universitári@ - salesiano lins · web view5universitári@ - revista científica do unisalesiano...
TRANSCRIPT
1
A Concorrência da Guarda Compartilhada entre os Genitores e a Família Substituta ou Terceiros como Garantia ao Direito Fundamental à Convivência
Familiar
The Competition of Shared Guard between the Genitors and the Substitute or Third Family as a Guarantee of the Fundamental Right to Family Life
Tainá Camargo Ferreira - [email protected] em Direito - UniISALESIANO - Lins
Prof.ª Ma. Meire Cristina Queiroz Sato – [email protected] e Professora no UniSALESIANO Lins
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar que a guarda compartilhada pode ser aplicada em concorrência com a família natural, ampliada e a substituta quanto à guarda de terceiros, em que, mesmo não havendo previsão legal, é possível a fixação da guarda compartilhada entre os vários membros de uma família ou entre um membro da família do menor com uma família substituta, uma vez que atende aos princípios constitucionais que fundamentam o direito de família, sobretudo, os princípios de proteção integral e melhor interesse do menor. Para que isso seja possível, necessário que haja entre os envolvidos a afetividade e afinidade. Ressalta-se a importância da guarda compartilhada como meio adequado para se garantir o direito à convivência familiar, com prioridade à proteção integral do menor, conferindo-se à criança o direito fundamental de ter um convívio família. Este trabalho desenvolveu-se por meio do método dedutivo, utilizando a técnica de pesquisa bibliográfica.
Palavras-Chave: Guarda compartilhada. Direito fundamental. Convivência familiar. Direito de Família.
ABSTRACT
The purpose of this study is to demonstrate that shared custody can be applied in competition with the natural family, extended and substitute third party custody, in which, even without legal provision, it is possible to establish shared custody between the various Members of a family or a member of the minor's family with a surrogate family, since it complies with the constitutional principles underlying family law, above all the principles of full protection and the best interest of the minor. In order for this to be possible, there must be affectivity and affinity among those involved. The importance of shared custody as an adequate means to guarantee the right to family life is emphasized, with priority given to the protection of the child, giving the child the fundamental right to have a family. This work was developed through the deductive method, using the bibliographic research technique.
Keywords: Shared Guard. Fundamental right. Family living. Family right.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto de estudo a concorrência da guarda
compartilhada entre os membros da família ampliada e substituta por meio da
guarda de terceiros, demonstrando que a guarda compartilhada não deve ser
aplicada somente nos casos de divórcio ou dissolução da união estável, mas sempre
que houver presente o afeto, atendendo-se aos princípios constitucionais inerentes
ao direito de família, em especial, o melhor interesse da criança e adolescente e o
da convivência familiar.
Com o desenho do novo perfil de família traçados pelos princípios
constitucionais, contornado pelo afeto que se cria entre os seus membros, a família
de hoje está assumindo um papel democrático, um modelo de cidadania, em que os
envolvidos na relação familiar possam exercer plenamente os seus direitos em
busca da realização pessoal, mais do que com a reprodução e situação patrimonial.
Este novo conceito da família teve um grande impacto na sociedade, pois não
necessariamente o pai ou mãe biológicos são de fato mãe ou pai. Verificando o juiz
que não havendo vinculo de afeto e afinidade entre os genitores e os filhos,
colocando estes em situação de perigo, mas que há afeto com relação a um terceiro
que não é parente sanguíneo, mas que cuida como se filho fosse, poderá
estabelecer a guarda a este com vista a protegê-la, é a chamada paternidade
socioafetiva.
No primeiro capítulo foram abordadas as noções conceituais e
principiológicas sobre a filiação. No segundo capítulo teve como objeto de estudo o
instituto da guarda compartilhada, abordando-se as suas modalidades e aplicações.
No terceiro capítulo foi abordado a importância da guarda compartilhada, seus
pontos positivos, como sendo meio de se garantir o melhor interesse da criança e do
adolescente e a convivência familiar.
Por fim, visando proteger o melhor interesse da criança e do adolescente, e a
convivência familiar, foram pesquisadas e apontadas, por meio de pesquisa
bibliográfica, jurisprudências, cuja análise e estudo fazem concluir pela possibilidade
de se aplicar a guarda compartilhada entre membros da família ampliada e
substituta.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
3
1. O DIREITO À FILIAÇÃO NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL
1.1 Princípios constitucionais do direito de família e do direito à filiação
Para se adaptar as constantes mudanças da sociedade, nos últimos anos o
Código Civil passou por diversas mudanças, sobretudo no Direito de Família,
atualmente fundamentado nos princípios constitucionais a seguir:
a) Princípio da dignidade da pessoa humana. Denominado pela doutrina
como principio máximo, sendo consagrado já no primeiro artigo da Constituição
Federal de 1988. Apesar de não ter uma definição específica, e variar de acordo
com a matéria que se estuda, pode- se entender como respeito à dignidade da
pessoa humana, sobre o foco do Direito de Família no entendimento de Maria
Helena Diniz (2010, p.23) significa a ”[...] base da comunidade familiar, (biológica e
sócioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno
desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da
criança e do adolescente”. A dignidade da pessoa humana constitui um dos
principais, senão o principal, fundamento da República Federativa do Brasil (CF,
art.1°, III), impondo como valor maior a proteção da pessoa humana, protegendo a
sua dignidade de forma privilegiada.
Portanto, entende-se como dignidade da pessoa humana sobre o enfoque do
direito de família, como principio máximo que visa garantir, e proteger principalmente
os direitos com relação as crianças e adolescentes, já que se trata de um ser ainda
em formação.
b) Principio da igualdade jurídica de todos os filhos. Encontra-se disposto no
artigo 227, § 6.º da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe “Art. 227. [...] §
6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”. Complementando a Constituição Federal, o artigo 1.596 do
Código Civil atual, trata da mesma matéria: “Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da
relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Este princípio estabelece igualdade entre todos os filhos, ou seja, todos
possuem os mesmos direitos, e é expressamente proibido haver alguma distinção
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
4
entre eles, como ocorria no código civil de 1916, em especial em seu artigo 332, que
dispunha tratamentos jurídicos diferentes para filhos legítimos, ilegítimos e adotados,
proibindo também que conste nos assentos de nascimento qualquer expressão de
cunho discriminatório relativo à filiação.
c) Principio da Afetividade. Trata-se de princípio que fundamenta o Direito de
Família, sendo este entre todos os ramos do Direito o mais humano, em que se
funda na afeição entre os cônjuges ou conviventes, priorizando a convivência
familiar. Apesar de não constar expressamente na legislação, pode-se dizer que
decorre de uma valoração constante do princípio da dignidade da pessoa humana.
Atualmente este princípio de importante aplicação para o Direito de Família, já
que se reconhece uma mudança na sociedade, em que não mais é visto a família
apenas com finalidades econômicas, ou com intuito de procriação, mas que acima
de tudo, a família é formada pela relação de afeto que se estabelece entre os seus
membros.
Assim, com base neste princípio, além da paternidade biológica existe
também a paternidade socioafetiva. Neste passo, importante citar o Enunciado 103
proferido na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários
do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com grifo nosso
em negrito. Enunciado 103 – Art. 1.593: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.
d) Principio do melhor interesse da criança e do adolescente. Dispõe que é
dever do Estado, da família e da sociedade garantir condições para que a criança e
o adolescente tenham um desenvolvimento pleno e saudável. Encontra-se expresso
no artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988 e visa garantir à criança e ao
adolescente, devido a sua maior fragilidade e vulnerabilidade, uma maior proteção,
por se tratar de pessoa ainda em fase de desenvolvimento, por isso recebe um
tratamento especial. Assim explica Etiane Rodrigues (2016, p. 35)
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
5
O melhor interesse da criança e do adolescente é um princípio explicitado no caput do art. 227 da Constituição Federal e também condiz com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei º 8.069/ 1990, o qual regulamenta a proteção do menor. O princípio dita que o legislador tem o dever de conceder a guarda para o responsável que a melhor exercê-la, e, para isso, o juiz deve avaliar o que poderá ser o melhor para a criança e o adolescente, apreciando o fator econômico e, principalmente, o psicossocial.
Portanto, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve
ser analisado de acordo com cada caso concreto, ou seja, não serão avaliadas
apenas as condições financeiras para o sustento dos filhos, mas também se está
presente o afeto, fatores psicológicos que visem garantir seu pleno desenvolvimento.
1.2 Novos modelos de família à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, existem três
espécies da família, sendo elas:
a) Família Natural. Sua definição encontra-se no artigo 25 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, como sendo “[...] a comunidade formada pelos pais ou
qualquer deles e seus descendentes”. Trata se da Família Biológica.
No artigo 227 da Constituição Federal garante a “convivência familiar”
enquanto que no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente se refere ao
direito de “ser criado e educado no seio de sua família”. Embora estes dois
dispositivos não tragam a expressão família natural ou biológica de forma expressa,
estes se referem a ela, defendendo que a retirada da criança ou adolescente do
convívio de sua família natural apenas se dará nos casos extremamente
necessários, como medida excepcional que atenda o melhor interesse do filho.
b) Família Extensa ou Ampliada. Encontra-se no artigo 25, parágrafo único do
Estatuto da Criança e do Adolescente como sendo “aquela que se estende para
além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes
próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de
afinidade e afetividade”.
c) Família Substituta. Pode ser conceituada como a colocação da criança ou
adolescente em um núcleo familiar diferente do seu, destituindo o vinculo anterior,
com vistas a proteger a criança ou adolescente, já que sua família natural não pode,
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
6
não consegue ou não quer continuar cuidando do menor, em que é necessário que o
novo guardião. Quer seja da família, quer seja um terceiro. Porém, antes de
transferir a guarda do filho menor a um terceiro, dá-se preferência a parentes, pois
se presume um maior vinculo de afetividade e afinidade.
Este assunto esta disciplinado no artigo 28 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. “Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda,
tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou
adolescente, nos termos desta Lei”. Além destas três modalidades, também existe a
família acolhedora, que embora não exista uma lei especifica, vem sendo cada vez
mais utilizada.
2. REFLEXÕES SOBRE A GUARDA COMPARTILHADA ANTE A NOVA ORDEM JURÍDICA DO DIREITO DE FAMÍLIA
Nos próximos tópicos serão abordados todos os pontos a cerca da guarda
compartilhada, desde a sua evolução histórica no ordenamento jurídico brasileiro até
os critérios de sua fixação e da possibilidade de modificação.
2.1 Introdução e conceito de guarda
A guarda compartilhada foi introduzida no ordenamento jurídico través da Lei
nº 11.698/08, alterando os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil. Mesmo antes da
sua legalização, a guarda compartilhada não era proibida no País, mas era pouco
utilizada no caso prático. A Lei nº 13.058/14 trouxe grandes mudanças quanto à
guarda compartilhada introduzida pela lei anteriormente mencionada.
É preciso que se tenha bem visível a diferença entre guarda e poder familiar.
Apesar de uma estar vinculada a outra, as duas podem eventualmente se separar.
No Estatuto da Criança e do Adolescente o artigo 33, dispõe que: “Art. 33. A guarda
obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou
adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos
pais”. Conforme o artigo citado acima, a guarda tem a finalidade proteger, guardar, o
menor até que alcance a maioridade para os atos da vida civil. O poder familiar é o
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
7
conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, dos quais, a guarda integra como
um desses direitos-deveres.
Trata-se a guarda como uma das atribuições do poder familiar, em que
ocorrendo a separação do casal, o poder familiar não se dissolve com o fim do
casamento, havendo uma mudança apenas na guarda, que poderá ser unilateral ou
compartilhada. Ou seja, quem detém o poder familiar nem sempre detém a guarda.
A palavra “guarda”, de origem alemã, significa proteção, observância,
vigilância ou administração (GRISARD FILHO, 2013, p. 58). Desta forma, guarda
significa o direito e o dever dos pais ou ao guardião de ter os filhos em sua
companhia e sua proteção.
2.2 A guarda compartilhada
Esta modalidade de guarda visa garantir a permanência da continuidade da
convivência com ambos os genitores, mesmo após o fim da convivência conjugal,
responsabilizando ambos pela criação, educação, e assistência moral, material os
filhos, situações em que nas outras modalidades de guarda acaba por afastar o
genitor não guardião da convivência diária com os filhos.
Preservar e garantir, sempre, o que for mais benéfico ao filho, a convivência e o compartilhamento em família, que é um direito fundamental do menor e um dever fundamental dos pais, que não se limita a um simples direito de visitas, mas englobando o conviver, compartilhar, participar, amar, educar e cuidar. Desta forma, a guara compartilhada exige uma nova postura das famílias, em que os genitores tenham a capacidade de separar as funções conjugais das convivências parentais. (ARAÚJO; DOURADO; DE AGUIAR, 2015, p. 20)
É atribuída a ambos os pais a guarda jurídica, ou seja, ambos exercem de
forma igualitária, e ao mesmo tempotodos os direitos e deveres relacionados aos
filhos, e por isso todas as decisões relativas aos filhos são tomadas em conjunto.
Explica Grisard Filho (2013, p.229) que:
Quando os pais cooperam entre si e não expõem os filhos a seus conflitos, minimizam os desajustes e a probabilidade de desenvolverem problemas emocionais, escolares e sociais. Maior cooperação entre os pais leva a um decréscimo significativo dos conflitos, tendo por consequência o benefício dos filhos.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
8
Ou seja, a guarda compartilhada traz benefícios aos filhos, pois além de lhe
garantir a convivência familiar, há uma maior cooperação entre os pais para o
desenvolvimento dos filhos, e ainda a não exposição de conflitos dos pais aos filhos,
diminuindo a probabilidade de desenvolverem problemas emocionais. A guarda
compartilhada evita que os filhos, no momento do divórcio,tenham que escolher com
qual genitor pretenda permanecer, e a esta escolha nenhum filho quer responder,
com medo que na escolha de um, o outro fique magoado.
No mesmo sentido, Ricardo Oppenhein e Suzana Szylowicki citados por
Grisard Filho em sua obra “Guarda Compartilhada: Novo Modelo de
Responsabilidade Parental” (2013, p.233):
“PAIS.a) Ambos os pais se mantêm guardadoresb) qualificação na aptidão de cada um delesc) equiparação dos pais quanto ao tempo livre para a organização de sua vida pessoal e profissionald) compartilhamento do atinente a gastos de manutenção do filhoe) maior cooperação.
FILHOS.a) convivência igualitária com cada um dos pais.b) inclusão no novo grupo familiar de cada um de seus pais.c) não há pais periféricosd) maior comunicaçãoe) menos problemas de lealdadesf) bom modelo de relações parentais”.
Desta forma, o principal motivo de escolha desta modalidade de guarda,
dentre todas as outras, é a que melhor protege os interesses do menor, para que
tenham seu pleno desenvolvimento garantido, seja material, moral ou socialmente,
permitindo a plenitude da convivência familiar.
3. A POSSIBILIDADE DA APLICABILIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA NA FAMILIA EXTENSA E NA FAMÍLIA SUBSTITUTA OU GUARDA DE TERCEIRO
Neste tópico será estudada a aplicabilidade da guarda compartilhada entre a
família substituta ou guarda de terceiros com relação à família extensa, com base no
direito fundamental à convivência familiar.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
9
3.1 Direito fundamental do filho à convivência familiar
Tem origem na Constituição Federal em seu artigo 227, e pode ser
considerada como: “A convivência familiar é a relação afetiva e duradoura
entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de
parentesco ou não, no ambiente comum” (LÔBO, 2009, p.392).
A família está inserida dentro do fundamento da dignidade humana, porque é
nela que o individuo se identifica como ser humano. Inegável que a família serve
como base para o alcance da felicidade de seus membros, desenvolvendo a sua
dignidade, permitindo as suas realizações e uma existência com plenitude. Inegável
também que o direito à convivência familiar é conferido à criança e ao adolescente
como um direito fundamental e “Isso significa que eles possuem o direito de ter uma
estrutura familiar, já que a família é o instrumento de realização do ser humano
como digno cidadão, assumindo um espaço fundamental para a realização de seus
direitos” (QUEIROZ, 2015, p. 104).
Desta forma, este princípio não deve ser aplicado somente à família natural,
mais sim em todas as espécies de famílias previstas na lei, e aquelas que, mesmo
ainda não dispostas legalmente, se caracterizem como família, desde que exista a
afinidade e afetividade.
3.1.1 O afeto com fundamento do direito a uma convivência familiar e social
A Palavra afeto deriva do Latim affectus. No dicionário Aurélio (2004, p.61) da
língua Portuguesa afeto significa “S.m.1. Afeição por alguém; inclinação, simpatia,
amizade, amor. 2. Objeto de afeição”, no dicionário Houaiss (2003, p.24) “S.m.
adoração, afeição, amizade, amor, apego, carinho, dedicação, dileção, estima,
meiguice, (bem) querença, simpatia, ternura”
Carlos Pinto Corrêa (2005, apud VIANNA, 2008, p.466) diz que a “afeição é
usada filosoficamente em sua maior extensão e generalidade, porquanto designa
todo estado, condição ou qualidade que consiste em sofrer uma ação sendo
influenciado ou modificado por elas”.
O estudo sobre o afeto e a afetividade, com suas consequentes implicações jurídicas, encontra relevância nas ciências humanas e sociais, sobretudo para o Direito de Família. O afeto deixa de ser de interesse exclusivo
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
10
daqueles que o sentiam, para se definir como fato jurídico, pois possui valores na órbita jurídica de alcance constitucional (SANTOS; SUZUKI, 2015).
É no princípio da afetividade que as relações familiares são fundamentadas,
onde o respeito, o sentimento, o carinho, o amor, o cuidado e as emoções são
elementos propulsores para as relações pessoais e familiares, cujo objetivo é o
desenvolvimento da pessoa humana, “[...] a afetividade é o fundamento jurídico das
entidades familiares e de diversos outros relacionamentos e arranjos socioafetivos,
tendo assim valor jurídico” (SANTOS; SUZUKI, 2015).
3.2 A Concorrência da guarda compartilhada entre os genitores e a família extensa e a família substituta sob a observação do princípio do melhor interesse do menor
É certo que a guarda compartilhada pode ser estipulada entre os genitores e,
em determinadas situações pode também ser estipulada a um dos genitores e aos
membros da família extensa como, por exemplo: tios, tias, avós, avôs. No entanto,
não há no ordenamento jurídico uma norma que expressamente permita que a
guarda compartilhada seja atribuída a um dos genitores em concorrência com a
família substituta, no caso o terceiro que não faz parte da família natural.
Para melhor entendimento, citarei um caso prático1(Informação Verbal). Havia
na cidade de Araçatuba, duas vizinhas, em que uma delas, a vizinha A, já com a
idade avançada, muito humilde, possuía a guarda dos netos, cuidava deles com
apenas o salário de sua aposentadoria, já que a mãe foi afastada da guarda dos
filhos por ser usuária de drogas, e o pai encontrava-se preso numa penitenciária. A
vizinha B, percebendo a dificuldade da vizinha A, passou a ajudá-la na criação das
crianças, dando suporte material, moral, e acima de tudo, com o passar dos anos,
estabeleceu-se um forte vinculo de afinidade e afetividade entre essas crianças e a
vizinha B. Querendo permanecer cuidando das crianças, a vizinha B demonstrou a
vontade de possuir a guarda jurídica unilateral das crianças, no entanto, a vizinha A,
avó das crianças não permitiu, porém, consentiu na forma compartilhada para
ambas cuidarem das crianças conjuntamente.
1 Notícia fornecida por Meire Cristina Queiroz Sato, na aula de Direito de Família, no curso de Direito da Universidade Salesiano de Lins/SP.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
11
Não há neste caso prático citado acima nenhuma legislação que regule, mas
certamente é plenamente possível. Utilizando os princípios até agora estudados,
principalmente o do melhor interesse da criança/adolescente e do convívio familiar
não existe impedimentos para que estabeleça esta nova forma de família. Pelo
princípio do melhor interesse, disposto no artigo 227 da Constituição Federal, que
tem por finalidade garantir as condições necessárias para que a criança e o
adolescente tenham um desenvolvimento pleno e saudável. O que está visivelmente
preenchido, já que ambas as vizinhas juntam esforços para dar o necessário para o
desenvolvimento das crianças. Pelo principio da convivência familiar visa garantir
aos filhos a convivência entre as pessoas de sua família. O que é esta se não uma
família, já que estão presentes o vinculo de afetividade e afinidade? Quando ao
parentesco com relação à avó não há duvidas por fazer parte da família extensa e
possuir o vínculo de parentesco consangüíneo; quanto à vizinha B, faz parte da
família substituta, quanto à guarda de terceiro, e ainda caracteriza a maternidade
socioafetiva, preenchendo os dois requisitos necessários para a sua caracterização,
o “trato” e a “fama”, já que a vizinha B cuida, educa e ama as crianças como se
fossem seus filhos.
Busca-se garantir a convivência familiar, usando-se de meios e manutenção
de convívio na família natural. Mas, nem sempre, a família biológica respeita os
valores da dignidade e pleno desenvolvimento do menor, sendo necessária a
intervenção do Estado com medidas até mesmo invasivas, como a destituição do
poder familiar dos pais para atender o princípio do melhor interesse da criança/
adolescente, colocando-se os filhos no programa de adoção ou guarda em família
substituta.
3.3 A proteção integral do filho menor: estudos de decisões judiciais
Este tópico terá como estudo as decisões judiciais que têm como foco a
proteção integral dos filhos menores.
Apelação cível. Ação de destituição do poder familiar. Preliminar de nulidade de citação por edital. Genitora em lugar incerto e não sabido. Descumprimento pelos genitores dos deveres inerentes ao poder familiar. Abandono. I – Desacolhida a preliminar, uma vez que esgotados todos os
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
12
meios de localização da genitora, que se encontra em lugar incerto e não sabido, não restando outra alternativa, que não a citação editalícia. II – Cabível a destituição do poder familiar imposta aos genitores que não cumpriram com os deveres insculpidos no art. 1.634 do Código Cívil e nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal, porquanto não apresentam condições de cuidar, proteger e se responsabilizar pelo filho menor de idade. Recurso desprovido. (TJRS – AC 70067235838 – 7ª C.Cív. – Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro – J. 16.12.2015).
O caso acima mencionado trata-se de uma apelação interposta contra
sentença que julgou procedente a destituição do poder familiar, autorizando a
permanência da criança com a família substituta e posteriormente estabelecer a
guarda definitiva a este. Sendo o recurso desprovido, mantendo a sentença de 1º
grau, permanecendo a criança com a família substituta, protegendo a criança, já que
os pais não são mais compatíveis com guarda, sendo destituídos do poder familiar.
ECA. SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR. AÇÃO DE AFASTAMENTO FAMILIAR E COLOCAÇÃO EM PROGRAMA DE ACOLHIMENTO FAMILIAR - FAMÍLIA ACOLHEDORA. SITUAÇÃO DE RISCO. DETERMINAÇÃO LIMINAR. CABIMENTO.1. É cabível a suspensão do poder familiar e a colocação em programa de acolhimento familiar, em sede liminar, quando existem elementos de prova suficientes que recomendam tal providência, devendo-se levar em conta também o interesse da menor.2. A suspensão do poder familiar e a colocação em família substituta constituem medidas drásticas e, para a sua decretação, é necessário que reste demonstrada a completa negligência e o estado de abandono da filha, configurando uma situação grave de risco, que é conduta ilícita e atingida na órbita civil por essa sanção.3. Se os autos dão conta de indícios de que poderia estar ocorrendo uma adoção à brasileira encobrindo interesse escuso, mostra-se correta a adoção de todas as providências necessárias a mais ampla proteção do interesse da infante e ao cabal esclarecimento dos fatos. Recurso desprovido. (TJ/RS, Agravo de Instrumento Nº 70067329144, Sétima Câmara Cível, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 16/03/2016).
Neste caso, verificou-se que a família natural apresentava riscos para a saúde
da criança, diante a situação de risco, a família natural foi suspensa do poder
familiar e com base no princípio do melhor interesse, foi colocada em família
acolhedora e desta forma garantir-lhe a convivência familiar.
CONCLUSÃO
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
13
Dentre todos os meios de guarda que existem no ordenamento jurídico
brasileiro, sem dúvida, a guarda compartilhada é a melhor solução, sendo esta a
mais indicada por trazer benefícios, tanto para os pais, e principalmente para os
filhos, que não serão privados da convivência contínua de ambos os genitores ou do
direito de estar desfrutando da vida em família.
Os princípios constitucionais norteiam e embasam a convivência familiar, de
modo a proporcionar não só o equilíbrio e a igualdade no exercício dos direitos e
deveres de ambos os genitores com relação ao filho menor, como também é
instrumento garantidor do direito à convivência familiar, sendo esse um dos seus
principais fundamentos, já que a família é a base da sociedade. Não de outra forma,
os mesmos princípios constitucionais norteiam a instituição da guarda
compartilhada, trazendo sempre a compreensão de que se está diante do
dinamismo familiar.
No entanto, a guarda compartilhada não deve ser aplicada tão somente nos
casos em que houver dissolução do casamento ou da união estável. Uma vez,
verificado pelo juiz que para atender o melhor interesse da criança e do adolescente
e o direito à convivência familiar, deverá ser aplicada a guarda compartilhada a
aquele que não faz parte da família natural, mas que mesmo assim mantém laços de
afetividade e afinidade com o menor, como aqueles que constituem a família
extensa ou, até mesmo, para terceiros, em família substituta.
Desta forma, a guarda compartilhada pode ser aplicada em concorrência
entre um dos membros da família natural e um dos membros da família ampliada ou
extensa, como por exemplo, entre a mãe e a avó; ou ainda entre um dos membros
da família natural ou a família extensa em concorrência com a família substituta por
meio da guarda de terceiros, como por exemplo, entre a avó e uma família estranha
à relação de parentesco, mas que mantenha vínculo de afeto e afinidade com o
menor.
Como analisado no presente trabalho, também já vem sendo admitida a
concorrência da guarda compartilhada entre os membros da família ampliada, por
exemplo, entre avó e tio paternos. Portanto, é plenamente possível a aplicabilidade
da guarda compartilhada, como nos casos citados acima, principalmente pela
relação de afeto, carinho, amor, cuidado, proteção, que se instaura entre as crianças
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
14
e adolescentes entre os requerentes da guarda, mantendo-se assim, a criança no
convívio familiar, o que é indispensável para o seu desenvolvimento como digno ser
humano. É na convivência de uma família que se recebe toda a proteção e instrução
necessárias para o desenvolvimento saudável e formação do caráter, não importa se
avós, tios, primos ou terceiros fora da relação de parentesco, desde que se tenha
uma verdadeira relação de afeto e compatibilidade e afinidade com a medida de
proteção.
Assim, sempre tendo em vista atender o melhor interesse da criança e do
adolescente de ser criado com aqueles que, não reúnam tão somente melhores
condições financeiras de sustento dos menores, como também, e prioritariamente,
aquele que dá suporte psicológico, afeto, valores e princípios, limites e regras,
pautados no cuidado e no amor, de doar, de se dedicar para a felicidade e
desenvolvimento de um se humano em formação, garantindo a proteção integral da
criança.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Antônio Donato. et al. Guarda Compartilhada.Revista Síntese de Direito de Família. São Paulo-SP, n. 91, p. 12, ago-set, 2015.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 175. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2504>. Acessado em: 20 março 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro de Documentação e Informação (CEDI), 2013. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br>. Acessado em: 10 abril 2016.
BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406/2002).Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acessado em: 10 abril 2016.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acessado em: 10 abril 2016.
BRASIL. Lei da Guarda Compartilhada (Lei n. 11.698/08). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acessado em: 10 abril 2016.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
15
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70067235838. Porto Alegre, RS. Relator: Des.ª Lislena Schifino Robles Ribeiro. Pesquisa de Jurisprudência, acórdãos, 16 dez. 2015. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br> Acesso em: 24 abril 2016.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento 70067329144. Porto Alegre, RS. Relator: Des. Sergio Fernando Vasconcellos Chaves. Pesquisa de Jurisprudência, acórdão, 16 março 2016. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br> Acesso em: 24 abril 2016.
DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro:Direito de Família, volume 5, 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada:um novo modelo de responsabilidade parental, 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss: Sinônimos e Antônimos. 1.ed. editora Objetiva: Rio de Janeiro, 2003.
LÔBO, Paulo. Direito-Dever à Convivência Familiar. DIAS, Maria Berenice (Org). Direito das Famílias – Contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
QUEIROZ, Meire Cristina. A Guarda Compartilhada e a Convivência Familiar: instrumentos de concretização dos direitos fundamentais do filho. QUEIROZ, Meire Cristina; ZELLERHOFF, Marcelo Sebastião dos Santos (Org.). Fundamentos Constitucionais: temas interdisciplinares de direito. Birigui, Boreal, 2015, p. 103-115.
RODRIGUES, Etiane. Parentalidade Socioafetiva: a preponderância da filiação socioafetiva em face da biológica.Revista Síntese de Direito de Família. São Paulo-SP, n. 94, p. 37-39, fev-mar, 2016.
SANTOS, Aliffer Henrique dos. SUZUKI, Tamires Midori de Lima. O Valor Jurídico do Afeto e o Ilícito pelo Desamor nas Relações Familiares. In:Saberes em Ação, 2015, Campo Grande-MS, Anais do II Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Católica Dom Bosco,27 e 28 out, 2015.
TARTUCE, Flavio: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leita (Org.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2008.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
16
VIANNA, Breno Mendes Forel Muniz: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leita (Org.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2008.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016