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E D I T O R I A E D I T O R I A E D I T O R I A E D I T O R I A E D I T O R I A L NATUREZA, HISTÓRIA E RELIGIÃO O [...] É fácil reconhecer no universal o critério da natureza. Porque aquilo que é constante em todos os homens escapa necessariamente ao domínio dos costumes, das técnicas e das instituições pelas quais seus grupos se diferenciam e se opõem. (Claude Lévi-Strauss) Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universida- de Católica de Goiás tem a honra de trazer a público, neste primeiro número do quarto volume de sua revista Caminhos, a notícia da recomen- dação de seu projeto de Doutorado, recentemente apresentado à Ca- pes. O curso, cujo processo seletivo para a primeira turma que ingressa no primeiro semestre de 2007 já teve início, inaugura avaliado com nota quatro, que consideramos estimulante por significar que a su- peração dos próximos desafios deve continuar a ser procurada na direção atualmente trilhada pela equipe docente, discente e adminis- trativa envolvida no processo de sua criação. As contribuições recebidas de pesquisadores de diversas instituições do país para este número da Caminhos foram articuladas em dois principais eixos temáticos, a saber, natureza e história, em suas relações com o estudo das religiões. Além dessas, foram integradas outras contribui- ções, geográfica e metodologicamente, diferenciadas: uma estrangei- ra, que propõe uma abordagem etno-hermenêutica para o estudo das religiões comparadas, e outra local, que interpreta, pelo viés de gêne- ro, o sistema mitológico em Creta minóica. Os demais artigos rece-

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  • E D I T O R I A E D I T O R I A E D I T O R I A E D I T O R I A E D I T O R I A LLLLL

    NATUREZA,

    HISTRIA

    E RELIGIO

    O

    [...] fcil reconhecer no universal o critrio da natureza. Porqueaquilo que constante em todos os homens escapa necessariamenteao domnio dos costumes, das tcnicas e das instituies pelas quaisseus grupos se diferenciam e se opem. (Claude Lvi-Strauss)

    Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio da Universida-de Catlica de Gois tem a honra de trazer a pblico, neste primeironmero do quarto volume de sua revista Caminhos, a notcia da recomen-dao de seu projeto de Doutorado, recentemente apresentado Ca-pes. O curso, cujo processo seletivo para a primeira turma que ingressano primeiro semestre de 2007 j teve incio, inaugura avaliado comnota quatro, que consideramos estimulante por significar que a su-perao dos prximos desafios deve continuar a ser procurada nadireo atualmente trilhada pela equipe docente, discente e adminis-trativa envolvida no processo de sua criao.

    As contribuies recebidas de pesquisadores de diversas instituies do paspara este nmero da Caminhos foram articuladas em dois principaiseixos temticos, a saber, natureza e histria, em suas relaes com oestudo das religies. Alm dessas, foram integradas outras contribui-es, geogrfica e metodologicamente, diferenciadas: uma estrangei-ra, que prope uma abordagem etno-hermenutica para o estudo dasreligies comparadas, e outra local, que interpreta, pelo vis de gne-ro, o sistema mitolgico em Creta minica. Os demais artigos rece-

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    bidos e aceitos para a publicao iro aguardar as duas prximas edi-es, que sero dedicadas, respectivamente, s temticas da Literatu-ra Sagrada e da Cultura em suas relaes com as Cincias da Religio.

    O artigo de abertura deste nmero, do Prof. Dr. Silas Guerriero, antroplo-go do Programa de Estudos Ps-Graduados de Cincias da Religioda PUC-SP, referente aula inaugural ministrada no Programa dePs-Graduao em Cincias da Religio da UCG, no corrente ano.O autor reabre, neste trabalho, um campo de interlocuo h muitoevitado pela antropologia da religio, que articula a evoluo biol-gica do organismo humano dimenso propriamente religiosa uni-versalmente observada no bojo da produo cultural. O entrelaamentode ambas as esferas, neuroanatmicas e religiosas, segundo a argu-mentao desenvolvida pelo autor, constitui uma das principais razesda transio para a humanidade.

    O texto de Silas Guerriero fornece subsdios para enriquecer a discusso deum tema originalmente controverso, uma vez que a moderna antro-pologia social construiu seus alicerces justamente sobre os escom-bros das teorias que, at meados do sculo passado, visavam explicara diversidade cultural humana por meio de sua natureza (seja racialou sexual). luz de conhecimentos contemporneos advindos dereas diversas, como a sociobiologia, a antropologia fsica e aneurocincia, o autor demonstra a necessidade da retomada da ques-to pela Cincia da Religio, bem como a pregnncia do dilogointerdisciplinar que ousa inaugurar.

    A contribuio do Prof. Dr. Srgio da Mata, do Departamento de Histriada Universidade Federal de Ouro Preto, constitui uma reflexo teri-ca sobre tema do espao sagrado, realizada com base em aborda-gens diversas do conceito de espao, que vo da fenomenologia sociologia, da antropologia estrutural histria, alm das revisesefetuadas pela prpria geografia seja luz do marxismo ou doculturalismo. A publicao deste artigo permite o acesso s densasreflexes sobre a temtica desenvolvida como tese de doutoramentopublicada na Alemanha, resenhada pela Profa. Ms. Las AparecidaMachado, da UCG, para esta edio.

    O trabalho de Srgio da Mata se articula, de certa forma, ao do Prof. SilasGuerriero, na medida em que discute dimenses fundantes e invari-veis do fenmeno religioso, relacionados, em boa medida, questoda natureza humana.

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    Com efeito, a existncia universal de princpios organizadores da experinciareligiosa vem apontar para a idia de uma natureza humana. Segundouma perspectiva levistraussiana, toda ordem simblica se encontra as-sentada em um princpio de universalidade o da regra, que subjugaa natureza cultura, a exemplo primordial do primeiro tabu, o inces-to, que articula em si natureza (por sua universalidade como princ-pio) e cultura (por apresentar-se arbitrariamente diferenciado emcontedo).

    O artigo do Dr. Pierre Sanchis, professor emrito da UFMG, tambm apontapara a estrutural teimosia do fenmeno religioso, por meio de umprocesso de interpretao que parte da realidade emprica as dife-renas censitariamente mensuradas entre a religio vivida na regiocentral e moderna da cidade de Belo Horizonte e a de seus espaosmais perifricos e tradicionais. A interpretao realizada pelo autor,que procede a uma anlise cautelosa e bem mediada entre as dimen-ses locais e globais do fenmeno da secularizao, constitui, semdvida, uma importante contribuio metodolgica para a investi-gao de dados localmente mensurveis sobre a religio na modernidade:os dados por ele trazidos tona passam a debater, ainda que preli-minarmente, questes contemporneas que dizem respeito, sobretu-do, profecia desmentida da secularizao como conseqncia damodernidade.

    Contrapondo-se aos artigos anteriores que propem abordagens compa-rativas e lanam mo, sobretudo, das categorias analticas de espaosagrado, modernidade e secularizao , o artigo do Prof. Dr. JordanPaper, da Universidade de Toronto, Canad, apresenta uma perspec-tiva nitidamente marcada pela influncia da etnografia chamada deps-moderna. Com efeito, o autor sugere, em seu texto, a necessi-dade de articular hermenutica e estudos comparados sobre a reli-gio dos outros, tomando o exemplo da China e de sociedadesindgenas, propondo, assim, uma alternativa de estudo para as Cin-cias da Religio que privilegia as categorias nativas em detrimentodas analticas.

    Abrindo outra seo temtica, o Prof. Dr. nio Jos da Costa Brito, telogo daPUC-SP, demonstra a defasagem hoje observvel entre os avanos dosestudos historiogrficos justamente marcados pela influncia dahermenutica e pela valorizao do sujeito poltico e os estudos con-temporneos da Histria da Igreja. O artigo, apresentado como comu-

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    nicao oral no XXI Congresso da Sociedade de Teologia e Cincias daReligio (Soter), em julho de 2006, aborda descritivamente a tendnciarevisionista presente nos estudos historiogrficos sobre escravido no Brasile enfatiza, sobretudo, as alternativas de leituras das fontes neles apresen-tadas. Em todo caso, a necessidade de se redimensionar, com novo olhar,as possibilidades de contribuio das novas abordagens metodolgicaspara as Cincias da Religio so apontadas pelo autor.

    O campo de abordagens histricas do fenmeno religioso tem sido, de fato,situado em uma posio de relativo desprestgio perante as primeirastentativas de organizar as religies como objeto de estudo cientfico.Segundo as reflexes elaboradas por Marcel Mauss (1979) a propsitoda abordagem do fenmeno da prece, ainda que os historiadores dasreligies houvessem, at ento, reunido importantes informaes, seusrelatos no passariam de exposies de fatos, cujas relaes se estabele-ciam simplesmente pelo critrio cronolgico o que no contribuapara conferir inteligibilidade sobre questes relativas, por exemplo, sregularidades pesquisadas pelo cientista da religio. sobretudo em des-crever que se preocupa o historiador, observava Mauss (1979, p. 111).

    Podemos entender, assim, o questionamento da validade heurstica dos es-tudos histricos para a iluminao do fenmeno religioso no interiorda lgica cientificista que marcou a intelectualidade do incio do s-culo XX. Na atualidade, no entanto, este paradigma tem sido que-brado, ainda que, de fato, no possamos negar que o particularismoexcessivo que vigora em abordagens historiogrficas tenda a impedirquaisquer possibilidades de comparao e generalizao, sem as quais,alis, o fazer cientfico torna-se incuo.

    O campo de investigao da Profa. Dra. Maria Regina Celestino de Almeida,do Departamento de Histria da Universidade Federal Fluminense,encara os desafios da nova escrita da histria e sua leitura do campodas religies, problematizando, por exemplo, o dimensionamento doOutro (no caso, o indgena) e seu protagonismo no processo de con-verso religiosa. Em seu artigo para esta coletnea, a autora descreveo papel das diversas ordens religiosas, mais especificamente a dosjesutas, na fundao e no desenvolvimento da capitania do Rio deJaneiro e na construo do Estado e da sociedade colonial. A publi-cao do artigo coincide com a celebrao dos 450 anos da morte deIncio de Loyola, justamente em um momento em que esto sendoanalisadas e debatidas a trajetria e a marca da ao jesuta no Brasil

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    e no mundo. Ainda que, de fato, a prtica dos jesutas nas missesindgenas, hoje considerada como precursora da globalizao, tenhalevado transformao dos ndios em sditos cristos, a autora de-monstra como, ao ensinarem-lhes os jesutas novas prticas culturaise polticas, estas seriam utilizadas instrumentalmente pelos ndiospara negociao de possveis ganhos na sociedade colonial.

    Concluindo a seo de artigos, o Prof. Dr. Jos Carlos Avelino da Silva, doPrograma de Ps-Graduao em Cincias da Religio da Universida-de Catlica de Gois, apresenta uma interpretao do impacto dapresena dos aqueus e o conflito deflagrado no plano simblico, so-bretudo no que diz respeito linguagem de gnero, no sistema mito-lgico minico centrado na deusa Me.

    A seo de resenhas conta ainda com a contribuies de duas recentes mes-tras do Programa, Andra Paniago Fideles e Keila Carvalho de Ma-tos; a primeira responsvel pelo livro recentemente publicado peloProf. Dr. Joel Antnio Ferreira, da UCG (Glatas: a epstola da aber-tura de fronteiras) e a segunda pelo livro da Profa. Dra. Ivoni RichterReimer, tambm da UCG (Grava-me como selo no seu corao: teo-logia bblica feminista). Giulle da Mata, do Programa de Mestradoem Antropologia da UFMG, contribui para esta edio com a opor-tuna resenha do livro de Gianni Vattimo, Depois da cristandade: porum cristianismo no religioso.

    Aps as resenhas, sero apresentados os resumos das dissertaes produzidaspelo programa no segundo semestre de 2005. Conforme o projeto ori-ginal, idealizado pelo Prof. Dr. Haroldo Reimer, responsvel por todasas edies anteriores da Caminhos, a quem temos a honra de suceder.A seo final compreende a produo intelectual do corpo docente doPrograma de Ps-graduao em Cincias da Religio da UCG, relativaao ltimo semestre de 2005. Demais informaes podem agora serconferidas no site1 do Programa.

    Izabel Missagia de MattosEditora

    Nota

    1 Cf..

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    Referncias

    LVI-STRAUSS, C. Natureza e cultura. In: LVI-STRAUSS, C. As estruturas

    elementares do parentesco. 2. ed. So Paulo: Edusp, 1982.

    MAUSS, M. A prece (1909). In: CARDOSO DE OLIVEIRA, R. (Org.). Mauss.

    So Paulo: tica, 1979.

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