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Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas venda proibida Ano 11 • Nº 131 Outubro / Novembro 2005 IMPRESSO ESPECIAL CONTRATO Nº 050200487-8/2001 ECT/DR/RJ IBASE (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS) ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO PELA ECT No próximo 23 de outubro, o eleitorado irá às urnas para responder à seguinte pergunta: o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil? A partir do resultado, o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, poderá entrar totalmente em vigor. Mas a nova legislação já vem dando frutos: em 2004, o índice nacional de mortes por armas de fogo caiu 8,2% – o que não acontecia há 13 anos. Significa que 3.234 vidas foram poupadas. Quem tem 16 e 17 anos não é obrigado(a) a participar da consulta, mas vale lembrar que se trata de uma oportunidade de interferir nos rumos do país. Págs. 12 e 16 A decisão é sua, participe! Estudantes se preparam para a II Conferência Nacional sobre Meio Ambiente Pág. 7 Quem é o público do Jornal da Cidadania? Conheça os resultados da nossa pesquisa Pág. 8 Em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, a sociedade comemorou a queda da taxa de homicídios, divulgada em setembro pelo Ministério da Saúde ÉRICO HILLER/INSTITUTO SOU DA PAZ

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Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas venda proibida Ano 11 • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

IMPRESSO ESPECIAL

CONTRATO

Nº 050200487-8/2001

ECT/DR/RJ

IBASE

(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISESSOCIAIS E ECONÔMICAS)

ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO

PELA ECT

No próximo 23 de outubro,o eleitorado irá às urnaspara responder à seguintepergunta: o comércio dearmas de fogo e muniçãodeve ser proibido no Brasil?A partir do resultado, oEstatuto do Desarmamento,aprovado em 2003, poderáentrar totalmente em vigor.Mas a nova legislação jávem dando frutos:em 2004, o índice nacionalde mortes por armas de fogocaiu 8,2% – o que nãoacontecia há 13 anos.Significa que 3.234 vidasforam poupadas. Quemtem 16 e 17 anos não éobrigado(a) a participar daconsulta, mas vale lembrarque se trata de umaoportunidade de interferirnos rumos do país.Págs. 12 e 16

A decisão é sua, participe!

Estudantes se preparam paraa II Conferência Nacional sobreMeio Ambiente Pág. 7

Quem é o público do Jornal daCidadania? Conheça os resultadosda nossa pesquisa Pág. 8

Em São Paulo, Rio de Janeiroe Espírito Santo, a sociedadecomemorou a queda da taxa dehomicídios, divulgada em setembropelo Ministério da Saúde

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2 • Jornal da Cidadania • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

[email protected] • Amigo do Ibase

Direção Institucional • Cândido Grzybowski | Coordenação • Iracema Dantas | Edição • Editora: AnaCrisBittencourt | • Subeditora: Jamile Chequer | Redação • Flávia Mattar • Thais Zimbwe (estagiária) |Produção • Geni Macedo | Distribuição • Maria Edileuza Matias | Projeto Gráfico • Mais Programação Visual |Diagramação • Imaginatto Design e Marketing | Tiragem • 57.000 exemplares

Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

Ano 11 • Nº 131 • Outubro/ Novembro 2005

Av. Rio Branco, 124 / 8º - Centro - 20040-916 Rio de Janeiro/RJ - Tel.: (21) 2509-0660Fax: (21) 3852 3517 - [email protected] - www.ibase.br

As matérias assinadas não traduzem necessariamente a posição do Ibase

O Ibase é uma entidade pública a serviço da cidadania e da democracia. Seu estatuto é de uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa, suprapartidária, reconhecida como de utilidade pública Venda proibida

O Ibase adota a linguagem de gênero em suas publicações por acreditar que essa é uma estratégiapara dar visibilidade à luta pela eqüidade entre mulheres e homens. Trata-se de uma política editorial,fruto de um aprendizado e de um acordo entre os(as) funcionários(as) do Ibase. No caso de artigosredigidos voluntariamente por convidados(as), sugerimos a adoção da mesma política.

Conselho Editorial • Deise Benedito (Fala Preta!) • Marco Carvalho

(chargista e escritor) • Mario Osava (IPS) • Marinilda Carvalho (Observatório

da Imprensa) • Mônica Francisco Santos (Agenda Social Rio) • ProfessoresCésar de Miranda (Escola Municipal Estácio de Sá) e Jobson Lopes

(PVNC) • Professoras Sonia Américo de Mello (Ciep 037 Ernesto Guevara)

e Vanilda Paiva (educadora e escritora) • Pelo Ibase: Itamar Silva (jornalista)

• Maurício Santoro (cientista social) • Nahyda Franca (educadora)

Nesta edição, gostaríamos de agradecer a você por sua participaçãona consulta que realizamos no último ano para conhecer melhor opúblico do Jornal da Cidadania. Nas páginas centrais publicamosos resultados desse esforço, traçando um perfil do(a) leitor(a) e des-tacando iniciativas exemplares realizadas com o jornal em algunsmunicípios – que esperamos sejam multiplicadas.

Resolvemos fazer esse levantamento por conta da dificuldade quetemos em manter contato direto com o(a) leitor(a) final – o que sóacontece por intermédio das cartas que nos enviam. Isto porque, des-de sua criação, em setembro de 1994, o jornal – hoje com tiragem de57 mil exemplares – é distribuído graças ao comprometimento de umarede voluntária formada por pouco mais de 3 mil pontos Brasil afora.São professoras(es) ou diretoras(es) de escolas públicas e cursos pré-vestibulares comunitários, lideranças comunitárias, assistentes sociaise pessoas envolvidas em projetos sociais que recebem lotes para fa-zer atividades com adolescentes e jovens.

O processo de pesquisa começou em setembro e foi dividido emtrês etapas para nos possibilitar uma visão mais abrangente dessaintrincada teia. Na primeira, encartamos questionários nas edições desetembro e dezembro. Recebemos 870 respostas, principalmente dosestados do Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e Paraná.

A segunda etapa foi feita por telefone, com a intenção de reafir-mar nosso contato com essa rede de distribuição voluntária. Foramescolhidas pessoas que recebem 100 exemplares e instituições querecebem mais de 200 exemplares. As ligações foram feitas em maioe junho e 35 pessoas foram ouvidas. Muitas, com as quais não conse-guimos falar na primeira tentativa, tiveram a delicadeza de retornar aligação para o Ibase. Foi com satisfação que conhecemos suas opini-ões sobre a publicação e registramos suas sugestões para melhorar oconteúdo do jornal e o processo de distribuição.

A terceira etapa foi realizada em maio com entrevistas ao vivocom cerca de 300 estudantes de 32 escolas da Baixada Fluminense.Queremos agradecer especialmente aos diretores, às diretoras e co-ordenadoras pedagógicas das escolas que receberam nossasentrevistadoras, permitindo que conversassem com esses e essas jo-vens, mas também fornecendo informações valiosas a respeito dasformas de distribuição e uso do veículo no espaço escolar.

Para quem não mora no Rio de Janeiro, vale esclarecer que aBaixada é a região mais pobre do estado, enfrentando uma série deproblemas de infra-estrutura que prejudicam a qualidade de vida dasua população. Possui 163 escolas públicas espalhadas por nove mu-nicípios para atender cerca de 100 mil estudantes. Essas escolas pas-saram a receber o jornal a partir de setembro e, por suas respostas,podemos concluir que o aproveitamento dessa parceria tem sido mui-to boa para estudantes e professores(as).

Esperamos que você encare essa iniciativa apenas como umprimeiro passo para estreitar o contato com nossa equipe e va-mos torcer para que o próximo passo seja seu, escrevendo, li-gando ou nos visitando no Ibase. Assim, poderemos conhecer vocêcada vez melhor.

Sou a professora responsável pela Sala de Leitura da Es-cola Municipal Cidadão Herbet de Souza. Nossa escolatem 307 alunos distribuídos em 12 turmas nos turnos damanhã e da tarde. Recebemos os exemplares enviados peloIbase e acataremos sua sugestão de trabalharmos com ojornal em sala de aula, assim fará mais sentido. Podemostrabalhar em duplas ou em grupos. Tenho certeza de quefaremos um bom trabalho com a publicação.

Adriana Alvim Vaz Recife /PE

Escrevo para comunicar minha mudança de endereço.Gostaria imensamente de continuar recebendo o Jornalda Cidadania, pois tal veículo constitui-se em importanteato de democratização da informação e da cultura brasi-leira. Peço também, se possível, o envio do Observatórioda Cidadania e de outras publicações produzidas peloIbase. Atualmente, estou desempregado, mas quando forpossível, ajudarei (refiro-me aos Amigos do Ibase).

Manoel Adir Kischener Sarandi /RS

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Outubro / Novembro • Jornal da Cidadania • Nº 131 • 3

Carlos Walter Porto-Gonçalves*

Duas recentes catástrofes de grandes proporções abalaramo mundo: o tsunami que atingiu países da Ásia e da África,em dezembro de 2004, e o furacão Katrina, que atingiu oGolfo do México, em particular, os estados do Mississipi eda Luisiana, sobretudo, a cidade de Nova Orleãs nos Esta-dos Unidos. Aparentemente estamos diante de dois fenôme-nos dist intos, muito embora não sejam igualmenteimprevisíveis. Afinal, um abalo sísmico é um fenômeno quese dá no tempo do instante, cujos efeitos são ainda maisimprevisíveis, sobretudo quando seu epicentro ocorre nofundo do mar e em zona de contato de placas geológicas.

Não desconsideremos, todavia, que o rápido processode empobrecimento das zonas ruraise das montanhas com a conseqüentemigração para o litoral, onde umavigorosa indústria do turismo vinhase desenvolvendo nas i lhasparadisíacas do Pacífico e do Índico,fez com que um número muito mai-or de pessoas estivesse exposto àação do tsunami. Por outro lado, hátodo um sistema mundial demeteorologia e de monitoramento es-pecífico de furacões, tormentas etempestades cuja trajetória é acom-panhada, até mesmo, pela mídia sen-do, portanto, um fenômeno de mais fácil prevenção.

A tragédia recente vivida pela população de Nova Orleãsvem derrubar alguns mitos, como o da proposta saída dosescombros do tsunami para que se constituísse um sistemamoderno de monitoramento de maremoto e terremoto paraprevenir possíveis desastres, assim como a idéia de que osefeitos desses eventos sejam mais trágicos nos países doterceiro mundo. A recente tragédia do furacão Katrina nosensina que, acima de tudo, estamos diante de uma crise deoutro tipo que remete aos próprios valores que vêm coman-dando nossas práticas, sobretudo nos últimos 30/40 anos eque acreditaram ter chegado, na década de 1990, à vitóriafinal com a queda do muro de Berlim.

Destaquemos, antes de tudo, que as cenas típicas de ter-ceiro mundo se fizeram presentes ali onde menos se esperava,isto é, no país mais rico do mundo, onde suas instituiçõesmostraram-se completamente despreparadas para dar conta da

Nova Orleãs:crise política e meio ambiente

tragédia e não por falta de um sistema técnico e científico e,sim, pelos valores e pelas políticas que ali vêm ganhandoterreno. Mandar que as pessoas abandonassem a cidade com aaproximação de um furacão anunciado com o nível 5 é acredi-tar demais nos princípios liberais e da ação racional ignoran-do a realidade social de uma população, como a de NovaOrleãs, em que 28% vivem abaixo da linha da pobreza.

Estranho contrasteAssim, uma parcela significativa da população não dis-punha nem de dinheiro vivo, nem de automóveis parti-culares para se t ransportar. O mercado com a sua

ideologia liberal se mostra, maisuma vez, incapaz de ser previden-te e de alocar os recursos com aeficiência que tanto apregoa.

O contraste com a situação vi-vida na maior ilha do Caribe, Cuba,um ano antes, quando o furacãoIvan (nível 7) com intensidade mai-or que o Katrina (nível 5) varreua região, e comitês formados porcidadãos e cidadãs e pelo gover-no deslocaram nada menos nadamais que 1 milhão 300 mil pesso-as, ou seja, cerca de 10% de toda

a população da ilha, sem que uma só vida fosse perdi-da, torna-se vergonhoso para a nação mais rica materi-almente do mundo, que não foi capaz de evacuar 500mil pessoas de Nova Orleãs.

E mesmo após a tragédia instalada, o governo esta-dunidense preferiu estimular a caridade da população alançar mão de instituições públicas de defesa civil, des-sas, como o Corpo de Bombeiros que, embora se mos-trem improdutivas a maior parte do tempo, mostram,nessas horas, que nem tudo pode ser regido pela lógicada produtividade.

Acrescente-se, ainda, que a política de corte dos gas-tos públicos havia suprimido 71,2 milhões de dólares doCorpo de Engenheiros de Nova Orleãs, uma redução de44% no seu orçamento e, assim, tiveram que ser arquiva-dos os planos de fortalecer os diques e melhorar o siste-ma de bombeamento e drenagem do delta do Mississipi.

Consideremos que o rio Mississipi transporta àssuas planícies cerca de 1 bilhão de toneladas de sedi-mentos por ano, formando extensos pântanos. Todavia,a indústria de construção civil e do turismo vem seexpandindo sobre esses pântanos com o beneplácito dasautoridades locais e, assim, todo o sistema de drena-gem vem sendo alterado, posto que os pântanos, talcomo os manguezais, cumprem um papel fundamentalde amortização de enchentes, operando como se fosseuma esponja. Os alertas sobre a catástrofe socioambi-ental que se anunciava foram, simplesmente, ignoradasem nome do desenvolvimento e da acumulação de capi-tal, sobretudo, na área do turismo.

Limitações globaisEssas políticas vêm sendo estimuladas por organis-

mos internacionais como o Fundo Monetário Internacio-nal (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e oBanco Mundial e, deste modo, vêm se tornando políticasde caráter planetário que, por sua vez, vêm causando im-pactos de grande envergadura que, todavia, têm sido vis-tos como se fossem somente locais.

E aqui se mostra toda a limitação do slogan ambienta-lista do ‘agir localmente e pensar globalmente’, haja vistaque são exatamente essas ações globais que vêm causandotantos impactos locais. Fenômenos como o tsunami e ofuracão Katrina, com certeza, terão no futuro um impactoainda maior com o descaso com o Protocolo de Quioto e acontinuidade do aquecimento global, a elevação do nível daágua do mar, as mudanças climáticas globais, as secas eenchentes cada vez mais freqüentes, assim como os fura-cões, de um lado. E, de outro, se continuarmos acreditandoque a migração para as cidades é um fenômeno irreversível,apesar de a Organização das Nações Unidas (ONU) nos in-formar que 53% da população mundial, em 2001, era rural,e que as políticas públicas possam ser substituídas pelacaridade, pela ação voluntária ou pelas organizações não-governamentais, conforme impõem o receituário neoliberale seus organismos internacionais e midiáticos.

* Doutor em Geografia e professor do Programade Pós-graduação em Geografia da

Universidade Federal Fluminense

Fenômenos como otsunami e o furacãoKatrina, com certeza,terão no futuro umimpacto ainda maiorcom o descaso com oProtocolo de Quioto

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4 • Jornal da Cidadania • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

AnaCris Bittencourt

Fernanda GrigolinDe 9 a 12 de outubro acontece na cidade de Serra Negra, em São Paulo, o 10º Encontro Feminista Latino-americano eCaribenho sobre feminismo e democracia. O encontro vai reunir cerca de mil mulheres, entre as quais pelo menos 250 jovens.A militante Fernanda Grigolin, jornalista, 25 anos, é uma das coordenadoras do grupo Jovens Feministas de São Paulo evai participar do encontro pela primeira vez. Ela e outras jovens fazem parte da comissão organizadora do evento, umresultado de negociações feitas no encontro anterior, em 2002. Nesta entrevista, Fernanda fala dos principais temas queestarão em debate no encontro, como política, direitos e poder, e sobre o papel da juventude: “Em geral, se diz que ajuventude tem uma característica transitória. Pode ser, mas é uma identidade tão importante quanto as demais, envolveuma construção social, ajuda a construir o indivíduo, a mulher, e também faz com que ela se apresente nos espaços, serelacione e construa seus pensamentos”.

O eixo central do 10º Encontro é feminismo e democracia.O que significa democracia para você?Acredito que a democracia é muito importante, mas não apenas como sistema políti-co, como democracia participativa que envolve depositar o voto. Acredito em umademocracia mais ampla, com uma atuação forte dos movimentos sociais e aprofunda-mento das discussões nesses movimentos para a construção de espaços mais demo-cráticos. Além disso, é preciso democratizar os diversos espaços de atuação, públicae privada. Muitas vezes, pensamos que a democracia só tem que estar no espaço pú-blico, nas áreas de atuação governamental, e ela precisa estar também no espaço pri-vado. Muitas vezes, a gente também não consegue ser democrático no nosso espaçode atuação, nas nossas relações pessoais. A democracia é importante para pensarmosnos diversos tipos de relações que temos dentro da sociedade, do micro ao macro.Temos que tornar nossos ideais uma prática cotidiana, aí sim tudo se transforma,pode ser utópico, mas acredito nisso.

Como estimular a militância entre adolescentes?São muitos os motivos que levam uma menina, uma adolescente a entrar para um movimentosocial, tudo passa pela indignação da própria pessoa e pela vontade de mudar o mundo. Issofaz com que as pessoas queiram se articular, participar. Há várias formas de atuar, de pensarem caminhos para mudar o mundo. A indignação é o primeiro passo; o segundo é perceberque não estamos sozinhas, às vezes não conseguimos perceber de que forma contribuir. Porisso, é importante que os grupos e os movimentos estejam atentos a isso, organizando cursosde formação, rodas de diálogo que possam chamar a atenção de pessoas novas. Às vezes, asmeninas se acham muito jovens para começar na militância, mas, quando entram para ummovimento e passam a se articular, começam a se descobrir, a buscaro próprio espaço e a interagir com outras pessoas.

Com quantos anos você começou?Comecei tarde, infelizmente, aos 21 anos. Sempre fui uma jovemmuito indignada, mas o fato de não conviver com militantes nemonde estudava, nem na minha família fez com eu jogasse minhaindignação nos estudos: lia muito sobre a história da sociedade,livros mais críticos de discussão da realidade social, esse foi omeu canal. Comecei a militar mesmo realizando trabalho voluntá-rio em organizações perto de casa. Depois, na faculdade de jorna-l ismo, procurava escrever sobre temas re lac ionados aosmovimentos sociais, foi aí que descobri o feminismo, primeirolendo, depois escrevendo. Meu trabalho de final de curso foi um

livro-reportagem sobre isso, intitulado Cidadãs de segunda classe. Traça o perfil devárias mulheres da cidade de São Paulo em situação de trabalho precário. Depois, for-taleci minha atuação e fui me apaixonando a ponto de não pensar mais em atuar emnenhuma outra área que não fosse relacionada ao movimento feminista. Há meninas emnosso grupo que começaram a atuar bem mais cedo que eu, com 16, 17 anos, cadapessoa descobre seu caminho para começar.

Quando foi criado o grupo Jovens Feministas de São Paulo?O grupo se formou em 2003. Foi criado a partir do Projeto Gral (Gênero, Reprodução,Atuação e Liderança) da Fundação Carlos Chagas. Fazia parte de uma das etapas doprojeto formar um grupo de jovens feministas ligado à União de Mulheres de São Pau-lo. A princípio, era um grupo só de discussão, depois começamos a pensar em umtrabalho de intervenção. Nestes dois anos, já passaram pelo grupo cerca de 40 jovens,atualmente somos 20.

Que tipo de trabalho vocês desenvolvem?Em 2003, funcionamos sem grana nenhuma, além das discussões, fazíamos proje-tos pontuais, como boletins e oficinas sobre feminismo e direitos humanos. A par-tir de 2004, conseguimos financiar alguns projetos. Foi o caso da tradução doManual de Direitos Humanos das Mulheres Jovens, da Rede Latino-americana eCaribenha de Jovens pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos. Depois, passamos apropor oficinas baseadas no conteúdo desse material. Fizemos recentemente umaoficina nacional, com a participação de 40 mulheres jovens vindas de diversos mo-vimentos sociais. A próxima será em São Paulo, com 30 pessoas. A partir de no-

vembro, vamos começar as atividades regionais. Teremos umaoficina no Sul, outra no Norte e no Nordeste. Qualquer jovemdessas regiões pode participar.

Como surgiu a idéia de organizar essesencontros e o que significam?Começou a partir da articulação de feministas da América Latina.Os encontros são momentos únicos no movimento, reúnem mulhe-res de instituições e grupos de diversos países. Além das mulheresautônomas, feministas que não fazem parte de nenhum grupo. Sãomomentos para pensar sobre as várias linhas de atuação do movi-mento, nos vários tipos de articulação que temos. São momentosricos quando as diversas tendências se reúnem para dialogar e pen-sar sobre a atuação futura.

Pensamos quea democracia sótem que estar nasáreas de atuaçãogovernamental,e ela precisa estartambém noespaço privado

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Outubro / Novembro • Jornal da Cidadania • Nº 131 • 5

Nossas discussõesserão em torno dosdireitos sexuais ereprodutivos, dotrabalho precárioe das relaçõesde poder

Você já esteve em outros encontros?Como tem sido a participação da juventude?É a primeira vez que participo, mas a participação da juventude não é de agora.Foi a partir do oitavo encontro, no Chile, que as jovens começaram a participarmais. Eram cerca de 50 jovens e, no final do encontro, elas formularam um docu-mento, a Declaração de San Juan. O documento traz uma reflexão sobre as relaçõesde poder dentro do movimento feminista e sobre como as feministas jovens podemcontribuir para o feminismo em suas diversas linhas de pensamento. Esse momen-to ficou marcado como a grande participação das jovens feministas. Não significadizer que antes não havia participação, já havia, só que era menor ou menos arti-culada. Havia outras redes em atuação, mas nunca havia sido proposta uma ativida-de dessa magnitude, como foi feito no Chile.

No encontro seguinte, realizado na Costa Rica, em 2002, a participação de mulheresjovens foi maior ainda. E a proposta que saiu da plenária foi que as mulheres jovenspudessem participar da organização, ajudar a construir o encontro.Até então, não havia mulheres jovens na Comissão Organizadora, oque está acontecendo só agora.

Qual é a expectativa de público parao 10º Encontro?Esperamos receber 1.200 pessoas. Já temos mil inscrições: 600 são doBrasil; o restante vem do México, Nicaraguá, Chile e Peru. Desse con-junto, pelo menos 25% são jovens, 150 brasileiras e quase 100 jovenslatino-americanas. Um diferencial na programação deste ano serão osDiálogos Complexos, que buscam discorrer sobre as diversas identida-des que estão no feminismo. Vamos debater essas identidades à luz dasquestões racial, lésbica, juventude e do multiculturalismo.

Qual será o enfoque dos debates?Os debates devem se dar mais sobre a conjuntura da América Latina, sobre o que ofeminismo pode contribuir e como já está contribuindo. Acredito que, por ser o 10ºencontro, haverá também uma retrospectiva, um balanço do que foi feito até agora.Além disso, temos que pensar como o feminismo pode avançar, qual será a cara dofeminismo daqui a 10, 20 anos.

As mulheres jovens estão se articulando de que forma?Estamos organizando um Fórum de Mulheres Jovens. Nossas discussões serão em tornodos direitos sexuais e reprodutivos, do trabalho precário e das relações de poder, tantona sociedade em geral como dentro dos próprios movimentos sociais. As relações depoder acontecem entre homens e mulheres, envolvem a questão racial e também a ques-tão da idade, tanto em relação às mulheres jovens quanto às idosas. Queremosdesconstruir essas relações de poder e fazer novas articulações a partir das perspectivasdas mulheres jovens.

Em geral, se diz que a juventude tem uma característica transitória. Pode ser, masé uma identidade tão importante quanto as demais, envolve uma construção social, aju-da a construir o indivíduo, a mulher, e também faz com que ela se apresente nos espa-ços, se relacione, construa seus pensamentos. Mas a gente não pode esquecer que asdificuldades por que passa uma mulher jovem de classe média, moradora da cidade deSão Paulo são bem diferentes daquelas enfrentadas por uma jovem da periferia ou dazona rural ou por uma jovem negra que vive na Nicarágua. É preciso discutir isso tudoe também relacionar a teoria com a prática.

Comparando o movimento feminista do Brasil e o da AméricaLatina, o que há de comum nesses movimentos e no quê o Brasilse diferencia? O Brasil tem um papel protagonista?Muitas bandeiras são iguais, principalmente aquelas relacionadas às desigualdades so-ciais e à questão dos direitos sexuais e reprodutivos. Não sei se o Brasil tem um papelprotagônico, tudo é construído em conjunto, mas há algumas especificidades do Brasil

devido à história brasileira, como o feminismo se construiu, como nos articulamos,como as pautas e demandas internas são realizadas. Mas o movimento feminista brasi-leiro é muito bem articulado com o movimento latino-americano e caribenho, há umasintonia, uma troca grande. Percebo isso entre as diversas gerações, as diversas identi-dades. Não há um racha, tudo é construído coletivamente.

O que o governo Lula fez de bom e o que não fez parao movimento de mulheres e para a juventude?Ele avançou em alguns aspectos, mas agora está retrocedendo, não sei o por quê. OConselho Nacional de Juventude é um desses avanços, lá tem pessoas muito boasque estão pensando realmente nos jovens e nas jovens. A criação da Secretaria Espe-cial de Políticas para as Mulheres e da Secretaria Especial de Políticas de Promoçãoda Igualdade Racial, com status de ministério, foi muito importante. Só que as se-cretarias não têm grana, estão engessadas. Outro ponto positivo foi a discussão so-

bre os direitos sexuais e reprodutivos. Em especial, colocou aquestão do aborto na pauta do governo. Nesse ponto, a ministraNilcéia Freire foi muito perspicaz, ela conseguiu perceber queessa é uma questão de saúde pública que deve ser discutida,não pode ficar embaixo do tapete. Milhões de mulheres morrempor isso. Mas, ao mesmo tempo, o próprio presidente escreveuuma carta a CNBB dizendo que era a favor da vida desde a con-cepção e negando o Estado laico. Quando o presidente da Repú-blica escreve uma carta para a Confederação Nacional de Bisposdo Brasil dizendo que vai governar a partir dos olhos da IgrejaCatólica, dos preceitos da Igreja Católica, ele está negando asoutras religiões que existem em nosso país. E está negando tam-bém toda uma construção que está sendo realizada a partir dosdireitos sexuais e reprodutivos que a própria Igreja combate.Agora, a conjuntura está muito nebulosa, mas muitos avanços

estão retrocedendo por causa de posturas conservadoras que atores importantes es-tão tendo agora, como o próprio presidente.

Qual será o impacto dessa conjuntura política sobre a militânciae a participação da juventude no futuro?Não consigo fazer essa avaliação agora porque está tudo muito nebuloso ainda. Muitas pessoas,não só jovens, mas de todas as faixas etárias, têm vários tipos de postura quando ficam indig-nadas. Algumas saem às ruas para se manifestar e dizer “vamos mudar isso”. Outras dizem “eunão voto mais, todos os políticos são iguais, não vamos mais agir”.

E dentro da juventude feminista, qual tem sido a reação?Entre as mulheres jovens, a postura é tentar articular muito mais as nossas bandei-ras, as nossas pautas e não deixar que elas escapem. Essa postura não é só dasjovens, mas do movimento feminista em geral, independente do governo. O movi-mento é uma coisa, o governo é outra, não podemos deixar que as nossas bandeirasse desfaçam. É lógico que se um governo é favorável a alguns pontos da pauta femi-nista, fica um pouco mais fácil. Mas não significa que o movimento vai deixar deagir como sempre agiu, pensando estratégias, discutindo, isso inclui as mulheres jo-vens. As nossas bandeiras estão incluídas na pauta feminista, há um dialógo das mu-lheres jovens com as mulheres das outras faixas etárias, não há segregação, há umacomplementação das diversas bandeiras.

Vocês vão participar do Fórum Social Mundial em 2006?Pretendemos participar do Fórum que vai acontecer em Caracas, na Venezuela e proporatividades para as redes de jovens, mas ainda não temos nada sistematizado, talvez nopróprio encontro dê para fechar alguns pontos sobre isso.

www.10feminista.org.br

Jovens Feministas de São Paulo: (11) 3106-2367

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6 • Jornal da Cidadania • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

Alfredo Boneff* – [email protected] Cultural

*Jornalista, colaborador do Ibase

Dois símbolos da mais genuína cul-tura baiana e brasileira tiveram, re-centemente, reconhecimento à alturade sua importância. No dia 15 deagosto, em Salvador, foi lançado oselo comemorativo do samba deroda do Recôncavo Baiano. No mes-mo dia, houve também a diplomaçãodo ofício de baiana do acarajé comobem cultural imaterial. As duas ini-ciativas são parte de ações do Pro-grama Nacional do PatrimônioImaterial, desenvolvido pelo Institu-to do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Bra-sil desde 2004, o samba de roda do Recôncavo Baiano éconsiderado por estudiosos(as) como matriz do samba cari-oca e uma de nossas maiores referências musicais. Seus pri-meiros registros, já com essa denominação, remetem a 1860.

As célebres baianas do acarajé, ou baianas do tabuleiro,por sua vez, tiveram seu saber valorizado como uma expressãoinserida no cotidiano da população baiana e em rituais religio-sos afro-brasileiros. Mais do que uma mera titulação, a condição

A complexa tarefa de promover o diálogo sobre religião e sexualidade a partir de diferentesvisões de mundo. Assim pode ser apresentado o livro Religião e sexualidade: as expectativas deum seminário, organizado por Emerson Giumbelli e editado pela Garamond, lançado em agostono Rio de Janeiro.

O volume mostra como diferentes religiões lidam com o tema da sexualidade na sociedadecontemporânea. Também aponta como importantes bandeiras na luta pelos direitos sexuais,como a união civil de pessoas do mesmo sexo e o aborto, são vistas por diversas crençasreligiosas e qual sua influência nas esferas pública e política.

A publicação conta com a participação de religiosos, acadêmicos e ativistas e mostra umpanorama de diversos posicionamentos. É possível perceber mudanças conceituais em contras-

te com perspectivas predominantes e minoritárias e ainda tensões causadas pelo livre exercício da sexualidade.Um dos capítulos aborda a aceitação e condenação da homossexualidade, chamando a atenção para o conserva-

dorismo adotado por algumas religiões. Em outro momento, o livro discute o aborto, mostrando a pluralidade depensamentos do catolicismo e os conflitos entre forças conservadoras e progressistas. Também contém relatos delíderes religiosos sobre pastorais de atendimento a pessoas portadoras do HIV e homossexuais.

Refletindo sobre as formas de abordagem e de regulação da sexualidade em discursos religiosos, o livro colocaem debate a promoção de um intercâmbio entre as diversas crenças e os valores para promoção dos direitoshumanos, respeito à diversidade e não-estigmatização das minorias.

de patrimônio imaterial é uma tentativade impedir a descaracterização desseofício secular e abrir novas perspecti-vas às profissionais. “É um grande pas-so. Queremos que nossa profissão sejareconhecida pelo governo”, afirma RitaMaria Ventura dos Santos, vice-presi-dente da Associação de Baianas deAcarajé e Mingau do Estado da Bahia(Aban). Para o diretor do Centro deEstudos Afro-Orientais da Universida-de Federal da Bahia (UFBA), JocélioTeles dos Santos, o reconhecimento

dessas manifestações culturais é positivo, mas não traz efeitosimediatos para quem vive delas. “Houve uma mudança de men-talidade das instituições governamentais em relação a essas ma-nifestações. O Estado entra em cena na tentativa de consolidarmais as tradições. Até então, apenas reconhecia, mas não regu-lava. Mas para quem produz, muda pouco”, analisa.

Aban: (71) 3322-9674Centro de Estudos Afro-Orientais: (71) 3322-8070

Iphan: <www.iphan.gov.br>

IRAILDES MASCARENHA

Difusores(as)de cidadania

Baianas e samba de roda:patrimônios do Brasil

Religião e sexualidade

“De acordo com a filosofia oriental, o aprendizado podese dar pela alegria ou pela dor. Nós optamos pelaalegria.” As palavras de Osmar Pancera, da coordena-ção geral da ONG Rádio Margarida, em Belém (PA),sintetizam uma trajetória de 14 anos aproximando jo-vens de comunidades pobres de atividades artísticas ede comunicação, sempre vinculadas a ações sociais.Mais do que o aprendizado, a aplicação prática deoficinas de rádio, música, vídeo e jornal, incentivamos(as) participantes a se tornaram verdadeiros(as)difusores(as) de cidadania.

Em agosto de 2005, 63 jovens entre 15 e 24 anosforam capacitados(as) nessas áreas (para trabalhar comrádio, vídeo e jornal). As oficinas aconteceram de abrila junho e estão inseridas no Projeto Informarte – deprevenção ao abuso e à exploração sexual – que temfinanciamento do Fundo Nacional do Desenvolvimen-to da Educação. Os(as) alunos são originários de bair-ros de Belém como Bengui, Jurunas e Guama, alémdo município de Santa Bárbara. Três meses de intensotrabalho resultaram em cinco radionovelas, três can-ções incluídas em um CD, no vídeo Todos os olharese no jornal O informante.

Os(as) jovens tiveram participação ativa na elabo-ração dos materiais, ajudando a compor letras e har-monias das músicas; argumento, roteiros e atuação novídeo e as reportagens do jornal. Os kits (10 mil exem-plares do jornal, mil cópias do vídeo e mil cópias doCD) vêm sendo distribuídos nas redes municipal e esta-dual de ensino, além de em diversas ONGs. Os(as)próprios(as) participantes das oficinas são responsá-veis pela discussão desses conteúdos nas escolas. “Des-sa forma, abrem debate com seus pares”, diz Osmar.

As oficinas representam o desdobramento de umtrabalho realizado desde 1992, quando a Rádio Mar-garida se tornou, oficialmente, uma ONG. Na época,as intervenções se davam por meio de viagens deônibus a áreas excluídas de Belém. O ônibus da ONGpercorria bairros pobres transportando uma trupe quelevava às pessoas teatro, cinema, fotografia e vídeo,relacionando tais expressões com a realidade local.A ONG ainda não tem sede própria, ocupa um espa-ço cedido pela Universidade Federal do Pará (UFPA).A manutenção do projeto é viabilizada a partir deparcerias com MEC, BNDES e Fundação Avina.

ONG Rádio Margarida: (91) 3183-1289<www.radiomargarida.org.br>

Religião e sexualidade: convicções e responsabilidades, organizado por Emerson Giumbelli,Ed. Garamond, 181 págs. Informações: (21) 2568-0599 ou <www.clam.org.br>

Rita Maria Ventura com as filhas

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Outubro / Novembro • Jornal da Cidadania • Nº 131 • 7

Thais Zimbwe

De 5 a 9 de dezembro, Brasília sediará a II Conferência Nacional Infanto-juvenil pelo MeioAmbiente, sob o tema Vivendo a diversidade na escola. Será um espaço para discutirassuntos firmados em acordos internacionais que abordam a construção de uma sociedadesustentável, como mudanças climáticas, Protocolo de Quioto, biodiversidade, segurançaalimentar e nutricional e diversidade étnico-racial. Em 2003, a 1ª Conferência reuniu maisde 5 milhões de pessoas em torno do tema Cuidar do Brasil.

A conferência nacional envolve um intenso processo de mobilização e realizaçãode conferências regionais nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental (5ªa 8ª série) em todo o país. Essas conferências também estão acontecendo nas comu-nidades indígenas, quilombolas, assentamentos rurais e com meninos e meninas emsituação de rua, que enfatizarão, com suas experiências, a importância da diversida-de. “Estamos trabalhando com a questão da diversidade numa perspectiva ambientalampla, nas formas em que os grupos participantes convivem entre si, com o meioambiente e com a natureza. Tratamos a questão como reconhecimento da diferença,não somente como sinônimo de desigualdade ou inferioridade, mas valorizando osconhecimentos tradicionais e todo o acúmulo das relações interpessoais e com omeio ambiente que todas essas comunidades possuem. Uma ação de respeito, valori-zação e reconhecimento das diferenças”, afirma Rachel Trajber, coordenadora geral deEducação Ambiental do Ministério da Educação.

Os resultados das conferências nas escolas e nas comunidades serão apresentadosna conferência nacional, assim como programas de rádio e vídeo e jornais produzidospelos(as) estudantes sobre o tema. Em Brasília, também será entregue às autoridades aCarta das Responsabilidades, com o intuito de mostrar o compromisso dos(as) jovenscom a promoção de um Brasil sustentável, com justiça social e qualidade de vida.

“O trabalho realizado nas escolas é a parte mais rica desse processo. Estamosenvolvendo as comunidades escolares, professores, alunos de todas as faixas etárias,funcionários das escolas, como cidadãos e cidadãs dessa política ambiental”, explicaRachel Trajber.

Para acompanhar o processo preparatório foi criada a Comissão Orientadora Nacional,que atuará como suporte político e técnico. Ela é constituída por 34 órgãos governamen-tais, entidades sociais de abrangência nacional e organizações internacionais com atuaçãodireta em educação, inclusão, diversidade e meio ambiente.

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombo-las (Conaq) faz parte da comissão nacional. Jô Brandão, da Conaq do Maranhão, explicaque para as comunidades quilombolas é muito importante que a conferência nacionalesteja enfatizando a diversidade.

“Secularmente, as comunidades quilombolas sempre estiveram excluídas do proces-so de políticas públicas, principalmente de educação. Lamentavelmente, nem todas ascomunidades quilombolas têm escolas, obrigando crianças e jovens a estudar em escolasfora de suas comunidades. Com isso, elas sofrem o impacto de sair de seu espaço deconvivência e adquirir uma pedagogia que não retrata sua realidade nem considera adiversidade étnico-cultural brasileira. A educação escolar não tem priorizado uma peda-gogia que leve em conta a diversidade étnica”, ressalta.

De acordo com Jô, as comunidades quilombolas sempre estiveram preocupadascom a preservação do meio ambiente. Por isso, sua expectativa é de que a conferêncianacional priorize a inclusão educacional da juventude por um viés ambiental. “É preci-so pensar numa política nacional de meio ambiente que leve em conta os saberes e

Protagonismo juvenilem prol da ecologia

tradicões locais das comunidades, enfatizando as práticas seculares de preservaçãoambiental, absorvendo-as como parte de um processo mais global de preservação,pensando o ambiente como uma linha educacional”, enfatiza.

Jovem educa jovemA II Conferência Nacional reunirá cerca de 700 jovens delegados e delegadas de todos osestados, pertencentes aos Coletivos Jovens de Meio Ambiente. São grupos informais quereúnem jovens, representantes ou não de organizações e movimentos de juventude, que têmcomo objetivo envolver-se com a temática ambiental e desenvolver atividades relacionadasà melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida.

A seleção dos(as) delegados(as) e a facilitação da conferência é realizada poreles, após um amplo processo de formação. Mariluce Araújo, de 25 anos, integrantedo Coletivo Jovem da Bahia, acredita que a conferência é uma ótima oportunidadepara a reflexão dos problemas ambientais de sua região. “A importância de respeitar-mos o meio ambiente, promovendo práticas de conduta ambiental, mobilizando cadavez mais jovens a participar das ações pela causa ambiental, é fundamental, pois odesequilíbrio irá afetar a todos e as medidas contra isso são simples, podemos co-meçar a partir do nosso bairro”, diz.

De acordo com Lindomar Gomes, de 21 anos, integrante do Coletivo Jovens pelo MeioAmbiente do Espírito Santo, o reconhecimento do trabalho realizado por jovens em todo opaís que lutam pelas causas ambientais é muito importante, pois incentiva outras ações.“Continuamos na esperança de que nós, jovens, tenhamos veridicamente uma consciênciaambiental. Temos argumentos e instrumentos para o trabalho, porém sabemos que temosmuito a fazer e essa conferência é nosso combustível para que possamos nos mover cadavez mais rumo a um Brasil sustentável”, conclui.

As escolas e comunidades que desejam participar do processo de mobilização da II Confe-rência Nacional Infanto-juvenil pelo Meio Ambiente devem ligar para (61) 84 24-5063 ou0800616161 ou acessar o site da conferência <www.conferenciainfantojuvenil.com.br>.

ARQUIVO IBASE

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8 • Jornal da Cidadania • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

AnaCris Bittencourt e Jamile Chequer

Aprendendo com quem fazA pesquisa que realizamos no último ano para conhecer melhor o público do Jornal da Cidadania(quem é e o que pensa sobre a publicação) nos revelou experiências-modelo de utilização do jornal comestudantes e moradores(as) de diferentes municípios brasileiros. É o que vamos apresentar nestaspáginas. Que elas sirvam de inspiração para que professores(as) e lideranças comunitárias aproveitemmelhor cada exemplar recebido. E você, está realizando alguma experiência com o jornal quepoderíamos divulgar? Se a idéia central desta publicação é multiplicar a informação e o conhecimento,está aí uma excelente forma de fazer isso.

Em Juazeiro do Norte, Ceará, o professor RaimundoTarcísio Fontes recebe 100 exemplares do Jornal daCidadania desde 2001. Os exemplares são utilizadosem duas escolas públicas, localizadas na periferia dacidade. A Escola de Ensino Fundamental Manoel deCastro Filho funciona à noite para que os(as) 620 es-tudantes, de 15 a 17 anos, possam trabalhar durante odia. Nessa escola, Raimundo ensina duas turmas de 7ªe 8ª séries, com quase 80 estudantes. “Em muitos ca-sos, o jornal é a única fonte de informação desses es-tudantes, um de meus alunos disse que nunca tinhalido um jornal antes, são pessoas com uma vida difí-cil, trabalham como jardineiros, domésticas e não têmoportunidade de se informar”, conta.

Em geral, as atividades são feitas nas aulas de Lín-gua Portuguesa: “distribuo os exemplares entre os alu-nos, prefiro trabalhar com os textos menores, como oeditorial e a crônica, para que eles percebam os váriosestilos de texto. Depois, fazemos uma leitura geral dapublicação e peço um resumo do texto que mais gosta-ram. Isso os estimula não só a ler como a escrever.Quando a aula termina, recolho os exemplares para fazeratividades com outras turmas”, explica.

Já na Escola de Ensino Fundamental e MédioAnderson Borges de Carvalho, que tem 840 estudan-tes, o professor Raimundo leciona em três turmas de6ª e 7ª séries, à tarde, e desenvolve as mesmas ativida-des com cerca de 100 estudantes. Além disso, deixacerca de 20 exemplares para distribuir a outros profes-sores e professoras nos encontros pedagógicos quin-zenais. Por solicitação do professor, sua remessa seráaumentada para 200 exemplares para que estudantesde outras turmas e outros(as) professores(as) tambémpossam utilizar o jornal.

“O jornal é de grande valia para a conscientizaçãodos jovens, que, em geral, não gostam muito de ler ese informar. Como eles não têm acesso a outros jor-nais, pois se trata de uma comunidade muito carente,posso dizer que o Jornal da Cidadania está contribuin-do para a formação política da juventude em nossa ci-

dade.” O professor, de 57 anos, sugeriu que fizéssemosmais reportagens sobre a família, seja o relacionamen-to pais, mães e filhos(as), seja a forma de transmitirvalores para essa nova geração.

Notícias daqui e de láNa cidade de Luiz Gomes, no Rio Grande do Norte, hácinco anos o professor Luciano Almeida redistribui oJornal da Cidadania. Até agora ele recebia 50 exempla-res para fazer atividades na Escola Estadual MarianoCavalcanti, que tem 900 alunos(as), e na associação demoradores(as) Grupo Mutirão, mas pediu que aumentás-semos para 100 exemplares. A biblioteca do grupo pas-sará a receber também a revista Democracia Viva, outrapublicação produzida pelo Ibase.

“Temos muita dificuldade de acesso a outros jornais,aqui só chega mesmo o Jornal da Cidadania. Nossa comu-nidade é carente e distante. No Grupo Mutirão, desenvol-vemos atividades dirigidas aos jovens. Temos biblioteca,rádio, grupo de teatro e um projeto de hortas. Em todosos projetos, aproveitamos temas publicados no jornal. Jána escola, um assunto que rendeu pesquisas interessantesforam os textos sobre o Timor Leste”, lembra. Em 2001,um grupo de pesquisadores(as) do Ibase desenvolveu umprojeto social naquele país. Na época, o jornal era publi-cado mensalmente e em todas as edições havia artigos,reportagens e entrevistas sobre a região.

Luciano explica que as pautas do jornal, sempre li-gadas à questão social, facilitam na produção das ativi-dades com os(as) estudantes. Particularmente, ele preferetrabalhar com segurança alimentar, política e meio ambi-ente. Na sua opinião, não há temas importantes que fi-quem de fora do jornal, mas dá uma sugestão em relaçãoaos textos: “está sendo publicado tudo o que nos inte-ressa, não falta nada. Mas os textos às vezes são muitosgrandes para um público que não gosta muito de ler,não poderiam ser menores?”, sugere.

Da escola para casaNo outro canto do país, em Araruama, Rio de Janeiro, aprofessora Josélia Clarinda Santos de Oliveira, de 60anos, vem usando o Jornal da Cidadania para comple-mentar suas aulas, também desde 2001. Os 300 exem-plares que recebe são aproveitados por cerca de 2 milestudantes no esquema “leia e repasse” do Instituto deEducação Ismar Gomes de Azevedo.

“Gostaria de parabenizar vocês por este jornal, é ex-celente. É o único jornal lido pelos alunos da escola,eles não têm condições de comprar outras publicações”,relata. A professora leciona para seis turmas de ensinomédio, cada uma com cerca de 50 estudantes, mas estáse aposentando. Por isso, teve o cuidado de nos infor-mar para que outra pessoa na escola se responsabilizepela distribuição.

Um alô ao professoradoAté a edição anterior, o Jornal da Cidadania era redistribuído a algumas escolas por meio das secretarias deeducação de seus municípios. Com a pesquisa, percebemos que a melhor forma é enviar os exemplaresdiretamente para as escolas, como acontece, por exemplo, com as unidades de ensino da Baixada Fluminensedesde o ano passado.

Nas entrevistas que fizemos com grandes distribuidores(as), ficou claro que algumas dessas secretariasestão tendo dificuldade no transporte dos exemplares ou não conseguem distribuir sempre para as mesmasescolas – o que impede professores(as) e estudantes de darem continuidade aos trabalhos que realizam a partirda leitura do jornal. Por isso, estamos mudando esta estratégia: se você, professor(a), deseja que sua escolacomece a receber diretamente o Jornal da Cidadania, entre em contato, por carta, e-mail, fax ou telefone. Se forestudante, peça a um(a) professor(a) ou alguém da direção da escola para entrar em contato conosco.

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Outubro / Novembro • Jornal da Cidadania • Nº 131 • 9

Josélia sempre deixa um exemplar na biblioteca da es-cola e repassa exemplares para outros(as) professores(as).Mas o método que utiliza para aproveitar o jornal é diferen-te do dos outros professores entrevistados. Ela faz ativida-des como leitura oral, redações, discussões e estudodirigido com todas as suas turmas e, na última, permiteque os(as) estudantes levem o exemplar para que suas fa-mílias também tenham acesso à publicação. Entre os temasque sente falta estão sexologia, direitos civis e legais.

Ainda no Rio, a professora Maria das Graças Manuelde Oliveira, há cinco anos vem utilizando 100 exemplaresdo Jornal da Cidadania nas aulas de Cultura e Cidadania,Literatura e História em quatro cursos pré-vestibularescomunitários da Rede Educafro, em Nilópolis, BaixadaFluminense. Têm, ao todo, 500 estudantes. Ela tambémcostuma utilizar em suas aulas vídeos produzidos peloIbase que vem buscar em nossa sede, no Centro. Alémde usar o jornal com o alunado, é também uma leitoraassídua, guarda pelo menos um exemplar para sua cole-ção e lembra até das capas que já publicamos.

“Muitos temas abordados nojornal caem nas provas do vesti-bular, em geral organizo ciclos deleitura, grupos de debate e produ-ção de redações baseados nos tex-tos. Meus alunos acham alinguagem do jornal leve, fácil deentender. Dos temas abordados,aproveitamos mais os relacionadoscom informática, história e ques-tão racial. Eu uso há bastante tem-po e está dando muito certo, semelhorar, estraga”, comenta ela,bem-humorada. Entre os temas quea professora gostaria de ver naspróximas edições estão valorizaçãodo(a) profissional aposentado(a),direitos das pessoas idosas e trans-posição do Rio São Francisco.

Informação paraa baseEm novembro de 2001, o assuntoprincipal do Jornal da Cidadaniafoi rádios comunitárias e a neces-sidade de modificar as leis parademocratizar os meios de comu-nicação no Brasil. A reportagem,do jornalista Alfredo Boneff, abor-dava a morosidade do governo nasconcessões para criação de novasemissoras e elencava uma série deexperiências feitas por rádios co-munitárias em pequenos municí-pios, mostrando que essascumprem um papel fundamentalno acesso à informação. O profes-sor Eraldo Gleydon Costa Viraes,

Aproveite melhor seu exemplarO Jornal da Cidadania é produzido pelo Ibase coma intenção de contribuir para democratizar a in-formação e estimular a participação cidadã entrea juventude brasileira. Significa que quantos maisjovens lerem cada exemplar, mais estaremos con-tribuindo na formação deles(as). Então, em vezde entregar seu exemplar para que um(a) estu-dante leve para casa, organize trabalhos em gru-po, rodas de le i tura e d iá logos, debates epesquisas – tudo com a intenção de estimulá-lo(a) a ler mais sobre os temas tratados e arefletir sobre o que está lendo. Uma boa dica édistribuir seus exemplares para determinada tur-ma, realizar atividades em grupo, tirar cópias doque considerar mais interessante e, no final daaula, recolher os exemplares para utilizar comoutras turmas, em outros turnos, e até em outrasescolas, se for o caso. Daí o recado “leia e pas-se adiante” em cada edição que fazemos.

33 anos, distribuidor do jornal no município de Monte Santo,Bahia, desde o primeiro número, conta que foi assim quenasceu a rádio comunitária São Bento FM, criada pelo radi-alista João Luís. “Até hoje, ele usa os textos do jornal comopauta para suas matérias na rádio e algumas matérias sãoresumidas e colocadas no ar”, diz.

Segundo o professor, o jornal é bem conhecido pelapopulação da cidade. Boa parte dos 200 exemplares que elerecebe são utilizados no Colégio Normal São Bento do Umae no Colégio Cônego João Rodrigues. O professor tem cercade 10 turmas, cada uma com 40 estudantes. Ele distribui nassuas turmas, faz atividades e depois recolhe para utilizar comoutras. Em geral, faz leitura em duplas, rodadas de discussãoe debates. Alguns professores de sua escola também tiramcópias de textos do jornal para usar com outras turmas.

Além desse trabalho, Eraldo repassa exemplares paraprofessores(as) de mais quatro escolas, para o sindicato deprofessores(as) local e para a rádio: “O jornal é ótimo, estápresente em nosso município há 10 anos”. Entre os assun-tos que o professor gostaria de ver nas próximas edições

estão experiências exemplares nocampo da educação, políticas pú-blicas e uma abordagem da nossacultura baseada nas tradições in-dígenas e afro-brasileiras.

Você está aqui?O Jornal da Cidadania tem uma tira-gem de 57 mil exemplares e chegaa quase 600 municípios espalhadospor todos os estados brasileiros. Adistribuição é feita por uma rede vo-luntária de pouco mais de 3 mil pon-tos, que recebem lotes entre 5 e3.500 exemplares – 70/% dessa ti-ragem vai para estabelecimentos deensino, entre escolas públicas, es-colas do Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST),escolas famílias agrícolas, cursospré-vestibulares comunitários e se-cretarias de educação. O restante vaipara associações de moradores(as),rádios comunitárias e projetos so-ciais que desenvolvem atividadescom e para a juventude.

Fizemos um levantamento emtrês etapas*: para o público em ge-ral, por meio de um encarte; aovivo, com estudantes da Baixa-da Fluminense, no estado do Riod e Janeiro; e com grandesdistribuidores(as) por telefone. Aprimeira etapa da pesquisa foifeita por meio de questionáriosencartados nas edições de setem-bro e novembro de 2004. Tivemosretorno de 870 pessoas, principal-

mente dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná eBahia. A maioria são estudantes de 14 a 17 anos, do sexomasculino, negros(as) ou pardos(as), que estão entre 5ª e8ª séries e, por serem estudantes, não têm renda própria.

Esses resultados vêm ao encontro das respostas queobtivemos nas entrevistas ao vivo realizadas em 32 escolasda Baixada Fluminense – região que engloba nove municípi-os na periferia do estado do Rio de Janeiro, com 163 escolaspúblicas, todas recebendo o jornal. Foram entrevistados(as)300 estudantes, a maioria também tem entre 14 e 17 anos,só que diferem quanto ao sexo, aqui a predominância é dasmulheres, e elas já estão no ensino médio. Outra etapa foifeita com grandes distribuidores(as) visando aperfeiçoar essesistema. Mas como a maioria é de professores(as) ou profis-sionais de Educação, também colhemos opiniões sobre asformas de utilização e o conteúdo do jornal.

Não significa dizer que somente pessoas com essesperfis recebam o jornal, mas aquelas que entraram em con-tato conosco, via questionário ou que foram entrevistadas,ao vivo ou por telefone, têm tais características. A pesquisanão nos revela o público em sua totalidade, mas nos dápistas seguras sobre o nosso público-alvo: prioritariamenteestudantes, entre 14 e 24 anos anos, e professores(as) darede pública de ensino, urbana e rural.

A maioria do público que respondeu, pelo encarte (94,3%)e ao vivo (89,4%), considera o jornal de fácil leitura, com as-suntos interessantes e de acordo com sua realidade. Conflitosurbanos/violência e juventude são os temas de maior interesseapontados por estudantes da Baixada e por grandesdistribuidores(as) que também realizam trabalhos com o jornal.Mas há também interesse por economia solidária e segurançaalimentar. Nas três etapas, foi apontada a necessidade de elabo-rarmos mais textos, sejam entrevistas, reportagens ou artigos,sobre saúde sexual e reprodutiva, drogas e cultura/lazer.

* Resultados mais completos da pesquisa sobreo público do Jornal da Cidadania serão publicados

na revista Democracia Viva nº 29, que serádistribuída pelo Ibase, a partir de novembro, e no

nosso site <www.ibase.br>

Público do encarte

Sexo

Cor/raça

Idade

GRAFICOS: MÁRCIA TIBAU

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10 • Jornal da Cidadania • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

O Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África doSul (Ibas) foi criado em junho de 2003 e éformado por representantes dos governos dostrês países. O Ibas é uma oportunidade para secriar uma agenda internacional de desenvolvi-mento econômico e eqüidade social. Sua prin-cipal novidade está em articular três grandesdemocracias, no âmbito da cooperação sul-sul,em um projeto de integração que vai além dospadrões tradicionais da abertura comercial.

A idéia réune defensores como o prêmioNobel de Economia, Joseph Stiglitz, para quema força do Ibas está em propor alternativas aosproblemas dos países do Sul. Stiglitz crê em ummaior papel do Estado na promoção da infra-estrutura física e institucional, mas também na difusão de educação e tecnologia. Oeconomista tem salientado a importância da eqüidade para o crescimento porque leva aouso mais eficiente dos recursos humanos e favorece a estabilidade política e social,gerando um “círculo virtuoso”.

Apesar de ser um projeto relativamente novo, o Ibas já apresenta ações concretas. Porexemplo, foi criado um fundo de solidariedade em parceria com o Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento (Pnud), para auxiliar países mais po-bres, como a Guiné-Bissau. O fundo foi lançado no fim de 2003 como objetivo de diminuir a pobreza e a fome, o que viabilizaria tambémo cumprimento das Metas do Milênio da ONU. O apoio administrativoé fornecido pelo Pnud e a gerência fica a cargo de um conselhodiretor formado por representantes dos governos da Índia, Brasil eÁfrica do Sul. Além das contribuições iniciais do Ibas, há a possibili-dade de doações de outras fontes, como empresas, organizações dasociedade civil, fundações filantrópicas e mesmo indivíduos.

Também foi assinado um acordo de transporte aéreo, queconecta não somente três países, mas três continentes. Outros pro-jetos incluem intensificar a cooperação em diversas áreas: cultura,ciência, tecnologia e sociedade da informação, saúde, turismo, co-mércio e investimento, defesa, energia e educação.

O plano de ação faz uma descrição detalhada de projetos para cadaárea. As atrações turísticas dos três países podem ser exploradas em conjunto, por meio de umprograma de investimentos mútuos e de um possível acordo de cooperação na área de turismo.No campo do comércio, foi estabelecido que se deve promover Cúpulas de Negócios do Ibas ese estabelecer um Conselho de Negócios Trilateral.

Em ciência e tecnologia, pretende-se organizar mostras dedicadas aos “Dias de Tecnologiado Ibas”, realizar reuniões de ministros(as) da área e formar uma rede de pesquisa. Na área desociedade da informação, foram implementados projetos sobre governos e saúde e em desen-volvimento de ferramentas de tecnologia da informação e comunicação (TIC).

Para a energia, foi proposto um programa de visitas recíprocas e intercâmbio deidéias. Iniciativas de defesa prevêem exercícios e treinamentos conjuntos para operaçõesde manutenção da paz. Educação é considerada uma prioridade do Ibas, com ênfase naeducação aberta e a distância, no ensino superior e profissionalizante e na eqüidade de

Articulação democráticasem fronteiras

gênero. Para aumentar a cooperação na educa-ção, foi discutida a criação de um programa deintercâmbio de pesquisadores(as) e bolsistas dedoutorado e pós-doutorado.

Olhar da sociedadeA sociedade civil também está atenta às ques-

tões levantadas pelo Fórum. O Ibase é um dos coor-denadores do projeto Diálogo entre Povos, que reúneorganizações não-governamentais e movimentos so-ciais da África, América Latina e Índia. Participantesdo diálogo buscam uma agenda de cooperação emtorno de temas como igualdade racial e de gênero,desenvolvimento sustentável e eqüidade social.

Para que avancemos nesse sentido, porém, épreciso superar obstáculos. O primeiro é a dificuldade de articulação das políticas públicas.Pouco se fala entre as pessoas, instituições e especialistas governamentais envolvidos noIbas sobre como essas nações podem trabalhar em conjunto, dialogando efetivamente pararesolver problemas comuns como desemprego, miséria e desigualdades. A falta de informa-ção e o desconhecimento mútuo entre os países membros estão na raiz dessa dificuldade.

É necessário mais envolvimento das universidades e da imprensa para fortalecer ointercâmbio cultural e troca de dados. A criação da TV Telesur pelaVenezuela e Argentina, com programação voltada para a AméricaLatina, é um exemplo interessante das possibilidades dos Estadosna cooperação para a comunicação. O modelo poderia ser estendi-do para os integrantes do Ibas. Apoio oficial a pesquisadores(as)ajudaria a formar especialistas nesse novo tipo de integração paragovernos, empresas e universidades dos países membros.

Os fóruns internacionais também oferecem importantes possi-bilidades. Os membros do Ibas já são parceiros no G-20 da Organi-zação Mundial do Comércio (OMC). Trata-se de um grupo de naçõesem desenvolvimento, liderado pelo Brasil e pela Índia, que combateos subsídios agrícolas dos países ricos. O G-20 foi criado em 2003na Conferência Ministerial da OMC em Cancún e mudou o foco dasnegociações comerciais internacionais.

Os membros do Ibas também trabalham em conjunto na cam-panha pela reforma da ONU, defendendo a ampliação do Conselho de Segurança e fortale-cimento do Conselho Econômico e Social. Ambas as propostas têm o objetivo de favoreceros países em desenvolvimento.

Contudo, é fundamental expandir a agenda da cooperação para incluir a promoção dosdireitos humanos e da democracia. Como líderes regionais em seus respectivos continen-tes, Índia, Brasil e África do Sul incentivariam essas conquistas importantes. Em um mundomarcado pela guerra e pelo terrorismo, a cooperação sul-sul é uma semente que representaesperança para milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, mesmo que as condi-ções para o crescimento econômico não sejam as melhores possíveis.

* Maurício Santoro é cientista social e pesquisador do Ibase. PatríciaRangel é estudante de Ciências Sociais e estagiária do Ibase

Em um mundo marcadopela guerra e peloterrorismo, a cooperaçãosul-sul é uma sementeque representaesperança para milhõesde pessoas nos países emdesenvolvimento

Maurício Santoro e Patrícia Rangel*

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Outubro / Novembro • Jornal da Cidadania • Nº 131 • 11

Luciano Cerqueira*

Acaba de ser lançado o relatório 2005 do Observatório da Cidadania. Trata-se do 10ªedição do relatório, que visa monitorar o cumprimento das metas estabelecidas pelosgovernos de todo o mundo na década de 1990, durante o Ciclo Social de Conferênciasda ONU. Este ano, o tema central da publicação, organizada por um grupo de referênciaformado por ONGs de todo o Brasil e coordenado pelo Ibase, é a distância que separaas promessas de redução da desigualdade e da pobreza e as ações para se alcançar esteobjetivo. Junto com o livro, há um CD-Rom, com versões em inglês, espanhol e portuguêse um conjunto de tabelas para o público acompanhar o cumprimento das metas país a país.

Tempo de monitorar governose agir contra a pobreza

Após décadas de desenvolvimento econômico, a fome e a pobre-za persistem e, pior, aumentam em muitos países. Pensando emmelhorar as condições de vida de quase 1,3 bilhão de pessoasque vivem em situação de pobreza, em setembro de 2000, líderesde 189 países reunidos em Nova Iorque, na Cúpula do Milênio daONU, firmaram um acordo: eliminar a extrema pobreza e a fomeaté 2015. No documento, conhecido como Declaracão do Milê-nio, foram elencados oito objetivos que formam os Objetivos deDesenvolvimento do Milênio (ODM). Esses objetivos se referemao acesso adequado à saúde, educação, habitação e ao sanea-mento, além de tratar da promoção da igualdade de gênero e domeio ambiente. Cinco anos se passaram e pouco foi feito.

A sociedade civil criou mecanismos permanentes de mo-nitoramento e avaliação do cumprimento dessa agenda soci-al, como a Rede Social Watch, criada em 1995. Seu objetivoé garantir que o esforço de participação – presente na pre-paração e negociação das conferências – continue na imple-mentação dos compromissos sociais assumidos pelosgovernos. Uma das formas de atuação da rede é apresentarrelatórios anuais independentes sobre como os governoscumprem suas próprias normas e promessas. Outra forma éparticipar de redes de organizações não-governamentais ede campanhas para reduzir a fome e a pobreza no mundo.

Essa articulação internacional inspirou a criação da inici-ativa brasileira Observatório da Cidadania, animada pelo Ibase,a partir de 1997. A edição brasileira também traz o perfilsocieconômico de diversos países. Mas difere das demais porcontar com uma seção especial sobre o Brasil. O relatório estádividido em três partes. Os Informes Temáticos tratam dasdiferentes abordagens da pobreza nas Cúpula de Desenvolvi-mento Social de Copenhague e na Declaração do Milênio eapresentam os onze pontos referenciais para a erradicação dapobreza e diminuição das desigualdades, elaborados por or-ganizações da sociedade civil de todo o mundo.

No Panorama Mundial, um destaque é o relatório da Alema-nha. O atual governo prometeu doar às vítimas do tsunami 500milhões de euros em quatro anos – o mesmo valor arrecadadopela sociedade civil e já entregue. No caso do Chile, podemos

observar que a “receita” econômica liberal não é a solução dosproblemas sociais. O país apresenta ótimos índices econômi-cos, com o PIB aumentando 5,5% ao ano e inflação baixa.Mesmo assim, a distância entre pessoas ricas e pobres aumenta.O relatório dos Estados Unidos mostra que a tragédia que asso-la o país era previsível, pois o governo está cancelando o gastode 30 bilhões de dólares em programas de direitos e benefíciossociais para investir na indústria da guerra.

Os países da África ainda são os mais afetados pelapobreza. Entre 177 países, Moçambique ocupa a 171ª posi-ção no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessepaís, há dois médicos(as) para cada 100 mil habitantes e oanalfabetismo atinge 53,5% da população acima de 15 anos.No Quênia, será difícil reduzir a pobreza até 2015: o paísestá destinando grande parte das suas rendas ao pagamentoda dívida. Dessa forma, as 7 milhões de pessoas – numapopulação de 30 milhões – que se encontram na pobrezaterão muita dificuldade em sair desta situação.

Dilema domésticoNo Panorama Brasileiro, são analisados os fatores responsáveispela persistência da pobreza e da desigualdade. O texto do eco-nomista Fernando Cardim parte da constatação de que, dez anosapós a conferência de Copenhague, o Brasil pouco avançou naabordagem da questão social. Apesar de haver prometido aten-ção especial ao tema, o governo brasileiro não está promovendomudanças estruturais para alterar o perfil de distribuição de ri-queza e renda. O também economista Adhemar Mineiro questio-na a forma de inserção do Brasil no comércio internacional,baseada na expansão de exportações de produtos de baixo con-teúdo tecnológico e intensivos em recursos naturais e ambien-tais. Essa opção prejudica um projeto de desenvolvimento cominclusão social, fundado na expansão do mercado interno

A professora da Faculdade de Medicina da USP, AméliaCohn, discute sobre a dificuldade de articular políticas sociaise econômicas. Trata dos programas de transferência de rendacom co-responsabilidade das pessoas beneficiárias (o Bolsa

Família, por exemplo). E alerta ainda para as distinções entre a“nova” e a “velha pobreza” e os desafios de criar novas formasde proteger os direitos sociais. “A pobreza, durante as décadasde 60 a 80, era concebida fundamentalmente como sinônimode carência de determinados segmentos sociais no que dizrespeito ao acesso a patamares de renda condizentes com asatisfação de um conjunto de necessidades sociais básicas etambém impossibilitadas, por distintas razões, de terem acessoa determinados serviços sociais básicos, em particular educa-ção e saúde. Já na década dos 80 e mais acentuadamente nadécada dos 90, a questão da pobreza passa a ganhar espaço naagenda pública enquanto um problema de exclusão social. Defato, a partir de então tanto na literatura sobre o tema quantonos próprios discursos oficiais verifica-se a presença crescen-te do conceito de nova pobreza, destinado a caracterizar a situ-ação daqueles setores que sofreram um processo deempobrecimento mais recente, em contraposição à pobrezaestrutural, característica daquele “charme” do nosso capitalis-mo, antes referido”, explica a autora em seu artigo.

A socióloga Márcia Pereira Leite aborda o tema da violên-cia e insegurança nas metrópoles. Ela parte de informações depesquisa qualitativa, baseada em entrevistas com pessoas quemoram em favelas, para trazer as suas vozes e perspectivaspara o debate público. No último texto, a coordenadora daONG Criola, Jurema Werneck, trata de um assunto fundamentalpara se discutir pobreza e desigualdade no Brasil: a questãoracial. A autora faz uma rápida revisão da situação da popula-ção negra, analisa a agenda de reivindicações do movimentonegro e faz um balanço das ações governamentais.

Ao demonstrar que as promessas não foram cumpri-das, não fomentamos o ceticismo, porém exigimos ações. Ahistória continua evoluindo. Ainda não foram ditas as últi-mas palavras e cidadãs e cidadãos podem, sim, fazer a dife-rença. O momento de agir contra a pobreza é agora!

* Pesquisador do Ibase

Pedidos de exemplares: (21) 2509-0660 ou<www.ibase.br>

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Alfredo Boneff*

No próximo 23 de outubro, cerca de 121 milhões de eleitores(as) brasileiros(as) vão às urnas para participar de uma consultapopular. Mais do que a escolha binária entre os números 1 (Não) e 2 (Sim), o que estará na berlinda é uma discussão que envolveaspectos fundamentais para a nossa sociedade e desdobra-se em outras perguntas: quem são as vítimas potenciais e preferenciaisnas mortes por armas de fogo no país? Como e onde circulam as armas ilegais? O desarmamento e a proibição de armas de fogorepresentam risco para os(as) chamados(as) cidadãos(ãs) de bem? Possuir uma arma significa ter segurança? Tais questionamentosdividem opiniões. As respostas, certamente, não se esgotarão no simples ato de apertar uma tecla.Seja qual for o resultado do Referendo sobre o Comércio de Armas e Munições no Brasil, o debate já deveria ter sido aprofundadohá muito, distante de interesses políticos. Afinal, dados da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúdeapontam que, em 2004, foram 36.091 mortes por arma de fogo. Agora – às vésperas do referendo –, ainda resta algum tempo parase analisar as diferenças entre interesses comerciais e defesa da vida humana, individualismo e coletividade, vítimas e algozes.

Referendo: pontapé para discussãomais profunda sobre violência

Em 15 de julho de 2004 teve início a Campanha Nacional doDesarmamento, na qual a população foi incentivada a devolverarmas de fogo à Polícia Federal e ao Exército. Até o fim deagosto de 2005 haviam sido recolhidas 443.719 armas. Osnúmeros absolutos são expressivos, mas a notícia mais rele-vante foi a redução do índice nacional de óbitos por arma defogo em 8,2%. A comparação, feita com o ano de 2003 a partirde dados do Ministério da Saúde, é um indicador de que umasociedade desarmada é, potencialmente, menos violenta.

Na opinião do sociólogo Ignácio Cano, professor daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membrodo Laboratório de Análises da Violência, a realização do refe-rendo é pertinente e representa uma chance rara: “Consideroextremamente importante, é uma oportunidade de cortar ocomércio de armas entre civis. E, sobretudo, trata-se de umaprimeira abertura à participação popular”, analisa.

Para ele, no entanto, o referendo pode perder relevân-cia devido ao desconhecimento e à desmobilização da soci-edade: “Há setores mobilizados a favor e contra o referendo,mas, até o momento, não percebo grande mobilização ge-

ral. Não sei se vai haver uma participação ampla”, diz. An-tropóloga do Departamento de Ciências Sociais da Uerj, Patrí-cia Birman também menciona a validade da Campanha doDesarmamento e do referendo, mas detecta certa limitação nasdiscussões que vêm se travando sobre o assunto. “O chamadocontido na campanha é interessante, mas insuficiente. Há seto-res da sociedade que delegam um uso privado da violência. Épreciso atentar para isso, pois não fica claro que, do lado dasarmas, está esse tipo de uso. Isso não aparece como devia. Acampanha deveria ser mais propositiva”, afirma.

Juventude no alvoA lacuna não é percebida apenas pela antropóloga. Segmentodos mais atingidos entre as mortes causadas por armas defogo, a juventude – principalmente do sexo masculino e ha-bitante de favelas –, também está atenta à escolha do próxi-mo dia 23. É o caso dos(as) integrantes da Rede Maré Jovemdo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm),instituição que, desde 1997, atua no conjunto de comunida-des pobres localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Morador da Vila do Pinheiro, Leonardo Melo tem 21anos. Estudante de Administração na Pontifícia Universida-de Católica (PUC) e de Ciências Sociais na UniversidadeFederal Fluminense (UFF), ele valoriza a consulta da socie-dade sobre o tema das armas, mas aponta um cenário queprecisa de ações urgentes. “O problema não está só na armalegal, mas também no tráfico. O armamento que chegas àsfavelas não é um 38. Por outro lado, por que ter uma armaem casa? Até que ponto isso diminui a sensação de medo?Geralmente, o cidadão não é treinado, portanto, ter umaarma não significa ter mais segurança”, argumenta.

De acordo com Leonardo, o foco principal das ações devese voltar para uma reformulação de instituições que hoje estãodesacreditadas, como a polícia. “É preciso reforçar as institui-ções públicas que têm que nos defender”, acredita. Para ele, umfator que pode influenciar em pouca participação da sociedadeno referendo é a atual crise política. “Existe uma desmobilizaçãoem função dos problemas, um certo descrédito. Mas tenho ob-servado que há mobilização pelo desarmamento.”

Lançado em junho de 2005, o estudo Mortes Matadaspor Arma de Fogo no Brasil, 1979-2003, foi coordenadopelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, chefe do escritórioda Unesco em Pernambuco. O pesquisador reuniu dadosalarmantes a partir de informações do Sistema de Informa-ções de Mortalidade – no caso do Brasil, o Datasus doMinistério da Saúde – e, no caso internacional, da Organi-zação Mundial de Saúde (OMS).

No período entre 1979 e 2003, as armas de fogo mata-ram 550 mil pessoas no Brasil. Em 2003, foram 39.284 víti-mas. Jovens entre 15 e 24 anos são as vítimas potenciais dasmortes por armas de fogo. Do total de vítimas contabilizadas,206 mil eram jovens nessa faixa etária. Apenas em 2003,41,6% dos casos registrados foram de jovens. Também inte-grante do Ceasm e estudante de Geografia, Marluci CorreaV

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do Nascimento, 26, é outra que atenta para a questão dasrelações entre polícia e traficantes. “Inicialmente sou contrao porte de armas. Sei o que isso significa para a sociedade.Mas todo mundo sabe a origem das armas de fogo queestão aqui na favela”, argumenta.

Francisco Marcelo da Silva é geógrafo e morador daVila do João, na Maré. Representante mais experiente daRede Maré Jovem, ele também vivencia a rotina de violênciana comunidade e suas peculiaridades, que muitas vezes es-capam a quem está distante dessa realidade. Contundente,defende uma reconstrução ampla do aparelho policial. “Oproblema não é só a arma legal, mas toda a corrupção queestá na polícia. A gente não vê a arma chegar na favela. Épreciso remunerar e preparar melhor os policiais. A PMtem que acabar, formar outra polícia. Então você vai lá,aperta um sim e resolve o problema? Parece o “CriançaEsperança”, ‘ah, fiz a minha parte’”, ironiza.

Mesmo com essas críticas, Francisco Marcelo defendea realização do referendo. “Vou votar pelo desarmamento,apesar de achar que é uma medida paliativa. Acho que podese desdobrar em outras discussões”, diz.

O estudo da Unesco analisou 57 países. Desses, o Brasilocupa a segunda posição entre as mortes por armas de fogo,abaixo apenas da Venezuela, no que se refere à populaçãototal. Quando falamos de jovens, o país é o terceiro colocadono ranking das mortes, depois de Venezuela e Porto Rico.

Mais jovens que os(as) integrantes do Ceasm, outrogrupo também está acompanhando o referendo e suas pos-síveis conseqüências. Trata-se do Centro de Estudos da Açãoe Cidadania (CEACC), que atua na Cidade de Deus, ZonaOeste do Rio, desde 2001, promovendo atividades socio-culturais com crianças e adolescentes.

Aos 17 anos, Amanda Moraes declara-se amplamen-te favorável ao desarmamento e às discussões a partirdesse tema. No entanto, ela não percebe a sociedade vol-tada para a questão. “Só ouço falar no assunto aqui nainstituição (CEACC) ou na escola”, observa. Da mesmaforma, Jane Gomes dos Santos, de 20 anos, desconhecequalquer movimentação mais abrangente. “Acho que es-tamos dando importância ao assunto por estarmos den-tro de uma ONG”, resume.

Diogo dos Santos Polycarpo tem 18 anos e também parti-cipa das atividades do CEACC. Sua visão sobre o problema dodesarmamento e a falta de informações que o cercam é baseadaem sua experiência de morador da CDD. “A realidade é que aspessoas que se enquadram na desigualdade social são as maio-

res vítimas da violência. Além disso, a falta de informação épreocupante. As pessoas, na maioria – e vejo pela minha comu-nidade – não sabem nem o que vão fazer no dia da votação, sevão escolher 1 ou 2. Não têm informação”, conclui.

Sim e nãoRecente pesquisa da Confederação Nacional do Transporte edo Instituto Sensus apontou que, num universo de 2 milentrevistados(as), 72,7% disseram que votarão pela proibi-ção do comércio de armas de fogo no próximo dia 23.Outras 24,1% responderam que optarão pela manutençãodo comércio, enquanto 3,3% não responderam a pergunta.

São números que indicam uma tendência pelo desarma-mento. Há, no entanto, grupos que se mobilizam no sentidocontrário. É o caso do Movimento Viva Brasil, fundado em2004 e que tem como parceiros entidades como o Sindicatodos Delegados da Polícia Federal, Associação dos Oficiais daPolícia Militar do Estado de São Paulo, Movimento de Resis-tência ao Crime e a Associação Paulista de Defesa dos Direi-tos e das Liberdades Individuais, entre outros.

Presidente do Viva Brasil, o advogado Bené Barbosa de-fende a possibilidade de se ter ou não uma arma de fogo comodireito inalienável de qualquer pessoa. Ele critica fortemente oreferendo e detecta o principal problema nas armas que circu-lam ilegalmente. “São elas que entram pelas nossas fronteirase chegam às grandes organizações criminosas. As armas demenor porte são repassadas a criminosos menores”, afirma.

Barbosa considera que a sociedade, na sua maioria, des-conhece o que estará sendo decidido no dia 23 de outubro. “Aprimeira idéia é que se está aprovando o Estatuto do Desarma-mento. Não há consciência de que são armas legais que estãoentrando na proibição.” A questão, nesse caso, é o destinodado às armas roubadas ou furtadas de pessoas que as com-praram legalmente. Dados da Secretaria de Segurança Públicade São Paulo mostram que, entre 1993 e 2000 foram rouba-das, furtadas ou perdidas 100.146 armas, ou seja, 14.306 porano. Até a data do referendo, o movimento, com representa-ções em vários estados, pretende realizar palestras e debates.

De acordo com Denis Mizne, advogado e diretor-executivodo Instituto Sou da Paz – uma das organizações mais engaja-das pelo fim do comércio de armas –, o referendo representaum momento importante na discussão sobre o desarmamentono Brasil, mas está longe de esgotar o assunto. “Todo debatesobre o referendo simplifica as coisas. Claro que a queda daviolência não vai acontecer no dia 24 de outubro. Mas é umprimeiro passo para que se aprofundem outras discussões,

Referendo e plebiscitoDe acordo com o artigo 14 da Constituição Fede-ral, “a soberania popular será exercida pelo votodireto e secreto, e também, nos termos da lei,pelo plebiscito, referendo e pela iniciativa popu-lar”. O referendo é, portanto, uma consulta popu-lar relativa a um determinado tema. No caso, ocomércio e o porte de armas.

Há uma diferença básica entre referendo e ple-biscito. No primeiro, a consulta ao povo é feita depoisda aprovação de uma lei, complementar, ordinária ouemenda à Constituição. O Estatuto do Desarmamen-to foi aprovado em dezembro de 2003. No plebiscito,a consulta acontece antes da elaboração da lei.

Em 1993, por exemplo, o Brasil participou deum plebiscito para escolher a forma (república oumonarquia) e o sistema de governo (presidencia-lismo ou parlamentarismo). Logo após o plebiscito,haveria uma reforma para adaptar a Constituiçãoao sistema escolhido.

Em 1961, no governo de João Goulart, o Brasilviveu uma experiência de referendo. O Congressogarantiu a posse do presidente, mas, ao mesmotempo, instituiu o parlamentarismo no país. Em 1963,houve consulta sobre a manutenção do regime. Apopulação optou pelo retorno ao presidencialismo.

Fonte: Cartilha sobre o referendo elaboradapela Campanha do Desarmamento.

Mais informações: <www.cebi.org.br>

como a violência contra jovens de favelas”, analisa. Para Mizne,a propaganda que será veiculada na televisão entre 1o e 20 deoutubro, com argumentos pró e contra a venda de armas,poderá ser útil para tirar as dúvidas da população. Na opi-nião do advogado, o argumento da legítima defesa é frágildiante da banalização das mortes por armas de fogo. Entre1993 e 2003, morrreram no Brasil 325.551 pessoas, umamédia de 32 mil 500 mortes por ano. Comparando com ataxa de mortalidade em 26 confiltos armados no mundo, nossopaís apresenta a maior média de mortes/ano.

“Em muitos ocasiões, são pessoas comuns inseridasnuma cultura de violência”, diz Mizne. Com todas as ressal-vas que se possa fazer, é possível que o referendo de 23 deoutubro se torne uma ação efet iva na tentat iva dedesconstruir um cenário que coloca o Brasil, em termos deviolência, ao lado de países que enfrentam ou enfrentaramguerras, como Israel, Palestina e El Salvador.

* Jornalista, colaborador do Ibase

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Religião e saúdeAtagbá, palavra Iorubá que significa aquilo que é passado de mão emmão, é o título do Guia de Promoção de Saúde nos Terreiros, idealizadopela Rede de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde.

O objetivo do Atagbá é socializar as informações necessárias para aatuação de profissionais e gestores(as) dos sistemas públicos de saúdenos terreiros, além de trocar experiências e conhecimentos entre asdiversas vertentes de religiões de matrizes africanas espalhadas pelopaís, visando aumentar o número de terreiros engajados em ações depromoção da saúde e controle social de políticas públicas.

“Mais de 30 mil terreiros espalhados pelo país constituem as diver-sas expressões das religiões de matrizes africanas no Brasil. Esses espa-ços sagrados possuem características próprias, de acordo com suaorigem geográfica e interação com diferentes grupos étnicos”, explicaJosé Marmo, coordenador geral da rede e um dos autores do Atagbá.

A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde tem como objetivo promover a saúde do povo de santoe valorizar o conhecimento das práticas terapêuticas dos terreiros. Todas as pessoas interessadas em compartilharconhecimentos que possibilitem mudanças positivas relacionadas à saúde do povo de santo podem participar darede, que hoje conta com terreiros, organizações da sociedade civil, entidades governamentais, pesquisadores(as),profissionais de saúde e pessoas que acreditam na proposta.

www.redereligioesafrosaude.org

Thais Zimbwe – [email protected]

Sinal de alerta para pais e mãesO consumo abusivo de álcool entre os(as) adolescentes é um sério problema de saúde pública. De acordo com o CentroBrasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), na faixa etária de 12 a 17 anos, 52,2% dos meninos e44,7% das meninas já consumiram álcool alguma vez.

Jovens que começam a beber mais cedo têm mais chances de tornarem-se dependentes do álcool quando adultos(as).Com o objetivo de modificar essas estatísticas, a organização não-governamental Centro de Informações sobre Saúde eÁlcool (Cisa) tem percorrido escolas públicas e particulares de São Paulo com o intuito de orientar pais, mães e educadores(as)em como conversar sobre bebidas alcoólicas com crianças e adolescentes. A cartilha serve para orientar e auxiliar o diálogosobre esse assunto, ela pode ser obtida gratuitamente pelo site <www.cisa.org.br>.

Compromisso social reconhecidoOs resultados do Prêmio Balanço Social 2005 foram divulgados no dia 5 de setembro, emuma solenidade na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A quarta edição do prêmio,promovido por Ibase, Aberje, Apimec, Ethos e Fides, reuniu 166 empresas que disputaramas seguintes categorias: Regionais (Centro-Oeste, Estado de São Paulo, Sudeste, Norte/Nordeste e Sul); Micro, Pequena e Média Empresa; e Destaque Nacional. O balanço socialé um demonstrativo publicado anualmente pelas empresas, reunindo um conjunto de infor-mações sobre projetos, benefícios e ações sociais dirigidos a empregados(as), investidores(as), analistas de mercado, acionis-tas e à comunidade. No Brasil, a idéia começou a ser discutida na década de 1970. No entanto, só ganhou visibilidade nacionalquando o sociólogo Herbet de Souza lançou, em junho de 1997, uma campanha pela divulgação voluntária do balanço social.

Os balanços são julgados por 25 entidades considerando 16 critérios de avaliação. Este ano, a premiação contou coma auditoria externa da BDO Trevisan Auditores Independentes, que conduziu o processo de seleção e avaliação. “Ninguém,excetuando as pessoas da auditoria, soube dos resultados antes da cerimônia de premiação. Isto garantiu legitimidade egrande credibilidade ao processo”, explica Cláudia Mansur, pesquisadora do Ibase.

Conheça a lista das empresas premiadas em: <www.premiobalancosocial.org.br>

Ato contraa pobrezaNo dia 10 de setembro, 5 mil panfletos, pulseiras desilicone e faixas brancas foram distribuídos na Praiade Ipanema, zona sul carioca, para banhistas, ciclistas,motoristas e pedestres. A atividade faz parte da Cha-mada Global para a Ação contra a Pobreza, que contacom 100 organizações de 60 países. Tendo como sím-bolo a cor branca, a intenção é pressionar gestores(as)e responsáveis por governos e instituições multilate-rais e corporações para que assumam sua responsabi-lidade de erradicar a pobreza no mundo.

No Brasil, o Instituto de Estudos Socioeconô-micos (Inesc) sedia a secretaria executiva da cam-panha, mas outras inst i tuições também estãocolaborando na sua organização, como as agênciasde cooperação ActionAid Brasil e Oxfam, o Movi-mentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)e o Ibase. “Nossa intenção em fazer uma caminhadana zona sul do Rio de Janeiro era de conscientizarum público que pode influenciar na construção depolíticas públicas, além de estimular a participaçãopolítica das pessoas. A recepção foi muito positiva,o público presente se interessou pela campanha,fizeram perguntas e pediram informações sobre aatuação no Brasil”, explica Luciano Cerqueira, pes-quisador do Ibase.

Assim como em Ipanema, aproximadamente 70países realizaram eventos nesse dia, para chamar aatenção de governantes que estavam reunidos emNova Iorque para a Assembléia Geral da ONU, queaconteceu de 13 a 16 de setembro. Esta foi a segun-da mobilização do ano, a primeira aconteceu em 1ºde julho, poucos dias antes da Conferência de Cúpu-la dos Países Industrializados. A próxima estáagendada para 13 de dezembro, quando começa areunião ministerial da Organização Mundial do Co-mércio (OMC), em Hong Kong.

Secretaria Executiva da Chamada Globalpara a Ação contra a Pobreza: (61) 212-0200

www.whiteband.org

ANDRÉ TELLES/ACTIONAID BRASIL

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Entrevista: Claudio Abramo

O que significa postura ética na política?Nós, da Transparência Brasil, não estamos interessadosnessa questão. Essa é uma maneira equivocada de enfrentar oproblema da corrupção. A corrupção não ocorre por proble-mas morais. Ocorre devido a falhas na estrutura institucionaldo Estado e na estrutura administrativa. Ocorre por motivosobjetivos. Se há um escândalo de corrupção, o que interessa édeterminar os mecanismos de aproveitamento da função públi-ca para satisfazer direitos privados. E isso o governo não quer,o PT não quer e a oposição não quer.

Como vê o discurso de que os(as)culpados(as) devem ser punidos(as)?Muito por força de nossa herança cultural católica, no Brasil enos países da América Latina, a solução para a corrupção évista como um “pega ladrão”. Querem punir culpados. Isso éconversinha do Lula, completamente demagógica. É conversafiada porque corrupção é muito difícil de provar em qualquerlugar do mundo. É possível provar que uma empresa foi be-neficiada em uma licitação pública e responsabilizar civilmenteo funcionário público por improbidade administrativa. Isso étudo registrado. Agora, é muito diferente provar que o funcio-nário recebeu uma propina. Para provar que o cara foi cor-rompido, é necessário mostrar o caminho do dinheiro e,geralmente, isso não é possível.

Poderia exemplificar formas de atuaçãopolítica que beneficiam a corrupção?Uma das origens óbvias da corrupção é a nomeação depessoas para ocupar cargos de confiança. Para governarde forma a conseguir base de apoio no parlamento, e issonão é um problema só deste governo, o Executivo nego-cia com partidos políticos a ocupação de determinadasáreas do governo. Para garantir o apoio do partido x navotação de matérias de interesse do governo no Congres-so, o partido x recebe tais e tais diretorias nos Correios, porexemplo. Agora, por que motivo o partido x quer a diretoriade operações dos Correios? Essas negociatas, que se repetem

nas prefeituras, ocorrem porque nesses lugares são feitos ne-gócios onde estão presentes mecanismos de corrupção:direcionamento de licitações públicas, perdão de dívidas tribu-tárias, promulgação de legislações que favorecem setores eco-nômicos. Tudo isso ao preço do suborno.

Então, acabar com os cargos de confiança seriauma boa saída para reduzir a corrupção?Evidente. O Executivo não teria o poderde negociar esses cargos com os parti-dos. Essa moeda de troca é corruptora.O sistema incita a corrupção. A existên-cia de cargos de confiança é uma falhainstitucional. No Brasil, o presidente eseus ministros podem nomear entre 22mil e 25 mil pessoas. O Tony Blair [pri-meiro-ministro da Inglaterra] nomeia120 pessoas. E isso não tem a ver como fato de ser parlamentarismo. O Bush[George W. Bush, presidente dos Esta-dos Unidos] nomeia, aproximadamente,600 pessoas. A estrutura do Executivonos Estados Unidos, embora presidencialista, é um poucodiferente da nossa. O número total de pessoas nomeadas,que não estão sob controle direto do presidente da Repú-blica, chega, no máximo, a 9 mil. Ao mesmo tempo, é pre-ciso colocar em prática mecanismos de ascensão nacarreira pública, concursos internos etc, mecanismos decontrole melhores. Para se ter uma idéia, as áreas de con-trole das estatais são nomeadas pelo Executivo.

A forma como o orçamento é desenvolvidotambém estimula a corrupção?O parlamento vota um orçamento e o Executivo não é obriga-do a cumprir. Ele negocia no varejo com os parlamentares queproduziram as emendas: a gente libera essa emenda se vocêfizer x, y, z. Isso corrompe as relações políticas. Fora que aforma de confecção do orçamento é vulnerável à corrupção e à

ineficiência administrativa. Se o governo começa uma obra,não é obrigado a colocar isso no orçamento, o que dá lugar aum bando de elefantes brancos. E há todo um sistema de cor-rupção no meio disso. Falta uma lei de regulamentação doacesso à informação no Brasil. Como isso não está regula-mentado, o agente público funciona como sensor daquilo queo público pode conhecer. Isso é prejudicial ao interesse públi-co. Falta uma regulamentação nessa direção.

Acredita que a reformapolítica é uma boa soluçãopara este momento do Brasil?A grande operação abafa é a brincadei-ra da reforma política como soluçãopara todos os males. E não é. Reformapolítica é um assunto importante parao país. Mas, neste momento, não hácondições políticas para isso. Clara-mente não há. Um assunto está sendocontaminado pelo outro.

Qual a diferença entrea administração atual e o governo deFernando Henrique Cardoso?A diferença é que temos um escândalo de proporções gi-gantescas que feriu de morte, eu diria, o partido mais im-portante que existiu no Brasil. Não estou dizendo que nãohouve corrupção no governo FHC. Mas as pessoas foramapanhadas com a boca na botija neste governo. A longoprazo, as conseqüências do governo FHC sobre o futurodo Brasil foram de um certo tipo. As conseqüências dogoverno Lula e do PT para o futuro do Brasil foram maisgraves. Há milhões de pessoas simpatizantes frustradas.Para onde se voltarão essas pessoas? Aqui no Brasil, quea população já tem uma relação distante com a política, oefeito da derrocada do PT é preocupante.

www.transparencia.org.brLeia a entrevista completa <www.ibase.br>

Flávia Mattar e Jamile Chequer

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Em meio à conjuntura política pela qual passamos,o diretor executivo da organização TransparênciaBrasil, Claudio Weber Abramo, nos faz um convitepara sairmos da superficialidade na busca desaídas. Segundo ele, soluções como a reformapolítica e o discurso de punição de culpados sãofrágeis. “A grande operação abafa é a brincadeirada reforma política como solução para todos osmales. E não é. Reforma política é um assuntoimportante para o país. Mas, neste momento,não há condições políticas para isso”, enfatiza.

Há milhões depessoassimpatizantesfrustradas. Paraonde se voltarãoessas pessoas?

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16 • Jornal da Cidadania • Nº 131 • Outubro / Novembro 2005

O projeto Conversas com Betinho é uma homenagem do Ibase aos 70 anos

de nascimento de Herbet de Souza.

O ciclo de seminários, que se iniciou em agosto, debatendo a ética na política,

terá outras edições em outubro e novembro. O objetivo é atualizar alguns temas

lançados por Betinho na agenda pública de debates.

Para evitar mortes precoces

Ciclo de seminários

• Cidadania e Éticanas Empresas4 de outubro

••••• Cultura, ComunicaçãoCultura, ComunicaçãoCultura, ComunicaçãoCultura, ComunicaçãoCultura, Comunicaçãoe Mobilização Cidadãe Mobilização Cidadãe Mobilização Cidadãe Mobilização Cidadãe Mobilização Cidadã8 de novembro

UM PROJETO PATROCÍNIO APOIO

Auditório do jornal O Globo

Rua Irineu Marinho, 35, 4º andar9h30 às 12h30

Mais informações: www.ibase.br www.conversascombetinho.org.br

Meu irmão devia ter uns 7 anos. Muito “arteiro”, como se dizia naquela época, remexeu acômoda do pai até encontrar algo à altura, ou acima, do que pretendia aprontar: um revól-ver. Vivíamos na roça, isolados com poucas famílias numa colônia, era comum ter umaarma naquele meio há cinco décadas. O traquinas foi à janela e para assustar nosso irmãocaçula que passava por ali, pelo lado de fora, apontou-lhe o revólver e puxou o gatilho. Oestrondo atraiu o resto da família para o terreiro, onde o caçula estrebuchava no chão,chorava e gritava. O pânico passou logo, constatamos que não havia nele nenhum ferimento,apenas um pequeno chamuscado no alto do nariz. Escapou por milímetros.

O caso do meu amigo foi verdadeiramente trágico. Na adolescência, num acidentesimilar, ele disparou uma arma, matando um colega. Na cidade do interior, tambémdécadas atrás, ficou marcado. A rejeição social deve ter acentuado seu temperamentoensimesmado, seus longos silêncios, a sofrida busca de respostas para o destino pes-soal e o da humanidade. Era parco em mostrar sua inteligência nos comentários, emgeral irônicos, às vezes mordazes. Depois de muitas voltas, em que nosso convívio foise limitando a encontros esparsos, a vida o levou a um interior brasileiro mais profun-do, amazônico, tentando organizar o desenvolvimento rural em terras desassistidas eviolentas, disputadas a tiros. Numa madrugada de depressão – é a única explicaçãopossível – ele se matou com um tiro na cabeça. É uma das perdas que ainda nãoassimilei, não consigo recordá-lo sem um nó na garganta, 15 anos depois. Essastragédias são mais comuns do que se imagina. Basta uma conversa a respeito comgente vivida para conhecer casos de morte ou mutilações por armas de fogo entre

parentes, amigos(as) ou simples conhecidos(as). Além dos acidentes, há conflitos quenão justificam um acerto de contas fatal, como ciúmes, brigas variadas, desentendi-mentos familiares, crises pessoais. A presença de uma arma transforma um momentode descontrole em desgraça definitiva.

As armas pequenas – revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras leves – são as verdadei-ras armas de destruição em massa, segundo o movimento internacional pelo desarmamen-to. Elas provocam meio milhão de mortes por ano, das quais 60% são conseqüência deguerras e outros conflitos armados e umas 200 mil se devem a crimes, suicídios, acidentes.O Brasil está mal na fita, respondemos por cerca de 7% do total dessas mortes e uns 18%das não bélicas, enquanto somos apenas 2,6% da população mundial.

O desarmamento não significa apenas salvar nossa juventude, a principal vítima dessamortandade, mas também um avanço em termos de civilização e de democracia. Conflitos seresolvem com diálogo, negociação e por último na Justiça. Argumentar com o exemploamericano, em favor das armas, é esquecer as chacinas nas escolas daquele país cometidaspor seus próprios alunos. É bom recordar que a campanha brasileira pelo desarmamentoganhou força há alguns anos quando tiveram ampla divulgação vários casos de assassina-tos nas nossas escolas e suas proximidades, de estudantes portando armas nos colégios.Por isso é importante votar no referendo. Há muita informação sobre armas e desarmamen-to nos sites <www.desarme.org> e <www.iansa.org>.

Jornalista, correspondente da IPS e amigo do [email protected]