a economia da natureza - ricklefs - 6ªed - cap. 1

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--_._--------------------------------------~---~-- CAPíTULO 1 Introdução N o seu livro Uncommon Ground, William Cronon desafia duas percepções comuns da Natureza* e das relações da espécie humana com ela. A primeira é a ideia de que a Natureza tende em direção a um equilíbrio autorrestaurador quando deixada por si só, uma noção denominada "o equilíbrio da Natureza". A segunda é a ideia de que, na ausência de interferência humana, a Natureza existe num estado prísti- no. Os estudos ecológicos apresentam evidências científicas tanto a favor quanto contra a ideia do equilíbrio na Natureza e mostram como os humanos influenciam os sistemas ecológicos. Contudo, Cronon vai além destas questões para abordar as bases culturais do modo como vemos nossa relação com a Natureza. Ele avança na ideia de que o mo- vimento conservacionista e, até certo ponto, o campo científico da Ecologia consideram a Natureza prístina como um absoluto contra o qual não há o que questionar. A intocada floresta Pluvial Amazônica, por exemplo, é comparada por muitos ao Jardim do Éden antes de Adão e Eva, que incorpora o inteiramente bom e também as tentações do intei- ramente mau. Cronon sugere que, nas mentes de algumas pessoas, a extinção de espécies traz à tona um medo profundo de perder o paraíso ou ter que encarar a realidade do nosso mundo imperfeito. Os estudos ecológicos pintam um quadro diferente. Eles mostram a grande variação na Natureza ao longo do tempo e demonstram que a penetrante influência das atividades hu- manas se estende até as mais remotas regiões da Terra.* * Estasdescobertas desafiam a no- ção de um ambiente prístino e equilibrado. O paraíso nunca existiu de fato, pelo menos não na experiência humana. Onde nós humanos nos ojustornos a um mundo menos do que per- feito é um [ulqornento que cada um de vocês deve fazer, guiado pelo seu próprio senso de *N.T.: A palavra "Natureza" utilizada na tradução deste livro, no sentido dos sistemas que operam no planeta des- de sua formação, virá com inicial maiúscula, para diferir do significado "...a natureza das coisas ..", **N.T.: Essa afirmação parece contrastar com outra mais adiante, onde o autor afirma que ainda há regiões na Terra, como as. profundezas marinhas, amplamente desabitadas e desconhecidas pelos humanos, tais como as re- giões polares, as estepes russas e as áreas de alta montanha.

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Primeiro capitulo da 6ª edição de Economia da natureza.

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Page 1: A Economia Da Natureza - Ricklefs - 6ªed - Cap. 1

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CAPíTULO 1

Introdução

No seu livro Uncommon Ground, William Cronon desafia duas percepções comunsda Natureza* e das relações da espécie humana com ela. A primeira é a ideiade que a Natureza tende em direção a um equilíbrio autorrestaurador quando

deixada por si só, uma noção denominada "o equilíbrio da Natureza". A segunda é aideia de que, na ausência de interferência humana, a Natureza existe num estado prísti-no. Os estudos ecológicos apresentam evidências científicas tanto a favor quanto contraa ideia do equilíbrio na Natureza e mostram como os humanos influenciam os sistemasecológicos. Contudo, Cronon vai além destas questões para abordar as bases culturaisdo modo como vemos nossa relação com a Natureza. Ele avança na ideia de que o mo-vimento conservacionista e, até certo ponto, o campo científico da Ecologia considerama Natureza prístina como um absoluto contra o qual não há o que questionar. A intocadafloresta Pluvial Amazônica, por exemplo, é comparada por muitos ao Jardim do Édenantes de Adão e Eva, que incorpora o inteiramente bom e também as tentações do intei-ramente mau. Cronon sugere que, nas mentes de algumas pessoas, a extinção de espéciestraz à tona um medo profundo de perder o paraíso ou ter que encarar a realidade donosso mundo imperfeito.

Os estudos ecológicos pintam um quadro diferente. Eles mostram a grande variação naNatureza ao longo do tempo e demonstram que a penetrante influência das atividades hu-manas se estende até as mais remotas regiões da Terra.* * Estasdescobertas desafiam a no-ção de um ambiente prístino e equilibrado. O paraíso nunca existiu de fato, pelo menos nãona experiência humana. Onde nós humanos nos ojustornos a um mundo menos do que per-feito é um [ulqornento que cada um de vocês deve fazer, guiado pelo seu próprio senso de

*N.T.: A palavra "Natureza" utilizada na tradução deste livro, no sentido dos sistemas que operam no planeta des-de sua formação, virá com inicial maiúscula, para diferir do significado " ...a natureza das coisas ..",**N.T.: Essa afirmação parece contrastar com outra mais adiante, onde o autor afirma que ainda há regiões naTerra, como as. profundezas marinhas, amplamente desabitadas e desconhecidas pelos humanos, tais como as re-giões polares, as estepes russas e as áreas de alta montanha.

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2 Introdução

• Os sistemas ecológicos são governados por princípios físicos ebiológicos básicos

• Os ecólogos estudam o mundo natural por observação eexperi mentação

• Os humanos são uma parte importante da biosfera• Os impactos humanos no mundo natural têm se tornado

crescentemente um foco da Ecologia

valores e crenças morais. A despeito da nossa própria posição, será mais útil para você epara a espécie humana em geral se o seu julgamento estiver nutrido por um conhecimentocientífico de como os sistemas naturais funcionam e como os humanos funcionam como umaparte do mundo natural. O propósito do livro A Economia da Natureza é ajudar você a atin-gir essa compreensão.

• Os sistemas ecológicos podem ser tão pequenos quanto osorganismos ou tão grandes quanto a biosfera

• Os ecólogos estudam a Natureza de várias perspectivas• As plantas, os animais e os micro-organismos representam

diferentes papéis nos sistemas ecológicos• O habitat define o lugar de um organismo na Natureza; o

nicho define o seu papel funcional• Sistemas e processos ecológicos têm escalas características de

tempo e espaço

Apalavra ecologia vem do grego oikos, significando "casa",e assim se refere à nossa circunvizinhança imediata, ou am-

biente. Em 1870, o zoólogo alemão Ernst Haeckel deu à palavraum significado mais abrangente:

Por ecologia, nós queremos dizer o corpo de conhecimentoreferente à economia da natureza - a investigação dasrelações totais dos animais tanto com o seu ambienteorgânico quanto com o seu ambiente inorgânico; incluindo,acima de tudo, suas relações amigáveis e não amigáveis comaqueles animais e plantas com os quais vêm direta ouindiretamente a entrar em contato - numa palavra, ecologiaé o estudo de todas as inter-relações complexas denominadaspor Darwin como as condições da luta pela existência.

Assim, Ecologia é a ciência através da qual estudamos comoos organismos interagem entre si e com o mundo natural.

A palavra ecologia passou a ter uso geral somente no fim doséculo 19, quando os cientistas americanos e europeus começa-ram a se autodenominar ecólogos. As primeiras sociedades eperiódicos dedicados à Ecologia apareceram nas primeiras dé-cadas do século 20. Desde então, a Ecologia tem passado porum enorme crescimento e diversificação, e os ecólogos profis-sionais agora são em número de dezenas de milhares. A ciênciada Ecologia produziu um imenso corpo de conhecimento acercado mundo que nos rodeia. Ao mesmo tempo, o rápido cresci-mento da população humana e sua crescente tecnologia e mate-rialismo grandemente aceleraram a mudança do ambiente ter-restre, frequentemente com dramáticas consequências. Agora,mais do que nunca, precisamos compreender como os sistemasecológicos funcionam se intencionamos desenvolver as melhorespolíticas para manejar as bacias hidrográficas, as terras cultiva-das, os alagados e outras áreas - que são geralmente chamadasde sistemas de suporte ambiental - dos quais a humanidadedepende para alimentação, suprimento de água, proteção contracatástrofes naturais e saúde pública. Os ecólogos proporcionamessa compreensão através de estudos de regulação populacionalpor predadores, da influência da fertilidade do solo no cresci-mento das plantas, das respostas evolutivas de micro-organismos

aos contaminantes ambientais, da dispersão de organismos, in-cluindo os patogênicos, sobre a superfície da Terra, e de umamultiplicidade de questões semelhantes. O manejo de recursosbióticos numa forma que sustente uma razoável qualidade devida humana depende do uso inteligente dos princípios ecológi-cos para resolver ou prevenir problemas ambientais, e para supriro nosso pensamento e práticas econômicas, políticas e sociais.

Este capítulo iniciará você no caminho para o pensamentoecológico. Primeiramente, veremos o conhecimento e o pensa-mento ecológico de diferentes pontos de vista privilegiados -por exemplo, como níveis de complexidade, variedades de orga-nismos, tipos de habitat e escalas de tempo e espaço. Veremoscomo os organismos, estruturas de organismos e conjuntos deorganismos com seus ambientes se integram para formar siste-mas ecológicos maiores, através da interação e interdependênciaregular de suas partes. Embora os sistemas ecológicos variemem escala de um único micróbio até toda a biosfera terrestre,todos obedecem a princípios semelhantes. Alguns dos mais im-portantes destes princípios se referem aos seus atributos físicose químicos, à regulação de sua estrutura e função, e à mudançaevolutiva. Aplicar estes princípios às questões ambientais podenos ajudar a vencer o desafio de manter um ambiente de supor-te para os sistemas naturais - e para nós mesmos - em facedos crescentes estresses ecológicos.

À medida que começamos esta jornada de pesquisa e exploração,devemos estar cientes de duas coisas. Primeiro, a Ecologia comouma ciência é diferente da Ciência Ambiental, da Ecologia Aplica-da, da Biologia da Conservação e dos outros campos relacionados.Estas áreas usam uma compreensão ecológica (obtida através deinvestigação científica) para resolver problemas referentes ao am-biente e seus habitantes. Naturalmente, a ciência e as aplicações daciência estão intimamente conectadas, e a informação flui entre elasde ida e volta. De fato, grande parte da ciência da Ecologia se de-senvolveu através da pesquisa sobre questões práticas no manejodas pragas, conservação das espécies, restauração dehabitats e ou-tros semelhantes. Por todo este livro, veremos as conexões entreciência e aplicação, entre a geração do conhecimento e o seu uso.

A segunda coisa se refere à natureza da ciência propriamen-te dita. A Ciência é um processo, não o conhecimento que gera.

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Como veremos mais adiante neste capítulo, a investigação cien-tífica faz uso de diversas ferramentas para desenvolver uma com-preensão dos trabalhos da Natureza. Esta compreensão não énunca completa ou absoluta, mas constantemente muda à medi-da que os cientistas descobrem novas formas de pensar. Boaparte do nosso conhecimento acerca do mundo natural está bemestabelecida porque passou por muitos testes e se mostra con-sistente com grande conjunto de observações e com os resultadosdos experimentos. A nossa compreensão de muitas questões,contudo, é incompleta e imperfeita. Por exemplo, os ecólogosainda precisam chegar a um acordo sobre os fatores que deter-minam muitos padrões e processos, como os padrões globais deriqueza de espécies, como e onde a biosfera sequestra o dióxidode carbono, o papel de certos nutrientes minerais na produçãomarinha, e o papel dos predadores em controlar populações depresas e deslocar o caráter de comunidades naturais. Estas sãoáreas de pesquisa ativa nas quais os ecólogos estão explorandoexplicações alternativas para os fenômenos naturais.

Introdução 3

Os sistemas ecológicos podem sertão pequenos quanto os organismosou tão grandes quanto a biosferaUm sistema ecológico pode ser um organismo, uma população,um conjunto de populações vivendo juntos (frequentemente cha-mado de comunidade), um ecos sistema ou toda a biosfera. Cadasistema ecológico menor é um subconjunto de um próximomaior, e assim os diferentes tipos de sistemas ecológicos formamuma hierarquia. Este arranjo é mostrado diagramaticamente naFig. 1.1, que representa a ideia de que uma população é formadade muitos organismos individuais, uma comunidade compreen-de muitas populações que interagem, um ecossistema represen-ta a conexão de muitas comunidades através de seus usos deenergia e recursos nutricionais, e a biosfera compreende todosos ecos sistemas da Terra.

O organismo é a unidade mais fundamental da Ecologia, osistema ecológico elementar. Nenhuma unidade menor na bio-

Ecossistema:Fluxo de energia e ciclode nutrientes

FIG. 1.1 Cada sist~ma ecológico embute diferentes tipos de pro-cessos. A natureza :biérórquica dos sistemas ecológicos é mostradado organismo, suomenor escala, até a biosfera, sua maior escala.

I, :

Comunidade:Interações entrepopulações; a unidadeda biodiversidade

População:Dinâmica populacional;a unidade da evolução

Organismo:Troca de energia e matériacom o ambiente; reproduçãoe sobrevivência; a unidadeda seleção natural;comportamento

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4 Introdução

--i:;~~-=~. Transporte derejeites industriais

Movimento desolo e plantaspor animais

FIG. 1.2 Diferentes partes da biosfera estõo interligadas pelo movimento do ar, da água e dos organismos.

logia, como o órgão, célula ou macromolécula, tem uma vidaseparada no ambiente. Cada organismo é limitado por uma mem-brana ou outra cobertura através da qual troca energia e matériacom seu ambiente. Esta fronteira separa os processos e estrutu-ras "internas" do sistema ecológico - neste caso um organismo- dos recursos e condições "externas" do ambiente.

Ao longo de suas vidas, os organismos transformam energiae processam materiais. Para executar isto, os organismos devemadquirir energia e nutrientes dos seus arredores e se livrarem deprodutos indesejados de rejeito. Ao fazer isso, modificam as con-dições do ambiente e os recursos disponíveis para outros orga-nismos, e contribuem para os fluxos de energia e o cicIo de ele-mentos químicos no mundo natural. Os conjuntos de organismoscom seus ambientes físicos e químicos formam um ecossistema.Os ecos sistemas são sistemas ecológicos complexos e grandes,às vezes incluindo muitos milhares de diferentes tipos de orga-nismos, vivendo cada um numa grande variedade de meios. Umaave saltando entre as folhas de uma árvore em busca de lagartase uma bactéria decompondo o solo orgânico são, ambas, partesdo mesmo ecossistema de floresta. Podemos falar de um ecos-sistema florestal, um ecos sistema de savana e um ecossistemade estuário como unidades distintas, porque uma quantidade re-lativamente pequena de energia e substâncias é trocada entreestas unidades, em comparação com as incontáveis transforma-ções que acontecem dentro de cada uma delas. Podemos pensarem um ecossistema como um organismo, que tem processos"internos" e troca com os arredores "externos". Assim, podemostratar o organismo e o ecossistema como sistemas ecológicos.

Em última instância, todos os ecossistemas estão interligadosjuntos numa única biosfera, que inclui todos os ambientes e or-ganismos da Terra. As partes distantes da biosfera são interliga-das por meio de trocas de energia e nutrientes transportados por

correntes de vento e água, e pelo movimento dos organismos. Aágua que flui de uma nascente até um estuário conecta os ecos-sistemas terrestre e aquático da bacia hidrográfica com os doreino marinho (Fig. 1.2). As migrações da baleia-cinzenta co-nectam os ecossistemas do Mar de Bering e do Golfo da Cali-fórnia, porque as condições de alimentação do Mar de Beringinfluenciam o número de baleias migrando e o número de filho-tes que produzem no Golfo da Califórnia. A população de baleias,por sua vez, influencia tanto os ecos sistemas marinhos, peloenorme consumo de invertebrados, quanto os sedimentos mari-nhos alterados em busca de presas. A energia e a matéria tambémse movem entre diferentes tipos de ecossistemas na biosfera, porexemplo, quando os ursos cinzentos capturam salmões migran-do do oceano para suas áreas de reprodução nos rios e lagos. Abiosfera é o sistema ecológico final. Externo à biosfera, vocêencontrará somente a luz do Sol viajando em direção à Terra ea escuridão fria do espaço. Exceto pela energia que chega do Sole pelo calor perdido para as profundezas do espaço, todas astransformações da biosfera são internas. Temos toda a matériaque teremos sempre; nossos rejeitos não têm nenhum lugar parair e devem ser reciclados no interior da biosfera.

Os conceitos de ecossistema e biosfera enfatizam a transfor-mação da energia e a síntese e decomposição da matéria - ossistemas ecológicos como máquinas físicas e laboratórios quí-micos. Uma outra perspectiva realça as propriedades biológicasúnicas dos sistemas ecológicos que são incorporados nas popu-lações. Uma população consiste em muitos organismos do mes-mo tipo vivendo juntos. As populações diferem dos organismosno sentido de que são potencialmente imortais, dado que seustamanhos são mantidos através do tempo pelos nascimentos denovos indivíduos que substituem os que morrem. As populaçõestambém têm propriedades não exibidas pelos organismos indi-

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viduais. Estas propriedades distintas incluem abrangências geo-gráficas, densidades (número de indivíduos por unidade de área)e variações no tamanho ou composição (por exemplo, respostasevolutivas às mudanças ambientais e os ciclos periódicos dosseus tamanhos).

Muitas populações de diferentes tipos que vivem no mesmolugar formam uma comunidade ecológica. As populações deuma comunidade interagem de várias formas. Por exemplo, mui-tas espécies são predadoras, que comem outras espécies de or-ganismos; quase todas, elas próprias são presas também. Algu-mas, como as abelhas e as plantas cujas flores elas polinizam, emuitos micro-organismos que vivem junto com plantas e animais,entram em interações cooperativas das quais ambas as partes sebeneficiam. Todas estas interações influenciam o número de in-divíduos nas populações. Diferentes dos organismos, mas seme-lhantes aos ecossistemas, as comunidades não têm fronteirasrigidamente definidas; nenhum invólucro perceptível separa umacomunidade daquilo que a rodeia. A interconectividade dos sis-temas ecológicos significa que as interações entre as populaçõesse espalham através do globo à medida que os indivíduos e osmateriais se movem entre os habitats e as regiões.

Os ecólogos estudam a Naturezade várias perspectivasCada nível na hierarquia dos sistemas ecológicos distingue-sepor estruturas e processos únicos. Portanto, cada nível deu ori-gem a uma abordagem diferente ao estudo da Ecologia. Natu-ralmente, todas as abordagens se intercruzam. Nestas áreas desobreposição, os ecólogos podem apresentar diversas perspecti-vas ao estudo de problemas ecológicos específicos.

A abordagem de organismo na Ecologia enfatiza o modopelo qual a forma, a fisiologia e o comportamento de um indiví-duo o ajudam a sobreviver em seu ambiente. Esta abordagemtambém busca compreender por que cada tipo de organismo li-mita-se a alguns ambientes e não a outros, e por que organismosaparentados, vivendo em diferentes ambientes, têm característi-cas na aparência diferentes. Por exemplo, como veremos maisadiante, as plantas predominantes de ambientes quentes e úmidossão árvores, enquanto as regiões com invernos frios e úmidos everões quentes e secos tipicamente sustentam arbustos, com fo-lhas pequenas e duras.

Os ecólogos que usam a abordagem de organismo estão fre-quentemente interessados em estudar as adaptações destes. Asadaptações são modificações de estrutura e função que melhorajustam um organismo para viver em seu ambiente: função renalintensificada para conservar água em desertos; coloração crípti-ca para evitar detecção por predadores; flores com formas e odorpara atrair certos tipos de polinizadores. As adaptações são oresultado da mudança evolutiva pela seleção natural. Devido àevolução ocorrer através da substituição de um tipo de organis-mo geneticamente distinto por outro numa população, o estudodas adaptações representa uma área comum entre as abordagensde organismo e de população na Ecologia.

A abordagem de população se preocupa com os númerosde indivíduos, a razão sexual, os tamanhos relativos das classesetárias e a estrutura genética de uma população através do tem-po. Juntos, estes aspectos constituem o estudo da dinâmica depopulação. As variações nos números refletem nascimentos emortes numa população. Estes eventos podem ser influenciadospor condições físicas do ambiente, como a temperatura e a dis-

Introdução 5

ponibilidade de água. No processo da evolução, as mutaçõesgenéticas podem alterar as taxas de natalidade e mortalidade,novos tipos geneticamente distintos de indivíduos podem se tor-nar comuns numa população, e a composição genética global dapopulação pode mudar. Organismos de outras espécies, que po-deriam ser alimento, patógenos ou ainda predadores, tambéminfluenciam os nascimentos e as mortes de indivíduos numa po-pulação. Em alguns casos, as interações com outras espéciespodem produzir oscilações dramáticas de tamanho ou variaçõesmenos previsíveis de população. As interações entre diferentestipos de organismos são o ponto comum das abordagens de po-pulação e comunidade.

A abordagem de comunidade na Ecologia se preocupa emcompreender a diversidade e as abundâncias relativas de tiposdiferentes de organismos que vivem juntos. Ela se concentra nasinterações entre as populações, que tanto promovem quanto li-mitam a coexistência de espécies. Estas interações incluem re-lações de alimentação, que são responsáveis pelo movimento deenergia e matéria através do ecossistema, proporcionando umaconexão entre as abordagens de comunidade e de ecossistema.Os estudos de comunidade expandiram consideravelmente suaescala nos últimos anos para considerar a distribuição das espé-cies na superfície da Terra e a história da mudança na composi-ção da comunidade - ou, mais genericamente, os padrões glo-bais de biodiversidade.

A abordagem de ecossistema na Ecologia descreve os orga-nismos e suas atividades em termos de "moedas" comuns, prin-cipalmente as quantidades de energia e vários elementos quími-cos essenciais à vida, Como oxigênio, carbono, nitrogênio, fós-foro e enxofre. O estudo de ecossistemas lida com o movimentode energia e matéria, e como estes movimentos são influenciadospelo clima e outros fatores físicos. O funcionamento do ecossis-tema reflete as atividades dos organismos, assim como das trans-formações físicas e químicas da energia e matéria no solo, naatmosfera e na água.

As plantas, algas e algumas bactérias transformam a energiado Sol em energia química armazenada de carboidratos por meioda fotos síntese. Ao comer estes organismos fotossintetizantes,os animais transformam parte da energia disponível naquelescarboidratos em biomassa animal. Assim, as atividades de orga-nismos tão diferentes quanto bactérias e aves podem ser compa-radas pela descrição das transformações de energia de uma po-pulação em unidades como watts por metro quadrado de habitat.A despeito de suas semelhanças, as abordagens de ecossistemae comunidade na Ecologia proporcionam diferentes modos deolhar o mundo natural. Podemos falar de um ecos sistema de flo-resta, ou podemos falar de comunidades de animais e plantasque vivem na floresta, usando um jargão diferente e nos referin-do a diferentes facetas do mesmo sistema ecológico.

A abordagem de biosfera na Ecologia se preocupa com amaior escala da hierarquia dos sistemas ecológicos. Esta abor-dagem trata dos movimentos de ar e água, e a energia e os ele-mentos químicos que eles contêm, em toda a superfície da Terra(veja, por exemplo, a Fig. 1.3). As correntes oceânicas e os ven-tos transportam o calor e a umidade que definem os climas emcada lugar da Terra, que por sua vez governam as distribuiçõesde organismos, as dinâmicas das populações, a composição decomunidades e a produtividade dos ecossistemas. Um outro ob-jetivo importante da abordagem de biosfera é compreender asconsequências ecológicas das variações naturais no clima, comoos eventos do El Nino, e mudanças antrópicas, incluindo a for-mação do buraco na camada de ozônio através da Antártida, aconversão de terras de pasto em deserto em grande parte da Áfri-

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6 Introdução

FIG. 1.3 Correntes oceânicas e ventos transportam umidade ecalor sobre a Terra. Esta imagem de satélite do Oceano AtlânticoNorte durante a primeira semana de junho, 1984, mostra a Corren-te do Golfo movendo-se ao longo da costa da Flórida e se separan-do em grandes vórtices à medida que começa a atravessar o Atlân-tico em direção ao norte da Europa. A água quente está indicadoem vermelho e a fria em verde ou azul, e em seguida em vermelhono alto da figura. Cortesia de Otis Brown, RobertEvanse Mark Carle,Universityof Miami RosenstielSchoolof Marine and AtmosphericScience.

ca, e o aumento do dióxido de carbono atmosférico, que tem umimpacto global no clima.

As plantas, os animais e osmicro-organismos representam diferentespapéis nos sistemas ecológicosAs maiores e mais abundantes formas de vida, plantas e animais,executam uma grande parte das transformações de energia na bios-fera, porém não tão mais do que os incontáveis micro-organismosnos solos, águas e sedimentos. As características que distinguemas plantas, os animais, os fungos, os protistas e as bactérias têmimportantes implicações no modo pelo qual estudamos e compre-endemos a Natureza, porque os diferentes tipos de organismostêm diferentes funções nos sistemas naturais (Fig. 1.4).

Os primeiros ecossistemas eram dominados por bactérias dediversas formas. As bactérias não somente deram origem a todasas outras formas de vida, mas também modificaram a biosfera,tornando possível que formas de vida mais complexas pudessemexistir. As bactérias fotossintetizadoras presentes há três bilhõesde anos nos primeiros ecossistemas da Terra produziam oxigêniocomo subproduto da assimilação do dióxido de carbono. O au-mento resultante na concentração de oxigênio na atmosfera enos oceanos acabou permitindo a evolução de formas de vidamóveis e complexas com altas demandas metabólicas, que têmdominado a Terra nos últimos 500 milhões de anos. À medidaque novas formas de vida evoluíram, contudo, seus ancestrais

mais simples prevaleceram porque as suas capacidades bioquí-micas únicas proporcionaram a eles utilizar os recursos e tolerarcondições ecológicas que seus descentes mais complexos nãopodiam tolerar. De fato, as características dos ecossistemas mo-dernos dependem das atividades de muitas variadas formas devida, com cada grande grupo preenchendo um papel único e ne-cessário na biosfera.

As plantas utilizam a energia da luz doSol para produzir matéria orgânicaTodos os sistemas ecológicos dependem das transformações deenergia. Para a maioria dos sistemas, a fonte de energia em últi-ma instância é a luz do Sol. As plantas e outros organismos fo-tossintetizadores utilizam a energia da luz do Sol para sintetizarmoléculas orgânicas a partir do dióxido de carbono e da água.Na terra, a maioria das plantas tem estruturas com grandes su-perfícies de exposição - suas folhas - para capturar a energiado Sol. Suas folhas são finas porque a área da superfície para acaptura da luz é mais importante do que o corpo. Caules rígidossustentam suas partes acima do solo. Para obter carbono, as plan-tas terrestres assimilam o dióxido de carbono gasoso da atmosfe-ra. Ao mesmo tempo, elas perdem quantidades prodigiosas de águapor evaporação do tecido de suas folhas para a atmosfera. Assim,as plantas precisam de um suprimento constante de água parasubstituir a perda durante a fotossíntese. Não surpreendentemen-te, a maioria das plantas está firmemente enraizada no solo, numcontato constante com a água do solo. Aquelas que não estão, taiscomo as orquídeas e outras "plantas aéreas" tropicais (epífitas),podem ser fotos sinteticamente ativas somente em ambientes úmi-dos banhados em nuvens de vapor (Fig. 1.5).

Os animais se alimentam de outrosorganismos ou de seus restosO carbono orgânico produzido pela fotossíntese proporcionaalimento, direta ou indiretamente, para o resto da comunidadeecológica. Alguns animais consomem plantas; alguns consomemanimais que comem plantas; outros, como as larvas das moscas,consomem os restos mortos de plantas ou animais.

Os animais e as plantas diferem de muitas maneiras impor-tantes além de suas fontes de energia (Fig. 1.6). Os animais, talcomo as plantas, precisam de grandes superfícies para trocarsubstâncias com seus ambientes. Contudo, devido a não preci-sarem capturar luz como fonte de energia, suas superfícies detroca podem ser internas ao corpo. Um par modesto de pulmõeshumanos tem uma área superficial de cerca de 100 metros qua-drados, o que é metade de uma quadra de tênis. Ao internalizarsuas superfícies de troca em pulmões, guelras e intestinos, osanimais podem atingir formas corporais volumosas e aerodinâ-micas, e podem desenvolver sistemas musculares e ósseos quetornam possível a mobilidade. Além disto, as superfícies de tro-ca internalizadas dos animais terrestres perdem menos água porevaporação do que as folhas expostas das plantas, e assim estesanimais não precisam de suprimento contínuo de água.

Os fungos são decompositoresaltamente eficientesOs fungos assumem papéis únicos no ecos sistema devido à suaforma distinta de crescimento. Assim como as plantas e os ani-mais, os fungos são multicelulares (exceto para levedos unice-

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Introdução 7

ArqueobactériasOrganismos procariotas simples com ausência de um núcleo organizado e outras organelascelulares. Adaptados para viver em condições extremas de alta concentração de sal, altatemperatura e pH (tanto ácido quanto alcalino).

EubactériasComo as arqueobactérias, organismos procariotas simples tendo uma ampla variedade dereações bioquímicas de importância ecológica no ciclo de elementos através do ecossistema.Muitas formas são simbióticas ou parasíticas.

Vários protistasUm grupo extremamente diverso da maioria dos organismos eucariotas unicelulares commembranas nucleares e outras organelas celulares - desde o mofo-de-lodo e protozoáriosaté dinoflagelados fotossintetizadores, algas marrons e diatomáceas.

Simbioses secundárias envolvendoa captura de alga vermelha providade capacidade fotossintetizante.

Algas vermelhasTalvez 6.000 espécies de protistas fotossintetizadores distinguidos por vários pigmentosfotossintetizadores acessórios. Predominantemente costeiras em sua distribuição, as algascoralinas são importantes construtores de recifes.

Ancestralcomum

Algas verdesUma das linhagens de protistas fotossintetizadores que são responsáveis pela maior parteda produção biológica nos sistemas aquáticos e que se pensa terem sido as ancestrais dasplantas verdes.

Plantas verdesOrganismos complexos (fotoautotróficos) fotossintetizadores, primordialmente terrestres,responsáveis pela fixação da maior parte do carbono orgânico na biosfera.

Os eucariotas provavelmente evoluíramquando um procariota envolveu outroe "sequestrou" seu processo bioquímicopara seu próprio benefício.

FungosOrganismos heterótrofos, primordialmente terrestres, de grande importância na reciclagemde detritos vegetais nos ecossistemas. Muitas formas são patogênicas e outras importantessimbioses (liquens, rnicorrizas).

AnimaisOrganismos heterótrofos terrestres e aquáticos, que se alimentam de outras formas de vidaou seus restos. A complexidade e a mobilidade levaram a uma notável diversificação davida animal.

FIG. 1.4 Organismos diferentes têm funções diferentes nos sistemas naturais. As grandes divisões da vida e suas relações evolutivassão mostradas pelo padrão de ramificações à esquerda.

FIG. 1.6 As plantas obtêm sua energia da luz do Sol e os ani-mais, das plantas. Um mamífero pastando na vegetação em umasavana no leste da África enfatiza a diferença fundamental entre asplantas, que assimilam a energia da luz do Sol e usam isto paraconverter o dióxido de carbono atmosférico em compostos orgânicosde carbono, e os animais, que obtêm sua energia em última instânciada produção das plantas. Fotografiade R.E. Ricklefs.

FIG. 1.5 plantas epífitas aéreas crescem bem acima do solo sobreos troncos das árvores nas florestas pluviais tropicais. FotografiadeR.E. Ricklefs.

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8 Introdução

FIG. 1.7 Os fungos são decompositores eficazes. Os cogumelosproduzidos por este fungo "moita-de-enxofre" (sulphur tuft, Hypholomafasciculare) na Bélgica são corpos de frutificação produzidos pelasinvisíveis e muito maiores massas de hiios lilornentosos que penetramna madeira em decomposição e nas folhas da serapilheira. Fotogra-fia de Philippe Clement/Nature Picture library.

lulares e seus parentes). A maioria dos organismos fúngicos con-siste em estruturas filamentosas chamadas de hifas, que só têmuma célula de diâmetro. Elas podem formar uma rede esparsa,que pode invadir os tecidos vegetais ou animais, ou folhas e ma-deira morta na superfície do solo, ou crescer para dentro dasestruturas reprodutivas que nós reconhecemos como cogumelos(Fig. 1.7). Como os fungos podem penetrar profundamente, elesdecompõem rapidamente material vegetal morto, finalmente tor-nando muitos dos seus nutrientes disponíveis para outros orga-nismos. Os fungos digerem seus alimentos externamente, secre-tando ácidos e enzimas em sua vizinhança imediata, cortandoatravés da madeira morta e dissolvendo nutrientes resistentes dosminerais do solo. Os fungos são os agentes primários da podri-dão - talvez indesejável aos nossos sentidos e sensibilidades,mas muito importante para o funcionamento do ecossistema.

Os protistas são os ancestrais uni celulares dasformas de vida mais complexasOs protistas são um grupo altamente diverso de organismos commaioria unicelular, que inclui as algas, os mofos-de-lodo e osprotozoários. Há uma desnorteante variedade de protistas pre-enchendo quase todos os papéis ecológicos. Por exemplo, asalgas, incluindo as diatomáceas unicelulares, são os organismosfotossintetizadores primários na maioria dos sistemas aquáticos.As algas podem formar também grandes estruturas semelhantesa plantas - algumas algas marinhas podem ter até 100 metrosde comprimento (veja, por exemplo, a Fig. 1.16) - mas suascélulas não são organizadas em tecidos e órgãos especializadoscomo se vê nas plantas.

Os outros membros deste grupo não são fotossintetizadores.Os foraminíferos e os radiolários são protozoários que se ali-mentam de pequenas partículas de matéria orgânica ou absorvempequenas moléculas orgânicas dissolvidas, e secretam conchasde calei ta ou silicato. Alguns dos protozoários ciliados são efe-tivamente predadores - sobre outros rnicro-organisrnos, natu-ralmente. Muitos protistas são comensais ou parasitas, vivendonos intestinos ou tecidos de seus hospedeiros. Alguns destes,

como o organismo Plasmodium da malária humana, causamdoenças debilitantes.

As bactérias têm uma ampla variedadede mecanismos bioquímicos paraas transformações energéticasAs bactérias são as especialistas bioquímicas do ecos sistema.Cada bactéria consiste numa célula simples e única, sem umnúcleo e cromossomos para conter o seu DNA e sem quaisqueroutras membranas e organelas intracelulares. No entanto, a enor-me gama de capacidades metabólicas das diversas bactérias, assimcomo seu tamanho diminuto, as capacita a executar muitas trans-formações bioquímicas únicas e ocupar partes do ecossistemaque os organismos maiores não conseguem. Algumas bactériaspodem assimilar o nitrogênio molecular (N2, a forma comum en-contrada na atmosfera), que utilizam para sintetizar proteínas eácidos nuc1eicos. Outras podem usar compostos inorgânicos co-mo o sulfeto de hidrogênio (H2S) como fonte de energia. As plan-tas, os animais, os fungos e a maioria dos protistas não podemexecutar estes feitos. Além do mais, muitas bactérias vivem sobcondições anaeróbicas (ausência de oxigênio livre) em solos úmi-dos e sedimentos, onde suas atividades metabólicas regeneramnutrientes e os tornam disponíveis para as plantas. Nós teremosmuito mais para dizer sobre a posição especial das bactérias nofuncionamento do ecos sistema mais adiante neste livro.

Muitos tipos de organismocooperam na NaturezaDevido a cada tipo de organismo ser especializado numa formaparticular de vida, não surpreende que muitos tipos diferentes

Camada superiordas hifas fúngicas

Células algaisformam camadafotossintetizadora

Camada esparsa ------l7das hifas fúngicas

Camada inferiordas hifas fúngicas

Substrato -----

FIG. 1.8 Um líquen é uma associação simbiótica de um fungo euma alga verde. Fotografia de R. E. Ricklefs.

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de organismos vivam juntos em estreita associação. Uma relaçãofísica estreita entre dois tipos de organismo é denominada sim-biose. Quando cada parceiro numa simbiose proporciona algoque o outro não tem, sua relação é chamada de mutualismo.Alguns exemplos familiares incluem os liquens, que compreen-dem um fungo e uma alga num único organismo (Fig. 1.8); asbactérias que fermentam material vegetal nos intestinos das va-cas; os protozoários que digerem madeira nos intestinos das tér-mitas; os fungos associados com as raízes de plantas que as au-xiliam a extrair nutrientes minerais do solo em troca de energiado carboidrato da planta; algas fotossintetizadoras no corpo decorais e moluscos gigantes; e bactérias fixadoras de nitrogênionos nódulos das raízes das leguminosas. As organelas especia-Iizadas tão características das células eucarióticas - cloroplas-tos para a fotossíntese, mitocôndrias para várias transformaçõesenergéticas de oxidação - se originaram como bactérias simbió-ticas vivendo dentro do citoplasma de células hospedeiras.

Os parasitas vivem em todosos tipos de organismosA fronteira entre o mutualismo e o parasitismo - isto é, viverde outro organismo sem dar em troca com igualdade - é fre-quentemente invadida. Os parasitas são predadores internos. Co-mo o seu futuro depende da sobrevivência de seus hospedeiros,eles raramente matam o hospedeiro diretamente, mas em vezdisto consomem pequenas quantidades de tecido ou nutrientesdo hospedeiro. Quando os parasitas causam sintomas de doença,são chamados de patógenos. Do ponto de vista de um parasita,

(a)

Introdução 9

organismos como os humanos são armazéns móveis cheios dealimentos bem preparados. Mesmo bactérias bem pequeninassão sub-habitadas por uma pletora de vírus ainda menores. Osparasitas são ecologicamente únicos: vivendo de forma relativa-mente fácil dentro de um hospedeiro, eles são capazes de dis-pensar muitas funções necessárias no mundo externo, emboraprecisem frequentemente adotar ciclos de vida complicados pa-ra encontrar novos hospedeiros. Os parasitas podem se adaptarà vida em ambientes externos durante um estágio de vida, oumesmo utilizar outros animais para se transportarem de um hos-pedeiro para outro. Os parasitas da malária, por exemplo, infec-tam mosquitos durante um estágio de vida como um meio depassar de um humano para outro. Ou, talvez, eles usem humanospara passar de um mosquito para o outro.

o habitat define o lugar de umorganismo na Natureza; o nichodefine o seu papel funcional

Os ecólogos acham útil distinguir entre o lugar que um organis-mo vive e o que ele faz. O habitat de um organismo é o lugar,ou locação física, na qual ele vive. Os habitats são distinguidospor notáveis características físicas, frequentemente incluindo aforma predominante de vida vegetal ou, às vezes, vida animal(Fig. 1.9). Assim, falamos de habitat de floresta, habitat de de-serto e habitat de recife de coral. No início do estudo da Ecolo-gia, devotou-se muito esforço para classificar os habitats. Por

(b) (c)

FIG. 1.9 Os habitats terrestres são distinguidos por sua vege-tação dominante. (a) Nas florestas tropicais úmidas, temperaturasquentes e chuvas abundantes mantêm os mais altos níveis de pro-dutividade e biodiversidode na Terra. (b) Em habilals de florestassazonais tropicais, as árvores perdem suas folhas durante a pronun-ciada estação seca para escapar do estresse da água. (c) As se-vanas tropicais, que se desenvolvem onde a chuva é esparsa, to-davia sustentam vastos rebanhos de herbívoros pastadores durantea produtiva estação chuvosa. [d] As temperaturas gélidas na capade gelo da Antártida impedem qualquer vida exceto bactérias oca-sionais em fendas de rochas expostas ao calor do Sol. Fotografiasde R. E. Ricklefs (d)

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1 O Introdução

w ~ ~FIG. 1.10 Cada espécie tem um nicho distinto. (a) Este gafanhoto-rinoceronte peruano (Copiphora rhinoceros) é especializado em mas-tigar folhas. [b] Estes afídeos são especializados em sugar seiva dos vasos dos caules e das folhas de serralha. (c) Vespas Ichneumonidea,tais como esta espécie de Thalessa de Ohio, depositam seus ovos nas larvas dos besouros cavando fundo na madeira. Fotogrofio (01 deNature's Imoges/Photo Researchers; fotografia (bl de Scott Camazine/Photo Researchers; fotografia lei de Gary Maszaros/Visuals Unlimited.

exemplo, os ecólogos distinguiram os habitats terrestres e aquá-ticos; entre os habitats aquáticos, os de água doce e marinho;entre os habitats marinhos, os oceânicos e os de estuários; entreos habitats oceânicos, os bentônicos (sobre ou dentro do fundodo oceano) eos pelágicos (em mar aberto); e assim por diante.Contudo, à medida que essas classificações se tomaram maiscomplexas, terminaram por colidir, porque os tipos de habitatsse sobrepõem amplamente e distinções absolutas raramente exis-tem. A ideia de habitat no entanto é útil, porque enfatiza a di-versidade de condições às quais os organismos estão expostos.Os habitantes das profundezas abissais oceânicas e os das copasdas florestas pluviais tropicais experimentam condições de luz,pressão, temperatura, concentração de oxigênio, umidade, vis-cosidade e sais totalmente diferentes, sem mencionar os recursosalimentares e os inimigos.

O nicho de um organismo representa o intervalo de condiçõesque ele pode tolerar e as formas de vida que possui - isto é, seupapel no sistema ecológico. Um princípio importante da Ecolo-gia é que cada espécie tem um nicho diferente (Fig. 1.10). Nãohá duas espécies exatamente iguais, porque cada uma tem atri-butos diferentes de forma e função que determinam as condiçõesque ela pode tolerar, como se alimenta e como escapa de seusinimigos.

A diversidade de habitats contém a chave para boa parte dadiversidade dos organismos vivos. Nenhum organismo pode vi-ver sob todas as condições da Terra; cada qual deve se especia-lizar em relação tanto ao conjunto de habitats nos quais podeviver quanto ao nicho que pode ocupar no habitat.

Sistemas e processos ecológicos têmescalas características de tempo e espaçoA maioria das propriedades do ambiente, como temperatura doar ou o número de indivíduos numa população por unidade deárea, varia de um lugar para outro e de um momento para o se-guinte. Em consequência, cada medida apresenta altos e baixos,e altos ou baixos sucessivos são separados por intervalos peque-nos ou grandes, no tempo ou no espaço. As variações de cadamedida apresentam uma escala característica, que é a dimensãono tempo ou no espaço sobre a qual a variação é percebida. Éimportante selecionar a escala de medida apropriada para com-binar com a escala de variação de um padrão ecológico, seja notempo ou no espaço. Por exemplo, ao longo do tempo, a tempe-ratura do ar pode cair dramaticamente em matéria de horas, à

medida que uma frente fria passa por uma região, enquanto aságuas do oceano podem exigir semanas ou meses para se resfriarna mesma quantidade. Os estudos ecológicos se concentram nospadrões e processos que ocorrem em escalas temporais de horas,semanas, meses e anos, e escalas espaciais de milímetros, metrose quilômetros. Os processos biosféricos e as mudanças evoluti-vas, contudo, ocupam escalas muito mais amplas. Somente gran-des redes de pesquisadores em colaboração podem trabalhar es-tas escalas, e devem usar tecnologias especiais para sondar eraslongínquas e áreas imensas para processar as enormes montanhasde dados disponíveis.

Variação temporalPercebemos a variação temporal à medida que o nosso ambien-te muda com o tempo, por exemplo, com a alternância do dia eda noite e a progressão sazonal da temperatura e precipitação.Sobrepostas a estas variações mais ou menos previsíveis, há va-riações irregulares e imprevisíveis, como secas e incêndios, assimcomo tendências de longo prazo, como o atual aquecimento doclima da Terra. O termo clima se refere às condições atmosféri-cas médias (num determinado lugar), enquanto tempo* se refereaos fenômenos atmosféricos que variam em períodos de dias ouhoras. Os climas de inverno são geralmente frios e úmidos, maso "tempo" em qualquer momento específico não pode ser pre-visto com muita antecedência; ele varia perceptivelmente emintervalos de poucas horas ou dias com a passagem de frentesfrias e outros fenômenos atmosféricos. Algumas irregularidadesnas condições, como uma sequência de anos especialmente úmi-dos ou secos, ocorrem em períodos longos. Outros eventos degrande consequência ecológica local, como incêndios e tornados,atingem um lugar em particular somente em intervalos de tempomuito longos.

A forma como os organismos e as populações respondem àvariação em seu ambiente depende da frequência com que ocor-re. Em geral, quanto mais extrema for a condição, menos fre-quente ela é. Contudo, tanto a severidade quanto a frequênciados eventos são medidas relativas, dependendo do organismoque as experimenta. Incêndios em florestas podem atingir umaárvore individual muitas vezes, mas pular dúzias de gerações deuma população de insetos.

*N.T.: Em português a palavra "tempo" se refere tanto à entidade cronológicaquanto às condições atmosféricas do momento atual. No caso, o autor se refereclaramente à segunda acepção.

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Os padrões de variação temporal podem ser intrínsecos a umsistema ecológico ou impostos pela variação de fatores externos.Por exemplo, em bosques de pinheiros, a probabilidade de umfogo destrutivo cresce ao longo do tempo desde o último evento.À medida que a serapilheira e outros combustíveis se acumulame queimam, eles produzem um ciclo de fogo característico. Ana-logamente, uma doença transmissível pode se espalhar por umapopulação em intervalos regulares, reaparecendo sempre quesurjam novos indivíduos carecendo de imunidade de exposiçõesanteriores. Estes processos nos sistemas ecológicos ajudam aregular suas dinâmicas temporais.

Variação espacial

O ambiente também difere de um lugar para outro. As variaçõesno clima, topografia e tipo de solo causam heterogeneidade degrande escala (desde metros até centenas de quilômetros; veja avariação na temperatura da água no Oceano Atlântico ocidentalilustrada na Fig. 1.3). Em escalas menores, a heterogeneidade égerada pelas estruturas das plantas, pelas atividades de animaise pelo conteúdo dos solos. Tal como na variação temporal, umaescala específica de variação espacial pode ser importante paraum organismo e não para outro. A diferença entre o lado de cimae o lado de baixo de uma folha é importante para um pulgão,mas não para um alce, que rapidamente come a folha inteira,com pulgão e tudo.

À medida que um indivíduo se move através de um ambien-te que varia no espaço, ele se depara com as variações ambientaisem uma sequência temporal. Em outras palavras, um indivíduoque se move percebe a variação espacial como variação tempo-ral. Quanto mais rápido se move, menor a escala da variaçãoespacial, e mais rapidamente ele encontra novas condições am-bientais e mais curta é a escala temporal da variação. Isso seaplica a plantas assim como aos animais. As raízes que crescematravés do solo podem encontrar novas condições se a escala devariação espacial nas características do solo é pequena o bastan-te. O vento e os animais dispersam sementes, que podem ater-rissar em diversos habitats dependendo da distância que elasviajam em relação à escala da variação espacial no habitat.

Correlação de dimensões espaciais e temporais

Em relação aos fenômenos ecologicamente importantes, a dura-ção no tempo normalmente aumenta com o tamanho da áreaafetada. Por exemplo, os tornados duram somente uns poucosminutos e afetam pequenas áreas, enquanto furacões infligemdevastações ao longo de centenas de quilômetros, durante diasou semanas. Nos oceanos, em um extremo, pequenos vórticespodem durar somente uns poucos dias; no outro extremo, girosoceânicos (correntes circulatórias que abrangem bacias oceâni-cas inteiras) são estáveis durante milênios.

Comparadas com os fenômenos marinhos e especialmentecom os atmosféricos, as variações nas formas terrestres têm es-calas temporais muito longas em qualquer escala espacial. Arazão é simplesmente que a topografia e a geologia se transfor-mam na velocidade de um caracol por processos como a cons-trução de montanhas, erupções vulcânicas, erosão e até a derivacontinental. Por outro lado, a heterogeneidade espacial no oce-ano aberto resulta de processos físicos na água, que são obvia-mente mais mutáveis do que na rocha e no solo. Como o ar éainda mais fluido do que a água, os processos atmosféricos têmescalas de tempo muito curtas para uma dada escala espacial.

Introdução 1 1

As escalas espacial e temporal dos padrões que medimos naNatureza frequentemente acompanham as escalas dos processosque eles produzem. Por exemplo, os processos de macroescala daformação e extinção de espécies criam um padrão global de au-mento da riqueza de espécies na maioria dos grupos de organismosdesde as altas latitudes até o equador. A formação de novas espéciesgeralmente exige períodos evolutivos de tempo e escalas continen-tais de espaço (novas espécies não se formam prontamente em umapequena ilha, por exemplo), e a extinção de espécies em condiçõesnaturais poderia resultar de mudanças milenares ou até mais lentasno clima e no ambiente. No outro extremo, a distribuição de indi-víduos numa população depende das respostas comportamentaisdos indivíduos às variações no ambiente e à presença de outrosindivíduos em períodos de horas, minutos e segundos.

Os sistemas ecológicos são governadospor princípios físicos e biológicos básicosCom todos estes padrões e processos ocorrendo, os sistemasecológicos são lugares ativos, embora estes sistemas dinâmicose complexos sejam governados por um pequeno número de prin-cípios básicos. Uma rápida consideração de quatro destes prin-cípios ajudará a mostrar a unicidade subjacente da ecologia.

Sistemas ecológicos obedecem às leis da FísicaA vida se constrói sobre as propriedades físicas e as reações quí-micas da matéria. A difusão de oxigênio através da superfíciecorporal, a velocidade das reações químicas, a resistência dosvasos ao fluxo de fluidos e a transmissão de impulsos nervosos,todas obedecem às leis da termodinâmica. Os sistemas biológi-cos são impotentes para alterar estas propriedades fundamentaisda matéria e da energia, porém, dentro dos limites gerais impos-tos por estas restrições, a vida pode seguir muitas opções, e elatem feito isso com uma impressionante cri atividade.

Os sistemas ecológicos existemem estados dinâmicosSe nos focalizarmos sobre um organismo, uma população, umacomunidade, um ecossistema ou a biosfera, cada um destes sis-temas ecológicos continuamente troca matéria e energia com osseus arredores. Quando os ganhos e as perdas são equilibrados,os sistemas ecológicos permanecem imutáveis. Este equilíbrioé a essência de um estado estacionário dinâmico. Um animalde sangue quente continuamente perde calor para o ambientefrio. Esta perda é equilibrada, contudo, pelo calor obtido do me-tabolismo dos alimentos, e assim a temperatura corporal perma-nece constante. As proteínas dos nossos corpos são continua-mente decompostas e substituídas por novas proteínas sintetiza-das, embora nossa aparência não mude.

Este princípio do estado estacionário se aplica a todos os ní-veis de organização ecológica. Para um determinado organismo,o alimento e a energia assimilados devem equilibrar o gasto deenergia e a decomposição metabólica dos tecidos. Para a popu-lação, os ganhos e as perdas são nascimentos e mortes. A diver-sidade de uma comunidade diminui quando as espécies se tornamextintas, e aumenta quando novas espécies invadem o habitar dacomunidade. Os ecossistemas e a biosfera propriamente dita nãopoderiam existir sem a energia recebida do Sol, embora este ga-nho seja equilibrado pela energia térmica irradiada pela Terra de

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1 2 Introdução

volta para o espaço. A forma como os estados estacionários dossistemas ecológicos são mantidos e regulados é uma das maisimportantes questões colocadas pelos ecólogos, a qual voltare-mos a discutir frequentemente ao longo deste livro.

Naturalmente, os sistemas ecológicos também mudam. Osorganismos crescem; as populações variam ciclicamente emabundância; campos abandonados se revertem em florestas. Con-tudo, todos os sistemas ecológicos têm mecanismos que tendema manter sua integridade.

Sistemas vivos devem gastarenergia para se manterComo a vida é tão especial - considere que as moléculas davida são raras ou inexistentes no mundo físico - organismosvivos existem fora de equilíbrio com o ambiente físico. O que oorganismo perde para o seu entorno, contudo, não é retomadopara o ambiente de graça. Se fosse, a vida seria o equivalente deuma máquina de moto-perpétuo. * O organismo deve procurarenergia ou matéria para substituir suas perdas. Para isto, ele de- (a)ve gastar energia. Assim, ele deve substituir a energia perdidacomo calor e movimento pela metabolização do alimento ou dasreservas armazenadas, que por sua vez precisa que ele gasteenergia para capturar e assimilar. O preço de manter um sistemavivo num estado dinâmico é energia.

Os sistemas ecológicos evoluem com o tempoAo longo da história da vida sobre a Terra, os atributos dos or-ganismos mudaram e se diversificaram dramaticamente atravésdo processo da evolução. Embora as propriedades físicas e quí-micas da matéria e da energia sejam imutáveis, o que os sistemasvivos fazem com matéria e energia é tão variável quanto todasas formas de organismos que existiram no passado, existem ho-je ou poderão existir no futuro. As estruturas e funções daquelesorganismos são produtos da mudança evolutiva nas populaçõesem resposta aos seus ambientes particulares. Por exemplo, aspresas são frequentemente coloridas de tal forma que se confun-dem com a sua vizinhança e escapam de serem notadas pelospredadores (Fig. 1.11). Muitas plantas que crescem em climasquentes e secos têm pequenas folhas com superfícies cerosaspara reduzir a perda de água por evaporação. Tais atributos deestrutura e função que adaptam um organismo às condições deseu ambiente são chamados de adaptações.

!\.estreita correspondência entre organismos e seus ambientesnão é acidental. Ela deriva de um processo único dos sistemasbiológicos: a seleção natural. Somente aqueles indivíduos queestão bem adaptados aos seus ambientes sobrevivem e produzemdescendentes. Os atributos favoráveis herdados por sua prole sãopreservados. Outros indivíduos sobrevivem menos bem ou pro-duzem uma prole menor, e seus atributos menos adequados nãosão passados adiante. Charles Darwin reconheceu que este pro-cesso permite às populações responder, ao longo de muitas gera-ções, às mudanças em seus ambientes. Uma coisa maravilhosasobre a seleção natural e a evolução é que à medida que cada es-pécie muda, novas possibilidades para mudanças adicionais sãoabertas por elas mesmas e para outras espécies com as quais inte-

*N.T.: Máquina conceitual que reutiliza sua própria energia indefinidamente,sem precisar receber energia de fora de qualquer espécie. Pelas leis da Físicaatuais, tal máquina é impossível existir.

(b)

FIG. 1.11 Adaptações ajudam os organismos a sobreviveremem seus ambientes. (a) A coloração críptica de um mantídeo. da Cos-ta Rico o protege dos predadores. [b] As folhas cerosas e suculentasda agave-de-cera (Echeverio agavoides; Crassulaceae) sul-americanareduz a perda de água no seu ambiente árido. Fotografia 101 de MichaelFogden/DRK; fotografia [b] de PeterAnderson, DK limited/CORB1S

rage. Desta forma, a complexidade das comunidades e ecossiste-mas ecológicos vai se ampliando, e é promovida pela complexi-dade existente. Um objetivo importante da Ecologia como ciênciaé compreender como estes sistemas ecológicos complexos vierama existir e como funcionam nas suas estruturas ambientais.

Os ecólogos estudam o mundo naturalpor observação e experimentaçãoComo outros cientistas, os ecólogos aplicam muitos métodospara aprender sobre a Natureza. A maioria destes métodos refle-

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te três facetas da investigação científica, frequentemente referi-das como um método científico: (1) observação e descrição, (2)desenvolvimento de hipóteses ou explicações e (3) teste destashipóteses, frequentemente com experimentos.

A maioria dos programas de pesquisa começa como um con-junto de observações sobre a Natureza que convidam a umaexplicação ou especulação. Normalmente estes fatos descrevemum padrão consistente. Por exemplo, as medidas de produçãovegetal em várias partes do mundo mostram uma relação forte-mente positiva entre o crescimento das plantas e a precipitação,o que seria esperado porque sabemos que as plantas demandamágua. Nas áreas mais úmidas dos trópicos, contudo, a produçãodas plantas diminui. Esta descoberta inesperada não pode sercreditada a uma 'explicação baseada na restauração da água per-dida para a evaporação. Discutiremos algumas possibilidadesmais adiante neste livro. Mesmo uma observação simples podeestimular a especulação. Por exemplo, os ecólogos (como osfazendeiros e os jardineiros) têm há muito tempo conhecimentode que os insetos se alimentam de plantas, tipicamente removen-do cerca de 10% da biomassa das folhas das árvores. Muitosanos atrás, os ecólogos se perguntavam por que os insetos e ou-tros herbívoros não comem mais do que comem. Voltaremos aesta questão em breve.

As hipóteses são ideias sobre como um sistema funciona- isto é, são explicações. Se correta, uma hipótese pode nosajudar a compreender a causa de um padrão observado. Suponhaque nós observemos os sapos machos cantarem em noites quen-tes após períodos de chuva. Se uma quantidade razoável de ob-servações produz poucas exceções a este padrão, ele pode sercompreendido como uma generalização que nos capacita a pre-ver o comportamento dos sapos a partir do tempo. Tendo esta-belecido a existência de tal padrão, podemos desejar compreen-dê-lo melhor. Por exemplo, podemos desejar explicar como umsapo responde à temperatura e à chuva; podemos também dese-jar explicar por que um sapo responde do jeito que responde. Aparte do "como" deste fenômeno específico envolve detalhes depercepção sensorial, a inter-relação entre os estímulos ambientaise o status hormonal do sapo, e o sistema nervoso e os músculosdo sapo - em outras palavras, envolve os processos fisiológicose os fatores de aproximação que estimulam o comportamentodo sapo. A questão do "porquê" lida com os custos e benefíciosdo comportamento do indivíduo e lida com os fatores últimosno ambiente que dirigem a evolução - fatores como predadorese sapos fêmea, ambos os quais são atraídos pelo canto dos ma-chos, mas por razões diferentes. Se suspeitarmos que os machoscantam para atrair as fêmeas, talvez cantem em noites quentesapós as chuvas porque é quando as fêmeas procuram por machos.Se os machos cantassem em outros períodos, poderiam atrairpoucas parceiras (baixo benefício), e ainda manteriam a exposi-ção à predação e outros riscos (alto custo). Criamos agora umcerto número de hipóteses sobre o comportamento dos sapos:(1) o canto dos machos atrai as fêmeas e leva ao acasalamento;(2) as fêmeas buscam ativamente por machos somente em noitesquentes após as chuvas (talvez porque aquelas noites produzamas melhores condições para pôr ovos); (3) o canto tem um custo,que compele os machos a economizar o seu canto para os períodosem que produzirão os maiores benefícios.

Introdução 13

pode ser provada acima de qualquer dúvida, mas nossa confian-ça cresce quanto mais exploramos as implicações de uma hipó-tese e verificamos que ela é consistente com os fatos. Voltemosà questão dos insetos herbívoros e das plantas. Ficamos surpre-sos em observar que os herbívoros consomem tão pouca biomas-sa das plantas. Duas ideias vêm à mente. A primeira é que asplantas se defendem dos herbívoros, não correndo ou se escon-dendo, mas sintetizando várias substâncias químicas que reduzemsua palatabilidade. Estas defesas não apenas impedem que osherbívoros se alimentem, mas ao fazer isso elas também contro-lam o crescimento da população de herbívoros. A segunda ideiaé que os predadores reduzem as populações de herbívoros, e as-sim evitam que eles sobrepastem seus alimentos vegetais. Ambasas ideias são hipóteses sobre como um sistema ecológico fun-ciona.

Robert Marquis e Chris Whelan da Universidade do Missou-ri em St. Louis interessaram-se sobre se a hipótese da predação(também chamada de controle top-down de populações de her-bívoros) se aplicava aos insetos que se alimentam de carvalhosno Missouri. Eles observaram que as aves consomem muitosinsetos na folhagem do carvalho, e especularam que os preda-dores alados controlavam as populações de insetos predadoresherbívoros. Eles previram que, se a hipótese estava correta, entãoas populações de insetos deveriam aumentar e consumir maisbiomassa foliar se as aves fossem removidas. Uma previsão éuma afirmação que se segue logicamente de uma hipótese. SeMarquis e Whelan pudessem confirmar sua previsão, então ahipótese poderia ser fortalecida; se não, sua hipótese seria en-fraquecida, ou talvez até rejeitada por completo.

Devido a muitas hipóteses serem plausíveis, é necessário con-duzir investigações para determinar quais explicações melhor seajustam aos fatos. Os testes mais fortes para hipóteses são namaioria das vezes os experimentos, nos quais uma ou um pe-queno número de variáveis são manipuladas independentemen-te de outras para revelar seus efeitos específicos. Para testar suahipótese, Marquis e Whelan construíram gaiolas à prova de avesem volta de árvores de carvalho (Fig. 1.12), que excluíam o aces-so das aves à folhagem mas permitiam que os insetos passassemlivremente. O número de insetos e a quantidade de dano foliardentro das gaiolas foram monitorados durante a estação de cres-cimento do verão. Naturalmente, as populações de insetos po-

FIG. 1.12 Experimentossão os testes mais fortes das hipóteses,Uma gaiola foi colocada em volta de um carvalho-branco para ex-cluir as aves predadoras que de outra forma consumiriam as lagartasque se alimentam de suas folhas. Cortesia de C. Whelan, de R. J Mor-quis e C. Whelan, Ec%gy 75:2007-2014119941.

Usando manipulações experimentaispara testar hipótesesSe quisermos nos convencer de que uma hipótese é válida, de-vemos pô-Ia em teste. Só raramente uma ideia em particular

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14 Introdução

deriam ser influenciadas por variáveis outras que não a predação,tais como as condições meteorológicas. Assim, Marquis e Whe-lan também monitoraram árvores próximas sem gaiolas paraconsiderar as flutuações espaciais e temporais nas populaçõesde insetos. Tal tratamento, que reproduz todas as condições doexperimento exceto a variável de interesse (exclusão das aves),é chamado de um controle. Analogamente, como as gaiolas po-deriam ter efeitos na folhagem além da exclusão das aves (som-breamento, por exemplo), os pesquisadores também cercaramalgumas árvores com gaiolas incompletas que permitiam o aces-so das aves às folhas. Este terceiro conjunto de árvores propor-cionou um controle para os efeitos experimentais. Finalmente,para ter certeza de que seus resultados seriam replicáveis, ospesquisadores aplicaram o tratamento experimental a várias ár-vóres, com um número similar de árvores como controles.

Marquis e Whelan descobriram que o número de insetos re-gistrado nas árvores das quais as aves foram excluídas era 70%maior do que o das árvores de controle, e que o percentual daárea foliar ausente no fim da estação de crescimento saltou de22% nas árvores de controle para 35% nas experimentais. Estasdescobertas os levaram a concluir que os predadores alados defato reduzem a abundância de insetos herbívoros, assim comoos danos causados pelos herbívoros às árvores. Portanto, os ex-perimentos confirmaram as previsões dos pesquisadores e for-taleceram sua hipótese. Contudo, não responderam à hipótesealternativa de que defensivos químicos produzidos pelas plantastambém reduzem a herbivoria dos insetos. Esta hipótese exigiráum outro teste, como veremos ainda neste livro. A descoberta deque as aves reduzem a herbivoria sugere uma outra questão: aspopulações de aves estão declinando em resposta à fragmentaçãodas florestas no leste dos EUA e em outras partes. Os danos cau-sados por insetos às florestas remanescentes vão aumentar emconsequência disto?

Abordagens alternativas ao teste de hipóteseEmbora os métodos de adquirir conhecimento científico pareçamser diretos, muitas armadilhas existem. Por exemplo, uma cor-relação entre variáveis não implica uma relação causal; o meca-nismo de causalidade deve ser determinado independentemente,por meio de uma investigação adequada. Àlém disso, muitas hi-póteses não podem ser testadas por métodos experimentais por-que as escalas dos processos relevantes são grandes demais, ouas variáveis importantes não podem ser isoladas porque contro-les adequados não podem ser estabelecidos. Estas limitações setornam particularmente restritivas quando ocorrem com padrõesque evoluíram durante longos períodos de tempo e com sistemastais como populações inteiras ou ecossistemas que são grandesdemais para uma manipulação prática.

Hipóteses diferentes deveriam explicar uma observação par-ticular igualmente bem, assim os pesquisadores devem fazer pre-visões que distingam as várias alternativas. Naturalmente, maisde um mecanismo poderia produzir um determinado padrão, emcujo caso mais de uma hipótese poderia ser sustentada. Por exem-plo, a redução observada na riqueza de espécies em latitudesmais altas tem muitas explicações potenciais. À medida que seviaja para o norte a partir do equador, a temperatura e a precipi-tação médias diminuem, a luz do Sol e a produção biológicadiminuem, e a sazonalidade e outras variações ambientais au-mentam. Cada um destes fatores poderia interagir com os siste-mas ecológicos em modos que poderiam afetar o número deespécies que podem coexistir numa localidade, e dúzias de hi-póteses baseadas nestes fatores e invocando vários mecanismos

ecológicos e evolutivos foram propostas. Isolar o efeito de cadafator é difícil porque cada um tende a variar em paralelo comoutros.

Em face destas dificuldades, os ecólogos recorrem a diversasabordagens alternativas aos testes de hipótese. Uma destas é oexperimento natural, que se baseia na variação natural do am-biente para criar tratamentos experimentais razoavelmente con-trolados. Por exemplo, a hipótese de que o número de espéciesnuma ilha é influenciado pela taxa na qual novos colonizadoreschegam de áreas originárias do continente foi "testada" pela com-paração da diversidade de espécies nas ilhas com tamanhos ehabitats equivalentes mas localizadas em distâncias diferentesda costa continental. Como previsto, a diversidade diminui coma distância da costa.

Uma outra abordagem é o experimento de microcosmo, quetenta replicar as características essenciais de um ecos sistemanum laboratório ou montagem de campo simplificados (Fig.1.13). Ele assume que um aquário com cinco espécies de animaisse comportará como um sistema natural mais complexo numlago, ou mesmo como ecos sistemas mais gerais; se for assim, asmanipulações experimentais do microcosmo podem produzirresultados que podem ser generalizados para sistemas maiores.Por exemplo, a hipótese de que a diversidade diminui à medidaque a variação temporal no ambiente aumenta poderia ser testa-da num experimento de microcosmo variando-se a temperatura,a luz, a acidez ou as condições de recursos nutricionais, e obser-vando se algumas espécies desaparecem do sistema. Pode serum exagero generalizar de um aquário para um ecossistema"real", mas se tais variações consistentemente resultarem numaperda de espécies em diversos microcosmos, a hipótese seriafortalecida.

Os ecólogos também usam modelos matemáticos para ex-plorar o comportamento de sistemas complexos: O pesquisadorrepresenta um tal sistema como um conjunto de equações cor-respondendo às relações postuladas de cada um dos componen-tes de um sistema em relação aos outros componentes e às in-fluências externas. Neste sentido, um modelo matemático é uma

FIG. 1.13 Experimentos com microcosmo são projetados parareproduzir as características essenciais de um sistema ecológico.Comunidades de invertebrados de água doce são alojadas em tan-que de gado (cattle tanks) na Kel/ogg Biological Station da Univer-sidade Estadual de Michigan. Vários tanques são usados para re-produção de tratamentos experimentais diferentes. Fotografiade R.E.Ricklefs.

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hipótese; ele proporciona uma explicação da estrutura e do fun-cionamento observados do sistema. Podemos testar os modelospela comparação das previsões que produzem com observações.A maioria dos modelos faz previsões sobre atributos de um sis-tema que não foram medidos ou acerca da resposta do sistemaa perturbação. Se estas previsões forem consistentes com as ob-servações, isso determina se as hipóteses sobre as quais estãobaseados são mantidas ou rejeitadas. Por exemplo, os epidemio-logistas desenvolveram modelos para descrever a dispersão dedoenças transmissíveis. Estes modelos incluem fatores como afração das populações que são suscetíveis, expostas, infectadase recuperadas (e assim se tornando resistentes por imunidadeadquirida), assim como as taxas de transmissão e a virulência doorganismo patológico. Estes modelos são capazes de fazer pre-visões sobre a frequência e a severidade do surto da doença, eestas previsões podem ser comparadas com as observações paratestar os modelos.

Numa escala maior, os ecólogos criaram modelos de equilí-brio do carbono global para investigar como a queima de com-bustíveis fósseis afeta o conteúdo de dióxido de carbono da at-mosfera. Compreender essa relação é criticamente importantepara gerenciar os impactos humanos no ambiente. Os modelosde equilíbrio do carbono global incluem, entre outros fatores,equações para a assimilação de dióxido de carbono pelas plantase para a dissolução de dióxido de carbono nos oceanos. Os re-sultados das últimas versões destes modelos falharam em expli-car as últimas observações; especificamente, os modelos sobre-estimaram o aumento anual das concentrações de carbono at-mosférico. O mundo real evidentemente contém sumidouros dedióxido de carbono que removem o gás da atmosfera mas quenão foram representados adequadamente nos modelos. Esta dis-crepância fez os modelistas de ecossistemas olharem mais deta-lhadamente os processos tais como a regeneração de florestas eo movimento do dióxido de carbono através da interface ar-água.Estes processos foram atualizados nos modelos para criar des-crições mais refinadas do funcionamento da biosfera e previsõesmais precisas do futuro da mudança atmosférica.

Os humanos são uma parteimportante da biosferaPor que os ecólogos fazem tudo isso? As maravilhas do mundonatural atraem a nossa curiosidade natural sobre a vida e tudoque nos cerca. Para muitos de nós, nossa curiosidade sobre aNatureza e os desafios de seu estudo são razões suficientes. Alémdisso, contudo, nossa necessidade de compreender a Naturezaestá se tornando mais e mais urgente, à medida que o crescimen-to da população humana estressa a capacidade dos sistemas na-turais em manter sua estrutura e funcionamento. Os ambientesque as atividades humanas dominam ou criaram - incluindonossas áreas de vida urbanas e suburbanas, nossas terras culti-vadas, nossas áreas de recreação, plantações de árvore e pesquei-ros - são também ecossistemas. O bem-estar da humanidadedepende de manter o funcionamento destes sistemas, sejam elesnaturais ou artificiais. Virtualmente toda a superfície da Terra é,ou em breve será, fortemente influenciada por pessoas, se nãocompletamente sob seu controle. Os humanos já usurpam quasemetade da produtividade biológica da biosfera. Não podemosassumir esta responsabilidade de forma negligente.

A população humana se aproxima da marca de 7 bilhões, econsome energia e recursos, e produz rejeitos muito além do

Introdução 15

necessário ditado pelo metabolismo biológico. Estas atividadescausaram dois problemas relacionados de dimensões globais. Oprimeiro é o seu impacto nos sistemas naturais, incluindo a in-terrupção de processos ecológicos e a exterrninação de espécies.O segundo é a firme e constante deterioração do próprio ambien-te da espécie humana à medida que pressionamos os limitesdentro dos quais os ecossistemas podem se sustentar. Compre-ender os princípios ecológicos é um passo necessário para lidarcom estes problemas. Dois exemplos mostram isso.

ECÓlOGOS. EM CAMPO

A introdução da perca-do-nilo no lago Victo-ria. Durante a década de 1950 e início dade 60, a perca-do-nilo (Lates niloticus) e a ti-

lápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) foram introduzidas no lagoVictoria, um qronde e raso lago que se espalha ao longo do equa-dor no leste da Africa. A introdução intencionava proporcionaralimento adicional para as pessoas que viviam na área e umareceita adicional de exportação com a pesca excedente (Fig.1.14). Durante a década de 1980, a população da perca-do-ni-10 aumentou dramaticamente, e o próspero pesqueiro atraiu mui-ta gente para a região das margens do lago Victoria. De fato, em2003, o pesqueiro produzia exportação para a União Europeiaavaliada em quase 170 milhões de euros anuais. Contudo, devido

FIG. 1.14 A introdução de uma nova espécie num ecossistemapode ter efeitos drásticos. A perco-do-nilo foi introduzido no lagoVictoria na década de 1950 para aumentar a pesca local, mas le-vou muitos peixes nativos endêmicos à extinção e mudou completa-mente o ecossislema do lago. Fotografiade cortesiade Tim Baily/TheAfricanAnglere joe BucherTackleCompany.

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16 Introdução

ao fato de princípios ecológicos básicos terem sido ignorados, aintrodução terminou por destruir a maior parte da pesca tradicio-nal do lago e assim também acabando com o novo pesqueiro.

Até a introdução da perca-do-nilo, o lago Victoria sustentavauma pesca permanente de diversos peixes locais, a maioria delespertencentes à família Cichlidae. Uma destas espécies nativas foiuma espécie de tilápia que se alimentava principalmente de ma-téria orgânica morta, plantas e pequenos invertebrados aquáticos.As percas-do-nilo são muito grandes e comem grandes quantida-des de outros peixes: os ciclídeos menores, neste caso. Mais ain-da, como energia é perdida em cada passo na cadeia alimentar,populações de predadores não podem ser pescadas numa taxatão alta quanto as suas presas, mesmo que possam parecer maisfáceis de pescar. Como a perca-do-nilo era um alienígena parao lago Victoria, os ciclídeos locais tinham poucas adaptações queos ajudassem a escapar do seu predador. Inevitavelmente, a per-ca-do-nilo aniquilou as populações de ciclídeos, levando muitasespécies únicas à extinção, destruindo a pesca nativa e reduzin-do severamente seu próprio suprimento de comida. Consequen-temente, os hábitos vorazes da perca-do-nilo sobre presas inde-fesas trouxeram a sua própria derrocada como uma espécie depeixe explorável e mudou completamente o ecossistema do lagoVictoria.

No momento, o pesqueiro da perca-do-nilo no lago Victoriaentrou em colapso. A introdução da perca-do-nilo teve conse-quências secundárias para os ecossistemas terrestres no entor-no do lago também. A carne da perca-do-nilo é oleosa e deveser preservada pela defumação em vez de secagem ao Sol, eassim as florestas locais foram cortadas para fazer fogo. Paraser mais preciso, a pesca nativa já estava precariamente pró-xima da sobre-exploração, em consequência de um aumentoda população humana local e do uso de tecnologias de pescaavançada e não tradicional. Contudo, em vez de introduzir umpredador eficiente sobre os peixes locais, estes problemas de-veriam ter sido mais adequadamente resolvidos por meio de

métodos de regulação da pesca, limites restritivos sobre a cole-ta anual total e o desenvolvimento de fontes alternativas dealimentos diferentes de peixe .•

. ECÓLOGOS,EM CAMPO'

A lontra-do-mar da Califórnia. Meio mundodistante do lago Victoria, os esforços parasalvar a lontra-do-mar (Enhydra lulris) ao lon-

go da costa da Califórnia ilustram a intricada mistura da Ecologiae outras questões humanas (Fig. 1.15). A lontra-do-mar já foi am-plamente distribuída em torno da faixa do Pacífico Norte, do Ja-pão até a Baixa Califórnia. Nos séculos 18 e 19, uma caça in-tensa por pele de lontra reduziu a população quase à extinção.Previsivelmente, a indústria de peles entrou em colapso à medidaque sobre-explorou sua base econômica. Após a redescoberta deuma pequena população na década de 1930, a população dalontra-do-mar foi colocada sob rigorosa proteção. Ela aumentoupara vários milhares de indivíduos na década de 1990, mas es-tá agora decrescendo novamente.

Inicialmente, a recuperação da lontra-do-mar irritou algunspescadores da Califórnia, que reclamaram que as lontras - quenão precisam de licenças comerciais para pescar - drastica-mente reduziram os estoques de valiosos moluscos, ouriços-do-mar e lagostas. Os problemas deterioraram até o ponto doequivalente a uma guerra marinha entre a indústria da pesca eos conservacionistas, com a lontra no meio do fogo, frequente-mente fatal. Ironicamente, as lontras se beneficiaram de um em-preendimento marinho comercial: a criação de algas marinhas.(kelps). As kelps, que são grandes plantas marinhas muito usa-das para produzir fertilizantes, crescem em águas rasas emáreas chamadas de florestas de kelp, que proporcionam refúgioe áreas de alimentação para larvas de peixes (Fig. 1.16). Askelps são também comidas por ouriços-do-mar que, quando abun-dantes, podem limpar uma área. A lontra-do-mar é o principalpredador do ouriço-do-mar. Quando a população de lontras em

IComem

t

Humanos

IICaçam Coletam

t...•....

Lontras-marinhas

FIG. 1.1 5 Atividades humanas têm efeitoscomplexos nos ecossistemas. Vários componen-tesdo ecossistema kelp-ouriço-Iontra são altera-dos quando os humanos reduzem as populaçõesde lontras por caça. SegundoJ. A. Estesetcl., Scien-ce 282473-476 (1998)

IComem

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Comem

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Mariscos comerciais(abalone, lagostas

Protegem!.~0'Comem

tKelp'-------Alimentação----·

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Introdução 17

efetivo de preservar os recursos naturais é através da conservaçãode sistemas ecológicos inteiros e do manejo dos processos eco-lógicos em larga escala. Cada uma das espécies, incluindo aque-las das quais os humanos dependem para alimento e outros pro-dutos, dependem, elas próprias, da manutenção dos sistemasecológicos de suporte. Já vimos como predadores como a perca-do-nilo e a lontra-do-mar podem assumir papéis-chave no fun-cionamento dos ecossistemas. As atividades humanas que mu-daram a abundância destes predadores alteraram ecos sistemasinteiros. Impactos locais de atividades humanas sobre os ecos-sistemas podem frequentemente ser gerenciados uma vez quecompreendamos os mecanismos responsáveis pelas mudanças.Crescentemente, contudo, nossas atividades têm impactos múl-tiplos e amplamente abrangentes que tomam mais difícil para oscientistas caracterizar e para os órgãos reguladores e legislativoscontrolar. Por esta razão, uma saudável compreensão científicados problemas ambientais é um pré-requisito necessário para aação.

Os jornais diários estão cheios de problemas ambientais:desaparecimento de florestas tropicais, depleção do estoque depeixes, doenças emergentes, aquecimento global. As guerrascriam igualmente impressionantes catástrofes ambientais e tra-gédias humanas. Mas há também histórias de sucesso. Muitospaíses desenvolvidos fizeram grandes avanços na limpeza deseus rios, lagos e atmosfera. Os peixes estão novamente mi-grando rio acima na maioria dos grandes rios da América doNorte e Europa para se reproduzirem. A chuva ácida diminuiu,graças às mudanças na queima de combustíveis fósseis. A li-beração de clorofluorcarbonos (CFC), que danificam a camadade ozônio que protege a superfície da Terra da radiação ultra-violeta, diminuiu dramaticamente. A inevitabilidade do aque-cimento global causado pelo aumento do dióxido de carbonoatmosférico colocou em andamento um esforço de pesquisainternacional e gerou uma preocupação global. Os esforços deconservação, incluindo a reprodução de espécies ameaçadasem cativeiro, salvaram alguns animais e plantas da extinçãocerta. Eles também aumentaram a consciência do público sobreas questões ambientais, e algumas vezes provocaram polêmi-cas. Contudo, sem uma consciência e compreensão do público,a ação política é impossível.

Particularmente encorajador é o crescimento da cooperaçãointernacional exemplificada em organizações como a Interna-tional Union for the Conservation of Nature - IUCN (UniãoInternacional para a Conservação da Natureza) e o World Wild-life Fund - WWF (Fundo Mundial para a Vida Selvagem).Além disso, as nações do mundo fizeram acordos importantespara a proteção da vida selvagem e da Natureza. Um destesacordos é a Convenção sobre Comércio Internacional de Espé-cies Ameaçadas (CITES), que proíbe o transporte de espéciesameaçadas ou seus subprodutos (peles, penas e marfim, porexemplo) através das fronteiras internacionais, alijando os ca-çadores ilegais dos mercados. A Convenção da Biodiversidade,ou Rio 92, reconhece os interesses proprietários dos países so-bre suas próprias heranças biológicas e garante taxas e royaltiespara a exploração de plantas e animais locais para usos taiscomo produtos farmacêuticos. O Protocolo de Kyoto sobre mu-danças climáticas, um acordo projetado para limitar as emissõesde gases de estufa, pode acabar por ser ineficiente, mas é umcompromisso inicial para se fazer algo sobre a mudança globalda biosfera.

Estes sucessos não teriam sido possíveis sem um consensogeral fundamentado nas evidências produzidas pelo estudo domundo natural. Compreender a ecologia não irá por si só resol-

FIG. 1.16 A integridade do habitat de floresta de kelp dependeda presença de lontras-marinhas. A floresta de ke/p proporcionaárea de alimentação e refúgio para muitas espécies de peixes e in·vertebrados. As lontras-marinhas comem os ouriços, que de outraforma destruiriam as ke/ps jovens. Fotografia de JeH Rotman/PhotoResearchers.

crescimento se espalhou para novas áreas, as populações deouriços foram controladas, permitindo às florestas de ke/p serecuperarem.

Nos últimos anos, as redes de emalhe (gi// nets), utilizadaspara explorar um pesqueiro desenvolvido recentemente na costada Califórnia, inadvertidamente mataram lontras em grandes nú-meros até que uma nova legislação deslocou o pesqueiro paralonge da costa. Mortes recentes de lontras foram atribuídas aoparasita protozoório Toxop/asma gondii e Sarcocystis neurona.Estesparasitas normalmente infectam gatos, mas devem ter entro-do no ecossistema marinho por meio de dejetos de gatos liberadosatravés do sistema de saneamento.

Em todos os lugares, onde outros fatores estão em funciona-mento, a população de lontras está também declinando. Numrelatório publicado em 1998 no periódico Science, J. A. Estes eseus colegas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz mos-traram que as populações de lontras na vizinhança das IlhasAleutas, Alasca, declinaram fortemente durante a década de1990. A razão? As orcas, ou, como são chamadas, baleias as-sassinas (Orcinus orca), que anteriormente não atacavam lontras,têm se aproximado da costa e eliminado grande número delas.Um resultado previsível do declínio da população de lontras temsido um aumento dramático nos ouriços e a dizimação de ke/psnas áreas afetadas. Por que as baleias assassinas adotaram estenovo comportamento? J. A. Estes aponta que as populações dasprincipais presas das baleias assassinas - focas e leões-marinhos- colapsaram durante o mesmo período, talvez induzindo asbaleias a procurar por fontes de alimentos alternativos. Por queas focas e os leões-marinhos declinaram? Pode-se somente espe-cular neste ponto. Contudo, a pesca humana intensa reduziu osestoques de peixes explorados pelas focas a níveis baixos o sufi-ciente para afetar seriamente suas populações .•

Os impactos humanos no mundonatural têm se tornado crescentementeum foco da EcologiaEmbora a situação de espécies ameaçadas nos toque emocional-mente, os ecólogos cada vez mais percebem que o único meio

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---------------------------------------~~...•18 Introdução

ver nossos problemas ambientais em todas as suas dimensõespolíticas, econômicas e sociais. Contudo, à medida que enfren-tamos a necessidade de uma gestão global dos sistemas naturais,

R-ESUM-O=_1. A Ecologia é o estudo científico do ambiente natural e das

relações dos organismos uns com os outros e com suas redon-dezas.

2. Um sistema ecológico pode ser um organismo, uma popu-lação, uma comunidade, um ecossistema ou toda a biosfera. Es-tes sistemas representam níveis de organização de estrutura efuncionamento ecológicos e formam uma hierarquia de entidadesprogressivamente mais complexas.

3. Os ecólogos usam diversas abordagens para estudar a Na-tureza, enfocando as interações dos organismos com seus am-bientes; as transformações resultantes de energia e de elementosquímicos nos ecossistemas e na biosfera; a dinâmica das popu-lações, incluindo as mudanças evolutivas; e as interações de po-pulações nas comunidades ecológicas.

4. Diferentes tipos de organismos representam diferentes pa-péis no funcionamento dos ecossistemas. As plantas, algas ealgumas bactérias transformam a energia da luz do Sol em ener-gia química armazenada. Os animais e os protozoários consomemformas biológicas de energia. Os fungos representam um papelimportante na decomposição de material biológico e na regene-ração de nutrientes no ecossistema. As bactérias são especialis-tas bioquímicos, capazes de executar tais transformações comoa assimilação de nitrogênio e o uso de sulfeto de hidrogênio co-mo fonte de energia.

5. Diferentes tipos de organismos podem formar parcerias mu-tuamente benéficas, como no caso das algas e fungos que cons-tituem os liquens. Muitos organismos vivem parasiticamentesobre ou dentro de outros organismos, alimentando-se dos nu-trientes ou tecidos de seus hospedeiros e frequentemente cau-sando doenças.6. Um habitat de um indivíduo é o lugar onde ele vive. O con-

ceito de habitat enfatiza a estrutura e as condições do ambiente.O nicho de um indivíduo inclui o conjunto de condições que elepode tolerar e as formas de vida que pode assumir - isto é, seupapel funcional no sistema natural.

7. Os processos e estruturas ecológicas têm escalas caracterís-ticas de tempo e espaço. Em geral, as escalas de padrões e pro-

QUESt-ÕE-S DE REV--JSÃO1. Por que os ecólogos consideram organjsmo e ecos sistemas

como sistemas ecológicos? (2. Quais são os processos e estruturas únicos examinados ao

assumir as abordagens de organismo, população, comunidade eecossistema para estudar Ecologia?

3. Como diferem as fontes de energia adquiridas pelas plantas,animais e fungos?4. Compare e confronte o habitat de um organismo com seu

nicho.5. Qual é a relação entre a frequência de mudança nas condi-

ções ambientais e a extensão espacial de mudança?6. Descreva como os sistemas ecológicos são governados pelos

princípios gerais da Física e da Biologia.

nossa efetividade nesta empreitada se apoiará na nossa compre-ensão de sua estrutura e funcionamento - uma compreensãoque depende do conhecimento dos princípios da Ecologia.

cessos no tempo e no espaço estão correlacionadas; grandes sis-temas tendem a mudar mais lentamente do que pequenos siste-mas.

8. Os sistemas ecológicos são governados por um pequenonúmero de princípios ecológicos básicos. Os sistemas ecológicosfuncionam dentro de restrições físicas e químicas que governamas transformações de energia. Além disso, todos os sistemas eco-lógicos trocam matéria e energia com a sua vizinhança. Quandoas entradas e saídas estão equilibradas, diz-se que o sistema es-tá num estado estacionário dinâmico.

9. Todos os sistemas ecológicos vivos devem gastar energiapara manter sua integridade. Os organismos devem gastar ener-gia para repor a energia e a matéria que eles perdem por meiode processos naturais.10. Todos os sistemas ecológicos estão sujeitos a mudançaevolutiva, que resulta da sobrevivência e reprodução diferen-ciada nas populações de indivíduos que apresentam diferentesatributos determinados geneticamente. Como consequênciada seleção natural, os organismos apresentam adaptações deestrutura e função que os ajustam às condições de seus am-bientes.11. Osecólogos empregam diversas técnicas de estudo dos sis-temas naturais. As mais importantes destas são a observação, odesenvolvimento de hipóteses para explicar as observações e oteste daquelas hipóteses. Os experimentos são uma ferramentaimportante para testar as hipóteses. Quando os sistemas naturaisnão se prestam eles mesmos prontamente à experimentação, osecólogos podem trabalhar com microcosmos ou modelos mate-máticos.12. Os humanos representam um papel dominante no funciona-mento da biosfera, e as atividades humanas criaram uma criseambiental de proporções globais. Resolver nossos problemasambientais agudos exigirá a compreensão dos princípios da Eco-logia e suas aplicações nas esferas de ação política, econômicae social.

7. No Hemisfério Norte muitas espécies de aves voam para osul durante os meses de outono. Proponha uma causa próxima euma causa última para este comportamento.

8. Quando manipulações experimentais são conduzi das paratestar uma hipótese, qual é o propósito de se incluir o contro-le?

9. De que forma as manipulações experimentais se diferenciamdos experimentos naturais e dos de microcosmo?10. Como pode o nosso conhecimento dos sistemas ecológicosajudar os humanos a manejar estes sistemas?

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