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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Karime Martins Curi Abdalla
A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS NA EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA
CURITIBA 2011
Karime Martins Curi Abdalla
A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS NA EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Thaís G. Pascoaloto Venturi.
CURITIBA
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
Karime Martins Curi Abdalla
A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS NA EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, ___de___________ de 2011
___________________________________________ Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: ________________________________________________
Profª. Thaís G. Pascoaloto Venturi
Universidade Tuiuti do Paraná
_______________________________________________ Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
__________________________________________ Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
RESUMO
O objetivo deste trabalho é enfocar a responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos dos filhos menores emancipados voluntariamente. A questão é saber como se dá essa responsabilização e se realmente os pais ainda são responsáveis mesmo após terem emancipado seus filhos. Para isso, é relevante fazer um estudo sobre a responsabilidade civil em geral, também sobre o poder familiar e sobre a emancipação.
Palavras-chave: responsabilidade civil; poder familiar; emancipação.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................06
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...........................................................................07
2.1 CONCEITO...........................................................................................................07
2.2 DIFERENÇA ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE............................08
2.3 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL.......................................................08
2.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL......................................................09
2.4.1 Responsabilidade Contratual e Extracontratual................................................09
2.4.2 Responsabilidade Civil e Penal.........................................................................10
2.4.3 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva.....................................................11
2.4.3.1 Subjetiva.........................................................................................................11
2.4.3.2 Objetiva..........................................................................................................12
2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL..........................................13
2.5.1 Conduta.............................................................................................................13
2.5.2 Nexo Causal......................................................................................................16
2.5.3 Dano..................................................................................................................17
2.5.3.1 Modalidades de dano.....................................................................................18
3 DO PODER FAMILIAR ...........................................................................................21
3.1 CONCEITO...........................................................................................................21
3.2 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR..............................................................22
3.2.1 A Guarda...........................................................................................................23
3.3 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR......................................................26
3.4 CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR...................................................................26
3.5 EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR.....................................................................28
3.6 SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR.................................................................29
4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILÍ CITOS DOS
FILHOS MENORES EMANCIPADOS .......................................................................31
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS...............................................................................31
4.1.1 Excludentes da Responsabilidade Civil.............................................................33
4.2 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE MITIGADA....................................35
4.3 SOLIDARIEDADE................................................................................................37
4.4 EMANCIPAÇÃO...................................................................................................39
4.5 A RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS NOS CASOS DE EMANCIPAÇÃO
VOLUNTÁRIA.............................................................................................................41
5 CONCLUSÃO .........................................................................................................46
REFERÊNCIAS..........................................................................................................48
ANEXOS....................................................................................................................50
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo promover um estudo sobre a responsabilidade
civil por fato de outrem, no que diz respeito à responsabilidade civil dos pais pelos
atos danosos de seus filhos menores e os reflexos da emancipação voluntária nesse
processo de responsabilização.
O interesse pelo tema se dá pelo fato de que a responsabilidade civil dos pais
pelos atos ilícitos dos filhos possui grande relevância prática e social, pois se insere
no cotidiano das pessoas.
Além disso, busca-se o aprofundamento no estudo da responsabilidade civil já
contemplada no curso de Direito, mais especificamente as conseqüências jurídicas
dos atos ilícitos dos filhos, pretendendo esclarecer dúvidas e servir como material de
pesquisa para os pais e/ou profissionais da área.
Para isso, é necessário tecer considerações a respeito da responsabilidade
civil em geral, abrangendo conceito, diferença entre obrigação e responsabilidade,
funções, espécies e pressupostos, o que está presente no segundo capítulo.
O terceiro capítulo trata do poder familiar, que é o conjunto de deveres
inerentes aos pais para a educação e criação dos filhos, contendo conceito,
titularidade, características, conteúdo e as modalidades de extinção e suspensão
desse poder.
O quarto capítulo versa propriamente sobre a responsabilidade civil dos pais
pelos atos ilícitos dos filhos menores emancipados voluntariamente. Também enfoca
os casos em que a responsabilidade dos pais é direta, outros em que é mitigada e
no caso da emancipação voluntária, como se dá a responsabilidade paterna.
Necessário também ressaltar como tem se posicionado a jurisprudência pátria a
respeito do tema.
7
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 CONCEITO
A palavra responsabilidade origina-se do latim respondere e significa, no
plano jurídico, garantir, responder a alguma coisa, isto é, os sujeitos têm a obrigação
de assumir as conseqüências jurídicas de seus atos. “Responsável é a pessoa que
se sujeita às conseqüências pelo descumprimento do dever; é a que deve garantir
eventuais indenizações” (NADER, 2009, p.6).
A responsabilidade civil é o conjunto de normas e princípios que disciplinam a
obrigação de indenizar. Busca-se a restauração do equilíbrio, a reparação do dano,
o retorno ao status quo ante.
Segundo Noronha,
De forma ampla, a responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos strictu sensu. (2003, p. 429)
Na ótica de Carlos Roberto Gonçalves:
Indenizar significa reparar o dano causado à vítima, integralmente. Se possível, restaurando o status quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária. (2007, p.337)
É regida pelos princípios do neminem laedere (não lesar ninguém) e alterum
non laedere (não lesar outrem), segundo os quais, não se permite lesar, ofender
outra pessoa, sem que haja a obrigação de indenizar, com a consequente
responsabilização.
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2.2 DIFERENÇA ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE
Obrigação é um dever jurídico originário e responsabilidade, um dever jurídico
sucessivo, que surge a partir da violação da obrigação. Quando uma obrigação
inicial, originária, é descumprida, surge o dever de indenizar, ou seja, a
responsabilidade.
Essa distinção é mostrada pelo art. 389 do Código Civil de 2002, segundo o
qual o devedor que não cumpre a obrigação originária responde por perdas e danos.
Essa responsabilização é a obrigação sucessiva.
Os conceitos de obrigação e responsabilidade podem ser encontrados
também na definição de responsabilidade civil, a qual é um dever jurídico sucessivo
que possui a função de recompor o dano causado pela violação de um dever jurídico
originário. (CAVALIERI FILHO, 2007)
Assim, sempre haverá um dever jurídico preexistente, uma obrigação. A partir
do seu descumprimento é que surgirá a responsabilidade com a consequente
necessidade de reparação do dano.
2.3 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
As funções da responsabilidade civil podem ser resumidas em três
dimensões, na visão de Paulo Nader: “reparação, prevenção de danos e punição”.
(2009, p. 13).
A reparação visa ao ressarcimento do dano sofrido, ao retorno ao estado
original e é inerente ao próprio conceito de responsabilidade civil como já
mencionado anteriormente. Utiliza-se a indenização pecuniária como uma
compensação, quando não é possível esse restabelecimento, nos danos morais ou
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quando houve destruição da coisa. Além disso, a reparação deve abranger todos os
danos causados à vítima, materiais e morais. (NADER, 2009).
A função de prevenção de danos é especialmente importante, na medida em
que fortalece nos indivíduos valores como o de não lesar a outrem. Adiciona-se a
isso, o papel do judiciário que deve ser ágil e eficiente, que faça valer a previsão
legal ou contratual. O sentido da função em comento é desestimular a prática de
ilícitos civis e o inadimplemento das obrigações. (NADER, 2009).
A terceira função reporta-se ao sistema norte-americano que utiliza os
chamados punitive damages, como uma forma de punição ao agente e também
atuando preventiva e pedagogicamente. Porém, autores como Nader (2009),
enfocam que essa função induz ao enriquecimento sem causa, diante da
possibilidade da estipulação de valores exorbitantes como indenização. O autor
acrescenta que, no Brasil, não é possível a utilização desse tipo de punição civil, mas
que poderia ser admitida em parte, se fossem evitadas as exorbitâncias que a atual
orientação permite. Hoje se admite apenas um valor que englobe todos os tipos de
indenização, levando-se em conta a capacidade econômica da vítima e a do ofensor,
justamente para evitar o enriquecimento sem causa.
2.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
2.4.1 Responsabilidade Contratual e Extracontratual
A base desses dois tipos de responsabilidade é a violação de um dever
jurídico preexistente. Este, por sua vez, pode ter como fonte a vontade das pessoas
ou a lei.
Assim, quando se trata da vontade humana tem-se a responsabilidade civil
contratual ou negocial. Contratual quando provém da obrigação de reparar danos
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que sejam consequência do inadimplemento de um contrato, ou seja, um negócio
jurídico estabelecido entre as partes. Há um ilícito contratual, a quebra do vínculo
obrigacional estabelecido numa relação jurídica preexistente. Consta dos artigos 389
e seguintes do Código Civil de 2002. Além disso, a responsabilidade pode advir do
inadimplemento de obrigações negociais, como os negócios jurídicos unilaterais;
exemplo disso é a promessa pública de recompensa e o testamento. (NORONHA,
2003)
Já a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana refere-se às
obrigações que visam à reparação de danos causados a pessoas que não estavam
ligadas ao lesante por qualquer negócio jurídico. É a transgressão de um dever
jurídico imposto pela lei e não previsto contratualmente.
A responsabilidade aquiliana abrange a maioria dos casos, inclusive o objeto
de estudo desse trabalho e consta dos artigos 927 e seguintes do Código Civil de
2002.
2.4.2 Responsabilidade Civil e Penal
A ilicitude é a contrariedade entre a conduta e a norma jurídica. O que separa
a ilicitude penal da civil são os critérios impostos pelo Estado para atender os
interesses da sociedade.
A responsabilidade civil ocorre quando o interesse lesado é de direito privado,
há a opção do sujeito prejudicado em pleitear ou não a reparação.
Com relação à responsabilidade penal, infringe-se uma norma de direito
público e o interesse lesado é o da sociedade.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “Enquanto a responsabilidade penal é
pessoal, intransferível, respondendo o réu com a privação de sua liberdade, a
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responsabilidade civil é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por
suas obrigações”. (2007, p. 26).
Assim, a ilicitude penal refere-se a condutas humanas mais graves, atingindo
bens sociais de maior relevância, enquanto o ilícito civil possui menor gravidade.
Por isso, há a possibilidade de uma mesma conduta infringir normas de direito
público e privado, acarretando ambas as responsabilidades, civil e penal,
dependendo de sua gravidade. Haverá, portanto, dupla sanção, a pena privativa de
liberdade ou restritiva de direitos na esfera penal e a reparação no âmbito civil,
representada pela indenização.
2.4.3 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva
2.4.3.1 Subjetiva
O pressuposto fundamental da responsabilidade civil subjetiva é a culpa em
sentido amplo (que abrange a culpa stricto sensu e o dolo), sem a qual não se pode
pensar em reparação do dano. Encontra-se no art. 927, caput, associado ao art. 186
do Código Civil. De acordo com o art. 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e
187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Por sua vez, o art. 186 do
Código Civil de 2002, vem complementar esse conceito, dando a definição de ato
ilícito, segundo o qual: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito”. Assim fica estabelecida a cláusula geral da responsabilidade civil
subjetiva, a partir da conjugação desses dois artigos, conforme explicita Cavalieri
Filho.
De acordo com a teoria clássica, não há como falar em responsabilidade civil
se não houver culpa do agente. “A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto
necessário do dano indenizável” (GONÇALVES, 2007, p. 30)
12
Rui Stoco (2007) pondera que a insatisfação com a teoria subjetiva tornou-se
cada vez maior, principalmente em alguns aspectos do cotidiano em que mostrou
incompatibilidade com o desenvolvimento atual.
2.4.3.2 Objetiva
A partir da segunda metade do século XIX, deu-se mais ênfase na
responsabilidade objetiva, porque ficou evidenciado que a exigência da prova da
culpa não solucionava muitos casos e deixava a vítima sem reparação. De acordo
com a responsabilidade objetiva, basta que haja a conduta ilícita, o dano e o nexo de
causalidade, para surgir o dever de indenizar, não havendo necessidade da prova da
culpa.
É também chamada teoria do risco e prega que todo dano é indenizável. O
risco provém da atividade exercida pela pessoa, é inerente a essa atividade, da qual
decorre o dever de reparar toda e qualquer conduta causadora de um dano. Está
presente no parágrafo único do art. 927, do Código Civil de 2002:
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
O Código Civil brasileiro adota a teoria da responsabilidade subjetiva, embora
reconheça muitos casos em que cabe ser adotada a objetiva. Para que esta última
seja aplicada, deve ser autorizada pelo ordenamento jurídico. (GONÇALVES, 2007).
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2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.5.1 Conduta
Da leitura do art. 186 do Código Civil de 2002 supracitado, depreende-se que
a noção de conduta engloba ações e omissões com conseqüências relevantes para o
Direito.
Sérgio Cavalieri Filho conceitua a conduta como: “Comportamento humano
voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo
consequências jurídicas”. (2009, p.24)
A ação é um comportamento comissivo, um fazer, enquanto a omissão é um
não-fazer, uma abstenção de alguma conduta devida. Via de regra, cada pessoa
responde por seus atos. No entanto, a responsabilidade civil pode decorrer também,
de danos causados por ato próprio, ato de terceiro que esteja sob a guarda do
agente ou ainda por coisas e animais pertencentes ao agente. Por ato próprio, a
mesma pessoa, com sua atuação, deve responder pelos atos lesivos a outrem.
Temos responsabilidade por fato de outrem, indireta, ou por fato de terceiro, quanto alguém responde por danos causados por pessoas a ela ligadas por determinados vínculos de dependência profissional, como é o caso de auxiliares, substitutos ou representantes, ou por outras pessoas de cuja vigilância aquela esteja incumbida, como filhos, alunos, pacientes e hóspedes. (NORONHA, 2003, p. 491, grifo do autor)
Desta forma, a responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores é um
exemplo de responsabilidade por ato de terceiro, tema a ser tratado no capítulo 4.
É imprescindível, para este estudo, que se faça uma explanação sobre a
culpa lato sensu, que engloba a culpa em sentido estrito e o dolo. Ambos estão
presentes no referido art. 186 do CC/2002. Quando se fala em “ação ou omissão
voluntária”, trata-se do dolo e “negligência ou imprudência”, da culpa stricto sensu.
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A culpa lato sensu é a violação de um dever jurídico atribuída a alguém, pela
ação intencional ou omissão de uma diligência exigível. Dela fazem parte o dolo e a
culpa em sentido estrito.
O dolo é a conduta conscientemente dirigida a um fim ilícito, na qual a pessoa
possui a representação do resultado danoso e a consciência da ilicitude de seus
atos, constituindo estes os dois elementos do dolo: a representação ou a previsão do
resultado e a atitude consciente e contrária ao dever jurídico; o indivíduo sabe que
com sua conduta provocará um resultado danoso e mesmo assim prossegue para
atingir o fim ilícito.
Passando à culpa em sentido estrito, esta pode ser muito bem conceituada
por Cavalieri Filho como: “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto
pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou
previsível” (2009, p. 34).
Assim, exige-se que a pessoa tenha o cuidado esperado para o homem
médio, o padrão é o de alguém medianamente sensato, capaz física, intelectual e
tecnicamente, além de cuidadoso e diligente.
Na culpa em sentido estrito, o que existe é uma conduta voluntária que nasce
lícita, mas que se tornou ilícita pela ausência do cuidado necessário e exigível,
acarretando um resultado ilícito.
Além disso, a previsibilidade é seu elemento importante, na medida em que
só se pode evitar o que é previsível concretamente. O resultado involuntário deve ser
previsto pelo agente ou pelo menos, previsível. “E previsível é aquilo que tem certo
grau de probabilidade, de forma que, segundo as regras da experiência, é razoável
prevê-lo. Só há o dever de evitar o dano que for razoável prever” (CAVALIERI
FILHO, 2009, p. 35).
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A falta do dever de cuidado apresenta-se sob a forma de imprudência,
negligência e imperícia. A primeira é uma conduta positiva, consistente em uma ação
sem cautela, da qual o agente deveria abster-se. A segunda é uma omissão, é a
inobservância de normas comportamentais, é o agir sem atenção. Por último, a
imperícia é a falta de capacidade técnica ou inaptidão para o exercício de
determinada atividade. (CAVALIERI FILHO, 2009)
Diante do exposto, podem-se extrair os elementos da conduta culposa stricto
sensu: conduta voluntária com resultado involuntário; previsão ou previsibilidade; e
falta do dever de cuidado.
Ainda há modalidades de culpa quanto aos graus, podendo-se falar em culpa
grave, leve ou levíssima. A culpa grave é a chamada pelo Direito Penal de culpa
consciente, na qual há previsão do resultado, mas a pessoa acredita que este não irá
ocorrer de forma alguma. Diferencia-se do dolo eventual, no qual embora haja
previsão do resultado danoso, assume-se o risco de produzi-lo. Assim, será grave se
o agente descuidar das diligências mais óbvias, se não prever o que todos prevêem.
Leve será se a falta puder ser evitada com atenção comum, como a de um bom pai
de família e levíssima quando a falta puder ser evitada com atenção extraordinária,
com habilidade especial. Porém, independentemente do grau de culpa, haverá a
obrigação de indenizar, pois a indenização mede-se pela extensão do dano (art. 944
do CC/2002) e não pela gravidade da culpa. (GONÇALVES, 2007)
Também existem outras modalidades de culpa de acordo com diversas
situações: culpa in eligendo, culpa in vigilando, culpa in custodiendo, culpa in
committendo e culpa in omittendo.
A culpa in eligendo deriva da má escolha de representantes ou prepostos
para realizar atos da vida civil; culpa in vigilando ocorre pela falha na fiscalização de
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quem está sob a guarda do agente, como, por exemplo, dos pais em relação aos
filhos; culpa in custodiendo decorre da falta de cuidados na guarda de coisas ou
animais; a culpa in committendo resulta de uma ação, um ato positivo, imprudente;
por último, a culpa in omittendo decorre de uma omissão, da negligência.
(GONÇALVES, 2007)
Importante considerar que a responsabilidade dos pais, classificada no atual
Código Civil, no art. 933, I, como objetiva, independe do fator culpa, sendo inaplicável
a classificação anterior de culpa, culpa in vigilando, nesse caso. Neste sentido:
Essas espécies de culpa, todavia, estão em extinção, porque o Código Civil de 2002, em seu art. 933, estabeleceu responsabilidade objetiva para pais, patrão, comitente, detentor de animal, etc., e não mais responsabilidade com culpa presumida, como era no Código anterior. (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 38)
Portanto, os pais não mais respondem pelos atos danosos dos seus filhos por
falta de vigilância, independentemente de terem agido com culpa, serão
responsáveis objetivamente nesse caso.
2.5.2 Nexo Causal
A existência ou não de nexo causal é de fundamental importância para a
responsabilidade civil, pois se deve analisar se o agente deu causa ao resultado,
antes da aferição da culpa. Segundo Cavalieri Filho, nexo causal: “É o vínculo, a
ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado” (2009, p. 46).
Há responsabilidade civil sem culpa, como no caso da responsabilidade
objetiva, mas de maneira alguma pode haver responsabilidade civil sem nexo causal.
Quando o dano decorre de apenas um fato, não há dificuldade em identificar
o nexo causal; porém, quando existem múltiplas causas e não se consegue perquirir
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a verdadeira causa do evento danoso, surgem muitas dificuldades. Em decorrência
disso, algumas teorias foram criadas, na tentativa de resolver esse problema.
A primeira é a Teoria da Equivalência das Condições que, segundo Rui Stoco,
por ela “não se distingue causa, condição ou ocasião, de molde que tudo que
concorrer para o resultado é causa dele”. (2007, p. 151). Essa teoria foi afastada por
gerar muitos problemas, na medida em que todas as circunstâncias que concorrerem
para o resultado serão consideradas como causa. Isso geraria uma regressão quase
infinita, o que seria um grande inconveniente.
A segunda é a Teoria da Causalidade Adequada, segundo a qual só se
considera causadora do dano a condição mais apropriada a produzir esse resultado
e não mais todos os antecedentes possivelmente causadores desse dano, como na
teoria anterior. “Causa será apenas aquela que foi mais determinante,
desconsiderando-se as demais” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 48).
Existe ainda uma terceira teoria, a dos Danos diretos e imediatos, adotada
pelo nosso Código Civil, no art. 403. De acordo com ela, só interessa o dano que é
efeito direto e imediato do fato causador. A causa mais determinante será a
considerada.
Destarte, independentemente da teoria adotada, caberá ao juiz analisar as
provas produzidas no caso concreto, interpretá-las para verificar se existe ou não
nexo causal entre o comportamento danoso do agente e o dano verificado. (RUI
STOCO, 2007)
2.5.3 Dano
O dano é o prejuízo que gera a obrigação de indenizar. Não se cogita de
reparação sem que haja um dano concreto que enseje uma indenização. Pode haver
responsabilidade civil sem culpa, mas nunca sem dano.
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De acordo com Sílvio de Salvo Venosa: “Dano consiste no prejuízo sofrido
pelo agente. Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico
e não econômico”. (2009, p. 33)
Fernando Noronha conceitua dano como:
O prejuízo, econômico ou não econômico, de natureza individual ou coletiva, resultante de ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada. (2003, p. 555)
2.5.3.1 Modalidades de dano
Ainda segundo Noronha, existem duas categorias essenciais de dano: danos
à pessoa e danos às coisas. Os danos pessoais afetam valores ligados à própria
pessoa do lesado nos aspectos físico, psíquico ou moral e subdividem-se em danos
biológicos (corporais ou à saúde) e anímicos (danos morais em sentido estrito). Os
biológicos atingem o suporte vivo, a integridade físico-psíquica da pessoa, enquanto
os danos anímicos correspondem às ofensas aos sentimentos, à vida afetiva,
cultural, afetando a alma da pessoa ofendida. Os danos às coisas ou materiais
atingem objetos exteriores e são sempre de natureza patrimonial, podendo repercutir
na esfera extrapatrimonial, como, por exemplo, a perda de uma jóia com valor
sentimental. Assim, como qualquer dano é passível de avaliação pecuniária, o dano
classifica-se, portanto, em patrimonial e extrapatrimonial ou moral em sentido amplo
(que engloba os danos biológicos e os morais em sentido estrito). (NORONHA, 2003)
O dano patrimonial abrange o dano emergente, o que se efetivamente perdeu
e o lucro cessante, que é aquilo que se deixou de lucrar. Pode atingir não apenas o
patrimônio presente da vítima, mas também o futuro, impedindo o seu crescimento.
O dano emergente “será a diferença do valor do bem jurídico entre aquele que ele
tinha antes e depois do ato ilícito” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 72). Já o lucro
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cessante importa na perda do ganho esperável, como a impossibilidade de que a
vítima obtenha seus rendimentos advindos de sua profissão. Ambos encontram-se
no art. 402 do Código Civil brasileiro a seguir: “Salvo as exceções expressamente
previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele
efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
Além disso, existem outras classificações de dano:
a) Dano direto: é o dano que é efeito imediato do fato lesivo. “É a ofensa
moral ou patrimonial que nasce da conduta do agente, sem interferência de dano
anterior”. (NADER, 2009, p.75).
b) Dano indireto: ocorre quando alguém sofre o reflexo de um dano causado a
outrem. É também chamado de dano reflexo ou por ricochete, pois atinge outros
indivíduos que estão ligados à vítima imediata do fato lesivo. (NADER, 2009)
c) Dano presente: é o dano que ocorreu efetivamente ou já foi verificado no
momento.
d) Dano futuro: é o dano que constitui prolongamento de um dano já existente
no tempo presente, assim como o dano cujos efeitos apenas se manifestarão mais
tarde.
e) Dano certo: é o prejuízo que possui prova suficiente, tanto de sua
verificação como da decorrência de um fato antijurídico. (NORONHA, 2003).
f) Dano eventual: é o dano incerto, de verificação duvidosa, hipotética. Nunca
é passível de reparação. (NORONHA, 2003.)
g) Dano individual: é o dano que afeta pessoas certas, determinadas na sua
integridade física, psíquica e moral ou no que compõe o seu patrimônio. (NORONHA,
2003).
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h) Dano transindividual, coletivo ou metaindividual: é o dano praticado contra
uma coletividade, que atenta contra bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico ou paisagístico. (NADER, 2009).
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3 DO PODER FAMILIAR
3.1 CONCEITO
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “poder familiar é o conjunto de deveres
atribuídos aos pais no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores” (2010, p.
396). Corresponde ao pátrio poder, na antiga terminologia do Código Civil de 1916.
Para Paulo Nader, “Poder familiar é o instituto de ordem pública que atribui
aos pais a função de criar, prover a educação de filhos menores não emancipados e
administrar seus eventuais bens” (2009, p. 325).
No Direito Romano, o poder familiar denominava-se patria potestas e
objetivava o interesse do chefe de família que possuía o direito ‘de propriedade’
sobre a vida e a morte do filho. Podia matar e até entregar o filho como indenização.
(GONÇALVES, 2010).
Com o passar do tempo, os poderes do chefe de família foram sendo
restringidos e hoje o poder familiar é conjunto de deveres imposto pelo Estado aos
pais para cuidarem de seus filhos; portanto transcende o direito privado, ingressando
na órbita direito público.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, no art. 226, 7º, assim
preceitua:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Ainda no art. 227 da Constituição Federal, estão os princípios basilares de
proteção aos menores, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
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convivência familiar e comunitária, cabendo à família, ao Estado e à sociedade zelar
para que sejam assegurados.
3.2 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR
O art. 229 da Constituição Federal atribui aos pais o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores. Todos esses deveres são conferidos, via de regra, aos
pais, mãe e pai em conjunto, o que denota a igualdade completa quanto à titularidade
e exercício do poder familiar.
Mais uma vez, pode-se extrair da Constituição da República, o art. 226, §5º
que traz o seguinte: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado. §5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”. É também o que estabelece o art. 1631 do
Código Civil : “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos
pais (...)”, assim como o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em
consonância:
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Em caso de pais divorciados ou de dissolução de união estável, nada altera o
poder familiar, que continuará sendo exercido por ambos. (Art. 1632 do CC)
Excepcionalmente, pode haver o exercício separado do poder familiar por
qualquer dos pais, “quando se tratar de atos comuns de guarda do filho e dos atos de
administração ordinária. Em qualquer hipótese, excepcionalmente, pode o poder
familiar ser exercido por um dos pais com exclusão do outro, por decisão judicial”
(LÔBO, 2009, p. 277). Assim, atos simples como fazer a matrícula do filho na escola
23
ou abrir uma conta bancária podem ser realizados por apenas um dos pais, havendo
a presunção relativa da concordância do outro.
Esse exercício do poder familiar por apenas uma pessoa ocorre quando a
guarda do menor pertence a um dos genitores, com exclusão do outro, o qual apenas
possui o direito de visitas.
A conclusão a que se chega é bem demonstrada por Gonçalves: “Na
realidade, independentemente do vínculo entre os pais, desfeito ou jamais ocorrido,
ambos os genitores exercem em conjunto o poder familiar. (...) o aludido múnus
decorre da filiação, não do casamento ou união estável” (2010, p. 400).
3.2.1 A Guarda
A guarda, segundo Paulo Lôbo, “consiste na atribuição a um dos pais
separados ou a ambos dos encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do filho”
(2009, p. 169). Consta dos artigos 1.583 e seguintes do diploma civil e dos artigos 33
a 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90.
Pode ser unilateral, se exercida por um dos pais isoladamente, ou
compartilhada, se exercida por ambos. Mas deve sempre ser deferida pensando-se
em atender, da melhor forma possível, os interesses do menor, inclusive
considerando-se a sua vontade. Deve ser aplicado o princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente, que está fixado no art. 227 da CF e assegura total
prioridade à criança e ao adolescente, no que diz respeito ao direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. É também dever do
Estado criar programas assistenciais, juntamente com a assistência da família e da
sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura a proteção integral à
criança e ao adolescente, por estarem em pleno desenvolvimento.
24
Paulo Lôbo assim aduz sobre o referido princípio:
O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade. (2009, p. 53)
A guarda constitui direito natural dos pais, mas se o juiz verificar que não há
condições de os filhos permanecerem sob os cuidados dos pais, deve nomear uma
terceira pessoa como guardiã, preferencialmente pessoa idônea da família que
possua laços de afinidade e afetividade com o menor.
Outra característica é que a guarda, diferentemente do poder familiar, é
provisória e “poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial
fundamentado, ouvido o Ministério Público”. (Art. 35, do ECA)
O divórcio e a dissolução da união estável não alteram o exercício do poder
familiar, mas diferentemente, podem provocar alterações quanto à guarda dos filhos.
Com relação à responsabilidade civil dos pais separados pelos atos ilícitos
dos filhos menores, há controvérsias sobre o tema. Alguns autores como Gonçalves
(2010) dizem ser indispensável o direito de guarda para que possam exercer a
devida vigilância sobre eles. Rui Stoco (2007) também afirma que o responsável será
a pessoa que ficou com a guarda dos filhos menores, na hipótese de pais
divorciados, pois a ela cabe o dever de vigilância. Contudo, para Paulo Nader, o
pressuposto para a responsabilização é que os filhos estejam sob a autoridade e
companhia; assim “se a guarda é da mãe, mas o ato ilícito foi praticado quando o
filho se encontrava em companhia de seu pai, deste será a responsabilidade.” (2009,
p. 157)
25
O STJ já se posicionou neste sentido, afirmando que também responde pelos
atos ilícitos do filho o genitor que não detém a guarda:
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILÍCITOS DE FILHO MENOR - PRESUNÇÃO DE CULPA - LEGITIMIDADE PASSIVA, EM SOLIDARIEDADE, DO GENITOR QUE NÃO DETÉM A GUARDA - POSSIBILIDADE - NÃO OCORRÊNCIA IN CASU - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I - Como princípio inerente ao pátrio poder ou poder fa miliar e ao poder-dever, ambos os genitores, inclusive aquele q ue não detém a guarda, são responsáveis pelos atos ilícitos pratic ados pelos filhos menores, salvo se comprovarem que não concorreram c om culpa para a ocorrência do dano. II - A responsabilidade dos pais, portanto, se assenta na presunção juris tantum de culpa e de culpa in vigilando, o que, como já mencionado, não impede de ser elidida se ficar demonstrado que os genitores não agiram de forma negligente no dever de guarda e educação. Esse é o entendimento que melhor harmoniza o contido nos arts. 1.518, § único e 1.521, inciso I do Código Civil de 1916, correspondentes aos arts. 942, § único e 932, inciso I, do novo Código Civil, respectivamente, em relação ao que estabelecem os arts. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e 27 da Lei n.6.515/77, este recepcionado no art. 1.579, do novo Código Civil, a respeito dos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. III - No presente caso, sem adentrar-se no exame das provas, pela simples leitura da decisão recorrida, tem-se claramente que a genitora assumiu o risco da ocorrência de uma tragédia, ao comprar, três ou quatro dias antes do fato, o revólver que o filho utilizou para o crime, arma essa adquirida de modo irregular e guardada sem qualquer cautela (fls. 625/626). IV - Essa realidade, narrada no voto vencido do v. acórd ão recorrido, é situação excepcional que isenta o genitor, que não detém a guarda e não habita no mesmo domicílio, de responder solidar iamente pelo ato ilícito cometido pelo menor, ou seja, deve ser cons iderado parte ilegítima. V - Recurso especial desprovido.(REsp 777327 / RS 2005/0140670-7/ Relator Ministro MASSAMI UYEDA (1129. T3 - TERCEIRA TURMA. Data da Publicação/FonteDJe01/12/2009 REVJUR vol. 387 p. 119) (grifo nosso)
No caso citado, fica claro que o fato de o pai não ter se responsabilizado pelo
ato do filho é uma situação excepcional, pois em regra, ambos o genitores
respondem solidariamente, mesmo estando separados, situação inerente ao
exercício do poder familiar.
26
3.3 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR
Dentre as características do poder familiar, pode-se dizer que é:
a) Irrenunciável: por ser o poder familiar obrigação de ordem pública, não se
permite aos pais a sua renúncia, visando à completa assistência e proteção ao
menor.
b) Indelegável: não se pode confiar a terceiros o poder familiar, eximindo-se
da obrigação. A exceção, segundo Gonçalves, é o art. 166 do ECA que prevê a
colocação do menor em família substituta, geralmente em casos de adoção.
c) Imprescritível: se os pais não exercerem essa função, o poder familiar não
se extinguirá.
d) Temporário: o poder familiar perdura até a maioridade dos filhos ou até que
sejam emancipados; ou ainda, pode cessar com a adoção, a morte dos genitores ou
dos filhos, além dos casos de perda motivada pela conduta nociva dos pais.
(NADER, 2009)
3.4 CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR
Quanto aos deveres concernentes ao poder familiar, na formação e proteção
da vida dos filhos, estão elencados no art. 1634 do Código Civil os direitos e deveres
conferidos aos pais.
O inciso primeiro refere-se à criação e educação dos filhos, uma das mais
importantes obrigações, pois aos pais cabe dirigir e escolher o tipo de educação que
será dada aos filhos, zelando por seu desenvolvimento intelectual, moral e físico, da
melhor maneira possível. Nas brilhantes palavras de Paulo Nader, pode-se
compreender o sentido real de criar e educar:
27
Os pais educam não apenas quando dirigem observações, comentários aos filhos, mas principalmente quando se apresentam como um modelo pessoal de vida, seja pela seriedade, lhaneza no trato, responsabilidade no trabalho, equilíbrio emocional. A educação implica, fundamentalmente, assimilação de bons hábitos pelo educando. (...) A educação deve ser motivadora da auto-estima e reconhecer o valor de cada filho, estimulando-os a desenvolver o seu potencial e na superação de suas dificuldades. (...) Criar não é apenas oferecer recursos materiais, mas essencialmente é atenção, carinho, diálogo. (2009, p. 31)
O segundo inciso trata da obrigação de companhia a guarda. Apenas na
companhia dos pais, faz-se possível a criação e educação eficientes. A convivência
familiar é fundamental e caberá aos genitores a fiscalização e permanente vigilância
sobre a criança ou adolescente.
O inciso terceiro diz respeito ao dever de dar ou não o consentimento para
casarem. Isso ocorre quando os filhos são maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos, ou seja, relativamente incapazes. Caso não haja acordo entre os pais,
pode-se recorrer ao juiz para a solução do conflito.
O quarto inciso refere-se à nomeação de tutor para os filhos, por testamento
ou documento autêntico, em caso de morte, nomeando pessoa de confiança para
continuar a educação. Caberá, no entanto, ao juiz a escolha, sempre levando
primeiramente em consideração a vontade dos pais ausentes.
A representação e a assistência são os temas do inciso quinto; a primeira
atinente aos menores de dezesseis anos e, portanto, absolutamente incapazes para
a prática dos atos da vida civil (art. 3º, I, CC) e a segunda, às pessoas entre
dezesseis e dezoito anos, os relativamente incapazes (art. 4º, I, CC).
O inciso sexto imputa aos pais o dever de reclamar os filhos de quem os
possua ilegalmente. É a ação de busca e apreensão dos pais para tê-los sempre em
sua companhia e guarda, no intuito de defender e proteger os filhos de algum perigo
atual ou iminente.
28
Por fim, o inciso sétimo trata do dever de obediência, respeito e afazeres dos
filhos e gera muitas controvérsias pelas expressões “serviços próprios de sua idade e
condição”, sugerindo o trabalho do menor. Paulo Lôbo critica esse inciso por
considerar “incompatível com a Constituição, principalmente em relação ao princípio
da dignidade humana (arts. 1º, III, 227). Acrescenta ainda que:
Essa regra surgiu em contexto histórico diferente, no qual a família era considerada, também, unidade produtiva e era tolerada pela sociedade a utilização dos filhos menores em trabalhos não remunerados, com fins econômicos. A interpretação em conformidade com a Constituição apenas autoriza aplicá-la em situações de colaboração nos serviços domésticos, sem fins econômicos, e desde que não prejudique a formação e educação dos filhos, mas nunca para transformá-los em trabalhadores precoces. (2009, p. 281).
A legislação trabalhista brasileira proíbe o trabalho do menor até os dezesseis
anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos quatorze anos, sendo-lhe vedado o
trabalho noturno até os dezoito anos. (GONÇALVES, 2010).
3.5 EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR
A extinção do poder familiar ocorre por fatos naturais ou por decisão judicial,
em caso de perda ou destituição, conforme preceitua o art. 1635, do Código Civil, a
seguir:
Art. 1635. Extingue-se o poder familiar: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do art. 1638.
Sendo assim, com a morte dos pais, surge a necessidade da nomeação de
um tutor para que atue nos interesses do menor; já com a morte do filho, a
emancipação e a maioridade, desaparece o objetivo do poder familiar, que é proteger
o menor.
29
A emancipação é a aquisição da plena capacidade para todos os atos da vida
civil antes dos dezoito anos, a qual pode ser voluntária, decorrente da outorga dos
pais (art. 5º, par. único, inc.I) , judicial, se fruto de sentença judicial quando o menor
estiver sob tutela, ou ainda, legal, nas hipóteses do art. 5º, par. único, inc. II a V.
(AMARAL, 2006). Esse instituto será objeto de análise no capítulo seguinte.
A adoção extingue o poder familiar na pessoa do pai natural e transfere ao
adotante, sendo irreversível. (GONÇALVES, 2010).
Além disso, a perda ou destituição do poder familiar pode ocorrer por decisão
judicial, conforme o que diz o art. 1638 do Código Civil, cujas causas são as
seguintes: a) castigar imoderadamente o filho, isto é, maus-tratos e castigos
excessivos, constituindo-se em demasiada violência, atitudes absolutamente
contrárias aos princípios constitucionais; b) deixar o filho em abandono, o que
contraria o direito da criança e do adolescente de convivência familiar e comunitária,
consoante o art. 227 da Constituição Federal; c) Praticar atos contrários à moral e
aos bons costumes, evitando o mau-exemplo e uma má formação moral dos
menores, incluindo alcoolismo, prostituição e uso de drogas; d) incidir,
reiteradamente, nas faltas previstas para suspensão do poder familiar.
Todas essas hipóteses constituem causas graves que ensejam a destituição
do poder familiar, não bastando a mera suspensão.
3.6 SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR
Com o intuito de proteger o menor de atitudes nocivas de seus pais, o Código
Civil, no art. 1637, prevê a possibilidade de suspensão do poder familiar, isto é, uma
sanção aplicada aos genitores que cometerem faltas leves que não sejam motivo
suficiente para a perda de tal poder.
30
O artigo em questão assim dispõe:
Art. 1637. Se o pai ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a 2 (dois) anos de prisão.
Assim, estão no rol o abuso de autoridade que, segundo Nader, “é impor
sacrifícios desnecessários aos filhos, causando-lhes constrangimentos” (2009, p.
344), assim como faltar aos deveres, que, embora abrangente, pode ser entendido
como “ação ou omissão contrária aos princípios saudáveis de criação e educação”
(ibid., p. 344). Arruinar os bens dos filhos advém de uma má administração, levando
à perda de propriedades ou valores.
O parágrafo único trata da suspensão em caso de condenação por crime cuja
pena exceda 2 (dois) anos.
A suspensão é temporária, devendo perdurar até quando se mostre
necessária para cessar a causa que a motivou. Caberá ao juiz a definição do tempo.
Além disso, pode ser total ou parcial. Total se privar aos pais de todos os
direitos inerentes ao poder familiar, ou apenas parcial, se envolver apenas alguma
obrigação como, por exemplo, a administração dos bens do menor. (GONÇALVES,
2010).
Paulo Nader ainda acrescenta: “Se com a suspensão do exercício do poder
familiar o menor fica sem representante legal, o juiz designa guarda provisória.
Cessada a suspensão, o genitor voltará regularmente ao exercício de seu dever-
função” (2009, p. 345).
31
4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILÍ CITOS DOS
FILHOS MENORES EMANCIPADOS
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Via de regra, apenas responde pelos danos, quem os causou, é a aplicação
da responsabilidade civil por fato próprio ou individual, que decorre do art. 186, do
Código Civil, já citado anteriormente.
Contudo, existem casos em que se responde por atos de terceiro. Trata-se de
responsabilidade por fato de outrem, na qual uma pessoa pode vir a responder por
atos ilícitos de outra, a quem o responsável está ligado por um dever de guarda,
vigilância e cuidado. Para Sérgio Cavalieri Filho:
Essa espécie de responsabilidade tem por fundamento o exercício do poder familiar, que impõe aos pais obrigações várias, entre as quais a de assistência material e moral (alimentos, educação, instrução) e de vigilância, sendo esta nada mais que um comportamento da obra educativa. (2009, p. 186).
Essas hipóteses estão elencadas no art. 932 do Código civil a seguir
transcrito:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Em que pese existam os vários tipos de responsabilidade civil por fato de
outrem, a função precípua deste trabalho é enfocar a responsabilidade civil dos
pais.
Segundo Aguiar Dias (2006), a responsabilidade paterna aplica-se a todos os
atos ilícitos praticados pelo filho, sendo que a vigilância deve ser contínua e
32
universal. A responsabilização paterna está intimamente relacionada com o poder
familiar que impõe aos titulares obrigações como o dever de vigilância. Obviamente
que essa vigilância não deve ser entendida como “em todos os instantes”, mesmo
porque isso inviabilizaria a prática de atividades que visam o sustento do próprio
menor. O mesmo autor cita o exemplo de desastre de automóvel causado por filho
menor, pelo qual a responsabilidade será indiscutivelmente dos pais que o
autorizaram para dirigir veículo.
A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores independe de
culpa dos genitores, sendo assim objetiva. “Se o filho, culposamente, provoca
acidente de trânsito, o lesado tem direito de acionar o pai, para obter a indenização”
(GONÇALVES, 2007, p. 100).
A responsabilização objetiva dos genitores consta do art. 933 do Código Civil:
“As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja
culpa de sua parte , responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.
(grifo nosso).
Desta forma, basta que haja a conduta ilícita do menor, o dano e o nexo de
causalidade para surgir a responsabilidade dos pais.
Alvino Lima é da seguinte opinião sobre esse tema:
A responsabilidade do genitor pelas conseqüências ilegais e danosas dos atos praticados por seus filhos menores de baixa idade (infans) é uma responsabilidade direta, resultante da negligência na vigilância do incapaz, ou da exclusiva culpa do genitor; consequentemente, sem recurso pessoal contra o filho menor. (1973, p.41, grifo do autor)
Com tudo isso, objetiva-se aumentar as possibilidades de que a vítima seja
indenizada, pois o menor, normalmente não possui sozinho, patrimônio suficiente
para arcar com as despesas.
33
O renomado jurista Eduardo de Oliveira Leite cita que a responsabilidade civil
dos pais, ao ser objetiva, em substituição ao antigo Código Civil, no qual era
subjetiva, provoca dois efeitos:
(...) aumenta a possibilidade de a vítima receber a indenização (já que obriga os pais a reparar o dano causado, partindo da premissa de que o menor não tem patrimônio para satisfazer a vítima) e aumenta, igualmente, a responsabilidade dos pais pela educação dos filhos, pelo dever de assistência moral e vigilância (partindo do pressuposto de que todo o dano causado pelos filhos tem como origem a inquestionável falha na educação) (2006, p. 127)
Essa responsabilidade paterna, portanto, é direta, pois apenas os pais irão
responder diretamente pelos atos ilícitos dos filhos e de forma objetiva,
independentemente de culpa.
4.1.1 Excludentes da Responsabilidade Civil
Diante de todo o exposto a respeito da responsabilidade civil, pode-se dizer
que a regra é que todo ilícito deve ser indenizado.
Contudo, existem hipóteses contidas no art. 188, incisos I e II, do Código Civil,
que constituem exceções ao dever de indenizar. O referido artigo diz o seguinte:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Assim, as excludentes da responsabilidade civil são as seguintes: a legítima
defesa, o exercício regular de um direito, o estado de necessidade, a culpa exclusiva
da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior. Com exceção do estado
de necessidade, no outros casos, não há o dever de reparar o dano. “Se o ato foi
34
praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não pode o agente ser
responsabilizado civilmente pelos danos provocados”. (GONÇALVES, 2007, p. 434).
Da mesma forma, nos casos em que o agente está cumprindo um dever legal,
ele próprio não pode ser responsabilizado pelos danos cometidos, cabendo, porém, à
vítima requerer o ressarcimento do Estado, nos termos do art. 37, §6º da
Constituição Federal: “as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. (GONÇALVES,
2007. p. 436)
Em contrapartida, os artigos 929 e 9301 do mesmo diploma tratam de
situações que, mesmo que o agente tenha atuado em estado de necessidade, não
constituindo ato ilícito seu, persiste o dever de indenizar. Além disso, se o dano
ocorreu por culpa de terceiro, o autor não fica exonerado de repará-lo, mas este
pode utilizar-se de ação regressiva contra o terceiro que criou a situação de perigo.
Venosa conceitua terceiro como:
(...) alguém que ocasiona o dano com sua conduta, isentando a responsabilidade do agente indigitado pela vítima. (...) De qualquer modo, é muito rara a admissão do fato de terceiro como excludente na jurisprudência nacional (2009, p. 58-59).
Evidente é a contradição do legislador ao impor o dever de indenizar nos
casos acima; deixa-se ao arbítrio do juiz uma solução justa e coerente, fixando uma
indenização moderada. (GONÇALVES, 2007)
Há, ainda, que se falar da culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força
maior, que também exoneram o agente da obrigação de indenizar. Constam dos
1 Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).
35
artigos 945 e 393, parágrafo único2. Se a culpa é exclusiva da vítima, não existe o
nexo de causalidade entre o ato do agente e o dano sofrido pela vítima. Assim
também, o caso fortuito decorrente de fato alheio à vontade das partes e a força
maior, que se origina de acontecimentos naturais, como raios e terremotos, são
excludentes da responsabilidade civil do agente, pois não há como os evitar.
(GONÇALVES, 2007)
Com relação à responsabilidade paterna, se o ato ilícito cometido pelo filho
está amparado por uma excludente da responsabilidade civil, como a culpa
exclusiva da vítima em um acidente automobilístico, em que o menor estava
dirigindo sem habilitação, caberá ao magistrado decidir a questão da indenização,
sendo que, a rigor, não cabe aos pais a reparação de um dano cuja culpa não
pertence a seu filho, mesmo estando ele em circunstâncias não permitidas pela lei.
4.2 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE MITIGADA.
Para um melhor entendimento do tema da responsabilidade civil dos
genitores, faz-se necessária uma digressão a respeito da imputabilidade.
Inicialmente, um conceito de Cavalieri Filho sobre imputabilidade:
Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade por alguma coisa. Imputabilidade é, pois, o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para poder responder pelas conseqüências de uma conduta contrária ao dever; imputável é aquele que podia e devia ter agido de outro modo. (2009, p. 25-26).
Assim, para que a conduta seja considerada culpável, é necessário que, no
momento em que é praticada, o agente tenha o necessário discernimento para
2 Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Art. 393. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
36
entender o caráter reprovável de sua ação. A imputabilidade é pressuposto da culpa
em sentido amplo. (CAVALIERI FILHO, 2009).
Nos termos do art. 3º, I do Código Civil, os menores de 16 (dezesseis) anos
são absolutamente incapazes de exercer plenamente os atos da vida civil. Porém,
as pessoas que possuem entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos de idade são
consideradas relativamente incapazes, de acordo com o art. 4º, I, do diploma civil,
ou seja, têm certo grau de maturidade e discernimento para a prática de apenas
alguns atos civis. (AMARAL, 2006). Em ambos os casos, por eles respondem seus
pais primariamente, desde que os menores estejam sob sua autoridade e
companhia.
Contudo, há a possibilidade de os menores responderem subsidiariamente
por seus atos ilícitos. Isto pode ser comprovado pela leitura do artigo 928 do Código
Civil:
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
É a chamada responsabilidade subsidiária ou mitigada, pois os menores vão
responder pelos prejuízos causados a outrem, se os seus responsáveis não tiverem
condições financeiras suficientes para arcar com as despesas da indenização, sem
lhes privar do necessário para a sobrevivência. (GONÇALVES, 2007).
Segundo Rui Stoco (2007), o Código Civil equiparou os menores com
qualquer idade abaixo de 18 (dezoito) anos para efeito de responsabilização civil.
37
Assim, de qualquer forma, a responsabilidade dos pais e responsáveis é
primária e objetiva, aplicando-se a responsabilidade subsidiária dos filhos, nos casos
previstos em lei e se estes tiverem condições suficientes. Neste sentido, Rui Stoco:
(...) não basta que os responsáveis imediatos (pais, tutor e curador) não disponham de meios para se eximirem da obrigação. É fundamental que o incapaz disponha desses meios e que eles não lhes façam falta, ou não privem do necessário tanto o incapaz quanto seus dependentes. (2007, p. 951, grifo do autor)
Complementando, Cavalieri Filho cita o Enunciado nº 39 da Jornada de
Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos da Justiça Federal em Brasília, no
mês de setembro do ano de 2002, o qual diz o seguinte:
A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização eqüitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como conseqüência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade. (2009, p. 28).
Portanto, é de fundamental importância respeitar os limites financeiros dos
responsáveis, de modo a não relegar a segundo plano o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana.
4.3 SOLIDARIEDADE
O conceito de solidariedade consta do art. 264 do Código Civil, assim
disposto: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um
credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”.
A solidariedade está inserida no Direito das Obrigações e, segundo Venosa:
38
(...) é um artifício técnico utilizado para reforçar o vínculo, facilitando o cumprimento ou a solução da dívida. A obrigação será solidária quando a totalidade de seu objeto puder ser reclamada por qualquer dos credores ou qualquer dos devedores. (2007, p. 98)
Pode ser ativa, passiva ou mista. Ativa, quando há dois ou mais credores e
passiva quando existem dois ou mais devedores. Mista ou recíproca será quando
houver, simultaneamente, multiplicidade de credores e devedores.
Assim, na solidariedade, a obrigação possui dois ou mais sujeitos, ativos e/ou
passivos, podendo cada credor demandar ou cada devedor satisfazer a totalidade
da obrigação. Se um dos devedores fizer o pagamento, a obrigação se extinguirá
quanto aos outros coobrigados. Da mesma forma, cada credor pode exigir a
quitação total da dívida de qualquer um dos devedores. (VENOSA, 2007)
Carlos Roberto Gonçalves assim trata do tema:
Caracteriza-se a obrigação solidária pela multiplicidade de credores e/ou devedores, tendo cada credor direito à totalidade da prestação, como se fosse credor único, ou estando cada devedor obrigado pela dívida toda, como se fosse o único devedor. (...) Cada devedor passará a responder não só pela sua quota como também pela dos demais; e, se vier a cumprir por inteiro a prestação, poderá recobrar dos outros as respectivas partes. (2009, p. 113 – 114).
O crédito, na obrigação solidária, pode ser dividido em quotas que se
presumem iguais até prova em contrário. (GONÇALVES, 2009). Sendo assim, o
credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento, responderá aos outros
pela parte que lhes caiba, como preceitua o art. 272, do Diploma Civil. Da mesma
maneira, o devedor que pagar integralmente a dívida, poderá cobrar dos outros co-
devedores as suas quotas.
Também a solidariedade deve sempre resultar da lei ou da vontade das
partes, e, portanto, não se presume (Art. 265, CC). Um exemplo de solidariedade
resultante da lei é o art. 942, do Código Civil: “(...) se a ofensa tiver mais de um
39
autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. Ou, então, em se tratando
da vontade das partes, a solidariedade deve estar mencionada explicitamente no
título constitutivo da obrigação. (GONÇALVES, 2009)
Portanto, havendo diversos responsáveis, chamados de devedores solidários,
o lesado pode exigir de qualquer um a reparação integral. (NORONHA, 2003)
A solidariedade, no caso da responsabilidade civil dos pais, surge nos casos
em que o menor for emancipado voluntariamente, como será melhor explicado a
seguir.
4.4 EMANCIPAÇÃO
Com a maioridade aos 18 (dezoito) anos de idade, cessa a incapacidade
relativa do menor, podendo ele realizar todos os atos da vida civil. (art. 5º, CC)
Contudo, em certos casos previstos em lei, permite-se que o menor de 18
(dezoito) e maior de 16 (dezesseis) anos atinja a plena capacidade de exercício,
antes da maioridade, por meio da emancipação. (AMARAL, 2006).
Paulo Lobo traz o conceito de emancipação: “A emancipação é o ato de
vontade dos pais para que o filho maior de 16 anos e menor de 18, atinja e exerça a
plenitude da capacidade negocial”. (2009, p. 282)
Portanto, pelo instituto da emancipação, o sujeito alcança a plena capacidade,
a qual engloba a capacidade de direito, adquirida a partir do nascimento com vida, e
a capacidade de fato, que se obtém com a maioridade civil. A capacidade de direito
é a aptidão para ser titular de direitos e deveres e a capacidade de fato é a aptidão
para o exercício desses direitos e deveres. (AMARAL, 2006).
40
O parágrafo único do art. 5º3, do Código Civil dispõe acerca dos três tipos de
emancipação: voluntária, judicial e legal.
A primeira, a voluntária decorre da vontade dos pais e é efetivada por meio de
instrumento público; é concedida por ambos os pais, ao menor que já possui 16
(dezesseis) anos completos e não depende de homologação judicial. No caso de
ausência ou impossibilidade de um progenitor, caberá ao outro emancipar. Esta
impossibilidade deverá ser avaliada pelo juiz no caso concreto, não bastando
apenas a negação pura e simples do pai ou da mãe, por mera competição ou motivo
irrelevante. (VENOSA, 2007)
A segunda, a judicial, é destinada ao menor com 16 (dezesseis) anos
completos, que está sob tutela, por iniciativa do tutor. É concedida por sentença do
juiz. A tutela é um instituto que permite a assistência e a representação dos menores
que não estão sob o poder familiar, por diversos motivos, como morte dos pais,
ausência destes ou mesmo porque desse poder foram destituídos. (AMARAL, 2006).
Em ambos os casos, a vontade do menor deve ser respeitada, tendo em vista
que a emancipação é irrevogável. Venosa acrescenta que após ocorrida a
emancipação, em qualquer das modalidades, é ato pleno e acabado (2007, p. 150).
Ressalva-se, contudo, os casos em que o ato é nulo, como as hipóteses de nulidade
de casamento contidas no art. 15484, do Código Civil. Desta forma, a emancipação
3 Art. 5º. A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos; II – pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menos com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria. 4 Art. 1548. É nulo o casamento contraído: I – pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II – por infringência de impedimento.
41
deve sempre ocorrer pensando-se no melhor interesse do menor, o qual, em caso
de dúvida, deve ser ouvido.
A terceira hipótese está prevista nos incisos II a V do referido artigo. O inciso
II trata do casamento, pois com ele, homem e mulher emancipam-se
automaticamente, porque a lei entende que, com o casamento, devidamente
autorizados pelos pais ou responsáveis, já existe maturidade suficiente para os atos
da vida civil. No caso de dissolução do vínculo matrimonial, não há retorno à
situação de incapacidade.
O inciso III traz o exercício de emprego público efetivo, porém, no
ordenamento brasileiro, não existe possibilidade de alguém com menos de 18
(dezoito) anos ser nomeado em cargo público efetivo. (VENOSA, 2007)
O inciso IV menciona a colação de grau em ensino superior e, por último, o V
às pessoas com 16 (dezesseis) anos completos no mínimo, que possuam economia
própria, isto é, recursos próprios que permitam a sua subsistência, advinda de
relação de emprego ou estabelecimento comercial ou civil.
4.5 A RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS NOS CASOS DE EMANCIPAÇÃO
VOLUNTÁRIA.
Diante de todo o exposto, resta saber se, nos casos em que o menor for
emancipado pelos genitores, voluntariamente, conforme art. 5º, parágrafo único, inc.
I do Código Civil, a responsabilidade dos pais persiste ou não.
Sílvio de Salvo Venosa (2009) explicita que o Supremo Tribunal Federal já se
manifestou no sentido de que a emancipação do menor não elide a responsabilidade
dos pais (RTJ 62/108), pois é ato voluntário para beneficiá-lo e não para fazer Obs: Os casos de impedimento para o casamento constam do art. 1521 do Código Civil; dentre eles estão os ascendentes com os descendentes, as pessoas casadas, o adotado com o filho do adotante, entre outros.
42
desaparecer a responsabilidade paterna. Também cita Caio Mário da Silva Pereira e
Carlos Roberto Gonçalves que são favoráveis à responsabilização dos pais nos
casos de emancipação voluntária. De acordo com esses autores, não podem os pais
se exonerar da obrigação que a lei lhes impõe.
Gonçalves (2007) ainda acrescenta que nos casos em que o menor for
emancipado voluntariamente, a responsabilidade será solidária entre o menor de 18
(dezoito) anos e seus pais. Assim, de acordo com este pensamento, a emancipação
voluntária não isenta os genitores da responsabilização pelos atos ilícitos dos filhos,
além de serem solidariamente responsáveis, pais e filhos. O trecho a seguir bem
ilustra esse pensamento:
Se os pais emancipam o filho, voluntariamente, a emancipação produz todos os efeitos naturais do ato, menos o de isentar os primeiros da responsabilidade pelos atos ilícitos praticados pelo segundo, consoante proclama a jurisprudência. Tal não acontece quando a emancipação decorre do casamento ou das outras causas previstas no art. 5º, parágrafo único, do Código Civil. (GONÇALVES, 2007, P. 23)
O Enunciado nº 41 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de
Estudos do Conselho da Justiça Federal em Brasília, no mês de setembro de 2002
trata exatamente disso: “A única hipótese em que poderá haver responsabilidade
solidária do menor de 18 (dezoito) anos com seus pais é ter sido emancipado nos
termos do art. 5º, parágrafo único, inciso I, do novo Código Civil” (CAVALIERI
FILHO, 2009, p. 187).
Sérgio Cavalieri Filho também comunga da mesma opinião dos autores já
citados, como se pode ver: “Até mesmo a emancipação que se revelar como ato
impensado não tem o condão de afastar a responsabilidade dos pais, segundo a
melhor doutrina” (2009, p. 187). Isto porque a emancipação impensada ou
precipitada pode ser utilizada propositalmente em função de comportamentos
43
reiteradamente inadequados dos menores, como uma tentativa de eximir-se da
função de vigilância e responsabilização pelos atos destes.
Em contrapartida, há alguns doutrinadores que discordam dessa ideia, como,
por exemplo, Rui Stoco, que pensa serem equivalentes todos as hipóteses de
emancipação no sentido de fazer cessar a incapacidade, permitindo o pleno
gerenciamento da vida e dos bens do emancipado. Eis um trecho elucidativo deste
pensamento:
Ora, se por concessão da mãe ou do pai; por sentença; pelo casamento; exercício de emprego público; colação de grau em curso superior; estabelecimento civil ou comercial, ou por existência de relação de emprego que permitam obter economia própria (CC, art. 5º, parágrafo único, I a V), o menor, por ficção jurídica, é equiparado ao maior de 18 anos, para todos os fins e efeitos, nada justifica que por seus atos continuem a responder os pais, até porque a indignidade do filho no recebimento da outorga não tem o poder de anular ou reverter a concessão feita. (2007, p. 952)
Neste sentido também Paulo Nader: “Uma vez que a emancipação retira dos
pais a autoridade sobre os filhos, inviabiliza-se, em nossa opinião, a
responsabilidade daqueles ascendentes, à vista do que dispõe o art. 932, inc. I, da
Lei Civil” (2009, p. 159). Assim, de acordo com o autor, os pais não devem ser
responsabilizados, pois o filho fica independente juridicamente. Na mesma linha de
pensamento, Orlando Gomes acha “estranhável ainda a opinião de que o pai
responde pelos atos ilícitos do filho emancipado” (2002, p. 391).
Como se vê, há divergências doutrinárias a respeito do assunto, mas a
doutrina majoritária ainda prevalece no sentido da permanência da responsabilidade
dos pais pelos atos ilícitos dos filhos menores emancipados voluntariamente.
O pensamento jurisprudencial predominante também segue nesse sentido,
como se observa da leitura do seguinte julgado (anexo 1):
44
Suspensão do processo. Justifica-se sustar o curso do processo civil, para aguardar o desfecho do processo criminal, se a defesa se funda na alegação de legítima defesa, admissível em tese. Dano moral. Resultando para os pais, de quem sofreu graves lesões, consideráveis padecimentos morais, têm direito a reparação. Isso não se exclui em razão de o ofendido também pleitear indenização a esse título. Responsabilidade civil. Pais. Menor emancipado. A emancipação por outorga dos pais não exclui, por si só, a responsabilidade decorrente de atos ilícitos do fil ho . (STJ REsp 122573/PR – Relator – Ministro Eduardo Ribeiro (1015). (grifo nosso)
Neste caso, trata-se de tentativa de homicídio praticada por menor
emancipado voluntariamente, da qual resultaram lesões corporais na vítima. O
ofendido e seus pais pleitearam ressarcimento cível e responsabilização dos pais do
menor, o que foi negado em primeiro grau, pelo fato de ter ele sido emancipado.
Porém, em sede de recurso especial, os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Waldemar
Zveiter e Carlos Alberto Menezes Direito acordaram, por unanimidade de votos, em
conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para reformar o acórdão na parte
em que negou direito à indenização aos pais da vítima e excluiu a responsabilidade
dos pais do menor autor do delito. Todos estão de acordo com o fato de que a
emancipação voluntária não exclui a responsabilidade dos pais.
Ainda neste mesmo sentido, outra decisão do extinto Tribunal de Alçada do
Paraná:
PROCEDIMENTO SUMARISSIMO. ACAO DE REPARACAO DE DANOS RESULTANTE DE ATO ILICITO - SENTENCA CRIMINAL - MORTE POR ATROPELAMENTO CAUSADA POR MENOR EMANCIPADO. AGRAVO RETIDO. A emancipacao do menor nao elide a responsabili dade solidaria do pai em reparacao por ato ilicito . PENSAO MENSAL - VITIMA MAIOR DE IDADE QUE MORAVA COM OS PAIS - VIDA PRESUMIVEL 65 ANOS. E devida a pensao mensal aos autores se a vitima era filho maior que vivia em companhia dos pais e ajudava no sustento da familia, ate a data que completasse 65 anos de idade, media de vida adotada pela jurisprudencia patria. DANOS MORAIS. INDENIZACAO. "O Direito Positivo brasileiro admite a reparabilidade do dano moral, inclusive quando pleiteada pelos pais da vitima morta em acidente, sem ter em conta a idade desta o a situacao economico-financeira daqueles" (RT 641/230). SEGURO OBRIGATORIO - DEDUCAO. "Se o autor recebeu o seguro obrigatorio a titulo de cobertura de danos
45
pessoais, evidente que seria indevido o recebimento da mesma parcela do reu, porque, entao, estaria embolsando duas vezes a mesma divida" (RTJ 93/801). LITIGANCIA DE MA-FE. INOCORRENCIA. Exercer direito advindo de uma sentenca condenatoria penal transitada em julgado nao caracteriza litigancia de ma-fe, tampouco, cabe ao juizo civel examinar o problema ligado a culpabilidade do requerido. RECURSO DOS REQUERENTES PARCIALMENTE PROVIDO - RECURSO E AGRAVO RETIDO DOS REQUERIDOS IMPROVIDOS. (TAPR - Primeira C.Cível (extinto TA) - AC 103993-4 - Curitiba - Rel.: Des. Mário Rau - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Des. Mário Rau - Unânime - J. 18.11.1997) (anexo 2)
Trata-se de atropelamento causado por menor emancipado, acarretando a
morte da vítima, o que corroborou na ação de reparação de danos proposta pelo
Ministério Público, o qual atuou como substituto processual dos autores em face do
menor emancipado e seu pai, requerendo a reparação devida pela morte do filho
dos autores. A sentença indeferiu a exclusão do pai requerido do pólo passivo,
contra a qual foi interposto agravo retido pelos réus. O relator, Des. Mario Rau,
negou provimento ao agravo, no qual os requeridos impugnam a decisão a quo que
manteve a legitimidade do pai do menor. Da mesma forma, negou-se provimento à
apelação oferecida pelos requeridos, por unanimidade de votos dos Senhores
Juízes Antonio Renato Strapasson e Lopes de Paiva que acompanhando o voto do
relator, apenas deram provimento parcial ao recurso de apelação dos autores
apelantes para condenar os requeridos à indenização por danos morais.
Assim, o referido acórdão confirmou a sentença na questão da
responsabilidade do pai pelos danos causados pelo menor, ainda que emancipado.
Destarte, apesar de haver discordâncias a respeito do tema, prevalece o
entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a responsabilidade paterna
subsiste, ainda que o menor tenha sido emancipado voluntariamente, o que, de
acordo com todo o material pesquisado para a elaboração deste trabalho, é uma
conclusão coerente e deve preponderar nas decisões.
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5 CONCLUSÃO
A responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos dos filhos menores é uma
questão que engloba diversos fatores, podendo ensejar muitas monografias. Pela
necessidade de delimitação do tema, destinou-se esta pesquisa apenas a enfocar a
influência da emancipação voluntária na responsabilização dos pais.
Primeiramente importante destacar que a responsabilidade paterna está
inserida na responsabilidade por fato de outrem ou por fato de terceiro, que é o filho
menor de dezoito anos de idade. Além disso, é objetiva, isto é, independe do fator
culpa dos pais para haver necessidade de reparação dos danos causados. Basta que
haja a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre eles para surgir o dever de
indenizar.
Também essa responsabilidade normalmente é direta, pois apenas os
genitores respondem pelos danos sofridos pela vítima. Porém, há os casos de
responsabilidade subsidiária ou mitigada, presente no art. 928, do Código Civil, caso
em que os menores irão responder pelos prejuízos causados a terceiro, desde que
seus pais não tenham condições financeiras suficientes para arcar com o valor da
indenização. Isso tudo sem privar-lhe do necessário para a sua subsistência.
Por fim, o principal problema do presente estudo é saber se a emancipação
voluntária exime ou não os pais de responderem pelos atos ilícitos dos filhos. Pode-
se concluir que, apesar da divergência doutrinária a respeito do tema, prevalece a
opinião de que a responsabilidade paterna subsiste nesses casos, sendo inclusive
solidária, entre pais e filhos. O que pode ser confirmado pelo Enunciado nº 41 da
Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça
Federal em Brasília, no mês de setembro de 2002, já transcrito em momento
oportuno. Há inclusive predominância na jurisprudência pátria neste sentido.
47
Não se pode deixar de acrescentar que a responsabilidade dos pais advém
do exercício do poder familiar, sendo garantia constitucional, havendo controvérsias
apenas a respeito da responsabilidade de pais separados, se apenas quem detém a
guarda vai responder pelos atos dos filhos, o que seria pouco coerente, ou se ambos
os genitores, independentemente de deterem a guarda, serão os responsabilizados;
neste caso, vai depender do caso concreto, não havendo posicionamento absoluto
sobre o assunto na doutrina e na jurisprudência.
Da mesma forma, uma questão que deixa dúvidas é a influência das
excludentes de responsabilidade civil na responsabilidade paterna. Como
responsabilizar os pais de um menor que praticou um ilícito, se houve culpa exclusiva
da vítima? A resposta ficará a critério do juiz na análise do caso concreto.
Logo, apesar de existirem ainda questionamentos, a conclusão pessoal está
em consonância com a doutrina majoritária, o que significa que os pais não podem
emancipar um filho voluntariamente com o intuito de se desobrigarem das
responsabilidades próprias da condição de pai e mãe. Os pais ainda permanecem
responsáveis pelos atos ilícitos dos filhos, até os dezoito anos, quando atingem a
maioridade, mesmo emancipados voluntariamente. Lembrando que essa
responsabilidade é solidária.
48
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Janeiro: Renovar, 2006.
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____________________. Direito civil. Teoria geral das obrigações e Teoria Geral
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50
ANEXOS
Anexo 1 – Recurso Especial nº 122.573 – PR - STJ
Anexo 2 – Acórdão 103993- 4 – extinto Tribunal de A lçada - PR
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ANEXO 2 Processo: 103993-4 (Acórdão) Segredo de Justiça: Não Relator(a): Mário Rau Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível (extinto TA) Comarca: Curitiba Data do Julgamento: 18/11/1997 00:00:00 Fonte/Data da Publicação: 12/12/1997 Ementa
PROCEDIMENTO SUMARISSIMO. ACAO DE REPARACAO DE DANOS RESULTANTE DE ATO ILICITO - SENTENCA CRIMINAL - MORTE POR ATROPELAMENTO CAUSADA POR MENOR EMANCIPADO. AGRAVO RETIDO. A emancipacao do menor nao elide a responsabilidade solidaria do pai em reparacao por ato ilicito. PENSAO MENSAL - VITIMA MAIOR DE IDADE QUE MORAVA COM OS PAIS - VIDA PRESUMIVEL 65 ANOS. E devida a pensao mensal aos autores se a vitima era filho maior que vivia em companhia dos pais e ajudava no sustento da familia, ate a data que completasse 65 anos de idade, media de vida adotada pela jurisprudencia patria. DANOS MORAIS. INDENIZACAO. "O Direito Positivo brasileiro admite a reparabilidade do dano moral, inclusive quando pleiteada pelos pais da vitima morta em acidente, sem ter em conta a idade desta o a situacao economico-financeira daqueles" (RT 641/230). SEGURO OBRIGATORIO - DEDUCAO. "Se o autor recebeu o seguro obrigatorio a titulo de cobertura de danos pessoais, evidente que seria indevido o recebimento da mesma parcela do reu, porque, entao, estaria embolsando duas vezes a mesma divida" (RTJ 93/801). LITIGANCIA DE MA-FE. INOCORRENCIA. Exercer direito advindo de uma sentenca condenatoria penal transitada em julgado nao caracteriza litigancia de ma-fe, tampouco, cabe ao juizo civel examinar o problema ligado a culpabilidade do requerido. RECURSO DOS REQUERENTES PARCIALMENTE PROVIDO - RECURSO E AGRAVO RETIDO DOS REQUERIDOS IMPROVIDOS. PROCEDIMENTO SUMARISSIMO. ACAO DE REPARACAO DE DANOS RESULTANTE DE ATO ILICITO - SENTENCA CRIMINAL - MORTE POR ATROPELAMENTO CAUSADA POR MENOR EMANCIPADO. AGRAVO RETIDO. A emancipacao do menor nao elide a responsabilidade s olidaria do pai em reparacao por ato ilicito. PENSAO MENSAL - VITIMA MAIOR DE IDADE QUE MORAVA COM OS PAIS - VIDA PRESUMIVEL 65 ANOS. E devida a pensao mensal aos autores se a vitima era filho maior que vivia em companhia dos pais e ajudava no sustento da familia, ate a data que completasse 65 anos de idade, media de vida adotada pela jurisprudencia patria. DANOS MORAIS. INDENIZACAO. "O Direito Positivo brasileiro admite a reparabilidade do dano moral, inclusive quando pleiteada pelos pais da vitima morta em acidente, sem ter em conta a idade desta o a situacao economico-financeira daqueles" (RT 641/230). SEGURO OBRIGATORIO - DEDUCAO. "Se o autor recebeu o seguro obrigatorio a titulo de cobertura de danos pessoais, evidente que seria indevido o recebimento da mesma parcela do reu, porque, entao, estaria embolsando duas vezes a mesma divida" (RTJ 93/801). LITIGANCIA DE MA-FE. INOCORRENCIA. Exercer direito advindo de uma sentenca condenatoria penal transitada em julgado nao caracteriza litigancia de ma-fe, tampouco, cabe ao juizo civel examinar o problema ligado a culpabilidade do requerido. RECURSO DOS REQUERENTES PARCIALMENTE PROVIDO -
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RECURSO E AGRAVO RETIDO DOS REQUERIDOS IMPROVIDOS. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelacao Civel n. 103993-4, de Curitiba, 21 Vara Civel, em que sao apelantes 1) MINISTERIO PUBLICO, 2) LEONARDO WOSNIAK e LEONARDO WOSNIAK JUNIOR, e apelados OS MESMOS; interessados SERGIO OSORIO DA FONSECA e MARIA MARCINIACK FONSECA. O Ministerio Publico, atraves da Promotoria Especial de Reparacao de Danos Resultante de Crime, atuando como substituto processual de Sergio Osorio da Fonseca e Maria Marciniack Fonseca, propos Acao de Reparacao de Danos Resultante de Ato Ilicito contra Leonardo Wosniak Junior e seu pai Leonardo Wosniak, apoiado na sentenca penal transitada em julgado que condenou Leonardo Wosniak Junior a pena de 01 (um) ano de detencao por infracao ao art. 121, (( 3 e 4 do Codigo Penal pela morte por atropelamento de Ismar Osorio da Fonseca, filho dos autores. Requereu, assim, com apoio nos documentos de fs. 19 usque 56: a) o pagamento corrigido de todas as despesas medico-hospitalares, com incidencia de correcao monetaria e juros de mora compostos;b) Pensao Mensal no valor de 2/3 do salario-minimo a ser deferida em nome dos autores, cobrada desde a data do acidente ate a idade em que a vitima completaria 70 anos, tendo em vista que a mesma contribuia indiretamente no sustento do lar;c) Dano Moral a ser fixado por arbitramento, pelos 14 (quatorze) dias de sofrimento enquanto a vitima agonizava no hospital e pelo sentimento de perda;d) os beneficios da Justica Gratuita; e,e) a condenacao dos requeridos nas custas processuais e honorarios advocaticios a base de 20% sobre o valor da condenacao e mais 01 (um) ano de prestacoes vincendas, a ser recolhida ao Tesouro do Estado do Parana. Protestou, ainda, pelo uso de todas provas em direito admitidas. Na audiencia de conciliacao que restou infrutifera (fs.66/67), os requeridos apresentaram contestacao (fs. 68/75) com preliminar de ilegitimidade do requerido pai face a emancipacao do filho, bem como, a denunciacao a lide da Brasil Seguros. No merito, que o valor das despesas medicas e contestavel e ja compensado pelo recebimento do seguro obrigatorio; que a pensao mensal nao pode ser concedida, pois o falecido nao sustentava a familia e, como maior de idade essa obrigacao so seria possivel como prestacao de alimentos; que o dano moral e impossivel de ser pago, visto que a dor nao tem preco, senao, tambem, compensa-se pelo recebimento do seguro obrigatorio. A denunciacao da lide foi descartada na propria audiencia de conciliacao, visto a vedacao legal da intervencao de terceiros no processo sumario. (fs.66). Apos de impugnada a contestacao (fs. 80/88), o magistrado a quo indeferiu a exclusao do pai requerido, julgando improcedente a ilegitimidade arguida. (fs. 89/90). As fs. 91, os requeridos ofereceram agravo retido contra esta decisao. Resposta dos autores as fs. 94. Ouvidas as testemunhas arroladas (fs. 127/130) e apresentados memoriais pelos requeridos (fs. 131/137) e pelos autores (fs. 139/143), sentenciando as fs. 145/156, o Dr. Juiz, julgou parcialmente o pedido, primeiramente, deferindo o pedido de Justica Gratuita e se reportando a improcedencia das preliminares arguidas pelos requeridos, ou seja, ilegitimidade de parte do requerido pai e a denunciacao a lide de seguradora, respectivamente, fs. 66/67 e 89/90. Apreciando o merito, em suma, indeferiu a pretensao de Danos Morais, considerando que nao ha indenizacao que recoloque o ofendido na situacao anterior ao fato, quando se trata de dano decorrente de morte. No mais, condenou os requeridos ao pagamento: a) das despesas medicos-hospitalares e de funeral conforme notas de fs. 41, 42, 43, 45, 47, 48, 49, 50 e 52, e 51/53; e,b) da Pensao Mensal aos autores, a titulo de Danos Patrimoniais, no valor de 2/3 do salario-minimo vigente, da data do sinistro ate os 65 (sessenta e cinco) anos de idade da vitima, por restar comprovado que colaborava
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com o sustento da familia. Abatendo, ainda, desta indenizacao o valor recebido a titulo de seguro obrigatorio. Condenou, ainda, reciprocamente, autores e requeridos, ao pagamento de 50% das custas processuais e 10% de honorarios advocaticios no montante do valor da condenacao, a serem recolhidos ao Tesouro do Parana, restando os autores isentos a sucumbencia em face da Justica Gratuita. Irresignados com o decisum, autores e requeridos apelaram. Os primeiros pugnam, em suma, pela reforma da sentenca, para que o seguro obrigatorio seja acumulado com a pensao mensal e esta seja deferida ate os 70 (setenta) anos da vitima; e, ainda, pelo pagamento de danos morais. (fs. 158/190). Por sua vez, os requeridos, preliminarmente, pugnam pela procedencia do agravo retido de fs. 91. No merito, sustentam que nao restou provado que a vitima contribuia com o sustento familiar, portanto, e improcedente a pensao mensal, ate porque os pais nao demostraram necessidade de perceber tal pensao. Requer, ainda, a condenacao dos autores por litigancia de ma-fe, por ter o acidente ocorrido por fatalidade. (fs. 191/200). Em resposta, os requeridos contra-arrazoam pela manutencao da sentenca (fs. 208/212), enquanto que os autores pedem a improcedencia do recurso dos requeridos (fs. 213/230). Apos, subiram os autos a este Tribunal. Nesta instancia a douta Procuradoria Geral da Justica, manifesta-se pelo improvimento do recurso dos requeridos e pelo provimento parcial do apelo dos autores, no sentido de ser conhecido os danos morais no patamar de 100 (cem) salarios-minimos e pela nao incidencia da deducao do seguro obrigatorio na verba indenizatoria. (fs. 237/240). E o Relatorio. Primeiramente, a decisao de fs. 89/90 que indeferiu a exclusao do pai requerido nao merece a censura pretendida pelo agravo retido de fs. 91. Como bem sentenciou o MM. Juiz: "nao pode aproveitar-se o pai de uma emancipacao voluntaria para se isentar de responsabilidade por ato ilicito praticado pelo filho". (fs.89). Esta Corte acompanha este entendimento. REPARACAO DE DANOS - ACIDENTE AUTOMOBILISTICO - CULPA DEVIDAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS - INDENIZACAO DEVIDA. RESPONSABILIDADE SOLIDARIA - EMANCIPACAO DO CONDUTOR PELO PAI - IRRELEVANCIA. ... Existe responsabilidade solidaria entre o proprietario e o condutor do veiculo que deu causa ao acidente, sendo irrelevante se perquerir a condicao de emancipado do motorista para isentar de responsabilidade o proprietario. (Acordao n. 1707, da 8 Cam. Civel, rel. Juiz Conv. Jorge Massad). Tambem: RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRANSITO - MENOR EMANCIPADO - RESPONSABILIDADE DO PAI - INVASAO DE VIA PREFERENCIAL. RECURSO IMPROVIDO. (Acordao n. 2725, da 7 Cam. Civel, rel. Juiz Conv. Ruy Cunha Sobrinho). Portanto, conheco do agravo retido porem, nego-lhe provimento. Quanto ao apelo dos autores, so lhes cabe razao quanto a indenizacao por Danos Morais. E indiscutivel que os autores tiveram sofrimento intenso, decorrente do reconhecido procedimento culposo do requerido Leonardo Wosniak Junior contra seu filho Ismar Osorio da Fonseca, e indenizavel como previsto na Carta Maior, art. 5 , inc. IV. Decidiu o 1 Grupo de Camaras Civeis desta Corte, pela lavra do expoente Des. Gil Trota Telles: O Direito Positivo brasileiro admite a reparabilidade do dano moral, inclusive quando pleiteada pelos pais da vitima morta em acidente, sem ter em conta a idade desta o a situacao economico-financeira daqueles. (RT 641/230). Cito, tambem, parte do acordao n 3172, da 6 Camara Civel, esposado pelo ilustre Juiz Jorge Massad ao julgar caso semelhante: "E de sabenca geral, e foi exaustivamente afirmado nestes autos, que o dano material e aquele que afeta exclusivamente os bens concretos que compoem o patrimonio do lesado - patrimonio fisico. Esse tipo de lesao e comum em nossa sociedade capitalista, visto que a maioria dos nossos valores gravita em torno de
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bens de natureza eminentemente material. Mas nao e so. Existe aquele que ao contrario da reposicao do status quo ante do bem destruido, busca atraves de uma soma pecuniaria, arbitrada pelo consenso do Juiz, que possibilite ao lesado uma satisfacao compensatoria de sua dor intima. E o dano moral. Dessa forma, enquanto uma repoe o patrimonio lesado, a outra compensa os dissabores sofridos pela vitima, em virtude da acao ilicita do lesionador. A respeito leciona Jose de Aguiar Dias: "O dano que interessa ao estudo da responsabilidade civil e o que constitui requisito de obrigacao de indenizar. Assim, nao se pode deixar de atentar na divisao: danos patrimoniais e danos morais, materiais ou nao patrimoniais". E, conclui: "Quando ao dano nao correspondem as caracteristicas do dano patrimonial, dizemos que estamos na presenca do dano moral". (ob. Citada - pag. 720). Para o professor Antonio Chaves: "Dano moral e a dor resultante da violacao de um bem juridicamente tutelado sem repercussao patrimonial. Seja a dor fisica - dor-sensacao como a denomina Carpenter -, nascida de uma lesao material; seja a dor moral - dor sentimento - de causa material". Por seu turno, Wilson Melo da Silva, acentua o dano moral como sendo "Lesoes sofridas pelo sujeito fisico ou pessoa natural de direito em seu patrimonio ideal, entendendo-se por patrimonio ideal, em contraposicao ao material, o conjunto de tudo aquilo que nao seja suscetivel de valor economico". (O Dano Moral, p.1). Assim, a constatacao da existencia de um dano ao patrimonio moral pela perda ou capacidade de alguem decorrente da culpa comprovada de outrem, impoe o dever de indenizar."Desta forma, entendo justo e razoavel o arbitramento de cem (100) salarios-minimos para a indenizacao dos danos morais sofridos pelos autores. Quanto a acumulidade do seguro obrigatorio com a pensao mensal e, que esta seja deferida ate os 70 (setenta) anos da vitima, nao lhes cabe razao. Segundo o ensinamento de Ulderico Pires dos Santos e necessaria a deducao do seguro obrigatorio na indenizacao devida, pois ..."o que se permite e que, para nao haver bis in idem, ou enriquecimento ilicito, e que do valor da indenizacao de responsabilidade civil a ser pago se deduza o valor que a vitima ou seus beneficiarios houverem recebidos em consequencia do seguro obrigatorio, por que e para se cobrir da responsabilidade civil objetiva que o transportador o contrato". (in, "A Responsabilidade Civil na Doutrina e na Jurisprudencia", 1 Ed. Forense, pg. 328). Esta Camara invarialvelmente tem decidido neste diapasao. Cito como exemplo parte da ementa do Acordao n. 7460, da lavra do eminente Juiz Ronald Schulman: "O seguro obrigatorio eventualmente recolhido pela autora deve ser deduzido da condenacao, pois indiscutivel que o premio respectivo foi pago pela empresa de transportes, e o fato desse desembolso justifica o abatimento."Ou, de acordo com decisao pretoriana citada por Rui Stoco, in, "Responsabilidade Civil", 2 ed., Ed. RT, 1995, fs. 555: INDENIZACAO POR ACIDENTE AUTOMOBILISTICO - DEDUCAO DO QUANTUM DA INDENIZACAO DA QUANTIA CORRESPONDENTE AO SEGURO OBRIGATORIO - ADMISSIBILIDADE - CORRECAO MONETARIA: INEXISTENCIA DE PREQUESTIONAMENTO (SUMULA 356). "Se o autor recebeu o seguro obrigatorio a titulo de cobertura de danos pessoais, evidente que seria indevido o recebimento da mesma parcela do reu, porque, entao, estaria embolsando duas vezes a mesma divida" (STF - 1 Turma - RE - Rel. Cunha Peixoto - julg. em 09/05/78 - RTJ 93/801). Tambem agiu com acerto o magistrado ao fixar o termo final da Pensao Mensal como sendo a epoca em que a vitima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade, media essa de vida adotada pela jurisprudencia patria e acolhida por esta Corte, para efeito de indenizacao por ato ilicito. No mesmo sentido RJTJESP 44/140, RT 321/221 e 302/281. Por sua vez, e totalmente improcedente o apelo dos requeridos pela reforma da sentenca quanto da
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inaplicabilidade ao caso da indenizacao da pensao mensal e da ocorrencia da litigancia de ma-fe por parte dos autores, face o homicidio ser resultado de uma fatalidade. Conforme assertiva das testemunhas Henry Herrera (fs. 127/128) e Antonio Fontanella (fs. 129/130), a vitima era solteiro, morava com os pais e colaborava com o sustento da familia, trabalhando em conjunto com o pai e irmaos. Por brevidade, adoto as ponderacoes do magistrado a quo ao decidir: (fs. 150). "Sendo este o quadro, ou seja, filho maior que vivia em companhia dos pais e ajudava no sustento da familia, ainda que indiretamente, pelo seu esforco laboral, devida e a pensao mensal dos reus aos autores. O simples fato de ser a vitima estudante, nao ilide a possibilidade do mesmo colaborar no sustento da familia. Vejamos jurisprudencia a respeito: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRANSITO. MORTE DE FILHO MAIOR. ACAO PROPOSTA PELOS PAIS. DANO PRESUMIDO. PENSAO MENSAL DEVIDA. NAO MAIS SE DISCUTINDO SOBRE A OCORRENCIA DELITUOSA E OBRIGACAO DE INDENIZAR, CABE FIXAR A INDENIZACAO POR DANOS PATRIMONIAIS. PRESUME-SE O DANO RESULTANTE DA MORTE DE FILHO ADULTO, QUE RESIDIA EM COMPANHIA DOS PAIS (...) (Recurso Especial 57732, decidido em 02.04.95, Distrito Federal, publicado no DJ em 08.05.95, pagina 12372)."Tampouco, os autores litigam de ma-fe, pois exercem direito advindo de uma sentenca condenatoria penal transitada em julgado e, por outro lado, nao cabe mais ao juizo civel examinar o problema ligado a culpabilidade do requerido. Proferida condenacao criminal, com o consequente reconhecimento de dolo ou culpa do agente, isto ja nao mais podera ser discutido no juizo civel (1 TACSP - 7 C. - Ap. - Rel. Carlos Antonini - j. 14.8.81 - RT 557/131). Desta forma, nego provimento ao agravo retido e a apelacao oferecida pelos requeridos, e concedendo provimento parcial ao apelo dos autores no sentido de condenar os requeridos a indenizacao a titulo de danos morais no patamar de 100 (cem) salarios-minimos, abatida a verba do seguro obrigatorio, mantendo a sentenca imaculada no demais. Diante do exposto, ACORDAM os integrantes da Primeira Camara Civel do Tribunal de Alcada do Estado do Parana, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelacao oferecida pelos apelados, e dar provimento parcial ao recurso de apelacao dos autores apelantes no sentido de condenar os requeridos a indenizacao a titulo de danos morais no patamar de 100 (cem) salarios-minimos, abatida a verba do seguro obrigatorio. Participaram do julgamento os Senhores Juizes ANTONIO RENATO STRAPASSON e LOPES DE PAIVA. Curitiba, 18 de Novembro de 1.997. MARIO RAU - Presidente e Relator.