a falsidade da utipia socialista segundo jean françois revel
DESCRIPTION
O artigo trás uma análise da conjuntura das obras de Jean Françoi Revel, segundo Ricardo Vélez Rodriguez.TRANSCRIPT
-
A FALSIDADE DA UTOPIA
SOCIALISTA, SEGUNDO JEAN-
FRANOIS REVEL (1924-2006)
Ricardo Vlez Rodrguez Coordenador do Centro de Pesquisas
Estratgicas Paulino Soares de Sousa, da UFJF. [email protected]
Jean-Franois Revel, da Academia Francesa, foi um dos mais lcidos crticos
liberais do estatismo na tradio poltica do seu pas e na atual conjuntura internacional.
Revel foi autor de clssicos do pensamento poltico como Ni Marx, ni Jsus (1970), La
Tentation totalitaire (1976), La Nouvelle Censure (1977), Comment les dmocraties
finissent (1983, obra ganhadora dos prmios Aujurd'hui e Konrad-Adenauer), Le Rejet de
l'tat (1984), Le Terrorisme contra la dmocratie (1987), La Connaissance inutile (1988,
prmios Chateaubriand e Jean-Jacques Rousseau), Le Regain dmocratique (1992, prmios
Ville d'Ajaccio e Mmorial), L'Absolutisme inefficace ou contre le prsidentialisme la
franaise (1992) ou Fin du sicle des ombres, chroniques politiques et littraires (1999). O
escritor francs publicou, em 2000, uma obra prima de crtica ideologia socialista: La
Grande Parade: Essai sur la survie de l'utopie socialiste (Paris: Plon, 344 p.). O notvel
escritor publicou, pouco antes de morrer, interessante anlise sobre o sentimento
antiamericano espalhado hoje pelo mundo, notadamente nos pases sub-desenvolvidos:
trata-se da obra intitulada LObsession anti-amricaine (Paris: Plon, 2002).
-
Referir-me-ei, neste comentrio, obra, j mencionada, La grande Parade, que foi
publicada em 2001, em portugus, no Rio de Janeiro, pela Biblioteca do Exrcito, sob o
ttulo de: A Grade Parada Sobrevivncia da Utopia Socialista, como obra integrante da
Coleo General Bencio. Esta obra de Revel, como era de se esperar, causou polmica nos
meios intelectuais do Velho Mundo e foi muito debatida no Brasil e na Amrica Latina, em
decorrncia da denncia que o autor fez da capacidade que os defensores do socialismo tm
para encobrir a realidade com o vu da ignorncia, em que pese o fato de o mundo
comunista ter desabado no leste europeu h mais de uma dcada. A Frana, alis,
caracterizada por Revel com palavras que poderiam muito bem ser aplicadas ao Brasil:
"Devo dizer que, entre os pases que sempre escaparam do comunismo mas onde a
ideologia totalitria permanece forte, tanto no debate das idias quanto pelo seu peso na
prtica poltica, a Frana ocupa um dos primeiros lugares, seno o primeiro. Ela constitui
na Europa uma espcie de laboratrio de ponta na produo das espertices destinadas a
rejeitar ou a tornar incuas as lies da experincia, ou a adot-las com um atraso e uma m
vontade tais que terminam por volatilizar os benefcios da aceitao da verdade" (p. 31/32
da edio francesa). O autor retoma, assim, a crtica feita por Tocqueville, em O Antigo
Regime e a Revoluo, capacidade mistificadora dos philosophes franceses, que no final
do sculo XVIII substituram alegremente o conhecimento da complexa realidade social
por frmulas gerais e simplrias, fceis de serem vendidas ao povo nos panfletos e nas
tribunas. A conseqncia dessa insensatez por todos conhecida: a guilhotina e o terror
jacobino, de que foram vtimas os prprios idelogos do caos.
O escritor Jean-Franois Revel, da Academia Francesa.
-
Em 14 contundentes captulos Jean-Franois Revel desossa, com preciso cirrgica,
o cadver do dinossauro retrico com que os intelectuais socialistas tm tentado, ao longo
dos ltimos decnios, dar vida ectoplasmtica ao apodrecido paquiderme do socialismo
real. O cerne da ressurreio ideolgica da utopia socialista pode ser resumido, segundo a
exposio de Revel, nas seguintes consideraes: 1) J que o socialismo totalitrio de carne
e osso est morto e sepultado pelas suas antigas vtimas no leste europeu, os intelectuais
ocidentais defensores desses ideais, em lugar de reconhecerem a falncia do arqutipo dos
seus sonhos, passaram a lhe dar vida utpica, afirmando que se o comunismo tinha
desaparecido da Europa, morreram com ele tambm as esperanas da humanidade de ver
concretizada a justia social. 2) Para esses intelectuais, j que a retrica liberal estruturou-
se, ao longo do sculo XX, em contraposio ao comunismo, desaparecido este no faz
mais sentido mant-la. 3) Responsvel fundamental pela pobreza dos pases do leste
europeu e do terceiro mundo , segundo os socialistas pensantes, o capitalismo e a sua
superestrutura ideolgica, o liberalismo. 4) O binmio capitalismo/liberalismo tambm ,
para eles, o responsvel pelo fim dos anos dourados do welfare state na Europa Ocidental e
nos Estados Unidos. 5) A intelecturia socialista , no mundo globalizado, por obra e graa
do demnio capitalista, a portadora da nica mensagem de esperana para a Humanidade
no novo milnio; a sua pregao consiste em afirmar que o comunismo a etapa suprema
da democracia. 6) Posto que os Estados Unidos so o grande motor do capitalismo mundial,
parte essencial da pregao dos novos messias consiste em denegrir a imagem dessa
sociedade alimentando o esprito anti-americano.
Embora seja bastante simplrio o arrazoado dos intelectuais socialistas, a
desinformao propalada por eles, no sentir de Revel, tem conseguido ocupar espaos na
mdia e tender um cordo de isolamento contra aqueles que ousarem divergir do seu ponto
de vista. O prprio Revel confessa ter sido vtima, na Frana e nos Estados Unidos, do
patrulhamento ideolgico das vivas da Praa Vermelha (para utilizar a feliz expresso
cunhada pelo meu amigo, o embaixador Jos Osvaldo de Meira Penna) e daqueles que, no
sendo socialistas militantes, sentem-se, contudo, presos pelo imperativo categrico do
politicamente correto. Esse fato constitui, no sentir do autor, uma prova da lentido do
progresso da liberdade de esprito no mundo contemporneo. "Uma grande parte de
-
intelectuais, frisa Revel, persistem em se perguntar, antes de tudo, no o que eles devem
pensar, mas o que vai se pensar deles" (p. 54). Esta situao constitui, a meu ver, uma
verdadeira inverso da tica de convico weberiana que deveria animar ao intelectual,
defensor, sobretudo, da verdade custe o que custar, sem esperar pelos aplausos da platia.
Ou melhor, estamos diante de uma inverso dos papis com o poltico, que deve agir
calculando os resultados da ao.
Capa da edio francesa de A Grande Parada, de Jean-Franois Revel.
Jean-Franois Revel parte para desmascarar a falsidade do discurso ideolgico da
esquerda, explicitando, em primeiro lugar, os interesses dela e, em segundo lugar,
mostrando quem foi que resolveu na Frana a questo social. No que diz relao ao
primeiro ponto, Revel escreve: "A defesa de estatutos protegidos e, digamo-lo claramente,
o reforo dos privilgios, converteram-se nas principais causas do que a esquerda ousa
ainda chamar de movimentos sociais, que na verdade no so mais do que anti-sociais" (p.
54).
Quanto ao segundo ponto, Revel no duvida em afirmar que foram os liberais os
que, na Frana, enfrentaram e equacionaram a questo social. A respeito, afirma: "Dezenas
de anos antes da apario dos primeiros partidos comunistas, foram os liberais do sculo
dezenove os que colocaram, antes que qualquer um, o que se chamava ento de a questo
social e responderam a ela, elaborando muitas leis fundadoras do direito social moderno.
Foi o liberal Franois Guizot, ministro do rei Lus-Filipe que, em 1841, fez votar a primeira
lei destinada a limitar o trabalho das crianas nas fbricas. Foi Frdric Bastiat, esse
economista genial que hoje seria alcunhado de ultraliberal desenfreado, que em 1849, sendo
deputado na Assemblia legislativa, interveio precursoramente na nossa histria para
-
formular e exigir que fosse reconhecido o princpio do direito de greve. Foi o liberal mile
Ollivier que, em 1864, convenceu o imperador Napoleo III de abolir o delito de coalizo
(ou seja, a proibio que impedia os operrios de se agruparem em defesa dos seus
interesses), abrindo assim o caminho para o futuro sindicalismo. o liberal Pierre
Waldeck-Rousseau que, em 1884, no incio da Terceira Repblica, fez votar a lei que
reconhecia aos sindicatos a personalidade civil. Permita-se-me sublinhar a seguinte
lembrana: os socialistas da poca, de acordo com a sua lgica revolucionria (bem anterior
apario do mais pequeno partido comunista) manifestaram uma violenta hostilidade
contra a lei Waldeck-Rousseau" (p. 48).
O remdio para as trapalhadas socialistas simples, mas deve ser corajoso e rpido.
No sentir do autor, a nica atitude vlida a integridade moral e a coragem dos intelectuais
sensatos para denunciar, sem temor, essa tentativa de estelionato utpico, maneira como
Benjamin Constant de Rebecque ps a nu, no incio do sculo XIX, os malucos e proto-
socialistas arrazoados de Rousseau em poltica e em economia, ou seguindo as pegadas de
Tocqueville na defesa incondicional e constante da liberdade ameaada pelo igualitarismo
estatizante. Advertncia de grande importncia, sobretudo para o Brasil, pas onde, como
frisava o humorista Millr Fernandes, refugiam-se as ideologias quando ficam bem
velhinhas.
O grande pensador francs Alexis de Tocqueville (1805-1859), em cuja obra inspirou-se Jean-
Franois Revel.
Como os amigos leitores podem ver, a leitura de A Grande Parada , ainda, de
singular atualidade neste Brasil que v crescer, a cada dia mais, a pregao ignara dos
socialistas de planto, embalados pelo discurso gramsciano em torno idia da escola
-
nica, da qual emergiro os intelectuais orgnicos que garantiro o equacionamento
definitivo da questo social, mediante a hegemonia da classe trabalhadora (leia-se dos
sindicalistas petistas e seus aliados), que, de posse da mquina do Estado, nos presenteiam
com os inmeros apages que infernizam a vida dos brasileiros e com os repetidos
espetculos de sem-vergonhice poltica a que estamos j cansados de assistir.