estar provada a materialidade do delito.
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Porm, o juiz sumariante no pode permitir o julgamento de algum pelo Jri sob a mera possibilidade de ter havido um crime doloso contra a vida. [...] (2014, p. 1349).
Uma vez proferida a deciso de pronncia, alguns efeitos so produzidos.
Em sntese, so eles:
1. Submete o acusado jri popular. Trata-se, com efeito, da nica das quatro decises possveis nesta fase que importa em julgamento do ru pelo Tribunal do Jri. Basta observar que a impronncia (art. 414) e a absolvio sumria (art. 415) acarretam a extino prematura do processo. Quanto desclassificao, de outra sorte, acarreta a remessa dos autos ao juzo competente (art. 419). 2. Limita as teses acusatrias a serem apresentadas aos jurados. Logo, ainda que tenha sido o acusado, por exemplo, denunciado por homicdio qualificado, caso venha a ser pronunciado por homicdio simples, em sesso de julgamento o promotor de Justia no pode fazer meno qualificadora afastada pelo juiz e tampouco poder esta ser objeto de quesitao aos jurados. 3. Interrompe a prescrio. Dispe, com efeito, o art. 117 do CP que a deciso de pronncia causa interruptiva da prescrio, desimportando a circunstncia de o Tribuna! do Jri, eventualmente, desclassificar a infrao penal pela qual foi pronunciado o ru para outra (Smula 191 do STJ). Note-se que, se houver recurso da deciso de pronuncia, estabelece o art. II 7. III. do CP que tambm interrompe a prescrio a deciso confirmatria da pronncia (AVENA, 2011, p. 817).
De mais a mais, pronunciado o ru, o juzo sumariante pe fim a sua
jurisdio, remetendo o processo ao plenrio do Jri para que o conselho de
sentena, formado pelos sete do povo, possa decidir sobre o mrito do caso
concreto.
A fase em plenrio disciplinada a partir do art. 422, do Cdigo de
Processo Penal, estendendo-se at ao art. 497.
O artigo 422 do Cdigo de Processo Penal possui o seguinte texto:
Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Jri determinar a intimao do rgo do Ministrio Pblico ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que iro depor em plenrio, at o mximo de 5 (cinco), oportunidade em que podero juntar documentos e requerer diligncia. (BRASIL, 2015l).
Sero intimados 25 jurados para comparecerem a data designada para
audincia em plenrio, na qual devem estar presentes no mnimo 15 deles qurum
mnimo. Dentre essas 15 pessoas sero sorteadas, um a um, podendo defesa e
acusao recusar imotivadamente 3 jurados cada, ou, motivadamente, tantos
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quantos forem necessrios, at serem escolhidos no mnimo 7 jurados, que sero
chamados a compor o conselho de sentena (LIMA, 2014, p. 1329-1331).
Prestando os jurados o compromisso legal, dar-se- incio a instruo em
plenrio, na qual, conforme dispe o art. 473, caput, do Cdigo de Processo Penal
ser iniciada a instruo plenria quando o juiz presidente, o Ministrio Pblico, o
assistente, o querelante e o defensor do acusado tomaro, sucessiva e diretamente,
as declaraes do ofendido, se possvel, e inquiriro as testemunhas arroladas pela
acusao (BRASIL, 2015m).
Encerrada a instruo em plenrio, iniciam-se os debates orais, onde o
juiz presidente dar a palavra ao representante do Ministrio Pblico pelo prazo de
uma hora e trinta minutos para expor sua tese.
Ato contnuo, ao fim do debate oral do parquet, o defensor tambm falar
por uma hora e trinta minutos, expondo sua tese defensiva. Encerrado, o
representante do Ministrio Pblico poder utilizar-se da rplica, ocasio em que
ter mais uma hora para debater, dando direito de trplica defesa por igual prazo.
Findado os debates orais, o juiz presidente far a leitura dos quesitos aos
sete jurados, momento em que decidiro sobre o mrito do processo penal em
anlise.
2.3 A DECISO PROFERIDA PELO CONSELHO DE SENTENA: O PRINCPIO
DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Ao encerrar os debates orais, o juiz presidente consultar os jurados se
esto aptos ou no para julgarem o processo. No estando, podero pedir maiores
esclarecimentos. Habilitados a julgarem o processo, o juiz presidente encaminhar o
conselho de sentena sala especial denominada sala secreta , para, assim,
iniciar a votao. Na falta de sala secreta, o magistrado determinar que todos
saiam do plenrio para que os jurados ali votem. Salienta-se que no h violao
qualquer direito quando o conselho de sentena votar na sala secreta, ao contrrio,
justamente para garantir o princpio do sigilo da votao e que esta seja de
maneira imparcial e isenta opinio e presso pblica que os jurados devem votar
na sala especial (NUCCI, 2013, p. 814-823).
Os arts. 482 ao 491 do Cdigo de Processo Penal tratam da quesitao e
votao do conselho de sentena.
24
Assim versa o art. 482 do mencionado Codex:
Art. 482. O Conselho de Sentena ser questionado sobre matria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Pargrafo nico. Os quesitos sero redigidos em proposies afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessria preciso. Na sua elaborao, o presidente levar em conta os termos da pronncia ou das decises posteriores que julgaram admissvel a acusao, do interrogatrio e das alegaes das partes. (BRASIL, 2015n).
Sobre a quesitao, Damsio de Jesus ensina que:
Os quesitos devem ser elaborados pelo juiz presidente, com base na pronncia, nas alegaes das partes em Plenrio e no interrogatrio do ru. A expressa meno ao interrogatrio do acusado como fonte para formulao dos quesitos constitui importante afirmao do princpio constitucional da plenitude de defesa (CF, art. 5, XXXVIII, a) (2012, p. 543).
Os quesitos seguiro a ordem estabelecida pelo art. 483, da Lei
Processual Penal, que diz:
Art. 483. Os quesitos sero formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I a materialidade do fato; II a autoria ou participao; III se o acusado deve ser absolvido; IV se existe causa de diminuio de pena alegada pela defesa; V se existe circunstncia qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronncia ou em decises posteriores que julgaram admissvel a acusao. (BRASIL, 2015o).
O ordenamento jurdico brasileiro adotou o sistema francs de quesitao,
no qual so realizadas diversas perguntas ou indagaes acerca dos fatos relativos
ao processo, e no simplesmente se o ru culpado ou inocente, como o caso do
sistema norte-americano. O juiz presidente quesitar os jurados, de forma ntida,
simples e objetiva, de modo a obter-se respostas de clareza solar acerca da
materialidade do fato; sobre a autoria delitiva; se o acusado deve ser absolvido (por
qualquer motivo de ntima convico dos jurados quesito genrico); e sobre as
causas de diminuio e aumento de pena e qualificadoras (NUCCI, 2014, p. 823-
827).
Encerrada a votao, o juiz presidente abrir a urna na qual foram
inseridas as cdulas de votao. Abrir-se- uma a uma, at chegar ao nmero de 4,
25
seja para sim, seja para no. Chegando a esse nmero, a abertura das cdulas
interrompida, ponto que chegar-se- deciso proferida pelo conselho de sentena
(NUCCI, 2014, p. 827-828)
Como se sabe, um dos princpios norteadores do instituto do Tribunal do
Jri a soberania dos veredictos.
Conceituando o termo soberania, Guilherme de Souza Nucci estabelece
que:
Buscando elementos para o significado em tela, convm mencionar algumas das acepes encontradas ao longo da histria. Para Aristteles , tratava-se de um poder essencial gerador da atividade do Estado; para Santo Toms, identificava-se o seu sentido com a ideia de soberania popular, originria de Roma, ou seja, o poder originrio do povo de elaborar as leis; Hobbes tratava o Leviat (Estado) como um homem artificial e de maior fora e tamanho que o natural, cujo poder era incondicionado, irresistvel, inapelvel e ilimitado; Locke, tambm cria que os homens geraram a sociedade poltica, a autoridade e o Estado mediante um contrato e dentro dessa organizao, cada indivduo possui uma parcela do poder, da soberania, recuperando uma parcela da liberdade perdida com o contrato social. Da porque sempre ao termo vinham condicionadas a significaes de poder de comando, poder supremo, poder independente e autnomo (2014, p. 81-82).
Dalmo de Abreu Dallari, com argcia, prossegue no raciocnio:
Concebida em termos puramente polticos, a soberania expressava a plena eficcia do poder, sendo conceituada como o poder incontrastvel de querer coercitivamente de fixar as competncias. (). Uma concepo puramente jurdica leva ao conceito de soberania como o poder de decidir em ltima instncia sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficcia do direito. Como fica evidente, embora continuando a ser uma expresso de poder, a soberania poder jurdico utilizado para fins jurdicos. (2007, p. 79-80).
Especificamente no procedimento do Tribunal do Jri, esse princpio
garante soberania das decises do conselho de sentena sobre a materialidade,
autoria, majorantes, etc., ou seja, sobre os elementos que integraram o fato do
processo. Norteia a ideia de que a deciso dos jurados imodificvel, como regra
geral, entretanto, no impede que essa deciso seja revista por Tribunal Superior,
em sede de recurso de apelao, caso os jurados decidam de forma contrria a
prova dos autos ou, at mesmo, em sede de reviso criminal (MOUGENOT, 212, p.
271).
26
O veredicto do conselho de sentena , portanto, a ltima palavra, no
podendo o mrito da deciso ser contestada por qualquer outro rgo jurisdicional.
Muitos Tribunais brasileiros no simpatizam com a ideia de ser a deciso dos
jurados soberana, pois os jurados no possuem o conhecimento jurdico que
deveriam possuir, vez que as decises proferidas por eles no so calcados na lei,
mas sim na ntima convico. Nessa senda, quando houver erro judicante devem os
Tribunais apenas remeterem o caso concreto um novo julgamento, mas no
proferir outra deciso substituindo a impugnada. No se trata de disputa com o
princpio da ampla defesa, mas sim de um mecanismo constitucional. Portanto,
nenhum conhecimento jurdico de juzes togados deve prevalecer vontade popular,
deve ela ser respeitada e acatada (NUCCI, 2015, p. 37).
Assim, segundo o princpio alhures, o recurso de apelao interposto
contra decises proferidas pelo Tribunal do Jri no pode ter como razes
descontentamentos nfimos sobre o mrito do processo, pois s cabvel a
interposio de tal recurso se presente uma das hipteses do rol taxativo do art. 593,
inciso III, do Cdigo de Processo Penal, o qual ser estudado mais adiante.
Nesse crucial ponto, os jurados, os quais votam de acordo com sua ntima
convico e no nos basilares da tecnicidade jurdica, calcado nos princpios
constitucionais inerentes ao Tribunal do Jri, principalmente no da soberania dos
veredictos, julgam os crimes dolosos contra a vida, decidindo sobre a condenao
ou absolvio do agente violador do bem jurdico vida.
27
3 O PROCESSO PENAL BRASILEIRO: AS FASES INVESTIGATIVA E JUDICIAL
Cometido um crime doloso contra a vida (ou qualquer outro crime), por
exemplo, um homicdio, tudo aquilo que servir para a sua elucidao pode ser
considerado como meio de prova, elementos estes que so anteriores ao processo
chamados de elementos informativos. Assim, via de regra, abre-se um inqurito
policial espcie de procedimento de investigao policial , onde todos esses
meios e fontes de provas podem ou no serem inseridos, servindo to somente de
suporte para o titular da Ao Penal oferecer a pea acusatria (denncia ou queixa)
(LIMA, 2014, p. 71).
O doutrinador precitado ainda diz que:
[...] A partir do momento em que determinado delito e praticado, surge para o Estado o poder-dever de punir o suposto autor do ilcito. Para que o Estado possa deflagrar a persecuo criminal em Juzo, e indispensvel a presena de elementos de informao quanto a autoria e quanto a materialidade da infrao penal. De fato, para que se possa dar incio a um processo criminal contra algum, faz-se necessria a presena de um lastro probatrio mnimo apontando no sentido da pratica de uma infrao penal e da probabilidade de o acusado ser o seu autor. Alis, o prprio CPP, em seu art. 395, inciso III, com redao dada pela Lei na 11.719/08, aponta a ausncia de justa causa para o exerccio da ao penal como uma das causas de rejeio da pea acusatria. Da a importncia do inqurito policial, instrumento geralmente usado pelo Estado para a colheita desses elementos de informao, viabilizando o oferecimento da pea acusatria quando houver justa causa para o processo (fumis comissi delicti), mas tambm contribuindo para que pessoas inocentes no sejam injustamente submetidas as cerimnias degradantes do processo criminal. (LIMA, 2014, p. 71-72).
No ordenamento jurdico ptrio o inqurito policial surgiu, com essa
nomenclatura, quando da reforma processual do ano de 1871, mesma poca em
que se separou as funes polcia e judiciria. Os delegados, anteriormente ao
citado ano, eram os encarregados pela formao inicial da culpa. O chefe de polcia
era um magistrado togado e os delegados podiam ser nomeados dentre os
magistrados municipais, existia, portanto, um policialismo hipertrofiado, praticamente
sem mecanismos de controle ante confuso entre as duas atividades (policial e
judiciria) (DEMERCIAN; MALULY, 2014, p. 70-71).
Assim que, por volta do ano de 1871, Dom Pedro II manifestou-se
incisivamente quanto necessria reforma da legislao judiciria e criminal. Nesse
vis:
28
A Fala do Trono, na lio de Pierangelli (1983, p. 150-151), foi decisiva para a edio de leis e decretos de modernizao da legislao processual penal, destacando-se, especialmente, a Lei n 2.033/1871 (regulamentada pelo Decreto 4.824, de 22 de novembro de 1871), que, entre outros dispositivos, retirou dos Delegados de Polcia funes tpicas dos magistrados, atribuiu-lhes especificamente a atividade preparatria para a ao e criou o inqurito policial nos moldes semelhantes aos do Cdigo vigente (DEMERCIAN; MALULY, 2014, p. 71).
Em suma, quando do transcurso do inqurito policial est-se diante da
fase inquisitorial, administrativa, onde no vigoram os princpios constitucionais do
contraditrio e da ampla defesa, por ainda no se tratar de um processo judicial. Via
de regra serve apenas como fonte de produo de prova e alicerce para o incio da
persecuo penal, pois, nesta fase, existem apenas elementos informativos e no
prova propriamente dita.
Com maestria, fechando o conceito de inqurito policial, Renato Brasileiro
de Lima diz que um:
Procedimento administrativo inquisitrio e preparatrio, presidido pela autoridade policial, o inqurito policial consiste em um conjunto de diligencias realizadas pela polcia investigativa objetivando a identificao das fontes de prova e a colheita de elementos de informao quanto a autoria e materialidade da infrao penal, a fim de possibilitar que o titular da ao penal possa ingressar em juzo. Trata-se de um procedimento de natureza instrumental, porquanto se destina a esclarecer os fatos delituosos relatados na notcia de crime, fornecendo subsdios para o prosseguimento ou o arquivamento da persecuo penal. [...] Trata-se de procedimento de natureza administrativa. No se trata, pois, de processo judicial, nem tampouco de processo administrativo, porquanto dele no resulta a imposio direta de nenhuma sano. Nesse momento, ainda no h o exerccio de pretenso acusatria. Logo, no se pode falar em partes stricto sensu, j que no existe uma estrutura processual dialtica, sob a garantia do contraditrio e da ampla defesa. (2014, p. 71-72).
Portanto, no inqurito policial (a fase investigativa) h algumas
particularidades: ser um procedimento escrito, sigiloso e inquisitivo.
procedimento escrito pois no se admite uma investigao verbal.
Todos os elementos informativos e provas colhidos durante a fase administrativa
devero ser documentados em um caderno investigativo (inqurito policial) (CAPEZ,
2014, p. 110).
J o sigilo se faz necessrio para a completa elucidao do fato delituoso,
conforme preconiza o art. 20 do Cdigo de Processo Penal, in verbis: Art. 20. A
autoridade assegurar no inqurito o sigilo necessrio elucidao do fato ou
exigido pelo interesse da sociedade (BRASIL, 2015p).
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29
O sigilo no se estende ao membro do parquet nem ao magistrado, que
tm livre acesso aos autos do inqurito policial. No que concerne ao advogado, no
se pode neg-lo acesso ao caderno investigativo, porm, impe-se algumas
limitaes, pois, caso seja decretado sigilo nas investigaes, o causdico no
poder acessar elementos informativos que ainda no foram documentados, ou
seja, que ainda no foram colhidos mas que esto em vias de (CAPEZ, 2014, p.
111).
A respeito, vide a Smula Vinculante n 14 do Supremo Tribunal Federal,
que possui a seguinte redao:
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria, digam respeito ao exerccio do direito de defesa (BRASIL, 2015q).
Tambm se faz importante mencionar que, conforme magistrio de
Fernando Capez:
[...] o sigilo no inqurito policial dever ser observado como forma de garantia da intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocncia. Tal garantia acarretou a alterao da redao do pargrafo nico do art. 20 do CPP: Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial no poder mencionar quaisquer anotaes referentes a instaurao de inqurito contra os requerentes (redao dada pela Lei n. 12.681, de 2012) (2014, p. 112).
Por sua vez, a inquisitoriedade caracterstica fundamental da fase
investigativa, pois d uma maior agilidade para findar a investigao. Apenas o
Estado o colhedor da prova, a partir do trabalho da polcia judiciria, bem como do
prprio titular da Ao Penal o Ministrio Pblico. (TVORA, 2013, p. 106).
Da dizer-se que o inqurito policial, por sua natureza, inquisitivo, ou
seja:
[...] no permite ao indiciado ou suspeito a ampla oportunidade de defesa, produzindo e indicando provas, oferecendo recursos, apresentado alegaes, entre outras atividades que, como regra, possui durante a instruo judicial. No fosse assim e teramos duas instrues idnticas: uma, realizada sob a presidncia do delegado; outra, sob a presidncia do juiz. Tal no se d e , realmente, desnecessrio. O inqurito destina-se, fundamentalmente, ao rgo acusatrio, para formar a sua convico acerca da materialidade e autoria da infrao penal, motivo pelo qual no necessita ser contraditrio e com ampla garantia de defesa eficiente. Esta se desenvolver, posteriormente, se for o caso, em juzo (NUCCI, 2014, p. 161-162).
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Enriquecendo o conceito da terminologia inquisitrio, Fernando Capez
nos brinda com sua doutrina, dizendo que:
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutrias concentram-se nas mos de uma nica autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuao, da provocao de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofcio, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessrias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. caracterstica oriunda dos princpios da obrigatoriedade e da oficialidade da ao penal. secreto e escrito, e no se aplicam os princpios do contraditrio e da ampla defesa, pois, se no h acusao, no se fala em defesa. Evidenciam a natureza inquisitiva do procedimento o art. 107 do Cdigo de Processo Penal, proibindo arguio de suspeio das autoridades policiais, e o art. 14, que permite autoridade policial indeferir qualquer diligncia requerida pelo ofendido ou indiciado (exceto o exame de corpo de delito, vista do disposto no art. 184) (2014, p 112).
Por outras palavras, verifica-se que no decorrer do inqurito policial a
autoridade que preside as investigaes pode agir de maneira discricionria,
inquisitiva, no dando guarida aos princpios basilares do contraditrio e da ampla
defesa.
Por esse motivo o legislador ordinrio, ao editar o Decreto-Lei n 3.689/41
(Cdigo de Processo Penal), inseriu o seguinte texto em seu art. 155, in fine:
Art. 155. O juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, no podendo fundamentar sua deciso exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigao, ressalvadas as provas cautelares, no repetveis e antecipadas (BRASIL, 2015r).
Entretanto, como preceitua Guilherme de Souza Nucci:
Lamentavelmente, muitos magistrados valem-se do inqurito para calcar suas decises, como se fosse instrumento produzido sob o crivo do contraditrio e da ampla defesa. Utilizar o inqurito para sustentar a condenao do acusado , nitidamente, inconstitucional (2014, p. 162).
Entrementes, ao fim das investigaes presidida pela autoridade policial,
o inqurito ser concludo e nele ser realizado um relatrio final. Neste, o delegado
de polcia poder, se entender estarem presentes indcios (elementos informativos)
suficientes acerca da materialidade e autoria delitivas indiciar ou no o investigado.
Findada a fase administrativa, o caderno de investigao remetido ao
poder judicirio. O magistrado competente, por sua vez, encaminha-o para o
31
membro do Ministrio Pblico que analisar com percucincia todo o trabalho
investigativo da polcia judiciria e, agindo com total autonomia funcional, poder,
por ser o titular da ao penal, caso no esteja sua opinio delitiva complemente
formada, requisitar autoridade policial a realizao de novas diligncias.
De outro norte, o parquet poder, tambm, requerer o arquivamento do
inqurito policial se entender no estar presente a justa causa necessria para a
deflagrao de uma demanda criminal.
Isso porque o interesse de agir na ao penal concerne presena dos
elementos mnimos que permitam concluir no sentido de que se trata de uma
acusao factvel. Tais elementos consistem na prova da materialidade do fato e
indcios da autoria, chamada de justa causa (AVENA, 2014, p. 153).
Nessa linha, denota o ensinamento de Norberto Avena:
No mbito da ao penal, este lastro probatrio mnimo constitui o fumus boni iuris aparncia do direito condenao invocado pelo titular da ao penal ao deduzi-la em juzo com vistas a desencadear o jus puniendi do Estado. Ausente a sua demonstrao, no ser possvel ao magistrado verificar a plausabilidade da acusao, devendo, ento, rejeitar a inicial acusatria. (2014, p. 153).
No mesmo sentido, colhe-se das lies de Edilson Mougenot Bonfim:
A doutrina processual usualmente identifica trs condies genricas da ao. So classificadas como genricas porque so aplicveis a qualquer ao judicial, pouco importando a natureza - penal ou civil - da pretenso veiculada por meio da ao, ou quem seja seu titular. So condies genricas da ao penal: a) Possibilidade jurdica do pedido [...] b) "Legitimatio ad causam" [...] c) Interesse de agir (interesse processual). Em geral, o interesse de agir entendido como a reunio de trs requisitos, sejam eles: a necessidade de agir em juzo, a adequao da medida pleiteada e a utilidade do provimento jurisdicional final. Parte da doutrina inclui nesse rol, ainda, um quarto elemento: a justa causa para o ajuizamento da ao. [...] A justa causa identificada por parte da doutrina como uma condio de ao autnoma consiste na obrigatoriedade de que exista, no momento do ajuizamento da ao, prova acerca da materialidade delitiva e, ao menos, indcios de autoria, de modo a existir fundada suspeita acerca da prtica de um fato de natureza penal. Em outros termos, preciso que haja provas acerca da possvel existncia de uma infrao penal e indicaes razoveis do sujeito que tenha sido autor desse delito. [...] Com efeito, as provas acerca da materialidade delitiva demonstram a necessidade de que seja instaurado um processo para que se apure o fato narrado. J os indcios de autoria que tornaro possvel determinar, ainda que de forma relativamente incerta, a pessoa que dever constar no polo passivo da demanda (2012, p. 100-102).
Manifestando-se no sentido de arquivar o procedimento policial, o
promotor de justia encaminha o caderno investigativo ao poder judicirio. O juiz o
32
nico dotado de competncia para determinar o arquivamento do inqurito policial.
Apesar de manifestar-se nesse norte, o titular da ao penal apenas requer o
arquivamento.
O magistrado competente no est obrigado ao parecer de arquivamento
do inqurito policial do promotor de justia, pois, entendendo estarem presentes
indcios suficientes da materialidade e autoria delitivas, utilizando-se do preceito
colhido do art. 28, do Cdigo de Processo Penal, pode ele determinar a remessa dos
autos ao procurador-geral, que poder oferecer a denncia; determinar outro
promotor para oferec-la; ou insistir no arquivamento, caso em que estar o juiz
obrigado.
Assim reza o mencionado dispositivo do Codex Processual Criminal:
Art. 28. Se o rgo do Ministrio Pblico, ao invs de apresentar a denncia, requerer o arquivamento do inqurito policial ou de quaisquer peas de informao, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razes invocadas, far remessa do inqurito ou peas de informao ao procurador-geral, e este oferecer a denncia, designar outro rgo do Ministrio Pblico para oferec-la, ou insistir no pedido de arquivamento, ao qual s ento estar o juiz obrigado a atender (BRASIL, 2015s).
Doutra banda, convencido da presena de indcios suficientes em relao
a materialidade e autoria delitivas acerca de um crime contra a vida, o titular da ao
penal, que neste caso o Ministrio Pblico, pois os crimes em comento so de
ao penal pblica incondicionada, oferecer a denncia nos termos do art. 41 do
Cdigo de Processo Penal dando incio a persecuo penal judicializada
procedimento j devidamente estudado no ttulo 2 deste trabalho para, que assim,
sejam (re)produzidas todas as provas sob o manto dos princpios constitucionais do
contraditrio e da ampla defesa.
3.1 A TEORIA DA PROVA E O SEU SISTEMA DE COLHEITA ADOTADO NO
PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Por oportuno, verifica-se a necessidade didtica de entender sobre a
teoria geral da prova, ou seja, como a prova produzida no processo penal
brasileiro.
Existem trs tipos de sistemas de colheita de provas, quais sejam:
sistema inquisitorial, sistema acusatrio e sistema misto. No sistema inquisitorial o
33
ru mero objeto da investigao criminal. A administrao pblica utiliza-se deste
sistema como uma autodefesa, porm, deixando de lado a observncia de vrios
princpios inerentes ao homem (MESSA, 2014, p. 71-73).
Detalhando a origem histrica do sistema inquisitrio, Aury Lopes Jr. diz
que a acusao, anteriormente esse sistema, era apresentada por escrito, no
existindo processos sem acusador legtimo e dotado de idoneidade. Porm, por volta
do sculo XIV, o sistema inquisitrio comea a tomar as rdeas do sistema
processual penal principalmente por influncia da igreja (direito cannico). Os
poderes dos magistrados tornaram-se ilimitados, eram livres para intervir, recolher e
selecionar o material necessrio para julgar, atuando como parte e investigando o
fato delituoso (2014, p. 91-92).
E completa dizendo:
No transcurso do sculo XIII foi institudo o Tribunal da Inquisio ou Santo Ofcio, para reprimir a heresia e tudo que fosse contrrio ou que pudesse criar dvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Catlica. Inicialmente, eram recrutados os fiis mais ntegros para que, sob juramento, se comprometessem a comunicar as desordens e manifestaes contrrias aos ditames eclesisticos que tivessem conhecimento. Posteriormente, foram estabelecidas as comisses mistas, encarregadas de investigar e seguir o procedimento. [...]Trata-se de um sistema fundado na intolerncia, derivada da verdade absoluta de que a humanidade foi criada na graa de Deus. Explica BOFF16 que a humanidade com Ado e Eva perdeu os dons sobrenaturais (graa) e mutilou os dons naturais (obscureceu a inteligncia e enfraqueceu a vontade) (LOPES JR., 2014, p. 92)
J no sistema acusatrio, a principal caracterstica a existncia de
partes no processo acusao e defesa sendo guiado por um terceiro (juiz),
batalhando em uma verdadeira briga de gladiadores. Enquanto um busca a
condenao do ru, o outro defende seus direitos tencionando alcanar a
absolvio. calcado nos princpios do contraditrio e da ampla defesa. Com este
sistema, comeou-se a instituir o devido processo legal no qual o ru presumido
inocente at a deciso final (MESSA, 2014, p. 71-73).
O sistema acusatrio tem origem na Grcia e aperfeioou-se em Roma.
Na poca do imprio romano esse sistema foi se mostrando insuficiente para as
novas necessidades de represso dos delitos, pois, no raras vezes, por conta de
qualquer do povo ter o poder de acusar, a persecuo criminal era inspirada por
nimos e intenes de vingana. Por conta disso, os juzes, at ento inertes,
passaram a atuar tambm na acusao, e no s no julgamento. Comearam a
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proceder de ofcio, sem acusao formal. Ademais, esse sistema introduziu a tortura
no mbito do direito processual penal romano. J no sculo XVIII, em meio a
Revoluo Francesa e suas ideologias e postulados de valorizao do homem,
levou-se a um abandono dos traos cruis do sistema inquisitrio (LOPES JR, 2014,
p. 87-91).
O sistema misto, por seu turno, tambm chamado de sistema acusatrio
formal, como o prprio nome j diz, uma mistura dos outros dois (inquisitrio e
acusatrio). Num primeiro momento tem-se a fase investigativa, onde vigora a
inquisitoriedade. J num segundo momento, os direitos fundamentais do
contraditrio e da ampla defesa so devidamente observados (MESSA, 2014, p. 71-
73).
E qual o sistema adotado pelo processo penal brasileiro? Ana Flvia
Messa responde que:
Nos dias atuais, h uma prevalncia na doutrina de afirmar que o sistema brasileiro o misto, pois h uma fase inquisitiva, o inqurito policial, e outra fase acusatria pura, que o processo penal propriamente dito. No Brasil, o sistema misto foi institudo pelo Cdigo do Processo Criminal do Imprio (Lei n. 127/1832). H o reconhecimento de trs funes processuais distintas, realizadas por rgos distintos a acusao, a defesa e o julgamento. Em sentido contrrio (Mirabette, Tourinho, Scarance), o sistema brasileiro o acusatrio, pois a fase investigatria tem carter administrativo, e no processual. (2014, p. 74)
Fazendo uma crtica sobre a posio pela maioria da doutrina de que o
sistema que vigora no processo penal ptrio o misto, Aury Lopes Jr. preleciona
que:
lugar-comum na doutrina processual penal a classificao de sistema misto, com a afirmao de que os sistemas puros seriam modelos histricos sem correspondncia com os atuais. Ademais, a diviso do processo penal em duas fases (pr-processual e processual propriamente dita) possibilitaria o predomnio, em geral, da forma inquisitiva na fase preparatria e acusatria na fase processual, desenhando assim o carter misto. Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro acusatrio formal, incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto. BINDER, corretamente, afirma que o acusatrio formal o novo nome do sistema inquisitivo que chega at nossos dias. Ns preferimos fugir da maquiagem conceitual, para afirmar que o modelo brasileiro (neo)inquisitrio, para no induzir ningum a erro. [...] fica fcil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara matriz inquisitria, e que isso deve ser severamente combatido, na medida em que no resiste necessria filtragem constitucional (LOPES JR., 2014, p. 96).
35
Nesse ponto, faz-se mister distinguir os conceitos de elementos
informativos e provas. queles so os elementos colhidos no inqurito policial sob a
tica da inquisitoriedade, quer dizer, sem passar pelo crivo do contraditrio e da
ampla defesa.
J provas so todas aquelas produzidas em processo judicial,
assegurando, assim, a ampla defesa do acusado, pois mister que ele esteja
assistido por defensor (constitudo, dativo, nomeado ou pblico) para que possa ser
processado criminalmente pelo Estado.
Fazendo a distino entre os dois institutos, Renato Brasileiro de Lima discorre e diz:
[...] elementos de informao so aqueles colhidos na fase investigatria, sem a necessria participao dialtica das partes. Dito de outro modo, em relao a eles, no se impe a obrigatria observncia do contraditrio e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda no h falar em acusados em geral na dico do inciso LV do art. 5da Constituio Federal. [...] De seu turno, a palavra prova s pode ser usada para se referir aos elementos de convico produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessria participao dialtica das partes, sob o manto do contraditrio (ainda que diferido) e da ampla defesa. O contraditrio funciona, pois, como verdadeira condio de existncia e validade das provas, de modo que, caso no sejam produzidas em contraditrio, exigncia impostergvel em todos os momentos da atividade instrutria, no lhe caber a designao da prova. A participao do acusador, do acusado e de seu advogado e condio sine qua non para a escorreita produo da prova, assim como tambm o e a direta e constante superviso do rgo julgador, sendo que, com a insero do princpio da identidade fsica do juiz no processo penal, o juiz que presidir a instruo devera proferir a sentena (CPP, art. 399, 2). Funcionando a observncia do contraditrio como verdadeira condio de existncia da prova, s podem ser considerados como prova, portanto, os dados de conhecimento introduzidos no processo na presena do juiz e com a participao dialtica das partes. (2013, p. 73-74).
Diante de todo o exposto, importante se faz responder a indagao: qual
o valor probatrio do inqurito policial? Qual o valor de uma pea investigativa em
que no se observa os princpios do contraditrio e da ampla defesa?
Todavia, antes de esclarecer o ponto, necessrio se faz estudar-se os
princpios do contraditrio e da ampla defesa, prximo ponto deste trabalho
monogrfico.
3.2 OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITRIO E DA AMPLA
DEFESA
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Os princpios constitucionais do contraditrio e da ampla defesa no so
exclusivos do sistema processual penal brasileiro, aplicam-se em todo o
ordenamento jurdico, sejam em processos judiciais, sejam em processos
administrativos.
Tanto que a Constituio Federal de 1988 assim dispe em seu art. 5,
inciso LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes (BRASIL, 2015t).
Portanto, muito antes de se respeitar o contraditrio e ampla defesa do
acusado no procedimento criminal, deve-se observar os princpios constitucionais
inerentes a qualquer um do povo, seja ele ru em demanda penal, civil ou
administrativa.
O jurista Renato Brasileiro de Lima, citando lies de Joaquim Canuto
Mendes de Almeida diz que se deve compreender o princpio constitucional do
contraditrio sob a tica de ser uma cincia bilateral de atos ou termos processuais
tendo a possibilidade de contrari-los. A discusso dialtica dos fatos da causa,
assegurando s partes a oportunidade de fiscalizar atos praticados no decorrer do
processo, seria o ponto de epicentro do princpio do contraditrio. Dois seriam os
elementos do citado princpio: direito informao e direito de participao (LIMA,
2014, p. 54).
Conceituando os dois elementos supramencionados, o mesmo
doutrinador ensina que:
Como se v, o direito informao funciona como consectrio lgico do contraditrio. No se pode cogitar da existncia de um processo penal eficaz e justo sem que a parte adversa seja cientificada da existncia da demanda ou dos argumentos da parte contrria [...]Tambm deriva do contraditrio o direito participao, a compreendido como a possibilidade de a parte oferecer reao, manifestao ou contrariedade pretenso da parte contrria. Pela concepo original do princpio do contraditrio, entendia-se que, quanto reao, bastava que a mesma fosse possibilitada, ou seja, tratava-se de reao possvel. No entanto, a mudana de concepo sobre o princpio da isonomia, com a superao da mera igualdade formal e a busca de uma igualdade substancial, produziu a necessidade de se igualar os desiguais, repercutindo tambm no mbito do princpio do contraditrio. O contraditrio, assim, deixou de ser visto como uma mera possibilidade de participao de desiguais para se transformar em uma realidade (LIMA, 2014, p. 54).
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Gustavo Henrique Badar, enriquecendo a ideia trazida por Lima,
preleciona no sentido de que houve uma dupla mudana objetiva e subjetiva no
que se entendia por contraditrio, ao dizer que:
[...] quanto ao seu objeto, deixou de ser o contraditrio uma mera possibilidade de participao de desiguais, passando a se estimular a participao dos sujeitos em igualdade de condies. Subjetivamente, porque a misso de igualar os desiguais atribuda ao juiz e, assim, o contraditrio no s permite a atuao das partes, como impe a participao do julgador (BADAR, 2008, p. 1-36).
Para melhor elucidar o tema, importante trazer baila os ensinamentos
do constitucionalista Gilmar Mendes, que assevera:
H muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa no se resume a um simples direito de manifestao no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar como bem anota Pontes de Miranda uma pretenso tutela jurdica. [...] J o clssico Joo Barbalho, nos seus Comentrios Constituio de 1891, asseverava que com a plena defesa so incompatveis, e, portanto, inteiramente inadmissveis os processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou o depoimento de inimigo capital, o julgamento de crimes inafianveis na ausncia do acusado ou tendo-se dado a produo das testemunhas de acusao sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilidade depois da denncia, o juramento do ru, o interrogatrio dele sob coao de qualquer natureza, por perguntas sugestivas ou capciosas (2014, p. 479).
Alm dos dois elementos trazidos por Renato Brasileiro de Lima (direito
de informao e de manifestao/participao), Gilmar Mendes ainda diz que faz
parte do contraditrio o direito de ver seus argumentos considerados, o que consiste
na exigncia do julgador tomar conhecimento e tambm considerar, sria e
detidamente, as razes apresentadas. Tanto que o juiz deve manifestar-se acerca
do alegado pelas partes de maneira fundamentada, em homenagem ao art. 93,
inciso IX, da Constituio Federal de 1988 (2014, p. 480).
A palavra prova, portanto, nas palavras de Renato Brasileiro de Lima
usada para referir-se a elementos de convico realizados no curso do processo
judicial, com a necessria participao dialtica do autor e do ru, com a incisiva
fiscalizao do rgo julgador. Funciona, assim, como eficiente mecanismo para a
busca da verdade processual, formando o convencimento do juiz, destinatrio de
toda a prova no processo, diminuindo a possibilidade de erros no momento de julgar
a demanda (2014, p. 56).
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J o princpio da ampla defesa, que no se confunde com o princpio do
contraditrio, mas que com ele tem relao, exprime que o processo penal deve
garantir a amplitude de defesa para a parte em que figura no polo passivo da
demanda criminal (o acusado). H, portanto, a necessidade de que cada parte tenha
o direito de se contrapor aos atos praticados pela parte contrria, ou at mesmo pelo
juiz. No processo penal, a ampla defesa diz respeito apenas ao ru, j o
contraditrio aplica-se a ambas as partes. Entende-se que o mbito de proteo do
princpio da ampla defesa deve abarcar o direito defesa tcnica e o direito
autodefesa (LIMA, 2014, p. 57).
Discorrendo sobre o princpio da ampla defesa, Guilherme de Souza
Nucci enfatiza que:
Ao ru concedido o direito de se valer de amplos e extensos mtodos para se defender da imputao feita pela acusao. Encontra fundamento constitucional no art. 5., LV. Considerado, no processo, parte hipossuficiente por natureza, uma vez que o Estado sempre mais forte, agindo por rgos constitudos e preparados, valendo-se de informaes e dados de todas as fontes s quais tem acesso, merece o ru um tratamento diferenciado e justo, razo pela qual a ampla possibilidade de defesa se lhe afigura a compensao devida pela fora estatal (2014, p. 78).
O doutrinador precitado ainda faz meno distino entre os princpios
da ampla defesa (concernente a todos os acusados em geral) e o da plenitude de
defesa (concernente ao acusado no Tribunal do Jri). Para ele e alguns outros
doutrinadores, o primeiro teria o sentido vasto, largo, rico, muito grande, j o
segundo teria o sentido de uma defesa plena, completa, repleta, sendo mais forte
que o primeiro. A defesa, no Tribunal do Jri, deve agir de maneira completa e
perfeita, sob pena de, assim no sendo, no se caracterizar-se como uma garantia
para o homem (NUCCI, 2014, p. 79-80).
Todavia, a distino parece se meramente acadmica, no influenciando
em nada na prxis.
3.3 O INQURITO POLICIAL E SEU VALOR PROBANTE
39
Renato Brasileiro de Lima discorre sobre o assunto dizendo que [...] a
finalidade precpua do inqurito policial a colheita de elementos de informao
quanto autoria e a materialidade do delito (2013, p. 73-74).
Assim, no direito processual penal brasileiro tecnicamente todos os
elementos informativos colhidos no decorrer do inqurito policial, se no passados
pelo contraditrio e ampla defesa, quer dizer, se no judicializados, no so aptos a
serem provas e, portanto, o juiz no pode condenar o ru com base somente neles.
A temtica referente a aplicao ou no dos princpios do contraditrio e
da ampla defesa na fase investigativa controvertida na doutrina e na
jurisprudncia. Porm, a maioria caminha no sentido de ser incabvel a aplicao
dos aludidos princpios no mbito do inqurito policial (MENDES, 2014, p. 384).
Importante frisar que no se pode confundir contraditrio com direito de
defesa. Esta pode ser exercida no decorrer da fase de investigao, como, v. g., no
interrogatrio do suspeito (autodefesa) (DEMERCIAN; MALULY, 2013, p. 77).
Em que pese ser corrente dominante de no se aplicar ao inqurito
policial, h quem defenda ser necessria a aplicao dos princpios do contraditrio
e da ampla defesa tambm na fase investigativa (DEMERCIAN; MALULY, 2013, p.
77-78).
Nesse sentido o caminhar do magistrio de Rogrio Lauria Tucci:
[...] contraditoriedade da investigao criminal consiste num direito fundamental do imputado, direito esse que, por ser um elemento decisivo do processo penal, no pode ser transformado, em nenhuma hiptese, em mero requisito formal. (2004, p. 357-360).
Entretanto, o inqurito policial no um processo, mas sim procedimento
administrativo que serve apenas de lastro probatrio para o incio da ao penal e
fundamentao de decises interlocutrias no decorrer das investigaes. Tanto
que no h falar em acusado no mbito do inqurito policial, mas sim em mero
suspeito (DEMERCIAN; MALULY, 2013, p. 77-78).
Os doutrinadores supracitados, fechando o assunto, citando os
ensinamentos de Mirabete, dizem que:
A investigao realizada pela autoridade policial no se confunde com a instruo criminal, distinguindo o Cdigo o inqurito policial (arts. 4 a 23) da instruo criminal (arts. 394 a 405). Por essa razo, regra geral, no se aplicam ao inqurito policial os princpios processuais, nem mesmo o do
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contraditrio. A Constituio Federal vigente refere-se ao processo judicial ao assegurar aos acusados (que s existem neste) o contraditrio e a ampla defesa (art. 5, LV) (DEMERCIAN; MALULY; 2013, p. 78).
Fixada a premissa de que no vigoram no mbito do inqurito policial os
princpios do contraditrio e da ampla defesa, verifica-se que os elementos
fornecidos pelo caderno investigativa tm valores de meros atos de investigao,
no podendo servir, de maneira exclusiva, de lastro para uma futura e eventual
condenao criminal (LOPES JR., 2014, p. 305).
O doutrinador precitado continua a linha de raciocnio com a seguinte
explanao:
O art. 12 do CPP estabelece que o IP acompanhar a denncia ou queixa, sempre que servir de base para uma ou outra. Qual o fundamento de tal disposio? No atribuir valor probatrio aos atos de IP, todo o contrrio. Por servir de base para a ao penal, ele dever acompanh-la para permitir o juzo de pr-admissibilidade da acusao. Nada mais do que isso. Servir para que o juiz decida pelo processo ou no processo, pois na fase processual ser formada a prova sobre a qual ser proferida a sentena O inqurito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigao e essa limitao de eficcia est justificada pela forma mediante a qual so praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausncia ou excessiva limitao do contraditrio. Destarte, por no observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5 e o inciso IX do art. 93 da nossa Constituio, bem como o art. 8 da CADH, o inqurito policial jamais poder gerar elementos de convico valorveis na sentena para justificar uma condenao (LOPES JR., 2014, p. 306).
Assim, inconcebvel que atos praticados por uma autoridade
administrativa (polcia), sem interveno/participao do poder judicirio, tenha
relevante valor probatrio para dar alicerce a um veredito condenatrio. Portanto,
provas como testemunhal, acareaes, reconhecimentos, etc., devem,
necessariamente, para serem caracterizadas como prova e terem valor para
subsidiar uma sentena condenatria, serem produzidas na fase processual, na
presente do magistrado, da defesa e da acusao. Em suma, os elementos
informativos do inqurito policial apenas servem para fundamentar decises
interlocutrias proferidas no seu decorrer (priso temporrias, priso preventiva,
quebra de sigilo bancrio, etc), ou para dar suporte para eventual incio da
persecuo criminal (LOPES JR., 2014, p. 306-308).
O problema do tema to significativo que atualmente existe um projeto
de lei tramitando no Congresso Nacional, de autoria do Deputado Federal Arnaldo
41
Faria de S, autuado sob n 6.705/2013, que modifica o inciso IV do art. 7 do
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e acrescenta o inciso XXI ao
dispositivo.
O projeto de lei tem como finalidade assegurar a aplicao dos princpios
do contraditrio e da ampla defesa no mbito do inqurito policial. Pois, para que
uma investigao criminal seja realizada, necessrio se faz a presena dos aludidos
preceitos constitucionais, bem como seja o investigado acompanhado de seu
defensor, pois ele indispensvel administrao da justia (BRASIL, 2015u)
O Deputado Federal alhures, no texto da justificativa do projeto de lei,
afirmou que:
No h justia no processo de investigao criminal sem que seja assegurado o direito ampla defesa e ao contraditrio ao cidado investigado, que pode ocorrer pela vista dos autos de todo o processado, bem como pela juntada de provas em seu favor. [...] De modo que est mais do que na hora de se assegurar tais direitos essenciais ao cidado investigado, sob pena de se permitir que, ainda hoje, uma investigao criminal seja toda realizada sem abuso da autoridade que investiga (DE S, 2013, p. 3).
Doravante, muito embora todo o estudo desempenhado pela doutrina na
questo da aplicao ou no dos princpios do contraditrio e da ampla defesa no
mbito da investigao criminal, com a concluso de que os elementos informativos
colhidos nessa fase do processo penal brasileiro no podem ser fundamento de
maneira exclusiva de uma sentena penal condenatria, a maioria da doutrina se
cala em relao ao valor probatrio do inqurito policial no cerne das investigaes
administrativas que apuram crimes contra a vida, ou seja, tipos penais de
competncia do Tribunal do Jri.
O doutrinador Edilson Mougenot Bonfim (promotor de justia) defende
que, diferentemente do que ocorre nos demais processos, no procedimento do
Tribunal do Jri tudo fato contributivo e concorre para o julgador (conselho de
sentena) tomar sua deciso. Nesse vis, o inqurito policial teria sim fora para,
exclusivamente, consubstanciar uma deciso condenatria, pois, nos dias atuais
ele realizado luz da democracia e no mais nos pores da represso. Ademais,
presidido por uma autoridade concursada (que goza de idoneidade) e fiscalizado
pelo parquet. Em outras palavras, apenas no se poderia admitir como fundamento
de uma deciso condenatria o inqurito policial mal elaborado ou quando produzida
42
prova manifestamente ilegal. Resumindo, o caderno investigativo teria o mesmo
valor probatrio que a prova produzida luz dos princpios do contraditrio e da
ampla defesa (2012, p. 15-21).
Portanto, a regra insculpida no art. 155, caput, do Cdigo de Processo
Penal aplicar-se-ia apenas ao juiz togado, entretanto:
[...] pelas caractersticas do Jri, este no deve e no pode fundamentar suas decises, agindo secundum constientia, sujeito to somente ao princpio da ntima convico, como corolrio da garantia da soberania dos veredictos. O que seria passvel de anulao do julgamento em eventual e futuro recurso, certamente, seria a deciso manifestamente contrria a prova dos autos, a ser exercido por superior instncia, conforme estatudo no art. 593, III, d, do CPP (BONFIM, 2012, p. 21).
Assim que, mesmo decidindo com base na ntima convico, os jurados
devem consubstanciar suas razes de julgar na lgica e na razo. Por isso, bem
elaborada a pea investigativa, o conselho de sentena poderia calcar-se nela para
proferir uma deciso condenatria. Assim, o inqurito policial nas investigaes de
competncia do Tribunal do Jri ganha maior importncia, vez que, como as
pessoas que compem o corpo de sentena so leigas, no sabedoras do valor
probatrio de provas e elementos informativos, podem ter como base apenas esses
ltimos para proferir sua deciso, at mesmo sobressaindo-se sobre provas
judicializada. (BONFIM, 2012, p. 21-24).
Todavia, o mesmo doutrinador nos ensina que:
Na processualstica penal, o inqurito como pea escrita (art. 9 do CPP) e sigilosa (art. 20) , no mais das vezes, o nico suporte lastreador da denncia. Polcia que sem juzo crtico segue pistas enganosas, criadas em laboratrio para confundir as investigaes, desarticular a estrutura do crime, desacreditar pelo desservio e, de antemo, toda a ao penal; porque o jurado, ao julgar, necessita do fato provado, no se satisfazendo com o fato provvel. No quer postar-se como um Teseu aturdido ante labirnticas verses; quer a certeza materializada, no lhe bastando a provvel possibilidade (BONFIM, 2012, p. 24).
Ora, mesmo com o brilhante pensamento esposado por Bonfim, verifica-
se que ele mesmo faz algumas crticas ao inqurito policial.
Portanto, de se pensar que mesmo a pea investigativa sendo presidida
por uma autoridade concursada, leia-se: delegado de polcia, e fiscalizada pelo
parquet (fiscal da lei e titular da ao penal pblica) (BONFIM, 2012, p. 15-21),
embora muito bem elaborada em no raras vezes, essas figuras no processo penal
43
fazem parte da acusao e, como visto anteriormente, nenhum dos princpios